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Regulamentar a Mediação: Um Olhar Sobre a Nova Lei de Mediação em


Portugal

Article in Revista Brasileira de Direito · December 2015


DOI: 10.18256/2238-0604/revistadedireito.v11n2p53-65

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Cátia Marques Cebola


Instituto Politécnico de Leiria
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Regulamentar a Mediação: um olhar sobre
a nova Lei de Mediação em Portugal
Cátia Marques Cebola
Possui doutorado em Derecho Processal pela Universidad de Salamanca (2011). Atualmente
é Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Leiria. Tem experiência na área de Direito.
E-mail: <catia.cebola@ipleiria.pt>

Resumo
A flexibilidade de procedimentos e instrumentos inerentes à mediação torna complexa a tarefa de a
regulamentar. No presente trabalho analisa-se o equilíbrio entre a sua flexibilidade incontornável e
a uniformidade necessária, tendo em conta os diferentes modelos de regulamentação da mediação
patentes mundialmente. Não escapando à tendência internacional de regulamentar a mediação, apre-
sentam-se, por fim, as principais notas que caraterizam a nova Lei de Mediação em Portugal.
Palavras-chave: Mediação. Dilema Diversidade-Uniformidade. Modelos de Regulação. Princípios de
Mediação. Portugal.

1 Introdução belecido para a mediação em Portugal, analisan-


do-se, ainda que de forma sumária, as principais
opções legislativas vertidas na Lei n.º 29/2013, de
A mediação, enquanto mecanismo flexível,
19 de abril. Tem-se ainda em conta a Portaria n.º
evidenciando uma aparente leveza procedimental
344/2013, de 27 de novembro, relativa à criação de
no que concerne aos seus trâmites, torna-se um
uma lista de mediadores e a Portaria n.º 345/2013,
corpo estranho no sistema jurídico, fortemente
de 27 de novembro, respeitante às entidades for-
legalizado, em que nos inserimos, pelo que a sua
madoras na área da mediação.
regulamentação (ou regulação) tornar-se-á na
chave da afirmação deste instrumento junto dos
operadores jurídicos, mas também dos cidadãos.
Equilibrar a flexibilidade e informalidade da
2 Dilema Diversidade-Unifor-
mediação, por um lado, e a necessidade de esta- midade: regulamentar a me-
belecer parâmetros de qualidade deste mecanis- diação, sim ou não?
mo, por outro, logrando suficiente uniformidade,
sem elcatia biminar práticas ou âmbitos de ação,
constitui um objetivo hercúleo. Será, por isso, A gradual aplicação da mediação, ainda que
fundamental estabelecer-se o âmbito da regula- não totalmente coroada de êxito, a atentar nas
mentação da mediação, por forma a perceberem- estatísticas que lhe respeitam1, fez emergir uma
se quais as questões de indispensável atenção nos preocupação crescente pela promoção da sua qua-
documentos legais vigentes nesta sede, designa- lidade, no sentido de se estabelecerem critérios de
damente em termos de formação e estatuto do 1 A título de exemplo, o Sistema de Mediação Laboral
em Portugal baixou abruptamente dos 607 pedidos
mediador ou do valor jurídico do acordo obtido de mediação em 2008, para os 237 em 2010, tendo
pelas partes e da própria relação da mediação finalizado com acordo 29 processos de mediação
com o processo judicial. laboral em 2008 e apenas 13 em 2010. Números
disponibilizados no website do GRAL a 30 de mar-
Norteado por este objetivo, o presente traba- ço de 2011, http://www.gral.mj.pt/userfiles/Estat%-
lho terá em linha de conta o regime jurídico esta- C3%ADsticas%20Media%C3%A7%C3%A3o%20
P%C3%BAblica%2822%29.pdf.

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C. M. Cebola

controlo do seu exercício, de que são exemplo os tion practice, the flexibility of the process, its cost
códigos de conduta para mediadores. effectiveness and its accessibility”6.
Acresce que, a introdução de um novo ca- O Dilema Diversidade-Uniformidade busca
minho, como é a mediação, no sistema de resolu- o ponto ótimo de equilíbrio entre a flexibilidade
ção de conflitos de um Estado e as mudanças que da mediação e a inerente capacidade de adaptar-
suscita no paradigma judicial implementado, cer- se a diferentes conflitos e a diferentes mediados,
tamente convocarão naturais reticências dos pro- ao mesmo tempo que não pode esquecer de asse-
fissionais jurídicos que revelam, não raras vezes, verar a confiança e a sua qualidade, designada-
dúvidas e apreensão relativamente ao seu esque- mente, no que respeita às suas implicações jurídi-
ma informal, flexível e sem um enquadramento cas e efeitos do resultado obtido.
legal minucioso2. Perante o enunciado Dilema urge perguntar,
Estes fatores confluíram para o desenvolvi- desde logo, se a mediação deve ou não ser regula-
mento de uma tendência mundial para regula- mentada e em que termos? Sendo a resposta afir-
mentar a mediação, de que as exigências norma- mativa, torna-se então inevitável questionar que
tivas impostas na União Europeia pela Diretiva matérias deverão ser objeto da atenção e do lavor
2008/52/CE, relativa à mediação civil e comer- legislativo7.
cial 3, são um bom exemplo. Esta tendência de No que concerne à primeira questão, consi-
regulamentação é, todavia, vivida de modo di- deramos importante a regulamentação da media-
ferente pelos diferentes Estados. Países como a ção, por forma a promover-se a transparência, a
Holanda adotaram a máxima “primeiro experi- certeza e a segurança jurídicas, evitando-se con-
menta-se, depois regulamenta-se”. França, pelo fusões terminológicas, conceptuais ou aplicativas.
contrário, cedo optou por regulamentar a aplica- Este constitui um passo inevitável na promoção da
ção da mediação no próprio Código de Processo confiança das partes e, em geral, dos profissionais
Civil, adiantando-se à prática4. jurídicos, na aplicação da mediação, fomentando-
Independentemente da opção adotada, a re- se a qualificação e qualidade de mediadores e, con-
gulamentação da mediação é uma questão com- sequentemente, a qualidade da mediação per se.
plexa devido às dificuldades inerentes à procura Nada será mais imprudente para um mecanismo
do equilíbrio entre a flexibilidade e a informali- em afirmação, como é a mediação, que a sua na-
dade deste método, por um lado, e a uniformida- vegação à vista em águas turvas, sem uma bússola
normativa que norteie a sua implementação en-
de intrínseca à normatividade reguladora da sua
quanto método de resolução de conflitos jurídicos.
aplicação, por outro.
Contudo, defendemos que a regulamentação
Ao almejado equilíbrio entre os enunciados
da mediação deve ser necessariamente apropriada
pratos da balança, em matéria de regulamenta-
e contextualizada. Desde logo, porque a mediação
ção da mediação, denomina a doutrina de “Di-
terá de atender ao contexto cultural e social de
lema da Diversidade-Uniformidade” (Diversity
cada Estado. Com efeito, as diferenças culturais
– Consistency Dilemma)5. Como sublinha Nadja
refletem-se no conteúdo dos próprios conflitos
Alexander, “The advocates of consistency seek to
emergentes em cada sociedade, bem como na for-
establish standards to ensure an appropriate level
ma como os seus protagonistas lidam com as emo-
of mediation competence and process quality and
ções subjacentes a cada disputa e pensam a sua
to provide systems that monitor compliance and solução. A resolução de um conflito por mediação
manage complaints. […] Other commentators em Portugal será, necessariamente, diferente da
highlight the risks of the drive towards consis- forma de o mediar no Japão. E a regulamentação
tency. They argue that consistency through stan- de cada Estado deverá acolher e refletir essas dife-
dardization may threaten the diversity of media- renças culturais, sociais e, também, jurídicas.
2 Neste sentido, veja-se GOLDBERG, Stephen B.;
SANDER, Frank E. A.; ROGERS, Nancy H.; Por outro lado, a regulamentação da media-
COLE, Sarah Rudolph (2007). Dispute Resolution. ção deve ser apropriada aos aspetos essenciais que
Negotiation, Mediation, and Other Processes, 5ª ed., necessitam de um regime jurídico, não podendo
Aspen Publishers, Nova York, pp. 158-159.
3 JOUE L 136, de 24 de maio de 2008. haver aspirações a produzir-se uma regulamenta-
4 Dando conta desta diferença, veja-se ALEXAN-
DER, Nadja (2006). Global Trends in Mediation, 2ª 6 Cfr. ALEXANDER, Nadja (2006). Global Trends in
ed., Kluwer Law International, p. 30. Mediation, ob. cit., p. 29.
5 Cfr. ALEXANDER, Nadja (2009). International 7 Analisamos esta mesma questão em MARQUES
and Comparative Mediation – Legal Perspectives, CEBOLA, Cátia (2013). La Mediación, 1ª ed., Mar-
Kluwer Law International, p. 75. cial Pons, pp. 81-90.

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Regulamentar a Mediação…

ção absoluta e minuciosa que preveja, de forma im- po que expulsaria do mercado, por si mes-
perativa, todas as questões relativas à prática deste ma, os profissionais com menores níveis de
método de resolução de conflitos. Tal pretensão competência ou menos habilitados. Contu-
confrontar-se-ia com o caráter flexível intrínseco do, esta perspetiva assenta na premissa erró-
à mediação. Em muitos aspetos dever-se-á, por nea de que o mercado é perfeito e de que os
isso, deixar às partes e ao mediador a liberdade de mediados teriam igual acesso à informação
estipulação dos procedimentos inerentes à resolu- necessária para uma escolha racional e es-
ção do conflito por este procedimento, devendo a clarecida. Por outro lado, barreiras estrutu-
sua regulamentação cingir-se aos aspetos jurídi- rais, como os níveis educacionais ou fatores
cos que deverão ser uniformizados8. económicos, poderiam motivar a escolha
Considerando-se, assim, inevitável a exis- dos mediados atendendo aos honorários de
tência de uma regulamentação da mediação, ob- cada profissional e não à qualidade do servi-
viamente contextualizada e apropriada, coloca- ço prestado, o que revela a perigosidade deste
se uma segunda questão importante nesta sede, tipo de regulação.
consubstanciada em saber qual a melhor forma de II. A autorregulação (self-regulation) consiste
regular a mediação em cada Estado e que aspetos na criação de regulamentos e normas de con-
se devem regulamentar. duta adotados pelas associações de mediado-
res ou entidades promotoras da mediação. A
desvantagem inerente a esta opção reside na
3 Tipos de regulação aplicação restrita dos preditos regulamentos
apenas aos associados que formam parte da
Em termos genéricos, poderão apontar-se entidade que os aprova. Desta forma, será di-
quatro diferentes tipos de regulação9. fícil promover a sua aplicação generalizada e
I. A regulação do mercado (market regula- uniforme, promovendo-se a proliferação de
tion), baseada no livre funcionamento dos normas e regras díspares relativamente às
serviços de mediação e assente na apologia mesmas questões. Além de que os esquemas
dos valores da concorrência e da liberda- de autorregulação poderiam refletir apenas
de contratual10. Neste sentido, a qualidade os interesses dos associados11.
dos serviços de mediação seria fomentada III. A regulamentação-quadro ( formal fra-
pela procura e escolha dos mediadores com mework) constituiu uma terceira via de
maior formação profissional, ao mesmo tem- regulação possível, assente na promulgação
8 Neste contexto refira-se a nota prévia do Uniform de documentos normativos de enquadra-
Mediation Act nos E.U.A., aprovado em 2002, a mento da mediação, com a prescrição dos
qual refere precisamente que “It is important to princípios e normas gerais, que servirão de
avoid laws that diminish the creative and diverse
use of mediation. The Act promotes the autonomy baluartes máximos e estabelecerão as linhas
of the parties by leaving to them those matters that mestras da política que deve reger a legis-
can be set by agreement and need not be set inflex- lação dos Estados destinatários. A Direti-
ibly by statute”. Veja-se na íntegra o texto do UMA,
com a nota prévia, no seguinte endereço eletróni- va 2008/52/CE, relativa à mediação civil e
co, <http://www.law.upenn.edu/bll/archives/ulc/ comercial, ou a Lei Modelo da UNCITRAL
mediat/medam01.htm>, acedido a 15 de outubro sobre Conciliação Comercial Internacional
de 2010. Para mais informações sobre o Uniforme
Mediation Act, veja-se, inter alia, GETTY, Michael de 2002, são exemplos paradigmáticos des-
B.; MOYER, THomas J.; RAMO, Roberta Cooper te tipo de regulação, que consideramos ser a
(1998). “Preface to Symposium on Drafting a Uni- técnica apropriada quando o seu objetivo fi-
form/Model Mediation Act”, Ohio State Journal on
Dispute Resolution, v. 13, n. 3, pp. 787-789. nal seja a sua transposição e adaptação pelos
9 Cfr. ALEXANDER, Nadja (2008). “Mediation diferentes Estados12.
and the Art of Regulation”, QUT Law and Justice
Journal, v. 8, n. 1, pp. 3-4, disponível no seguinte 11 A Diretiva 2008/52/CE faz referência à auto-regu-
endereço electrónico, acedido a 14 de outubro de lação quando, no Considerando 14 do seu preâm-
2010, <http://www.law.qut.edu.au/ljj/editions/ bulo, refere que “Nada na presente directiva deverá
v8n1/pdf/2_Mediation_and_the_Art_of_Regula- afectar os sistemas de mediação auto-reguladores
tion_ALEXANDER.pdf>. já existentes, na medida em que estes se apliquem
10 A Diretiva 2008/52/CE faz referência à possibili- a aspectos não abrangidos pela presente directiva”.
dade de aplicação desta forma de regulação, quan- Considera a Diretiva, portanto, que deverão ha-
do, no Considerando 17 do Preâmbulo, assinala ver questões, primordialmente de índole jurídica,
que “Os Estados-Membros deverão definir esses regulamentadas de forma uniforme e aplicáveis a
mecanismos, que podem incluir o recurso a solu- todos os mediadores.
ções com base no mercado”. 12 Enrique Navarro Contreras, aquando da sua aná-

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C. M. Cebola

IV. Por último, a regulamentação legislativa rar de cada mediador refletir-se-á no seu sucesso
( formal legislative approach), através da profissional.
promulgação de um diploma legal específi- Claro que a lei, além dos princípios deonto-
co, constitui a regulação típica em ordena- lógicos a observar pelo mediador, poderá sempre
mentos jurídicos como o português. Nesta consagrar determinados deveres a adotar no pro-
sede, a lei publicada, pelas instâncias orga- cedimento de mediação, quando os mesmos refli-
nicamente competentes, refletirá as opções tam a concretização daqueles princípios basilares,
de política legislativa relativamente à regu- mas não deverá transcender este objetivo. Por
lamentação da mediação, estabelecendo o exemplo, se o legislador estabelecer legalmente o
quadro normativo que regerá a sua aplicação terminus do procedimento de mediação por de-
em cada Estado. Esta foi a opção portuguesa sistência de qualquer das partes estará, apenas, a
quando se estabeleceram os princípios gerais concretizar o princípio da voluntariedade que lhe
aplicáveis à mediação realizada em Portugal, é intrínseco, sem introduzir qualquer perturbação
através da Lei n.º 29/2013, de 19 de abril. no normal exercício das funções do mediador.
V. A regulação da mediação através de lei es- Tendo em conta que o legislador não deverá
pecífica deve, contudo, ter em conta o que já regulamentar as técnicas ou modelos de mediação,
anteriormente explicitámos, relativamente ao perguntar-se-á quais deverão ser, então, as preo-
seu objeto e âmbito. Com efeito, não devem, cupações legislativas expressas em norma. Julga-
por exemplo, estar abrangidos pelas intenções mos que o objeto das estipulações legais nesta sede
legislativas a regulamentação dos métodos e deverá abranger as questões jurídicas relativas à
técnicas do mediador, uma vez que a flexibi- aplicação e implementação da mediação. Conside-
lidade subjacente a este método exclui que o ra-se, assim, que uma lei de mediação deverá, entre
legislador determine legalmente e minucio- outros preceitos jurídicos, apresentar os elementos
samente a sequência de atuações a adotar por essenciais do conceito de mediação14; prescrever e
este profissional nas sessões de mediação. regular os seus princípios fundamentais, designa-
damente, a voluntariedade, a confidencialidade ou
Desta forma, os modelos de mediação, técni- a igualdade das partes; estabelecer os requisitos e
cas ou estratégias do mediador deverão integrar o parâmetros de qualificação dos mediadores, com
reduto da liberdade operativa deste profissional, o objetivo de promover a própria qualidade da me-
resguardados de qualquer tutela legal13. Relativa- diação; regular os termos da execução de um acor-
mente às técnicas de mediação deverá funcionar do de mediação; ou os termos da suspensão dos
um sistema de autorregulação ou mesmo de re- prazos de prescrição e de caducidade de direitos
gulação de mercado, uma vez que a forma de ope- aquando do recurso à mediação.
Estas são, em termos gerais, as regras basila-
lise à Proposta de Diretiva Europeia de mediação res prescritas nas várias leis de mediação europeias
civil e comercial, considerou que a UE deveria ter
legislado sobre esta matéria através de um Regula- ou mesmo internacionais, como comprovam, a tí-
mento comunitário. Não concordamos com o au- tulo de exemplo, a Lei n.º 29/2013 de mediação em
tor, precisamente, porque tendo em conta a flexibi- Portugal15, a Lei n.º 5/2012, de 6 de julho, em Es-
lidade da mediação e sua necessária adaptação ao
contexto social em que se pretende implementar, 14 Temos presente que a função da lei não será definir
considera-se que uma diretiva dará aos Estados conceitos ou institutos jurídicos. Contudo, perante
membros maior liberdade de transposição e adap- uma temática de recente difusão como é a media-
tação à realidade de cada país. Cfr. NAVARRO ção e que reiteradamente se confunde com outras
CONTRERAS, Enrique (2006). “El proyecto de práticas (como a conciliação), consideramos impor-
Directiva de Mediación y la Mediación Comercial tante que a lei de enquadramento deste método, em
Internacional”, Métodos alternativos de solución de cada Estado, defina o que entende por mediação ou
conflictos: perspectiva multidisciplinar, Dir. Marta o que exclui do seu âmbito de aplicação. Esta conce-
Gonzalo Quiroga, Editorial Dykinson, pp. 61-62. tualização poderá tornar-se relevante em relação a
13 Bonder, recorrendo à figura do archeiro, compara- conflitos transfronteiriços, podendo dois cidadãos
-o com o mediador, denotando que, muitas vezes, de Estados diferentes referir-se ao termo mediação
este, tal como aquele, primeiro lança as flechas das para designar diferentes métodos, ou designar por
suas perguntas, pintando somente depois o alvo vocábulos diferentes a mesma metodologia. Se o
que as mesmas atingiram, face à imprevisibilidade objetivo primordial da legislação comunitária foi
das respostas emitidas pelos mediados. Desta for- uniformizar, parece-nos que estabelecer um enten-
ma, seria impraticável o exercício da mediação se o dimento similar do que se entende por mediação,
mediador tivesse a sua atividade em cada sessão de ainda que de forma muito genérica, seja o primeiro
mediação legalmente estabelecida. Cfr. BONDER, passo rumo à pretensão almejada.
Nilton (1995). O segredo judaico de resolução de 15 Todos os artigos mencionados no presente tra-
problemas, 10ª ed., Imago, pp. 101-104. balho sem especial indicação da sua integração

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panha16, a Lei alemã (Mediationsgesetz)17, vigente da publicação da Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho,
desde 26 de julho de 2012, ou mesmo o Uniforme que a mediação deveria merecer um tratamento
Mediation Act nos E.U.A., aprovado em 2002. legislativo autónomo e sistemático, concretizador
Tecidas as considerações fundamentadoras do quadro normativo base deste método no nosso
da necessidade de regulamentação da mediação, ordenamento jurídico18. Acresce que, a nova le-
analisemos agora as opções normativas adotadas gislação deixa de ser dirigida apenas aos sistemas
pelo legislador português nesta sede, tentando públicos de mediação19, regulamentando-se agora
perceber-se quais os âmbitos que mereceram a também a designada mediação privada. Efetiva-
atenção legal. mente, no ordenamento jurídico português e de
forma inovadora face ao panorama europeu, fo-
ram sendo criados serviços públicos de mediação
4 Análise da nova Lei de Me- geridos por entidades públicas, responsáveis pela
receção e tratamento dos pedidos de mediação no
diação portuguesa - Lei n.º âmbito da competência material do sistema, bem
29/2013, de 19 de abril como, pela elaboração de listas de mediadores
habilitados a prestar serviços nos mesmos e fis-
A Lei n.º 29/2013, de 19 de abril, veio regu- calização da sua atividade. Estes sistemas contra-
lamentar, de forma autónoma, a mediação em põem-se, assim, à designada mediação privada ou
Portugal, determinando o legislador, logo no seu ad-hoc que consistirá na contratação pelas partes
art. 1.º, o propósito de estabelecer as normas apli- de um mediador para a resolução do seu conflito
cáveis em quatro setores fundamentais: (1) prin- concreto, que exerce a sua atividade profissional
cípios gerais da mediação; (2) mediação civil e a título individual desvinculado de qualquer sis-
comercial; (3) estatuto jurídico dos mediadores; e tema. Atualmente existem três sistemas públicos
(4) sistemas públicos de mediação. nas áreas da mediação familiar, laboral e penal,
Revela o legislador, deste modo, a intenção e um sistema de mediação a funcionar no âmbito
de num único documento legal abarcar vários dos Julgados de Paz. Subjacente a esta diferencia-
aspetos implicados na resolução de conflitos por ção não estará uma lógica concorrencial, mas an-
mediação, alguns dos quais já regulamentados em tes uma diversificação de serviços com o objetivo
Portugal, ainda que em diplomas dispersos. Esta de aumentar as possibilidades de recurso à media-
opção é de elogiar, já se tendo defendido, aquando ção por qualquer cidadão.

legislativa têm-se por referidos à Lei n.º 29/2013,


de 19 de abril. 4.1 Princípios da mediação
16 Relativa à mediação civil e comercial e publica-
da no Boletim Oficial do Estado Espanhol - BOE
nº162, de 7 de julho de 2012. O Capítulo II da Lei n.º 29/2013 vem estabe-
17 A Lei de Mediação alemã foi publicada no Bun- lecer, nos artigos 3.º a 9.º, os princípios gerais apli-
desgesetzblatt (BGBl. I, pág. 1577) de 25 de julho. cáveis a todas as mediações realizadas em Portu-
O Projeto de Lei alemão, para regulamentação da
mediação neste país, foi aprovado em dezembro gal, independentemente da natureza do litígio que
de 2011 pela Câmara Baixa do Parlamento alemão seja objeto de mediação. Denota assim esta norma
(Bundestag) e, em 2012, pela Bundesrat. A aprova- um caráter geral, pretendendo o legislador con-
ção final desta Lei foi protelada pelo intenso debate
relativo à previsão legal da mediação intrajudicial e sagrar os alicerces que deverão ser concretizados
pela atribuição de funções mediatórias aos juízes. em qualquer mediação, seja qual for o seu âmbito,
Sobre o Projeto de Lei de Mediação alemão, veja-
se, entre outros, DIOP, Denis e STEINBRECHER, o que nos parece fundamental na uniformização
Alexander, “Ein Mediationsgesetz für Deutschland: deste mecanismo em Portugal.
Impuls für die Wirtschaftsmediation?”, Betrie-
bs-Berater, n.º 3, 2011, pp. 131-139; HENSSLER,
Martin, “Der Durchbruch für die Mediation in
Deutschland?”, Der Betrieb, nº3, 2011, p. 1; PAUL,
Christoph C., “Mediationsgesetz - Anhörung im
Rechtsausschuss des Deutschen Bundestages”, 18 Cfr. MARQUES CEBOLA, Cátia (2010). “A me-
Zeitschrift für Konfliktmanagement, n.º 4, 2011, diação pré-judicial em Portugal: análise do novo
pp. 119-121; HESS, Burkhard, “Perspektiven der regime jurídico”, Revista da Ordem dos Advogados,
gerichtsinternen Mediation in Deutschland”, Zei- Ano 70, v. I/IV, pp. 441-459.
tschrift für Zivilprozeß, Vol. 124, n.º 2, 2011, pp.137- 19 Na verdade, a Portaria n.º 203/2011, de 20 de maio,
162; WAGNER, Gerhard, “Der Referentenentwurf restringia a aplicação dos arts. 249.º-A, 249.º-B,
eines Mediationsgesetzes”, Zeitschrift für Konflikt- 249.º-C e 279.º do CPC aos sistemas públicos de
management, n.º 6, 2010, pp. 172-176. mediação.

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C. M. Cebola

I Princípio da voluntariedade – art. 4.º A Lei de mediação prescreve no seu art. 5.º o
princípio da confidencialidade, devendo o media-
A Lei portuguesa não se limita a consagrar dor manter sob sigilo todas as informações de que
a voluntariedade da mediação como mero assen- tenha conhecimento no âmbito do procedimento
timento à sua realização, exigindo a necessidade de mediação, delas não podendo fazer uso em pro-
de obtenção de um consentimento esclarecido e veito próprio ou de outrem. O teor literal da norma
informado das partes para a sua concretização. apenas refere o dever de confidencialidade relati-
Em coerência, impõe-se no art. 26.º o dever do vamente ao mediador, não o aludindo expressa-
mediador esclarecer as partes sobre a natureza, fi- mente quanto às partes, ao contrário do que faz,
nalidade, princípios fundamentais e fases do pro- por exemplo, a Lei de mediação civil e comercial
cedimento de mediação, bem como sobre as regras espanhola, que impõe a obrigação de sigilo não
a observar. só ao mediador, como também às associações de
Acresce que, a voluntariedade da mediação mediação e aos mediados22 . O nosso legislador
está plasmada de forma plena, não só por permitir vem, todavia, mencionar, no n.º 4.º do art. 5.º, que
a desistência de qualquer das partes em qualquer o conteúdo das sessões de mediação não poderá ser
momento do seu decurso (art. 4.º, n.º 2), mas, so- valorado em tribunal ou em sede de arbitragem,
bretudo, porque a recusa em iniciar ou prosseguir imposição que, neste caso, se dirigirá também às
o procedimento de mediação não consubstancia- partes e à impossibilidade de invocarem em juízo
rá uma violação do dever de cooperação (art. 4.º, declarações ou documentos prestados no decurso
n.º 3). Neste sentido, o legislador português não daquele procedimento23.
acolhe a existência de sistemas obrigatórios de A Lei portuguesa, por outro lado, estabelece
no n.º 2 do artigo em análise, o dever de confiden-
mediação, não assacando qualquer sanção para o
cialidade relativamente às eventuais informações
não recurso a este procedimento20.
prestadas apenas por uma das partes ao mediador,
as quais não poderão ser comunicadas por este
II Princípio da confidencialidade – art. 5.º profissional à parte contrária, sem o consenti-
mento daquela. Estarão aqui em causa, designada-
A confidencialidade na mediação assume-se mente, as reuniões privadas no âmbito do caucus,
como condição sine qua non da sua própria eficá- abrangidas no dever de sigilo pela predita norma.
cia, na medida em que os mediados apenas mani- O dever de confidencialidade pode, con-
festarão liberdade para revelar os seus interesses e tudo, ser excecionado quando razões de ordem
demais informações essenciais à obtenção do acor- pública o justificarem, nomeadamente para asse-
do final, se sentirem que as declarações produzi- gurar a proteção do superior interesse da criança,
das no âmbito das sessões de mediação não serão quando esteja em causa a proteção da integridade
divulgadas futuramente. A inexistência de confi- física ou psíquica de qualquer pessoa, ou quan-
dencialidade manteria as partes presas às suas po- do tal seja necessário para efeitos de aplicação ou
sições e contribuiria para a manutenção da estraté- execução do acordo obtido por via da mediação,
gia de ocultação da informação à parte contrária21. na estrita medida do que, em concreto, se revelar
necessário para a proteção dos referidos interesses
20 A Argentina consagra a mediação obrigatória no (art. 5.º, n.º 3). Aponta-se, agora, a ordem pública
âmbito dos processos civis e comerciais desde 1995,
mantida atualmente pela Lei n.º 26.589, promulgada como critério de exceção do sigilo na mediação,
a 3 de maio de 2010, que estabelece no seu art. 28.º abandonando o legislador a expressão “salvo caso
uma multa para a não comparência injustificada na de circunstâncias excepcionais”, do anterior art.
sessão de mediação prévia ao processo judicial. Na
Europa, a Itália consagrou no Decreto Legislativo 249.º-C do CPC.
n.º 28/2010, de 4 de março, a mediação obrigatória Reforçando o dever de confidencialidade do
nas matérias prescritas no art. 5.º, n.º 1, constituin- mediador, prescreve o legislador no art. 28.º que,
do a tentativa de resolução por este procedimento
condição de admissibilidade da ação em juízo. excetuadas as circunstâncias do n.º 3 do art. 5.º,
21 Sobre o dever de confidencialidade, veja-se, entre este profissional não pode ser testemunha, perito
outros, MARQUES CEBOLA, Cátia (2013). La
Mediación, ob. cit, pp. 179-185; CAMPOS, Joa- 22 Veja-se o art. 9.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2012, de 6 de
na (2009). “O princípio da confidencialidade na julho, de mediação civil e comercial em Espanha.
mediação”, Scientia Ivridica, Tomo LVIII, n.º 318, 23 Acresce que, no âmbito do protocolo de mediação
pp. 311-333 e LEE, Jaime Alison e GIESLER, Carl as partes devem declarar o respeito pelo dever de
(1998). “Confidentiality in Mediation”, Harvard confidencialidade e, dessa forma, ficarão obriga-
Negotiation Law Review, Vol. 3, pp. 285-297. das pelo mesmo dever que o mediador.

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ou mandatário em qualquer causa relacionada, a consequente inexistência de vínculos de subor-


ainda que indiretamente, com o objeto do proce- dinação deste profissional. Estabelece o legisla-
dimento no qual foi mediador. dor, por isso, que a conduta do mediador deve ser
No âmbito dos sistemas públicos, a violação livre de qualquer pressão, seja esta resultante dos
do dever de confidencialidade é expressamente seus próprios interesses, valores pessoais ou de in-
sancionada no art. 44.º, n.º 2 da Lei n.º 29/2013, fluências externas (art. 7.º, n.º 2). Esta norma po-
quando se subsuma ao disposto no art. 195.º do deria ter-se referido de igual modo à neutralidade
Código Penal. Neste caso deverá a entidade res- e isenção do mediador, características essenciais
ponsável pelo sistema público de mediação, no ao exercício da sua atividade por revelarem a ine-
qual se tenha verificado a predita violação, partici- xistência de qualquer interesse pessoal ou econó-
par a infração às entidades competentes. Critica-se mico daquele profissional quanto ao acordo final
o facto de apenas estarem abrangidos, no âmbito a obter pelas partes.
subjetivo da norma em análise, os mediadores dos O artigo 27.º, n.º 4, da presente Lei indica al-
sistemas públicos de mediação. Verifica-se, deste gumas das circunstâncias suscetíveis de colocar
modo, uma óbvia e injustificada discrepância de em causa a independência do mediador, designa-
regimes entre mediadores dos sistemas públicos e damente a existência de uma relação familiar ou
mediadores que realizem a sua atividade fora da- profissional com uma das partes e a evidência de
queles sistemas, gorando-se o objetivo de unifor- um interesse financeiro no resultado da mediação.
midade pretendido pelo legislador. Relativamente à existência de uma relação profis-
sional com uma das partes, o legislador poderia
III Princípio da igualdade e da imparciali- ter quantificado um impedimento temporal para
dade – art. 6.º os mediadores nesta sede. Esta é a opção da Reco-
mendação da Comissão n.º 98/257/CE, de 30 de
março24, cujo Ponto I prescreve que o mediador,
De forma inovadora relativamente à Direti-
quando seja nomeado ou remunerado por uma
va 2008/52/CE, o legislador português vem consa-
empresa ou associação profissional, não deve ter
grar, de forma expressa, o princípio da igualdade
exercido funções na mesma, nem para nenhum
no art. 6.º, n.º 1, merecendo as partes tratamento
dos seus membros, nos três anos anteriores à sua
equitativo durante todo o procedimento de me-
entrada em funções.
diação. Consequentemente, deve o mediador gerir
o procedimento de forma a garantir o equilíbrio de
poderes e a possibilidade de ambas as partes parti- V Princípio da competência e da responsa-
ciparem no mesmo. bilidade – art. 8.º
A igualdade preconizada pelo mediador de
conflitos repercute-se na exigência de imparcia- Norteado pelo objetivo de promover a quali-
lidade da sua conduta (art. 6.º, n.º 2), devendo o dade da mediação, estabelece o legislador, no art.
mesmo revelar qualquer circunstância que, pre- 8.º, o princípio da competência, podendo os me-
cisamente, possa diminuir a isenção de compor- diadores adquirir formação teórico-prática nesta
tamentos que lhe é exigida [arts. 26.º, f) e 27.º]. área específica, nomeadamente através de cursos
Aponta o legislador no n.º 4 do art. 27.º algumas realizados por entidades formadoras certificadas
das circunstâncias que poderão colocar em causa pelo Ministério da Justiça, nos termos prescri-
a independência do mediador, designadamente a tos no art. 24.º e regulamentados na Portaria n.º
existência (1) de uma relação familiar com as par- 345/2013, de 27 de novembro.
tes; (2) de um interesse financeiro quanto ao re- Estas normas espelham o ensejo do legisla-
sultado da mediação; (3) ou ainda de uma relação dor no sentido de promover a qualidade da me-
profissional com qualquer das partes. Em todos diação, tal como exigia a Diretiva 2008/52/CE no
estes casos deverá o mediador recusar ou pedir seu artigo 4.º, n.º 2. Contudo, atendendo ao teor li-
escusa relativamente ao exercício da sua atividade. teral do artigo 8.º, n.º 1, a formação especializada
em mediação parece prescrita como mera possi-
IV Princípio da independência – art. 7.º bilidade e não como uma exigência obrigatória, o
que, nesse sentido, reduz a efetividade da promo-
Fundamental à profissionalização dos me- 24 Publicada no Jornal Oficial das Comunidades Eu-
diadores é a consagração da sua independência e ropeias L 115, de 17 de abril de 1998.

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C. M. Cebola

ção da qualificação dos mediadores. Não obstante vidade da mediação como método de resolução
esta aparente ausência de imperatividade no que de conflitos26.
concerne à formação dos mediadores, o certo é que A executoriedade do acordo de mediação
o artigo 26.º, alínea h), impõe o dever do mediador depende, contudo, da verificação cumulativa dos
zelar pelo seu nível de formação e de qualificação. requisitos enunciados no n.º 1, do art. 9.º, em con-
Por outro lado, apesar de o legislador não creto: (1) que o litígio possa ser objeto de media-
referir expressamente qualquer consequência di- ção; (2) que a lei não exija homologação judicial
reta para o facto de o mediador não adquirir as no caso concreto; (3) que as partes tenham capa-
competências adequadas ao exercício da sua ati- cidade para a sua celebração; (4) que a mediação
vidade25, a verdade é que os mediadores que não se realize nos termos legalmente previstos; (5)
frequentem ações de formação ministradas por que o conteúdo do acordo de mediação não vio-
entidades certificadas não podem integrar a lista le a ordem pública; (6) que o mediador do acordo
de mediadores organizada pelo Ministério da Jus- final tenha sido um profissional inscrito na lista
tiça, tal como se define na Portaria n.º 344/2013, de mediadores de conflitos organizada pelo Mi-
de 27 de novembro, artigo 3.º, n.º 1, alínea b) e, nistério da Justiça. Verificados os requisitos legais,
consequentemente, os acordos por si obtidos não o acordo de mediação constituirá título executivo
terão força executiva nos termos do artigo 9.º, n.º extravagante, podendo ser executado em caso de
1, alínea e). incumprimento das estipulações estabelecidas pe-
O n.º 2 do artigo 8.º, por seu turno, regula los mediados.
a responsabilidade civil do mediador por viola- No Capítulo III relativo à mediação civil e
ção dos deveres inerentes ao exercício da sua ati- comercial, a Lei n.º 29/2013 consagra no art. 14.º
vidade, designadamente os plasmados na Lei n.º a possibilidade de homologação do acordo obti-
29/2013, bem como por incumprimento dos atos do em mediação. Esta disposição legal não entra
constitutivos e reguladores dos sistemas públi- em contradição com o estabelecido no art. 9.º, na
cos de mediação. A existência de um regime de medida em que constitui uma mera possibilidade
responsabilidade do mediador é essencial, não outorgada às partes (e não uma obrigação), a qual
podendo ser visto como um obstáculo à sua ati- tem a vantagem processual de conferir ao acordo
vidade ou como medida persecutória deste pro- homologado o valor de sentença (art. 705.º do
fissional, mas antes como fator de profissionaliza- CPC), restringindo-se, desta forma, os funda-
ção da própria atividade do mediador, como, de mentos de oposição à sua execução, nos termos
resto, se verifica nas restantes profissões do foro. do art. 729.º do CPC27.
Contudo, a consagração do instituto da responsa- Relativamente ao critério de homologação
bilidade civil no âmbito da mediação pode reve- do acordo obtido em mediação, prescreve o art.
lar-se de difícil aplicação probatória, devendo ter 14.º, n.º 3, que deve verificar-se se o mesmo res-
sido consagrada a responsabilidade disciplinaria, peita a litígio que possa ser objeto de mediação,
como aliás se verifica no âmbito dos sistemas pú- a capacidade das partes para a sua celebração, se
blicos de mediação, nos artigos 43.º e 44.º da Lei respeita os princípios gerais de direito, se respeita a
n.º 29/2013. boa-fé, se não constitui um abuso do direito e o seu
conteúdo não viola a ordem pública. Constata-se,
VI Princípio da executoriedade – art. 9.º assim, um maior grau de exigência nesta sede, ao
26 Defendemos a consagração da executoriedade dos
acordos de mediação em MARQUES CEBOLA,
Por último, consagra-se no art. 9.º a executo- Cátia (2011). La mediación: un nuevo instrumento
riedade dos acordos de mediação como princípio de la administración de la Justicia para la solución
basilar atinente a este procedimento. Aplaudimos de conflictos, Tese de Doutoramento apresentada
à Faculdade de Direito da Universidade de Sala-
a opção do legislador por se considerar não ape- manca, pp. 159-169, disponível no seguinte ende-
nas viável à luz do nosso ordenamento jurídico, reço eletrónico <http://es.youscribe.com/catalogue/
como também imperiosa à consagração da efeti- recursos-pedagogicos/conocimientos/ciencias-hu-
manas-y-sociales/la-mediacion-un-nuevo-instru-
25 Neste sentido, veja-se o parecer emitido pela Co- mento-de-la-administracion-de-la-1787158>.
missão de Regulação do Acesso a Profissões ao 27 Cfr. GOUVEIA, Mariana França (2010). “Algu-
projeto que antecedeu a presente Lei n.º 29/2013, mas questões jurídicas a propósito da mediação”,
disponível no seguinte endereço eletrónico, acedi- Mediação e criação de consensos: os novos instru-
do em 17 de maio de 2013, http://www.parlamento. mentos de empoderamento do cidadão na União
pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheInicia- Europeia, edit. José Vasconcelos-Sousa, 1ª ed.,
tiva.aspx?ID=37369. MEDIARCOM/MinervaCoimbra, p. 235.

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indicarem-se como critérios de homologação a diação direitos controvertidos relativamente aos


boa-fé e o abuso de direito, os quais não constam quais possam as partes celebrar transação (estando
como requisitos de executoriedade no art. 9.º. excluídos, deste modo, os direitos de que os res-
petivos titulares não podem dispor, bem como as
4.2 Mediação civil e comercial questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos,
nos termos do art. 1249.º do CC).
Não se acolhe, desta forma, o critério da in-
A Lei n.º 29/2013 vem consagrar no seu Ca-
disponibilidade de direitos, adotado pela Diretiva
pítulo III as regras reguladoras da mediação civil
2008/52/CE, bem como pela maioria dos Estados
e comercial, bem como da mediação pré-judicial
membros30, consagrando-se, em termos simila-
(até agora previstas nos revogados arts. 249.º-A e
res, a solução vertida na Lei n.º 63/2011, de 14 de
seguintes do CPC). Exclui do âmbito da aplicação
dezembro, em sede de arbitragem31.
do predito capítulo a mediação familiar, laboral e
penal, numa tentativa de evitar uma contradição
com as regras em vigor para os sistemas públicos ii. Cláusulas de mediação
nestas matérias28.
Na impossibilidade de analisarmos de for- A vontade de submeter um litígio a media-
ma aprofundada todas as normas constantes do ção deve ser expressa por ambas as partes, vigo-
Capítulo III da Lei n.º 29/2013, cingiremos o pre- rando de forma plena o princípio da voluntarie-
sente estudo a duas questões que merecem a nos- dade, tal como referido anteriormente. O acordo
sa atenção pelo carácter inovador face aos congé- para se prosseguir um procedimento de media-
neres normativos europeus. ção é, em regra, manifestado após o surgimento
do conflito, no que o legislador designou de pro-
tocolo de mediação32 (vide art. 16.º, n.º 2).
i. Critério de mediabilidade Contudo, permite a Lei no seu art. 12.º que
as partes no âmbito de um contrato prevejam,
Por mediabilidade entende-se a suscetibili- através de cláusula compromissória, a submissão
dade de um conflito ser objeto de mediação, re- de litígios futuros a mediação, que eventualmen-
portando-se, portanto, ao âmbito material deste te resultem da predita relação contratual entre-
mecanismo29. Os arts. 249.º-A e seguintes do CPC tecida pelas partes. Tal estipulação contratual
eram omissos nesta matéria, estando o âmbito de assume a designação de convenção de mediação
aplicação da mediação plasmado de forma espe- e deve ser reduzida a escrito, admitindo-se, to-
cífica em cada um dos sistemas públicos vigentes, davia, uma panóplia diversificada de formas de
os quais se mantêm intocados, por força do n.º 2 redação (v.g. documento escrito, troca de cartas,
do art. 10.º. telegramas, telefaxes ou mesmo os hodiernos
Em matéria civil e comercial, vem agora o le- emails33). A falta de observância da forma escrita
gislador estabelecer, no art. 11.º da Lei n.º 29/2013, conduz à nulidade desta convenção, nos termos
que apenas podem ser submetidos a mediação do art. 12.º, n.º 3.
litígios que respeitem a interesses de natureza pa- No que concerne aos efeitos da convenção
trimonial, ou seja, que possam ser avaliáveis em da mediação, designadamente se a mesma for
dinheiro. Acrescenta que, não revestindo cariz 30 Analisámos os critérios de mediabilidade no espa-
pecuniário, apenas poderão ser objeto de me- ço europeu em MARQUES CEBOLA, Cátia (2013).
La Mediación, ob. cit., pp. 96-102.
31 Sobre a arbitrabilidade na nova Lei n.º 63/2011, veja-
28 Não se refere, todavia, a sistemas de mediação se, entre outros, AA.VV. (2012). Lei de Arbitragem
vigentes em âmbitos específicos, como a mediação Voluntária Anotada, 1ª ed., Almedina, pp. 15-17.
de consumo, ou a atividade exercida pelo mediador 32 O legislador opta por diferenciar as designações
do crédito, que pelas suas especificidades tem um “protocolo de mediação” – art. 16.º, n.º 2 (relativo à
enquadramento legal autónomo que pode agora aceitação inicial do procedimento de mediação) e
estar em dissonância com o prescrito na atual Lei de “acordo de mediação” – art. 20.º (relativo ao pacto
mediação. Sobre esta questão vejam-se os pareceres final de resolução do conflito obtido pelas partes),
à Proposta de Lei de Mediação da Direção-geral do o que nos parece adequado por corresponderem a
Consumidor e da CMVM, disponíveis no seguinte momentos contratuais distintos.
endereço eletrónico, acedido em 17 de maio de 2013, 33 Consagra-se, assim, em sede de mediação, um re-
<http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamen- gime similar ao plasmado na Lei n.º 63/2011, para
tar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?ID=37369>. as cláusulas arbitrais. Sobre a convenção de arbi-
29 Sobre esta temática, veja-se, entre outros, GOU- tragem, veja-se, entre outros, GOUVEIA, Maria-
VEIA, Mariana França (2011). Curso de Resolução na França (2014). Curso de Resolução Alternativa
Alternativa de Litígios, 1ª ed., Almedina, pp. 67-69. de Litígios, 3ª ed., Almedina, pp. 82-83.

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C. M. Cebola

preterida por interposição de uma ação judicial, Esta realidade é consequência da própria
sem prévia tentativa de resolução do conflito por “juventude” aplicativa da mediação em Portugal e
recurso a um mediador, opta o legislador portu- repercute-se na ausência de uma organização pro-
guês por consagrar a suspensão da instância, de- fissional, globalizante para todos os que se dedi-
vendo o juiz do processo remeter as partes para cam a esta nova atividade, como seria, por exem-
mediação. A preterição da convenção de media- plo, a criação de uma ordem dos mediadores37.
ção não é, contudo, de conhecimento oficioso, de- Desta feita, é importante o enquadramento
vendo o réu deduzir a respetiva exceção aquando da atividade do mediador de conflitos na Lei n.º
da apresentação da sua contestação. 29/2013, no âmbito de um capítulo específico, ain-
É a solução que nos parece mais adequa- da que, em alguns aspetos, as prescrições do nosso
da atendendo ao carácter autocompositivo da legislador nos pareçam insuficientes. Efetivamen-
mediação34. Efetivamente, suspendendo-se a ins- te, nesta matéria parece-nos que ficou precludida
tância, as partes são remetidas para mediação, tal a oportunidade de se ter definido, genérica e uni-
como estipularam voluntariamente no contrato formemente, quais os requisitos para o exercício
que celebraram, regressando ao processo judicial da atividade de mediador. Esta prescrição torna-
se verificarem ser infrutífera a tentativa de reso- se ainda mais relevante face à ausência, anterior-
lução do litígio através de acordo. Por outro lado, mente mencionada, de uma organização corpora-
se as partes obtiverem acordo na mediação, pode- tiva que controle em termos globais o acesso a esta
rão, no âmbito do processo já existente, submeter profissão.
a homologação o pacto obtido, promovendo-se a Indicam-se nos arts. 25.º e 26.º, respetiva-
sempre almejada economia processual. mente, os direitos e deveres do mediador de con-
O legislador esqueceu, contudo, de salva- flitos abrangendo, de forma geral, as principais
guardar a situação da cláusula de mediação ser prerrogativas e obrigações que devem caber a este
manifestamente nula, ou mesmo da nulidade do profissional no exercício da mediação.
contrato no qual aquela estipulação se insere, por Ressalva-se, no âmbito dos direitos atri-
exemplo, por incapacidade das partes35. buídos, a autonomia do mediador relativamen-
te à metodologia e procedimentos a adotar nas
4.3 Estatuto do mediador de conflitos sessões de mediação, ainda que limitados pelas
prescrições legais e normas deontológicas. A im-
O mediador é o elemento fundamental de portância da liberdade de atuação do mediador,
qualquer mediação. O carácter distintivo deste em termos das técnicas empregues em cada me-
procedimento advém, entre outras particularida- diação, é fundamental face à própria flexibilidade
des, do papel desempenhado pelo mediador no que carateriza este mecanismo e que deve ser pre-
âmbito da tentativa de resolução do conflito atra- servada, perante a diversidade de conflitos susce-
vés de acordo das partes. tíveis de serem mediados. Em cada momento de
Não obstante a progressiva aplicação deste uma sessão de mediação compete ao mediador
mecanismo no nosso ordenamento jurídico e a socorrer-se das várias técnicas que deverá domi-
sua crescente regulamentação, é ainda precoce a nar, norteado pelo objetivo de fomentar o diálogo
afirmação categórica da existência da “profissão entre as partes e possibilitar, por essa via, a reso-
de mediador”. Na verdade, a generalidade dos lução do conflito por acordo.
profissionais que desempenham funções de me- Por esta razão, consideramos que o legisla-
diador em Portugal fazem-no de forma comple- dor excedeu os limites da regulamentação neces-
mentar com outras atividades, não se dedicando sária da mediação quando, no art. 16.º, n.º 3, al.
exclusivamente à prática da mediação36. f), prescreve que o protocolo de mediação deve
conter as regras do procedimento de mediação
34 Cfr. MARQUES CEBOLA, Cátia (2013). La Me- acordadas entre as partes e o mediador. Parece-nos
diación, ob. cit., pp. 124-138.
35 Sobre esta omissão legal, veja-se o parecer emitido precoce e desnecessário exigir que previamente ao
pelo Conselho Superior do Ministério Público so- decurso de cada mediação se estabeleçam as regras
bre o Projeto de Diploma que estabelece o regime de um procedimento que, por definição, é flexível.
jurídico da mediação, disponível no seguinte en-
dereço eletrónico, acedido em 17 de maio de 2013, Claro que sempre haverá aspetos que poderão ser
<http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamen- 37 A existência de várias associações de mediadores
tar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?ID=37369>. com regras, estatutos e funcionamento díspares
36 Cfr. GOUVEIA, Mariana França (2011). Curso de pode dificultar a afirmação junto do público em
Resolução Alternativa de Litígios, ob. cit., p. 49. geral deste novo profissional.

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acordados com as partes, como o respeito mútuo riormente, prevê-se a fiscalização do exercício da
ou a duração das sessões de mediação. Mas, se atividade de mediação apenas para os mediado-
interpretada de forma estrita, esta norma poderá res de conflitos que exerçam a sua atividade no
coartar indevidamente a liberdade do mediador âmbito dos sistemas públicos existentes (art. 43.º).
ao exigir-se a fixação das regras de procedimento Na decorrência de queixa ou reclamação, o diri-
no protocolo de mediação38. gente máximo do sistema de mediação em causa,
No que concerne aos deveres do mediador, depois de ouvido o mediador implicado, tomará
enaltecemos o respeito por normas éticas e deon- a sua decisão, que poderá mesmo traduzir-se na
tológicas previstas na Lei n.º 29/2013, bem como aplicação da sanção de expulsão das listas de me-
no Código Europeu de Conduta para Mediadores diadores (art. 44.º).
da Comissão Europeia. Seria, contudo, profícua a Contudo, fora dos sistemas públicos de me-
existência de um código deontológico adaptado diação, limita-se o legislador a prescrever no art.
ao contexto português e aplicável a todos os me- 8.º, n.º 2, a responsabilidade civil do mediador
diadores em Portugal, cujo controlo deveria estar por violação dos deveres de exercício da respetiva
adstrito a uma entidade externa, composta por atividade. Neste contexto, os mediados terão de
especialistas na matéria, à semelhança do que se recorrer ao sistema judicial para obter o ressar-
verifica com o Conselho Consultivo para a Me- cimento dos danos causados pelo mediador, com
diação austríaco (Beirat)39, ou com a Commission as inerentes dificuldades de prova, em concreto
Fédérale de Médiation belga40. ao nível do nexo de causalidade entre a prática do
Ainda no âmbito do estatuto do mediador mediador e das consequências sofridas42. Aguar-
parece-nos relevante a consagração de um regi- da-se a regulamentação pelo Governo de um me-
me de responsabilidade profissional, vigente, de canismo legal de fiscalização do exercício da ativi-
resto, em qualquer profissão41. Em causa estará dade da mediação privada, como prevê o art. 48.º
permitir que os cidadãos que recorram ao proce- da Lei n.º 29/2013.
dimento de mediação possam sentir que a ativi- Também nesta sede consideramos que a ins-
dade dos mediadores não é incólume, regendo-se tituição de uma entidade externa ou um conselho
por regras e princípios objeto de uma supervisão consultivo, que assumisse a responsabilidade de
pertinente e adequada. avaliar as reclamações dirigidas a más práticas
Também nesta matéria o legislador portu- profissionais por parte de todo e qualquer media-
guês não logrou prescrever um regime uniforme dor, seria a melhor via a seguir, pelo menos até ao
e coerente. Na verdade, tal como referimos ante- surgimento de uma ordem corporativa, que inte-
38 Discutindo a regulação da atividade dos mediado- gre, de forma geral, estes mesmos profissionais.
res, veja-se BOON, Andrew, et al. (2007). “Regula-
ting Mediators?”, Legal Ethics, v. 10, n.º 1, pp. 26-50.
39 Nos termos do art. 4.º da Lei de Mediação austríaca 4.4 Sistemas públicos de mediação
(Zivilrechts-Mediations-Gesetz, BGBl I 2003/29) o
Conselho Consultivo para a Mediação é composto
por 12 membros, de entre os quais representantes Por fim, consagra-se o Capítulo V da Lei n.º
de organizações profissionais dos psicólogos, juí-
zes, membros dos Ministérios da Educação, Saúde, 29/2013 aos sistemas públicos de mediação, esta-
Proteção do consumidor, assim como, membros belecendo-se o seu enquadramento genérico para
da Camara dos Notários ou investigadores na área a uniformização de práticas quer ao nível dos siste-
científica da mediação. Cfr. KNÖTZL, Bettina e
ZACH Evelyn (2007). “Taking the Best from Medi- mas já existentes, em matéria familiar43, laboral44 e
ation Regulations”, Arbitration International, Vol. penal45, quer em futuras iniciativas similares.
23, n.º 4, p. 680.
40 Conforme estipula o art. 1.727 do Código Judicial Os preditos sistemas correspondem a expe-
belga, a Comissão Federal de Mediação será com- riências de institucionalização da mediação, cuja
posta por uma comissão geral, da qual fazem par- gestão o legislador vem atribuir a entidades pú-
te seis especialistas em mediação, concretamente
dois notários, dois advogados, dois representantes blicas (arts. 30.º e 31.º), que terão, designadamen-
de mediadores que não exerçam advocacia, nem
sejam notários. Analisando esta Comissão, veja-se 42 Analisámos as várias vertentes da responsabili-
DEMEYERE, Luc (2006). “The Belgium Law on dade dos mediadores em MARQUES CEBOLA,
Mediation: An Early Overview”, Dispute Resolu- Cátia (2013). La Mediación, ob. cit., pp. 245-252.
tion Journal, American Bar Association, v. 61, n.º 43 Regulamentado pelo Despacho n.º 18 778/2007, de
4, pp. 89-92. 22 de Agosto.
41 A Lei n.º 5/2012, de 6 de julho, em Espanha, no 44 Instituído através de um Protocolo de Criação ce-
seu art. 11.º, n.º 3, exige como condição de exercí- lebrado a 5 de maio de 2006 entre o Ministério da
cio da atividade de mediadores que estes subscre- Justiça e várias entidades sindicais e patronais.
vam um seguro de responsabilidade civil. 45 Criado pela Lei n.º 21/2007, de 12 de Junho.

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C. M. Cebola

te, funções fiscalizadoras da atividade dos media- diação, regulando-se quer os sistemas públicos,
dores, nos termos já explicitados. quer a mediação privada. Espera-se que a nova
O figurino dos sistemas públicos portugue- Lei traduza uma aposta governativa na imple-
ses constitui uma realidade sui generis no pa- mentação da mediação no nosso ordenamento
norama europeu. Em matérias sensíveis como a jurídico e constitua o ensejo para um novo fulgor
mediação penal ou de menores, cujos efeitos têm aplicativo deste mecanismo em Portugal.
inegáveis repercussões na sociedade, a institui-
ção de sistemas públicos de mediação parece-nos
uma boa prática reguladora. Referências bibliográficas
ALEXANDER, Nadja (2006). Global Trends in Me-
5 Conclusão diation, 2ª ed., Kluwer Law International.
ALEXANDER, Nadja (2009). International and Com-
A mediação vai, paulatinamente, assumindo parative Mediation – Legal Perspectives, Kluwer Law
protagonismo no panorama socio-jurídico portu- International.
guês, constituindo hoje o cerne das preocupações ALEXANDER, Nadja. “Mediation and the Art of
dos que tentam vencer a batalha da sua afirmação Regulation”, QUT Law and Justice Journal, Vol. 8, n.º
como método de resolução de conflitos. Elegemos, 1, 2008. Disponível em <http://www.law.qut.edu.au/ljj/
por isso, como tema do presente trabalho, a regu- editions/v8n1/pdf/2_Mediation_and_the_Art_of_Re-
lamentação da mediação, tomando como objeto gulation_ALEXANDER.pdf>. Acesso em: out. 2010.
de estudo a atual Lei de mediação em Portugal. BONDER, Nilton. O segredo judaico de resolução de
Defendemos a essencialidade da regulamen- problemas, 10ª ed., Imago, 1995.
tação normativa do procedimento de mediação, CAMPOS, Joana. “O princípio da confidencialidade na
como fator da sua promoção junto dos cidadãos mediação”, Scientia Ivridica, Tomo LVIII, n.º 318. 2009.
e dos operadores jurídicos em geral. Contudo, as
DEMEYERE, Luc. “The Belgium Law on Mediation:
particularidades deste mecanismo, designada- An Early Overview”, Dispute Resolution Journal,
mente a sua capacidade de adaptação a diferentes American Bar Association, v. 61, n. 4. 2006.
conflitos, exigirão uma regulamentação contex-
DIOP, Denis; STEINBRECHER, Alexander, “Ein
tualizada, atendendo ao ordenamento jurídico a
Mediationsgesetz für Deutschland: Impuls für die
que se dirige.
Wirtschaftsmediation?”, Betriebs-Berater, n. 3, 2011.
Em Portugal, a Lei n.º 29/2013 visou esta-
belecer um quadro normativo basilar e uniforme GETTY, Michael B.; MOYER, Thomas J.; RAMO,
Roberta Cooper (1998). “Preface to Symposium on
relativamente à mediação no nosso país. Contu-
Drafting a Uniform/Model Mediation Act”, Ohio
do, a almejada uniformidade fica preterida em
State Journal on Dispute Resolution, v. 13, n. 3.
questões essenciais como, por exemplo, a fiscali-
zação dos mediadores privados. Ficou assim por GOLDBERG, Stephen B.; SANDER, Frank E. A.;
estabelecer, designadamente, um regime geral da ROGERS, Nancy H.; COLE, Sarah Rudolph. Dispute
Resolution. Negotiation, Mediation, and Other Pro-
responsabilidade profissional dos mediadores.
cesses, 5ª ed., Aspen Publishers, Nova York, 2007.
Por outro lado, haverá âmbitos de ação que,
pelas especificidades inerentes, terão dificuldades GOUVEIA, Mariana França. “Algumas questões
em adaptar-se às novas exigências normativas da jurídicas a propósito da mediação”, Mediação e
criação de consensos: os novos instrumentos de empo-
Lei n.º 29/2013. Estarão aqui em causa as figuras
deramento do cidadão na União Europeia, edit. José
do mediador do crédito ou do mediador de con- Vasconcelos-Sousa, 1ª ed., MEDIARCOM/Minerva-
flitos de consumo, relativamente às quais poderá Coimbra, 2011.
haver necessidade de um regime específico.
GOUVEIA, Mariana França. Curso de Resolução
Outras questões jurídicas mereceriam uma
Alternativa de Litígios, 1ª ed., Almedina, 2011.
reflexão aprofundada, não esgotando o presente
trabalho a análise deste novo normativo. Inde- HENSSLER, Martin, “Der Durchbruch für die Medi-
pendentemente das críticas técnicas e jurídicas ation in Deutschland?”, Der Betrieb, n. 3, 2011.
que possam ser tecidas ao diploma em estudo, KNÖTZL, Bettina; ZACH, Evelyn. “Taking the Best
não pode deixar de elogiar-se a existência de um from Mediation Regulations”, Arbitration Interna-
documento autónomo de enquadramento da me- tional, v. 23, n. 4. 2007.

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Regulamentar a Mediação…

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Marta Gonzalo Quiroga, Editorial Dykinson.

Regulating mediation: yes or no?


The Mediation Law in Portugal

Abstract

The mediation regulatory task is complex due to it flexibility in terms of procedures and instruments.
In this paper we intend to analyze the balance between the mediation flexibility and the necessary
uniformity, taking into account the worldwide different mediation regulatory models. Following the
international regulation trend on this matter, Portugal has approved a general Mediation Law, which
main principles and rules we analyze in this paper.
Keywords: Mediation. Diversity-Consistency Dilemma. Regulatory Models. Mediation Principles.
Portugal.

Recebido em: 10/07/2015


Aprovado em: 26/11/2015

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