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D I R E I TO B R A S I L E I RO :
PADECER NO MACHISMO
Ezilda Melo
(Organizadora)
________________________________________________
Melo, Ezilda (Org.). Maternidade no Direito Brasileiro: padecer no
machismo. 1ª edição. Salvador: Studio Sala de Aula, 2021.
ISBN: 9798595485760
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MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
CAPÍTULO 02:
05 - O PROJETO DE LEI DA CÂMARA (PLC) Nº 119/2015 E 13 - VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E O ERRO MÉDICO - Andreza
O INFANTÍCIDIO INDÍGENA: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA Alves Silva e Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de
COM OS DIREITOS HUMANOS - Fabiana Leite Domingues e In- Souza
grida Zanella
14 - OS DISCURSOS JUDICIAIS DE APLICAÇÃO DA LEI
06 - SÍNDROME DE EDWARDS: ANÁLISE DO DIREITO DE DE ALIENAÇÃO PARENTAL: A SINDÊMICA VIOLÊNCIA
SER MÃE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO DIREITO SIMBÓLICA E REAL DE GÊNERO EM TEMPOS DE CORONA
PENAL - Alessandra Almeida Barros, Larisse Leite Albuquer- VIRUS DISEASE - Sheila Stolz e Sibele de Lima Lemos
que e Nara Priscila Pereira de Castro
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CAPÍTULO 03:
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MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
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na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar car aLei nº 11.340/2006, bem como a inclusão da referida
a Violência contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará”, capacitação nos cursos de formação inicial da magistra-
promulgada pelo Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996, tura.
determina aos Estados Partes que promovam a educação e Parágrafo único. Poderá ser dispensado dessa obrigação o
treinamento de todo o pessoal judiciário e policial e demais magistrado ou magistrada que comprovar frequência an-
funcionários responsáveis pela aplicação da lei, bem como terior a curso de capacitação que atenda à carga horária
do pessoal encarregado da implementação de políticas de e aos conteúdos programáticos mínimos xados pelas re-
prevenção, punição e erradicação da violência contra a mul- spectivas Escolas de Magistratura.”
her(art. 8º, “c”), a Convenção também preconiza que os Esta- Art. 2º Recomendar aos Tribunais de Justiça que pro-
dos Partes adotem programas destinados a “promover o con- movam a capacitação em direitos fundamentais, desde uma
hecimento e a observância do direito da mulher a uma vida perspectiva de gênero, dos juízes e juízas que se removerem
livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem ou se promoverem para Juizados ou Varas que detenham com-
e protejam seus direitos humanos”, bem como“modicar os petência para aplicar a Lei nº 11.340/2006, bem como dos
padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, juízes e juízas que atuem em plantões judiciais e audiências de
inclusive a formulação de programas formais e não formais custódia, no prazo máximo de 120 dias.”
adequados a todos os níveis do processo educacional, a m de
combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas Portanto, o CNJ, muito recentemente, considerou a
baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de necessidade de promover capacitação em direitos funda-
qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o mentais com uma perspectiva de gênero e isso nos coloca
homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência diante de uma certeza: muitas mulheres, inclusive mães, são
contra a mulher”(art. 8º, “a” e “b”). revitimizadas pelo Poder Judiciário Brasileiro e é dever de
O CNJ na recomendação 79 reconheceu a importância todos nós, defensores dos direitos humanos, lutarmos por
de assegurar tratamento adequado aos conitos decorrentes mudanças estruturais em um sistema que se alicerçou no
da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher machismo, classismo e racismo. Por isso, a necessidade de
e que, em razão da sensibilidade das questões afetas aosJuiza- novas bibliograas jurídicas que apontem o problema e pen-
dos e Varas que detenham competência para aplicar a Lei nº sem em solução é premente.
11.340/2006, é desejável que a capacitação alcance todos os É importante destacar ainda que, de acordo com o
juízes e juízas em exercício que atuem nestes Juizados e Varas. entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, a
O CNJ alterou a Recomendação 79 pela 82 de 16 de no- vara especializada em violência doméstica e familiar contra
vembro de 2020, com modicação dos dois primeiros artigos: a mulher, além da competência para julgar o agressor crimin-
almente e determinar a aplicação de medidas protetivas de
"Art. 1º Recomendar aos Tribunais de Justiça que promo- urgência, possui também competência para julgar ação cível
vam, no prazo máximo de 120 dias, a capacitação em movida pela vítima, desde que tenha como fundamento a
direitos fundamentais, desde uma perspectiva de gênero, violência doméstica familiar sofrida, como por exemplo sep-
de todos os juízes e juízas atualmente em exercício em aração judicial, divórcio, reconhecimento e dissolução de
Juizados ou Varas que detenham competência para apli- união estável, alimentos, guarda dos lhos, dano patrimonial
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contra mães e lhos. estigmatização das mulheres, sejam elas partes ou integrantes
Em dezembro de 2020 foi noticiado amplamente, do sistema de justiça, devem ser eliminadas.
através de um vídeo que viralizou, o caso de um juiz da vara Neste sentido, pergunta-se: capacitações em direitos
fundamentais com perspectiva de gênero é um bom iní-
de família de São Paulo que em audiência para denir a guarda
cio para pensarmos na alteração desse sistema? A iniciativa
e pensão dos lhos menores de idade, onde também se faziam
é recebida com entusiasmo. Não sabemos como essas aulas
presentes um promotor de Justiça, os advogados do ex-casal, ocorrerão, que materiais serão utilizados, nem a duração dos
disse à mulher: "Se tem lei Maria da Penha contra a mãe, eu cursos. Resta vericar se o prossional que se apropria de dis-
não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém cursos discriminatórios conseguirá se desconstruir a ponto de
agride ninguém de graça". O magistrado ainda desdenhou de introjetar conhecimentos calcados na proteção dos direitos
medidas protetivas e disse: "Não tô nem aí para medida prot- dos grupos mais vulnerados, como as mulheres, e mais especi-
etiva e tô com raiva já de quem sabe dela. Eu não tô cuidando camente, as mães.
Estamos em momento histórico que aponta para novos
de medida protetiva". "Qualquer coisinha vira lei Maria da
saberes. Temos diversas mentorias na área de Advocacia
Penha. É muito chato também, entende? Depõe muito con-
Criminal e Familista com perspectiva Feminista; temos pós-
tra quem…eu já tirei guarda de mãe, e sem o menor con- graduações e cursos em direitos das mulheres; temos defen-
strangimento, que cerceou acesso de pai. Já tirei e posso fazer sores, promotores, juízes e servidores públicos engajados na
de novo", disse o magistrado em outro momento da mesma construção e proteção de direitos humanos. Temos sentenças
audiência. que apontam para uma perspectiva de proteção dos direitos
Em outra audiência, também gravada e divulgada, o das mulheres e dos demais grupos vulnerados. Temos delega-
mesmo juiz demonstra uma série de preconceitos machistas, dos e policiais que observam, desde a investigação de crimes
classistas e racistas: “Ganha 1300 e quis ter 2 lhos?”. Ou “se de feminicídio, as Diretrizes Nacionais de Combate ao Fem-
não tem como cuidar, então dá para adoção, põe num abrigo”; inicídio. Temos advogados, que mesmo exercendo o direito
“quem quis car com a guarda foi a mãe, tem que pagar este de defesa em júri, não tripudiam da memória da vítima, nem
preço”; “Se ele é mau pai, eu não tenho culpa. Eu vou fazer o levantam teses abjetas e ultrapassadas como a da legítima
que? Vou pegar estenegãoe encher ele de tapa? Não é meu tra- defesa da honra. Temos uma mudança bibliográca em curso
balho este.” para a área jurídica. São iniciativas que possuem já sua visibili-
Essa situação, apesar de emblemática, não é isolada, não dade e aceitação em quem tem compromisso com um direito
é exceção e é praticada por juízas também. É inadmissível que humanista, fraterno e social. Portanto, estamos vivenciando
as Vara de Família sejam lugar de (re)produção de mais violên- mudanças no cenário jurídico e é nessa vibração de romper
cias contra as mulheres. Episódios de violência de gênero con- com estereótipos que “Maternidade no Direito Brasileiro:
guram violação de direitos humanos. O TJ-SP e o CNJ infor- padecer no machismo” chega. Que seja mais que uma denún-
maram em nota que instauraram procedimento para apurar cia que começa desde a capa; seja também um material para
os fatos noticiados contra o juiz, que em janeiro de 2021 foi novas pesquisas e formação de novas mentalidades que pen-
designado para Vara de Fazenda. Práticas de revitimização e sem em alterar um velho sistema que ainda está muito longe
de ser um paraíso para quem dele precisa.
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as mais variadas, não tiveram a maternidade por destino? Por daí subentende-se o matrimônio, e a segunda condição seria
resposta, nenhuma razão congura-se aparente, a não ser as a constituição de uma prole, a qual representaria também o
construções machistas e sexistas que vigoram em nossa cul- ápice da união conjugal. No interior dessa lógica, ca implí-
tura. Heranças do patriarcado, onde a mulher que nunca deu cito que a resolução por não tê-la, seria algo que a mulher
à luz a uma criança, seria assemelhada “à gueira sem frutos,” jamais escolheria para si, jamais voluntariamente decidiria
que amaldiçoada por Cristo, tornou-se seca, estéril e inútil. por não ser esposa e mãe, abdicando dessa felicidade, e caso
Comparações que testemunhamos na oralidade, nos discur- tal circunstância ocorresse em sua vida, seria antes motiv-
sos, no mundo social. ada por um destino mal sucedido e solitário. O destino das
Menções pejorativas, as quais agrupam-se em torno solteironas, bastante estereotipadas durante as décadas do sé-
das mulheres, formando um paiol de estereótipos, os quais culo passado, e ainda discriminadas por não se enquadrarem
delimitam e mitigam a condição feminina na sociedade, no modelo de esposa e mãe,
porquanto uma mulher só teria razão de existir ao ser mãe.
Neste artigo, pretendemos analisar estereótipos sexistas que As solteiras foram vistas como marginais,
desvalorizam mulheres que não se tornaram mães, a imagem porque não estavam em conformidade com
idealizada da mãe devotada aos lhos, foi erigida por meio de a natureza. Estar solteira não era mais ap-
prescrições as mais variadas, embora o machismo possua uma enas um estado inconveniente, propício ao
vasta e quiçá a mais relevante contribuição a respeito do que pecado, mas, sobretudo no caso das mulheres,
iremos abordar: a maternidade e o direito à liberdade das mu- um desvio da biologia, um desao à natureza.
lheres, o direito de não ser mãe, de não gostar de sê-lo, ou de Desaar a natureza signicava para a mul-
não ter a maternidade como objetivo precípuo a ser atingido her também ter deixado passar todas as fases
enquanto realização e satisfação para a conquista do direito de sua vida, antes de car “coroa” (MARQUES,
fundamental da busca pela felicidade. 2014, p. 109) [3]
Doravante traremos alguns dos discursos, disseminados
Isto é, uma mulher solteira simbolizava uma gueira
no âmago social, os quais colaboram e extrapolam às questões
sem frutos, indo contra a natureza, cujo objetivo seria prim-
ligadas ao machismo, enfatizando a princípio, o discurso mé-
ordialmente a procriação. A ausência de lhos seria fruto da
dico, para em seguida contemplarmos o discurso midiático
também ausência do amor romântico, uma lacuna que teria
propagando a maternidade como condição inata às mulheres.
de ser urgentemente preenchida, visto que a mulher depen-
“Não acredito que você não quer ser mãe! Isso é porque você deria da constituição de uma família aos moldes tradicion-
ainda não encontrou o amor da sua vida” ais, formada por pai, mãe e lhos. O encontro com o amor
romântico a persuadiria para o imprescindível aos corpos
Decerto, as frases acima mencionadas, já foram ouvidas, femininos: dar à luz. Desse modo, é possível que essas pre-
proferidas e repetidas por muitas mulheres em nossa socie- scrições sejam ainda herdeiras do século XIX, XX em que “Se
dade, tais enunciados conformam permanências discursivas, tornar mãe era uma questão observada pela sociedade como
as quais atrelam a realização feminina, a duas condições, primordial para a vida da mulher, assim como cuidar bem do
quais sejam: a de ter uma vida afetiva ligada a um homem, lar e especialmente do marido” (MARQUES, 2014, p. 18).
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Posicionamentos contrários a tais papéis sociais reser- que se adequava a sua organização social. Em face disso, na
vados à mulher, como rejeitar à maternidade poderia estar antiguidade e na chamada Idade Média, os modos que se com-
associados a outras situações adversas além da solidão, preendia a maternidade distanciavam-se daqueles que con-
como a loucura, de sorte que “o afastamento desses papéis, servamos hoje, pois se temos uma valorização da imagem da
gerava enorme culpa e o nascimento do novo sentimento mulher mãe e mesmo uma sacralização desta, nas sociedades
de “anormalidade”, pois contrariava a natureza, só restando antigas e medievais, o pater familis era detentor de todos os
a explicação por meio do desvio ou da patologia”.(GARCIA, direitos sobre a família, cando a mãe assim como os lhos à
2020, p. 23)[4]. Discursos produzidos historicamente, os quais mercê da autoridade paterna, ou seja, o pai tinha o poder de to-
permitem que não se acatem as diferenças, as contradições, mada de todas as decisões relativas à vida familiar, enquanto o
o contraditório, promovendo estereotipias. Discursos en- amor e a ternura maternais eram prescindíveis.
caminhados pelo saber médico e outros saberes que visavam Nesta seara, a ideia de amor maternal, é denominada
controlar os corpos femininos, denindo aquilo que seria bom por Badinter por mito, já que não haveria “uma conduta uni-
e signicativo para suas vidas. versal e necessários da mãe. Ao contrário, constatamos a
Decorre daí, a vigilância em torno das decisões toma- extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo sua cul-
das pelas mulheres, no que toca aos seus desejos, inclusive tura, ambições e frustrações. (BADINTER, 1985). Desta feita, a
reprodutivos. Torna-se fácil problematizar as cobranças que noção de amor materno vai sendo construída a depender da
abarcam aquelas que já passaram dos vinte e cinco, trinta sociedade, cultura, tempo e espaço, não sendo ele, por essa via
anos de idade em diante, e não são mães. Conforme pesqu- uma verdade universal. “Nós, mulheres, não amamos nossos
isa desenvolvida por Cavalcanti (2013) os discursos de que lhos loucamente assim que damos àluz, porque a natureza
todas as mulheres deveriam casar e ter lhos, embora apre- quis assim. Houve épocas em que mãe e lho com muita natur-
sentassem ssuras, em ns do século XX e início deste, não alidade se separavam após o parto e só se reencontravam anos
deixaram de existir, demonstrando mais força entre as mu- depois” (SILVA, 2020, p.24) Além disso, a maternidade con-
lheres pobres, analfabetas e de áreas rurais. Entretanto, Para siste em uma experiência que demanda inúmeros sacrifícios,
Wolf (1992)[5] as mulheres prósperas, instruídas e liberadas, situados desde a gestação até o parto e o pós parto, convert-
as quais tem acesso às liberdade inatingíveis, não se sentem endo-se a princípio em dores físicas e desgastes emocionais.
tão livres quanto gostariam de ser, estariam também presas
às rotulações e prescrições que vicejam no meio social, e que [...] toda gestação é planejada e só esse fato
envolvem todos os aspectos de suas vidas, dicultando que já traz uma diferença para motivar uma série
ocorra uma liberação de fato, dos mitos que as cercam. de prejulgamentos a respeito da situação a ser
vivida. A descoberta que se deu a seguir foi
Nuances da construção histórica e midiática dos mitos ma- bem mais desagradável, pois percebi que não
ternais é consentido à mulher/mãe o direito a não
se sentir “realiza[7]da”, mesmo com os vários
Consoante os estudos de Badinter (1985)[6] as con- incômodos trazidos pela gestação e pelo pós-
cepções acerca da maternidade, são construídas historica- parto. Anal, a mulher nasceu para se tornar
mente, por isso cada época desenvolveu um modelo de mãe mãe, recebeu essa dádiva de Deus e não deve
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nas telenovelas. na meninice de ser mãe, quando enxergam nas bonecas seus
Não suciente a sobrecarga sobre as mulheres gera um brinquedos preferenciais, e desde então ensaiam, o comport-
sentimento de culpa naquelas que não conseguem se encaixar amento maternal, e por conseguinte o tratamento que no fu-
naquilo que se espera delas, e nisso tem-se os estereótipos, o turo dispensarão aos lhos.
preconceito, a exclusão. Para Freitas (2015)[10] a culpa é uma Essa supervalorização da maternidade como sinônimo
forte aliada no processo, o mito da maternidade traria con- de felicidade, já havia sido duramente questionada pela his-
sequências psicológicas, desestabilizando a autoestima fem- toriadora Elizabeth Badinter (1985, p. 266) ela defende que,
inina. Seriam assim diversas culpas: a culpa pela ausência, a
culpa excesso de presença, culpa pela falta de afetividade, [...] esse sentimento pode ou não existir;
culpa pelo excesso de culpa, trazendo consequências danosas ser e desaparecer. Mostrar-svae forte ou
para o equilíbrio mental das mulheres. frágil. Preferir um lho ou entregar-se a
Em que pese a contracepção desde o novecentos, tenha todos. Tudo depende da mãe, de sua his-
sido uma escolha emancipatória adotada por algumas mu- tória e da História. Não, não há uma lei
lheres, ela encontrou oposição ferrenha, acima de tudo no universal nessa matéria, que escapa ao de-
discurso médico, como dito por Marques (2014) o controle terminismo natural. O amor materno não
sobre os corpos femininos justicava-se em virtude da queda é inerente às mulheres. É adicional [...]
de natalidade, situação causadora de diminuição no número
de futuros cidadãos, os quais viriam a garantir o progresso da O amor materno seria então construído a partir de
nação, causando preocupação relativa à liberdade sexual que determinados condicionamentos, não seria portanto, iner-
vinha sendo adquirida pelas mulheres, resultado da limitação ente, natural às mulheres como anunciado em nossa cultura
na reprodução feminina. Urgia sanar aquele mal, e import- sexista, permeada por sensibilidades masculinas, as quais
antes estratégias foram adotadas, dentre elas, a romantização dão a nota e o tom para o comportamento de homens e de
da maternidade vista incisivamente até os dias atuais, como o mulheres, inserindo-os no contexto de concepções binárias,
sentido para a vida das mulheres. que determinam os papéis a serem representados pelo mascu-
O estado gravídico como uma dádiva divina concedida lino e feminino distintamente. Sensibilidades masculinas que
aos corpos femininos, havendo até um certo tom de piedade tornam legítima uma abnegação maternal das mulheres como
com relação às mulheres que não seguissem tais prescrições forma de controle de seus corpos e de suas atuações em meio a
discursivas apresentadas pelos médicos no sentido de tor- sociedade, sendo esta mais uma forma de dominação, o que a
narem-se genitoras. “Dissociar o par mulher - reprodução história tem timbrado em diversas circunstâncias, a saber:
poderia ser uma grande ameaça. E controlar a natalidade, a
educação e o trabalho feminino, questões que ligavam a mu- “[...] ao longo da história da sociedade
lher à sua emancipação, foram maneiras de organizar a socie- ocidental, muitos discursos de legitimação
dade.”(MARQUES, 2014, p.22). Com base nessas construções da desigualdade entre homens e mulheres
discursivas, que reivindicam uma naturalização e predispos- foram produzidos. A mitologia e as reli-
ição das mulheres para a maternidade. A sexualidade, a libido giões são bons exemplos. Na Grécia Clás-
feminina, é normatizada desde cedo, o desejo cultivado ainda sica e na tradição judaico-cristã, Pandora e
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Eva respectivamente desempenham o mesmo negra, a mãe genética. (GARCIA, 2020, p. 24). É preciso en-
papel: o de demonstrar que a curiosidade fem- fatizar a multiplicidade de mulheres e sobretudo suas multi-
inina é a causa das desgraças humanas e da plicidades de desejos, destacando que a maternidade pode ou
expulsão dos homens do Paraíso.[...]”(GARCIA, não ser um deles. Para tanto, o combate as discriminações,
2015, p.10) [11] aos estereótipos se faz necessário, evitando enquadramentos,
generalizações, uniformizações, produzem a exclusão.
É nesse panorama de estudos acerca das desigualdades Ressalte-se que é urgente uma atitude que questione as
entre homens e mulheres, que o conceito de gênero adquire regulações comportamentais uniformes baseadas no sexo ou
relevo, visto que segundo Scott “Gênero é um elemento con- em quaisquer outra caraterística que sirva para diferenciar,
stitutivo das relações sociais baseado nas diferenças perce- oportunizando a reivindicação do direito de buscar à felici-
bidas entre os sexos”. Não suciente, também segundo Scott, o dade, considerando que este é um princípio previsto no artigo
gênero é uma forma primária de dar signicado às relações de 6º da constituição federal de 1988, o qual tutela a todos, sem
poder” (SCOTT, 1995, P.86)[12]. E assim diferentes categorias de distinção. Assim, a felicidade das mulheres deve ser buscada
gênero vão se xando, prevalecendo as normas heterossexuais por cada uma delas, sem inuências ou imposições institu-
opressoras, as quais mitigam a inclusão e a diversidade, numa cionais e midiáticas, de sorte que a felicidade feminina ao con-
relação de poder que anula o direito das mulheres ao controle trário do que vem sendo dito, não se reduz à constituição de
de seus corpos. uma prole.
Assim, as relações de poder ostentam um modelo de Do princípio da busca da felicidade, as mulheres se en-
masculinidade calcado no machismo patriarcal estruturante, contrarão com seu direito à liberdade, analisando quais as
em que são excluídos o respeito à equidade entre homens melhores escolhas para seus corpos. Anal elas são também
e mulheres. Uma sociedade sexista que se baseia também tuteladas pelos Direitos humanos. Como sugere Garcia (2015)
na exaltação da maternidade reduzindo a liberdade feminina é necessário o reconhecimento dos Direitos humanos como
sobre seus corpos, o seu direito de escolha, de não querer, de garantidores dos direitos femininos. Evidenciando a criação
não poder ser mãe, e de trabalhar com outras formas de vivên- de novos modelos de relações pessoais e diferentes opções de
cias familiares. Uma sociedade machista que atribui tão so- vida, o que é possível por meio da impertinência, inteligência
mente o lugar da fragilidade e nega outros modos de atuação e valor de mulheres que revolucionam, a exemplo das sufra-
feminina. gistas e de representantes de todas as classes políticas e soci-
Lembrando que a maternidade é relegada ao espaço ais.
privado, com a mulher adotando os cuidados relativos à casa É o que é chamado de tomada de consciência, o recon-
e a família, enquanto ao homem ca reservado o espaço hecimento de seus direitos, "pois a consciência da discrim-
público. Contudo, é preciso que se diga, não existe um único inação supõe uma postura diferente diante dos fatos. Supõe
modelo de mãe ou pai, a sociedade atual traz à cena pública, dar-se conta das mentiras – pequenas ou grandes – em que a
outros formatos de família, outros formatos de mãe “junta- história, cultura, a economia, os grandes projetos, os peque-
se novas congurações de mães, como a mãe adotiva, a mãe nos detalhes do cotidiano estão alicerçados.” (GARCIA, 2015,
lésbica, o homossexual que materna, a mãe de aluguel, a mãe p.13).
adolescente, a mãe solteira, a mãe prisioneira, a mãe pobre,
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sequentemente, limitar o direito da mulher por não optar texto da pandemia da COVID-19 (Nota Técnica nº 16/2020-
pela maternidade —, coloca-se então a ilegalidade, derivada COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS[16]). Flávia Andrade Fialho,
da ilegitimidade da restrição e proibição do aborto. coordenadora de Saúde das Mulheres e Danilo Campos da Luz,
coordenador de Saúde do Homem, ambos da Coordenação-
2. A POSSIBILIDADE JURÍDICA DO ABORTO NO BRASIL E OS geral de Ciclos da Vida da Secretaria de Atenção Primária à
DESAFIOS DE 2020 Saúde, tiveram suas exonerações publicadas na edição 107 do
Diário Ocial da União.[17] [18]
O aborto é legal no Brasil em três hipóteses: quando há
O Presidente da República, por meio de suas redes
risco de vida para a mulher em decorrência da gestação (con-
sociais, manifestou-se contrariamente à Nota Técnica em
forme art. 128, inciso I, do Código Penal); quando a gravidez
questão, armando se tratar de nota sobre o tema do aborto.
é fruto de estupro (conforme art. 128, inciso II, do Código
Ademais, mencionou ainda que o Ministério da Saúde cumpre
Penal); e nos casos de feto anencéfalo (nos termos da decisão
com a legislação nacional e que é contrário à legalização do
do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADPF
aborto.
54). Os casos em a interrupção da gravidez é permitida, tam-
O que chamou a atenção no caso, é o fato da Nota
bém têm por fundamento constitucional os artigos 1º, III; 5º,
Técnica que gerou tanta controvérsia, na verdade seguir as
I, 6º; 226, 3º e 7º, que trazem os princípios da dignidade da
diretrizes constitucionais e internacionais, no que dizia res-
pessoa humana, da igualdade entre homens e mulheres, o dir-
peito à garantia da saúde integral de mulheres e meninas, o
eito à saúde e a garantia ao seu acesso universal e o princípio
que perpassa a saúde sexual e reprodutiva, no contexto da
do livre planejamento familiar. Destacam-se ainda os direitos
pandemia de COVID-19. Ela mencionava a questão do aborto
sexuais e reprodutivos da mulher e o seu direito à sua integrid-
em um único momento e, então, fazendo simples referência
ade física, sendo o procedimento um dever do Estado, nessas
a suas hipóteses legais. E, em já havendo previsão normativa
hipóteses.
para casos em que o aborto é legal no Brasil, é responsabi-
Contudo, no ano de 2020, a questão do aborto ganhou
lidade do poder Executivo, especialmente do Ministério da
novamente destaque. Isso, não em razão de movimentos so-
Saúde, desenvolver políticas públicas que viabilizem sua real-
ciais que buscam sua ampla legalização, mas em decorrência
ização. Isso, até mesmo como decorrência do princípio da sep-
de movimentações do governo no sentido de limitar as hipó-
aração dos poderes, em que cabe ao poder Executivo garantir
teses já legalmente previstas. Observe-se, que algumas dessas
a aplicação das leis aprovadas pelo poder Legislativo e dar
hipóteses, datam da redação original do Código Penal, na dé-
cumprimento às decisões proferidas pelo poder Judiciário.[19]
cada de 1940 e, 80 anos depois ainda continuam permanente-
Então, uma situação que não tinha nada de extraor-
mente sujeitos a retrocessos e a interpretações que limitam
dinária e que não ampliava nenhum direito — na verdade
sua efetividade.
ela dava simples cumprimento às normas existentes — oca-
No dia 05/06/2020 foi dada ampla circulação à in-
sionou intensa movimentação do governo. E o resultado foi
formação de que a equipe técnica vinculada à Coordenação
a na implementação de medidas que viabilizariam o acesso à
de Saúde das Mulheres, do Ministério da Saúde, havia sido
saúde integral de mulheres e meninas.
exonerada em razão da publicação de uma nota técnica que
Pouco tempo depois um episódio que gerou grande
aborda o acesso à saúde sexual e à saúde reprodutiva no con-
comoção nacional: uma criança de 10 anos foi estuprada pelo
32 33
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tio no estado do Espírito Santo, engravidou e por isso foi real- hora aproximada do fato, tipo e forma de violência,
izada a interrupção da gravidez por meio do Sistema Único descrição dos agentes da conduta e identicação de
de Saúde (SUS), em Pernambuco.[20] Contudo, informações testemunhas);
que deveriam ser sigilosas, visto se tratar da intimidade de b. o fornecimento de relatório detalhado por médico
uma menor, vazaram para grupos religiosos extremistas, que responsável após detalhada anamnese, exame físico
foram protestar contra a realização do aborto, na porta do geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultra-
hospital em que o procedimento seria realizado. Quando essa ssonográco e dos demais exames complementares;
situação foi noticiada pela mídia, grupos feministas também c. A assinatura de Termo de Responsabilidade que
se dirigiram ao local defendendo que a criança tivesse acesso conterá advertência expressa sobre a previsão dos
ao procedimento. crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código
Interessante observar não só a necessidade de, nova- Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso
mente, justicar a realização do aborto em hipótese legal- não tenha sido vítima do crime de estupro;
mente prevista desde a década de 1940, visto que no caso a d. A assinatura do Termo de Consentimento Livre e
gravidez era decorrente de estupro e colocava em risco a vida Esclarecido que deverá conter os desconfortos e ris-
da genitora. E mais, ainda, após esse episódio, o Governo Fed- cos possíveis à sua saúde, os procedimentos que
eral editou portaria que diculta o acesso ao aborto legal nos serão adotados quando da realização da intervenção
hospitais da rede SUS: a Portaria nº 2.282, editada pelo Minis- médica, a forma de acompanhamento e assistência,
tério da Saúde em 27 de agosto de 2020.[21] [22] assim como os prossionais responsáveis e a garan-
Nos termos da referida portaria, torna-se obrigatória tia do sigilo que assegure sua privacidade quanto aos
a noticação à autoridade policial pelo médico, demais pro- dados condenciais envolvidos, passíveis de com-
ssionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de partilhamento em caso de requisição judicial.
saúde que acolheram a paciente dos casos em que houver in- Ainda, na segunda etapa do Procedimento de Justi-
dícios ou conrmação do crime de estupro. Nessa hipótese, cação e Autorização da Interrupção da Gravidez, a equipe
os referidos prossionais deverão ainda preservar possíveis médica deverá informar a gestante acerca da possibilidade de
evidências materiais do crime de estupro a serem entregues visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonograa
imediatamente à autoridade policial, tais como fragmentos e ela deverá proferir expressamente sua concordância, de
de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos forma documentada.
genéticos que poderão levar à identicação do respectivo Vários pontos da portaria merecem crítica, a começar
autor do crime, independente de consentimento da mulher. pela tentativa em si de restringir direitos de base constitu-
O Procedimento de Justicação e Autorização da Inter- cional, como já destacado anteriormente. Também merece
rupção da Gravidez, necessário ao procedimento de aborto destaque a determinação de que a equipe médica respon-
legal passa, assim, a ser composto por quatro etapas, que pro- sável pelo caso, reporte-o imediatamente para a autoridade
longarão no tempo a situação de vulnerabilidade da mulher, policial, independente do consentimento da vítima. Isso, es-
por demandarem: pecialmente quando se considera a necessária relação de con-
a. a lavratura de Termo de Relato Circunstanciado ança e sigilo que deve haver entre médico e paciente.
pelos prossionais de saúde (que incluirá local, dia e Mais ainda, o procedimento determinado pela Port-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
aria nº 2.282/2020 coloca a obtenção de provas acerca do embrião por meio de ultrassonograa. De fato, a vítima de es-
crime de estupro como prioridade em relação ao atendi- tupro, que já se encontra em situação vulnerável, não devendo
mento humanizado à mulher, que já se encontra em situação ser submetida ao constrangimento de ter que visualizar o feto
de vulnerabilidade. Note-se que esse paradigma que prioriza ou ultrassonograa, que, na realidade, mais se assemelham à
a obtenção de provas e não a atenção à mulher em situação uma tentativa de demovê-la de realizar o procedimento ao
de violência já havia sido superado a partir do advento da Lei qual tem direito.
Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que trata especicamente Se em um primeiro momento a opção normativa rep-
dos casos de violência doméstica (que podem ser de cunho resentada pela Portaria em análise mostra-se em descom-
sexual ou não). passo com a legislação nacional e com a proteção dos direitos
Ademais, o procedimento em questão também des- das mulheres, ela também se mostra em descompasso com os
considera a anuência da mulher em fornecer material dispositivos do direito internacional, aos quais o Brasil está
genético e biológico, como fragmentos de embrião ou feto vinculado.
para eventual procedimento investigativo. Assim, o acesso ao Nesse sentido, a Comissão Interamericana de Direitos
Sistema Único de Saúde ca condicionado a uma espécie de Humanos, em seu relatório Violencia y discriminación contra
anuência tácita, em que a mulher apenas é informada de que mujeres, niñas y adolescentes [23] destacou que os direitos sexuais
essa coleta será feita. A esse respeito importa lembrar que e reprodutivos incluem o direito à igualdade e à não discrim-
o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 973.837 inação, à vida, à integridade pessoal, à saúde, à dignidade e
RG (2016), alertou sobre os limites dos poderes do Estado ao acesso à informação, entre outros. A partir desses direi-
de colher material biológico de suspeitos ou condenados por tos, a obrigação fundamental dos Estados inclui a garantia de
crimes, de traçar o respectivo perl genético, de armazenar os acesso rápido e adequado aos serviços de saúde que somente
pers em bancos de dados e de fazer uso dessas informações. mulheres, adolescentes e meninas necessitam, com base em
Na ocasião foi considerado necessário analisar a questão à seu gênero e função reprodutiva, livres de todas as formas de
luz da violação dos direitos da personalidade e do princípio discriminação e violência, de acordo com os compromissos
da vedação à autoincriminação — art. 1o, III, art. 5o, X, LIV internacionais existentes em relação à desigualdade de gên-
e LXIII, da Constituição Federal. Bem, se o material genético ero. A Comissão ressaltou ainda que tanto o sistema universal
de suspeitos ou condenados por crimes deve ser protegido a como o interamericano de direitos humanos têm abordado
partir dos direitos da personalidade, o mesmo deve ser esten- progressiva e consistentemente os impactos da negação de
dido ao material genético e biológico de mulheres vítimas de tais serviços nos direitos das mulheres.
estupro, que buscam o amparo do Estado para realizar o pro- A este respeito, importa observar que a Convenção
cedimento de aborto e que devem ter autonomia para decidir sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação con-
sobre o fornecimento, ou não, do material genético ao poder tra a Mulher prevê que os Estados Partes adotarão todas as
público. medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a
Outro ponto que merece atenção está relacionado com mulher na esfera dos cuidados médicos a m de assegurar, em
a etapa do Procedimento de Justicação e Autorização da condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a
Interrupção da Gravidez, a equipe médica deverá informar a serviços médicos, inclusive os referentes ao planejamento fa-
gestante acerca da possibilidade de visualização do feto ou miliar (art. 12.1), e também devem tomar todas as medidas
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres garantir os direitos da mulher à vida, à saúde e à integridade.
em todos os assuntos relacionados ao casamento e às relações Nesse sentido, a CIDH[27] tem recebido informações constantes
familiares e, em particular, devem assegurar, com base na sobre as conseqüências diretas da criminalização do aborto
igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos de em todas as circunstâncias e sua ligação com os números
decidir livre e responsavelmente sobre o número e o espaça- de morbidade e mortalidade materna. Isso, visto que dada a
mento de seus lhos e de ter acesso à informação, à educação e ausência de opções legais, seguras e oportunas, muitas mul-
aos meios que lhes permitam exercer esses direitos. heres se sujeitam a práticas perigosas e até mortíferas; elas se
Também o Comentário Geral Nº 36 (2018) do Comitê abstêm ou são desencorajadas de requerer serviços médicos
de Direitos Humanos a respeito do Artigo 6º da Convenção ou vivenciam casos de emergências obstétricas sem os cuid-
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.[24] De acordo ados médicos necessários; ou, se forçadas a prosseguir com a
com o Comitê, os Estados Partes devem proporcionar acesso gravidez, são submetidas a um sofrimento físico prolongado e
seguro ao aborto para proteger a vida e a saúde das mul- excessivo e psicológico.
heres grávidas, e em situações onde levar a gravidez a termo Outro aspecto que chama a atenção é que a portaria
causaria dor ou sofrimento severo à mulher, em particular nos em comento traz dicultadores ao acesso ao procedimento
casos em que a gravidez é resultado de estupro ou incesto ou de aborto especicamente para a rede SUS. Assim, todas as
o feto tem uma anormalidade grave. Ademais, o Comitê de violações de direitos aqui narradas são implementadas ainda
Direitos Humanos reconheceu ainda que impor um dever aos um agravante: serão aplicáveis apenas para as mulheres que
médicos e outros ociais de saúde de relatar casos de mulheres utilizam os serviços do Sistema Único de Saúde. Então,
que tenham sofrido aborto não respeita o princípio da não- aquelas mulheres que tiverem condições econômicas de bus-
discriminação. carem o procedimento legal de aborto em instituições de
Destaca-se ainda que a Comissão Interamericana de saúde privadas não serão afetadas pela Portaria.
Direitos Humanos[25] reitera o impacto negativo das leis que Acentuar as distorções econômicas existentes no
criminalizam aborto absolutamente sobre os direitos à vida, Brasil é especialmente preocupante quando isso ocorre por
à integridade pessoal, à saúde e ao direito das mulheres de meio de restrição indevida a preceito constitucional. O que
viverem livres de violência e discriminação em casos de risco se verica, portanto, é que as mulheres que já estão em uma
à saúde, não-viabilidade do feto e em gestações resultantes de condição econômica mais vulnerável, ao serem colocadas
violência sexual ou incesto. Isso ocorre, na medida em que em situação ainda mais vulnerabilizada em razão da violên-
estas disposições impõem uma carga desproporcional sobre o cia sexual sofrida, são mais uma vez violentadas ao terem o
exercício dos direitos das mulheres e meninas, e cria um ambi- acesso ao procedimento de aborto dicultado. É dizer, o Es-
ente propício para abortos inseguros. tado brasileiro negando apoio a uma parcela da população que
A este respeito, a Comissão [26] adverte que a crimin- dele mais necessita.
alização absoluta do aborto (ou a criação de barreiras que A situação torna-se ainda mais alarmante, quando se
criem impedidtivos para o acesso ao procedimento de forma considera, como destacado pela Comissão Interamericana de
segura), trás a imposição de um fardo desproporcional no ex- Direitos Humanos, que dicultar o acesso ao procedimento de
ercício dos direitos da mulher, e por isso é contrária às aborto seguro favorece que mulheres busquem outras formas
obrigações internacionais dos Estados de respeitar, proteger e de acesso ao procedimento. Assim, a Portaria em discussão,
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
além de inconstitucional, não resultaria nem mesmo em um um único feminismo. Também Barak-Erez, ao trabalhar as
maior número de mulheres desistindo de dar prosseguimento possibilidades trazidas pelo feminismo para a hermenêutica
ao procedimento de aborto: o resultado seria um maior jurídica, o faz considerando as múltiplas conformações e cor-
número de mulheres buscando por procedimentos de aborto rentes existentes, dentro do que se convencionou chamar de
inseguros. E isso, em um contexto em que uma mulher morre feminismo. Entretanto, o que, em alguma medida, essas vert-
a cada dois dias por aborto inseguro, de acordo com manifest- entes do feminismo trazem em comum para a hermenêutica
ação do Ministério da Saúde em audiência pública referente à jurídica, e especicamente para a hermenêutica constitu-
ADPF 442. cional, é a consideração de uma perspectiva transversal de
Diante de todo esse cenário verica-se que existem gênero, que marca as relações sociais — inclusive as jurídicas
alternativas normativas para buscar uma compreensão mais — mas que é ignorada no Direito, a partir de uma pretensão de
humanizada do aborto e das mulheres que demandam sua neutralidade. Neutralidade essa que, na verdade, serve como
realização. Seria possível buscar e implementar uma inter- cortina de fumaça que assegura a manutenção das desigual-
pretação alinhada com todos os entendimentos internacion- dades de gênero existentes. Assim, aproximações feministas
ais listados, bem como com os direitos constitucionalmente ao Direito, que trazem a preocupação com uma perspectiva
previstos, que fosse compreensiva com os direitos das mul- transversal de gênero têm muito o que contribuir na medida
heres. No entanto, a opção do Governo Federal é exatamente a em que armam a necessidade de localização do eu pesquisa-
oposta. dor e do eu “aplicador” do Direito, desconstruindo um eu univer-
Dessa forma, é preciso considerar a importância e a sal pretensamente neutro, que na verdade é homem, branco e
necessidade de uma perspectiva feminista a ser aplicada sobre heterossexual.[30]
a hermenêutica jurídica tradicional. Isto no sentido apre- Assim, temos a importância de discutir que a opção
sentado por Barak-Erez [28], para quem o feminismo tem muito pela restrição do acesso ao aborto não é a única escolha
o que contribuir com as tradições legais e constitucionais, possível diante das legislações postas (isso, sem nem mesmo
representando uma contrarreação a estereótipos e perspec- precisar discutir a possibilidade de alterações legislativas).
tivas discriminatórias que tradicionalmente marcaram as in- Não é um escolha neutra e protegida por um discurso técnico.
terpretações constitucionais. Assim, Não. É uma escolha deliberada por uma hermenêutica norma-
tiva que busca restringir os direitos das mulheres e meninas.
[uma] interpretação feminista pode ser uma ferra- É uma escolha localizada em uma agenda política especíca e
menta muito efetiva a serviço de uma mudança que é exatamente contrária à prática corrente de parcela sig-
legal gradual. Na verdade, a conexão entre fem- nicativa da população.
inismo e interpretação pode ser apresentada de
forma ainda mais ambiciosa: feminismo também 3. Contribuições do pensamento descolonial
deveria ser compreendido como oferecendo uma
nova perspectiva interpretativa para o conheci- A partir do supracitado diagnóstico é possível per-
mento humanos, incluindo a esfera jurídica.[29] ceber que apesar de no direito brasileiro o aborto ser com-
preendido como legal em apenas três hipóteses (e mesmo
Naturalmente aqui não é proposta a existência de assim tem havido um movimento governamental para re-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
stringir o acesso ainda que nesses casos), ele continua sendo primeiro lugar, a compreensão de que o feminismo branco e
uma prática recorrente no Brasil. O objetivo do trabalho, hegemônico, centrado na categoria gênero, é insuciente para
então, é contribuir para desvendar a aparente contradição. uma reexão sobre as mazelas vivenciadas pelas mulheres
Para tanto, no presente artigo, analisar-se-á, como principal nas regiões periféricas, pós-coloniais ou do Sul global, é ne-
mote argumentativo, a relação entre legalidade e legitimi- cessário cruzá-la com outras categorias, como, raça e classe.[36]
dade no direito moderno, a partir do pensamento descolonial. Em segundo lugar, apesar da compreensão de o coloni-
Antes, no entanto, é preciso fazer duas considerações. alismo — a relação de subordinação, de dominação e de ex-
Primeiramente, explicitar a relevância de uma reexão desde ploração exercida de forma legítima entre antigas metrópoles
uma teoria situada no Sul global. Isso se justica pois as e antigas colônias — ter chegado ao m com os processos
ciências sociais hegemônicas são marcadas por um eurocen- de independência,[37] a colonialidade de gênero continua pre-
trismo,[31] pela compreensão de que há no mundo uma única sente, marcando e estruturando as sociedades modernas.[38]
forma de sociedade, uma único modelo a ser copiado e se- Isto é, as mulheres são compreendidas como hierarquica-
guido — europeia ou estadunidense.[32] Isso leva uma invisi- mente inferiores aos homens, exatamente pela condição de
bilização e silenciamento de uma innidade de experiências serem mulheres.
sociais que coexistem no mundo. No mesmo sentido, ao partir Por isso, para que seja possível realizar uma análise ad-
de uma única realidade e apresentando-a como uma narrativa equada das singularidades que a dominação de gênero assume
global, produz-se como inexistente toda a realidade e as his- na contemporaneidade é necessário voltar os olhos para o que
tórias locais que existem fora dela.[33] Portanto, essa forma de há de especíco na dominação de gênero no tempo presente.
teorização não é suciente para explicar o todo e a complexi- Portanto, levar a sério a diferença colonial,[39] a inuência da
dade do mundo, uma vez que é provinciana.[34] economia,[40] bem como a condição geopolítica — a distinção
Em seu lugar, como desdobramento, para que seja entre centro e periferia.[41]
possível compreender o tempo presente, é necessário a util- Por m, uma última consideração, não serão utilizadas
ização de um ferramental teórico que seja capaz de explicar o as contribuições de todo o pensamento descolonial, uma vez
centro, a periferia, bem como a relação entre elas, uma teoria, que é um campo muito amplo e plural,[42] mas, em grande me-
nesses termos, global.[35] Devido ao exposto, se justica a util- dida, apenas as reexões de Enrique Dussel, membro do Grupo
ização do pensamento descolonial. Modernidade/Colonialidade, ligado a losoa da libertação [43]
Para além disso, é necessário evidenciar que apesar do e uma das principais bases teóricas da referida tradição.[44] Isso
aborto ser uma temática e uma pauta fulcral para a prática se justica pois, em que pese algumas divergências, ele leva a
e para a teoria feminista, o aporte teórico em que se assenta sério as contribuições do feminismo descolonial, armando
este capítulo não é o feminismo descolonial, uma vez que textualmente que os feminismos do Norte têm muito a apren-
não possui uma reexão detida sobre a tensão entre legalid- der com os feminismos do Sul.[45] [46] Para além disso, ele pos-
ade e legitimidade — como dito anteriormente, a temática sui uma vasta reexão sobre a relação entre legitimidade e
ora analisada. Não obstante, desse campo são subsumidas legalidade,[47] objeto central da reexão proposta no presente
algumas contribuições e — apesar de não serem desenvolvidas artigo para analisar e compreender o aborto no Brasil.
de forma detida por não serem a principal questão argumen-
tativa — permanecerão presentes como pano de fundo: em 3.1 além da legalidade: legitimidade e a ausência de partici-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
pação simétrica das afetadas e dos afetados na formação dos para a vida em sociedade não paira no ar, ela possui um funda-
consensos mento — historicamente determinado —, ela é decorrente do
próprio movimento que espécie humana realizou e realiza no
Uma das tarefas do pensamento descolonial enquanto transcorrer do tempo e está ancorada na busca por produzir,
corrente crítica[48] é buscar contribuir para explicar os reproduzir e ampliar a vida humana em comunidade e, no
fenômenos que existem no mundo e que, ao menos em um limite, da espécie humana como um todo.[53]
primeiro momento, parecem ser contraditórios. Nesse caso, Importante ressaltar que desde o momento inicial,
mais especicamente, como entender que apesar do aborto quando a comunidade decide dar si mesma instituições, as
ser considerado na maioria dos casos como um ato ilegal decisões tomadas são sempre consensuais — por meio de tro-
no Brasil continua sendo realizado por uma grande parcela cas de razões se formam acordos linguísticos —, pressupondo
da sociedade brasileira? Como compreender que apesar da sempre a participação simétrica de todos os afetados e de
discussão em âmbito governamental pender no sentido da re- todas as afetadas. Congurando, assim, a legitimidade — que é
strição ao aborto mesmo nas hipóteses em que é legal, ele con- um elemento fundante e que permanece presente em todos os
tinua sendo uma prática social? momentos de tomada de decisão da comunidade política.[54]
Para isso, é necessário apresentar um diagnóstico, A legitimidade vai se expressar de uma forma especí-
como buscou-se realizar nos tópicos iniciais. A partir de ca no direito, sendo ela: a pressuposição de que todos são co-
então, com intuito de contribuir para explicitar o que per- autores e todas são co-autoras das normas jurídicas.[55] Sendo
manece oculto e, assim, explicar a aparente contradição, será assim, os cidadãos e as cidadãs não obedecem a lei e cumprem
preciso apresentar, ainda que de maneira breve, o modo com o o direito por uma imposição ou determinação externa, mas
que o pensamento descolonial, mais especicamente Enrique como membros e membras da comunidade política en-
Dussel, compreende o que é o direito, o papel ocupado pela tendem o direito como a expressão dos acordos que eles
legitimidade, bem como a sua relação com a legalidade. Em mesmos e elas mesmas chegaram de modo consensual, livre e
seguida, a partir das denúncias feitas pelo pensamento desco- autônomo. Portanto, descumprir o direito é descumprir um
lonial, realizar-se-á uma reexão acerca de pressuposição de acordo consigo mesmo, consigo mesma e com a própria com-
simetria em que se ancora o direito moderno. unidade. O imperativo que determina que se obedeça ao dire-
Em oposição a distintas tradições que compreendem ito é interno e fruto dos consensos estabelecidos pela própria
o direito como mera dominação e como mecanismo de ma- comunidade.[56]
nutenção do status quo, Enrique Dussel compreende o direito Em sendo assim, é possível perceber que, para En-
como a expressão de um acordo que a comunidade faz consigo rique Dussel, a legitimidade é fundante da própria legalidade.
mesma — ao tomar consciência de si, de ser uma comunidade Legalidade e legitimidade não são categorias teórico-sociais
—,[49] decidindo de modo soberano, livre e autônomo se dar que estão completamente apartadas, independentes ou que
instituições, regulamentar a vida social e regular a vida em so- se realizam em planos distintos, podendo ser analisadas de
ciedade.[50] Desse momento em diante, o poder se desdobra de forma isolada — uma ação ou instituição é legal e ilegítima
formas distintas, entre elas poder constitucional [51] e em seu ou ilegal e legítima. Em verdade, a legalidade subsume a legit-
entorno se constitui todo o sistema de direitos.[52] imidade — enquanto categoria mais abstrata — do campo da
Essa decisão de dar-se instituições e estabelecer regras política para o âmbito do direito, tornando ela mais especí-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
46 47
EZILDA MELO
INTRODUÇÃO
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
analisar a não-obrigatoriedade do direito à maternidade e a compreender, noutro momento, a construção dos direitos
possibilidade de interrupção da gravidez na criança ou adoles- sexuais e reprodutivos da mulher, e a possibilidade de realizar
cente vítima de violência sexual. No que diz respeito aos ob- o aborto.
jetivos especícos, estes, dividir-se-ão em três tópicos: apre- Com isso, inicialmente, destaca-se a expressão “poli-
sentar a politização do feminino e da maternidade; averiguar tização do feminino e da maternidade” inspirada por Marilyn
a construção dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher e a Yalom. Ela descreve este termo como um processo que per-
possibilidade de interrupção da gravidez; e, comprovar a pos- passou a Europa nos séculos XVIII e XIX e posicionou a mulher
sibilidade de interrupção da gestação decorrente de violência como mãe, no centro das “políticas de gestão da vida” nas so-
sexual contra a criança ou o adolescente prevista no Artigo ciedades ocidentais modernas.[71]
128 do Código Penal Brasileiro. Este processo de gestão da vida é nomeado por Michel
No que concerne à metodologia aplicada, a construção Foucault de “biopolítica”, como sendo um conjunto de tecno-
deste artigo dar-se-á por meio de técnicas de pesquisa bib- logias de poder-saber que investem sobre o corpo, a saúde, as
liográca, de natureza básica, do tipo descritiva-explicativa, maneiras de se alimentar e morar, as condições de vida, todo o
pelo método indutivo. Método este, pelo qual, através de ob- espaço da existência. Neste viés, se processa a medicalização e
servações de casos particulares sucientemente documenta- a educação dos corpos e do sexo das mulheres em nome da re-
dos e enumerados, chegar-se-á a uma conclusão. sponsabilidade que elas teriam à saúde de seus lhos, à solidez
da instituição familiar e à salvação da sociedade.[72]
1 REFLEXÕES ACERCA DA POLITIZAÇÃO DO FEMININO Em razão disto, ao longo dos séculos XIX e XX, multi-
E DA MATERNIDADE plicaram-se os discursos sobre cuidados a serem dispensados
aos corpos femininos, cuidados estes cada vez mais rigoro-
A maternidade é um direito constitucionalmente
sos, principalmente quando se trata de corpos de mulheres-
assegurado a todos. Com isso, hodiernamente, os indivíduos
mães.[73]
possuem uma maior autonomia sobre o seu corpo, se com-
Infelizmente, a criação de lhos continua sendo uma
parar ao século XVII onde considerava-se a existência de ap-
tarefa quase que exclusivamente feminina, e começa muito
enas o sexo masculino. Deste modo, havia uma hierarquia, e a
antes do momento da concepção. Espera-se que a futura mãe
mulher era considerada um ser inferior e submisso aos desejos
se abstenha de alimentos industrializados, estresse, excesso
do homem.
de exercícios. A estabilidade emocional e o desenvolvimento
A Constituição da República Federativa de 1988, no ar-
cognitivo e psicológico dos lhos também estão a encargo da
tigo 5°, caput, indiretamente assegura o direito à procriação,
mãe. Elas são bombardeadas com informações e o conselho
quando disciplina a inviolabilidade do direito à vida. Além
é sempre apresentado como o “melhor para o seu bebê”, sem
disso, em seu artigo 6°, dispõe que é direito social a proteção à
colocar seu bem-estar em pauta.[74]
maternidade.[70]
Em razão disto, o feminismo colocou em xeque o pres-
Assim, o direito à maternidade se encontra disponível
suposto biologicista que permitia inscrever o feminino no
para todos e deve ser protegido e assegurado pelo Estado.
sexo anatômico e passou a prestar atenção nos modos pelos
Desta forma, cumpre fazer uma análise e reexão acerca de
quais, no âmbito do social e da cultura, todos são produzidos
questões que permeiam a maternidade, para que seja possível
e educados como sujeitos de gênero. Com isso, cada vez mais,
50 51
EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
contesta-se o determinismo biológico, que traduz a materni- preservação dos valores da sociedade.
dade como sendo um destino natural da mulher.[75] Esta nova Outra questão observada é que, a criação de lhos
concepção surge em razão de que, a maternidade era, ou muitas vezes é atribuída unicamente à mulher. Com isso,
ainda é compreendida como uma dimensão implicada com os movimentos feministas cada vez mais põe m ao determin-
processos de dominação/subordinação que regem as relações ismo biológico feminino e a maternidade como sendo um
entre os sexos.[76] destino natural.
Vários autores/as enfatizam que todos os indivíduos Diante disso, questiona-se: A maternidade é um direito
têm o direito e dever de manter, gerir e potencializar o seu obrigatoriamente a ser exercido, independente das circun-
próprio bem-estar. Este indivíduo é concebido como um su- stâncias do caso concreto? A resposta é negativa.
jeito autônomo, capaz de se autogovernar. [77] [78] Diante disso, A Constituição de 1988 foi feliz ao proteger a materni-
nota-se que, a maternidade é um conceito amplo, que engloba dade. Contudo, a realidade muitas vezes é distinta do que está
várias questões socioculturais. Atrelado a isto, tem-se tam- no papel, tendo em vista que, o Brasil é um país de desigual-
bém a relação de mãe e feto. dades e violência. Em razão disto, a maternidade não pode ser
Assim, o nascituro é representado como um cidadão, vista como uma obrigação. Assim, é necessário analisar os dir-
ou seja, ele possui uma série de direitos (curatela, alimentos eitos sexuais e reprodutivos da mulher e o direito ao aborto.
gravídicos, dentre outros) assegurados por dispositivos legais
como o Código Civil Brasileiro.[79] Nessa perspectiva, um ambi- 2 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUT-
ente fetal saudável, por exemplo, passa a ser um direito deste IVOS DA MULHER E A POSSIBILIDADE DE INTERRUPÇÃO
sujeito político e a mulher que não oferece ou produz esse am- DA GRAVIDEZ
biente é posicionada como desviante, negligente, ignorante
O direito à maternidade é uma das mais belas formas
ou, até mesmo, como criminosa em potencial.[80]
de proteção aos direitos humanos. No entanto, seu exercício
Dessa forma, as mulheres ainda são posicionadas e
muitas vezes encontra-se em conito com as garantias refer-
interpeladas, prioritariamente, como mães, como parceiras
entes à saúde física e psicológica da mulher.
conjugais e como “reprodutoras” e “nutrizes” biológicas e
Primeiramente, arma-se que o direito reprodutivo é a
culturais da espécie. Elas continuam sendo responsabilizadas
garantia básica de todo indivíduo de decidir livre e responsav-
pelas ações de promoção da saúde reprodutiva, pela adoção de
elmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de
métodos anticonceptivos, pela geração de crianças saudáveis
ter lhos e de ter a informação e o direito de assim o fazer, e o
e pela prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.[81]
direito de gozar de saúde sexual e reprodutiva. Acrescenta-se
Desta maneira, depreende-se que o direito à materni-
ainda sua liberdade para decidir acerca da reprodução isento
dade é protegido e assegurado pela Constituição da República
de discriminação, coerção ou violência.[82]
Federativa de 1988. Contudo, é preciso compreender o
Somente a partir das Conferências do Cairo e de Pe-
fenômeno da “politização do feminino e da maternidade” que
quim, em 1994 e 1995 respectivamente, é que houve o
posicionou a mulher, como mãe. Atrelado a isto, está o pro-
desenvolvimento de toda uma terminologia voltada aos dire-
cesso de gestão da vida (“biopolítica”), que é a medicalização e
itos sexuais e reprodutivos.[83]
a educação das mulheres, não visando seu bem-estar próprio,
Na Conferência Internacional sobre População e
mas a saúde de seus lhos, a solidez da instituição familiar e
52 53
EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
Desenvolvimento, promovida na capital do Egito, em Cairo, de vinculação internacional. Arma-se também que, sua con-
no ano de 1994, a mulher deixa de ser um objeto de políticas quista está atrelada à luta dos movimentos feministas. Neste
para ser reconhecida como sujeito de direitos sexuais e re- viés, umbilicalmente interligado aos direitos reprodutivos,
produtivos, principalmente no que tange a saúde sexual e encontram-se os direitos sexuais, que somente começam a
sua autonomia reprodutiva e sexual. Determinou-se que a ser discutidos no nal da década de 80, durante o XIII Con-
melhoria do status da mulher reforça a sua capacidade de gresso Mundial de Sexologia, em 1997, foi construída a Declar-
tomar decisões na área da sexualidade e da reprodução. [84] ação de Direitos Sexuais, em Valência, que sofreu emendas no
Já na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada XV Congresso Mundial de Sexologia, ocorrida em Hong Kong
em Pequim, em 1995, rearmaram-se as conquistas dos dir- (China). Esta Declaração tratou de temas como, liberdade,
eitos reprodutivos e procurou formular um conceito para os autonomia, privacidade, igualdade, prazer, expressão e livre
direitos sexuais. Foi trazida uma denição de questões re- associação sexual; escolhas reprodutivas livre e responsáveis;
lacionadas à sexualidade e à reprodução, denindo a mulher informação baseada no conhecimento cientíco; educação
como sujeito possuidor do direito de controlar sua sexualid- sexual compreensiva e saúde sexual.[89]
ade, inclusive a sua saúde sexual e reprodutiva, e a decidir Assim, a Proposta de Convenção Interamericana dos
livremente a respeito disto.[85] Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos conceitua a
Neste contexto, salienta-se que foram os movimentos sexualidade como um aspecto central das pessoas que está
feministas que criaram o termo “direitos reprodutivos”, apre- presente ao longo de sua vida, os direitos sexuais como dir-
sentando-o no I Encontro Internacional de Saúde da Mulher, eitos humanos relacionados com a sexualidade e os direitos
realizado em Amsterdã, Holanda, em 1984. Com isso, descon- reprodutivos como direitos humanos relacionados com a re-
struiu-se a maternidade como um dever, através da luta pelo produção e as decisões e práticas reprodutivas das pessoas.
direito ao aborto e anticoncepção.[86] Com isso, desvinculou-se a relação entre sexo e reprodução e
Assim, a denominação “direitos reprodutivos” foi o- contribuiu para a construção de um conceito de direitos sex-
cializada na Conferência Internacional de População e uais não estruturado a partir de contextos de violências, abu-
Desenvolvimento, realizada no Cairo, Egito, em 1994. Com sos e vitimização.[90]
isso, a saúde reprodutiva passa a ser tratada como capacidade Perante o exposto, o direito reprodutivo, amparado
de desfrutar de uma vida sexual satisfatória e sem riscos e de por conferências internacionais, assegura ao indivíduo de-
procriar, e a liberdade para poder escolher entre fazê-lo ou cidir autonomamente sobre a possibilidade de ter lhos, sem
não, quando e com que frequência.[87] que haja quaisquer atitudes de discriminação, coerção ou
Em suma, os direitos reprodutivos envolvem a liber- violência. Por meio deste direito, a mulher passa a ser um su-
dade e autonomia de mulheres e homens acerca do momento, jeito de direitos sexuais e reprodutivos, com total autonomia.
número e espaço entre estes, para ter lhos/as. Relacionam-se Com isso, destaca-se o importante papel das femin-
também as políticas de saúde sexual e reprodutiva que garan- istas, pois, graças a seus esforços, a procriação deixou de
tam esse sentido de autodeterminação, privacidade, intimi- ser vista como um dever, podendo escolher fazê-la ou não.
dade, liberdade e autonomia individual.[88] Outrossim, após êxito na conquista dos direitos reprodutivos,
Os direitos reprodutivos percorreram um longo procurou-se formular uma denição para os direitos sexuais
caminho para que fossem discutidos abertamente em meios durante congressos internacionais, que se desenvolveram em
54 55
EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
declarações. Assim, estes passaram a serem vistos como gar- gestação de feto anencefálico, esta foi a decisão do Supremo
antias relacionadas com a sexualidade, e os direitos reprodut- Tribunal Federal na ADPF 57.[94]
ivos com os direitos humanos. Embora o aborto não seja total e livremente per-
Neste quadro de conquistas femininas, coloca-se em mitido no Brasil, há mecanismos legais que buscam atenuar as
destaque a possibilidade da realização de aborto que, conse- consequências negativas de uma gravidez indesejada. Assim,
quentemente, põe m a uma maternidade que viria a existir. destaca-se a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos
Agravos resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e
2.1 O aborto legal como expressão dos direitos sexuais e re- Adolescentes que, foi elaborada em 2002, sendo um guia
produtivos da mulher para o atendimento às mulheres, crianças e adolescentes
violentadas sexualmente.[95]
O direito ao aborto, em situações permitidas por lei, é Outrossim, apesar da legalização total do aborto não
umas das formas de concretização dos direitos e garantias fun- ter ocorrido no Brasil, em 2005 foi publicada a Norma Técnica
damentais atribuídas às mulheres pelas normas legais nacion- de Atenção Humanizada ao Abortamento pelo Ministério da
ais e internacionais. É, pois, o direito à não-maternidade. A Saúde. Essa norma prevê um atendimento humanizado às mu-
mulher, com isso, passa a ter autonomia sob o seu próprio lheres que pretendem abortar, com acolhimento orientado
corpo ao desejar interromper uma gravidez quando é risco por princípios ético-legais e bioéticos, sem questionamentos
para a gestante, resultante de violência sexual ou no caso em ou qualquer julgamento de valor moral ou religioso que cer-
que o feto é portador da anencefalia. ceiem o âmbito pessoal da paciente.[96]
A Organização Mundial da Saúde dene oabortament- Esta Norma Técnica representa o reconhecimento do
ocomo a interrupção da gravidez até a 22ª semana, com pro- Estado à realidade de que o aborto realizado em condições
duto da concepção pesando menos que 500 gramas. O aborto inseguras é importante causa de morte materna; que as mul-
é inseguro quando praticado em condições sanitárias pre- heres em processo de abortamento, espontâneo ou induzido,
cárias ou inadequadas e/ou quando realizado por pessoas não que procuram os serviços de saúde devem ser acolhidas, aten-
capacitadas.[91] didas e tratadas com dignidade; e que a atenção tardia ao abor-
A cada ano, cerca de 20 milhões de abortos são prati- tamento inseguro e suas complicações pode ameaçar a vida, a
cados no mundo em condições de risco. Como resultado, até saúde física e mental das mulheres.[97]
25% da mortalidade materna resulta diretamente do aborto Com isso, o Ministério da Saúde, com a publicação desta
inseguro, levando desnecessariamente à morte quase 67 mil Norma Técnica, busca promover a reexão e respeito à ci-
mulheres por ano.[92] dadania das mulheres e concretizar o disposto nas Resoluções
O Código Penal Brasileiro (Art. 128, I) criminaliza a da Cúpula do Milênio das Nações Unidas, realizada em Nova
prática do aborto. A punição é tanto para a mulher quanto Iorque, em 2000, que deniu como uma de suas metas a
para o médico ou qualquer pessoa que o execute. Contudo, redução dos níveis de mortalidade materna em 75%, até o ano
há exceções que permitem sua realização: gravidez decor- 2015.[98]
rente de estupro ou quando a gestação põe em risco a vida Contudo, muitas brasileiras não conhecem seus direi-
da mulher, quando não há outra forma de salvar sua vida.[93] tos e a garantia de atendimento no caso, por exemplo, de uma
Além disso, não se pune a interrupção terapêutica induzida da violência sexual, ou quando estão com gravidez que apre-
56 57
EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
senta risco de vida para a gestante. Nestas duas situações elas razão de casos que ganharam grande repercussão midiática.
tem legitimamente o amparo judicial. Além disso, a Norma
Técnica estabelece a necessidade do acompanhamento psic- 2.2 A possibilidade da prática de aborto na criança ou adoles-
ológico e humanizado a essas mulheres, e a disponibilização cente vítima do Crime de Estupro de Vulnerável.
e utilização da pílula do dia seguinte como um dos medica-
Cabe defender e mostrar nesta pesquisa a possibilidade
mentos iniciais; ou mesmo, sem precisarem apresentar o Bole-
legal do aborto praticado por crianças ou adolescentes víti-
tim de Ocorrência, serem submetidas ao procedimento da
mas de violência sexual, ou seja, o direito da não-materni-
interrupção da gestação legal.[99]
dade. É normal na criança a curiosidade acerca do toque, da
A Folha de São Paulo em 2005 publicou uma matéria
carícia, do abraço puro e assexuado, além de ser importante
mostrando que a nova norma do Ministério da Saúde autoriza
esse descobrimento para o desenvolvimento da sexualidade
os médicos da rede pública a fazer aborto em mulheres que
infantil. Contudo, há atitudes que inuenciam na saúde sex-
aleguem ter engravidado após estupro, mesmo que não haja
ual da criança e do adolescente, como por exemplo, a atitude
Boletim de Ocorrência ou um outro documento compro-
abusiva, em que, a sexualidade infanto-juvenil é interpretada
vando a violência sexual. O que torna isento da ilegalidade
como convite ao adulto para realizar as suas fantasias e dese-
o prossional que realizar aborto em caso de alegação de
jos sexuais.[101]
violência sexual.[100]
É esta atitude abusiva que abre espaço para prática de
Em face do exposto, nota-se que, o Código Penal possi-
crimes sexuais, como o Estupro de Vulnerável. Este crime, in-
bilita a prática do aborto quando a gravidez é decorrente de
cluído no Código Penal pela Lei nº 12.015, de 2009, proíbe em
estupro ou quando a gestação põe em risco a vida da mulher,
seu Artigo 217-A ter conjunção carnal ou praticar outro ato
quando não há outra forma de salvar a vida da gestante. Assim,
libidinoso com menor de 14 (catorze) anos, sob pena de re-
destaca-se a benevolência do legislador ao disponibilizar me-
clusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.[102]
canismos legais que proporcionam um tratamento mais hu-
Além disso, incorre na mesma pena quem pratica estas
manitário à gestante vítima de violência sexual e que deseja
ações com alguém que, por enfermidade ou deciência men-
interromper a gravidez, como a Norma Técnica de Prevenção
tal, não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
e Tratamento dos Agravos resultantes da Violência Sexual
ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistên-
contra Mulheres e Adolescentes e a Norma Técnica de Atenção
cia. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou
Humanizada ao Abortamento.
morte, a pena é agravada.[103]
Tanto o disposto no Código Penal, quanto na Norma
Compreendida a previsão deste crime no ordenamento
Técnica supracitada, considera-se um avanço ao evitar a
jurídico, é necessário mostrar a sua incidência. OIpea, a par-
prática do aborto ilegal e inseguro, que muitas vezes é
tir de informações de 2011 do Sistema de Informações de
fatal. Assim, deve-se haver uma maior disponibilidade de in-
Agravo de Noticação do Ministério da Saúde (Sinan) estima
formações às mulheres acerca de seus direitos sexuais e repro-
que 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil e que,
dutivos, para que os conheçam e utilizem quando necessário.
destes casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia.
Por m, é importante analisar a questão do aborto na
Os registros do Sinan demonstram que 89% das vítimas são
criança ou adolescente vítima do crime de estupro de vul-
do sexo feminino e possuem, em geral, baixa escolaridade. Do
nerável. Assunto este que vem sendo bastante discutido em
58 59
EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
total, 70% são crianças e adolescentes. [104] cias deste ocorrido perdurarão por toda sua vida. Ela, reviveu
Ademais, 70% dos estupros são cometidos por par- e sentiu as consequências do crime ao passar por esta ex-
entes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima. Além posição, pois, além dos danos ocasionados pelo estupro, ainda
disso, em metade das ocorrências envolvendo menores, há um é criticada pela população. Neste cenário, organizações pró-
histórico de estupros anteriores. Este estudo reete uma ideo- vida fundamentam seus argumentos em favor da vida do feto
logia patriarcal e machista que coloca a mulher como objeto em detrimento da vida da gestante. É no murmúrio do que
de desejo e propriedade. [105] era classicado como perversões e coisas proibidas tanto pela
A justicativa para o enquadramento da violência sex- Igreja católica do século XVI ao XIX, quanto pela medicina e
ual como um problema de saúde pública não se faz evidencia as outras instâncias de poder, que entra o aborto, condenado
apenas pela sua frequente ocorrência.[106] Cabe considerar os pela Igreja e pelo Estado como uma ameaça a honra masculina
múltiplos agravos para a saúde, como traumatismos físicos e ao matrimônio.[110]
severos, morte, morbidades decorrentes de doenças sexual- O modelo heteronormativo hegemonicamente se in-
mente transmissíveis (DST). Os danos psicológicos produzem staura como exemplar, análogo aos tipos Ideais de Weber [111]:
efeitos intensos e devastadores, por vezes irreparáveis.[107] o casal legitimo, e procriador dita a lei, ou seja, um homem
Além disso, ao longo do tempo, podem se estabelecer tran- e uma mulher com algum envolvimento conjugal (sexual e
stornos da sexualidade, suicídio, depressão, bulimia, anor- amoroso) de preferência com lhos, legitimam a família tra-
exia, ou diculdades afetivas e de relacionamento.[108] dicional (monogâmica, heterossexual, branca, cristã) e são
Apesentada a previsão deste crime no ordenamento reconhecidos enquanto seres humanos e sujeitos exemplares.
jurídico, a sua ocorrência no Brasil e as consequências para Esse modelo dita as regras de comportamentos e envolvimen-
a vítima, é oportuno analisar o mais recente caso que teve tos humanos nas sociedades.[112]
maior repercussão midiática. Assim, menciona-se o ocorrido Assim, o aborto representa um insulto e zombaria aos
com uma criança de 10 anos que engravidou após sofrer uma pudores estruturantes dessa sociedade, que apresenta mani-
série de estupros desde os 6 anos de idade pelo tio, em São festações patriarcais e fundamentalistas.[113] Neste viés, a tu-
Mateus. tela sobre a vida e a morte do feto/embrião, no lugar de ser
Após o Tribunal de Justiça do Espírito Santo conceder (mesmo que muitas vezes simbólica) do médico (represent-
a esta criança o direito de interromper a sua gravidez, a re- ante do poder do Estado, soberano) deveria ser da mulher
percussão de políticos e movimentos conservadores obrigou gestante, contudo, muitas vezes, a realidade não é esta.[114]
o Estado do Espírito Santo a levar a menor para o Recife, onde Visualiza-se que é frequente a prática de estupro no
foi submetida ao procedimento de interrupção da gestação. Brasil, em sua maior parte, contra crianças e adolescentes.
Todavia, antes da realização do procedimento, os dados pes- Além disso, há inúmeras consequências físicas e psicológicas
soais da criança foram divulgados e movimentos fundamen- decorrentes deste crime. Um dos casos com maior reper-
talistas protestaram em frente ao Cisam, chamando a vítima cussão foi a da menina de 10 anos abusada pelo tio em Pernam-
de “assassina”. Essa exposição violou seus direitos e a revitim- buco. A vítima que engravidou dividiu opiniões acerca de seu
izou.[109] direito de interromper na 22º semana a gestação [115].
Com isso, é possível visualizar a vulnerabilidade física Neste sentido, é notória a vulnerabilidade física e psic-
e psicológica desta criança. Tendo em vista que, as consequên- ológica não só daquela criança de dez anos estuprada pelo tio,
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
mas de tantas outras, que muitas vezes o caso nem chega às ratização do país, a Constituição Federal de 1988 sofreu os
autoridades. Como se isto já não fosse doloroso o suciente, impactos das pressões dos movimentos sociais e o avançar
uma parte da sociedade busca impor seus dogmas religiosos, internacional, reconhecendo a tutela jurídica de direitos fun-
costumes e pensamentos, obrigando que o indivíduo prossiga damentais e a reconguração da família e de novos sujeitos,
com uma gravidez fruto de estupro, e que pode acarretar a como a criança e o adolescente.[118]
morte da gestante. Com estas mudanças, surge a Lei 8.069/90 (Estatuto da
Isto ocorre, pois, o aborto ainda é visto como algo que Criança e do Adolescente) que protege integralmente destes
fere os pudores estruturantes de uma sociedade nitidamente indivíduos. Este dispositivo estabelece que a criança e o ado-
patriarcal e fundamentalista. No entanto, esta decisão (am- lescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes
parada por dispositivos legais) cabe unicamente à vítima, à pessoa humana, assegurando-lhes todas as oportunidades e
tendo em vista que, sua vida tem tanta importância quanto à facilidades, a m de lhes facultar o desenvolvimento físico,
do feto fruto de crime. mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e
Assim, no próximo tópico será comprovada a possibili- de dignidade.[119]
dade de aborto da gestação da criança ou adolescente que sof- Esta iniciativa do Poder Legislativo garante à criança
reu estupro. e ao adolescente um ambiente propício ao seu desenvolvim-
ento. O ECA erige assim, juntamente com a Constituição, um
3 A POSSIBILIDADE DE INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO sistema de garantias e um tripé formado pela família, pela so-
DECORRENTE DE VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇA ciedade e pelo Estado na proteção das crianças e dos adoles-
OU ADOLESCENTE centes. A partir disto, a criança passou a ser considerada em
sua dignidade de pessoa humana e sujeito pleno de direito.[120]
Hodiernamente, felizmente, há dispositivos de
Assim, a criança deixou de ser um simples objeto de tu-
abrangência nacional e internacional que protegem e asseg-
tela e virou um sujeito de direitos e deveres, recebendo ampla
uram os direitos da criança e do adolescente. Em 26 de setem-
proteção do Estado, sendo dignos de uma proteção especial e
bro de 1924, uma primeira Declaração dos Direitos da Criança
de prioridade absoluta nas políticas públicas, na família e na
foi adotada reconhecendo que a responsabilidade pela criança
sociedade.[121]
é coletiva e internacional. Em 20 de novembro de 1959, surge
Diante disso, nota-se que a criança e o adolescente são
uma segunda declaração perlhando a necessidade de pro-
sujeitos de direitos e deveres, e que carecem de proteção não
teção e cuidados especícos à infância. Ambas as declarações,
só do Estado, como também da sociedade. Diante disso, ob-
contudo, continham problemas, pois não possuíam grande
serva-se a importância de dispositivos legais de proteção a
força coativa. [116]
estes indivíduos.
Em 1989, a Convenção Internacional Relativa aos Dir-
Com isso, questiona-se: É legítimo e legal o direito ao
eitos da Criança rearma a necessidade de proteção da infân-
aborto na criança ou adolescente vítima do Crime de Estupro
cia e ao mesmo tempo, erige a criança como um sujeito de
de Vulnerável? Ou seja, neste contexto, é possível estes indi-
diversos direitos. Diferente das demais, esta cria mecanismos
víduos recusarem o direito de serem mães? A resposta para
coercitivos e mais de 50 artigos que contemplam diversos dir-
estas indagações é positiva.
eitos.[117] No Brasil, a partir de 1980, com a redemoc-
NoBrasil, oaborto écrime. O Código Penal Brasileiro
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
estabelece que provocar aborto em si mesma ou consentir que de gestão da vida (“biopolítica”). Assim, há uma cobrança e re-
outrem lhe provoque acarreta em detenção de um a três anos. sponsabilidade maior imposta às mulheres. Com isso, critica-
Além disso, provocar aborto, sem ou com consentimento da se o determinismo biológico feminino e a maternidade como
gestante também implica em uma pena de reclusão de três a sendo um destino natural.
dez anos e um a quatro anos, respectivamente.[122] Diante disso, arma-se que a maternidade não é uma
Contudo, este mesmo dispositivo, em seu Art. 128 dis- obrigação. Deve-se observar os direitos sexuais e reprodutivos
põe acerca da não criminalização do aborto praticado por mé- da mulher que assegura a decisão autônoma sobre a possibili-
dico se não há outra forma de salvar a vida da gestante (Aborto dade de ter lhos ou não, inclusive, de praticar aborto diante
Necessário) ou se a gravidez resulta de violência seuxal e o das circunstâncias previstas em lei. Portanto, atualmente, é
aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando possível a realização de aborto. O Código Penal permite sua
incapaz, de seu representante legal.[123] prática quando a gravidez é decorrente de estupro ou quando
Dessa forma, tem-se como possível o aborto realizado a gestação é de risco a vida da mulher. Além disso, a ADPF/54
por criança ou adolescente vítima de crimes sexuais, tendo possibilita sua prática quando o feto é anencefálico.
em vista que, o Código Penal é claro ao destacar expressa- Ademais, há mecanismos legais que evitam que o
mente as hipóteses que a realização do aborto é legal. Port- aborto seja realizado ilegalmente e que promovem um trata-
anto, sua prática está de acordo com os dispositivos legais de mento humanitário para a gestante que pretende interromper
abrangência nacional e internacional que protegem e asseg- a gravidez. Assim, mostra-se essencial a Norma Técnica de
uram os direitos e garantias fundamentais referentes ao bem- Prevenção e Tratamento dos Agravos resultantes da Violência
estar da criança e do adolescente, a exemplo do ECA e da Con- Sexual contra Mulheres e Adolescentes e a Norma Técnica de
venção Internacional Relativa aos Direitos da Criança. Atenção Humanizada ao Abortamento.
Inclusive, no caso da criança de dez anos estuprada, o Neste sentido, é cabível o aborto na criança ou ado-
aborto realizado foi totalmente legal, pois, enquadra-se com lescente vítima do Crime de Estupro de Vulnerável. Contudo,
a passagem do texto em que fala: “não se pune o aborto prat- muitas vezes, a população interfere nisto negativamente, crit-
icado por médico se não há outro meio de salvar a vida da icando e julgando a decisão da vítima, como se donos fossem
gestante” e “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é prece- do seu corpo e sua vida não importasse.
dido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu Com isso, arma-se que o aborto é legalmente possível
representante legal”.[124] e essencial quando desejado pelo indivíduo. O Código Penal
Destarte, permitir o aborto na circunstância de violên- é claro ao destacar as hipóteses de permissão para realização
cia sexual é a forma mais humana de impedir o sofrimento da interrupção da gravidez. Dessa forma, a possibilidade de
prolongado da vítima. aborto em criança ou adolescente está de acordo com as dis-
posições do ECA e da Convenção Internacional Relativa aos
CONCLUSÃO Direitos da Criança, pois, defendem o bem-estar destes indi-
víduos.
O direito à maternidade é protegido pela Constituição
Neste interim, no caso da criança de dez anos es-
de 1988. Atrelado a ele, tem-se o fenômeno da “politização do
tuprada, o aborto realizado estava em conformidade com o
feminino e da maternidade”, que está interligado ao processo
disposto no Código Penal, que permite sua realização quando
64 65
EZILDA MELO
1. INTRODUÇÃO
Em 1988, foi promulgada a Constituição da República
Federativa do Brasil, considerada a lei suprema e tida como
bússola de todo o ordenamento jurídico. Em seu capítulo VII,
este compilado de normas dene a família como a “base da so-
ciedade”, sendo dela, junto ao Estado, a responsabilidade com
a criação e educação das crianças. Contudo, devido aos ester-
eótipos de gênero fornecidos pelo patriarcado, construiu-se
a mentalidade que coloca as mulheres como futuras mães e
cuidadoras natas: a maternidade compulsória. Dentro desta
lógica, as fêmeas nasceriam conguradas não apenas com o
desejo de gestar, mas também de desempenhar quase todas
as funções relacionadas ao cuidado com a prole, colocando o
“instinto materno” como algo inerente à todas integrantes do
sexo feminino.
No que se refere aos direitos reprodutivos, a Carta
Magna consagra, no artigo 226 parágrafo sétimo, o dire-
ito fundamental ao planejamento familiar, que consiste em
um conjunto de práticas, exercidas pelo Estado, que visam
ao controle da natalidade através da promoção de acesso
democrático à informação e métodos contraceptivos. Entre-
tanto, ao analisarmos a realidade, é possível vericar que tal
direito não é efetivamente assegurado, existindo uma série de
obstáculos que se inter-relacionam e contribuem para que a
gravidez indesejada ocorra, sendo mais frequente em deter-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
minado recorte de raça e classe. Ao mesmo tempo, a inter- versas histórias e estudos, fazendo com que
rupção da gestação encontra-se qualicada enquanto crime as mulheres acreditem que o caminho da boa
no Código Penal, sendo permitida em diminutas hipóteses. maternidade é árduo, não é a toa que uma
Nesta perspectiva, o presente trabalho pretende de- frase muito conhecida e dita por mulheres
smisticar a noção da maternidade compulsória, mostrar que se tornam mães é que “ser mãe é pade-
como a política de planejamento familiar está longe de ser cer no paraíso”. Esse dito popular vem da
plenamente acessível e ecaz, além de apontar como a crimin- cultura cristã, fazendo referência ao Gênesis
alização do aborto consiste em uma das maneiras mais rígidas (Bíblia Sagrada 3:16), onde Deus ao impor os
de controle que o patriarcado exerce sobre as mulheres, sendo castigos a Adão e Eva lança sobre eles uma
particularmente cruel com as mais vulneráveis. maldição, dizendo “vou fazê-la sofrer muito
em sua gravidez, entre dores, você dará à luz
2. Maternidade compulsória e a construção do “dever de tor- seus lhos”. Nesse sentido, a cultura cristã
nar-se mãe” tem grande inuência sobre os ideais mater-
No Brasil, assim como ocorre em outros países, a nais, pois além de Eva, apresenta outra gura
maternidade ainda é vista como compulsória, ou seja, obrig- de mulher marcante: Maria, a mãe pura, sem
atória, mandatória, imprescindível a todas as mulheres, prin- pecados, uma santidade. Sendo assim, a bíblia
cipalmente por conta da lógica do patriarcado. O exercício da como o livro mais lido no mundo, constrói
maternidade é reputado como uma das principais funções da não só a gura padrão de mãe como também
mulher para a sociedade, “a grande realização do sexo femin- ressalta que o amor se baseia na dor e passivi-
ino”, sendo desconsiderados o contexto social que a mulher dade em relação ao outro. [128]
está inserida e as vontades desta.
A socialização da fêmea – que, conforme diz Simone de A imposição social da maternidade pode causar di-
Beauvoir, não nasce mulher, mas torna-se – ocorre pautada em versas consequências psicológicas e sociais para as mulheres:
preceitos patriarcais que a reduzem à um corpo, com função aquelas que são inférteis podem apresentar “sensação de
meramente reprodutora e destituído de autonomia sobre o culpa por não conseguir dar um lho ao seu companheiro,
próprio destino. Dessa forma, às mulheres é ensinado, desde assim como também de incompletude por não conseguir for-
a mais tenra idade, que a maternidade é o suprassumo de sua mar uma família nos moldes da sociedade” [129], de forma
existência, que é um evento a ser desejado e ansiado. Acon- que a infertilidade é vista como um problema a ser tratado;
tece que esta socialização, assim como o patriarcado, é ex- aquelas que não desejam ter lhos são alvo do estranhamento
tremamente potente e bem sucedida, tanto que crescemos da sociedade, sendo consideradas “menos mulheres” por isso;
acreditando que o “instinto materno” é real e que ser mãe está aquelas que entregam os “lhos para adoção são taxadas de
cravado no destino de todas as mulheres. frias, ‘desnaturadas’ e ‘menos mulheres’” 2 também; e, aquelas
Existe uma romantização do “ser mãe”, e a cultura que “ao depararem-se com a maternidade real (...) acabam
cristã contribuiu para induzir essa ideia na sociedade, con- por se autojulgarem, considerando não serem boas mães,
forme arma Fernanda Espindola Allegretti: sentindo-se sozinhas e sendo incapazes de atingirem os refer-
O sofrimento materno está presente em di- enciais da sociedade”[130].
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
Além das situações expostas acima, é necessário citar seus papéis na paternidade, pois a mulher não é a única re-
o caso de mulheres que engravidam sem pretender ou desejar sponsável pela criação dos lhos.
ter lhos e tentam recorrer ao aborto que, por ser ilegal, não Elisabeth Badinter apresenta a seguinte conclusão em
é seguro para elas, como explica Allegretti: “(...) muitas mu- seu livro “Um amor conquistado: o mito do amor materno”:
lheres recorrem a formas ilegais de não ter a criança, porém Ao se percorrer a história das atitudes ma-
se deparam com um sistema onde são obrigadas a gestarem ternas, nasce a convicção de que o instinto
mesmo contra sua vontade”3. Assim, o aborto clandestino, por materno é um mito. Não encontramos nen-
conta da forma que é feito – em condições precárias – faz com huma conduta universal e necessária da mãe.
que muitas mulheres coloquem a própria vida em risco com o Ao contrário, ambições ou frustrações. Como,
procedimento. E, se não bastasse isso, aquelas que sobrevivem então, não chegar à conclusão, mesmo que ela
“têm de lidar ainda com a vergonha, com o medo de serem pareça cruel, de que o amor materno é apenas
descobertas e de sofrerem as punições tanto legais quanto so- um sentimento e, como tal, essencialmente
ciais”3. contingente? Esse sentimento pode existir ou
Todo esse cenário é consequência do patriarcado que não existir, ser e desaparecer. Mostrar-se forte
exige que as mulheres sejam programadas para gestar. Sim- ou frágil. Preferir um lho ou entregar-se a
one de Beauvoir apresenta a maternidade como “determin- todos. Tudo depende da mãe, de sua história
ismo biológico reservado às mulheres como um destino e da História. Não, não há uma lei universal
imutável” [131], e, dessa forma, a maternidade é vista como uma nessa matéria, que escapa ao determinismo
“construção social e instrumento de dominação do sexo mas- natural. O amor materno não é inerente às
culino sobre o feminino, de modo que a maternidade servia mulheres. É ‘adicional’. [132]
para delimitar o lugar das mulheres na sociedade: em casa,
cuidando dos lhos” 5. Portanto, podemos dizer que o “ser mãe” não é iner-
Por outro lado, a socialização do sexo masculino ente às mulheres, podendo acontecer ou não. O papel imposto
ocorre de forma muito diferente. A dedicação exclusiva aos à mulher não é natural, é um resultado das exigências de uma
lhos não é cobrada deles, ou seja, faz parte da construção do sociedade que tem o patriarcado como elemento estrutur-
que signica ser homem não ter preocupações com a pater- ante.
nidade. Enclausurar as mulheres na crença de que suas únicas
3. Criminalização do aborto no Brasil e a detenção dos dire-
opções são o casamento e maternidade é uma estratégia do
itos reprodutivos da mulher pelo Estado: subterfúgio à ma-
patriarcado para manter-lhes no lugar de subalternidade.
nutenção do patriarcado
A maternidade sendo vista como algo natural e como
um objetivo a ser conquistado, não leva em consideração que A discussão que rodeia o aborto, tal qual a de outras
cada mulher é diferente, cada uma possui sua subjetividade temáticas espinhosas, como a legalização das drogas, é sempre
e singularidade. As vivências são diferentes, todas devem ser permeada por muita controvérsia, em que posicionamentos
respeitadas e não tratadas como algo homogêneo. A materni- morais, religiosos, cientícos e legais se antagonizam e cada
dade não é uma vontade universal e é preciso acabar com essa “lado” busca ter sua narrativa reconhecida, seja ela de cunho
ideia. Da mesma forma que é preciso que os homens assumam
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conservador ou progressista. Nas últimas décadas, esse as- mais conectada com a tutela da sexualidade feminina pela
sunto passou a ser colocado cada vez mais em pauta, muito de- Igreja e com interesses econômico-políticos do que com a pro-
vido ao fortalecimento do movimento feminista e da - ainda teção de uma “futura vida”.
tímida – ocupação de mulheres em cargos políticos[133]. Essa Em 1830, o poder simbólico surtido pela Igreja foi
inserção relativamente recente do tema no diálogo público substituído pela letra da lei, com a edição do Código Criminal
pode levar à suposição de que o aborto e sua realização são do Império que inseriu, pela primeira vez, o aborto no or-
práticas de origem igualmente recentes; contudo, ao estudar denamento jurídico brasileiro [138], disciplinando-o nos artigos
este fenômeno diacronicamente, é possível constatar que tal 199 e 200. Nele, a prática abortiva era considerada ilícita por
visão está longe de condizer com a realidade. atentar contra a segurança da pessoa e da vida, sendo este o
A literatura especializada indica que a interrupção bem jurídico protegido; entretanto, a punição não se dirigia à
da gravidez é uma prática milenar, reconhecida em diver- gestante, e sim a quem realizava o procedimento, independ-
sas culturas: o Código de Hamurabi, criado pela civilização ente do consentimento da mulher. É muito importante pon-
babilônica por volta do século XVIII a.C e um dos códigos de tuar que, mesmo após a formalização da lei, foi apenas em
lei mais antigos de que a humanidade tem ciência, já fazia 1850 que os ataques e a repressão das autoridades brasileiras
menção ao aborto, tipicando-o como um crime que feria o ao aborto aumentaram consideravelmente: não à toa, este ano
direito de paternidade do homem, além de ser considerado foi marcado pela proibição do tráco de escravizados[139] ao
uma lesão corporal à mulher[134]. Na Grécia Antiga, lósofos Brasil, o que ocasionou uma crise na oferta de mão de obra
clássicos, como Aristóteles, defendiam o aborto como mé- para trabalhar nas lavouras cafeeiras[140]; esse dado evidencia
todo de controle de natalidade na pólis, devendo ser feito que a perseguição ao aborto em Terras Tupiniquins nunca
antes do “surgimento da alma”[135]do feto. Já na Antiguidade teve motivações estritamente morais ou religiosas.
Romana, com a adesão do Imperador Constantino ao Cristian- Cerca de seis décadas depois, a legislação penal
ismo no século VI, o aborto é alçado ao nível de delito grave, mudaria novamente: foi promulgado, em 1890, o Código
passando a ser entendido como a morte de um ser humano e Penal dos Estados Unidos do Brasil, quase que simultanea-
denitivamente equiparado ao delito de homicídio [136]. mente à Proclamação da República. Neste, há duas inovações;
Quando alteramos o enfoque ao Brasil, o cenário não a primeira relacionava-se ao direcionamento da culpabili-
é muito diferente: durante a época Colonial, já se verica- dade: o artigo 301 consagrou a responsabilização penal da mu-
vam práticas abortivas que variavam desde chás e poções, até lher que optasse voluntariamente pelo aborto, que poderia
golpes na barriga, saltos, levantamento de peso, indução de variar entre 1 e 5 anos de prisão celular, com redução de um
vômito e introdução de objetos cortantes; não era raro que terço se o ato tivesse sido praticado para “ocultar desonra pró-
tais estratégias levassem a gestante a óbito [137]. Nesse período, pria”. A segunda, por sua vez, estava presente no artigo 302 e
amplamente inuenciado pela Igreja Católica, a crença sedi- consistia na sanção de aborto necessário – isto é, aquele real-
mentada é a de que o feto só adquiriria vida quarenta dias após izado quando há risco de vida para a gestante - quando dele
a concepção, sendo que, se fosse realizado nesse ínterim, vol- resultasse a morte culposa[141] da gestante. Dessa forma, o bem
untariamente ou caso a saúde da gestante exigisse, o aborto jurídico tutelado deixou de ser apenas a segurança da pessoa e
não era proibido. Nesse sentido, conforme assevera a historia- da “vida” do feto, incluindo também a honra da mulher.
dora Mary Del Priore, a condenação ao aborto estava muito Ulteriormente, sobreveio o Código Penal de 1940, cuja
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vigência se verica até o presente momento. Esse compilado ciada por fatores econômico-políticos, para além da moralid-
de normas, em coerência com os anteriores, também trouxe ade. Além disso, nossa estrutura estatal se forjou sob pilares
em seu bojo a tipicação do aborto, destinando cinco artigos patriarcais, racistas e capitalistas, e deles depende para se
para explicá-lo detalhadamente : o artigo 124 trata do aborto manter; nesse tocante, a socióloga Heleieth Saoti assevera
provocado pela própria gestante, de forma dolosa, ou com que os artifícios de dominação exercidos pelo patriarcado
seu consentimento, o denominado aborto voluntário; o 125 sobre as mulheres não se limitam à discriminação salarial
e o 126 disciplinam o aborto provocado por terceiros, sem e ou à imposição de obstáculos para que estas acessem cargos
com o consentimento da mulher, respectivamente, enquanto políticos, mas também residem no controle de sua sexualid-
o 127 descreve as formas qualicadas – ou seja, circunstâncias ade[143]; assim, inserir o aborto na esfera penal através de sua
em que a pena poderá ser majorada - do referido delito. Assim, criminalização signica espoliar as mulheres de seus direitos
o bem jurídico favorecido foi a vida do ser humano depend- reprodutivos e, consequentemente, da gerência de seus des-
ente e em formação, isto é, o embrião ou feto. tinos.
Ainda, o artigo 128 descreve as duas hipóteses em que Seguindo este raciocínio, é notável que, conforme o Es-
a ilegalidade da prática do aborto é afastada, as chamadas ex- tado brasileiro ia se desenvolvendo, surgia cada vez mais a ne-
cludentes de ilicitude: quando houver conito entre a “vida” cessidade de criar mecanismos que o consolidassem, segundo
do embrião e a da mulher que o carrega, esta deve ser priori- a perspectiva weberiana[144], como detentor do monopólio do
zada em detrimento daquela, sendo este o aborto necessário uso legítimo da força e que, através do emprego desta, se
ou terapêutico; já o chamado aborto sentimental ou hu- pudesse manter o controle sobre o povo. Outrossim, o Dir-
manitário é aquele realizado quando, em virtude de estupro, eito Penal, balizado pelas legislações de 1830, 1890 e 1940
ocorre uma gravidez, sendo necessário a anuência da mul- tornou-se um dos instrumentos de repressão mais ecientes
her ou, em caso de incapacidade, de seu representante legal. dos quais o Estado lança mão; dessa forma, é possível inferir
Ademais, no ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) que a decisão de criminalizar o aborto voluntário, e de se util-
julgou procedente a ação de Arguição de Descumprimento izar do Direito Penal para perseguir os envolvidos em sua real-
de Princípio Fundamental (ADPF) nº. 54, ajuizada pela Con- ização se dá com o objetivo de manter as relações de poder e
federação Nacional dos Trabalhadores na Saúde e cujo con- dominação masculinas, típicas do patriarcado, e impedir que
teúdo dedicava-se a defender a descriminalização do aborto as mulheres tenham autonomia sobre seus corpos e vidas.
de fetos anencefálicos. Nesta ocasião, o STF acatou que obri- Mesmo tendo perdido um pouco do protagonismo, a
gar a manutenção de uma gestação nessas condições seria in- Igreja Católica continua representando um entrave à plena
constitucional, ofendendo o princípio da dignidade da pessoa conquista dos direitos sexuais e reprodutivos às mulheres.
humana, o fundamento da República e do Estado Democrático Não obstante, é imprescindível rearmar que o Estado bra-
de Direito brasileiro, a cláusula geral da liberdade, bem como sileiro é laico, o que implica que a moral religiosa – católica
o direito à saúde, todos com respaldo constitucional [142]. ou de qualquer outra vertente – não pode e não deve pautar
Sob este panorama, é possível fazer algumas consid- o debate sobre a criação de políticas públicas e o processo de
erações; a primeira é a de que as práticas abortivas sempre se elaboração e/ou alteração de leis. Em outras palavras, não é
vericaram na história de nosso país, sendo que a ótica a elas concebível que os preceitos religiosos de um grupo sejam em-
destinada – ora conservadora, ora permissiva – era inuen- butidos em normas que serão aplicadas à coletividade.
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Nesse tocante, é urgente que haja uma transformação penhados pelos sexos, e atribui quase que exclusivamente às
na mentalidade social no que se refere à compreensão de que mulheres a responsabilidade de regular o tamanho da prole.
o acesso ao aborto é uma questão de saúde pública, dev- No âmbito das iniciativas governamentais e políticas
endo estar acima de qualquer crença ou julgamento moral e públicas, destaca-se a sanção da Lei do Planejamento Familiar
religioso; além disso, é fundamental que a militância femin- e a edição da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
ista continue se movimentando e ocupando espaços político- (RENAME), que serão mais bem abordados na sequência. No
deliberativos para se impor contra retrocessos, como a ano de 1996, foi sancionada a Lei nº. 9.263, mais conhecida
tramitação, em diversas frentes parlamentares, de projetos como Lei do Planejamento Familiar, que veio a disciplinar
que querem tornar nossa legislação terminantemente anti- o conjunto de ações que visam promover auxílio, através da
aborto [145]. educação e distribuição de contraceptivos, àqueles que pre-
tendam ter lhos, para que os tenham da maneira mais sus-
4. Educação sexual, uso de métodos contraceptivos e a re- tentável o possível, garantindo assim o direito fundamental
sponsabilização unilateral feminina insculpido no artigo 226, parágrafo sétimo da Constituição
Federal de 1988. Dessa forma, tal legislação está voltada à im-
O conhecimento cientíco desenvolvido pela Biologia
plementação de políticas públicas de controle de natalidade
e pela Medicina nos permitem constatar a máxima de que
e da promoção de ações governamentais dotadas de natureza
“nenhuma mulher engravida sozinha”, no sentido de que é
promocional, que garantam a todos o acesso igualitário às
necessário, em algum nível, o envolvimento de um indivíduo
informações, meios, métodos e técnicas disponíveis para a
do sexo masculino, especicamente, de seu material genético.
regulação da fecundidade[149].
Entretanto, estudos revelam que a responsabilidade e os ris-
Já o RENAME, publicado pelo Ministério da Saúde, con-
cos das práticas contraceptivas são predominantemente as-
siste em uma lista de medicamentos que tem de atender às
sumidos pelas mulheres[146], sendo que a precária participação
necessidades de saúde prioritárias da população brasileira,
masculina está diretamente ligada a problemáticas relativas
devendo ser um instrumento primordial para as ações de
à Saúde Reprodutiva, como aumento no índice de gravidezes
assistência farmacêutica no SUS[150]. Na seção de contracep-
indesejadas e o alargamento das estatísticas de infecções por
tivos, constam as pílulas anticoncepcionais regulares, pílula
doenças sexualmente transmissíveis, como o vírus da imuno-
do dia seguinte, anticoncepcionais injetáveis, diafragma, DIU
deciência humana, o HIV.
de cobre e preservativos masculinos e femininos. Por mais
Os dados sobre uso de métodos contraceptivos por
que a lista apresente variedade de contraceptivos, também
gênero são estarrecedores: de acordo com um levantamento
são variados os obstáculos ao seu acesso: apenas nove Esta-
realizado pela Organização das Nações Unidas, cerca de 79%
dos do país efetivamente dispõem de todos os supracitados
das mulheres brasileiras em idade fértil utilizavam algum mé-
métodos[151]; ademais, apesar de ser considerada como o meio
todo contraceptivo [147], enquanto que o estudo realizado pela
de proteção mais completo para as mulheres, a camisinha
UNIFESP em parceria com a Bayer revelou que apenas 31%
feminina é vertiginosamente menos distribuída pelo Sistema
dos homens brasileiros preocupavam-se com a prevenção [148].
Único de Saúde do que a masculina, não chegando nem a
O motivo de tal disparidade encontra raízes ncadas no mach-
2% [152]. Como se não bastasse, estudos apontam que a religião
ismo, que orienta a divisão social dos “papéis” a serem desem-
também interfere desfavoravelmente na obtenção e no uso
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Por m, mas não menos importante, outro fator que scriminalização do aborto seja amplamente defendida nas es-
eleva os riscos de morte materna de mulheres marginalizadas feras legislativas, além da promoção de políticas públicas que
é a criminalização do aborto. Isso ocorre porque, mesmo com visem a conscientização da população sobre a necessidade de
a promessa de penalização daquelas que realizarem o procedi- se discutir o aborto na esfera da saúde pública, uma vez que, a
mento, este não deixa de acontecer; entretanto, aquelas que proibição deste só traz prejuízos à saúde da mulher, sobretudo
possuem melhores condições nanceiras o fazem em clínicas à das marginalizadas.
bem equipadas, enquanto as mais pobres se submetem a mé-
todos frequentemente letais. Assim, lutar pela descriminal-
ização do aborto signica lutar pela manutenção da vida e da
saúde de todas as mulheres e, sobretudo, das mulheres negras.
6. Conclusão
Diante do exposto, é possível concluir que, apesar do
recente acaloramento do debate entorno do tema, a prática
do aborto é antiga e recorrente na história do Brasil e
do Mundo. Da mesma forma, verica-se que o patriarcado,
através de noções como a de maternidade compulsória, foi
sosticando suas formas de dominação e subjugação da mu-
lher, sendo a inserção do aborto no Código Penal uma das
maneiras mais ecientes de controle da sexualidade feminina.
Além disso, vericou-se que as supostas soluções con-
tra as gestações indesejadas, isto é, os métodos contracep-
tivos, não são de tão fácil acesso, tendo a sua obtenção
dicultada por fatores de raça e classe. Ademais, estudos in-
dicam que os tais métodos não apresentam ecácia absoluta,
podendo ocasionar falhas, resultando assim, em uma gravidez
não planejada. A ausência de uma lei que discipline o ensino
de educação sexual nas escolas, aliado ao crescente fundamen-
talismo religioso, faz com que os jovens iniciem a sua vida sex-
ual sem o mínimo de instrução de como se proteger.
Nesta perspectiva, sabe-se que os elementos que es-
truturam a sociedade, sejam eles capitalismo, patriarcado e
racismo, fazem com que a experiência de opressões seja difer-
ente entre as mulheres, sendo que as negras e pobres ocupam
a base da pirâmide, no sentido de serem as mais expostas à
vulnerabilidade. Assim, é fundamental que a agenda pela de-
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nos países independentes[163]. A partir do Pacto Internacional questões relacionadas aos povos indígenas. Em março de
de Direitos Civis e Políticos de 1966[164], o princípio de auto- 1995, a Comissão de Direitos Humanos criou um Grupo de
determinação dos povos se fez presente na Carta das Nações Trabalho para a revisão do Rascunho da Declaração dos Dir-
Unidas e em outros documentos não vinculantes, tornando- eitos dos Povos Indígenas, ocasião em que o presidente da
se a autodeterminação direito dos povos e com expressa con- mesa garantiu às organizações não-governamentais indígenas
otação de direitos humanos. igualdade procedimental aos Estados-membros. Isso estab-
Dentro dessa moldura, em 1977, realizou-se a primeira eleceu um precedente para a participação de ONGs indígenas
Conferência Iternacional de Organizações Não-Governamen- nas reuniões anuais do grupo de trabalho. E em 2002 foi inaug-
tais (ONGs) nas Nações Unidas sobre a discriminação contra urado o primeiro período de sessões do Fórum Permanente da
as populações indígenas das Américas. Essa conferência con- ONU para assuntos indígenas. A ONU desde 1985 trabalhava
stitui um importante marco na medida em que, pela primeira no sentido de estabelecer uma Declaração sobre direitos dos
vez, os grupos indígenas reivindicaram a designação de povos, povos indígenas.
e não mais de minoria étnica, e também reclamaram a criação Após décadas de discussões o rascunho sobre o tema
de um grupo de trabalho especíco na ONU. foi aceito, em Junho de 2006, pelo Conselho de Direitos Hu-
Em 1982 iniciaram-se estudos realizados pela manos da ONU (que sucedeu a referida Comissão) e, em se-
Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre Populações In- guida, pela Assembléia Geral (AG) da organização (resolução
dígenas, ao apontarem uma persistente violação dos direitos 61/295). A referida Declaração, seguindo a recomendação da
dos indígenas, mundo afora, cando a referida Comissão com a Conferência de Viena sobre Direitos Humanos de 1993[167], foi
tarefa de desenvolver a redação de uma Declaração Universal aprovada pela Resolução 48/163, que proclamou a Década In-
dos Direitos dos Povos Indígenas[165], cuja primeira versão foi ternacional dos Povos Indígenas (1994-2004).
feita em 1988 e sofreu sucessivas modicações. Em 2004, a Resolução 59/174 proclamou a Segunda Dé-
A maior conquista, em 1989, para o reconhecimento cada Internacional dos Povos Indígenas (2005-2014). E após
dos povos indígenas foi a adoção da Convenção n. 169 da intensa pressão de representantes indígenas e de outros países,
OIT [166], que substitui o termo populações por povos indí- a Declaração foi nalmente aprovada na 107ª sessão plenária,
genas, com a ressalva de que o emprego do termo “povos” em 13 de setembro de 2007, com 143 (cento e quarenta e
não poderia ser interpretado como tendo implicações ligadas três) votos a favor, 11(onze) abstenções e 04 (quatro) votos
ao direito internacional. Em consonância com essas ideias, contrários (EUA, Nova Zelândia, Canadá e Austrália). Em 2009,
o Banco Mundial, em 1991, adotou uma diretriz que denia o governo Australiano manifestou sua aprovação da Declar-
“povos indígenas” de forma mais ampla e atentava para ação. Em 2010, a Nova Zelândia também reviu sua posição
a necessidade de proteger os indígenas contra projetos de e passou a aceitar a Declaração, reconhecendo os direitos e
desenvolvimento que poderiam criar-lhes obstáculos e deix- princípios ali estabelecidos. E nesse mesmo ano, a referida
ando a associação a planos e projetos ao desejo voluntário dos Declaração recebeu o apoio dos Estados Unidos, o último dos
indígenas. quatro Estados-membros da ONU que se opuseram.
Em 1993, a ONU proclamou o Ano Internacional das A Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indí-
Populações Indígenas do Mundo, e pela primeira vez falou- genas[168] é um Instrumento de proteção dos direitos humanos
se na criação de um Fórum Permanente encarregado das de terceira geração, resguardando direitos de grupos deter-
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minados e suas culturas ancestrais, pois visa proteger cerca de tendo o direito de não ser objeto de discriminação no exer-
6% (seis por cento) da população mundial, presente em todos cício de seus direitos fundados em sua origem ou identidade
os continentes. Seus artigos exigem ações positivas dos Esta- indígena. No seu art 3º armou o direito à livre-determin-
dos, a m de garantir que os povos nativos possam não apenas ação, podendo, portanto, o povo indígena ter independência
ser titulares, bem como exercer seus direitos, competindo, e o direito de manter suas próprias instituições sociais, cul-
portanto, aos Estados adotarem medidas de acordo com as turais, políticas, jurídicas, econômicas, bem como participar
tradições e culturas dos povos interessados, dando publi- plenamente, se desejar, das instituições do Estado, e direito à
cidade aos destinatários para que estes sejam conscientes autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas com
da titularidade de seus direitos e obrigações, especialmente seus assuntos internos e locais.
no referente ao trabalho e às possibilidades econômicas, às No seu art. 7º, assegurou que as pessoas indígenas têm
questões de educação e saúde, aos serviços sociais e aos direi- direito à vida, à integridade física e mental, à liberdade e a seg-
tos derivados Convenção. urança da pessoa, e os povos indígenas têm o direito coletivo
Resta evidente que, desde a aprovação da Declaração, de viver em liberdade, paz e segurança como povos distin-
se instalou um novo desao tanto para os povos indígenas de tos e não serão submetidos a nenhum ato de genocídio nem
todo o mundo, como para os governos e para as organizações a outro ato de violência, incluindo a remoção forçada de um
sociais que é o da implementação dessa proteção dos direitos grupo para outro; Já no art 8º garantiu que os povos e as pes-
humanos de terceira geração, pois os povos indígenas ainda soas indígenas têm o direito a não sofrer assimilação forçada
são marginalizados e discriminados, tanto nas convivências ou a destruição de sua cultura, tendo o Estado que estabelecer
entre as diversidades culturais, como também nas políticas mecanismos ecazes para a prevenção e a reparação de todo
públicas. ato que tenha por objetivo ou conseqüência privar os povos
e as pessoas indígenas de sua integridade como povos distin-
2.1. Os Direitos proclamados aos povos indígenas na Declar- tos, ou de seus valores culturais ou de sua identidade étnica,
ação sobre os Direitos dos Povos Indígenas toda forma de transferência forçada de população que tenha
por objetivo ou conseqüência a violação ou a diminuição de
Os direitos dos povos indígenas têm ganhado relevo
qualquer dos seus direitos, entre outros . E em seu art. 10º
no quadro do direito internacional, principalmente após a
ao direito de não serem retirados à força de suas terras, não
Declaração Universal sobre os Direitos dos Povos Indígenas[169]
procedendo qualquer remoção sem o prévio e livre consenti-
que reconheceu todos os direitos humanos e liberdades fun-
mento da tribo interessada e sem um acordo prévio sobre uma
damentais, ao armar que todos os povos indígenas são iguais
indenização justa e eqüitativa e, sempre que possível, à opção
a todos os demais povos e reconhecendo ao mesmo tempo o
do regresso.
direito de todos os povos a serem diferentes e a serem res-
A previsão do art.11º é de que, os povos indígenas
peitados como tais, e que todos os povos contribuem para a
têm direitos a praticar e revitalizar as suas tradições e cos-
diversidade e a riqueza das civilizações e culturas, que con-
tumes culturais, incluindo-se o direito de manter, proteger
stituem patrimônio comum da humanidade.
e desenvolver as manifestações passadas, presentes e futuras
Em seus artigos, a referida Declaração assegurou a lib-
de suas culturas, como lugares arqueológicos e históricos,
erdade e igualdade de todos os povos e indivíduos indígenas,
utensílios, desenhos, cerimônias, tecnologias, artes visuais e
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interpretativas e literaturas. E em seu Artigo 12º, armou Como se percebe, a referida Declaração de 2007[170] el-
que os povos indígenas têm direitos a manifestar, praticar evou e reconheceu os direitos dos povos indígenas. No ent-
desenvolver e ensinar suas tradições, costumes e cerimônias anto, há práticas culturais e milenares de algumas das mais de
espirituais e religiosas, a manter e proteger seus lugares re- 200 (duzentas) tribos localizadas no território brasileiro que
ligiosos e culturais e ao acesso a eles privadamente; a utilizar geram controvérsias, chocando-se com os direitos humanos
e vigiar seus objetos de culto e a obter a repatriação de seus na perspesctiva da sociedade ocidental, como por exempo,
restos humanos. matar crianças por razões diversas, tais como, a gemeleidade,
Já no seu art. 15º, prevê que os povos indígenas têm incapacidade da mãe em dedicar atenção e os cuidados ne-
direito à dignidade e diversidade de suas culturas, de formas cessários a mais um lho, nascimento de criança com deciên-
que suas tradições, histórias e aspirações quem devidamente cia, o não reconhecimento do genitor, a preferência por um
reetidas na educação pública e nos meios de informação sexo etc.
pública. Nesse sentido, os Estados devem adotar medidas
ecazes em consulta e cooperação com os povos indígenas 3 A PROTEÇÃO DOS INDÍGENAS NO DIREITO BRASILEIRO
interessados, para combater os prejuízos e eliminar a discrim-
Desde a independência brasileira, as constituições bra-
inação, bem como promover a tolerância, a compreensão e
sileiras asseguraram aos povos indígenas uma série de direitos
as boas relações entre os povos indígenas e todos os demais
e prerrogativas, as Constituições de 1824[171], exceto a Consti-
setores da sociedade.
tuição de 1891[172]- que é a única omissa quanto às garantias
No ser art.18º consagra-se um dos direitos que con-
aos povos indígenas-, e as posteriores dedicaram algum artigo
itam com o tema do presente artigo, pois os povos indígenas
com previsão de garantia de direitos.
têm direito a participar na adoção de decisões em questões
A Constituição de 1824 dedicou em seu art 6º o recon-
que afetem seus direitos, vidas e destinos, através de repre-
hecimetno dos “ingênuos”, que referia-se aos índios, como ci-
sentantes eleitos por eles, em conformidade com seus pró-
dadãos brasileiros aqueles que no Brasil tiverem nascido. Já a
prios procedimentos, assim como manter e desenvolver suas
Constituição de 1934[173] , em seu art. 129 consagra o respeito
próprias instituições de adoção de decisões. E, por sua vez,
à posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanente-
o art. 19º ressalta o direito de consulta, ou seja, os Estados
mente localizados, sendo vedada a venda. E a Constituição de
devem consultar os povos indígenas interessados, por meio
1937[174] previu, em seu art. 154, a posse das terras dos silví-
de suas instituições representativas, para obter seu consenti-
colas em que se achem localizados em caráter permanente,
mento prévio, livre e informado antes de adotar e aplicar me-
sendo vedada a venda. A Constituição de 1946[175], em seu art.
didas legislativas e administrativas que os afetem.
216, também asseverou o respeito à posse das terras dos sil-
Assegurou o art. 22º particular atenção aos direitos
vícolas onde se achem permanentemente localizados, com a
e necessidades especiais dos anciões, das mulheres, dos jo-
condição de não a transferirem. A Constituição de 1967[176],
vens, das crianças e das pessoas indígenas com deciências,
em seu art. 186 assegurou a posse permanente das terras que
devendo os Estados adotarem medidas, em conjunto com os
habitam os silvícolas, reconhecendo seu direito ao usufruto
povos indígenas, a m de assegurar que as mulheres e as crian-
exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas
ças indígenas gozarão de proteção e garantias plenas contra
existentes. Em 1973 com a promulgação da Lei 6.001 em 19
todas as formas de violência e discriminação.
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de dezembro[177], conhecida como o “Estatuto do Índio”, o mortas ou enterradas vivas em suas tribos, caso seja esse o
Brasil avança no que se refere ao direito indígena, e de hábito da comunidade? Ou é lícito a cada tribo decidir o valor
acordo com o art 1º, a Lei regula a situação jurídica dos índios dado à vida a partir dos seus costumes?
ou silvícolas, e das comunidades indígenas, com o propósito Havendo a aprovação do referido Projeto de Lei, não
de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e har- ocorrerá uma interferência direta nas tribos através do Es-
moniosamente, à comunhão nacional. tado, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), para que im-
A Constituição de 1988[178] dedicou um capítulo especí- peça a prática? Têm-se estatísticas que demostrem números
co ao direito indígena, reconhecendo sua organização social, reais de mortes indígenas pelo infanticídio? Será mesmo que
costumes, línguas, crenças, tradições e os direitos originários estas mortes, por infanticídio, são praticadas constantemente
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à nos povos indígenas?
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus A produção no ano de 2008, de um lme-docu-
bens. mentário intitulado “Hakani”, dirigido pelo cineasta norte-
A ambígua relação entre o Estado e a sociedade bra- americano David L. Cunningham, e gravado em Porto velho
sileira para com os índios, remete ao processo de con- (RO), comoveu várias pessoas ao redor do mundo. O lme re-
solidação do território brasileiro e à construção de um lata a história da criança Hakani- da etnia suruwahá, uma das
imaginário nacional nas diferentes congurações sócio-his- tribos às margens do Rio Purus, que devido a um hipotireoid-
tóricas pelas quais passou o Brasil. Por um lado, o índio ismo congênito, foi enterrada viva, pois seus pais acreditavam
remoto, temporal ou espacialmente, compõe o imaginário ser uma maldição, mas foi salva pelo irmão que sozinho
do surgimento da nação brasileira, miscigenada e única. Por cuidou dela por 03 (três) anos na mata e em 2001 foi adotada
outro, o índio com demandas por direitos e por participação pelo um casal de linguistas.
social e política atravessa a aspiração à homogeneidade e un- Os produtores armaram ter sido o documentário ba-
idade nacionais[179] . seado em fatos reais e com o apoio da ONG Atini [182], o
vídeo mostra depoimentos de 10 (dez) povos indígenas que
3.1 O Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 119/2015 (e nº se dizem contra o infanticídio, e participaram como atuantes
1057/2007 na casa de origem) em pauta no Senado Federal várias crianças que foram resgatadas/desenterradas por par-
entes ou vizinhos, como tambem atuaram alguns adultos so-
Um projeto de lei (n. 1057/2007)[180] aprovado na
breviventes dessa prática milenar ou adultos que salvaram
Câmara dos Deputados em Agosto de 2015 e que encontra-
alguma criança destinada à morte.
se em Pauta no Senado Federal (PL 119/2015)[181], e desde
O documentário aborda o projeto de lei que tram-
15/10/2019 está na CCJ- Comissão de Constituição e Justiça,
itou na Câmara dos Deputados[183]e que prevê o "combate às
com o to de evitar a morte de crianças indígenas por práticas
práticas tradicionais que atentem contra a vida", conhecida
tradicionais das tribos, fez renascer um debate acerca do in-
como Lei Muwaji, em homenagem à índia que levantou sua
fanticídio indígena no Brasil, que se arrastava desde 2007, e
voz com coragem e enfrentou a tribo para salvar sua lha Iga-
com imensa polêmica que pode ser sintetizada em duas per-
nani com paralisia cerebral, e por essa razão teve que aban-
guntas desaadoras: é correto o Estado brasileiro permitir
donar sua aldeia pois, em sua comunidade, estava condenada
que idosos ou crianças indígenas com deciência possam ser
à morte por envenenamento; este caso inspirou, no ano de
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2006, a criação da ONG Atini [184], que signica “voz”, liderada a Declaração dos Direitos dos Indígenas[186], para defender a
pelo índio Eli Ticuna, Hakani. autonomia das suas tribos? Eles são a favor ou contrários a
Sobre o projeto de lei que foi abordado no lme- qualquer forma de interferência do Estado em suas regulações
documentário, o mesmo prevê a inclusão do artigo 54-A na “internas”?
Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), que com a nova redação, os O Projeto de Lei considera a falta de dados concretos
órgãos responsáveis pela política indigenista precisam adotar sobre a suposta prática de “infanticídio”, pois inexistem dados
mecanismos de proteção que possibilitem a manutenção da coletados com rigor e em número suciente para armar que
vida das crianças, adolescentes, mulheres, pessoas com de- essa seja uma ação frequente e costumeira por parte de povos
ciência e idosos indígenas, independente do estado de saúde. indígenas? Existe mesmo, em todas as tribos, a decisão de tirar
E que "qualquer pessoa" que saiba de casos de uma criança em a vida de vulneráveis doentes? Qual é o percentual de in-
situação de risco e não informe às autoridades responderá por fanticídio nas tribos brasileiras?
crime de omissão de socorro. A pena prevista é de 01 (um) a 06 E se for aprovada, a Lei será mesmo posta em prática?
(seis) meses de detenção ou multa. Não seria a execução da futura lei uma afronta a princípios
A proposta é polêmica entre índios e não-índios. Há constitucionais? E onde ca a necessidade de se respeitar, em
quem argumente que o infanticídio é parte da cultura indí- sua totalidade cultural, as regras internas das aldeias?
gena. E outros armam que o direito à vida, previsto no artigo Para Rita Laura Segato [187], de um lado há a Constituição
5º da Constituição [185], está acima de qualquer questão. do Brasil [188] e a Convenção n. 169 da OIT [189] defendendo o dir-
Mas será que os representantes legislativos com- eito à diferença indígena, e de outro a defesa da vida como um
preendem a dinâmica da vida dosíndios, que para eles a morte direito humano reconhecido internacionalmente, e admite a
dos doentes, por exemplo, representa amor ao lho doente? problemática entre a defesa da desconstrução de um estado de
As propostas da “Lei Muwaji” não teria intenção de criminali- raiz colonial e o diálogo pelas autonomias, quando essas im-
zar as práticas indígenas? plicam práticas tão inaceitáveis como a eliminação de crian-
Será que a armação dessa suposta prática de in- ças, encontrando-se, assim, diante de um caso limite para a
fanticídio não serve como tentativa de criminalização e dem- defesa do valor da pluralidade.
onstração de preconceito contra os povos indígenas? e tam- SEGATO [190] faz uma crítica ao Estado e sua forma de
bém não serve como justicativa para penalizar servidores governar etnocêntrica, e em contrapartida analisa a vida do
públicos que atuam em áreas indígenas? índio trazendo a tona sua história e realidade, demonstrando
Será que a discussão posta no projeto de lei não diz que, desde a chegada dos homens brancos toda a realidade do
respeito às características culturais dosíndios e sim cuidado índio foi alterada pois trouxeram consigo doenças, desmoral-
para não ferir as tribos? ização, fome e a exploração.
E uma cultura pode violar o direito inalienável e im- Evidencia claramente a antropóloga ser contra o
prescritível da vida? O direito à diversidade cultural deve ser referido projeto de lei, primeiro porque o “infanticídio” é em
limitado quando se choca com o direito à vida? O referido pequeno número nas aldeias, e, segundo, porque em sua visão,
projeto de lei não fere a regra que garante ao índio sua identi- o Estado não deve legislar sobre como os povos indígenas
dade cultural? devem cuidar de suas crianças, não lhe sendo dada essa autor-
E os índios não deveriam ser ouvidos, de acordo com idade, uma vez que são povos com culturas interrompidas
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desde a colonização, sendo o Estado “herdeiro direto do con- cial e sua maneira de ver o mundo, prescrevendo no art. 210
quistador”. Para SEGATO, deve-se antes criminalizar o próprio § 2º: “O ensino fundamental regular será mantido em língua
Estado por inadimplência, por opressão, por ser infrator e até portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a
mesmo por ser homicida dos povos indígenas. utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
Ao analisar o art. 8º da Convenção n. 169 da OIT [191] aprendizagem”.
sobre povos indígenas e tribais – que diz que ao aplicar a legis- Enquanto o Estatuto do Índio (Lei 6001 /73)[193] pre-
lação nacional aos povos interessados, esses deverão ter o dir- via prioritariamente que as populações deveriam ser “in-
eito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde tegradas” ao restante da sociedade, a CF[194] passou a garantir
que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais o respeito e a proteção à cultura das populações originárias,
denidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos como se pode observar no Art. 215 § 1º que assegura:
humanos internacionalmente reconhecidos – vericamos que Art. 215 O Estado
trata-se de uma celeuma que depende de muitos debates e garantirá a todos o pleno
estudos, pois o texto do projeto de lei não adentra em razões exercício dos direitos cul-
demográcas, de dados concretos do infanticídio, nem dis- turais e acesso às fontes da
cute concepções de pessoa, vida e morte dos povos indígenas. cultura nacional, e apoiará
A Carta Magna é um marco na conquista e garantia de e incentivaá a valorização
direitos pelos indígenas, ao modicar um paradigma estabele- e a difusão das manifest-
cendo novos marcos para as relações entre o Estado, a socie- ações culturais.
dade e os povos indígenas, e ao denominar a vida como um § 1ºO Estado protegerá
“direito universal”, na verdade se propõe a universalizar uma as manifestações das
concepção sobre o que é esse direito, o que não signica que culturas populares, indí-
este conceito seja compreendido da mesma maneira por todas genas e afro-brasileiras,
as culturas, nem mesmo que este seja um direito mínimo iner- e das de outros grupos
ente. participantes do processo
Com os novos preceitos constitucionais, assegurou- civilizatório nacional.
se aos povos indígenas o respeito à sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, o que signica o recon- E a abertura (caput) do 5º arma: “Todos são iguais
hecimento dos índios e o direito à diferença, como reza o perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
caput do artigo 231 da Constituição Federal de 1988[192]: “São se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviol-
reconhecidos aosíndiossua organização social, costumes, lín- abilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segur-
guas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as ança e à propriedade”.
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União de- E é neste embate em aceitar que osíndiossão também
marcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. brasileiros, que merecem as considerações referentes aos dir-
O constituinte de 1988 entendeu que a população indí- eitos humanos e que movimenta todo o debate em defesa
gena deve ser protegida e ter reconhecidos sua cultura, língua, das crianças e demais vulneráveis indígenas que foram, estão
seu modo de vida, de produção, de reprodução da vida so- sendo e serão executadas pela prática cultural e milenar de
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cuido durante a gravidez, é o tipo mais comum; já a trissomia no mercado de trabalho. Veja que as políticas internacion-
18 parcial é rara, ocorrendo tão somente quando parte de ais tiveram um papel imprescindível em tal conjectura, vez
um cromossomo extra está presente, normalmente são trans- que era imprescindível que houvesse uma política de planeja-
mitidos hereditariamente. mentos para que houvesse a redução de natalidade.
A Síndrome de Edwards está diretamente relacionada à Há também que se falar sobre Declaração e Programa
idade da mãe. Normalmente, mulheres acima dos 35 anos que de Ação de Viena, de 1993, em que se reconhece o direito à
engravidam estão mais sujeitas a ter lhos com a Trissomia 18 igualdade entre os gêneros[202]. Ainda dentro do contexto his-
do que mulheres mais jovens. tórico, vale ressaltar a conferência sobre as Mulheres realizada
Analisemos agora o direito de ser mãe. Partindo de um em 1995 em Pequim, em que foi considerado que os direitos
entendimento histórico, é válido ressaltar que os direitos das das mulheres são direitos humanos, e são assim considerados
mulheres foram aos poucos sendo conquistados; dentro de um aqueles que estão assegurados em um plano internacional [203].
âmbito internacional, pode-se citar a convenção sobre a elim- Assim, dispõe tal conferência sobre o direito das mulheres:
inação de todas as formas de discriminação contra a mulher
de 1979 e que foi raticada no Brasil em 1984, quando dessa “Nós rearmamos o nosso compromisso rela-
raticação, esses direitos humanos foram incorporados à tivo: À igualdade de direitos e à dignidade
Constituição Federal brasileira, transformando-se então em humana inerente a mulheres e homens e aos
direitos fundamentais simultaneamente. demais propósitos e princípios consagrados
Os direitos das mulheres foram ganhando reconheci- na Carta das Nações Unidas, na Declaração
mento no cenário mundial aos poucos, um exemplo é a Universal dos Direitos Humanos e em outros
primeira conferência mundial sobre a mulher, há também instrumentos internacionais de direitos hu-
a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Dis- manos, em particular na Convenção sobre a
criminação contra a Mulher (CEDAW), adotada em 1979 e Eliminação de todas as Formas de Discrim-
amplamente raticada por vários Países que vem também a inação contra as Mulheres e na Convenção
garantir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres[200]. sobre os Direitos da Criança, como também
O seu artigo 11 assim preceitua: “Os Estados-Partes adotarão na Declaração sobre a Eliminação da Violên-
todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação cia contra as Mulheres e na Declaração sobre o
contra a mulher na esfera do emprego a m de assegurar, em Direito ao Desenvolvimento”.
condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos
Percebe-se que estes tratados são de extrema importân-
direitos, em particular: f) O direito à proteção da saúde e à seg-
cia na medida em que dão visibilidade a demanda dos direitos
urança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da
das mulheres em um âmbito internacional e acabam por in-
função de reprodução.[201]
stigar o Estado, dentro de seu âmbito interno, a positivar tais
Em 1960 houve o lançamento da pílula anticoncep-
direitos.
cional nos Estados Unidos (NUNES, ano), o que também
Ao longo de muitos anos, o sexo foi tratado apenas com
acarretou uma revolução dos direitos da mulher do ponto
a função de reprodução, por isso o conceito de sexualidade
de vista da liberdade sexual, na medida em que lhe permitiu
mudou tanto depois que adentrou ao mercado a pílula anti-
uma maior autonomia, incluindo maiores chances de entrar
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concepcional. Ao mesmo tempo em que houve o enriqueci- disso esta linguagem representa um rompi-
mento da indústria farmacêutica, houve também uma maior mento nas relações entre o Estado "control-
liberdade da mulher nesse sentido trazendo um pouco da ista" de natalidade para o de "planejamento",
isonomia material tão defendida. Lembre-se que ao mesmo o que implica numa ação substancialmente
tempo essa questão envolve outros assuntos mais complexos provedora de informações e acesso, ou seja,
como o aborto, a esterilização, os métodos de fertilização, incrementando o princípio da cidadania que
etc. só se viabiliza através da autonomia. O dire-
Esses direitos humanos sexuais e reprodutivos das mu- ito de decisão não era possível sem o ofereci-
lheres também devem ser analisados dentro do ordenamento mento, pelo Estado, de condições de escolha,
jurídico brasileiro, veja que a Constituição Federal de 1988 eis a vinculação com os direitos sociais.
traz como base do ordenamento jurídico a dignidade da pes- (BUGLIONE, 2001, grifo nosso)[205].
soa humana e para respeitar tal dignidade, ela traz o princípio
da isonomia e institui desse modo a igualdade entre homens e Desse modo, importante trazer o art. 6º da Consti-
mulheres, exemplo dessa isonomia material é o direito da tuição Federal: “São direitos sociais a educação, a saúde, a
presidiária de permanecer com seus lhos durante o período alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
de amamentação. segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
Percebe-se que não há uma previsão especíca trazendo infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Con-
o direito à reprodução sexual, mas veja que direitos reprodut- stituição”[206]. Perceba que mesmo não trazendo uma previsão
ivos dizem respeito também a vedação de intervenção estatal especíca como dito alhures, ele se pauta também no direito à
na autonomia[204], caracterizando-se dessa forma como um maternidade, bem como no princípio basilar do ordenamento
direito de primeira geração, que são aqueles ligados à não ação jurídico.
do Estado, ao mesmo tempo em que poder sem considerados Porém há que se falar ainda na Lei 9.263/1996 que trata
de segunda dimensão porque exige que o Estado promova do planejamento familiar, dizendo que é direito de todo ci-
condições de que esses direitos sejam efetivados. dadão o planejamento, que é justamente o conjunto de ações
Pode-se falar então aqui em uma ruptura de um Estado de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de
controlador de natalidade, o que viabiliza a dignidade da pes- constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher,
soa humana: pelo homem ou pelo casal [207]. Em 2005, foi lançada também a
A percepção de integralidade nada mais é do Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodu-
que o resultado de que a reprodução não é tivos[208] que trata entre outras coisas, da educação em saúde
uma dádiva ou um dom natural, mas parte do sexual e saúde reprodutiva para usuários do SUS, tratando de
exercício da cidadania. Há uma inversão da diretrizes para ampliar a esterilização, fazendo-se concluir
relação reprodutiva, esta deixa de ser o prin- então que é uma pauta governamental:
cipal adjetivo da mulher para ser parte da sua A própria Lei Maria da Penha, 11.340/2006[209]
humanidade. A reprodução começa a ser per- também trata dos direitos sexuais da mu-
cebida como algo de foro individual, devendo lher quando diz que é crime de violência
habitar no universo dos direitos civis. Além doméstica a violência sexual e é assim con-
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siderada: “como qualquer conduta que a con- vendo ainda que a penitenciária de mulheres
stranja a presenciar, a manter ou a participar poderá ser dotada de seção para gestante e
de relação sexual não desejada, mediante in- parturiente e de creche com a nalidade de as-
timidação, ameaça, coação ou uso da força; sistir ao menor desamparado cuja responsável
que a induza a comercializar ou a utilizar, de esteja presa (art. 89). [211]
qualquer modo, a sua sexualidade, que a im-
peça de usar qualquer método contraceptivo O direito de ser mãe está entabulado em nosso orde-
ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao namento jurídico de diferentes formas, seja nos direitos soci-
aborto ou à prostituição, mediante coação, ais preceituado no artigo 6º da Constituição Federal – direito à
chantagem, suborno ou manipulação; ou que maternidade e à licença maternidade, garantindo que se con-
limite ou anule o exercício de seus direitos ceda em prol da mulher gestante licença de 120 a 180 dias
sexuais e reprodutivos”. (LEI 11.340/2006) para disponibilizar tempo integral ao recém nascido; seja na
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, quando protege e
Pode se observar também na legislação trabalhista a assegura à genitora deliberações para amamentar seu bebê no
proteção da mulher porque traz prerrogativas femininas para horário do expediente laboral, entre outros preceitos normat-
lhes assegurar uma maternidade digna, ao mesmo tempo em ivos previstos em nossas normas, que resguardam e tutelam o
que protege seu trabalho como por exemplo a vedação da direito de ser mulher e mãe ao mesmo tempo.
dispensa arbitrária da gestante, além da licença maternidade A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, estab-
prevista na CF e também na CLT [210]. A própria CF traz, como elece expressamente que:
já dito anteriormente, que as presidiárias possuem direito à “Todos são iguais perante a lei, sem distinção
amamentação, inclusive em local apropriado: de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-
A Constituição Federal dispõe que às sileiros e aos estrangeiros residentes no País a
presidiárias serão asseguradas condições para inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
que possam permanecer com seus lhos dur- à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
ante o período de amamentação (art. 5º., termos seguintes:
inc. L), enquanto o Estatuto da Criança e do I – homens e mulheres são iguais em direitos e
Adolescente estabelece que o Poder Público, obrigações, nos termos desta Constituição;
as instituições e os empregadores propi- II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
ciarão condições adequadas ao aleitamento fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
materno, inclusive aos lhos de mães sub- IV – é livre a manifestação do pensamento,
metidas à medida privativa de liberdade (art. sendo vedado o anonimato;
9º). Nessa mesma linha, a Lei de Execução V – é assegurado o direito de resposta, pro-
Penal (LEP) determina que os estabelecimen- porcional ao agravo, além da indenização por
tos penais destinados a mulheres serão dota- dano material, moral ou à imagem;
dos de berçário, onde as condenadas possam VI – é inviolável a liberdade de consciência e
amamentar seus lhos (art. 82, § 2º [sic]), pre- de crença, sendo assegurado o livre exercício
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dos cultos religiosos e garantida, na forma da sileiras, que a mulher tem o direito por sua mera liberalidade
lei, a proteção aos locais de culto e a suas litur- de gerar um lho ou não, todavia o mesmo não é aplicável
gias; para retirá-los após a ocorrência da fecundação. Há a possibi-
VIII – ninguém será privado de direitos por lidade e viabilidade de escolha para não ter lhos, desde que
motivo de crença religiosa ou de convicção seja antes da fecundação, mediante a utilização de todos os
losóca ou política, salvo se as invocar para cuidados imprescindíveis através do uso de métodos contra-
eximir-se de obrigação legal a todos imposta ceptivos existentes. Entretanto, após fecundar e gerar um em-
e recusar-se a cumprir prestação alternativa, brião/feto, não mais será possível a opção de ser ou não mãe,
xada em lei; pois independentemente do tempo de gestação já não caberá
IX – é livre a expressão da atividade intelec- mais esta escolha à mulher.
tual, artística, cientíca e de comunicação, A sociedade industrial trouxe consigo valores que lib-
independentemente de censura ou licença; ertaram a mulher da tipologia “destino biológico”, ou seja,
X – são invioláveis a intimidade, a vida priv- mulher ser destinada unicamente para constituir família
ada, a honra e a imagem das pessoas, asseg- através do matrimônio, cuidar da casa e do marido e ser
urado o direito a indenização pelo dano ma- mãe, ter muitos lhos. Antes dos avanços revolucionários em
terial ou moral decorrente de sua violação defesa da mulher, ela era tida como o ser destinado a procriar;
(…)”.[212] havia uma cobrança social em torno do destino biológico da
mulher. Entretanto, com as alterações culturais e de pensa-
A citação de todas essas menções jurídicas se fez ne- mento ao longo dos séculos, fez-se necessário reavaliar sobre
cessária, haja vista que ser mãe engloba a proteção de todos o direito que toda e qualquer mulher possui de optar ou não
os direitos humanos e estes estão reetidos na dignidade, na pela maternidade, mudando essa concepção arcaica do indi-
igualdade de condições, no senso da liberdade, no direito de víduo do sexo feminino ser visto como um ser reprodutor e
ser mãe, o direito à vida, não só da mãe, mas de gerar vidas e tão somente, passando a ser vista, agora, como uma colabor-
de buscar os direitos básicos e fundamentais também das suas adora, com os mesmos direitos na relação conjugal, no inter-
crianças e adolescentes. esse comum da família, matrimônio e lhos.
O STJ tem buscado a garantia dos direitos das mulheres A dicção do artigo 22, §6º da CF estabelece que o plan-
de modo a equalizar as diferenças de gênero ainda existentes, ejamento familiar é de livre decisão do casal, pautado nos
muito embora essa discrepância hoje seja em uma proporção princípios da dignidade da pessoa humana e na paternidade
bem reduzida se comparado aos tempos remotos. O direito responsável. No mesmo sentido é o que preceitua o Código
de procriar está estampado na norma legal – liberdade de ser Civil em seu artigo 1565, §2º.[213] Claramente se verica que
mãe, dar vida a um novo ser, colocar uma criança no mundo, os dois institutos atribuem ao casal a decisão sobre o planeja-
com todas as tutelas jurídicas em seu favor; assim como a proi- mento familiar, ou seja, sobre gerar lhos.
bição de, já estando grávida, censurar o direito à vida do feto/ A Carta Magna reconhece a entidade familiar a partir
embrião e abortar. de valores fundamentados na ideia de família afetiva, con-
Diante disto, vem a indagação: escolher ser mãe é uma sentindo na necessidade de uma família que não se baseia
liberdade até que ponto? É inconteste, segundo as leis bra- nas originais redes de parentescos, pois que preserva o que se
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denomina de pertencimento familiar. Deste modo, ultrapas- A norma penal brasileira somente prevê a possibilidade
sado é o ordenamento jurídico ou a sociedade que estabelece do aborto em duas situações: (1) em decorrência do perigo de
um conceito único para as relações familiares, já que estas se vida da gestante – conhecido como aborto terapêutico ou (2)
embasam em valores individuais pautados no afeto, carinho, quando a gravidez for ocasionada por estupro – denominado
cuidado, zelo, respeito e amor ao próximo. aborto sentimental. Além disso, em 2012, um julgamentodo
O respeito ao outro no que pertine ao princípio da Supremo Tribunal Federal estabeleceu que é permitido inter-
dignidade não deve estar baseado em uma linha horizontal, e romper a gestação quando se nota que o feto é anencéfalo, ou
sim vertical, no sentido de que a mulher possa por mera lib- seja, não possui cérebro.
eralidade escolher pela maternidade ou não, já que ser mãe Aborto para o nosso ordenamento jurídico, segundo a
altera completamente o destino, as escolhas e os caminhos do doutrina majoritária, é a interrupção da gravidez a qualquer
casal e ainda mais de toda e qualquer mulher que der a luz e tempo, levando a óbito o feto/embrião/bebê, não consider-
opte pelo seu lho. ando o tempo de gestação, independentemente. O doutrin-
Assim, é possível enfatizar que maternidade é uma ador Julio Fabrini Mirabete (2013, 66) sabidamente dene
opção e, porque não dizer, condição física a qual quase toda aborto como:[215]
mulher é passível de sofrer. Todavia, a maternagem é um
desejo enraizado no ser (homem e mulher) de cuidar do outro. “Aborto é a interrupção da gravidez com
A partir desta distinção, é imprescindível armar que nosso a destruição do produto da concepção. É a
ordenamento jurídico não ampara apenas a mulher que anseia morte do ovo (até três semanas de gestação),
ser mãe, mas também resguarda o direito e prevê a possibili- embrião (de três semanas a três meses) ou feto
dade daquela mulher que não intenciona procriar. (após três meses), não implicando necessaria-
O direito da mulher de não ser mãe encontra limites mente sua expulsão. O produto da concepção
na norma infraconstitucional, notadamente no Estatuto da pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organ-
Criança e do Adolescente - ECA e no Código Penal - CP, havendo ismo da mulher ou até mumicado, ou pode a
um parâmetro de proporcionalidade e razoabilidade entre o gestante morrer antes da sua expulsão.”
direito de não ser mãe e o direito da criança em desenvolv-
No mesmo sentido, o doutrinador Damásio Evangelista
imento e em estado de vulnerabilidade, e por isso detentora
de Jesus (2013, 119) conceitua sucintamente aborto como:
de direitos fundamentais especícos – direito à vida, à per-
“A interrupção da gravidez com a consequente morte do feto
sonalidade, à dignidade, entre outros. O ECA tem por dou-
(produto da concepção)”.[216]
trina a proteção da criança mesmo antes do seu nascimento,
O aborto, crime tipicado no Código Penal, é recrimin-
adotando a teoria conceptualista com proteção integral ainda
ado e repudiado no sistema brasileiro, não sendo considerado
que dentro do útero da genitora. Assim, uma mãe, segundo o
conduta delituosa tão somente quando se tratar de gravi-
Estatuto da Criança e do Adolescente, não poderá em prol do
dez por estupro ou quando pôr em risco à vida da gestante.
seu direito de não ser mãe provocar um aborto, pois este é
Deste modo, o direito de não ser mãe encontra limite/bar-
tipicado no Código Penal como crime, além de ser altamente
reira frente ao princípio do direito à vida do feto/ da criança,
recriminado pela grande maioria da sociedade – artigos 124 a
pois se houver a fecundação, ela não mais poderá fazer esta
127 do CP.[214]
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opção e, consequentemente, será obrigada a permanecer com direitos de nascimento dos embriões são muito limitados, en-
a gestação, prevalecendo assim inquestionavelmente o dever quanto a vida fora do útero é incompatível com a vida. Port-
de ser mãe, e não mais apenas o direito. anto, a mãe pode optar por interromper a gravidez do feto
O direito de ser mãe ou não é livre antes da fecundação, com uma vida inviável, protegendo assim a possibilidade de
com uso de meios contraceptivos (pílula anticoncepcional, integridade mental, psicológica e até física.
injeção de hormônios, aplicação de DIU, entre outros), após Se o próprio Código Penal não pune o aborto por estu-
a fecundação não haverá respaldo para cessar a gestação e, pro, mas o feto é absolutamente saudável, então é claro que o
consequentemente, abortar, haja vista esta não ser uma opção Código Penal visa proteger a integridade mental das mulheres
lícita em nossa norma legal, além de ferir diretamente o dire- grávidas. Então, por que o aborto não é permitido em um
ito à vida da criança, da dignidade da pessoa humana, da liber- feto cuja vida fora do útero provou ser inviável? Isso não tem
dade, etc. sentido, porque a dor da mãe é óbvia.
A mulher tem a garantia, tutela jurisdicional, de optar Portanto, é claro que o motivo especial de exclusão da
por ser mãe ou não, isto é inquestionável. Todavia, essa possi- ilegalidade contido no artigo 128, parágrafo 1 da Lei Penal,
bilidade encerra-se indubitavelmente se já estiver grávida, ou ou seja, o aborto necessário ou terapêutico que pode ocor-
seja, se a fecundação já estiver ocorrido. Logo, não terá escolha rer quando não há outra forma de salvar a vida da gestante,
e qualquer postura inerente à interrupção da gestação, será é claro, porque a inviabilidade da vida fetal não pode ser
considerada como crime, com penalidades previstas na Lei. determinada. Qualquer forma de comprovar o risco à saúde
Nesse sentido tem-se o seguinte entendimento: da gestante, seja físico ou emocional. Também deve ser desta-
A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da cado que esta síndrome pode ser considerada uma anormalid-
Paraíba (TJPB) negou, por maioria de votos ade fatal, pois faz com que cerca de 50% dos recém-nascidos
e em harmonia com o parecer ministerial, o morram dentro de um mês de vida e, na maioria dos casos, não
pedido de Tutela de Urgência que pretendia se espera que morram crianças. Devido ao intenso atraso fí-
conceder o direito ao aborto legal a uma sico e neurológico, conseguiu superar o primeiro ano de vida.
gravidez de feto com "Síndrome de Edwards". Tal temática é polêmica e multidisciplinar (moral,
O recurso atacou uma sentença do Juízo da 2ª ético e bioético), perpassando por gerações no que tange a
Vara do Tribunal do Júri da Comarca da Cap- (des)criminalização do aborto, sendo tratada pois, pelo Dire-
ital, que indeferiu um pedido de alvará judi- ito Penal, que assim o faz, quando todos os outros ramos do
cial para interrupção de gravidez de uma mul- Direito forem insucientes e falharem, a ultima ratio do nosso
her que gestava feto portador de Trissomia do ordenamento jurídico. Em sentido contrário ao julgado anter-
Cromossomo 18, denominada de Síndrome de ior têm-se:
Edwards[217]. Nesta mesma esteira, Coêlho (2019) cita en-
No caso do aborto de um feto com essa síndrome, teor- tendimento jurisprudencialin bonam parte-
icamente, existem dois direitos conitantes, a saber, o direito mno caso de aborto eugenésico ou eugênico,
de nascer e a liberdade da gestante de decidir se interrompe mormente em virtude do sofrimento da
a gravidez. Portanto, neste caso, devemos considerá-los em gestante, “que se constitui no aborto de feto
circunstâncias especícas, e a conclusão é que é claro que os ou embrião quando, em face dos exames mé-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
dicos, constata-se que nascerá com graves de- normal de gestação, a indução antecipada do
formidades físicas ou psíquicas, não tendo a parto não tipica o crime de aborto, uma vez
sobrevivência, entretanto, inviabilizada, em que a morte do feto é inevitável, em decorrên-
que pese, muitas vezes, possa sofrer com uma cia da própria patologia (HC n. 56.572/SP,
sobrevivência vegetativa.” (COÊLHO, 2019, p. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, j.
690). “Mandado de segurança. Aborto de in- 25.04.2006, DJU 15.05.2006)[220].
dicação ‘eugênica’. Feto com Síndrome de
Edwards. Interrupção da gravidez requerida Vejamos, o feto com síndrome de Edwards é um risco à
pelos pais. Aplicação analógica, nos termos saúde da gestante, acarretando no excesso de líquido da bolsa
do art. 4º da Lei de Introdução ao Código amniótica o que gera a possibilidade de atonia uterina dur-
Civil, do art. 128, II, do Código Penal (que, ante o parto. Assim, é notório que a interrupção da gravidez
destinando-se a feto saudável, claramente se seria uma solução viável, motivada / justicada por um dos
aplica, com ainda maior razão, ao caso). fundamentos da nossa Constituição Federal de 1988 que nada
Ordem concedida” (Mandado de Segurança nº mais é do que o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal
0162591-89.2012 – São Paulo, Rel. Francisco princípio, no que diz respeito a gestante encontra-se pautado
Bruno. 10ª Câmara de Direito Criminal. Tribu- no princípio da liberdade, visto que, obrigar a mãe prosseguir
nal de Justiça de São Paulo)[218]. com uma gravidez seria violá-lo. A Justiça não pode despres-
tigiar a escolha feita pela mãe, essa deve ser levada em conta
Além disso, não se deve esquecer que a interpretação do sim. A preocupação frente a isso é que o Brasil tem mania de
Supremo Tribunal Federal sobre a interrupção voluntária da fazer das exceções uma regra, muitos outros tentariam tam-
gravidez cerebral na ADPF n em 2014 foi considerada incon- bém pleitear a prática de outros abortos, justicando os seus
stitucional. 54. No voto do Relator Marco Aurélio, ainda cou pedidos nesse embasamento, cando a indagação: Não seria
claro, vejamos: melhor não admitir frente aos conitos constitucionais, res-
[...] Em rigor, no outro lado da balança, em paldando-se apenas nos preceitos penais? O Brasil por ser uma
contraposição aos direitos da mulher, não país democrático, humanista, que adota vários tratados inter-
se encontra o direito à vida ou à dignidade nacionais sob direitos humanos não poderia abrir tal exceção
humana de quem está por vir, justamente porque abriria um precedente perigosíssimo para a prática de
porque não há ninguém por vir, não há viabi- abortos clandestinos.
lidade de vida. Aborto é crime contra a vida. Jurisprudencialmente (STJ, HC 437982/RJ, 07/03/2018)
Tutela-se a vida em potencial [...][219]. como já explanado encontra-se a permissão do aborto que no
caso da Síndrome de Edwards (trissomia do cromossomo 18)
Da mesma forma, desde 2006, em relação aos embriões que causa uma desestruturação no processo desenvolvimento
com síndrome heterotípica grave, o Tribunal Superior de- humano acarretando várias malformações congênitas graves.
cidiu no habeas corpus: Na maioria dos casos, evolui para aborto espontâneo. Assim,
havendo diagnóstico médico denitivo atest- por essa síndrome ser fatal justica-se a permissão do aborto.
ando a inviabilidade da vida após o período O entendimento do Tribunal do Estado da Paraíba vai em
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
total desacordo com o entendimento jurisprudencial do STJ. atípico, pois não há risco para objetos protegidos pelo direito
Pode até ser considerada uma tortura, pois a mãe é obrigada a penal. Além disso, devido aos riscos especícos para a saúde
completar a gravidez porque sabe que a criança que deu à luz já física e mental das mulheres grávidas, é necessário determinar
morreu no momento do parto, o que signica aumento da dor. as razões para excluir a ilegalidade dos abortos necessários. Só
É preciso interpretar a própria arte de acordo com a assim pode ser mantido o direito fundamental de dignidade
Constituição. Os artigos 124 a 126 do Código Penal (que repre- da pessoa humana da mãe.
sentam o crime de aborto) excluem a interrupção voluntária
da gravidez nos primeiros três meses de gravidez. Neste caso,
a condenação criminal violou certos direitos básicos da mu-
lher e o princípio da proporcionalidade. No entanto, é pre-
ciso reetir se a descriminalização do aborto por meio da
ADPF prejudicará o princípio constitucional da separação de
poderes.
A classicação do crime também viola o princípio da
proporcionalidade por motivos cumulativos: 1- constitui um
nível de suspeição suciente para proteger os itens legais que
pretende proteger (a vida de um feto) porque não tem impacto
relevante sobre o número de abortos no país, apenas para evi-
tar que eles o concluam com segurança; 2 - O estado pode
evitar o aborto por meio de métodos mais ecazes e menos
prejudiciais, como a educação sexual, com a distribuição de
anticoncepcionais e apoio para aqueles que desejam ter lhos,
mas estão em desvantagem; 3 - A rigor, essa medida é despro-
porcional porque os custos sociais (questões de saúde pública
e mortes) que ela gera superam os benefícios.
Conclui-se que, quando ca provado que o embrião
(mesmo fora do estado sem cérebro) não pode viver fora do
útero, o direito da mulher à liberdade de escolha deve ser
respeitado, para que a mulher possa optar por interromper a
gravidez e proteger sua saúde física e mental. Anal, conside-
rando que a vida pós-parto não é viável, mesmo que seja bio-
logicamente viva, não há necessidade de se considerar o dire- CAPÍTULO 02
ito à vida no enfrentamento, por ser feito de células e tecidos
vivos, pode ser legalmente considerado morto.
Não há garantia de vida real, obviamente, o aborto
de um feto com síndrome de Edwards deve ser considerado
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MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
instituições como a família, escola e a igreja[227]. A autora con- socialização da criança, que ela é apresentada aos modelos de
sidera que tais diferenças se manifestam de múltiplas formas e conduta masculinos e femininos segundo os quais, a cada um
em diferentes esferas da sociedade: dos sexos, é atribuído um papel de gênero [230]. É nesse espaço
É possível armar que a diferença baseada que a menina, de modo particular, será apresentada à hierar-
no sexo é uma das formas mais profundas quia dos sexos[231].
de exploração humana, ela está enraizada Deste modo, as crianças, através de discursos voltados
nas relações de gênero, nas instituições soci- para cada sexo em particular, são impelidas desde a terna
ais básicas, como a família, e nas estruturas idade a internalização de papéis baseados em parâmetros cul-
econômicas e políticas. São múltiplas as suas turalmente estabelecidos que delimitam sua formação iden-
manifestações e se estendem por todos os titária[232]. Aprendem quais são os comportamentos, vesti-
níveis da sociedade. Essas manifestações con- mentas, sentimentos e brincadeiras consideradas adequadas a
stituem um complexo sistema de relações cada um dos sexos[233]. Os meninos aprendem a serem fortes,
de poder que tipica a subordinação das corajosos, valentes e durões; as meninas aprendem a meiguice,
mulheres em diferentes níveis sociais. Essa a delicadeza, o recato, a obediência, a se sentarem de pernas
relação de subordinação sobreviveu a difer- fechadas e a serem carinhosas[234]. Além de serem identica-
entes tipos de sociedade e persiste até os dias das diretamente nos discursos, as ideologias de gênero estão
atuais, assumindo diferentes formas e graus presentes também nas brincadeiras, nas músicas, e nos contos
de intensidade8. infantis[235].
Toda esta discussão pode ser assentada na estru-
As diferenças sexuais gradativamente foram sendo turação dos papéis de gênero, socialmente construídos. E
transformadas em desigualdades, connando as mulheres ao nesta perspectiva, os papéis de gênero podem ser compreendi-
espaço privado e as tornando responsáveis pela reprodução. dos ou discutidos:
Aos homens foi delegado o domínio sobre as atividades pro- Como características tradicionalmente
dutivas no ambiente social e público. “As mulheres passaram atribuídas às mulheres podem ser citadas
a ser excluídas ou impedidas de exercerem funções nos âmbi- como exemplos aquelas que favorecem o en-
tos acadêmicos, político e econômico... E sistematicamente, sino, o cuidado, as atividades domésticas co-
preparadas para serem mães e esposas notáveis...” (p.139)[228]. tidianas e a “maternagem”, como sensibili-
Botton[229] aponta resultados de pesquisas que dem- dade, passividade, meiguice, tolerância. Com
onstram as atividades no ambiente privado enquanto re- relação às características tradicionalmente
sponsabilidades das mulheres e demonstram ainda a inferior- associadas aos homens podem ser citadas
idade feminina com relação aos homens. O que mais merece como exemplos as de liderança, agressivi-
destaque nestas pesquisas é o apontamento para a abrangên- dade, força física, lógica e ousadia16.
cia destas ocorrências, que não se restringem à vida adulta,
mas perpassam por toda a vida da mulher, podendo até Desde os primeiros anos de vida a menina aprende,
mesmo serem identicadas desde a infância. por meio da imposição, a passividade que caracteriza a mu-
É a partir da experiência familiar, primeiro espaço de lher “feminina” segundo os ambientes socializadores consid-
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siderada somente a partir do seu caráter biológico, fundou- dade, Monteiro [246] aponta que:
se também no componente afetivo do amor materno incon-
dicional. Foi levantada a ideia de complementariedade entre O que parece ser um destino inevitável para
esses dois aspectos que conferiam à mulher uma dupla in- as mulheres, em termos históricos e sociais,
clinação para com o exercício do papel de mãe: o biológico e o remete à redução da possibilidade de suas es-
sentimental [243]. colhas, pois lhe faltariam opções para além
Nesse sentido, a ideia historicamente construída e da norma instituída... Assim, sobram-lhe mais
reproduzida de uma essência natural materna ancorada na obrigações e responsabilidades, e ela con-
afetividade e nos fatores biológicos da reprodução, desen- tinuaria desvalorizada, em termos do sentido
cadearam reações negativas voltadas para as mulheres que de suas atividades e de sua autonomia. Não
mesmo sendo capazes de gestar, optavam por não engravi- nos cabe dizer se o trabalho doméstico é bom
dar ou pela interrupção da gestação. Resultados de estudos ou ruim, mas questionar sua associação, con-
conrmam que as reações negativas direcionadas às mulheres struída historicamente, ao papel feminino de
que realizavam aborto se efetivavam na prática por meio da cuidado da casa... A naturalização do lugar
condenação moral. Essas mulheres “foram afastadas ao menos invisível e marginal da mulher, associado ao
temporariamente de sua rede de amizades e relacionamentos, papel de gênero feminino, não só resulta em
além de terem seus corpos e suas vidas vasculhadas por jur- práticas que limitam seu protagonismo social
istas, médicos e até ‘curiosos’”23. e político, mas constitui uma fonte perman-
O modelo ideal de maternidade foi sendo elaborado ao ente de sofrimento e de adoecimento.
longo do tempo por diversas práticas e saberes, dentre eles a
Em outras palavras, trata-se de um empoderamento e
religião e a medicina, raticando a ideia de que “uma ‘mul-
caminhos de autonomia que vem se desenhando socialmente,
her normal’ deveria desejar ardentemente ser mãe e amar de
mas que carregam em sua estrutura as marcas e consequências
forma plena e incondicional a vida do feto e depois da criança
de uma vida pautada pelas responsabilidades atribuídas ao
nascida”. Considerando esta perspectiva, a condenação moral,
ser mulher, como se estas responsabilidades fossem inerentes
social e até mesmo jurídica, da mulher que opta por não en-
e inatas à esse gênero. No entanto, é perceptível, com essa
gravidar ou interromper a gravidez, está fortemente presente
reconstrução que trata-se de uma imposição cultural que vem
nos dias atuais, derivada da reprodução da concepção histor-
sendo naturalizada.
icamente fundada, da responsabilidade feminina no desem-
penho de seu papel materno natural e de dever [244]. A MULHER CONTEMPORÂNEA E A MATERNIDADE
Para Siqueira[245], a relação existente entre o papel A sociedade contemporânea permanece pautada por
reprodutivo e trabalho feminino pode ser vericada nos cri- valores sexistas, vericados nos discursos acerca do papel a
térios considerados nas escolhas prossionais de muitas mu- ser desempenhado pela mulher moderna[247]. Tais discursos,
lheres, que incluem a possibilidade de conciliação entre a acompanhando as mudanças históricas na condição feminina,
atuação fora de casa e o cuidado do lar e dos lhos. também se modicaram, aparecendo cada vez mais de forma
Considerando a condição histórica de restrição do velada e se manifestando a partir de novas congurações:
feminino à esfera privada, ao trabalho doméstico e à materni-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
O estereótipo da mulher submissa foi sub- adequado aos “novos” papéis femininos. Tais papéis envolvem
stituído, em grande medida, pelo da mulher a conciliação entre trabalho doméstico, a responsabilidade
múltipla: que trabalha fora, cuida da casa, pelo cuidado e educação dos lhos, e o exercício prossional,
dos lhos e do marido e, ainda assim, deve gerador de sobrecarga laboral para as mulheres30. Essa sobre-
encontrar tempo para cuidar de si, fazer cur- carga de trabalho é associada a pressões sociais, que podem
sos de aperfeiçoamento, manter cabelos e se internalizar, tornando-se cobranças pessoais por um bom
unhas impecáveis, praticar exercícios físicos, desempenho enquanto prossional, esposa, mãe e dona-de-
balancear a dieta, etc. Pode-se mesmo dizer casa[250].
que o grau de exigência em relação à mul- As ideologias sexistas, presentes na contemporanei-
her tornou-se maior no conjunto de discur- dade, continuam atribuindo características especícas ao
sos dominantes de nossa sociedade: se antes a comportamento dos indivíduos rotulando-os dentro dos
“mulher perfeita” era a que cuidava bem do lar mais diversos contextos sociais. A representação feminina
e da família, hoje ela precisa se destacar pro- segue associada à reprodução, à docilidade, passividade, fragi-
ssionalmente sem descuidar das questões lidade e cuidado [251]; e o homem, associado à produção, à agres-
anteriores e, ainda, ter um corpo de modelo. sividade, impulsividade e a papéis de liderança[252].
Como isso tudo é quase impossível (até por O movimento feminista, expressando-se de forma het-
razões siológicas, nem todas as mulheres po- erogênea ao longo do tempo, contribuiu de forma signi-
derão atingir o mesmo padrão de beleza), cativa para a desnaturalização do conceito de maternidade,
prevalecendo a sensação de “incompletude”. entendendo-o como construção histórica e social presente,
tanto dentro, como fora das famílias. Nesse sentido, o exercí-
Diante das pressões sociais acerca dos papéis que a cio da maternidade pode ser entendido dentro dos aspectos da
mulher moderna deve desempenhar, várias mudanças im- opressão, como forma de realização da mulher, ou como ex-
portantes ocorreram não só no ambiente social, político e periência social e biológica feminina. A autora defende que:
econômico, através da conquista feminina de seu espaço no Nem negada, nem idealizada, a maternidade
ambiente produtivo, como também foi modicada, signica- tem sido e deve ser pensada a partir das múlti-
tivamente, a rotina da mulher, suas escolhas e projetos de plas realidades históricas, sociais e culturais
vida[248]. Dentre as mudanças mais relevantes encontra-se a das mulheres e homens. Vista assim ela se
maternidade, que diante das demandas referentes aos estudos torna também um dos elementos constitu-
e a carreira prossional, tem sido cada vez mais adiada. Além intes das relações de poder formadoras da so-
disso, ser mãe é o fator que mais inuencia a vida prossional ciedade (p.179[253]).
da mulher uma vez que a ela é atribuída à exclusividade pelo
cuidado e educação dos lhos. Nesse sentido a mulher é levada A visão ideal de maternidade como papel opcional
a se ajustar, buscando conciliar maternidade e prossão [249]. da mulher na contemporaneidade rompe com as ideologias
Diante das exigências impostas às mulheres, pelas nor- de dedicação exclusiva e da obrigatoriedade do exercício da
mas sociais vigentes na contemporaneidade, surgem conitos função materna, fundadas historicamente, e que se encon-
para aquelas que não se encaixam no modelo estereotipado tram, ainda, arraigadas na sociedade. O reconhecimento da
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
singularidade inscrita no desejo de ser mãe é o fator que legit- Este lugar foi dado, e o desejo por admitir esta função se perde
ima a reestruturação do exercício da maternidade acompan- quando lhes é exigida a reprodução enquanto função prima.
hando as mudanças nos papéis femininos e na condição social Discutir o feminino precisa ser discutir a mulher e não deveria
da mulher33. precisar ser do lugar de mulher ao de mãe, mas do lugar de mu-
A inserção da mulher no mercado de trabalho, fruto de lher e que, por si só, bastasse.
mudanças históricas e culturais, bem como de importantes
conquistas feministas, possibilitou o seu ingresso no espaço
público, anteriormente restrito aos homens, através da modi-
cação nos paradigmas da condição feminina. Diante desse
cenário de transformações, na contemporaneidade foi posto
um ideal de mulher que deve buscar atingir sucesso na vida
prossional, conjugal e sexual, mantendo uma boa rede social,
ao passo que seja também competente na administração do
lar e no cuidado e educação dos lhos. O contexto social atual
é marcado pela presença feminina no espaço público, porém
apesar de armar a independência das mulheres, ainda são
atribuídos a elas os papéis domésticos tradicionais [254].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O lugar feminino na sociedade tem suas raízes dentro
do processo cultural e no Brasil estas raízes se assentam
numa estrutura do patriarcalismo e do machismo como sendo
denidores do modo que a mulher é vista socialmente. Pensar
e discutir o lugar da mulher socialmente é fazer uma ruptura
com esta estrutura. E pensar e discutir esta temática a partir
da própria mulher é provocar essa rachadura de modo mais
abrupto.
A mulher está tão limitada de suas próprias escolhas
que até mesmo o ser mulher é escolhido pelo outro. Esta
base coloca a mulher numa posição de seguir normas e ordens
sociais de como ela deve se comportar, o que deve usar e
até mesmo o que deve/pode desejar. Tal implicação, limita e
coloca em cheque as decisões femininas. Pois seguindo esta
lógica, a decisão da mulher sobre seu corpo e sua vida é de fato
dela ou permeia uma imposição social?
Estudar sobre a mulher, tonrou-se estudar sobre a mãe.
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criança que tem em si, para que a partir das novas vivências et al., 2000)[269]. De acordo Parker (1991)[270], ao reconhecer
e aprendizados nos âmbitos sociais, biológico, psicológico e que as atividades do homem eram voltadas para o mundo so-
espiritual, possa “nascer” um adulto socialmente aceito, es- cial da economia, política e interações sociais, além do âm-
piritualmente equilibrado e psicologicamente ajustado. Cor- bito familiar, o papel da mulher era rigidamente restringido
roborando com Dadoorian, para Dolto (1989)[265] o primeiro ao mundo doméstico da própria família.
amor seria internalizado pelo adolescente como a morte da Dessa forma, Wagner et al. (2005)[271] aponta uma
infância. realidade vista em muitos contextos, apesar de trabalhar fora,
Nesse movimento de matar o Eu criança, o sujeito se a mulher em seu novo papel acaba acumulando responsabi-
encontra no lugar do luto pelo corpo advindo pelas mudan- lidades e funções antigas com a chegada de novas respons-
ças da puberdade. Comportamentos agressivos, o jeito de se abilidades. O estereótipo de gênero, na maioria das vezes, se
vestir, o uso de drogas lícitas ou ilícitas podem ser percebidos mistura ao estereótipo das tarefas, sendo algumas consider-
como tentativas de sublinhar o luto pelo corpo perdido, como adas tarefas majoritariamente femininas e outras masculinas.
temores da solidão e do abandono (FERREIRA, 2015)[266]. Sendo Assim, o trabalho doméstico quando exercido pelo homem é
assim, conforme Aberastury et.al. (1980)[267], estes comport- visto como uma “ajuda” à mulher e não como responsabili-
amentos advindos da adolescência são considerados como es- dade do homem no zelo pela própria casa.
perados e “normais”. No processo de construção ideológica, o conceito de
A adolescência é um período de grandes mudanças homem e mulher é formatado de modo que o sexo masculino
nos campos biológico, social e cultural. Portanto, deve-se é representado pela virilidade, superioridade, como ativo,
compreendê-la a partir da individualidade de cada sujeito, forte e com potencial a violência, enquanto o sexo femin-
levando em consideração a realidade socioeconômica, a for- ino é associado à fragilidade, passividade, docilidade, beleza
mação familiar, o gênero e a cultura dos jovens (SCHOEN- e à um ser desejado (CANO et al., 2000)[272]. Nesse processo
FERREIRA, etc., 2010)[268]. O sujeito se constrói na dialética cultural, Simone Beauvior (1949)[273] destaca “não se nasce
entre o indivíduo e a cultura, de modo que não pode discutir o mulher, tornar-se mulher”. Assim, o sujeito feminino se en-
fenômeno da gravidez na adolescência sem abordar a inuên- contra no lugar limitado à exposição de sua sexualidade, em
cia da cultura, da formação familiar e das ideologias relacion- que meninas se esbarram em ideologias que demarcam o seus
adas a homens e mulheres. comportamentos: o que devem falar, como devem se sentar,
como devem se vestir. Deste modo há um limite na expressão
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA MULHER-MÃE dos desejos femininos, fazendo-as se sentirem envergonhadas
Através do movimento do cristianismo que se estende quando exercerem a sua sexualidade (DADOORIAN, 2003)[274].
para a cultura e a vivência em sociedade, que os mitos e tabus Durante séculos, as mulheres foram divididas em dois
passam a inuenciar na vida dos sujeitos. O primeiro deles pólos, a mulher destinada a se casar, connada à um mundo
refere-se ao pecado cometido por Eva, e então as relações anti-sexual e a prostituta, objeticada para suprir o desejo do
sexuais passam a ser relacionadas à vergonha. Outros são, a homem. Nessa perspectiva, percebe-se que não havia espaço
representação da pureza através da assexualidade dos anjos, para a exploração da sexualidade do sujeito feminino, em
e, outros ainda, a sexualidade simbolizada pelo diabo, como ambos os polos, elas encontram-se num lugar de passividade e
promíscuo, de modo a reprimir e punir o prazer sexual (CANO submissão (CANO et al., 2000)18.
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Na atualidade, a sexualidade passa a ser discutida e ou rejeitador, violência física, psicológica e sexual, rejeição
colocada em pauta, no entanto os tabus carregados ao longo familiar pela atividade sexual e gravidez fora do casamento,
dos séculos ainda possuem lugar de destaque. Um fator muito separação dos pais, amigas grávidas na adolescência, probl-
observável nos estudos referentes às adolescentes grávidas é emas de saúde e mães que engravidaram na adolescência (YAZ-
a repetição na fala das adolescentes sobre desejo da gravidez. LLE; 2006)[279].
Observa-se que tal desejo pode estar relacionado também ao O lidar com a gravidez na adolescência, enfrentando os
construto de mulher elencado a maternidade (DADOORIAN; aspectos próprio dessa fase de idade e somada às consequên-
2003)[275]. cias do julgamento social e familiar, pode levar à transtor-
Quando se fala da construção da identidade é import- nos como o da depressão pós parto. Schwengber & Piccinini
ante entendê-la não apenas como construção do Eu, mas tam- (2005)[280] apontam que genitoras com maior índice de de-
bém como o lugar de proteção que esse Eu está inserido. Com pressão apresentam impressões e sentimentos mais negativos
a descoberta da gravidez esse lugar é abalado pelas ideologias em relação ao bebê e se mostram menos satisfeitas com o
culturais existentes na sociedade, deixando assim essas ado- desempenho do papel materno e com o apoio de seus par-
lescentes, na maioria das vezes, se notam desamparadas, de ceiros. Lopes et al. (2010)[281], enfatizou que, nas sociedades
modo que cam vulneráveis às relações que possam lhe forne- ocidentais, o envolvimento do companheiro é fundamental
cer equilíbrio e segurança (FERREIRA, 2015)[276]. para o cuidado dos bebês, no apoio emocional, nas atividades
Independentemente de haver uma tendência a enal- familiares e proteção da mulher, para que essa possa se com-
tecer a participação do homem desde o início da gravidez prometer com a maternidade.
apoiando a genitora e como preparo para a paternidade e es- Em um estudo com 40 mães adolescentes norte-ameri-
tabilidade da vida do casal, não existem estudos sucientes canas, foi constatado que há uma demonstração de raiva e
que dão ênfase à gura masculina (GUIMARÃES, 2001)[277]. A comportamentos punitivos para com o bebê quando as geni-
estrutura cultural mantém a mulher neste lugar de dona de toras não recebiam apoio do parceiro após o nascimento do
casa, e também de procriadora e, ao mesmo tempo exime o bebê, em especial quando relataram experiências de rejeição
homem de sua responsabilidade para com o lar, e a família, por parte de seus pais na infância. No entanto, se a jovem, dur-
para além do provento do sustento. ante este período de gravidez é apoiada por seu parceiro, a ex-
periência inicial negativa pode ser superada (CROCKENBERG,
ASPECTOS PSICOSSOCIAS DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA 1987 apud LEVANDOWSKI ET AL., 2008)[282].
Entre os problemas enfrentados pela maternidade ado- Vale ressaltar que a maior incidência de gravidez
lescente destacam-se as transformações no corpo da mulher ocorre entre jovens pobres e com menor escolaridade, o que
e nas suas relações sociais, em que ocorrem inúmeras mudan- indica a diculdade de acesso às informações sobre métodos
ças tanto da parte da própria adolescente como da família em contraceptivos, porém o conhecimento desses métodos não
geral (FALCÃO; SALOMÃO, 2005)[278]. garante o seu uso. A maioria dos adolescentes tem sua pri-
A gravidez na adolescência tem como predisposição meira relação sexual sem nenhuma proteção, o que pode ser
fatores psíquicos, sociais e afetivos, tais como: baixa autoes- resultado de um modelo de socialização que nega às mulheres
tima, diculdade escolar, abuso de álcool e drogas, comu- o exercício da sexualidade, o que faz com que as meninas
nicação familiar escassa, conitos familiares, pai ausente e não desenvolvam a capacidade de falar sobre sexo e se sin-
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e nesse momento é esperado que as avós exerçam esse papel sigam retornar às atividades escolares. Além disso, as escolas
de apoio. Em muitos dos casos, é nesse período em que as devem incentivar o retorno dessas adolescentes, compreend-
avós que auxiliam no cuidado desde os primeiros dias de endo o contexto em que essas mães se encontram. E a partir
vida do bebê, e posteriormente, em alguns casos, as mesmas disto, será possível ocorrer modicações no atual cenário que
assumam exclusivamente o papel de mãe enquanto a adoles- limita a expansão da realidade socioeconômica desse público.
cente retorna aos estudos e, em seguida, ao trabalho (FALCÃO; Trata-se de um empenho público e social, além de uma motiv-
SALOMÃO, 2005)[299]. ação pessoal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É compreensível que a aparência familiar da atualid-
ade ainda esteja relacionada à ideologia patriarcal. Nesse con-
ceito, a divisão dos papéis sexuais fortalece a denição da
identidade feminina em toda a família. Nesse caso, ser mulher
tem como sinônimo ser lha, esposa ou mãe (DADOORIAN,
2003)[300]. Freud (1912)[301] em sua tentativa de entender “o que
querem as mulheres?” se esbarra em uma atenuante — o con-
struto social da feminilidade — que ocasiona na repressão do
desejo. O construto da feminilidade é também um dos causa-
dores de muitos problemas vivenciados por mulheres, advin-
dos de mitos que reprimem a expressão de sua sexualidade.
É importante salientar que a gravidez se relaciona com
a perspectiva de uma família ideal e em diferentes culturas,
os casamentos heterossexuais relacionam-se diretamente aos
ns de reprodução, sendo as mulheres educadas para as tare-
fas domésticas e destinadas a se casarem logo após a menarca
(CANO ET AL., 2000)[302]. Portanto, há uma inuência cultural
que dita a mulher num lugar de mãe, e já no período da ado-
lescência ela é capaz de assumir este papel, na esfera biológica.
No entanto, outros fatores emergem e modicam a estrutura
dessa adolescente.
Há uma forte relação entre a gravidez na adolescência
e o abandono dos estudos, e consequentemente, a dicul-
dade em se prossionalizar e se estruturar nanceiramente
de modo independente. Deste modo, entende-se que o Estado
deve apoiar os municípios com a inserção de creches em
tempo integral, permitindo assim, que as adolescentes con-
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A amamentação é pautada sob crenças e modismo na A amamentação deve ser tratada sem tabu. O leite
alimentação, que leva a muito julgamento em relação à com- materno deve ser oferecido exclusivamente até os seis
ida, e as mães passam cada vez mais a ter uma relação di- meses de idade, após os seis primeiros meses, introduzir
cotômica, essas condições acabam gerando uma relação não gradativamente os alimentos da família, e continuar ama-
muito espontânea com a comida e às vezes sentimento mentando até os dois anos de idade ou mais; o banco de
muito negativo, associados a essa relação (NANDAGIRE, et al leite humano pode auxiliar e apoiar a mãe no aleitamento
2020). [319] materno (OMS e UNICEF, 2018)[321]. Com uma boa pega, con-
Pautada nas observações de García et al.(2019)[320], no sequentemente, terá uma boa ordenha e uma boa posição.
período de gestação e lactação não existem listas prontas do Uma dieta equilibrada, frutas, verduras, bras e proteínas
que pode ou não comer; o trabalho do nutricionista envolve magras continuam exercendo um papel fundamental na nu-
modicar essas crenças, diminuir a tensão, estresse e a ansie- trição da mulher que estão amamentando, e as bebidas al-
dade causada pela restrição alimentar, controle e proibições. coólicas devem car fora do cardápio. É essencial o apoio
Dentre os inúmeros tabus que existem, os mais frequentes de um nutricionista para ajudar nesse período (ORTEGA;
diante das mães versus amamentação são: LÓPEZ, 2019)[322].
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presente pesquisa tem como objetivo tecer um paralelo entre pensada para determinar em quais campos os sexos devem
as normas, estatais e das Universidades, referentes a políticas atuar. Tem-se, como exemplo, a educação e cuidado com os
públicas para gestantes nas graduações, e o grau de efetividade lhos e, mesmo quando a mulher exerce uma atividade remu-
desse grupo legislativo na realidade, por meio de relatos das nerada fora do lar, continua sendo responsabilizada por essa
experiências pessoais de mulheres que exerceram a materni- função. Quando utiliza os serviços de uma pessoa de forma
dade, enquanto estudantes de ensino superior. remunerada, permanece por supervisionar as atividades, as
Além disso, propôs-se a perscrutar a inserção e tra- quais são cumpridas, em sua maioria, também por mul-
jetória de mulheres que tiveram e têm as experiências da heres[330].
gestação e maternidade na universidade, de modo a analisar A vida da mulher varia de acordo com a posição
como esses fatores inuíram na sua caminhada acadêmica. social que ocupa. Dependendo do estrato econômico, pode
Para tanto, o trabalho utilizou uma metodologia dispender dinheiro para receber auxílio na execução das
teórico-bibliográca, além de uma abordagem qualitativa, atividades domésticas. Todavia, enfrentando mais ou menos
por meio da elaboração de questionário, com perguntas diculdades, a responsabilidade última pela casa é imput-
acerca da experiência universitária de gestantes e mães, dis- ada ao feminino. Esse contexto é propiciado pelo fenômeno
ponibilizado na plataforma Google Formulários, além das da “naturalização”, feito pela sociedade, de que a mulher é
contribuições de vivência pessoal das autoras. pertencente ao espaço doméstico pela sua capacidade de ser
Em um primeiro momento, foi realizada uma abord- mãe[331].
agem acerca da construção do patriarcado na sociedade bra- A compreensão de “naturalização”, contudo, pode ser
sileira, e como o fenômeno da divisão sexual do trabalho in- facilmente refutada pelas experiências de outras sociedades e
uiu na denição de papéis, para homens e mulheres, na vida comunidades, nas quais a mulher executa atividades extralar.
pública e no campo prossional. Em comunidades indígenas brasileiras, por exemplo, após o
Seguidamente, foi feita uma análise sobre as legis- parto, cabe ao pai tomar os cuidados necessários com o bebê.
lações concernentes às necessidades das gestantes durante o Essa prática demonstra como a gestação pode assumir difer-
período de graduação, oriundas da própria instituição e do entes contornos a partir de posições no espaço e no tempo,
ordenamento jurídico brasileiro como um todo. E, por m, foi ou seja, cada sociedade constrói uma percepção para o mesmo
realizado paralelo entre o corpo normativo e sua aplicabili- fenômeno natural [332].
dade na realidade, por meio da explanação das experiências O aspecto sociocultural não pode ser esquecido, tendo
pessoais das entrevistadas e das autoras, acerca de sua vivên- em vista que ser mulher, dependendo da cultura em que se
cia na Universidade. vive, exprime experiências muito distintas. A partir de então,
pode-se compreender a famosa frase de Simone de Beauvoir
2 SER MULHER NO BRASIL: LINHAS SOBRE PAPÉIS SOCIO- “ninguém nasce mulher; torna-se mulher”[333]. Toda conjun-
PROFISSIONAIS tura revela, então, a capacidade do ser humano de domesticar
a natureza. Em razão dessa capacidade, é importante também
As identidades sociais dos homens e das mulheres são
se atentar ao aspecto inverso: naturalizar processos socio-
construídas por meio de papéis distintos, em que a sociedade
culturais. Dessa forma, quando se arma que é natural que a
espera que sejam cumpridos de acordo com sua delimitação,
mulher ocupe o espaço doméstico, ocorre, na verdade, a nat-
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uralização de um resultado histórico [334]. produção econômica, é possível perceber como as obrigações
A partir do movimento feminista e da tomada de con- domésticas invadem e dicultam o desenvolvimento pros-
sciência para a opressão do patriarcado, em uma perspectiva sional das mulheres, o que resvala em “carreiras descontínuas,
coletiva, tornou-se visível que uma enorme carga de trabalho salários mais baixos e empregos de menor qualidade”[339].
era realizada gratuitamente pelas mulheres. Este trabalho era Além disso, as atividades prossionais são marcadas por ester-
invisível, nunca feito para si mesma, sempre para os outros, eótipos femininos e masculinos, em que, para a mulher, foram
e pautado na natureza, no amor e no dever maternal. No atribuídas as características de sentimentalismo e paciência,
início dos anos 70, na França, a nova consciência permitiu devendo laborar em atividades mais fáceis, enquanto aos ho-
igualar o peso do trabalho doméstico ao trabalho prossional, mens, foram designados os atributos de força e racionalid-
o que proporcionou conceber o termo “divisão sexual do tra- ade, devendo exercer trabalhos com maior aproveitamento
balho”.[335] econômico.
A divisão sexual do trabalho atribuiu às mulheres a es- Além da supramencionada conformação, em razão de
fera reprodutiva e aos homens a esfera produtiva, o que levou serem responsáveis por tantas atividades, as mulheres buscam
a uma conguração assimétrica de funções na sociedade. Em trabalhos com jornadas exíveis, o que as leva a ocupar pos-
um primeiro momento, essa relação social restringiu a mul- tos informais ou com período parcial. A problemática torna-
her ao âmbito privado e, posteriormente, estabeleceu desvan- se ainda mais intensa a partir de um recorte de raça, tendo
tagens para o feminino ao se direcionar ao espaço público. em vista que “são as mulheres pretas ou pardas as que mais
Por conseguinte, o ingresso das mulheres no mercado de tra- exerceram ocupação por tempo parcial, alcançando 31,3%
balho não equilibrou as funções historicamente atribuídas. do total, enquanto 25,0% das mulheres brancas se ocuparam
Pelo contrário, reforçou as desvantagens entre os sexos, uma desta forma, em 2016”[340].
vez que a mulher passou a acumular as suas funções dos dois Além da esfera prossional, o sistema patriarcal tam-
ambientes. Destarte, ocorreu, na verdade, uma revolução in- bém é visível na educação dos indivíduos. Em se tratando
completa[336]. acerca do abandono escolar dos jovens entre 14 a 29 anos
O tempo econômico dos homens é sempre maior que no país, os motivos da desistência entre homens e mulheres
o das mulheres, pois não há uma compensação, para o público são muito divergentes. Para o público feminino, a gravi-
feminino, sobre as horas despendidas na dedicação às ativi- dez foi a razão para 23,8% delas. Ademais, 11,5% das mul-
dades domésticas e de reprodução social. Nesse sentido, so- heres deixaram a escola por causa das atividades domésticas,
mente ocorre uma adição do tempo econômico ao tempo de enquanto que apenas 0,7% dos homens abandonaram pelo
atividades privadas[337]. Essa conjuntura é percebida, até na mesmo motivo [341].
realidade atual brasileira, por meio de um estudo realizado A sociedade não se encontra dividida apenas entre ho-
pelo Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística, o qual de- mens que comandam e mulheres que são subordinadas. O
screvia que: “As mulheres dedicaram, em média, 21,3 horas patriarcado, como um sistema que impõe a subordinação da
por semana com afazeres domésticos e cuidado de pessoas mulher ao homem, também é atravessado por outras formas
em 2018, quase o dobro do que os homens gastaram com as de opressão, visualizadas no racismo e desigualdade de classe.
mesmas tarefas – 10,9 horas”[338]. Todavia, ainda que, por exemplo, em decorrência de
Ao articular as carreiras de reprodução social e sua situação econômica, uma mulher venha a dominar muitos
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homens, esta também poderá ser dominada, seja pelo seu pai,
seja pelo seu companheiro. Sendo assim, o machismo perpassa Certo é que o legislador constituinte, ao dispor que
por todas as classes sociais, assim como visita o território da “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer na-
discriminação racial [342]. tureza”[344] optou por estabelecer a isonomia em sua acepção
Apesar de homens e mulheres estarem sujeitos a sis- formal, de maneira a induzir um tratamento igualitário per-
temas de opressão, para a mulher, essa experiência é muito ante (e pela) lei. Outrossim, essa disposição restou insu-
mais árdua. Levando para a experiência prossional, muitas ciente, visto que não logrou equacionar verdadeiramente a
ainda recebem menos do que os homens, mesmo desem- igualdade entre todos os indivíduos.
penhando as mesmas funções; são submetidas a testes con- Neste contexto, observava-se uma boa teoria que, de
strangedores, a m de controlar sua vida reprodutiva; sofrem outro lado, não atingia o plano fático com as desigualdades
abusos sexuais em troca da permanência no emprego; além concretas que integram a vida social. Então, passou-se à busca
de enfrentar obstáculos no exercício da maternidade no seu pela igualdade material, que considerasse essas desigualdades
desenvolvimento prossional, principalmente na universi- e permitisse a adoção de soluções distintas para cada caso es-
dade. pecíco, de modo a realizar um nivelamento. Nas palavras de
A oposição entre o feminino e o masculino vem sendo Boaventura de Sousa Santos:
enfrentada, principalmente, pelos movimentos sociais fem-
“temos o direito a ser iguais quando a nossa
inistas, o que permitiu que cada vez mais as mulheres ocupas-
diferença nos inferioriza; e temos o dire-
sem espaços inicialmente restritos aos homens, seja no mer-
ito a ser diferentes quando a nossa igualdade
cado de trabalho, seja na vida pública.
nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma
Todavia, a maior presença das mulheres, em posições
igualdade que reconheça as diferenças e de
historicamente negadas, não traduz o rompimento com as es-
uma diferença que não produza, alimente ou
truturas patriarcais, que ainda impõe hierarquizações entre o
reproduza as desigualdades”.[345]
valor da atuação e do saber dos homens e das mulheres, assim
como ainda resiste em alterar a essência da divisão sexual do Posto isso, pode-se tratar da pluralidade de perspec-
trabalho [343]. tivas acerca da igualdade constitucional: formal, mater-
Ainda há um longo caminho de luta e de processos ial e material-dinâmica (ou militante). Esta última percebe
políticos para que as brasileiras, efetivamente, desfrutem de a isonomia como um objetivo a ser perseguido pelo Es-
sua essência feminina, ao tempo em que conquistam espa- tado e consiste na adoção de medidas (no mais das vezes,
ços de poder, assim como possam executar suas realizações políticas públicas) que efetivamente reduzam as desigual-
acadêmicas e prossionais. Pelo direito de sonhar e lutar, as dades fáticas.[346]
mulheres do Brasil resistem! Ainda, consta do inciso I do artigo 5º da Carta Magna
que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.
3 DA IGUALDADE SUBSTANCIAL: POSITIVAÇÃO APÓS A
Esse dispositivo resume décadas de lutas das mulheres contra
LUTA CONTRA A DISCRIMINAÇÃO DO SEXO FEMININO E
discriminações[347], já engloba a acepção de igualdade material
SUA APLICABILIDADE NO ÂMBITO DA UNIVERSIDADE
de direitos e só confere legitimidade às discriminações con-
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tidas na própria Constituição, como é o caso da aposentadoria desigualdade é mais acentuada na medida em que as univer-
feminina com menor tempo de contribuição. sidades não proporcionam um atendimento humanizado às
Trazendo ao plano fático, é sabido que às mulheres, mães estudantes e às estudantes que se tornam mães ao longo
desde sempre, foi imposto o serviço do lar, no mais das do curso.
vezes sem ajuda, acarretando dupla jornada e na maioria das Desde 1985 as mulheres vêm sendo maioria, não só
situações o enriquecimento masculino decorrente do tra- na universidade, mas em todos os níveis de ensino do país.
balho feminino não remunerado. São os reexos de uma socie- Por conseguinte, além das condições de acesso, devem ter
dade machista, que ainda vê a mulher como detentora exclu- melhores condições de permanência, especialmente no en-
siva da criação da prole e dos afazeres domésticos. sino superior.[351]
Em contrapartida, quando essas mulheres e mães re- Neste contexto, numa tentativa de proporcionar essa
solvem adentrar ao ambiente acadêmico e prossional, delas igualdade material entre homens e mulheres mães, a Lei nº
é exigido muito mais. Não basta estar aonde estão, seja 6.202/1975 estabeleceu que as estudantes grávidas poderiam
em alguma empresa ou dentro de uma universidade, exigem estudar pelo regime de exercícios domiciliares, instituído an-
delas que sejam: mulheres, mães, cuidadoras do lar e ainda as teriormente pelo artigo 2º do Decreto-lei nº 1.044/1969, a
melhores alunas, em todos os aspectos. partir do oitavo mês de gestação e durante três meses, o que
“A universidade, por sua vez, tem papel ponderoso e totaliza um período de 90 dias.
de extrema importância no percurso da busca pela ascensão No entanto, não se cria um bebê neste período. O pós-
pessoal e prossional da mulher, tornando-se um suporte para parto exige muito da mãe e da rede de apoio (quando existe).
alcance do objetivo”[348]. No entanto, a carreira acadêmica não Assim, deve-se também assegurar direitos à lactante, para a
é necessariamente menos competitiva ou mais amigável às preservação da integridade da mãe e do próprio infante, bem
mulheres.[349] como do vínculo de afeto proporcionado pela amamentação,
Parece simples, em teoria. No plano fático vários prob- quando do retorno às atividades educacionais de maneira
lemas são encontrados: falta (ou precariedade) de rede de presencial.
apoio; desestímulo da própria Universidade; discriminação Ainda, cumpre ressaltar que o leite materno é o ali-
por parte das empresas no momento da contratação, pelo mento exclusivo do infante durante os seis primeiros meses
puro e simples fato de ser mãe. Por este motivo, de vida, e que deveria ser contínuo até os dois anos ou mais, de
acordo com recomendações da Organização Mundial da Saúde
“a mulher, quando vivencia a maternidade (OMS).
muito jovem ou não planeja a gravidez, não Diante dessa situação, deve haver uma humanização
consegue administrar os compromissos ad- do ensino superior, das universidades públicas e privadas, para
vindos com a maternidade e limitam seus um ainda melhor acolhimento dessas estudantes. Ainda, há
sonhos e seus projetos de vida durante um mulheres que deixam de ingressar ou permanecer nas univer-
período, repercutindo, assim, na vida pessoal, sidades por ausência da rede de apoio, motivo pelo qual deve-
familiar, social e educacional.”[350] se dar atenção também a políticas de desenvolvimento de es-
trutura especializada para apoiar mães e lhos pequenos dur-
Tratando especialmente do âmbito universitário, essa
ante a graduação.
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A título de exemplo, nas Universidades Federais de Vi- Google Forms, no qual foram obtidas respostas de treze mães
çosa (UFV) e de Minas Gerais (UFMG), existe auxílio creche/ estudantes universitárias do município de Vitória da Con-
auxílio à educação pré escolar para estudantes de graduação quista, situado no estado da Bahia, tanto da rede pública
presencial que necessitem de apoio, para os seus lhos de 0 a quanto particular.
5 anos e 11 meses de idade. Ainda, há unidades de Educação Todas as mulheres já haviam passado pelo período
Infantil para apoio de estudantes e funcionários das Universi- gestacional e seus lhos já eram nascidos, porém tinham
dades.[352] vivenciado ou estavam vivenciando o aleitamento materno e
Claro que essas condições seriam o mais próximo do a função de ser mãe como condição de estudante.
ideal, mas sabe-se que não é, de pronto, possível. No entanto, Em sua totalidade, não tiveram a gravidez planejada e a
existem alternativas passíveis de amenizar essa ausência de grande maioria, antes da gestação, possuía apenas essa função
equidade entre estudantes homens e mulheres/mães no âm- e após continuaram sem trabalho fora de casa. A maior parte é
bito universitário, além daquelas que já existem (e não são casada ou vive em união estável com o pai da criança. Quando
inteiramente respeitadas). questionadas sobre a licença maternidade na modalidade ex-
Neste sentido, observou-se as políticas adotadas nas ercício domiciliar, cem por cento (100%) conseguiu obtê-la,
universidades públicas e privadas de Vitória da Conquista/ mas com inúmeras críticas.
BA (UESB, IFBA, Fainor e Fasa), bem como a opinião pessoal
de 13 mães graduandas e graduadas, que serão abordadas no 4.1 Rede de Apoio
próximo tópico.
A caminhada percorrida pela mulher durante a
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS gestação e após ela, exercendo o papel de mãe é árdua. Sim-
one de Beauvoir (1970) rediz que o cuidado doméstico é de
Do ponto de vista atual, a graduação é uma forma de responsabilidade quase total da mulher, dessa forma, uma
oportunidade e destaque no mercado de trabalho, entretanto, rede de apoio é imprescindível para a permanência da mulher
gestantes e mães passam por inúmeras opressões durante seu dentro das universidades.[353]
caminho percorrido dentro das Universidades. Ter com quem partilhar toda a carga física e também
Ademais, durante anos, as mulheres, através da divisão social oriunda do patriarcalismo sobre a gravidez e a materni-
sexual do trabalho, tiveram os afazeres domésticos e o cuid- dade possibilita a mãe ter um tempo reservado a seus afazeres
ado exclusivos dos lhos a elas impostas, portanto, além das pessoais, dentre eles, o estudo. Na entrevista fora constatado
atividades curriculares da graduação a gestante/mãe tem a que noventa por cento (90%) das entrevistadas possui rede de
árdua tarefa de conciliar todas essas funções. apoio e cem por cento (100%) acha indispensável para a con-
Não obstante, verica-se também uma negligência por tinuidade da graduação.
parte das Universidades que não oferecem o apoio e es-
trutura necessária a atender as demandas dessas mulheres, ‘’Durante todo o processo tive o apoio dos
como lugares para amamentar seus lhos. Levando em con- meus pais, irmão e um esposo que entendia
sideração as diculdades de estar e permanecer no ambiente que ele não me ajudava com meu lho, que
universitário, foi realizado um questionário na plataforma ele também tinha obrigação. Dessa forma
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“Tinha diculdade com a amamentação pois Diante do exposto, pode-se armar que o presente
a licença é curta e não tem espaço ad- artigo teve como foco percepção de estudantes gestantes,
equado para amamentar ou tirar leite caso ne- recém-mães e lactantes sobre o conjunto de políticas de as-
cessário” Mãe 11. sistência a estes grupos, dentro das Universidades/Faculdades
do município de Vitoria da Conquista/BA. Contudo, é notória
Também houve relatos sobre a falta de empatia por a insatisfação por parte das estudantes com as políticas exist-
parte dos outros discentes e docentes, que não estão prepara- entes.
dos para receber em sala de aula uma mãe que amamenta ou O direito à licença maternidade na modalidade exercí-
que já passou dessa fase e tem que levar seu lho para as aulas. cios domiciliares possui garantia legal e deve ser assegurado
para que se possa garantir a permanência dessas discentes,
“Criança chora, conversa, pois não se trata de
prezando sempre a busca pela equidade de direitos, principal-
um robô. As pessoas precisam de mais em-
mente relacionados a gênero.
patia e educação. A instituição deveria falar
Por m, são necessários novos estudos mais aprofun-
sobre e orientar” Mãe 5.
dados em relação as políticas públicas voltadas às gestantes e
Algumas elencaram sugestões do que poderia parturientes, a m de buscar melhorias que tragam satisfação
melhorar e a grande maioria se referia a locais adequados para as usuárias quanto a efetividade da assistência.
amamentação: Não obstante, é necessário que essas políticas públicas
sejam repensadas para tornar-se mais inclusivas para as dis-
“Disponibilizar espaço para amamentação e centes gestantes que precisem da licença para realizar as
exibilizar as aulas para quem amamenta.” atividades domiciliares, para as puérperas que necessitem da
Mãe 7. compreensão dos docentes, para as lactantes que precisem
de locais adequados para a amamentação e ainda para as dis-
‘‘Espaço para gestante, educação para profes- centes mães que possuem lhos pequenos e contam com uma
sor para que ele entenda a situação e os rede de apoio fragilizada ou inexistente, já que a elas também
demais colegas também. Além de adequar os deve ser assegurado o direito de ingresso e permanência na
espaços para amamentação e trocadores no universidade.
banheiro.” Mãe 5. Observar a equidade de gênero estampada na Consti-
tuição Federal é um dever de todos, principalmente dos que
A partir da análise do questionário, foi possível visu-
estão envoltos no meio educacional. Ao se dar melhores con-
alizar a hostilidade e as barreiras enfrentadas dentro dos es-
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liberdade de escolha da mulher. O projeto de lei tem entendi- entes, dependentes, criados ou até mesmo clientes.
mentos divergentes sobre o aspecto jurídico no que se refere a A função primordial das esposas dos aristocratas eram
apresentar pontos positivos e negativos, que serão discutidos ter lhos e cuidar da vida social, sem se preocuparem com
no decorrer do trabalho. a educação, já no que se referia ao lado emocional dos lhos
Será aplicado o método dedutivo, que terá cunho quali- eram criados entre vários adultos que moravam em todos jun-
tativo e explicativo. Otrabalho é caracterizado como sendo tos sem identicação parental e as experiências afetivas inde-
de pesquisa bibliográca, não sendo uma repetição do que já pendiam dos seus pais.
foi escrito, mas uma atualização com base no material já ex- Historicamente as mulheres e crianças eram tratadas
istente. Para tanto serão utilizados livros, artigos e a internet como seres inferiores. Acabava por não haver lugar pra uma
para abordar o tema em análise chegando a uma ideia inova- infância bem vivida, sendo desvalorizada e no período medi-
dora. eval essa fase essa era reduzida, se tornando adultos mais
Inicialmente trata-se da evolução histórica e jurídica cedo. Uma característica da idade média era o aprendizado
sobre a mulher, a maternidade e a infância, trazendo os princi- das crianças que não era vinculado à família, mas por afazeres
pais marcos jurídicos na legislação brasileira. Posteriormente realizados no meio de vários adultos. Com isso as crianças
é tratado especicamente sobre o projeto de Lei n.º 2747 de 11 eram tidas como instrumentos de manipulação ideológica e
de fevereiro de 2008, apresentado o principal objetivo e a base quando conseguiam independência física eram de imediatas
que sustenta a lei em si, e por m, as divergências acerca do inseridas no meio adulto.
projeto de lei e a possível colisão com direitos fundamentais. Com a evolução social e história e a partir da moderni-
Dessa forma, será abordado o confronto de ideias de dade que veio surgir uma valorização da infância, e uma pre-
alguns autores entre os que são favoráveis e os que são con- ocupação com a pedagogia, moral e o comportamento delas
trários, e comparados com outras leis previstas na legislação meio social. Nem todas as crianças vivem a infância pro-
brasileira. Fato é que independentemente de ser aprovado priamente dita com base no meio em que viveu, e nenhum
ou não o projeto de Lei, deve haver mais políticas públicas desenvolvimento da infância pode ser comparado com outro.
voltadas a proteção e a garantia dos direitos aos mais atingi- Em meados do século XVIII há uma percepção discrim-
dos e que mais sofrem que são as crianças. inatória na política das escolas, principalmente no que se ref-
ere as classes mais baixas que começavam a estudar de forma
1- A MULHER E A MATERNIDADE NO CONTEXTO HIS- tardia. Com o aumento das desigualdades em decorrência do
TÓRICO E JURÍDICO desenvolvimento crescente do capitalismo um dos principais
objetos que contribuíram para isso foi à mão de obra infantil.
O conceito de família, de mulher e de maternidade foi
No século XIX principalmente na época da Revolução
evoluindo conforme o contexto social, histórico, cultural e
Francesa se intensicou o problema das crianças abandonadas
políticos da época. Com base nisso, nos séculos XIV e XX tinha-
e da mão-de-obra infantil por ser considerada normal e cas-
se a ideia de que a família era uma construção social, portanto
ual além de baratas e por não terem controles de autoridades
afetada pelo espaço geográco em que se encontrava. Já por
competentes.
volta dos séculos XVI e XVII tinha a ideia de uma família ar-
Com a evolução política, social e econômica foram
istocrática em que era formada por várias pessoas, sejam par-
tendo preocupações e políticas públicas voltadas para a pro-
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teção da criança e para vivência da infância, sendo criadas leis, moral, espiritual e social, em condições de
e outros mecanismos de proteção tais como entidades priv- liberdade e de dignidade.
adas voltadas a tirar das ruas os menores considerados infra- Já no que se refere às mulheres principalmente a partir
tores. No Brasil, essa iniciativa se deu em 1942 com a criação do século XX foram marcados por grandes evoluções e al-
da SAM (Serviço de Assistência ao Menor) que tinham o objet- terações de valores no que se refere aos papeis sociais desem-
ivo de abrigarem os menores em conito com a lei, mas esse penhados pelos indivíduos. Hodiernamente, as mulheres
modelo sofreu fortes críticas e acabou sendo extinto em 1970, tem conseguido maior inserção social e relativamente uma
sendo que o assunto da infância passou para um plano mais situação de igualdade pelo menos se comparada nos espaços
político e social. Após 1980, passou a ter um impacto mais públicos.
forte e tendo carácter normativo internacional. Destarte, tem se notado um adiamento cada vez mais
Diante de todo o desenvolvimento foi criado o ECA comum da maternidade entre as mulheres, por vários mot-
(Estatuto da Criança e Adolescente) que tem como objetivo ivos, um deles em especial é a carreira prossional. Como se
estabelecer políticas públicas voltadas a crianças e adoles- houvesse um choque entre os melhores anos para o impulso
centes para que sejam reconhecidos como sujeitos de direi- da carreira prossional e dessa forma pudessem ascender cada
tos. Importante destacar o princípio da proteção integral a vez mais nessa fase e os melhores anos para a maternidade,
criança e ao adolescente que se encontra basicamente no art. e seguindo uma ideia de conito em que a criação dos lhos
6º da Constituição Federal de 1988[356], e no art. 1º e 3º do exige grande parte do tempo e poderia atrapalhar o exercício
Estatuto da Criança e do Adolescente[357], que assim dispõem e crescimento prossional acaba por muitas vezes a materni-
respectivamente: dade sendo adiada.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL: Art. 6º.São direi- Ainda há uma dualidade social, onde ao mesmo tempo,
tos sociais a educação, a saúde, a alimentação, em que a sociedade incentiva que as mulheres estudem e tra-
o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a balhem, por outro lado, ainda existe a cobrança de que a mu-
previdência social, a proteção à maternidade lher tenha projetos com a maternidade, ainda sendo muito
e à infância, a assistência aos desamparados, difícil a possibilidade de enxergar a mulher optando por es-
na forma desta Constituição. colher exclusivamente entre um ou outro.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLES- Existe uma sobrecarga diante das inúmeras tarefas real-
CENTE: Art. 1º. Esta lei dispõe sobre a pro- izadas pelas mulheres, sejam dos trabalhos fora de casa, com
teção integral à criança e ao adolescente. a maternidade e propriamente no lar e com tantas outras
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLES- atividades do dia-a-dia. E acaba por cada uma buscando uma
CENTE: Art. 3º. A criança e o adolescente solução individualizada seja por reduzir o número de lhos,
gozam de todos os direitos fundamentais in- adiar a maternidade, ou até mesmo fazer sua opção pela car-
erentes a pessoa humana, sem prejuízo da reira prossional desistindo de tantos projetos a exemplo da
proteção integral de que trata a lei, assegur- maternidade, ou o inverso.
ando-lhes, por lei ou por outros meios, todas Com o decorrer da história e a valorização da mater-
as oportunidades e facilidades, a m de lhes nidade, foram tendo várias discussões cienticas, losócas,
facultar o desenvolvimento físico, mental, políticas e religiosas de modo a cada vez mais a maternidade
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acordo com Antonio Augusto Cançado Trindade (2011)[364]: capaz e alguns “direitos” que podemos citar no decorrer da
história que era garantido pela lei seriam: descanso de apenas
O Direito dos Direitos Humanos não rege 30 dias antes e após o parto de acordo com o Decreto Federal
as relações entre iguais; opera precisamente n.º 16.300 de 21/12/23; descanso obrigatório das mulheres
em defesa dos ostensivamente mais fracos. gravidas de quatro semanas antes e após o parto, dentre outros
Nas relações entre desiguais, posiciona-se em regulamentos das mulheres que trabalhavam em estabeleci-
favor dos mais necessitados de proteção. Não mentos industriais e comerciais de acordo com o Decreto n.º
busca obter um equilíbrio abstrato entre as 21.417-A de 17/05/1932; A CF de 1934 que trazia as garantias
partes, mas remediar os efeitos do desequilí- de salário maternidade e de licença maternidade, mas que
brio e das disparidades. Não se nutre das bar- foi suprida pela CF de 1937 e que permitia que as mulheres
ganhas da reciprocidade, mas se inspira nas recebessem 10% a menos que os homens de acordo com a
considerações de ordre public em defesa de alteração feita pelo decreto-lei nº. 2548 de 1940; contudo
interesses superiores, da realização da justiça. surgiu a CLT, mas sem muitas novidades no que se referia as
É o direito de proteção dos mais fracos e garantias dos trabalhos das mulheres; A CF de 1946 trouxe al-
vulneráveis, cujos avanços em sua evolução guns direitos para as mulheres como isonomia salarial, salário
histórica se tem devido em grande parte à maternidade e tantos outros.
mobilização da sociedade civil contra todos Foi a partir da Constituição Federal de 1988 que as
os tipos de dominação, exclusão e repressão. desigualdades começaram a diminuir de fato, tanto no que se
Neste domínio de proteção, as normas refere às mulheres, como em relação às gestantes e a mater-
jurídicas são interpretadas e aplicadas tendo nidade, mas que ainda continua havendo discriminação. No
sempre presentes as necessidadesprementes texto constitucional são asseguradas as seguintes garantias
de proteção das supostas vítimas. para as gestantes:
Art. 7º, XVIII – Licença à gestante, sem
Com o desenvolvimento de políticas públicas voltadas
prejuízo do emprego e do salário, com a
para as mulheres, garantias de direitos humanos e fundamen-
duração de cento e vinte dias;
tais e diversos organismos internacionais foram criados várias
formas de defesa principalmente no que se refere ao trabalho e Art. 7º, XIX – licença-paternidade, nos termos
a maternidade, para garantir a dignidade da pessoa humana. xados em lei;
Foram surgindo várias formas de proteção a materni-
dade tanto no que se refere ao parto, a amamentação, a saúde, Art. 7º, XXV – assistência gratuita aos lhos e
ao convívio social e familiar e ao bem-estar tanto da mul- dependentes desde o nascimento até seis anos
her quanto do lho e proteções tanto internacionais quanto de idade em creches e pré-escolas;
nacionais. Uma das que se destacaram foi a OIT, que a sua pri-
meira convenção com o tema “Proteção à maternidade” foi Art. 201, da previdência social, II – proteção à
em 1919. maternidade, especialmente à gestante;
No código civil de 1916 a mulher era tida como in-
Art. 203, da assistência social, I – a proteção
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à família, à maternidade, à infância, à ado- 13.509, de 2017)”. A criança será encaminhada para a adoção
lescência e à velhice; como última opção, depois de ouvido seu genitor para saber
seu interesse sobre a guardar, se não houver interesse, a família
Art. 226 e 227 – proteção especial do Estado à extensa da criança será consultada, caso não seja encontrada
família, que é a base da sociedade; ou também não havendo interesse é que irá ser encaminhada
para o procedimento comum de adoção.
ADCT – art. 10, II, b) – veda a dispensa da emp-
O projeto de Lei n.º 2747 de 11 de fevereiro de 2008,
regada gestante, desde a conrmação da gravi-
de autoria do Instituto Brasileiro de Direitos da Família
dez até cinco meses após o parto;
(IBDFAM), apresentado o projeto de lei em comento, pelo
ADCT – art. 10, § 1º – xação da licença-pater- Deputado Federal Eduardo Valverde, ex-Deputado Federal de
nidade em cinco dias; Rondônia pelo PT (já falecido), se for aprovado o projeto de lei
irá permitir que a mulher que não pode ou não quer ter lho,
A partir da Constituição de 1988 foram se acrescen- seja atendida de forma gratuita durante toda gestação em hos-
tando outros direitos e formas de garantir a efetividade pital para acompanhar toda a gestação de forma a garantir sua
da igualdade e isonomia entre as mulheres principalmente saúde e da criança, visto que é um direito fundamental, mas
quando optarem pela maternidade. Portanto, já houve grande sem ter que fornecer os seus dados. O mencionado projeto de
evolução no que se refere à garantia dos direitos e liberdades lei tem a seguinte redação, in verbis:
individuais tanto das crianças e adolescentes, quanto no que
se refere à mulher e a maternidade, mas que ainda são ne- Cria mecanismos para coibir o abandono
cessários maiores politicas públicas para garantir o melhor materno e dispõe sobre o instituto do par-
exercício dos direitos fundamentais e que as mulheres possam toanônimo e dá outras providências.
exercer outros papeis sem necessariamente precisar renun- Art. 1° Esta Lei cria mecanismos para coibir
ciar a algo e tendo uma maior liberdade de escolha. e prevenir o abandono materno de crianças
recém nascidas, e instituí no Brasil o par-
2- PROJETO DE LEI DO PARTO ANÔNIMO toanônimo nos termos da presente lei.
Art. 2o Toda mulher, independente de classe,
O parto anônimo tem como objetivo primordial que a raça, etnia, idade e religião, será assegur-
mulher caso queira entregue seu lho logo após o parto sem ado as condições para a realização do “ par-
fornecer seus dados, evitando assim o abandono do recém- toanônimo”
nascido, o aborto feito de forma clandestina, protegendo a Parágrafo Único - Todas as unidades gestoras
criança e que seja garantido o acompanhamento durante toda do Sistema Único de Saúde, obrigam-se a criar
a gestação de forma gratuita. A entrega já é prevista no ECA (Es- um programa especíco com a nalidade de
tatuto da Criança e do adolescente no artigo 19-A, vejamos: “A garantir, em toda sua rede de serviços o acom-
gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu lho panhamento e a realização dopartoanônimo.
para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encamin- Art. 3o O Estado, através do sistema único de
hada à Justiça da Infância e da Juventude.(Incluído pela Lei n.º saúde, as instancias competentes do sistema
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a questões socioeconômicas. Outro ponto que tem causado fazendo com que a genitora deixe diretamente em local apro-
preocupação são os abortos clandestinos feitos sem os me- priado.
nores cuidados básicos ou condições sanitárias e ocasionando A proposta legislativa é orientar a mulher para que ela
doenças e até a morte das mulheres por não quererem ou não tenha todo o acompanhamento necessário para tomar a de-
terem condições de car com as crianças. cisão, sabendo que não haverá consequências jurídicas e que
O parto anônimo já era praticado desde a idade média não abandone a criança em situações de exposição e tragam
com a roda dos expostos, e atualmente já é aplicado em países risco a saúde e a vida.
como Alemanha, Japão e França, garantindo o anonimato das Em um primeiro momento, a impressão que se passa é
mães que querem entregar seus lhos para adoção. que a decisão mais prática seria a possibilidade de aborto, já
Em alguns países de língua germânica existe a possi- que aparentemente traria solução para as crianças abandon-
bilidade das “janelas camas” que além de salvar os bebes da adas e renegadas pela família. Mas atualmente grande parte
à opção as mães de não abortarem e nem abandonarem os dos abortos é feito de forma ilegal no qual gera prejuízos para
lhos e nem serem responsabilizadas, entregando de forma a mãe e para o feto por serem feitos sem as mínimas condições
anônima, sem qualquer responsabilidade judicial. Nesse caso de higiene e cuidados. No Brasil só se permite o aborto nos se-
a mulher/mãe terá sua identidade resguardada, podendo usar guintes casos previstos no Código Penal Brasileiro [366]:
um nome ctício sendo atendida de forma gratuita e com Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por
todas as condições necessárias até o parto. médico:
A mãe deverá autorizar a adoção, renunciando o poder I - se não há outro meio de salvar a vida da
familiar sem possibilidade de arrepender-se, o problema é que gestante;
a criança cará sem identidade até a adoção, principalmente II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto
no Brasil que temos um processo longo e democrático para é precedido de consentimento da gestante ou,
adoção, e a demora ocasionaria muitos prejuízos. quando incapaz, de seu representante legal.
É possível concluir que o projeto de lei tem como ob-
jetivo resguardar o direito a vida e a saúde da criança e da No Brasil ainda se encontra muita divergência no que se
mãe visto que são direitos humanos e fundamentais garanti- refere à possibilidade de aumentar os casos de aborto. Port-
dos na ordem interna e internacional, seja dando um acom- anto, ca claro que o projeto de lei com o seu proposito seria
panhamento à mãe durante toda a gestação e um nascimento o melhor para a situação em que o Brasil se encontra e até
digno a criança evitando ou que pelo menos se diminua os mesmo quando vier a se ter a possibilidade de aborto, mas que
casos de morte ou abandono em qualquer dos casos. Poderá se tenha maiores possibilidades de escolha das mulheres em
ser inseto de responsabilidade no caso do paragrafo único do decidires o que seria melhor, porque talvez determinada mãe
art. 10, do projeto de Lei n. 3220/2008, “também será isento não queria por algum motivo ter o lho mas também para ela
de responsabilidade criminal quem abandonar o lho em hos- abortar não seria a melhor solução, então o parto anônimo
pitais, postos de saúde ou unidades médicas, de modo que seria o ideal para o caso concreto.
a criança possa ser imediatamente encontrada”. Já que nesse Vale destacar que a justiça deverá criar um órgão re-
caso em especíco facilitaria o encontro da criança, mas o sponsável para que possa intervir quando a criança for
projeto de lei vem como reduzir ainda mais esses casos, deixada no hospital para que sejam tomadas as medidas
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cabíveis. É um projeto que deve ser implantado pelo governo possua, somente por ordem judicial ou em
e devidamente divulgado para que todos tenham conheci- caso de doença genética do lho”, art. 11). Ex-
mento, principalmente com campanhas de esclarecimento e iste, no entanto, uma diferença entre sigilo e
conscientização das mães a m de que possam entender como anonimato. No primeiro caso, existem pistas
funciona o parto anônimo e a adoção, além de tentar diminuir – informações a serem controladas ou mesmo
a gravides indesejada. escondidas, mas que encerram a possibilidade
Portanto, o projeto de lei tem como objetivo garantir eventual de consulta. No segundo caso, querse
direitos fundamentais como a vida, a saúde e a dignidade da apagar todo rastro dos vínculos implicados
pessoa humana, e merece destaque e que toda sociedade possa no nascimento, fazendo com que uma decisão
ser esclarecida do que de fato se trata o parto anônimo. no presente determine a falta de qualquer
outra opção no futuro. Críticos ao parto
3- COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS anônimo lembram reiteradamente de mães
biológicas – mesmo vítimas de estupro ou de
Existem alguns pontos positivos e negativos a serem
incesto – que, com o tempo, mudam de senti-
tratados no projeto de lei n.º 2747/08 do deputado federal Ed-
mento. Assim, a “rejeição” inicial é substi-
uardo Valverde (PT-RO) que tem causado debates, um deles é
tuída pelo desejo de ter informações ou até al-
que atinge alguns avanços ao processo de adoção como alega
gum contato com a criança doada. O anoni-
a Claudia Fonseca27, coordenadora do Núcleo de Antropolo-
mato total do processo criaria uma barreira
gia e Cidadania - professora do Programa de Pós-Graduação em
intransponível à possibilidade de mudança. 2
Antropologia Social da UFRGS[367]:
- O projeto de lei, ao sugerir que o parto
1 - Defende-se que o anonimato traria uma
anônimo seja administrado pelos hospitais,
inovação importante. Ora, conforme a legis-
enfermeiros e médicos, coloca uma enorme
lação em vigor, já existe a possibilidade da
responsabilidade justamente em uma cate-
mãe biológica gozar de sigilo total. De acordo
goria médica já sobrecarregada e com pou-
com o Estatuto da Criança e do Adolescente
quíssima experiência nesse assunto. É ver-
(1990), a criança adotiva é registrada no nome
dade que, até o início dos anos 80, os hospi-
de seus pais adotivos, sem nenhuma menção
tais, maternidades e casas de parto (muitas
do status adotivo. O registro original é can-
vezes de inspiração lantrópica ou 27 FON-
celado e arquivado pela autoridade judiciária.
SECA. Cláudia. O parto anônimo – uma me-
E só com autorização do juizado, mediante
dida na contramão da história. Disponível em
farta justicação, que é permitida a consulta a
http://prticasdejustiaediversidadecultur-
essa documentação. O novo projeto de lei
al.blogspot.com/2008/03/o-parto-annimo-
pouco difere dessa política, pois prevê a possi-
uma-medida-na-contramo.html. Acesso em
bilidade de quebrar o sigilo em circunstân-
15 setem 2008. 21 religiosa) eram o foco prin-
cias precisas (“A identidade dos pais
cipal do processo de adoção. Contudo, foi no
biológicos será revelada pelo Hospital, caso
esforço de prossionalizar essas práticas,
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assegurando uma equação equilibrada entre manterem consigo os lhos que geram, po-
os direitos de todos os envolvidos (criança, derá ser minimizado através da informação,
famílias de origem e pais adotivos) que a ad- orientação e defesa de seus direitos, inclu-
ministração da adoção foi gradativamente sive sociais; a garantia de atendimento pré
retirada dos hospitais e entregue nas mãos de e perinatal humanizado e de qualidade a
autoridades centrais do governo. Transferir todas as gestantes, que considere inclusive as
mais uma vez essa responsabilidade para os dimensões sociais, familiares, psicológicas e
hospitais arrisca deixar para trás décadas de afetivas da gestação, a cargo do Sistema único
reexão, abrindo a porta para a ascendência de Saúde, conforme já está previsto expressa-
de milhares de pequenos serviços, admin- mente no artigo 8º do Estatuto da Criança e do
istrados por pessoas que não têm nem ex- Adolescente; as dimensões culturais e o papel
periência, (nem, muitas vezes, o desejo) de li- do Estado no combate à exclusão social e de
dar com as situações complicadas envolvidas gênero, cabendo à Justiça da Infância e Juven-
na entrega de uma criança para adoção. tude acolher e decidir sobre o destino a ser
No mesmo sentido, segue o Comitê de Direitos Hu- dado às crianças que não puderem car com
manos das Nações Unidas em que declara que o projeto de suas famílias biológicas, conforme previsto
lei violaria o direito da criança de conhecer a sua origem no mesmo Estatuto.
biológica, ou seja, a sua identidade, seja por questões de saúde
ou psicológicas. Em contrapartida, também já e visto a exist- A identidade genética é um direito fundamental decor-
ência de pessoas que não tem acesso ao pai biológico porque rente do princípio da dignidade da pessoa humana, possibili-
suas mães tiveram acesso ao banco de esperma e não saberia tando assim reconhecer outros direitos que estão previstos
quem é o pai. fora do texto constitucional. Cabe uma ação especica que
A ABMP (Associação Brasileira de Magistrados e Pro- seria a ação de investigação de origem biológica, sendo um
motores de Justiça da Infância e da Juventude)[368], também en- direito personalíssimo do indivíduo ao conhecimento da sua
tende que ofende o direito da identidade, vejamos: origem biológica e da sua identidade pessoal.
5º – Diante de todas as considerações acima, No texto da Constituição Federal de 1988 no que se
a ABMP considera, em síntese, que a insti- refere à dignidade da pessoa humana, está no artigo 1.º, III e
tuição do parto anônimo ofende o direito à 227,caput; já a prevalência dos direitos humanos no artigo 4.º,
identidade enquanto atributo da dignidade II; além da vida, no artigo 5,caput.
de todo ser humano e não contribui em nada No que se refere aos direitos de personalidade que são
para a prevenção de episódios extremos ou irrenunciáveis e não podendo sofrer limitação, se encontra no
cruéis de abandono de recém-nascidos, além Código Civil Brasileiro em seu artigo 11.
de gerar graves retrocessos; por outro lado, Como lei especíca que busca proteger e garantir os
o eventual sofrimento psicológico ou moral direitos das crianças e adolescente, o ECA (Estatuto da Criança
de mulheres que não desejam ou não se con- e Adolescente) em seu artigo 27, conrma que o reconheci-
sideram capazes, por qualquer motivo, de mento do estado de liação é direito personalíssimo, indis-
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ponível e imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ampla exploração, na mídia nacional, de al-
ou seus herdeiros sem qualquer restrição e que respeita os seg- guns episódios pontuais ocorridos em certas
redos judiciais. regiões do país, nos últimos dois anos[369].
Também de forma especíca podemos citar a Resolução
nº. 1358/92 do Conselho Federal de Medicina, que trata Enquanto os que se posicionam a favor da lei ou da insti-
da possibilidade do fornecer as informações sobre o pai tucionalização do parto anônimo, como Rodrigo Freire (Presi-
biológico, seguindo alguns critérios tais como: requisição do dente do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família),
médico; situações especiais e sempre respeitando a identi- acredita que muitos dos abandonos estão ligados a situação
dade do doador. socioeconômicos das famílias, e que não acabariam, mas que
O reconhecimento da origem genética tem importância reduzia os abandonos trágicos, como em lixões, esgotos, ruas,
prática, tanto para tratamento de doenças curáveis através de e nos mais variados locais. Ou até mesmo que cometam
compatibilidade sanguínea, transplante de órgãos e tecidos, aborto trazendo prejuízos para criança em caso de dar errado
etc. Além disso, se somam aos impedimentos matrimoniais e podendo a vir a nascer com algum tipo de deciência, ou
pelos laços sanguíneos impedidos pela legislação brasileira. prejuízos para mãe podendo vir trazer risco a saúde e até a
Vários são os posicionamentos contrários acerca do morte por fazer em clínicas clandestinas e sem as condições
projeto de lei, mas o que predominam seria a possibilidade de necessárias para tal procedimento.
incentivarem o abandono de crianças, muitas vezes tendo por Portanto, é um tema ainda controverso principalmente
base a situação socioeconômica da família, afastaria o lho do no que se refere a sua efetividade, pois o parto anônimo tenta
convívio e da afetividade da família biológica. A ABMP (As- abarcar uma série de direito que contempla um viés tríplice
sociação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da entre a mulher/ mãe, a criança e o Estado. A mulher de ter
Infância e da Juventude), também não apoia o projeto de lei, sua liberdade de escolha e sua saúde garantida, e por não ser
seguindo o seguinte fundamento: responsabilidade em nenhuma das formas previstas em Dire-
O texto do anteprojeto e sua justicativa, ito pelo trâmite aqui estudado. Já a criança que terá os seus
disponíveis para consulta na homepage do direitos fundamentais garantidos como a vida, saúde e de não
IBDFAM, remetem ao medieval sistema da se abandonado, tendo assim uma vida digna. Por m, do Es-
roda dos expostos e baseiam-se na premissa tado de tentar evitar graves problemas sociais. Portanto, é um
de que o abandono de recém-nascidos é cres- avanço para o Estado Democrático de Direito já que torna uma
cente no Brasil - avaliando que a forma cruel opção a mais de escolha sem violar direitos fundamentais su-
com que os abandonos acontecem chocam periores.
a sociedade e demandam uma medida efe-
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
tiva pelo poder público -, mas não informam
O presente trabalho traz o estudo sobre a proposta de
dados estatísticos ociais e conáveis que
Lei n.º 2747 de 11 de fevereiro de 2008, que tem como objet-
comprovem cienticamente tais premissas,
ivo primordial a genitora entregar seu lho ao Estado sem ser
que, deste modo, não devem merecer status
identicada, podendo usar um nome ctício e tendo direito a
outro que não o de conjecturas, certamente
acompanhamento durante toda a gestação de forma gratuita.
resultantes do clamor público gerado pela
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rizado, desenvolvido através de pesquisa bibliográca sobre a nicas podem se dar de forma homóloga, quando é realizada
Reprodução humana assistida e o reconhecimento da liação. pelo material genético de ambos (marido e mulher) ou heteró-
Portanto, utilizar-se-á uma pesquisa descritiva, qualitativa loga, quando é utilizado o material do homem ou da mulher
e dedutiva, proporcionando ao leitor a compreensão do juntamente com de um terceiro estranho a relação conjugal.
fenômeno estudado. Quando é caso de reprodução humana assistida het-
Nos primórdios da Idade Média surgiu à reprodução hu- eróloga, principalmente, surgem inúmeros questionamentos
mana assistida com a primeira constatação se dando por meio ainda não solucionados no âmbito do direito brasileiro vi-
de inseminação articial homóloga, e somente no nal do sé- gente, já que não há abrangência na norma à reprodução hu-
culo XIX, a reprodução heteróloga logrou êxito. A partir de mana assistida e, consequentemente, as dúvidas suscitadas
1950, houve uma rápida propagação da inseminação articial; pela mesma. Como não há, até o presente momento, legislação
e especialmente no curso do século XX, o desenvolvimento foi no ordenamento legal que ampare a técnica reprodutiva de
ainda maior no surgimento e difusão das técnicas e métodos forma ampla e delimitada, com referência apenas de forma in-
conceptivos e reprodutivos, tornando-se uma realidade men- direta e por analogia nos dispositivos da Constituição Federal,
surável. do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Resolução de
Atualmente, é grande o número de pessoas que recorrem Medicina, que não aborda a questão de forma jurídica; a socie-
às técnicas de Reprodução Assistida por ano. Não se pode dade e os casos concretos vão exigindo um pronunciamento
deixar de mencionar a dialética de questionamentos abor- mais claro e especíco dos nossos tribunais, para a solução das
dados na sociedade, ocasionados por tais técnicas reprodu- demandas relacionadas a tal prática reprodutiva.
tivas em virtude de sua abordagem não estar enfatizada de Essa possibilidade de inovação da reprodução humana
forma ampla no ordenamento jurídico brasileiro, o que acaba surgiu em decorrência da busca de muitos casais de concreti-
acarretando polêmicas sobre o tema. zar o sonho de ter lhos, notadamente por parte do anseio das
Ela é uma técnica de reprodução da espécie humana que mulheres em ser mães. Além da possibilidade proporcionada
favorece a fecundação, através da intervenção do homem no pela reprodução humana assistida, que atua como um meio
processo de procriação natural, com o objetivo de possibili- de efetivação dos anseios de determinadas mulheres impos-
tar o combate aos problemas de infertilidade, satisfazendo, sibilitadas de procriar, por outro lado, foi um ápice para
assim, o desejo de se alcançar a maternidade. Sua atuação é grandes polêmicas e questionamentos na sociedade e no orde-
no auxílio de resolução de problemas de reprodução humana, namento jurídico brasileiro, constituindo-se numa revolução
sendo cabível, apenas, quando outro método terapêutico não biológica, ética e social, tendo em vista interferir no processo
tenha sido ecaz ou apropriado para se chegar à procriação. de reprodução humana natural e não ser um tema abordado
Logo, contempla a necessidade humana de casais que queiram de forma direta da legislação brasileira.
ter lhos, mas encontram-se impedidos por infertilidade ou Um dos debates que norteiam a questão da reprodução
problemas de saúde. humana assistida é o reconhecimento da liação. E esta pode
Dentre as técnicas atualmente disponíveis, enfatizam-se: ser entendida como o vínculo criado e existente entre pai/
inseminação articial, fertilização in vitro de transferência de mãe e lho, seja tal relação oriunda de pais biológicos (de
embriões, transferência intratubária de gametas oou óvulos, sangue) ou pais de criação (por afetividade), logo pode ser
bem como de zigotos e gestação por mãe substituta. Estas téc- denida tanto pelo aspecto biológico quanto pelo aspecto
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sócio-afetivo, levando-se em consideração sempre o melhor Rodrigues (2011, v.6, p.281) conceitua liação como: "é a
interesse da criança. Quando a maternidade sobrevém de relação de parentesco consanguineo, em primeiro grau e em linha
técnicas de reprodução permeiam certos questionamentos, reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram ou a receberam
como a possibilidade de reconhecimento do material como se a tivessem gerado."
genético da doadora, a necessidade de conhecimento e apro- Assim, percebe-se que, quando se fala em direito à
fundamento da descendência biológica da criança e sua ori- liação, segundo doutrina e jurisprudência, há a liação socio-
gem genética, com respaldo nos princípios da dignidade da afetiva e biológica. Naquela não se fala em laços biológicos
pessoa humana e do direito da personalidade, entre outros. que unem os pais ao menor, mas leva-se em consideração o
O reconhecimento da maternidade, a busca por sua des- querer externado de ser mãe e os deveres e as responsabi-
cendência, enseja outra indagação no que tange à possibi- lidades assumidas por esta, independentemente do vínculo
lidade de concessão do direito sucessório, hereditário para sanguíneo, decorrente da liação diante da criança ou adoles-
o lho que adveio de uma técnica reprodutora em face da cente.
doadora, mas como forma de não inviabilizar a reprodução O reconhecimento da liação é o meio legal da mãe
humana não é permitido, segundo orientação da Resolução do revelar o vínculo que a liga ao lho, outorgando-lhe o sta-
Conselho de Medicina. tus correspondente; tratando-se de um direito protegido pela
Trata-se de uma questão polêmica e atual, que desen- norma. Anteriormente ao surgimento das técnicas reprodu-
cadeia debates éticos e questionamentos jurídicos, acarre- tivas prevalecia o reconhecimento oriundo da consanguini-
tando situações que desaam o direito. Diante dessa celeuma dade, não havendo possibilidade do cabimento do elemento
jurídica, para que não aja afetação da RHA, face à discricion- "vontade" para se ter reconhecida a liação, tendo em vista
ariedade do juiz diante da omissão legal, vê-se pertinente a este elemento ser irrelevante. Ocorre que com o advento das
criação de uma norma que possa minuciar o tema e resguardar técnicas de reprodução humana assistida deu-se respaldo para
o interesse de mulheres que são inecazes para a reprodução, o reconhecimento da liação oriunda da vontade humana
da doadora, do menor e de sua necessidade de usufruir dos dir- de constituir vínculo familiar de parentalidade, aderindo-se,
eitos concedidos pelo ECA e CF. Como não há regulamentação assim, o vínculo afetivo.
legal, consequentemente, as demandas que forem surgindo A reprodução humana assistida heteróloga permeia-se na
vão ser acatadas ou não pela mera discricionariedade dos vontade dos que a buscam de concretizar o sonho de ter um
juízes, com aplicação de princípios e analogias com as normas lho, devendo esse anseio ter uma ponderação importante
vigentes. para o estabelecimento do vinculo de liação, cando, deste
Pode-se entender que liação é a ligação oriunda da modo, o fator biológico em segundo plano. Logo, quando este
relação de parentesco entre pais e lhos, que pode ser meio de reprodução humana é utilizado, enfatizam-se sempre
biológica, quando advém da relação dos pais biológicos ou outros elementos para se ter reconhecida a liação divergente
afetiva, na qual não há relação genética, mas há afetividade do elemento genético.
e congura-se a liação. Para Silvio de Salvo Venosa (2011, p. Entretanto, não se vislumbra uma generalidade abso-
276), o termo liação “exprime a relação entre o lho e seus pais, luta frente ao tema, visto que, em casos excepcionais, pode
aqueles que o geraram ou o adotaram”.[371] ser cabível a possibilidade de reconhecimento da liação
O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves[372] cita Silvio biológica quando o menor for oriundo da inseminação arti-
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cial, posto que não há norma especíca que aborde o tema. ade.”
E, além disso, cada caso concreto carrega em si uma peculi- Assim, pessoa está estritamente ligada ao direito da per-
aridade, mas, no modo geral, e protegendo o instituto da in- sonalidade, sendo um direito subjetivo, indisponível, irrenun-
seminação articial, buscam-se elementos outros que não o ciável, ilimitado, intransponível, absoluto e intransmissível.
genético para se reconhecer a liação. O direito brasileiro agrega ao seu ordenamento o direito da
Conforme já preceituado a reprodução assistida heteró- personalidade como um direito fundamental, que se destina,
loga é uma técnica de reprodução humana na qual se utiliza basicamente, a resguardar a dignidade humana, oriundo da
material genético de terceiro estranho ao casal, desde que sua própria existência, sendo preceituado no artigo 1º, in-
haja comprovação que um dos parceiros seja infértil ou esteja ciso III da Carta Magna. Sobre isto, arma Elpídio Donizetti;
impossibilitado de procriar, bem como quando ambos não Felipe Quintella: (2013, p. 908)[375]: “No ordenamento jurídico
possam satisfazer o anseio da maternidade e buscam a téc- brasileiro, os direitos da personalidade estão tutelados no ar-
nica reprodutiva para gerar lhos, sendo utilizado o material tigo1º, inciso III da CF, como cláusula geral dos direitos da per-
genético totalmente de terceiros estranho ao casal. sonalidade, o qual dispõe sobre o principio da dignidade da
[...] reprodução medicamente assistida é util- pessoa humana.”
izada em substituição à concepção natural, Ademais, o direito à intimidade também é um direito
quando houver diculdade ou impossibili- fundamental consubstanciado no artigo 5º, inciso X da Con-
dade de um ou de ambos de gerar. São téc- stituição Federal, tratando-se de um direito inviolável. Rela-
nicas de interferência no processo natural, dai tando sobre o direito à intimidade, Pablo Stolze Gagliano e Ro-
o nome de reprodução assistida. (Dias, 2011, dolfo Pamplona Filho [376] (2010, p.187) declaram que:
p. 366).[373] O elemento fundamental do direito à intimi-
dade, manifestação primordial do direito à
No que se refere à investigação da maternidade decor- vida privada, é a exigibilidade de respeito
rente da reprodução humana assistida, é pertinente auferir ao isolamento de cada ser humano, que não
a distinção entre o direito da personalidade da criança e o pretende que certos aspectos de sua vida
direito à intimidade da doadora, já que com a investigação cheguem ao conhecimento de terceiros. Em
da maternidade irá haver uma colisão dos princípios acima outras palavras, é o direito de estar só.
referidos, sendo necessária uma ponderação e cautela na
solução desse impasse. Este direito consiste na proibição de qualquer forma de
Não há como falar em direito da personalidade sem fazer divulgação dos dados pessoais sem a devida autorização. E
menção à pessoa, até porque pessoa está estritamente ligada à não poderia haver entendimento diverso nos casos de Re-
personalidade, tendo sua identidade como seu próprio valor, produção Humana Assistida, nos quais a doadora de material
daí fazer-se necessário um direito da personalidade para res- genético tem o direito de manter em sigilo a sua identidade,
guardar tais valores. Maria Helena Diniz (2010, p. 512)[374] preservando, assim, sua intimidade.
arma que “Deveras, sendo a pessoa natural ou jurídica sujeito Com o crescimento acelerado da reprodução assistida
de relações jurídicas e a personalidade, a possibilidade de ser heteróloga vários questionamentos foram surgindo em vir-
sujeito, conclui-se que toda pessoa é dotada de personalid- tude da lacuna legal referente ao tema, fazendo-se im-
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nidade e no direito sucessório. amor. Com o reconhecimento da liação afetiva o lho aufere
O direito à maternidade advém com o reconhecimento o direito da maternidade juntamente com todos os seus
da liação, que pode se dá de forma biológica ou socioafe- direitos; e no mesmo sentido a mãe assume todos os de-
tiva, que irá acarretar todas as obrigações e deveres perante veres e obrigações perante o lho juridicamente reconhecido;
a criança assumidos pelos seus pais. Logo, consequentemente não podendo haver qualquer discriminação frente aos lhos
ao reconhecimento da liação e ao direito da materni- biológicos.
dade, ter-se-á o direito adquirido de ser reconhecido como É cediço armar que um dos direitos adquiridos com a
herdeiro; assumindo, assim, a garantia de cabimento do dire- maternidade é o direito sucessório, e o lho proveniente das
ito sucessório. técnicas de Reprodução Humana Assistida heteróloga tam-
Já o direito da sucessão é oriundo das normas que gerem bém perfazem as mesmas garantias. Assim dispõe o artigo
a transmissão do patrimônio do falecido a seus sucessores 1834 do Código Civil [382]: “os descendentes da mesma classe têm os
em detrimento da sua morte, ou seja, é aquele proveniente mesmo direitos à sucessão de seus descendentes".
da relação de maternidade, na qual o lho com o reconheci- O alicerce da igualdade dos lhos, tutelado pelas normas,
mento da liação tem a garantia de ter viabilizado o dir- garante ao lho socioafetivo, além de tantos outros direitos,
eito hereditário e sucessório. No que se refere ao direito que o mesmo participe da vocação hereditária, tendo, assim, o
sucessório, Maria Helena Diniz [381] (2010, v.6 p, 11) arma: direito de suceder a mãe afetiva.
Juridicamente o termo sucessão indica o fato Assim, os lhos oriundos das técnicas de reprodução
de uma pessoa inserir-se na titularidade de humana assistida heteróloga que tem reconhecida a liação
uma relação jurídica que lhe advém de outra socioafetiva e a prerrogativa do direito da maternidade levam
pessoa. A ideia de sucessão gira em torno consigo também a garantia do direito sucessório, sendo con-
da permanência de uma relação jurídica, que siderados herdeiros necessários conforme a dicção do artigo
subsiste apesar da mudança dos respectivos 1845 do Código Civil, ou seja, o lho procriado por meio das
titulares. técnicas de reprodução humana tem a garantia da equidade
Deste modo, é pertinente armar que um dos funda- com os demais lhos, sendo igualmente considerado descend-
mentos da sucessão é a exigência da continuidade de todo ser ente de seus genitores.
humano, já que não seria viável que tudo se extinguisse com o Deste modo, entende-se que quando diante de re-
seu falecimento; além disso, alinha o direito de família ao dir- produção assistida heteróloga, em que houver o assentimento
eito de propriedade, sendo um fator de proteção e de continu- do pai (cônjuge ou companheiro) permitindo a utilização
idade da família para aqueles membros que continuam vivos. das técnicas reprodutoras em sua esposa, após a realização do
O Direito Sucessório tem por fundamento o direito de propri- procedimento, não poderá contestar sua maternidade, pois a
edade e a função social (art. 5º, XXII e XXIII, da CF/1988), além partir do momento que assumiu a maternidade da criança
da dignidade da pessoa humana. com que não possuía vínculo genético, não lhe é permitido
O direito da maternidade na liação afetiva é rmado eximir-se de sua responsabilidade, salvo se comprovar vício
pelo afeto, como o próprio nome assevera, o material de vontade por meio de coação, erro ou lesão. Neste sentido,
genético é divergente, mas se tem o reconhecimento da preceitua Paulo Luiz Netto Lôbo (2004, p. 213)[383]:
maternidade pelo vínculo criado de afeto, de carinho e de Por linhas invertidas, a tutela legal desse tipo
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equidade e no sendo de justiça, e, com efeito, o de maternidade; sem deixar de mencionar o aspecto negativo
princípio do melhor interesse da criança. da existência do vínculo afetivo entre a doadora e a criança,
que isso poderia gerar.
A Resolução do Conselho de Medicina[386] preceitua em Não obstante o direito do anonimato tenha uma forte
seu artigo 2º e 3º do item IV que deve ser garantido o anoni- justicativa para prevalecer, não se pode deixar de rmar que
mato da doadora, bem como dos que irão receber a natureza o lho procriado tenha reconhecida a sua liação biológica,
genética. já que sua identidade é um direito fundamental amparado na
O referido sigilo da doadora de óvulos é justicável, norma maior. Logo, verica-se que é pleno o direito ao con-
tendo em vista que com a técnica de reprodução humana as- hecimento de sua paternidade biológica, ou seja, sua inves-
sistida busca inserir o lho em uma família que possui mater- tigação genética, que em nada alterará o vínculo à materni-
ial genético divergente do seu, e a quebra do anonimato com dade já reconhecida.
a descoberta da identidade da doadora, poderia gerar discrim- Portanto, a doadora do óvulo não tem obrigações per-
inações e turbulências psicológicas no convívio na criança em ante o lho procriado pela técnica de reprodução humana
sua família afetiva. Assim, relata Guilherme Calmon Nogueira assistida heteróloga, ainda que ela seja conhecida pelo lho
da Gama (2003, p. 903)[387]: biológico através do conhecimento da identidade genética,
O anonimato dos pais naturais - na adoção ou seja, os deveres e obrigações da mãe, tais como questões
e na pessoa do doador- na reprodução as- sucessórias e alimentícias somente podem ser tratadas per-
sistida heteróloga se mostram também ne- ante a mãe socioafetiva, conforme permitido em lei, e não per-
cessários para permitir à plena e total inte- ante a biológica.
gração da criança na família jurídica. Assim, Mesmo sendo o direito do anonimato indispensável à
os princípios do sigilo e do processo (judicial doadora do material genético como uma forma de tutela da
ou médico) e do anonimato do doador tem reprodução assistida, e que quando ratica o contrato ela cede
como nalidades essenciais a tutela e a pro- sua maternidade, bem como os direitos e deveres a ela in-
moção do melhor interesse da criança ou ado- erentes; não se pode deixar de mencionar que o Estatuto da
lescente, impedindo qualquer tratamento Criança e do Adolescente assegura o direito à investigação da
odioso no sentido da descriminação e estigma maternidade a qualquer tempo.
relativamente à pessoa adotada ou fruto da Assim, a norma defende que o lho procriado pode bus-
procriação assistida heteróloga. car a investigação da maternidade perante a mãe biológica
para ns de reconhecimento genético, ainda que isto vá de en-
Deste modo, não se pode deixar de constatar que o an-
contro ao princípio do anonimato e ao contrato rmado entre
onimato da doadora é uma opção benéca para ambos, já que
os pais afetivos e a doadora do óvulo, tendo em vista a pon-
com a possibilidade de investigação da mãe biológica a prob-
deração dos princípios com a prevalência do melhor interesse
abilidade de cessação da técnica reprodutora é imensa, já que
da criança frente ao anonimato da doadora. Welter (2003, on-
com isso as doadoras não se sentirão seguras em doar seu
line)[388] fundamenta nesta linha:
material genético sabendo que poderão, posteriormente, ser
Não importa se a reprodução é natural ou
acionadas judicialmente por investigação e reconhecimento
medicamente assistida. Em qualquer caso, os
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
lhos e os pais possuem o direito de investigar dade de se considerar primordialmente o interesse maior da
e, até mesmo, negar a paternidade biológica, criança, impondo-se a predominância do interesse do lho e
como parte integrante de seus direitos de ci- a ponderação da convivência familiar, constitutiva do estado
dadania e dignidade da pessoa humana. Em de liação.
caso de interesse do lho o anonimato deveria Verica-se que a investigação de maternidade pelo lho
ser desocultado, uma vez que não participou nascido da reprodução humana assistida e todas as suas
do acordo entre os doadores e os receptores. decorrências não resta impossibilitada, já que há a possibi-
lidade de se fazer uma comparação analógica com a norma
Se tal regra vale para aplicação dos lhos por adoção vigente para que possa haver o consentimento destas so-
e para reconhecimento por parte dos pais afetivos, também licitações.
caberia aplicá-la por analogia para a doadora em casos ex- A reprodução humana assistida foi um grande avanço
tremos, quando se conrmasse judicialmente uma precisão tecnológico que ocasionou grandes questionamentos e im-
intensa desse reconhecimento da maternidade com ns de plicações éticas jurídicas na sociedade, sendo perceptível que
obrigações maternas de direitos e deveres, bem como uma o crescimento acelerado dessas novas técnicas de reprodução
garantia sucessória. não evoluíram na mesma proporção da norma legal. E mesmo
Podendo, inclusive, se utilizar por analogia da dicção do diante de tantas implicações ainda não há lei especíca
artigo 227, §6º da Constituição Federal, o qual arma que há que aborde o tema, estando às dúvidas e questionamentos
igualdade entre os lhos, havidos ou não da relação de casa- sendo resolvidos por uma análise hermenêutica associada aos
mento. Assim, independentemente da ascendência do lho, princípios constitucionais.
este poderá indagar sua maternidade sem qualquer restrição. A vista disso se torna imprescindível à criação de uma
De igual modo, é o preceito do artigo 27 do Estatuto da norma especíca sobre a reprodução humana assistida, posto
Criança e do Adolescente, que trata do direito personalíssimo que situações relativas à constituição de família, à laços
ao reconhecimento da liação sem restrição. de parentesco, à herança recebem inuência da reprodução
Diante do posicionamento legislativo e da lacuna legal, o humana assistida, e somente uma norma direcionada ao as-
magistrado, ao dirimir questões colidentes na determinação sunto de forma minuciosa pode regulamentar tais situações
da maternidade, deve buscar, acima de qualquer aspecto e para solucionar as questões já existentes, evitar decisões con-
circunstâncias o bem-estar do lho gerado através das téc- trárias e por mera liberalidade do uso da discricionariedade
nicas de reprodução humana. Assim, percebe-se que diante da na interpretação hermenêutica dos princípios, da própria
omissão legal, ca a mercê do julgador utilizar a legislação vi- Constituição Federal e das demais leis.
gente a favor ou não da doadora, desde que não inviabilize a Diante dessa celeuma jurídica, para que não aja afetação
Reprodução Humana Assistida Heteróloga. Todavia, em casos da reprodução humana assistida, face à discricionariedade do
excepcionais, visando o interesse do menor, não há óbice para juiz diante da omissão legal, vê-se pertinente a criação de
que o juiz reconheça a maternidade e os direitos sucessórios, uma norma que possa minuciar o tema e resguardar o inter-
fundamentando pela analogia da norma e dos princípios. esse das pessoas que estão impossibilitadas de reproduzir,
É pertinente salientar que a Constituição Federal e o Es- dos doadores, do menor juntamente com sua necessidade de
tatuto da Criança e do Adolescente, aplicam a obrigatorie- usufruir dos direitos concedidos pelo Estatuto da Criança e
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
do Adolescente e Constituição Federal. Como não há regula- planejamento familiar, principalmente daqueles que estão
mentação legal, consequentemente, as demandas que forem impossibilitados de procriar. No entanto, apenas menciona
surgindo vão ser acatadas ou não pela mera discricionarie- que referidas técnicas são permitidas e oferecidas, sem haver
dade dos juízes, com aplicação analógica dos princípios e das qualquer menção legal que regulamente devidamente e ex-
normas vigentes. pressamente as técnicas reprodutoras e como seriam resolvi-
No ordenamento jurídico brasileiro há uma vaga menção dos os problemas pertinentes a elas em cada caso concreto.
ao uso das técnicas de reprodução humana assistida, não hav-
endo nenhuma norma que abranja este tema de forma especí-
ca, o que, consequentemente, proporciona que a justiça de-
cida cada caso concreto, tão somente, através da jurisprudên-
cia e da analogia com os princípios e com as normas vigentes.
Assim, pode-se armar que a técnica de reprodução
humana assistida está regulamentada na Resolução nº
1957/2010 do Conselho Federal de Medicina, bem como, de
forma genérica, no Código Civil de 2002, em vigência.
Ao tratar da reprodução heteróloga, o Código Civil em
seu artigo 1.597 admite a liação mediante inseminação arti-
cial, desde que tenha havido prévia autorização do marido
da mãe ou vice versa, presumindo-se, assim, pai e mãe aqueles
que consentirem em ter o lho através desta técnica repro-
dutora. Todavia, verica-se ser uma menção bem supercial
sobre a questão, tendo em vista todos os demais questiona-
mentos e possibilidades ocasionadas pelo uso desta técnica.
O nosso ordenamento jurídico é muito vago frente às
técnicas de reprodução humana assistida, somente em três
situações a norma brasileira prevê a possibilidade de inves-
tigação de maternidade por parte da criança procriada, quais
sejam: por necessidade psicológica, em conhecer a sua ori-
gem genética; para assegurar os impedimentos do casamento
e da União Estável; e, por m, para preservar a saúde e a
vida dos pais e do lho, em caso de grave doença genética. A
Lei 9.263/96[389], em seu artigo 9°, faz uma menção à possi-
bilidade do uso da técnica de reprodução humana assistida,
todavia, também, não esmiuça o tema de forma devida.
Por meio deste artigo, percebe-se que as técnicas
reprodutoras são oferecidas como forma de garantia do
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MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
texto que igualava os direitos jurídicos entre homens e mu- A Assembleia Geral […] Preocupada porque a
lheres, onde a autora questionava os ideais iluministas pela violência em que vivem muitas mulheres na
sua exclusão. Em virtude de seu conteúdo pioneiro o texto América, sem distinção de raça, classe, reli-
foi negado e sua autora condenada à morte por meio da guil- gião, idade ou qualquer outra condição, é uma
hotina. Nesse sentido, para Ana Maria Colling comenta: situação generalizada; […] Convencida da ne-
Sua declaração transforma-se no primeiro cessidade de dotar o sistema interamericano
manifesto público em favor dos direi- de um instrumento internacional que con-
tos da mulher. No contexto dramático da tribua para solucionar o problema da violên-
Revolução Francesa, por causa da sua crítica cia contra a mulher; […].[396]
pública aos valores patriarcais e à violên-
cia do poder jacobino, ela foi guilhotin- Além desta conquista pela visibilidade dos abusos sof-
ada em 1793. Segundo os revolucionários ridos por mulheres no mundo todo, ainda naquele mesmo ano
franceses, Olympe seria guilhotinada por dois ocorreu a Conferência Internacional da ONU sobre População
“pecados”: querer ser um homem de estado e e Desenvolvimento no Cairo. Conferência que consagrou os
trair a natureza de seu sexo.[393] direitos sexuais e reprodutivos, dessa forma reconhecendo a
liberdade e da mulher sobre seu corpo em decisões referentes
Na busca de seus direitos, nas últimas décadas do século aos denidos no capítulo VII, da Plataforma de Ação do Cairo
XIX, as mulheres passam a lutar por meio de manifestações, como:
com greves de fome pelo direito ao voto, sendo esse movim- Os direitos reprodutivos abrangem certos
ento reconhecido como a primeira onda feminista, que per- direitos humanos já reconhecidos em leis
durou até 1930 quando os movimentos perderam força até as- nacionais, em documentos internacionais
cender novamente na década de 60[394]. sobre direitos humanos, em outros documen-
Em 1948 após os horrores da Segunda Guerra mundial, tos consensuais. Esses direitos se ancoram no
ocorre a criação da Declaração Universal dos Direitos Hu- reconhecimento do direito básico de todo
manos. Esta foi um grande marco na expansão, na efetivação casal e de todo indivíduo de decidir livre e
de direitos fundamentais, uma vez que nela esses direitos responsavelmente sobre o número, o espaça-
foram universalizados aos Estados além de estabelecido sua mento e a oportunidade de ter lhos e de
estrutura de tratado internacional que obriga os países mem- ter a informação e os meios de assim o fazer,
bros das Nações Unidas a seguirem as diretrizes estabelecidas e o direito de gozar do mais elevado padrão
pela declaração. de saúde sexual e reprodutiva. Inclui tam-
Entretanto, apesar da inclusão da igualdade de gênero bém seu direito de tomar decisões sobre a re-
em 1948, foi somente após décadas de lutas que foi reconhe- produção, livre de discriminação, coerção ou
cida internacionalmente a necessidade do combate a violên- violência.[397]
cia contra as mulheres pela Convenção Interamericana[395] Como pode ser observado, apesar da igualdade de gên-
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de ero estar estabelecida em 1948. Essa foi somente o começo
1994, em seu preambulo ela reconhece: da batalha das mulheres em busca da visibilidade de seus dir-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
eitos e pela efetivação da igualdade prometida na Declaração igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
de Direitos Humanos, uma batalha contínua travada diaria- recuperação.”
mente por todas as mulheres ao redor do mundo. Nesse sentido, o Código de Ética Médica, legislação
especial de competência do Conselho Federal de Medicina
3. DO DIREITO À SAÚDE EM FACE DA VIOLÊNCIA OB- (CFM), estabelece uma série de obrigações às quais os médicos
STÉTRICA devem estar submetidos para o melhor exercício prossional.
Os serviços de saúde em geral são entendidos como es- Dessa forma, o artigo 1º do supracitado Código de Ética Mé-
senciais à existência humana, e o exercício da Medicina, ao dica, abaixo transcrito, veta condutas que venham caracteri-
tempo em que se reveste de inquestionável importância so- zar imperícia, imprudência, negligência:
cial, encerra para si responsabilidades relativas e absolutas, Art. 1º. É vedado ao médico causar dano ao
mesmo quando não envolvem situações de urgência. paciente, por ação ou omissão, caracterizável
Assim, os médicos e as instituições de saúde fazem como imperícia, imprudência ou negligência.
parte do rol de atividades essenciais prestados por humanos Parágrafo único. A responsabilidade médica é
para atender às necessidades primeiras de outros humanos, sempre pessoal e não pode ser presumida.[399]
envolvendo compromissos ético-prossionais e direitos dos
pacientes. Nest e c o nt ex t o, ob serva-se a prox imidade l it eral
Portanto, desde a Antiguidade, o exercício da Medicina do art igo 1º do Código de Ética Médica com o artigo 159 do
se reveste de deveres peculiares à prossão dos quais os mé- Código Civil Brasileiro de 1916 e, ato contínuo, com os artigos
dicos não podem se afastar, sob pena de serem responsabili- 927 e 186 do Código Civil Brasileiro de 2002, abaixo transcri-
zados por possíveis danos causados ao paciente. dessa forma, tos, do que se pode depreender, para o Direito Civil, a natureza
ainda sob a égide do Código de Hamurabi (1790 – 1770 a.C.), necessariamente culposa de suposto erro médico. Note-se,
os atos médicos que se afastavam dos preceitos de perí- todavia, que, em ambos os casos, não há menção ao contexto
cia, atenção e cuidado eram tidos como incorretos, já sendo em que o ato médico é executado, cando tal decisão para a in-
passíveis de reparação ou punição. terpretação de juízo subjetivo.
Atualmente, o entendimento acerca da saúde está ne-
cessariamente inserido no modelo sócio-político adotado Art igo 159 do Có digo Civ il de 1916:
pelo país em 1988, com a promulgação da Constituição Ci- “Aq uel e q ue, po r ação o u o missão vol-
dadã, que fez emergir no Brasil o ideal de Bem-Estar Social, unt ária, negl igênc ia, o u imprudênc ia,
conceito este desenvolvido na Europa após a Segunda Grande v iol ar direit o, o u causar prejuíz o a o u-
Guerra e incorporado à nossa realidade social de então, do t rem, fica ob rigado a reparar o dano. [400]
qual surgiu o SUS e a necessidade premente de se proteger
Art igo 927 do Có digo Civ il de 2002:
a vida humana de todas as formas de perigo, o que se en-
“Aq uel e q ue, po r at o il íc it o (art s. 186 e
contra estabelecido no artigo 196 da Constituição Federal [398]:
187), causar dano a o ut rem, fica ob rig-
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
ado a repara-l o” (BRASIL , 2002).
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e Art igo 186 do Có digo Civ il de 2002:
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“Aq uel e que, por ação ou omissão voluntária, de Saúde (OMS), qual utilizou como base de pesquisa 34 países
negligência ou imprudência, violar direito e de diferentes regiões do mundo a m de averiguar as experiên-
causar dano a outrem, ainda que exclusiva- cias das mulheres durante a gravidez e o parto. Esta pesquisa
mente moral, comete ato ilícito. [401] deu visibilidade aos abusos ocorridos durante esse período
de fragilidade da mulher levando a Organização Mundial da
Presume-se, assim, que o médico tem o dever de sempre Saúde a criação de uma declaração, na qual lista medidas de
agir com diligência, perícia, atenção e máximo cuidado no prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos
exercício da sua prossão, postura essa exigível em toda e durante o parto em instituições de saúde.[403]
qualquer situação, seja no exercício da Medicina no âmbito Esses abusos não ocorrem somente por meio de pa-
privado ou na esfera pública de prestação de serviços de saúde, lavras ou ações violentas contra as gestantes. Muitos deles
não cabendo, ao médico, em sua defesa, a possibilidade de ocorrem acobertados através de intervenções médicas desne-
alegar insuciência de insumos como elemento de desculpa cessárias durante o parto, se desfrutando da conveniência do
por ato antiético ou civilmente ilícito, cando este elemento desconhecimento dessas mulheres para a prática de cirurgias
à interpretação do juízo competente. dolorosas e indevidas. Essas práticas podem ser claramente
No entanto, apesar da previsão constitucional do dever constatadas no aumento da realização de operações cesárias
Estatal da proteção à saúde de seus cidadãos e as obrigações no Brasil, procedimento que é preferência entre os médicos
impostas nos prestadores de serviços da área da saúde, muitas devido à comodidade e à rapidez do procedimento quando em
mulheres sofrem com a violência institucionalizada dentro comparação com o parto normal. De acordo com Zanardo Cal-
do sistema de saúde brasileiro, sendo submetidas à inter- derón Nadal Habigzang:
venções danosas a sua integridade física e psicológica, carac- [...]o Brasil, segundo informações do Depar-
terizando assim a violência obstétrica. De acordo com dados tamento de Informática do Sistema Único
da Fundação Perseu Abramo de 2010, uma em cada quatro de Saúde – DATASUS, de 2015, os partos
mulheres é vítima de alguma violência durante o parto. Essa hospitalares representam 98,08% dos partos
violência durante o procedimento clínico pode ser denida realizados na rede de saúde e, entre os anos de
como: 2007 e 2011, houve um aumento de 46,56%
para 53,88% de partos cesáreas. Dados divul-
[...] qualquer ato ou intervenção direcionado à
gados pelo Ministério da Saúde (2015) mos-
mulher grávida, parturiente ou puérpera (que
tram que a taxa de operação cesariana chega
deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, prat-
a 56% na população geral, sendo que esses
icado sem o consentimento explícito e infor-
números variam entre o atendimento nos sis-
mado da mulher e/ou em desrespeito à sua
temas público e privado de saúde, que apre-
autonomia, integridade física e mental, aos
sentam uma ocorrência de aproximadamente
seus sentimentos, opções e preferências.[402]
40% e 85%, respectivamente. Esse cenário
Esses abusos praticados pelos agentes de saúde foram é considerado alarmante quando se leva em
foco de pesquisa realizada em 2014 pela Organização Mundial conta que a recomendação da Organização
Mundial da Saúde – OMS (World Health Or-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
ganization, 1996a) é de uma taxa de cesáreas o adequado exercício ético-prossional, provocando, muitas
que varie entre 10 a 15%. Essa recomendação vezes, responsabilizações cíveis ou criminais.
está baseada em estudos que apontam que
uma taxa maior que 15% não representa 4. DA RESPONSABILIDADE DO MÉDICO
redução na mortalidade materna e tampouco Como falando no capítulo anterior, o dano causado
melhores desfechos de saúde para a dupla pelos prossionais da área da saúde não estão livres de re-
mãe-bebê.[404] sponsabilização civis e criminais sobre os danos físicos, psic-
ológicos iningidos as seus pacientes.
Apesar desses dados alarmantes e crescentes em todo o Inicialmente antes de adentramos na responsabilidade
Brasil, em 2019 o Ministério da Saúde[405] se recusou a cumprir médica, é fundamental conceituarmos a responsabilidade
recomendação da OMS que demandava a utilização do termo civil. A responsabilidade civil tem sua origem na prática vol-
violência obstétrica nesses casos de abusos diante do seu untária danosa de um interesse particular e, consequente-
reconhecimento internacional, preferindo pela exclusão do mente o pagamento á vítima como forma de compensação
termo por entender que tem uma conotação inadequada e pelo dano causado pela ação danosa.[407]
prejudicial ao prossional médico. Ao falar da responsabilidade civil é preciso salientar as
Tal prática de recusa e desmerecimento da utilização do suas funções. Tais funções apesar de não haver um consenso
termo “Violência Obstétrica” é mais uma amostra do descaso entre os autores, em geral são divididas em:função compen-
Estatal pelo bem-estar da mulher, optando em fechar seus satória, esta visivelmente estabelecida na reparação integral
olhos diante da violência institucionalizada dentro do sis- dos danos regulamentada nos artigos art. 944 do Código Civil
tema de saúde, negando a efetivação de um serviço essencial a e do art. 6.º, inc. VI, do CDC. A segunda e terceira funções
todos os seres humanos. são, respectivamente a função sancionatória e a pedagógica,
Nesse sentido, para Thomaz Jr. uma vez que a indenização consequente da responsabili-
dade civil é uma forma de sanção e resultando em sua na-
A Medicina não só é arte de estudar as doenças tureza desestimulante a m de evitar a repetição da conduta
e xar procedimentos curativos necessários a danosa.[408]
fazer as pessoas voltarem ao estado saudável A responsabilidade civil dividi-se em objetiva ou subje-
anterior ao mal que as acometeu, como tam- tiva. esta última ocorre quando é imperativa a comprovação
bém a de estabelecer as formas e condutas de culpa do agente causador do dano, enquanto que a respons-
preventivas tendentes a evitar a eclosão de abilidade objetiva, quando exige, tão somente, comprovar-se
males e ataques à saúde humana.[406] a ocorrência do dano causado por determinado ato e o nexo
causal que os une.
Todavia, apesar desse cenário muitas vezes contrapro-
Nesse sentido, a responsabilidade aferida aos médicos
ducente, médicos e instituições de saúde não estão livres
decorre da classicação desses prossionais liberais, denidos
de responsabilizações civis e criminais em virtude de suas
pela Confederação Nacional das Prossões Liberais como:
atuações prossionais, não sendo aceito o contexto anter-
O senso comum indica que tais prossionais
iormente descrito como escusas a falta de materiais para
seriam aqueles que trabalham por conta pró-
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médico ao cuidar do paciente utiliza de todos os meios, téc- zado. Ademais, em 2009 regulamentou em nova lei A crim-
nicas, cuidados e zelo possíveis durante o tratamento de seus inalização à prática desses abusos, a Lei nº 26.485 no ano
pacientes. de 2009. Nesta lei esses atos foram denidos em seu artigo
O descumprimento dessas obrigações por parte dos 6° como,“Violencia obstétrica: aquella que ejerce el personal
prossionais da saúde é geralmente classicado como “erro de salud sobre el cuerpo y los procesos reproductivos de las
médico”, isto é, o prossional causou um dano ao seu paciente mujeres, expresada en un trato deshumanizado, un abuso de
por meio de negligencia, imperícia ou imprudência. Sendo medicalización y patologización de los procesos naturales, de
a responsabilidade médica subjetiva é necessário que esse conformidad con la Ley 25.929.”[414]
paciente atingido pelo dano comprove a culpa do prossional A Venezuela foi o segundo país da América Latina a
da saúde. regulamentar e criminalizar as práticas de abusos contra as
Dessa forma as mulheres vítimas da violência obsté- mulheres em 2007, na chamada Lei Orgânica sobre o Direito
trica possuem como único meio de responsabilização de das Mulheres a uma Vida Livre da Violência, denindo em seu
seu agressor a demonstração de culpa do mesmo, fato que artigo 15°:
não ocorre com facilidade pois além dos médicos serem os Violencia obstétrica: Se entiende por violen-
detentores dos conhecimentos necessários para saber se a cia obstétrica la apropiación del cuerpo y procesos
técnica utilizada seria necessária no momento do parto ou reproductivos de las mujeres por personal de salud,
não, muitos dos abusos praticados pelos mesmo são normali- que se expresa enun trato deshumanizador, enun
zados pela sociedade patriarcal. Com falas como “as mulheres abuso de medicalización y patologización de los
são mais tolerantes à dor do que os homens” ou expressões procesos naturales, trayendo consigo pérdida de au-
que normalizam os partos traumáticos e violentos, que di- tonomía y capacidad de decidir libremente sobre
minuem o poder da mulher sobre suas decisões em um mo- sus cuerpos y sexualidad, impactando negativa-
mento de muita fragilidade física e emocional. mente enlacalidad de vida de las mujere[415]
Na Bolívia a legislação especíca chegou no ano de
5. A L ACUNA LEGI SL ATI VA BR ASI LEI R A 2013, a Lei nº 348, conhecida como Lei integral para garantir
As violências praticadas contra essas mulheres, que se as mulheres uma vida livre de violências, na qual conceitua a
encontram em um estado de vulnerabilidade física e psic- violência contra os direitos reprodutivos como:
ológica ocorrem durante todos os países do mundo.
Diante da inegável existência da violência presente Es la acción u omisión que impide, limita o vulnera
dentro de instituições de saúde contra gestantes parturientes el derecho de las mujeres a la información, orient-
ou puérperas, países da América Latina como por exemplo, Ar- ación, atención integral y tratamiento durante el
gentina, Venezuela e Bolívia, implementaram suas legislações embarazo o pérdida, parto, puerperio y lactancia; a
para criminalizar as práticas da violência obstétrica em seus decidir libre y responsablemente el número y espa-
respectivos países. ciamiento de hijas e hijos; a ejercer su maternidad
A Argentina foi o primeiro país a criar uma legis- segura, y a elegir métodos anticonceptivos seguros.
lação especíca para esses casos, sendo regulamentado na [416]
Lei nº 25.929, em 2004, chamada de Lei do Parto Humani- Todos os três países supracitados criaram suas legis-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
lações especícas objetivando um ponto em comum: prevenir c o mo “erro médic o” em raz ão da at ual l ac una l egisl a-
e punir atos que ferem os direitos fundamentais das mulheres t iva no direit o b rasil eiro.
em seus respectivos países, garantindo-lhes os direitos repro- Em c o ncl usão, se po de perc eb er a nec essidade
dutivos, de saúde e garantindo uma maior segurança. de rec o nhec iment o em l ei po r part e do Po der L egis-
No Brasil, o Estado de Santa Catarina criou em 2017 a l at ivo das inúmeras v iol ênc ias enfrent adas po r essas
Lei Estadual nº 17.097 para suprir a lacuna legislativa federal. mul heres em um est ado de v ul nerab il idade, para q ue
Nela eles conceituam em seu artigo 2° que a violência obsté- enfim se t enha um amb ient e seguro para esse mo-
trica é “todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hos- ment o t ão del icado q ue é t raz er uma nova v ida.
pital, por um familiar ou acompanhante que ofenda, de forma
verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto
ou, ainda, no período puerpério.”[417] Além de complementar
essa denição com a taxação das condutas as quais devem ser
consideradas como ofensas físicas ou verbais em seu artigo 3°.
Apesar de ser uma legislação estadual, de competência
duvidosa, ela merece atenção por seu conteúdo inovador em
nosso país ao reconhecer a omissão presente e supri-la.
6. Conclusão
228 229
MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
Estados Unidos enquanto esteve lotado na Alemanha e, no sas memórias nas(os) lhas(os). Prossegue o médico argumen-
retorno aos Estados Unidos da América, atuou, em cargo não tando que
remunerado, como professor Clínico de Psiquiatria na Colum- A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um
bia University. Também foi perito judicial em mais de 400 transtorno da infância que surge quase ex-
clusivamente no contexto de disputas pela
casos de guarda de crianças, defendendo a pais (homens),
guarda dos lhos.Sua manifestação primária
professores e membros de congregações religiosas (pastores, é a campanha da criança de difamação contra
padres, etc.) de acusações de abusos sexuais e de pedolia. um pai bom e amoroso - uma campanha que
Em seus laudos, assim como em seus livros, ele tinha por cos- não tem justicativa.Resulta da combinação
tume recomendar aos órgãos judiciais a retirada das crianças das doutrinações de um pai programador (lav-
da casa dos “alienantes” (assim eram chamadas as mães) para agem cerebral) e as próprias contribuições da
colocá-los sob a guarda dos pais denunciados como autores criança para a difamação do pai alvo. (GARD-
do abuso sexual. Escreveu e publicou diversos livros e artigos NER, 2002, s⁄n[423])
através de sua própria editora Creative Therapeutics – editor-
As alegações anteriores somam-se a usual proteção
ial que somente publicava suas obras, pois, como é notório,
gardensista de abusadores e agressores infantis, mal inter-
seus trabalhos sobre a Síndrome de Alienação Parental (SAP)
pretados por suas(seus) acusadoras(es), tal como arma a en-
não eram corroborados por faculdade ou sociedades cientí-
fermeira estadunidense Stephanie Dallam, ao analisar a obra
cas, posto que ele não fornecia dados empíricos para provar
de Gardner transcrita a seguir:
a existência da idealizada síndrome, apelando, somente, para A criança abusada sexualmente é geralmente
sua autoridade e experiência prossional como fundamentos considerada a vítima, embora a criança
cientícos, defesa que torna a SAP, bastante discutível. possa iniciar relações sexuais “seduzindo” o
Gardner descreve a SAP como “um distúrbio psi- adulto. Apesar da ênfase de Gardner em falsas
quiátrico que surge no contexto de disputas litigiosas pela alegações de abuso sexual, ele admite que o
custódia de crianças, especialmente quando a disputa é pro- abuso sexual genuíno de crianças é generali-
zado e que a vasta maioria (“provavelmente
longada e amarga. Existem três tipos de síndromes de alien-
mais de 95%”) de todas as alegações de abuso
ação parental, cujo diagnóstico diferencial é fundamental sexual são válidas (Gardner, 1991, p. 7 e 140).
para o tratamento adequado do transtorno” (1985, p. 3[422]). A Na verdade, Gardner (1992, p. 670) considera
síndrome em sua tipologia poder ser leve, moderada ou grave, as atividades sexuais entre adultos e crian-
com manifestações sintomáticas distintas. Os distúrbios psi- ças um fenômeno universal que existe em
quiátricos nada mais são, segundo Gardner, do que uma conse- um grau signicativo em todas as culturas do
mundo. Da mesma forma, “a pedolia intra-
quência lógica das condutas do genitor guardião, denominado
familiar (isto é, o incesto) é generalizada e ...
como genitor alienante (conditio majoritariamente atribuída é provavelmente uma tradição antiga” (Gard-
às mães), que prejudicam e/ou impedem o relacionamento ner, 1991, p. 119).
das(os) lhas(os) com o genitor alienado (o pai) após a sep- Gardner (1991, p. 118) sugere que a socie-
aração e/ou divórcio, pois as mães (genitor alienante) cos- dade ocidental é “excessivamente moralista
tumam usar falsas acusações de violência e abuso sexual, e punitiva” em relação aos pedólos. Gard-
fazendo uma verdadeira lavagem cerebral que implanta fal- ner arma que “as punições draconianas im-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
postas aos pedólos vão muito além do que parte dos sintomas da SAP, motivo pelo qual recomendava
considero ser a gravidade do crime”. A atual que acudissem ao programa terapêutico desenvolvido por
proibição de sexo entre adultos e crianças é
ele. Em tal programa Gardner (1986) apresentava algumas
uma “reação exagerada” que Gardner atribui
aos judeus. orientações a serem seguidas, a saber: 1) a de que apenas
Gardner (1992, p. 15) arma: “Há boas um psicólogo casse encarregado de tratar a família; 2) a de
razões para acreditar que a maioria, senão que tal prossional fosse indicado pela(o) juíza(juiz) encarre-
todas, as crianças têm a capacidade de atin- gada(o) do caso como meio de garantir a comunicação direta
gir o orgasmo no momento em que nascem”. entre ambos, mas, sobretudo, como forma de elidir possíveis
Além disso, algumas crianças experimentam descumprimentos legais e a omissão dos atos alienantes prat-
“fortes impulsos sexuais na primeira infância"
icados pelo genitor alienante e que dicultam, sobremaneira,
e “a criança normal [itálico no original] exibe
uma ampla variedade de fantasias e comport- o tratamento da SAP.
amentos sexuais, muitos dos quais seriam Reforçando os aspectos misóginos dos fundamentos
rotulados como 'doentes' ou 'pervertidos' se da SAP, Gardner (1992, p. 575-585[425]) armava que as mães
exibidos por adultos” (Gardner, 1991, p. 12). que descobriam que seus maridos estavam abusando sexual-
[...] Gardner (1986, p. 93) observa que “a mente de suas(seus) lhas(os), eram, na verdade, culpadas por
criança abusada sexualmente é geralmente
tal abuso, pois certamente não satisfaziam sexualmente seu
considerada a vítima”, embora a criança
possa iniciar encontros sexuais “seduzindo” marido. O que o motiva a sugerir as(os) terapeutas que clini-
o adulto. Gardner (1986, p. 93) sugere que cam com as mães de vítimas de incesto a colocar a situação
se o relacionamento sexual for descoberto, na perspectiva adequada: 1) desestimulando a separação e, na
“a criança provavelmente fabricará de forma impossibilidade, que procurem resolver seus problemas paci-
que o adulto será culpado pela iniciação”. camente e não através de litígios que somente traumatizam
[...] Como um produto da cultura ocidental, as crianças; e, 2) recordar sempre em suas intervenções que
Gardner (1992, p. 49) arma: “Eu também
ela (esposa) e a prole são responsáveis pelos atos do pai que
passei a acreditar que a atividade sexual
entre um adulto e uma criança é um ato se bem entendidos não conguram abuso, mas sim um com-
repreensível. No entanto, não acredito que portamento histórica e socialmente onipresente em todas as
seja intrinsecamente assim; em outras socie- sociedades.
dades e outras vezes, pode não ser psicologi- Gardner e alguns de seus seguidores (Naomi Ben-
camente prejudicial”. “O determinante se a Ami e Amy Baker, 2012[426]) assinalam implicações temer-
experiência será traumática é a atitude social
árias para as crianças que sofrem alienação parental [427], mas
em relação a esses encontros” (Gardner 1992,
p. 670-1). (DALLAM, 1998, s⁄n, grifos da autora que, segundo a pesquisa apresentada por Josimar Mendes,
Julia Sursis Nobre Ferro Bucher-Maluschke, Danielle Ferreira
da citação[424])
Vasconcelos, Gabriella Assumpção Fernandes e Paulo Victor
O psiquiatra estadunidense também defendia a ideia Madureira Nunes Costa, não apresentam “contudo, nenhum
de que as crianças mentiam de forma consistente para ajudar estudo de coorte e/ou randomizado que comprove ou jus-
as mães nas falsas acusações de abuso e estas atitudes faziam tique a existência delas (MENDES; et. al., 2016, p. 162, grifos
nossos [428]).
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
No que diz respeito ao pai alienado, Gardner (1992, p. a Lei de Alienação Parental.
585-595) descreve o profundo sofrimento do genitor, quali- 2. FUNDAMENTOS MISÓGINOS E PUNITIVOS DO PROJETO
cando-o com os seguintes adjetivos: esposo desprezado, DE LEI 4.053/2008 QUE ORIGINOU A LEI DE ALIENAÇÃO
abatido, carentes de ajuda, vítima da indiferença, preocupado, PARENTAL
alguém que necessita ajuda e ser encorajado para que possa A demanda para a elaboração da Lei de Alienação Par-
resistir e se proteger das severas punições impostas aos que, ental (12.318⁄2010[431]) surgiu das Associações de pais separa-
em nosso tempo e sociedade, exercem seus impulsos sexuais. dos que buscavam reivindicar seus direitos de convívio com
Portanto, a terapia com o pai alienado não deve focar na mo- suas(seus) lhas(os), construindo um discurso de que as mu-
lestação sexual, mas sim no esquecimento deste que atual- lheres⁄mães as(os) usavam como forma de vingança pelo m
mente é considerado um problema. do relacionamento, posto que “não” existiam motivos para
Convém recordar, na esteira da professora estadun- este impedimento ou restrição.
idense de Direito Clínico e diretora do National Family Vio- Embora as Associações utilizem em seus nomes fun-
lence Law Center da George Washington University Law damentais as expressões Pais e Mães separados, ou Papai e
School, Joan Meier (2009[429]) e do psicólogo brasileiro Josimar Mamãe, na verdade o fazem com o intuito de mascarar o mov-
Antônio de Alcântara Mendes que imento sexista que une alguns homens que se dizem prejudi-
Richard Gardner teve uma trajetória pros-
cados pelas mulheres e, por isto se referem a elas como as mães
sional controversa, não somente por tentar
defender, sem sucesso, o reconhecimento da que praticam atos de alienação parental.
Síndrome de Alienação Parental (SAP) como No Projeto de Lei 4.053[432] apresentado em 07 de
transtorno diagnosticável e classicável na outubro de 2008 pelo então Deputado Federal Regis Oliveira
Classicação Estatística Internacional de (PSC⁄SP), nota-se, ademais, outra peculiar circunstância: sua
Doenças (CID) e no Diagnostic and Statistical tramitação em caráter conclusivo tendo seu mérito exam-
Manual of Mental Disorders (DSM), mas tam- inado em regime de urgência pelas Comissões Parlamentares
bém por atuar como perito na defesa de
de Seguridade Social e Família, Constituição e Justiça e de Ci-
homens acusados de pedolia/incesto. Mais
tarde, o próprio Gardner foi acusado de pedo- dadania. Ademais, as justicativas para a citada proposta legal
lia por conta do seu livro True and False Ac- baseavam-se em publicações das associações de pais que se
cusations of Child Sex Abuse, de 1992, no qual congregavam na Internet e não em artigos e pesquisas con-
as suas posições parecem racionalizar e nat- áveis e, menos ainda, na escuta de prossionais habilitados.
uralizar a ocorrência de abuso sexual contra Este não é um juízo de valor emitido pelas autoras do artigo,
crianças, além de armar que quase todas as
mas sim informação que consta da justicativa do próprio PL,
alegações de abuso sexual no contexto de dis-
puta de guarda seriam falsas (MENDES, 2019, in verbis,
p.11-12, grifos do autor[430]). Cabe sublinhar que a presente justicação é
elaborada com base em artigo de Rosana Bar-
Em síntese são estas as propostas do programa de Rich-
bosa Ciprião Simão, publicado no livro “Sín-
ard Gardner que embasaram com grau de veracidade cientíca drome da Alienação Parental e a Tirania do
os artigos do Projeto de Lei 4.053 de 2008 e, conforme anal- Guardião – Aspectos Psicológicos, Sociais e
isaremos na seguinte seção, são os fundamentos que integram Jurídicos” (Editora Equilíbrio, 2007), em in-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
formações do site da associação “SOS – Papai frente à síndrome da alienação parental e que
e Mamãe” e no artigo “Síndrome de Alienação a denúncia do abuso foi levada a efeito por es-
Parental”, de François Podevyn, traduzido pírito de vingança [...].
pela “Associação de Pais e Mães Separados” - Flagrada a presença da síndrome da alienação
APASE, com a colaboração da associação “Pais parental, é indispensável a responsabilização
para Sempre”. Também colaboraram com sug- do genitor que age desta forma por ser sa-
estões individuais membros das associações bedor da diculdade de aferir a veracidade
“Pais para Sempre”, “Pai Legal”, “Pais por dos fatos e usa o lho com nalidade vin-
Justiça” e da sociedade civil. (PL 4.053/2008, gativa. Mister que sinta que há o risco, por
2008, p. 4, grifos do autor do PL). exemplo, de perda da guarda, caso reste evi-
denciada a falsidade da denúncia levada a
Ainda que na conclusão do texto de justicação tenha efeito. Sem haver punição a posturas que
sido trazido a colação as proféticas e perversas análises da comprometem o sadio desenvolvimento do
Desembargadora Maria Berenice Dias lho e colocam em risco seu equilíbrio emo-
No entanto, muitas vezes a ruptura da vida cional, certamente continuará aumentando
conjugal gera na mãe sentimento de aban- esta onda de denúncias levadas a efeito de
dono, de rejeição, de traição, surgindo uma forma irresponsável”. (2005, p. 11-13, grifos
tendência vingativa muito grande. Quando nossos [433])
não consegue elaborar adequadamente o luto
da separação, desencadeia um processo de
destruição, de desmoralização, de descrédito Em denitivo e tal como aludido, o Pro-
do ex-cônjuge. Ao ver o interesse do pai em jeto de Lei 4.053/2008 foi aprovado de forma célere
preservar a convivência com o lho, quer (07/10/2008-26/08/10) e após vinte e dois meses de sua ap-
vingar-se, afastando este do genitor. Para isso
resentação, aprovado por unanimidade, sem sequer realizar
cria uma série de situações visando a dicul-
tar ao máximo ou a impedir a visitação. Leva consultas públicas além da breve audiência não divulgada
o lho a rejeitar o pai, a odiá-lo. A este pro- previamente e da qual esteve presente uma única represent-
cesso o psiquiatra americano Richard Gardner ante do Conselho Federal de Psicologia (CFP) com direito
nominou de “Síndrome de Alienação Paren- de tempo de fala restrito, mas onde consta sua clara pre-
tal”: programar uma criança para que odeie ocupação com a proposta apresentada. De qualquer forma,
o genitor sem qualquer justicativa. Trata-se
outros órgãos que atuam com as questões que abrange a Lei,
de verdadeira campanha para desmoralizar o
genitor. Neste jogo de manipulações, todas as entre eles, por exemplo, o Conselho Nacional dos Direitos da
armas são utilizadas, inclusive a assertiva de Criança e do Adolescente (CONANDA) e o Conselho Federal
ter sido o lho vítima de abuso sexual. Como de Serviço Social (CFESS), deveriam ter sido chamados. Não
a intenção da mãe é fazer cessar a convivência, obstante a omissão da participação cidadã qualicada, cabe
os encontros são boicotados, sendo utilizado frisar que a Lei prevê que as(os) prossionais dos Conselhos de
todo o tipo de artifícios para que não se con- Psicologia e Serviço Social, atuem nas perícias psicossociais.
cretizem as visitas. Não há outra saída senão
Na próxima seção apresentaremos as conclusões
buscar identicar a presença de outros sin-
tomas que permitam reconhecer que se está obtidas através da pesquisa documental realizada com base
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
nas decisões proferidas pelo TJRS tendo como fundamento a SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL.
LAP. Havendo na postura da genitora indícios da
presença da síndrome da alienação parental,
o que pode comprometer a integridade psic-
3. O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL E A ológica da lha, atende melhor ao interesse da
APLICAÇÃO DA LAP SOB ANÁLISE OBJETIVA infante, mantê-la sob a guarda provisória da
avó paterna.
Desde a aprovação da Lei de Alienação Parental (LAP) o
Negado provimento ao agravo. (TJRS, 2006, p.
Poder Judiciário – particularmente do Rio Grande do Sul – for-
1[436], grifos nossos)
malizou mais um instrumento legal de subjugação e tormento
das mulheres⁄mães. Não restam dúvidas de que a insistência
em chamar de “conito impertinente” as demandas das mul- Entre os 547 julgamentos processuais encontrados, se-
heres⁄mães pela guarda de suas(seus) lhas(os) e em converter lecionamos para análise aqueles datados no período limitado
dito pleito quase que exclusivamente em acusações de alien- entre os anos de 2019 (82 acórdãos) e 2020 (36 acórdãos até o
ação parental praticadas por elas, tem prolongado e reforçado dia 6 de outubro) com o objetivo de realizar um comparativo
de forma míope e exacerbada, a discriminação de gênero e, entre as decisões adotadas e, também, de procurar identicar
com ela, perpetrado injustiças. se houve, durante a pandemia, algum tipo de agravamento de-
liberativo contra as mulheres⁄mães. Os acórdãos foram clas-
Motivo pelo qual decidimos realizar uma robusta
sicação por assunto seguindo a nomenclatura do Conselho
pesquisa bibliográca[434] e documental parcialmente re-
Nacional de Justiça (CNJ) e constam da tabela abaixo.
produzida neste artigo utilizando como fontes primárias,
no que concerne ao segundo tipo de pesquisa, as decisões
de segundo grau proferidas pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (doravante, TJRS[435]) e que se encontram dispon-
íveis em seu site institucional. A busca pelos termos “alien-
ação parental” e “síndrome da alienação parental” desvelaram
547 decisões que datam desde o ano de 2006, precisamente o
ano em que apareceram os 2 (dois) primeiros julgados com as
palavras-chave mencionadas; ambos tiveram como relatora a
então Desembargadora Maria Berenice Dias. Neste ponto con-
vém destacar que mesmo antes da aprovação da LAP em 2010,
o TJRS vinha acusando às mulheres⁄mães de alienação paren-
tal, como, por exemplo, no Acordão da Sétima Câmara Cível Atualmente a composição do Pleno do TJRS possui
do TJRS na época presidido pela referida desembargadora e 94 desembargadores e 43 desembargadoras, as mulheres não
alusivo ao Agravo de Instrumento Nº 70014814479, in verbis: computam nem sequer a metade das cadeiras da magistratura
superior estadual. Dita conguração nos fez atentar para o
GUARDA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA. fato de que deveríamos elencar o gênero das pessoas que pro-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
nunciaram as decisões judiciais nos casos examinados e con- sadas, totalizando 107 decisões. O ano de 2019 perfez 82 de-
cluímos que no ano de 2019 foram 13 desembargadores e 6 cisões destas, 75 se referem a acusações de alienação parental
desembargadoras e no ano de 2020 foram 9 desembargadores contra as mulheres⁄mães. Em 2020 o levantamento realizado
e 2 desembargadoras que estiveram a frente dos julgamentos. deparou-se com 36 decisões, sendo que 32 delas de acusações
Contrariamente a expectativa, as leituras dos julgados de alienação parental contra as mulheres⁄mães.
expuseram que as desembargadoras são tão ou mais precon- Quando as decisões são favoráveis a manutenção da
ceituosas e discriminatórias que os desembargadores com guarda materna e/ou compartilhada, as mulheres⁄mães são
relação às mulheres⁄mães, tal como se denotou do julgado de advertidas da obrigatoriedade de manutenção inalterada de
2006 e se revalidará na deliberação que segue: sua residência xa, como também ao fato de que não incorram
Agravo de Instrumento nº 70082646308 Tri- em faltas com relação à visitação instituída nos processos,
bunal: Tribunal de Justiça do RS Classe pois estas podem ser causas imediatas de alienação parental e
CNJ: Agravo de Instrumento. Relator: Sandra alteração da guarda da lha (o) em favor do genitor, como por
Brisolara Medeiros Órgão Julgador: Sétima exemplo, no Agravo de Instrumento Nº 70079525861 (Nº CNJ
Câmara Cível Comarca de Origem: OUTRA
0317798-61.2018.8.21.7000) da Sétima Câmara Cível Com-
Seção: CIVEL Assunto CNJ: Guarda Decisão
Acórdão em 27-11-2019: “(...) Mesmo que não arca de Porto Alegre (RS), onde se estipula que
se possa armar com certeza absoluta o grau de 3. Tendo a autora sido advertida pelo juízo a
responsabilidade da mãe por esse quadro psic- quo de que a manutenção da prática de atos de
ológico lastimável de sua lha, há forte sugest- alienação parental acarretará o aumento do
ivo no laudo a imputar-lhe, sim, forte respons- convívio com o genitor, ou, até mesmo, a re-
abilidade: da mãe, totalmente a parte, não par- versão da guarda, deve ser mantida a decisão
ticipa e nem se envolve com as questões da que manteve a guarda dos dois lhos com a
aprendizagem da menina (. 329). Mas ainda genitora[438].
que não houvesse tal menção no laudo, consid- Nas qualicações atribuídas aos genitores não identi-
erando-se que a menina esteve na maior parte
camos nenhuma abordagem moral com relação à sua vida
de sua vida sob a guarda materna, passa a ser
corolário lógico a responsabilização primor- pessoal, afetiva, prossional e/ou de exercício da paterni-
dial da genitora. (...) A mãe é tida como uma dade, ao contrário das profusas atribuições pejorativas e de
pessoa boa, mas que não satisfaz as suas ne- menoscabo destinadas as mulheres⁄mães. Abaixo apresenta-
cessidades de cuidado e afeto. Por oportuno, mos, em forma de tabulação, os estereótipos reproduzidos
saliento que não passa em branco o fato de nas decisões sopesadas ressaltando para o fato de que durante
o pai também ter sido avaliado com ressal-
o período estudado os genitores receberam entre 4 (2019) a
vas, com possível transtorno de personalid-
ade anti-social (TJRS, 2019, . 339v.[437], grifos 7 (2020) qualicações e, as genitoras, entre 40 (2019) a 39
nossos) (2020) qualicações pejorativas.
Recordando, ademais, que a pesquisa foi realizada até
Das 118 decisões de segundo grau avaliadas
outubro deste ano (2020), o que nos leva a deduzir que
(2019-2020) constatamos que onde apareceram acusações de
neste período pandêmico, ou melhor sindêmico, vem ocor-
alienação parental, as mulheres⁄mães são a maioria das acu-
rendo uma crescente (porque encoberta) desqualicação das
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
doxal que possa parecer, em pleno segundo decênio do novo GENITOR ✓ VARÃO
(07) ✓ DISPOSTO A ORGANIZAR A ROTINA
milênio, isto é, processos judiciais de execração pública de ✓ AUTOCENTRAMENTO ELEVADO
✓ SINAIS DE IMATURIDADE
mulheres (no caso contemporâneo instituído por Instituições ✓
✓
INSEGURANÇA
DESCONFIANÇA
públicas de um Estado de Direito democrático) com carac- GENITORA
✓ O RUIM DA HISTÓTIA
✓ NÃO POSSUI CONDIÇÕES PSÍ- ✓ PROMOVE PERSEGUIÇÕES ✓ DESPEREZA O BEM ESTAR
QUICAS ✓ MUDA DE CIDADE COMO DA(O) FILHA(O)
terísticas de proximidade aos processos de julgamento real- (39)
✓ RESPONSÁVEL POR FUTURAS CON- ARTIFICIO PARA AFASTAR ✓ IMAGEM DO PAI DENE-
SEQUÊNCIAS NEFASTAS FILHA(O) GRIDA E DESVALORIZADA
izados durante a chamada Santa Inquisição. Movimento da ✓ NEGLIGENTE ✓ CLARA MÁ-FÉ PELA MÃE
✓ NÃO ACEITA ✓ CONDUTA REPROVÁVEL ✓ IGNORA DESESPERO
Igreja Católica Apostólica Romana instaurado em território ✓ EXPÕE
✓ CID 10 F 60.3 SINAIS SINTOMAS
✓ INTENÇÃO DE IMPEDIR O
CONVÍVIO
DA(O) FILHA(O)
✓ DIFICULTA A MA-
COMPATÍVEIS COM TRANSTORNO DE ✓ SÉRIAS DIFICULDADES NUTENÇÃO DO VÍNCULO
Europeu (e, posteriormente, em todas as Colônias) no começo PERSONALIDADE EMOCIONALMENTE EMOCIONAIS ✓ DIFICULDADES PESSOAIS
INSTÁVEL ✓ ALIENAÇÃO PARENTAL POR IDEOLOGIA DE VIDA
do século XII e que persistiu até o início do século XIX. Ideário ✓ NÃO É POSSÍVEL PERCEBER A VER- PERPRETADA E DE ORIENTAÇÃO RELO-
ACIDADE NO DISCURSO ✓ ALIENADORA GIOSA
religioso que tinha o intuito mesquinho, dissimulado e es- ✓ DISSIMULADA
✓ CARACTERÍSTICAS NARCISISTAS
✓ CONDUTA INADEQUADA E
CENSURÁVEL
✓ CAUSADORA DE GRANDE
TEMPESTADE
✓ DEBOCHADA ✓ FANTASIOSA ✓ SE PREOCUPA APENAS
púrio de perseguir, subjugar e aniquilar aquelas pessoas con- ✓ SEDUTORA ✓ ATOS DE ALIENAÇÃO COM A PENSÃO
✓ IMATURA PARENTAL ✓ PRÁTICAS DECOR-
sideradas hereges, mas, particularmente, as mulheres que não ✓ AUTOCENTRADA ✓ DISTORCE A REALIDADE RENTES DE ALIENAÇÃO
✓ NÃO CONSEGUIU ELAB- PARENTAL
se ajustavam/amoldavam ao sistema vigente. ORAR O FIM DO RELACIONA-
MENTO
✓ FRAGILIDADE EMO-
CIONAL
✓ FORÇANDO CHOROS E ✓ AUTOCENTRADA
Nos quadros a seguir elencamos todas as qualicações SORRISOS ✓ CONDUTAS ALIENANTES
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registro de paternidade e dissolução de casamentos e uniões ológica e tortura). Dados do Sistema Nacional de Agravos de
estáveis, quando as mulheres⁄mães denunciam as violências Noticação (Sinan), vinculado ao Ministério da Saúde, apon-
sofridas e/ou suspeitas de violência – sejam elas de maus-tra- tam que, somente em 2017, foram feitas 85.293 noticações.
tos e/ou de abuso sexual – contra lhas(os) na Vara Especial- Do total de casos noticados pelos serviços de saúde, 69,5%
izada e, imediatamente, os violadores contra-atacam com a (59.293) são decorrentes de violência física; 27,1% (23.110)
acusação de alienação parental. Como consequências diretas, de violência psicológica; e 3,3% (2.890) de episódios de tor-
são instauradas punições jurídicas de ampliação de tempo de tura. A pesquisa não fez um levantamento dos casos de assédio
convívio das crianças com os agressores⁄abusadores, a imple- sexual, abandono, negligência, trabalho infantil, entre outros
mentação de guarda compartilhada e, até mesmo, a inversão tipos de agressão. Os episódios de agressão contra crianças
da guarda. e adolescentes provocam, segundo os dados, um número sig-
Assim como existe uma cegueira coletiva em relação nicativo de internações hospitalares e de mortes. Conforme
às pesquisas nacionais e internacionais qualicadas que dem- os dados coletados no período entre 2009 e 2014 (último
onstram quão inapropriada é a Síndrome de Alienação Paren- ano com informações disponíveis), houve 35.855 encamin-
tal, têm-se negado vilmente a violência doméstica e familiar hamentos de casos de violências física e psicológica ou de
contra a mulher e a violência⁄abuso sexual contra às crianças. tortura para hospitalização e 3.296 óbitos. De acordo com os
Dados coletados nacionalmente demonstram os alarmantes dados recentemente divulgados pela Ouvidoria Nacional de
números da incidência de violência doméstica e familiar con- Direitos Humanos (ONDH) dos 159 mil registros feitos pelo
tra estes grupos seja como testemunhas e/ou vítimas. Segundo Disque Direitos Humanos ao longo de 2019, 86,8 mil são
a 8ª edição da Pesquisa Nacional sobre “Violência Doméstica de violações de direitos de crianças ou adolescentes, um au-
e Familiar contra a Mulher” (2019), realizada pelo Instituto de mento de quase 14% em relação a 2018. A violência sexual g-
Pesquisa DataSenado em parceria com o Observatório da Mu- ura em 11% das denúncias que se referem a este grupo especí-
lher contra a Violência, o percentual de mulheres agredidas co, o que corresponde a 17 mil ocorrências. O levantamento
por ex-companheiros subiu de 13% para 37% entre 2011 e da ONDH identicou que: 1) a “violência sexual acontece, em
2019, incluindo situações em que os agressores eram ex-mari- 73% dos casos, na casa da própria vítima ou do suspeito, mas é
dos e também ex-namorados no momento do ataque[444]. Estes cometida por pai ou padrasto em 40% das denúncias”; 2) que
números representam um aumento de 284% desses casos. E se o “suspeito é do sexo masculino em 87% dos registros e, igual-
considerarmos que estes números não representam o cenário mente, de idade adulta, entre 25 e 40 anos, para 62% dos casos.
real dos casos de violência, pois é notório o fato de que ex- A vítima é adolescente, entre 12 e 17 anos, do sexo feminino
iste subnoticação por medo de denunciar o agressor, seja por em 46% das denúncias recebidas” (MMFDH, 2020, s/n.[445]).
desconhecer a rede de proteção e/ou por saber que dita rede No Boletim Epidemiológico n. 27, v. 49, datado de
nem sempre é efetiva, os dados nais seriam todavia mais junho de 2018, elaborado pela Secretaria de Vigilância em
alarmantes. Saúde do Ministério da Saúde[446], é apresentada a Análise
No que diz respeito à violência contra crianças e ado- Epidemiológica da Violência Sexual contra Crianças e Adoles-
lescentes com idade de até 19 anos, foram registrados em centes no Brasil no período de 2011 a 2017 (tempo de vigên-
2019, 233 agressões diárias de diferentes tipos (física, psic- cia da LAP). Segundo a referida análise, foram noticados
ao Sistema de Informação de Agravos de Noticação (Sinan)
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1.460.326 casos de violência interpessoal ou autoprovocada. provedoras das famílias, segundo dados do Instituto Bra-
Desse total, foram registradas 219.717 (15,0%) noticações sileiro de Geograa e Estatística (IBGE, 2019[448]), em mais de
contra crianças e 372.014 (25,5%) contra adolescentes. Nesse 43% dos lares – o que equivale a 34,4 milhões de mulheres
período, também foram noticados 184.524 casos de violên- –, ou seja, o argumento de que as mulheres/mães falsicam as
cia sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 denúncias para garantir as pensões de alimentos das(os) l-
(45,0%) contra adolescentes. Comparando-se os anos de 2011 has(os) não se sustenta como forma de desqualicá-las e im-
e 2017, observa-se um aumento geral de 83,0% nas noti- putá-las a pecha de genitora alienante.
cações de violências sexuais e um aumento de 64,6% e Entendemos que a Lei de Alienação Parental buscou
83,2% nas noticações de violência sexual contra crianças e atender a uma parcela da sociedade brasileira que se sente
adolescentes, respectivamente. Em relação ao perl das noti- ameaçada pelo lugar que as mulheres/mães têm ocupado nas
cações das crianças vítimas de violência sexual parte delas suas famílias e na sociedade. Em outros termos, foi pensada
43.034(74,2%) eram do sexo feminino e 14.996 (25,8%) eram e planejada como uma forma de barrar sua autonomia e seu
do sexo masculino. Do total, 51,2% estavam na faixa etária desejo profundo de romper com os ciclos de violência domés-
entre 1 e 5 anos. As noticações se concentraram nas regiões tica e familiar vivenciada por elas mesmas e/ou por suas(seus)
Sudeste (40,4%), Sul (21,7%) e Norte (15,7%). A avaliação das lhas(os).
características da violência sexual contra crianças, revelaram
que 33,7% dos eventos tiveram caráter de repetição, 69,2%
ocorreram na residência e 62,0% foram noticados como es-
tupro. A avaliação das características do provável autor da
violência sexual contra crianças apontou que em 74,7% das
noticações houve envolvimento de um autor. Em 81,6%, o
agressor era do sexo masculino e, destes, 37,0% tinham vín-
culo familiar com a vítima.
Em consonância com os dados das pesquisas que assin-
alam os drásticos e lamentáveis números da violência contra
mulheres e crianças, podemos arguir que as acusações de
que as mulheres/mães são vingativas, mentirosas, descontro-
ladas e alienadoras deveriam levar em consideração os dados
nacionais mencionados, assim como as pesquisas cientícas,
pois, restou claro durante a pesquisa a existência de um ele-
vado grau de julgamento moral com base em convicções pró-
prias e/ou de cunho religioso, mais do que em conhecimentos
cientícos[447] e estatísticos fundamentados para a prolação de
uma decisão judicial.
Ademais, convém recordar, que as mulheres são as
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descompasso nas divisões de tarefas relacionadas ao cuidado à convivência familiar, representados por situações de aban-
dos lhos no período da pandemia entre homens e mulheres e dono afetivo e pela alienação parental também são marcados
entre mães e pais. pelo atravessador de gênero, pelos indicativos de que a grande
Para tal proposta, essa reexão será interpelada pela maioria dos descumprimentos de acordos relacionados aos
experiência interdisciplinar no atendimento às famílias pelo horários de visita, à pensão alimentícia e ao não cumpri-
Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Ju- mento das responsabilidades parentais (no campo da saúde,
ventude- NEDDIJ da Universidade Estadual do Centro Oeste- educação e lazer) estão identicados na gura do homem. De
UNICENTRO e por relatos recebidos de pais e mães que foram março (início da pandemia) a outubro de 2020 a equipe reali-
atendidos, entre os períodos de março a outubro de 2020. De- zou 377 triagens de acolhida com familiares de crianças e
vido a situação de isolamento social e a necessidade da equipe adolescentes, sendo estes desdobrados para atendimentos so-
adequar-se ao atendimento remoto, como medida necessária ciais, psicológicos, jurídicos e multidisciplinares.
de cuidado e proteção, a equipe do setor de Psicologia e de Ser- O cuidado dos lhos, como uma atribuição restrita
viço Social seguiu os atendimento adaptando-se a novas me- das mulheres, pode ser observado a partir de argumentos
todologias de trabalho. No contato com as famílias, recebeu teóricos que se voltam ao tema. As teorias psicológicas e
via formulários online relatos de mães e pais apontando sobre os estudos da psicanálise contribuíram signicativamente no
as recongurações familiares ocasionadas pela pandemia e as que diz respeito ao desenvolvimento infantil, à constituição
divisões do cuidado e da responsabilidade dos lhos nesse e subjetivação do sujeito, apontando para a relação mãe-bebê,
contexto peculiar. como fonte primordial e original para que este processo se
O projeto de extensão universitário - NEDDIJ - recon- efetive e garanta à vida. Há um direcionamento para o lugar
hece a infância como lugar de prioridade, tanto no campo na mãe, com fonte universal, corroborado pelas palavras do
das políticas públicas, das famílias e da sociedade civil. Para psicanalista Winnicott (1949/2014, p. 17)[452]: “para que os
tanto, a reexão de que a infância não é um assunto exclusivo bebês se convertam, nalmente, em adultos saudáveis, em
das mulheres e das mães - e sim de toda a sociedade - é o ponto indivíduos independentes, mas socialmente preocupados, de-
de partida para a defesa do compartilhamento das respons- pendem totalmente de que lhes seja dado um bom princípio,
abilidades entre homens e mulheres, para a humanização nas o qual está assegurado, na natureza, pela existência de um vín-
relações entre pais/mães e lhos e para a igualdade de gênero culo entre a mãe e o bebê: o amor é o nome desse vínculo”.
exercida por relações democráticas e de cidadania. Este lugar de devoção da mãe com o seu lho e a
A atuação da equipe interdisciplinar que contempla as função do pai responsável unicamente pela manutenção ma-
áreas de Psicologia, Serviço Social e Direito dentro do (NED- terial e secundário ao cuidado, denuncia à distinção atribuída
DIJ) consiste em observar e atender as demandas referentes a cada gênero nessa relação parental. Vale ressaltar que a
ao direito fundamental à convivência familiar e comunitária teoria psicanalítica, assim como demais correntes teóricas,
que envolve em sua maioria processos de guarda, visitas e são atingidas por um contexto que é social e cultural, e se con-
alimentos. O acompanhamento familiar tem sido um import- stroem a partir dessas contingências. Cabe a nós, estudiosos
ante dispositivo de análise sobre as construções de gênero da área e prossionais que atendem situações de família, re-
mediadas por essas relações familiares, sobretudo, entre pais visitar os discursos relacionados ao cuidado infantil tomando
e mães. Os atendimentos direcionados à violação do direito como base também os condicionantes sociais e culturais.
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Nisso está a grande relevância social deste trabalho, construir tornar-se mãe, visto que nenhum indivíduo nasce pronto para
práticas prossionais que desnaturalizam e problematizem a isso, tal processo envolve uma construção diária de vínculo,
concepção de que as mães são as únicas capazes de assumir o e de aprendizagem, sendo estabelecida não somente entre a
cuidado dos lhos. relação dos pais com os lhos, mas de todo um contexto his-
É notório que a contemporaneidade recongurou a tórico e social que todos os indivíduos envolvidos carregam
posição das mulheres dentro da sociedade, mesmo que de consigo (BIASUTT, 2016)[455]. O conceito de parentalidade, re-
maneira sutil e não legitimada socialmente por meio de centemente utilizado por estudiosos do tema, substitui os
políticas públicas. Com a inserção feminina de maneira mais termos maternidade e paternidade, com a intenção de reposi-
ativa no mercado de trabalho e a possibilidade da mulher cionar os lugares que adultos (mães e pais) ocupam com suas
se reconhecer desejante e interessada por outros lugares de crianças. No entanto, estudos realizados por Combes e De-
prazer e de função, que não somente a condição materna, vreux (1991) e Cournoyer (1994) apontam para uma relação
exigiu também uma modicação no lugar dos homens, que mais comprometida de mães com seus lhos, sendo que os
já não ocupam a função unívoca de provedor de todas as ne- cuidados parentais se encontram majoritariamente na gura
cessidades das mulheres. Esses lugares de “mulher” e “mãe” das mulheres. A pesquisa também revelou a existência de al-
passaram a não ser mais vistos como algo semelhante e come- guns homens responsabilizando-se ativamente nos cuidados
çam a se separar progressivamente (IACONELLI, 2019)[453]. As dos seus lhos, indicando possibilidades de transformações
posições enrijecidas de gênero que compreendem à feminili- diante das relações de gênero tão instituídas nesses contextos.
dade a partir de características naturalizadas como sensíveis e Importa reetir que anterior ao processo de tornar-
maternais, ou ainda, quando mães não são reconhecidas como se pai e tornar-se mãe, há o processo de tornar-se mulher e
capazes de ocupar outros espaços de prestígio, denuncia uma tornar-se homem, e a forma como esses papéis sociais são
omissão de responsabilidade da sociedade no que diz respeito denidos historicamente estão intrinsecamente ligados pela
aos cuidados dos lhos. maneira que será desenvolvida a função social de materni-
A paternidade, nesse mesmo caminho, deveria estar dade e paternidade. Assim, para compreender o impacto da
acompanhando tal processo de transição social. Tal como pandemia na vida das mulheres que exercem algum tipo de
aponta os autores, os homens estariam desaados a ocupar cuidado parental de crianças e adolescentes e como se deu a
uma nova identicação e posicionamento, especialmente no divisão de tais cuidados nesse período pandêmico, é import-
que diz respeito a criação dos lhos (CIA, WILLIAMS e AIELLO, ante abordarmos o tema masculinidade.
2005)[454]. Considera-se importante pontuar as considerações Historicamente o termo “homem” foi utilizado de
apontadas pela Convenção dos Direitos da Criança (ONU/ forma genérica para se dirigir a humanidade, em termos de
UNICEF, 1990) em seu artigo 27°, o qual diz que é respons- linguagem, se referia tanto ao masculino como a feminino.
abilidade dos pais (o que deve-se considerar pais como o pai Quando o homem começa a compor o universo de pesquisas
e a mãe) ou dos cuidadores garantir as condições de vida ne- de gênero e estudos feministas, surge, então, termos como
cessárias ao desenvolvimento da criança, desta forma, estab- masculinidade, masculinidade hegemônica e masculinidade
elecendo o desempenho parental. tóxica. Para esta pesquisa nos deteremos ao conceito de mas-
Além disso, o exercício da parentalidade envolve uma culinidade, na perspectiva de gênero, a partir do entendi-
construção, a qual faz parte do processo de tornar-se pai e mento de que a construção da masculinidade é, sobretudo,
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social. Assim, entende-se que é ao longo do desenvolvimento não cuidado aos seus lhos, tema pouco debatido academica-
humano que o “ser homem” é apreendido. mente, mas que se apresenta comum na realidade.
“Se por um lado a masculinidade é poder, A compreensão de que mulheres são possíveis
por outro lado é terrivelmente frágil, pois autoras da violência sexual contra crianças
não existe como pensamos: uma realidade requer repensar a representação das feminili-
biológica, uma fortaleza indestrutível. Ela é dades para o cuidado e para a maternidade,
de “papel” existe apenas como um comport- assim como o da sexualidade feminina como
amento prescrito, mais desejável, segundo ex- passiva e isenta de desejos. Da mesma maneira,
pectativas socialmente formuladas, do que os baixos índices de denúncias da violência
efetivamente realizadas. (OLIVEIRA, 1998, p. sofrida por meninos estariam relacionados às
97)[456] expectativas sobre as normas de gênero em
relação às masculinidades
Tais expectativas inuenciam meninas e meninos
desde muito cedo, principalmente através da educação famil- Considerar a mulher para além do lugar materno
iar e comunitária em como “devem ser” para serem social- é uma das pautas tão presentes nos discursos feministas,
mente aceitos. E já no período da infância inicia-se a divisões tanto academicamente quanto nos movimentos de militân-
de papéis sociais que vão se acentuando ao longo dos anos. cia política. Com isso, discursos que desnaturalizam o ser mãe
Nas datas comemorativas, meninas ganham de presente do ser mulher e reposicionam esta experiência para o campo
bonecas, panelinhas, vassouras e o auge - cozinhas completas, do desejo, e não mais como destino. A mulher reconhece
já os meninos ganham carros super velozes, brinquedos de prazer também em outras relações, como a de trabalho por
construção, aviões, bola, bicicleta. Não é difícil perceber a exemplo.
intenção social de que meninas sejam treinadas para se adap-
tar ao universo doméstico e os meninos para se aventurarem O reconhecimento da sexualidade dos corpos
no universo público, descobrindo e aperfeiçoando suas habili- femininos e a expectativa do prazer levaram
dades e assim se moldando para o futuro provedor do lar. a novos comportamentos que romperam com
A maternidade como esse lugar social que está destin- a suposta passividade feminina. A mudança
ada as mulheres, de maneira indistinta, precisam ser prob- desses comportamentos está trazendo atual-
lematizadas urgentemente. É possível repensar discursos que mente rupturas nas relações entre homens e
denem e determinam que as características biológicas sejam mulheres. Estas começam a planejar o nasci-
intencionais para práticas sociais. Nesses discursos, por exem- mento de lhos e não aceitam mais os “casos”
plo, dene que as mulheres são boas cuidadoras porque são fora do matrimônio ou em uma relação estável
biologicamente frágeis, sensíveis e delicadas. Essas posições (NOTHAFT e BEIRAS, 2019)[457].
enrijecidas, tal como aponta Spaziani e Landinni (2020)
Essa discussão leva-nos a reetir sobre as divisões e
podem invisibilizar situações onde mulheres, assim como os
dicotomizações feitas entre homem e mulher, muitas vezes,
homens, também atuam como perpetradoras da violência e o
denidas dentro de uma lógica de dominação/submissão. A
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autora Scott (1990)¹² observa que é constante nas análises e certo afastando dos lhos (NEVES, 2017)[459].
na compreensão das sociedades um pensamento dicotômico e A pandemia de COVID 19, que atravessou nosso país
polarizado sobre os gêneros, a mulher é que cuida das crianças neste ano de 2020, afetou diferentes esferas, dentre elas as
e se responsabiliza-se por eles e o homem é autorizado social- relações familiares, já que inúmeras mudanças ocorreram na
mente a eximir-se, diga-se sem qualquer constrangimento, rotina de trabalho, cuidado com os lhos e convivência social.
dessa função. Frequentemente é percebido homem e mulher Com o intuito de melhor compreender o impacto dos cuid-
como instâncias totalmente distantes e opostas entre si, cuja ados para com os lhos no período da pandemia na vida das
marca dessa diferença está na superioridade do homem em mulheres, realizou-se uma pesquisa com famílias usuárias dos
relação à mulher. Reitera, ainda, a necessidade de implodir serviços do NEDDIJ. O principal objetivo consistiu na análise
com essa lógica, problematizar e desconstruir essa rígida po- das narrativas sobre as divisões de tarefas e responsabilização
larização e avançar para novas perspectivas de cuidado e do dos cuidados de crianças e adolescentes por parte de pais e
exercício da parentalidade. mães nesse período da pandemia. Consideramos que esta dis-
Mesmo assim, as mulheres seguem se reinventando ao cussão de gênero na educação dos lhos é essencial para prob-
passar dos anos para dar conta de todas as atribuições que lematizar práticas já instituídas e repensar novas formas de
lhes chegam, sendo majoritariamente as responsáveis pelo relações, mais humanizadas e igualitárias.
cuidado do lar, dos lhos, possuem um trabalho externo re- A pesquisa realizada contou com a participação de 14
munerado e muitas outras funções. Abandonando o papel que pessoas, usuárias dos serviços do NEDDIJ Guarapuava, das
antigamente lhe era atribuído como sendo apenas dona do lar. quais 78,6% se declararam do sexo feminino e 21,4% do
Com isso, a conguração atual vem sendo representada por sexo masculino. É importante considerar que este número é
casais ou pais que possuem a responsabilidade em comum de uma expressão majoritariamente feminina, as quais represen-
trabalhar fora cuidar da casa e dos lhos, mas mesmo sendo tam 11 das 14 pessoas entrevistadas. Grande parte dos par-
uma responsabilidade coletiva as divisões de tarefas nem ticipantes da pesquisa ocupam a função de mães, as quais
sempre são igualitárias. representaram 78,6% das respostas e apenas 21,4% como
Estudos de Moreno (2014)[458] apresentam que a maior pai. Mesmo com um número reduzido de respostas, diante
diferença no uso do tempo entre homens e mulheres está li- da realidade bem mais expressiva de famílias atendidas pelo
gado às atividades domésticas e de cuidados, o que dentro Núcleo, acreditamos que esses dados são signicativos para
do contexto histórico sempre foi exercido pelas mulheres. O análise da categoria de gênero na divisão de cuidados durante
trabalho do lar é imponderável e necessário, exigindo tempo a pandemia do covid-19.
das mulheres para a família e a casa. As ações desenvolvidas Uma das grandes mudanças advindas com a pandemia
não são lineares, exigem a realização de inúmeras atividades foi a alteração na conguração do trabalho, neste quesito a
e organização do tempo, o que gera diculdades de manejo pesquisa apontou que atualmente 42,9% dos entrevistados
do trabalho produtivo. Em algumas situações familiares onde estão trabalhando sem registro em carteira; 35,7% estão
o casal trabalha fora, percebe-se o peso das necessidades de desempregados e apenas 21,4% estão trabalhando com regis-
cuidado que os lhos apresentam, bem como com as ativi- tro em carteira. Ao serem questionados se a situação de
dades domésticas, pois o tempo para se dedicar aos trabalhos trabalho foi alterada desde que começou a pandemia, 57,1%
de casa tem cado cada vez menor, ocasionando também um dos entrevistados armou que sua condição de trabalho se
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Os estudos das crianças e adolescentes foi uma das sáveis pelas crianças, ou quando compartilhado o cuidado,
esferas afetadas por novos protocolos devido a pandemia, este alojado na gura de outras mulheres, como avós mater-
85,7% dos participantes armaram que seus lhos estão ma- nas, tias, madrinhas, vizinhas. Essas assimetrias de gênero no
triculados em alguma escola; 7,1% apresentaram que seus l- que diz respeito à divisão do cuidado dos lhos devem ser
hos não estão matriculados e 7,1% disseram que seus lhos(a) denunciadas, mais do que isso, tomadas como prioridade no
ainda não estão em idade escolar. Ainda neste sentido, 50% trabalho desenvolvido pelas instituições de apoio às famílias
dos participantes declararam que neste período de distancia- e, sobretudo, para a construção de políticas públicas que con-
mento social o contato com a escola tem sido através de um siderem essa peculiaridade, não permitindo que mães quem
grupo de WhatsApp; 14,3% apresentaram que é a escola que desamparadas nesse contexto pandêmico e nem em out-
entra em contato para passar as informações e atividades; ros, que possam existir em uma sociedade mais humanizada,
14,3% só possuem informações quando se direcionam à es- democrática e que compartilha o cuidado.
cola para buscar as atividades; 14,3% armaram não possuir
contato com a escola e 7,1% não possuem lhos em idade es-
colar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O relato de mães e pais atendidos pelo Núcleo de
Estudos e Defesa da Infância e Juventude- Neddij em Guar-
apuava-Paraná é um indicador que exige uma observação
cuidadosa. Para além de números quantitativos, esses dados
consistem nos grandes desaos que a pandemia do covid-19
impôs às famílias, mas, sobretudo, às mulheres brasileiras.
Como atravessador dessa problemática, não podemos negli-
genciar o fato de que as famílias vulneráveis socialmente
foram as mais afetadas nesse momento. E, portanto, a inter-
secção das categorias de raça, etnia e classe, para além de
gênero, são essenciais para incursões teóricas e práticas mais
problematizadoras e emancipatórias.
Os dados apontam uma desigualdade de gênero signi-
cativa no que diz respeito à responsabilização de mulheres e
homens no cuidado dos seus lhos nesse período tão particu-
lar de isolamento social, onde outros espaços de apoio às
famílias estão fechados. Fica evidente que na pandemia, as
mulheres assumiram majoritariamente o cuidado dos lhos,
as tarefas escolares, as rotinas de alimentação e higiene.
Em alguns casos, as mães estiveram como as únicas respon-
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cie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou bem como adotar as medidas administrativas
de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nasci- adequadas que forem aplicáveis[470].
mento, ou qualquer outra condição”[463]. Contudo, a violência
de gênero [464] e, em especial, a violência contra as mulheres, é Tais entendimentos foram importantíssimos para a
reconhecidamente um dos grandes impedimentos para a con- concepção de combate à violência contra a mulher. No con-
cretização dos objetivos de igualdade entre sexos. texto brasileiro, a década de 70 é marcada pelo surgimento
A violência contra a mulher perpassa as esferas intrafa- dos primeiros movimentos feministas organizados e politi-
miliar, doméstica, física, psicológica, moral, sexual, econôm- camente engajados em defesa dos direitos da mulher contra
ica, patrimonial e institucional [465]. Compreendida por Saoti o sistema social opressor. Mediante parcerias da sociedade
como a manifestação do sistema patriarcal para manutenção civil com o Estado, foram pensadas políticas públicas, que
da dominação da classe masculina sobre a feminina[466], tal resultaram na Conselho Estadual da Condição Feminina em
violência “não desapareceu com o m das caças às bruxas e a 1983; na raticação pelo Brasil da CEDAW em 1984; em 1985,
abolição da escravidão. Pelo contrário, foi normalizada”[467]. a implantação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; e
A m de combater as mazelas proporcionadas pela da primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM)[471].
violência contra a mulher, na década de 1980 foram criadas as No entanto, o que acontecia dentro dos lares não rece-
Delegacias de Mulheres, estimulando a denúncia e a proteção bia tratamento adequado pela legislação brasileira. Para Fed-
das vítimas. Com o crescente número de casos, foi revel- erici, a violência sempre esteve presente na família nuclear,
ada a necessidade de abordar o combate à violência de gên- “como uma mensagem nas entrelinhas”[472]. A histórica violên-
ero mediante ações de políticas públicas[468]. Nesse sentido, o cia doméstica era velada, escondida pelo entendimento de
Brasil raticou as Convenção da Organização das Nações Un- que não se discutia o que acontece nas relações familiares.
idas sobre Eliminação de todas as Formas de Descriminação O combate penal à violência contra a mulher, em especial
contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, no âmbito doméstico, foi reforçado pelo caso de Maria da
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher[469]. De acordo Penha. Maria da Penha Maia Fernandes, cearense nascida em
com o artigo 7º da citada Convenção: 1945, compartilha da mesma história de vida que milhares
de mulheres ao redor do mundo. Biofarmacêutica, casou em
Artigo 7. Os Estados Partes condenam todas 1976 com Marco Antonio Herredia Viveros. A relação apar-
as formas de violência contra a mulher e con- entemente baseada em amor e afeto se tornou, pouco a pouco,
vêm em adotar, por todos os meios apropria- abusiva. O medo constante, a tensão diária e as atitudes
dos e sem demora, políticas destinadas a pre- violentas de Viveros foram agregados ao cotidiano de Maria e
venir, punir e erradicar tal violência e a em- suas lhas. Em 1983, Viveros tentou matar Maria duas vezes.
penhar-se em: Na primeira, ela levou um tiro nas costas enquanto dormia, o
[...] que a deixou paraplégica; na segunda tentativa, que ocorreu
c) incorporar na sua legislação interna nor- poucos meses depois, foi empurrada da cadeira de rodas para
mas penais, civis, administrativas e de outra ser eletrocutada no chuveiro. Ao contrário de tantas vítimas
natureza, que sejam necessárias para prevenir, de violência doméstica, Maria da Penha sobreviveu e lutou
punir e erradicar a violência contra a mulher, por mais de 20 anos pela punição de seu agressor. A justiça bra-
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
sileira pouco fez e o julgamento, além de demorado, não puniu diploma legal.
satisfatoriamente Viveros[473]. Essa possibilidade de afastamento do trabalho encon-
Com o auxílio de ONGs, Maria da Penha conseguiu tra-se estabelecida no art. 9º, § 2º, inciso II, da Lei 11.340, de
levar o caso para a Corte Interamericana de Direitos Humanos 07.08.2006 (Lei Maria da Penha), com a seguinte redação [476]:
que, pela primeira vez, aceitou uma denúncia de violên-
cia doméstica. O Brasil acabou condenado por negligência e Art. 9º. (...)
omissão, recebendo a recomendação de criar uma legislação (...)
adequada para casos de violência doméstica. Assim, nasceu a § 2º. O juiz assegurará à mulher em situação de
Lei n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, em violência doméstica e familiar, para preservar
homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes[474]. Essa lei é sua integridade física e psicológica:
reconhecida pela Organização das Nações Unidas como uma (...)
das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à II – manutenção do vínculo trabalhista,
violência contra mulheres[475]. quando necessário o afastamento do local de
Nesse sentido, é de extrema importância frisar a pre- trabalho, por até seis meses.
ocupação da Lei Maria da Penha não somente na punição dos
Embora o art. 9º, § 2º, inciso II, da Lei Maria da
agressores, mas também na assistência à vítima. Isso ocorre
Penha, mencione a necessidade de determinação judicial de-
porque o ditame legal reconhece, além dos diferentes tipos de
terminando o afastamento do local de trabalho, compreen-
violência que podem ser cometidos (lesão, sofrimento físico,
demos, com respaldo no poder diretivo previsto no art. 2º da
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial), a necessi-
CLT, que os empregadores, por liberalidade ou negociação, po-
dade de promover a emancipação da mulher pelo trabalho e o
derão deferir o referido afastamento do posto de trabalho, a
amparo mediante apoio econômico.
m de que os objetivos de proteção à mulher previstos na Lei
Atualmente, são órgãos responsáveis em nível
Maria da Penha sejam cumpridos.
nacional especicamente pelo desenvolvimento e pela pro-
Também é possível que esse tipo de direito seja asseg-
moção de políticas públicas para mulheres a Ministério da
urado mediante negociação coletiva (Acordo Coletivo de Tra-
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com atuação es-
balho ou Convenção Coletiva de Trabalho), independente-
pecíca realizada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres
mente de ordenação judicial.
e por órgão colegiado, denominado Conselho Nacional dos
A modalidade de afastamento do trabalho prevista no
Direitos da Mulher.
art. 9º, § 2º, inciso II, da Lei 11.340, introduz uma possi-
2. Afastamento da mulher do local de trabalho no caso de bilidade de garantia de emprego, uma espécie de estabilidade
violência contra a mulher (Lei Maria da Penha) prossional provisória, de até 6 (seis) meses, durante o qual
a mulher em situação de violência familiar ou doméstica não
O objeto especíco deste estudo reside na hipótese do poderá ser demitida, ainda que não possa comparecer ao tra-
afastamento do local de trabalho da mulher vítima de violên- balho. Essa gura de garantia de emprego decorre da literalidade
cia, conforme assegurado pela Lei Maria da Penha. Nesta caso, da lei, que menciona textualmente a “manutenção do vínculo
pretende-se examinar a desproteção salarial vislumbrada nesse trabalhista”.
270 271
EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
De outra parte, questão de complexidade maior re- sua conclusão esbarra na ausência de previsão legal expressa
side na natureza jurídica desse afastamento compulsório por (princípio da legalidade), sendo inviável, no atual panorama
até seis meses, se equivale a suspensão ou interrupção da jurídico, exigir-se ao empresariado a continuidade dos paga-
prestação de serviços, e quais seus efeitos salariais. mentos nessas hipóteses.
Os argumentos que enquadram a gura do art. 9º, § 2º, O caso exemplicado pela doutrina, consubstanciado
II, da Lei 11.340/2006, como suspensão do contrato de trabalho, na OJ 44 do TST, não corresponde perfeitamente ao caso
residem na órbita do princípio da legalidade (DELGADO, 2017, em discussão, vez que já havia expressa previsão, no próprio
p. 1.229). Texto Constitucional, acerca da fruição da licença-materni-
De fato, a norma em tela assegura a estabilidade no dade por 120 dias (não mais aos parcos 86 dias então indi-
emprego, durante 6 meses, mas em nenhum momento deter- cados na CLT), e esse instituto já era tradicionalmente visto
mina, expressamente, a continuidade dos pagamentos e out- como interrupção do contrato de trabalho, ensejando a necessi-
ros efeitos do contrato de trabalho, como contagem de tempo dade do pagamento salarial.
de serviço. Some-se a isso o fato de que se trata de afastamento Cenário bem diverso decorre na hipótese do art. 9º, §
compulsório imposto ao empregador, geralmente por deter- 2º, II, da Lei 11.340/2006, em que apenas se descreve uma
minação judicial, ato alheio ao seu poder diretivo empresar- garantia de emprego, sem que se incursione sobre os aspectos
ial. remuneratórios.
Parcela da doutrina busca congurar a hipótese Dentro do modelo jurídico atual, sob a perspectiva tra-
tratada no art. 9º, § 2º, II, da Lei 11.340/2006, como gura balhista, essa situação tratada no art. 9º, § 2º, inciso II, da Lei
de interrupção do contrato de trabalho. O principal argumento 11.340 congura uma fórmula de suspensão do contrato de
nesse jaez gira em torno da concepção de que em outras cir- trabalho, o que implica na inexistência da obrigatoriedade do
cunstâncias em que não houve previsão legal foi possível, por pagamento de salários e do cômputo do tempo de serviço.
interpretação extensiva e analógica, congurar hipóteses de É possível, porém, a partir de outros elementos que já
interrupção contratual. existem no ordenamento jurídico nacional, a elaboração de
Nesse sentido, ilustra-se essa argumentação com a uma solução diferente para essa questão. Cogitamos, essen-
ampliação da licença-maternidade de 86 dias, conforme pre- cialmente, dois novos caminhos.
visão original da CLT, para 120 dias, tal qual trazido pela A primeira possibilidade seria identicar que é mais
Constituição Federal de 1988, até que fosse editada a Lei adequado congurar essa hipótese de afastamento do tra-
8.213/91, que estabeleceu a gura do salário-maternidade por balho como interrupção do contrato de trabalho, e não somente
todo esse período de 120 dias. Esses 34 dias de acréscimo na caso de suspensão, implicando na obrigação da continuidade
licença-maternidade, caracterizando todos eles interrupção do pagamento dos salários e cômputo de tempo de serviço.
do contrato de trabalho, foram justicados a partir do conteúdo Essa possibilidade, porém, depende de alteração legis-
do art. 7º, XVIII, da Constituição Federal de 1988, que assegura lativa que a introduza no rol do artigo 473 da CLT (valendo
esse direito às mães, redundando na OJ 44[477] da SDI-, do TST também sua previsão a partir de negociação coletiva - acordo
(DELGADO, 2017, p. 1230). ou convenção coletiva de trabalho).
Em que pese acordarmos com o autor citado quanto à Por outro lado, e quiçá como estratégia de política
relevância e escopos do instituto ora analisado, pensamos que pública (ao mesmo tempo econômica, de gênero e de direitos
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
humanos), seria ainda mais conveniente que a responsabili- trabalho em situação de violência doméstica ou familiar.
dade pela remuneração da trabalhadora não casse a cargo
do empregador, tal qual ocorre em relação ao benefício de O entendimento de que é do Instituto Nacional do
salário-maternidade, mas sob o ônus da Seguridade Social, Seguro Social (INSS) o ônus de arcar com os custos remuner-
criando-se nova modalidade de benefício previdenciário, que atórios da mulher afastada do ambiente de trabalho em razão
seria devido nesses casos de afastamento do trabalho decor- de violência doméstica e familiar encontra respaldo também
rente de violência, nos termos da Lei Maria da Penha, e que na jurisprudência.
seria pago em substituição aos rendimentos salariais da segur- Em decisão recente, a Sexta Turma do Superior Tribu-
ada. nal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 1.757.775/SP, entendeu
Segundo DELGADO (2017, p. 1229), essa omissão en- que a vítima de violência doméstica e familiar que teve como
contrada na Lei Maria da Penha indica nitidamente um espaço medida protetiva imposta ao empregador a manutenção de
a ser preenchido com política de Seguridade Social, e não en- vínculo trabalhista em decorrência de afastamento do emp-
cargo trabalhista. Em suas próprias palavras: rego tem direito ao recebimento de salário durante o período
de afastamento.
Complete-se a argumentação insistindo que o Na hipótese dos autos, o Juiz Criminal reconheceu as
fato ser a lei omissa, em contexto de xação diversas ameaças de morte recebidas pela vítima, xando me-
de regra de Seguridade Social (ao invés de ter didas protetivas em relação à aproximação do réu e ao esta-
imposto ao Estado os custos da medida pro- belecimento de contato por qualquer meio de comunicação.
tetora da mulher) não transfere para o empre- Contudo, mesmo com tais medidas, a vítima necessitou
gador, principalmente o privado, os custos e mudar-se para outra localidade, de modo que o afastamento
encargos de nítida política de seguridade so- do emprego foi necessário.
cial. Nesse sentido, diante da interpretação teleológica da
Lei Maria da Penha e do dever de proteção à mulher contra
A adoção desse novo benefício a cargo da Seguridade toda a forma de violência assumido pelo Estado no art. 226,
Social seguiria trajetória semelhante àquela concebida pela parágrafo 8.º, da Constituição Federal, entendeu o STJ que a
OIT na Convenção 103, relativa ao salário-maternidade, que natureza jurídica mais adequada ao caso de afastamento prev-
atribui esse encargo econômico ao Estado, e não às empresas, isto pela Lei Maria da Penha seria de interrupção do contrato
de sorte a funcionar também como política antidiscrimin- de trabalho.
atória em relação à mulher. O relator, ministro Rogério Schietti Cruz, destacou que
Outrossim, esse mecanismo de lege ferenda também en- a situação de violência vivenciada pela vítima consiste em
contraria respaldo no artigo 7º, inciso XX, da Constituição ofensa à integridade física e psicológica da mulher, de modo
Federal: “XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, que deve ser equiparada aos casos de incapacidade, incidindo
mediante incentivos especícos, nos termos da lei”. a possibilidade de concessão de auxílio doença.
Isso porque ainda que a referida hipótese não esteja
3. Análise da decisão proferida pelo STJ no REsp 1.757.775/
inclusa no rol de benefícios previstos no art. 18 da Lei n.º
SP: concessão de auxílio-doença para a mulher afastada do
8.213/91, não seria admissível interpretação em prejuízo da
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vítima, já que o propósito da Lei Maria da Penha é justamente dade de suprir a omissão deixada pelo legislador. Contudo,
a proteção integral à mulher vítima de violência. O papel do acreditamos que algumas ponderações devem ser realizadas
Poder Judiciário, nesse sentido, é o de afastar qualquer pos- em relação aos moldes em que se propôs a concessão do
tura que impute à vítima o papel de arcar com os danos oriun- benefício previdenciário.
dos da imposição de medida protetiva. Em primeiro lugar, frisa-se que não há que se falar em
Nestes termos, diante da omissão legislativa, ne- ausência de prévia fonte de custeio. Sabe-se que o art. 195,
cessária a aplicação analógica da legislação previdenciária, parágrafo 5.º assim estabelece:
ao que o relator propõe como “processo de integração” em Art. 195. A seguridade social será nanciada por
contraposição à lacuna normativa. Nessa esteira, destacou-se toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
a necessidade de um processo de humanização da vítima, de termos da lei, mediante recursos provenientes dos
modo que somente o reconhecimento da violência no âmbito orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
legislativo e jurisprudencial não seria suciente. Haveria a ne- Federal e dos Municípios, e das seguintes con-
cessidade de implementação de mecanismos, neste caso juríd- tribuições sociais:
icos, que protejam efetivamente as vítimas. § 5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade
Nesse sentido, semelhante ao que ocorre nos casos social poderá ser criado, majorado ou estendido
usuais de concessão do benefício de auxílio doença, o empre- sem a correspondente fonte de custeio total.
gador seria responsável pelo pagamento dos 15 (quinze) pri- Contudo, o afastamento previsto na Lei Maria da Penha
meiros dias de afastamento da segurada vítima de violência é assegurado à mulher que possui vínculo de trabalho, ou
doméstica e familiar e, na sequência, o INSS realizaria o paga- seja, fala-se da segurada empregada. Neste caso, a contribuição
mento do 16.º dia em diante, respeitando-se o período de afas- previdenciária é descontada automaticamente da remu-
tamento xado em juízo. neração realizada pelo empregador, que tem possui o ônus de
De acordo com a decisão, ao contrário dos casos usuais efetuar o recolhimento à Previdência Social.
de concessão de auxílio doença em que seria necessária a ap- Em segundo lugar, analisa-se em quais medidas o insti-
resentação de atestado que comprove a situação de incap- tuto do auxílio doença pode ser equiparado à hipótese de afas-
acidade para o trabalho, no presente caso somente haveria a tamento do trabalho em razão de violência doméstica.
necessidade de apresentação do documento de homologação Nesse sentido, importante destacar quais são os re-
ou determinação judicial de afastamento do trabalho em quisitos que autorizam a concessão do benefício previden-
decorrência de violência doméstica e familiar, a m de que se ciário em comento. É o que estabelece o art. 59 da Lei
comprove a “incapacidade” da segurada. 8.213/91, que assim dispõe:
O voto foi no sentido de otimizar os princípios e re- Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segur-
gras introduzidos pela Lei 11.340/06, superando a timidez ado que, havendo cumprido, quando for o caso,
hermenêutica e esclarecendo que a solução mais razoável à o período de carência exigido nesta Lei, car in-
omissão legislativa trazida pelo art. 9, § 2º, inc. II, da Lei Maria capacitado para o seu trabalho ou para a sua
da Penha é a imposição do ônus remuneratório ao INSS. atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias
Pois bem. Não se discorda que a decisão possui consecutivos.
grande relevância, principalmente quando expõe a necessi- Nestes termos, tem-se que o benefício previdenciário
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é concedido quando preenchidos três requisitos estabeleci- Lei Maria da Penha está longe de ser adequada.
dos pela legislação, quais sejam: a manutenção da qualidade Isso porque o fato gerador do benefício de auxílio
de segurado, o cumprimento da carência exigida (em regra, 12 doença previsto no art. 59 da Lei 8.213 é a comprovação de
meses[478]) e a comprovação de incapacidade para trabalho incapacidade. Refere-se, neste caso, a um infortúnio, um caso
ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias. de imprevisão, um benefício que deve ser utilizado de forma
Pois bem. Em relação ao primeiro requisito, isto é, individual.
a manutenção da qualidade de segurada, não há nenhuma A hipótese de afastamento prevista na Lei Maria da
controvérsia, uma vez que, quando se fala em benefício previ- Penha, por outro lado, tem como fato gerador uma situação
denciário, há evidente necessidade de liação e contribuição de violência. Neste caso, quando se fala na responsabilização
ao Regime Geral de Previdência Social. Outrossim, há a pre- do Estado em termos remuneratórios, fala-se em garantia
sunção de que a segurada vítima de violência doméstica es- de proteção à mulher vítima de violência através de uma
tava prestando serviços de modo usual até a necessidade de política pública. A utilização do termo incapacidade, além de
afastamento em razão da violência sofrida. minimizar e mascarar a origem real da necessidade de afasta-
Em relação ao requisito de carência, tem-se que há con- mento, contribui por gerar um estigma ainda maior à vítima,
cessão do benefício de auxílio doença àquele que comprovar o atribuindo a ela uma inaptidão, quando, em verdade, há uma
preenchimento de carência de 12 (doze) meses, nos termos do situação de violência, seja ela física, moral, sexual, patrimo-
art. 25, inc. I, da Lei 8.213/91 e salvo nas hipóteses previstas nial, que a impede de exercer sua atividade laborativa.
no art. 26, inc. II, do mesmo diploma legal. Ocorre que o afas- É nessas condições, portanto, que se defende neste
tamento previsto na Lei Maria da Penha trata-se de medida trabalho a criação de um novo benefício previdenciário que
emergencial, de modo que a necessidade de cumprimento de atenda de forma adequada a situação prevista no art. 9, § 2º,
carência acabaria por esvaziar seu propósito de proteção à inc. II, da Lei Maria da Penha.
mulher vítima de violência doméstica e familiar. Em razão das limitações que o formato de artigo
Também há que se fazer algumas ponderações em impõe, não será possível esmiuçar o modelo de benefício pro-
relação ao requisito de comprovação de incapacidade posto, mas coloca-se em xeque a necessidade de uma reexão
laborativa. A m de equiparar a incapacidade proposta no a respeito.
benefício de auxílio doença à necessidade de afastamento Os autores defendem um modelo de benefício que se
prevista no art. 9, § 2º, inc. II, da Lei Maria da Penha, a Sexta assemelhe ao benefício de salário maternidade, nos termos
Turma do STJ entendeu que a situação de violência viven- da Convenção 103 da OIT. Neste caso, o benefício não exi-
ciada pela vítima consiste em ofensa à integridade física e giria o cumprimento de carência, em razão de tratar-se de
psicológica da mulher, de modo que deve ser equiparada aos medida emergencial. Haveria a necessidade de comprovação
casos de doença. da qualidade de segurada, por tratar-se de benefício previ-
Ora, ainda que a concessão do auxílio doença tenha denciário. E, diferente do auxílio doença, em que se estaria
sido realizada através de uma interpretação extensiva da le- comprovando uma incapacidade, que não é o caso, haveria
gislação previdenciária em benefício da vítima, não se pode a exigência tão somente da apresentação de documento de
ignorar que a equiparação entre a incapacidade prevista na Lei homologação ou determinação judicial de afastamento do
8.213/91 e a violência doméstica e/ou familiar abrangida pela trabalho em decorrência de violência doméstica e familiar,
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a tornou aos olhos dos prossionais da saúde mais resiliente invasivos, deslegitima a dor feminina e a obriga a permanecer
a dor e capaz de suportar o processo de parto sem analgesia, em silêncio diante da violência.
além de ter sua dor silenciada através de represálias acerca de A própria história da ginecologia se confunde com a
seus gritos de sofrimento. história da maculação dos corpos negros. O médico J. Marion
A Organização Mundial da Saúde (OMS)[484] reconheceu Sims[487] realizava práticas ginecológicas em mulheres negras
que esse ultraje permeia a gravidez de mulheres ao redor escravizadas sem que essas recebessem nenhuma espécie de
do mundo, sendo aquelas que se enquadram nas minorias, anestesia. Negras que passaram por essas agressões acordadas
como baixo poder aquisitivo, negras/ étnicas e imigrantes, e caladas pois não detinham domínio sobre seu próprio corpo.
as maiores vítimas na incidência da violência obstétrica. Séculos após, os corpos negros permanecem nas macas vul-
De acordo com a Fundação Perseu Abrano [485], uma em cada neráveis, expostos a violência e por diversas vezes, sem re-
quatro mulheres é vítima de violência obstétrica. ceber anestesia e silenciadas pelo medo e hierarquia impostos
O presente artigo tem como objetivo retratar as difer- pelos prossionais da saúde
entes formas da violência obstétrica sob a perspectiva do ra- Atualmente, muitos prossionais de saúde ainda não
cismo estrutural e as suas consequências. Provocando assim, se percebem como objeto de engrenagem da instituição re-
a indagação sobre a falta de políticas públicas na proteção dos fratária do racismo. Rejeitam o termo “violência obstétrica” e
direitos das mulheres negras e a ineciência estatal na pro- não reconhecem sua participação na prática de tais atitudes,
teção desses corpos. Baseando-se em uma pesquisa bibliográ- pois não admitem serem rotulados como autores da violên-
ca, bem como documental, e de abordagem qualitativa com cia. A não apropriação do termo, torna o debate e a busca por
cunho expositivo. soluções ainda mais custosa, tendo em vista que a prática está
tão inerente ao prossional que esse não consegue associá-la a
Engrenagens da violência uma violação aos direitos da gestante.
Ao fazermos o recorte racial na violência obstétrica
“Na hora de fazer você não gritou”
resta comprovado o fator raça como determinante para maior
“Ano que vem você volta, então não adianta chorar”
incidência de tal prática criminosa. Não obstante, a violên-
“Cala a boca e ca quieta, senão eu deixo você aí sentindo
cia obstétrica ocorre de modo mais intenso e extenso contra
dor” [486]
a mulher negra. Isso se dá em decorrência do julgamento ao
O processo de parto moderno tornou um momento corpo negro estar diretamente associado sob a ótica eugenista
de caráter íntimo e único, em medicalização e memórias à violência. Os prossionais integrantes do ciclo gravídico-
por vezes traumáticas. O prossional integrante do ciclo puerperal praticam as violações de modo a se eximir de pedir
gravídico-puerperal coloca-se em posição hierárquica per- a autorização para realizar procedimentos invasivos, sob a jus-
ante a gestante enquanto detentor do conhecimento e, em ticativa desumana da lógica colonialista de determinar ao
consequência disso, do poder. Ao passo que a mulher perde a corpo do outro o que é melhor, a legitimação do excesso de
autonomia de escolha com relação àquilo que será feito em força e gritos de repreensão a mulher, além do fomento a não
seu próprio corpo. Nesse cenário, o prossional não solicita o medicalização da mulher negra.
consentimento da mulher para realização de procedimentos Enquanto alguns países da América Latina já tipic-
aram criminalmente a conduta da violência obstétrica[488],
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o Ministério da Saúde do Brasil em 2019 posicionou-se o- As violências contra a mulher grávida, parturiente ou
cialmente acerca da condenação do termo [489]; incentivando, puérpera se manifestam em diversas formas. Dentre as mais
inclusive, sua abolição. Alegou-se a rejeição sob justicativa recorrentes encontra-se a negação a presença de um acompan-
que tal nomenclatura teria conotação inadequada, por não hante no momento do parto, as deixando sozinhas nesse mo-
agregar valor e prejudicar a busca do cuidado humanizado no mento de fragilidade. Tal impedimento constitui prática ilí-
processo de gestação, parto e puerpério. cita conforme versa Lei Federal nº 11.108/2005 que assevera
Depreende-se do posicionamento do Ministério o direito ao acompanhante, a RDC 36/2008 da ANVISA, as RNs
da Saúde o descaso com a prática criminosa da violação dos 211 e 262 da ANS e o Estatuto da Criança e do Adolescente, no
direitos reprodutivos das brasileiras. O posicionamento do caso das adolescentes grávidas.
Brasil segue na contramão do mundo, ao passo que, a violên- A enfermeira obstétrica e pesquisadora Larissa Lages,
cia obstétrica é considerada pela OMS como uma das formas em seu trabalho intitulado: "Caracterização do cuidado obsté-
de violência moderna contra a mulher. Ao creditar o termo trico em hospitais de ensino de alto risco: um estudo de corte
‘violência obstétrica’ como inadequado, o Estado reforça a retrospectivo", [491]analisou a violência obstétrica cometida
negligência contra os corpos das mulheres principalmente se em 291 pacientes do sistema de saúde de Alagoas. Seus dados
esses carregam o fardo da pele negra. demonstraram que 91,9% das mulheres pariram em posições
A dominação masculina dos processos socioculturais não supinas ou não orgânicas, ou seja, submissas e em posição
guiou os rumos da civilização. Com a expansão dos movimen- apenas favorável ao médico. Outrossim, demonstrou-se tam-
tos feministas, a luta das mulheres por uma maior igualdade, bém que apenas 4,9% das parturientes foram informadas a
liberdade e domínio das suas vidas e seus corpos, adquiriu respeito dos motivos que justicariam a cesárea e que pouco
uma maior amplitude. A lósofa, escritora e feminista Simone mais de 15% sofreram o procedimento de episiotomia.
Beauvoir acreditava que não se nasce mulher, mas torna-se A resolução de nº 1.931 do Código de Ética Médico pre-
mulher sobre os moldes da sociedade misógina que constrói coniza no art. 34[492] a vedação ao prossional acerca de não
o ideal de mulher de modo a reforçar sua subserviência e informar a paciente diagnósticos, prognósticos, riscos e objet-
vocação ao lar e a maternidade. Nesse sentido, para a autora ivos do tratamento. Ao não informar a paciente as razões pelas
“nenhum destino biológico, psíquico, econômico dene a quais o procedimento da cesárea se deu, o prossional além de
forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; violar o expresso em seu Código de Ética, também demonstra
é o conjunto da civilização que elabora esse produto inter- desrespeito absoluto pela paciente e aos princípios da human-
mediário entre o macho e o castrado que qualicam o femin- ização da assistência. No Brasil, cerca de 90% dos partos são
ino”.[490] cesáreas[493], enquanto a OMS recomenda[494] em torno de 15%.
Médicos e prossionais envolvidos nas primeiras con- Esse retrato revela como as instituições médicas enxergam as
sultas até os nascimentos e procedimentos pós-parto, util- mulheres apenas como objeto de atuação e não como sujeito
izam-se do conhecimento técnico-prossional, envolto de de direitos.
uma relação hierárquica, para tratar as pacientes como ob- É sabido que o processo de gestação negra sofre desval-
jetos de intervenção prossional, sem vontades ou direito de orização sob a ótica dos cuidados médicos. As mulheres em
escolha em total submissão, medicalizando um momento de processo de maternidade negra carregam o fardo de terem
caráter íntimo e único. mais chances de um pré-natal inadequado e uma materni-
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dade desvinculada dos cuidados necessários. Além disso, são reduzido a taxa de mortalidade materna, no ano de 2014,
as pretas que mais sofrem da ausência de anestesia local para os números foram de 64 óbitos por 100 mil nascidos vivos,
a episiotomia e da ausência de acompanhante no momento o dobro da meta xada nos Objetivos de Desenvolvimento
do parto. A professora de Epidemiologia e pesquisadora Maria do Milênio. Perduram as gestantes pretas e pardas como as
do Carmo Leal aponta que as chances de uma mulher preta ou maiores vítimas.
parda tem maior risco de sofrer violência obstétrica através
da ausência do acompanhante e pré-natal inadequado do que a Dor maior que o Parto
puérpera branca.[495]
“Infelizmente nós, mulheres negras, já ouvimos muito que
A diretora de programas de Ações Armativas da SEP-
temos um quadril largo e que podemos sentir um pouco mais de
PIR, Larissa Borges[496] declarou que os prossionais de saúde
dor, que não necessitamos de analgesia. A mulher negra está mais
enxergam a dor das mulheres negras como algo que pode ser
vulnerável à violência obstétrica” [500].
postergado. Além de reforçar sobre a necessidade de examinar
a perspectiva racial na propositura de políticas públicas, asse- A Constituição cultural do corpo negro no Brasil
vera que o racismo estrutural é decisório nas formas de nascer, colônia, teve respaldo cientíco religioso de legitimação da
viver e morrer. superioridade ariana. Ao legitimar as noções de corpos em
Os índices despontados no Relatório Anual Socio- hierarquias nas quais a mulher negra estaria no maior nível de
econômico da Mulher (RASEAM)[497] expõe que, no Brasil, a submissão, acarreta reexos até os dias atuais. Congruente a
causa de morte na gravidez é predominantemente direta. isso, o sociólogo Jessé Souza assevera que as estruturas hierár-
Em outros termos, signica que são aquelas mortes causadas quicas existem para “legitimar pré-reexivamente a suposta
por complicações obstétricas na gravidez, parto e puerpério, superioridade inata de uns e a suposta inferioridade inata de
ocorridas por omissão, intervenção, tratamento ou atendi- outros”.[501]
mentos incorretos. Isto signica, vidas que poderiam Ao reconhecer a questão racial como uma determin-
ser preservadas se tivessem acesso ao procedimento digno e ante social que inui na promoção de iniquidades quanto a
humanizado que não só recomendado como assegurado pela saúde e fatores de risco que assolam as vidas negras, o Min-
Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discrim- istério da Saúde através da portaria nº 992/2009 elaborou a
inação contra a Mulher. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra[502].
Os Estados-Partes garantirão à mulher as- Firmou-se então uma política transversal na extenuante luta
sistência apropriada em relação à gravidez, ao em prol da equidade no tratamento imposto as pessoas negras
parto e ao período posterior ao parto, propor- no Sistema Único de Saúde.
cionando assistência gratuita quando assim Similarmente, desenvolveu-se pelo SUS, o programa
for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição SISPRENATAL [503], cuja essência baseia-se em garantir o moni-
adequada durante a gravidez e a lactância.[498] toramento da qualidade e assistência no atendimento as
A Organização das Nações Unidas estabeleceu como gestantes e dos recém-natos. Contudo, o racismo institucion-
seu quinto objetivo do milênio, a diminuição no número alizado em concomitância com a falta de divulgação das me-
de mortes advindas de causas obstétricas. Contudo, o RA- didas existentes e a ampliação a nível nacional, impede a
SEAM[499] também informou que, apesar de o Brasil ter
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mento de parto cesáreo ainda que sob manifestação expressa cesso de resistência no qual luta pela não banalização de seu
de recusa da mulher. corpo.
Tais violações são validadas partindo da visão, Outrossim, a Coordenadora da Área Técnica de Saúde da
como já mencionada, eugênica de que as mulheres negras Mulher/MS, assevera a intenção em monitorar a forma como
possuem estrutura corporal animalesca, as comparando aos as mulheres estão sendo cuidadas desde a descoberta da gravi-
equinos. E utilizam-se de tal armação como escudo para dez, através do SISPRENATAL [506]. No qual objetiva-se acom-
praticar a violência obstétrica e violar os direitos humanos e panhar e registrar os atendimentos feitos na assistência ao
reprodutivos dessas gestantes. pré-natal e puerpério, bem como contribuir para identicar
Isto posto, torna-se impossível desassociar a violência os fatores de risco e a classicação do risco gestacional.
obstétrica à violência física e psicológica cometida contra as A sujeição da paciente às decisões do prossional de
mulheres negras. Os traumas vividos no momento do parto saúde não ocorre mediante esclarecimento sobre os procedi-
acompanham a mulher por toda a vida. A despeito de não mentos a serem realizados tampouco mediante o consenti-
reconhecer-se enquanto vítima da violência obstétrica, já que mento por parte da mulher. Isto posto, é mister a participação
a violação também perdura de forma velada ou para além do efetiva do legislativo e judiciário para garantir a práxis dos
conhecimento comum, tamanho suplício alastra-se no ínmo direitos humanos e reprodutivos das mulheres. Urge o clamor
feminino sustentando traumas físicos e psicológicos por toda negro feminino na sociedade para que sua voz e escolhas sejam
a vida. A sujeição da paciente às práticas e decisões do pro- não só respeitadas como também atendidas.
ssional apesar de naturalizada no campo da saúde, trata-se Insurge a necessidade, portanto, de que o Governo,
de uma execrável violação aos corpos e aos direitos das mul- através de projetos de lei, obrigue a inclusão do sistema
heres. privado ao Sistema Nacional de Acompanhamento e Moni-
Considerações Finais toramento da Qualidade da Atenção ao Parto. Não obstante,
A prática criminosa de submeter a mulher grávida a a valorização do SUS, a reciclagem de seus prossionais de
procedimentos médicos sem que haja seu consentimento, modo a promover a reeducação no que diz respeito aos corpos
advém da compreensão destes corpos femininos enquanto ob- das gestantes, em especial as mulheres negras; e que haja a
jeto de subserviência e menor capacidade de escolha acerca política de incentivo a redução das cesáreas desnecessárias.
de seus próprios corpos. Os prossionais da saúde, reverberam É sabido que uma das atuais formas de combate ao atual
o machismo estrutural nas práticas obstétricas impondo às quadro de violência materna entre as mulheres negras se dá
gestantes suas decisões acima das vontades da mulher. através da Política Nacional de Saúde Integral da População
Ademais, no que se refere ao corpo da mulher negra, Negra (PNSIPN)[507] junto da a ação scalizadora do Poder Le-
tal gestante carrega consigo o fardo de suportar condutas gislativo sobre a execução da PNSIPN, que visa reduzir as taxas
machistas, e racismo ao longo de sua gestação expressos nas da violência obstétrica e assegurar um atendimento congru-
mais diversas formas de violência. Seja através do descaso ente ao princípio da Isonomia e que não viole direitos repro-
com o pré-natal e comentários inoportunos e desrespeitosos dutivos.
acerca de seus corpos ou a própria violência física através Por conseguinte, faz-se necessário garantir a segurança
de manobras expressamente condenadas pela OMS,a mulher da parturiente em todas as suas formas. A 4ª Conferência
negra atravessa em seu processo gravídico também um pro- Internacional sobre Humanização do Parto e Nascimento,
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deniu como objetivos difundir e aprofundar o conhecimento cisões desde o pré-natal até o momento do parto, tendo suas
sobre humanização do parto, dando visibilidade as experiên- escolhas respeitas e direitos assegurados.
cias exitosas. Além da redução de cesárias no brasil e no exter-
ior para promover a estruturação de serviços humanizados na
assistência à gestação e ao parto.
Partindo da premissa que as mortes decorrentes de
causas obstétricas despontam como um número alarmante
em todo o mundo, o Brasil peca no cumprimento do quinto
objetivo do milênio proposto pela Organização das Nações
Unidas (ONU), qual seja a efetiva redução de tal número. Não
obstante, afasta-se do objetivo primário de garantir que as
mulheres obtenham autonomia e dignidade na hora do nasci-
mento de seu lho, bem como menores riscos de óbito a ela e
ao nascituro.
Contudo, a maior parte das gestantes brasileiras não é
alcançada elos atuais sistemas de acompanhamento assisten-
cial ao ciclo gravídico-puerperal permanecendo a mercê do
modelo obstétrico eugenista, classista e racista. Por vezes
grande número de mulheres sofre situações de violência ob-
stétrica no Sistema Único de Saúde, tendo cerceado seu dire-
ito de escolha. Diante disso, emerge o polêmico debate acerca
da prática da cesárea sem indicação médica sob a exegese do
direito de escolha da mulher sobre seu corpo e seu próprio
parto.
O processo de violência obstétrica dá-se de maneira
cíclica e remete as violências inigidas aos corpos negros no
período colonial, onde a gestante negra é vista como vida de
menor valor e objeto da realização do trabalho, o médico faz
o papel de capitão do mato e o sistema de saúde eugenista
é o senhor de engenho. O prossional de saúde obstétrica é
sujeito ativo da engrenagem violenta e carece reconhecer-se
nesse papel para que possa, nalmente, desvincular-se de tal
estrutura. É preciso que haja a descolonização do corpo da
mulher negra e que as gestantes sejam vistas como detentoras
e produtoras de saberes. Faz-se mister, portanto, que as mu-
lheres sejam acima de tudo ouvidas para as tomadas de de-
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doutrinas nacional e internacional. necessidades especiais, que começaram a receber novos trata-
mentos.[513]
1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO DE ACEITAÇÃO Já no século XIX, com a Revolução Industrial, houve um
DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE E A HOD- cuidado maior para com os grupos minoritários. Estes indi-
IERNA LEGISLAÇÃO PROTETIVA víduos passaram a ser vistos como seres humanos, ainda que
desafortunados perante à sociedade. Com isso, pôde-se ver en-
Antes de aprofundar-se na questão da maternidade da
tidades estudando as diculdades das pessoas com deciência
pessoa com deciência, exige-se examinar como se procedeu
e buscando alternativas para seu tratamento.[514]
o processo histórico que inseriu este indivíduo na sociedade
Entretanto, ainda não se buscava integrar tais pessoas
como um sujeito de direitos. Além disso, cabe destacar o
à sociedade ou às suas famílias, mas surgiram as primeiras
avanço da nova legislação brasileira que protege e assegura os
tentativas na Europa e nos Estados Unidos de desenvolver
direitos destes agentes.
estratégias educacionais para que as pessoas com deciência
O diferente sempre despertou a curiosidade ou o de-
pudessem produzir bens e serem responsáveis por sua sub-
sprezo das pessoas em todas as épocas e sociedades. Assim,
sistência.[515]
duas são as reações para com as pessoas com deciência: uma
Apenas no início do século XX criou-se mecanismos le-
em relação à aceitação, à tolerância, ao apoio e à assimilação
gais que visavam garantir e proteger os direitos das pessoas
e uma outra em relação à eliminação, ao menosprezo ou à
com deciência em diversos países ao redor do mundo. Assim,
destruição.[511]
surgiu uma nova concepção de que estes indivíduos poderiam
Na Era Pré-Histórica haviam grupos que aceitavam e
participar na vida comunitária e nos cuidados familiares.[516]
acolhiam as pessoas que necessitavam de apoio para realizar
Com isso, é possível visualizar que as pessoas com de-
as atividades básicas. Contudo, as viam como um obstáculo
ciência percorreram um longo trajeto de discriminação e ex-
a ser eliminado nos momentos da migração, desencadeada
clusão até que nalmente pudessem ser reconhecidas como
pela escassez de alimentos, visto a diculdade de locomoção
sujeitos de direitos e obrigações. Neste sentido, destaca-se os
delas. Assim, era comum, grupos que já exerciam a agricultura
avanços legislativos ocorridos nas últimas décadas, inclusive,
eliminar estas pessoas em razão de sua inutilidade econôm-
no Brasil.
ica, uma vez que elas que não podiam auxiliar no plantio.
Assim, menciona-se a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da
Além disso, para muitos, as pessoas com deciência tinham
Pessoa com Deciência) que assegura e promove o exercício
ligação com o sobrenatural, o que afetava negativamente,
dos direitos e das liberdades fundamentais à pessoa com de-
ou em alguns casos, positivamente, o modo como elas eram
ciência, em prol de sua inclusão social e cidadania.[517]
tratadas.[512]
Segundo a referida Lei, pessoa com deciência (PcD) é
Na Grécia Antiga, os bebês ou as crianças com alguma
aquela que possui impedimento a longo prazo de natureza
deciência geralmente eram sacricadas em nome de alguma
física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com
entidade sagrada, por abandono à própria sorte ou em locais
uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena
que pudessem ser recolhidos e criados por famílias pobres.
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
Todavia, surgiu a defesa ao direito à vida por meio do advento
demais pessoas.[518]
do cristianismo, inclusive, em detrimento das pessoas com
A lei aludida tem por base a Convenção sobre os Direitos
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das Pessoas com Deciência e seu Protocolo Facultativo, rati- vento da Psicanálise que atribuiu à mãe a responsabilidade de
cados pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislat- cuidar da saúde mental do bebê. [522]
ivo nº 186, de 9 de julho de 2008, em consonância com o pro- Assim, Freud defendia a responsabilização da mãe pelas
cedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição Federal questões emocionais que a criança pudesse desenvolver no fu-
de 1988. [519] turo, enquanto Winnicott compreenderia a mãe como a prin-
A Lei representa um avanço, na medida em que deter- cipal responsável pelos cuidados do bebê. O que mais chama
mina que toda pessoa com deciência possui o direito à igual- atenção é que, nenhum deles enfatizou a importância do pai
dade de oportunidades com as demais pessoas e também não na vida do lho.[523]
poderá sofrer qualquer espécie de discriminação. Ademais, Embora a família tenha passado a ser vista como a prin-
dispõe que estes indivíduos serão protegidos de toda forma cipal instituição responsável pelos cuidados da criança, bem
de negligência, exploração, violência, tortura, crueldade, como a defesa pela importância do amor materno, nota-se
opressão e tratamento desumano ou degradante.[520] que foi preciso muito mais tempo para que a família pudesse
Diante do exposto, nota-se que as pessoas com deciên- acolher um lho com deciência. Em razão disso, foram ne-
cia foram historicamente excluídas, negligenciadas e discrim- cessárias alterações na concepção desse instituto, da socie-
inadas. Contudo, no Brasil, houve uma evolução normativa, dade e do Estado para que isso ocorresse.[524]
que passou a proteger e assegurar uma série de direitos iner- Diante disso, felizmente, hodiernamente o indivíduo
entes a estes indivíduos, assim, aplaude-se a benevolência do com deciência é protegido pela nova legislação. Assim, o Es-
legislador ao instituir a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 tatuto da Pessoa com Deciência, em seu Art. 6º dispõe que “a
(Estatuto da Pessoa com Deciência). deciência não impede o exercício da plena capacidade civil
Finda esta análise geral acerca do tratamento à pessoa para se casar, bem como constituir união estável; efetuar os
com deciência, é necessário vericar como estas pessoas são seus direitos sexuais e reprodutivos; escolher o número de
tratadas no âmbito familiar. lhos que deseja ter; obter o acesso às informações adequadas
acerca dos métodos de reprodução e sobre o planejamento
2 A DEFICIÊNCIA NO CONTEXTO FAMILIAR E OS DESAFIOS familiar; manter a sua fertilidade, sendo proibida a esteril-
ENFRENTADOS PELA MULHER-MÃE ização compulsória; e, exercer o direito à família e à convivên-
cia familiar e comunitária. [525]
A pessoa com deciência dentro do âmbito familiar
Portanto, nota-se que atualmente há um ambiente
carece de atenção e cuidados especiais, que deve acontecer
propício para a pessoa com deciência constituir família, e,
através de esforços mútuos. Contudo, muitas vezes a tarefa
especialmente, para a mulher exercer seus direitos maternos,
de cuidar da saúde física e mental dos lhos é imposta unica-
como o de ter lhos.
mente à gura materna da família.
Entretanto, há desaos a serem enfrentados no con-
No nal do século XVIII o amor materno passou a ser
texto familiar para a mãe deciente, e para a que possui lho
defendido nos discursos losóco, médico e político. Entre-
com de deciência.
tanto, a mãe passou a ser culpabilizada pelas diculdades
físicas e emocionais apresentadas pelos seus lhos.[521] 2.1 As adversidades sofridas pela mãe com deciência
Já no século XX, esta concepção foi reforçada com o ad-
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saos somente para a mulher na posição de mãe com deciên- gerar um lho saudável. Tudo isto acarretaria no desinvesti-
cia. Ela também apresenta, em alguns casos, diculdades para mento da mãe de si mesma, afetando sua capacidade de cuidar
lidar com maternidade ao ter um lho com deciência. de si.[547]
A Psicanálise pós-freudiana, em especial, aquela elab- Este contexto pode acarretar sintomas depressivos,
orada por Melanie Klein e por D. W. Winnicott, contribuiu conitos conjugais e culpas. Os pais passam a ter diculdade
para a percepção da importância do papel materno para o de desenvolvimento de vínculo amoroso ou superproteção,
desenvolvimento de sua prole. [535] [536]Assim, as bases para a como mecanismo de defesa. Com isso, se por um lado há o
relação do sujeito com seu mundo se darão a partir da relação desejo de cuidar e de proteger aquele bebê tão delicado, por
da dupla mãe-bebê.[537] outro tem de conviver com todo um contexto doloroso.[548]
Neste sentido, destaca-se a “preocupação materna Diante disso, a chegada de uma criança com deciên-
primária”, exposta pela teoria winnicottiana.[538] [539] [540] Esta cia modica a dinâmica da família. Algumas mães sentem
condição refere-se à adaptação às necessidades do bebê que só angústia, culpa, impotência e frustração. Há uma ambigu-
pode ser feita pela mãe.[541] idade amor/ódio, esperança/desilusão, culpa/necessidade de
Em outras palavras, quando neste estado, a mãe pode compensação, rejeição/medo de perda. [549]
oferecer a sustentação genuína fornecida pelo colo materno Assim, algumas mães não conseguem exercer a mater-
que protege o bebê.[542] [543] Para serem válidas ao desenvolvim- nidade como gostariam, o que gera sentimentos negativos de
ento saudável da psique do bebê, os cuidados oferecidos pela solidão, desamparo e desejo de isolamento social no vínculo
mãe devem ser genuínos, ou seja, não podem ser fornecidos de com a criança.[550]
maneira mecânica ou intelectualizada. Assim, a mãe se adap- Em virtude disto, é necessário auxiliar os pais nesta
tará às necessidades do bebê. empreitada acolhendo nos momentos mais difíceis, orien-
Contudo, é importante prestar atenção aos aspectos tando quanto a cuidados básicos com as crianças e fortale-
prejudiciais que muitas vezes é visto no nascimento do bebê. cendo a sua capacidade de cuidar de seus lhos, explorando
Em alguns casos a criança é vista como algo que irá reparar e as dores desse processo e auxiliando na elaboração destas
preencher lacunas nas vidas dos pais.[544] Esta relação dos pais para que os pais possam se reorganizar emocionalmente e,
com o bebê é vista como narcísica.[545] assim, poderem desenvolver uma relação saudável com seus
O nascimento de uma criança com deciência muitas lhos.[551]
vezes irrompe uma ferida narcísica nos pais. Aquele que de- Depreende-se com o exposto que a mulher-mãe en-
veria vir ao mundo para preencher as lacunas dos pais torna-se frenta diversos desaos quando possuem alguma espécie de
objeto de frustração. Infelizmente, tal situação acarreta sen- deciência. Isto torna-se mais acentuado quando a criança
timento de autodesvalorização por parte dos pais. Com isso, compreendida como um ser que irá reparar e preencher la-
não há prazer, e sim, isolamento familiar.[546] cunas nas vidas dos pais, caracterizando-se como uma con-
Diante disso, há um distanciamento da mãe com o lho. cepção narcisista que diculta ainda mais o processo de ad-
Além disso, intercorrências podem trazer consigo decepções, equação às condições especiais do lho.
vergonha, culpa e raiva. Essas situações podem levar à angús- Com isso, mostra-se essencial o amparo aos pais tanto
tia e ao desamparo dos pais, bem como à desorganização da pelo Estado, na oferta de meios legais que facilitem as dicul-
autoimagem e à baixa autoestima, visto não terem podido dades advindas, quanto pela família dos genitores e toda a so-
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mente com a promulgação da Lei nº 13.146/ 2015 (Estatuto ivos, especialmente no que se refere à possibilidade de gerar
da Pessoa com Deciência). lho, se assim desejar.
Assim, o ordenamento jurídico brasileiro possibilita às Antes o exposto, destaca-se a benevolência do legisla-
mulheres com deciência o direito de constituir família e de dor pátrio e às organizações internacionais ao assegurarem às
exercer seus direitos maternos. No entanto, elas encontram- pessoas com deciência direitos e garantias fundamentais que
se em condição de dupla vulnerabilidade em razão destas duas possibilitem a estes indivíduos viverem com dignidade e al-
características. cançarem a desejada felicidade.
Neste sentido, arma-se que a mulher apresenta de- Dessa forma, cabe à sociedade rever suas concepções,
saos quando está posição de mãe com de deciência ou por vezes, distorcidas, equivocadas e preconceituosas que
quando tem um lho que possui determinada condição espe- colocam a mulher com deciência em uma condição de in-
cial. utilidade. Destarte, devem vê-las como seres capazes de não
Esta situação é agravada quando a criança é vista como somente cumprir suas obrigações e deveres sociais como mu-
algo que irá resolver todos os problemas na vida dos pais, lher, mas também, como genitora apta a atender todas as ne-
como algo milagroso. Esta concepção é claramente narcisista cessidades de sua prole.
e tóxica para o processo de adequação e superação das con-
dições especiais do lho.
Em razão disto, tanto a mãe quanto o pai que possuem
um lho com condições especiais, devem mudar suas per-
cepções e direcioná-las para pensamentos e atitudes posi-
tivas. Não devem, portanto, verem sua prole como um prob-
lema, mas como uma prova de amor incondicional, capaz de
superar todas as adversidades que venham a surgir.
Neste sentido, mostra-se importante que o Estado
ofereça todo um aparato legal que favoreça tanto a possibili-
dade de a mulher portadora de deciência exercer seus direi-
tos de maternidade, quanto de facilitar o desenvolvimento da
criança que possui certas limitações.
Com isso, tem-se como essencial e ecaz a vigência do
Estatuto da Pessoa com Deciência que oportuniza que todas
as possibilidades supramencionadas sejam concretizadas. Por
meio deste dispositivo há uma efetivação tanto do disposto
na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que
dispõe do tratamento igualitário para todos, quanto da Con-
venção dos Direitos das Pessoas com Deciência.
Diante disso, nota-se que é legalmente possível a mul-
her com deciência exercer seus direitos sexuais e reprodut-
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lação prisional feminina. Entre o segundo semestre de 2016 e públicas alternativas à aplicação de penas relacionadas às mu-
o primeiro de 2011, ocorreu uma redução de 7,66% no total lheres objetivando a redução do número do encarceramento
de mulheres privadas de liberdade, um numero signicativo feminino provisório. De acordo com o Ministro Ricardo
para o intervalo de anos. Lewandowski [562]: “Regras de Bangkok, deve ser priorizada
Importante destacar que o perl dessas mulheres é, em solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais
sua maioria, jovens, negras, chefes de família, que possuíram ao encarceramento, principalmente para as hipóteses em que
alguma ligação com o tráco de drogas através de seus par- ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado”.
ceiros. Muitas delas são rés primárias, encontrando-se em
prisão preventiva, enquanto aguarda o julgamento do seu pro- O principal marco normativo internacional
cesso. a abordar essa problemática são as chamadas
Vale o destaque nesse ponto, para as inúmeras denún- Regras de Bangkok − Regras das Nações Un-
cias recebidas pelas Organizações das Nações Unidas – ONU, idas para o Tratamento de mulheres presas
referentes às condições, tanto estruturais, de superlotação de e medidas não privativas de liberdade para
celas, quanto de tratamento desumano e rixas de controles mulheres infratoras. Essas Regras propõem
de facções rivais, como também de desrespeito aos direi- olhar diferenciado para as especicidades de
tos do preso. Numa dessas denúncias, realizada pelo grupo gênero no encarceramento feminino, tanto no
Conectas, conjuntamente com outras organizações de direitos campo da execução penal, como também na
humanos, pontua-se: “Além da ilegalidade da detenção é ne- priorização de medidas não privativas de lib-
cessário chamar a atenção para as degradantes condições nas erdade, ou seja, que evitem a entrada de mul-
quais essas pessoas estão presas. Os presos no Brasil são amon- heres no sistema carcerário.[563]
toados pelas unidades prisionais, sem acesso à saúde, sem ali-
São diretrizes retiradas das Regras das Nações Unidas
mentação adequada, sem acesso suciente à água potável, sem
para o tratamento de mulheres presas e medidas não pri-
saneamento básico, sem acesso a trabalho e à educação. Sendo
vativas de liberdade para mulheres infratoras. Tais diretrizes
submetidos a torturas e maus tratos.”[561]
reconhecem que, em decorrência da diversidade de condições
É notório e preocupante que quase nenhuma das peni-
tanto jurídicas, quanto sociais, econômicas e geográcas ao
tenciarias femininas brasileiras correspondem as prerroga-
redor do mundo, nem todas as regras conseguem ser aplicadas
tivas e exigibilidades previstas na Lei n° 7.210/84, que trata
de forma igual em todos os lugares e em todos os momentos.
sobre a Execução Penal, como também, não seguem as Regras
Mesmo assim elas devem ser utilizadas para promover um
das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e
esforço contínuo de superar os obstáculos práticos em sua
medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras,
aplicação, tendo em mente que são, conjuntamente, “aspir-
que será abordado a seguir.
ações globais em sintonia com o objetivo comum de melhorar
1.1 AS REGRAS DE BANGKOK a situação de mulheres encarceradas, seus lhos/as e suas com-
unidades”.[564]
As regras de Bangkok são meios facilitadores à prisão Essas são algumas das regras que estão contidas no
feminina, tendo como pressuposto a criação de políticas tratado internacional que devem ser observadas e colocadas
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heres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam com o processo gestacional de sua lha: “Quando, depois que a
cuidar de seus lhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até criança nasce, na unidade materno-infantil, o tratamento já é
6 (seis) meses de idade.[568] diferente. Mas antes, até a criança nascer, o tratamento chega a
Diante disso, percebe-se que às mulheres gestantes, ser cruel e humilhante.”[570]
mesmo em cumprimento de pena, devem ser garantidos os Exemplo de tal tratamento relatado pela entrev-
direitos à sua integridade física. istada pode ser analisado na missão realizada pelo Conselho
Nacional dos direitos humanos que por meio de vistorias
3 PROCESSO GESTACIONAL PRISIONAL e conversas com dirigentes, responsáveis técnicos e com as
próprias mulheres privadas de liberdade da Penitenciária
São diversas as garantias previstas nas legislações para
Feminina do Distrito Federal, a Colmeia, identicou violações
atender às necessidades das mulheres que se encontram nos
de direitos que vão desde superlotação e quantidade signi-
presídios femininos brasileiros, porém nem todos os esta-
cativa de presas provisórias, a comida estragada, não refriger-
belecimentos penitenciários possuem capacidade e de fato
ada, e falta de acesso à alimentação adequada.[571]
oferecem tais condições.
Tem-se além de tudo, a violação ao princípio da pes-
O Código de Processo Penal, em seu art. 317 aborda o
soalidade, presente no art. 5º, XLV da Carta Magna, do qual
conceito de prisão domiciliar, sendo caracterizada pela re-
nenhuma pena será passada da pessoa condenada, pois a
strição do indivíduo acusado ou indiciado, à própria residên-
criança já nasce condenada pelas situações degradantes ex-
cia, não podendo dela sair sem autorização judicial. Importa-
postas à sua saúde, ao convívio materno e afetivo. Salienta-
se destacar os incisos IV e V, do art. 318 do supracitado có-
se ainda o abandono afetivo, seja pela falta de visita de famil-
digo, que autoriza o juízo a substituir a prisão preventiva pela
iares, ou quando da separação do lho, tem-se o contato di-
domiciliar, ao se tratar de gestantes e mulheres com lhos me-
cultado, assim como com aqueles que foram deixados fora da
nores de até 12 anos incompletos.[569]
prisão.
Resta-se evidenciado a preocupação do legislador, ao
Evidencia-se nesse ponto, a falta de políticas públicas
permitir que o juiz realize tal substituição, pois visa à gar-
voltadas para a melhoria das condições estruturais dos
antia do convívio do lho com a mãe, de suma importância,
presídios femininos, ensejando o suporte necessário gar-
tanto para o aleitamento quanto para a formação da conança
antido por lei, como a existência de berçários, creches e es-
materna na criança, assim como a garantia de um ambiente
paços para amamentação, como também de condições assist-
próprio para o seu crescimento até o momento adequado ao
enciais, com uma ampliação de equipe médica e prossionais
processo de separação, quando recém-nascido entre 6 meses e
da saúde, psicólogos e assistentes sociais a m de realizarem
1 ano.
todo o acompanhamento necessário, tanto com as gestantes/
Porém, na prática, essa assistência, quer seja a substi-
lactantes quanto com as mulheres que já possuem lhos e são
tuição da prisão preventiva pela domiciliar, quer seja todos
presas, bem como com seus familiares.
os parâmetros legais estruturais e garantias médicas, deixam
Um dos pontos relevantes também, concerne ao tempo
a desejar, assim como relata em entrevista, no ano de 2017,
de convivência e ao processo de separação. A Lei de Execução
ao quadro Em Família do Canal Saúde, da Fundação Osvaldo
Penal prevê um acompanhamento de no mínimo seis meses
Cruz, a mãe de uma presidiária, que vivenciou esse descaso
com o recém-nascido. Depois desse tempo, que em média per-
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dura o prazo de um ano, procura-se a existência de familiares também se encontram as mulheres gestantes e sua carência
que possam cuidar da criança, e caso não se tenha, a criança é quanto ao acesso à justiça e aos direitos básicos, em especial, à
enviada para um abrigo. saúde.
Nesse contexto, cabe apresentar um trecho do docu- É pontual que existe um grande óbice quanto ao acesso
mentário realizado pelo Instituto da Fiocruz, intitulado Nas- das mulheres encarceradas às garantias estabelecidas na legis-
cer nas Prisões – Impacto Social, uma jovem relata sua ex- lação que vai o período gestacional até a fase em que a criança
periência num desses abrigos: “[...] A gente apanha dentro do será afastada de sua genitora e passará a viver no ambiente
abrigo, a gente faz coisas que não é pra fazer. Tem pessoas que além da prisão.
falam que o abrigo é mais seguro [...] Eu fui abusada dentro Percebe-se que a maior parte dos presídios femininos
do abrigo... Quando a gente fala com alguém lá de dentro eles não possuem estrutura adequada com berçários e creches
falam que a gente tá mentindo [...]”.[572] para receberem infantes, sujeitando-os às celas lotadas, ausên-
Ainda, o ECA, em seu art. 4º, aborda sobre a respons- cia de higiene, expondo-os às diversas doenças, prevalecendo,
abilidade da garantia dos deveres inerentes às crianças, como assim, a ausência das mínimas condições necessárias para a so-
sendo tanto da família, da comunidade, da sociedade em geral brevivência digna.
e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a ef- Assim, o sistema carece de uma forte política pública,
etivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, que seja capaz de moldar e reestruturar todo o viés acerca do
à educação, ao esporte, ao lazer, à prossionalização, à cul- sistema penal brasileiro, e fazer valer a máxima de reeducação
tura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fa- do indivíduo à sociedade bem como que sejam garantidos seus
miliar e comunitária.[573] direitos, em especial às gestantes/lactantes e mulheres que
Portando, não cabe somente ao Estado a garantia desses possuem lhos fora da prisão.
direitos, como também cabe a toda a sociedade cobrar por À garantia desses direitos faz-se necessária o seu
esses direitos e garanti-los. cumprimento, a m de se evitar a violação ao princípio
da pessoalidade, bem como garantir o bem-estar e o pleno
CONSIDERAÇÕES FINAIS desenvolvimento saudável da criança e da mãe.
Assim, manter os laços entre a gestante e seu bebê é es-
Pode-se constatar que existe ainda uma precariedade de
sencial para minimizar os prejuízos ocasionados pelo cárcere,
legislações e tratados que abordem sobre o direito na mater-
em combate às fragilidades apresentada na atenção à mater-
nidade do cárcere, bem como são escassas as prisões que
nidade experimentada em situação de prisão e que possui um
cumprem a legislação já existente. Diante disso, o presente
grande potencial nefasto na vida das mães privadas de liber-
artigo buscou demonstrar que nem sempre esses direitos são
dade.
garantidos, e inúmeros problemas são existentes e que con-
tribuem para a inecácia da aplicação no cotidiano carcerário
brasileiro.
O contexto da situação das mulheres gestantes em
prisões brasileiras demonstra o signicativo crescimento do
encarceramento de mulheres nos últimos anos. Nesse sentido,
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em vista que os delitos de furto abigeato a ela entanto, a decisão esteve longe de gurar como regra abso-
imputados foram por ela praticados, ao que luta entre os tribunais, ensejando a criação da Lei nº 13.769
tudo indica, na condição de integrante da or- de 2018.
ganização criminosa (artigo 2.º, §§ 2.º e 4.º,
incisos I e II, da Lei n.º 12.850/2013) forte-
mente estruturada voltada também para a
prática dos crimes de receptação de animais 3. A Lei nº 13.769 de 2018 e a possibilidade de
e disponibilização de mercadoria imprópria conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar
para o consumo naquela localidade. A ação
Nos moldes da decisão de concessão do Habeas
criminosa, nesse contexto, além de vitim-
Corpus Coletivo nº 143.641/SP realizada pelo Supremo
izar severamente os pecuaristas da região,
Tribunal Federal, a Lei nº 13.769 de 19 de dezembro de
colocou em risco a saúde da coletividade,
2018 altera a legislação processual penal para disciplinar a
com a exposição dos cidadãos ao consumo
matéria de forma expressa. Para tanto, insere no Código de
de carne sem controle sanitário, especial-
Processo Penal os artigos 318-A e 318-B, que estabelecem:
mente considerando as péssimas condições
de abate, transporte, acondicionamento e Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à
comercialização inerentes à atividade clan- mulher gestante ou que for mãe ou respon-
destina do grupo. Não demonstrada, igual- sável por crianças ou pessoas com deciên-
mente, a imprescindibilidade da genitora nos cia será substituída por prisão domiciliar,
cuidados dos lhos menores, porquanto sub- desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de
metidos aos cuidados da avó, no âmbito fa- 2018).
miliar.[591] I - não tenha cometido crime com violência
ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei
O Supremo Tribunal Federal foi
nº 13.769, de 2018).
pontual ao julgar o Habeas Corpus Coletivo
II - não tenha cometido o crime contra seu
nº 143.641/SP: “para apurar a situação de
lho ou dependente. (Incluído pela Lei nº
guardiã dos lhos da mulher presa, dever-se-
13.769, de 2018).
á dar credibilidade à palavra da mãe”.[592]
Art. 318-B. A substituição de que tratam os
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já asseverou
arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem
que “a mera suspeita de que a presa poderá voltar a tracar,
prejuízo da aplicação concomitante das
caso retorne à sua residência, não teria fundamento legal e
medidas alternativas previstas no art. 319
tampouco poderia servir de escusa para deixar de aplicar a
deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.769,
legislação vigente”.[593]
de 2018).[594]
Não há dúvida de que a concessão da ordem no remé-
dio constitucional coletivo ampliou a permissibilidade para Esses artigos armam que será substituída a prisão pre-
a concessão da prisão domiciliar de natureza cautelar. No ventiva por domiciliar quando a mulher gestante ou mãe
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ou responsável por crianças ou pessoas com deciência não peditivo para a não concessão da cautelar o cometimento de
tenham cometido crimes com violência ou grave ameaça a crimes com violência ou grave ameaça contra a pessoa ou
pessoa ou contra seus lhos, sem prejuízo às demais medidas contra o próprio lho ou dependente.
alternativas à prisão previstas no artigo 319 do Código de Pro- Nesse âmbito, a nova legislação é menos restritiva na
cesso Penal.[595] concessão da cautelar do que foi a decisão do Supremo Tri-
A lei processual penal já estabelecia a possibilidade de bunal Federal no Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, haja
conceder prisão domiciliar em substituição à prisão prevent- vista que o acórdão reconhece que “situações excepcionalís-
iva para gestantes e mulheres e homens com lhos de até doze simas” podem fundamentar a denegação da prisão domicil-
anos de idade incompletos no artigo 318, incisos IV e V: iar. Nesta condicionante era possível inserir crimes que, não
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão obstante cometidos sem violência ou ameaça, são de grande
preventiva pela domiciliar quando o agente reprovabilidade social – como os casos dos acórdãos trazi-
for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de dos no tópico anterior, que tratavam dos crimes de tráco de
2011). [...] drogas e abigeato.
IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº Ainda não foram disponibilizados dados ociais rela-
13.257, de 2016) tivos ao cenário de substituição da prisão preventiva pela
V - mulher com lho de até 12 (doze) anos domiciliar após a implementação da Lei nº 13.769 em dezem-
de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº bro de 2018, que eliminou o poder discricionário de classi-
13.257, de 2016) car um caso como “excepcionalíssimo” e, portanto, merece-
VI - homem, caso seja o único responsável dor de prisão preventiva. Fato é que alguns juízes continuaram
pelos cuidados do lho de até 12 (doze) anos a negar a prisão domiciliar mesmo após a nova legislação.
de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº Em fevereiro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça
13.257, de 2016). decidiu que os juízes devem ter o poder de negar prisão domi-
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz ciliar em casos excepcionais, conforme os riscos que a mulher
exigirá prova idônea dos requisitos estab- possa apresentar aos seus lhos ou à sociedade, contestando
elecidos neste artigo. (Incluído pela Lei nº a lei de dezembro de 2018 que elimina a discricionariedade
12.403, de 2011).[596] para negar a prisão domiciliar em casos excepcionais:
2. No caso, a prisão cautelar foi mantida em
A diferença entre a inovação legislativa e o que já razão das circunstâncias concretas colhidas
estava disposto no Código de Processo Penal reside nas do agrante – haver notícias de que tracava
expressões “poderá” e “será”: o caput do artigo 318 dispõe na residência. Ademais, a recorrente é reinci-
que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela dente especíca, o que evidencia o risco de
domiciliar, ao passo que o caput do artigo 318-A dispõe reiteração criminosa.
que a prisão preventiva será substituída, a não ser que 3. O Supremo Tribunal Federal ao
uma das situações elencadas nos incisos o impeça. julgar Habeas Corpus coletivo n. 143.641/SP,
Ao que tudo indica, a intenção do legislador foi criar de relatoria do Ministro RICARDO LEWAND-
um poder-dever para o juiz, estabelecendo como único im- OWSKI, em 20/2/2018, concedeu comando
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Já outra decisão judicial arma: “Não há dúvidas cisões muitas vezes orientados a partir de
de que as crianças que residem com ela possuem critérios morais que se travestem de le-
muito mais risco com sua liberdade do que com a galidade.[604]
imposição de sua prisão, quando poderão ser acolhidas, O entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal
temporariamente, por um parente próximo”.[602] no julgamento do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, que
Com relação ao caso de uma mulher gestante, o funda- já era vinculante, foi posteriormente consolidado pela Lei nº
mento utilizado para manter a prisão preventiva foi: 13.769 de 2018 e, portanto, deveria ser aplicado por todas as
Muito embora a custodiada alegue que está demais instâncias do Poder Judiciário. Os dados estatísticos
grávida, no caso concreto não há impedi- e a jurisprudência atualizados, entretanto, demonstram que
mento para a prisão preventiva. Inicial- não há observância pacíca do mandamento legal de que
mente, ressalte-se que não há nos autos, até a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for
este momento, prova da alegada gravidez. mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deciência
Ademais, a 2ª Turma do Supremo Tribu- será substituída por prisão domiciliar, haja vista que os
nal Federal, no HC 143.641, ressaltou que juízes seguem negando esse direito às mulheres por motivos
o benefício previsto [...] não se aplica em subjetivos, de acordo com suas convicções pessoais.
situações excepcionalíssimas. A situação
4. Desaos e perspectivas ensejados pela Lei nº
dos autos é excepcionalíssima.[603]
13.769 de 2018
Ao vislumbrar essa realidade de incessante Importa frisar que, para além das regras a respeito da
recusa de direitos tocantes a mulheres encarceradas, prisão domiciliar, a Lei nº 13.769 de 2018 promoveu al-
Mendes conduz a uma importante constatação: terações em três dispositivos da Lei de Execução Penal. O
Por mais que possamos (e penso real- artigo 112, que trata da progressão de regime, passa a contar
mente que devamos) armar a ne- com os parágrafos 3º e 4º, disciplinando os requisitos cumu-
cessária prevalência da jurisdicionalidade lativos para a progressão:
do acusatório, do ônus da prova e do Art. 112. A pena privativa de liberdade
contraditório e/ou da defesa ou da falseabi- será executada em forma progressiva com a
lidade como elementos que preencham transferência para regime menos rigoroso, a
a lacuna do saber “quando e como jul- ser determinada pelo juiz, quando o preso
gar”, enquanto garantias atinentes ao pro- tiver cumprido ao menos um sexto da pena
cesso, ainda assim, não estaremos livres de no regime anterior e ostentar bom comport-
magistrados e magistradas em cujas mentes amento carcerário, comprovado pelo dir-
de algum modo vivem ao tempo do Mal- etor do estabelecimento, respeitadas as nor-
leus Malecarum. Práticas processuais essas, mas que vedam a progressão. (Redação dada
por sinal, muito conhecidas pelas mulheres pela Lei nº 10.792, de 2003)
até os dias de hoje em procedimentos e de- § 3º No caso de mulher gestante ou que
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for mãe ou responsável por crianças ou pes- a progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados
soas com deciência, os requisitos para pro- se a condenada for gestante, mãe ou responsável por crianças
gressão de regime são, cumulativamente: ou pessoas com deciência:
(Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da
I - não ter cometido crime com violência ou tortura, o tráco ilícito de entorpecentes e
drogas ans e o terrorismo são insuscetíveis
grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº
de: (Vide Súmula Vinculante)
13.769, de 2018) I - anistia, graça e indulto;
II - não ter cometido o crime contra seu II - ança e liberdade provisória. [...]
lho ou dependente; (Incluído pela Lei nº § 2o A progressão de regime, no caso dos
13.769, de 2018) condenados aos crimes previstos neste ar-
- ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da tigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5
pena no regime anterior; (Incluído pela Lei nº (dois quintos) da pena, se o apenado for
13.769, de 2018) primário, e de 3/5 (três quintos), se reinci-
dente. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de
- ser primária e ter bom comportamento car-
2007)[606]
cerário, comprovado pelo diretor do estab-
elecimento; (Incluído pela Lei nº 13.769, de Segundo a nova redação do artigo 2º, § 2º, da Lei
2018) dos Crimes Hediondos, a progressão de regime deve
- não ter integrado organização criminosa. observar as regras estabelecidas nos parágrafos 3º e 4º
(Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) do artigo 112 da Lei de Execução Penal, criando, desse
§ 4º O cometimento de novo crime doloso modo, uma progressão de regime mais branda para crimes
ou falta grave implicará a revogação do de natureza hedionda cometidos por essas mulheres.
benefício previsto no § 3º deste artigo. (In- Nesse contexto, restou acrescentado ao artigo 72 da
cluído pela Lei nº 13.769, de 2018)[605] Lei de Execução Penal o inciso VII, que torna atribuição do De-
partamento Penitenciário Nacional “acompanhar a execução
A fração de pena a ser cumprida é menor do que a da pena das mulheres beneciadas pela progressão especial de
regra estabelecida no caput do artigo 112 da Lei de Execução que trata o § 3º do artigo 112 desta Lei, monitorando sua in-
Penal, qual seja, um sexto da pena. No entanto, há outros tegração social e a ocorrência de reincidência, especíca ou
requisitos que devem ser atendidos cumulativamente e não, mediante a realização de avaliações periódicas e de es-
que não fazem parte da regra geral do sistema progressivo tatísticas criminais”. Por m, o parágrafo 2º do mesmo artigo
de pena, como não ter cometido crime com violência ou acrescentou:
grave ameaça, não ter cometido o crime contra seu lho
§ 2º Os resultados obtidos por meio do
ou dependente, ser primária e ter bom comportamento
monitoramento e das avaliações periódicas
carcerário. Ademais, o cometimento de novo crime
previstas no inciso VII do caput deste ar-
doloso ou falta grave acarreta na regressão do regime.
tigo serão utilizados para, em função da
Importa destacar também que a Lei nº 13.769 de 2018
efetividade da progressão especial para a
realizou alterações na Lei nº 8.072 de 1990 no que concerne
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ressocialização das mulheres de que trata pena para essas mulheres nos casos de crimes cometidos sem
o § 3º do art. 112 desta Lei, avaliar even- violência ou grave ameaça: essa medida vinculará um órgão
tual desnecessidade do regime fechado de nacional da área da segurança pública a pesquisar sobre a
cumprimento de pena para essas mulheres realidade de uma vivência feminina dentro de um contexto
nos casos de crimes cometidos sem violên- prisional, possibilitando um novo olhar em face das mul-
cia ou grave ameaça.[607] heres em situação de cárcere.
Denota-se que esse dispositivo cria um procedimento Parafraseando Mendes:
de política criminal em que a efetividade da ressocialização A reunião de todo o arcabouço constitu-
das mulheres que progrediram de regime com base cional e legal por si só não é suciente.
na nova regra do parágrafo 3º do artigo 112 poderá É imprescindível a assunção de uma pos-
delinear uma nova forma de cumprimento de pena: nessa tura judicial em que todos os direitos das
nova fase, será afastado o regime inicial fechado para rés saiam do plano formal e se realizem na
outras mulheres que preencham os mesmos requisitos práxis de juízes ou juízas capazes de inter-
– mulher gestante ou que for mãe ou responsável por pretar as normas de modo compreender a
crianças ou pessoas com deciência, que não cometeu existência não de “mulheres em abstrato”,
crime com violência ou grave ameaça ou contra seu mas das mulheres reais, “de carne e osso que,
lho ou dependente e que é primária e conta com bom vida vivida do cárcere, têm sobre si estru-
comportamento carcerário –, determinando judicialmente turas visíveis e invisíveis construídas para o
o acompanhamento imediato da condenada pelos órgãos “homem” enquanto suposto representativo
incumbidos da scalização do cumprimento da pena. de todo o gênero humano.[608]
Embora essas inovações criadas pela Lei nº 13.769 de Considerando o direito penal um mecanismo
2018 sejam de extrema importância, não haviam sido abar- masculino para o controle de condutas de homens e, apenas,
cadas pelo debate iniciado no julgamento do Habeas Corpus residualmente femininas – desde a instituição das normas
Coletivo nº 143.641/SP e, portanto, são uma grande novi- penais até a aplicação e cumprimento da pena –, somente
dade no Sistema Judiciário, ainda pouco exploradas. a utilização de um processo penal feminista – denido por
Não há dados ociais que possam traçar um panorama Mendes como um agir comunicativo que conta com um
do emprego dessas novidades normativas e de seus efeitos. juiz imparcial, independente e equidistante, que garante
Destaca-se, no entanto, que as avaliações periódicas oportunidades de fala e de escuta das narrativas vividas
e estatísticas criminais da integração social e reincidência pelas mulheres inseridas no sistema punitivo [609] – poderá
das mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças desnudar o modus operandi de um sistema jurídico que, como
ou pessoas com deciência beneciadas pela possibilidade reexo da sociedade em que está inserido, invisibiliza e
de progressão de regime trazidas pela redação da Lei nº abandona as adversidades intrínsecas do ser humano mulher.
13.769 de 2018, a ser obrigatoriamente realizada pelo De-
partamento Penitenciário Nacional, não só apurará even-
tual desnecessidade do regime fechado de cumprimento de
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bidas pelo Estado que dizem respeito aos verbos tantos pre- não desaa e se conforma com os papeis a ela reservados [...]
sentes no artigo 33 da Lei de Drogas, tem-se que essa, além de e consequentemente, aquela que comete crimes e desaa esse
ser mulher, é aqui também vista como mãe e empreendedora modelo ideal é vista como anormal e má”[619].
no tráco. É nesse sentido, para além desse estado comum de
Essas mulheres sobre as quais aqui se diz, que são tam- coisas na qual a sociedade está inserida e vê como sendo o
bém mães, acabam em algumas ocasiões se envolvendo com suposto papel a ser desempenhado pela mulher, que se estab-
chefes do tráco ou até mesmo com “peixe pequeno”, e, con- elece o enfoque na presente abordagem.
sequentemente, podem assumir os “negócios” dos compan- Nessa direção, de acordo com o INFOPEN, 62% das in-
heiros - quando forem presos ou mortos -, aderindo para si, cidências penais que envolvem mulheres condenadas, ou que
uma nova identidade social: “dona ou gerente da boca de aguardavam julgamento em 2016, estavam relacionadas ao
fumo”. tráco de drogas. De outa maneira, pode-se dizer que 3 em
Todavia, e não é de hoje que os grandes cargos, formais cada 5 mulheres que estão no sistema prisional respondem
e informais, não são em sua maioria ocupados por mulheres. por crimes ligados ao tráco [620].
Soares e Ilgenfritz [613] relatam que a maioria das mulheres Em pesquisa realizada no âmbito da penitenciária fem-
desempenham funções subalternas na escala hierárquica do inina de Piraquara/PR, apontou-se que 46% de mulheres mães
tráco, exercendo papéis, por exemplo de: bucha[614], “mula” detentas lá estavam em decorrência da prática de crimes re-
ou “avião”[615], “vapor”[616] ou “cúmplice”. De acordo com essa lacionados à Lei de Drogas, “sendo esta a tipicação mais ex-
perspectiva, tornam-se presas fáceis – são mais facilmente pressiva dentre as tipicações que levaram estas mulheres
presas – impactando signicativamente no aumento do corpo ao cárcere”[621]. Em outra pesquisa abordada num recorte e
feminino encarcerado. período especíco por Tani Maria Wurster, apontou-se que
Com a ocorrência do fenômeno exposto, quebra-se com “74% das mulheres presas são mães”[622].
alguns paradigmas que estão inseridos e arraigados na socie- O que se denota pelas pesquisas pode se estabelecer
dade contemporânea da mulher, principalmente aquela que é a partir de dois pontos: a imprecisão do apontamento em
mãe, que por muito tempo foi representada e representante de números da situação abordada – que se dá em razão de dicul-
uma gura pacata, dócil e gentil. dades na própria realização da pesquisa nesse sentido – e,
A inserção da mulher, dona do lar e dos lhos, no es- ao mesmo tempo, a constatação de que o tráco de drogas
paço público, confronta a ordem patriarcal: é o ato de violên- aparece sempre como o delito de maior percentual.
cia feminino [617]. Essas mulheres, mesmo sendo mães, ousaram Dentre as diculdades tantas em sistematizar pes-
transgredir para viver o próprio desejo (a própria vida), a quisas nesse aspecto existe a da constatável “ausência de
sua verdade (sua realidade), o seu sustento (dos seus lhos). uma política institucional ocial de tratamentos dos dados
Isso decorre em função de que, para além (e dentro dele) do sobre o número de mulheres presas, mediante um sistema
campo social, no próprio âmbito jurídico “são mobilizadas informatizado que seja capaz de apresentar dados em deter-
presunções, pré-compreensões e expectativas sobre a mulher minado corte temporal, ou que dê adequado tratamento às
e sobre o lugar reservado a ela social, histórica e cultural- informações a respeito de gravidez e presença e lhos de até
mente, informados pela lógica da dominação masculina”[618] – 12 anos”[623], podendo se dizer assim que “os estudos especí-
posto que “a sociedade vê como mulher normal aquela que cos sobre a mulher encarcerada são escassos, ante o baixo
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número de mulheres presas quando comparado ao número de cerária majoritariamente composta por “mulheres jovens, po-
homens”[624]. bres, negras e pardas, pessoas com histórias de vida marcadas
Já em pesquisa aborda por Luana Seram e Ediliane pela miséria e pela negligência estatal”[628].
Lopes, em que pese a diferença no percentual apontada, tem- Referente à maternidade como fator presente nesse
se como corroborada a armativa de que o tráco de drogas é o meio, surge, inconformadamente, a necessidade dessas mul-
maior responsável como fator criminalizador que leva as mu- heres tentarem quebrar com o estigma de que elas não se im-
lheres ao cárcere: portam com os seus lhos – apenas por tracarem drogas – e
A incidência dessas mulheres no sistema pri- não terem condições de cria-los e amá-los.
sional por condenação ou por prisões cautel- A ideia de que a maternidade quando relacionada à
ares, na maioria das vezes, é pelo envolvim- conduta da mulher passa a ser ilegítima é baseada em entendi-
ento com tráco de drogas, crimes patrimon- mento pessoal, conjectural, discriminatório, e, portanto, sub-
iais e crimes praticados sem violência. Dessa jetivo, acerca de como a maternidade deve ser exercida. A
forma, de acordo com dados das Instituições representação das mulheres como criminosas refere-se a as-
Prisionais sobre o tipo penal, 62% do sistema pectos como “raça/cor”, classe social e faixa etária, que juntos
prisional feminino incorreram em crimes li- determinam “o grau de aceitação social a determinada mater-
gados ao tráco de drogas, seguidos de 11% nidade”[629] por parte de quem julga.
por roubo e 9% por furto.[625] As mães presas, no Brasil, são em sua maioria negras, jo-
Para Assis & Constantino [626], a inserção feminina no trá- vens, solteiras, com baixa escolaridade e, como mencionado,
co de drogas se daria de duas formas principais: por meio têm a associação ao tráco de drogas como principal via de
de namorados bandidos ou de uma forma mais independente. acesso à criminalidade e à prisão [630]. Além de tudo, “essas mu-
Já Moki, correlaciona a entrada da mulher no tráco com lheres carregam consigo trajetórias de vida historicamente,
o desemprego feminino, baixos salários quando comparados marcadas pela exclusão, desigualdade, racismo, patriarcal-
aos salários dos homens e o aumento de mulheres respon- ismo, estigmas e opressão”[631]. É nesse cenário, de julgamentos
sáveis nanceiramente por suas famílias[627]. e de intensas vulnerabilidades que, infelizmente, muitas mul-
Diante disso – tanto as mulheres encarceradas quanto heres experienciam a maternidade.
as mulheres que, felizmente, mantiveram-se soltas – com a Não resta qualquer dúvida que as mulheres encarcer-
suspensão do direito à liberdade e/ou à uma vida mais digna, adas por envolvimento com o tráco de drogas cometeram
faz com que estabeleçam diferentes táticas para garantir no um ilícito penal. Porém, é essencial lançar um olhar menos
cotidiano o atendimento às necessidades básicas de sobre- dogmático e mais empático sobre esta realidade social e
vivência, bem como para o não rompimento de vínculos so- econômica a qual estas mulheres, muitas delas com lhos,
ciais e familiares, sobretudo no que diz respeito às questões foram submetidas.
relacionadas à maternidade.
A mulher encarcerada segue, de forma geral, portanto, DESAFIOS DA MATERNIDADE NO CONTEXTO DO TRÁFICO
um determinado perl. É o que se percebe nas pesquisas real- DE DROGAS
izadas, como na de Fernanda Cazelli Buckeridge pela ótica da
A diculdade de questionar um amor materno é real.
psicologia, em cujo estudo se constatou uma população car-
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Aos olhos de muitos, não amar um lho é inexplicável. Aos como prover o seu sustento e o da(s) criança(s). Contudo, a
olhos de poucos, amar demais pode ser um “crime” também. única saída, para prover o sustento, vista por essas mães, acaba
Nestes casos, deve-se considerar a “experiência sendo através da reincidência delitiva pelo tráco de drogas.
sentida” da luta pela sobrevivência, para discutir como as mu- Em contrapartida e surgindo outro empecilho na vida
lheres, que são responsáveis sozinhas – ou não – pelos lhos, se dessas mulheres, tem-se como quadro comparativo o fato de
resistem ou lidam com os julgamentos – da sua forma de amar que o preso homem recebe de forma mais ampla visitas de
– causados por esta condição estigmatizante, que é a sua in- esposa, companheira ou namorada, existindo de forma mais
serção ativa no tráco de drogas. presente uma família que não necessariamente lhe nega apoio,
Caso a mulher lute sozinha por essa sobrevivência, a enquanto que a mulher presa – em virtude do tráco de drogas
gura paterna ausente contribui com um fenômeno signica- – que no início do cumprimento de sua pena recebe visitas,
tivo: o crescente aumento das mulheres chefes da família – essas passam a rarear até a sua denitiva interrupção. Assim,
até mesmo do tráco – enquanto principal responsável pela as diculdades adicionais impostas às mulheres ao exercício
manutenção econômica do lar e cuidado dos lhos[632], em dos direitos sexuais, reprodutivos, maternos e à convivência
um contexto de emancipação feminina e de crise do modelo familiar constituem alguns exemplos da aplicação desigual da
patriarcal, mostrando que são capazes e superam qualquer ob- Lei de Execuções Penais.[634]
stáculo. Não é necessariamente a tracância que afeta a relação
Além do desao patriarcal, há o desao prisional. No maternal em seu contexto interacional, pois a prisão gera pro-
caso das mulheres presas, “corrompidas” pelo tráco de dro- fundos impactos na vida daqueles que dependem dessas
gas, essas sofrem em virtude disso com uma pena aparente- mulheres e mães desprezadas pelo sistema, juntamente à ob-
mente mais “pesada” do que realmente é. Isso pode se dar pelo servância da construção social do papel de gênero feminino,
fato de que são relegadas a essas mulheres a tarefa de cuidar da seleção étnico-racial e de classe na atuação da polícia, e as
e zelar pela família. Logo, opera-se um julgamento moral da trajetórias de violência, inclusive institucionais, vivenciadas.
conduta das mulheres com base na gravidade em abstrato dos Assim, tem-se que há uma tripla questão no aspecto
crimes relacionados ao tráco de drogas e seu vínculo com a da mulher encarcerada no âmbito ora em análise: a um, pelo
maternidade. Usa-se, por exemplo, o tráco de drogas tanto fato de ser mulher; a dois, pela condição de ser mãe ou
como fator que enseja uma resposta punitiva por parte do estar grávida; a três, a condição de submissão ao cárcere em
Estado, quanto também como argumento para reprovar o ex- decorrência do envolvimento, seja de forma mais ampla ou
ercício da maternidade e, assim, por ter “falhado como mãe”, mais amena, com o tráco de drogas. Essas questões todas re-
endurecer a punição da mulher. percutem diretamente na forma com a qual a mulher nessa
Como muitas dessas mulheres possuem lhos (antes ou condição é vista e (não) compreendida, fazendo-se necessário
durante a reclusão), é constante o receio de romper o vínculo lançar um olhar mais acurado ao se considerar justamente
total com eles ou até mesmo perder o direito legal de exercer esses aspectos todos, o que pode se dar através da abordagem
essa maternidade, pois quando não se tem com quem deixar a criminológica a m de que se busque por alguma repercussão
criança, normalmente esta é encaminhada para um abrigo [633], como consequência no âmbito da política criminal.
podendo ou não resgatá-la ao sair da prisão. E, para exercer no-
vamente a guarda, terá que provar, perante a justiça, que tem A QUESTÃO FEMININA PELA VIA JURISDICIONAL
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dos lhos, nem para, por meio desta pre- Dentro da proposta aqui realizada, é possível constatar
sunção, deixar de efetivar direitos garantidos que “a realidade das mães e bebês em presídios brasileiros
na legislação nacional e supranacional.[638] trazem radicalmente a vivência da violência do desamp-
aro”[639], desamparo esse que repercute na situação da mulher
Talvez para além do chamar de atenção que vem sendo mãe presa qualquer seja sua condição, uma vez que se demon-
feito pela academia sobre as questões que precisam ser super- strou existir um perl base em que a maioria dessas mulheres
adas com relação a ideia que envolve a mulher mãe encarcer- acaba se enquadrando.
ada, o cenário forense seja outra importante fonte de desvelar A problemática merece ser vista para além do senso
de ideias preconcebidas e preconceitos sobre a gura feminina comum que paira inclusive no âmbito do direito, devendo
que não se sustentam. O senso comum está repleto dessas ser levado em conta os saberes tantos que auxiliam a com-
formas de pensar arraigadas culturalmente, necessitando-se preender o fenômeno que repercute na gura da mãe en-
de uma virada de chave paradigmática que compreenda a carcerada por conta do tráco, de modo que esses estudos
gura da mulher da sociedade. Essa mentalidade, por conse- epistêmico-metodológicos “não podem ser condensados em
guinte, fazendo-se presente também nas guras que compõem um único grupo”[640]. Um dos apontamentos que é possível
os quadros da jurisdição penal, acabam por repercutir na ma- fazer é que “com o aumento da participação da mulher no
nutenção de um sempre mesmo estado das coisas, pelo que crime, consequentemente, aumenta o índice de encarcera-
os pré-conceitos que se têm para com o feminino acabam por mento feminino o que gera danos sociais irreversíveis”[641].
inuenciar a forma com a qual a questão do encarceramento Deste modo, posto que “a mulher reclusa é duplamente
é gerido, cujos efeitos são sentidos desde quando do ato da estigmatizada como transgressora da ordem social e de seu
prisão até quando da fase da execução da pena. Daí que uma papel materno e familiar, fruto de uma sociedade machista
aposta concreta possível seja a de que questões como as aqui e patriarcal”[642], a condição dessa gura ora abordada merece
apontadas sejam consideradas pela gura do magistrado no ser analisada diante de todo o contexto, social e jurídico, no
ato de se decidir jurisdicionalmente a respeito da gura da qual está situada, a m de se evitar reducionismos que reper-
mulher mãe encarcerada, superando-se assim, mesmo que a cutem na manutenção do estado de coisas, impedindo assim
curtos, porém, signicativos passos, a estrutura social misó- de se avançar no sentido de uma necessária ruptura para-
gina que ainda se faz presente na contemporaneidade. digmática da cultura patriarcal dominante.
Conforme se observou, “o perl social da mulher crim-
NOTAS CONCLUSIVAS
inosa é de uma mulher jovem, pertencente a um nível
A questão que aqui se tratou e buscou evidenciar diz re-
socioeconômico baixo, com baixo nível educacional ou sem
speito à atenção necessária que deve ser voltada para a gura
nenhum, sem emprego ou em emprego precário, solteira e
da mulher encarcerada. Para além das problemáticas que esse
mãe solteira ou separadas e moradoras das periferias”[643]. Em
aspecto por si só já comporta, estabeleceu-se ainda o enfoque
assim sendo, “o foco na atenção à mulher encarcerada em
na condição maternidade como elemento presente nessa g-
condição de gravidez e puerpério permite-nos dar ênfase a
ura, bem como o delito de tráco de drogas como o fenômeno
fenômenos microscópicos no ambiente penal”[644]. É em razão
responsável pela maioria dos casos das mulheres em situação
dessa necessária e devida ênfase que aqui se discorreu de
de cárcere.
forma sintética sobre a questão, evidenciando-se a necessi-
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1 INTRODUÇÃO
Diante da situação de abandono de garantias constitu-
cionais em nome do poder punitivo estatal surge o Habeas Cor-
pus coletivo 143.641/SP como uma possibilidade de efetivar
os direitos já previstos e consagrados no Estado Democrático
de Direito para proteger as mães presas e seus lhos. Para Min-
grone “o cenário que se busca combater com a aplicação do
habeas corpus coletivo é o de uma situação escandalosa e de-
plorável vivenciada pelas mães e gestantes brasileiras encar-
ceradas por todo o Brasil” . [653]
Este artigo buscará, por meio de pesquisa bibliográca,
legislativa e jurisprudencial, analisar se após o julgamento do
Habeas Corpus coletivo houve a efetivação das leis que pre-
veem e salvaguardam os direitos das mães encarceradas e dos
lhos do cárcere, a m de perceber se houve o acatamento
desse entendimento pelo Judiciário, e se o retrato jurispru-
dencial será efetivamente modicado.
Desse modo, o trabalho será dividido em dois momen-
tos, no primeiro será feito um levantamento do aporte legis-
lativo acerca da maternidade encarcerada, fazendo um com-
parativo com os dados ociais e de pesquisas cientícas acerca
das condições estruturais e de tratamento aos quais essas
mães e lhos estão submetidos no cárcere, a m de observar se
há uma obediência aos mandamentos legais vigentes no país.
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tange ao exercício da maternidade. Em seu artigo 83, §2º, tados a situação de atendimento pela Defensoria é melhor do
prevê, além da possibilidade de manutenção do vínculo entre que nas comarcas do interior — que não raro têm prossion-
mãe e lho através da amamentação até os 6 (seis) meses de ais que atuam em todas as áreas do direito. Esse dado reforça
idade, a necessidade do estabelecimento de berçário nas un- o argumento trazido anteriormente nesta pesquisa, de que a
idades para que seja exercido em sua plenitude o cuidado com situação de encarceramento no interior compõe a “sombra do
os lhos. sistema”, com estabelecimentos prisionais precários, sem a
Apesar dessa previsão legal, o que se vê em realidade presença de corpo funcional técnico e onde a Defensoria não
é a arbitrariedade da administração penitenciária de cada chega.[663]
unidade prisional.[660] Além das unidades prisionais não dis- Desse modo, resta claro que os estabelecimentos pri-
porem de um ambiente propício para a manutenção dos lhos sionais não são preparados de forma adequada para atender à
com as mães para que desse modo elas possam oferecer cuid- mulher presa, especialmente a gestante e a que é mãe.
ados e manter os laços ao longo do período de amamentação,
o censo mostrou que apenas 14% das unidades femininas 2.2. Prisão feminina: um espaço da
ou mistas contam com berçários e/ou centro de referência violação dos Direitos Humanos
materno-infantil, que alcançam os espaços destinados a bebês
À vocação seletiva da segurança pública que tem im-
com até 2 anos de idade.[661]
pactado desproporcionalmente as mulheres pobres e negras,
Uma pesquisa que merece notoriedade acerca do tema
soma-se a questão da superlotação carcerária, a violação dos
aqui proposto foi a realizada pelo IPEA - Instituto de Pesquisa
direitos humanos, a desatenção às condições femininas, a aus-
Economia Aplicada - em conjunto com o projeto “Pensando
ência de subsídios para a saúde e exercício dos seus direitos
o Direito”. O estudo voltou-se para a situação das mães em
reprodutivos.Temos uma política criminal desproporcional e
situação de cárcere e as condições às quais elas estão ex-
agrantemente discriminatória sobre as mulheres, sem con-
postas no ambiente prisional, observaram que “a estrutura
tar o fator racial, que eleva os níveis de desproporcionalidade
falha e punitivista do sistema de justiça, somada à negligência
desse tratamento. [664]
e desatenção aos direitos humanos, em especial reprodutivos
Ao analisar o Relatório sobre mulheres encarceradas no
e maternos, de mulheres em privação de liberdade acarreta
Brasil, Modesti conclui que há uma violação dos direitos das
consequências gravosas a estas, como perda de seus lhos e
mulheres presas pelo Estado e que essa desatenção perpassa os
impossibilidade de manutenção de vínculos familiares”.[662]
setores da saúde e da reintegração social, como a educação, o
Concluíram que, de forma geral, as personagens do sistema de
trabalho e a preservação dos vínculos e relações familiares. [665]
justiça criminal não consideram a situação familiar das mul-
O cárcere, pela forma que recebe as mães e abriga as
heres, enquanto as da Infância e Juventude não atentam para o
gestantes e crianças, é ilegal, inconstitucional. O fato de deter-
processo criminal das mães na ação de destituição de guarda.
minarem a prisão preventiva a essas mulheres, antes da sen-
Quanto aos estabelecimentos prisionais, após realiz-
tença condenatória criminal transitada em julgado, subtrai o
arem mais de 50 entrevistas e visitarem estabelecimentos
acesso a programas de saúde pré-natais, assistência regular ao
prisionais em mais de seis estados brasileiros e também na Ar-
parto e pós-parto, condições de higiene e autocuidado, bem
gentina, bem como as creches voltadas para atender os lhos
como impossibilitam às crianças condições adequadas de
das mulheres aprisionadas, apontaram que nas capitais dos es-
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desenvolvimento.
O tema acerca da convivência e separação da mãe e do
2.3. Filhos do cárcere: Uma infância marcada por violações bebê é previsto em mais de um texto legal, a exemplo disso,
temos a Resolução nº 04, de 15 de julho de 2009 do Conselho
Além de todo o abalo psicológico ocasionado pela de Política Criminal e Penitenciária, que reforça a importân-
situação de vulnerabilidade em que as mães encarceradas e cia do aleitamento materno, o vínculo da criança com a mãe,
seus lhos estão expostos, outro fator que causa fragilidade assim como outras orientações. Ressalta-se o artigo 1º, inciso
física e emocional é a preocupação com a tutela dos lhos que II da referida resolução:
caram sob os cuidados de abrigos sociais, vizinhos, ou avós.
Poucas recebem visitas dos lhos, o que viola o art. 19, § 4º[666] Art. 1º A estada, permanência e posterior
do Estatuto da Criança e do Adolescente que garante visitas encaminhamento das (os) lhas (os) das mu-
periódicas dos lhos aos pais e mães privados de liberdade. lheres encarceradas devem respeitar as se-
Ao analisar o evento separação mãe/lho em razão do guintes orientações:
cárcere, Stella coloca em foco a discussão acerca das questões (...)
emocionais resultantes desse fato, principalmente no que II – Continuidade do vínculo materno, que
tange a culpabilização sobre o abandono e a possibilidade de o deve ser considerada como prioridade em
lho seguir seus passos na carreira criminosa. De acordo com todas as situações.[670]
a autora, fortalece-se a crença de “transmissão” da conduta
criminosa, o que acaba por dicultar o processo de social- A amamentação é tema que também merece destaque.
ização e individuação. [667] O Observatório de Análise em Política de Saúde (OPAS) e a Or-
A responsabilidade pelo cuidado com o lar e pela ganização Mundial da Saúde (OMS) recomendam que os bebês
criação dos lhos sempre foi atribuída às mulheres na socie- sejam alimentados exclusivamente do leite materno até os 6
dade patriarcal, o que gera nelas um imenso sentimento de meses de idade, e que junto com outros alimentos seja man-
culpa quando estão presas e impedidas de cuidar da prole.[668] tido até os 2 anos ou mais, principalmente em razão da pre-
A pesquisa realizada na Penitenciária Feminina de Piraquara venção de doenças e manutenção do vínculo mãe/lho.[671]
demonstra exatamente a manutenção desse papel de respons- No Brasil o direito à amamentação é garantido pela
abilização quanto à criação dos lhos: Constituição Federal de 1988,[672]pela Lei de Execução de
“Lo qué más se destaca es su papel en la re- Penal,[673] e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, além
producción natural, papel este socialmente de previsões internacionais. Porém, apesar de haver expresso
construido, pero ideológicamente asimilado mandamento legislativo acerca desse direito, bebês ainda
por las reclusas. En general, son abandonadas são retirados das mães, às vezes somente um dia depois do
por sus compañeros y lo que les resta son los parto.[674]
hijos, razón mayor de la sensación de que la A separação da mãe e do bebê não é a situação ideal.
pena es un ‘castigo’ (58,8% considera que la Como visto, os estabelecimentos prisionais não são adequa-
pena es un ‘castigo’, es decir, pena es dolor, su- dos para manutenção de uma criança, principalmente recém-
frimiento).”[669] nascida. Segundo dados do DEPEN, 45% das mulheres presas
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Entretanto, o Judiciário ainda coloca alguns obstáculos à sua esses, a prisão preventiva é totalmente desnecessária.
concessão. A manutenção dessas presas tem um efeito brutal nos
A pesquisa realizada pelo projeto “Pensando o Direito” núcleos familiares, principalmente pelo corte dos vínculos
em conjunto com a existentes entre a mãe e o bebê. Investir em berçários e cre-
Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça ches não seria uma saída ecaz, pelo contrário, trata-se de
(SAL/MJ), e com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada uma institucionalização dessas crianças à medida que ao se
(IPEA), nos demonstra que, há uma diculdade no que se refere prender a mãe, prende-se o lho, um desrespeito claro aos
à concessão da prisão domiciliar para as presas provisórias, mandamentos constitucionais. A única saída desse paradoxo
principalmente com relação ao Judiciário. Isso se deve ao fato (car com a criança no estabelecimento prisional sujeitando-
de este poder lidar com a prisão como se esta constituísse a à situação de total precariedade ou separar-se dela no nas-
uma política social, segundo as palavras da defensora pública cimento) parece ser a concessão da prisão domiciliar. “Essa
do Estado do Ceará, Gina Pontes Moura, entrevistada na pesqu- opção choca com a cultura do encarceramento e a priorização
isa: “se for minimamente organizada a unidade, o juiz ou juíza do ‘combate ao crime’ presente nos discursos e práticas do sis-
acha melhor a prisão que a rua, por considerar haver menos tema de justiça”.[685]
suporte do lado de fora”. Para ela, “a existência de creche tem A pesquisa “Pensando o Direito” conclui que a “melhor
justicado a manutenção da prisão provisória, infelizmente. possibilidade de exercício de maternidade ocorrerá sempre
A política está errada – não é investir em creche para manter a fora da prisão e, se a legislação for cumprida, tanto em relação
provisória, mas investir na liberdade em detrimento da prisão à excepcionalidade da prisão preventiva como no que tange
provisória”. [682] à aplicação da prisão domiciliar, grande parte dos problemas
Diante disso o que se observa é que há de forma ex- que afetam a mulher no ambiente prisional estarão resolvi-
plícita um descumprimento/violação dessas normas.[683] O Ju- dos”.[686]
diciário acaba utilizando a prisão como forma de perpetuar
uma postura paternalista e punitiva. 3.2. Habeas Corpus coletivo 143.641/
Cabe ressaltar que o disposto no art. 318 do Código de SP: uma luz no m do túnel
Processo Penal impacta de forma signicativa nessa anuência,
Ainda que a legislação nacional e internacional tenha
uma vez que, o termo “poderá” disposto no caput do artigo
se demonstrado sensível com a situação de extrema vulner-
dá margem interpretativa de que a concessão desse benefí-
abilidade das mulheres, mães e gestantes presas e, claro, de
cio cará a cargo do Judiciário. Isso diculta substituição do
seus lhos, a previsão de direito material não basta para que
regime, mesmo estando presente todos os requisitos.
as garantias sejam concedidas, sendo necessária uma atuação
Há de se observar, também, que a maioria dessas mul-
mais presente e ativa da sociedade e, por óbvio, do Judiciário.
heres está presa pelo tráco de drogas e crimes relacionados,
Diante de um Judiciário punitivista que não concede
delitos que, na grande maioria dos casos não envolvem violên-
os benefícios aos quais as mulheres presas têm direito, o Col-
cia ou grave ameaça a pessoas, e cuja repressão recai, não raro,
etivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), requereu
sobre a parcela mais vulnerável da população, em especial
perante ao Supremo Tribunal Federal, a concessão de um
sobre os pequenos tracantes, quase sempre mulheres, vulgar-
Habeas Corpus coletivo para revogação da prisão preventiva
mente denominadas de “mulas do tráco”.[684] Em casos como
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decretada contra todas as gestantes puérperas e mães de dade. Segundo o Ministro Lewandowski isso decorre de alguns
crianças, ou sua substituição pela prisão domiciliar. Segundo fatores, dentre eles:
o CADHu, com a entrada em vigor da Lei 13.257/2016
(Marco Legal da Primeira Infância), viu-se uma oportunidade “(...) por um proceder mecânico, automa-
de pleitear perante o Judiciário a substituição da prisão pro- tizado, de certos magistrados, assoberbados
visória pela domiciliar para esse público. Porém, mesmo hav- pelo excesso de trabalho, seja por uma in-
endo expressa previsão legislativa, na maioria dos pedidos terpretação acrítica, matizada por um ultra-
houve o indeferimento.[687] passado viés punitivista da legislação penal
O livro “Pela Liberdade, a história do Habeas Corpus e processual penal, cujo resultado leva a
coletivo para mães e crianças”, conta a história da construção situações que ferem a dignidade humana
do Habeas Corpus. Segundo este, o acompanhamento da sua de gestantes e mães submetidas a uma
aplicação escancarou uma dupla recusa do Poder Judiciário: situação carcerária degradante, com evi-
dentes prejuízos para as respectivas crian-
“Primeiro, a recusa em considerar a situação ças.”[690]
do sistema penitenciário nacional e a con-
sequente ilegalidade da prisão preventiva A solução encontrada pelo Ministro Relator para a
decretada a mulheres gestantes ou mães de visível arbitrariedade judicial quando a sistemática supressão
crianças. Segundo a recusa em dar ecácia aos de direitos dessas mulheres e de seus lhos, consiste em con-
dispositivos que a Constituição Federal e a ceder o Habeas Corpus coletivo, “estabelecendo parâmetros
legislação processual penal já haviam estab- a serem observados, sem maiores diculdades, pelos juízes,
elecido.”[688] quando se depararem com a possibilidade de substituir a
prisão preventiva pela domiciliar”.[691]
A concessão do instrumento coletivo se deu princi- Diante disso, concedeu a substituição da prisão pre-
palmente em razão do acesso à Justiça no nosso país que é ventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas,
extremamente decitário, sobretudo quando se trata de mul- gestantes, puérperas e decientes nos termos do art. 2º do
heres presas, negras e pobres, havendo necessidade de máxima ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com De-
amplitude na concessão do benefício da prisão domiciliar. ciências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015),
Desse modo, segundo o Ministro Relator Lewandowski, “deve- excetuando-se os: i) casos de crimes praticados contra seus
se extrair do Habeas Corpus o máximo de suas potencialidades, descendentes; ii) situações excepcionalíssimas, as quais deverão
nos termos dos princípios ligados ao acesso à Justiça previstos ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem
na Constituição de 1988 e, em particular, no art. 25 do Pacto o benefício. Aqui, merece uma atenção, tais “situações excep-
de São José da Costa Rica”.[689] cionalíssimas” nas quais o pedido pode ser indeferido pelo Ju-
A Suprema Corte já se manifestou em outras oportun- diciário torna-se uma porta aberta para sua não concessão de
idades acerca da falha estrutural que agrava o hiperencarcera- maneira seletiva.
mento, principalmente pela imposição exagerada de prisões Para que o remédio constitucional tivesse cumpri-
provisórias a mulheres pobres e em situação de vulnerabili- mento imediato, o Ministro determinou a comunicação
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dos “Presidentes dos Tribunais Estaduais e Federais, inclu- do caso concreto, grave ameaça do crime de tráco de
sive da Justiça Militar Estadual e Federal, para que prestem drogas[695]
informações e, no prazo máximo de 60 dias a contar de 4. Prisão preventiva (presentes os requisitos do
sua publicação, implementem de modo integral as determin- Fumus comissi delicti e Periculum libertatis) para asseg-
ações estabelecidas no julgamento, à luz dos parâmetros ora urar a ordem pública em virtude da extrema gravidade
enunciados”.[692] do ilícito.[696]
5. Cabimento da “situação excepcionalíssima” do
3.3. A permanência da violação dos Direitos HC coletivo 143.641 em razão de reincidência.[697]
Humanos: a visão de mundo dos juízes
Apesar do caráter coletivo do Habeas Corpus 143.641/
Com o objetivo de observar a recepção do entendi- SP e a amplitude no alcance das diversas situações em que
mento da Suprema Corte pelo Judiciário e sua efetividade no essas mulheres estão submetidas no cárcere, os magistrados
que diz respeito ao cumprimento dos direitos e garantias con- encontraram como brecha para a não concessão da medida a
stitucionais, foi consultado o banco de dados do Tribunal de hediondez do crime do tráco de drogas, a residência como
Justiça do Estado Paraná (decisões de 1º e 2º graus) restring- local de tracância e a exposição das crianças às substâncias,
indo a pesquisa ao período pós-julgamento do Habeas Corpus colocada como “situação excepcionalíssima” à regra, além de
Coletivo 143.641/SP, entre os anos 2018 e 2019. rearmar o discurso da segurança e manutenção da ordem em
Foram analisados alguns julgados acerca da concessão face do direito indisponível e irrenunciável da criança de con-
da prisão domiciliar, em sua maioria as mulheres estão presas viver com sua mãe.
pelo ilícito do tráco de drogas e em prisão provisória, algu- A situação no estado do Rio de Janeiro não se distancia
mas grávidas ou com lhos menores de doze anos de idade. da realidade paranaense. De acordo com uma pesquisa divul-
Para a pesquisa, foram utilizados os termos grávidas/mães/ gada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro in-
prisão, preventiva/prisão, domiciliar/Habeas Corpus coletivo titulada, “O Perl das Mulheres Gestantes, Lactantes e Mães
143.641/ mãe e lho. Ao todo foram analisadas nove decisões. Atendidas nas Audiências de Custódia”, realizada entre agosto
Destas, apenas em dois casos houve a aceitação do pedido. de 2018 e fevereiro de 2019, mesmo após o a decisão do
No que se refere às decisões denegatórias os principais Supremo Tribunal Federal, uma em cada quatro mulheres
argumentos utilizados pelos magistrados foram de que: continua mantida presa sem necessidade. Das 498 mulheres
1. A paciente não é indispensável aos cuidados entrevistadas que passaram pelas audiências de custódia em
dos lhos, há necessidade de produção de prova pela Benca, 46% delas se enquadram no perl de mulheres
paciente quanto à exclusividade do cuidado.[693] grávidas ou com suspeita de gravidez, lactantes e com lho de
2. Cabimento da situação excepcional à regra até 12 anos. Deste total, 36% permaneceram presas preventi-
prevista no Habeas Corpus Coletivo 143.64/SP, risco de vamente. [698]
exposição das crianças às substâncias tóxicas, tal con- No que se refere ao teor das decisões prolatadas pelos
cessão é prejudicial ao desenvolvimento da criança.[694] magistrados, os argumentos se repetem. De acordo com a De-
3. A concessão da prisão domiciliar não é social- fensora Pública Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa
mente recomendável tendo em vista as características dos Direitos da mulher da DPPRJ:
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que este fato não tira da mãe o direito de ter a prisão domicil-
“Em um cenário de crescimento da popu- iar e consequentemente o exercício da guarda dos lhos. Tal
lação carcerária feminina, sendo certo que direito é previsto constitucionalmente, tanto na legislação
mais da metade das mulheres no cárcere re- nacional quanto internacional.[702]
sponde pelo crime de tráco de drogas, a não Ocorre que, o Judiciário, mesmo diante do vasto arc-
implementação integral do HC Coletivo e da abouço legislativo acerca da maternidade encarcerada e das
lei, além de contribuir para o aumento de decisões exaradas pela Suprema Corte, busca relativizar seus
mulheres encarceradas, faz com que muitas efeitos, não atribuindo a efetividade esperada. O fato da pre-
crianças nasçam nas prisões. Não há razões valência das acusações de tráco de drogas implica uma
para suspeitar que a mãe que traca é in- enorme mitigação na concessão do benefício, o que mantém o
diferente ou irresponsável para o exercício ciclo de violência institucional, resultando em máquina que
da guarda dos lhos” (No Rio, uma em cada retroalimenta o hiperencarceramento.
quatro mulheres é mantida presa sem neces- Como se viu, a totalidade das ordens negativas teve
sidade.[699] como fundamento a “garantia da ordem pública”, pautado no
respeito à segurança pública e na tranquilidade social.Tal fun-
O Habeas Corpus coletivo foi concedido no dia 20 de damento é abstrato, indeterminado e subjetivo. Além disso,
fevereiro de 2018, oito meses depois, o número de indeferi- a brecha da “situação excepcionalíssima” deixada pelo Su-
mentos (principalmente nos casos envolvendo o crime de premo resultou na perpetuação da seletividade do sistema de
tráco de drogas) era absurdo. Diante disso, para aclarar o en- justiça criminal.
tendimento já disposto no acórdão que concedeu a ordem,
4 CONCLUSÃO
o Ministro Relator Ricardo Lewandowski concedeu Habeas
Corpus de ofício para que as presas que ainda não haviam A dura realidade a que a mãe e seus lhos estão sub-
sido colocadas em prisão domiciliar, por considerar que tais metidos no sistema prisional é de total supressão de direi-
casos concretos possam trazer questões interessantes ao al- tos, violação de intimidades, corte de vínculos, e negação da
cance coletivo, com o potencial de dar maior concretude ao qualidade de pessoa humana. Diante disso, é que o Habeas
acórdão.[700] Corpus coletivo 143.641/SP surge como um motivo de cele-
De acordo com a decisão monocrática, o Ministro bração. Seu caráter coletivo, uma inovação no nosso sistema
Lewanndowski, tal benefício estende-se à presa agrada le- jurídico, tem grande valor, garantindo uma homogeneidade
vando substâncias entorpecentes em estabelecimento pri- na análise dos casos, o acesso à justiça aos que não têm voz,
sional, em suas palavras “não é óbice à concessão da prisão maior eciência, celeridade e segurança jurídica.
domiciliar e, em hipótese nenhuma, congura a situação de No entanto, o remédio constitucional não teve a efetivi-
excepcionalidade a justicar a manutenção da custódia cau- dade esperada: milhares de mulheres que se encaixam no per-
telar.”[701] l ao recorrer ao Judiciário tiveram suas ordens denegadas
Para o Ministro, não se pode negar tal concessão para a em razão da estreita visão de mundo de magistrados/as que
mãe que traca para o sustento da sua própria prole, uma vez parecem desconhecer o fato de que o perl da população presa
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clandestinamente sem nenhuma assistência estatal, quando autuadas e algemadas ainda no hospital e levadas para deleg-
deixará de considerar como criminosas mulheres que, por acias, em estado de inconsciência ou debilitadas, o que gera
motivos tão subjetivos que não cabe ao legislador, nem tam- uma outra demanda: a necessidade de intervenção de toda a
pouco ao conservadorismo religioso e social, apontar e crit- rede do serviço judicial.
icar, decidem interromper a gestação em qualquer circun- A Portaria nº 2.282/2020 editada pelo governo fed-
stância que seja. A tática transnacional de articulação da eral atualizou procedimentos de aborto no SUS em vigor
conquista na Argentina, coloca a mulher como detentora do desde 2005 e chegou a prever o dever da equipe de saúde
direito de decidir pela interrupção da gravidez até a décima em informar à gestante sobre a possibilidade de visualizar
quarta semana. Segundo a lei argentina, o procedimento deve o feto ou embrião por meio de ultrassonograa. Depois da
ser realizado pelo serviço público em um prazo de até dez dias grande polêmica, e graças à rmeza das organizações que de-
após a solicitação. O projeto arma ainda que é permitido aos fendem o aborto legal, novamente foi editada a Portaria nº
médicos que se neguem a fazer o procedimento, mas é obrig- 2.561/2020, do Ministério da Saúde, que não dispõe mais
atório que o prossional seja substituído por outro que con- sobre a possibilidade de visualizar o feto ou embrião por
corde em realizar o aborto. meio de ultrassonograa. No Brasil, dados ociais do Sistema
No Brasil, a área médica é muito contrária ao aborto de Informações Hospitalares do SUS, do Ministério da Saúde,
e coaduna com a legislação proibitiva em vigor. Na área dão conta que por dia há em torno de seis internações de
jurídica, apesar de muitas defensoras dos direitos das mul- meninas de 10 a 14 anos para interromper gestações que são
heres entenderem o direito reprodutivo como essencial para a resultados deestupros. Dados ociais também dão conta que
autonomia, dignidade, liberdade da mulher, ainda há as que se o SUS gastou em uma década, entre 2008 a 2017, R$ 486 mil-
utilizam do discurso religioso e se contrapõem a essa necessi- hões com internações para tratar complicações do aborto e
dade social e debatem a temática como se estivessem diante que mais de dois milhões de mulheres foram internadas por
de uma decisão pessoal delas diante do caso concreto. Perdem esse motivo. Diante da grande demanda e por ser assunto
a noção de empatia coletiva, de reconhecimento de que há um eminentemente do interesses feminino, faz-se necessária uma
problema social com repercussões gigantescas. Esquecem que renovação da política pública que tenha como pauta a di-
se trata de um problema de saúde pública que tem impacto minuição de restrições à interrupção da gestação, pois, do
na vida de muitas mulheres que se tivessem a legislação fa- contrário, a ilegalidade do aborto servirá para aumentar o
vorável poderiam optar, diante do seu exame de consciência, problema, vez que, sem acesso a um procedimento seguro,
pela interrupção da gravidez, recebendo do Estado condições impõe-se mais riscos de complicações de mortes de mulheres.
para realização da mesma. Não há coerência em defender dire- Trata-se de tema eminentemente da seara feminina,
itos fundamentais das mulheres e não defender o aborto como vez que nenhum homem precisará fazer o procedimento da
direito que alguma mulher queira ou precise em dada circun- interrupção da gravidez. O que é muito costumeiro ser feito
stância existencial. por muitos homens é a falta de responsabilidade nanceira e
São muitos os relatos de mulheres que fazem abortos afetiva desde a gestação. Dados do CNJ, com base no Censo
clandestinos e que ao precisarem de serviço de curetagem no Escolar, apontam que mais de 6,5 milhões de crianças não
SUS sofrem maus tratos ou são denunciadas por médicos ou tem o pai no registro. A situação é grave e aponta para uma
prossionais de saúde pelo crime de aborto, algumas sendo irresponsabilidade social. Com a necessidade de mudar esse
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quadro, por meio do Provimento nº 16, o CNJ desburocrati- da maternidade, a gravidez na adolescência e os impactos na
zou o reconhecimento tardio e espontâneo de paternidade e vida das jovens estudantes, a questão dos tabus que envolvem
permitiu que, nos casos em que há a concordância do genitor, o tema da amamentação, aspectos jurídicos do parto
o procedimento seja gratuito em qualquer Cartório de Regis- anônimo, a reprodução humana assistida e o reconhecimento
tro Civil sem a necessidade de procedimento judicial e de ad- da liação materna, violência obstétrica e erro médico, a lei
vogado. Em caso de não concordância, a mãe poderá fazer a de alienação parental como forma de violência simbólica con-
indicação do suposto pai para ser iniciado um procedimento tra as mães, as desigualdades nos cuidados parentais, a des-
de investigação de paternidade. Temos, portanto, diante desse proteção salarial no afastamento do trabalho previsto na Lei
alarmante número de crianças sem pai, a consequência que é Maria da Penha.
a dura realidade de ser mãe solo, seja pela questão da falta de No capítulo três o enfoque principal foi a gestação e a
registro, ou ainda por outras causas, como a viuvez, quando banalização dos corpos das mulheres negras e das mulheres
os pais não compartilham a guarda porque não querem ou em com deciência, como também questões ligadas à mater-
razão da questão geográca ou transfronteiriça. nagem encarcerada.
O art.226,§ 7ºdaConstituição Federal preceitua que Diante de tudo que foi pesquisado pelas autoras e
“a família, base da sociedade, tem especial proteção do Es- autores que compõem esta obra, cou evidente que a
tado. (...)§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pes- temática da Maternidade no Direito Brasileiro é sentida, pres-
soa humana e da paternidade responsável, o planejamento enciada e decidida, na grande maioria das vezes, através de
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado um ltro machista. Precisa-se, portanto, fazer uma alteração
propiciar recursos educacionais e cientícos para o exercí- de percepção e o feminismo passar a ser o ltro condutor
cio desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de entendimento sobre as situações que as mães vivenciam
de instituições ociais ou privadas”. Verica-se no texto no Judiciário. O feminismo é a luta pelos direitos iguais das
constitucional o princípio da paternidade responsável como mulheres em relação aos homens e, dentro desta perspectiva,
premissa para a constituição familiar. No entanto, pelas portanto, é válido que compreendamos como historicamente
questões já levantadas anteriormente, o que mais se verica o papel da Maternidade foi socialmente construído como
é que a maternidade solo torna-se uma responsabilidade ex- mais um lugar de exercício de poder sobre os corpos e as von-
tremamente cansativa e dicultosa, especialmente quando tades de mulheres que vivenciam a gravidez, o parto, a ama-
falamos de mães pertencentes a grupos vulnerados econom- mentação e os cuidados com os lhos. Para que não seja um
icamente que não contam nem mesmo com a assistência lugar de violências, precisa-se reconhecer as vulnerabilidades
estatal. Neste sentido, há uma total incongruência do Estado das mães e lhos e trazer para o debate a importância da pater-
ao obrigar uma mulher a continuar uma gestação quando não nidade responsável. Essa mudança sistêmica proporcionará
lhe permite condições materiais e sociais na criação de seu uma sociedade melhor.
lho.
Também no primeiro capítulo foram abordadas a
questão do infanticídio indígena e sobre a Síndrome de Ed-
wards e seu tratamento jurídico. No segundo capítulo, as
questões principais se deram em torno da construção social
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Alanis Marcela Carvalho Matzembacher - Graduanda em Dir- Ana Carla Barreto Augusto de Almeida - Graduanda do 4º ano
eito (FAE – Centro Universitário); Secretária-geral e membro do curso de Direito na Universidade Estadual de Londrina. E-
do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri. Membro do Núc- mail: ana.carla.augusto@uel.br
leo de Estudos em Ciências Criminais.; Membro do Grupo de
Ana Carolina Teixeira de Carvalho Ladeia - Graduanda em Dir-
Pesquisa: Modernas Tendências do Sistema Criminal; Membro
eito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).
do Núcleo de Pesquisa em Direito Penal Econômico; Membro
Membra e Coordenadora Geral do Grupo de Estudos de Dir-
do Grupo de Estudos Interdisciplinares entre Direito e Neuro-
eito Contemporâneo (NEDIC); Membra e Secretária Geral da
ciência; Aluna bolsista do Programa de Iniciação Cientíca da
Liga Acadêmica de Geriatria e Gerontologia UESB-FASA (LAGG
FAE – PAIC. E-mail: alanis_m@hotmail.com
UESB-FASA); Membra do Grupo de Estudos e Pesquisa em Com-
Alessandra Almeida Barros - Mestranda em Ciências Crimin- pliance da OAB subseção de Vitória da Conquista. E-mail:
ológico-Forense pela Universidad de la Empresa - UDE - Mon- anatcladeia@gmail.com
tevidéu (Uruguay). Possui Pós-Graduação em Direito Penal
Ana Flávia Alves Matias - advogada autônoma, pós-graduada
pela FESC-FAFIC. Pós-Graduanda em Docência do Ensino Su-
em direito previdenciário pelas Faculdades Integradas de
perior pela FESC-FAFIC. Bacharela em Direito pela FESC-FAFIC.
Patos - FIP (2014), pós-graduada em direito civil e processual
Professora de Graduação na UniAteneu Centro Universitário,
civil pela FEAD – Centro de Gestão Empreeendedora (2018). E-
ministrando as disciplinas de Legislação Penal Extravagante e
mail: advanaavia@outlook.com
Direito Penal Parte Especial. Professora de Graduação da Fac-
uldade Princesa do Oeste ministrando as disciplinas de Dire- Ana Lara Sardelari Scaliante - Graduanda em Direito pelo
ito Penal I – Parte Geral, Penal III - Parte Especial I, Direito Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presi-
Penal IV – Parte Especial II e Psicologia Jurídica. Professora dente Prudente. Bolsista de Iniciação Cientíca no Grupo
de Pós-Graduação Lato Senso em Perícia Forense na UniAte- de Pesquisa “Novo Processo Civil Brasileiro: Garantias Fun-
neu, ministrando as disciplinas de Criminologia/Vitimologia; damentais e Inclusão Social”. Membra do Grupo de Estudos
Criminalística e Psicopatia. Professora de Pós-Graduação Lato Métodos de Solução de Conitos e Acesso à Justiça na So-
Senso em Direito Penal e Processo Penal no Curso Sentido ciedade Contemporânea (GEMESCAJ) e do Grupo de Estudos
Único, ministrando as disciplinas de Criminologia/Vitimolo- Direito e Tecnologia, mantidos pela mesma IES. Membra do
gia, Medicina Legal e Legislação Penal Especial. Professora de Grupo de Pesquisa Direito Sistêmico e Métodos Adequados de
Pós-Graduação Lato Senso em Direito Penal na Estácio, min- Resolução de Conitos, da Universidade Federal do Rio Grande
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Bárbara Suéllem Gonçalves do Nascimento - Graduanda no Fabiana Leite Domingues - Mestra em Direito Fundamentais
curso de Direito, pela Universidade Tiradentes Sergipe. E- pela Faculdade Damas do Recife/PE, Professora de Direito Civil
mail: barbaranascimento1@outlook.com da Faculdade Nova Roma e da Faculdade Metropolitana da
Grande Recife, Presidenta da Comissão da Mulher Advogada da
Catharina Araujo Santos - Graduanda no curso de Direito, pela OAB/PE, Integrante da Comissão de Diversidade Sexual e Gên-
Universidade Tiradentes Sergipe. E-mail: catharina.araujo@ ero da OAB/PE, Advogada militante na área cível, família e
souunit.com.br sucessões. E-mail: fabianaleiteadvocacia@hotmail.com
Cristiane Santos Pereira - Graduanda em Psicologia pela Gabriela Caroline Batista dos Santos - Graduanda em Direito
UNIFG. E-mail: cristianesantos870.cs77@gmail.com pela Universidade Federal do Oeste da Bahia- UFOB. E-mail:
gabrielacarolinebatista@gmail.com
Debora Rickli Fiuza - Doutoranda pelo Programa Interdiscip-
linar em Desenvolvimento Comunitário- UNICENTRO. Pro- Iara Schuinka Bazilio - Acadêmica do curso de Direito na
fessora de Psicologia pelo Centro Universitário Campo Real. UFPR – Universidade Federal do Paraná. E-mail: isbazilio@
Orientadora do Neddi-Guarapuava. E-mail: debora_rickli@ gmail.com
yahoo.com.br
Ingrida Zanella - Professora da Universidade Federal de Per-
Elen Cristina Silva de Lima - Graduada em Psicologia pela Fac- nambuco (UFPE). Professora do Programa de Pós-Graduação
uldade Guairacá, 2016, Psicóloga no Neddij-Guarapuava. E- em Direito da Faculdade Damas da Instrução Cristã. Doutora e
mail: luana.lustoza@hotmail.com Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Vice-presidente da OAB-PE. E-mail: ingridzanella@
Érika de França Pergentino - Advogada, pós-graduada em dir-
yahoo.com.br
eito penal pela Faculdade de Filosoa, Ciências e Letras de
Cajazeiras FESC- FAFIC (2017), pós-graduada em direito con- Jessica Holl - Mestre em Direito pelo Programa de Pós-
stitucional pela Faculdade FAVENI (2020). E-mail: adverika- Graduação em Direito da UFMG. Graduada em Direito pela
franca@gmail.com UFMG. Professora Substituta de Direito na UFOP. Professora
Orientadora do Núcleo de Assessoria Jurídica de Ouro Preto
Esther Spínola de Souza - Graduanda em Psicologia pela
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com atuação na área de Direito Trabalhista, Sucessões, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3725-6339. E-mail: pat-
Família, Previdenciário, Direito Digital e Empresarial. Min- ncss@gmail.com.
istrante de Palestras e Minicursos. Integrante da Comissão
de Mediação, Conciliação e Arbitragem da OAB/CE. E-mail: Paulo Silas Filho - Mestre em Direito (UNINTER); Especial-
narappcastro@gmail.com ista em Ciências Penais; Especialista em Direito Processual
Penal; Especialista em Filosoa; Pós-graduando (lato sensu)
Natalia da Silva Lima - Graduanda do 4º ano do curso em Teoria Psicanalítica; Professor de Processo Penal e Dire-
de Direito na Universidade Estadual de Londrina. E-mail: ito Penal (UNINTER e UnC); Advogado; Membro da Comissão
natalia.silva.lima@uel.br de Prerrogativas da OAB/PR; Membro da Rede Brasileira de
Direito e Literatura; Diretor de Relações Sociais e Acadêmico
Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza - Pós-Dou- da Associação Paranaense dos Advogados Criminalistas
tora em Direito e Doutora em Direito Público pela Universi- (APACRIMI). E-mail: paulosilaslho@hotmail.com
dade Federal da Bahia-UFBA. Doutora em Educação e Mestra
em Direito Público pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Rafaela Araújo Santos Silva - Graduanda em Psicologia pela
Especialista em Combate à corrupção: prevenção e repressão UNIFG. E-mail: rafaalellar@gmail.com
aos desvios de recursos públicos pela Faculdade Estácio CERS.
Especialista em Direito do Estado e Especialista em Direito Raquel Lopes Sparemberger - Mestra em Direito pela
Municipal pela UNIDERP. Especialista em Direito Civil e Pro- Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutora em
cesso Civil pela Universidade Tiradentes - UNIT. Especialista Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pós-
em Auditoria Contábil pela Universidade Federal de Sergipe - Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa
UFS. Professora Titular de Graduação e Pós-graduação da Uni- Catarina (UFSC). E-mail: fabiana7778@hotmail.com
versidade Tiradentes. Líder do Grupo de Pesquisa em Direito
Público, Educação Jurídica e Direitos Humanos - DPEJDH/ Rayann Kettuly Massahud de Carvalho - Mestre em Dir-
UNIT/CNPq. Conferencista. Autora de artigos e Livros Juríd- eito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
icos (23 obras - 3 individuais e 20 coletivas). Diretora Téc- Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Lavras
nica do Tribunal de Contas de Estado de Sergipe. Advogada, (UFLA). Membro do Núcleo de Estudos Direito, Moderni-
contadora, jornalista. Master Coaching e Mentoring Advice dade e Capitalismo (UFMG). Membro do Grupo de Pesqu-
Humanizado. Membro da Academia Sergipana de Educação, isa Constitucionalismo e Aprendizagem Social (CONAPRES)
da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de e do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (UFMG). E-mail:
Ciências Contábeis, da Academia Itabaianense de Letras e do rayannkmassahud@gmail.com
Instituto Histórico e Geográco de Sergipe. Membro da Asso-
Rebeca Jamilly Costa Souza - Graduanda em Direito, 10º
ciação Sergipana de Imprensa. Recebeu a comenda do mérito
período, pela Universidade Tiradentes, integrante do grupo de
trabalhista em 2007. Foi a primeira Mulher Diretora-Geral do
pesquisa GPDPEJ – direito público educação jurídica e direi-
Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. Lecionou como pro-
tos humanos na contemporaneidade CNPQ/UNIT. Graduanda
fessora substituta na Universidade Federal de Sergipe, durante
em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe. Lat-
dois anos. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7502386530836336.
tes: http://lattes.cnpq.br/6948795417909055. E-mail: rebe-
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fabianaleiteadvocacia@hotmail.com
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Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 61ª Sessão. Declaração
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EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
420 421
EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
cid.org/0000-0003-3591-7153>. E-mail: <sheilastolz@gmail.com>. ento de adicção; (d) baixa resistência à frustração; (e) eclosão de doenças
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Professora e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Direito, Gênero e
depressão; (g) comportamento antissocial; (j) transtorno de identidade; (h)
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Acadêmica do curso de Direito na UFPR – Universidade Federal do Par-
[449] aná – e-mail: isbazilio@gmail.com.
Doutoranda pelo Programa Interdisciplinar em Desenvolvimento Com-
unitário- Universidade Estadual do Centro Oeste- UNICENTRO. Professora [462]
Acadêmica do curso de Direito na UFPR – Universidade Federal do Par-
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Op. Cit.
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Federal da Bahia-UFBA. Doutora em Educação e Mestra em Direito Público
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pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Especialista em Combate à
Diário Ocial da União: Brasília, DF, p. 1-30, 6 jul. 2015.
corrupção: prevenção e repressão aos desvios de recursos públicos pela
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Faculdade Estácio CERS. Especialista em Direito do Estado e Especialista BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira
em Direito Municipal pela UNIDERP. Especialista em Direito Civil e Pro- de Inclusão da Pessoa com Deciência (Estatuto da Pessoa com Deciência).
cesso Civil pela Universidade Tiradentes - UNIT. Especialista em Auditoria Diário Ocial da União: Brasília, DF, p. 1-30, 6 jul. 2015.
Contábil pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Professora Titular de [519]
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira
Graduação e Pós-graduação da Universidade Tiradentes. Líder do Grupo de Inclusão da Pessoa com Deciência (Estatuto da Pessoa com Deciência).
de Pesquisa em Direito Público, Educação Jurídica e Direitos Humanos - Diário Ocial da União: Brasília, DF, p. 1-30, 6 jul. 2015.
DPEJDH/UNIT/CNPq. Conferencista. Autora de artigos e Livros Jurídicos (23
[520]
obras - 3 individuais e 20 coletivas). Diretora Técnica do Tribunal de Contas BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira
de Estado de Sergipe. Advogada, contadora, jornalista. Master Coaching e de Inclusão da Pessoa com Deciência (Estatuto da Pessoa com Deciência).
Mentoring Advice Humanizado. Membro da Academia Sergipana de Edu- Diário Ocial da União: Brasília, DF, p. 1-30, 6 jul. 2015.
cação, da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de Ciên- [521]
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cias Contábeis, da Academia Itabaianense de Letras e do Instituto Histórico Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
e Geográco de Sergipe. Membro da Associação Sergipana de Imprensa. Re-
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cebeu a comenda do mérito trabalhista em 2007. Foi a primeira Mulher CHODOROW, N. Psicanálise da maternidade uma crítica a Freud a par-
Diretora-Geral do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. Lecionou como tir da mulher. (N. C. Caixeiro, trad., 319 p.). Rio de Janeiro Rosa dos Tempos,
professora substituta na Universidade Federal de Sergipe, durante dois 1990.
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grama de Bolsa de Iniciação Cientíca -PROBIC, integrante do grupo de pes- versidade de São Paulo, 2018.
quisa Política Antidrogas e o Sistema Penitenciário: Uma Análise dos Autos
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de Prisão em Flagrante Delito dos Anos de 2017 na Cidade de Aracaju/SE, BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira
membro do Grupo de Pesquisa em Direito Público, Educação Jurídica e Dire- de Inclusão da Pessoa com Deciência (Estatuto da Pessoa com Deciência).
itos Humanos - DPEJDH/UNIT. E-mail: arielss187@gmail.com. Diário Ocial da União: Brasília, DF, p. 1-30, 6 jul. 2015.
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depósito ou vender, com a nalidade de produção ou de comercialização,
438 439
EZILDA MELO MATERNIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho xos; (In-
partes, que deve saber ser produto de crime: (Incluído pela Lei nº 13.330, cluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
de 2016) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade
pela Lei nº 13.330, de 2016). BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de natureza econômica ou nanceira quando houver justo receio de
de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da República, 1940. Dispon- sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº
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praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser
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São submetidas às audiências de custódia todas as pessoas presas
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em agrante. O objetivo do procedimento é avaliar as condições da de-
compilado.htm. Acesso em: 2 nov. 2019.
tenção, assim como a necessidade de mantê-la por meio da conversão
[595]
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada da prisão em agrante em preventiva. UM ANO após decisão do STF,
pela Lei nº 12.403, de 2011). I - comparecimento periódico em juízo, gestantes e mães continuam em prisões. Defensoria Pública do Estado do
no prazo e nas condições xadas pelo juiz, para informar e justicar Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 08 mar. 2019. Sessão Notícias. Disponível
atividades; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). em: http://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/8823-1-ano-apos-decisao-
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, do-STF-gestantes-e-maes-continuam-em-prisoes. Acesso em: 10 nov. 2019.
por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado [599]
UM ANO após decisão do STF, gestantes e mães continuam em
permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
prisões. Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
(Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
08 mar. 2019. Sessão Notícias. Disponível em: http://defensoria.rj.def.br/
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando,
noticia/detalhes/8823-1-ano-apos-decisao-do-STF-gestantes-e-maes- con-
por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado
tinuam-em-prisoes. Acesso em: 10 nov. 2019.
dela permanecer distante; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
[600]
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja UM ANO após decisão do STF, gestantes e mães continuam em
conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (Incluído pela prisões. Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Lei nº 12.403, de 2011). 08 mar. 2019. Sessão Notícias. Disponível em: http://defensoria.rj.def.br/
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga noticia/detalhes/8823-1-ano-apos-decisao-do-STF-gestantes-e-maes- con-
440 441
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Rio de Janeiro. DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Perfil das mulheres gestantes, lactantes e mães atendidas nas audiências
de custódia pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. DIRETORIA DE
ESTUDOS E PESQUISAS
DE ACESSO À JUSTIÇA, 2019.
Disponível em <
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AGRADECIMENTOS