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A eficácia dos precedentes no novo CPC.

Uma reflexão à
luz da teoria de Michele Taruffo

A EFICÁCIA DOS PRECEDENTES NO NOVO CPC. UMA REFLEXÃO À LUZ DA


TEORIA DE MICHELE TARUFFO
Revista de Processo | vol. 228/2014 | p. 343 - 354 | Fev / 2014
DTR\2014\325

Narda Roberta da Silva


Mestranda na Faculdade de Direito da UFMG. Advogada.

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: O presente artigo tem por escopo demonstrar a eficácia do precedente judicial no Novo
Projeto do Código de Processo Civil à luz da teoria de Michele Taruffo.

Palavras-chave: Reforma - Processo - Precedente - Eficácia - Vinculação.


Abstract: This article has the purpose to demonstrate the effectiveness of judicial precedent in the
New Draft of the Code of Civil Procedure in the light of the theory of Michele Taruffo.

Keywords: Reform - Process - Precedent - Efficacy - Linking.


Sumário:

- 1. Introdução - 2. As quatro dimensões da teoria do precedente de Michele Taruffo. Breves


considerações - 3. Análise da dimensão da eficácia - 4. Eficácia do precedente judicial no Projeto do
novo CPC - 5. Bibliografia

Recebido em: 23.08.2013

Aprovado em: 13.12.2013

1. Introdução

Em 1994, Michele Taruffo1 propôs uma conceituação da teoria geral do precedente alicerçada em
quatro dimensões, quais sejam: institucional, objetiva, estrutural e da eficácia. O escopo dessa
teoria, na visão do autor, é explicar o fenômeno do precedente tanto nos ordenamentos jurídicos de
matriz romano-germânica, quanto nos de commow law, bem como definir as características mais
importantes dos precedentes.

A proposta deste trabalho é analisar as normas sobre precedentes trazidas pelo Projeto do novo
CPC (LGL\1973\5), a partir da dimensão da eficácia elaborada por esse autor.

2. As quatro dimensões da teoria do precedente de Michele Taruffo. Breves considerações

2.1 A dimensão institucional

Michele Taruffo observa que a organização do Poder Judiciário está interligada ao uso do
precedente.

Esta dimensão institucional classifica a decisão judicial como: (a) precedente vertical; (b) precedente
horizontal; e (c) auto precedente.

O precedente vertical segundo essa perspectiva, pressupõe uma hierarquia de autoridade entre
órgãos judiciais. Assim, as decisões judiciais são hierarquicamente distintas, em virtude do órgão
prolator, por isso aquelas prolatadas por órgão superiores vinculam os juízos inferiores. Nos dizeres
de Taruffo, "o fenômeno do precedente aparece como um reflexo – mais claro ou mais nebuloso,
conforme o caso – da organização hierárquica das Cortes ou Tribunais, nos vários ordenamentos".2

O precedente horizontal, por sua vez, relaciona-se à influência de uma decisão sobre outras de
mesmo nível hierárquico. Dessa forma, decisões, prolatadas por órgãos jurisdicionais de mesma
hierarquia, somente possuem o poder de persuasão, não o dever de vincular.

Já o auto precedente remete à ideia de que o juiz deve ter coerência e universalidade em sua
tomada de decisões, para que dessa maneira seja concretizado o direito fundamental de igualdade
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entre os jurisdicionados, bem como o direito à imparcialidade do magistrado.3

2.2 Dimensão objetiva

A dimensão objetiva remete à parte do precedente que vincula as decisões futuras, ou seja, a sua
ratio decidendi. Nesse sentido as partes que não são essenciais à tomada de decisão (obter dictum)
devem ser rechaçadas para se identificar os precedentes.

Todavia, Taruffo4 afirma não ser fácil essa separação, uma vez que a noção de ratio decidendi é
relativa, haja vista os vários pontos de referência utilizados. Nesse contexto e não raras vezes, os
obter dictum, também possuem influência considerável sobre as decisões sucessivas e sobre a
formação da jurisprudência, e não meramente persuasiva.

"Existem, de fato, versões diversas na própria doutrina da common law, sendo que nos parece
arriscado usar esta noção como instrumento analítico para obter uma definição de quais possuem
eficácia de precedente. Coisas diferentes ainda são consideradas como ratio decidendi, nos vários
ordenamentos ou também no mesmo ordenamento: algumas vezes trata-se do critério jurídico usado
para qualificar os fatos relevantes da controvérsia e para decidir sobre eles, com uma acentuação de
referência aos fatos; outras vezes entende-se em vez do princípio jurídico utilizado como critério para
decidir, comum a acentuação de referência à norma ao invés dos fatos; outras vezes ainda
entende-se o argumento jurídico empregado para justificar a decisão relativa à qualificação dos fatos,
ou a decisão relativa à escolha da regula iuris, ou ambos. Deve também ser considerado que a
determinação da ratio decidendi depende em grande medida da interpretação do precedente que é
dada pelo juiz do caso sucessivo, oque introduz um posterior irredutível elemento de variabilidade.
Obviamente, o objeto do precedente muda segundo a ideia de ratio decidendi que se assume,
também implicitamente, e varia com a variação de significado que se atribui ao relativo conceito."5

Diante dessa dificuldade, Taruffo6 aponta o método do reporting, utilizado nos países do commow
law. Através desse procedimento, funcionários especializados analisam os casos e selecionam
aqueles a serem publicados como law reports, para a formação de um precedente. Ou seja, casos
idênticos devem ter a mesma solução, já os casos distintos não podem ser parâmetros para a
formação do precedente.

2.3 Dimensão estrutural

A dimensão estrutural refere-se ao número de precedentes utilizados como parâmetros de uma


decisão posterior. Nessa perspectiva, Taruffo7 elenca quatro hipóteses: (a) existência de somente
um precedente; (b) jurisprudência constante (vários precedentes); (c) precedentes contraditórios; e
(d) caos jurisprudencial.

Importante ressaltar, que quanto ao item (b) deve-se ter o cuidado de não haver um entendimento
ultrapassado dos fatos que consubstanciam as decisões, ou seja, um engessamento na tomada de
decisões. Já em relação aos itens (c) e (d), tais contextos, provocam enorme insegurança jurídica, e,
por conseguinte, descrédito no Poder Judiciário pelos jurisdicionados.

2.4. Dimensão da eficácia

Taruffo previu que os precedentes possuem cinco diferentes graus de eficácia. No grau máximo,
verifica-se a vinculação absoluta ao precedente, para todos os casos sucessivos e semelhantes.8

Nos graus intermediários, em níveis descendentes estariam: o binding precedente, o qual deve ser
seguido, salvo exceções expressamente previstas em lei; o defeasibily binding, que deve ser
seguido, mas o juiz de modo fundamentado pode não seguí-lo; e weakly binding, que, em tese, deve
ser seguido.

No último grau de eficácia, vislumbrar-se-iam as situações em que o juiz é completamente livre para
seguir ou não o precedente, não possuindo qualquer vinculação em relação à decisão anterior,
tampouco a obrigação de justificar sua opção, caso adote posição contrária.9

3. Análise da dimensão da eficácia

Para melhor análise do tema, analisaremos apenas os três tipos de graus mais relevantes da teoria
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de Taruffo:

(a) grau máximo de vinculação (binding precedents);

(b) grau de vinculação intermediária (defeasibly precedents); e

(c) grau fraco de vinculação (weakly precedents).

3.1 Grau máximo de vinculação (binding precedents)

O grau máximo de vinculação refere-se aos precedentes que possuem efeitos vinculantes. São
decisões que conectam os motivos determinantes, isto é, a ratio decidendi, da decisão a outras
decisões futuras, em lides semelhantes. As súmulas vinculantes são exemplos desse tipo de
precedente no ordenamento pátrio.

No ensinamento de Gilmar Ferreira Mendes o efeito vinculante é aquele: "que tem por objetivo
outorgar maior eficácia às decisões proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando força
vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou
motivos determinantes (tragende Gründe)".10

Vale ressaltar, que a vinculação aos binding precedents não é absoluta, haja vista a possibilidade de
superação, e, consequentemente a revogação desses precedentes (overruling), seja nas hipóteses
de inadequação, injustiça ou inconveniência dos mesmos.11

Também, há a técnica do distinguishing, através da qual são diferenciados os fatos relevantes do


caso sucessivo, em relação aos fatos do precedente.12

René David,13 afirma que essa técnica de distinção constitui elemento necessário ao
desenvolvimento e evolução do sistema de common law. Afinal, a utilização dos precedentes
vinculantes não deve óbice ao debate no âmbito jurídico, bem como as relações humanas podem
apresentar peculiaridades inimagináveis.

Entretanto, a utilização dessas duas técnicas, distinguishing e overruling, devem ser realizadas com
certa precaução, haja vista que o uso indiscriminado do poder de distinguir ou de revogar pode gerar
dúvida sobre a real vinculação dos precedentes, e, por conseguinte, provocar o descrédito do
sistema jurídico.14

Já o emprego desmedido do overruling, implica macular o princípio da proteção à confiança do


jurisdicionado, o qual acredita nos efeitos da decisão precedente. Assim, a revogação súbita e
desprovida de motivação robusta perturbaria, sobremaneira, os pilares de determinada a ordem
jurídica, quais sejam: a justiça e a certeza.15

3.2 Grau de vinculação intermediária (defesibly precedents)

O grau intermediário, por sua vez, relaciona-se aos casos nos quais o precedente é vinculante ou
meramente persuasivo, mas a existência de exceções e limitações legais faz com que esse
precedente não seja vinculante ou se torne de vinculação obrigatória, respectivamente, no caso sub
judice.16

Para melhor entendimento, pode se exemplificar alguns casos de precedentes de eficácia


intermediária: (a) as súmulas do STJ, em regra, possuem eficácia meramente persuasiva, contudo,
assumem eficácia vinculante para autorizar o relator a obstar o seguimento do recurso (art. 557,
caput, do CPC (LGL\1973\5)); (b) a jurisprudência dominante do STF, também possui eficácia
persuasiva, mas no caso de decisão recorrida que lhe seja contrária, assume eficácia vinculante,
para autorizar o relator monocraticamente prover o recurso (art. 557, § 1.º, do CPC (LGL\1973\5)).

3.3 Grau fraco de vinculação (weakly precedents)

O último grau dessa escala relaciona-se aos precedentes com mero efeito persuasivo, ou seja,
aqueles que possuem eficácia vinculante fraca. Neste caso, o juiz pode de modo discricionário, pode
não aplicar o precedente, haja vista, que seus motivos determinantes não são de observância
obrigatória.

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No sistema brasileiro, qualquer decisão judicial pode servir de norte para decisões futuras ante casos
análogos. A parte interessada ou mesmo o magistrado podem invocar uma decisão para
sustentar/motivar a sua tese jurídica. Não há regras rígidas que determinem quando e como isso
pode acontecer.

No Brasil, geralmente, decisões judiciais isoladas não costumam ser utilizadas, pela parte ou pelo
magistrado para consubstanciar uma tese jurídica.

É mais comum o uso de jurisprudência17 dominante ou pacífica dos Tribunais, a fim de se garantir
maior poder de persuasão.

Por jurisprudência dominante, subentende-se que há dois ou mais posicionamentos diversos sobre
um determinado tema no âmbito de um Tribunal, sendo que um deles é seguido pela maioria dos
magistrados. Já, o termo jurisprudência pacífica revela que há um entendimento único por todos os
julgadores, ou seja, não há oposição.18

Nos dizeres de Sérgio Arenhart: "pacífica será a jurisprudência quando não encontrar ela relevante
oposição, ou seja, nos casos em que os tribunais não discutem a respeito de certo tema ou, ainda, a
discussão que ele enseja não merece séria atenção" e que "dominante, ao contrário, é a
jurisprudência que predomina na orientação dos tribunais, ainda que pesem, contra tal tese,
correntes de julgados".19

Assim, o acórdão unânime terá maior poder de persuasão do que aquele no qual há
posicionamentos divergentes,20 pois em torno dele já se estabeleceu um processo bem desenvolvido
de debates, a fim de se chegar a uma conclusão consensual sobre a matéria. O processo dialético,
além de enriquecer é essencial à prática jurídica.

No sistema de common law, o contexto é bastante diverso, pois, basta a invocação de um única
decisão para que essa seja considerada precedente obrigatório.21

4. Eficácia do precedente judicial no Projeto do novo CPC

A dimensão da eficácia elaborada por Taruffo constitui o meio relevante pelo qual se pode aferir
quais os efeitos do precedente judicial no ordenamento jurídico pátrio, e, dessa forma criar
possibilidade de sistematização do tema, ou seja, cria parâmetros para se realizar a interpretação,
aplicação e estabilização dos precedentes judiciais.22

O Projeto do novo CPC (LGL\1973\5) tem como escopo estabelecer a eficácia vinculante dos
precedentes judiciais, bem como a eficácia das decisões que superam os precedentes vinculantes,
de forma a respeitar os princípios da segurança jurídica, confiança e isonomia. Ademais, visa à
regularização dos casos em que a eficácia vinculante não incide, de modo a realizar a correta
distinção entre o caso que deu origem ao precedente vinculante e o caso concreto sucessivo.

A seguir seguem os arts. 521 e 522 do Projeto do novo CPC (LGL\1973\5) (substitutivo – deputado
Paulo Teixeira)23 que tratam do precedente judicial.

Do precedente judicial

"Art. 520. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável.

Parágrafo único. Na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, os tribunais devem
editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante.

Art. 521. Para dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da legalidade, da segurança
jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições
seguintes devem ser observadas:

I – os juízes e os tribunais seguirão a súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de


competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e
especial repetitivos;

II – os juízes e os tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em


matéria constitucional, do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e dos tribunais
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aos quais estiverem vinculados, nesta ordem;

III – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os juízes e os tribunais


seguirão os precedentes:

a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional;

b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nesta ordem, em matéria
infraconstitucional;

IV – não havendo precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os


juízes e os órgãos fracionários do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal seguirão os
precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem;

V – os juízes e os órgãos fracionários do Tribunal de Justiça seguirão, em matéria de direito local, os


precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem.

S 1.º Na hipótese de alteração da sua jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de seu


precedente, os tribunais podem modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior,
limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos.

S 2.º A mudança de entendimento sedimentado, que tenha ou não sido sumulado, observará a
necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança
jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

S 3.º Nas hipóteses dos incisos II a V do caput deste artigo, a mudança de entendimento
sedimentado poderá realizar-se incidentalmente, no processo de julgamento de recurso ou de causa
de competência originária do tribunal, observado, sempre, o disposto no § 1.º deste artigo.

S 4.º O efeito previsto nos incisos do caput deste artigo decorre dos fundamentos determinantes
adotados pela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou não sido sumulado.

S 5.º Não possuem o efeito previsto nos incisos do caput deste artigo:

I – os fundamentos, ainda que presentes no acórdão, que não forem imprescindíveis para que se
alcance o resultado fixado em seu dispositivo;

II – os fundamentos, ainda que relevantes e contidos no acórdão, que não tiverem sido adotados ou
referendados pela maioria dos membros do órgão julgador.

S 6.º O precedente ou a jurisprudência dotado do efeito previsto nos incisos do caput deste artigo
pode não ser seguido, quando o órgão jurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando,
mediante argumentação racional e justificativa convincente, tratar-se de caso particularizado por
situação fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.

S 7.º Os tribunais deverão dar publicidade aos seus precedentes, organizando-os por questão
jurídica decidida e divulgando-os preferencialmente por meio da rede mundial de computadores.

O art. 520 trata da uniformização da jurisprudência nos Tribunais, mais especificadamente, no dever
de se editar enunciados correspondentes à súmula da jurisprudência dominante. Ou seja, esse
dispositivo prevê a criação de um precedente de eficácia intermediária, segundo a dimensão da
eficácia da teoria de Taruffo. Afinal, como já firmado a jurisprudência dominante constitui um meio
persuasivo.

Já o art. 521, tem como escopo dar efetividade ao disposto no art. 520 e aos princípios da
legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da
isonomia. Todavia, seus incisos não condizem com tal objetivo, pois os mesmos impõem como
precedentes vinculantes: a súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de
competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e
especial repetitivos; os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional, do STJ em
matéria infraconstitucional e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; os
precedentes do plenário do STF, em matéria constitucional e os precedentes da Corte Especial ou
das Seções do STJ, nesta ordem, em matéria infraconstitucional; os precedentes do plenário ou do
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órgão especial respectivo, nesta ordem; os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo.

Repare que, de acordo com o atual CPC (LGL\1973\5), somente as súmulas vinculantes do STF
eram consideradas precedentes com grau máximo de eficácia. De acordo com a nova sistemática
processual, amplia-se, sobremaneira, esse rol.

Ademais, cada ente jurisdicional inferior ficará vinculado à decisão do órgão superior respectivo.
Assim, não haverá espaço para a discricionariedade do julgador, salvo os casos que se revelem
distintos das decisões elencadas como paradigmas.

Certo é que o Projeto de novo CPC (LGL\1973\5) visa estimular uma uniformização da jurisprudência
consolidada dos Tribunais superiores pelos órgãos a quo, para que dessa forma, se alcance
coerência, estabilidade e segurança dos sistema jurisdicional.

Ademais, o § 1.º do art. 499 desse Projeto traz novas regras de interpretação dos precedentes
judiciais e de motivação das decisões serão de grande valia para o direito.

"Art. 499. § 1.º Não se considera fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que:

I – se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo;

II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência
no caso;

III – invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador;

V – se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos


determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento."

A motivação exaustiva pela utilização ou não do precedente constitui elemento essencial para se
afastar o risco de uma aplicação mecanizada e formalista das súmulas e precedentes vinculantes.

No ensinamento de Mizabel Derzi e Thomas Bustamante:

"Um discurso de aplicação implica apenas, como vimos de ver, que as normas judiciais a serem
aplicadas em cada caso concreto devem ser reinterpretadas e ajustadas a cada nova situação que
se apresente perante o julgado, na medida em que os âmbitos de incidência dessas normas judiciais
se restringem aos casos idênticos àqueles que deram ensejo à enunciação da súmula
jurisprudencial."24

Nesse sentido, a eficácia máxima do precedente vinculante somente é vislumbrada quando há


motivação racional, séria e convincente, seja para sua aplicação, seja para seu rechaçamento.

Claro que segurança jurídica é algo, extreme de dúvidas, relevante em qualquer ordem jurídica,
porém, não é correto que em nome desse instituto se restrinja o debate jurídico a apenas uma cúpula
de magistrados. Ora, a dialética é essencial ao Direito, bem como ao alcance de soluções dotadas
não somente de certeza, nas também de justiça.

É certo que a teoria da dimensão da eficácia elaborada por Taruffo conduz a duas consequências. A
primeira é a segurança/certeza jurídica, haja vista os precedentes de vinculação máxima e os
precedentes intermediários. A segunda ilação é a promoção do debate jurídico, pois através dos
precedentes persuasivos pode se instaurar o debate entre as partes e entre os magistrados. Afinal, a
solução de uma lide possui diversa e diferentes nuances que requerem um longo debate, a fim de se
lograr uma solução justa e condizente com a ordem jurídica.

Dessa forma, a restrição do debate, em última análise, aos 33 Ministros do STJ e aos 11 do STF, é
muito preocupante, visto que a escolha dessas autoridades tem um forte caráter político, conforme
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se extrai dos arts. 101 e 104 da Constituição da República (LGL\1988\3). Em virtude disso, pode
restar maculada a imparcialidade que deve permear a discussão jurídica.

Nesse sentido, deve existir um esgotamento prévio e amplo da temática antes de sua utilização
como precedente, afinal, a legitimação discursiva é requisito essencial para que se obtenha uma
solução justa no Estado Democrático de Direito. Geralmente, o desfecho de uma única demanda,
não é possível vislumbrar todos os detalhes do caso, a fim de se formar um precedente para
direcionar casos futuros.

Esse amplo debate deve iniciar necessariamente, na base da pirâmide, ou seja, com os juízes de
primeira instância, salvo os casos previstos em lei, pois, é nesse grau de jurisdição que se verifica o
debate mais intenso acerca dos fatos dos casos concretos, bem como, é nesse espaço que acontece
a instrução probatória. Isso é determinante para se chegar a uma solução mais racional, adequada e
justa.

Os Tribunais superiores, na maioria das vezes, não revolvem os fatos, mas tão somente as questões
de direito. Isso revela se um óbice à perfeita compreensão do caso.

Importante salientar, que o fundamento para se decidir conforme o precedente judicial não deve
estar ancorado apenas na autoridade que o instituiu, mas é imprescindível também que haja uma
razão jurídica e moral que impregnem seu conteúdo. Não se pode esquecer que o direito desprovido
da moralidade torna-se uma prática arbitrária, e a moral sem a coerção do direito é inócua.

Sendo assim, não basta somente afirmar que a súmula ou precedente foi editada/prolatado,
respectivamente, por determinado Tribunal Superior, como por exemplo, STJ ou STF, é necessário
que tais enunciados tenham uma racionalidade lógica e condizente com os ditames da moralidade
para se justificarem na ordem jurídica.

Dessa forma, os magistrados de primeira ou de segunda instância não podem estar atrelados a um
precedente ou súmula apenas porque vieram de uma autoridade superior a eles, visto que isso
representaria simplesmente uma obediência hierárquica. Ou seja, o convencimento motivado do
magistrado se transmutaria, nessas hipóteses, em respeito a uma ordem hierarquicamente superior.

De fato, as razões institucionais são válidas, mas, desde que acompanhadas de razões morais.
Afinal, essa interdependência é necessária para a constante reinterpretação e evolução do direito.

Para se alcançar a eficácia dos precedentes, elaborada no bojo da teoria de Taruffo, é importante
que a discussão na formação dos precedentes judiciais e das súmulas seja mais ampliada para não
se restringir aos posicionamentos de alguns poucos julgadores.

No Estado Democrático de Direito a discussão deve ser ampliada ao máximo, a fim de abarcar todos
os interesses envolvidos.

5. Bibliografia

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Milano, Giuffrè, set. 2007.

1 Taruffo, Michele. Dimensioni del precedente giudiziario. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 2/411-430.

2 Idem, p. 416.

3 Idem, p. 419.

4 Idem.

5 Idem, p. 420.

6 Idem, p. 422.

7 Idem, p. 423.

8 Idem, p. 424.

9 Lopes, Raquel Cardoso. Uniformização da jurisprudência. Revista Forense 390/572-573.

10 Mendes, Gilmar Ferreira. O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos
processos de controle abstrato de normas, 1999. Disponível em: [http://jus.com.br/
revista/texto/108/o-efeitovinculante-das-decisoes-do-supremo
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11 Marinoni, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 111.

12 Souza, Marcelo Alves Dias. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2008. p.
178.

13 David, Rene. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.
350.

14 Op. cit. p. 352

15 Bustamante, Thomas Rosa. Uma teoria normativa do precedente judicial – o peso da


jurisprudência na argumentação jurídica. Tese de doutorado. PUC-RJ. Rio de Janeiro, 2007.

16 Taruffo, Michele. Dimensioni del precedente giudiziario. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile 2/427-429.

17 Jurisprudência é aqui entendida como o conjunto uniforme e reiterado de decisões dos tribunais
em determinado sentido. Taruffo, Michele. Precedente e giurisprudenza, Rivista Trimestrale di Diritto
e Procedura Civile 3/709-725.

18 Arenhart, Sérgio Cruz. A nova postura do relator no julgamento dos recursos. RePro 103/47.

19 Idem.

20 Marinoni, Luiz Guilherme. Os precedentes na dimensão da segurança jurídica. Disponível em:


[http://marinoni.adv.br]. Acesso em: 16.09.2011. Acesso em: 30.06.2013.

21 Nogueira, Gustavo Santana. Jurisprudência vinculante no direito norte-americano e no direito


brasileiro. RePro 161/101 (DTR\2008\475).

22 Taruffo, Michele. Dimensioni del precedente giudiziario. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile 2/430.

23 Disponível em:
[www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/54a-legislatura/8046-10-codigo
Acesso em: 01.07.2013.

24 Bustamante, Thomas; Derzi, Misabel. O efeito vinculante e o princípio da motivação das decisões
judiciais: em que sentido pode haver precedentes vinculantes no direito brasileiro?

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