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Literatura

Modernismo 2ª fase – Poesia (Carlos Drummond de Andrade)

Exercícios

Texto para as qestões 1 e 2.


(FUVEST 2015, 2ª fase) Leia o poema de Drummond para responder às questões relativas a dois
versos de sua última estrofe.
ELEGIA 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações no encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,


e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra


e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas


sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.

Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.


Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
(Calos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.)

Considerando-se a “Elegia 1938” no contexto de Sentimento do mundo, explique sucintamente:


1- A que e refere o eu lírico com a expressão “felicidade coletiva”?

2- O que simboliza, para o eu lírico, a “ilha de Manhattan”?

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Literatura

Texto para as qestões 3 e 4.


(UNICAMP 2015, 2ª fase)
6. Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.


Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo,


prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p.51)

3- Na primeira estrofe, o eu lírico afirma categoricamente que o “coração está seco”. Que imagem, nessa
primeira estrofe, explica o fato de o coração estar seco? Justifique sua resposta.

4- O último verso (“A vida apenas sem mistificação”) fornece para o leitor o sentido fundamental do
poema. Levando-se em conta o conjunto do poema, que sentido é sugerido pela palavra “mistificação”?

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Literatura

Texto para as qestões 5 e 6.


(UNICAMP 2014, 2ª fase)
8. Operário no mar
Na rua passa um operário. Como vai firme! Não tem blusa. No conto, no drama, no discurso político, a
dor do operário está na blusa azul, de pano grosso, nas mãos grossas, nos pés enormes, nos
desconfortos enormes. Esse é um homem comum, apenas mais escuro que os outros, e com uma
significação estranha no corpo, que carrega desígnios e segredos. Para onde vai ele, pisando assim tão
firme? Não sei. A fábrica ficou lá atrás. Adiante é só o campo, com algumas árvores, o grande anúncio
de gasolina americana e os fios, os fios, os fios. O operário não lhe sobra tempo de perceber que eles
levam e trazem mensagens, que contam da Rússia, do Araguaia, dos Estados Unidos. (...) Para onde
vai o operário? Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que
não nos entenderemos nunca. E me despreza… Ou talvez seja eu próprio que me despreze a seus olhos
(...).

5- No trecho citado, o eu lírico se pergunta sobre o destino do operário: “Para onde vai ele, pisando assim
tão firme?” Tendo em mente a crítica político-social que estrutura o conjunto do livro, explique a razão
da dúvida do eu lírico.

6- No fragmento do poema “Operário no mar”, o eu lírico manifesta os sentimentos de vergonha e de


desprezo na sua relação com o operário. Qual é a posição do eu lírico no que diz respeito ao papel do
artista como agente de transformação da realidade social?

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Texto para as qestões 7, 8, 9 e 10.


(UNESP 2015/2, 2ª fase)

Fuga Fugir rumo da fuga


De repente você resolve: fugir. que não se sabe onde acaba
Não sabe para onde nem como 25 mas começa em você, ponta dos dedos.
nem por quê (no fundo você sabe a razão Cabe pouco em duas algibeiras²
de fugir; nasce com a gente). e você não tem mais do que duas.
Canivete, lenço, figurinhas
de que não vai se separar
05 É preciso FUGIR.
30 (custou tanto a juntar).
Sem dinheiro sem roupa sem destino.
As mãos devem ser livres
Esta noite mesmo. Quando os outros
para pessoas, trabalhos, onças
estiverem dormindo.
que virão.
Ir a pé, de pés nus.
10 Calçar botina era acordar os gritos
que dormem na textura do soalho¹. Fugir agora ou nunca. Vão chorar,
35 vão esquecer você? ou vão lembrar-se?
(lembrar é que é preciso,
Levar pão e rosca; para o dia.
compensa toda fuga)
Comida sobra em árvores
ou vão amaldiçoá-lo, pais da bíblia?
infinitas, do outro lado do projeto:
Você não vai saber. Você não volta
15 um verdor
40 nunca.
eterno, frutescente (deve ser).
(essa palavra nunca, deliciosa)
Tem à beira da estrada, numa venda.
Se irão sofrer, tanto melhor.
O dono viu passar muitos meninos
Você não volta nunca nunca nunca.
que tinham necessidade de fugir
E será esta noite, meia-noite
20 e compreende.
Toda estrada: uma venda 45 em ponto.
para a fuga.
Você dormindo à meia noite.

¹soalho: o mesmo que “assoalho”


²algibeira: bolso de roupa. (Menino antigo, 1973)

7- Que fase da vida é explorada pelo poema? Explicite o plano descrito pelo poema e o que sugere o verso
42.

8- Esclareça o motivo do emprego de letras maiúsculas na palavra “fugir”, no verso 5, da repetição da


palavra “nunca”, no verso 43, e explique o que há de comum entre esses dois recursos expressivos

9- Explicite a decisão contida no verso 9 e explique o que se sugere nos versos 10 e 11 a respeito dessa
decisão.

10- Identifique uma forma verbal e um substantivo que, bastante retomados ao longo do poema, ilustram
seu tema. Em seguida, valendo-se dessa informação explique a oposição entre o último verso e o
restante do poema.

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Literatura

Gabarito

1- A "felicidade coletiva" adiada para o próximo século é a promessa de uma vida livre de injustiças sociais e
marcada pela distribuição igualitária das riquezas. "Sentimento do mundo" é o primeiro livro em que
Drummond propõe uma poesia engajada, de cunho socialista.

2- A "ilha de Manhattan" é a região de Nova Iorque onde se localiza a bolsa de Wall Street, ou seja, o centro
do capitalismo global. Dinamitá-la, seria produzir um abalo em todo o sistema, o que seria importante para
fundar uma nova ordem social, não mais pautada pela concentração de renda e de poder.

3- (Resposta Oficial) A imagem que se conecta à secura do coração é expressa no seguinte verso: “E os olhos
não choram”. O coração, como símbolo portador dos sentimentos humanos, vive um “tempo de absoluta
depuração”, processo este de que resulta o “coração seco”. Ora, o “coração está seco” porque, para o eu
lírico, não é possível estabelecer com a vida uma relação simbólica a partir de afetos (amor, amizade) ou
de crenças.

4- (Resposta Oficial) Desde a primeira estrofe até a última, o eu lírico procura colocar-se numa situação de
extrema lucidez em relação a sua experiência pessoal. Não dizer “mais meu Deus” ou “meu amor”, ou não
abrir a porta para as mulheres e nada esperar dos amigos, significa contar somente com suas forças e se
recusar a ser enganado por algo ou por alguém. Aliás, o sentido da palavra “mistificação” abarca o campo
semântico das ideias de ilusão, engodo, fantasia e embuste. Espera-se que o candidato perceba que “a
vida apenas, sem mistificação” representa a decisão firme do eu lírico em contar apenas com suas
próprias forças, o que está sugerido no título do poema: “Os ombros suportam o mundo”.

5- (Resposta Oficial) A razão da dúvida do eu lírico incide justamente na crença política segundo a qual a
classe operária seria depositária da esperança de transformação social, esperança alimentada pela
empatia dos intelectuais e dos artistas com tal causa política e no papel deles como mediadores para a
tomada de consciência de uma realidade opressora. Espera-se, portanto, que o candidato identifique que
a razão da dúvida do eu lírico diz respeito à possibilidade de os operários mudarem a sua condição
histórica e política.

6- (Resposta Oficial) O eu lírico afirma sentir vergonha de chamar o operário de “meu irmão”. Isso porque ser
irmão significaria estabelecer, em alguma medida, um vínculo e comungar de valores comuns. Espera-se,
portanto, que o candidato argumente que a posição do eu lírico reside na sua descrença em poder ser
efetivamente solidário com a situação social do operário. Disto resulta seu ceticismo em relação ao papel
potencialmente politizador do artista.

7- A fase da vida explorada é a infância. O plano consiste numa fuga de casa, naquela mesma noite, para
fazer com que seus pais sofram com o seu sumiço (v.42).

8- O uso das letras maiúsculas em "FUGIR" serve para dar destaque a uma palavra, assim como a repetição
insistente de "nunca". Os dois usos, no entanto, são usados no texto para indicar o prazer que a criança
sente diante dessas palavras (e do que elas significam, pois revelam o poder que essa criança tem nas
mãos: fugir de casa e não voltar nunca).

9- O melhor a fazer, de acordo com o plano da criança, era sair do jeito que ela estava mesmo, pois o calçado
poderia acordar os pais, com o barulho que fariam no assoalho.

10- A palavra "fugir" comparece 6 vezes no poema, "fuga" comparece 4 (uma no título, inclusive), o que
nitidamente revela ser essa a sua ação central. O verso final, uma ironia de Drummond, mostra que após
todo esse planejamento e esse saboreamento da ideia de fugir, a criança acabou pegando no sono e se
esquecendo de seguir com o plano mirabolante.

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