Você está na página 1de 104

H istó r ic o s

W a rren W. W ie r sb e
C o m e n t á r io B íb lic o
E x p o sit iv o

Antigo Testamento
Volume II —Histórico

W arren W. W iersbe

T r a d u z id o p o r
S u s a n a E. K la sse n

1 * Edição
4 a Impressão

Geográfica
Santo André, SP - Brasil
2009
S u m á r io

J o s u é ....................................................................................07

J uízes....................................................................................89

Rute................................................................................... 172

1 Samuel.............................................................................199

2 Samuel / 1 Crônicas...................................................... 293

1 R eis ................................................................................391

2 Reis / 2 Crônicas........................................................... 491

Esdras................................................................................ 586

N eem ias .............................................................................. 614

E ster ...................................................................................689
1 R eis

ESBOÇO enquanto os dois livros de Crônicas abran­


gem a história do reino unido e depois do
Tema-chave: A liderança irresponsável des- reino de Judá sob o ponto de vista sacerdo­
trói nações tal. Estes livros não apresentam apenas um
Versículos-chave: 1 Reis 9:4-9 registro histórico, mas também ensinam
teologia, especialmente com relação à fide­
I. O REINO PROTEGIDO - lidade de Deus em guardar sua aliança, à
1 RS 1:1 - 2:46 soberania de Deus na direção do destino
1. Os últimos dias de Davi - 1:1 - 2:12 de todas as nações e à santidade de Deus
2. Os primeiros atos de Salomão - 2:13-46 em sua oposição à idolatria. É especialmen­
te importante a forma como os quatro livros
II. O REINO ENRIQUECIDO - exaltam a dinastia davldica e, desse modo,
1 RS 3:1 - 10:29 preparam o caminho para a vinda do Mes­
1. A dádiva de sabedoria de Deus - 3:1-28 sias. Os livros de Reis identificam oito reis
2. A organização do governo - 4:1-34 de Judá, descendentes de Davi, que agrada­
3. A construção do templo - 5:1 - ram ao Senhor: Asa (1 Rs 15:9-15); Josafá
6:38; 7:13-51 (22:41-43); Joás ou Jeoás (2 Rs 12:1-3);
4. A consagração do templo - 8:1 - 9:9 Amazias (14:1-4); Azarias ou Uzias (15:1-4);
5. A construção das casas reais - 7:1-12 Jotão (15:32-38); Ezequias (18:1-3) e Josias
6. Projetos reais variados - 9:10-24 (22:1, 2). Os governantes do reino do norte
7. A glória de Salomão - 10:1-29 não foram tementes a Deus e não faziam
parte da dinastia de Davi.
III. O REINO D IVIDID O -
1 RS 11:1 - 14:31 CONTEÚDO
1. A insensatez de Salomão - 11:1 -43 1. Ocaso e aurora
2. A insensatez de Roboão - 12:1-24; (1 Rs 1:1 - 2:46; 1 Cr29:22-30)...... 393
14:21-31 2. Sabedoria do alto
3. A insensatez de Jeroboão - 12:25 - 14:20 (1 Rs 3:1 -4:34; 2 C r i ) ...................401
3. O sonho de Davi é realizado
IV. OS REINOS DESTRUÍDOS - (1 Rs 5:1 -6:38; 7:13-51; 2 Cr 2-4)... 409
1 RS 15:1 - 22:53 4. A casa de Deus e o coração
1. Judá - 15:1-24 de Salomão (1 Rs 8:1 - 9:9, 25-28;
2. Israel - 15:25 - 22:53 2 Cr 5 - 7 )........................................ 416
5. O reino, o poder e a glória
Os dois livros de Reis registram cerca de qua­ (1 Rs 7:1-12; 9:10 - 10:29;
trocentos anos da história de Israel e Judá, 2 Cr 8:1 -9:28)................................ 426
392 1 REIS

6. O homem sábio insensato 10. Q ue venha o fogo!


(1 Rs 11:1-43; 2 Cr 9:29-31)............. 432 (1 Rs 17:1 - 18:46).......................... 462
7. O homem que se recusou a ouvir 1 1 . 0 homem das cavernas
(1 Rs 12:1-24; 14:21-31; (1 Rs 19:1-21).................................. 469
2 Cr 10:1 - 12:16)............................438 12. Acabe, o escravo do pecado
8. Um novo rei, um antigo pecado (1 Rs 20:1 -22:53).......................... 477
(1 Rs 12:25- 14:20)........................ 447 13. Reflexões sobre responsabilidade
9. O desfile dos reis (Recapitulação de 1 Reis)................ 485
(1 Rs 15:1 - 16:28; 1 Cr 13 - 16).... 455
1 não tardaria a falecer, e era importante ha­
ver um rei para o trono de Israel. Assim como
seu irmão mais velho, Absalão (2 Sm 15:1­
6), Adonias aproveitou-se de uma oportu­
O caso e A urora nidade quando Davi não estava em seu me­
lhor momento e se encontrava acamado.
1 Reís 1:1 - 2:46 Porém, Adonias subestimou a resistência e
(1 C rônícas 29:22-30) a sabedoria do velho guerreiro, e, no final,
seu orgulho custou-lhe a vida.
Abisague foi companheira e enfermeira
de Davi e, provavelmente, era considerada
uma concubina, de modo que não havia
// A crise não faz a pessoa; a crise mostra nada de imoral em seu relacionamento. Tor­
t \ do que a pessoa é feita." De uma nou-se uma figura de grande importância
forma ou de outra, encontramos essa afir­ depois da morte de Davi (2:13-23). Adonias
m ação nos escritos de pensadores mais cometeu o erro de pensar que o pai não
perceptivos desde a antigüidade até o pre­ estava mais plenamente lúcido e resolveu,
sente. Outra versão diz: "O que a vida faz desse modo, interferir nos planos do rei. Em
com você depende do que ela encontra em vez de demonstrar com paixão pelo pai,
você". O mesmo sol que endurece o barro Adonias decidiu reivindicar o trono para si.
derrete o gelo. Se conseguisse o apoio dos irmãos, de líde­
O reino de Israel estava passando por uma res do governo, dos sacerdotes e do exérci­
crise, pois o rei Davi encontrava-se em seu to, poderia dar um golpe e tornar-se rei.
leito de morte. Diante dessa crise, pessoas Os traidores (vv. 5-7). Seguindo o exem­
diferentes reagiram de maneiras distintas. plo de Absalão, seu irmão infame (2 Sm
15:7-12), Adonias começou a promover-se
1. A donias , o oportunista e a buscar apoio popular. Assim com o
(1 Rs 1:1-10) Absalão, era um homem bem apessoado e
Ao ver-se diante de uma crise, o verdadeiro que havia sido mimado pelo pai (v. 6; 2 Sm
líder pergunta: " O que posso fazer para aju­ 1 3 - 1 4 ); sem pensar muito, o povo juntou-
dar o povo da melhor maneira possível?" se a sua cruzada. Com astúcia, Adonias
Diante de uma crise, um oportunista pergun­ conseguiu o apoio tanto do exército quan­
ta: "Com o posso usar essa situação para me to do sacerdócio ao colocar Joabe como
promover e conseguir o que desejo?" general e Abiatar com o sumo sacerdote.
O s oportunistas costumam aparecer sem Esses dois homens haviam servido Davi
ser convidados, voltam a atenção para si durante anos e ficado a seu lado em suas
mesmos e acabam tornando a crise ainda provações mais difíceis, mas acabaram tra­
pior. Adonias era um homem desse tipo. indo o rei. Adonias sabia que o Senhor ha­
A ocasião (vv. 1-4). Adonias era o filho via escolhido Salomão para ser o próximo
mais velho de Davi depois da morte de rei de Israel (2:15) e, sem dúvida, Abiatar e
Amnom, Quileabe e Absalão e estava, na Joabe também estavam a par desse fato.
época, com cerca de 35 anos de idade. Quando o Senhor fez sua aliança com Davi
Amnom, o primogênito de Davi, foi morto (2 Sm 7), indicou que um dos filhos ainda
por Absalão; seu segundo filho, Quileabe (ou não nascidos de Davi seria seu sucessor e
Daniel), deve ter morrido jovem, pois não construiria o templo (1 Cr 22:8-10), e esse
há registro algum de sua vida, e o terceiro filho era Salomão (1 Cr 28:4, 7). Adonias,
filho, Absalão, foi morto por Joabe (1 Cr 3:1, Abiatar e Joabe estavam se rebelando con­
2). Como filho mais velho de Davi, Adonias tra a vontade de Deus, esquecendo-se de
sentia que o trono lhe pertencia por direito. que " O conselho do S e n h o r dura para sem­
Afinal, seu pai era um homem enfermo que pre" (SI 33:11).
394 1 REIS 1:1 - 2:46

Os fiéis (w. 8-10). Imitando, mais uma "Jedidias, por amor do S e n h o r " (2 Sm 12:24,
vez, Absalão, Adonias ofereceu um grande 25). A o ficar sabendo do banquete de
banquete (2 Sm 15:7-12) e convidou todos Adonias e de sua reivindicação do trono,
os irmãos, exceto Salomão (v. 26). Também Natã pôs mãos à obra no mesmo instante.
ignorou vários líderes importantes do reino, Natã inform ou Bate-Seba (vv. 11-14).
inclusive Zadoque, sumo sacerdote, Benaia, Apesar de o texto não dizer coisa alguma
comandante da guarda pessoal do rei, o pro­ sobre Bate-Seba desde o nascimento de
feta Natã e os "valentes" de Davi (2 Sm 23).1 Salomão, não devemos concluir, com isso,
Foi um banquete de coroação, e os convi­ que ela tenha sido uma figura irrelevante nos
dados proclamaram Adonias rei de Israel assuntos do palácio. Apenas sua conduta
(v. 25). É possível que alguns dos presentes nesse capítulo já deixa claro que ela era uma
pensassem que o rei Davi, então enfermo, mulher corajosa que desejava fazer a vonta­
tivesse imposto as mãos sobre Adonias de­ de de Deus. Por certo, seu filho deveria rei­
clarando-o rei. Afinal, os irmãos de Adonias nar sobre Israel depois de Davi, e se Adonias
encontravam-se no banquete, indicando que tivesse conseguido subir ao trono, Bate-Seba
não tinham a intenção de reivindicar o tro­ e Salomão teriam sido mortos (vv. 12, 21).
no. No entanto, os convidados também es­ Mas o fato de Natã procurar imediatamen­
tavam cientes da ausência de Salomão, de te Bate-Seba indica que ele sabia do que a
Zadoque, de Benaia e de Natã. Será que futura rainha-mãe era capaz. Além disso,
alguém perguntou quando e onde Natã ha­ o modo como Adonias a abordou e como
via ungido Adonias? Se essa unção havia Salomão a recebeu (2:13-19) demonstram
ocorrido, por que aquele acontecimento era que os dois homens a reconheciam como
tão secreto? Os servos fiéis de Deus e de uma mulher de influência. Infelizmente,
Davi haviam sido deixados de fora, um sinal muitos vêem Bate-Seba apenas como a "adúl­
evidente de que Adonias havia nomeado a tera", quando, na verdade, foi sua interven­
si mesmo como rei sem qualquer autorida­ ção que salvou Israel de uma tragédia num
de de Davi ou do Senhor. momento crítico.
Em várias ocasiões da história na Bíblia, Bate-Seba inform ou Davi (vv. 15-21). O
tem-se a impressão de que "a verdade anda profeta dera a Bate-Seba a notícia a ser trans­
tropeçando pelas praças, e a retidão não mitida, uma declaração sucinta que ela
pode entrar" (Is 59:14), mas o Senhor sem­ expandiu e transformou num discurso como­
pre cumpre seus propósitos. "Enlaçado está vente. A palavra-chave de toda essa situa­
o ímpio nas obras de suas próprias mãos" ção é "jurar", usada nos versículos 13, 17,
(SI 9:16). O grande banquete de Adonias foi 29 e 30. Natã e Bate-Seba sabiam que Davi
o sinal que os servos leais a Davi precisa­ havia prometido que Salomão seria o próxi­
vam para declarar Salomão o próximo rei mo rei, pois Salomão havia sido escolhido
de Israel. por Deus. Davi havia notificado publicamen­
te a nomeação de Salomão quando anun­
2. N atã, o legalista (1 Rs 1:11-53) ciou a construção do templo (1 Cr 22, 28).
Um dos amigos mais leais do rei Davi foi o Quando Deus deu um nome especial a Salo­
profeta Natã. Deu as boas novas da aliança mão, sem dúvida foi uma indicação de que
de Deus com Davi e seus descendentes ele seria sucessor de Davi (2 Sm 12:24, 25).
(2 Sm 7:1-17) e pastoreou Davi durante os dias Bate-Seba curvou-se diante do rei (v. 16,
sombrios após o adultério do rei com Bate- e ver 23, 31, 47, 53) e, então, lembrou-o do
Seba (2 Sm 12). É possível que Natã tam­ juramento que havia feito, segundo o qual
bém tivesse talentos musicais, uma vez que Salomão seria o próximo rei de Israel. Em
ajudou Davi a organizar o culto no santuário seguida, informou a Davi que Adonias esta­
(2 Cr 29:25, 26). Quando Salomão nasceu, va oferecendo um banquete de coroação e
Natã disse aos pais que o Senhor desejava que Abiatar e Joabe estavam lá, juntamente
que o menino também fosse chamado de com todos os filhos do rei, exceto Salomão.
1 REIS 1:1 - 2:46 395

Por certo não se tratava de um banquete seria o próximo rei de Israel. Havia jurado
em homenagem a Salomão! Adonias havia isso a Bate-Seba em particular e não volta­
se proclamado rei, mas todo Israel esperava ria atrás em sua palavra. Porém, Davi foi
a declaração oficial de Davi com referência mais longe ainda e declarou Salomão seu
a seu sucessor. O golpe de misericórdia de co-regente naquele mesmo dia! "Farei no dia
Bate-Sabe foi mencionar um fato óbvio: caso de hoje" (v. 30). Se Davi esperasse tempo
Adonias se tornasse rei, mais que depressa demais, a rebelião de Adonias poderia ga­
se livraria de Bate-Seba e de seu filho. Abi- nhar força, e, depois que Davi falecesse,
sague foi testemunha de tudo o que Bate- quem teria autoridade para agir? Ao fazer
Seba disse (v. 15), e a providência que o rei de Salomão seu co-regente naquele mes­
tomasse seria uma questão de vida ou morte. mo instante, Davi mantinha-se no controle
Natã informou Davi (w. 22-27). Enquan­ e Salomão seguiria suas ordens. Salomão
to Bate-Seba estava conversando com o não era mais apenas um príncipe ou her­
marido, Natã chegou ao palácio e foi anun­ deiro legítimo: era co-regente com seu pai
ciado, de modo que Bate-Seba retirou-se e rei de Israel.
(v. 28). Natã entrou nos aposentos reais e Em seguida, Davi mandou chamar seus
fez duas perguntas ao rei: Davi anunciou servos leais - o profeta Natã, o sacerdote
que Adonias se assentaria em seu trono? De­ Zadoque e o comandante de sua guarda
clarou seu filho mais velho rei em segredo, pessoal, Benaia -, homens nos quais sabia
sem comunicar a seu servo, o profeta (vv. que poderia confiar. Instruiu-os a proclamar
24, 27)? No meio dessas duas perguntas, Salomão rei numa cerimônia pública em
Natã relatou que, naquele instante, Adonias Giom, um lugar importante de nascentes na
estava celebrando sua coroação, que todos encosta oriental do monte Sião, menos de
os filhos do rei - com exceção de Salomão dois quilômetros acima do vale (ao norte)
- estavam no banquete, no qual também se de En-Rogel, onde Adonias estava oferecen­
encontravam presentes Abiatar e todos os do seu grande banquete (v. 9). A notícia não
comandantes militares. Natã não mencionou tardaria a chegar aos ouvidos de Adonias!
Joabe, mas Bate-Seba já havia falado dele. Salomão deveria montar na mula real, en­
O que Natã revelou foi que Joabe havia le­ quanto se proclamava que Salomão estava
vado consigo seus oficiais, de modo que o dividindo o trono com Davi e seria seu su­
exército estava apoiando Adonias. No en­ cessor. Z adoqu e e N atã deveriam ungir
tanto, Natã, Zadoque e Benaia - servos leais Salomão com óleo sagrado do tabernáculo.
do rei - haviam sido ignorados. Assim sen­ A trombeta seria tocada para anunciar ao
do, Natã imaginou se Adonias possuía, de povo que se tratava de um acontecimento
fato, autoridade para se proclamar rei. oficial. Salomão era, agora, rei e governante
E bem provável que esse relato de Natã sobre Israel e Judá2 (ver 4:20, 25).
tenha trazido à memória de Davi os dias ter­ Benaia era filho de um sacerdote (1 Cr
ríveis da rebelião de Absalão, e o rei não 27:5), mas escolheu a carreira militar e se
desejava que a nação passasse por outra tornou um dos valentes de Davi (2 Sm 23:20­
guerra civil. Salomão era um homem de paz 23) e comandante da guarda pessoal do rei,
(1 Cr 22:9) e, educado no palácio, não ti­ os queretitas e peletitas (v. 38; 2 Sm 8:18).
nha experiência alguma em guerras como o D epois de ouvir as instruções de Davi,
pai. Além disso, se houvesse uma guerra civil, Benaia falou com entusiasmo, manifestan­
como Salomão poderia construir o templo? do sua concordância e, assim, garantindo
Davi deu instruções a seus servos leais tanto a Davi quanto a Salomão o apoio dos
(vv. 28-37). Davi reagiu à crise imediatamen­ soldados sob seu comando. Posteriormen­
te e pediu a Natã que chamasse Bate-Seba te, Salomão ordenaria que Joabe fosse exe­
de volta para junto de seu leito. Os dois fica­ cutado por traição e daria seu cargo a Benaia
ram sozinhos (v. 32), e Davi falou a Bate- (2:35). Benaia foi tão leal a Salomão quanto
Seba reafirmando que seu filho, Salomão, havia sido a Davi.
396 1 REIS 1:1 - 2:46

O Senhor informou a Israel (vv. 38-53 j.3 agarrou os chifres do altar, como as pessoas
Sob a proteção da guarda pessoal de Davi, em perigo costumavam fazer antes do esta­
Zadoque, Natã e Benaia seguiram exatamen­ belecimento das cidades de refúgio (2:28;
te as instruções do rei e proclamaram a todo Êx 21:13, 14). Pelo menos, era um lugar de
o Israel que Salomão era o rei. O povo mos­ asilo e adiava o julgamento, dando ao acusa­
trou sua empolgação tocando instrumentos do a oportunidade de uma audiência (Dt 19).
e gritando: "Viva o rei Salomão!" Esse cla­ Salomão demonstrou misericórdia para
mor ecoou vale abaixo e chegou a En-Rogel, com o irmão e lhe permitiu que voltasse pa­
onde o povo estava gritando: "Viva o rei ra casa em Jerusalém, o que equivaleu a uma
Adonias!" (v. 25). prisão domiciliar, pois os guardas do rei man­
Ao terminarem sua refeição, Adonias e teriam Adonias sob vigilância o tempo todo.
seus convidados ouviram o clamor e o som Porém, Salomão também advertiu seu irmão
da trombeta e se perguntaram o que estaria para ter cuidado com seu comportamento,
ocorrendo em Jerusalém. Será que Davi ha­ pois, sendo um rebelde, Adonias merecia a
via falecido? Era uma declaração de guerra? pena de morte4 e, se saísse da linha, seria
Sua pergunta foi respondida com a che­ executado. Adonias curvou-se diante de
gada de Jônatas, filho do sacerdote Abiatar, Salomão, mas seu coração não se sujeitara
que havia ajudado Davi durante a rebelião ao Senhor e nem a Salomão.
de Absalão (2 Sm 17:17-22). Adonias pen­
sou que Jônatas trazia boas novas, mas, ao 3. D avi, o realista
invés disso, as notícias eram as piores possí­ (1 Rs 2:1-11; 1 C r 29:26-30)
veis para o pretenso rei bem com o para Davi "[serviu] à sua própria geração, confor­
Abiatar e Joabe. Jônatas transmitiu seu rela­ me o desígnio de Deus" (At 13:36), mas tam­
to como testemunha ocular, dizendo que bém se preocupou com Salomão e com a
havia visto Salomão montado na mula real e geração seguinte. Possuía inimigos - alguns
assistido à unção do novo rei por Zadoque deles em seu palácio e em seu círculo mais
e Natã. Os versículos 47 e 48, porém, des­ íntimo -, de modo que desejava certificar-
crevem o que se passou nos aposentos de se de que o novo rei não herdaria antigos
Davi (w . 36, 37) e só nos resta imaginar onde problemas. Durante seu longo reinado de
Jônatas conseguiu essa informação. É possí­ quarenta anos, Davi havia unificado a na­
vel que tenha ouvido Benaia dizer a seus ção, derrotado seus inimigos, organizado
soldados que seriam tão leais a Salomão com sucesso os assuntos do reino e realiza­
quanto haviam sido a Davi? Natã ou Zado­ do preparativos mais do que adequados para
que citaram para o povo as palavras de Davi? a construção do templo. Então, entoou seu
Jônatas deixou claro que naquele momen­ último cântico (2 Sm 23:1-7) e transmitiu uma
to Salomão era rei de Israel. Adonias, seus última incumbência a Salomão.5
companheiros de conspiração e seus convi­ "Coloque o Senhor em prim eiro lugar"
dados sabiam o que isso queria dizer: todos (vv. 1-4). O Antigo Testamento registra as
estavam sob enorme suspeita. Os convida­ últimas palavras de Jacó (Gn 49), Moisés (Dt
dos - inclusive os príncipes que, em sua in­ 33), Josué (23:1 - 24:27) e Davi (1 Rs 2:1­
genuidade, participavam do banquete - se 11). "Eu vou pelo caminho de todos os mor­
levantaram todos e fugiram de volta para a tais" é uma citação de Josué no final de sua
cidade em busca de segurança, enquanto vida (Js 23:14) e a exortação: "Coragem,
Adonias foi buscar asilo no tabernáculo. O pois, e sê homem" (1 Rs 2:2) lembra as pala­
lugar para onde se dirigiu era a tenda em Je­ vras que o Senhor disse a Josué no início de
rusalém, dentro da qual ficava a arca (1 Cr seu ministério (Js 1:6). Salomão era um jo­
16:1, 37). O tabernáculo, contendo o restan­ vem que havia levado uma vida protegida,
te da mobília e dos utensílios, estava situado de modo que precisava dessa admoestação.
em Gibeão (1 Cr 16:39, 40; 1 Rs 3:4). Nessa Na verdade, desde o início de seu reinado,
tenda em Jerusalém havia um altar, e Adonias teria de tomar algumas decisões complicadas
1 REIS 1:1 - 2:46 397

e de dar ordens difíceis. Davi já havia encar­ quando em vez, havia feito prevalecer a pró­
regado Salomão da construção do templo pria vontade e era culpado de matar homens
(1 Cr 22:6-13), tarefa que levaria sete anos inocentes. Joabe era sobrinho de Davi e
para ser completada. Um dia, Salomão che­ irmão de Abisai e de Asael, e todos eles
garia ao fim da vida, e Davi queria que ele foram guerreiros notáveis. Mas Joabe havia
fosse capaz de olhar para trás com satisfa­ assassinado Abner, pois este havia matado
ção. Bem-aventurado aquele cujo coração Asael (2 Sm 2:12-32). Joabe também matou
está em ordem com Deus, cuja consciência o filho de Davi, Absalão, mesmo depois de
está tranqüila e que pode olhar para trás e Davi ter dado ordens de capturá-lo vivo (2 Sm
dizer como o Mestre: "Eu te glorifiquei na 18). Matou Amasa, o qual Davi havia no­
terra, consumando a obra que me confiaste meado para ser comandante de suas tropas
para fazer" (Jo 1 7:4). (2 Sm 20), e apoiou Adonias em sua tentati­
As palavras de Davi são paralelas às de va de tomar o trono (1 Rs 1:7). Joabe havia
Moisés quando ele comissionou Josué (Dt participado do plano de Davi para matar
31). Primeiro, Moisés admoestou Josué a "ser Urias, o marido de Bate-Seba (2 Sm 11:14ss),
homem" e a encarar suas responsabilidades e talvez o general astuto estivesse usando
com coragem e fé (vv. 1-8); depois, Moisés aquilo que sabia para intimidar o rei. Davi
deu a lei aos sacerdotes e admoestou o povo não mencionou Urias nem Absalão a Salo­
(inclusive Josué) a conhecê-la e lhe obede­ mão que, por sua vez, já sabia que Joabe
cer. Esperava-se do rei que ele fosse versado era um traidor do rei.
na lei de Deus e na aliança (Dt 17:14-20), O segundo homem perigoso a ser men­
pois, ao obedecer à Palavra de Deus, en­ cionado foi Simei (vv. 8, 9). Era um benjamita
contraria sabedoria, forças e bênção.6 e parente de Saul que desejava ver a linha­
Porém, Davi também lembrou ao filho a gem de Saul de volta ao torno e que amal­
aliança especial que o Senhor havia feito diçoou Davi quando estava fugindo de
com referência à dinastia davídica (v. 4; Absalão (2 Sm 16:5-13). Amaldiçoar um rei
2 Sm 7:1-17). Advertiu Salomão de que, se era uma transgressão à lei (Êx 22:28), mas
desobedecesse à lei de Deus, traria discipli­ Davi aceitou a maldade de Simei como dis­
na e aflição sobre si e sobre a terra, mas, se ciplina do Senhor. Posteriormente, Quando
obedecesse aos mandamentos de Deus, o Davi voltou ao trono, Simei humilhou-se
Senhor abençoaria o rei e seu povo. Mais diante do rei, e Davi o perdoou (2 Sm 19:18­
importante ainda, Deus providenciaria para 23). Porém, Davi sabia que as tribos do Nor­
que sempre houvesse um descendente de te nutriam certo favoritismo pela família de
Davi assentado no trono. Davi sabia que Is­ Saul, de modo que advertiu Salomão a man­
rael tinha um ministério a realizar, servindo ter Simei sob vigilância.
de veículo para o Redentor prometido que Davi não se lembrou apenas de homens
viria à terra e que o futuro do plano redentor perigosos como Joabe e Simei, mas também
de Deus dependia de Israel. Como é triste de pessoas que o haviam ajudado, como
saber que Salomão não seguiu inteiramente Barzilai (v. 7), que havia suprido as neces­
a lei de Deus e foi um canal de promoção sidades de Davi e de seu povo quando
da idolatria na terra e, posteriormente, a cau­ fugiam de Absalão (2 Sm 1 7:27-29). Davi ha­
sa da divisão do reino. via desejado recompensar Barzilai, dando-
"Proteja o reino!" (vv. 5-9). Davi sabia lhe um lugar a sua mesa, mas o homem idoso
que havia perigos escondidos nas sombras preferiu morrer em sua casa. Pediu a Davi
em seu reino e advertiu Salomão para que que concedesse essa honra a seu filho,
agisse sem demora e tratasse de dois ho­ Quimã (2 Sm 19:31-38). Davi, porém, ins­
mens perigosos. O primeiro nome que ci­ truiu Salomão a cuidar de todos os filhos de
tou foi o de loabe, comandante do exército Barzilai, não apenas de Quimã.
do rei. Joabe havia ficado ao lado de Davi Por certo, Davi "foi pelo caminho de todos
durante muitas grandes provações, mas, de os mortais" e "morreu em ditosa velhice,
398 1 REIS 1:1 - 2:46

cheio de dias, riquezas e glória" (1 Cr 29:28). esposa, Adonias estaria afirmando ser co-re-
Salomão já era rei, e seu trono estava garan­ gente de Salomão!
tido, de modo que não houve necessidade Salomão detectou de imediato o motivo
de quaisquer decisões ou cerimônias oficiais. por trás do pedido e disse: "Peça o reino
para ele também!" O rei sabia que Adonias,
4. S alomão , o estrategista Abiatar e Joabe ainda estavam unidos em
(1 Rs 2:12-46) busca do controle do reino. Ao pedir Abisa­
O novo rei tinha pronta uma lista de coisas gue para si, Adonias emitiu o próprio man­
importantes a fazer: tratar de Joabe e Simei, dato de execução, e Benaia tirou a vida do
recompensar os filhos de Barzilai e construir traidor. Davi não estava lá para sentir a dor
o templo. Porém, sua primeira grande crise da morte de mais um filho, mas a execução
foi gerada pelo meio-irmão, Adonias. de Adonias foi o último pagamento de uma
O p e d id o de A d o n ia s (vv. 13-25). dívida quádrupla que Davi havia assumido
Salom ão havia usado de bondade com (2 Sm 12:5, 6). O bebê morreu, Absalão
Adonias e aceitado sua sujeição ao novo matou Amnom, Joabe matou Absalão e Be­
regime (1:53), apesar de saber, sem dúvi­ naia executou Adonias. Davi pagou quatro
da, que o irmão era um homem engana­ vezes por seus pecados.
dor, preparado para atacar novamente. O A deposição de Abiatar (vv. 26,27). Mas
fato de Adonias procurar a rainha-mãe para Salomão não parou aí: também depôs o sa­
apresentar seu pedido mostra que espera­ cerdote Abiatar, que havia apoiado Adonias,
va dela uma grande influência sobre o fi­ aposentando-o na cidade levítica de Anato-
lho. A declaração de Adonias, no versículo te, cerca de cinco quilômetros de Jerusalém.
15, indica seu raciocínio confuso, pois se Posteriormente, Anatote seria a cidade de
Salomão era o escolhido de Deus para o origem do profeta Jerem ias. A o depor
trono, e Adonias sabia disso, então por que Abiatar, Salomão cumpriu a profecia dada a
tentou um golpe para tomar a coroa? As­ Eli, segundo a qual sua família não perma­
sim como Absalão, pensou que a manifes­ neceria no sacerdócio (1 Sm 2:27-36; ver Ez
tação popular e o clamor do povo eram 44:15, 16). Zadoque foi nomeado sumo sa­
sinônimo de garantia de sucesso. É possí­ cerdote (v. 35), e seus descendentes preen­
vel que Adonias tenha dito que Salomão cheram esse cargo até 1 71 a.C. Salomão
recebeu o reino do Senhor somente para reconheceu o fato de Abiatar haver servido
impressionar Bate-Seba. a Davi fielmente, de modo que não orde­
Os estudiosos diferem em sua interpre­ nou sua execução.
tação do papel de Bate-Seba nessa situação. A execução de Joabe (vv. 28-35). Sem
Alguns dizem que ela foi extremamente in­ dúvida, Joabe possuía uma rede de espio­
gênua ao transmitir o pedido a Salomão. nagem eficiente e, quando recebeu a notí­
Porém, a rainha-mãe já havia mostrado ser cia de que Adonias havia sido morto, soube
uma mulher corajosa e influente. É bem pro­ que era o próximo da lista. Fugiu até o tabe­
vável que suspeitasse de outra conspiração, rnáculo que Davi havia erguido em Jerusa­
pois sabia que ter a esposa ou concubina lém para abrigar a arca da aliança (2 Sm 6:1 7)
de um rei era prova de possuir o reino. Foi e pediu asilo agarrando-se aos chifres do
isso o que levou Absalão a tomar para si altar. Porém, somente quem tivesse come­
publicamente as concubinas de Davi (2 Sm tido homicídio culposo poderia fazer isso
16:20-23), anunciando ao povo que era o e reivindicar seu direito a um julgamento
novo rei. É difícil acreditar que a mãe do rei e, no caso de Joabe, ele era culpado tanto
desconhecesse esse fato. Posso estar erra­ de assassinato quanto de ter traído os reis
do, mas creio que ela deu atenção ao pedi­ Davi e Salomão. Joabe desafiou Benaia e
do de Adonias sabendo que Salomão usaria Salomão se recusando a sair do local sa­
isso como oportunidade para desmascarar o grado, mas Salomão não se deixaria tratar
plano do irmão. Ao tomar Abisague como de modo tão arrogante por um homem que
1 REIS 1 :1 - 2:46 399

era claramente um traidor e um assassino. novo rei. Q uando dois de seus escravos
Apesar de ser soldado, Benaia era de família fugiram e percorreram os quarenta quilôme­
sacerdotal, de modo que não transgrediu lei tros até Gate, Simei decidiu ir buscá-los pes­
alguma ao entrar nos recintos sagrados, e soalmente e trazê-los de volta. Claro que
ele foi e matou Joabe junto ao altar e o se­ poderia ter contratado alguém, mas resol­
pultou. Depois desse episódio, Salomão pro­ veu fazer ele mesmo o serviço. Talvez pen­
moveu Benaia a comandante do exército no sasse que isso não violaria as estipulações
lugar de Joabe (v. 35). do acordo ou que não houvesse soldados
É importante compreender que Salomão vigiando. O mais provável é que tenha de­
não estava agindo apenas por vingança no safiado deliberadamente as ordens de Sa­
lugar do pai, Davi. Salomão explicou que a lomão, testando seus limites para ver o que
morte de Joabe removeu a mancha do san­ o rei faria - o que não demorou a descobrir.
gue inocente que o comandante havia der­ Salomão sabia que Simei havia deixado Je­
ramado quando matou Abner e Amasa. O rusalém e, quando Simei voltou, confrontou-
derramamento de sangue inocente conta­ o com seu crime. O discurso de Salomão
minava a terra (Nm 35:30-34), e o sangue foi curto, porém enérgico, e condenou Simei
da vítima clamava a Deus por vingança (Gn por seus atos contra Davi e pelo que havia
4:10). As cidades de refúgio existiam para acabado de fazer a Salomão. A história aca­
pessoas que haviam matado alguém aciden­ bou com Benaia executando o traidor.
talmente. Poderiam fugir para uma das seis Salomão devia ser um "homem de paz"
cidades e receber proteção, enquanto os (1 Cr 22:6-10, NVI) e, no entanto, começou
anciãos investigavam o caso. Porém, assas­ seu reinado ordenando três execuções. Po­
sinos como Joabe não deveriam receber rém, a verdadeira paz deve basear-se na jus­
qualquer misericórdia, mas sim ser executa­ tiça e não nos sentimentos. "A sabedoria,
dos para que o sangue inocente que haviam porém, lá do alto é, primeiramente, pura;
derramado deixasse de contaminar a terra depois, pacífica" (Tg 3:17). A terra estava
(Dt 19:1-13; 21:1-9; Lv 18:24-30). O trata­ contaminada com o sangue inocente que
mento de Saul para com os gibeonitas havia Joabe havia derramado e só poderia ser
contaminado a terra e criado problemas para purificada com a execução do assassino.
Davi (2 Sm 21:1-14), e Salomão não queria Mesmo depois de Joabe ter matado Absalão,
que isso acontecesse em seu reinado. Davi não o executou, pois o rei sabia que
A ousadia de Sim ei (vv. 36-46). Como ele próprio tinha sangue em suas mãos (SI
parente de Saul (2 Sm 16:5; 1 Sm 10:21), 51:14). Davi era culpado de pedir a Joabe
Simei era um agitador em potencial que que derramasse o sangue inocente de Urias,
poderia instigar a tribo de Benjamim contra mas as mãos de Salomão estavam limpas.
o novo rei e, talvez, incitar as dez tribos do Salomão foi, de fato, um "homem de paz" e
Norte a se rebelar. Davi havia trazido união alcançou essa paz fazendo justiça na terra.
e paz para o reino, e Salomão não queria Do ponto de vista humano, foi o ocaso
que Simei causasse problemas. Ordenou, de Davi e a aurora de Salomão, mas do pon­
portanto, que Simei fosse trazido a Jerusa­ to de vista divino: "A vereda dos justos é
lém, que construísse uma casa na cidade e como a luz da aurora, que vai brilhando mais
que não saísse de lá. Se deixasse a cidade e e mais até ser dia perfeito" (Pv 4:18). Como
atravessasse o vale de Cedrom, seria exe­ líder, Davi foi semelhante à "luz da manhã
cutado. Naquela época, Jerusalém não era [...] como manhã sem nuvens" (2 Sm 23:4),
uma cidade grande, de modo que os homens e, por amor a Davi, o Senhor manteve a lâm­
de Salomão poderiam vigiar o benjamita que pada brilhando em Jerusalém (1 Rs 11:36;
havia amaldiçoado Davi e jogado terra e 2 Rs 8:1 9). Até hoje, lemos e cantamos seus
pedras nele. salmos e estudamos sua vida, e essa luz con­
Simei acatou a ordem de Salomão du­ tinua a brilhar sobre nós e a nos ajudar a
rante três anos e, depois, desobedeceu ao encontrar nosso caminho.
400 1 REIS 1:1 - 2:46

1. Não temos como identificar, com certeza, Simei e Rei (v. 8), a menos que sejam os irmãos de Davi, Siméia e Radai, que

exerciam cargos no governo (1 Cr 2:13,14). Também havia um Simei, filho de Elá, que serviu na corte de Salomão (1 Rs 4:18).

O Simei em 1 Reis 1:8, sem dúvida, não era o mesmo Simei que amaldiçoou Davi durante a rebelião de Absalão {2 Sm 16:5­

12; 19:18-23).
2. Davi governou um reino unido, de modo que a expressão "sobre todo o Israel e judá" parece estranha. Porém, esse registro

foi escrito muitos anos depois da ocorrência dos acontecimentos relatados e depois de o reino ter se dividido.

3. 1 Crônicas 29:23-25 registra outra cerimônia de coroação para Salomão. Não sabemos ao certo se se trata da mesma

cerimônia descrita em 1 Reis 1 ou de uma celebração posterior, de maiores proporções, planejada com mais cuidado. Parece

pouco provável que, em seu estado de enfermidade, Davi tenha se levantado do leito de morte para fazer os discursos

registrados em 1 Crônicas 28:1 - 29:20, comparecido à segunda unção de Salomão e depois voltado a seus aposentos para

morrer. 1 Crônicas 29:22 afirma que "pela segunda vez, fizeram rei a Salomão" e que "o ungiram ao S e n h o r " , de modo que

o acontecimento em 1 Reis 1 deve corresponder à primeira unção. É possível que o autor de Crônicas tenha eliminado tal

informação a essa altura do relato como forma de resumir os últimos acontecimentos da vida de Davi (29:21-30). Em tempos

de crise, não era incomum a coroação do novo rei ser realizada às pressas e, mais tarde, ser feita outra cerimônia maior e mais

formal. A narrativa apresenta alguns problemas cronológicos, mas diante da situação tão instável, não é impossível que Deus

tenha dado a Davi as forças necessárias para participar nos grandes eventos públicos descritos em 1 Crônicas 28 -29.

A segunda unção de Salomão foi necessária para determinar, de uma vez por todas, que ele era o novo rei. Davi foi ungido

três vezes (1 Sm 16:13; 2 Sm 2:4 e 5:3).

4. Uma vez que Adonias foi o líder da rebelião, a maior parte da responsabilidade recaiu sobre ele. Salomão não perdoou apenas

Adonias, mas também os outros filhos de Davi que compareceram ao banquete (1:9). Salomão sabia que haviam sido enganados

por Adonias e participado inocentemente do banquete. Uma vez que estavam lá, descobriram o motivo da comemoração,

mas teria sido perigoso partir, sabendo que todos os oficiais do exército também estavam presentes. As notícias transmitidas

por Jônatas foram o pretexto de que precisavam para fugir.

5. O s cronologistas têm dificuldade em calcular a idade de Salomão quando ele assumiu o trono, assim como também não

sabemos quantos anos Davi ainda viveu depois de declarar Salomão seu co-regente. Davi estava com 30 anos de idade

quando começou a reinar em Hebrom (2 Sm 5:1-5) e reinou durante sete anos naquela cidade e mais trinta e três anos em

Jerusalém, de modo que estava com 70 anos quando faleceu. Se estava com 50 anos quando cometeu adultério com Bate-

Seba e se Salomão foi o filho que nasceu depois da morte do primeiro bebê do casal (2 Sm 12:24, 25), então é possível que

Salomão tivesse 18 ou 19 anos de idade quando se tornou rei. Porém, 1 Crônicas 3:5 sugere fortemente que Salomão foi o

quarto filho dos dois, de modo que talvez tivesse até 15 anos quando subiu ao trono. Davi descreveu Salomão como sendo

"moço e tenro [inexperiente]" (1 Cr 22:5), mas talvez essa fosse a linguagem de um pai idoso ao olhar para seu sucessor.

Criado entre os muros protegidos do palácio, Salomão não era um homem de aptidões tão abrangentes quanto o pai, mas será
que algum líder considera seu filho preparado para assumir o lugar dele?

6. Para exemplos de pessoas que obedeceram à iei de Deus, ver 2 Reis 14:6; 18:4, 6.
2 nome (Jo 10:23; At 3:11; 5:12). Seu pai, Davi,
foi reconhecido como o líder ideal, e seu
registro tornou-se o parâmetro usado para
medir todos os reis subseqüentes de Judá.
Sab ed oria d o A l t o No entanto, em momento algum Salomão é
destacado como um governante piedoso.
1 Rs 3:1 - 4:34 Os capítulos 3 e 4 descrevem aconteci­
(2 Crônícas 1) mentos ocorridos durante os três primeiros
anos do reinado de Salom ão, antes de
com eçar a construção do templo (6:1), e
mostram Salomão exercendo vários papéis.

Q
uando Salomão subiu ao trono, o povo 1. O PACIFICADOR (1 Rs 3:1a )
de Israel não demorou a descobrir que O nome de Salomão vem do termo hebraico
shalom, que significa "paz", e, durante seu
ele não era outro Davi. Era um estudioso,
não um soldado, um homem mais interessa­ reinado, Israel teve paz com seus vizinhos.
do em erguer edifícios do que em guerrear. Seu pai, Davi, havia arriscado a vida no cam­
Davi desfrutou a vida simples de um pastor, po de batalha e derrotado as nações inimi­
mas Salomão escolheu viver em meio ao gas a fim de tomar suas terras para Israel,
luxo. Tanto Davi quanto Salomão escreve­ mas Salomão usou uma abordagem diferen­
ram cânticos, mas Salomão é mais conheci­ te em relação à diplomacia internacional. Fez
do por seus provérbios. Encontramos vários tratados com outros governantes casando-
dos cânticos de Davi no Livro de Salmos, se com suas filhas, o que ajuda a explicar o
mas, com exceção dos Salmos 72 e 127 e fato de ele ter setecentas esposas princesas
de Cantares de Salomão, nenhum dos outros bem como trezentas concubinas (11:3). Ao
três mil cânticos de Salomão chegou até nós. que parece, Salomão firmou alianças com
Davi foi um pastor que amou e serviu o quase todos os governantes cujas filhas es­
rebanho de Deus, enquanto Salomão tornou- tavam em idade de se casar! No entanto, a
se uma celebridade que usou o povo para lei de Moisés advertia que os reis de Israel
manter seu estilo de vida extravagante. Quan­ não deveriam multiplicar esposas para si (Dt
do Davi morreu, o povo chorou, mas de­ 17:14-20).
pois da morte de Salomão, o povo implorou Sua primeira noiva depois de tornar-se
a Roboão que aliviasse o jugo pesado que rei foi a filha do Faraó do Egito, uma nação
Salomão havia colocado sobre eles. Davi foi inimiga de longa data de Israel. Essa aliança
um guerreiro que depositou sua confiança indica que o Egito havia decaído considera­
no Senhor, enquanto Salomão foi um políti­ velmente no cenário internacional, pois os
co que depoistou sua confiança na autori­ governantes egípcios não costumavam en­
dade, em tratados e em grandes realizações. tregar as filhas em casamento aos gover­
Nas palavras de Frederick Buechner: " O rei nantes de outras nações.2 É significativo que
Salomão foi um dos bufões mais sábios a Salomão não tenha colocado a esposa egíp­
usar uma coroa".' cia no palácio real onde Davi havia morado,
Salomão é mencionado quase trezentas pois este ficava próximo à arca da aliança
vezes no Antigo Testamento e uma dúzia (2 Cr 8:11). Em vez disso, hospedou-a em
de vezes no Novo Testamento. Seu nome outra residência real até que o próprio palá­
aparece na genealogia de Jesus (M t 1:6, 7), cio ficasse pronto. Salomão passou sete anos
e ele é citado como um exemplo de esplen­ construindo o templo de Deus, mas treze
dor (M t 6:29; Lc 12:27) e de sabedoria (Mt anos construindo um palácio para si mes­
12:42; Lc 11:31). É identificado também mo (1 Rs 6:37 - 7:1).
como o construtor do templo (At 7:47), e O sistema com plexo de tratados de
uma das colunatas do templo recebeu seu Salomão opôs-se ao caráter singular de Israel
402 1 REIS 3:1 - 4:34

com o povo de Deus entre as nações do com várias mulheres pagãs e começou a ado­
mundo. Israel era o povo santo de Deus, um rar seus falsos deuses, de modo que o Senhor
povo escolhido no meio do qual o S e n h o r precisou discipliná-lo (ver 1 Rs 11).
habitava (Êx 33:16; Dt 4:7, 8, 32-34). Deus
não havia feito aliança alguma com as na­ 2. O c o n st r u t o r (1 Rs 3:1 b )
ções gentias nem havia lhes dado sua Pala­ Salomão é lembrado como o rei em cujo
vra, seu santuário ou sacerdócio sagrado (Rm reinado o templo foi construído (caps. 5 -
9:1-5). Deus dissera aos israelitas: "Eu sou o 7; 2 Cr 2 - 4). Sua aliança com Hirão, rei de
S e n h o r , vosso Deus, que vos separei dos Tiro, deu-lhe acesso a madeira da melhor
povos" (Lv 20:24, 26). Enquanto Israel con­ qualidade e a trabalhadores competentes.
fiasse no Senhor e lhe obedecesse, o povo Além disso, porém, construiu o próprio pa­
"[habitaria] seguro" (Dt 33:28). O profeta lácio (7:1-12), constituído da área onde ele
descreveu Israel como "povo que habita só vivia e da "Casa do Bosque do Líbano" -
e não será reputado entre as nações" (Nm um lugar onde armas de vários tipos eram
23:9). guardadas e exibidas (10:16, 17), o Salão
O Senhor colocou Israel entre as nações das Colunas e a Sala do julgamento. Cons­
gentias para lhes servir de testemunho do truiu, ainda, uma casa em Jerusalém para sua
verdadeiro Deus vivo, para ser uma "luz para esposa egípcia, a filha do Faraó (2 Cr 8:11).
os gentios" (Is 42:6). Se Israel tivesse se man­ O esplendor dessas construções era motivo
tido fiel às estipulações da aliança de Deus de grande admiração para os visitantes ofi­
(Dt 27 - 30), o Senhor os teria abençoado e ciais do reino (cap. 10).
usado como exemplo prático para as nações Apesar de ele próprio não ser um guer­
pagãs a seu redor. Em vez disso, os israelitas reiro, Salomão preocupou-se com a segu­
imitaram os gentios, adoraram os seus ído­ rança da terra. Expandiu e fortificou "M ilo"
los e abandonaram o testemunho do Deus (9:24; 11:27), um aterro ou muralha de pro­
verdadeiro. Por esse motivo, Deus teve de teção que Davi havia começado a construir
discipliná-los e, posteriormente, de enviá-los (2 Sm 5:9). A palavra millo significa "encher".
para o cativeiro na Babilônia. Deus queria Salomão interessava-se particularmente por
que Israel fosse "cabeça" das nações, mas, cavalos e carros, tendo construído estábu­
em função de sua transigência, tornou-se los em cidades especiais para esse fim (4:26;
"cauda" (Dt 28:13, 44). É possível que, a seu 9:1 7-19; 10:26-29). Ele mesmo se tornou um
ver, Salomão estivesse fazendo progressos negociante de cavalos e de carros, impor­
políticos ao incluir Israel na comunidade in­ tando-os e depois os vendendo a outras
ternacional, mas a conseqüência disso foi, nações (2 Cr 1:14-17; 9:25-28), auferindo,
na realidade, um retrocesso espiritual. Salo­ sem dúvida alguma, considerável lucro.
mão também fez acordos comerciais van­ Construiu ainda cidades para servir de ce­
tajosos com outras nações (10:1-15, 22), e leiro em locais estratégicos (9:15-19; 2 Cr
Israel prosperou, mas o preço pago por esse 8:1-6). N aquele tempo, Israel controlava
sucesso foi alto demais. diversas rotas comerciais importantes que
A verdadeira prosperidade de Israel só exigiam proteção, e tais cidades abrigavam
se dava na medida em que o povo confiava soldados bem como suprimentos de comi­
em Deus e obedecia às estipulações de sua da e arsenais.
aliança. Se fossem fiéis ao Senhor, ele havia Salomão transgrediu a lei de Moisés não
prometido lhes dar tudo de que precisavam, apenas multiplicando esposas e cavalos e
protegê-los de seus inimigos e abençoar seu dependendo de carros (Dt 17:14-17), mas
trabalho. Porém, desde o início da monar­ também, contrariando o mandamento do
quia em Israel, os líderes deixaram claro que Senhor, foi buscá-los no Egito! O rei deveria
desejavam ser como "todas as nações" (1 Sm preparar para si uma cópia do Livro de
8), e Salomão contribuiu para os aproximar Deuteronômio (Dt 17:18-20), e ficamos ima­
desse objetivo. Por fim, Salomão casou-se ginando qual foi a reação de Salomão ao ler
1 REIS 3:1 - 4:34 403

esse mandamento sobre esposas e cavalos. lém, mas o restante do tabernáculo, inclusive
O u será que alguma vez meditou sobre o o altar dos sacrifícios, ainda se encontrava
que seu pai escreveu no Salmo 20:7 (ver em Gibeão, cerca de oito quilômetros ao
também 33:16-19)? Durante o reinado de norte de Jerusalém. Salomão reuniu os líde­
Salomão, o esplendor externo e a riqueza res de Israel e providenciou para que fos­
de Israel, na verdade, só serviam para en­ sem até Gibeão com ele a fim de adorar ao
cobrir a deterioração interna, que acabou Senhor (2 Cr 1:1-6). Esse acontecimento se­
levando à divisão e destruição. ria não apenas um ato de consagração, mas
também mostraria ao povo a união dos líde­
3. O adorador (1 Rs 3:2-15) res de sua nação. Salomão ofereceu mil
Salomão certamente com eçou bem, pois holocaustos aos Senhor, e ele e seus oficiais
"amava ao S e n h o r andando nos preceitos louvaram e buscaram ao Senhor juntos. Os
de Davi, seu pai" (v. 3); mas um bom come­ holocaustos representavam a consagração
ço não é garantia alguma de um bom final. total ao Senhor.
Saul, o primeiro rei de Israel, começou com Revelação (v. 5). A assembléia estendeu-
humildade e vitória, mas terminou rejeitado se ao longo de todo o dia, e tanto o povo
pelo Senhor e cometendo suicídio no cam­ quanto o rei passaram a noite em Gibeão,
po de batalha. O próprio Salomão escreveu sendo que Salomão recebeu um sonho ex­
em Eclesiastes 7:8: "M elhor é o fim das coi­ traordinário do Senhor. Davi tinha Natã e
sas do que o seu princípio" e "M elhor é a Gade como conselheiros, mas, ao que pare­
boa fama do que o ungüento precioso, e o ce, não havia profeta algum no círculo de
dia da morte, melhor do que o dia do nasci­ conselheiros de Salomão. Em duas ocasiões,
mento" (Ec 7:1). Recebemos nosso nome o Senhor falou ao rei por intermédio de so­
logo depois que nascemos e, entre o nasci­ nhos (ver 9:1-9). Por vezes, Deus comunica­
mento e a morte, engrandecemos ou dene­ va suas mensagens por meio de sonhos, não
grimos esse nome. Depois da morte, não apenas a seus servos, mas também a pes­
podemos melhorar uma péssima reputação soas de outras nações, como Abimeleque
e nem o contrário. Nas palavras do poeta (Gn 20), os servos egípcios do Faraó (Gn
norte-americano Longfellow: "Grande é a 40) e o próprio Faraó (Gn 41).
arte de começar, mas ainda maior é a arte Salomão ouviu o Senhor dizer: "Pede-
de terminar". me o que queres que eu te dê" (v. 5). Essa
Consagração (vv. 2-4). Deus desejava ordem do Senhor foi tanto uma revelação
que Israel tivesse um lugar central de ado­ da graça de Deus como uma prova do cora­
ração e que não imitasse as nações de ção de Salomão (o verbo "pedir" é usado
Canaã construindo "altos"4 onde lhes pare­ oito vezes nessa passagem). Aquilo que as
cesse melhor. Q uando os israelitas entra­ pessoas pedem costuma revelar seus verda­
ram na terra, foram instruídos a dar fim a deiros desejos, e estes, por sua vez, depen­
esses "altos" e aos ídolos adorados nesses dem de como cada um vê sua missão de
locais (Nm 33:52; Dt 7:5; 12:1 ss; 33:29). vida. Se Salomão tivesse sido um guerreiro,
Porém, até que o templo fosse construído talvez tivesse pedido vitória sobre os inimi­
e o culto centralizado fosse estabelecido gos. No entanto, via-se como um líder jovem
na terra, o povo de Israel adorou o Senhor precisando desesperadamente de sabedo­
em altos. Com o tempo, esse termo passou ria para servir da melhor maneira possível
a significar um "lugar de adoração", e era o povo escolhido de Deus. Era sucessor de
nesses santuários temporários que os israeli­ Davi, o maior rei de Israel, e sabia que o
tas adoravam Jeová. povo não poderia evitar compará-lo com o
Gibeão era um desses lugares sagrados, pai. Porém, mais do que isso, havia sido cha­
pois abrigava o tabernáculo. Como primei­ mado para construir o templo do Senhor,
ro passo para a construção do templo, Davi uma tarefa enorme para um líder inexpe­
havia levado a arca da aliança para Jerusa­ riente. Salomão sabia que não tinha meios
404 1 REIS 3:1 - 4:34

de levar a cabo esse grande empreendimen­ O rei conclui sua oração antevendo o
to sem sabedoria do céu. futuro e pedindo ao Senhor a sabedoria ne­
Petição (w. 6-9). A oração de Salomão cessária para governar a nação (v. 9). A
foi curta, direta e proferida com humilda­ sabedoria era um elemento importante na
de, pois três vezes se referiu a si mesmo vida do Oriente Próximo, e todos os reis ti­
como "teu servo". Primeiro, Salomão reca­ nham seu grupo de "sábios" que os acon­
pitulou o passado e agradeceu a Deus pela selhavam. Salomão, porém, não pediu um
fidelidade e amor inabalável que havia de­ comitê de conselheiros, mas sim sabedoria
monstrado a seu pai (v. 6). Salomão reco­ para si mesmo. Naquele tempo, a pessoa
nheceu a bondade de Deus ao guardar seu sábia era a que mostrava aptidão para admi­
pai em meio a várias tribulações e, depois, nistrar a vida.5 Significava muito mais do que
ao lhe dar um filho para herdar o trono. a capacidade de ganhar o pão: era a habili­
Salomão refere-se aqui à aliança que Deus dade de construir a vida e de aproveitar ao
havia dado a Davi quando o rei expressou máximo o que trazia consigo. A verdadeira
o desejo de seu coração de construir um sabedoria envolve aptidão nas relações
templo para o Senhor (2 Sm 7). Nessa alian­ humanas bem como a capacidade de com­
ça, Deus prometeu a Davi um filho que preender e de cooperar com as leis funda­
construiria o templo, e Salomão era esse mentais colocadas por Deus na criação. As
filho. Salomão admitiu que não era rei pelo pessoas sábias não apenas têm conhecimen­
fato de Deus haver reconhecido suas apti­ to da natureza humana e do mundo criado,
dões, mas sim porque o Senhor fora fiel a mas também sabem como usar esse conhe­
suas promessas a Davi. cimento da maneira correta na hora certa.
Assim, Salomão passou para o presente A sabedoria não é uma idéia abstrata nem
e reconheceu a graça de Deus ao fazer dele teórica; é extremamente prática e pessoal.
o rei (v. 7). Porém, confessou também sua Há muitas pessoas espertas o suficiente para
juventude e inexperiência e, portanto, sua conseguir ter uma boa vida, mas que não
necessidade premente da ajuda de Deus, a têm a sabedoria necessária para construir
fim de poder ser bem-sucedido como rei de uma vida boa, uma existência plena de rea­
Israel. E provável que, nessa época, Salomão lização, que honre o Senhor.
tivesse cerca de 20 anos de idade e, sem Salomão pediu ao Senhor que lhe desse
dúvida, era bem mais jovem que seus con­ um "coração compreensivo", pois, por me­
selheiros e oficiais, sendo que alguns deles nor que seja a questão, se o coração estiver
haviam servido a seu pai. Referiu-se a si mes­ errado, a vida toda estará errada. "Sobre tudo
mo como "uma criança" (1 Cr 22:5; 29:1 ss), o que se deve guardar, guarda o coração,
um sinal tanto de honestidade quanto de porque dele procedem as fontes da vida"
humildade. A expressão "não sei como con­ (Pv 4:23).
duzir-me" refere-se a liderar a nação (Nm A palavra traduzida por "compreensivo"
27:15-17; Dt 31:2,3; 1 Sm 18:13,16; 2 Rs significa "que ouve"; Salomão queria ter "um
11:8 ). coração que ouve". O verdadeiro entendi­
Em sua oração, o rei não apenas confes­ mento vem de ouvir o que Deus tem a dizer
sou sua pequenez, mas também a grandeza e, para o israelita do Antigo Testamento,
de Israel (v. 8). O povo de Israel era o povo "ouvir" significava "obedecer". Quando o
de Deus! Isso significava que Deus tinha para Senhor fala conosco, não temos a opção de
eles um grande propósito a ser cumprido na analisar e de julgar o que ele diz; trata-se
terra e que seu rei carregava a grande respon­ somente de lhe obedecer. Um coração com­
sabilidade de governá-los. Deus havia multi­ preensivo possui um entendimento mais
plicado a nação e cumprido sua promessa a profundo e discernimento. É capaz de fazer
Abraão (Gn 12:2; 13:16; 15:5), Isaque (Gn distinção entre coisas diferentes (Fp 1:9-11).
26:1-5) e Jacó (G n 28:10-14), e Salomão Sabe o que é real e o que é artificial, o que
desejava que a bênção continuasse. é temporal e o que é eterno.6 Esse tipo de
1 REIS 3:1 - 4:34 405

compreensão é descrito em Isaías 11:1-5, sua vida e sobre a vida de sua nação. Em
uma profecia sobre o Messias. Os cristãos outras palavras, Salomão sabia que era o
de hoje podem apropriar-se da promessa de segundo no poder. Foi quando começou a
Tiago 1:5. se esquecer dessa verdade básica que se me­
Aprovação (w. 10-73). Deus se agradou teu em dificuldades.
do pedido de Salomão por sabedoria, pois
foi prova de que o rei estava preocupado 4. O á r b it r o (1 Rs 3:16-28)
em servir a Deus e a seu povo, em conhe­ O s líderes escolhidos por Deus não podem
cer e fazer a vontade de Deus. Salomão não permanecer para sempre nos altos da glória
leu Mateus 6:33, mas colocou as palavras espiritual; antes, devem levar essa glória e
desse versículo em prática... e o Senhor lhe bênção consigo para o lugar onde cumprem
deu as bênçãos adicionais que ele nem ha­ seus deveres e exercem seu serviço. Jesus
via pedido! Deus sempre dá o melhor para deixou o monte da transfiguração e foi para
os que deixam a escolha nas mãos dele. o vale do conflito (M t 1 7:1-21), e Paulo dei­
Quando lemos o Livro de Provérbios, vemos xou as alturas do céu para carregar, na terra,
que o amor à sabedoria e a prática do a dor do espinho na carne (2 Co 12:1-10).
discernimento podem levar a essas bênçãos Salomão havia adorado em Gibeão e Jeru­
adicionais (ver Pv 3:1, 2, 10, 13-18). Nos ca­ salém, mas estava de volta às responsabili­
pítulos subseqüentes, veremos a riqueza e a dades do trono.
honra de Salomão e como ele atraiu visitan­ Assim como seu pai, Salomão se fez aces­
tes de outras nações que desejavam ouvir sível ao povo comum (2 Sm 14). Deus havia
sua sabedoria. dado a Salomão um dom especial de sabe­
Obrigação (v. 14). O Senhor teve o cui­ doria, e agora o rei poderia colocá-lo em
dado de lembrar a Salomão que sua obe­ prática. Salomão se pusera diante da arca, o
diência à aliança de Deus e sua devoção ao trono de Deus, e o povo poderia ficar dian­
Senhor eram as chaves para suas bênçãos te do trono do rei e buscar ajuda. Porém, o
futuras. Salomão deveria escrever a própria fato de Salomão receber duas prostitutas na
cópia de Deuteronômio (Dt 17:18-20), in­ sala do trono foi, sem dúvida, uma demons­
cluindo a aliança descrita em Deuteronômio tração de sua condescendência. Assim como
28 - 30. Salomão também conhecia as esti­ Jesus, recebeu "publicanos e pecadores" (Lc
pulações da aliança que Deus havia feito 15:1, 2), com a diferença de que Jesus fa­
com seu pai, Davi (2 Sm 7:1-17), e que ela zia muito mais do que resolver os proble­
exigia obediência da parte do filho e su­ mas deles: transformava-lhes o coração e
cessor de Davi (w . 12-16). Deus prometeu perdoava seus pecados. Em todos os senti­
estender a vida de Salomão, se ele obede­ dos, Jesus é "maior do que Salomão" (M t
cesse à Palavra (Pv 3:2, 16), pois estaria hon­ 12:42).
rando a Deus e a seu pai, Davi, e poderia Apesar de ter-se a impressão de que a
apropriar-se da promessa de Êxodo 20:12 prostituição era tolerada em Israel, a lei de
(ver Ef 6:1-3). Infelizmente, mesmo com toda Moisés determinava algumas restrições e
a sua sabedoria, Salomão se esqueceu de castigos severos (Lv 19:29; 21:7, 9, 14; Dt
sua parte no acordo e, aos poucos, desgar­ 23:18). O Livro de Provérbios advertia os
rou-se para o pecado e a desobediência, de rapazes sobre os ardis da meretriz ("da mu­
modo que Deus precisou discipliná-lo.7 lher alheia, da estranha"), e Paulo instruiu os
Quando Salomão voltou a Jerusalém, foi cristãos a se manterem longe das prostitutas
até a tenda que abrigava a arca e ofereceu (1 Co 6:15, 16). Essas duas mulheres viviam
mais sacrifícios naquele local (v. 15). A arca com outras prostitutas num bordel, e ambas
representava a presença de Deus no meio engravidaram e deram à luz. Não podemos
de seu povo e o governo do Senhor sobre evitar sentir pena dessas crianças, que vie­
os israelitas (SI 80:1; 99:1). Salomão reco­ ram ao mundo num lugar como esse, sem
nheceu o governo soberano de Deus sobre pais para sustentá-las ou protegê-las. Porém,
406 1 REIS 3:1 - 4:34

0 tipo de homem que visita prostituta tam­ seu pai reinou, de modo que a manutenção
bém pode não ser o melhor dos pais! dos registros era mais trabalhosa.
Uma vez que não houve testemunhas Josafá havia sido cronista durante o rei­
do nascimento desses dois bebês e da mor­ nado de Davi (2 Sm 8:16; 20:24), e Benaia
te de um deles, o caso não poderia ser jul­ fora nomeado comandante do exército por
gado num tribunal do modo habitual. Seria Salomão (2:35). Benaia era de família sacer­
a palavra de uma mulher contra a palavra da dotal, mas escolheu seguir a carreira militar.
outra, mesmo ficando evidente que uma Abiatar havia sido exilado em decorrência
delas estava mentindo. Usando da sabedoria de sua participação na conspiração envol­
que Deus havia lhe dado, Salomão colocou vendo Adonias (2:27), e Zadoque havia fa­
de lado a palavra das mulheres e foi direto lecido e sido substituído por seu neto. Uma
ao coração delas, pois o coração de todo o vez que tanto Zadoque quanto Abiatar ha­
problema é o problema no coração. Ao suge­ viam servido a Davi, os dois aparecem na
rir que "dividissem o bebê" entre si, Salomão listagem oficial. Azarias era encarregado dos
revelou o coração da mãe verdadeira e lhe doze oficiais que supervisionavam os doze
deu o bebê. O texto não diz o que ele fez distritos demarcados por Salomão em Israel
com a mulher que mentiu e roubou (seqües­ (vv. 7-19). O texto não explica se seu pai era
trou) o bebê. Esperamos que a mãe ver­ o profeta Natã (1:11), Natã, filho de Davi
dadeira tenha abandonado seus caminhos (2 Sm 5:14) ou outro homem chamado Natã,
pecaminosos e criado seu filho nos cami­ um nome comum em Israel.
nhos do Senhor. Zabude era um sacerdote que servia
Esse acontecimento foi o principal assun­ como conselheiro especial do rei; Aisar admi­
to em Israel durante semanas, e a decisão nistrava os assuntos complexos relacionados
de Salomão deixou claro a todos que o rei à casa do rei e Adonirão era encarregado
era, de fato, um homem sábio. dos que eram recrutados para trabalhar nas
obras públicas do reino (9:15-23; 2 Cr 2:2,
5. O ADMINISTRADOR 17,18; 8:7-10). Esses trabalhadores não eram
(1 Rs 4:1-28; 2 Cr 1:14-17) israelitas, mas sim estrangeiros que viviam
Davi era um administrador competente (2 Sm em Israel. Porém, para a construção do tem­
8:15-18; 20:23-26), e seu filho herdou dele plo, Salomão recrutou israelitas para dedica­
a mesma aptidão. Apesar de Salomão ter rem quatro meses de trabalho por ano ao
grande sabedoria e autoridade, não era ca­ serviço público (5:13-18). Adonirão também
paz de tratar sozinho dos assuntos do reino. era conhecido como Adorão e foi morto por
Um bom líder escolhe pessoas competen­ apedrejamento pelo povo quando Roboão
tes para trabalhar consigo e permite que subiu ao trono (1 Rs 12:18-20). Samuel ha­
usem seus dons e, desse modo, sirvam ao via advertido o povo de que seus reis fariam
Senhor e ao povo. coisas como submetê-los a trabalhos força­
Os principais líderes (w. 1-6). Azarias dos (1 Sm 8:12-18).
era o sumo sacerdote (v. 2). Era filho de O s in te n d e n te s (vv. 7-19, 27, 2 8 ).
Aimaás e neto de Zadoque, o sacerdote que Salomão demarcou doze "distritos" de dife­
serviu tão fielmente a Davi. Ao que parece, rentes tamanhos e colocou um intendente
Aimaás havia falecido e, portanto, seu filho sobre cada um. As demarcações dos distri­
recebeu o cargo. Ver 2 Samuel 15:27, 36; tos desconsideravam as demarcações tradi­
1 Crônicas 6:8, 9. Enquanto Davi teve ape­ cionais das tribos e até incluíam territórios
nas um escriba, Salomão teve dois (v. 3), e que Davi havia tomado em batalhas, sendo
estes eram filhos de Sisa, o escriba de Davi. que cada distrito deveria fornecer alimento
Sisa também era conhecido como Seraías para a casa do rei durante um mês por ano.
(2 Sm 8:17), Seva (2 Sm 20:25) e Sausa (1 Cr E bem provável que os intendentes também
18:16). O reino de Salomão era muito maior coletassem impostos e supervisionassem o
e mais complexo do que aquele sobre o qual recrutamento militar e os trabalhadores que
1 REIS 3:1 - 4:34 407

serviam no templo e em outros projetos de Josafá, o cronista (vv. 12 e 3). Esses doze
construção do rei. Ao estabelecer distritos homens possuíam grande poder sobre a
que passavam por cima de antigas fronteiras, nação e faziam parte da burocracia corrupta
é possível que Salomão desejasse minimizar sobre a qual Salomão escreveu em Ecle-
a lealdade tribal e eliminar algumas das ten­ siastes 5:8-12.
sões entre Judá e as tribos do Norte. Em vez Distinções especiais (vv. 20-28). A na­
disso, porém, o plano serviu para agravar as ção de Israel ganhou fama por sua grande
tensões, especialmente pelo fato de Judá não população, sua paz e segurança, suas cons­
ter sido incluída no programa de divisão dos truções, seu rei sábio e pela satisfação a seu
distritos. Um a vez que era a tribo real e que estilo de vida, pois os israelitas "comiam,
abrigava a cidade real, Judá era administra­ bebiam e se alegravam" (v. 20). E evidente
da separadamente. que a população cresceu, pois isso fazia
Um rei com setecentas esposas e tre­ parte das promessas de Deus aos patriarcas
zentas concubinas, além de inúmeros fun­ (Gn 15:5; 17:8; 22:1 7; 26:4; 32:12) e de suas
cionários e convidados freqüentes, devia ter promessas da aliança (Dt 28:1-14). A expan­
uma pequena multidão para alimentar. A são territorial também era parte da promes­
rainha de Sabá foi acompanhada de "mui sa de Deus (Gn 15:18; Êx 23:31; Dt 1:7; Js
grande comitiva", da qual provavelmente 1:4). As nações tributárias sujeitavam-se ao
faziam parte várias centenas de pessoas. De governo de Salomão e lhe traziam presen­
acordo com os versículos 22 e 23, as refei­ tes todos os anos, e Salomão desfrutava gran­
ções de um dia no palácio consumiam mais des bênçãos resultantes da aliança de Deus
de 6.700 litros de farinha fina e mais de com Davi (2 Sm 7). Contrariando a lei de
13.600 litros de farinha grossa, dez bois Deus, Salomão multiplicou cavalos na terra
cevados, vinte bois de pasto, cem carnei­ (D t 17:16) e construiu cidades especiais
ros e vários outros tipos de animais e de para abrigá-los (v. 26; 10:26-29; 2 Cr 1:14­
aves. Salom ão também precisava de ce­ 17; 9:25, 28).8
reais para alimentar seus muitos cavalos
e, talvez, para isso é que se usava a farinha 6. O e s t u d io s o (1 Rs 4:29-34)
grossa (de cevada). É possível que as na­ O rei Davi desfrutava e valorizava o mundo
ções conquistadas considerassem essas que Deus havia criado e escreveu hinos de
doações mensais uma parte de seu tributo, louvor sobre o Criador e sua criação, mas
mas para as tribos de Israel, o sistema como Salomão olhou para a natureza mais como
um todo era uma forma humilhante de ex­ objeto de estudo. Deus deu a Salom ão
torsão. Não é de se admirar que, depois da sabedoria e amplitude de entendimento
morte de Salomão, as dez tribos tenham se muito maior que as dos grandes sábios do
revoltado contra "todos os cavalos e ho­ Oriente, e ele pôde tirar da natureza lições
mens do rei". detalhadas sobre as criaturas viventes feitas
Por algum motivo, cinco dos intenden­ por Deus. Eclesiastes 2:5 diz que Salomão
tes são identificados pelos nomes dos pais. plantou grandes jardins e, sem dúvida, foi
No hebraico, o termo ben significa "filho de" neles que observou o modo como as plan­
(8-11, 13). É possível que o filho de Abina- tas e as árvores se desenvolviam. Etã e Hemã
dabe (v. 11) fosse filho do irmão de Davi e, são m encionados em 1 Crônicas 15:19
portanto, primo de Salomão (1 Sm 16:8; como membros da equipe musical de Davi,
17:13). Casou-se com uma das filhas de encarregados de dirigir a adoração no san­
Salomão, como também o fez Aimaás (v. 15). tuário. E provável que Etã seja o mesmo
E bem provável que Salomão tenha instituí­ homem conhecido como Jedutum, que es­
do esse sistema de fornecimento vários anos creveu os Salmos 39 e 89 (1 Cr 16:41, 42;
depois do início de seu reinado, uma vez 25:1, 6) e o Salmo 88 é atribuído a Hemã.
que não tinha filhos adultos quando foi co­ Esses homens também eram conhecidos por
roado. Baaná provavelmente era irmão de sua sabedoria. Além de 1 Crônicas 2:6, não
408 1 REIS 3:1 - 4:34

temos qualquer outra inform ação sobre Enquanto Salomão era rei, a paz e a pros­
Calcol e Darda. peridade governaram com ele, mas não
A maioria dos três mil provérbios de importava quão bem-sucedido seu reino pa­
Salomão se perdeu, pois menos de seiscen­ recia aos cidadãos e visitantes, nem tudo ia
tos encontram-se registrados no Livro de Pro­ bem em Israel. Durante o período entre sua
vérbios. Também não existem mais o "Livro ascensão ao trono e a consagração do tem­
da História de Salomão" (11:41) e nem os plo, tudo indica que Salomão andou com o
livros sobre esse rei escritos por Natã, Aias Senhor e procurou lhe agradar. Porém,
e Ido (2 Cr 9:29). Encontramos diversas refe­ Alexander W hyte expressou uma verdade de
rências à natureza em Provérbios, Eclesiastes modo muito vívido ao escrever que "um
e Cantares, de modo que as investigações verme escondido [...] carcomia, o tempo
científicas de Salomão resultaram em verda­ todo, o bastão real no qual Salom ão se
des espirituais e lições práticas para a vida. apoiava".9 Salomão não tinha a dedicação
O rei tornou-se uma celebridade interna­ inabalável ao Senhor que caracterizou seu
cional, e pessoas importantes de todo o pai; além disso, suas muitas esposas pagãs
mundo foram conhecer seus tesouros e ou­ estavam plantando no coração do rei uma
vir sua sabedoria. semente que daria frutos amargos.

1. B uec h n er, Frederic. Peculiar Treasures. Nova York: Harper and Row, 1979, p. 161.

2. O dote que a esposa de Salomão recebeu do Faraó foi a cidade filistéia de Gezer (1 Rs 9:16). O Egito havia conquistado a

Filístia e ainda exercia autoridade sobre a região. A princesa não foi a primeira esposa de Salomão, pois Roboão, o primogênito

e sucessor do rei, tinha uma mãe amonita chamada Naamá (14:21). É provável que Salomão já fosse casado antes de tornar-

se rei, uma vez que Roboão estava com 41 anos de idade quando assumiu o trono, e Salomão reinou durante quarenta anos.

3. O s israelitas não deveriam se casar com mulheres pertencentes às nações pagãs da terra de Canaã (Êx 34:16; Dt 7:1ss), lei

que Salomão acabou transgredindo. Não parecia haver qualquer regra quanto a um israelita tomar para si uma esposa egípcia.

Diz a tradição judaica que sua esposa adotou a fé em Jeová.

4. Esses lugares eram chamados de "altos" (bamah ), pois costumavam situar-se em colinas afastadas da cidade, no meio da

natureza e "mais perto" do céu. O termo bamah significa "elevação". A adoração nesses santuários pagãos costumava incluir

orgias indescritíveis. Alguns israelitas adoraram Baal nos altos no período dos juizes (Jz 6:25; 13:16). Nos dias de Samuel e

Saul, nem sempre os sacrifícios eram oferecidos no altar do tabernáculo (1 Sm 7:10; 9:11-25; 13:9; 14:35; 16:5). Davi

construiu um altar no monte Moriá (1 Cr 21:26), prenunciando, sem dúvida alguma, o templo que seria construído ali. A

adoração nos altos foi uma tentação constante no tempo da monarquia em Israel e em judá, e mal um rei havia destruído

esses santuários pagãos, seu sucessor os reconstruía.


5. Ver minha obra sobre Provérbios: Be Skillful, Victor, 1995.

6. Dois termos hebraicos diferentes são traduzidos por "compreensivo" nesta passagem. No versículo 9, o termo shama significado

"ouvir, escutar, obedecer". A confissão de fé hebraica diária é chamada de "Shem a" e começa com as palavras, "Ouve, Israel"
(Dt 6:4, 5). A palavra usada nos versículos 11 e 12 é b/n e significa "distinguir, discernir, separar". Em conjunto, os termos

querem dizer "ouvir com a intenção de obedecer e exercitar discernimento a fim de compreender".

7. A Bíblia registra quatro ocasiões em que Deus falou com Salomão: em Gibeão (3:10-15), durante a construção do templo

(6:11-13), depois da conclusão dos projetos de construção (9:3-9) e quando Salomão desobedeceu ao Senhor e adorou
ídolos (11:9-13). Observe que, nos três primeiros casos, a ênfase é sobre a obediência.

8. Salomão não precisava de quarenta mil cavalos quando tinha apenas 1.400 carros (1 Rs 10:26; 2 Cr 1:14), de modo que o

número quatro mil em 2 Crônicas 9:25 expressa, sem dúvida, a quantidade correta. Se cada carro era puxado por dois

cavalos, ainda sobravam 1.200 cavalos para as cidades fortificadas que Salomão havia levantado e, também, para outros

serviços de Estado.

9. W h yte, Alexander. Bible Characters from the O ld and N ew Testaments. Kregel: 1990, p. 284.
3 seu reinado,' e estes capítulos registram vá­
rios estágios do projeto.

S
1. A AQUISIÇÃO DOS MATERIAIS
0 S o n h o d e D avi E (1 Rs 5:1-12; 2 Cr 2:1-16)
Um a vez que havia previsto a construção
R e a l iz a d o do templo, Davi havia separado alguns dos
despojos das batalhas especialmente para o
1 R e ís 5:1 - 6:38; 7:13-51
Senhor (1 Cr 22:14). Essa riqueza totalizou
(2 C rônícas 2 - 4 ) 3.400 toneladas de ouro, 34.000 toneladas
de prata e uma quantidade de bronze, fer­
ro, madeira e pedras que nem foi medida.
/7M ão entrarei na tenda em que moro, Davi entregou toda essa riqueza publicamen­
I N nem subirei ao leito em que repou­ te a Salomão (1 Cr 29:1-5). Acrescentou a
so, não darei sono aos meus olhos, nem ela, ainda, seu tesouro pessoal e, depois, con­
repouso às minhas pálpebras, até que eu vidou os líderes de Israel a contribuir tam­
encontre lugar para o S e n h o r , morada para bém (1 Cr 29:1-10). O total final foi de 3.668
o Poderoso de Jacó" (SI 132:3-5). Foi o que toneladas de ouro e mais de 34.000 tonela­
escreveu o rei Davi, pois seu desejo mais das de prata, sem falar nos milhares de tone­
profundo era construir um templo para a gló­ ladas de bronze e de ferro bem como de
ria do Senhor. "U m a coisa peço ao S e n h o r , pedras preciosas. Foi um grande com eço
e a buscarei: que eu possa morar na Casa para um grande projeto.
do S e n h o r todos os dias da minha vida, para Davi entregou, ainda, a Salomão as plan­
contemplar a beleza do S e n h o r e meditar tas do templo conforme as havia recebido
no seu templo" (SI 27:4). do Senhor (1 Cr 28). Também reunira alguns
O Senhor conhecia o coração de Davi, artesãos e trabalhadores para seguir essas
mas deixou claro que tinha outros planos plantas e trabalhar na madeira e nas pedras,
para o seu servo amado (2 Sm 7). Davi esta­ a fim de preparar o material para o templo
va tão ocupado lutando guerras e expandin­ (1 Cr 22:1-4). Hirão, rei de Tiro, havia forne­
do as fronteiras do reino de Israel que não cido trabalhadores e materiais para a cons­
tinha tempo de supervisionar um projeto tão trução do palácio de Davi (2 Sm 5:11), e
complexo e trabalhoso. Deus havia escolhi­ Davi pediu sua ajuda para preparar a ma­
do Salomão, um "homem sereno", para cons­ deira para o templo (1 Cr 22:4). Salomão
truir o templo, e seu pai o preparou para essa aproveitou essa amizade e pediu a Hirão que
incumbência e o encorajou (1 Cr 22 e 28). fornecesse os trabalhadores e a madeira
Desde o tempo de Moisés, o povo leva­ necessários para o templo.
va suas ofertas e sacrifícios ao tabernáculo, Hirão enviara suas saudações a Salomão,
mas não eram mais um povo peregrino e, na coroação do novo rei, e Salomão retribuí­
sim, uma nação assentada em sua terra. O ra com um agradecimento oficial e com um
tabernáculo era uma construção frágil e por­ pedido de ajuda para a grande empreitada
tátil e havia chegado a hora de Israel cons­ em Jerusalém. Em sua mensagem, Salomão
truir um templo para seu grande Deus. As indicou que sabia que Davi havia discutido
nações a seu redor possuíam templos dedi­ esse projeto com Hirão, de modo que não
cados a seus falsos deuses, de modo que era a primeira vez que essa questão lhe era
era mais do que certo o povo de Israel cons­ apresentada. Davi havia falado a Hirão até
truir um templo magnífico para a honra de mesmo sobre a aliança de Deus (2 Sm 7) e
Jeová dos Exércitos, o verdadeiro Deus vivo. sobre como Salomão havia sido escolhido
Salomão começou as obras no segundo mês pelo Senhor para construir a casa de Deus.
(equivalente a abril/maio em nosso calen­ Salomão havia deixado claro que não esta­
dário) do ano de 966 a.C., o quarto ano de va construindo um monumento para a glória
410 1 REIS 5:1 - 6:38; 7:1 3-51

de seu pai, mas sim um templo para a honra Salomão tinha muita coisa a seu favor. Os
do nome do Senhor (v. 5; ver 8:16-20, 29, dois homens sabiam que Deus os havia es­
33, 35, 41-44). colhido para dirigir o trabalho e que ele os
Salomão também solicitou um artífice capacitaria para que completassem sua in­
mestre que pudesse fazer entalhes delica­ cumbência com sucesso. Os dois líderes
dos e belos para as guarnições do templo possuíam uma quantidade extraordinária
(7:13, 14; 2 Cr 2:7), e o rei Hirão enviou-lhe de riquezas e de materiais a sua disposição
o artífice Hirão (ou Hirão-Abi; 2 Cr 2:13, 14). antes de começar e os dois receberam plan­
Ele era filho de um casamento misto, pois tas da construção do próprio Senhor. Am­
seu pai era fenício e sua mãe era da tribo de bos foram abençoados com outros líderes
N aftali.2 M etalúrgico de grande talento, que contribuíram com generosidade a fim
modelou as duas colunas da entrada do de apoiar o projeto.
templo, bem como as guarnições de metal
do interior do templo. Assim como quando 2. O RECRUTAMENTO DE TRABALHADORES
Moisés construiu o tabernáculo, o Senhor (1 Rs 5:13-18; 9:15-23; 2 C r 2:2,
reuniu os trabalhadores necessários e os ca­ 17, 18; 8:7-10)
pacitou a executar sua obra (Êx 31:1-11; Seria preciso uma grande força de trabalho
35:30-35). para derrubar as árvores, aparar as toras e
Na verdade, a carta de Salomão foi um transportá-las até o local da construção, a
contrato comercial, pois nela o rei ofereceu fim de serem usadas pelos construtores. O
pagar pela madeira fornecendo alimentos censo incompleto de Davi havia revelado a
anualmente à casa de Hirão (5:11) e tam­ existência de um milhão e trezentos mil ho­
bém pagar aos trabalhadores uma grande mens fisicamente aptos em Israel (2 Sm 24:9),
soma por seus serviços (2 Cr 2:10). Até o e Salomão recrutou apenas trinta mil para
trabalho ser completado, a casa do rei Hirão trabalhar no templo, cerca de 2,3 % do con­
receberia cerca de quatro milhões e meio tingente total de trabalhadores disponíveis.
de litros de trigo e mais de quatrocentos mil Dez mil desses homens passavam um mês a
litros do mais puro azeite de oliva. Os traba­ cada quadrimestre do ano ajudando os ho­
lhadores receberiam um pagamento único mens de Hirão a derrubar árvores no Líba­
de quatro milhões e meio de litros de trigo, no e, depois, passavam dois meses em casa.
a mesma quantia de cevada e mais de qua­ Esses homens eram cidadãos israelitas e não
trocentos mil litros de vinho e azeite de oliva, eram tratados como escravos (9:22; ver Lv
sendo que tudo isso deveria ser dividido 25:39-43). O texto não diz se tiveram uma
entre eles. Em sua resposta, Hirão aceitou participação no pagamento prometido por
os termos do contrato e descreveu o proce­ Salomão aos trabalhadores de Hirão, mas é
dimento. Seus homens cortariam as árvores provável que não.
no Líbano, preparariam as toras e as leva­ Salomão também realizou um censo dos
riam pela costa até Jope (atual Jafa; 2 Cr estrangeiros que se encontravam na terra e
2:16) em navios ou amarradas em forma de recrutou cento e cinqüenta mil desses ho­
balsas. Em Jope, os homens de Salomão pe­ mens para cortar e transportar as pedras para
gariam a madeira e a transportariam por ter­ o templo (5:15-18; 9:15-23; 2 Cr 2:17, 18;
ra até o local da construção, percorrendo 8:7-10). Desse grupo, setenta mil levavam
uma distância de cerca de cinqüenta e seis cargas, enquanto oitenta mil cortavam blo­
quilômetros.3 cos de calcário dos montes. Havia três mil
Como qualquer pastor ou conselho de capatazes responsáveis por esse grupo e tre­
igreja pode comprovar, programas de cons­ zentos supervisores estrangeiros e, sobre
trução não são nada fáceis e fazem aflorar todos eles, duzentos e cinqüenta oficiais
o que há de melhor ou de pior no povo de israelitas. Os blocos de pedra deveriam ser
Deus. Porém, assim como Moisés que su­ cortados com grande precisão para que se
pervisionou a construção do tabernáculo, encaixassem perfeitamente quando fossem
1 REIS 5:1 - 6:38; 7:13-51 411

montados no local do templo (6:7), tarefa Senhor pode usar as pessoas às quais da­
que exigia planejamento cuidadoso e super­ mos menos valor para realizar sua vontade
visão especializada. aqui na terra. Deus pode até mesmo traba­
Apesar de o recrutamento ter envolvido lhar por intermédio de membros não-cristãos
um número pequeno de cidadãos do sexo do governo, a fim de abrir portas a seu povo
masculino, os israelitas se ressentiram por e de suprir suas necessidades.
Salomão levar trinta mil dos seus homens
para trabalhar no Líbano quatro meses por 3. A CONSTRUÇÃO DO TEMPLO
anos. Essa atitude de crítica contribuiu para (1 Rs 6:1-38; 2 Cr 3:1-17)
fortalecer a revolta do povo contra Roboão Quais foram os dois pecados mais graves
e para desencadear a divisão do reino de­ de Davi? A maioria das pessoas responde­
pois da morte de Salomão (12:1-21). De fato, ria: "seu adultério com Bate-Seba e o censo
em se tratando de trabalho e de impostos, do povo", e sua resposta estaria correta.
Salomão colocou um jugo pesado sobre o Com o resultado do pecado de contar o
povo. povo, Davi comprou uma propriedade no
Tanto israelitas quanto gentios ajudaram monte Moriá, onde construiu um altar e
na construção do templo, fato significativo, adorou ao Senhor (2 Sm 24). Davi casou-se
pois o templo deveria ser uma "Casa de com Bate-Seba, e Deus lhe deu um filho, o
Oração para todos os povos" (Is 56:7; Mt qual chamaram de Salomão (2 Sm 12:24,
21:13; Lc 19:46). Depois do cativeiro, os 25). Agora, vemos Salomão construindo um
judeus que reconstruíram o templo conta­ templo na propriedade de Davi no monte
ram com a ajuda do governo persa e, no Moriá! Deus usou as conseqüências dos dois
templo de Herodes, havia uma área espe­ pecados mais sérios de Davi - uma proprie­
cial para gentios. Infelizmente, alguns dos dade e um filho - para construir um templo!
líderes religiosos judeus transformaram o "M as onde abundou o pecado, superabun-
átrio dos gentios num mercado para venda dou a graça" (Rm 5:20). Não se trata de um
de sacrifícios e câmbio de dinheiro estran­ incentivo ao pecado, pois Davi pagou caro
geiro para a moeda local. A Igreja de hoje é pelas duas transgressões, mas é um estímu­
o templo de Deus, composta daqueles que lo a servir a Deus depois que nos arrepen­
crêem em Jesus Cristo, sejam eles judeus ou demos e que confessamos nossos pecados.
gentios (Ef 2:11-22). Esse templo está sendo Satanás quer nos convencer de que tudo
"edificado" para a glória do Senhor, à me­ está perdido, mas o Deus de toda a graça
dida que "pedras que vivem " - tanto dos ainda está operando (1 Pe 5:10).
judeus quanto dos gentios - são acrescen­ A estrutura externa (vv. 1-10, 36-38;
tadas pelo Espírito Santo (1 Pe 2:5). 2 C r 3). No mundo antigo, usava-se como
Os trabalhadores de Hirão no Líbano não medida o "côvado curto" ou côvado co­
eram adoradores de Jeová, e os estrangei­ mum", com cerca 46 centímetros, e o "côva­
ros na terra de Israel não eram prosélitos à do longo", com quase 55 centímetros. Nas
fé dos israelitas; no entanto, Deus usou es­ medidas do templo, foi empregado o côvado
ses dois grupos de "forasteiros" para edificar comum (2 Cr 3:3), o que significa que a es­
seu templo sagrado. O Senhor "deseja que trutura tinha aproximadamente 30 metros de
todos os homens sejam salvos" (1 Tm 2:4), comprimento, 10 metros de largura e 15
mas mesmo quando não crêem nele, Deus metros de altura. Na frente do templo, havia
pode usá-los para cumprir seus propósitos. um pórtico medindo 10 metros de largura e
Usou Nabucodonosor e os babilônios para 5 metros de profundidade, e o santuário era
disciplinar Israel, chamou Nabucodonosor cercado por um átrio para os sacerdotes. Este
de "meu servo" (Jr 25:9) e usou Ciro, rei da era separado de um átrio externo por um
Pérsia, para libertar Israel e ajudar o povo a muro feito de blocos de pedra e de madeira
reconstruir o templo (Ed 1). Isso deve servir (v. 36; 2 Cr 4:9). Jeremias 36:10 chama o
de estímulo a nossa oração e serviço, pois o átrio dos sacerdotes de "átrio superior", o
412 1 REIS 5:1 - 6:38; 7:13-51

que sugere que ficava num nível mais eleva­ advertência semelhante foi incluída na alian­
do que o átrio externo. As portas do templo ça que Deus deu a Moisés em Deuteronô-
eram voltadas para o leste, como também o mio 28 - 30, de modo que não se tratava
era a porta do tabernáculo. de uma revelação nova para Salomão. Foi a
Diferentemente do tabernáculo, o tem­ segunda vez que Deus falou com Salomão
plo possuía três andares de câmaras anexas sobre obediência (ver 3:5ss) e voltaria a fa­
às suas paredes externas ao sul, a oeste e lar com o rei sobre esse assunto depois da
ao norte. Cada câmara tinha 2,5 metros de consagração do templo (9:3-9).
altura, e as paredes que sustentavam essas A estrutura interna (vv. 14-35). Quando
câmaras eram construídas com o três de­ a estrutura básica do edifício estava com­
graus, sendo que as câmaras ficavam sobre pleta, os trabalhadores concentraram-se na
suportes de madeira apoiados nesses de­ parte interna do templo, a mais importante,
graus. As câmaras do piso superior tinham pois era o lugar onde os sacerdotes iriam
cerca de 3,5 metros de largura, as do segun­ ministrar ao Senhor. As paredes internas eram
do piso, 3 metros e as do piso inferior, 2,5 apaineladas do piso ao teto com tábuas de
metros de largura. E provável que essas câ­ cedro revestidas de ouro (v. 22) e entalha­
maras fossem usadas como depósitos. No das com flores abertas, querubins e palmei­
meio da parede Sul do templo, havia uma ras, e o piso era recoberto de tábuas de
porta que levava às câmaras do piso inferior cipreste (ou pinho), também revestidas de
e uma escada em espiral para o segundo ouro (vv. 15 e 30). Um par de portas be­
piso e o piso superior. Em cada piso, deve­ lamente entalhadas separava o átrio dos sa­
ria haver um corredor estreito ligando as cerdotes do Lugar Santo (vv. 31-35). Assim
câmaras. Nas paredes do lado Norte e do como os querubins, essas portas eram feitas
lado Sul havia janelas estreitas acima do ter­ de madeira de oliveira coberta com ouro, e
ceiro piso que deixavam penetrar um pou­ até mesmo suas dobradiças eram de ouro
co de claridade no santuário (v. 4). O (7:50). Correntes de ouro passavam por den­
tabernáculo de Moisés não possuía janelas. tro do Santo dos Santos (v. 21).
No entanto, a luz necessária para que os Na extremidade oeste situava-se o Lugar
sacerdotes ministrassem no Santo Lugar era Santo; a 20 metros da porta ficava o maravi­
fornecida por dez candelabros, cinco na lhoso véu que dividia o santuário do Santo
parede Norte e cinco na parede Sul. E evi­ dos Santos (2 Cr 3:10). Essa divisão criava
dente que uma estrutura tão grande e pesa­ uma sala em forma de cubo, com 10 metros
da exigia uma fundação forte (v. 38). de lado (v. 20).4 No tabernáculo de Moisés,
Uma mensagem divina (vv. 11-13). Não o Santo dos Santos também era um cubo,
sabemos quem transmitiu essa mensagem mas media apenas 5 metros de lado. Na ver­
(provavelmente um profeta) ou quanto dela dade, as dimensões do templo equivaliam
foi comunicada, mas o Senhor enviou sua ao dobro das medidas do tabernáculo - 30
Palavra ao rei numa ocasião em que este metros por 10, no caso do templo, e 15 me­
estava desanimado com o trabalho de cons­ tros por 5, no caso do tabernáculo. As pare­
trução ou (o que é mais provável) quando des do Santo dos Santos eram apaineladas
começou a se orgulhar daquilo que realiza­ com cedro e cobertas de ouro, e o piso era
va. O Senhor lembrou Salomão, como deve feito de tábuas de cipreste folheadas a ouro.
nos lembrar a todo tempo, de que ele não Até mesmo os pregos usados no Santo do
se impressiona com nosso trabalho se não Santo eram folheados a ouro. Era no Santo
vivermos em obediência a ele. O que o dos Santos que ficaria a arca da aliança.
Senhor deseja é um coração obediente (Ef A arca representava o trono de Deus,
6:6). Deus cumpriria suas promessas a Davi que se encontrava "entronizado acima dos
e Salomão (2 Sm 7), não porque Salomão querubins" (SI 80:1). Era uma arca de ma­
houvesse construído o templo, mas porque deira com 1,15 metro de comprimento, 68
havia obedecido à Palavra de Deus. Uma centímetros de largura e 68 centímetros de
1 REIS 5:1 - 6:38; 7:13-51 413

altura. Pelo fato de as duas tábuas da lei es­ as ofertas e sacrifícios a serem apresenta­
tarem guardas dentro da arca, também era dos ao Senhor. Do lado direito, voltado para
cham ada de "arca do Testem unho" (Êx o norte, ficava o altar de bronze com 10
25:22). Havia sobre a arca um "propiciatório" metros de cada lado e 5 metros de altura
e, em cada extremidade, um querubim feito (2 Cr 4:1), onde o fogo era mantido aceso e
de madeira de oliveira e revestido de ouro. os sacerdotes ofereciam os sacrifícios (ver
No templo, os querubins tinha quase 5 me­ 8:64; 9:25; ver Êx 27:1-8; 38:1-7). A altura
tros de altura, com asas medindo quase cin­ do altar indica a existência de degraus que
co metros de comprimento, de modo que, levavam a uma borda, em que os sacerdo­
quando a arca se encontrava no Santo dos tes poderiam ficar em pé e ministrar (ver Ez
Santos, as quatro asas se estendiam de pa­ 43:13-17). Alguns estudiosos acreditam que
rede a parede (ver w . 23-28 e Êx 25:10-22 e o altar, em si, não tinha 5 metros de altura,
37:1-9). Uma vez por ano, o sumo sacerdo­ mas que era mais baixo e ficava sobre uma
te tinha permissão de entrar no Santo dos pedra, que o elevava. O altar do tabernáculo
Santos, aspergir o sangue do sacrifício sobre tinha apenas 1,5 metro de altura.
o propiciatório e, assim, cobrir os pecados O m ar de fundição (w. 23-26; 2 C r 4:2­
do povo por mais um ano (Lv 16). 5, 10). À esquerda da entrada, do lado sul
Hirão moldou duas colunas grandes de do átrio (v. 39), ficava o imenso "mar de fun­
bronze, cada uma com quase 9 metros de dição" substituindo uma bacia menor que
altura e 6 metros de circunferência.5 Tinham ocupava esse lugar no átrio do tabernáculo
cerca de 10 centímetros de espessura e, (vv. 23-26; ver Êx 30:17-21; 38:8). Era redon­
portanto, eram ocas (Jr 52:21); também não do, feito de bronze e tinha um palmo de
sustentavam parte alguma do templo. No alto espessura, com imagens de lírios fundidas
de cada coluna (2 Rs 25:17), ficava apoiado ao redor da borda, e uma parte interior, que
um capitel decorativo com 1,20 metro de poderia conter quase 66 mil litros de água.6
altura. Os capitéis eram compostos de uma Esse tanque enorm e media 5 metros de
cúpula, pétalas de lótus e correntes entrete­ diâm etro e 2,5 metros de altura. Ficava
cidas com romãs. Uma das colunas se cha­ apoiado sobre as costas de doze estátuas
mava Jaquim ("ele estabelece") e a outra se fundidas de bois, em conjuntos de três, sen­
chamava Boaz ("nele há força"), e as duas do que cada conjunto encontrava-se volta­
ficavam do lado de fora da entrada do Lugar do para uma direção diferente. É possível
Santo. Essas duas definições referem-se, sem que esses doze bois representassem as doze
dúvida alguma, a Deus, e as duas colunas tribos de Israel (ver 2 Rs 16:1 7).
davam testemunho ao povo de Israel que Deveria haver um sistema para retirar
Deus havia estabelecido sua nação, e a fé pequenas quantidades de água a fim de que
de Israel em Jeová era sua fonte de força. os sacerdotes pudessem lavar as mãos e os
Alguns vêem nessas palavras uma referên­ pés, mas esse sistema não é explicado no
cia à dinastia de Davi, estabelecida por Deus texto. Talvez houvesse torneiras na base do
(2 Sm 7) e perpetuada por ele. tanque. Se os sacerdotes não mantivessem
as mãos e os pés limpos ao ministrar no tem­
4. A MOBÍLIA E OS UTENSÍLIOS DO TEMPLO plo, colocariam a própria vida em perigo (Êx
(1 Rs 7:13-51; 2 C r 4) 30:20). Nas Escrituras, a água para beber é
A mobília e os utensílios do templo eram um retrato do Espírito de Deus (Jo 7:37-39),
importantes para os sacerdotes, pois sem enquanto a água para lavar simboliza a
esses itens não podiam realizar seu ministé­ Palavra de Deus (SI 119:9; Jo 15:3; Ef 5:25­
rio nem agradar ao Senhor. 27). Ao trabalharem para o Senhor no tem­
O altar de bronze (2 C r 4:1). Quem se plo, os sacerdotes se contaminavam e de­
aproximava do templo pelo lado leste, che­ viam ser purificados; ao servir ao Senhor,
gava à entrada do átrio interno dos sacerdo­ também podemos nos contaminar e preci­
tes. Era para essa entrada que o povo levava samos da "lavagem com água pela palavra".
414 1 REIS 5:1 - 6:38; 7:13-51

Jesus retratou essa verdade em João 13, mesa para os pães, mas o templo possuía
quando lavou os pés de seus discípulos. dez mesas de ouro, cinco alinhadas de cada
O s dez suportes e pias (w. 27-39; 2 C r lado do Lugar Santo. O tabernáculo tinha
4:6). Eram carros de metal belamente deco­ um castiçal de ouro com sete lâmpadas, mas
rados, medindo 2 metros de cada lado e 1,5 no templo havia dez castiçais de ouro no
metro de altura, com alças nos quatro can­ Lugar Santo, cinco na parede Norte e cinco
tos. Cada suporte podia sustentar uma pia na parede Sul. Eram esses castiçais que for­
com quase 900 litros de água. O s suportes neciam a luz necessária para o ministério
ficavam no átrio dos sacerdotes, adjacentes no Lugar Santo.
ao santuário - cinco do lado Norte e cinco Os utensílios variados (vv. 40-50; 2 C r
do lado Sul. Uma vez que os suportes eram 4:7, 8, 11-22). A fim de realizar seu trabalho,
apoiados em rodas, podiam ser facilmente os sacerdotes precisavam de vários utensí­
transportados. Eram usados para a lavagem lios, inclusive de tesouras ("espevitadeiras")
e preparação dos sacrifícios (2 Cr 4:6) e, tal­ para aparar os pavios das lâmpadas, bacias
vez, para a limpeza geral do templo. A água para aspergir água e sangue dos sacrifícios,
suja era levada embora e jogada fora num louças, conchas, panelas grandes para cozi­
local apropriado, e as pias eram enchidas nhar a carne das ofertas pacíficas e pás para
com água limpa do mar de fundição. remover as cinzas. O templo era uma estrutura
Vale a pena observar que esses suportes imponente, com mobília cara feita de ouro e
não eram apenas práticos e úteis, mas tam­ bronze polido, mas o ministério diário seria
bém muito bonitos, o que nos ensina que impossível sem esses pequenos utensílios.
Deus vê a beleza da santidade e a santidade É difícil calcular o custo dessa constru­
da beleza (Êx 28:2; Sl 29:2; 96:6, 9; 110:3). ção em moeda atual. Não basta saber ape­
O altar de ouro do incenso (6:20, 22; nas o valor dos metais preciosos hoje em
7:48). Esse altar era feito de cedro coberto dia, mas também é preciso conhecer o po­
com ouro, mas o texto não especifica suas der aquisitivo das pessoas na época. Em
dimensões. Ficava diante do véu que sepa­ seguida, deve-se calcular o que Salomão pa­
rava o Lugar Santo do Santo dos Santos e, gou pela mão-de-obra e pelos materiais e
nele, os sacerdotes queimavam incenso a tentar expressar esses valores em equivalen­
cada manhã e no final da tarde, quando tes contemporâneos. Ao considerar que as
faziam a manutenção das lâmpadas (Êx 30:1­ paredes e pisos internos eram revestidos de
10; 37:25-29). Nas Escrituras, o incenso quei­ ouro, bem como a mobília, as portas e os
mando representa nossas orações subindo querubins, pode-se afirmar, com toda certe­
ao Senhor (Sl 141:1, 2; Ap 5:8; Lc 1:8-10). za, que o custo dessa construção foi exorbi­
Deus deu a Moisés a receita para a mistura tante. N o entanto, toda essa beleza foi
de esp e cia ria s usada na a d o ra çã o no destruída e a riqueza foi tomada quando o
tabernáculo e no templo (Êx 30:34-38); essa exército babilônio capturou Jerusalém e
mistura não deveria ser imitada nem empre­ destruiu o templo (ver Jr 52). Nabucodonosor
gada para qualquer outro propósito. O altar saqueou o templo, deportou os cativos em
de ouro do incenso era usado somente para etapas e, por fim, seus homens incendiaram
esse fim e, no dia anual da expiação, o sumo a cidade e o santuário para conseguirem o
sacerdote aplicava sangue a esse altar para ouro que havia nos edifícios.
limpá-lo e purificá-lo (Êx 30:10). Sem mãos Como é triste ver que Salomão, o ho­
limpas e um coração puro (ver Sl 24:3-5), mem que construiu o templo, foi também o
não podemos nos aproximar do Senhor e homem que se casou com uma infinidade
esperar que ele ouça nossas orações e lhes de mulheres estrangeiras e que incentivou a
responda (Sl 66:18; Hb 10:19-25). idolatria em Israel, exatamente o pecado que
Os castiçais e as mesas de ouro (w . 48, levou a nação a se afastar do Senhor, tra­
49; 2 C r 4:7, 8, 19, 20). No tabernáculo zendo sobre o povo o julgamento abrasador
construído por Moisés, havia apenas uma de Deus.
1 REIS 5:1 - 6:38; 7:13-51 415

1. Depois do cativeiro na Babilônia, o remanescente de judá começou a reconstruir o templo no mesmo ano (Ed 3:8).

2. 2 Crônicas 2:14 identifica sua mãe com Dã e não com Naftali, mas ao nos lembrarmos de com o Salomão estabeleceu os

novos distritos e fronteiras, não se trata de um problema. As tribos de Dã e Naftali eram unidas de modo a constituir o oitavo

distrito de Naftali, supervisionado por Aimaás (1 Rs 4:15).

3. Hirão também forneceu a Salomão madeira para seu palácio. Ao que parece, a conta de Salomão foi tão alta que ele não pôde

pagar à vista, pois Hirão também lhe emprestou ouro. Como garantia, Salomão deu a Hirão vinte cidades na fronteira entre a

Caliléia e a Fenícia, mas Hirão não ficou satisfeito com elas (1 Rs 9:10-14). Posteriormente, Salomão conseguiu pagar sua

dívida e reaver as cidades (2 Cr 8:1). É evidente que todos esses pagamentos em alimento e em ouro vieram do bolso do povo

de Israel e, portanto, não é de se admirar que os israelitas protestassem e pedissem alívio tributário depois da morte de

Salomão (1 Rs 12:1-15).

4. O templo tinha 15 metros de altura, o que significa que havia um vão de 5 metros acima do Santo dos Santos. O texto não diz

se ou como esse espaço era usado.

5. De acordo com 2 Crônicas 3:15, as colunas tinham 35 côvados de altura, o que alguns consideram ser a somatória da altura

de ambas.

6. 1 Reis 7:26 indica que o tanque comportava 2.000 batos ou cerca de 44.000 litros, enquanto 2 Crônicas 4:5 diz 3.000

batos ou cerca de 66.000 litros. O valor maior pode se referir à capacidade total do tanque, e o menor, à quantia que

costumava ser mantida no mar de fundição. A água era um bem precioso no Oriente e era preciso muito trabalho para

encher esse tanque enorme.


4 de fato, a "casa de Deus" (vv. 10, 11, 17
etc.) Porém, o que fazia desse edifício tão
dispendioso "a Casa do S e n h o r " ? Não era
simplesmente o fato de Deus ter ordenado
A C a sa de D eu s e o que fosse edificada e de ter escolhido
Salomão para fazê-lo, nem o fato de forneci­
C o r a ç ã o de S a l o m ã o
do a planta da construção para Davi e provi­
do a riqueza para realizá-la. Essas questões
1 R eís 8:1 - 9:9, 25-28
eram importantes, porém o que tornava o
(2 C rônícas 5 - 7 ) templo "a Casa do Senhor" era a presença
do Senhor Deus Jeová no santuário.
A arca foi levada para dentro do tem­
// /^''oncidadãos, não podemos escapar p lo (vv. 1-9; 2 C r 5:1-9). No Santo dos San­
V__da história." Abraham Lincoln disse tos, Jeová encontrava-se "entronizado acima
essas palavras no Congresso dos Estados Uni­ dos querubins" (SI 80:1). As nações pagãs
dos em 1 de dezembro de 1862, mas o rei tinham seus templos, altares, sacerdotes e
Salomão poderia tê-las dito ao falar aos líde­ sacrifícios, mas seus templos eram vazios e
res de Israel quando consagrou o templo seus sacrifícios eram inúteis. O verdadeiro
durante a Festa dos Tabernáculos no vigési­ Deus vivo habitava no templo no monte Mo-
mo quarto ano de seu reinado.' Não importa riá! Por isso, o primeiro ato de consagração
onde o povo de Deus esteja neste mundo de Salomão foi providenciar que a arca da
ou em que século, suas raízes encontram-se aliança fosse trazida da tenda que Davi ha­
em Abraão, Moisés e Davi. O rei Davi é men­ via erguido para ela (2 Sm 6:17) e colocada
cionado doze vezes nesta seção2, e o nome no santuário interno do templo.3 O s uten­
de Moisés é citado três vezes. Durante sua sílios e a mobília do tabernáculo também
oração, Salomão referiu-se à aliança de Deus foram levados para o templo e guardados lá
com seu pai (2 Sm 7) e também à aliança (2 Cr 5:5). A arca da aliança foi o único item
dada por Deus a Moisés e registrada em da mobília original que continuou em servi­
Deuteronômio 28 - 30. A tônica de sua ora­ ço, pois nada poderia substituir o trono de
ção era que Deus ouviria as orações dirigidas Deus nem a lei de Deus que ficava dentro
ao templo e perdoaria aqueles que houves­ da arca. O fato de esse culto de consagra­
sem pecado, e esse pedido tem como base ção ter sido realizado durante a Festa dos
a promessa dada em Deuteronômio 30:1-10. Tabernáculos é significativo, pois a arca ha­
Os reis de Israel deveriam copiar de próprio via conduzido Israel durante a jornada do
punho o Livro de Deuteronômio (Dt 17:18­ povo pelo deserto.
20), e as várias referências que Salomão faz O s sacerdotes colocaram a arca diante
a Deuteronômio indicam que ele conhecia dos grandes querubins que Hirão havia fei­
bem esse livro. to, cujas asas se estendiam por toda a largu­
Q ue tipo de "casa" Salomão consagrou ra do Santo dos Santos (6:23-30). Os que­
naquele dia? rubins, no primeiro propiciatório de ouro,
eram voltados um para o outro, enquanto
1. U ma casa de D eus os novos querubins olhavam para o Lugar
(1 Rs 8:1-11; 2 Cr 5:1-14) Santo, onde os sacerdotes ministravam. Os
Salomão reuniu em Jerusalém os líderes das anjos de Deus não apenas "perscrutam" os
tribos de Israel e todos os cidadãos que pu­ mistérios da graça de Deus (1 Pe 1:12), mas
dessem comparecer, gente de norte a sul também contemplam o ministério do povo
(v. 65), a fim de o ajudarem a consagrar a de Deus e aprendem sobre essa graça (1 Co
casa de Deus. O termo "casa" é usado vinte 4:9; 11:10; Ef 3:10; 1 Tm 5:21). Em outros
e seis vezes nesta passagem (trinta e sete tempos, uma vasilha com maná e a vara
vezes em 2 Cr 5 - 7), pois esse edifício era, de Arão ficavam diante da arca (Êx 16:33;
1 REIS 8:1 - 9:9, 25-28 417

Nm 17:10; Hb 9:4), ambos como lembran­ Até que Jesus venha para nos levar à glória
ça da rebelião de Israel (Êx 16:1-3; Nm 16). eterna, nosso privilégio e responsabilidade é
Mas a nação estava recomeçando, e esses glorificar a Deus, enquanto servimos aqui na
objetos não eram mais necessários. O im­ terra. Cada grupo de cristãos que adora ao
portante era que Israel obedecesse à lei de Senhor em espírito e em verdade deve mani­
Deus guardada dentro da arca. Os israelitas festar a glória do Senhor (1 Co 14:23-25).
não eram mais um povo peregrino, mas as
varas para carregar a arca foram mantidas 2. U ma casa de testemunho
como lembrança da fidelidade de Deus para (1 Rs 8:12-21; 2 Cr 6:1-11)
com eles durante aqueles quarenta anos de Deus não apenas habita, por sua graça, no
disciplina. meio de seu povo, como também lhes dá
A glória desceu (vv. 10, 11; 2 C r 5:11­ sua Palavra e cumpre fielmente suas promes­
14). A arca era apenas um símbolo do trono sas. Esse é o tema principal dessa parte, pois
e da presença de Deus; o importante era a nela Salomão glorificou Jeová recapitulan­
presença verdadeira do Senhor em sua casa. do a história da construção do templo.
Um a vez que Salomão e o povo haviam O mistério de Deus (vv. 12, 13; 2 C r
honrado a Deus e colocado seu trono no 6:1, 2). O rei encontrava-se em pé sobre sua
Santo dos Santos, a glória de Deus desceu e plataforma especial (2 Cr 6:13), voltado para
encheu a casa do Senhor. A nuvem de gló­ o santuário. Os sacerdotes estavam junto ao
ria havia conduzido Israel pelo deserto (Nm altar (5:12) e o povo se reunia em assem­
9:15-23); mas, nessa ocasião, a glória veio bléia; todos haviam acabado de contemplar
habitar dentro do lindo templo construído a manifestação maravilhosa da glória de
por Salomão. Enquanto a glória enchia a Deus. N o entanto, Salomão começou seu
casa, os sacerdotes louvavam a Deus com discurso dizendo: " O S e n h o r declarou que
suas vozes e instrumentos, pois o Senhor habitaria em trevas espessas" (v. 12). Por que
habita no meio dos louvores de seu povo (SI falar de trevas quando haviam acabado de
22:3). ver a glória radiante de Deus? Salomão esta­
A presença da glória de Deus era a mar­ va se referindo às palavras do Senhor a Moi­
ca distintiva de Israel como nação (Êx 33:12­ sés no monte Sinai: "Eis que virei a ti numa
23; Rm 9:4). O s pecados do povo levaram a nuvem escura, para que o povo ouça quan­
glória de Deus a deixar o tabernáculo (1 Sm do eu falar contigo e para que também crei­
4:19-22), mas agora ela estava de volta. A am sempre em ti" (Êx 19:9). De fato, havia
nação voltaria a pecar e a ser levada para a uma nuvem espessa de trevas sobre o mon­
Babilônia, onde o profeta Ezequiel teria uma te (Êx 19:16; 20:21; Dt 4:11; 5:22), e Moisés
visão da glória de Deus deixando o templo entrou nessa escuridão com grande temor
(Ez 8:1-4; 9:3; 10:4, 18, 19; 1 1:22, 23). Po­ (Hb 12:18-21). Salomão estava ligando os
rém, Deus também permitiria que Ezequiel acontecimentos do dia da consagração à
visse a glória voltando para o templo do experiência passada de Israel no Sinai, pois
Reino (43:1-5). A glória veio à terra na pes­ o povo de Deus não deve ser separado de
soa de Jesus Cristo (Jo 1:14; M t 17:1-7), mas suas raízes na história.
os pecadores crucificaram "o Senhor da gló­ Deus é luz (1 Jo 1:5) e habita na luz (1 Tm
ria" (1 Co 2:8). Quando Jesus voltou ao céu, 6:16), mas não pode revelar-se inteiramente
a nuvem de glória o acompanhou (At 1:9), e aos seres humanos, pois "homem nenhum
a casa de Deus ficou "deserta" (M t 23:38 - verá a minha face e viverá." (Êx 33:20). A
24:2). ênfase no Sinai era em ouvir Deus e não ver
Desde a vinda do Espírito em Pente­ Deus, para que o povo de Israel não fosse
costes (At 2), a glória de Deus habita em tentado a confeccionar imagens de Deus e
cada um dos filhos de Deus individualmen­ adorá-las. Como a Igreja de hoje, Israel de­
te (1 Co 6:19, 20) bem como na igreja local veria ser um povo da Palavra, ouvindo-a e lhe
(1 Co 3:16) e na Igreja universal (Ef 2:19-22). obedecendo. O rei Davi imaginou o Senhor
418 1 REIS 8:1 - 9:9, 25-28

com densa escuridão sob seus pés e com Deus cumpriu aquilo que falou (v. 15), e o
um pavilhão de trevas sobre si (SI 18:9, 11; que prometeu a Davi realizou por intermé­
ver 97:2). Deus tem certo mistério que nos dio de Salomão (v. 20). Porém, Deus fez tais
conduz à humildade, pois nem sempre en­ coisas para a honra de seu nome e não para
tendemos o Senhor e seus caminhos, mas o a glória de Davi ou de Salomão (w . 16-20).
mistério também nos incentiva a confiar nele O nome de Deus é mencionado pelo me­
e a descansar em sua Palavra. Salomão não nos quatorze vezes no discurso e na oração
queria que o povo pensasse que Deus ha­ de Salomão. O rei teve o cuidado de dar
via se tornado seu "vizinho" e que, portanto, toda a glória a Deus. Sempre que o povo
podiam falar com ele como bem entendes­ fosse adorar, deveria lembrar-se de que a
sem. "O Sen h or, porém, está no seu santo existência do templo se devia à bondade e
templo; cale-se diante dele toda a terra" (Hc à fidelidade do Senhor.
2:20).
Assim como um servo se reportando a 3. U ma casa de oração
seu senhor, Salomão anunciou que havia (1 Rs 8:22-53; 2 Cr 6:12-42)
construído a casa a fim de servir de habita­ De acordo com 2 Crônicas 6:13, Salomão
ção para Deus (v. 13). Isso nos lembra de ajoelhou-se na plataforma especial próxima
que Moisés concluiu o trabalho de construir ao altar enquanto fazia essa oração com suas
e de erguer o tabernáculo (Êx 40:33); nosso mãos estendidas ao céu. Os israelitas não
Salvador terminou tudo o que o Pai o havia conheciam nossa postura tradicional de ora­
instruído a fazer (Jo 17:4); e tanto João Ba­ ção ("mãos juntas e olhos fechados"). Sua
tista quanto Paulo completaram sua carreira postura era olhar para o alto, pela fé, volta­
com sucesso (At 13:25; 2 Tm 4:7). Todos dos para Deus no céu (ou para o templo), e
prestaremos contas de nossa vida e serviço erguer as mãos abertas para mostrar que
quando virmos o Senhor (Rm 14:10-13). eram pobres e que estavam à espera de uma
Cabe a nós ser fiéis ao chamado que Deus resposta (vv. 38, 54; Êx 9:29, 33; SI 63:4;
está nos dando para que terminemos bem. 88:9; 143:6). Essa prática foi transportada
A bondade e fidelidade de Deus (w. 15­ para a Igreja primitiva (1 Tm 2:8). O termo
21). Ao longo de mais de cinqüenta anos "céu(s)" aparece pelo menos doze vezes nos
de ministério, tive o privilégio de ajudar vá­ versículos 22 a 54.
rias igrejas locais a consagrar novos santuá­ Salomão começou sua oração com lou­
rios e, em minhas mensagens, sempre tentei vores e ações de graças ao Senhor, o Deus
enfatizar a obra de Deus na história de seu que havia feito e cumprido sua aliança. "N ão
povo. Como A. T. Pierson costumava dizer: há Deus como tu" (v. 23; comparar com Êx
"a história humana é a história de Deus". É 15:11 e Dt 4:39). Em seguida, referiu-se à
fácil para membros novos de uma igreja e aliança de Deus com Davi, aliança que
para a nova geração não dar o devido valor nomeava Salomão herdeiro de Davi e cons­
ou nem se lembrar da história de sua igreja. trutor do templo (2 Sm 7). Porém, Salomão
Os sábados semanais, as festas anuais (Lv 23) também se apropriou da promessa da alian­
e a presença do templo dariam testemunho ça sobre a dinastia davídica, orando para que
ao povo de Israel, a seus jovens e velhos, de a linhagem real de Davi permanecesse, con­
que Jeová era seu Deus. O verbo "lembrar" forme Deus havia prometido. Sem dúvida, o
é usado pelo menos quatorze vezes no Li­ cumprimento máximo dessa promessa deu­
vro de Deuteronômio, pois Deus não que­ se em Jesus Cristo (Lc 1:26-33, 67-75; At
ria que seu povo se esquecesse das lições 2:29, 30; Rm 1:3).
do passado. Enquanto Salomão orava, foi tomado
Em sua bondade e graça, Deus fez uma pelo contraste entre a grandeza de Deus e
aliança com Davi sobre sua família e seu tro­ a insignificância do trabalho do rei na cons­
no (2 Sm 7) e incluiu nessa aliança a pro­ trução do templo. Como era possível o Deus
messa de um filho que construiria o templo. Todo-Poderoso, o Deus dos céus, habitar
1 REIS 8:1 - 9:9, 25-28 419

num edifício feito por mãos humanas? Salo­ no altar do templo, e o Senhor declararia se
mão havia expressado essa mesma verdade tal homem era inocente ou não. Como esse
ao rei Hirão antes de começar a construir veredicto era declarado não é explicado, mas
(2 Cr 2:6), e o profeta Isaías voltou a essa é possível que o sacerdote usasse o Urim e
idéia (Is 66:1). Estêvão referiu-se a essas o Tumim (Êx 28:30; Lv 8:8). A justiça na terra
palavras em sua defesa diante do conselho é essencial para que os cidadãos desfrutem
judeu ("Sinédrio"; At 7:47-50); Paulo enfa­ a vida, a liberdade e a busca da felicidade.
tizou essa verdade ao pregar para os gentios Como é triste ver que, em anos posteriores,
(At 17:24). Salomão percebeu que a dis­ foram os reis ímpios de Israel e de Judá que
posição de Deus de habitar no meio do seu permitiram a injustiça na terra.
povo era, de todo, um ato da graça divina. A responsabilidade dos juizes era julgar,
O tema central de sua oração encontra- "condenando o perverso [...] e justificando
se nos versículos 28 a 30: o Senhor manteria ao justo", mas no tocante à nossa salvação,
seus olhos sobre o templo e seus ouvidos Deus justifica o perverso (Rm 4:5) com base
atentos às orações do povo; responderia a no sacrifício realizado por Cristo na cruz (Rm
eles quando orassem voltados para o tem­ 5:6). Deus condenou todas as pessoas como
plo. Pediu que o Senhor perdoasse os peca­ pecadoras (Rm 3:23) de modo que pudesse
dos do povo quando orassem (vv. 30, 34, demonstrar sua graça a toda a humanidade,
36, 39, 50) e que fizesse justiça "ao seu ser­ salvando os que crerem em seu Filho.
vo e ao seu povo de Israel" (v. 59). Salomão (2) Derrota m ilitar (vv. 33, 34; 2 C r
conhecia as estipulações da aliança encon­ 6:24, 25). Essa derrota é causada pelo fato
tradas em Deuteronômio 28 a 29, e as cala­ de o povo ter pecado de algum modo (Js
midades que mencionou em sua oração 7), levando o Senhor a desagradar-se dele.
eram justamente as disciplinas que o Senhor Se Israel obedecesse às estipulações da ali­
prometeu enviar se Israel desobedecesse à ança, haveria paz na terra, e Deus daria a
lei. Porém, Salom ão também sabia que seu povo vitória sobre qualquer inimigo que
Deuteronômio 30 prometia perdão e restau­ os atacasse. Porém, se Israel pecasse, Deus
ração, se o povo de Deus se arrependesse e permitiria que seus inimigos triunfassem so­
buscasse ao Senhor. Jonas voltou-se para a bre eles (Lv 26:6-8, 14-1 7, 25, 33, 36-39; Dt
direção do templo, orou e Deus o perdoou 28:1, 7, 15, 25, 26, 49-52). Se essa derrota
(jn 2:4); Daniel orou pelo povo de Deus levasse o povo ao arrependimento, Deus
voltado em direção a Jerusalém (Dn 6:10). os perdoaria e faria com que os prisionei­
"Porque a minha casa será chamada Casa ros fossem libertados e mandados de volta
de Oração para todos os povos" (Is 56:7; para casa.
Mt 21:13; M c 11:17; Lc 19:46). (3) Seca na terra (vv. 35, 36; 2 C r 6:26,
Salomão apresentou ao Senhor sete pe­ 27). Israel tinha a escritura da terra em fun­
didos específicos: ção da aliança de Deus com Abraão, mas
(1) Justiça na terra (w. 31, 32; 2 C r 6:22,
só poderia tomar posse desse território e des­
23). Salomão havia começado seu reinado frutar suas bênçãos ao obedecer às leis de
servindo de árbitro entre duas mulheres Deus. Uma das disciplinas mais severas rela­
(3:16-28), mas era impossível ao rei tratar de cionadas na aliança era a seca na terra (Lv
cada caso de conflito pessoal na terra e, ao 26:19; Dt 28:22-24, 48). O Senhor prome­
mesmo tempo, cumprir todos os seus deve­ teu a seu povo que enviaria a chuva nas
res reais. Assim, foram nomeados juizes em devidas estações (D t 11:10-14) somente
Israel para arbitrar casos locais (Êx 18:13-27; se o honrassem. Uma vez que os israelitas
21:5, 6; 22:7-12; Dt 17:2-13; 25:1); os sacer­ dedicavam-se ao pastoreio e ao plantio de
dotes também estavam à disposição para lavouras, as chuvas eram absolutamente
aplicar a lei e tomar decisões (1 Cr 23:4; necessárias para sua sobrevivência. Sem­
26:29). Se um homem era acusado de pe­ pre que o povo obedecia ao Senhor, desfru­
car contra o irmão, o acusado poderia jurar tava colheitas abundantes, e seus rebanhos
420 1 REIS 8:1 - 9:9, 25-28

permaneciam saudáveis e se multiplicavam. ouvisse as orações de pessoas fora da alian­


0 propósito da seca era conduzir o povo ça e lhes respondesse, "a fim de que todos
ao arrependimento, e Deus prometeu per­ os povos da terra conheçam o teu nome,
doar seus pecados e enviar a chuva (ver para te temerem" (v. 43; ver v. 60). Se essas
1 Rs 18). pessoas começassem a orar ao Senhor Jeová,
(4) Outras calamidades naturais (w. 37­ talvez viessem a crer nele e a adorá-lo.
40; 2 C r 6:28-31).4 Deus advertiu na aliança Desde o início de Israel como nação,
que a desobediência de Israel traria a disci­ quando Deus chamou Abraão e Sara para
plina de Deus sobre eles. O Senhor enviaria deixarem Ur e irem a Canaã, Deus declarou
fome (Lv 26:26, 29; Dt 28:1 7, 48), ferrugem seu desejo de que Israel fosse uma bênção
nas lavouras (Lv 26:20; Dt 28:18, 22, 30, 39, para o mundo todo (Cn 12:1-3). Os julga­
40), invasões de insetos (Dt 28:38, 42) e di­ mentos de Deus contra o Faraó e o Egito
versas doenças e pragas (Lv 26:16, 25; Dt foram um testemunho às nações (Êx 9:16),
28:21, 22, 27, 35, 59-61). Porém, se obede­ como também o foi a separação das águas
cessem a Deus, ele protegeria o povo e a do mar Vermelho no êxodo (Js 2:8-13). Quan­
terra dessas calamidades. Mais uma vez, do Deus secou o Jordão para que Israel
porém, Salomão pediu ao Senhor que per­ pudesse entrar na Terra Prometida, revelou
doasse seu povo quando confessassem seus seu poder e glória às outras nações (Js 4:23,
pecados e que restaurasse sua terra (ver 2 Cr 24). Sua bênção sobre Israel na terra de
7:13, 14). Canaã foi testemunho para as nações pagãs
Em sua oração, Salomão mencionou a (Dt 28:7-14), como também o foi a vitória
terra com freqüência (w . 34, 36, 37, 40, 41, de Davi sobre Colias (1 Sm 17:46). Deus
46-48) pois ela fazia parte da herança que nos abençoa para que possamos ser uma
Israel havia recebido do Senhor. Quando o bênção, não para acumularmos bênçãos e
povo começou a pecar, Deus os castigou para nos vangloriarmos. O s israelitas oravam:
na terra (ver o Livro de Juizes), e, quando "Seja Deus gracioso para conosco, e nos
persistiram em sua rebelião, ele permitiu que abençoe, e faça resplandecer sobre nós o
as nações inimigas os levassem para fora da rosto; para que se conheça na terra o teu
terra. Em 722 a.C., os assírios conquistaram caminho e, em todas as nações, a tua salva­
Israel e assimilaram o povo de lá, e, em 606­ ção" (SI 67:1, 2). A Igreja de hoje precisa
586 a.C., os babilônios derrotaram Judá, in­ fazer essa mesma oração e ter em mente
cendiaram Jerusalém e o templo e levaram esse mesmo propósito.
muitos do povo cativos para a Babilônia. (6) Exércitos na batalha (vv. 44, 45; 2 C r
Q uando Deus castigou seu povo fora da 6:34, 35). Quando Deus enviou seu povo
terra, finalmente os curou de sua idolatria. para a batalha, foi uma "guerra santa" que
(5) O s estrangeiros que viriam parar só poderia ser vencida pela força e pela sa­
orar (vv. 41-43; 2 C r 6:32, 33). Não se trata, bedoria do Senhor. Usando trombetas de
aqui, dos estrangeiros que viviam em Israel, prata, os sacerdotes davam o toque chaman­
que se assentaram na terra e que possuíam do para a batalha (2 Cr 13:12-16; Nm 10:1­
certos privilégios e responsabilidades sob a 10). Ajudavam o exército a determinar a
lei (Lv 16:29; 17:10, 12; 18:26; 19:34; 20:2; vontade de Deus (1 Sm 23:1, 2) e encora­
25:6, 45). Antes, esse "estrangeiro" represen­ javam os homens a lutar para a glória do Se­
ta todos aqueles que viriam a Israel, pois nhor e a confiar somente nele (Dt 20:1-4).
haviam ouvido falar da grandeza do Senhor Mesmo no meio da batalha, os soldados po­
e de seu templo (trabalhadores gentios ha­ deriam olhar em direção ao templo e pedir
viam ajudado a construir o templo). Era res­ a Deus que os ajudasse. Ao descrever o equi­
ponsabilidade de Israel ser uma "luz" para pamento do soldado cristão, Paulo incluiu a
as nações pagãs e lhes mostrar a glória do oração como uma das partes essenciais para
verdadeiro Deus vivo. Salomão estava pen­ a vitória (Ef 6:18, 19). De acordo com o es­
sando nisso quando pediu ao Senhor que critor francês Voltaire: "Diz-se que Deus está
1 REIS 8:1 - 9:9, 25-28 421

sempre do lado dos batalhões mais pode­ Encerrou sua oração pedindo ao Senhor
rosos", mas a verdade é que Deus está do que conservasse seus olhos sobre o templo
lado daqueles que oram de acordo com sua e sobre o povo que adorava ali e que manti­
vontade. vesse os ouvidos atentos para os pedidos
(7) Derrota e cativeiro (vv. 46-53; 2 C r daqueles que oravam no templo ou volta­
6:36-39). O pronome "eles", no versículo 46, dos para sua direção (2 Cr 6:40-42). Sua
refere-se ao povo de Israel e, como a histó­ bênção no versículo 41 pode ser encontra­
ria de Israel deixa claro, a nação estava pro­ da no Salmo 132:8-10.5 Israel não era mais
pensa a pecar. Todos nós somos pecadores um povo peregrino, mas ainda precisavam
(Pv 20:9; Rm 3:23), mas a bênção especial do Senhor para guiá-los e ajudá-los (ver tam­
de Deus sobre Israel e sua aliança com eles bém as palavras de Moisés em Nm 10:35,
tornava a desobediência dos israelitas ainda 36). Graças às vitórias de Davi no campo de
mais séria. Ao desobedecerem à lei de Deus batalha, Deus cumpriu suas promessas e deu
e imitarem as transgressões de seus vizinhos descanso a Israel; mas como disse Andrew
idólatras, estavam pecando consciente e Bonar: "Permaneçamos tão vigilantes depois
deliberadamente. Na aliança, Deus advertiu da vitória quanto antes da batalha". Salomão
que a rebelião persistente levaria ao cati­ encerrou a oração com uma súplica para
veiro (Lv 26:27-45; Dt 28:49-68). As outras que o Senhor não o rejeitasse - o rei ungi­
formas de disciplina tiraram as bênçãos da do, filho de Davi e seu herdeiro. O pedido
terra, mas o cativeiro tirou o povo da sua "lembra-te das misericórdias que usaste para
pátria. O povo de Deus experimentou der­ com Davi, teu servo" (2 Cr 6:42), refere-se
rotas e o exílio. A Assíria conquistou Israel, às promessas de Deus a Davi na aliança (2 Sm
o reino do Norte, em 722 a.C., e os babi­ 7; SI 89:19-29).
lônios conquistaram Judá, o reino do Sul, Essas "fiéis misericórdias prometidas a
em 606-586 a.C., e levaram o povo cativo Davi" (Is 55:3) incluem a vinda de Jesus Cris­
para a Babilônia. Esse acontecimento terrí­ to, o Filho de Davi, para ser o Salvador do
vel foi previsto por Isaías (6:11, 12; 11:11, mundo (At 13:32-40).
12; 39:6) e Miquéias (4:10); Jeremias reve­
lou que o cativeiro na Babilônia se estende­ 4. U ma casa de louvor
ria por setenta anos (Jr 25:1-14; 29:11-14). (1 Rs 8:54-61; 2 Cr 7:1-3)
Quando o profeta Daniel entendeu o que O rei havia ficado ajoelhado na plataforma
Jeremias escreveu, começou a orar para que especial próximo ao altar com as mãos le­
Deus cumprisse sua promessa (Dt 30:1-10) vantadas a Deus, mas, nesse momento, co­
e libertasse a nação (Dn 9:1 ss). Sem dúvida, locou-se em pé a fim de dar ao povo uma
outros judeus tementes a Deus ("o remanes­ bênção do Senhor. Normalmente, eram os
cente") também intercederam, e Deus tocou sacerdotes que abençoavam o povo (Nm
Ciro, rei da Pérsia, para que permitisse que 6:22-27), mas numa ocasião especial como
os judeus voltassem a sua terra e recons­ aquela, o rei poderia dar a bênção, como
truíssem seu templo (Ed 1; 2 Cr 36:22, 23). Davi havia feito (2 Sm 6:18, 20). Salomão
Salomão apresentou ao Senhor vários abençoou todos os presentes e, por inter­
motivos pelos quais o Senhor deveria per­ médio deles, a nação toda, e deu graças a
doar seu povo quando se arrependessem e Deus por suas grandes misericórdias.
voltassem para ele. Afinal, era seu povo, que Ao recapitular a história nacional de Is­
ele havia tomado para si e livrado da escra­ rael, sua conclusão foi que as promessas de
vidão no Egito (v. 51). Israel era seu povo Deus jamais haviam falhado nem sequer uma
especial, separado das outras nações para vez. O povo de Deus havia falhado com o
glorificar a Deus e realizar sua missão na Senhor em várias ocasiões, mas ele havia
terra. Mais uma vez, Salomão revelou seu sido fiel às suas promessas. Prom eteu a
conhecimento do Livro de Deuteronômio Moisés que daria descanso à nação, e ele o
(4:20; 7:6; 9:26-29; 32:9). fez (Êx 33:14). Pelo seu poder, capacitou
422 1 REIS 8:1 - 9:9, 25-28

Josué a vencer as nações em Canaã e a to­ que tivesse em mente a passagem de 5:29:
mar posse da herança de Israel. Moisés dis­ "Q uem dera que eles tivessem tal coração,
se ao povo que, quando tivessem entrado que me temessem e guardassem em todo o
no descanso prometido, Deus lhes daria um tempo todos os meus mandamentos, para
santuário central onde poderiam oferecer que bem lhes fosse a eles e a seus filhos,
seus sacrifícios e adorar a Deus (Dt 12:1­ para sempre!" Salomão admoestou o povo
14), e agora lhes havia provido esse templo. a ter um coração sincero e a seguir o Se­
Em seu discurso de despedida aos líderes, nhor fielmente (v. 61).
Josué enfatizou essa mesma verdade (Js Por fim, Salomão pediu ao Senhor que
23:14, 15, e ver 21:45). Mas Josué também se lembrasse da oração que ele havia profe­
os lembrou de que as advertências se cum­ rido com seus lábios e feito de coração (w.
pririam, bem como as promessas, e os ad­ 59, 60). As palavras que dizemos não pas­
moestou a obedecer ao Senhor em todas as sam de um sussurro e de um som e duram
coisas. pouco mais que um momento. Trata-se de
Salomão enfatizou especialmente uma um incentivo a lembrarmos que nenhuma
promessa que Deus deu aos patriarcas, a oração dirigida ao Senhor com fé jamais é
qual repetiu com freqüência ao longo da esquecida, pois Deus se lembra de nossas
história de Israel, de que o Senhor não dei­ orações e responde a elas a seu tempo e de
xaria seu povo nem o abandonaria. Deus sua maneira (ver Ap 5:8 e 8:3). A oração de
esteve com Abraão durante toda a vida do Salomão não foi egoísta. Seu desejo era que
patriarca e prometeu estar com Isaque (Cn Israel fosse fiel ao Senhor, a fim de que to­
26:3, 24) e Jacó (Gn 28:15; 31:3; 46:1-4). das as nações da Terra pudessem conhecer
Ele renovou sua promessa a Moisés (Êx 3:12; o Deus de Israel e crer nele. Como é anima­
33:14), e Moisés repetiu-a a Josué (Dt 31:6­ dor saber que a oração de um homem pode
8, 1 7). O Senhor também fez essa promessa tocar e influenciar o mundo inteiro! Deus
diretamente a Josué (Js 1:5, 9; 3:7; ver 6:27). ainda quer que sua casa seja chamada de
Prometeu a mesma coisa a Gideão (Jz 6:15, "Casa de Oração para todos os povos".
16), e o profeta Samuel repetiu essas pala­ O Senhor atendeu o pedido de Salomão
vras à nação (1 Sm 12:22). Davi encorajou enviando fogo do céu para consumir os sacri­
Salomão com essa promessa, quando o en­ fícios sobre o altar e, mais uma vez, a glória
carregou da construção do templo (1 Cr de Deus encheu o templo (2 Cr 7:1-3). Deus
28:20). enviou fogo do céu quando o sacerdote
Posteriormente, o profeta Isaías repetiu Arão abençoou o povo (Lv 9:23, 24) e tam­
essa promessa e consolou o povo de Judá bém quando o profeta Elias clamou a Deus
que passaria pelo cativeiro na Babilônia (Is (1 Rs 18:38). Nessa passagem, enviou fogo
41:10, 17; 42:16; 44:21; 49:14-16). O Se­ quando o rei Salomão ofereceu sua oração
nhor usou-a para animar Jeremias (Jr 1:8, 19; e seus sacrifícios ao Senhor. O povo todo
20:11), e, antes de subir aos céus ao en­ respondeu curvando-se por terra e louvan­
contro do Pai, Jesus também prometeu não do ao Senhor. Imagine o som de milhares
deixar nem abandonar seus discípulos (Mt de pessoas gritando: "porque [ele] é bom,
28:19, 20). A Igreja de hoje pode apropriar- porque a sua misericórdia dura para sem­
se dessas promessas como fizeram os ho­ pre" (2 Cr 7:3). Deus havia aceitado a ora­
mens e mulheres tementes a Deus há tanto ção do rei e a adoração do povo!
tempo (Hb 13:5). Ver também os Salmos
27:9; 37:25, 28; 38:21. 5. U ma casa de comunhão
Salomão também pediu a ajuda de Deus (1 Rs 8:62-66; 2 Cr 7:4-10)
para si mesmo e para seu povo, a fim de A assembléia que se reuniu para a consa­
que tivessem o desejo de obedecer aos gração do templo veio desde o extremo sul
mandamentos do Senhor (v. 58). O rei co­ do reino ("o rio do Egito") até suas frontei­
nhecia o Livro de Deuteronômio e é possível ras mais ao norte ("a entrada de Hamate") e
1 REIS 8:1 - 9:9, 25-28 423

formou "uma grande congregação" (v. 65; (1 Co 11:20-22, 33, 34; Jd 12). Os membros
e ver 4:21). Muitas dessas pessoas trouxe­ das várias congregações em Jerusalém cos­
ram sacrifícios ao Senhor; o próprio Salomão tumavam comer juntos (At 2:42-47; 4:35;
ofereceu vinte e dois mil bois e cento e vin­ 6:1), e a hospitalidade é uma virtude enco­
te mil ovelhas e cabras. O novo altar era rajada com freqüência nas epístolas (Rm
pequeno demais para oferecer tantos ani­ 12:13; 16:23; 1 Tm 3:2; 5:10; Tt 1:8; 1 Pe
mais, de modo que, para agilizar o procedi­ 4:9; 3 Jo 8). "Portanto, quer comais, quer
mento, o rei santificou o átrio e o usou para bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei
os sacrifícios. tudo para a glória de Deus" (1 Co 10:31).
Era costume comemorar e se alegrar As ofertas pacíficas mostram que Jesus
durante a semana separada para a Festa dos Cristo é nossa paz (Ef 2:14) e aquele que
Tabernáculos. A festa celebrava o cuidado e nos concedeu a dádiva de sua paz (Jo 14:2 7).
a bondade de Deus com seu povo durante Por causa de seu sacrifício na cruz, "temos
os anos que passaram no deserto, e o povo paz com Deus" (Rm 5:1) e, ao nos entregar­
de Israel poderia olhar para trás e dar graças mos a ele, podemos ter "a paz de Deus" em
por isso. Porém, a partir daquele dia, os nosso coração (Fp 4:6-9). Como povo de
israelitas também olhariam para trás e da­ Deus, nos "alimentamos" de Jesus Cristo
riam graças pelo novo templo, pelas promes­ quando lemos a Palavra e a tornamos parte
sas de Deus e pela presença da glória do de nossa vida obedecendo ao que ela orde­
Senhor. Assim como os outros sacrifícios, a na. Jesus Cristo é o centro de nossa comu­
oferta pacífica (Lv 3 e 7:11-34) era apre­ nhão, assim como as oferta pacíficas foram
sentada ao Senhor, mas parte da carne era o centro da comunhão na consagração do
entregue ao sacerdote e parte ficava com o templo.
adorador. Ele e sua família poderiam desfru­ Deus não vive nas construções que fa­
tar um banquete e até convidar amigos para zemos com mãos humanas, mas, quando
compartilhar da refeição. Os israelitas cria­ nos reunimos nesses locais consagrados a
vam animais para obter leite, lã e crias e não ele, devemos enfatizar a oração, a comu­
comiam carne com freqüência, de modo que nhão, a alegria e o testemunho. Essas reu­
o banquete de comunhão era uma ocasião niões são ocasiões tanto de alegria quanto
muito especial. A consagração durou uma de solenidade. "Servi ao S e n h o r com temor
semana, a festa estendeu-se por mais uma se­ e alegrai-vos nele com tremor" (SI 2:11).
mana, e o evento encerrou com um dia de Quando o Espírito Santo está no controle,
assembléia solene (2 Cr 7:8, 9). E bem pro­ os encontros são caracterizados pelo rego­
vável que os sacrifícios tenham sido ofere­ zijo e, também, pela reverência.
cidos dia após dia, pois a carne das ofertas
pacíficas só poderia ser consumida durante 6 . U ma casa de responsabilidade
um ou dois dias, e todos os restos deviam (1 Rs 9:1-9; 2 Cr 7:11-22)
ser queimados no terceiro dia (Lv 19:5-8). A presença da glória de Deus no templo e
Apesar de algumas igrejas exagerarem o fogo que desceu do céu para consumir
na comida - "o santuário transformou-se em os sacrifícios garantiram a Salomão que sua
refeitório" -, não há nada de errado em o oração havia sido ouvida e aceita pelo Se­
povo de Deus repartir refeições. Em várias nhor. Porém, não haveria sempre o mesmo
ocasiões, Jesus usou o contexto da refeição esplendor de glória no templo, nem fogo
para ensinar a Palavra e, de tempos em tem­ do céu para consumir todos os sacrifícios,
pos, a Igreja primitiva realizava o que cha­ de modo que o Senhor proferiu sua Pala­
mavam de agape ou "banquete de amor", vra a Salomão, uma vez que "a palavra do
no qual todos contribuíam com os alimen­ Senhor... perm anece eternam ente" (1 Pe
tos, constituindo, talvez, a única refeição mais 1:25).
completa que alguns deles faziam na se­ Promessa (vv. 1-3; 2 C r 7:11-16). Como
mana, especialmente no caso dos escravos havia feito em Gibeão (3:4, 5), o Senhor
424 1 REIS 8:1 - 9:9, 25-28

apareceu a Salomão e deu-lhe a Palavra que caro, mas Davi as havia confessado, e o Se­
ele precisava ouvir. Garantiu ao rei que ou­ nhor as havia perdoado.
vira sua oração e que responderia a ela. Seus Advertência (w. 6-9; 2 C r 7:19-22). Deus
olhos estariam sobre a casa que Salomão havia dado ao povo de Israel sua Palavra e
havia construído e consagrado, e seus ouvi­ esperava que obedecessem e que o rei pra­
dos estariam atentos para as orações de seu ticasse a lei, servindo de exemplo a outros.
povo. O povo e seu rei haviam consagrado E triste que, depois da morte de Salomão, a
o templo ao Senhor, agora o Senhor santifi­ nação tenha se dividido, e os dois reinos
caria o templo e o tomaria para si. O nome entraram num declínio gradual até que, por
de Deus estava no templo, seus olhos esta­ fim, ambos foram destruídos. Com essas
vam sobre ele e seus ouvidos estavam palavras, o Senhor estava apenas recapitu­
atentos. Sem dúvida, aquela era a casa do lando as estipulações da aliança apresenta­
Senhor. das em Levítico 26 e Deuteronômio 28 a
O texto em 2 Crônicas 7:11-16 mencio­ 30, uma aliança que o povo judeu conhecia
na alguns dos pedidos específicos que bem. O reino de Judá adorou ídolos, deso­
Salomão havia feito em sua oração, e o Se­ bedeceu ao Senhor e chamou sobre si a sua
nhor prometeu responder a todos esses pe­ disciplina. O exército babilônio destruiu a
didos. Estava disposto a perdoar seu povo terra, arrasou Jerusalém, saqueou e incen­
quando pecassem, caso se humilhassem, diou o templo que Salomão havia consagra­
orassem, buscassem ao Senhor e deixassem do. Em vez de trazer bênçãos para todas
seus pecados. Deus não fez aliança com as nações da terra, a cidade e o templo ar­
nenhuma outra nação além de Israel, mas ruinados seriam motivo de espanto para
uma vez que os cristãos de hoje são o povo visitantes de outras nações e objeto de
de Deus e que são cham ados pelo seu ridicularização.
nome, podem apropriar-se dessa promessa. Antes de julgarmos a linhagem real de
Obediência (w. 4, 5; 2 C r 7:17, 18). O Davi, consideremos quantas igrejas locais,
Senhor levou o assunto para um nível extre­ escolas, instituições denominacionais e ou­
mamente pessoal e falou de modo específi­ tros ministérios cristãos abandonaram a fé e
co a Salomão, referindo-se à aliança que deixaram de trazer glória ao Senhor. Pode­
Deus havia feito com Davi, pai de Salomão mos declarar francamente: "Icabô - foi-se a
(2 Sm 7). O Senhor reafirmou as estipula­ glória", com respeito a várias construções
ções dessa aliança e garantiu a Salomão que nas quais Cristo costumava ser honrado e
um rei da linhagem de Davi ocuparia o tro­ das quais o evangelho de Jesus Cristo era
no, enquanto seus descendentes obedeces­ transmitido para um mundo perdido.
sem à lei e andassem no temor do Senhor. Depois da morte de Salomão em 931
Salomão não poderia esperar as bênçãos de a.C., a dinastia de Davi iria estender-se até o
Deus simplesmente porque Davi era seu pai reinado de Zedequias (597-586 a.C.), pois
e por ele ter obedecido a Davi e construído Deus cumpriria sua promessa a Davi. Porém,
o templo. Era preciso que Salomão fosse, nos dias de hoje, o único judeu vivo e qua­
como seu pai, um homem segundo o cora­ lificado para assentar-se no trono de Davi e
ção de Deus (1 Sm 13:14) e um homem que p od e com provar suas qualificações
íntegro (SI 78:72). É interessante que o Se­ através de sua genealogia é Jesus de Nazaré,
nhor não disse coisa alguma sobre o adulté­ Filho de Davi, Filho de Deus. Um dia, ele
rio, a dissimulação e a trama de Davi para reinará do trono de Davi e "a terra se enche­
matar Urias. Tratavam-se de transgressões rá do conhecimento da glória do S e n h o r ,
graves pelas quais Davi havia pago muito como as águas cobrem o mar" (H c 2:14).

1. A seqüência de acontecimentos conforme registrados em 1 Reis parece ser a seguinte. Em primeiro lugar, a estrutura do

templo foi construída em sete anos (6:1-38). Em seguida, os palácios reais foram construídos em treze anos (7:1-12), num total
1 REIS 8:1 - 9:9, 25-28 425

de vinte anos para todas essas construções (9:10). Ao longo desse período, Hirão estava confeccionando a mobília e os

utensílios do templo e supervisionando o trabalho dentro do edifício (7:13-51). Uma vez que toda a obra foi concluída,

Salomão consagrou o templo (8:1*66), sendo que depois disso Deus apareceu a Salomão pela segunda vez (9:1-9). As

palavras do Senhor a Salomão em 9:3 [2 Cr 7:12] não são tão significativas, caso se considere que a consagração ocorreu

treze anos antes.

2. O texto menciona a cidade de Davi (v. 1), a escolha de Davi por Deus (v. 16) e, especialmente, a aliança de Deus com Davi

(w . 15-18, 20, 24-26). O Senhor cumpriu sua promessa e deu ao rei um filho, o qual construiu o templo que Davi desejava

edificar (v. 20). Quando o povo saiu da cerimônia de consagração e do banquete que se seguiu, regozijou-se com as coisas
boas "que o S e n h o r fizera a Davi" (v. 66).

3. A primeira tentativa de Davi de levar a arca para Jerusalém foi um fracasso total, mas sua segunda tentativa foi bem-sucedida.

Salomão seguiu o exemplo de seu pai ao oferecer vários sacrifícios, enquanto os sacerdotes levavam a arca da cidade de Davi

para o templo. Porém, diferentemente do pai, Salomão não dançou na procissão sagrada.

4. Amós 4 descreve como Deus enviou vários desses julgamentos sobre o reino de Israel.

5. De modo geral, os estudiosos acreditam que o Salmo 123 foi redigido para ser usado quando a arca fosse levada para o
templo e este fosse consagrado. O peticionário pedia a Deus que abençoasse o rei (Salomão) por amor a Davi (w . 1,10), ou

seja, em função da aliança que Deus havia feito com Davi em 2 Samuel 7. Davi desejava construir o templo (w . 2*9), mas Deus

escolheu seu filho para levar a cabo essa incumbência. O Senhor também prometeu manter os descendentes de Davi no

trono (w . 11, 12, 17) e derrotar os inimigos de Israel (v. 18).


5 comprimento, 25 metros de largura e 15
metros de altura (as medidas do templo em
metros eram 30 x 10 x 15). O edifício todo
incluía dois pórticos ou colunatas, a residên­
O R e in o , o P o d e r cia do próprio Salomão, uma residência pa­
ra sua esposa egípcia2 (e, talvez, para parte
e a G ló r ia
de seu harém), uma sala do trono ("Sala do
Julgamento") e um salão espaçoso para re­
1 R eís 7:1-12; 9:10 - 10:29
cepções - todos integrados por grande pá­
(2 C rônícas 8:1 - 9:28) tio separado por paredes semelhantes às do
templo.
Não temos uma descrição detalhada
maioria das pessoas se lembra do rei
A
para usar como base, mas tudo indica que,
Salomão como o homem que construiu ao se aproximar da construção, chegava-se
o templo de Deus em Jerusalém, mas duran­ a um pórtico menor que servia como entra­
te seu reinado, ele se ocupou com várias da principal (v. 7). Este levava a um pórtico
atividades diferentes. Estes capítulos regis­ maior ou colunata com colunas de cedro,
tram uma série de vinhetas que descrevem que provavelmente servia de sala de espera.
algumas das coisas que Salomão fez para Desse local, passava-se ao Salão das Colu­
expandir seu reino e melhorar sua vida. Po­ nas, um grande salão de reuniões com ses­
rém, essas atividades também revelam o senta colunas de cedro (vv. 2, 3), sendo que
caráter de Salomão e mostram algumas de quarenta e cinco delas sustentavam um teto
suas áreas de fraqueza que, posteriormente, com vigas de cedro que constituía o piso
renderam-lhe amarga colheita. Aos poucos, do segunda andar. Havia quinze colunas em
Salomão passou a mostrar mais interesse nos lados opostos, junto às paredes laterais, à
preços do que nos valores, na reputação do direita e à esquerda da entrada e quinze no
que no caráter, no esplendor do reino do centro da sala, todas sustentando vigas de
que no bem do povo e na glória do Senhor. cedro. Os outros quinze pilares foram colo­
cados estrategicamente em lugares mais
1. S alomão constrói um palácio necessários, especialmente próximo à entra­
(1 Rs 7:1-12) da (ver v. 6).
O trabalho de construção da estrutura do Em função desse grande número de co­
templo levou sete anos para ser completa­ lunas de cedro do Líbano, essa construção
do,1 mas ainda foram necessários vários era conhecida como "Casa do Bosque do
anos para Hirão e sua equipe decorarem o Líbano". Esse salão de recepções era, sem
interior e fazerem a mobília e os utensílios. dúvida, usado para eventos oficiais do go­
Enquanto estavam ocupados com o templo, verno. Salomão ocupava esse espaço para
Salomão planejou e construiu um palácio exibir trezentos escudos grandes e duzen­
para si, uma combinação de residência pes­ tos menores, todos feitos de madeira reves­
soal, palácio do governo, armaria e centro tida de ouro (10:16, 17). O revestimento de
oficial de recepções. "Empreendi grandes cada um dos escudos maiores pesava qua­
obras", escreveu o rei, "edifiquei para mim se 4 quilos, num total de 750 quilos de ouro;
casas" (Ec 2:4). o revestimento de cada um dos escudos
Ao ler essa descrição do projeto, tem-se menores pesava pouco menos de 2 quilos,
a impressão de que envolveu várias estrutu­ num total de mais de 500 quilos. Conside­
ras isoladas, mas 1 Reis 9:10 refere-se a "duas rando os quinhentos escudos, o revestimen­
casas [construções]", o templo e a "casa do to totalizava aproximadamente 1.300 quilos
rei [palácio]". O palácio tinha o dobro do de ouro. Uma vez que o ouro era maleável
tamanho do templo e provavelmente dois demais para oferecer proteção, esses es­
ou até três andares. Media 50 metros de cudos não eram usados na batalha, mas sim
1 REIS 7:1-12; 9:10 - 10:29 427

para impressionar os visitantes. Esses arte­ construção. Isso significa que Salomão pre­
fatos só eram tirados da "Casa do Bosque" cisou de ouro para o conjunto de constru­
quando exibidos em ocasiões cerimoniais ções do "palácio", talvez para os escudos
especiais. de ouro, de modo que o tomou empresta­
Saindo desse salão, passava-se para a sala do de Hirão, dando-lhe vinte cidades como
do trono ou "Sala do Julgam ento", onde garantia. Essas cidades ficavam em locali­
Salomão reunia-se com seus oficiais, arbitra­ zação conveniente, na fronteira da Fenícia
va as disputas a ele encaminhadas e julgava com a Galiléia.3
questões relacionadas ao governo. Era nes­ Além do fato de que Salomão não deve­
sa sala que ficava seu trono magnífico des­ ria ter sido tão extravagante na construção
crito em 10:18-20. Os aposentos pessoais de seu "palácio", também não deveria ter
de Salomão e, supostamente, os aposentos entregado vinte cidades simplesmente para
da rainha, ficavam atrás dessa sala do trono pagar suas dívidas. Toda a terra pertencia
(7:7, 8). É evidente que havia outras entra­ ao Senhor e não poderia ser transferida de
das para as várias partes do edifício, todas dono em caráter permanente (Lv 25:23). Um
elas protegidas pela guarda especial do rei, dos propósitos do ano de jubileu (Lv 25:8ss)
e Salomão possuía um saguão particular que era garantir que a terra que havia sido ven­
levava de sua residência para o templo. Per­ dida voltaria aos proprietários originais, para
to do templo do Senhor, o "palácio" de Salo­ que nenhum clã ou tribo fosse privado de
mão devia ser uma construção imponente. sua herança. Porém, Salomão estava come­
çando a se comportar como seu sogro egíp­
2. S alomão decepciona um amigo cio, que havia exterminado a população
(1 Rs 9:10-14; 2 Cr 8:1, 2) toda de uma cidade cananéia e dado a ci­
Davi e Hirão de Tiro haviam sido bons ami­ dade à filha como presente de casamento
gos, e Davi havia lhe contado sobre seus (v. 16).
planos de construir um templo para o Se­ N o entanto, Hirão não gostou das ci­
nhor (5:1-3), planos estes que o Senhor não dades que Salom ão lhe deu! Depois de
permitiu que Davi levasse a cabo. Depois examiná-las, chamou-as de "Cabul", termo
da morte de Davi, Salomão tornou-se amigo que tem um som parecido com a palavra
de Hirão (Pv 27:10) e o contratou para aju­ hebraica que significa "imprestável". Não
dar a construir o templo (5:1-12). Hirão en­ considerou a garantia à altura do investimen­
viaria madeira e trabalhadores, se Salomão to que havia feito. Mas, ao que parece, a
pagasse a mão-de-obra e fornecesse alimen­ história teve um final feliz. Salomão deve ter
to em troca do material. Salomão também pago o que havia tomado emprestado, pois
recrutou homens israelitas para cortar pedras Hirão lhe devolveu as cidades, e Salomão
(5:13-18) e os estrangeiros que viviam na as reconstruiu para os israelitas (2 Cr 8:1, 2).
terra para carregar cargas (9:15, 20-23; 2 Cr Será que Salomão pagou esse empréstimo
8:7-10). com os 120 talentos de ouro que recebeu
Porém, 1 Reis 9:11 e 14 informa que Hi­ como presente da rainha de Sabá (10:10)?
rão também forneceu a Salomão 120 talen­ Nesse episódio, Salomão mostra aspec­
tos de ouro (cerca que 4 toneladas e meia)! tos perturbadores de seu caráter, inclusive
O rei Salomão tinha pelo menos 3.400 tone­ o custo extravagante do palácio que o le­
ladas de ouro à sua disposição antes de vou a fazer um empréstimo e, depois, o fato
começar a construir o templo (1 Cr 22:14­ de dar a um amigo uma garantia de pouco
16), e o fato de ter emprestado ouro de Hi­ valor, a qual, na verdade, nem lhe perten­
rão é motivo de surpresa. O ouro, a prata e cia para que entregasse a outro. Em termos
os outros materiais para o templo inventa­ humanos, se não fosse por Hirão, o templo
riados em 1 Crônicas 22, 28 - 29 eram todos não teria sido construído, e não era desse
consagrados ao Senhor, de modo que não modo que Salomão deveria tratar um ami­
poderiam ser usados para qualquer outra go generoso.
428 1 REIS 7:1-12; 9:10 - 10:29

3. S alomão fortalece seu reino (2 Sm 5:9) e à qual Salomão deu continuida­


(1 Rs 9:15-24; 2 Cr 8:1-11) de (9:24; 11:27). O rei e sua família, o povo
Quando o Senhor apareceu a Salomão em e a cidade, bem como a riqueza no templo
Gibeão, prometeu dar-lhe tamanhas rique­ e no palácio precisavam ser protegidos.
zas e honras que não haveria nenhum ou­ A fim de realizar esse trabalho, o rei recru­
tro rei como ele em todos os dias de sua tou os estrangeiros em Israel, os descenden­
vida (3:13). O Senhor cumpriu essa promes­ tes dos cananeus que haviam governado
sa: tornou célebre o nome de Salomão e sobre aquela terra no passado (v. 20; Gn
levou suas realizações a serem admiradas 15:18-21; Js 3:10). Na construção do tem­
por pessoas de outras nações. Davi, o pai plo, Salomão havia recrutado, também, a
de Salomão, havia conquistado território ini­ ajuda temporária de homens israelitas (5:13,
migo e expandido o reino, mas não havia 14; 9:15, 22, 23), mas nenhum trabalhador
procurado construir uma rede de relações israelita era tratado como escravo. Nesses
internacionais que tornaria Israel poderoso projetos de construção, os israelitas foram
entre as nações. Davi era um general enér­ designados supervisores e oficiais.
gico que não temia inimigo algum, mas
Salomão era um diplomata astuto e um po­ 4. S alomão adora ao S enhor
lítico que não perdia oportunidade alguma (1 Rs 9:25; 2 Cr 8:12-16)
de aumentar sua riqueza e poder. Esta se­ Todos os anos, os homens israelitas adultos
ção apresenta uma lista de realizações de que se encontravam em Israel deveriam
Salomão tanto em nível doméstico quanto comparecer a Jerusalém para celebrar a Pás­
internacional. coa, o Pentecostes e a Festa dos Taberná­
Não costumamos pensar em Salomão culos (Êx 23:14-19; Dt 16:1-17). Para os
como um militar, mas esta campanha espe­ cristãos de hoje, essas três festas significam,
cífica encontra-se registrada nas Escrituras respectivamente: a morte e ressurreição de
(2 Cr 8:3). Hamate era uma cidade ao norte Cristo, o Cordeiro de Deus, por nossos peca­
de Damasco, na fronteira setentrional mais dos (Jo 1:29; 1 Co 5:7); a ressurreição de
extrema do reino de Israel (Nm 34:8; Js 13:5), Cristo e a vinda do Espírito Santo (1 Co 15:23;
e até mesmo pessoas dessa região compa­ At 2); e a futura reunião do povo de Deus
receram à consagração do templo (8:65; no reino (Ap 20:1-6). Para o povo de Israel,
2 Cr 7:8). A cidade situava-se numa rota a Páscoa servia para lembrar seu livramento
comercial de grande importância, da qual da escravidão no Egito, enquanto a Festa dos
Salomão poderia coletar taxas e impostos Tabernáculos comemorava o cuidado de
alfandegários e também se proteger de in­ Deus durante os anos que passaram no de­
vasões. Além de Hamate, Salomão fortificou serto; a Festa das Primícias (Pentecostes)
Hazor, Megido e Gezer e tranformou-as em celebrava a bondade de Deus ao enviar as
"cidades-celeiro", ou seja, lugares onde eram colheitas.
armazenados carros, cavalos, armas e ali­ Salomão vivia em Jerusalém, mas deu o
mentos para as tropas israelitas. Salomão exemplo para o povo indo ao templo e ofe­
sabia que, se não protegesse as regiões mais recendo sacrifícios. Sem dúvida, os sacer­
remotas do reino, poderia acabar se vendo dotes eram encarregados de oferecer tanto
em conflitos com seus vizinhos, apesar dos os sacrifícios quanto o incenso. O s holocaus-
tratados que tinha com eles. tos simbolizavam a consagração total ao
Salomão também fortificou e aumentou Senhor; as ofertas pacíficas referiam-se à paz
"M ilo ", a área de terraços adjacente aos com Deus e comunhão com ele e uns com
muros de Jerusalém que reforçava a susten­ os outros e a queima de incenso retratava
tação das muralhas e dava maior proteção as orações oferecidas ao Senhor (Êx 30:1-10;
à cidade. A palavra millo significa "encher". SI 141:2; Ap 8:3). As Escrituras não mostram
Tratava-se de uma "fortificação cheia de nenhum caso de pessoas comuns levando
terra [aterrada]", uma obra iniciada por Davi incenso para ser oferecido no altar de ouro,
1 REIS 7:1-12; 9:10 - 10:29 429

uma vez que essa era uma tarefa realizada de volta 420 talentos de ouro, cerca de 16
duas vezes por dia pelos sacerdotes repre­ toneladas desse metal. Esses navios traziam,
sentando todo o povo. Porém, o Salmo 72, ainda, artigos de luxo como marfim, maca­
"U m Salmo para Salomão", menciona ora­ cos e pavões. Ao que parece, Salomão tam­
ções contínuas a serem feitas pelo rei (v. 15) bém tinha um zoológico (Ec 2:4-9). Isso nos
e não há m otivo algum para crer que faz lembrar as palavras do poeta inglês Oliver
Salomão era impedido de fornecer as espe­ Coldsmith:
ciarias necessárias para o incenso especial
(10:2,10; Êx 30:34-38). De mal a pior vai a terra,
O relato de 2 Crônicas 8 também dá a e a males maiores se expõe
entender que Salomão fornecia os sacrifícios Quando a riqueza acumula,
que deveriam ser oferecidos durante essas e seus homens se decompõem...4
festas, bem como nos sábados especiais e
nas festividades da lua nova. Com esse res­ A visita da rainha de Sabá (10:1-13) foi, sem
peito, obedeceu à lei de Moisés e também dúvida, motivada tanto pelos empreendimen­
seguiu o plano instituído por Davi, seu pai, tos mercantis de Salomão quanto pelo pró­
para o ministério dos sacerdotes e levitas no prio desejo da rainha de conhecer o rei de
templo (1 Cr 23 - 26). Asafe era o líder dos Israel, ver as glórias de seu reino e testar sua
músicos (1 Cr 16:4, 5), e havia mais de qua­ tão estimada sabedoria. Sabá era uma na­
tro mil cantores divididos em vinte e quatro ção rica e altamente civilizada, situada na
grupos. Cada cantor ministrava no templo região sudoeste da Arábia, e a rainha trouxe
durante duas semanas todos os anos. Havia consigo presentes caros que também servi­
também um coro especial de 288 cantores ram de amostra daquilo que seu país tinha a
(1 Cr 25:7). Salomão cuidou para que os oferecer (Is 60:6; Jr 6:20; Ez 38:13). Ela "lhe
cânticos e os instrumentos de Davi fossem expôs tudo quanto trazia em sua mente", e
usados e para que seu plano para a organiza­ Salomão lhe disse o que ela desejava saber.
ção dos sacerdotes e levitas fosse respeitado. Aquilo que ela ouviu e viu lhe tirou o fôle­
go, pois havia ouvido relatos, mas só creu
5. S alomão amplia sua influência neles quando viu tudo com os próprios olhos
(1 Rs 8:26 - 10:13; 2 Cr 8:17 - 9:12) - uma experiência que nos faz lembrar Tomé
Salomão era um grande empreendedor e, (Jo 20:24-29).
além de negociar acordos com várias na­ O registro de sua visita nos dá a oportu­
ções, criou uma força naval e contratou os nidade de vislumbrar como era a vida no
experientes marinheiros de Hirão para ad­ palácio. A rainha não apenas ficou maravi­
ministrá-la. Uma vez que os israelitas eram, lhada com o palácio de Salomão, mas tam­
em grande parte, um povo desassociado do bém impressionada com as refeições (4:7,
litoral, não eram dados a atividades maríti­ 22, 23), as roupas e a conduta dos servos, a
mas. Assim, Salomão dependia dos fenícios, disposição dos lugares dos oficiais e convi­
um povo costeiro, para cuidar desse aspec­ dados e a riqueza incrível exibida sobre as
to de seus empreendimentos. A importação mesas e ao redor delas. Caminhou com
de produtos do Oriente encheu os cofres Salomão pelo saguão particular do rei que
de Salomão e os ajudou a atribuir um aspec­ levava até o templo, onde assistiu ao rei ado­
to mais internacional ao reino. Essa expan­ rando (ver 10:5 e 2 Cr 9:4). A sabedoria de
são certamente gerou oportunidades para Salomão e a riqueza de seu reino a sobre­
os israelitas testemunharem de seu Deus aos pujaram, ainda que ela própria não fosse,
povos pagãos, mas não há registro algum de modo algum, uma indigente! A rainha
desse tipo de ministério. Salomão tinha de levou presentes caros a Salomão, inclusive
manter um orçamento enorme e precisava uma grande quantidade de especiarias e
de todo o dinheiro que podia conseguir. 120 talentos (quatro toneladas e meia) de
Numa viagem, as embarcações trouxeram ouro. Salomão retribuiu oferecendo-lhe o
430 1 REIS 7:1-12; 9:10 - 10:29

que ela quisesse da abundância de riquezas tinham posses, enquanto a rainha era ex­
do rei. tremamente rica. No entanto, as portas do
A rainha não pôde se conter e anunciou, palácio estavam abertas para essas três mu­
publicamente, que Salomão e seus servos lheres que buscaram Salomão, e o rei pro­
deveriam ser as pessoas mais felizes da Terra curou ajudar todas elas. Claro que a rainha
e, no entanto, Salomão escreveu no Livro de de Sabá negociou um acordo de comércio
Eclesiastes: "Vaidade de vaidades, tudo é vai­ com Salomão, mas não há evidência alguma
dade"! Ficamos imaginando se, aos poucos, de que tenha crido no verdadeiro Deus vivo.
os oficiais e servos de Salomão não se acos­ Sem dúvida, a rede de comércio que
tumaram com todo esse esplendor e luxo da Salom ão estabeleceu contribuiu para o
vida na corte, especialmente a exibição ex­ crescimento da economia de Israel e trouxe
travagante de riqueza. O próprio Salomão vários visitantes influentes a Jerusalém, mas
escreveu que: "Melhor é o pouco, havendo será que ajudou a aproximar o rei e seu povo
o temor do S e n h o r , do que grande tesouro de Deus? Israel não deveria ficar isolado da
onde há inquietação. Melhor é um prato de comunidade internacional, pois deveria ser
hortaliças onde há amor do que o boi ceva­ uma luz aos gentios, mas também era ne­
do e, com ele, o ódio" (Pv 15:16, 17). Ouvir cessário que se mantivesse separado dos
as palavras de Salomão poderia empolgar os pecados das nações que não conheciam o
convidados de seus banquetes, mas não era verdadeiro Deus vivo. O afluxo de mer­
a primeira vez que os oficiais e servos ou­ cadorias estrangeiras foi acompanhado de
viam aquele discurso. Um dos perigos de vi­ uma afluência de idéias estrangeiras, inclu­
ver nesse tipo de situação é que começamos sive de conceitos de religião e de adoração
a não dar mais o devido valor às coisas e, e, por fim, influenciado pelas esposas estran­
depois de um tempo, já não lhes damos va­ geiras, o próprio Salomão sucumbiu à idola­
lor algum. Isso se aplica tanto aos tesouros tria (11:1 ss).
espirituais quanto à riqueza material.
Quando a rainha disse: "Bendito seja o 6. S a l o m ã o v iv e c o m esp len d o r
S e n h o r , teu Deus", não estava declarando (1 Rs 10:14-29; 2 Cr 9:13-28)
sua fé pessoal em Jeová. Naquele tempo, as Q uando Deus prometeu dar sabedoria a
pessoas criam em "divindades territoriais". Salomão, também lhe prometeu riquezas e
Cada país tinha seu deus ou deuses (1 Rs honra (3:13). Não é pecado ter nem herdar
20:28), e, quando alguém deixava sua terra, riquezas. Abraão era um homem extremamen­
deixava para trás também seus deuses (1 Sm te rico que passou seus bens para o filho,
26:19). Quando voltasse para casa, a rainha Isaque (Gn 24:34-36). Não há nada de errado
adoraria os deuses de sua terra, mesmo ten­ em ganhar dinheiro honestamente, mas amar
do visto as glórias do Deus de Israel e ouvido o dinheiro e viver apenas com o propósito
sua sabedoria. Jesus não elogiou a rainha de adquirir riquezas é pecado (1 Tm 6:7-10).
de Sabá por sua fé, mas pelo fato de que ela N as palavras do p róp rio Sa lo m ã o :
se esforçou ao máximo, viajando quase "Q uem ama o dinheiro jamais dele se farta;
2.500 quilômetros para ouvir a sabedoria e quem ama a abundância nunca se farta
de Salomão, quando o Filho de Deus, aque­ da renda; também isto é vaidade" (Ec 5:10).
le que é "maior do que Salomão", estava no Alguém disse com sabedoria que: "É bom
meio dos judeus (M t 12:39-42). A tristeza ter as coisas que o dinheiro pode comprar,
das oportunidades perdidas! desde que não se perca as coisas que o di­
É interessante fazer contrastar esse rela­ nheiro não pode comprar".
to do encontro entre Salomão e a rainha de A renda anual de Salomão era de 666
Sabá com o primeiro ato de justiça de Sa­ talentos (cerca de vinte e duas toneladas e
lomão como rei, quando recebeu as duas meia) de ouro.5 Essa riqueza era proveniente
prostitutas (3:16ss). Elas eram mulheres do de várias fontes: (1) impostos, (2) pedágios e
povo, enquanto a outra era rainha; elas não taxas alfandegárias, (3) comércio, (4) tributo
1 REIS 7:1-12; 9:10 - 10:29 431

de governantes vassalos e (5) presentes. Seu crer que o coração de Salomão se enalteceu
uso de trabalho recrutado também era um de orgulho, sentimento que sempre leva à
tipo de renda. Era preciso um bocado de destruição e à queda (Pv 16:18).
dinheiro para sustentar o estilo de vida ex­ Para o mundo daquele tempo e, espe­
travagante do rei e, depois da morte de Sa­ cialmente, para o povo de Israel, Salomão
lomão, o povo protestou contra o jugo que tornou-se um modelo de riqueza e de es­
pesava sobre eles e pediu que essa carga plendor, e, sem dúvida, havia muitos que o
fosse aliviada (12:1-15). invejavam. Porém, Jesus disse que um dos
Por que Salomão precisava de quinhen­ lírios criados por seu Pai era mais belamen­
tos escudos, em cuja confecção foi usada te paramentado do que Salomão em toda
mais de uma tonelada de ouro? Por que pre­ sua glória (M t 6:28-30). A verdadeira beleza
cisava de um trono de marfim recoberto de vem de dentro, do "homem interior do co­
ouro? Por que ele e seus convidados preci­ ração" (1 Pe 3:4). Quanto mais precisarmos
savam beber de taças de ouro? Para que acrescentar a nossos bens para que as pes­
serviam os milhares de cavalos e carros? Q ue soas nos admirem, menos riqueza e beleza
necessidade havia de ter setecentas espo­ verdadeiras teremos.
sas e trezentas concubinas? A o procurar Davi teve profetas e sacerdotes que o
alcançar cada uma dessas metas, Salomão aconselharam e até mesmo o advertiram e
desobedeceu à Palavra de Deus! O Senhor repreenderam, mas, ao que parece, ninguém
advertiu em Deuteronômio 17:14-20 que o admoestou Salomão a dedicar mais atenção
rei de Israel não deveria multiplicar seus ca­ a edificar a vida em vez de acumular uma
valos nem buscar esses animais no Egito e fortuna. De acordo com um provérbio ro­
que também não deveria multiplicar esposas mano: "As riquezas são como água salgada:
nem ouro. Salomão não apenas adquiriu quanto mais você bebe, mais sedento fica".
milhares de cavalos, como também se tornou Herny David Thoreau disse que um homem
negociante desses animais! Deuteronômio é rico em proporção ao número de coisas
17:20 chama a atenção do rei para o fato sem as quais consegue viver, e Jesus per­
de que ele deve permanecer humilde diante guntou: "Pois que aproveitará o homem se
do Senhor: "para que o seu coração não se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?"
eleve acima dos seus irmãos". Não é difícil (M t 16:26).

1. A madeira e as pedras precisavam ser trazidas de lugares distantes, e as pedras deviam ser cortadas com precisão, a fim de se

encaixarem na estrutura sem precisar de maiores ajustes, um processo demorado. A execução do trabalho delicado com ouro

dentro do templo, além da confecção das várias peças de mobília e utensílios, também exigiu um bocado de tempo. Isso

explica por que as duas construções demoraram vinte anos para ser completadas.

2. O texto não diz coisa alguma sobre Naamá, a esposa amonita de Salomão que deu à luz Roboão, filho primogênito de
Salomão e seu sucessor ao trono (14:21).

3. O controle sobre as cidades daria a Hirão quaisquer recursos disponíveis, inclusive a tributação dos cidadãos ou o recrutamento
destes para servi-lo. Não era uma forma agradável de Salomão tratar o próprio povo.
4. G o l d s m it h , Oliver. "The Deserted Village", linhas 51 e 52.

5. É inútil relacionar o número 666 com Apocalipse 13:18. Ao somar os 120 talentos de ouro de Hirão (9:14) com os 420

talentos trazidos pela marinha mercante (9:28) e os 120 recebidos da rainha de Sabá {10:10), tem-se um total de 660 talentos.

Diz-se que, nas Escrituras, o número 6 refere-se ao homem, sempre um número aquém do sete, o número perfeito que

pertence somente a Deus. Se isso for verdade, os 666 talentos de Salomão representam a riqueza absoluta do homem, porém
não a verdadeira riqueza eterna que só vem de Deus. Não trouxemos coisa alguma a este mundo e não levaremos coisa
alguma conosco {1 Tm 6:7; Jó 1:21; SI 49:17).
6 do Senhor (D t 17:16; 7:1-6; Êx 23:31-34;
34:15, 16; Js 23:12, 13). O mau exemplo de
Salomão ao escolher esposas de nações
pagãs criou problemas para Esdras e Nee-
O H o m e m S á b io mias quase quatro séculos depois (Ed 9:2;
10:2, 3; Ne 13:23-27).
I n sen sa t o Em termos de "geografia bíblica", o Egi­
to representa a escravidão do mundo.2 O
1 R eís 11:1-43
deserto retrata a incredulidade do povo de
(2 C rônícas 9:29-31) Deus nos dias de hoje, enquanto, como Is­
rael, ficam vagando de um lado para o ou­
tro e não se apropriam de sua herança em
//À s Escrituras jamais se esquivam dos Cristo.3A Terra Prometida representa o des­
/ \ defeitos dos heróis", escreveu o canso que Deus dá àqueles que crêem em
grande comentarista inglês Alexander Ma- Cristo, que se sujeitam a ele e que avan­
claren. "O s retratos que apresentam não çam para a conquista pela fé. Todos os cris­
encobrem as falhas; antes, as apresentam tãos foram libertos do sistema do mundo,
com absoluta fidelidade".' Essa honestidade contrário a Deus (Gl 1:4), e todos os cris­
bíblica inspirada pode ser vista no registro tãos são exortados a apropriar-se de sua
da vida do rei Salomão. Deus deu a Salomão herança em Cristo no presente e não vagar
sabedoria incomum, riquezas extraordinárias pela vida sem propósito. Nenhum cristão
e grandes oportunidades, mas em sua idade precisa confiar no mundo para coisa algu­
mais avançada, o rei afastou-se do Senhor, ma, pois já recebemos de Cristo todas as
tomou decisões insensatas e não terminou bênçãos de que precisamos (Ef 1:3; 2 Pe
bem. "A estultícia do homem perverte o seu 1:1 -4). Estamos fisicamente no mundo, mas
caminho" (Pv 19:3). Salomão escreveu es­ não pertencemos espiritualmente ao mun­
sas palavras, e é provável que acreditasse do (Jo 17:14-19), e todas as nossas necessi­
nelas, mas não lhes deu ouvidos. dades são supridas pelo Pai no céu (M t
Não é difícil acompanhar os passos do 6:11; Fp 4:19).
declínio de Salomão. O perigo do casamento com incrédulos
é descrito no versículo 2, uma citação de
1. S alomão desobedeceu à P alavra de Deuteronômio 7:4: "pois elas [farão] desviar
D eus (1 Rs 11:1-8) teus filhos de mim" - exatamente o que
Voltar ao Egito pode ter sido o primeiro pas­ aconteceu com Salomão (vv. 3, 4, 9). Os
so de Salomão para longe do Senhor. To­ amonitas e moabitas eram descendentes de
mou para si uma esposa egípcia (v. 1; 3:1; Ló, sobrinho de Abraão (Gn 19:30ss). Os
9:24) e comprou cavalos e carros dessa amonitas adoravam o terrível deus Moloque
nação (4:26-28; 10:26-29) - dois atos que e sacrificavam suas crianças nos altares des­
revelam a incredulidade de Salomão. Casou- sa divindade (Lv 18:21; 20:1-5; e ver Jr 7:29­
se com uma princesa egípcia, a fim de fir­ 34; Ez 16:20-22). Quemos era o deus mais
mar um tratado de paz com o pai dela, e importante dos moabitas, e Astarote, a deu­
quis cavalos e carros, pois não confiava que sa do povo de Tiro e Sidom. Uma vez que
Jeová poderia, de fato, proteger a terra. era a deusa da fertilidade, a adoração a
Salomão não acreditava naquilo que seu pai, Astarote incluía a "prostituição legalizada",
Davi, havia escrito: "Uns confiam em carros, tanto de mulheres quanto de homens que
outros, em cavalos; nós, porém, nos gloria­ atuavam como prostitutos templares numa
remos em o nome do S e n h o r , nosso Deus" forma de adoração indescritivelmente obs­
(SI 20:7). Seus casamentos e a coleção de cena (ver Dt 23:1-8; 1 Rs 14:24; 15:12;
cavalos e de carros que possuía constituíam 22:46). O s babilônios também adoravam
atos de desobediência direta a ordens claras essa deusa e a chamavam de Ishtar.
1 REIS 11:1-43 433

Salomão havia exortado o povo, dizen­ de Eclesiastes, Salomão escreve pelo menos
do: "Seja perfeito o vosso coração para com trinta vezes a palavra "vaidade".
o S e n h o r " (8:61); em outras palavras, tenham Seu amor pelos valores espirituais foi
um coração inteiramente consagrado ao substituído por um amor pelos prazeres físi­
Senhor. Mas o coração do próprio rei não cos e pela riqueza material e, aos poucos,
era perfeito para com Deus (v. 4). Salomão seu coração se distanciou do Senhor. Pri­
não abandonou Jeová de todo, mas fez dele meiro, tornou-se amigo do mundo (Tg 4:4),
um dos muitos deuses que adorava (9:25), depois, foi contaminado pelo mundo (Tg
uma conduta que violava diretamente os dois 1:27), em seguida passou a amar o mundo
primeiros mandamentos dados no Sinai (Êx (1 Jo 2:1 5-1 7) e a se conformar com o mun­
20:1-6). O Senhor Jeová é o único Deus, o do (Rm 12:2). Infelizmente, o resultado desse
verdadeiro Deus vivo, e não aceita ser colo­ declínio pode levar o indivíduo a ser conde­
cado no mesmo nível que os falsos deuses nado com o mundo e a perder tudo (1 Co
das nações. "Eu sou Deus, e não há outro, 11:32). Foi o que aconteceu com Ló (Gn
eu sou Deus, e não há outro semelhante a 13:10-13; 14:11, 12; 19:1 ss), e é o que pode
mim" (Is 46:9). acontecer com os cristãos nos dias de hoje.
A transigência de Salomão não apare­
ceu de um dia para o outro, pois o rei foi se 2. S alomão ignorou as advertências
entregando aos poucos à idolatria (SI 1:1). de D eus (1 Rs 11:9-13)
Primeiro, permitiu que suas esposas adoras­ O Senhor não se impressionou com o es­
sem os próprios deuses, depois tolerou sua plendor real de Salomão, pois o Senhor vê
idolatria e até construiu santuários para es­ o coração (1 Sm 16:7) e sonda o coração
ses deuses. Por fim, começou a participar (1 Cr 28:9; Jr 1 7:10; Ap 2:23). Foi Salomão
das práticas pagãs com suas esposas. O amor quem escreveu: "Sobre tudo o que se deve
sensual do rei por suas muitas esposas foi guardar, guarda o coração, porque dele pro­
mais atraente que seu amor pelo Senhor, o cedem as fontes da vida" (Pv 4:23). N o en­
Deus de Israel. Salomão foi um homem de tanto, em sua velhice, seu coração estava
coração dividido e desobediente, e pessoas afastado do Senhor. Depois da descoberta
instáveis e de coração dobre são perigosas do sistema circulatório por William Harvey,
(Tg 1:8). De que maneira Israel poderia ser no século xvn, é de conhecimento geral que
luz para as nações gentias quando seu rei o centro da vida humana, em nível físico, é
adorava e apoiava abertamente os deuses o coração. N o entanto, essa verdade aplica-
dessas nações? Salomão costumava ofere­ se não apenas ao corpo, mas também ao
cer sacrifícios e queimar incenso ao Senhor espírito. Devemos amar a Deus de todo o
Jeová, mas, quando ficou mais velho, come­ nosso coração (Dt 6:5) e receber sua Pa­
çou a incluir em sua adoração os falsos deu­ lavra em nosso coração (Pv 7:1-3). Deus de­
ses venerados por suas esposas (8:25; 11:8). seja que façamos sua vontade de coração
Ao ler o Livro de Eclesiastes, descobri­ (Ef 6:6). Se nosso coração não está em or­
mos que, quando o coração de Salomão co­ dem com Deus, tudo em nossa vida estará
meçou a se afastar do Senhor, o rei passou errado, por mais bem-sucedidos que possa­
por um período de cinismo e de desespero. mos parecer aos outros.
Chegou até mesmo a questionar se valia a Q uando Salom ão nasceu, foi grande­
pena viver. Um a vez que o rei deixou de mente am ado pelo Senhor e recebeu o
caminhar lado a lado com o Senhor, seu nome especial de "Jedidias", que significa
coração ficou vazio, de modo que saiu em "por amor do S e n h o r " (2 Sm 12:24, 25; ver
busca de prazer, envolveu-se em empreen­ nota na NVI, 12:25: "amado pelo S e n h o r ").
dimentos com erciais com várias nações Vemos aqui, porém, que o Senhor estava
estrangeiras e se dedicou a um enorme pro­ irado com Salomão, pois o coração do rei
grama de construção. Porém, em momento havia se afastado do Senhor. Salomão estava
algum encontrou alegria nessa vida. N o Livro dando as costas para a riqueza de bênçãos
434 1 REIS 11:1-43

que Deus havia lhe concedido pecando de consagração, poderia ter olhado em di­
deliberada e conscientemente. Em primeiro reção ao templo e confessado seus peca­
lugar, o Senhor havia dado a Salomão um dos ao Senhor.
pai que, apesar de não ser perfeito (e quem
é?), era consagrado ao Senhor e sincero. 3. S alomão resistiu à disciplina de
Davi havia orado por Salomão e o havia es­ D eus (1 Rs 11:14-25)
timulado a fazer a vontade de Deus e a cons­ Os inúmeros casamentos de Salomão ha­
truir o templo. O Senhor havia aparecido a viam sido sua garantia de paz com os gover­
Salomão em duas ocasiões (3:5; 9:2) e o nantes vizinhos, e o reinado de Salomão
havia lembrado das estipulações da aliança havia sido pacífico. Porém, seu sistema logo
que havia realizado com o pai (2 Sm 7). Sem começaria a se desintegrar, pois o Senhor
dúvida, Salomão conhecia os termos da levantou "adversários" contra Salomão (w .
aliança em Deuteronômio 28 a 30, pois fez 14, 23, 25) e os usou para disciplinar o mo­
referência a eles em sua oração quando con­ narca rebelde. Essa disciplina de Deus sobre
sagrou o templo. os herdeiros desobedientes de Davi fazia
N ão sabemos de que maneira Deus parte da aliança (2 Sm 7:14, 15) e foi reafir­
transmitiu essa advertência a Salomão; tal­ mada a Salomão quando Deus lhe falou em
vez tenha sido por intermédio de um profe­ Cibeão (3:14). O fato foi repetido a Salomão
ta. Sabemos, porém, que Deus advertiu quando o rei estava construindo o templo
Salomão de que, depois de sua morte, seu (6:11-13) e depois da consagração do tem­
reino seria dividido e seu filho reinaria ape­ plo (9:3-9). Ver também 1 Crônicas 22:10 e
nas sobre as tribos de Judá e de Benjamim. Salmos 89:30-37. Por certo, era impossível
As outras dez tribos se tornariam o reino do que o rei não tivesse conhecim ento dos
Norte, Israel. O verbo "tirar", no versículo 11, perigos de desobedecer ao Senhor.
tem o sentido de "rasgar" e é retomado na Três adversários de Salomão são men­
dramatização do profeta Aias, quando ras­ cionados de modo específico.
gou o manto novo de Jeroboão em doze Hadade, o edomita (vv. 14-22). Salomão
partes (vv. 29ss). Essa divisão do reino não tinha mulheres de Edom em seu harém (v. 1),
seria a obra pacífica de um diplomata, mas mas isso não impediu Hadade de causar
sim o trabalho doloroso de um Senhor irado. problemas para Israel. Davi e Joabe haviam
Se não fosse pela aliança de Deus com conquistado uma grande vitória sobre Edom
Davi e pelo amor de Deus por Jerusalém, a e exterminado a população masculina (2 Sm
cidade onde ficava seu templo, ele teria to­ 8:13, 14; 1 Cr 18:11-13; ver SI 60, título),
mado o reino todo das mãos dos descen­ porém Hadade, um dos príncipes, havia fu­
dentes de Salomão. Deus prometeu a Davi gido juntamente com alguns líderes de seu
uma dinastia que não teria fim e, portanto, pai e encontrado asilo com o Faraó no Egi­
manteve um descendente de Davi no trono to. Ao que parece, tratava-se de um novo
em Jerusalém até que a cidade foi tomada Faraó que não considerava necessário reco­
pelos babilônios e destruída. E evidente que nhecer o pacto nupcial de Salomão com a
o cumprimento final dessa promessa encon­ princesa egípcia. Esse governante do Egito
tra-se em Jesus Cristo (Lc 1:32, 33, 69; At não apenas deu a Hadade alimento e um
2:29-36; SI 89:34-37). O nome de Deus es­ lugar para viver, mas também lhe entregou
tava sobre o templo (1 Rs 8:43), de modo a própria cunhada como esposa, e Hadade
que ele preservou Jerusalém; a aliança de teve um filho com ela. Isso significava que o
Deus estava com Davi, de modo que ele Egito e Edom estavam aliados contra Israel.
preservou a dinastia de Davi. Assim é a gra­ Com a morte do rei Davi e de seu gene­
ça de Deus. ral, Joabe, Hadade e seus homens puderam
Não há evidência alguma de que Salo­ voltar em segurança para Edom. Em sua terra,
mão tenha dado ouvidos a essa advertên­ Hadade planejou fortalecer a nação e diri­
cia. Se ele tivesse se lembrado de sua oração gir uma série de ataques contra os israelitas.
1 REIS 1 1:1-43 435

Sabia que não poderia tomar o reino de Sa­ de proem inência durante o reinado de
lomão, mas o Senhor usou-o para perturbar Salomão, mas a partir desse tempo até o fim
Salomão e seus soldados com uma série de do reino de Judá, a presença dos profetas
ataques nas fronteiras. Essa irritação cons­ seria marcante. Quando os reis ou sacerdo­
tante do Sul deveria ter lembrado Salomão tes desprezavam abertamente a Palavra de
de que Deus o estava disciplinando e cha­ Deus, o Senhor costumava enviar um profe­
mando de volta a uma vida de obediência. ta para adverti-los. Os profetas eram mais
Rezom de Damasco (w . 23-25). Q uan­ "proclamadores" do que "prenunciadores".
do Davi derrotou os sírios em Zobá (2 Sm Traziam uma mensagem de Deus para o pre­
8:5-8), um jovem chamado Rezom fugiu para sente e, se algo do futuro lhes era revelado,
Damasco com seus soldados e se declarou tinha como propósito ajudá-los a chamar o
rei. Ao que parece, Davi o reconheceu como povo de volta à obediência à vontade de
rei, e é bem provável que Rezom fosse um Deus.4
homem competente, pois o poder da Síria Aias dramatizou sua mensagem rasgan­
cresceu sob sua liderança. Mas Rezom aliou- do suas vestes novas em doze partes e en­
se a Hadade, líder de Edom, e começou a tregando dez dessas partes a Jeroboão. Essa
atormentar Salomão no Norte. Rezom fun­ era a maneira de Deus dizer que Jeroboão
dou uma dinastia de governantes fortes na se tornaria rei sobre as dez tribos de Israel
região (conhecida como Arã), sendo que no Norte.5 Aias explicou por que duas tri­
todos causaram problemas para os reis de bos continuaram reservadas para a casa de
Judá (15:18-20; 20:1 ss; 2 R s 8 - 1 3 e 1 5 - Davi e por que o filho de Salomão estava
16 passim). Rezom era rei de Arã (Síria) no recebendo apenas essas duas tribos. Salo­
tempo do profeta Isaías (Is 7:1-8; 8:6; 9:11). mão havia pecado grandemente ao introdu­
zir a idolatria na terra, pecado que, a seu
4. S a l o m ã o o p ô s -se a o ser v o d e D eu s tempo, destruiria a nação e levaria o povo
(1 Rs 11:26-43; 2 C r 9:29-31) ao cativeiro.
Hadade atacou Salomão do Sul e Rezom o Foi por amor a Davi que Deus protegeu
atacou do Norte, mas Jeroboão era um dos Judá e Jerusalém. Salomão não havia obe­
líderes de Salomão que ameaçou o rei de decido às estipulações da aliança que Deus
dentro de seus escalões oficiais. Jeroboão havia feito com o pai do rei (2 Sm 7), mas
era um efraimita que demonstrava possuir Deus seria fiel à sua Palavra (2 Sm 7:11-13).
excelente aptidão administrativa, chamando A lâmpada continuaria a brilhar por Davi até
a atenção do rei. Uma vez que Jeroboão o final da monarquia em Judá com a queda
era da tribo de Efraim, Salomão encarregou- de Zedequias (2 Rs 25; ver 1 Rs 11:36; 15:4;
o da força de trabalho da casa de José, a 2 Rs 8:19; 21:7; SI 132:17).
saber, de Manassés e Efraim. A essa altura, a Aias encerrou sua mensagem acautelan­
nação estava cansada dos projetos de cons­ do Jeroboão de que aquilo que havia acon­
trução de Salom ão e, especialmente, da tecido com ele era obra somente da graça
maneira como ele recrutava israelitas para de Deus. Ele deveria levar a sério seu cha­
trabalhar nessas obras (5:13-18), e o jovem mado e obedecer à Palavra do Senhor, do
Jeroboão foi apresentado às correntes vela­ contrário Deus o disciplinaria da mesma for­
das de oposição ao rei. Esse conhecimento, ma com o estava disciplinando Salomão.
além do fato de Salomão tê-lo colocado so­ Deus daria a Jeroboão uma dinastia dura­
bre tribos do Norte, o ajudaria quando che­ doura se ele obedecesse à lei do Senhor.
gasse a hora de estabelecer seu reino com No entanto, essa dinastia não substituiria a
as dez tribos do Norte. dinastia de Davi em Judá, pois era da dinastia
Um dia, enquanto trabalhava, Jeroboão de Davi que viria o Messias e que cumpriria
foi detido pelo profeta Aias de Siló, que as promessas da aliança. Deus humilhou os
tinha uma mensagem de Deus para ele. Os sucessores de Davi dando-lhes apenas duas
profetas não desempenharam papel de gran­ tribos, mas não os rebaixaria para sempre.
436 1 REIS 11:1-43

Quando o Messias viesse, a nação seria cura­ registros de Aias e de Ido. Salomão é o pri­
da de sua divisão (Jr 30:9; Ez 34:23; 37:15­ meiro rei israelita cuja morte foi registrada
28; Os 3:5; Am 9:11, 12), e o Rei governaria nas "palavras oficiais" dos versículo 41 a 43
soberano sobre todo o Israel.6 e de 2 Crônicas 9:29-31. Ver também 2 Crô­
Uma vez que Aias e Jeroboão estavam nicas 9:29; 12:15; 26:22 e 32:32.
sozinhos no campo quando a mensagem foi Assim como o rei Saul, Salomão recebeu
transmitida (v. 29), não sabemos como a grandes oportunidades, mas não as aprovei­
notícia do chamado especial de Jeroboão tou ao máximo. Possuía amplos conhecimen­
chegou aos ouvidos do rei Salomão. É pos­ tos sobre animais e plantas, sobre como
sível que Jeroboão tenha contado o que enriquecer a nação e construir edifícios, mas
ocorreu a seu círculo mais íntimo, que se não compartilhou o conhecimento do Se­
encontrava aflito com a forma como o rei nhor7 com os gentios que passaram por sua
estava tratando o povo, ou talvez Deus te­ sala do trono. Assim como seu pai, Davi,
nha dado permissão a Aias para enviar a Salomão possuía talento natural para apre­
mensagem a Salomão. Essa mensagem foi a ciar mulheres, mas quando Salomão pecou,
última palavra de disciplina e de repreensão não teve o coração sincero e o espírito que­
de Deus para o monarca rebelde, pois que brando de arrependimento de Davi. A que
modo mais eficaz haveria de fazer o rei des­ motivou a vida de Salomão foi a grandeza
pertar do que tomar a maior parte do reino do reino e não a glória do Senhor.
de seu sucessor? Salomão deveria ter se pros­ O rei sábio deixou para trás o templo de
trado com o rosto em terra numa demons­ Deus, seu palácio real, uma nação servil e
tração de arrependimento e de contrição e uma economia em dificuldades, bem como
ter buscado a face do Senhor, mas em vez os livros de Provérbios, Eclesiastes e Can­
disso, tentou matar seu rival. Jeroboão foi tares de Salomão. Durante seu reinado, a
buscar refúgio no Egito, onde o novo Faraó nação permaneceu unida, mas uma linha
era Sisaque, homem sem compromisso al­ muito fina de cisão acabou se manifestando
gum com a casa de Davi. em uma rebelião aberta e, posteriormente,
Salomão havia abandonado o Senhor na divisão do reino. A avidez de Salomão
(v. 33; ver 9:9), pecado que se repetiria com por riqueza e realizações colocou um gran­
vários reis de Israel e de Judá (18:18; 19:10, de peso financeiro sobre a nação; depois
14; 2 Rs 17:16; 21:22; 22:17). O pecado da de sua morte, o povo se revoltou.
idolatria traspassava o cerne da fé de Israel, Porém, os israelitas fizeram pior do que
pois Jeová era o único e verdadeiro Deus isso: seguiram o mau exemplo de Salomão
vivo, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. e começaram a adorar os deuses de seus
Salomão reinou de 971 a.C. a 931 a.C. vizinhos. Foi esse pecado, mais do que qual­
Será que o rei voltou para o Senhor antes quer outro, que causou a queda de Israel e
de morrer? Os estudiosos da Bíblia não apre­ de Judá. Como escreveu W illiam Sanford
sentam um consenso em suas interpretações LaSor: "Salomão importou esposas, e as es­
e respostas. Sem dúvida, a admoestação em posas importaram deuses; Salomão tolerou
Edesiastes 12:13, 14 indica que houve arre­ e encorajou a idolatria e construiu lugares
pendimento e restauração, e esperamos que de adoração para essas idólatras. O que po­
seja isso o que ocorreu. As realizações de deria se esperar do povo senão que seguis­
uma vida extremamente cheia foram regis­ se o mesmo rumo?"
tradas não apenas em 1 Reis e 2 Crônicas, Q u e nossa sujeição possa ser sempre
mas também em alguns livros que não che­ sincera e fiel a Jesus Cristo, aquele que é
garam até nós, inclusive os Atos de Salomão "maior do que Salomão", que morreu por
(provavelmente um registro oficial), livro nós, que vive por nós e que, um dia, virá
escrito pelo profeta Natã, bem com o os nos buscar!
1 REIS 11:1-43 437

1. M a cla ren , Alexander. Expositions o f H o ly Scripture sobre 1 Reis 11:4-l 3.

2. Gosto da definição de "mundo" apresentada por F. W . Robertson em sua coletânea de sermões, vol. 4, p. 165: " O mundo é

0 conjunto de homens de todas as idades que vivem somente de acordo com os axiomas de seu tempo". Ao acumular

riquezas e multiplicar esposas e em seu desejo de viver em esplendor, Salomão estava imitando os potentados do Oriente em

vez de seguir a Palavra de Deus e o exemplo de Davi, seu pai.

3. Apesar do que dizem os compositores de hinos, cruzar o Jordão e entrar na terra de Canaã não é um retrato da ida para o céu.

Certamente não vamos precisar batalhar para entrar no céu! Trata-se de um retrato da decisão de dar as costas ao passado e

de entrar, pela fé, em nossa herança presente em Cristo, as bênçãos que ele deseja que desfrutemos e o trabalho que deseja

que façamos. Tudo isso é explicado no Livro de Hebreus.


4. Para casos de profetas que demonstraram grande coragem ao confrontar reis, ver 13:1-10; 14:1-18; 16:1-4; 20:22ss; 22:1ss;

2 Reis 1.

5. Samuel havia rasgado o manto de Saul e usado o acontecimento para transmitir uma mensagem (1 Sm 15:27), e Davi também

havia cortado um pedaço do manto de Saul (1 Sm 24:4-6). Trata-se de uma imagem óbvia.
6. Estudiosos do Antigo Testamento observaram que, logo no início da história de Israel, já havia uma rivalidade entre as dez

tribos do Norte e as duas tribos do Sul, de modo que não foi fácil dividir a nação. Ver Juizes 5:14-16; 2 Samuel 19:41-43; 20:2;

1 Reis 1:35; 4:20, 25. Essa rivalidade terá fim quando o Messias reinar (Is 11:13).
7. LaSor, William Sanford. Creat Personalitíes o f the O ld Testament. Revell, 1959, p. 125.
7 mulheres da corte. Isso incluía as esposas e
concubinas de Salomão, que Roboão her­
dou quando se tornou rei.
Aquilo que a vida nos faz depende da­
0 H o m e m Q u e se quilo que encontra em nós. Ao longo dos
dezessete anos de reinado de Roboão, o
R e c u s o u a O u v ir
modo como reagiu às situações revelou que
tipo de pessoa ele era de fato. Pelo menos
1 R eis 12:1-24; 14:21-31
quatro características destacam-se em seu
(2 C rônicas 10:1 - 12:16) breve período de governo.

1. Um rei arro gante


// I ambém aborreci todo o meu traba- (1 Rs 12:1-17; 2 C r 10:1-19)
I lho, com que me afadiguei debaixo Alexander M aclaren chamou esse relato
do sol", escreveu Salomão em Eclesiastes, apropriadamente de "uma história miserá­
"visto que o seu ganho eu havia de deixar a vel de imbecilidade e ignorância". A história
quem viesse depois de mim. E quem pode revela que, quaisquer que fossem os talen­
dizer se será sábio ou estulto?" (Ec 2:18, 19). tos de Roboão, o rei não possuía o dom de
Salom ão foi sucedido por seu filho, se relacionar com as pessoas e de entender
Roboão, que tomou decisões inteligentes em suas necessidades. Davi foi um rei que amou
algumas ocasiões, mas que, na maior parte seu povo e que arriscou a vida pelo bem-
do tempo, mostrou-se um governante insen­ estar dos israelitas. Salomão foi um rei que
sato. No com eço do reinado de Roboão, não serviu o povo, mas o usou para satisfa­
uma decisão egoísta de sua parte dividiu a zer seus desejos pessoais. Roboão foi um
nação e, no quarto ano de seu governo, rei que ignorou as lições do passado, fechou
Roboão decidiu dar as costas ao Senhor e os ouvidos às vozes de sofrimento do povo
adorar a ídolos, o que fez sobrevir o julga­ e mostrou que não tinha competência para
mento de Deus. Dificilmente poderíamos governar.
considerar seu reinado bem-sucedido. A assembléia em Siquém (w. 1-3; 2 C r
De acordo com 1 Reis 14:21, Roboão 10:1-3). É quase certo que Salomão tenha
estava com 41 anos de idade quando come­ deixado claro que Roboão deveria ser o pró­
çou a reinar.' Uma vez que Salomão reinou ximo rei, mas, ainda assim, era necessário
durante quarenta anos (11:42), isso signifi­ que o povo confirmasse essa escolha e en­
ca que Roboão nasceu antes de Salomão trasse em aliança com Deus e com o rei.
subir ao trono. Porém, o mesmo texto diz Isso havia sido feito quando Saul tornou-se
que a mãe de Roboão era uma mulher rei (1 Sm 10:17) e também quando Davi e
amonita chamada Naamá,2 o que significa Salomão foram coroados (2 Sm 2:4; 5:1 ss;
que a princesa egípcia com a qual Salomão 1 Rs 1:28ss). Roboão e seus oficiais esco­
se casou não era sua primeira esposa es­ lheram Siquém como local de encontro, e
trangeira (3:1). Davi, pai de Salomão, havia Jeroboão e os homens do Norte compare­
se casado com uma princesa de Cesur, uma ceram.3 Jeroboão havia voltado de seu asilo
nação na Síria, e essa esposa lhe deu à luz e era o líder reconhecido das dez tribos do
Absalão (2 Sm 3:3). Sem dúvida, foi uma jo­ Norte. Roboão sabia que esse homem era
gada política da parte de Davi, de modo que, seu inimigo, mas não ousou opor-se a ele
talvez, o casamento de Salomão com uma abertamente, pois não desejava indispor-se
mulher amonita não perturbou Davi em sua com o povo. Sem dúvida, Roboão também
velhice. Segundo o texto hebraico de 14:21: sabia da profecia de Aias segundo a qual
"Naamá era o nome de sua mãe, amonita" Jeroboão governaria sobre o reino do Nor­
(ênfase minha), indicando que ela ocupava te, mas talvez não pensasse que isso, de fato,
uma posição eminente em relação às outras se concretizaria. Por certo, acreditava que a
1 REIS 12:1-24; 14:21-31 439

dinastia de Davi e a prosperidade de Salo­ imponente, fosse mimado por servos e se


mão prevaleceriam, mas havia se esquecido banqueteasse diariamente? O povo encon­
de 2 Samuel 7:12-14. trava-se debaixo de um jugo doloroso e es­
Se Roboão escolheu Siquém para essa tava cansado dessa situação.
reunião tão importante, foi uma das coisas Nos dias dos juizes, quando Israel havia
mais inteligentes que fez. Siquém ficava cer­ pedido um rei, Samuel advertiu o povo de
ca de sessenta e quatro quilômetros ao nor­ que o luxo de ter um monarca lhe custaria
te de Jerusalém, uma boa cidade central para caro (1 Sm 8:10-22). Salomão fez exatamen­
uma reunião desse tipo. Era localizada em te as coisas sobre as quais Samuel havia ad­
Manassés, o que agradaria o povo das dez vertido e, a menos que Roboão mudasse sua
tribos do Norte. O túmulo de José encontra­ política, essas práticas teriam continuidade.
va-se em Siquém (Js 24:32), o tabernáculo É bem provável que Roboão tenha se exaspe­
havia ficado em Siló, na tribo de Efraim, e o rado com o fato de Jeroboão ser o porta-voz
profeta Samuel era da região montanhosa das dez tribos do Norte, pois, certamente,
de Efraim (1 Sm 1:1). Abraão, pai do povo estava a par da profecia de Aias e do fato de
de Israel, havia estado em Siquém (Gn 12:6), que seu pai havia tentado matar Jeroboão
e Jacó também havia passado por lá (Gn (11:29-40). Além disso, Jeroboão era muito
33:18). Josué havia confirmado a aliança de benquisto no Egito, e Roboão não sabia o
Israel nesse local (Js 24), de m odo que que ele e o Faraó haviam planejado juntos.
Siquém era uma cidade de grande impor­ O reino não estava em sua melhor forma, e
tância histórica e espiritual para a fé do povo somente Roboão poderia melhorar as coi­
de Israel. sas. Aqueles que visitavam Israel ficavam
Efraim e Manassés, descendentes de pasmos diante do que viam, mas não eram
José, consideravam-se as principais tribos de capazes de detectar a deterioração moral e
Israel e expressaram abertamente seu res­ espiritual que se infiltrava nos alicerces do
sentimento com os líderes de Judá (SI 78:60, reino, a começar pela sala do trono.
67). Davi havia recebido de braços abertos O povo estava disposto a servir a Roboão
voluntários de Efraim e de Manassés em seu se ele também lhes servisse e facilitasse um
grupo de guerreiros (1 Cr 12:30, 31); mas, pouco a vida deles. Todos os verdadeiros
durante anos, essas duas tribos lançaram grandes líderes de Deus haviam sido servos
sementes de divisão e de discórdia na terra do povo - Moisés, Josué, Samuel e, espe­
(ver Jz 8:1; 12:1). Talvez Roboão pensasse cialmente, Davi -, mas Salomão havia opta­
que uma coroação em Siquém seria um do por ser uma celebridade em vez de um
passo em direção à paz e à união entre o servo, e Roboão estava seguindo o péssimo
Norte e o Sul, quando, na verdade, aconte­ exemplo de seu pai. Quando o Filho de Deus
ceria exatamente o oposto. veio à terra, assumiu a forma de servo (Lc
A petição das dez tribos (vv. 4, 5; 2 C r 22:24-27; Fp 2:1-13) e ensinou seus discípu­
10:4, 5). Sob a direção de Jeroboão, os líde­ los a liderar pelo serviço. Jesus lavou os pés
res das dez tribos protestaram contra o jugo dos discípulos como exemplo de serviço hu­
pesado que o pai de Roboão havia coloca­ milde (Jo 13:1-17) e deseja que sigamos o
do sobre eles, inclusive os altos impostos e exemplo dele, não que imitemos os "grandes
os trabalhos forçados. Ao que parece, quan­ líderes" do mundo secular (M t 20:25-28).
do Salomão reorganizou a terra em doze A recom endação dos conselheiros (vv.
distritos (4:7-19), Judá não foi incluída, e é 6-11; 2 C r 10:6-11). Devemos dar crédito a
possível que essa política tenha sido segui­ Roboão por haver pedido um prazo, a fim
da quando recrutou os trabalhadores (5:13­ de poder pensar e consultar seus conselhei­
18). Não é difícil entender a reação das ou­ ros. No entanto, o tempo não resolve os
tras tribos a esse favoritismo ostensivo. Por problemas; o que conta é aquilo que os lí­
que essas pessoas esforçadas deveriam se deres fazem com o tempo. Não há evidên­
sacrificar para que o rei vivesse numa casa cia alguma de que o rei tenha buscado ao
440 1 REIS 12:1-24; 14:21-31

Senhor em oração ou de que tenha con­ premente de um equilíbrio entre as gera­


sultado o sumo sacerdote ou um profeta. ções, no qual os mais velhos e os mais jo­
Temos a impressão de que já havia se deci­ vens comunicam-se e aprendem uns com
dido, mas estava disposto a passar por todo os outros, como numa família (Tt 2:1-8; 1 Tm
o processo a fim de agradar o povo. Uma 5:1, 2). Um amigo me contou que desejava
das marcas da liderança de Davi foi sua dis­ começar uma igreja só para pessoas acima
posição de humilhar-se, buscar a vontade de de 50 anos de idade, e eu sugeri que colo­
Deus e, depois, pedir a bênção de Deus casse um coveiro no conselho. O propósito
sobre suas decisões. Os líderes que tentam de Deus é que sua igreja inclua homens,
impressionar o povo com suas aptidões, mas mulheres, idosos, jovens e gente entre os
que não separam o tempo necessário para dois extremos e que todos aprendam uns
buscar a Deus, apenas provam que não sa­ com os outros. Há pessoas insensatas de
bem aquilo que é mais importante na li­ todas as idades, e a idade não é garantia
derança espiritual: que ocupam o segundo alguma de sabedoria, nem mesmo de expe­
lugar no poder (ver Js 5:13-15). riências proveitosas. O s jovens em minha
Ao tomar decisões importantes, devemos vida me ajudam a ficar em dia com o pre­
buscar conselho espiritual (Pv 11:14; 15:22; sente e eu os ajudo a ficar em dia com o
24:6), mas é importante nos certificarmos passado, de modo que vivemos num rela­
de que falaremos com cristãos maduros que cionamento de equilíbrio e de amor.
podem nos guiar pelo caminho certo. De O s conselheiros mais jovens estavam
acordo com o escritor inglês Frank W . Bore­ interessados, antes de tudo, em ser impor­
ham: "Tomamos nossas decisões e, então, tantes e em engrandecer a si mesmos e à
elas se viram e nos tomam de surpresa". Por autoridade do novo rei. Na opinião deles,
vezes, nos esquecemos de nossas decisões, o melhor a fazer era dar uma demonstra­
mas elas não se esquecem de nós, pois co­ ção de força. O s jovens, de um modo ge­
lhemos aquilo que semeamos. Se desco­ ral, procuram ter autoridade e liberdade, até
brirmos que escolhemos seguir um desvio, que, para sua tristeza, descobrem que po­
devemos admitir o fato, confessar nosso pe­ dem não estar prontos a usar essas dádivas
cado e pedir ao Senhor que nos conduza com sabedoria. Depois de admoestar tan­
de volta ao caminho certo. to os cristãos idosos quanto os mais jovens,
O s anciãos deram a Roboão o melhor Pedro escreveu: "outrossim, no trato de uns
conselho possível: seja um servo do povo e com os outros, cingi-vos todos de humilda­
o povo servirá a você. Porém, uma vez que de, porque Deus resiste aos soberbos, con­
Roboão já havia se decidido, rejeitou essa tudo, aos humildes concede a sua graça"
resposta imediatamente e se voltou para seus (1 Pe 5:5).
contemporâneos, os quais ele sabia que lhe A declaração do rei (vv. 12-17; 2 C r
dariam a resposta que desejava ouvir. Não 10:12-17). Um homem de 41 anos que ha­
tinha intenção alguma de pesar os fatos, de via crescido no palácio e que havia recebi­
buscar a vontade de Deus e de tomar a de­ do três dias para refletir sobre uma questão
cisão mais sábia. Em mais de cinqüenta anos e, além disso, tinha acesso àqueles que po­
de ministério, vi supostos líderes cristãos que deriam determinar a vontade de Deus, não
usaram a mesma abordagem de Roboão deveria jamais ter tomado esse tipo de deci­
causarem estragos terríveis na obra do Se­ são. O pai de Roboão havia, até mesmo,
nhor e, depois, partirem, deixando para trás escrito provérbios sobre sabedoria, sendo
seu veneno e escombros, que levam anos que um deles dizia: "A resposta branda des­
para serem removidos. via o furor, mas a palavra dura suscita a ira"
O mundo antigo respeitava a idade e a (Pv 15:1). Porém, a liderança de Roboão era
maturidade, mas nossa sociedade moderna motivada pelo orgulho, não pela humilda­
venera a juventude. Em nossas igrejas e minis­ de, e o orgulho não quer saber de bondade
térios paraeclesiásticos, há uma necessidade e de mansidão. "Alguém há cuja tagarelice
1 REIS 12:1-24; 14:21-31 441

é como pontas de espada, mas a língua dos de Davi (2 Sm 20:1), deixaram a assembléia
sábios é medicina" (Pv 12:18). e proclamaram Jeroboão seu rei. As únicas
O rei respondeu ao povo com rispidez, exceções foram os cidadãos vindos das dez
um adjetivo que equivale ao termo hebraico tribos e que, por algum motivo, haviam se
traduzido por "duro" no versículo 4. Roboão assentado em Judá. Estes permaneceram
falou com aspereza, e suas palavras foram fiéis ao trono de Davi.
duras; em vez de aliviar o jugo, o rei anun­ A primeira decisão oficial de Salomão
ciou que o tornaria ainda mais pesado e mais conferiu-lhe a reputação de possuir grande
cortante. Seu dedo mindinho era maior que sabedoria (3:16-28), mas a primeira decisão
a cintura de seu pai; se seu pai havia usado oficial de seu filho mostrou à nação que ele
açoites, ele submeteria o povo a flagelos (os era insensato e imprudente. Durante séculos,
chicotes com pedaços de metal, semelhan­ o povo de Israel considerou a divisão do
tes aos flagelos romanos, eram chamados reino a maior tragédia de sua história e o
de "escorpiões"). Tanto com suas palavras parâmetro usado para medir todas as outras
quanto com sua atitude, o novo rei deixou calamidades (Is 7:17).
claro ao povo que ele era importante e po­
deroso, enquanto eles eram insignificantes 2. Um rei irado (1 Rs 12:18-24;
e fracos, mensagem, sem dúvida alguma, 2 C r 10:18,19; 11:1-4)
perigosa. Enquanto Roboão ainda estava em Siquém,
Roboão representava a terceira geração procurou tardiamente usar de diplomacia.
da dinastia davídica e, com freqüência, é a Enviou um de seus oficiais de confiança a
terceira geração que começa a destruir aqui­ uma reunião das dez tribos, a fim de tentar
lo que as gerações anteriores construíram. uma reconciliação ou, pelo menos, de man­
O povo de Israel serviu ao Senhor nos dias ter a discussão em andamento. Sua escolha
de Josué e nos dias dos anciãos que ele ha­ de mediador foi imprudente, pois Adorão
via treinado, mas, quando veio a terceira era encarregado dos trabalhos forçados,
geração, os israelitas voltaram-se para os ído­ possivelmente uma das áreas mais espinho­
los, e a nação se desintegrou (Jz 2:7-10). Vi sas da disputa.5 Talvez Adorão estivesse
esse mesmo fenômeno ocorrer em empre­ autorizado a negociar cargas mais leves de
sas e em igrejas. O s fundadores trabalharam trabalho ou mesmo reduções nos impostos,
arduamente e realizaram grandes sacrifícios mas, se esse era o caso, seu fracasso foi mo­
a fim de começar um negócio ou uma igre­ numental. O povo apedrejou o mediador, e
ja, e a segunda geração mantém-se fiel aos o rei, assustado, fugiu para Jerusalém assim
exemplos e crenças dos fundadores. A ter­ que soube do ocorrido. Roboão havia se­
ceira geração, porém, herda tudo sem ter guido o conselho errado, usado a aborda­
de trabalhar nem de pagar pelo que rece­ gem errada e escolhido o mediador errado.
beu e destrói aquilo que outros haviam se O que mais poderia fazer de errado?
esforçado tanto para construir. É evidente Declarar guerra!
que, se a segunda geração não ensinar a Afinal, ele era o rei e, ao declarar guerra,
seus sucessores os caminhos do Senhor, ou poderia afirmar sua autoridade e mostrar sua
se os mais jovens não aceitarem os ensina­ força militar. Além disso, talvez seu rival,
mentos, não será motivo de espanto ver a Jeroboão, acabasse morrendo no campo de
terceira geração se desviar (Dt 11:18-21; batalha. Afinal, seu pai, Salomão, havia man­
32:46; Ef 6:4). dado matar Jeroboão (11:40), e Salomão era
As conseqüências do discurso de Ro­ o homem mais sábio do mundo. As dez tri­
boão foram previsíveis: "todo o Israel" (isto bos se rebelaram contra o rei e até mataram
é, as dez tribos do Norte)4 anunciou sua um homem inocente, cuja única tarefa era
decisão de separar-se das outras duas tribos buscar a paz. O amado rei Davi declarou
e de estabelecer o próprio reino. Gritaram guerra aos amonitas pelo simples fato de te­
as palavras de Seba, perturbador no tempo rem envergonhado seus enviados (2 Sm 10),
442 1 REIS 12:1-24; 14:21-31

ao passo que o enviado de Roboão havia diz o S e n h o r ". Sempre que um rei, um sa­
sido assassinado. As dez tribos do Norte es­ cerdote ou mesmo outro profeta saíam da
tavam dividindo aquilo que o Senhor havia linha, um profeta apresentava-se para re­
unido e mereciam ser castigadas. Haviam preendê-lo, e, se a mensagem desse enviado
até convocado uma assembléia e nomeado de Deus era ignorada, a mão de julgamento
Jeroboão seu rei! Desrespeitar a aliança de do Senhor pesava sobre o culpado (ver 1 Rs
Deus e abandonar a linhagem davídica eram 13:21, 22; 14:6-11; 16:1-4; 20:28ss; 2 Rs
decisões perversas. Ao que parecia, todas 1:16; 22:14, 15). Israel deveria ser o povo
as considerações apontavam logicamente da Palavra de Deus, e a Palavra de Deus de­
para uma só conclusão: guerra. veria receber maior consideração do que,
Todas as considerações, exceto uma: até mesmo, a palavra do rei.
essa guerra era da vontade de Deus? De­ Pode-se dizer a favor de Roboão que ele
pois que Roboão havia reunido um exército cancelou o ataque, apesar de ter havido, em
de 180 mil homens,6 descobriu que havia anos vindouros, uma série de incidentes e
perdido seu tempo. O Senhor enviou o pro­ de conflitos acirrados entre Roboão e Jero­
feta Semaías7 para dizer ao rei que deveria boão na fronteira entre os dois reinos (14:20;
suspender o ataque e mandar os homens ver também 15:6, 16, 32; 2 Cr 11:1). No
de volta para casa. Apesar de os aconteci­ entanto, é possível que Roboão tenha fica­
mentos serem conseqüência da insensatez do grato por seus planos nunca terem dado
de Roboão e da agressividade de Jeroboão, certo. Como o pai, não era um guerreiro e
foi Deus quem ordenou e prevaleceu, a fim não estava plenamente seguro da vitória.
de causar a divisão, cumprindo, desse modo, Segundo o plano de Deus, deveria haver dois
a profecia de Aias. Cada homem havia agi­ reinos, e isso encerrava o assunto. Pelo me­
do livremente, como também seus conse­ nos Roboão sujeitou-se à Palavra de Deus.
lheiros e, no entanto, a vontade de Deus Nesse ponto do relato, o escritor inter­
havia sido feita (ver At 2:23). Nosso Deus rompe a história de Roboão para nos falar
soberano é tão grande que permite às pes­ sobre Jeroboão. O relato de Roboão é ex­
soas tomarem as próprias decisões e, ainda pandido em 2 Crônicas 11:5-22 e, depois,
assim, cumpre seus propósitos. retomado e concluído em 1 Reis 14:21-36
O plano de Deus era apenas um elemen­ (2 Cr 12:1-16).
to; outro era o fato de ser errado para Judá
e Benjamim lutar contra os irmãos (v. 24). 3. Um rei astuto (2 Cr 11:5-22)
Parece estranho, mas conflitos familiares e Roboão ouviu e obedeceu à mensagem de
nacionais são mencionados repetidamente Deus transmitida por Semaías, e o Senhor
na história de Israel. Abraão e Ló tiveram começou a lhe dar sabedoria e a abençoar
um desacordo (Cn 13), e Abraão lembrou sua vida e seu trabalho. Se ele tivesse conti­
seu sobrinho de que não deveriam brigar, nuado a trilhar esse caminho, teria conduzi­
pois eram irmãos (13:8). Jacó e Esaú tiveram do Judá ao temor do Senhor e à verdadeira
conflitos que se estenderam por toda a vida grandeza, mas se afastou de Deus e perdeu
e que foram perpetuados durante séculos as bênçãos que ele e seu povo poderiam ter
por seus descendentes (C n 27:41-46; SI desfrutado.9
137:7; O b 10-13). José era odiado pelos ir­ Deus abençoou seus projetos de cons­
mãos (Cn 37), e Arão e Miriã criticaram o trução (w . 5-12). Seu pai, Salomão, havia
irmão, Moisés (Nm 12). Saul era inimigo de protegido as fronteiras com cidades fortifi­
Davi e, em várias ocasiões, tentou matá-lo. cadas, onde ficavam soldados, cavalos e
"O h! Como é bom e agradável viverem uni­ carros (1 Rs 9:15-19; 2 Cr 8:1-6), e Roboão
dos os irmãos!" (SI 133:1 ).a seguiu esse bom exemplo. As cidades que
Na história do Antigo Testamento, en­ escolheu formavam uma muralha de pro­
contramos, com freqüência, um profeta con­ teção para Jerusalém ao leste, a oeste e
frontando um rei com a declaração: "Assim atravessando a região Sul. O rei sabia que
1 REIS 12:1-24; 14:21-31 443

Jeroboão era benquisto no Egito, de modo neta de Absalão e bisneta do rei Davi. Pelo
que talvez estivesse pensando no Faraó menos duas das dezoito esposas de Roboão
quando colocou essa linha de defesa. É inte­ eram de linhagem davídica pura.
ressante que não separou cidades defensivas Era importante que reis e rainhas tivessem
na fronteira ao norte. Depois da advertên­ famílias grandes para que houvesse um her­
cia de Semaías, é possível que o rei tenha deiro para o trono e substitutos, caso algo
hesitado em provocar as tribos do Norte ou acontecesse ao príncipe herdeiro. O rei
em dar a impressão de que Judá estava se Roboão foi abençoado com uma prole nu­
preparando para guerrear. Talvez tivesse es­ merosa: vinte e oito filhos e sessenta filhas.
peranças de que uma "política de portas O rei tomou uma decisão sábia ao nomear
abertas" aliviasse a tensão e facilitasse a ida os filhos adultos oficiais e os distribuiu por
do povo das dez tribos para Jerusalém. toda Judá e Benjamim. Esse sistema teve vá­
Deus abençoou seu povo (vv. 13-17). rios resultados que trouxeram paz e eficiência
O rei Jeroboão nomeou os próprios sacer­ para o palácio. Em primeiro lugar, os prínci­
dotes e transformou as dez tribos do Norte pes não estavam apenas atrás dos próprios
num centro de idolatria, mas, durante três interesses, envolvidos em intrigas palacianas,
anos, Roboão manteve o povo de Judá fiel à como haviam feito alguns dos filhos de Davi
lei de Moisés. Em decorrência disso, os sacer­ para a infelicidade de seu pai. Roboão havia
dotes e levitas em Israel que eram dedicados crescido em meio ao luxo, mas teve o bom-
ao Senhor foram para Judá e enriqueceram senso de pôr seus filhos para trabalhar.
grandemente a nação. Alguns sacerdotes e O segundo benefício foi a possibilidade
levitas simplesmente "recorreram a Roboão" de Roboão avaliar o caráter e as aptidões
(v. 13) e permaneceram em Israel, mas ou­ desses filhos e decidir qual deles o sucede­
tros abriram mão de suas propriedades em ria. Deus chamou Davi para ser rei e, depois,
Israel e se mudaram de vez para Judá (v. 14) lhe disse que Salomão seria seu sucessor.
O utro grupo permaneceu em Israel, mas Não há evidência alguma de que Deus te­
viajava para Jerusalém três vezes por ano a nha nomeado um sucessor para Salomão,
fim de comparecer às festas anuais (v. 16). de modo que Salomão deve ter escolhido
(Até certo ponto, temos esses mesmos três Roboão para assumir o trono. Depois de
grupos nas igrejas de hoje.) O acréscimo observar os filhos, Roboão escolheu Abias,
desses sacerdotes e levitas tementes a Deus filho de Maaca, para ser seu herdeiro, ape­
e de suas famílias à população de Judá for­ sar de seu filho Maalate ser o primogênito
taleceu o reino e trouxe as bênçãos do Se­ (vv. 18, 19). Em primeiro lugar, Roboão co­
nhor. "Feliz a nação cujo Deus é o S e n h o r , e locou Abias como "chefe, príncipe entre seus
o povo que ele escolheu para sua herança" irmãos" (v. 22), o que indica que Abias era
(SI 33:12). o braço direito do pai, talvez até seu co-re-
Deus abençoou sua família (vv. 18-23). gente. Roboão reconheceu em seu filho a
Assim como Davi e Salomão, Roboão deso­ aptidão necessária para um reinado bem-su­
bedeceu à Palavra e tomou para si muitas cedido. Infelizmente, Abias não fez jus a seu
esposas (Dt 17:17). O texto só registra o nome: "Jeová é pai".
nome de duas das suas esposas: Maalate, É possível que as "muitas mulheres" que
neta de Davi por parte de pai e mãe, e Maaca, Roboão obteve para seus filhos fossem re­
filha de Absalão. Uma vez que Absalão, fi­ sultado de tratados para garantir a paz entre
lho de Davi, tinha apenas uma filha, Tamar Judá e seus vizinhos. Esse foi o plano segui­
(2 Sm 14:27), é possível que Maaca fosse do por seu pai, Salomão.
sua neta. 1 Reis 15:2 diz que Maaca era filha
de Absalão, e, em 2 Crônicas 13:2, ela é 4. U m rei apóstata
chamada de Micaía, filha de Uriel de Cibeá. (1 Rs 14:21-31; 2 Cr 12:1-16)
Se esse Uriel era, de fato, o marido de Tamar, Roboão andou com o Senhor durante três
a única filha de Absalão, então Maaca era anos depois de tornar-se rei (2 Cr 11:17),
444 1 REIS 12:1-24; 14:21-31

mas, no quarto ano de seu reinado, quando permitiu a existência de prostitutos templa-
seu trono estava seguro, ele e todo o Judá res de ambos os sexos para servir o povo
afastaram-se de Jeová e passaram a adorar nesses santuários, uma prática abominável
ídolos (2 Cr 12:1, 2). "Fez ele o que era mal, proibida pela lei de Moisés (Dt 23:17, 18).
porquanto não dispôs o coração para bus­ A idolatria e a imoralidade andam juntas (Rm
car ao S e n h o r " (2 Cr 12:14). A expressão 1:21-27), e não demorou para que os peca­
"deixar os mandamentos do S e n h o r " e ou­ dos de paganismo condenados pela lei se
tras semelhantes ocorrem com freqüência tornassem práticas comuns e aceitas em Judá
no registro dos reinados dos monarcas de (Lv 18, 20; Dt 18:9-12). O povo de Judá não
Judá e Israel (1 Rs 18:18; 19:10, 14; 2 Rs era mais uma luz para os gentios; em vez
17:16; 21:22; 22:17; 2 Cr 12:1, 5; 13:10, disso, a escuridão dos gentios havia invadi­
11; 15:2; 21:10; 24:18, 20, 24; 26:6; 29:6; do a terra e estava apagando sua luz.
34:25). Davi havia advertido Salomão so­ Antes de julgarmos o rei e o povo de
bre esse pecado (1 Cr 28:9, 20), como tam­ Judá, talvez devêssemos examinar nossa
bém o próprio Senhor havia feito (1 Rs 3:14; vida e nossas igrejas. Pesquisas indicam que,
9:4-9; 11:9-13). No entanto, em sua idade em se tratando de moralidade sexual, o povo
mais avançada, Salomão adorou tanto ao "nascido de novo" das igrejas não tem um
Senhor quanto os ídolos abomináveis dos estilo de vida muito diferente das pessoas
pagãos. Salomão foi influenciado a adorar não cristãs fora da igreja. Os ídolos materia­
os ídolos por suas esposas pagãs, e talvez listas e humanistas do mundo não salvo
Roboão tenha sido influenciado por sua mãe infiltraram-se nas igrejas e são tolerados e
amonita. Qualquer que tenha sido a influên­ promovidos. O Senhor castigou Roboão por
cia, o rei sabia que estava rompendo a alian­ seus pecados. Quanto tempo levará até que
ça e pecando contra o Se n h o r. o Senhor discipline sua igreja?
O zelo santo de Deus (vv. 21-24). Quan­ A disciplina amorosa de Deus (vv. 25­
do a Bíblia fala que o Senhor é um "Deus 31; 2 C r 12:1-16). Deus foi paciente com o
zeloso" (ver 14:22), refere-se a seu amor povo de Judá e Roboão durante um ano,
zeloso por seu povo, amor que não tolera mas, no quinto ano do reinado de Roboão,
concorrência. Israel "casou-se" com o Se­ a longanimidade do Senhor havia chegado
nhor no monte Sinai, quando ambos en­ ao fim. Deus dirigiu Sisaque, rei do Egito, a
traram em aliança, e a idolatria era uma invadir Judá com um grande exército e, ape­
transgressão terrível desse pacto, o equiva­ sar das novas defesas de Roboão, derrotou
lente a uma esposa cometer adultério.10 Sem uma cidade após a outra." (D e acordo com
dúvida, Roboão sabia o que Deus havia dito uma inscrição egípcia, Sisaque tomou cen­
à nação no monte Sinai: "porque eu sou o to e cinqüenta e seis cidades em Israel e
S e n h o r , teu Deus, Deus zeloso" (Êx 20:5). Judá.) Quando os egípcios chegaram a Jeru­
Essa mesma verdade também faz parte do salém, o profeta Semaías voltou a entrar em
cântico de Moisés: "A zelos me provocaram cena com uma mensagem curta e objetiva
com aquilo que não é Deus; com seus ídolos de Deus: "Vós me deixastes a mim, pelo que
me provocaram à ira" (Dt 32:21; ver tam­ eu também vos deixei em poder de Sisaque"
bém SI 78:58; Jr 44:3). Paulo usou a imagem (12:5).
do casamento quando advertiu a igreja para Sempre que o povo de Deus é discipli­
que ficasse longe da idolatria pagã (1 Co nado em decorrência de seus pecados, pode
10:22), e Tiago chamou os cristãos profa­ recom eçar ouvindo a Palavra de Deus e
nos de "infiéis [adúlteros]" (Tg 4:4). humilhando-se diante do Deus da Palavra.
O rei permitiu e apoiou a construção de Essa foi a promessa que Deus deu a seu povo
santuários idólatras na terra (os "altos"), dei­ quando Salomão consagrou o templo (2 Cr
xou que fossem erguidas pedras sagradas 7:13, 14). Roboão e seus oficiais humilha­
("estátuas"), imagens fálicas e postes de ram-se diante do Senhor, e ele impediu Sisa­
Aserá ("colunas e postes-ídolos"). Também que de atacar Jerusalém. Porém, Judá ainda
1 REIS 12:1-24; 14:21-31 445

se encontrava sob o poder de Sisaque e te­ notar a diferença. Foi o que aconteceu com
ve de lhe pagar tributo. O povo de Deus a igreja de Laodicéia (Ap 3:17-19).
descobriu que sua "liberdade para pecar" Depois da invasão de Sisaque em 925
os conduziu à dolorosa e dispendiosa servi­ a.C., Roboão reinou por mais doze anos e
dão sob o poder do Egito, pois as conseqüên­ morreu em 913 a.C. Se tivesse continuado
cias do pecado sempre custam caro. a andar com o Senhor e a conduzir seu
A fim de cumprir as exigências de Sisa­ povo à fidelidade na aliança com Deus, o
que, Roboão lhe deu ouro do templo e do Senhor teria feito grandes coisas por ele.
palácio do rei, inclusive os quinhentos es­ Em vez disso, porém, seus pecados e os
cudos de ouro que Salomão havia feito para pecados do povo que o seguiu deixaram a
a "Casa do Bosque do Líbano" (1 Rs 10:16, nação mais fraca, mais pobre e sob o do­
17). Pobre demais para fazer outros escudos mínio do inimigo. C om o disse C harles
iguais, Roboão os substituiu por escudos de Spurgeon: "D eus não permite que seu povo
bronze, e as cerimônias reais continuaram peque com sucesso".
como se nada tivesse acontecido. Quantas Roboão foi "pelo caminho de todos os
vezes tesouros preciosos de gerações ante­ mortais" e morreu aos 58 anos de idade. Nos­
riores se perdem por causa do pecado e, sa esperança é que a humilhação dele e de
depois, são substituídos por reproduções seus líderes tenha durado para o resto de suas
baratas. A vida continua, e ninguém parece vidas e que tenham andado com o Senhor.

1. Há aqueles que questionam como é possível um homem de 41 anos ser chamado de "jovem e indeciso" (2 Cr 13:7), mas

idade e maturidade são duas coisas diferentes. Durante a segunda parte do reinado de Salomão, Roboão tomou para si

dezoito esposas e sessenta concubinas, e sua família foi constituída de vinte e oito filhos e sessenta filhas (2 Cr 11:18-21).

2. Salvo duas exceções, quando o texto apresenta informações sobre um rei de Judá, inclui o nome de sua mãe. Era importante

que a linhagem de Davi fosse identificada com precisão. As exceções são Jorão (2 Rs 8:17) e Acaz (2 Rs 16:2).

3. Alguns estudiosos acreditam que Jeroboão estava realizando uma reunião no reino do Norte e que Roboão viu esse

acontecimento como uma oportunidade de conseguir uma audiência e de criar alguns laços com o reino do Norte. Se esse

é o caso, sem dúvida Roboão transformou uma excelente oportunidade numa terrível calamidade.

4. A expressão "todo o Israel" pode significar os dois reinos (2 Cr 9:30; 12:1) ou apenas as dez tribos (2 Cr 10:16; 11:13).

O leitor deve considerar o contexto e usar de discernimento.

5. Esse homem tinha vários nomes ou se trata de três homens distintos com nomes parecidos? Adorão era encarregado dos

trabalhos forçados durante o reinado de Davi (2 Sm 20:24), e Adonirão, durante o reinado de Salomão (1 Rs 4:6). O homem

enviado por Roboão é chamado de Adorão (2 Cr 10:18). É difícil crer que um homem possa ter servido durante tantos anos,

mas talvez tenha sido o caso. Alguns estudiosos acreditam que trata-se de três homens: Adorão, que serviu Davi, Adonirão,

que serviu Salomão, e o filho ou neto do primeiro Adorão, com o mesmo nome do pai ou avô, que serviu Roboão. Mas será

que Roboão enviaria um oficial inexperiente e relativamente desconhecido a uma missão diplomática de tamanha importância?

É mais provável que o nome Adorão seja outra forma de Adonirão, o homem que serviu Salomão, pois era o jugo de Salomão
e não de Davi que estava oprimindo o povo.

6. No último censo de Davi, Joabe relatou quinhentos mil homens fisicamente aptos e disponíveis para ir à guerra em Judá (2 Sm

24:9), enquanto as tribos do Norte possuíam oitocentos mil homens. Esses números haviam sido levantados mais de quarenta
anos antes, mas talvez a população não tivesse mudado tanto.

7. Em 1 Reis 12:22, Semaías é chamado de "homem de Deus", título usado com freqüência para os profetas, especialmente

em 1 e 2 Reis (1 Rs 12:22; 13:1, 26; 17:18, 24; 20:28; 2 Rs 1:9, 11; 4:7, 9, 16, 22, 25, 27, 40, 42; 5:14). Moisés recebeu
esse título (Dt 33:1; Js 14:6), e Paulo usou-o para Timóteo em 1 Timóteo 6:11 e em 3:17 para referir-se a todos os cristãos

consagrados.
8. O povo judeu deve ser reconhecido e elogiado como a única nação na história a ter deixado um retrato preciso de seus líderes

e um relato factual de sua história. A Bíblia é um livro judeu e, no entanto, não apresenta um ponto de vista otimista com

relação a Israel. É evidente que as Escrituras foram inspiradas por Deus, mas ainda assim foi preciso um bocado de honestidade

e de humildade para escrever esse registro e admitir sua veracidade.


446 1 REIS 12:1-24; 14:21-31

9. Tanto em Reis quanto em Crônicas, a mensagem de obediência e de bênção é transmitida de maneira bastante clara. Porém,

não devemos concluir que todos os que são obedientes a Deus escapam de sofrimentos e de provações, pois mais de um rei

piedoso teve problemas pessoais e alguns deles foram assassinados. Nenhum rei foi perfeito, mas a aliança de Deus com Israel

assegurava que ele abençoaria a nação se o povo obedecesse à sua vontade.

10. Esse tema é expandido e ilustrado no Livro de Oséias. A esposa do profeta Oséias tornou-se uma prostituta, e ele teve de
comprá-la de volta num mercado de escravos.

11. Não se trata do mesmo Faraó que fez um tratado com Salomão e que lhe deu uma filha para ser sua esposa. O novo Faraó não

tinha uma relação amigável com Judá.


exemplo de Salomão e conduziu o povo à
8 idolatria. Essa mensagem deveria ter servido
de advertência a Jeroboão, a fim de que fos­
se fiel ao Senhor e que se mantivesse afas­
U m N o v o R ei, u m tado de falsos deuses. O Senhor também
prometeu edificar para que Jeroboão "uma
A n t ig o P e c a d o casa estável" (11:38). Um a grande promes­
sa na qual, no entanto, Jeroboão não foi
1 R eis 12:25 - 14:20
capaz de crer.
Medo (w. 25-28). Um a das primeiras evi­
dências de incredulidade é o medo. Tiramos
os olhos do Senhor e começamos a olhar
rei Jeroboão' era um homem de ação para as circunstâncias. "Por que sois tímidos,

O e não um filósofo. Chamou a atenção


de Salomão por manter-se ocupado, ser efi­
homens de pequena fé?", perguntou Jesus
aos discípulos (M t 8:23-27), lembrando-os de
ciente, confiável e produtivo (11:26-28). Era que a fé e o medo não podem coexistir no
o líder popular ideal, que sabia como lutar mesmo coração por muito tempo. O medo
em favor do povo e defender suas causas. de Jeroboão era que o reino do Sul o ata­
Se alguém lhe perguntasse sobre sua fé pes­ casse e que o próprio povo desertasse dele
soal no Senhor, sua resposta seria um tanto e voltasse a Jerusalém para adorar. A lei não
obscura. Ele havia vivido no Egito tempo apenas determinava que o templo em Je­
suficiente para desenvolver uma tolerância rusalém era o único local onde deviam ser
à idolatria bem como uma compreensão de oferecidos os sacrifícios (Dt 12), como tam­
como a religião pode ser usada para contro­ bém ordenava que todos os homens israe­
lar o povo. Nesse sentido, Jeroboão seguiu litas fossem ao templo três vezes por ano, a
a mesma linha de Nabucodonosor (Dn 3), fim de observar a celebração das festas
de H erod es Agripa I (At 12:19-25), do prescritas pela lei (Êx 23:14-1 7). E se o povo
anticristo (Ap 13, 17) e dos demagogos da decidisse ficar em Judá e não voltar mais a
moda nos dias de hoje. Porém, ao longo dos Israel? Mesmo que voltassem para o Norte
vinte e dois anos de seu reinado, Jeroboão depois da adoração em Jerusalém, quanto
cometeu três erros. tempo conseguiriam viver dividindo sua leal­
dade entre os dois reinos? Talvez Jeroboão
1. N ã o creu nas promessas de D eus tenha se lembrado da situação difícil de
(1 Rs 12:25-33) Isbosete, o sucessor de Saul que tentou
Uma vida de sucesso depende da obediên­ governar sobre as dez tribos do Norte, mas
cia à vontade de Deus e da fé em suas pro­ fracassou e foi assassinado (2 Sm 4). Se hou­
messas, mas Jeroboão falhou em ambos. vesse um movimento popular em Israel de­
Quando Aias transmitiu a Jeroboão a men­ fendendo a união dos dois reinos, Jeroboão
sagem de Deus garantindo-lhe o trono do seria um homem morto.
reino de Israel (11:28-39), o profeta deixou Segurança (v. 25). Assim como Salomão
claro que a divisão política não dava espa­ (9:15-19; 11:27) e como Roboão (2 Cr 11:5­
ço a um afastamento religioso. Deus teria 12), o rei Jeroboão fortificou sua capital
dado a Jeroboão o reino todo, mas havia (Siquém) e reforçou as defesas de outras ci-
feito uma aliança eterna com Davi, prome­ dades-chave contra quaisquer invasores.
tendo manter um de seus descendentes no Penuel (Peniel) ficava a leste do Jordão e era
trono (2 Sm 7:1-17). Tratava-se de uma me­ famosa por ser o lugar onde Jacó lutou com
dida que protegia a linha messiânica para o anjo do Senhor (Gn 32). Ao que parece,
que o Salvador pudesse vir ao mundo. O posteriormente, Jeroboão mudou a capital
Senhor arrancou dez das doze tribos das de Siquém para Tirza (14:17), ou talvez ti­
mãos de Roboão, pois ele seguiu o péssimo vesse outro palácio nesse local. Em vez de
448 1 REIS 12:25 - 14:20

confiar que o Senhor seria seu escudo e Jerusalém e outro em Dã, no extremo norte
defensor, Jeroboão confiou nas próprias de­ (ver Os 8:5, 6; 13:2, 3). A adoração ao Se­
fesas e estratégias. nhor não podia ser mais conveniente! "Bas­
Substitutos (vv. 26-33). A solução mais ta de subirdes a Jerusalém", disse o rei ao
fácil para o problema de Jeroboão com rela­ povo (v. 28), e os israelitas se mostraram ex­
ção à lealdade do seu povo foi estabelecer tremamente dispostos a acreditar nele. O rei
um centro de adoração para eles no territó­ construiu santuários em Betei e em Dã e
rio de Israel. Porém, que autoridade o rei permitiu que o povo edificasse os próprios
possuía para criar uma religião rival, quando altos mais perto de casa. Instituiu por decre­
o povo de Deus havia recebido sua forma to real uma religião do tipo "faça você mes­
de adoração das mãos do próprio Deus? É mo" e, como no Livro de Juizes, "cada qual
claro que não poderia construir um templo fazia o que achava mais reto" (Jz 17:6; 18:1;
para competir com o templo de Salomão 19:1; 21:25). Se os cananeus e os egípcios
em Jerusalém, nem escrever uma lei à altura podiam adorar bezerros, os israelitas tam­
daquela que Moisés havia recebido de Jeo­ bém podiam! Jeroboão se esqueceu de
vá e, muito menos, instituir um sistema sacrifi­ Êxodo 20:1-3 e 22 a 23, mas o Senhor não!
cial que garantisse o perdão dos pecados. Um a religião precisa de ministros, de
Não era nenhum Moisés, e certamente não modo que Jeroboão nomeou todo tipo de
poderia declarar ser Deus! gente para servir como "sacerdotes" nos al­
O que Jeroboão fez foi aproveitar-se da tares em Dã e em Betei (13:33, 34; 2 Cr
tendência dos israelitas de se entregarem à 11:13-17). O único requisito era que cada
idolatria e do desejo da maioria das pessoas candidato trouxesse consigo um novilho e
de ter uma religião conveniente, não muito sete carneiros (2 Cr 13:9).3 Ao entregar a lei
custosa e próxima o suficiente da fé autori­ a Moisés, Deus havia deixado claro que os
zada para manter a consciência tranqüila. filhos de Arão serviriam como sacerdotes no
Jeroboão não disse ao povo para esquecer altar (Êx 28:1-5; 29:1-9; 40:12-16) e que, se
Jeová, mas sim para adorá-lo na forma de qualquer um de outras tribos tentasse servir,
um bezerro de ouro. O rei havia visto está­ seria morto (Nm 3:5-10). Nem mesmo os
tuas de bezerros e de touros tanto no Egito levitas, que eram da tribo de Levi, tinham
quanto na terra de Canaã e, supostamente, permissão de servir no altar, estando sujei­
essas imagens "continham" a forma invisí­ tos à pena de morte caso o fizessem (Nm
vel dos deuses. Nas religiões pagãs que 3:5-10, 38; 4:17-20; 18:1-7). Sacerdotes
Jeroboão estava imitando, os bezerros e ilegítimos em templos ilegítimos jamais po­
touros simbolizavam a fertilidade. Jeroboão deriam ter acesso a Deus ou apresentar sa­
deu as costas para a mensagem mais impor­ crifícios aceitáveis ao Senhor. A religião de
tante transmitida no monte Sinai: o Senhor Jeroboão era um culto criado por mãos hu­
Jeová de Israel é um Deus que se fará ouvir, manas e que agradava o povo, protegia o
mas não ver nem tocar. Ouvir a sua Palavra rei e unificava a nação - exceto pelos levi­
é o que produz a fé (Rm 10:17), e a fé nos tas fiéis que abandonaram o reino do Norte
capacita a obedecer. Porém, a maioria das e se mudaram para Judá, a fim de adorar a
pessoas não quer viver pela fé, preferindo Deus de acordo com os ensinamentos das
viver de acordo com as aparências e satisfa­ Escrituras (2 Cr 11:13-1 7).
zer seus sentidos. A lei de Moisés exigia que os israelitas
As palavras de Jeroboão no versículo comemorassem sete festas anuais prescritas
28 dão a entender que Jeroboão também por Deus (Lv 23), de modo que Jeroboão
tinha em mente o bezerro de ouro de Arão instituiu uma festa para o povo do reino do
(Êx 32:1-8, especialmente o v. 4).2 Porém, o Norte. A Festa dos Tabernáculos deveria ser
rei foi mais longe do que Arão: fez dois be­ comemorado durante uma semana inteira
zerros de ouro e colocou um em Betei, na no sétimo mês do ano. Era uma festa alegre,
fronteira meridional do reino, bem perto de na qual, para lembrar do tempo que havia
1 REIS 12:25 - 14:20 449

passado no deserto, o povo viveria em Pelo fato de Jeroboão não crer na pro­
tendas e celebraria a bondade de Deus por messa de Deus, transmitida pelo profeta
lhes dar a colheita. A festa de Jeroboão foi Aias, começou a trilhar os caminhos da in­
colocada no oitavo mês, de modo que o credulidade e conduzir o povo a uma falsa
povo precisava escolher de qual festa iria religião. Essa religião que inventou era con­
participar, separando desse modo os judeus fortável, conveniente e barata, mas também
leais dos falsos adoradores. Mas para que não era autorizada pelo Senhor, la contra a
viajar até Jerusalém quando era tão mais fá­ vontade de Deus revelada nas Escrituras e
cil ir a Betei e a Dã? tinha como propósito a unificação do reino
Com a instituição de seu calendário reli­ de Jeroboão e não a salvação do povo e a
gioso, templos, altares e sacerdócio, Jero­ glória de Deus. Era uma religião feita por
boão declarou a si mesmo sacerdote (w . 32, mãos humanas, e Deus a rejeitou inteiramen­
33)! Oferecia incenso e sangue dos sacrifí­ te. Séculos depois, Jesus disse à mulher de
cios como os sacerdotes autorizados faziam Samaria (o antigo reino de Israel): "Vós ado­
no templo, exceto pelo fato de que o Se­ rais o que não conheceis; nós adoramos o
nhor nunca reconheceu os sacrifícios desse que conhecemos, porque a salvação vem
rei. O sacrifício do décimo quinto dia do dos judeus" (Jo 4:22). Ao fazer essa declara­
oitavo mês era relacionado à festa que Jero­ ção, Jesus eliminou, no mesmo instante, qual­
boão havia ordenado e, possivelm ente, quer outra religião e afirmou que o único
consistia numa imitação do dia anual da caminho para a salvação vinha dos judeus.
expiação. O rei tinha todos os ingredientes Jesus era judeu, e a fé cristã nasceu da reli­
necessários para uma "religião", porém lhe gião judaica. Não obstante nossa "socieda­
faltava o elemento mais essencial: o Senhor de pluralista" moderna, o apóstolo Pedro
Deus Jeová! estava certo: "E não há salvação em nenhum
Apostasia. Vivemos hoje numa era em outro; porque abaixo do céu não existe ne­
que a "religião inventada" é popular, apro­ nhum outro nome, dado entre os homens,
vada e aceita. Os líderes cegos que condu­ pelo qual importa que sejamos salvos" (At
zem outros cegos asseveram que vivemos 4:12).
numa "sociedade pluralista" e que ninguém
tem o direito de afirmar que apenas uma 2. N ã o deu ouvidos ãs advertências
revelação é verdadeira e apenas um cami­ de D eus (1 Rs 13:1-34)
nho para a salvação é correto. Ministros e Este longo capítulo não é sobre profetas mais
"profetas" autodesignados criam a própria jovens e mais velhos, mas sim sobre Jeroboão
teologia e a passam adiante, como se fosse e seus pecados. O ministério do profeta mais
a verdade. Não se interessam nem um pou­ jovem é de grande importância para este
co no que as Escrituras tem a dizer; antes, relato, pois tudo o que ele disse e pelo que
colocam suas "palavras fictícias" (2 Pe 2:3) passou, inclusive sua morte, foi parte da ad­
no lugar da Palavra imutável e inspirada de vertência de Deus ao rei Jeroboão. De acor­
Deus, levando muita gente crédula a cair do com o versículo 33, o rei não voltou para
nessas mentiras e ser condenada (2 Pe 2:1, Deus: "Depois dessas coisas, Jeroboão ain­
2). A "religião" de Jeroboão incorporava ele­ da não deixou o seu mau caminho". Nesse
mentos da lei de Moisés e das nações que capítulo, um profeta morreu, mas no capítu­
os israelitas haviam conquistado. Hoje em lo seguinte, o príncipe herdeiro morre! É
dia, seu sistema seria considerado "eclético" evidente que Deus estava tentando chamar
(seletivo) ou "sincrético" (que combina vá­ a atenção de Jeroboão.
rias partes), mas Deus o chamou de heresia A mensagem (w. 1, 2). O profeta anô­
e de apostasia. Quando o profeta Isaías con­ nimo veio de Judá, pois lá ainda havia ser­
frontou a nova religião em seus dias, clamou: vos fiéis de Deus que o Senhor podia usar.
"À lei e ao testemunho! Se eles não falarem Encontrou Jeroboão no santuário em Betei,
desta maneira, jamais verão a alva." (Is 8:20). que acabou se tornando o "santuário do rei"
450 1 REIS 12:25 - 14:20

(Am 7:10-13). Quando alguém cria a pró­ sistema religioso tão bem-sucedido. Q uan­
pria religião, como no caso de Jeroboão, do Jeroboão estendeu a mão e apontou para
pode fazer o que bem entende, e Jeroboão o profeta, o Senhor tocou o braço do rei e o
escolh eu ser rei e tam bém sacerdote. feriu. Q ue experiência humilhante para um
Jeremias e Ezequiel foram sacerdotes cha­ rei e sacerdote! Naquele instante, o altar se
mados para ser profetas, mas a lei mosaica partiu, deixando cair as cinzas que estavam
não permitia que os reis servissem como sobre ele. Em várias ocasiões, Deus auten­
sacerdotes (2 Cr 26:16-23). Jesus Cristo é o ticou sua Palavra ao dar sinais miraculosos
único Rei que também é Sacerdote (Hb 7 - (Hb 2:1-4), mas somente com o propósito
8), e todos os que crêem em Cristo são "rei­ de enfatizar a mensagem. Apesar do orgu­
no, sacerdotes para o seu Deus e Pai" (Ap lho obstinado de Jeroboão e de sua desobe­
1:6) e "sacerdócio real" (1 Pe 2:9). O "sa­ diência deliberada, o Senhor, em sua graça,
cerdócio" de Jeroboão era espúrio e foi rejei­ curou o braço do rei (ver Êx 8:8; At 8:24).
tado pelo Senhor. Talvez por isso o profeta Também é uma pena que o rei estivesse
anônimo de Judá tenha transmitido sua men­ mais preocupado com a cura física de seu
sagem enquanto o rei estava junto ao altar. corpo do que com a cura moral e espiritual
O profeta falou ao altar e não ao rei, de sua alma.
como se Deus não quisesse mais se dirigir a O rei foi testemunha de três milagres em
Jeroboão, um homem tão cheio de si e ocupa­ apenas alguns minutos e, no entanto, não
do com seus planos que não tinha tempo há evidência alguma de que tenha se con­
de ouvir a Deus. De acordo com a mensa­ vencido da culpa por seus pecados. O s mi­
gem, o futuro estava nas mãos da casa de lagres, por si mesmos, não convencem da
Davi e não na casa de Jeroboão. Por causa culpa nem produzem fé salvadora, mas
dos caminhos maus de Jeroboão, o reino chamam a atenção para a Palavra. Quando
de Israel seria contaminado de tal modo pela Jesus ressuscitou Lázaro dentre os mortos,
idolatria e por seus respectivos pecados que algumas das testemunhas creram em Cristo,
o reino seria exterminado em duzentos anos. enquanto outras foram direto para os líde­
Em 722 a.C , os assírios tomaram Israel, e as res religiosos judeus e criaram um tumulto
tribos do Norte saíram de cena.4 A dinastia (Jo 11:45-54). O s milagres não possuem,
de Davi continuou até o reinado de Zede- necessariamente, função evangelística (Jo
quias (597-586 a.C.), que foi o último rei de 10:40-42), e aqueles que afirmaram crer em
Judá antes de a Babilônia conquistar Jerusa­ Cristo apenas em função de seus milagres,
lém em 586 a.C. na verdade, não passavam de "crentes não
A mensagem do profeta olhou adiante salvos" (Jo 2:23-25).
trezentos anos e viu o reinado de Josias (640­ A manobra (vv. 7-10). Jeroboão era um
609 a.C.), um rei piedoso que erradicou a homem astuto e tentou armar uma cilada
idolatria da terra, inclusive o santuário do para o profeta convidando-o para uma refei­
rei em Betei (2 Rs 23:15, 16). Josias profa­ ção no palácio. Satanás vem como um leão
nou o altar queimando ossos humanos sobre para nos devorar (1 Pe 5:8) e, quando isso
ele e, depois, demoliu o altar, reduzindo-o a não funciona, aparece como uma serpente
pó. A profecia cumpriu-se exatamente con­ para nos enganar (2 Co 11:3; Gn 3:1 ss). A
forme havia sido anunciado. Essa promessa ordem do rei - "Prendei-o!" - transformou-
era tão precisa que o profeta chegou até a se em "Vem comigo a casa", mas o profeta
citar o nome do rei! (Ver também Is 44:28; recusou o convite, pois sabia que sua co­
45:1, 13.) missão vinha do Senhor, que o compelia a
O s milagres (w. 4-6). O rei não deu aten­ deixar Betei sem se demorar lá. Se o profeta
ção alguma à mensagem de Deus; tudo o tivesse dividido uma refeição com o rei, esse
que queria era castigar o m ensageiro. único ato simples teria acabado com a efi­
Jeroboão ficou furioso ao ouvir que, um dia, cácia de seu testemunho e ministério. No
um rei de Judá profanaria e destruiria seu Oriente, compartilhar uma refeição é sinal
1 REIS 12:25 - 14:20 451

de amizade e de apoio. O profeta certamen­ freqüência, os servos de Deus enfrentam


te não desejava ser amigo de um homem tentações depois de momentos de grande
tão perverso nem dar a impressão de que sucesso e empolgação (ver 1 Rs 18 e 19).
apoiava suas obras pecaminosas. "C om o Os filhos do velho profeta testemunharam a
fonte que foi turvada e manancial corrupto, confrontação com Jeroboão junto ao altar e
assim é o justo que cede ao perverso" (Pv contaram ao seu pai o que o profeta de Judá
25:26). Um servo de Deus que se mostra havia dito sobre o rei e sobre sua comissão
condescendente turva as águas e confunde do Senhor (vv. 8-10). Quando o profeta mais
aqueles que são tementes ao Senhor. O pro­ velho encontrou o mensageiro de Deus, ten­
feta recusou a amizade, a comida e os pre­ tou deliberadamente seu colega a desobe­
sentes do rei. Assim como Daniel, ele disse: decer à comissão do Senhor, e o rapaz caiu
"O s teus presentes fiquem contigo, e dá os na armadilha! O profeta mais velho não de­
teus prêmios a outrem" (Dn 5:17). veria ter tentado um colega a desobedecer,
O erro (vv. 11-34). O rei não foi capaz mas o profeta mais jovem não deveria ter se
de enganar o homem fiel de Judá, mas um apressado em aceitar as palavras do homem
velho profeta aposentado conseguiu ludi­ idoso. Se Deus deu ao homem de Judá uma
briá-lo!5 Essa narrativa apresenta alguns ele­ mensagem e as instruções para transmiti-la,
mentos que causam perplexidade, mas não Deus também poderia lhe comunicar qual­
devemos nos esquecer da mensagem prin­ quer mudança nos planos.
cipal: se o Senhor castigou a desobediência Q uan d o um homem com problemas
de um profeta iludido, quão mais severo se­ emocionais disse a Charles Spurgeon que
ria seu castigo sobre um rei perverso que Deus havia lhe revelado que ele deveria
pecava deliberadamente! O profeta de Judá pregar no lugar de Spurgeon no domingo
não transigiu em sua mensagem, mas cedeu seguinte no Metropolitan Tabernacle, Spur­
em sua conduta e pagou por sua desobe­ geon respondeu: "Q uan do o Senhor me
diência com a vida. O Senhor estava dizen­ disser a mesma coisa, eu o aviso". Outros
do ao rei Jeroboão: "Se é com dificuldade cristãos podem usar a Palavra para nos ani­
que o justo é salvo, onde vai comparecer o mar, advertir e corrigir, mas cuidado para não
ímpio, sim, o pecador?" (1 Pe 4:18; ver tam­ deixar que outros cristãos lhe digam qual é a
bém Pv 11:31). vontade de Deus para sua vida. O Pai ama
Algumas características do profeta mais cada um de seus filhos individualmente e
velho me perturbam. Em primeiro lugar, o deseja revelar sua vontade a cada um pes­
que ele estava fazendo em Betei, quando soalmente (Sl 33:11). Por certo, há seguran­
poderia viajar alguns quilômetros e ir a Judá? ça na multidão de conselheiros, desde que
Temos a impressão de que esse profeta não estejam andando com o Senhor. Porém, não
era exatamente um gigante espiritual, de há garantia alguma de que se descobriu qual
outro modo o Senhor o teria chamado para é a vontade de Deus só porque a idéia foi
repreender o rei. O fato de mentir para ou­ aprovada por um comitê.
tro profeta levanta algumas dúvidas sobre Uma vez que ele sabia o que o profeta
seu caráter. Também me incomoda que ele de Judá deveria fazer, por que o homem mais
tenha chorado a morte do rapaz quando ele velho mentiu deliberadam ente ao rapaz
contribuiu para que ela ocorresse e, depois, incentivando-o a desobedecer ao Senhor?
tenha sepultado o homem que ajudou a Será que o profeta idoso estava preocupa­
matar. Será que estava tentando expiar os do que o profeta visitante tumultuasse as
próprios pecados contra o outro profeta? coisas em seu meio confortável em Betei,
O profeta mais jovem fez bem seu traba­ criando problemas para ele e outros condes­
lho e saiu da cidade. Se tivesse seguido seu cendentes satisfeitos? Talvez o profeta mais
caminho e não se demorasse debaixo de jovem estivesse sentido orgulho daquilo que
uma árvore, teria escapado da oferta tenta­ havia feito ao pregar uma mensagem pode­
dora feita pelo profeta mais velho. Com rosa e ao realizar três milagres, e o Senhor
452 1 REIS 12:25 - 14:20

usou o homem mais velho para testá-lo e (v. 33). Porém, a advertência seguinte de
trazê-lo de volta ao que era mais fundamen­ Deus foi mais direta.
tal. Ao contar uma mentira, o profeta idoso
tentou o rapaz, mas ao voltar para Betei, o 3. N ã o recebeu a ajuda de D eus
profeta mais jovem tentou a si mesmo (esta­ (1 Rs 14:1-20)
va fora da vontade de Deus) e ao Senhor. Não lemos nas Escrituras que Jeroboão tenha
Por que o jovem visitante não buscou ao buscado a vontade de Deus, orado buscan­
Senhor e descobriu sua vontade? O texto do discernimento espiritual ou que tenha
relata apenas os acontecimentos, sem es­ pedido ao Senhor para fazer dele um ho­
pecificar as motivações do coração dos mem piedoso. Ele orou pedindo a cura para
participantes, de modo que não podemos seu braço e, nessa passagem, pede ao pro­
responder a quaisquer dessas perguntas com feta Aias que cure seu filho, o príncipe her­
certeza. deiro do trono. Fica claro que, para ele, as
Um dos acontecimentos mais estranhos bênçãos físicas eram mais importantes que
foi o Senhor ter enviado sua Palavra ao pro­ as espirituais. Assim como muitos que se
feta mais velho que estava fora da vontade dizem cristãos sendo membros negligentes
de Deus! Mas Deus falou a Balaão, que não de igrejas, a única hora que Jeroboão quis a
era, necessariamente, um homem consagra­ ajuda do servo de Deus foi quando estava
do e dedicado, bem como a Elias (1 Rs 18) com problemas.
e Jonas (Jn 3 - 4). Depois da refeição, o jo­ A esposa fingida (w. 1-3). Abias não era
vem profeta partiu para casa, e um leão o mais criança nessa época. O príncipe tinha
encontrou no caminho e o matou. Porém, idade suficiente para receber a aprovação
mesmo esse acontecimento apresenta um do Senhor (v. 13) e para ser estimado pelo
aspecto miraculoso, pois o leão não despe­ povo, pois os israelitas prantearam sua mor­
daçou o corpo, não atacou a mula e a mula te (v. 18). Sem dúvida o remanescente pie­
não fugiu. O s animais devem ter ficado lá doso em Israel depositou suas esperanças
um longo tempo, pois testemunhas conta­ no jovem príncipe, mas Deus julgou a famí­
ram a história em Betei, e o povo foi ver o lia real e os cidadãos apóstatas ao tirar o
que havia acontecido, sendo que no meio menino daquele poço de imoralidade cha­
dos observadores estava o profeta mais ve­ mado Israel. "Perece o justo, e não há quem
lho, que retirou o corpo de lá e o sepultou. se impressione com isso; e os homens piedo­
Sem dúvida, a notícia chegou ao palácio, e sos são arrebatados sem que alguém consi­
talvez o rei tenha se alegrado ao saber que dere nesse fato; pois o justo é levado antes
seu inimigo estava morto. Porém, as pala­ que venha o mal" (Is 57:1).
vras do profeta não haviam morrido! E a pró­ O rei queria a ajuda do profeta, mas era
pria morte do servo do Senhor era outra orgulhoso demais para admitir o fato ou para
advertência a Jeroboão de que ele deveria encarar Aias. O profeta ainda vivia em Siló
obedecer à Palavra de Deus. (11:29), pois estava idoso e fraco demais para
O profeta idoso recobrou a coragem, mudar-se para Judá e desejava ser fiel até o
pois declarou publicamente que a profecia final e advertir Jeroboão das conseqüências
feita no altar em Betei se cumpriria (vv. 31, de seus pecados. Por acaso, o rei achava
32), o que, de fato, ocorreu (2 Rs 23:15-18). que um disfarce enganaria o profeta piedo­
Trezentos anos depois, o rei Josias viu o so, mesmo que já não pudesse enxergar?
túmulo do profeta mais velho e se animou Em sua cegueira, Aias podia ver mais do que
por lembrar que o Senhor cumpre sua Pala­ Jeroboão e sua esposa com seus olhos sau­
vra. Mas será que algum desses aconteci­ dáveis.6 Os presentes que a rainha levou
mentos estranhos falou ao coração do rei consigo eram dádivas de um trabalhador
Jeroboão sobre sua culpa e o levou ao arre­ comum, não algo que um rei daria a alguém.
pendimento? "Depois dessas coisas, Jero­ O profeta de discernim ento (vv. 4-6).
boão ainda não deixou o seu mau caminho" Tirza ficava a pouco mais de 30 quilômetros
1 REIS 12:25 - 14:20 453

de Siló, mas o profeta sabia que a mulher para sempre insepultos, uma terrível humi­
estava a caminho antes mesmo de ela che­ lhação para qualquer israelita.
gar à cidade. O profeta idoso sabia quem Em seguida, Aias tratou do assunto em
estava vindo, o motivo de sua vinda e o que questão: o futuro do príncipe herdeiro en­
deveria dizer à mulher. "A intimidade do Se­ fermo. Abias morreria, teria um enterro dig­
n h o r é para os que o temem" (SI 25:14). no e seria pranteado pelo povo. O único
"Certamente o Senhor não fará coisa algu­ filho do rei Jeroboão que poderia reinar com
ma, sem primeiro revelar o seu segredo aos justiça lhe seria tirado, não por ser perverso,
seus servos, os profetas" (Am 3:7). Jeroboão mas por ser bom e Deus desejar poupá-lo
enviou a esposa até Aias, mas Aias disse à do sofrimento que se encontrava pela fren­
mulher que ele havia sido enviado a ela! Deu- te para o reino (Is 57:1). Ao olhar para o
lhe a mensagem que ela deveria transmitir futuro (v. 14), Aias viu Nadabe, filho e her­
ao marido, uma mensagem nada boa. deiro de Jeroboão, reinando por dois anos
A mensagem reveladora (vv. 7-16). Em e depois sendo assassinado por Baasa, um
primeiro lugar, o profeta lembrou Jeroboão homem da tribo de Issacar (15:25-31). Baasa
da graça de Deus no passado (w . 7-8a). O não apenas mataria Nadabe, mas também
Senhor havia escolhido Jeroboão e o havia exterminaria a família de Jeroboão, cumprin­
elevado de líder distrital a governante sobre do, assim, a profecia de Aias (15:29).
o reino do Norte.7 Deus havia arrancado as Então, o profeta cego vislumbrou um
dez tribos da casa de Davi entregando-as a futuro ainda mais distante (w . 15, 16) e viu
Jeroboão. Em seguida, porém, Aias revelou o reino todo de Israel derrotado pelo exérci­
os pecados de jeroboão no presente (w . 8b- to inimigo (Assíria), arrancado de sua terra e
9). Ao contrário de Davi, cujo coração foi disperso entre as nações, o que ocorreu
inteiramente consagrado ao Senhor, Jero­ em 722 a.C. O reino de Israel possuía um
boão fez mais mal do que Saul, Davi e Salo­ novo sistema religioso, mas ainda estava sob
mão juntos. Deixou o Deus verdadeiro de a aliança do Senhor (Lv 26; Dt 28 - 30).
Israel e confeccionou falsos deuses, permi­ Essa aliança advertia os israelitas de que sua
tindo, depois, que o povo das dez tribos os desobediência à lei de Deus redundaria em
adorasse. Organizou uma religião forjada, derrota militar e em dispersão nacional (Dt
provocou a ira do Senhor e se recusou a 28:25, 26, 49-52; Lv 26:17, 25, 33-39; ver
ouvir os profetas enviados para adverti-lo. também Dt 7:5 e 12:3, 4). Qual seria a cau­
Isso levou Aias a falar da revelação do sa de tão terrível julgamento? Israel seria jul­
futuro de Jeroboão (w. 10-16). Para come­ gado "por causa dos pecados que Jeroboão
çar, ao contrário do rei Davi, Jeroboão não cometeu e pelos que fez Israel com eter"
estabeleceria uma dinastia, ainda que Deus (v. 16). Assim como Davi foi o parâmetro de
tivesse prom etido abençoá-lo com uma Deus para medir os reis bons, Jeroboão foi
"casa estável" se ele obedecesse ao Senhor o exemplo de Deus para o que houve de
(11:38). Todos os descendentes do sexo pior entre os reis maus. Ver 1 Reis 15:34;
masculino da família de Jeroboão seriam ex­ 16:2, 3, 7, 19, 26, 31; 22:52; 2 Reis 3:3; 9:9;
terminados; o Senhor faria uma "limpeza" 10:29, 31; 13:2, 6, 11; 14:24; 15:9, 18, 24
na família de Jeroboão e eliminaria todos os 28; 17:21, 22.
possíveis herdeiros, da mesma forma que O cumprimento desolador (w. 17-20).
os servos removiam o esterco de uma casa Ao que parece, além do palácio de Siquém,
(Deus não tinha muita consideração pelos Jeroboão possuía outro palácio em Tirza, e
filhos do rei!). Pior do que isso, porém, ne­ é bem possível que essa residência real fi­
nhum deles, exceto Abias, o príncipe her­ casse nas cercanias da cidade. Aias havia
deiro enfermo, teria um enterro decente e dito à esposa de Jeroboão que a criança
honroso. Os cachorros carniceiros da cidade morreria assim que ela entrasse na cidade
e as aves de rapina dos campos devorariam (v. 12), mas o versículo 17 dá a entender
os corpos desses filhos, que permaneceriam que ele morreu quando ela pisou no limiar
454 1 REIS 12:25 - 14:20

da porta. De fato, todo o Israel pranteou a a família e a nação à ruína. Jeroboão mor­
morte desse filho e lhe deu um funeral dig­ reu e foi sucedido por seu filho, Nadabe,
no de um príncipe herdeiro. A mão do rei que, por sua vez, foi assassinado. Um dia,
havia sido curada, seu altar havia sido des­ não haveria mais descendente masculino
truído (13:1-16) e, agora, seu filho havia mor­ algum do rei Jeroboão, como também não
rido. Em breve, seu exército seria derrotado seria mais possível identificar as dez tribos
pelo rei de Judá, também chamado Abias de Israel.
(2 Cr 13). Quantas vezes Deus precisaria "Decerto estremeço por meu país quan­
adverti-lo antes de Jeroboão se arrepender? do reflito que Deus é justo e que sua justiça
Ninguém era capaz de pecar com o não pode dormir para sempre...".8 Thomas
Jeroboão, filho de Nebate. Durante os vinte Jefferson escreveu essas palavras em 1781,
e dois anos em que reinou sobre Israel, levou mas são igualmente válidas para nós hoje.

1. Não confunda este jeroboão com o outro jeroboão, o décimo quarto rei de Israel que reinou de 782 a 753 a.C. e cuja história

encontra-se registrada em 2 Reis 14:23-29.


2. É pouco provável que Arão estivesse tentando introduzir um novo deus em Israel; antes, estava apresentando jeová na forma

de um bezerro de ouro (Êx 32). O bezerro deveria "ajudar" os israelitas em sua adoração ao Senhor. Sem dúvida, Arão sabia

que jeová era o único Deus verdadeiro, mas também sabia que o povo fraco não era capaz de viver pela fé num Deus

invisível, especialmente quando seu líder, Moisés, já estava ausente havia quarenta dias. Esse fato não redime Arão de sua

culpa, mas nos ajuda a entender melhor a mentalidade do povo. Era mais fácil adorar o Deus invisível por meio do bezerro

visível, e não demorou para que a idolatria levasse à indecência e à imoralidade (Êx 32:6, 19; 1 Co 10:1-8). Quaisquer que

fossem as justificativas apresentadas por Arão, ele havia pecado e dado ao povo aquilo que queriam, mas não aquilo de que

precisavam; nos dias de hoje, há falsos mestres fazendo a mesma coisa (2 Pe 2; jd Iss).

3. De acordo com Êxodo 29, em sua consagração, Arão e seus filhos precisaram de um touro para uma oferta pelo pecado, um

carneiro para um holocausto e outro carneiro para uma oferta pacífica. O culto de consagração levou sete dias para ser

completado. É evidente que jeroboão não estava seguindo as instruções de Deus.

4. Há quem fale sobre "as dez tribos perdidas de Israel", mas não se trata de um conceito bíblico. Deus sabe onde os filhos de

Abraão estão e ele os ajuntará quando for a hora certa. Algumas nações declararam ser descendentes das chamadas dez

tribos perdidas, mas tais alegações são infundadas, jesus falou das "doze tribos de Israel" (M t 19:28; Lc 22:30), e Paulo referiu-

se às "nossas doze tribos" como entidades existentes em sua época (At 26:7); Tiago escreveu sua epístola para as "doze tribos

que se encontram na Dispersão" (Tg 1:1). Em sua visão de acontecimentos futuros, o apóstolo joãoviu doze tribos seladas por

Deus (Ap 7:4) e doze portas com os nomes das doze tribos (Ap 21:12).
5. Não encontramos em parte alguma das Escrituras um caso de um servo do Senhor que tenha se "aposentado" e ficado inativo
esperando morrer. Em vez de se mudar para judá ou de ficar em Israel para fazer frente à falsa religião, esse homem idoso

aceitou a situação em que se encontrava e se acomodou. Moisés e outros profetas serviram até o fim, e não há qualquer

evidência de que os apóstolos tenham abandonado seu chamado quando chegaram a uma idade avançada. Durante muitos
anos, o Dr. William Culbertson foi deão e, depois, presidente do Instituto Bíblico M oody em Chicago; costumava terminar

suas orações em público dizendo: "E, Senhor, ajuda-nos a terminar bem".

6. Apesar de Saul ter se disfarçado, tanto Samuel quanto a feiticeira o reconheceram (1 Sm 28). O perverso rei Acabe se

disfarçou para a batalha, na esperança de que o rei josafá fosse morto, mas ainda assim Acabe é quem foiatingido por uma

flecha perdida (1 Rs 22:30ss). O piedoso rei josias mostrou-se insensato e interferiu em assuntos do Faraó Neco; então se

disfarçou e foi morto em combate (2 Cr 35:20-25). Deus vê quem está por trás dos disfarces.

7. O profeta Natã usou uma abordagem semelhante ao confrontar o rei Davi (2 Sm 12:7, 8a).
8. J ef f e r s o n , Thomas. Notes on Virginia. K o c h , Adrienne; P ed e n , William. (Eds.).The Life and Selected Wrítings o f Thomas lefferson.

Nova York: Modern library, p. 258.


monarcas, o que nos ajuda a entender por
9 que os cronologistas bíblicos nem sempre
apresentam um consenso.

O D esfile d o s R eis 1. A CONTINUIDADE DE UMA DINASTIA


(1 Rs 15:1-24; 2 Cr 13 - 16)
1 R eís 15:1 - 16:28 Israel, o reino do Norte, teve nove dinastias
(2 C rônicas 13 - 16) em cerca de 250 anos, enquanto o reino do
Sul manteve fielmente a dinastia davídica
durante 350 anos, e seria dessa dinastia que
Jesus Cristo, o Filho de Davi, viria ao mundo
(M t 1:1). Apesar de todos os seus defeitos,
e não fosse pela mão dominadora de um
S
o reino de Judá identificava-se com o verda­
Deus soberano, a nação israelita jamais deiro Deus vivo, praticava a adoração no
teria cumprido o chamado do Senhor de dar templo e tinha reis da família de Davi. Dois
testemunho do único e verdadeiro Deus desses reis - Abias e Asa - são menciona­
vivo, de redigir as Escrituras e de trazer ao dos nestes capítulos.
mundo o Salvador. Agora, havia dois reinos Abias (w. 1-8; 2 C r 13). Esse filho de
em vez de um, e líderes e pessoas do povo Roboão havia sido escolhido a dedo pelo
de ambos os reinos haviam se afastado do pai em função da aptidão que demonstrou
Senhor a fim de dedicar-se ao serviço a ído­ (2 Cr 11:22); porém, não era um homem
los. O s sacerdotes ainda ministravam no piedoso (15:3). Abias reinou apenas três
templo em Judá, mas durante os 345 anos anos (913-910). Era da linhagem de Davi por
desde Roboão até Zedequias, somente oito parte de pai e de mãe, pois Absalão, o filho
dos dezenove reis de Judá foram tidos como infame de Davi, era seu avô. Abias podia ter
"bons". Quanto aos vinte reis de Israel, a o sangue de Davi correndo em suas veias,
maioria não passou de homens egoístas mas não tinha o coração perfeito de Davi
considerados "m aus". Alguns foram me­ batendo em seu peito. Roboão, o pai de
lhores do que outros, mas nenhum foi igual Abias, mantivera um estado constante de
a Davi. guerra com Jeroboão, e Abias deu continui­
Não se esqueça de que os livros de Reis dade à tradição.
e de Crônicas não registram a história exa­ Porém, Abias conhecia bem a história e
tamente sob o mesmo ponto de vista. O cria naquilo que Deus havia dito a Moisés e
enfoque de 1 e 2 Reis é sobre os reis de a Davi. Teve a coragem de pregar um ser­
Israel, enquanto em 1 e 2 Crônicas, a ênfa­ mão a Jeroboão e a seu exército de oito­
se é sobre a dinastia de Davi em Judá. Israel, centos mil homens, duas vezes maior que o
o reino do Norte, posteriormente chamado exército de Judá, lembrando-os dos ver­
de Samaria, é m encionado em Crônicas dadeiros alicerces da fé do povo de Deus
apenas em relação a Judá. Outra coisa a lem­ (2 Cr 13:4ss). Usou como palanque o mon­
brar é que os dois reinos usavam sistemas te Zemaraim, um lugar proeminente situa­
diferentes para manter registros oficiais. Em do na fronteira entre Benjamim e Israel (Js
Judá, o reinado de um monarca era conta­ 18:22). Com eçou o sermão lembrando a
do a partir do começo do ano seguinte àque­ Jeroboão que a linhagem de Davi era a ver­
le em que ele havia começado a governar, dadeira dinastia real, segundo a aliança
ao passo que, em Israel, a contagem come­ inalterável de Deus com Davi (2 Cr 13:4, 5;
çava exatamente no ano em que o rei subia 2 Sm 7). A expressão "aliança de sal" signifi­
ao trono. Além disso, alguns reis tiveram ca "aliança perpétua" (Nm 18:19).
filhos como co-regentes durante os anos fi­ Prevendo o argumento de que o Senhor
nais de seu reinado. Esses fatos complicam também havia nomeado Jeroboão para ser
o cálculo da duração do reinado de alguns rei, Abias explicou o motivo da divisão do
456 1 REIS 15:1 - 16:20

reino (2 Cr 13:6, 7). Jeroboão rebelara-se con­ quilômetros para o norte e tomaram Jesana
tra Salomão e Roboão e teve de fugir para o e, cerca de 6 quilômetros a nordeste, toma­
Egito em busca de segurança. Então, em sua ram Efraim (Efrom). Abias não apenas der­
imaturidade, Roboão deu ouvidos a con­ rotou o exército de Israel, como também
selhos imprudentes e tomou uma decisão desferiu um golpe do qual Jeroboão nunca
insensata, que levou Jeroboão a tornar-se se recuperou. Depois disso, o Senhor feriu
rei.' Mas o plano original de Deus era que a Jeroboão, e o rei morreu (2 Cr 13:20; 1 Rs
linhagem de Davi reinasse sobre o reino uni­ 14 : 19, 20 ).
do. Em 1 e 2 Crônicas, a ênfase recai sobre O Senhor agiu desse modo para a glória
o caráter legítimo da dinastia davídica (1 Cr do próprio nome. Em 1 Reis, Abias não é
17:14; 28:5; 29:11, 23; 2 Cr 9:8). considerado um governante piedoso, mas é
Uma vez determinada a questão de que elogiável que tivesse compreensão da ver­
os filhos de Davi deveriam assentar-se no dade de Deus e fé no poder dele. Abias não
trono, Abias lembrou a Jeroboão que somen­ era um Josué, mas o Deus de Josué ainda
te os filhos de Arão poderiam servir no tem­ era o Deus de seu povo e se mostrou fiel a
plo (2 Cr 13:8-12). O único templo do Senhor ele. Abias tornou-se cada vez mais podero­
com autorização divina encontrava-se em so, teve muitos filhos e ajudou a dar continui­
Jerusalém. Lá, os sacerdotes - filhos de Arão dade à dinastia de Davi. Deus usa pessoas
- realizavam a forma de adoração ordena­ imperfeitas para fazer sua vontade, se elas
da pelo Senhor por intermédio de Moisés. confiarem no Senhor.
Judá adorava ao verdadeiro Deus vivo, en­ Asa (vv. 9-24; 2 Crônicas 14 - 16). Asa,
quanto Israel adorava dois bezerros de ouro. filho de Abias, reinou quarenta anos (910 -
Os sacerdotes de Israel eram homens con­ 869). Começou seu reinado com um cora­
tratados, não servos do Senhor com uma ção semelhante ao de Davi (1 Rs 15:11; 2 Cr
nomeação divina. Em Judá, o povo honrava 14:2), mas, apesar de ter sido um rei bom
o Senhor Deus Jeová. "Eis que Deus está durante grande parte da vida, rebelou-se
conosco." Portanto, se Israel atacasse Judá, contra o Senhor nos últimos cinco anos de
estaria lutando contra o Senhor! seu reinado. A palavra "m ãe", em 1 Reis
Os guardas de Abias não estavam muito 15:10 deve ser "avó", pois se refere à mes­
atentos, pois enquanto Abias falava, alguns ma pessoa mencionada no versículo 2. O
dos soldados de Jeroboão colocaram-se atrás povo judeu não identificava os graus de
do rei e lhe armaram uma cilada. Se Judá parentesco com a mesma precisão que usa­
atacasse, seu exército teria de lutar em duas mos para falar da família hoje em dia. A vida
frentes de batalha, o que, sem dúvida, era e o reinado de Asa dividiram-se em três par­
uma situação perigosa. E importante ter uma tes principais.
teologia correta, mas também é importante (1) Paz e vitória (1 Rs 15:9-11; 2 C r 14:1
ter uma boa estratégia e guardas alertas em - 15:7). Graças à vitória de seu pai sobre
serviço. No entanto, Abias estava disposto a Jeroboão (2 Cr 13), Asa teve paz durante os
enfrentar o desafio e clamou a Deus pedin­ dez primeiros anos de seu reinado (2 Cr
do livramento. Ao mesmo tempo, os sacer­ 14:1). Nesse tempo, realizou uma reforma
dotes tocaram as trombetas (Nm 10:8-10), e nacional, purificou a terra da idolatria e ins­
o exército de Judá soltou um grande brado, tou o povo a buscar ao Senhor (w . 2-5). Além
exatamente como o povo havia feito em disso, fortificou a terra construindo cidades
Jericó (Josué 6), e o Senhor lhes deu a vi­ de defesa e formando um exército de 580
tória no mesmo instante.2 Mais da metade mil homens (vv. 6-8). A ênfase, porém, não
do exército de Jeroboão foi morto pelo recai sobre as realizações militares, mas sim
exército de Judá, e os soldados de Abias se sobre o fato de Judá buscar ao Senhor (v. 7).
deslocaram para o norte e tomaram a cida­ Foi Deus quem lhes deu paz, pois eles o
de de Betei, a pouco mais de 16 quilôme­ buscaram. Usaram esse tempo de paz prepa­
tros de Jerusalém. De Betei, dirigiram-se oito rando-se para qualquer guerra que pudesse
1 REIS 15:1 - 16:20 457

ocorrer, pois a fé sem obras é morta. Asa por causa de orgulho ou de descuido, e o
fez bem em se preparar, pois o exército egíp­ Senhor não queria que Asa caísse nessa
cio liderado por Zerá, o etíope, atacou Judá. armadilha. A mensagem de Azarias foi a
Os dois exército se defrontaram em Maressa, mesma do rei Asa: busquem ao Senhor, obe­
cerca de quarenta quilômetros a sudoeste deçam-lhe e sejam fortes no Senhor (2 Cr
de Jerusalém. 15:1-7; ver também 14:4 e Dt 4:29). Azarias
Assim como seu pai, Asa soube de que recapitulou os dias sombrios dos juizes,
modo invocar ao Senhor no dia de dificul­ quando a nação não tinha um rei, nem um
dade (14:11; 13:14-18). O rei tinha conheci­ sacerdote piedoso, nem alguém que exe­
mento de sua situação, pois identificou Judá cutasse a lei (Jz 2:11, 12). Pelo fato de o
como "o fraco". O exército de Zerá era qua­ povo ter se entregado à idolatria, a terra era
se duas vezes maior que o de Asa, e os ho­ assolada pelo inimigo, e não era seguro via­
mens de Asa não tinham carros. Quer por jar (Jz 5:6; 19:20). Isso cumpria as advertên­
meio de muitos soldados, quer de poucos, cias da aliança (Dt 28:25, 26, 30, 49-52).
o Senhor poderia operar com grande poder. Porém, sempre que o povo clamava a Deus
É possível que Asa tivesse em mente as pa­ e deixava os ídolos, em sua misericórdia, o
lavras de Jônatas quando orou desse modo Senhor os perdoava e os defendia de seus
(1 Sm 14:6). Talvez estivesse pensando, tam­ inimigos. Azarias admoestou o rei e o povo
bém, naquilo que Salomão havia pedido em a colocar mãos à obra, a construir a nação
sua oração na consagração do templo (2 Cr e a servir ao Senhor fielmente.
6:34-35). O livramento súbito em meio à (2) Reforma e renovação (vv. 12-15;
batalha é um tema que se repete ao longo 2 C r 15:8-19). Essa é a segunda fase da re­
de 2 Crônicas (13:14-18; 14:11, 12; 18:31; forma de Asa e, sem dúvida, ele tratou do
20:1 ss; 32:20-22). pecado na terra com mais severidade do que
A motivação de Asa não era simplesmen­ havia feito na primeira fase. Expulsou os
te derrotar um inimigo perigoso, mas tam­ prostitutos cultuais dos santuários, pois se
bém glorificar Jeová. Assim como Davi se tratava de uma prática proibida pela lei de
aproximando de Colias, ele atacou o exér­ Deus (Dt 23:17), assim como a própria so­
cito inimigo "em nome do S e n h o r dos Exérci­ domia (Lv 18:22; 20:13; ver também Rm 1:27
tos, o Deus dos exércitos de Israel" (1 Sm e 1 Co 6:9). Além disso, mostrou grande
17:45). Em resposta à oração de fé do rei coragem ao remover a própria avó da po­
Asa, o Senhor derrotou completamente o sição de rainha-mãe, pois ela possuía um
exército egípcio e permitiu que Asa e seus santuário idólatra num bosque. O texto não
homens perseguissem os egípcios rumo ao informa onde essa riqueza consagrada havia
sul, até Gerar. Nesse local, os homens de ficado guardada, mas diz que Asa levou-a
Judá e Benjamim saquearam as cidades ao para o tesouro do templo, pois havia sido
redor de Gerar e levaram de volta para casa consagrada ao Senhor. É provável que fos­
uma quantidade enorme de despojos. Essa sem despojos tirados dos inimigos que Asa
derrota do exército egípcio foi tão absoluta e seu pai haviam derrotado com a ajuda
e humilhante que os egípcios só voltaram a do Senhor.
atacar o povo de Judá quase trezentos anos Mais uma vez, removeu os ídolos da ter­
depois, quando o rei Josias se defrontou ra e fez reparos no altar do sacrifício que
com as tropas do Faraó Neco em Carquemis ficava no átrio dos sacerdotes diante do tem­
(2 Cr 35:20-24). plo. O relato não diz como ou por que o
O Senhor enviou o profeta Azarias ao altar sofreu danos, mas, sem o altar, os sacer­
encontro de Asa e do exército vitorioso para dotes não tinham onde oferecer sacrifícios.
lhes transmitir uma mensagem de estímulo Salomão consagrou o templo por volta de
e de advertência (ver também 1 Rs 12:21­ 959 a.C., e o décimo quinto ano do reina­
24; 2 Cr 16:7). Vários generais já venceram do de Asa corresponde a 896 a.C. (2 Cr
uma batalha, mas depois perderam a guerra 15:10), de modo que o altar havia sido usado
458 1 REIS 15:1 - 16:20

continuamente por mais de sessenta anos. Deus se agradou desse novo passo de com­
Talvez estivesse apenas gasto, mas um al­ promisso e deu paz a Judá e Benjamim por
tar malcuidado não é um testemunho muito mais vinte anos.
bom do estado da religião na terra. O termo (3) Recaída e disciplina (w. 16-24; 2 C r
hebraico também pode significar "renovar", 16:1-14). Ao que parece, o rei Asa descui­
de modo que talvez o altar tivesse sido con­ dou de seu relacionamento com o Senhor,
sagrado novamente ao Senhor. pois Deus enviou Baasa, o rei de Israel, para
Um a coisa foi remover ídolos e reparar lutar contra ele.5 Baasa fortificou Ramá, situa­
o altar, mas outra bem diferente foi tratar da da pouco menos de dez quilômetros ao
necessidade mais premente, que era consa­ norte de Jerusalém. Desse posto avançado,
grar o povo mais uma vez. No décimo quinto seria possível monitorar aqueles de seu povo
ano de seu reinado, Asa convocou uma gran­ que fossem a Jerusalém e também lançar
de assembléia para se reunir em Jerusalém, ataques contra Judá.
adorar ao Senhor e renovar sua aliança.3 Não Depois de tudo o que Senhor havia fei­
só o povo de Judá e de Benjamim compare­ to por Asa, seria de se esperar que ele con­
ceu, como também pessoas devotas vieram vocasse uma reunião com todo o povo para
de Efraim, de Manassés e de Simeão. O que confessar os pecados, buscar ao Senhor e
as atraiu foi o fato inequívoco de que o Senhor descobrir sua vontade sobre essa situação
estava com Asa. Uma vez que se reuniram difícil. Emm vez disso, porém, o rei lançou
no terceiro mês, é provável que estivessem mão de recursos políticos. Tomou os tesou­
comemorando a Festa de Pentecostes (Lv ros sagrados do templo e os entregou a Ben-
23:1 5-22). O rei levou despojos de batalhas, Hadade, rei da Síria, fazendo um pacto com
inclusive metais preciosos, para ser consa­ uma nação pagã (Davi havia derrotado a
grados ao Senhor (1 Rs 15:15) e também Síria! Ver 2 Sm 8:3-12 e 1 Cr 18:3, 4).
animais para sacrifícios (2 Cr 15:11). Com a Síria atacando Israel pelo Sul,
Em épocas importantes ao longo da his­ Baasa foi obrigado a deixar Ramá e a se
tória do povo de Deus, encontramos líderes deslocar para o norte a fim de defender seu
e pessoas renovando seu compromisso com país. O rei Asa não apenas seguiu o péssi­
o Senhor, um bom exemplo a ser seguido mo exemplo de seu pai, Abias, ao fazer uma
pela Igreja de hoje. Depois que a nação atra­ aliança fora da vontade de Deus, como tam­
vessou o rio Jordão e entrou na terra, os israe­ bém insistiu que Ben-Hadade mentisse e
litas renovaram sua aliança com o Senhor rompesse seu tratado com Israel! As Escritu­
(Js 8:30ss). Josué convocou uma reunião ras não dizem quando Abias fez um pacto
semelhante perto do final de sua vida (Js 24). com Ben-Hadade, mas é possível que tenha
Q uan do Saul foi escolhido para ser rei, se casado com uma das princesas sírias,
Samuel convocou uma assembléia e um tem­ garantindo, assim, a paz e seguindo o exem­
po de renovação (1 Sm 11:14 — 12:25). Tan­ plo de Salomão (2 Cr 13:21).
to o rei Joás quanto o rei Josias renovaram a Ben-Hadade tomou o ouro e a prata, que­
aliança entre eles, o povo e Deus (2 Rs brou a promessa que havia feito a Israel e
11:4ss; 23:1 ss). Um reavivamento ou reno­ ajudou Judá. Capturou as cidades de Ijom,
vação espiritual não significa pedir algo novo Dã e Abel-Maim, ao norte, e depois, mar­
a Deus, mas sim uma renovação da devo­ chou pela tribo de Naftali e tomou todas as
ção àquilo que ele já nos deu. Asa não reor­ cidades-celeiros mais importantes. Desse
ganizou os sacerdotes nem fez reformas no modo, adquiriu controle sobre as principais
edifício do templo, assim como também não rotas comerciais e debilitou o poder e a ren­
importou novas idéias de culto das nações da de Baasa. Um a vez cumprido seu propó­
pagãs a seu redor. Apenas conduziu o povo sito, Asa recrutou o povo para ir a Ramá e
a uma reconsagração à aliança que o Se­ carregar pedras e madeiras de lá e, com esse
nhor já havia lhes dado. O povo buscou ao material, o rei construiu duas cidades fortifi­
Senhor de todo o coração, e ele os ouviu.4 cadas: Mispa, cerca de quatro quilômetros
1 REIS 15:1 - 16:20 459

ao norte de Ramá, e Geba, aproximadamen­ Jeová, procurando, em vez disso, a ajuda de


te a mesma distância a leste. Judá havia seus médicos. Asa faleceu dois anos depois,
estendido suas fronteiras até Betei (2 Cr e o trono foi entregue a seu filho, Josafá,
13:17), e esse novo terreno militar tornaria que provavelmente havia servido como co-
sua posição ainda mais protegida. regente durante os últimos anos da vida do
Todos ficaram contentes com o resulta­ pai.6 Asa foi um homem que começou bem
do do tratado, exceto o Senhor. Ele enviou e viveu uma vida de fé, mas, chegando a
o profeta Hanani para repreender o rei e seus últimos anos, rebelou-se contra o Se­
dar-lhe a Palavra do Senhor. Era trabalho do nhor. O povo fez uma grande fogueira em
profeta repreender reis e outros líderes, in­ homenagem a Asa; porém, aos olhos de
clusive sacerdotes, quando desobedeciam Deus, os últimos anos desse rei viraram fu­
à lei do Senhor. A mensagem do profeta foi maça (1 Co 3:13-1 5)7
clara: se Asa tivesse confiado no Senhor, o
exército de Judá teria derrotado tanto Israel 2. U ma dinastia chega ao fim
quanto a Síria. Em vez disso, Judá simples­ (1 Rs 15:25 - 16:22)
mente conseguiu algumas cidades, o tesouro A essa altura, o historiador volta-se para o
do Senhor foi saqueado e o rei encontrava- relato sobre os reis de Israel e permanece
se numa aliança pecaminosa com os sírios. nesse enfoque até o final do livro. A história
Hanani lembrou Asa de que o Senhor não dos reis de Judá encontra-se principalmente
havia lhe faltado quando Zerá e o enorme em 2 Crônicas. A dinastia de Davi é mencio­
exército egípcio atacaram Judá. A contrata­ nada em 1 e 2 Reis apenas quando algo
ção dos sírios havia sido uma decisão insen­ ocorre entre Judá e Israel. A dinastia que
sata. Judá pagaria pelo erro do rei ao longo com eçou com Jeroboão estava prestes a
dos anos subseqüentes, e a Síria se tornaria terminar.
um problema constante para o reino de Judá. Nadabe é assassinado (15:25-31). Jero­
O problema fundamental de Judá não boão reinou sobre Israel durante vinte e dois
foi sua falta de defesas, mas sim a falta de fé anos (14:20) e se tornou o principal exem­
do rei. Ao contrário de Davi, cujo coração plo de um rei perverso (ver 15:34; 16:2, 19,
foi sincero diante do Senhor (ver 1 Rs 15:5, 26 etc.). Nadabe herdou do pai o trono e
11), o coração de Asa estava dividido: um também seu modo de vida pecaminoso.
dia confiava no Senhor e no dia seguinte Havia reinado apenas dois anos quando foi
confiava no braço de carne. Um coração assassinado por Baasa, um homem de Issa-
perfeito não é um coração sem pecado al­ car, como resultado de uma conspiração que
gum; antes, é um coração entregue de todo havia se desenvolvido no reino. Nadabe es­
ao Senhor e inteiramente confiante nele. O tava com o exército de Israel conduzindo o
rei Asa revelou a perversidade de seu co­ cerco de Gibetom, uma cidade filistéia ao
ração ao irar-se, rejeitar a mensagem do sul de Ecrom. Essa cidade fronteiriça havia
profeta e mandar prendê-lo. Ao que parece, sido motivo de atrito entre Israel e os filisteus.
algumas pessoas que se opuseram à políti­ Na verdade, pertencia à tribo de Dã (Js 19:43­
ca internacional de Asa e à forma como mal­ 45) e era uma cidade levítica (Js 21:23), e
tratou o servo de Deus foram brutalmente Nadabe queria recuperá-la para Israel.
oprimidas pelo rei. Baasa não apenas matou o rei como tam­
Deus concedeu a Asa um tempo para bém tomou o trono e, assim, cumpriu a pro­
se arrepender, mas o rei se recusou a mudar fecia de Aias de que a família de Jeroboão
seus caminhos. No trigésimo nono ano do seria inteiramente exterminada em função
reinado de Asa, o Senhor o afligiu com uma dos pecados que Jeroboão havia cometido
doença nos pés, que deve ter lhe causado (14:10-16). Se Jeroboão tivesse obedecido
dores e incômodos consideráveis. Mais uma à Palavra de Deus, teria desfrutado a bênção
vez, o rei deu as costas para o Senhor, recusan­ e o auxílio do Senhor (11:38, 39), mas, pelo
do-se a confessar seus pecados e buscar a fato de haver pecado e levado sua nação a
460 1 REIS 15:1 - 16:20

pecar, o Senhor teve de julgar o rei e seus povo. É provável que Arsa fosse o primeiro-
descendentes, e esse foi o fim da dinastia ministro, e tanto ele quanto o rei esquece­
de Jeroboão I. ram as palavras de Salomão, que sabia pelo
Baasa d eso b ed ece a D e u s (1 5 :3 2 - menos alguma coisa sobre a realeza: "Ai de
16:7). Baasa colocou seu palácio em Tirza ti, ó terra cujo rei é criança e cujos príncipes
e reinou sobre Israel durante vinte e quatro se banqueteiam já de manhã. Ditosa, tu, ó
anos. Em vez de evitar os pecados que cau­ terra cujo rei é filho de nobres e cujos prín­
saram a extinção da família de Jeroboão - a cipes se sentam à mesa a seu tempo para
qual o próprio Baasa havia exterminado o refazerem as forças e não para bebedice"
rei imitou o estilo de vida de seu antecessor! (Ec 10:16, 17).
Alguém disse bem que a única coisa que Dessa vez, o assassino foi Zinri, o capi­
aprendemos com a história é que não apren­ tão de metade dos carros do exército de
demos coisa alguma com ela. Baasa havia Israel. Como alto comandante, Zinri tinha
destruído a dinastia de Jeroboão, mas não acesso direto ao rei, e que momento me­
poderia destruir a Palavra de Deus. O Se­ lhor poderia haver para matá-lo do que quan­
nhor enviou o profeta Jeú para transmitir ao do estivesse embriagado? Como havia feito
rei Baasa a mensagem séria de que, depois o pai de Elá, Zinri tomou o trono e, uma vez
de sua morte, sua família seria exterminada no poder, assassinou todos os membros da
e outra dinastia seria destruída em decor­ família de Baasa. O rei Baasa havia cumpri­
rência do pecado de seu pai. Os descen­ do a profecia de Abias, e Zinri cumpriu a
dentes de Bassa seriam mortos, e os corpos profecia de Jeú. Porém, o que mais chama a
se tornariam alimento para os cães e abutres. atenção é o fato de que uma pessoa que
Era uma humilhação tremenda não sepultar cumpre uma profecia divina não é isenta do
o corpo de um israelita.8 pecado. Tanto Baasa quanto Zinri foram as­
Elá é assassinado (16:8-14). Baasa teve sassinos e regicidas, e o Senhor os respon­
morte natural, mas não foi o que ocorreu com sabilizou e exigiu que prestassem contas. A
seu filho e sucessor. Ao que parece, Elá era dinastia de Jeroboão havia chegado ao fim
um homem devasso que preferia embriagar- e a dinastia de Baasa não existia mais. Em
se com os amigos a servir ao Senhor e ao Judá, a dinastia de Davi permanecia.

1. Esta interpretação da decisão insensata de Roboão veio de seu filho e não do Senhor; não foi proferida por um profeta

inspirado. É de se esperar que um filho defenda o pai.

2. Ao que parece, o pano de fundo para esse acontecimento é a vitória de Josué em Jericó. O Senhor estava à frente das tropas

(v. 12; Js 5:13-15), os sacerdotes tocaram as trombetas, o povo gritou (Js 6:1-21) e a vitória foi inteiramente do Senhor.
3. A convocação de assembléias é de grande importância na história de Israel, tanto antes quanto depois da divisão do reino (ver

1 Cr 13:2-5; 28:8; 29:1; 2 Cr 5:6; 20:3ss; 30:1ss).

4. O fato de a sujeição à aliança ser uma questão de vida ou morte não significa que Judá havia se tornado brutal ou que o
reavivamento foi realizado pela espada. Aqueles que se recusaram a buscar a Deus e a renovar a aliança estavam se declarando

idólatras e, de acordo com Deuteronômio 13:6-9, os idólatras não deveriam ser poupados. Os que se recusaram a submeter-

se sabiam o que a aliança dizia, de modo que, ao declarar sua devoção a um deus estrangeiro, estavam tomando a própria vida

nas mãos.
5. Vê-se aqui um problema cronológico, uma vez que Baasa subiu ao trono durante o terceiro ano do reinado de Asa e reinou

vinte e quatro anos (1 Rs 15:33), o que significa que morreu no vigésimo sétimo ou vigésimo oitavo ano, sendo impossível,
portanto, ter atacado Judá no trigésimo sexto ano de reinado de Asa. O Dr. Gleason Archer sugere que a palavra traduzida

por "reinado" em 2 Crônicas 16:1 deve ser entendida como "reino", ou seja, "no trigésimo sexto ano do reino de Judá".

Assim, o escritor estava determinando a data desse acontecimento desde a divisão do reino em 931-930 a.C. e não da

ascensão de Asa ao trono em 910 a.C. Alguns estudiosos consideram esses números erros de um copista, pois no hebraico

a diferença entre as letras usadas para 36 e 16 é muito pequena. Ver A r c h e r . Encyclopedia o f Bible Difficulties. Zondervan,

pp. 225, 226.


1 REIS 15:1 - 16:20 461

6. O fato de os médicos não poderem ajudar Asa não deve ser interpretado como uma rejeição divina a essa profissão. Deus

pode curar por vários meios ou diretamente (Is 38:21), e Lucas, o "médico amado", fazia parte da equipe missionária de Paulo

(Cl 4:14). Até mesmo Jesus disse que os enfermos precisam de um médico (Lc 5:27-32). Usar 2 Crônicas 16:12 como um

argumento para as "curas pela fé" e contra buscar a ajuda de um médico é interpretar e aplicar incorretamente uma afirmação

bastante clara. A doença de Asa foi um julgamento do Senhor, e, nesse caso, buscar a ajuda de médicos constituiu um ato de

rebelião contra o Senhor. O rei recusou-se a arrepender-se, de modo que Deus recusou-se a permitir que fosse curado.

7. O corpo de Asa foi colocado no túmulo preparado para ele. A "queima" de perfumes e de especiarias não tem relação alguma

com a prática da cremação, considerada repreensível em Israel.

8. A oração "porque matara a casa de Jeroboão", em 1 Reis 16:7, indica que, apesar de Baasa ter feito a vontade de Deus ao

matar Nadabe e ao exterminar a casa de Jeroboão, ainda assim era responsável por suas motivações e seus atos. Baasa não

realizou essa obra terrível como um servo santo do Senhor, mas sim como um assassino perverso que queria o trono.
de Baal para uma competição em público.
10 Não apenas operou milagres, mas ainda os
experimentou na própria vida. Estes dois ca­
pítulos registram sete milagres realizados ou
Q ue V en h a o Fo g o ! experimentados por Elias.

1 R eís 17:1 - 18 :46 1. U ma seca por toda a terra


(1 Rs 17:1)
O povo de Israel dependia das chuvas sazo­
nais para que suas plantações produzissem.
Se o Senhor não enviasse as primeiras chu­
vas em outubro e novembro e a chuva serô­
dia em março e abril, logo haveria grande
E
lias, o tesbita,1 entra em cena de repente
e some tão rapidamente quanto apare­ fome na terra. Porém, a bênção das chuvas
ceu, só para voltar a ser visto três anos depois semi-anuais dependia da obediência do
no desafio aos sacerdotes de Baal. Seu nome povo à aliança do Senhor (Dt 11). Deus ad­
significa "o Senhor (Jeová) é meu Deus", vertiu o povo de que sua desobediência
designação apropriada para um homem que transformaria o céu em bronze e a terra em
chamou o povo de volta à adoração a Jeová ferro (Dt 28:23, 24; ver Lv 26:3, 4, 18, 19). A
(18:21, 39). O perverso rei Acabe havia per­ terra pertencia ao Senhor, e, se o povo a
mitido que a esposa, Jezabel, trouxesse a contaminasse com seus ídolos, o Senhor não
adoração de Baal para Israel (16:31-33), e a enviaria suas bênçãos.
rainha mostrou-se decidida a extinguir a ado­ É bem provável que Elias tenha se apre­
ração a Jeová (18:4). Baal era o deus fenício sentado diante do rei Acabe em outubro,
da fertilidade que enviava chuvas e colhei­ na época em que as primeiras chuvas deve­
tas abundantes, e os rituais associados a sua riam ter começado. Não chovia havia seis
adoração eram indescritivelmente imorais. meses - de abril a outubro -, e o profeta
Assim como Salomão, que contribuiu para anunciou que não choveria nos três anos
as práticas idólatras das esposas pagãs (11:1­ seguintes!2 O povo estava adorando Baal em
8), Acabe cedeu aos desejos de Jezabel e vez de Jeová, de modo que o Senhor não
até construiu para ela um templo particular poderia enviar a chuva prometida e, ao mes­
de adoração a Baal (16:32, 33). O plano da mo tempo, manter a aliança. Deus é sem­
rainha era exterminar os adoradores de Jeová pre fiel a sua aliança, seja para abençoar o
e levar todo o povo de Israel a servir a Baal. povo por sua obediência, seja para discipliná-
O profeta Elias é uma figura importante lo por seus pecados.
no Novo Testamento. João Batista veio no Deus havia retido as chuvas em decorrên­
espírito e no poder de Elias (Lc 1:1 7), e al­ cia das orações fervorosas de Elias e voltaria
guns do povo chegaram a pensar que ele a enviar as chuvas em resposta à interces­
era o Elias prometido (Jo 1:21; Ml 4:5, 6; Mt são de seu servo (Tg 5:17, 18). Nos próxi­
17:10-13). Elias estava com Moisés e Jesus mos três anos, as condições meteorológicas
no monte da Transfiguração (M t 17:3), e al­ em Israel seriam controladas pela palavra
guns estudiosos acreditam que Moisés e Elias de Elias! Os três anos e meio de seca prepa­
são as testemunhas descritas em Apocalipse rariam o povo para o confronto dramático
11:1-14. Elias não era um pregador refinado entre os sacerdotes de Baal e o profeta do
como Isaías e Jeremias e, sim, mais um refor­ Senhor no monte Carmelo. Como servo fiel,
mador rude, que desafiou o povo a abando­ atento às ordens de seu senhor, Elias colo­
nar seus ídolos e voltar para o Senhor. Foi cou-se diante de Deus e o serviu. (Posterior­
um homem corajoso que confrontou Aca­ mente, seu sucessor, Eliseu, usaria a mesma
be pessoalmente, repreendendo o pecado terminologia. Ver 2 Rs 3:14 e 5:16.) Uma
do rei, e que também desafiou os sacerdotes seca prolongada, anunciada e controlada
1 REIS 17:1 - 18:46 463

por um profeta de Jeová, deixaria claro a servo. Os corvos não levaram a Elias as car­
todos que Baal, deus da tempestade, não caças que estavam acostumados a comer,
era, de maneira alguma, um deus verdadeiro. pois esse tipo de comida seria imunda para
um israelita devoto. O Senhor proveu a co­
2. A limento trazido por pássaros mida, e os pássaros forneceram o meio de
im undos (1 Rs 17:2-7) transporte! Assim com o Deus fez cair o
Jezabel deve ter promovido sua campanha maná sobre o acampamento de Israel du­
para exterminar os profetas do Senhor de­ rante sua jornada pelo deserto, também en­
pois que Elias saiu da presença do rei (18:4). viou o alimento necessário a Elias enquanto
Q uando a seca prosseguiu e a fome che­ o profeta aguardava um sinal para mudar-se
gou à terra, Acabe começou a procurar Elias, de lá. Deus alimenta os animais e os corvos
o homem que, na opinião do rei, era a cau­ (SI 147:9; Lc 12:24) e os usou para levar co­
sa de todos os problemas (18:1 7). Em certo mida a seu servo.
sentido, de fato foi Elias que causou a seca, Com a intensificação da seca, a torrente
mas o pecado de Acabe e de Jezabel é que secou, deixando o profeta sem água; mas
levou a nação a transgredir a aliança com ele não tomou atitude alguma enquanto a
Deus e a chamar sobre si a disciplina de Deus. Palavra de Deus não lhe veio para dizer o
O Senhor havia preparado um esconderijo que fazer. Alguém disse bem que a vontade
especial para seu profeta à beira de um ria­ de Deus nunca nos conduz a um lugar em
cho a leste do Jordão e também havia provi­ que Deus não pode nos proteger ou cuidar
denciado alguns "servos" incomuns para de nós, e Elias descobriu isso por experiên­
alimentá-lo. O Senhor costuma conduzir seus cia própria (ver Is 33:15, 16).
fiéis a dar um passo de cada vez, enquanto
seu coração permanece em sintonia com a 3. A limento de recipientes vazios
Palavra. Deus não deu a Elias um cronograma (1 Rs 17:8-16)
para o profeta acompanhar nos três anos Elias passou cerca de um ano em Querite,
seguintes. Antes, dirigiu seu servo a cada até que Deus lhe disse para deixar aquele
conjuntura crítica em sua jornada, e Elias local. A instrução de Deus pode ter espan­
obedeceu pela fé. tado o profeta, mas o Senhor ordenou que
Deus ordenou a Elias: "V á se esconder!", ele viajasse na direção norte, mais de cin­
e, três anos depois, essa ordem mudou para: qüenta quilômetros até a cidade fenícia de
"Apresente-se!" A o deixar seu ministério Sarepta. Deus estava enviando Elias para um
público, Elias criou outra "seca" na terra - território gentio e, uma vez que Sarepta não
uma ausência da Palavra do Senhor. A Pala­ ficava muito longe de Sidom, a cidade natal
vra de Deus era, para o povo de Israel, como de Jezabel, o profeta estaria vivendo em ter­
a chuva do céu (Dt 32:2; Is 55:10): essen­ ritório inimigo! Além disso, foi instruído a
cial para sua vida espiritual, revigorante e morar com uma viúva que Deus havia esco­
provinda somente do Senhor. O silêncio do lhido para cuidar dele, e as viúvas estavam
servo de Deus foi um julgamento divino (SI entre as pessoas mais necessitadas da terra.
74:9), pois não ouvir a Palavra viva de Deus Um a vez que grande parte do suprimento
é o mesmo que perder a própria vida (SI de comida da Fenícia vinha de Israel (1 Rs
28:1). Na torrente de Querite, Elias teve se­ 5:9; At 12:20), não haveria alimento em
gurança e sustento. Até o dia em que se­ abundância em Sarepta. Porém, quando
cou, o ribeiro proveu água e, a cada manhã Deus nos envia, devemos obedecer e dei­
e tarde, os corvos levaram carne e pão ao xar o resto ao encargo dele, pois não vive­
profeta. Na lista mosaica de animais e de mos de acordo com explicações humanas,
alimentos proibidos (Lv 11:13-15; Dt. 14:14), mas sim pelas promessas divinas.
o corvo era considerado "imundo" e "abo­ Nas palavras de Watchman Nee: "Dada
minável" e, no entanto, Deus usou esses a nossa tendência de olhar para o balde e
animais para ajudar a sustentar a vida de seu de esquecer a fonte, Deus com freqüência
464 1 REIS 17:1 - 18:46

muda seu meio de suprir as necessidades, a dá-nos hoje" é mais do que uma frase numa
fim de manter nossos olhos fixos na fonte". oração que, por vezes, recitamos sem muita
Depois que a nação de Israel entrou na Terra reflexão. Trata-se da expressão de uma gran­
Prometida, o maná parou de cair no acampa­ de verdade: o Senhor cuida de nós e pode
mento, e Deus mudou a forma de alimentar usar muitas mãos para nos alimentar.
o povo (Js 5:10-12). Durante os primeiros
anos da Igreja em Jerusalém, os cristãos ti­ Antes do pão, vem a farinha alva,
nham tudo de que precisavam (At 4:34, 35), Antes da farinha, vem o moinho triturador,
mas alguns anos depois, os cristãos em Je­ Antes do moinho, o trigo, o sol e a chuva,
rusalém precisaram receber a ajuda dos O agricultor - e a vontade do Pai, nosso
cristãos gentios em Antioquia (At 11:27-30). Provedor.
Elias estava prestes a aprender o que Deus
podia fazer com vasilhas vazias. 4. V ida para um m enino morto
O fato de essa mulher ter sido instruída (t Rs 17:17-24)
pelo Senhor (v. 9) não prova que acreditava Este é o primeiro caso de ressurreição regis­
no Deus de Israel, pois o Senhor deu ordens trado nas Escrituras. As evidências parecem
a um rei pagão como Ciro (2 Cr 36:22), che­ deixar claro que o filho da viúva morreu, não
gando até a chamá-lo de "pastor" (Is 44:28). apenas desmaiou ou entrou em transe tem­
A viúva referiu-se a Jeová como "o S e n h o r , porário. A criança parou de respirar (v. 17),
teu Deus" (v. 12, ênfase minha), pois era e seu espírito deixou o corpo (w . 21, 22).
capaz de discernir facilmente que o desco­ De acordo com Tiago 2:26, quando o espí­
nhecido falando com ela era um israelita; rito deixa o corpo, a pessoa está morta. A
no entanto, nem isso é prova de que ela grande aflição tanto da mãe quanto do pro­
fosse temente a Deus. É provável que Elias feta dá a entender que o menino morreu e,
tenha ficado com ela durante dois anos referindo-se ao ocorrido, os dois usam o ter­
(18:1), e, durante esse tempo, a viúva e seu mo "matar" (vv. 18 e 20).
filho certamente deixaram a idolatria e de­ A reação da mãe foi sentir-se culpada
positaram sua fé no verdadeiro Deus vivo. por causa de seus pecados no passado. Ela
Os recursos da viúva eram escassos: um acreditava que a morte do filho era a manei­
pouco de azeite num frasco, um punhado ra de Deus castigá-la por suas transgressões.
de cevada numa vasilha grande de cereal e Não é incomum as pessoas sentirem culpa
alguns gravetos para fazer um fogo. Os re­ com a dor da perda, mas por que a viúva
cursos de Elias, porém, eram abundantes, acusou seu hóspede? Ela considerava Elias
pois o Deus Todo-Poderoso havia prome­ um homem de Deus e, talvez, achasse que
tido cuidar dele, de sua anfitriã e do filho a presença dele em sua casa seria uma pro­
dela. Elias transmitiu à viúva a promessa de teção para ela e seu filho. Ou, quem sabe,
que nem a vasilha de cereal nem o frasco tenha sentido que Deus havia informado seu
de azeite ficariam vazios até o fim da seca hóspede sobre sua vida pregressa, algo que
e da fome. Um dia, Deus enviaria as chu­ ela deveria ter confessado ao profeta. Suas
vas, mas até então continuaria a prover o palavras nos lembram da pergunta dos discí­
pão para eles -promessa que, de fato, o pulos em João 9:2: "Mestre, quem pecou,
Senhor cumpriu. este ou seus pais, para que nascesse cego?"
Em nossa sociedade moderna, com seus A resposta de Elias foi levar o menino
cartões de crédito e toda a conveniência para seu quarto no andar de cima da casa,
para fazer compras, precisamos nos lembrar talvez no terraço, e clamar ao Senhor pela
de como cada refeição que fazemos é um vida da criança. O profeta não podia crer
milagre da mão de Deus. Talvez moremos que o Senhor proveria alimento miraculo­
longe dos agricultores que cultivaram nos­ samente para os três e, depois, permitiria
sos alimentos, mas não podemos viver sem que o menino morresse. Não fazia sentido.
eles. O pedido: "o pão nosso de cada dia Elias não se estendeu sobre o corpo morto
1 REIS 1 7:1 - 18:46 465

do menino na esperança de transferir sua vida porém, se preocupa mais com o obreiro
para a criança, pois sabia que somente Deus do que com a obra e estava preparando
pode dar vida aos mortos. Sem dúvida, sua Elias para o maior desafio de fé em todo
postura indicou uma identificação total com seu ministério.
o menino e com sua necessidade, fato im­ Porém, antes de encerrar o relato sobre
portante quando intercedemos por outros. Foi a estadia de Elias com a viúva de Sarepta,
depois de Elias ter se estendido sobre a crian­ devemos considerar como o S e n h o r usou
ça pela terceira vez que o Senhor a ressusci­ essa história no sermão que Jesus pregou
tou, uma lembrança de que nosso Salvador na sinagoga em Nazaré (Lc 4:16-30). Na pri­
ressuscitou no terceiro dia. Porque o Senhor meira parte de seu sermão, os ouvintes apro­
vive, podemos tomar parte em sua vida ao varam e elogiaram as "palavras de graça" de
crer nele (ver 2 Rs 4:34 e At 20:10). Jesus. Mas, em seguida, ele os lembrou de
O resultado desse milagre foi a confis­ que a graça soberana de Deus havia alcan­
são pública da mulher de sua fé no Deus de çado outras nações além do povo da alian­
Israel. Ela sabia, sem sombra de dúvida, que ça de Deus. Elias, o grande profeta de Israel,
Elias era um verdadeiro servo de Deus, não ministrou a uma viúva gentia e a seu filho e
apenas outro mestre religioso à procura de morou com eles, quando poderia ter minis­
sustento. Também sabia que a Palavra que trado a qualquer uma das muitas viúvas de
ele havia lhe ensinado era, de fato, a Palavra Israel. Em sua segunda ilustração, usou o
do verdadeiro Deus vivo. Durante o tempo ministério de Eliseu, sucessor de Elias, que
em que ficou hosperado com a viúva e seu curou da lepra um general gentio (2 Rs 5:1­
filho, Elias mostrou que Deus sustenta a vida 15). Sem dúvida, havia diversos leprosos
(a farinha e o óleo não acabaram) e que israelitas que o profeta poderia ter curado!
Deus dá a vida (o menino foi ressurreto). Jesus enfatizou a graça de Deus, pois
Elias não ficou no ministério público um queria que a congregação orgulhosa de ju­
longo tempo, no entanto, seu ministério par­ deus na sinagoga percebesse que o Deus
ticular à mulher e a seu filho foi igualmente de Israel também é o Deus dos gentios (ver
importante, tanto para o Senhor quanto para Rm 3:29) e que tanto judeus quanto gentios
eles. O servo que não se "esconde" e que são salvos ao crer nele. É claro que os ju­
não ministra a apenas algumas pessoas não deus não aceitaram a idéia de que eram
está, de fato, preparado para ficar no monte pecadores como os gentios e de que preci­
Carmelo e pedir fogo e chuva do céu. As savam ser salvos, de modo que rejeitaram o
pessoas fiéis no pouco e em lugares peque­ mensageiro e a mensagem e levaram Jesus
nos mostram que o Senhor pode confiar-lhes para fora da sinagoga, a fim de lançá-lo coli­
muito, diante de multidões e em lugares na abaixo. O ministério de Elias à viúva e a
maiores (Mt 25:21). Elias havia provado o po­ seu filho foi prova de que Deus não faz
der de Deus no próprio território de Baal, acepção de pessoas e de que "todos peca­
de modo que estava pronto a desafiar Baal ram e carecem da glória de Deus" (Rm 3:23).
no reino de Israel. Quer se trate de um judeu religioso, quer
Durante esses três anos em que viveu de um gentio pagão, o único caminho para
com o um homem perseguido e exilado a salvação é a fé em Jesus Cristo.
(18:10), Elias havia aprendido muito sobre o
Senhor, sobre si mesmo e sobre as necessi­ 5. Foco d o c éu (1 Rs 18:1-40)
dades das pessoas. Havia aprendido a viver Elias havia passado três anos escondido, pri­
um dia de cada vez, confiando que Deus meiro, à beira da torrente de Q uerite e,
lhe daria o pão de cada dia. O povo passou depois, com a viúva em Sarepta, mas então
três anos perguntando: "O nde está o profe­ recebeu a ordem de "apresentar-se" ao per­
ta Elias? Será que ele é capaz de fazer algu­ verso rei Acabe. Porém, juntamente com o
ma coisa para aliviar os fardos que estamos mandamento de Deus, também veio sua
carregando por causa da seca?" O Senhor, promessa de que enviaria as chuvas e de que
466 1 REIS 17:1 - 18:46

daria fim à seca que havia provocado para profeta. Acabe passara três anos atrás de
castigar a nação idólatra por mais de três anos. Elias, de modo que, sem dúvida, havia se­
Obadias encontra-se com Elias (w. 1-6). guido várias pistas falsas e não estava inte­
Os estudiosos não apresentam um consen­ ressado em perder tempo e energia num
so quanto ao caráter de Obadias, governa­ momento tão crítico da história de Israel.
dor do palácio. Um hom em de grande Além disso, Acabe poderia castigar Obadias
autoridade, era tanto administrador do palá­ ou mesmo suspeitar que ele fosse seguidor
cio real quanto mordomo e supervisor de do Deus de Elias. Porém , quando Elias
tudo o que o rei possuía. Porém, era um garantiu ao oficial que ficaria onde estava e
servo corajoso de Deus (seu nome significa que esperaria pelo rei, Obadias partiu para
"servo de Jeová") ou um indivíduo vacilante transmitir a mensagem a Acabe.
e tímido com medo de dar seu testemunho? Nem todos os servos de Deus devem ficar
O texto diz que Obadias "temia muito ao em evidência como Elias e outros profetas.
S e n h o r " e provou isso durante a "limpeza" Deus tem servos em muitos lugares realizan­
realizada por Jezabel ao arriscar a vida para do a obra para a qual ele os chama. Nico­
salvar cem profetas do Senhor3 - uma atitu­ demos e José de Arimatéia não alardearam
de que não se parece com o tipo de coisa sua fé em Cristo, no entanto, Deus os usou
que um homem vacilante em seu testemu­ para sepultar devidamente o corpo de Cristo
nho faria! Por que dizer ao rei e à rainha o (Jo 19:38-42). Ester não falou de suas origens
que estava fazendo pelo Senhor? Deus ha­ até que se tornou absolutamente necessário
via colocado Obadias no palácio para usar usar esse fato para salvar a vida de seu povo.
a autoridade que lhe havia sido divinamen­ Ao longo dos séculos, inúmeros cristãos tive­
te concedida, a fim de apoiar os profetas ram uma atitude discreta, no entanto reali­
fiéis numa época em que servir ao Senhor zaram grandes contribuições para a causa de
abertamente era algo perigoso. Cristo e a expansão do seu reino.
O rei e Obadias estavam procurando por Elias encontra-se com o rei Acabe (w.
toda a parte grama ou outro tipo de forra­ 17-19). Elias fez tudo de acordo com a Pala­
gem que pudesse ser usada para alimentar vra do Senhor (v. 36), inclusive confrontar o
as mulas e os cavalos usados pelo exército. rei e convidar Acabe e os sacerdotes de Baal
Acabe não estava particularm ente preo­ para um encontro no monte Carmelo. Acabe
cupado com o povo da terra, mas queria que chamou Elias de "perturbador de Israel", mas,
seu exército estivesse forte caso houvesse na verdade, foram os pecados do rei que cau­
uma invasão. E impressionante observar que saram as perturbações na terra. Sem dúvida,
o rei estava disposto a deixar a segurança e o Acabe conhecia as estipulações da aliança e
conforto de seu palácio para percorrer a ter­ entendia que as bênçãos do Senhor depen­
ra em busca de alimento para os animais. Ao diam da obediência do rei e de seu povo.
que parece, quando Acabe estava longe de Tanto Jesus quanto Paulo foram acusados de
Jezabel, era uma pessoa muito melhor. ser perturbadores (Lc 23:5; At 16:20; 17:6),
O Senhor conduziu Elias até a estrada que portanto Elias estava em boa companhia.
Obadias estava usando, e os dois homens se O monte Carmelo ficava próximo à fron­
encontraram. A reverência de Obadias por teira entre Israel e a Fenícia, de modo que
Elias e por seu ministério era tanta que ele se era um bom lugar para o deus fenício Baal
prostrou com o rosto em terra e o chamou encontrar-se com Jeová, o Deus de Israel.
de "meu senhor Elias". O objetivo de Elias Elias disse a Acabe para levar não apenas os
era confrontar o perverso rei Acabe, mas não 450 profetas de Baal, mas também os 400
iria procurá-lo, de m odo que incumbiu profetas de Aserá, a "esposa" de Baal. Ao
Obadias de dizer ao rei onde o profeta se que parece, somente os profetas de Baal
encontrava. Podemos entender a preocupa­ aceitaram o desafio (vv. 22, 26, 40);
ção de Obadias com o que poderia aconte­ Os profetas de Baal encontram-se com
cer caso o rei voltasse e não encontrasse o o Deus de Israel (w. 20-40). Representantes
1 REIS 17:1 - 18:46 467

das dez tribos do reino do Norte compa­ um membro do remanescente fiel de Israel
receram, e foi a esse grupo que Elias se diri­ que adorava ao Senhor em secreto. Porém,
giu no início da reunião. Seu propósito não o altar havia sido destruído pelos profetas
era apenas desmascarar o falso deus Baal, de Baal (19:10), de modo que Elias o recons­
mas também trazer o povo transigente de truiu e santificou. Ao usar doze pedras, rea­
volta ao Senhor. Por causa da influência de firmou a união espiritual do povo de Deus
Acabe e de Jezabel, o povo estava "coxean­ apesar de sua divisão política. Elias havia
do" entre duas opiniões e tentando servir dado algumas vantagens aos profetas de Baal
tanto a Jeová quanto a Baal. Assim como e, ao preparar seu sacrifício, deu a si mes­
Moisés (Êx 32:26) e Josué (Js 24:15), Elias mo algumas desvantagens. Cavou uma vala
pediu uma decisão definitiva dos israelitas, ao redor do altar e encheu-a de água. Colo­
mas o povo se calou. O silêncio foi por causa cou o sacrifício sobre a madeira no altar e
de sua culpa (Rm 3:19) ou porque desejavam encharcou tudo com água.
saber o que aconteceria a seguir? Eram um Na hora do sacrifício da tarde, levantou
povo fraco, sem verdadeira convicção. a voz em oração ao Deus da aliança, o Deus
No teste, Elias deu a vantagem para os de Abraão, Isaque e Jacó. Pediu que o Se­
profetas de Baal. Poderiam construir seu al­ nhor fosse glorificado como o Deus de Israel,
tar primeiro, escolher o sacrifício e oferecê- o verdadeiro Deus vivo, e que fizesse co­
lo primeiro e poderiam demorar o quanto nhecer que Elias era o seu servo. Mais do
quisessem fazendo suas preces a Baal. Quan­ que isso, porém, ao enviar fogo do céu, o
do Elias disse que era o único profeta do Senhor estaria dizendo ao povo que os ha­
Senhor, não estava se esquecendo dos pro­ via perdoado e que conduziria o coração
fetas que Obadias havia escondido e prote­ de Israel de volta à adoração ao Deus ver­
gido, mas sim afirmando ser o único que dadeiro. É possível que Elias estivesse pen­
servia ao Senhor abertamente e, portanto, sando na promessa de Deus a Salomão em
em minoria absoluta diante dos 450 profe­ 2 Crônicas 7:12-15. De repente, o fogo des­
tas de Baal. Porém, aquele que tem Deus a ceu do céu e consumiu inteiramente o sa­
seu lado, na verdade, é a maioria absoluta, crifício, o altar e a água na vala ao redor do
de modo que o profeta não temeu. Sem altar.5 Não sobrou coisa alguma que pudesse
dúvida, as orações dos 450 profetas fervo­ ser transformada numa relíquia ou santuário.
rosos seriam ouvidas por Baal e ele enviaria O altar de Baal continuou firme e intacto
fogo do céu! (Ver Lv 9:24 e 1 Cr 21:26.) como um monumento a uma causa perdi­
Ao meio-dia, Elias estava escarnecendo da. Os profetas de Baal ficaram aturdidos, e
dos profetas de Baal, pois ainda não havia o povo de Israel prostrou-se com o rosto em
acontecido coisa alguma. "Ri-se aquele que terra e reconheceu que só "o S e n h o r é
habita nos céus; o Senhor zomba deles" Deus!"
(SI 2:4). Os profetas de Baal dançavam fre­ Porém, Elias ainda não havia terminado,
neticamente ao redor do altar e se cortavam pois ordenou que o povo tomasse os falsos
com espadas e lanças, mas sem qualquer profetas de Baal e que os matasse, uma or­
resultado. Elias sugeriu que, talvez, Baal não dem de acordo com Deuteronômio 13:13­
estivesse ouvindo as preces deles, pois se 18 e 17:2-5. O teste havia sido justo, e os
encontrava em m editação profunda, ou profetas de Baal haviam sido desmascarados
ocupado com alguma tarefa,4 ou mesmo como idólatras que mereciam a morte. De
viajando. Suas palavras só serviram para au­ acordo com a lei, os idólatras deveriam ser
mentar o fanatismo dos profetas, mas não executados por apedrejamento, mas Elias os
houve resposta alguma. Às quinze horas, o matou à espada (19:1). É evidente que essa
horário do sacrifício da tarde no templo em medida enfureceu a rainha Jezabel, de cuja
Jerusalém, Elias tomou a frente. mesa esses homens haviam recebido alimen­
Quem construiu, originalmente, o altar to (v. 19), e a rainha tomou o propósito de
que Elias usou? É provável que tenha sido capturar Elias e de matá-lo.
468 1 REIS 17:1 - 18:46

6.As CHUVAS reto rna m (1 Rs 18:41-45) o rei contou a Jezabel que Baal havia sido
Elias havia anunciado, três anos antes, que publicamente humilhado, declarado um fal­
sua palavra havia feito cessar as chuvas e so deus e que os profetas de Baal que ela
que somente sua palavra poderia fazê-las sustentava haviam sido mortos. Porém, nem
recomeçar (17:1). Com isso se referia ao a seca nem a fome haviam levado Acabe e
poder de sua oração, das palavras que pro­ Jezabel ao arrependimento, e era pouco pro­
feria ao Senhor (Tg 5:1 7, 18). Havia sido um vável que o fogo do céu ou a vinda das chuvas
dia longo e frustrante para Acabe, e Elias mudasse seu coração (Ap 9:20, 21; 16:8-11).
disse ao rei para ir até seus servos e comer Apesar de todas as evidências, Jezabel esta­
alguma coisa.6 Elias dirigiu-se ao topo do va decidida a matar Elias (19:1, 2).
monte Carmelo para orar e pedir ao Senhor
que enviasse as chuvas tão necessárias. Nas 7. Forças para a viagem (1 Rs 18:46)
palavras da missionária Amy Carmichael: "A Não demorou a escurecer e uma chuva tor­
cada dia que vivemos, devemos escolher se rencial começou a cair sobre a terra. O Se­
seguiremos o caminho de Acabe ou de Elias" nhor não apenas provou ser o verdadeiro
- o que nos lembra de Mateus 6:33. Deus vivo como também aprovou o minis­
A postura incomum de Elias era quase tério de seu servo Elias. O profeta não tinha
uma posição fetal, indicando a humildade carros conduzidos por servos, mas tinha o
do profeta, sua grande preocupação pelo poder do Senhor e correu à frente de Acabe,
povo e seu profundo desejo de glorificar o chegando antes do rei a Jezreel, percorren­
Senhor. Ao contrário da resposta a sua ora­ do uma distância de quase trinta quilôme­
ção no altar, essa oração não foi atendida tros. Foi um feito e tanto para um homem
de imediato. Sete vezes Elias mandou seu de idade, o que, por si mesmo, serviu como
servo olhar na direção do mar Mediterrâneo mais um sinal para o povo de que a mão
e avisar se havia qualquer sinal de uma tem­ poderosa do Senhor estava sobre seu servo.
pestade se formando e seis vezes o servo Deus havia disciplinado seu povo com
não viu coisa alguma. O profeta não desis­ seca e fome, mas havia cuidado de Elias, seu
tiu; antes, orou pela sétima vez, e o servo servo especial. O Senhor havia enviado fogo
viu uma pequena nuvem vindo do mar. Tra­ do céu para provar que era o verdadeiro
tava-se de um bom exemplo a seguir ao "vi­ Deus vivo. Em seguida, respondeu à oração
giar e orar", perseverando na intercessão até de seu profeta e enviou chuvas para regar a
que o Senhor envie a resposta. terra. Seria de se esperar que Elias estivesse
A pequena nuvem não era uma tempes­ numa condição espiritual ideal, capaz de
tade, mas anunciava as chuvas que estavam enfrentar qualquer coisa, mas o capítulo se­
por vir. Elias ordenou ao rei que preparasse guinte mostra exatamente o oposto. Por mais
seu carro e que voltasse ao palácio em Jezreel que fosse um grande homem, ainda assim
o mais rápido possível. O texto não diz como Elias falhou com o Senhor e consigo mesmo.

1. É provável que a designação "tesbita" refira-se à cidade de Tesbe, em Gileade, situada a oeste de Maanaim.

2. O período de seis meses, de abril a outubro, é o fato que explica a aparente discrepância entre 1 Reis 18:1 (três anos) e Lucas

4:25 e Tiago 5:17 (três anos e seis meses). Quando as primeiras chuvas esperadas não vieram em outubro, Elias explicou o

motivo da seca. Quando Elias visitou Acabe, a seca já durava seis meses.
3. Sobre as escolas de profetas, ver 1 Samuel 10:5 e 2 Reis 2:3-7 e 6:1, 2.

4. O termo hebraico do versículo 27 que é traduzido por ■"atendendo a necessidades" também significa "se aliviando". Os

idólatras criam seus deuses à própria imagem.

5. Satanás é um falsificador dos milagres de Deus (2 Ts 2:9, 10) e poderia ter enviado fogo do céu (Jó 1:9-12; Ap 13:13), mas o
Senhor o deteve.

6. Alguns estudiosos sugerem que Acabe comeu parte da carne do sacrifício, mas isso não parece possível, uma vez que o

sacrifício de Elias foi completamente consumido e o sacrifício a Baal não foi exposto a fogo algum.
estado com o um caso típico de colapso
11 em ocional total. Elias estava fisicamente
exausto e havia perdido o apetite. Estava
deprimido consigo mesmo e com seu traba­
O H o m e m das lho, sendo controlado, cada vez mais, pela
autopiedade. "Eu fiquei só"! Em vez de bus­
C a v er n a s car a ajuda de outros, Elias isolou-se e, pior
de tudo, quis morrer (na verdade, Elias não
1 R eís 19:1-21
experimentou a morte, pois foi levado ao
céu num carro de fogo. Ver 2 Rs 2). O profe­
ta concluiu que havia fracassado em sua
missão e decidiu que era hora de desistir,
empre me anima ler em Tiago 5:17 que mas não foi assim que o Senhor encarou
S "Elias era homem semelhante a nós".
Minha tendência é idealizar os homens e
sua situação. Deus sempre enxerga além de
nossas mudanças de humor e das orações
mulheres das Escrituras, mas a Bíblia é a "pa­ impetuosas que fazemos e se compadece
lavra da verdade" (2 Tm 2:15) e descreve os de nós como os pais se compadecem de
defeitos e limitações até de suas maiores fi­ seus filhos desanimados (SI 103:13, 14). O
guras. Quando Tiago escreveu essas pala­ capítulo 19 nos mostra como Deus nos trata
vras, sem dúvida tinha em mente 1 Reis 18 com carinho e paciência quando passamos
e 19, pois nesses capítulos vemos Elias no pelas profundezas do desespero e sentimos
seu auge e, depois, no fundo do poço. Quan­ vontade de desistir.
do o salmista escreveu que: "na verdade, 1 Reis 19 começa com Elias fugindo e
todo homem, por mais firme que esteja, é tentando se salvar. Em seguida, o profeta
pura vaidade" (SI 39:5), incluiu todos nós, discute com o Senhor e tenta se defender.
exceto Jesus. Um velho ditado nos lembra Por fim, Elias obedece ao Senhor, entrega-
de que: "O s melhores homens não passam se a ele e é restaurado ao serviço. Na ver­
de simples seres humanos mostrando o que dade, em todo esse processo, Elias estava
têm de melhor", e a história de Elias prova o reagindo a quatro mensagens distintas.
quanto isso é verdade.
Porém, os líderes extraordinários das Es­ 1. A MENSAGEM DE PERIGO DO INIMIGO
crituras, com toda a sua natureza humana, (1 Rs 19:1-4)
sabiam encontrar a saída daquilo que John Quando a chuva torrencial começou a cair,
Bunyan chamou de "lamaçal [pântano] do Jezabel estava em Jezreel e talvez tenha pen­
desespero" e voltar a caminhar com o Se­ sado que Baal, o deus da tempestade, havia
nhor. Podemos aprender tanto com suas triunfado no monte Carmelo. Porém, ao vol­
derrotas quanto com seus sucessos. Além tar para casa, Acabe contou à rainha uma
disso, ao estudar passagens como 1 Reis 19, história bem diferente. Acabe era um homem
somos lembrados a dar a glória ao Mestre, fraco, mas deveria ter assumido o partido
não a seus servos (1 Co 1:27-29), e também de Elias e honrado o Senhor, que havia de­
a nos prepararmos para o que pode aconte­ monstrado seu poder de modo tão dramáti­
cer depois das vitórias que Deus nos dá. co. Porém, Acabe precisava conviver com a
Com que rapidez passamos do alto da mon­ rainha e sabia que, sem o apoio de Jezabel,
tanha do triunfo para o vale da provação! ele não era ninguém. Jezabel era obstinada
Precisamos nos humilhar diante do Senhor e perversa; nem ela nem o rei Acabe aceita­
e nos preparar para as provas que costumam ram as evidências claras apresentadas no
vir depois das vitórias. monte Carmelo de que Jeová era o verda­
Se Elias pudesse descrever a um conse­ deiro Deus vivo. Em vez de se arrepender e
lheiro aquilo que estava sentindo e pensan­ de chamar a nação de volta ao Senhor,
do, o conselheiro teria diagnosticado seu Jezabel declarou guerra a Jeová e a Elias, o
470 1 REIS 19:1-21

servo fiel do Senhor, e Acabe permitiu que Durante três anos, Elias não havia toma­
ela tomasse essa atitude. do qualquer atitude sem ouvir e obedecer
Por que Jezabel mandou uma carta para às instruções do Senhor (17:2, 3, 8, 9; 18:1),
Elias quando poderia ter enviado soldados mas aqui vemos o profeta correndo adiante
e dado cabo do profeta? Elias estava em do Senhor a fim de salvar a própria vida.
Jezreel e não teria sido difícil assassiná-lo Quando os servos de Deus saem da vonta­
numa noite tão conturbada e tempestuosa. de de seu Senhor, estão sujeitos a cometer
Jezabel não era apenas uma mulher perver­ todo tipo de insensatez e a falhar naqueles
sa, mas também uma estrategista sagaz que que são seus pontos mais fortes. Quando
soube tirar vantagem da derrota de Baal no Abraão fugiu para o Egito, falhou em sua fé,
monte Carmelo. Acabe não tinha pulso al­ que era sua maior força (Gn 12:1 Oss). O
gum, mas sua esposa era bem diferente! Elias ponto mais forte de Davi era sua integrida­
havia se tornado um homem benquisto pelo de, e foi nisso que falhou quando começou
povo. Assim como Moisés, fizera descer fogo a mentir e a tramar ao longo do episódio
do céu e, como Moisés, havia exterminado com Bate-Seba (2 Sm 11 - 12). Moisés era o
os idólatras (Lv 9:24; Nm 25). Se Jezabel mais manso dos homens (Nm 12:3) e, no
transformasse o profeta num mártir, Elias entanto, perdeu a calma e o privilégio de
poderia ter mais influência sobre o povo com entrar na Terra Prometida (Nm 20:1-13).
sua morte do que com sua vida. Os israelitas Pedro era um homem corajoso, mas sua
esperavam Elias dizer-lhes o que fazer, então, coragem falhou e ele negou a Cristo (M c
por que não tirá-lo da cena de sua vitória? Se 14:66-72). Assim como Pedro, Elias era um
Elias desaparecesse, o povo ficaria imaginan­ homem ousado, mas sua coragem falhou
do o que havia acontecido e se mostraria quando o profeta soube da mensagem de
mais propenso a adorar Baal outra vez, dei­ Jezabel.
xando Acabe e Jezabel livres para fazer as Mas por que fugir para Judá, especial­
coisas a seu modo. Além disso, quer fosse mente quando Jeorão, o rei de Judá, era
por Baal quer por Jeová, as chuvas estavam casado com Atalia, filha de Acabe (2 Rs 8:16­
caindo outra vez, e havia trabalho a fazer! 19; 2 Cr 21:4-7)? Essa Atalia é a figura infa­
E possível que Jezabel tenha suspeitado me que reinou posteriormente sobre a terra
que Elias fosse forte candidato a um cola­ e que tentou exterminar todos os herdeiros
pso físico e emocional depois de seu dia reais da linhagem de Davi (2 Rs 11). O lugar
pesado no monte Carmelo - e estava certa. mais seguro para todo filho de Deus é o lu­
O profeta era tão humano quanto nós, e gar determinado pela vontade de Deus, mas
como os patriarcas da igrejas antiga costu­ Elias não esperou para descobrir qual era a
mavam dizer a seus discípulos: "Cuidado vontade de Deus. Viajou de 140 a 160 qui­
com as reações humanas depois de esfor­ lômetros até Berseba e deixou seu servo lá.
ços sagrados". A carta de Jezabel cumpriu Será que disse ao servo: "Fique aqui até eu
seu propósito, e Elias fugiu de Jezreel. Num voltar?" ou simplesmente libertou o homem
momento de medo,' quando se esqueceu para a segurança dele? Se o inimigo viesse
de tudo o que Deus havia feito por eles nos atrás de Elias, o servo estaria mais seguro
três últimos anos, Elias tomou seu servo, em algum outro lugar. Além disso, se o ser­
deixou Israel e rumou para Berseba, a cida­ vo não soubesse onde Elias estava, não
de no mais extremo sul de Judá. Charles poderia dar a informação ao inimigo.
Spurgeon comentou que Elias "bateu em Berseba possuía significado especial para
retirada diante de um inimigo derrotado". os israelitas por sua ligação com Abraão (Gn
Deus havia respondido à sua oração (18:36, 21:22, 33). Um "zimbro"2 é, na verdade, um
37), e a mão de Deus havia estado sobre arbusto com flores que cresce no deserto e
ele na tempestade (18:46), mas, a essa altu­ que fornece sombra para rebanhos e viajan­
ra, o profeta vivia pelas aparências e não tes. Seus galhos são finos e flexíveis como
pela fé (ver SI 16:7, 8). os galhos de um chorão e são usados para
1 REIS 19:1-21 471

atar pacotes (o termo hebraico usado para outro viajante que o Senhor colocou ao lado
esse arbusto é "amarrar"). As raízes dessa de Elias na hora certa. Porém, no versículo
planta são usadas como combustível, cons­ 7, o visitante é chamado de "anjo do S e n h o r ",
tituindo um ótimo tipo de carvão (SI 120:4). título dado pelo Antigo Testamento à segun­
Sentado à sombra, Elias fez algo sábio: ele da pessoa da Trindade, Jesus Cristo, o Filho
orou. Sua oração, porém, não foi muito sá­ de Deus. Em passagens como Gênesis 16:10,
bia. "Cansei de tudo isso!", disse ao Senhor, Êxodo 3:1-4 e Juizes 2:1-4, o anjo do S e n h o r
"portanto tire-me a vida".3 Em seguida, o fala e atua como Deus o faria. Na verdade,
profeta apresentou o motivo de seu pedido: o Anjo do S e n h o r em Êxodo 3:2 é chamado
"não sou melhor do que meus pais". Em de "D eus" e "o S e n h o r " no restante do ca­
momento algum, Deus pediu que Elias fos­ pítulo. Assim, podem os supor que esse
se melhor do que alguém, mas apenas que visitante prestativo era nosso Senhor Jesus
ouvisse sua Palavra e lhe obedecesse. Cristo.
A combinação de colapso emocional, Tanto Elias quanto o apóstolo Pedro fo­
exaustão, fome e uma sensação profunda ram despertados por anjos (At 12:7), no caso
de fracasso, acrescidos de falta de fé no Se­ de Elias, para receber alimento, no caso de
nhor, levaram Elias a uma depressão profun­ Pedro, para ser libertado da prisão. O anjo
da. Havia, porém, um elemento de orgulho havia preparado uma refeição simples, po­
em tudo isso e certa dose de autopiedade, rém apropriada, com pão fresco e água. O
pois Elias estava certo de que seu ministério profeta comeu, bebeu e se deitou novamen­
no monte Carmelo colocaria o povo de joe­ te para dormir (Jesus preparou um café da
lhos. Talvez, também, esperasse que Acabe manhã com peixe e pão para Pedro e seis
e Jezabel se arrependessem/deixassem Baal outros discípulos; Jo 21:9, 13). O texto não
e servissem a Jeová. Suas expectativas não diz quanto tempo o Senhor permitiu que
foram preenchidas, de modo que ele se con­ Elias dormisse antes de despertá-lo pela se­
siderou um fracassado. Mas é raro o Senhor gunda vez e dizer-lhe para comer. O Senhor
permitir que seus servos vejam todo o bem sabia que Elias planejava visitar o monte
que fizeram, pois caminhamos pela fé e não Sinai, um dos lugares mais sagrados da his­
por aquilo que vemos, e Elias descobriu, mais tória de Israel, e que esse monte ficava cer­
tarde, que sete mil pessoas em Israel não ca de 400 quilômetros de Berseba, de modo
haviam se curvado a Baal e adorado o deus que o profeta precisava de forças para a via­
cananeu. Sem dúvida, o ministério dele ha­ gem. Porém, não importa qual seja nosso
via influenciado muitas dessas pessoas. destino, a jornada é sempre longa demais
para nós e precisamos das forças de Deus
2. A MENSAGEM DE GRAÇA DO ANJO para alcançar nosso objetivo. Com o Deus
(1 Rs 19:5-8) foi bondoso em preparar uma "mesa no de­
Às vezes, quando o coração está pesado e serto" para seu servo desanimado (SI 78:19;
a mente e corpo estão exaustos, o melhor ver também SI 23:5)! Elias obedeceu ao men­
remédio é dormir - simplesmente tirar um sageiro de Deus e conseguiu viajar quaren­
cochilo! Referindo-se a Marcos 6:31, Vance ta dias e quarenta noites sustentado por
Havner costumava dizer: "quem não repou­ aquelas duas refeições.
sa num lugar separado, sempre acaba esta­ Ao recapitular como Deus ministrou a
fado", e esse era o caso de Elias. Quando Elias no relato de 1 Reis 18 e 19, vemos um
estamos exaustos, tudo parece dar errado. paralelo com a promessa em Isaías 40:31.
Enquanto o profeta dormia, o Senhor O profeta havia passado três anos escondi­
enviou um anjo para suprir suas necessi­ do por Deus, tempo durante o qual "espe­
dades. Tanto no hebraico quanto no grego, rou no Senhor". Quando Deus o enviou ao
o term o traduzido por "a n jo " tam bém monte Carmelo, capacitou Elias a "subir com
significa "mensageiro", de modo que alguns asas como águias" e a triunfar sobre os pro­
concluem que esse visitante prestativo era fetas de Baal. Depois que Elias orou e que a
472 1 REIS 19:1-21

chuva começou, o Senhor o fortaleceu e ele é possível que Elias tivesse planejado a via­
"correu e não se cansou" (18:46) e, em se­ gem de modo a passar quarenta dias no
guida, Deus o sustentou quarenta dias para deserto, imitando Moisés que passara qua­
que "caminhasse e não se fatigasse" (19:8). renta dias no alto do monte com o Senhor
Elias não estava vivendo inteiramente na von­ (Êx 34:28). Elias teve de tratar da adoração a
tade de Deus, mas foi perspicaz o suficiente Baal, e Moisés teve de tratar da adoração
para saber que deveria esperar no Senhor, a ao bezerro de ouro (Êx 32).4
fim de ter forças para o ministério e para a Elias transformou a caverna em seu lar e
jornada adiante dele. esperou no Senhor. Em linguagem religiosa
Os anjos do Senhor são seus embaixa­ contemporânea, estava "fazendo um retiro"
dores especiais enviados a ministrar ao a fim de resolver alguns problemas e de se
povo de Deus (Hb 1:14; SI 91:11). Um anjo aproximar do Senhor. Encontrava-se tão de­
livrou Daniel de ser devorado por leões (Dn primido que sentia-se disposto a renunciar a
6:22), e anjos serviram a Jesus durante sua seu chamado e até mesmo à vida. Quando
tentação no deserto (M c 1:12, 13). Um anjo o Senhor finalmente falou a Elias, não foi para
fortaleceu Jesus no jardim do Cetsêmane repreendê-lo nem para instruí-lo, mas para
(Lc 22:43) e outro animou Paulo à bordo lhe fazer uma pergunta: "Q u e fazes aqui,
do navio durante uma tem pestade (At Elias?" As palavras do profeta não responde­
27:23). Os anjos no céu se regozijam quan­ ram, de fato, à pergunta, o que explica por
do um pecador se converte (Lc 15:7, 10), e que Deus a repetiu (v. 13). Elias apenas disse
ao chegarmos ao céu e Deus nos der o ao Senhor (o Onisciente) que havia passa­
privilégio de rever nossa caminhada na ter­ do por várias provações em seu ministério,
ra, iremos, sem dúvida alguma, descobrir mas que havia sido fiel a Deus. Porém, se
que desconhecidos que nos ajudaram de havia sido um servo fiel, o que estava fa­
diferentes maneiras eram, na verdade, an­ zendo escondido numa caverna a centenas
jos de Deus enviados pelo Senhor para nos de quilômetros de seu local designado de
ajudar e proteger. ministério?
Nessa resposta, Elias revela tanto orgu­
3. A MENSAGEM DE PODER DO CRIADOR lho quanto pena de si mesmo e, ao usar o
(1 Rs 19:9-14) pronome "eles", exagera o tamanho de sua
O Sinai ficava a cerca de 400 quilômetros oposição. Dá a impressão de que absoluta­
de Berseba, uma jornada de dez dias a duas mente todos os israelitas do reino do Norte
semanas. Haviam se passado no máximo três se voltaram contra ele e contra o Senhor,
semanas desde que Elias havia fugido de quando, na verdade, era Jezabel quem de­
Jezreel, mas sua viagem estendeu-se e levou sejava matá-lo. O refrão "eu fiquei só"5 trans­
quarenta dias (19:8)! Se Elias estava com tan­ mite a idéia de que era indispensável à obra
ta pressa de se distanciar dos executores de Deus, quando, na verdade, nenhum ser­
enviados por Jezabel, por que demorou tan­ vo de Deus é indispensável. Em seguida,
to tempo para completar a jornada? Talvez Deus ordenou a seu profeta que se colocas­
o Senhor tenha dirigido seus passos (SI se no monte à entrada da caverna, mas, ao
37:23) - e suas paradas - de modo que gas­ que parece, Elias não obedeceu até que ou­
tasse um dia por ano que os israelitas havia viu um murmúrio suave (v. 12). Também é
passado no deserto depois de libertados do possível que ele tenha saído da caverna, mas
Egito. Foi a incredulidade e o medo de Is­ corrido de volta para dentro dela quando
rael em Cades-Barnéia que levaram a seu Deus começou a mostrar seu grande poder.
julgamento (Nm 13 - 14), e foi a increduli­ As palavras "eis que passava o S e n h o r "
dade e o medo de Elias que o fizeram fugir nos lembram da experiência de Moisés no
para o deserto (Jesus passou quarenta dias monte (Êx 33:21, 22). Tudo o que Elias
no deserto quando foi tentando; M t 4:2). precisava era de uma nova visão do poder e
Uma vez que estava rumando para o Sinai, da glória de Deus. Primeiro, o Senhor fez
1 REIS 19:1-21 473

passar um vento forte, tão intenso que fen­ Depois dessa exibição dram ática de
deu os montes e que despedaçou as penhas, poder, veio "um cicio tranqüilo e suave".
mas o profeta não recebeu mensagem algu­ Quando o profeta ouviu essa voz, saiu da
ma de Deus. Em seguida, o Senhor causou caverna e se encontrou com o Senhor. O
um grande terremoto que abalou o monte, grande poder e ruído das demonstrações
mas nenhuma Palavra de Deus veio do ter­ anteriores não tocaram Elias, mas quando
remoto. Depois disso, o Senhor trouxe um ele ouviu o sussurro suave e tranqüilo, reco­
grande fogo, mas este também não deu a nheceu a voz de Deus. Pela segunda vez
Elias mensagem alguma de Deus. Ao teste­ (ver Jn 3:1), ouviu a mesma pergunta:
munhar essas demonstrações dramáticas de — "Q u e fazes aqui, Elias?"
poder, sem dúvida o profeta pensou na oca­ E mais uma vez, Elias repetiu a resposta
sião em que a lei foi entregue (Êx 19:16-18). evasiva e egocêntrica.
O que Deus estava procurando realizar Deus estava dizendo a Elias:
na vida de Elias por meio dessas lições práti­ — Você pediu fogo do céu e matou os
cas impressionantes e assustadoras? Dentre profetas de Baal e, por sua oração, caiu uma
outras coisas, lembrava seu servo de que chuva torrencial, mas agora se sente um
tudo na natureza obedecia ao Senhor (SI fracassado. Você precisa entender que não
148) - o vento, os alicerces da terra, o fogo trabalho de modo espalhafatoso, impressio­
- e de que não lhe faltava uma variedade de nante e dramático. Minha voz suave traz a
instrumentos para fazer seu trabalho. Se Elias Palavra aos ouvidos e ao coração dos que
desejasse renunciar a seu chamado divino, a escutam. Sem dúvida, há uma hora e um
o Senhor teria outra pessoa para tomar o lugar certo para o vento, o terremoto e o
lugar dele. N o final, Elias não renunciou, mas fogo, mas, na maioria das vezes, falo às pes­
recebeu o privilégio de chamar seu suces­ soas em tom de amor suave e de persuasão
sor, Eliseu, e de passar algum tempo com tranqüila.
ele antes de ser levado para o céu. O Senhor não estava condenando o mi­
O vento, o terremoto e o fogo são meios nistério corajoso de seu servo, mas apenas
que o Senhor usa para se manifestar à huma­ lembrando Elias de que ele usa várias ferra­
nidade. Os teólogos chamam essas demons­ mentas diferentes para realizar seu trabalho.
trações de "teofanias", termo originário de A Palavra de Deus cai com o uma chuva
duas palavras gregas (theos = Deus; phaino mansa que refrigera, purifica e produz vida
= manifestar, aparecer) que, juntas, signifi­ (Dt 32:2; Is 55:10).
cam "a manifestação de Deus". As nações Em nossos dias de reuniões apoteóticas,
pagãs viam essas demonstrações espeta­ de música alta e de promoções coercivas, é
culares e adoravam as forças da natureza, difícil algumas pessoas entenderem que
enquanto os israelitas as contemplavam e Deus raramente trabalha por intermédio da­
adoravam ao Deus que criou a natureza (ver quilo que é dramático ou colossal. Quando
Jz 5:4, 5; SI 18:16-18 e Hc 3). Porém, essas quis começar a nação de Israel, enviou um
mesmas manifestações da presença e do bebê chamado Isaque; quando quis livrar
poder impressionantes de Deus serão vistas essa nação da escravidão, enviou outro
nos últimos dias antes de Jesus voltar à terra bebê, Moisés. Enviou um adolescente cha­
para estabelecer seu reino. Os profetas do mado Davi para matar o gigante filisteu, e,
Antigo Testamento chamavam esse tempo para cumprir sua missão, o menino usou uma
de "D ia do S e n h o r " (ver Joel 2:28 - 3:16; Is funda e uma pedra. Quando Deus quis sal­
13:9, 10; M t 24:29 e Ap 6 - 16). Talvez o var o mundo, enviou seu Filho com o um
Senhor estivesse dizendo a Elias: "V o c ê bebê frágil e desam parado. Hoje, Deus
acredita que fracassou no julgamento do deseja alcançar o mundo pelo ministério
pecado de Israel, mas um dia eu julgarei de "vasos de barro" (2 Co 4:7). Nas palavras
esse pecado com meu julgamento absolu­ do Dr. J. Oswald Sanders: "O s sussurros do
to e completo". Calvário são muito mais poderosos que o
474 1 REIS 19:1-21

trovão do Sinai para conduzir os homens de que a geração passada havia falhado com
ao arrependimento".6 ele, e a geração presente havia feito o
mesmo (19:4). Então, Deus o chamou para
4. A MENSAGEM DE ESPERANÇA DO ajudar a preparar a geração futura ungindo
S e n h o r (1 Rs 19:15-21) dois reis e um profeta.7 Trata-se de uma
Elias não tinha nada de novo a dizer ao Se­ versão do Antigo Testamento daquilo que
nhor, mas o Senhor tinha uma nova mensa­ encontramos em 2 Timóteo 2:2.
gem de esperança para seu servo frustrado. As pessoas indicadas pelo Senhor não
Não faltavam motivos para o Senhor rejeitar eram particularmente importantes na estru­
seu servo e deixar que morresse na caverna, tura social daquela época. Hazael era um
mas não foi essa a abordagem que ele usou. servo do rei Ben-Hadade, Jeú era um capi­
"N ão nos trata segundo os nossos pecados tão do exército e Elias era um agricultor.
)...]. Pois ele conhece a nossa estrutura e sabe Porém, quando Elias e Jeú concluíram seu
que somos pó" (SI 103:10, 14). trabalho, a adoração a Baal havia sido quase
Primeiro, o Senhor disse a Elias para vol­ inteiramente extinta em Israel (2 Rs 10:18­
tar a seu posto de trabalho. Quando estamos 31). Um a única geração não é capaz de
fora da vo n ta d e de Deus, precisam os fazer tudo, mas cada geração deve provi­
retornar pelo caminho que viemos e reco­ denciar para que as pessoas da geração
meçar (Gn 13:3; 35:1-3). A resposta franca seguinte sejam chamadas e treinadas e para
para a pergunta "Q ue fazes aqui, Elias?" era que tenham à sua disposição as ferramentas
"Nada! Estou só me afogando em autopie- necessárias para dar continuidade à obra do
dade!" Mas Elias foi chamado a servir, e ha­ Senhor. Deus estava dizendo a Elias para
via tarefas a cumprir. Quando Josué ficou deixar de chorar pelo passado e fugir do
abatido com a derrota de Israel em Ai, pas­ presente, pois era hora de começar a prepa­
sou o dia com o rosto prostrado em terra rar outros para o futuro. Quando Deus está
diante de Deus, mas a resposta de Deus foi: no controle, sempre há esperança.
"Levanta-te! Por que estás prostrado assim Porém, o Senhor não apenas enviou seu
sobre o rosto?" (Js 7:10). Quando Samuel servo para recrutar novos obreiros, como
lamentou o fracasso de Saul, Deus o repre­ também lhe deu a certeza de que o traba­
endeu. "Até quando terás pena de Saul, ha­ lho deles não seria em vão. Deus usaria as
vendo-o eu rejeitado, para que não reine espadas de Hazael e de Jeú e as palavras e
sobre Israel? Enche um chifre de azeite e o trabalho de Eliseu para realizar seus pro­
vem " (1 Sm 16:1), e Samuel obedeceu e pósitos na terra. Além disso, garantiu a Elias
ungiu Davi para ser o próximo rei. Não im­ que o ministério dele não havia sido um fra­
porta quanto ou com que freqüência seus casso, pois ainda havia sete mil pessoas na
servos tenham falhado com ele, Deus nunca terra fiéis a Jeová. Sem dúvida, o profeta não
fica sem saber o que fazer. Cabe a nós obe­ estava sozinho, e, no entanto, Deus o en­
decer à sua Palavra, levantar e obedecer às viou a tocar a vida de três indivíduos. O Se­
suas ordens! nhor não ordenou que Elias reunisse todas
A primeira incumbência de Elias foi un­ as sete mil pessoas fiéis numa grande assem­
gir Hazael rei da Síria; e, mesmo sendo esta bléia e que pregasse um sermão. Por certo,
uma nação gentia, era o Senhor quem esco­ há um lugar para sermões e encontros de
lhia seus líderes. "O Altíssimo tem domínio grupos numerosos, mas não devemos jamais
sobre o reino dos homens e o dá a quem subestimar a importância de trabalhar com
quer" (Dn 4:25). Em seguida, deveria ungir indivíduos. Jesus falou a grandes multidões,
Jeú rei de Israel, pois, apesar de o reino es­ mas sempre teve tempo para os indivíduos
tar dividido, Israel ainda se encontrava sob e suas necessidades.
a aliança divina e deveria prestar contas ao O termo "conservei", no versículo 18, sig­
Senhor. Sua terceira incumbência era ungir nifica "reservei para mim". Trata-se do "rema­
Eliseu seu sucessor. Elias havia se queixado nescente segundo a eleição da graça" sobre
1 REIS 19:1-21 475

o qual Paulo escreveu em Romanos 11:1-6. — O que foi que eu fiz? Não fui eu quem
Não importa quanta perversidade pareça chamou você, mas sim, o Senhor. Acaso
haver no cenário internacional, Deus sempre estou impedindo você de ir? Faça o que o
tem um remanescente fiel a ele. Por vezes, Senhor lhe pedir.
esse remanescente é pequeno, mas Deus é O texto não diz qual foi a reação da fa­
sempre grande e cumpre seus propósitos. mília e dos amigos de Eliseu a sua mudança
Elias voltou, sem demora, pelo caminho súbita de vocação, mas não há indicação
por onde havia vindo e retomou seu posto alguma que tenham sido contrários à deci­
de trabalho. Abel-Meolá ficava a cerca de são de Eliseu.
240 quilômetros do Sinai (v. 16), e lá Elias Fazendo uma revisão deste capítulo, ve­
encontraria Eliseu arando um campo. O mos os erros cometidos por Elias e como o
nome de Eliseu significa "Deus é salvação". Senhor prevaleceu sobre eles realizando sua
O fato de Eliseu estar usando doze juntas vontade. Elias andou de acordo com as apa­
de bois - vinte e quatro animais caros - in­ rências e não pela fé, e, no entanto, o Senhor
dica que a situação financeira de sua família o sustentou. Concentrou-se em si mesmo e
provavelmente era melhor do que a da maio­ em seus fracassos em vez de olhar para a
ria dos israelitas.8 Sem dizer uma palavra ao grandeza e o poder de Deus. Teve maior
jovem, Elias lançou seu manto sobre ele para preocupação em fazer mais do que seus an­
indicar que o Senhor o havia chamado para cestrais haviam feito no passado do que em
servir ao profeta e, posteriormente, ser seu chamar e preparar novos servos para o futu­
sucessor. Eliseu e sua família faziam parte ro. Isolou-se do povo de Deus e, portanto,
do "remanescente da graça" que Deus ha­ perdeu a força e o estímulo de sua comu­
via separado para si. Não importa quão som­ nhão e oração. Porém, não sejamos duros
brios pareçam os tempos, Deus tem seu demais com Elias, pois teve ouvido sensí­
povo e sabe quando chamá-lo. vel o suficiente para escutar a voz suave e
A conduta de Eliseu parece contradizer tranqüila do Senhor e fez o que Deus lhe
as palavras de Jesus em Lucas 9:57-62, mas ordenou. O Senhor o repreendeu com bran­
não é o caso. Eliseu seguiu Elias com obe­ dura, tirando-o da caverna e restituindo-o ao
diência sincera, enquanto os homens no re­ serviço ativo. Tenhamos essas coisas em
gistro do Evangelho estavam hesitantes e mente e lembremo-nos delas da próxima vez
tinham suas reservas, e Jesus sabia disso. em que estivermos debaixo de nosso zimbro
Eliseu provou seu compromisso matan­ ou dentro de nossa caverna!
do dois dos bois e usando a madeira dos Por fim, estejamos entre aqueles que
implementos agrícolas como lenha para co­ olham para o futuro e que buscam recrutar
zinhar a carne para um banquete de despe­ outros para servir ao Senhor. Exaltar ou criti­
dida. Em termos contemporâneos, estava car o passado não leva a lugar algum; o im­
"queimando as pontes atrás de si". Uma vez portante é fazer nosso trabalho no presente
tendo tirado as mãos do arado, não tinha e preparar outros para dar continuidade a
intenção alguma de voltar atrás. A resposta ele depois que tivermos partido. Deus se­
de Elias significa: pulta seus obreiros, mas sua obra continua.

1. O texto hebraico de 1 Reis ^9:3 diz: "e quando ele viu". A Septuagínta usa o termo "temendo" e algumas versões adotam esse

texto. O que Elias viu que o assustou? A situação perigosa, o mensageiro perigoso? A passagem não diz, e é inútil especular.

2. Na língua inglesa, "assentar-se debaixo do zimbro" é uma expressão que descreve uma pessoa zangada com Deus, cansada
da vida, envergonhada pelo fracasso e pronta a desistir.

3. Essa cena nos lembra de jonas em Nínive, quando o profeta discutiu com o Senhor (Jn 4). Moisés também quis morrer em

decorrência da enorme carga de trabalho que tentou carregar (Nm 11:14, 15).

4. O texto hebraico do versículo 9 diz "a caverna", como uma referência a uma caverna conhecida. Alguns estudiosos acreditam

que Elias ocupou a mesma caverna do Sinai que Moisés, quando este viu a glória de Deus (Êx 33:12-23).
476 1 REIS 19:1-21

5. Ver Salmos 1 2 :1 , Miquéias 7 :2 e Isaías 57 :1 .

6. San d ers, J. Oswald. Robust in Faith. Ghicago: Moody Press, p. 135.

7. Elias chamou Eliseu (1 9 :19 -2 1 ), e Eliseu ungiu Hazael (2 Rs 8:7-15). Pela autoridade de seu senhor,o servo de Eliseuungiu Jeú

(2 Rs 9:1-10). Do ponto de vista de Deus, foi Elias quem fez tudo isso.

8. Mais uma vez, vemos Deus chamando pessoas que estavam ocupadas. Foi o que aconteceu com Moisés,Cideão, Davi,

Neemias, Amós e os apóstolos.


O rei Davi havia derrotado essas nações do
12 Norte (chamadas de Síria em traduções mais
antigas e de Arã em outras mais recentes),
mas aos poucos elas haviam recuperado sua
A ca be, o Escravo independência. Outro fator relacionado ao
ataque de Ben-Hadade foi o poder cada
do P ec ad o vez maior da Assíria no Norte. Ben-Hadade
desejava controlar as rotas comerciais que
1 R eis 20:1 - 22:53
passavam por Israel, pois havia perdido as
rotas do Norte para a Assíria e, além disso,
queria ter certeza de que Israel forneceria
homens e armas no caso de uma invasão
m seu romance M oby D ick, Herman
E
assíria.
Melville chamou o capitão demente do O cerco (w. 1-12). Os trinta e dois "reis"
barco baleeiro Pequod de Acabe. (Também que se aliaram a Ben-Hadade eram gover­
incluiu na história um "profeta" cujo nome nantes das cidades-estados do Norte, cuja
era Elias.) O Acabe da Bíblia é um homem segurança e prosperidade dependiam, em
fraco, que destruiu a si mesmo e a sua famí­ grande parte, da força da Síria. O texto não
lia, pois permitiu que Jezabel, sua esposa diz quanto tempo durou o cerco a Samaria,
perversa, o transformasse num monstro. mas, no final, a Síria obrigou Acabe a se sub­
Hoje em dia, o nome "Jezabel" é usado para meter. Em primeiro lugar, Ben-Hadade exi­
referir-se a toda mulher perversa e desaver­ giu a riqueza e a família de Acabe, e o rei
gonhada; chamar uma mulher por esse nome concordou. Ben-Hadade planejava usar os
é colocá-la no nível mais baixo da socieda­ membros da família como reféns, para ter
de (Ap 2:20-23). O profeta Elias fez uma certeza de que Acabe não voltaria atrás em
descrição precisa de Acabe ao dizer-lhe: seu acordo. Em vez de chamar Elias ou al­
"Achei-te, porquanto já te vendeste para fa­ gum outro profeta e buscar o socorro do
zer o que é mau perante o S e n h o r " (1 Rs Senhor, Acabe rendeu-se apressadamente
21 :20 ). (comparar essa decisão com aquela de Saul
Estes capítulos descrevem quatro acon­ em 1 Sm 11). Ben-Hadade não se conten­
tecimentos na vida de Acabe: três batalhas tou com o acordo e fez mais exigências, mas
contra os sírios (Arã) e uma trama para rou­ sua cobiça levou-o à derrota. Além de levar
bar um pedaço de terra que inclui um julga­ as riquezas do rei e a família real, Ben-
mento ilegal e vários homicídios. Acabe não Hadade queria enviar oficiais para dar uma
estava se relacionando corretamente com busca em todos os edifícios reais e tomar o
Deus e com sua Palavra, por isso era escra­ que desejassem! Concordar com isso seria
vo do pecado. Uma vez que "o salário do humilhação demais para o orgulhoso rei
pecado é a morte" (Rm 6:23), Acabe rece­ Acabe, de modo que ele e seus conselhei­
beu seu salário com juros. Estudaremos agora ros se recusaram a aceitar o pedido.
os quatro acontecimentos e as diversas rea­ Quando recebeu a mensagem de Aca­
ções de Acabe a eles. be, é provável que Ben-Hadade estivesse
embriagado e se sentindo extremamente
1. A FÉ NAS PROMESSAS DE DEUS corajoso, uma vez que tomou uma decisão
(1 Rs 20:1-30) insensata. Poderia ter conseguido quase
Essa é a primeira de duas ocasiões em que tudo o que desejava sem precisar sacrificar
o rei Acabe demonstrou algum indício de um único soldado, mas, em vez disso, jurou
discernimento espiritual. Israel havia acaba­ aniquilar Samaria e teve de agir à altura de
do de sair de três anos de fome, quando sua jactância. Um ponto a favor de Acabe
Ben-Hadade, rei da Síria, decidiu aproveitar- foi o fato de ele responder com um provér­
se da situação difícil dos israelitas e atacar. bio conhecido, que se aplicava tanto a ele
478 1 REIS 20:1 - 22:53

quanto a Ben-Hadade. Era o mesmo que explicarem a grande derrota da Síria. Cura­
dizer: "N ão conte com o ovo na galinha". vam o orgulho ferido de seu rei e, ao mesmo
A promessa (vv. 13-21). Acabe não ti­ tempo, protegiam a própria vida. Explicaram
nha base para sua oposição a Ben-Hadade, que seu grande exército não era culpado e
mas Deus, em sua graça, enviou ao rei uma que a derrota deveria ser atribuída ao terre­
mensagem de esperança: o Senhor daria a no em que ocorrera a batalha. Os deuses
vitória a Acabe. Não o faria porque Acabe dos sírios eram "deuses das planícies", en­
merecia, mas porque desejava honrar o pró­ quanto o Deus de Israel era um "deus dos
prio nome diante do rei vacilante de Israel e montes". Bastava mudar o local e a Síria
de seu povo. Assim com o havia feito no conquistaria a vitória.
monte Carmelo, Jeová também faria no cam­ Temos agora uma situação diferente, pois
po de batalha: mostraria que somente ele é não apenas o inimigo estava desafiando o
Deus (18:36, 37). A atitude de Acabe ao re­ povo de Deus, como também desafiava o
ceber a promessa e ao pedir mais instruções próprio Deus! Foi uma repetição do confron­
é louvável. Talvez Jezabel não estivesse em to no monte Carmelo, e o Senhor não dei­
casa naquele momento para exercer sua in­ xaria o desafio passar incontestado, pois
fluência perversa. Jeová é o Senhor de toda a Terra! Assim,
Seguindo o exemplo de Salomão (1 Rs enviou outro homem de Deus para garantir
4:7ss), Onri, pai de Acabe, havia dividido o a Acabe que teria vitória, mas apenas por­
reino de Israel em várias regiões políticas, que desejava que Acabe, o exército de Is­
cada uma sob o governo de um "líder pro­ rael e os homens da Síria soubessem que
vincial" que também era oficial do exército. somente Jeová é Deus. O Senhor deu a vi­
O Senhor escolheu esses líderes para coman­ tória a Israel no campo de batalha e, quan­
darem o ataque contra a Síria, e Acabe de­ do o inimigo fugiu para Afeca, Deus enviou
veria liderar o pequeno exército de sete mil um terremoto que matou vinte e sete mil
homens. Saíram ao meio-dia, sabendo que soldados sírios.1 Pela graça de Deus, Acabe
encontrariam Ben-Hadade e seus oficiais conquistou mais uma grande vitória!
comendo e bebendo e sem condições de
lutar uma batalha. Mesmo quando os obser­ 2. A DESOBEDIÊNCIA À ORDEM DE DEUS
vadores de Ben-Hadade lhe relatam que um (1 Rs 20:31-43)
grupo de homens estava se aproximando do Quando Deus enviou o rei Saul para lutar
acampamento sírio, o rei não teve medo, contra os amalequitas, deixou claro que de­
mas lhes disse para tomá-los vivos. A estraté­ sejava que os israelitas exterminassem esse
gia militar usada para fazer prisioneiros era povo inteiramente (1 Sm 15). Saul desobe­
diferente daquela empregada na destruição deceu ao Senhor e, como resultado, perdeu
de um exército invasor, de modo que os seu reino. O Senhor deve ter dado uma or­
homens de Acabe pegaram os guardas da dem parecida ao rei Acabe (20:42), mas o
Síria de surpresa e se puseram a exterminar rei israelita também desobedeceu. Acabe
o exército sírio. Em vez de medir o pó de venceu a batalha, mas perdeu a vitória. Aqui­
Samaria, conforme havia ameaçado (v. 10), lo que o inimigo não conseguiu fazer com
Ben-Hadade subiu mais que depressa em seu suas armas, fez por meio da dissimulação.
cavalo e fugiu para salvar a própria vida. Po­ Se Satanás não tem sucesso com o leão
rém, pelo fato de Acabe ter confiado na Pa­ devorador (1 Pe 5:8), vem como uma ser­
lavra de Deus e de ter agido de acordo com pente enganadora (2 Co 11:3). Até mesmo
ela, o Senhor lhe deu uma grande vitória. Josué caiu numa armadilha parecida (Js 9).
O desafio (vv. 22-30). Outro profeta anô­ Os oficiais de Ben-Hadade eram homens
nimo falou a Acabe e o avisou para reforçar astutos e sabiam que valia a pena correr um
suas tropas e estar preparado para mais uma risco e apelar para o orgulho de Acabe. Deus
invasão. Enquanto Acabe ouvia a mensagem havia dado a vitória, mas Acabe levaria o
de Deus, Ben-Hadade escutava seus oficiais crédito e tomaria os despojos. Por suas
1 REIS 20:1 - 22:53 479

roupas e atitudes, os oficiais fingiram de­ pedido. Disfarçado de soldado ferido, o jo­
monstrar submissão a Acabe, enquanto ele vem profeta estava pronto para transmitir
esperava em seu carro (v. 33). Sem dúvida, sua mensagem.3
Acabe gostou da "honra" que recebia de­ Naquele tempo, uma pessoa poderia
pois da grande vitória, mas em momento pedir ao rei que a ajudasse a decidir ques­
algum deu glória ao Senhor. Seu coração tões que exigiam algum esclarecimento legal,
alegrou-se ao ouvir que Ben-Hadade era seu e o "soldado ferido" assentado à beira da
servo, e o rei Acabe mostrou-se mais que estrada despertou a curiosidade de Acabe.
disposto a poupar a vida dele. Posteriormen­ Vemos aqui uma repetição da abordagem
te, Hazazel mataria Ben-Hadade e se torna­ que Natã usou com Davi depois que o rei
ria o rei (2 Rs 8). cometeu adultério com Bate-Seba (2 Sm 12),
Ben-Hadade entrou de imediato num tra­ pois assim como Davi determinou a própria
tado com Acabe e devolveu a Israel as cida­ sentença, Acabe anunciou a própria culpa!
des que seu pai havia tomado (1 Rs 15:20). Quando soube que o "soldado" havia per­
Também deu a Acabe permissão de vender dido um prisioneiro de guerra importante e
produtos agrícolas e artigos manufaturados teria de entregar a vida ou pagar uma multa
para Damasco, o que equivalia a um acor­ enorme (quase trinta e cinco quilos de prata),
do comercial. O fato de o rei de Israel fazer o rei replicou: "Esta é a tua sentença; tu mes­
um acordo desse tipo com o inimigo é algo mo a pronunciaste" (v. 40). O rei poderia ter
fora do comum, porém Acabe não possuía concedido perdão ao homem e salvado a
convicção alguma (exceto aquelas de sua vida dele, mas preferiu deixar que morresse.
esposa) e, em qualquer situação, usava sem­ Porém, ao fazê-lo, Acabe estava declarando
pre a saída mais fácil. Além disso, precisava sua própria culpa e pronunciando a senten­
do apoio de Arã no caso de os assírios se ça para si mesmo!
deslocarem para o sul. Esse tratado durou O que levou Acabe a reconhecer o ra­
três anos (22:1). paz como um dos discípulos dos profetas? É
O Senhor não podia permitir que Aca­ pouco provável que Acabe fosse tão próxi­
be desobedecesse e escapasse incólume, mo dos seguidores de Elias a ponto de
de modo que instruiu um dos discípulos dos conhecê-los pessoalmente. Será que quan­
profetas a confrontar o rei com seu peca­ do a venda foi removida, revelou algum tipo
do. O s "discípulos dos profetas" eram jo­ de marca que identificou o rapaz? Será que
vens com dons proféticos especiais que se Acabe o havia visto no monte Carmelo? Não
reuniam em grupos para estudar com pro­ temos com o saber, mas o rei deve ter se
fetas mais velhos, como Samuel (1 Sm 7:1 7; assustado. O homem que Acabe julgou tor­
28:3), Elias e Eliseu (2 Rs 2:3-7, 16; 4:38, nou-se o juiz do rei e anunciou que, um dia,
40). Sabendo que teria de pegar Acabe de os sírios matariam Acabe. Porém, em vez
surpresa a fim de chamar sua atenção, o de se arrepender e de buscar o perdão do
homem usou de sabedoria e preparou um Senhor, Acabe foi para casa, onde ficou
"sermão prático" que despertaria o interes­ amuado feito uma criança (v. 43; ver 21:4).
se do rei.2 O jovem contou a um colega as
ordens de Deus e pediu que o ferisse com 3. A TRANSGRESSÃO ÀS LEIS DE DEUS
uma arma, porém o outro recusou. Pode­ (1 Rs 21:1-16)
mos entender que um amigo não quisesse Ben-Hadade era o homem do qual Acabe
machucar o outro, mas, assim como Aca­ deveria ter dado cabo, mas ele o libertou.
be, o jovem profeta estava desobedecendo Nabote era o homem que Acabe deveria
a Deus e pagou por sua desobediência com ter protegido, mas o rei o matou! Quando
a vida. Sem dúvida, isso suscitou o temor alguém se vende para o diabo, pode con­
do Senhor nos outros discípulos, pois o pró­ fundir o bem com o mal e a luz com a es­
ximo a ser abordado pelo rapaz mostrou- curidão (Is 5:20). O episódio infame da vinha
se totalmente disposto a fazer o que lhe foi de Nabote revela a desconsideração para
480 1 REIS 20:1 - 22:53

com a lei por parte do rei Acabe e de sua (Rm 7:7-25) e foi esse mandamento que o
esposa perversa, Jezabel. Vejamos os peca­ jovem rico se recusou a reconhecer quando
dos que cometeram e, conseqüentemente, olhou para o espelho da lei (M t 19:14-30).
os mandamentos de Deus que desprezaram Acabe disfarçou sua cobiça oferecendo-
e a que desobedeceram. se, em primeiro lugar, para comprar a vinha
Idolatria. O s dois primeiros mandamen­ ou para trocá-la por alguma outra proprie­
tos do Decálogo declaram que o Senhor é dade. Foi uma oferta razoável, mas Nabote
o único Deus verdadeiro e que os verdadei­ estava mais preocupado em obedecer à Pa­
ros adoradores não prestam culto nem ser­ lavra de Deus do que em agradar ao rei ou
vem a outros deuses, quer sejam coisas da mesmo em ganhar dinheiro. Nabote sabia
criação de Deus, quer aquilo que os seres que a terra pertencia ao Senhor e que ele a
humanos confeccionam com as mãos (Êx emprestava para o povo de Israel desfrutá-
20:1-6). A. W . Tozer escreveu: "A essência la, enquanto obedecessem à sua aliança.
da idolatria é alimentar pensamentos sobre Toda propriedade deveria ficar dentro da
Deus que não são dignos dele".4 Jezabel família (Lv 25:23-28), o que significa que
introduziu a adoração a Baal em Israel, e Nabote não poderia vender sua terra ao rei.
Acabe permitiu que essa religião se espa- Numa demonstração de sua infantilidade
Ihase por toda a terra. Quando alguém se habitual, Acabe foi para casa tão amuado
afasta da verdade, mostra que está crendo que ficou de cama.
em mentiras, só para depois passar a amá- Falso testemunho (w. 5-10). "N ão dirás
las e, em seguida, ser controlado por elas. falso testemunho contra o teu próximo" é o
Cobiça (w. 1-4). Acabe e Jezabel tinham nono mandamento e enfatiza a importân­
uma casa de verão em Jezreel, mas o rei cia de falar a verdade, quer num tribunal,
não poderia desfrutá-la plenamente sem uma quer conversando no muro do quintal. A
horta. As pessoas ricas não param de adqui­ verdade é o amálgama da sociedade, e,
rir coisas, mas não encontram satisfação quando não há mais verdade, tudo começa
verdadeira nesse processo de aquisição. "A a desintegrar (Is 59:14).
riqueza de um homem é diretamente pro­ Jezabel era uma mulher decidida, que
porcional ao número de coisas sem as quais não deixava a verdade servir de empecilho
consegue viver", escreveu Henry Thoreau para aquilo que desejava, de modo que
no capítulo dois de Walden. Mais adiante criou uma mentira oficial, declarada em
no livro, acrescentou: "As coisas supérfluas papel timbrado e selada com o selo oficial.
não passam de superfluidades. Nem uma só Mas nem todos os adornos reais do mun­
necessidade da alma exige que se tenha di­ do eram capazes de mudar o fato de que
nheiro para adquiri-la". Acabe e Jezabel estavam transgredindo a
O rei quis a vinha de Nabote, pois cobi­ lei de Deus.
çou uma horta conveniente para o palácio. Q ue direito Jezabel tinha de escrever o
"N ão cobiçarás", diz o mandamento (Êx m andado de execução de N abote? Seu
20:1 7) que é o último porém, talvez, o mais marido era o rei! Pelo fato de ser da Fenícia,
difícil de guardar. Além disso, um coração Jezabel encarava a monarquia do ponto de
repleto de cobiça nos leva, com freqüência, vista gentio, segundo o qual o rei deveria
a desobedecer aos outros mandamentos de ser importante, conseguir tudo o que dese­
Deus. Os nove primeiros mandamentos con­ jasse e usar a autoridade para cuidar dos
centram-se em condutas externas proibidas próprios interesses. Samuel advertiu sobre
- confeccionar e adorar ídolos, roubar, matar esse tipo de monarca (1 Sm 8:14), e Jesus
e assim por diante -, mas esse último man­ acautelou seus discípulos a não seguir essa
damento trata principalmente dos desejos filosofia de governar, mas sim de servir o
ocultos do coração. Foi o décimo manda­ povo em amor (M t 20:20-28). Um verdadei­
mento que ajudou Saulo de Tarso, o fariseu, a ro líder usa sua autoridade para fortalecer o
se dar conta de que era, de fato, um pecador povo, enquanto um ditador usa o povo para
1 REIS 20:1 - 22:53 481

fortalecer sua autoridade, e o povo torna-se 4. A sentença de D eus (1 Rs 21:16-29)


apenas um bem consumível. Jezabel chegou "Certamente, o S e n h o r Deus não fará coisa
a incluir uma pitada de religião em sua trama alguma, sem primeiro revelar o seu segredo
e ordenou que as autoridades locais decla­ aos seus servos, os profetas" (Am 3:7). Elias
rassem um jejum. Uma conspiração revestida saiu de cena desde que chamou Eliseu para
de um caráter religioso é aceita com muito ser seu sucessor, mas agora Deus colocava
mais rapidez pelo povo. Porém, não impor­ seu servo no centro do palco, a fim de con­
ta quão legal e espiritual era aquele édito frontar o rei. Como sempre faz quando dá
real, pois diante dos olhos de Deus, não uma tarefa a ser cumprida, o Senhor disse a
passava de uma mentira - e Deus julga os Elias exatamente o que falar ao rei perverso.
mentirosos. Jezabel e Acabe fizeram tudo Acabe havia derramado sangue inocente, e
aquilo que Deus abomina (Pv 6:16-19). o sangue culpado do rei seria lambido pe­
H om icíd io (w. 11-13). O procedimen­ los cães. Q ue maneira mais trágica de um
to descrito por Jezabel estava dentro da lei rei de Israel terminar seu reinado!
(Dt 17:6, 7; 19:1 5; Nm 35:30), mas a acusa­ Numa ocasião anterior, Acabe havia cha­
ção era falsa, as testemunhas eram mentiro­ mado Elias de "perturbador de Israel" (18:17),
sas e os juizes haviam sido subornados pela mas dessa vez levou a questão a um nível
intimidação real. Em toda a cidade, havia ho­ mais pessoal e chamou o profeta de "ini­
mens de Belial ou "homens malignos" que migo meu". Na verdade, ao lutar contra o
faziam qualquer coisa por dinheiro ou ape­ Senhor, Acabe foi seu próprio inimigo e trou­
nas para se tornar importantes. Ninguém xe sobre si a sentença pronunciada por Elias.
além de Acabe e, possivelmente de Jezabel, Acabe morreria de forma desonrosa, e os
ouviu Nabote recusar a oferta de compra cães lamberiam seu sangue. Jezabel morre­
do rei, e Nabote não havia proferido qual­ ria e seria consumida pelos cães. Mais cedo
quer palavra que pudesse ser interpretada ou mais tarde, toda sua posteridade seria
como blasfêmia. Amaldiçoar a Deus era um erradicada da terra. Haviam desfrutado seus
crime capital (Lv 24:13-16) e amaldiçoar ao anos de prazeres pecaminosos e de inte­
rei também era perigoso, pois o rei era o resses egoístas, mas tudo isso acabaria em
governante escolhido por Deus (Êx 22:28; julgamento.
At 23:5).5 Em vez de ir para casa e ficar amuado,
Roubo (w. 14-16). Os líderes fracos da Acabe se arrependeu! O texto não diz o que
cidade de Nabote seguiram as ordens de sua esposa pensou dessa atitude, mas o Se­
Jezabel, realizaram um julgamento ilegal, nhor, que vê o coração, aceitou sua humi­
levaram Nabote e seus filhos (2 Rs 9:26) para lhação e falou dela a seu servo. O Senhor
fora da cidade e os apedrejaram. Uma vez não cancelou o julgamento anunciado, mas
que ninguém da família havia sobrevivido o adiou até o início do reinado de Jorão,
para herdar a terra, Acabe sentiu-se no direi­ filho de Acabe (ver 2 Rs 9:14-37). Acabe foi
to de tomá-la para si. A notificação dos ofi­ morto no campo de batalha, e os cães lam­
ciais foi dirigida a Jezabel e não a Acabe, beram seu sangue junto ao açu d e de
deixando evidente quem possuía, de fato, o Samaria (1 Rs 22:37, 38). Em função desse
poder na família real. Porém, a terra não adiamento do julgamento, os cães lambe­
pertencia a Acabe, e a lei diz: "N ão furta­ ram o sangue de Jorão, filho de Acabe, na
rás" (Êx 20:15). A vinha nem sequer havia propriedade de Nabote, exatamente como
pertencido a Nabote, pois era do Senhor, Elias havia prenunciado (2 Rs 9:14-37). Acon­
de modo que Acabe estava roubando terras tecimentos posteriores mostraram que o ar­
de Deus. rependimento de Acabe durou pouco, mas,
Se havia duas pessoas culpadas de blas­ pelo menos, o Senhor lhe deu outra opor­
femar o nome de Deus e de transgredir suas tunidade de deixar seu pecado e de obe­
leis eram Acabe e Jezabel, que, no devido decer à Palavra. De quantas provas mais
tempo, sofreram o julgamento divino. Acabe precisava? No entanto, não era fácil
482 1 REIS 20:1 - 22:53

romper a influência de sua esposa, pois quan­ na consagração do templo (vv. 8, 9; 6:12 -
do Acabe casou-se com ela, vendeu-se para 7:22). Deus havia prometido que, se o povo
o pecado. se voltasse para o templo e orasse, ele ouvi­
ria e responderia a suas orações. O Senhor
5. O JULGAMENTO DIVINO podia ver o grande exército se aproximan­
(1 Rs 22:1-53; 2 C r 18) do, e o rei pediu que Deus julgasse esse
Neste ponto, a narrativa nos apresenta o pie­ inimigo (o nome "Josafá" significa "aquele a
doso Josafá, rei de Judá. Um resumo de seu quem Deus julga", ou seja, "Deus pleiteia a
reinado pode ser encontrado em 2 Reis sua causa").
22:41-50 e, de modo ainda mais completo, A oração foi seguida de uma proclama­
em 2 Crônicas 17 - 20. Josafá seguiu o cami­ ção da Palavra por Jaaziel (20:14-17), garan­
nho de Davi e procurou agradar ao Senhor tindo ao rei e a seu povo que o Senhor iria
(17:1-6). Enviou por toda a terra sacerdotes intervir e dar a vitória a Judá. "A peleja não
que soubessem ensinar para explicar a lei é vossa" (v. 15). O rei e o povo creram na
de Deus ao povo (1 7:7-9) e nomeou outros promessa do Senhor e o louvaram mesmo
sacerdotes para servirem como juizes fiéis, antes de começar a batalha. No dia seguin­
aos quais o povo pudesse encaminhar suas te, Josafá enviou seu exército com cantores
disputas. Deus deu paz a Judá, e Josafá apro­ em todas as frentes! Deus fez com que os
veitou essa oportunidade para fortificar a três exércitos inimigos lutassem uns contra
terra (17:10-19). os outros e se destruíssem, deixando os des­
Foi um bom rei e um líder piedoso, mas pojos de guerra para o exército de Judá. O
pagou caro por sua transigência em relação exército havia louvado a Deus antes da
a três questões. A primeira foi casar seu fi­ batalha e durante ela, e, quando terminou,
lho com uma filha de Acabe e Jezabel (2 Cr louvou ao Senhor no templo. A fé, a oração
18:1; 21:4-7; 1 Rs 22:44; 2 Rs 8:16-19). A e o louvor são armas poderosas!
segunda foi envolver-se com os assuntos do No capítulo 22, o escritor de 1 Reis con­
sogro de seu filho quando a Síria atacou Is­ centrou-se principalmente na transigência de
rael (18:2 - 19:3). A influência perversa de Josafá numa batalha ao lado de Acabe.
Acabe afetou o reinado de Acazias, neto de Acabe faz o rei de Deus ceder (w. 1-6).
Josafá (2 Cr 22:1-9), e a condescendência Quando, depois de três anos, Ben-Hadade
de Josafá ao envolver-se numa batalha ao não havia cumprido seu acordo de devolver
lado de Acabe quase lhe custou a vida (1 Rs as cidades de Israel que seu pai havia toma­
22:32, 33). Na terceira questão, Josafá mos­ do (21:34), Acabe decidiu que era hora de
trou-se insensato ao unir forças com Acazias, lutar contra a Síria e de recuperar essas ci­
filho de Acabe (1 Rs 22:48, 49; 2 Cr 20:31­ dades. O filho de Josafá era casado com a
37), e tentar enriquecer pela importação de filha de Acabe, de modo que Josafá deveria
produtos estrangeiros. O Senhor feriu os pés manter uma relação amigável com Acabe e
do rei e o repreendeu por essa aliança pe­ ajudá-lo a lutar em suas batalhas. Quando
caminosa. deu esse passo, o rei de Judá desobedeceu
Uma das grandes realizações de Josafá ao Senhor (2 Cr 19:1-3), e, como de costu­
foi derrotar os moabitas, amonitas e edo- me, um ato de transigência conduz a outro.
mitas, uma enorme força que atacou Judá Um a vez que era descendente de Davi,
(2 Cr 20:10). O rei humilhou-se diante do Josafá deveria ter se mantido afastado de
Senhor, conclamou a nação a realizar um Acabe e jamais ter permitido que a linha­
jejum e incentivou o povo a buscar ao Se­ gem davídica se misturasse com a de Aca­
nhor. Num a grande assembléia em Jeru­ be. Todos os capelães da corte,6 pagos para
salém, Josafá orou pedindo a Deus que o concordar com o rei, garantiram a Acabe
guiasse e que socorresse, lembrando o Se­ que ele venceria a batalha, mas Josafá teve
nhor de sua aliança com Abraão (v. 7) e de sabedoria suficiente para pedir que Acabe
como Deus aceitou a oração de Salomão buscasse uma Palavra do Senhor.
1 REIS 20:1 - 22:53 483

Por certo, havia um profeta do Senhor não é diferente da ocasião em que Deus
em Israel que estava no lugar onde os ver­ permitiu que Satanás atacasse Jó (Jó 1 - 2)
dadeiros profetas podem ser encontrados ou que motivasse Judas a trair Jesus (Jo 13:21 -
com freqüência: na prisão. Acabe mandou 30). Deus trata com as pessoas de acordo
chamar Micaías e, enquanto os dois reis es­ com o caráter de cada uma delas. "Com o
peravam, os profetas fizeram uma grande puro, puro te mostras; com o perverso, in­
manifestação. Zedequias que, aparente­ flexível" (SI 18:26). Acabe estava lutando
mente era o líder, confeccionou alguns chi­ contra Deus, e, assim como um bom boxea­
fres de ferro para mostrar como Israel iria dor ou lutador, o Senhor previu cada um de
rechaçar e chifrar os sírios vencendo a bata­ seus golpes e desferiu contragolpes com a
lha. Todos os outros profetas concordaram resposta certa. A cabe era um mentiroso
e bradaram em sinal de aprovação. Porém, inveterado, e o Senhor tratou com ele de
uma guerra não é vencida apenas com en­ acordo com seu caráter.
tusiasmo, especialmente quando Deus já Deus não mentiu para Acabe; muito pelo
havia determinado outro resultado. contrário: por meio de Micaías, disse a ver­
A cabe ignora a advertência de D eus dade e avisou Acabe, em tempo, sobre o
(vv. 7-28). Micaías sofreu uma pressão enor­ que estava reservado ao rei. O fato de Deus
me para concordar com os falsos profetas e ter alertado Acabe antes da batalha isenta o
garantir que Acabe derrotaria a Síria. Não Senhor da acusação de ser culpado da mor­
apenas era um só contra quatrocentos, como te do rei. A reação de Zedequias provou que
também o oficial que o levou até os dois os quatrocentos falsos profetas também não
reis avisou-o para concordar com a maioria. acreditaram em Micaías. Um mistério muito
Em várias ocasiões nas Escrituras, é a mino­ maior encontra-se no fato de um homem
ria que se encontra dentro da vontade de piedoso como o rei Josafá ter se juntado a
Deus, e Micaías estava decidido a ser fiel Acabe na batalha e arriscado a vida. Acabe
em vez de buscar aceitação. Deve ter sido ordenou que o verdadeiro profeta fosse le­
uma cena impressionante aquela dos dois vado de volta à prisão e que recebesse pão
monarcas assentados em seus tronos, ves­ e água, como se castigar o profeta pudesse
tidos com trajes reais, mas Micaías não va­ mudar sua mensagem. A prova de um ver­
cilou. Suas palavras no versículo 13 foram dadeiro profeta era o cumprimento de suas
proferidas com sarcasmo, e Acabe percebeu, palavras (Dt 18:17-22; Nm 16:29), e Micaías
mas deu uma resposta honesta. Tudo não sabia disso. Por esse motivo, sua última men­
passou de uma tentativa de impressionar sagem a Acabe foi: "Se voltares em paz, não
Josafá e de fazê-lo pensar que estava, de fato, falou o S e n h o r , na verdade, por mim" (v. 28).
buscando a vontade de Deus. Acabe diante da morte (vv. 29-40, 51­
O Senhor havia dado duas visões a M i­ 53). Como era possível o rei Josafá não per­
caías, ambas anunciando o julgamento do ceber o que Acabe estava fazendo com ele?
rei Acabe. Na primeira, o profeta viu Israel Nem colocand o um alvo nas costas de
vagando em desespero, como ovelhas sem Josafá, Acabe poderia ter facilitado mais as
pastor - descrição inconfundível de uma coisas para o inimigo matar o rei de Judá!
nação sem líder (Nm 27:15-22). Jesus usou Se Josafá tivesse morrido, seu filho teria as­
essa imagem para retratar o povo judeu sem sumido o trono, e a filha de Acabe teria se
direção espiritual (M t 9:36). Acabe compre­ tornado a Jezabel de Judá! O que teria sido
endeu a mensagem: seria morto na batalha. da aliança davídica e da linhagem messiâ­
A segunda visão explicava com o isso nica, se Acabe tivesse unido os dois tronos
aconteceria: um espírito mentiroso daria a e misturado a linhagem de Davi com a sua?
Acabe falsa segurança para que entrasse na No entanto, Deus é soberano sobre todas
batalha. O fato de o Deus da verdade per­ as coisas e protegeu Josafá, permitindo, ao
mitir que um espírito enganador realizasse mesmo tempo, que uma flecha perdida acer­
sua obra é um mistério, mas, na realidade, tasse uma abertura da armadura de Acabe e
484 1 REIS 20:1 - 22:53

o matasse. Acabe estava disfarçado e, ainda Acazias, o filho de Acabe, assumiu o tro­
assim, foi morto, enquanto Josafá vestia seus no e deu continuidade ao modo de vida
trajes reais e nenhum inimigo o tocou. Aca­ perverso de seu pai e de sua mãe (w . 51­
be havia libertado o rei da Síria quando de­ 53). Reinou apenas dois anos e foi sucedi­
veria tê-lo destruído e, desse modo, os sírios do pelo irmão, Jorão (ou Jeorão). A profecia
acabaram mantando Acabe. sobre os cães lamberem sangue na proprie­
A profecia de Micaías se cumpriu, assim dade de Nabote cumpriu-se na morte de
como as profecias de Elias (20:42; 21:19-21). Jorão (21:29; 2 Rs 9:25, 26).

1. Conforme observamos anteriormente, decifrar as transcrições de números na língua hebraica é, por vezes, um problema para

os estudiosos, uma vez que eram usadas letras no lugar de números, e algumas letras são muito parecidas umas com as

outras. É possível que tanta gente tenha morrido só com muros caindo sobre elas? O colapso das muralhas deve ter deixado

a cidade indefesa, permitindo que os soldados de Acabe matassem qualquer um que estivesse buscando refúgio ali. O s sete

dias de espera para as muralhas que ruíram nos fazem lembrar da queda de Jericó (Js 6). Porém, Acabe não era nenhum Josué!

2. Em certas ocasiões, Deus pediu a seus profetas que usassem "sermões práticos" para transmitir sua mensagem a pessoas

espiritualmente cegas e surdas. Isaías, por exemplo, vestiu-se como prisioneiro de guerra durante três anos (Is 20); Jeremias

usou um jugo de madeira e, depois, outro de ferro (Jr 27 - 28) e Ezequiel encenou uma guerra, comeu porções racionadas de

alimento, como faziam os prisioneiros, e cozinhou usando esterco para fazer o fogo (Ez 4).

3. Ao que parece, os disfarces desempenham papel importante em 1 Reis. Ver 14:2 e 22:30.

4. T o zer, A. W . 7he Know/ec/ge oft/íe Ho/y. Harper, 1961, p. 11; Ver Salmos 50:21.

5. Quando, em sua recusa, Nabote disse: "Guarde-me o S e n h o r " (v . 3 ), não estava fazendo um juramento nem blasfemando

o nome de Deus. Porém, enganadores como Acabe e Jezabel sabem distorcer as palavras, e o exagero é uma forma sutil

de mentir.

6. Os profetas de Baal haviam sido mortos (18:40), mas talvez outros tenham sido colocados no lugar deles. Porém, sabendo da

devoção de Josafá ao Senhor, é pouco provável que Acabe fosse apresentar diante dele quatrocentos profetas de Baal. É

possível que esses homens fossem relacionados aos santuários em Dã e Betei, onde Jeroboão havia colocado os bezerros de

ouro (ver Am 7:10-13). Mesmo que fosse uma prática mais refinada, essa adoração ainda era idolatria. Esses falsos profetas

usaram o nome do Senhor e afirmaram falar com autoridade divina (22:11,12). Trata-se do mesmo tipo de falso profeta com

o qual Jeremias teve de lidar anos depois.


esses dois acontecimentos, várias pessoas
J_3_ foram bem-sucedidas ou fracassaram, vive­
ram ou morreram, em função de decisões
responsáveis ou irresponsáveis. O mundo de
R eflexõ es S o b r e Davi e de Acabe era completamente dife­
rente de nosso mundo hoje, mas a natureza
R e s p o n s a b il id a d e
humana não mudou, e os princípios funda­
mentais da vida permanecem bastante está­
R e c a p í t u l a ç ã o DE 1 R eíS
veis. Podemos, portanto, meditar sobre o que
aprendemos com o relato de 1 Reis e extrair
algumas conclusões práticas para a vida em
nosso tempo.
colunista de jornal Abigail Van Buren
A escreveu: "Se você deseja que seus fi­
lhos mantenham os pés no chão, coloque
1. D a v i : u m a pesso a p o d e fazer
DIFERENÇA
um pouco de responsabilidade sobre os om­ Quanto mais refletimos sobre a vida de Davi,
bros deles". A responsabilidade não é uma mesmo com todos os seus defeitos, mais
maldição, mas sim uma bênção. Antes de o vemos sua grandeza. Possuía uma aptidão
pecado entrar no mundo, Adão e Eva tinham nata para a liderança, além de coragem e
tarefas a realizar no paraíso, e o Filho perfei­ de bom-senso. O Espírito Santo deu-lhe sen­
to de Deus trabalhou como carpinteiro an­ sibilidade à vontade de Deus e um poder
tes de começar seu ministério público. Nas especial que o distinguiu como homem de
palavras de Booker T. Washington: "Poucas Deus. Por pouco seu antecessor, o rei Saul,
coisas ajudam mais um indivíduo do que não destruiu a nação, mas Davi aceitou a
atribuir-lhe responsabilidade e demonstrar difícil responsabilidade de reunificar Israel e
confiança nele". de fazer dele um reino poderoso. Davi der­
Depois de matar seu irmão, Abel, e de rotou os inimigos de Israel; juntou enormes
mentir sobre o que havia feito, Caim per­ tesouros para a construção do templo; or­
guntou: "Acaso, sou eu tutor de meu irmão?" ganizou o exército, o governo e o ministé­
Com isso, estava se esquivando de sua res­ rio no santuário; escreveu cânticos para os
ponsabilidade e de qualquer prestação de levitas entoarem e até inventou instrumen­
contas, prática que vem se tornando cada tos musicais para tocarem. Em resumo, foi
vez mais comum hoje. Um adesivo de carro um homem e tanto!
diz: "A culpa é do diabo" e há quem sorria A aliança de Deus com Davi garantiu que
quando lê esses dizeres. Quando nossos pri­ Israel teria um rei para sempre, o que se
meiros antepassados pecaram, fugiram e se cumpriu de modo absoluto na vinda de Je­
esconderam de Deus e, quando foram con­ sus Cristo ao mundo. Foi por causa da pro­
frontados com seu pecado, jogaram a culpa messa a Davi que o Senhor manteve um de
sobre outros. Por fim, tiveram de assumir a seus descendentes no trono durante os anos
responsabilidade por aquilo que haviam feito, de decadência de Judá. Ao longo de toda a
e, com a responsabilidade, vieram a espe­ história da monarquia, Deus usou Davi como
rança e a promessa. Pessoas irresponsáveis parâmetro para medir cada um dos reis e,
podem fugir, inventar desculpas, encobrir apesar de alguns deles terem sido excelen­
seus erros ou colocar a culpa em outros, mas, tes, nenhum deles chegou exatamente ao
se o fizerem, jamais aprenderão o que signi­ mesmo nível de Davi.
fica ter um caráter saudável, integridade, uma Uma pessoa pode fazer diferença, se es­
consciência tranqüila e a alegria de andar tiver disposta a aceitar responsabilidades e
com Deus. a andar com Deus. Qualquer um pode se­
1 Reis começa com a morte do rei Davi e guir o rebanho, mas quando Deus encontra
termina com a morte do rei Acabe, e entre indivíduos dispostos a ficarem sozinhos, se
486 1 REIS

necessário, ele arregaça as mangas e forma serviço no deserto. Ao acumular esposas,


líderes. Há muitos anos, as palavras de Dr. cavalos e riquezas, trouxe paz à nação, mas
Lee Robertson ecoam em minha mente: "A foi uma paz que custou a obediência à lei
ascensão e queda de todas as coisas deve­ de Deus.
se à liderança". Não há virtude alguma na ignorância e
na pobreza, mas também não há qualquer
2. S alomão : o sucesso com mágica no conhecimento e na riqueza. Os
FREQÜÊNCIA CONDUZ AO FRACASSO governantes dizem: "Se o povo fosse mais
É bom ter as coisas que o dinheiro pode instruído e mais rico, resolveríamos os pro­
comprar, desde que não perca as coisas que blema da sociedade". De fato, as pessoas
o dinheiro não pode comprar. Salomão foi podem adquirir mais instrução e riquezas,
um homem brilhante capaz de discorrer so­ mas com isso criam toda uma série de no­
bre tudo, desde como plantar ervas até como vos problemas. Certa vez, Billy Sunday con­
construir fortalezas e, no entanto, desarran­ fessou: "Q uan do era garoto, íamos até o
jou toda a vida e preparou o caminho para pátio da estrada de ferro e roubávamos coi­
a divisão do reino. Durante os anos doura­ sas dos trens de carga. Hoje em dia, o sujei­
dos de Salomão, as nações se maravilharam to faz uma faculdade e aprende a roubar a
com sua sabedoria e invejaram sua riqueza estrada de ferro inteira!" As pessoas são tão
(e talvez suas muitas esposas), mas o pró­ instruídas que conseguem sentar-se diante
prio Salomão acabou transformando-se num do teclado de um computador e roubar ban­
homem vazio, abandonando o Senhor que cos a milhares de quilômetros de distância.
o havia abençoado tão ricamente. É possí­ A natureza humana não muda.
vel que Salomão seja o insensato mais sábio
da história da Bíblia. 3. A FORÇA E O CARÁTER DE UMA NAÇÃO
Ao ler nas entrelinhas, vemos que seu COMEÇAM EM CASA
estilo de vida luxuoso, cercado de glamour Se Davi tivesse usado em seu lar o mesmo
e de prazer, introduziu em Israel o vírus que tipo de disciplina e de força que mostrou
acabou corroendo o cerne espiritual dessa nos campos de batalha, a história de Israel
nação. Sem dúvida, precisamos do ensino poderia ter sido bem diferente. Parte do pro­
formal, mas também precisamos pedir que blema era o fato de o rei ter tantas esposas,
Deus nos dê sabedoria para usar corretamen­ além do que nem sempre é fácil para filhos
te o conhecimento. Também precisamos de de celebridades terem uma infância normal.
dinheiro, alimento, roupas e abrigo, tanto Porém, quaisquer que tenham sido as cau­
que Jesus disse: "Vosso Pai celeste sabe que sas, os filhos de Davi não se deram nada
necessitais de todas essas coisas" (M t 6:32), bem, e seu caráter e atitudes afetaram a
mas ganhar dinheiro simplesmente para nação toda.
enriquecer é entregar-se à cobiça e se preo­ De acordo com Gênesis 3, Satanás apa­
cupar tanto com os preços a ponto de igno­ receu como um mentiroso, e seu primeiro
rar os valores. alvo foi o casamento, um relacionamento
Salomão foi irresponsável em diversas que vem atacando desde então. Vemos em
áreas de sua vida, e seu filho Roboão her­ Gênesis 4 que Satanás tornou-se homicida,
dou parte dessa mentalidade; acabou divi­ e seu segundo alvo foi a família. Instigou a
dindo a nação. Deus transformou Davi em ira e a inveja em Caim de modo que matas­
um líder ao colocá-lo para cuidar de ove­ se Abel. Diz-se que, no lar moderno, o apa­
lhas, desafiá-lo com um leão, um urso e um relho de som e a TV funcionam melhor do
gigante, obrigá-lo a fugir durante dez anos que os membros da família. As pessoas re­
para salvar a própria vida e fazê-lo esperar clamam porque, em muitas escolas, os filhos
pelo trono prometido. Salom ão cresceu não têm permissão para orar, mas são pou­
cercado de mimos e de proteção; poderia cos os pais que incentivam os filhos a orar
ter sido beneficiado por alguns anos de em casa.
1 REIS 487

O lar é uma escola para o caráter, é o sempre todos concordam com tudo, mas
lugar onde aprendemos a amar, a ouvir, a tentam ajudar uns aos outros ao longo das
obedecer e a ajudar. Em resumo, é onde diversas etapas da vida. E assim que deve
aprendemos a ser responsáveis. ser em nossa casa, em nossa igreja e em
nossa nação.
4. Roboão: as g er a ç õ e s d ev em
TRABALHAR EM CONJUNTO 5 J eroboão : oportunidades
Seja em casa, nos gabinetes do governo ou DESPERDIÇADAS
na igreja, as gerações devem trabalhar em Deus ofereceu a Jeroboão uma oportunida­
conjunto e aprender umas com as outras. de inestimável de construir o reino de Israel
Roboão, filho de Salomão, mostrou-se in­ para a glória de Deus, mas ele a desperdi­
sensato ao fazer ouvidos moucos para a ex­ çou. Em vez de olhar para trás e imitar a
periência dos mais maduros e escolher liderança de Davi, buscando do alto a ajuda
conquistar apenas os aplausos de sua gera­ do Senhor, Jeroboão deixou que seu ego
ção e, como resultado, perdeu grande parte assumisse o controle e fizesse as coisas a
de seu reino. Ao rotular diferentes gerações sua maneira. Inventou a própria religião a
e deixar que cada uma trate de seus assuntos fim de facilitar a desobediência do povo ao
- "Esse é o jeito deles, mesmo!" -, enfraque­ Senhor. Abandonou a autoridade divina da
cemos nossa solidariedade social, dividimos Palavra de Deus e nomeou sacerdotes nem
a família, alienamos gerações inteiras da espirituais nem qualificados. Deus enviou
herança do passado e convencemos os jo­ sinais e mensagens a Jeroboão, mas o rei se
vens de que são, de fato, capazes de ser recusou a sujeitar-se. "O s p ecad os de
bem-sucedidos sem qualquer ajuda. Jeroboão" são mencionados mais de vinte
Deus determinou que os pais devem ser vezes na Bíblia.
mais maduros que os filhos. Também orde­ A divisão do reino de Israel foi uma tra­
nou que os pais amassem os filhos, que os gédia, mas se tanto Roboão quanto Jeroboão
ensinassem a ouvir e a obedecer, que os pro­ tivessem dado ouvidos ao Senhor, poderiam
tegessem do mal e que fossem bons exem­ ter salvado os dois reinos da ruína. Uma vez
plos para eles. Mas os pais também podem que uma oportunidade é perdida, não há
aprender com os filhos, pois se trata de uma como recuperá-la. Cada oportunidade é um
relação de reciprocidade. Invisto em amiza­ teste da visão e dos valores daqueles que
des com jovens porque preciso deles e eles estão no comando. O Senhor deu a Jero­
precisam de mim. Eu os ajudo a ficar em dia boão uma promessa firme (11:29-40), mas
com o passado, e eles me ajudam a ficar o rei não a levou a sério nem confiou que
em dia com o presente. Não estou sempre Deus a cumpriria. A oportunidade não gri­
certo nem eles estão sempre errados. A ge­ ta, mas sim sussurra, e nossos ouvidos devem
ração mais antiga entrega à geração seguin­ estar atentos. A oportunidade bate à porta,
te uma herança valiosa do passado, mas se mas não a arromba, e devemos estar alertas
não compreendermos o mundo em que es­ para abrir a porta no momento certo. O
tão vivendo e como se sentem a respeito poeta norte-americano John Greenleaf W hit­
dele, não poderemos ajudá-los a usar essa tier escreveu:
herança para seu bem e para benefício ge­
ral da sociedade. De todas as palavras tristes da língua ou
Paulo considerou a igreja local como da pena,
uma família em Deus (Tt 2:1-8), em que uma As mais tristes são: "Poderia ter sido, mas
geração ministra a outra. Os mais jovens tra­ não foi!"
tam os de mais idade como se fossem seus
pais e avós, e os cristãos mais velhos tratam Ignorar oportunidades dadas por Deus é
os mais jovens como se fossem os próprios desperdiçar o passado, colocar em perigo o
filhos. Quando uma família se reúne, nem futuro e frustrar o presente.
488 1 REIS

6 . B aal: o câncer traiçoeiro da no passado, havia sido usado para a glória


IDOLATRIA de Deus, transformou-se num montão de
Jeroboão ergueu seus bezerros de ouro e ruínas que deram testemunho dos pecados
Jezabel trouxe consigo a adoração a Baal; de um povo ingrato e incrédulo. O povo
não tardou ao povo do reino do Norte aban­ escolhido de Deus se esqueceu de seu pas­
donar Jeová e se dedicar à veneração de sado glorioso e criou, deliberadamente, um
ídolos inúteis. Um ídolo não é apenas um futuro que trouxe vergonha e devastação.
insulto a Deus, mas também um insulto aos A principal questão da fé em qualquer
homens, pois homens e mulheres foram cria­ nação sempre foi a luta entre os verdadei­
dos à imagem de Deus, a fim de refletir a ros e os falsos profetas, sendo que ambos
glória do verdadeiro Deus vivo. Criar um afirmam falar em nome do Senhor. Os fal­
deus a sua imagem e adorá-lo é perigoso, sos profetas dizem aquilo que desejamos
pois nos tornamos semelhantes aos deuses ouvir, enquanto os verdadeiros profetas di­
que adoramos (SI 115:8); zem aquilo que precisamos ouvir. Os falsos
Se você deseja ser religioso, mas, ainda profetas não fazem um diagnóstico profun­
assim, quer desfrutar os prazeres do peca­ do e completo das enfermidades de uma
do, então o melhor caminho a seguir é a nação, pois seu tratamento é extremamen­
idolatria. Trata-se, porém, de uma liberdade te superficial. O s verdadeiros profetas fazem
que conduz à escravidão, e seu prazer aca­ cortes profundos e expõem os cânceres
ba levando à dor e à morte. Quer o ídolo ocultos e, assim como João Batista, usam o
que adoramos seja o dinheiro, o prestígio, a machado na raiz das árvores (M t 3:10) e não
autoridade, o sexo, o entretenimento ou perdem seu tempo arrancando folhas secas
nossa satisfação farisaica, não poderemos dos galhos que estão morrendo.
jamais encontrar algo parecido com aquilo "O n d e está o S e n h o r , Deus de Elias?",
que recebemos quando adoramos o verda­ perguntou Eliseu ao iniciar seu ministério pro­
deiro Deus vivo por intermédio de seu Fi­ fético (2 Rs 2:14). Sabemos a resposta: "O
lho, Jesus Cristo. S e n h o r , porém, está no seu santo templo"
(Hc 2:20). Mas a verdadeira pergunta não é
7. E lias: reforma e renovação "O nde está o S e n h o r , Deus de Elias?", e sim:
Uma nação, uma igreja, uma família ou um "O nde estão os Elias?" Deus continua à pro­
indivíduo jamais se encontrarão tão perdi­ cura de homens e de mulheres cujo cora­
dos a ponto de o Senhor não poder lhe dar ção esteja em ordem com ele, pessoas que
um recomeço. Elias era inimigo de Acabe, ele pode usar para resgatar o passado, reno­
pois Acabe estava agindo de acordo com var o presente e salvar o futuro.
os próprios interesses e não de acordo com
a vontade do Senhor. Elias era um servo de 8 . A cabe e J ezabel: o abuso do poder
Deus e arriscou a vida para conduzir a na­ Comecei a ler, há alguns anos, uma biogra­
ção de volta ao Deus de Abraão, Isaque e fia de Adolf Hitler, porém, quanto mais eu
Jacó. A verdadeira reforma deve levar a uma lia, mais deprimido ficava, até que finalmen­
renovação espiritual. Não basta derrubar os te parei de ler o livro e nunca o terminei.
altares pagãos e remover os sacerdotes de Minha reação quanto a Acabe e Jezabel não
Baal. Devemos também reconstruir os alta­ é muito diferente. Ele era um homem fraco,
res de Deus para que um novo fogo do céu e ela, uma mulher cruel; juntos constituíram
consuma os sacrifícios. a personificação da perversidade. Se vives­
Realizar uma reforma significa livrar-se do sem nos dias de hoje, Holywood lançaria
acréscimo de novidades, a fim de voltar aos um filme sobre eles e apareceriam numa
fundamentos das coisas antigas. Quando minissérie de TV. Empunhando suas câmeras,
Israel abandonou sua aliança com Jeová, a mídia seguiria cada movimento do casal,
deixou de ser o povo de Deus e se tornou fornecendo relatos detalhados de tudo o que
como as outras nações. O lindo templo que, fizessem. O fato de Acabe e Jezabel serem
1 REIS 489

incrédulos e ímpios e de não terem caráter eu recusaria".1Um dos personagens da peça


nem altos ideais não seria relevante. O pú­ Estranho Interlúdio [Strange Interlude], do
blico alimenta sua imaginação perturbada dramaturgo norte-americano Eugene O'Neill,
com esse tipo de lixo e continua pedindo diz: "Nossa vida é simplesmente uma série
cada vez mais. Graças à natureza humana de interlúdios estranhos e sombrios na tela
decaída, sempre há mais a oferecer. de vídeo de Deus Pai", uma idéia pouco
Se você fizer uma leitura superficial de animadora.
uma retrospectiva do século vinte, ficará Saber que nosso Deus é soberano so­
admirado com o fato de as nações do mun­ bre todas as coisas dá-nos a coragem e a fé
do sobreviverem a uma concentração tão necessárias para viver e para servir neste
grande de abuso de poder. Boa parte des­ mundo decaído. " O S e n h o r frustra os desíg­
se abuso foi brutal, levando ao extermínio nios das nações e anula os intentos dos
de milhões de pessoas inocentes. Algumas povos. O conselho do S e n h o r dura para sem­
de suas manifestações foram mais refinadas, pre; os desígnios do seu coração, por todas
mas ainda assim levaram à destruição. Os as gerações" (SI 33:10, 11). Ele nos deu o
que não usaram facas, revólveres e fornos direito de fazer escolhas e de tomar deci­
crematórios empregaram palavras, o que sões e não im põe sua vontade; porém,
inclui gente que se dizia cristã dentro das mesmo se não tiver nossa permissão de go­
igrejas. O mundo assistiu a tudo isso e dis­ vernar, ele prevalece. Apesar de nossa resis­
se: "Vejam como se odeiam!" Estou no mi­ tência e rebeldia, a vontade de Deus será
nistério há mais de cinqüenta anos e, nos feita "assim na terra como no céu". Ele con­
últimos dez anos, tenho ouvido mais histó­ trola o universo com suas leis eternas de
rias de horror que se passam dentro de igre­ sabedoria e não reúne um comitê para de­
jas do que ouvi nos outros quarenta anos. terminar um consenso em sua criação. Nas
Seja o poder administrativo, financeiro, palavras de A. W . Tozer: "O arbítrio do ho­
físico, mental ou, ainda, o poder maior de mem é livre, pois Deus é soberano. Um Deus
vida ou de morte, o poder que vem de Deus aquém da soberania não poderia conceder
deve ser usado de acordo com a vontade liberdade moral a suas criaturas, pois teria
dele. Reis e rainhas, imperadores e primei­ medo de fazê-lo".2
ros-ministros, ditadores e generais, pais e N o entanto, quão longânimo Deus é,
professores, o FBI e a K G B - todos devem tanto com os salvos quanto com os perdi­
prestar contas ao Senhor e, um dia, respon­ dos! Ele permitiu que Jezabel matasse alguns
derão diante dele por seus atos. dos profetas do Senhor e que Elias fugisse
O Rei Jesus é o maior exemplo do uso de seu posto de serviço. O maior julgamen­
correto de autoridade: ele é um Servo que to que Deus pode mandar é permitir às pes­
lidera e um líder que serve, e o faz porque soas que façam as coisas a sua maneira e,
nos ama. depois, sofram as conseqüências. "Até quan­
do, S e n h o r ? " Essa tem sido a oração aflita
9. D eus é soberano ! dos cristãos aqui na terra (SI 13:1-2) e no
Desde os tempos de Jó, as pessoas têm céu (Ap 6:10), mas nossos tempos estão nas
procurado entender o que acontece neste mãos do Senhor, e ele sabe tudo, do princí­
mundo, e até agora ninguém descobriu a pio ao fim. Quando as notícias do dia me
chave. Se já é difícil fazer uma previsão do perturbam, faço uma pausa e adoro ao Deus
tempo, quanto mais entender plenamente a eterno e soberano, que nunca é pego de
dinâmica da história ou mesmo as situações surpresa nem desprevenido. Isso evita a in­
de nossa vida. Nas palavras de um ator de quietação e o desânimo e ajuda a manter a
cinema famoso: "A vida é como o roteiro vida em equilíbrio.
de um filme de baixo orçamento - extrema­ O Livro de 1 Reis nos revelou a pecami-
mente brega. Se alguém me oferecesse a nosidade do coração humano, a fidelidade
história de minha vida para fazer um filme, de um Deus amoroso e a seriedade de fazer
490 1 REIS

parte do remanescente fiel a Deus. Antes nossa resposta à habilidade de Deus. O Se­
de Jesus voltar para estabelecer seu reino, nhor ainda está assentado em seu trono, de
muita coisa ainda vai piorar, e é possível que modo que podemos nos juntar à multidão
fiquemos desanimados e que sejamos ten­ celestial e entoar o cântico dos vitoriosos:
tados a desistir. Nesses momentos, devemos "Aleluia! Pois reina o Senhor, nosso Deus, o
nos lembrar de que a responsabilidade é Todo-Poderoso" (Ap 19:6).

1. D o u g la s, Kirk. Look, 4 out. 1955.

2. To zer , A. W . The Knowledge o f the Holy. Harper, 1961, p. 118.

Você também pode gostar