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Capítulo 1: A queda do caminhão

Os primeiros raios de sol transpassavam vagarosamente a densa


cortina do quarto de cima. Aos poucos, Louis ia se acordando de seu
pesado sono. A noite havia sido maravilhosa para o garoto. Após
brincar até tarde com Sophie, sua melhor amiga, ele fora colocado por
sua mãe para dormir no mais novo cômodo da casa, preparado
especialmente para ele - finalmente, agora, ele não teria mais de dividir
a cama com um monte de objetos pertencentes ao quarto de limpeza.
Seus pais fizeram de tudo para construir um cantinho especial para o
menino. Até porque, com o seu décimo primeiro aniversário prestes a
chegar, Louis já não teria como conviver com uma legião de esfregões.
Embora relutante, ele decidiu se levantar de sua confortável cama.
Caminhando até o banheiro, o menino pôs-se a observar seu reflexo
no espelho. Tudo continuava fisicamente igual, mas ele sentia-se como
um novo homem. Só mais vinte e quatro horas, e Louis estaria
comemorando o seu aniversário de onze anos, uma data muito
especial, por sinal. Por alguma razão desconhecida, seus últimos anos
de vida se resumiam ao anseio de chegar a esta idade. Algo em ter onze
anos atraía a sua atenção.
Com o rosto já lavado, Louis dirigiu-se ao andar de baixo. Na
cozinha, Felicity ajustava uma linda coroa de flores em seus cabelos
vermelhos como o fogo. O menino sempre reparava no quão parecido
ele e sua mãe eram. Até mesmo seu pai dizia que Louis era uma cópia
em miniatura de Felicity, algo de que, particularmente, ele se
orgulhava.
- Quase não o vi chegar, querido. Não é um pouco cedo demais? -
Perguntou-lhe, aproximando e o envolvendo num caloroso abraço.

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- Onde está o papai?
- Foi à cidade comprar alguns materiais de trabalho. Eu estava prestes
a preparar o café. Quer me ajudar?
Rapidamente, ele correu para pegar alguns ovos. Embora não fosse
sua atividade favorita, cozinhar podia ser um passatempo divertido,
ainda mais tendo consigo as sábias instruções de sua mãe.
- Animado para amanhã? - Perguntou Felicity, sentando à mesa para
comer - Seu pai e eu estávamos pensando em te levar para uma volta
na cidade. Não temos muito dinheiro, mas uma ida à sorveteria pode
vir a calhar.
Por um momento, Louis abaixou sua cabeça. Dinheiro em sua casa
era algo realmente difícil de se conseguir, e gastá-lo daquela maneira
não parecia apropriado, mesmo que isso significasse perder a chance
de ter um bom e refrescante sorvete de chocolate.
- Mãe…a senhora sabe que você, e o pai não precisam fazer isso.
Conheço a nossa situação. Além do mais, ainda podemos brincar
juntos no campo, ao lado de casa.
- Não pense nisso, querido. Você tem se esforçado muito nestes
últimos meses, não só nas tarefas de casa, como também em suas
notas. Dessa vez, queremos presenteá-lo com algo diferente. - Disse,
aproximando do filho e lhe dando um carinhoso beijo.
[...]
Já muito bem alimentado, Louis se despediu de sua mãe e seguiu
rumo ao campo perto de sua casa. Afastada de tudo e de todos, a sua
humilde residência encontrava-se praticamente isolada, a não ser por
uma única casa vizinha pertencente à família de Sophie.

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Embora aparentemente monótona, sua vida era incrivelmente
animada. Louis adorava a sua família e tudo o que o rodeava. Ele
despendia muito de seu tempo brincando e cuidando das flores do
campo, quase sempre acompanhado de sua fiel amiga. Aliás,
raramente o garoto participava de alguma atividade desacompanhado
dela.
- Já acordado, Riley? - Disse uma voz conhecida.
À sua retaguarda, uma garota de cabelos crespos e pele morena
encontrava-se esboçando um sorriso encantador. Ao avistá-la, Louis
correu e a abraçou. Esta era a sua fiel e inseparável companheira,
Sophie Hanson.
- De todas as coisas neste mundo, vê-lo acordado tão cedo pela
manhã, é algo simplesmente inacreditável.
- Incrível como você me faz parecer um completo preguiçoso.
- Eu não estaria mentindo se dissesse isso. - Falou ela, ao deitar-se na
verde e viva grama do campo.
Um dos melhores momentos do dia acontecia exatamente como
agora. Desde que a família de Sophie mudou-se para aquela região, a
vida do menino virou de cabeça para baixo. Antes dela, Louis jamais
tivera um único amigo. Por seus pais terem optado pelo ensino em
casa, ele dificilmente tinha contato com outras crianças.
- No que estava pensando? - Perguntou Sophie.
- Como?
- Antes de eu chegar, você estava parado observando o céu. No que
estava pensando?

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- Em como amo minha vida. Tenho os melhores pais e a melhor
amiga de todo o mundo. Fico feliz por tê-los ao meu lado. Espero que
isso nunca acabe.
Por um momento, Sophie ficou quieta. Seus olhos se desviaram dos
de Louis e se direcionaram para uma das nuvens que cobria o sol. O
garoto não percebeu, mas algo de estranho estava acontecendo com
Sophie.
- Louis…amanhã é o seu aniversário, né?
- Sim. O melhor aniversário, por sinal. Completarei onze anos!
- O que você acha de passarmos o resto do dia juntos?
- Mas já não passamos o dia inteiro juntos? - Respondeu-a em um
tom de brincadeira.
- Não, bobo, digo literalmente o dia todo. Sabe…podemos brincar de
todas as coisas que nunca brincamos. Aproveitar ao máximo cada
momento de hoje, entende?
- Claro que sim, Sophie, mas por que isso tão de repente?
A menina não respondeu, apenas esboçou um fraco sorriso.
- Então, que tal esconde-esconde?
- Tão cedo assim?
- Quando eu disse "o dia todo", eu não estava brincando, hahaha.
- Já que é assim, estou preparado.
E assim, Louis e Sophie passaram o restante do dia se divertindo um
com o outro.
[...]
- Sério mesmo? Você sabe que está escondido no alto duma colina,
certo? Eu posso ver você completamente daqui de baixo. - Disse
Sophie com um tom sarcástico.

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Louis saiu detrás da caminhonete um tanto quanto envergonhado.
Ele realmente não havia pensado bem em seu esconderijo. Mas
também, após um dia inteiro se escondendo em um pequeno campo,
suas opções tornaram-se limitadas.
- Você seria um péssimo detetive, Riley. - Caçoou Sophie de Louis.
- Me dê um descanso, okay? Estou extremamente cansado dessa
correria. - Falou, jogando-se ao chão.
- E também um péssimo corredor. - Disse, seguindo-o logo em
seguida.
Embora cansado, o pique de Louis ainda não havia passado. Passar o
tempo com Sophie era algo incrivelmente relaxante. Ele jamais se
cansaria perto dela.
- Você está fazendo aquilo de novo.
- Do que está falando?
- Olhando para o nada calado, como se estivesse a conversar consigo
mesmo. No que estava pensando?
Sabe…amanhã, farei onze anos. Esperei este dia por muito tempo.
Mal posso esperar por todas as brincadeiras que faremos no meu
aniversário.
Um silêncio tomou conta do ambiente. Sophie baixou a cabeça,
tentando esconder um olhar tristonho. Desta vez, porém, o menino
percebeu.
- O que aconteceu? - Questionou-a preocupado.
- Louis, eu preciso te contar algo. - Ela levantou a cabeça, com um
olhar distante para o horizonte.
- Você está me deixando curioso, Sophie. Conte logo!
- Eu não estarei aqui amanhã.

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- Mas…por quê? Você vai à cidade amanhã?
Mais uma vez, a longa pausa surgiu. Sophie virou o rosto, e Louis
pôde perceber que seus olhos começaram a lacrimejar.
- Meu pai recebeu uma proposta irrecusável de emprego na Escócia.
- Mas…como…isso…
- Sim. Isso significa que…amanhã eu, e ele partiremos para a Escócia.
Aquelas palavras atravessaram o coração de Louis como duas afiadas
espadas. Não! Isso não podia estar acontecendo! Ela não podia ir
embora; não num dia como aquele.
Louis queria contestar, reclamar, mas tudo o que conseguiu fazer foi
se levantar, ainda perplexo. Sophie o acompanhou, derramando
algumas lágrimas.
Assim que se levantaram, seus olhares se prenderam um ao outro.
Por um tempo indeterminado, nenhuma palavra foi dita. Tudo o que
eles fizeram, foi tentar manter a conexão, até que Louis a quebrou,
desviando-se dos olhos marejados de Sophie.
- Louis? - Disse, procurando uma resposta do amigo.
- Eu…eu…
Palavras faltavam em sua boca. Ele não conseguia produzir as frases
que seu cérebro projetava.
- Louis, diga alguma coisa! - Pediu Sophie.
Mais uma vez, nada fora dito.
Sem forças para dizer coisa alguma, as pernas de Louis desejaram
direcioná-lo para casa, mas antes que ele pudesse dar o primeiro passo,
Sophie falou:

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- A razão pela qual eu quis passar o dia com você, é que estarei
pegando um voo amanhã cedo. Não terei tempo suficiente para te
dizer o quanto…
- Quando seu pai recebeu a proposta?
- Mês passado.
- Por quê, Sophie? Por que você demorou um mês para me contar?
- E-eu… - Disse, tentando aproximar-se de Louis.
- Não se aproxime. Eu nem sei pra que você teve o esforço de passar
o dia comigo. Seria muito melhor se tivesse ido embora, ainda hoje.
Na verdade, seria melhor nunca termos nos conhecido. Você me
ouviu? EU QUERIA NUNCA TER TE CONHECIDO!
Os segundos seguintes aconteceram rápido demais para serem
descritos detalhadamente. Subitamente, a caminhonete do pai de
Sophie despencou da colina, descendo rapidamente na direção da
menina. A garota paralisou frente ao veículo em alta velocidade.
- SOPHIE! - Gritou ele, antes de se jogar em sua frente.
Ele, então, ergueu seu braço numa tentativa pouco pensada de
proteger a si mesmo e à sua amiga do impacto, mas, por algum
motivo, nada aconteceu. Abrindo os olhos, o garoto pôde contemplar
a imagem de uma caminhonete com a frente completamente
amassada, como se ela tivesse batido num poste ou em algo do tipo.
Sophie olhava aterrorizada para o menino. Ele logo percebeu o
porquê. Seu braço, o seu frágil e indefeso braço fora o causador de
tamanho impacto. Do outro lado do campo, Felicity observava a cena
aterrorizada. Sua face não conseguia expressar expressão alguma, a não
ser um completo desespero.
- O-o q-que você fez?! - Questionou Sophie em completo pânico.

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- E-eu não sei! Eu juro que não fiz nada!
Felicity, então, correu ao local, mantendo em si uma expressão de
desespero.
- M-mãe, eu juro que…
- Para dentro! - Ordenou ela.
- M-mas, m-mãe…
- EU DISSE PARA VOCÊ ENTRAR! - Gritou ela, pela primeira
vez em toda a sua vida.
Assustado e extremamente confuso, Louis correu o mais rápido
possível, sendo recebido pelo olhar assustado de seu pai.
- Louis?! O que aconteceu?!
- E-eu não sei! Eu realmente não sei, pai! - Respondeu-o, ainda em
estado de choque.
- Deixe-me falar com a sua mãe. - Disse Arthur, retirando-se da casa.
Da janela na cozinha, Louis podia saber exatamente o que estava
acontecendo do lado de fora. Na região exterior, Sophie, e seu pai
haviam desaparecido. Felicity, e Arthur pareciam estar discutindo por
alguma razão. A mulher apresentava uma expressão de desespero e
parecia debater com o seu marido.
De repente, Louis começou a chorar. Grossas gotas de lágrimas
percorriam toda a extensão de seu rosto. Ele se sentia culpado, irritado
e entristecido por diversas causas diferentes. Finalmente, seu choro
durou até seu pai adentrar à sala da casa. Arthur carregava em si uma
expressão séria.
- Por que ela está irritada, pai? - Perguntou Louis, tentando não
transparecer sua tristeza.

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Seu pai nada fez, a não ser abraçá-lo fortemente. A respiração de
Louis desacelerou, e o garoto passou a prestar atenção nas palavras de
seu pai.
- Ela não está irritada, filho…sua mãe está apenas preocupada.
- Mas por quê? Eu juro pro senhor que eu não amassei o carro do
Sr.Hanson!
- Pelo menos, não conscientemente.
- O que você quer dizer, pai?
Louis saiu do abraço do pai e o observou. Arthur mantinha a mesma
expressão séria e sem reação. Seus olhos, agora, estavam fixos nos do
filho.
- Está na hora de você saber a verdade, Louis. Toda a verdade.
- De que verdade você está falando, pai?
Um longo momento de silêncio tomou conta do ambiente. Porém,
finalmente Arthur pôs-se a falar.
- Era uma vez, a história de uma bela e gentil garotinha. Com seus
cabelos ruivos herdados de sua tataravó, a menina era muito diferente
de sua família, não apenas nos aspectos físicos, como também no dom
creditado à ela. Um dia, contudo, percebendo que a sua filha era
diferente deles, os pais a abandonaram à sua própria sorte. A menina
caminhou por muitos e muitos dias sozinha, até que, quando não
havia mais esperanças, ela encontrou uma velha senhora, de aparência
serena. A mulher, então, ofereceu-a abrigo e a adotou como sua
"filha". No início, a pequena vivia normalmente. Porém, um dia, a
aparente gentil senhorinha revelou a sua verdadeira face,
transformando-a em sua escrava. A garota trabalhava forçadamente e

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aguentava os mais diversos tipos de agressão, apenas para continuar a
ter um teto para morar.
Arthur fez uma pausa para enxugar os olhos.
- Todavia, já não aguentando mais tamanhos maus tratos, a menina
fugiu para o mais longe possível, indo parar num mundo
completamente desconhecido para ela. Sem casa, sem família, a jovem
perseverou firme para conseguir sobreviver numa terra alheia e
forasteira. Anos se passaram, e ela conheceu o amor da sua vida. Eles se
uniram, e desta união, surgiu um lindo e amável garotinho, tão quão
especial como a mãe. Contudo, o menino também carregava o dom de
ser especial, assim como sua mãe, algo que ela, por muitos e muitos
anos, temeu acima de tudo.
Alguns minutos se passaram, e Louis continuava não entendendo a
história de seu pai.
- Por que você está me contando essa história, pai? O que isso tem a
ver com a mamãe?
- Louis, você nunca se perguntou sobre os seus avós maternos?
- Muitas vezes. Mamãe sempre me disse que eles morreram poucos
dias depois dela nascer.
- Eles nunca morreram, Louis. Seus avós continuam vivos.
- C-como? Por que a mãe mentiria sobre isso para mim?!
- A história que eu te contei, pertence à sua mãe, Louis. Ela é a garota
abandonada do enredo. Os pais são os seus avós, que a abandonaram
por ela ser diferente dos demais. Eu sou o companheiro que ela achou
e você…você é a criança especial.
- Especial? Em que sentido, pai?

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Arthur segurou as mãos de Louis, procurando uma maneira segura
de o contar aquilo. Por muito tempo, ele, e Felicity tentaram esconder
aquele segredo à sete chaves. Contudo, o momento certo havia
chegado.
- Você herdou o dom mágico de seus avós, Louis. Foi exatamente por
isso que sua mãe fora abandonada, ainda pequena, por seus avós.
Diferentemente de você, ela nasceu sem este dom. Em outras palavras,
você nasceu bruxo, Louis.
- Bruxo?! Do que você está a falar, pai?! Bruxos não existem!
- De fato, os bruxos dos contos de fada não existem. Estamos falando
de bruxos reais, Louis. Bruxos como você, que consegue alterar o
mundo físico ao seu redor.
Louis não conseguia entender. Quanto mais seu pai explicava, mais
confusas suas ideias se tornavam.
- Isso não faz o mínimo sentido, pai! Se eu sou um bruxo, então, o
que é a mãe?
- Uma aborto. - Disse uma voz feminina.
Atrás de si, Felicity aparecera, ainda visivelmente abalada. Seus olhos
estavam inchados e sua expressão entristecida.
- Mãe?
- Louis…
Felicity aproximou-se de seu filho e o abraçou mais forte do que
nunca. Ela não conseguia falar nada, a não ser chorar amargamente
por tudo o que aconteceu.
Após longos segundos de pranto, a mulher direcionou o seu olhar
molhado para a expressão confusa de seu filho:

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- Eu realmente sinto muito, Louis! Sinto por ter gritado contigo, por
ter escondido a verdade por todo este tempo. Eu apenas entrei em
pânico diante…diante da sua manifestação física de magia.
- Então…o que vocês estão falando é verdade? Eu realmente sou um
bruxo?
- Sim. Na verdade, os sinais sempre estiveram na nossa frente, mas os
ignoramos como dois descrentes. Você sempre foi diferente dos
demais garotos da sua idade. Eu…eu apenas não queria que você
passasse pelo que eu passei. Não era de minha vontade que você fizesse
parte de um mundo como o mundo mágico. Mas, então, após tudo o
que aconteceu, não posso simplesmente impedi-lo de viver o seu
destino. Você é um bruxo, Louis; e será um dos maiores bruxos de
toda a Inglaterra! - Disse-o, tentando esboçar um sorriso enfraquecido
em seu rosto.
- Mas…eu não entendo. Por que eles abandonaram você?
- Pessoas como eu eram mal vistas no mundo mágico. Éramos
consideradas uma aberração, uma tragédia da natureza. Não tínhamos
uma vida normal naquela época.
Louis ainda não entendia o que de fato estava acontecendo. Tudo
estava confuso e disperso em sua mente.
- Acho melhor você ir se deitar, querido. - Aconselhou Felicity,
enxugando as marcas de lágrimas que restaram em seu rosto - Foram
muitas informações para hoje.
- Sim. Concordo. Além do mais, amanhã será uma data muito
especial. Principalmente após tudo isso. De qualquer maneira, vou
falar com o Sr.Hanson sobre o conserto do carro. Ouvi falar que eles
estarão de mudança pela manhã.

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Um sentimento intenso de tristeza voltou a atacar o emocional de
Louis. Em meio a todos aqueles acontecimentos, ele até esquecera da
mudança de Sophie para a Escócia. Mas, de que adiantava relembrar
disso, se ela provavelmente, agora, o via como um monstro?
[...]
- Eu apenas não quero que você se sinta como eu me senti há vinte
anos atrás, Louis. Eu preciso me assegurar de que você jamais, jamais
passará pelas mesmas coisas que marcaram o meu passado.
- Eu sinto muito por tudo que aconteceu com você, mãe.
- Não sinta. Nada disso tem sequer um dedo de culpa sua. Tudo isso
é resultado da monstruosidade de duas pessoas podres por dentro.
Mas…isso é um assunto com o qual não desejo encher a sua cabeça.
Amanhã, você receberá um dos mais importantes convites de sua vida,
filho. Quero assegurar que tudo sairá perfeitamente bem para você.
- Convite? Como assim?
- Você saberá pelo amanhecer, querido. O dia de hoje foi bastante
corrido. Tente dormir um pouco. Tenho certeza de que você está
bastante cansado.
Felicity, então, caminhou até à porta, mas antes de sair, ela mais uma
vez falou:
- Louis?
- Sim, mãe?
- Nunca se esqueça do quanto eu te amo.
- Eu também te amo, mãe.
E, então, a porta do quarto foi fechada, deixando o pobre garoto
novamente sozinho. A mente de Louis estava uma completa bagunça.
Nada fazia sentido dentro de si.

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Acabado emocionalmente e com os pensamentos embaralhados, o
garoto se remexeu na cama à procura do tão desejado sono. Contudo,
uma última pergunta martelava em sua cabeça. Que convite tão
importante seria este que Felicity mencionou?

Capítulo 2: Reencontros
Inquieto, Louis buscava em si mesmo as respostas para os
questionamentos responsáveis pela noite mal dormida. Com a notícia
de que sua amiga partiria em breve para outro país e, acima de tudo,
com a recente descoberta sobre sua própria natureza, Riley
encontrava-se, cada vez mais, afundado num estado caótico de
confusão. Embora tentasse, um sentimento vazio e frio continuava a
persegui-lo. Toda a sua identidade, todas as suas crenças,,
apresentavam-se agora como nada mais do que uma parte irreal da
realidade..
Decidido a esquecer tudo, pelo menos por algumas horas, Louis
novamente tentou pregar os olhos. Mas antes que se mexesse, a
luminosidade do quarto desfez todos os seus planos; a noite havia
acabado, e com ela, a sua chance de ter um pouco de descanso.
- Tenho de entregar a mensagem ao garoto. - Um murmúrio vindo
do andar de baixo fora capturado pelos seus ouvidos.
Toda a atenção de Louis voltou-se à desconhecida voz. Pulando da
cama, o menino rapidamente tirou seu pijama e desceu

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sorrateiramente pelas escadas, numa tentativa de espiar o que estava a
acontecer na cozinha da casa. Para a sua surpresa, seus pais
encontravam-se sentados frente à figura imóvel de uma completa
desconhecida. A mulher apresentava uma postura totalmente ereta,
enquanto fixava um olhar tão azul quanto o céu nos demais.
Carregando uma bolsa preta de couro, que estava em sintonia com a
cor do vestido longo, e usando um penteado delicado, que prendia
perfeitamente o cabelo claro como o sol, ela transmitia um ar de uma
verdadeira dama.
- Esconder-se nas sombras não é uma atitude muito louvável,
Sr.Riley. - Disse a mulher sem ao menos virar-se para vê-lo.
- Louis? Por que está se escondendo? - Questionou-o Arthur.
Pego em flagrante, Louis desceu vagarosamente as escadas, tentando
parecer um pouco mais inocente. Seu pai o olhava confuso, e sua mãe
apenas esboçou um sorriso inquieto.
- Eu…apenas…hum…
- Estava amedrontado o suficiente para encarar-me frente a frente. -
Repetiu a visitante, direcionando um olhar cortante ao menino. Ela
parecia saber exatamente o que estava a passar em sua mente.
- Como você…
- Digamos que consigo ler perfeitamente os seus gestos.
Felicity remexeu-se na cadeira.
- Louis, a senhorita Askward veio até aqui para lhe entregar uma
carta.
- Uma carta? Quem é o remetente?
- Hogwarts, meu filho. - Pronunciou Felicity, novamente tentando
formular um sorriso - Essa é tão sonhada carta de todos bruxos de

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nosso país. Hogwarts é uma escola preparatória feita especialmente
para crianças mágicas da sua idade.
Annora estendeu a mão, entregando a Louis uma carta em um
envelope amarelado e de aparência velha. Um brasão antigo estava em
evidência na parte superior, apresentando quatro animais em seu
interior, que pareciam mover-se como numa luta entre si.
- Esta é a carta que efetivará a sua vaga na Escola de Magia e Bruxaria
de Hogwarts. Abra-a. Nela estarão todas as informações relevantes
sobre a sua matrícula e materiais. Neste meio-tempo, Sr. e Sra.Riley,
tenho alguns assuntos a tratar com vocês.
Enquanto Annora conversava com seus pais, Louis viu-se
vislumbrado com o objeto em suas mãos. Nada parecia real naquele
exato momento. A textura do envelope, o movimento dos animais,
produzia nele uma forte sensação de curiosidade. Desfazendo o lacre o
mais rapidamente possível, ele pôs-se a lê-la.
Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Gabinete da Vice-Diretora
Excelentíssimo Louis Riley, a Direção de Hogwarts tem o prazer de convidá-lo
a ingressar na educação mágica do Reino Unido. Temos um arsenal de
conhecimento e os professores mais qualificados de todo o planeta, para
atender às suas necessidades. As aulas acontecerão entre o período de 1 de
setembro e 30 de junho. Aguardamos-o no Expresso de Hogwarts, que partirá
de Londres no primeiro dia de aula às 11h. Na próxima página, encontram-se
todas as informações adicionais relevantes e indicações para as compras de
materiais. Informamos também que uma verba pública foi disponibilizada pelo
Governo Mágico à sua família. Usufrua bem deste capital.
Atenciosamente,
Minerva McGonagall (Diretora) Annora Askward (Vice-diretora)

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Os olhos de Louis brilhavam mais a cada palavra lida. Livros de
magia, animais indicados, equipamentos necessários e até uma varinha
deveriam ser comprados! Sua mente não podia acreditar no que estava
à sua frente. Todas as portas abririam-se a um mundo completamente
diferente do seu…
"Completamente diferente do meu…" - Pensou Louis consigo.
Se tudo estava tão perfeito, por que ainda assim parecia assustador?
Diante de si, um mundo com oportunidades infinitas tornava-se cada
vez mais real. Mas sua mente não parava de bater na mesma tecla.
Anos e anos acostumado com um estilo de vida e, de repente, bum!
tudo estava mudado. Todas as suas crenças pareciam um nada perante
o desconhecido universo, que aos poucos tornava-se familiar.
- Esta é a verba disponibilizada pelo Ministério para as compras dos
materiais. - Disse Annora, apresentando um saquinho em suas mãos -
Usem-a com cuidado. Embora pareça em excesso, os galeões e sicles
foram calculados especificamente para cada material. Dito isso, sugiro
que optem pelas opções de segunda mão; são mais baratas e
suficientemente necessárias para o aprendizado do garoto.
- Todos os materiais se encontram no Beco Diagonal? - Perguntou
Arthur intrigado.
- Obviamente, Sr.Riley. Creio que Felicity poderá direcioná-los pelas
compras. Tenho muitos assuntos a resolver. - Falou, levantando-se da
cadeira.
Felicity, que até então estava atenta às suas palavras, baixou
novamente a cabeça, seguido de um suspiro. Louis não sabia o
porquê, mas evidentemente ali, algo estava a incomodá-la. Seria os
assuntos bruxos? Hogwarts, talvez?

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- Então, já que tudo fora devidamente esclarecido, devo me retirar.
Tenho uma reunião, em poucos minutos, no gabinete do Ministério.
Annora lentamente direcionou-se à porta. Sua postura continuava
ereta, e ela parecia mover-se como se estivesse a tentar transparecer um
ar de superioridade. Contudo, antes de mover a maçaneta, a mulher
voltou-se para o garoto e fixou-lhe o olhar.
- O medo é algo comum nos seres humanos. Sentimentos confusos
também. Mas é nosso dever vencê-los e não deixá-los sobressair a nós
mesmos. Caso contrário, não passaremos de simples covardes
fracassados. Nunca se esqueça disso, Louis. - E, então, sem mais nem
menos, desapareceu em sua frente.
- Para onde ela foi?! - Exclamou Arthur.
- Desaparatou. Louis, querido, pegue suas coisas. Daqui a alguns
minutos, partiremos para Londres. - Falou Felicity, caminhando para
fora da cozinha. Lou
[...]
Sentado no ônibus que interligava as duas cidades, Louis ponderava
sobre o seu futuro. Olhando para fora da janela, seus pensamentos
voavam soltos. As palavras de Annora estavam como num looping em
sua cabeça. A mulher, por mais intimidante que fosse, parecia
entender exatamente o que ele estava sentindo. Seria esta, então, a sua
definição? Fracassado e covarde?
- No que está pensando, Louis? - Questionou-o, quebrando o
silêncio estabelecido desde o início da viagem.
- Em tudo isso, mãe; como as coisas estão mudando rapidamente
para mim.
- Mudanças podem ser boas. Mudar é essencial em nossas vidas.

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- Não estou assim por medo de mudar. É que…tudo parece tão
desconhecido. É como se cada coisa estivesse fora de seu lugar, e eu,
impedido por correntes, não conseguisse organizá-las.
Houve um minuto de silêncio entre eles. Felicity o analisava com um
ar de serenidade. Suas mãos passavam pelos cabelos escarlate do filho,
como numa tentativa de acalmá-lo.
- Quando me expulsaram de casa, senti como se meu mundo
desmoronasse. Todas as minhas forças haviam sumido; não só elas,
como também todas as minhas crenças, amigos felicidade. Tudo
parecia ter acabado bem ali. Depois disso, tentei a sorte trabalhando
com uma senhoria, apenas para que, mais uma vez, minha confiança
no mundo fosse quebrada. Contudo, senti minha vida mudar ao
ingressar numa vida trouxa, Louis. Mudei os meus hábitos, meu
modo de vestir e até mesmo de ver o mundo, simplesmente porque,
agora, eu havia encontrado o meu verdadeiro eu. Da mesma forma,
acontecerá contigo, querido. Não reprima os seus sentimentos.
Encontre-se, assim como eu fiz. Abrace esta nova oportunidade, assim
como abracei a minha. Seja feliz, assim como sou hoje em dia. Além
do mais, mesmo que caia, sempre estarei contigo para te levantar e
animar-te na nova jornada.
Após aquelas palavras, Louis abraçou a mãe como nunca havia feito.
Seus olhos estavam marejados, mas seus sentimentos regenerados.
Assim como sua mãe, o menino estava à procura do seu próprio eu e,
quem sabe, Hogwarts fosse o local ideal para isso.
- Muito obrigado, mãe! Obrigado mesmo. - Agradeceu-a, com um
sorriso aberto no rosto.

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- Sempre estarei contigo, Louis, não importa o que aconteça. -
Respondeu-o, dando-lhe um beijo na testa.
Beco Diagonal - Loja de materiais
Rodeado das mais inusitadas coisas, Louis tentava ao máximo se
controlar, caso contrário, faria de tudo para comprar todos os objetos
de primeira mão. Caldeirões de ouro, uma luneta de ferro
encantado…era cada equipamento visualmente atraente, que seus
olhos se enchiam de alegria.
- Desde quando uma luneta custa 78 galeões? E este caldeirão de
113? Jamais!! Acho que vi algumas opções mais baratas, na prateleira
anterior. Vamos até lá, Louis.
- Quantos galeões ainda nos restam? - Perguntou Louis, tentando
esconder a tristeza na fala.
- Bom, pelos meus cálculos, tirando os materiais desta loja, o
suficiente para uma varinha e livros. - Disse, direcionando-se à
prateleira anterior.
Enquanto sua mãe se esforçava para calcular o valor de cada objeto,
Louis sentou-se num banco de madeira, próximo à entrada da loja,
pondo-se a observar o exterior do cômodo. Lá fora, inúmeras crianças
passavam agarradas a seus pais, aparentemente em êxtase diante de
cada loja. Um garotinho até fez uma birra para uma tal de vassoura
super rápida (o novo lançamento da loja de equipamentos esportivos).
Tudo ali parecia tão único e esplêndido; era realmente uma pena ele
não ter dinheiro suficiente para comprar cada item do Beco Diagonal.
Já cansado de observar, Louis foi à procura de sua mãe. Muito
provavelmente, ela já estaria no caixa, pagando as compras. Contudo,
ao passar por uma estante de caldeirões, o garoto pôde contemplar

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uma cena um tanto quanto estranha. Felicity estava paralisada,
enquanto um homem e uma mulher de aparência meio idosa, a
olhavam perplexamente. Seus lábios tremiam um pouco, como se
tentassem falar algo.
- Mãe? - Disse Louis, estranhando tudo aquilo.
Os desconhecidos direcionaram os seus olhares para ele, ainda mais
perplexos do que nunca. Com seus olhos arregalados e suas
sobrancelhas arqueadas, mais pareciam ter visto algum tipo de
assombração.
- Mãe? - Disse a mulher, caminhando até o menino.
- Não ouse tocá-lo! - Felicity falou, ao colocar-se entre a senhora e
Louis.
- Mãe, quem são estas pessoas?
- Ele nem ao menos sabe quem nós somos? - Questionou a mulher,
apresentando um tom aborrecimento em sua fala.
- E por que deveriam? Vocês não têm qualquer laço com ele.
- Você deve a nós o mérito dele carregar o sangue mágico! - Exclamou
o senhor, que até então havia mantido-se calado.
- Vinte anos se passaram, e vocês não mudaram nada. - Retrucou
Felicity com um ar enojado.
- Você não pode nos proibir de ver o nosso net… - Disse a senhora,
tentando encostar a mão na cabeça do menino.
- NÃO OUSE! - Gritou a mãe de Louis, chamando a atenção de
todos os presentes na loja - Não ouse tocá-lo! Você não tem esse
direito! Aliás, os dois perderam este direito no dia em que me
expulsaram.

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Louis abaixou a cabeça. O menino sentia-se cada vez mais
desconfortável com a cena. Diante de si, os responsáveis pelos anos de
sofrimento de sua mãe encontravam-se querendo assumir um papel
que a eles não pertencia.
- Não fale assim com a sua mã…
- Mãe? Honestamente, tens ainda a ousadia de chamá-la de minha
mãe? Muito pelo contrário, Archer. Ela pode até ser a minha
progenitora, mas jamais se encontrará no estado de mãe.
- Pelas barbas de Merlin, desde quando a minha loja virou uma
estação de duelo verbal?! - Queixou-se a proprietária - O que está
acontecendo aqui?!
- Estes senhores estão incomodando meu filho e eu, senhora
Amond.
- Senhores? - Disse ela, colocando os óculos e expressando uma
expressão de horror ao vê-los perfeitamente - O que os Askward estão
fazendo aqui?! Vocês foram proibidos de entrarem em minha loja!
No exato instante, Louis levantou sua cabeça, esboçando uma
expressão de surpresa. Este sobrenome era o mesmo que estava escrito
na carta de recepção! Annora carregava o mesmo sobrenome que eles.
Tudo fazia sentido agora. Era esta a razão por Felicity estar tão
incomodada na conversa de mais cedo. Ela estava diante de sua própria
irmã; a irmã, que até mesmo talvez, não fosse vista desde a sua
expulsão.
- Estamos procurando alguns equipamentos. Você não pode
simplesmente nos expulsar de sua…
- Ela pode. A Sra.Amond tem total poder sobre a sua loja. -
Exclamou uma voz feminina conhecida.

22
Atrás de si, Annora aparecera repentinamente.
- O que está fazendo, Annora? Estás expulsando os teus próprios
pais?
- Não seja tão dramática, Aurellia. Por Merlin, deixe de importunar a
família Riley, pelo menos uma vez na vida! - Respondeu-os,
acompanhando-os para fora da loja.
- Esta família me dá nos nervos! Peço desculpas pelo extremo
incômodo, Sra.Riley. - Desculpou-se Amond, retirando um pequeno
paninho do bolso e limpando o suor de sua testa.
- Não se desculpe, Sra.Amond. Estou com os equipamentos aqui.
Podemos ir ao caixa?
- Claro! Acompanhe-me. Ah, pessoal, voltem suas atenções aos
equipamentos! Não há mais nada para ver aqui. - Falou em voz alta,
pedindo para que todos os presentes voltassem às suas vidas.
[...]
Com todos os materiais nas mãos, Louis e Felicity seguiram ao
Caldeirão Furado. A noite estava quase chegando, e algumas lojas já se
preparavam para fechar.
Embora muito perto, a caminhada até o Caldeirão pareceu demorar
horas. Nenhuma palavra fora dita entre eles desde a discussão na loja
de equipamentos. Felicity continuava séria e pensativa, quase como se
estivesse a refletir sobre o ocorrido. Nem mesmo as brincadeiras da
coruja vermelha, que ela comprara de presente para o menino,
conseguira arrancar um sorriso seu.
Finalmente, a caminhada havia acabado. Eles chegaram ao bar, quase
que completamente vazio, se não fosse pela figura de um garoto

23
sentado no sofá, que aparentava estar muito focado em seu momento
de leitura.
- Está chovendo? - Indagou Louis ao ouvir o som no lado externo do
caldeirão - Não parecia chover no Beco Diagonal.
- Aquela rua tem um feitiço que repele temporais. Nenhuma chuva
consegue se formar. - Respondeu-o, quebrando assim o silêncio.
- Mãe…como a senhora está?
- Falamos disso depois, Louis. Preciso achar uma maneira de sairmos
daqui, sem nos molhar. - Desconversou Felicity, entregando a Louis
todos os seus materiais mais a gaiola de Rexy.
Felicity seguiu à portaria para observar melhor o temporal. Ela
tentou não transparecer a sua raiva, mas reprimir sentimentos,
definitivamente, não era uma de suas qualidades. Sem mais nada a
fazer, Louis sentou-se ao lado do menino desconhecido.
Quieto, o garoto relembrava cada palavra dita pelos seus avós. Um
sentimento de infelicidade, misturado com raiva, crescia em seu peito.
Como eles tinham a ousadia de agir como se nada houvesse
acontecido? Como se a vida de sua mãe jamais tivesse sido
prejudicada?
- Balas glaciais? - Disse o menino com um forte sotaque americano.
- Hum?
- Ajuda a refletir. Sempre carrego uma comigo. Nunca se sabe
quando precisaremos tomar uma decisão importante, não é mesmo? -
Falou o garoto, retirando de sua bolsa de ombro uma caixa de balas
embaladas num papel azul claro.
- Obrigado.

24
Ao colocar uma delas em sua boca, Louis sentiu como se um
milkshake super gelado tivesse ido de encontro ao céu da boca. Sua
língua estava congelada e seus dentes doíam como se tivessem sido
atingidos por um martelo de ouro puro.
- Os efeitos passam em alguns segundos. Estas balas são a nova do
momento. Todos os bruxos da nossa idade parecem adorá-la.
- Definitivamente, nunca comi algo tão…exótico em minha vida. -
Respondeu-o com muita dificuldade.
- Então…no que você estava pensando?
- Como?
- Antes das balas, o que estava pensando?
Louis hesitou por um momento. Ele realmente necessitava
desabafar, mas a ideia de expor seus pensamentos para um completo
desconhecido não era muito agradável.
- Nada. Apenas tentando refletir.
- Tudo bem não falar. Eu não deveria ter perguntado isso, de
qualquer maneira. Meu pai sempre me chama de intrometido por essa
razão. Não apenas de intrometido, claro, como também de tagarela,
lunático, fanático por livros e… - Ele fez uma pausa, percebendo que,
novamente, estava falando demais - Estou fazendo aquilo de novo.
- Você é meio estranho. - Respondeu-lhe Louis com um sorriso.
- Eu sei. Acho que essa é a razão de eu não ter muitos amigos.
- Não disse "estranho" neste sentido. Prazer, chamo-me Louis Riley. -
Exclamou, erguendo seu braço para um aperto de mão.
- Aryan Ayers, ao seus serviços, Sr.Riley.

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Aryan aparentava ser um pouco mais alto do que Louis. Seus
cabelos negros e olhos azuis, somados ao seu tamanho, faziam com
que ele parecesse um pouco mais velho do que a realidade.
- Então, aquela ali é a sua mãe? - Perguntou-o, apontando para a
figura imóvel de Felicity.
- Sim. Ela está tentando achar uma forma de voltarmos para casa sem
nos molharmos.
- Por que vocês simplesmente não conjuram um feitiço repelidor?
Ele funciona como…qual é mesmo a palavra que os trouxas usam?
- Guarda-chuva?
- Exatamente! Seria muito mais fácil para vocês.
- Não sei conjurar feitiços.
- E sua mãe? Ela aparenta ser uma mulher experiente.
- Ela é um aborto.
- Oh! Eu não sabia. - Desculpou-se Aryan, pensando ter dito algo
errado.
- Tudo bem.
Os dois, então, continuaram a conversar sobre assuntos banais.
Aryan era um poço de informações extremamente interessantes sobre
o Mundo Bruxo. Louis estava perplexo com a imensidão de feitiços
existentes. De repente, porém, o diálogo dos dois fora interrompido,
quando um homem bastante alto e de aparência intimidante adentrou
ao cômodo pela porta dos fundos. Ao ver os dois garotos
conversando, o arrepiante homem dirigiu-se até eles, esboçando uma
reação nenhum pouco agradável em sua face:
- Por que está conversando com um estranho, Aryan?!
- Pai, ele não é um desconhecido. Ele é…

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- Pouco me interessa o nome dele! Disse explicitamente que você não
deveria conversar com nenhuma pessoa nova!
- Mas, pai…
- Não dirija-me a palavra, enquanto eu estiver falando.
- Sr.Ayers, eu… - Louis tentou explicar, mas fora cortado antes
mesmo de completar a sua frase.
- Não meta o nariz nos assuntos alheios, criança. Esta conversa é
entre mim e Aryan!
- Com quem você pensa estar falando, senhor? - Indagou Felicity,
furiosa com a situação.
Mais uma vez, como de dentro das sombras, Annora apareceu sem
que ninguém percebesse.
- Não se meta nos
- O que está acontecendo aqui?! - Indagou Felicity, atraída pelo
barulho.
- E quem é você? - Perguntou Amarus, lançando sobre a mulher um
olhar enojado - Ah, que mundo pequeno, não é mesmo? Jamais
imaginaria dar de cara com o erro da Família Askward.
Subitamente, Amarus fora lançado contra a parede por uma força
invisível. Annora estava com sua mão erguida, simbolizando que saira
dela o desconhecido impacto.
- Nunca mais volte a incomodar a Família Riley, Ayers. E trate de
lavar essa sua boca desprezível ao se direcionar à essa senhora, caso
contrário, um feitiço estuporante não será a única coisa que você
ganhará.
- V-você vai pagar por isso, Askward. - Ameaçou-a, levantando-se
com dificuldade do chão - Vamos embora, Aryan.

27
- Desculpe-me, Louis. - Desculpou-se Aryan num rápido sussurro,
desaparecendo com o seu pai em um piscar de olhos.
- Mãe?! A senhora está bem? - Questionou Louis, preocupado com a
situação.
- Claro. Não é como se um pequeno insulto fosse capaz de me
atingir por um longo tempo, querido. - Um sorriso forçado apareceu
em seu rosto.
- Muito obrigado, Sra.Askward.
Annora demorou a responder. Ela parecia se recuperar do surto de
raiva.
- Agradeça-me depois, Sr.Riley. Devemos nos apressar. O bar já está
vazio. Aliás, onde está a proprietária?!
- Aryan disse que ela está limpando a dispensa.
- Isto parece mais uma estalagem do que um bar renomado.
Embora irritada, ela estendeu os dois braços, indicando para que eles
tocassem neles.
- Não me diga que é aparatação.
- A menos que queira esperar pelo término da chuva, Felicity, sugiro
que aceite a minha proposta.
Sem mais nenhuma opção, ambos tocaram nos braços de Annora,
sendo subitamente sugados para um vácuo. Era como se seus corpos
estivessem comprimidos em um só. Felizmente, três segundos depois,
o chão firme de casa pôde ser sentido por seus pés.
- Antigamente, essas viagens não pareciam tão enjoativas. - Afirmou
Felicity, forçando-se a não vomitar.
- Da próxima vez, lembre-me de não oferecer ajuda alguma.

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- Louis, querido, leve seus novos materiais para o quarto. Preciso
conversar uma coisa com Annora.
Embora curioso, Louis acatou o pedido da mãe, retirando-se do
jardim.
- Por que você está fazendo isso? - Perguntou Felicity.
- Como?
- Voluntariando-se para entregar a carta ao meu filho, oferecendo-lhe
conselhos, protegendo-nos…por quê?
- Não entendo o que há de mais nisso, Calliope.
O nome soou desconfortavelmente em seus ouvidos. Felicity
abandonara aquele chamado, bem como o sobrenome "Askward", há
muitos anos.
- Eu já não uso este nome, Annora; nem quero que você ou ninguém
o use.
- Até quando fugirá do passado, Felicity? Você nem ao menos havia
contado ao menino sobre a tua natureza! E se Louis jamais fosse um
bruxo, como ele saberia sobre suas raízes?
- Raízes? Perdoe-me, Annora, mas estas raízes foram as responsáveis
pela miserável vida que tive naquela época! Você, mais do que
ninguém, sabe que este mundo, ao qual vocês tanto idolatram, para
mim é sinônimo de tragédia, de tristeza, de abandono.
Annora fez uma longa pausa. Pela primeira vez na vida, suas palavras
sumiram de sua boca. Ela não tinha nenhum contra-argumento.
- Eu só não entendo o porquê de você ter aparecido tão
repentinamente. Onze anos se passaram desde o seu nascimento, e
você nunca desejou vê-lo, Annora. Por que agora?
Mais uma vez, ela manteve-se calada..

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- Sinceramente, esquece. Esqueça o que eu perguntei e tudo que
aconteceu hoje. - Falou, voltando-se para a porta de casa.
- Medo e vergonha. Está feliz agora?
- Vergonha pelo quê?
- Como pelo quê, Felicity?! Eu fui a última pessoa a ver você antes da
expulsão! Eu não consegui fazer nada, porque meus braços estavam
amarrados naquela maldita cadeira! Eu me senti em débito com você!
Seus gritos desesperadores ecoaram por toda a casa, e eu nem ao
menos pude mover um dedo para ajudá-la!
- Você tinha apenas oito anos, Annora.
- E o que isso importa? Eu era uma bruxa, Felicity! Eu poderia
facilmente ter me soltado, se o meu emocional não estivesse tão
abalado! Se não fosse pelas minhas emoções, talvez eu pudesse ter
impedido a sua ida…talvez, tudo teria sido diferente.
- Eu nunca quis que as coisas fossem diferentes, irmã. Se não fosse
pela expulsão, jamais teria formado a minha família. Minha própria
personalidade jamais teria sido encontrada. Eu estava presa a um
mundo hostil e inabitável para mim. No fundo, sabemos que nunca
pertenci a ele.
- Isso é irrelevante diante de tudo, Felicity.
As duas se calaram. Seus olhares se encontraram, e Annora, por uma
fração de segundo, desejou abraçar a irmã; a irmã que havia sido
roubada de si. Contudo, ela não quebraria o pacto que fizera há 20
anos. Não mais.
- Se já acabou com o seu interrogatório, não preciso mais estar aqui.
Tenho um compromisso importante com a Professora McGonagall.
- Antes de ir…prometa-me uma coisa.

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- Prometer? Por que eu prometeria algo?
- Porque você sabe das minhas limitações, Annora. Sabe o quanto a
minha condição me coloca em um estado vulnerável no meio dos seus.
Annora apenas forçou um "sim" com a cabeça.
- Proteja-o. Enquanto eu não estiver lá, ou se algum dia a minha
presença faltar, esteja ao lado dele. Não deixe que ninguém encoste
um dedo em Louis. Ensine-o a ser um bom bruxo. Mesmo que isso
signifique ser dura para com ele.
- Você fala como se seu fim estivesse prestes a chegar.
- O destino é incerto, irmã.
Os lábios de Annora tremeram, mas ela rapidamente disfarçou.
- Mais uma coisa: não se afaste de mim.
- Como?
- Não volte a pôr esta barreira entre nós.
- Não posso prometer.
- Já é o suficiente.
- Boa noite, Felicity. - Disse, desaparatando do local.
Cansada e um pouco abalada, Felicity subiu as escadas, dirigindo-se
ao quarto de Louis, apenas para lhe dar o costumeiro beijo da noite.
Contudo, ao abrir a porta do cômodo, ela encontrou os olhos
marejados do filho, enquanto este lia uma carta. No chão
encontravam-se fragmentos de um envelope branco. De um deles, a
mulher pôde ler as seguintes palavras:
De: Sophie Hanson
Para: Louis Riley

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Capítulo 3: Hogwarts
Após duas longas semanas, o grande primeiro dia de setembro havia
chegado. Neste exato momento, centenas de crianças bruxas
preparavam-se animadamente para irem a Hogwarts. Contudo, Louis
não poderia se encontrar num estado mais diferente do que este. Seus
olhos estavam fixos no teto, e nem mesmo Rex, sua coruja, que tentara
à sucessivas bicadas, conseguiu fazê-lo levantar. Para ser sincero, o
castelo era o último local no qual ele queria pensar agora. Nestas duas
últimas semanas, todos os seus esforços se resumiram à vã tentativa de
esquecer a sua verdadeira natureza. Até mesmo seus livros, que ele
planejou devorar antes de chegar em Hogwarts, encontravam-se
esquecidos numa pilha bagunçada no canto da parede. Rex era a única
que ainda conseguia arrancar um sorriso de seu rosto, após aquela
desastrosa carta.
- Ei! Isso doeu! - Resmungou ao ter seu nariz bicado fortemente pela
coruja - Não estou a fim de levantar.
Rex pousou em sua perna e o analisou. O animal pareceu imitar uma
expressão zangada, antes de ameaçar a bicar os dedos de seu pé.
- Você não…AI! - Disse num grito abafado pelo lençol, enquanto
Rex bicava freneticamente o seu dedão do pé - Você é astuta de mais
para uma coruja.
- Louis…hã…por que Rex está te olhando dessa maneira? - Indagou
Felicity, intrigada ao entrar no quarto.
- Essa coruja tentou me matar, mãe. Estou cheio de machucados.
- UUH! - Piou Rex, aparentemente ofendido com o comentário.
- Rex não parece ser um garoto mau. Tenho certeza que ele só está
preocupado com algo.

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- Definitivamente está: em me matar.
Rex, então, voou para o ombro de Felicity, mas não antes de deixar
uma última bicada em seu dedão do pé.
- Louis…por que as suas coisas não estão arrumadas?
- Apenas esqueci, mãe. Estou indo arrumá-las. - Disse, suspirando
pesadamente ao se levantar, mas sendo impedido, logo em seguida,
pela mãe.
- Espere. Louis, sente aqui. Precisamos conversar.
- Se é sobre a poeira nos livros, eu juro para a senhora que a limparei
antes mesmo do ônibus chegar no ponto.
- Não é isso…desde aquela noite, seu comportamento mudou. Sua
animação, brincadeiras, simplesmente desapareceram. Você só fica
dentro desse quarto, isolado e sem ninguém para conversar. - Felicity
ignorou o piado de Rex - O que está acontecendo, filho?
O menino se calou. Muitas respostas passavam por sua cabeça; umas
agressivas, outras brandas, mas nenhuma completamente verdadeira.
Nem ele realmente sabia o porquê daquela revolta. Isso não se resumia
apenas ao fato de ter perdido a amizade de Sophie. Era algo mais
profundo e sombrio, quase que sufocante.
- Nada está acontecendo, mãe. Eu estou bem.
- É exatamente por isso que nos preocupamos, Louis! Não é normal
nada ter acontecido, depois do que fizeram com ela. Eu sei que dói.
Sophie, aquela Sophie, jamais voltará, mas se esconder debaixo da
negação apenas piorará tudo. Ficar sentado, murmurando, nada disso
ajudará.

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- Por que você ainda age como se fosse eu a vítima?! Aquilo só
aconteceu por minha causa! Eu, apenas eu, sou o culpado por tudo
que aconteceu com ela!
- Ter essa visão apenas anula tudo o que ela sentia, Louis, ou você vai
ignorar completamente o que Sophie te disse naquele dia?
E, então, com toda força e brutalidade, suas últimas palavras
adentram à mente de Louis.
"[...] Se algo aprendi com isso, foi saber que não importa o quão grande seja a
dor, ou a distância, as boas memórias sempre estarão conosco. Mas não é por
isso que espero você preso a mim. Guarde consigo nossas doces recordações,
mas não se esqueça de uma única coisa: seja feliz onde quer que esteja, pois é
este o verdadeiro objetivo de nossa passageira vida..."
As lágrimas, as mesmas lágrimas que por duas semanas estiveram
confinadas em seu coração, saltaram de seus olhos e percorreram toda
a extensão de seu rosto. O menino rapidamente foi abraçado pela mãe.
- Vai ficar tudo bem…vai ficar tudo bem.
Rex rapidamente saltou do ombro de Felicity e aproximou-se de
Louis, bicando-lhe a mão carinhosamente, numa tentativa de
acalmá-lo.
- Essa é a sua demonstração de carinho? - Falou Louis,
retribuindo-lhe com um afago na cabeça.
- Eu disse que ele não era um garoto ruim! Então, você está melhor?
Louis hesitou. Embora o fardo de lágrimas houvesse sumido, algo
ainda penetrava seu coração como uma fina e longa agulha. Não havia
certeza em sua mente. Porém, sua mãe não merecia escutar suas
reclamações mais uma vez. Então, um falso sorriso acompanhou o
mentiroso aceno de confirmação.

35
- Sim. Obrigado pelas suas palavras, mãe.
- Sempre conte comigo, querido. Agora, apresse-se. Ainda temos que
pegar o ônibus! Ah, preciso do Rex para enviar uma carta importante.
- Para quem, mãe?
- Sua tia. Preciso conversar com ela sobre um assunto.
- Uuh! - Piou Rex, bicando delicadamente o dedo de Louis.
- Também sentirei sua falta, Rex. Te vejo em Hogwarts!
[...]
Enquanto todos observavam o sofrimento de Arthur ao carregar
quatro malões pesados em suas costas, Louis buscava ao máximo
recuperar o tempo perdido, voltando sua atenção ao livro de apoio. A
cada nova informação, seu coração palpitava de animação e ansiedade.
Deixado os maus pensamentos, Hogwarts, agora, parecia ser um local
magnífico.
- Pai, você sabia que existem quatro comunais em Hogwarts, cada
uma com suas próprias características e unicidades?!
- Claro! Grifinória sempre foi a minha favorita, desde que sua mãe
me falou. - Respondeu, esforçando-se para não derrubar a bagagem.
- Algo que me diz que me darei bem nela. Lufa-Lufa não seria ruim
também. Na verdade, cada uma parece ser perfeita para mim! Mal
posso esperar pela seleção.
- Acho que a sua espera caminha a passos largos para o fim, querido.
- Disse Felicity, que até então estava focada em achar as plataformas 9 e
10.
À sua frente, uma alta e comprida coluna de tijolos dividia a estação
em outras duas plataformas. Louis retribuiu o sorriso da mãe com um
olhar intrigado. Aquilo parecia ser tudo, menos uma estação mágica.

36
- Graças ao bom Deus! - Exclamou Arthur, alongando a sua coluna,
enquanto depositava os quatro malões no chão - Não aguentava mais
carregar esse peso!
- Não seja dramático, Arthur. São apenas os itens necessários para a
estadia de Louis.
- Mãe, isso não parece ser o Expresso de Hogwarts.
- É apenas a entrada, querido. Basta você pegar o carrinho e passar
por ela. Após isso, seus olhos contemplarão o fascinante Expresso de
Hogwarts!
Enquanto Arthur certificava-se de que a bagagem estava completa,
Felicity ajoelhou-se perante o filho e depositou um envelope branco
em seu casaco. O menino a olhou confuso, recebendo um cafuné da
mãe.
- Naquele dia, depois que você dormiu, peguei a carta e tentei recriar
o envelope e a letra escrita nele, para te entregar.
- Mãe…
- Quero ter a certeza de que você estará acompanhado, mesmo nos
dias de inverno ou até quando a primavera demorar a surgir. Preciso
me certificar de que na ausência de um abraço, suas lembranças te
confortem como um demorado cafuné. Mas, acima de tudo, que o seu
último desejo, o qual também é o meu maior anseio, se concretize:
que a sua felicidade seja garantida, até mesmo nos momentos mais
escuros da sua vida.
- Obrigado, mãe.
- Escreva-nos, Louis. Ouvi dizer que os celulares não funcionam lá. -
Pediu Arthur, envolvendo o filho num abraço apertado - Sentirei
saudades, garotão!

37
- Eu também, pai.
Infelizmente, o momento de despedida foi interrompido, assim que
o relógio principal tocou, indicando o horário da saída dos trens.
- Está na hora, querido. - Disse Felicity,
Ao abraçar seus pais pela última vez, Louis correu em direção a
coluna de separação, esperando que algum impacto acontecesse.
Felizmente, nada fora sentido. O garoto abriu os olhos e se viu numa
plataforma extremamente movimentada e preenchida por adultos
com estilos excêntricos, que se despendiam carinhosamente de seus
filhos. O olhar de Louis percorreu o rosto de cada um, porém, este
logo se voltou para a esplêndida locomotiva, que apitava
freneticamente, sinalizando que sua saída estava prestes a acontecer.
- Estudantes de Hogwarts, desloquem-se rapidamente aos vagões
vagos! O Expresso está prestes a sair! - Uma funcionária do trem
gritou.
Quando ele já se preparava para entrar, seu corpo chocou-se com o
de um alguém, derrubando seu malão sobre o chão.
- Mil perdões, senhor… - Disse logo após levantar o malão e dar de
cara com um rosto enfurecido, porém não desconhecido. Amarus
encontrava-se à sua frente - Senhor, não foi minha intenção.
- Escute aqui, garoto, pois só falarei uma vez. - Ordenou, apertando
o braço de Louis ao passo em que se aproximava - Nem pense que
estar em Hogwarts te dará o direito de conversar com o meu filho.
Ouse aproximar-se dele, e nem mesmo Annora poderá impedir o que
farei.
E soltando agressivamente o menino, Amarus retirou-se da
plataforma. Louis continuou parado, no meio de tantos outros, ainda

38
sem acreditar nas palavras do pai de Aryan. Seu coração agitou-se
dentro do peito, e uma nuvem de preocupação e medo fez com que
todos os seus pelos arrepiassem-se simultaneamente.
- Menino, apresse-se! Estamos prestes a sair. - Exclamou a
funcionária, correndo em sua direção e empurrando-o para o trem.
Acompanhado dos outros alunos, o menino depositou sua bagagem
no vagão primário, e seguiu a orientação da funcionária, pondo-se a
procurar um local vazio, embora ainda atordoado Todos pareciam
lotados, com exceção da última cabine. Louis, então, decidiu caminhar
até ela, mas sua atenção logo se prendeu ao toque repentino em seu
ombro.
- Aryan? - Exclamou surpreso.
O amigo parecia temer se aproximar, retirando rapidamente a mão
de seu ombro e desviando o olhar para o chão.
- Desculpe. - Pediu Aryan com a voz trêmula.
- Ei, o que houve?
- Eu escutei o que meu pai disse. Sinto muito, Louis. Não apenas por
isso, mas também pela outra vez. - Respondeu, ainda sem olhar
diretamente para o garoto.
- Não desculpe-se por algo que você não fez. Não foi sua culpa, afinal
de tudo.
- Ele não teria te ameaçado, se não fosse por mim, Louis. Eu, e
ele…tivemos uma discussão nesta manhã. - Falou, levantando a cabeça.
Nem mesmo os olhos marejados puderam desviar o olhar atento de
Louis às cicatrizes anormais na testa e nariz de Aryan. Elas pareciam
não ser recentes, embora mal cicatrizadas.
- O que houve com essas cicatrizes?

39
- A briga ficou feia. Meu pai se irritou e acabou descontando sua
raiva em mim.
- Como?!
- Não foi muita coisa. Tentei esconder, mas, como você pode ver pela
má cicatrização, não sou bom em feitiços de cura.
- Aryan, essa má cicatrização é o de menos. Seu pai poderia ter te
machucado feio! Que tipo de pessoa deixa várias cicatrizes no rosto do
próprio filho?!
- Você não conhece o meu pai, Louis. Alguém como ele seria capaz
de deixar muito além de simples cicatrizes. Não foi a primeira, nem
será a última. Mas não se preocupe. Enquanto os empregados
estiverem lá, eu não corro perigo.
- Aryan, isso é sério. Mesmo se eles estiverem lá, você pode acabar
bastante machucado. O Ministério não possui nenhuma lei que te
ajude com isso?
- Infelizmente não, e, mesmo se possuísse, com quem eu ficaria? Não
tenho ninguém ao meu lado. Nem mesmo os empregados poderiam
me ajudar. Uma palavra vinda deles, e meu pai teria total poder de
destruir as suas vidas.
- E sua mãe? Ela também concorda com isso?
Aryan desviou o olhar, deixando escapar um longo e pesado suspiro.
- Não tenha essa ideia dela. Diferente do meu pai, minha mãe me
protegeria a todo custo.
- E por que ela não te ajudou nesta manhã?
- Ela morreu há onze anos, Louis. Sabe, eu puxei a ela. Tanto na
aparência, quanto na personalidade. Talvez seja por isso que ele me
odeia tanto.

40
- Eles não tinham um relacionamento bom?
- Você ainda acha que alguém tendo um tosco e medíocre como
parceiro poderia ter? "Ruim" não seria suficiente para descrever o que
minha mãe passou nas mãos daquele homem.
- Quer falar sobre isso?
- Sinceramente? Não. As lembranças ainda doem.
Aproximando-se do amigo, Louis logo o envolveu num abraço
reconfortante. Embora tímido, Aryan aceitou rapidamente. Algumas
lágrimas desceram por seu rosto, mas ele se sentia melhor. Há anos,
ninguém o abraçara daquela maneira.
- Eu sinto muito, Louis.
- Já disse que não há necessidade de se desculpar pelos erros que não
vieram de você. A partir de agora, você tem sim uma pessoa ao seu
lado. As ameaças de seu pai não vão mudar isso. Além do mais, tenho
uma mãe e um pai que jamais deixarão ele tocar num fio de cabelo
meu. - Disse Louis, arrancando um sorriso do rosto de Aryan.
- Tenho certeza que sim. Sua mãe pareceu ser uma pessoa
maravilhosa.
- Ela é. Na verdade, você verá por si mesmo quando vier à minha
casa.
- Obrigado, Louis. De verdade.
- Não há de quê. Porém, tome mais cuidado da próxima vez, Aryan.
Você pode estar seguro em Hogwarts, mas seu pai…
- Não se preocupe. Como eu disse, nada vai acontecer.
- Espero que sim. Bom, vai entrar no vagão?
- Na verdade…depende da garota da cabine.

41
Curioso, Louis seguiu em direção à porta da cabine. Uma garota de
ascendência asiática parecia muito atenta à sua leitura, enquanto algo
que aparentava ser um gato brincava alegremente com a bolsa ao seu
lado.
- Acho mais fácil tentarmos uma vaga nas cabines cheias, Louis.
- A menos que ambos queiram ser jogados contra a parede, sugiro
que entrem no vagão antes do Expresso partir. - Disse a menina, sem
ao menos tirar os olhos das páginas brancas daquele livro.
Silenciosamente, os dois se acomodaram na cabine, sendo recebidos
por um ronronar irritado do amasso da menina, aparentemente
direcionado a Aryan. Contudo, o garoto pareceu não ligar. Imóvel ele
continuou, sentado em seu assento, como se estivesse a refletir, diante
do ligeiro passar do trem pelas montanhas.
Minutos se passaram, até que a primeira palavra fosse pronunciada:
- Não achei que nos encontraríamos em tão pouco tempo, Ayers. -
Disse a garota, sem ao menos tirar os olhos do livro.
- Vocês se conhecem? - Perguntou Louis.
- Achei que ele tivesse te contado, ruivinho. - Falou, arrancando um
sorriso de canto de Aryan - Fica difícil não reconhecer a pessoa que
quebrou a perna de seu amasso, mesmo após longos quatro anos.
O animal soltou um miado estridente, antes de se aconchegar
calorosamente no colo da dona, que parecia se divertir com as frases
defensivas de Aryan.
- Em minha defesa, quase tive meu dedo arrancado. Na verdade, eu
fui a vítima naquele dia.
- Besteira. Todo bruxo sabe que amassos filhotes costumam ser
agressivos. Isso é o esperado vindo de uma criatura saudável. Meu

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pobre Sr.Tesla passou semanas acamado e machucado. O pobrezinho
ainda tem pesadelos, de vez em quando. - Disse, sendo seguida de um
agudo miado.
O amasso, agora, havia pulado do colo de Yuna e tentava arranhar as
pernas de Aryan. Ele, porém, parecia se esforçar para ignorar as
ofensivas do bichano. Até que, numa dessas tentativas, uma de suas
garras perfurou sua calça, marcando a perna de Aryan com um
arranhão manchado por sangue.
- Controle esse seu amasso, Yuna! - Exclamou irritado.
Yuna, porém, não respondeu. Agora, seu olhar claro havia pousado
no rosto de Aryan. O garoto, assim que percebeu, virou-o para a
janela, mas a menina rapidamente se levantou e sentou-se entre Louis
e ele.
- Aryan…de novo?
- Não foi nada.
- Até quando seu pai continuará a te tratar como luxo, Aryan?! Olhe
para essas cicatrizes!
Louis apenas continuou a observá-los. Embora Aryan aparentasse
não gostar, Yuna tinha razão. O garoto corria um grande perigo junto
àquele homem.
- Ruivinho, pegue minha varinha naquela bolsa ali.
Louis levantou-se de seu assento e, desviando-se do rápido arranhar
do amasso, procurou por algo parecido a uma varinha. Para a sua
surpresa, não havia apenas livros naquela mochila. Uma quantidade
de considerável de fios e cabos, encontravam-se misturados a alguns
livros e revistas que ele havia visto em sua escola local.
- No que você está mexendo?

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- Desculpe. Aqui está. - Disse, entregando à menina uma varinha
ornamentada por pedras.
E, então, num simples movimentar e falar de algumas palavras, as
cicatrizes no rosto de Aryan haviam desaparecido completamente.
- Trate de melhorar esses feitiços, Ayers. Nem sempre alguém estará
lá para ajudá-lo em situações necessárias. - Falou Yuna, antes de voltar
para o assento.
As próximas duas horas mantiveram-se tão silenciosas como uma
sala em dia de prova. Aryan, com a cabeça encostada à janela, parecia
procurar algo entre a imensidão verde de fora do trem. Até mesmo
Yuna parecia perdida em seus próprios pensamentos. A menina havia
desistido de prosseguir com a leitura há muito tempo. Seus olhos
apenas passavam pela mesma página repetidas vezes, enquanto, de vez
em quando, direcionavam-se ao semblante caído de Ayers.
- Sobre o que é a sua leitura, Yuna? - Perguntou Louis, também já
cansado da situação.
- Por que te interessa?
- Apenas curiosidade. Na verdade, não achei que nenhum bruxo se
interessava por livros escolares e cabos aleatórios de máquinas.
- Eu devia mudar o seu apelido para "Intrometido", não acha?
- Vamos lá! Estamos calados há quase duas horas. Contar um pouco
sobre estes fios não fará mal algum, certo?
- Não contem para ninguém. Se a direção do castelo ao menos
sonhar com eles, corro o risco de levar uma linda suspensão, logo no
primeiro dia de aula.
- Achei que eles não funcionavam em Hogwarts.

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- Não preciso que funcionem. Só estou interessada na estrutura de
cada um. Não tive muito tempo para estudá-los com a minha mãe.
Acho que em Hogwarts, poderei aprofundar meus conhecimentos,
além de compartilhá-los com alguns.
- E por que você gastaria o seu tempo estudando…fios? - Perguntou
Aryan, nada interessado no assunto.
- E por que não, se isso mudar a mentalidade daqueles que pensam
como você, Ayers? Os bruxos, por muito tempo, ignoraram os avanços
que nossos irmãos criaram. Você nunca se perguntou sobre o que
aconteceria, caso a magia e a tecnologia se unissem? Creio que em
Hogwarts, terei a oportunidade de encontrar mentes brilhantes que
me ajudem nesse processo, principalmente entre os meus
companheiros da Corvinal.
- Companheiros?
- Obviamente, ficarei na Corvinal. Meu pai, avós, todos foram de lá.
- Não me iludiria tanto, Yuna. Sempre pensei em você na Sonserina.
- Também não seria uma má ideia. Qualquer uma, com exceção da
Grifinória, seria perfeita para mim.
- E por que a Grifinória não se encaixaria em você?
- Você me pergunta como se não soubesse da resposta, Ogawa. Não
quero que ninguém me veja como uma sabichona vinda da Grifinória.
Todos endeusam muito aquela comunal. Se algum dia eu me tornar
famosa, não quero que ser atribuída à sua fama.
- Que seja. - Disse, com a cabeça virada novamente para a janela.
- Sua ideia parece promissora. - Respondeu Louis com um sorriso no
rosto.

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- E é, ruivinho. Bom, pelo menos você e eu pensamos iguais,
diferente de alguns nessa cabine.
Por um momento, seu olhar permaneceu fixo em Aryan. E,
pausadamente, como cuidasse para não falar nada errado, ela disse:
- Não precisa me responder agora, Aryan. Mas saiba que quanto
mais tempo demorar, mais poder seu pai terá sobre ti. Não deixe que o
que aconteceu com Mallory aconteça também com você.
Aryan apertou a bolsa de ombro, como se procurasse algum tipo de
apoio. Por um segundo, Aryan pareceu querer dizer algo, mas o gesto
de negação de Yuna o impediu. O garoto apenas aceitou um dos livros
que ela o oferecera e calou a si mesmo. Contudo, pelo restante da
viagem, seus pensamentos continuaram presos a ele.
[...]
Aos poucos, a velocidade do Expresso diminuía à medida em que os
alunos se aproximavam de uma pequena estação próxima a um
vilarejo. Dos corredores, barulhos de vibração podiam ser ouvidos por
toda a locomotiva.
- Impossível ter um momento de leitura com este bando de
aguaceiros! - Exclamou Yuna, fechando o livro com rispidez - Quando
foi que ele adormeceu?
- Há algumas horas. Acho que Aryan não se dá muito bem com
viagens de trem. - Disse, referindo-se à poça de baba feita pelo amigo -
Vou acordá-lo.
- Espere, ruivinho. Antes de eu sair, quero falar algo com você.
- Pode dizer.
- Não se engane pelas suas carismáticas palavras, brincadeiras, e
histórias. Ele pode parecer um garoto divertido, de bem com a vida,

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mas Aryan possui um grande defeito. Todos os seus problemas estão
presos debaixo de uma máscara, criada por ele mesmo, que esconde a
sua infelicidade, a todo custo. Por mais que não nos conheçamos bem,
eu te peço uma única coisa. Seja o seu amigo. - Ela fez uma breve pausa
- Seja a companhia, que eu não consegui ser, e que dificilmente serei
um dia.
Yuna olhou bem nos olhos de Louis, antes de deixá-lo sozinho na
cabine, refletindo sobre cada uma de suas palavras. Porém, Louis
rapidamente teve o seu momento reflexivo cortado, pelo ronco
ensurdecedor de Aryan.
- Vamos, Aryan, acorde. - Disse, remexendo o menino.
- Já chegamos? - Uma pausa se fez, antes que Aryan exclamasse em
alta voz - O trem está parado! Louis, não me diga que perdi a
Cerimônia de Seleção! Cara, não posso ter…
- Calma, dorminhoco. Acabamos de chegar na Estação. Venha,
precisamos vestir nossas vestes. Na verdade, não sei bem onde pegar os
nossos malões.
- Não se preocupe com isso. O Expresso deixa eles em Hogwarts,
pouco depois de sair da Estação. - Respondeu Aryan, correndo para
encontrar as suas vestes.
Já fora do trem, a gélida brisa percorreu toda a extensão corporal de
Louis. Seus olhos vislumbravam um magnífico vilarejo, próximo a
uma floresta escura e apavorante. Porém, sua atenção logo se voltou
para a imagem gigantesca de um homem barbudo e corpulento.
- Rúbeo Hagrid. Ele é o Guardião das Terras de Hogwarts. -
Cochichou Aryan em seu ouvido.

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- Ahá, primeiranistas! Espero que estejam tão animados quanto eu
no meu primeiro dia. -

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