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PUC GOIÁS Filosofia e Arte

O PALÁCIO DE CNOSSOS, A MORADA DA DEUSA1 2


Dr. J.C. Avelino da Silva3

Cnossos é a capital da civilização minoica, assim chamada em homenagem ao rei


Minos, seu principal chefe de Estado. A rigor, a palavra Minos refere-se ao título do soberano
deste palácio, equivalente a rei ou faraó. Entretanto, o costume é considerar que Minos é o
nome do soberano. Essa importante cidade do segundo milênio aC situa-se na ilha de Creta,
no mar Mediterrâneo, a sudeste de Atenas. Ela ocupa uma localização geográfica estratégica
entre a África, o Oriente Médio e a Europa, o que contribuiu muito para o comércio e a
grandeza dessa civilização.
O palácio de Cnossos reconstruído em 1700 aC nos legou as ruínas atuais,
parcialmente restauradas por Arthur Evans, arqueólogo da Universidade de Oxford e o mais
importante nome da arqueologia cretense4. Esse palácio foi destruído por um terremoto e pelo
fogo que se seguiu em aproximadamente 1350 aC e não foi mais reconstruído, deixando de
funcionar como sede dessa civilização.

Maquete do palácio
de Cnossos

Tabuinhas gravadas com o Linear B (escrita micênica) do século XIV aC mencionam


a cidade de ko-no-so, a mais antiga referência conhecida a Cnossos. O antigo palácio de
Cnossos (o primeiro) foi construído em aproximadamente 2000 aC, mas foi completamente
destruído por um terremoto em 1700 aC. Imediatamente depois, e em cima das ruínas, foi
edificado um segundo, com uma estrutura mais complexa, muito semelhante a um labirinto,
que foi a morada do lendário rei Minos. O palácio era um complexo com funções religiosas,

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Extraído de A deusa Mãe minoica, Goiânia, Editora da PUC Goiás, 2007, do mesmo autor.
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PalácioCnossosDID.docx. Última edição: 22/ago/15.
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Doutor pela Universidade de Paris (1980). Professor na Escola de Formação de Professores e
Humanidades da PUC Goiás. Membro da International Association for Greek Philosophy.
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Mais do que escavar, fazer aflorar e restaurar o palácio de Cnossos, Evans foi o primeiro estudioso e
intérprete da civilização minoica.
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residenciais, administrativas, comerciais e produtivas: era o centro do poder político e


administrativo e local de armazenamento de mantimentos, especialmente de grãos.
Pela importância, grandiosidade e características comuns, consideram-se três os
grandes palácios minoicos no apogeu dessa sociedade, todos na ilha de Creta: Festos,
Archanes e Cnossos, este último o mais grandioso e conhecido de todos. Com importância
local, relacionam-se também Kidônia, Malia, Kato Zakro e outros. A ocupação minoica de
Creta, entretanto, não se restringe a esses nomes. Homero faz referência à existência de
dezenas de cidades na ilha.
Por intermédio de vários mitos gregos, ficou na memória coletiva daquela população o
nome de Dédalo, o arquiteto que construiu o palácio de Cnossos. A unidade arquitetônica dos
palácios da civilização minoica justifica o termo arquitetura dedalina, assim chamada por
causa do importante arquiteto.
Os palácios minoicos têm algumas características em comum, o que os torna
inconfundíveis. De acordo com Sakellarakis, o mais conhecido arqueólogo grego da
atualidade, são três as mais importantes: a área do teatro, a sala dos arquivos e as capelas
(Sakellarakis, 2002, p. 30). A área do teatro não é uma construção semelhante ao que a Grécia
Clássica vai propor para a humanidade e se tornará conhecido com o nome de teatro
helenístico. A área do teatro nos palácios minoicos é composta simplesmente de um pátio,
local de chegada e evolução das procissões, e uma escadaria de mesma largura, onde
provavelmente o rei Minos, nas suas funções sacerdotais, aguardava os fiéis. É provável que
danças mímicas religiosas tenham acontecido na área do teatro.
Enquanto os cultos populares eram realizados no pátio interno e no teatro, as capelas
localizadas no interior do palácio concentravam os cultos sacerdotais dirigidos à deusa Mãe.
As capelas eram distribuídas por toda a área do complexo palaciano. Dentre as capelas,
merece menção a que tinha funções administrativas, mostrando que tudo se fazia em nome da
deusa Mãe, inclusive a administração do reino.
Do ponto de vista histórico, o palácio minoico tem duas características que se
sobressaem sobre as demais: o pátio central e a ausência de muros, características
relacionadas à deusa Mãe e à harmonia. Esse grande pátio central é dirigido no sentido Norte-
Sul, e as quatro alas do palácio são dispostas a partir desse pátio. Considerando a prática
religiosa daquela população, as capelas (local dos cultos privados) se opõem ao pátio central e
ao teatro, locais de culto das populações que viviam no entorno do palácio. O edifício era
sempre construído em uma encosta de colina e não tinha muros, por ser uma sociedade de
paz. Os muros que se podem ver até hoje são muros de arrimo, visto que a construção era feita
em uma encosta5.
Os 1400 aposentos de Cnossos se estendiam por mais de 20.000 m 2. Continham a sala
do trono, capelas, amplos apartamentos para a hierarquia sacerdotal, pequenos apartamentos
para os demais moradores, salas para os arquivos, ateliês para produção de manufaturas
(tecido de alta qualidade e cerâmica), depósitos para estocar mercadorias e muitos corredores.
Era equipado com água encanada boa para o consumo humano, sistema de ventilação e
iluminação através dos poços de luz e um sistema de esgotos simples e eficiente, com uma
estrutura de escoamento que evitava erosão (a água não ganhava velocidade por causa do
formato côncavo das pedras). Seus vários andares se organizavam em múltiplos níveis,
estabelecendo uma continuidade não linear, e pediam um número abundante de colunas,
construídas em forma de cone invertido, lembrando a estalactite que o minoico conhecia por

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A civilização que se seguiu, a micênica, preferiu grandes muros de proteção e a construção no cimo da
colina, de onde se sentia mais protegida dos ataques inimigos.
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sua frequentação religiosa às grutas. Essa forma de coluna é bem elegante e dá leveza às
estruturas pesadas que a engenharia civil da época pedia.
Em contraste com a autoridade de Minos, senhor de todo o poder no Mediterrâneo
oriental, mas em sintonia com os valores de harmonia daquela sociedade, o trono do rei e a
sala do trono em Cnossos eram bem simples. Creta nos legou uma primeira forma ocidental
de Estado, em torno do qual importantes contingentes populacionais se reuniam.
Outras características da arquitetura desse período palaciano são as seguintes: “paredes
de alvenaria raspada, salas de recepção, um saguão peristylo (com colunata), um duplo salão
real com polythyra (divisórias de coluna-e-porta) e uma bacia-capela lustral” (Knossos, 2005).
Essa bacia-capela lustral, conhecida também simplesmente como bacia lustral, era uma
banheira, usada nos cultos de purificação. O rei Minos se purificava com a água da bacia
antes de tomar as decisões.
Externo ao palácio, mas fazendo parte do seu complexo, devem ser mencionadas as
vias pavimentadas que chegavam às quatro entradas do palácio, entradas norte, sul, leste e
oeste. As entradas eram monumentais (propileus), vazadas (sem portas) e davam diretamente
para o pátio central, de onde se tinha acesso às dependências do palácio. Era uma sociedade
referenciada ao sagrado e eles faziam procissões que, de várias partes da ilha, se dirigiam ao
palácio de Cnossos, onde o rei Minos recebia os fiéis.
É assim que o Ministério Helênico da Cultura descreve a estrutura do palácio de
Cnossos:
A ala este contém os aposentos reais, as oficinas e uma capela. A ala oeste
é ocupada pelos depósitos de mantimentos com os grandes pithoi (vasos onde se
guardavam grãos), as capelas, os armazéns, a sala do trono e, nos andares de
cima, os salões de banquete. A ala norte contém a assim chamada ‘Alfândega’,
uma bacia lustral e a área do teatro construída de pedra. O propileu sul (pórtico
da entrada sul) é a mais imponente construção na ala sul. [Além do pátio central],
um segundo pátio, pavimentado, situado à oeste do palácio, equipado com a ‘via
da procissão’ (passagens estreitas), era provavelmente usado para cerimônias
religiosas. O palácio tinha muitos andares, foi construído com blocos de pedra e
suas paredes eram decoradas com esplêndidos afrescos, a maioria representando
cerimônias religiosas (Knossos, 2005).
Em Cnossos, não há representação de cenas de guerra, de combate, de conquistas ou
de sacrifícios em suas pinturas. O que a deusa Mãe registrou, por meio de seus fiéis artistas, é
uma mensagem, visível até hoje graças ao trabalho de arqueologia e restauração dirigido por
Arthur Evans, de convívio harmônico, de dedicação à vida religiosa e de culto à fertilidade e à
vida.
O deus Touro é importante divindade nessa civilização. Ele está presente nos painéis,
nos anéis-selos, na decoração dos palácios, e, como símbolo de proteção, o chifre sagrado
ornamenta o cimo de várias colunatas em Cnossos. O propileu norte tem um belo afresco em
homenagem ao deus Touro.
Fala-se com frequência que o subsolo do palácio de Cnossos era um labirinto. Em
verdade, o próprio palácio de Cnossos era o labirinto, cujo traçado faz alusão a uma gruta. A
gruta era um local tradicionalmente privilegiado de culto dos minoicos. Lá, eles se sentiam
plenamente acolhidos pela deusa Mãe-Terra. Em seus cultos, os fiéis comunicavam-se com a
divindade no próprio interior da divindade. Nesse local sagrado, eles encontravam o ambiente
de fervor adequado para prestar culto a ela. Entretanto, uma sociedade que já havia
desenvolvido suficientemente a confiança no trabalho humano, na arquitetura e na engenharia
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civil, era capaz de construir uma gruta com todas as condições de sacralidade, que é como o
palácio de Cnossos pode ser reconhecido.
Como o labirinto era o próprio palácio, isso remete à ideia de que todo o palácio era
local sagrado, local de culto à deusa Mãe. Pela quantidade de capelas espalhadas pelo edifício,
sobretudo na ala oeste, parece que Evans estava convencido disso. O labirinto, o palácio de
Cnossos no seu conjunto, é um primeiro local extraordinário para se prestar culto, construído
com o trabalho humano. Os minoicos não construíram templos como estamos acostumados a
ver na Grécia Antiga, mas elaboraram a concepção de local sagrado que os homens constroem
para se encontrarem com a divindade.
A ideia de que, nas grutas, o fiel está mais próximo à deusa Mãe vai influenciar
diretamente um tipo de capela em Cnossos, chamada por Evans de Cripta-de-coluna. Trata-se
de um pequeno aposento, feito no fundo de uma escadaria que adentra a terra. Ela não é
grande, não tem janela e tem uma possante coluna no meio, daí o nome. Essa coluna é
ornamentada com a bipene (machadinha de duplo corte) sagrada e é mais forte do que seria
necessário para sustentar o teto da cripta, evidenciando seu sentido sagrado.
A Cripta-de-coluna fica situada bem fundo dentro do palácio, que, por sua vez, já é um
local sagrado, radicalizando a idéia de que na gruta está-se mais próximo da deusa. A Cripta-
de-coluna sugere a força dos símbolos daquela sociedade que se adaptam, mas não
abandonam o sentido original.
Os corredores do labirinto de Cnossos eram sombrios e sinistros na visão de quem
cultuava os deuses celestes e luminosos. A cultura ocidental adota essa visão negativa do
labirinto, desde quando os helenos reverenciavam deuses da luz. A civilização cristã também
tem como referência a luz. Para o minoico, não havia nada lúgubre no interior da deusa Mãe,
ele se sentia bem dentro de uma gruta, próximo a ela.
O palácio foi construído com a forma que lembra um labirinto, porque foi feito
inspirado na gruta, e a ideia era transferir a sacralidade da gruta natural para o palácio.
Sociedade conservadora de seus valores, mas ao mesmo tempo dinâmica e próspera, eles
procuraram uma reprodução mais fiel da gruta original em que as estalactites se dirigiam ao
solo sob forma de cone invertido. Nas grutas onde o solo é coberto de água, não há formação
de estalagmite (que é a coluna que parte do solo das cavernas e vai, com o tempo, em direção
ao teto), o que faz a estalactite descer em toda a altura, do teto até a superfície alagada. No
palácio, a coluna em forma de tronco de cone invertido é com certeza inspirada nas
estalactites.
O palácio de Cnossos é uma típica construção feita para a eternidade, com o uso
abundante de pedra e madeira da melhor qualidade. O palácio do rei-sacerdote Minos era o
templo e a morada da deusa Mãe.
REFERÊNCIAS
DA SILVA, J.C. Avelino. A deusa Mãe minoica. Goiânia: Ed. da UCG, 2007.
KNOSSOS. Hellenic Ministry of Culture. In: http://www.culture.gr/ acessado em 19 de fevereiro de 2005.
SAKELLARAKIS, John and Efi. Archanes. Archanes Excavations. Athens: Ekdotike Athenon S.A. 2002.
Questões
1) Quais são as características da arquitetura dedalina?
2) Quais são os valores que justificam as características da arquitetura dedalina?
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