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Boccaccio mitológico: reflexos da lenda Píramo e Tisbe na primeira novela da

quarta jornada da obra Decamerão .

Jorge Delmar Jr1

RESUMO: O relatório descreve os resultados da comparação da lenda mitológica


Píramo e Tisbe, através do poema que consta no livro Metamorfoses, de Ovídio, com a
primeira novela da quarta jornada do livro Decamerão, de Giovanni Boccaccio, cuja
obra mostra claras referências ao mito grego versificado por Ovídio.

PALAVRAS CHAVE: Literatura Comparada; Ovídio; Giovanni Boccaccio.

INTRODUÇÃO

A lenda de Píramo e Tisbe tem, entre seus atributos, a relevância de ter inspirado
Ovídio a relatar o mito grego em forma de versos nos primeiros anos da era cristã.
Na idade média, no século XIV, fora composta uma novela de poucas páginas de
Giovanni Boccaccio com referências similares. O teor e forma da novela, escrita muitos
séculos depois, sugere que o escritor teve contato com a obra do poeta romano.
A execução prática deste trabalho será a comparação literária do poema Píramo e
Tisbe, composta por Ovídio, mito declamado em versos entre tantos outros na sua obra
Metamorfoses, com a novela de Giovanni Boccaccio, uma entre as inúmeras da obra
Decamerão.
Referidos os objetos de análise, o grupo seguirá métodos que será posteriormente
explicitado, no intuito de praticar da melhor forma possível a comparação literária.
Além das referidas obras estudadas, tomaremos como apoio, textos de outros
pesquisadores da área de literatura comparada e teoria da literatura, entre eles, Sandra
Nitrini e Ítalo Calvino.

1 Graduado em Letras pela Faculdade de Comunicação, Artes e Letras da UFGD.


A tarefa

O procedimento analítico escolhido será o de comparar a primeira novela da quarta


jornada de Decamerão, de Giovanni Boccaccio, localizada entre as páginas 212 e 219,
edição de 1971 da coleção Os imortais da literatura universal, editora Abril, traduzido
por Torrieri Guimarães e o poema de Ovídio, do livro Metamorfoses IV, entre os versos
55 à 165, traduzido pelo professor Raimundo Carvalho, versão PDF.
A decisão de Delimitar o recorte do primeiro objeto em apenas uma novela e o
segundo, apenas à sequência de versos referentes ao mito grego, tem por finalidade,
proporcionar uma experiência completa da atividade de comparação literária com metas
exequíveis, o que justifica supor que os dois objetos escolhidos, devido ao reduzido
tamanho, contemplem plenamente a finalidade proposta.

Por que comparar?

A comparação literária pode ter como estímulo para determinar seu objeto de
estudo, evidências, que, através de referências, possam comprovar intertextualidade
entre obras sob o olhar científico do método comparativo.
A primeira razão para justificar essa análise é a oportunidade de ampliar a
possibilidade de leitura de um clássico, ou parte dele, como neste trabalho.
Ítalo Calvino já afirmara a relevância do livro clássico justamente por sua vanguarda
ao relatar assuntos nem sempre desonhecidos:

O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos;


as vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos ( ou
acreditávamos saber ) mas desconhecíamos que ele o dissera
primeiro ( ou que de algum modo se liga a ele de maneira
particular ). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação,
como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de
uma pertinência. (CALVINO, 1993,p.12)

Um leitor de fôlego, que venha empreender a árdua tarefa de apreciar a obra


Decamerão, poderá supor que um sentimento vanguardista para época, através do
feminismo ou causas feministas, representado nas personagens femininas boccaccianas,
sugerem mulheres empoderadas, gozadoras das benesses da liberdade intelectual,
atitude não muito apreciada na idade média, não obstante, essas mesmas mulheres
também sofriam por estarem em luta constante contra o status quo machista do século
XIV. Esse realismo do comportamento social e intelectual das personagens de
Boccaccio, sejam masculinas ou femininas, também confere destaque ao término da
obra, mas esse trabalho vai limitar-se analisar apenas uma novela.
A novela escolhida apresenta possível referência ao mito grego, sem deixar de ser
original. Para confirmar nossa hipótese é justificativel recorrer-mos aos métodos da
literatura comparada, para, quem sabe, ter a possibilidade de obter-mos o mesmo
entendimento que Nitrini, quando esta afirma que:

A expressão resultado autônomo refere-se a uma obra literária


produzida com a mesma independência e com os mesmos
procedimentos difíceis de analizar, mas fácil de se reconhecer
intuitivamente, da obra literária em geral. Ostentando
personalidade própria, representando a arte literária e as demais
características próprias de seu autor, mas na qual se reconhecem,
ao mesmo tempo, num grau que pode variar consideravelmente, os
indícios de contato entre seu autor e um outro, ou vários outros.
(NITRINI, 2015, p.123)

Apenas uma novela e um poema

Considerado a realidade que, muitos não poderão, não quererão ou, simplesmente,
não verão nenhum fato positivo que justifique expender horas de leitura de uma obra
com mais de 600 páginas escrita em caixa pequena, propomos, como exercício prático,
a comparação de uma novela com 07 páginas, de Giovanni Boccaccio, com o poema
Píramo e Tisbe, de Ovídio, poema cujo um de seus grandes feitos, segundo alguns, fora
ter inspirado Willian Shakespeare compor Romeu e Julieta entre os anos de 1500 em
diante.
Comparar o poema de Ovídeo com Shakespeare, já seria por si só uma atividade
válida para um exercício comparatista. Seria uma forma de pôr os conhecimentos das
aulas em prática, porém, estar diante de uma obra anterior a do dramaturgo inglês, faz-
nos admirar ainda mais Ovídio e nos proporciona descobrir, que, uma obra pouco
consultada, tenha uma obra de referência relevante, ou seja, uma obra que já era
relevante, porém desconhecíamos.
Quando uma obra tem relevância, faz jus revisita-la e, com justiça, parabenizar o
autor pelo pioneirismo no tocante ao tema que aborda, no caso da novela de
Decamerão, o da sensibilidade feminina, social e o diálogo com versos de Ovídio sobre
o mito grego.

A escolha da obra

O principal atributo para a escolha da obra, fora ter reconhecido características do


mito Píramo e Tisbe, imortalizado nos versos de Ovídio, quando feito o término da
leitura da novela escrita por Boccaccio, a que fora escolhida para ser analisada neste
trabalho junto com o poema de Ovídio.

Objetivo

A partir do reconhecimento do enredo de Píramo e Tisbe na obra do escritor


italiano, o objetivo deste trabalho será o de confirmar, através de uma análise
comparativa, a possível referência do poema de Ovídio na referida novela escrita por
Giovanni Boccaccio entre 1349 e 1352 e posteriormente revisada entre 1370 e 1371.

Os autores

Publius Ovidius Naso nasceu em Sulmona, na Itália, no ano 43 antes da era cristã,
de origem nobre, estudou com os melhores mestres que a educação romana pudera lhe
dar, foi funcionário público do império romano, mas, destacou-se efetivamente como
poeta, sua obra mais famosa são os 15 livros da série Metamorfoses.
Ovídio teve fama, riqueza e mulheres até seus cinquenta anos, após essa idade, fora
banido de Roma pelo imperador augusto, suspeita-se que o motivo seja o envolvimento
do poeta com a neta do imperador chamada Júlia.
Giovanni Boccaccio nasceu em Paris, filho de bem sucedido empresário italiano,
Boccaccio fora criado na Itália e foi estudar finanças em Nápoles, estudou direito
canônico, mas o pendor literário falaria mais alto.
Fez carreira literária bem sucedida, tanto como escritor quanto crítico e sua obra
Decamerão é considerada sua obra prima.

A origem de tudo

Baseando-me na lenda de Píramo e Tisbe, captada por Thomas Bulfinch em seu


livro denominado O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) histórias de deuses
e heróis, traduzida por David Jardim Júnior, publicado originalmente em 1855, narra a
tragédia amorosa de Píramo e Tisbe, dois amantes de famílias rivais que cometem
suicídio acidentalmente, as aparências (signos), acabaram com o amor irresistível.
Resumindo, Tisbe era uma jovem que se apaixonara por Píramo, apesar de ambas
famílias não conscentirem com o relacionamento entre os dois, os apaixonados, que
moravam em residências geminada, dividida apenas por uma parede, nutriam um amor
mútuo apesar das barreiras.
O casal acabou por encontrar um orifício na parede, e conseguiram, através deste,
trocar bilhetes e arquitetar um plano de fuga para viver o tão sonhado amor.
Na paisagem natural do mito, as cerejas eram brancas, como também não era fora do
comum avistar feras sairem dos matagais e andarem perdidas pela cidade.
Tisbe e Píramo planejaram uma fuga, uma amoreira, carregadas de amoras brancas,
fora escolhida como ponto de encontro.
Perto desta amoreira havia um córrego, uma leoa que acabara de alimentar-se de um
boi, abatido por ela, fora beber água do córrego que corria perto da amoreira.
Tisbe, por precaução, escondera-se em uma caverna um pouco mais afastada da
árvore até o animal abandonar o local.
Por ter saído às pressas, Tisbe deixara cair seu lenço próximo à frondosa árvore, a
leoa, após beber água, antes de se retirar, começa a farejar e rasgar o lenço no chão,
lenço que Tisbe deixara cair.
Enquanto a leoa mordia o lenço, Píramo, acreditando que a onça havia devorado
Tisbe, chorou por imaginar que só sobrara o lenço da carnificina que sua amada sofrera.
Desesperado, Píramo desembainha sua espada e comete suicídio introduzindo-a no
coração, assim poderia encontrar sua amada que acreditara estar morta. Tisbe, apesar de
distande, consegue ver o que ocorrera, porém, não chega a tempo de evitar a tragédia,
de igual forma, crava a espada no seu próprio coração e inunda com o sangue dela e de
seu amado, as amoras brancas, que havia no chão, foram banhadas com o sangue do
casal, desde então, todas as amoras começaram a nascer vermelhas..
Assim encerra o caso de amor de Píramo e Tisbe e justifica, segundo a lenda, as
amoras serem vermelhas.

Reflexos, intertextualidade e diálogo

A novela de Boccaccio, a primeira da quarta jornada de Decamerão, quando


comparada com o poema de Ovído, semanticamente, percorre 10 versos ( 55 à 64 ) do
poema traduzido pelo professor Raimundo Carvalho, pois nesse conjunto de versos
temos a apresentação dos personagens e o momento em que apaixonan-se:

Píramo e Tisbe, ele o mais belo dos jovens, (55)


ela, a mais linda dentre as moças do Oriente,
tinham casas contíguas, contam, na cidade
que Semíramis fez de altos muros de adobe.
A vizinhança permitiu-lhes conhecerem-se;
com o tempo o amor cresceu. E núpcias haveria, (60)
mas os pais proibiram. Não puderam proibir
dois corações cativos de igualmente arderem.
Sem que soubessem, eles falam por sinais,
e quanto mais se oculta, mais o fogo ferve. (64)
(CARVALHO, 2011, p.4)

Enquanto na novela, o mesmo momento ocorre quando Guismunda escolhe seu


amado Guiscarlo também por sinais:

Tendo-o frequentemente sob as vistas, apaixonou-se fortemente


por ele, mas mantendo sempre escondido o amor que sentia,
embora lhe elogiasse cada vez mais os modos. O rapaz, que, além
do mais não era pouco esperto, notou logo o que se passava com
ela; e de tal maneira a recebeu em seu coração, que quase afastou o
seu espírito de todas as outras coisas, tanto passou a amá-la.
(BOCCACCIO, 1971, p. 212)
Na novela de Boccaccio, Tisbe estará nas características da personagem
Guismunda, filha do velho príncipe de Salermo, e, Píramo, estará encarnado na
personagem Guiscardo.
Entre os versos 65 até 70, no poema de Ovídio, temos um elemento fundamental
do mito Píramo e Tisbe: a parede. Parede que separa o casal.
Outra evidência que a novela de Giovanni Boccaccio dialoga com o poema de
Ovídio é o personagem amor, este que sempre encontra soluções para os apaixonados,
vejam os versos do poeta:

Numa parede-meia há uma fina greta, (65)


surgida enquanto as casas eram construídas.
Ninguém notara a falha, nesses longos séculos,
(o que não sente o amor?) Logo a vistes, amantes,
e com a voz fizestes trilha e ali seguros
costumavam trocar ternos murmúrios mínimos. (70)
(OVÍDIO, 2011, p.4)

Da mesma forma que Ovídio atribui ao amor a solução e o modo de transpor uma
barreira entre um casal, na novela de Boccaccio, a solução, como no poema de Ovídio,
também fora criada muito tempo atrás e é mostrada pelo amor, como no poema, porém,
em Boccaccio, a solução fora uma escada que será utilizada para os apaixonados
realizarem suas vontades, o autor de Decamerão ilustra:

Tal escada saíra completamente da lembrança das pessoas,


pois desde tempos remotíssimos não vinha sendo utilizada;
quase ninguém mais tinha lembrança de sua existência. O
amor, contudo, a cujos olhos nada de oculto deixava
revelar-se, fizera com que a recordação da existência de tal
escada retornasse à lembrança da jovem apaixonada.
(BOCCACCIO, 1971,p.213)

A forma oculta como ocorria os encontros do casal, pode ser visto como uma
barreira, uma barreira social, metáfora da parede do poema de Ovídio, que teve o amor
como responsável pela solução. Isto pode ser considrado como uma evidência de
diálogo e intertextualidade do poema de Ovídio com a novela.
Dos versos 71 à 95, a novela de Boccaccio continua a dialogar com o poema de
Ovídio, onde a barreira física fora metamorfoseada em barreira social, pois Guiscardo e
Guismunda tem encontros carnais, mas sempre em segredo.
Os encontros às ocultas substitui a parede do mito e a fuga se metamorfoseará nos
momentos de sexo desfrutado pelo casal. Os encontros carnais de Guismunda e
Guiscarlo é a metáfora da fuga do seu mundo, fuga de sua realidade, o segredo do
romance também é a metáfora da fuga de Tisbe, que fora disfarçada para encontrar
Píramo. Essa fuga, em Boccaccio será interrompida pelo acaso:

Tendo aprendido muito bem esse caminho, com muita


frequência tornou a percorrê-lo, com o passar do tempo.
Contudo, a Sorte, invejosa de tão prolongado amor e de tão
intenso prazer, provocou um evento que mudou a delícia
dos dois amantes em tristes lágrimas. (BOCCACCIO, 1971,
p.214)

Em Ovídio, o acaso invejoso estará na figura da parede que é óbice para o beijo
dos amantes:

Sempre que Tisbe, de um lado e do outro Píramo, (71)


notavam os seus mútuos suspiros, diziam:
Invejosa parede, obstas por que os amantes?
Custava-te deixar-nos unir nossos corpos,
ou, ao menos, abrir-te para nos beijarmos!
Ingratos não somos, a ti agradecemos
por levar a ouvido amigo o que dizemos (77)
(OVÍDIO, 2011, p.4)

Na lenda de Píramo e Tisbe declamada por Ovídio, a figura da leoa engana Píramo,
enganado, este, comete suicído, e assim, o amor do casal torna-se uma tragédia. Em
Decamerão, na primeira novela da quarta jornada, o diálogo com o signo leoa estará
semanticamente representado pelo pai de Guismunda, pois Guiscarlo ao chegar depois
de Tancredi, que por acaso estava no quarto da filha sem que ninguém se desse por sua
presença, fez dessa noite, a noite em que há de perder dois amantes.
No poema, os versos estão dessa forma:
diz: Uma só noite há de perder dois amantes,
dos dois, ela uma longa vida merecia,
pois sou culpado. Eu te danei, desgraçada, 110
eu te chamei a vir de noite em ermo hórrido
e não cheguei primeiro. O meu corpo rasgai,
e devorai-me as vísceras com feros dentes,
(OVÍDIO, 2011, p.5)

Em Decamerão, essa estrofe estará aludida na cena em que Tancredi vai visitar a
filha em seu quarto e não a encontra, sentado em um banco oculto, o velho príncipe
adormece e só acorda no momento intenso de sexo entre a filha e seu amante, e neste
momento já estava selado o destino de Guiscarlo, a morte, segue o trecho:

Foram ambos para a cama, como estavam acostumados; ali,


brincaram e gozaram seus prazeres. Sucedeu que Tancredi
acordou; viu e ouviu o que Guiscardo e a filha estavam
fazendo. Profundamente magoado com o fato, seu primeiro
impulso foi o de ralhar; em seguida, porém, decidiu calar-se
e permanecer escondido, se possível, para depois, e com
menor probabilidade de vergonha pessoal, poder tomar
medidas, com a precaução necessária, realizando o que, em
seu espírito, já decidira fazer. (BOCCACCIO, 1971, p. 214)

No poema de Ovídio, entre os versos 110 e 130, os versos discorrem sobre o


momento em que Píramo, devido à impressão errônea do lenço ensanguentado, aos
pedaços na boca da leoa, acreditou ser a evidência da morte de Tisbe.
Em Boccaccio esta percepção ocorre na personagem feminina, pois quando
Tancredi revela que descobriu a relação de Guismunda com Guiscardo, ela supos que
seu amante já houvera sido assassinado, e por isso, resolveu abandonar a vida nesse
instante, mas na verdade, Tancredi não havia, ainda, dado a ordem para assassinar
Guiscardo. Boccaccio dialoga com o poema de Ovídio ao fazer a personagem
Guismunda justificar por que estava tomando a fala masculina da lenda Píramo e Tisbe,
que Ovídio respeitara o lugar de fala de cada personagem. Em Boccaccio esta evidência
está no seguinte trecho:

Depois de ouvir o pai, Guismunda ficou certa de que seu


amor fôra descoberto, e de que além do mais, Guiscardo
estava preso; por isso, sentiu dor inexprimível; e muito
perto esteve de demonstrar essa dor com gritos e lágrimas,
como costuma fazer a maioria das mulheres.Esta vileza
contudo, fora suplantada pelo seu espírito orgulhoso. Com
extraordinária força ela manteve o rosto erguido, olhando
para a frente; antes de implorar fosse o que fosse, a seu
favor, resolveu não continuar vivendo; imaginou que seu
Guiscardo já estava morto(BOCCACCIO, 1971, p. 215)

Em Ovídio, o mesmo episódio, porém com as personagens masculinas e


femininas inversas, pode ser percebido nos seguintes versos:

Mas é fraco quem quer morrer! O véu de Tisbe 115


Ergue e o leva consigo para embaixo da árvore.
E após derramar lágrimas, beijando o véu: (OVÍDIO, 2011,
p. 05)

Adiantando alguns versos do poema, é possível reconhecer a descição da


personagem Guismunda morrer, no poema de Ovídio, o leitor poderá reconhecer Tisbe
tomando a mesma decisão essa decisão através dos seguintes versos:

Te seguirei morto e dirão que fui eu, mísera,


causa e sócia em teu fim. E tu, que só a morte
arrebatou de mim, na morte me terás.
(OVÍDIO, 2011, p. 06)

Boccaccio ilustra um amplo debatate feminista através do embate entre


Tancredi e sua filha, a obra retoma a lenda de Píramo e Tisbe através dos símbolos da
urna e a morte unida do casal, eventos que fecham o poema de Ovídio, da mesma
forma, respeitadas as devidas proporções fora realizada nesta novela curta do século
XIV.
Em Boccaccio, através da personagem fiammetta, a que narra a novela, que tem
como personagem Guismunda, o momento do fechamento do poema pode ser inferido
neste momento do texto:

Contudo, se resta alguma coisa daquele amor que outrora


sentiu o senhor por mim, dê-me, como derradeiro presente,
o seguinte: não tendo sido do seu agrado que eu vivesse
tácitamente, às ocultas, com Guiscardo, conceda pelo
menos que, publicamente, o meu corpo descasnce junto ao
dele, onde quer que o senhor o tenha mandado atirar depois
de morto. (BOCCACCIO, 1971, p.219)

Em Ovídio, o poema encerra e narra o mesmo fato nos seguintes versos:

Ouvi, porém, a prece que ambos fazemos,


ó pais, meus e também os dele,infelicíssimos, 155
não negueis enterrar juntos num mesmo túmulo,
estes que amor sincero uniu na hora extrema.
Mas tu, árvore, que ora cobres, com teus ramos,
mísero corpo, logo, a dois dará um teto,
guarda os sinais do sangue em negro fruto, apto 160
ao luto: monumento de uma morte gêmea.
Disse e, a ponta da espada pondo sob o peito,
deitou-se nela, ainda úmida de morte.
Os seus votos chegaram aos deuses e pais.
Pois, quando está maduro, a cor do fruto é negra; 165
e o que em piras restou repousa unido em urna.
(OVÍDIO, 2011, p.06)

Conclusão

A novela Boccacciana dialoga, possui intertextualidade e fora evidentemente


influênciada, entenda-se influência como o estro para compor bela narrativa em
Decamerão, evidentemente, pela localidade e o tempo que separa o poema da novela, é
possível supor que Boccaccio lera o poema de Ovídio, e este fora a inspiração para
compor seu debate feminista no século XIV com as personagem vanguardistas de
Decamerão.
Essa conclusão só fora possível através da prática do método comparativo,
exercício prático da literatura comparada.
Diante dos referenciais bibliográficos, teóricos e das obras comparadas, não é
injusto o honroso título que muitos críticos e historiadores de literatura dão à Boccaccio
como o autor realista da baixa idade média.
Referências bibliográficas:
BOCCACCIO, Giovanni. Decamerão. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Abril cultural,
1971.
BULFINCH, Thomas, O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula) :
histórias de deuses e heróis ; tradução de David Jardim Júnior  26a ed.  Rio de
janeiro, 2002
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? São Paulo, p.09-17 Companhia das
letras, 1993.

CARVALHO, R. N. B. Píramo e Tisbe: uma fábula de amor e morte In: REEL 


Revista Eletrônica de Estudos Literários, Vitória, s. 2, ano 7, n. 8, 2011. Disponível em:
http://periodicos.ufes.br/reel/article/view/3681/2910 Data de acesso: 06/11/2018
NITRINI, Sandra. Percursos históricos e teóricos. In Literatura comparada 
história, teoria e crítica. São Paulo: Edusp, 2015.

Biografias:

Publius Ovidius Naso. Disponível em: http://www.publius-ovidius-naso.com/.


Acesso em: 27 de nov. 2018.·.

Publius Ovidius Naso. Disponível em:


https://www.infoescola.com/biografias/ovidio/. Acesso em: 27 de nov. 2018.·.

Giovanni Boccaccio. Disponível em: https://www.ebiografia.com/boccaccio/


Acesso em: 27 de nov. 2018.

Giovanni Boccaccio. Disponível em:


https://pt.wikipedia.org/wiki/Giovanni_Boccaccio/ Acesso em: 27 de nov. 2018.

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