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PARTE I
I
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
II
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
RESUMO
ABSTRACT
The present study intends to review briefly the historical construction of the
adolescence concept, until its definition as a contemporary phenomenon, according
to psychoanalyst authors such as Ruffino and Calligaris. It is presented part of a
research made in 2001 and 2002, based on the observation of the emphasis given
in the intellectual production of psychoanalysts in relation to advise the adolescent
public. Five semi-structured interviews were made in order to identify signals of the
specificity in the psychoanalytically-oriented therapy of adolescents and its
importance related to the redefinition of psychoanalysis theory. Their results were
processed qualitatively according to Bardin’s Analysis of Content, and five analysis
categories were found out: (a) How the adolescent arrives at therapy; (b) clinical
adaptations; (c) social aspects of adolescence; (d) about the technique; (e)
theoretical aspects. It is presented in this article the results related specifically to
the category “c” - “Social aspects of adolescence”, which give us the opportunity to
understand the new configurations that psychoanalysis has assumed nowadays.
Apresentação
“Este jovem sujeito desnuda nosso teatro cotidiano, nossos valores, hábitos, a
fragilidade de nossas crenças e sentimentos, como o faz qualquer tipo de outsider,
que, pelo simples fato de não ocupar um lugar, coloca em questão a naturalidade
de qualquer posição que possamos ocupar.” (APPOA, 1995: 4)
Método
Ao longo de suas pesquisas, Ariès (1981) constata que cada época elegeria um
período da vida humana como preferido, dependendo das relações demográficas.
Assim, no século XVII, a juventude militar ocuparia seu lugar de respeito (incluem-
se aí crianças maiores e homens não-idosos). O século XIX descobre a infância, o
XX define e privilegia o adolescente. Para o historiador, o primeiro adolescente
moderno típico teria sido o “Siegfried”1 de Richard Wagner:
“Os machos aos quais se impede o desenvolvimento ulterior do sexo conservam por
toda a vida essa conformidade; são sempre crianças grandes, e as mulheres, não
perdendo essa mesma conformidade, parecem, a muitos respeitos, não serem
jamais outra coisa. Mas o homem, em geral, não foi feito para permanecer sempre
na infância”. Dela sai no tempo indicado pela natureza, e esse momento de crise,
embora muito curto, tem longas influências. (ROUSSEAU, 1762/1999: 271)
A “puberdade psíquica”, observa Van den Berg (1965), surge no século XVIII como
a marca do distanciamento entre o adulto e a criança - um distanciamento, aliás,
cada vez maior:
“Nos últimos decênios, enfim, notamos que o acesso à madureza está cada vez
menos associado ao fim da puberdade e, até mesmo, em certos ambientes,
completamente desligado; esse período estende-se sobre anos que, até há pouco
tempo, faziam parte da idade adulta.”(VAN DEN BERG, 1965: 71)
“Inicialmente, é alguém
2. cujo corpo chegou à maturação necessária para que ele possa, efetiva e
eficazmente se consagrar às tarefas que lhes são apontadas por esses valores,
competindo de igual para igual com todo mundo;
5. que tem o inexplicável dever de ser feliz, pois vive uma época da vida idealizada
por todos;
6. que não sabe quando e como vai poder sair de sua adolescência.” (CALLIGARIS,
2000: 21)
Esses e outros aspectos foram também contemplados pelos depoimentos dos cinco
psicanalistas que entrevistamos para nosso estudo, cujo recorte referente à
categoria c, “Aspectos sociais da adolescência”, apresentamos a seguir.
CD vai mais longe: para ele, os aspectos sociais são constitutivos da própria noção
de adolescência como “operação psíquica”. Ao se perguntar se a operação psíquica
da adolescência impõe-se sob qualquer circunstância, é o psicanalista mesmo quem
responde: “não sob qualquer circunstância; conforme os laços sociais estiverem
organizados, essa operação não é necessária”. Ele explica como se daria a ruptura
entre infância e adultez: “enquanto criam seus filhos, as pessoas transmitem a eles
uma noção de sociabilidade muito parecida com a tradicional, sem o quê a criança
não sobreviveria (...) Quando se fica adulto, é como se a gente saísse disso como
se sai de uma concha”. A dificuldade particular que a contemporaneidade impõe
estaria na falta de clareza do que seja assumir a condição de adulto – o que se
reflete na clínica. “Iniciei meu trabalho na clínica entre 1978 e 1979”, relata CD.
“Possivelmente, dez anos antes, a questão trazida pelo público adulto seria outra: o
jovem constituía família numa idade mais tenra, via-se na contingência de firmar-
se economicamente muito mais cedo, e a organização social permitia uma maior
fixação de papéis. Isso facilitaria a noção de independência que é própria dos
adultos.”
Leva tempo justamente porque não existiria mais um marco evidente, um ritual
que estancasse de modo rígido a passagem da adolescência para a vida adulta. CD
explica: “quanto à questão de ser adulto, não existe preto e branco. Tem um cinza.
Tem um ir se tornando. Tem muito do imaginário do que seja um adulto. Tem uma
identificação especular com todas as alienações do estágio do espelho. E nesse ir se
tornando adulto, vão aparecendo diferenças”. EF deduz uma relação entre esse
prolongamento da adolescência e a crescente procura desse público por análise: “a
adolescência está começando mais cedo e acabando depois, avançando sobre a
infância e se estendendo para a adultez. Existem mais tarefas. E talvez por isso
estejamos atendendo mais adolescentes. Eles estão com tarefas difíceis, estão
fazendo sintoma com o tipo de demanda que existe sobre eles de, ao mesmo
tempo, realizar aquilo que não foi realizado e, ao fazerem isso, causarem medo,
susto, apavoramento nos adultos”.
Entender a adolescência como deflagradora do sintoma social parece ser essencial
para que o clínico não tenha uma visão normativa do comportamento jovem, como
observa AB. “Assim como existe uma estrutura peculiar e existe um sintoma do
sujeito, existe também uma questão que é social e que é cultural, bem como que
norteia esse sintoma. E isso precisa ser muito bem-entendido, esse poder que
assujeita, essa relação maior de valores, de modalidade, de estilos, que imprimem
também marcas nesse psiquismo e modos de se apresentar diante dos outros e na
relação com os outros. Então, isso cria impasses, até confrontando com valores do
próprio terapeuta. Isso se dá de uma forma muito interessante, o quanto a gente
precisa se fazer confiável para poder compreender, mas não normatizar isso.
Porque daí entraríamos em outro extremo, que não seria mais terapêutico e que, às
vezes, pode acontecer com quem trabalha com adolescentes: cair num impasse
muito mais educativo, digamos, ou normativo em algumas situações. Isso mudou
bastante. Aquilo que não era normal, passa a ser na vida do adolescente.”
Se crescer está cada vez mais difícil para o adolescente, esta não parece ser uma
tarefa mais fácil para os próprios adultos. AB comenta: “do ponto de vista da
contemporaneidade, eu tenho percebido que para os adultos também está muito
difícil crescer. Então, para os próprios pais está muito complicado ficar na posição
de pais. E, às vezes, eles agem ou pensam não como pai e mãe, não como adultos
que deveriam ser, mas como se fossem ou ainda pudessem ter o mesmo tipo de
intimidade, de segredo, de trocas, que tinham com os filhos quando eles eram
menores”.
EF comenta o sofrimento dos pais diante do crescimento dos filhos com a imagem
de alguém que está, de repente, proibido de entrar no quarto daquele a quem há
pouco tempo dava banho. Habituada a intervir na relação entre adolescentes e
pais, ela vê o impacto da adolescência sobre os adultos como sintoma de
enfrentamento com um material recalcado. “Muitas vezes têm todas as fantasias
dos pais em relação à sua própria adolescência. Eles retornam à sua adolescência,
sem se lembrar dela. Por que tem alguns pais que se apavoram tanto com as
notas, com alguma bebedeira, como se nunca tivessem passado por isso?
Justamente porque eles passaram por riscos, por situações que os colocaram em
perigo. Mas isso está recalcado. E, às vezes, é possível mexer um pouco com os
pais e até encaminhá-los para falarem em outro lugar.”
A fala de EF parece chamar a atenção justamente para isso: para a capacidade que
o adolescente tem de fazer vir à luz algo que, para os adultos, deveria ter
permanecido secreto e oculto. A entrevistada diz: “eles (os adolescentes) realizam
os sonhos dos adultos, mas os adultos não reconhecem que ali têm ideais velados.
Ficar com um monte de gente talvez seja algo que os pais desses adolescentes
desejassem fazer, mas a cultura não tinha ainda sustentado esse tipo de realização
na sua juventude. E eles estão fazendo aquilo que, de certa forma, o Calligaris
mesmo diz, é um ideal velado. É um ideal recalcado. Muito comumente eles
chegam a tratamento porque estão fazendo ver ideais recalcados”.
“Em geral, o adolescente é ótimo intérprete do desejo dos adultos. Mas o próprio
sucesso de suas interpretações produz fatalmente o desencontro entre adultos e
adolescentes. Pois se estabelece um fantástico qüiproquó: o adolescente acaba
eventualmente atuando, realizando um ideal que é mesmo algum desejo reprimido
do adulto. Mas acontece que esse desejo não era reprimido pelo adulto por acaso.
Se reprimiu, foi porque queria esquecê-lo. Por conseqüência, o adulto só pode
negar a paternidade desse desejo e aproveitar-se da situação para reprimi-lo ainda
mais no adolescente. (CALLIGARIS, 2000: 27)
Comentários finais
BIRMAN, Joel. Estilo e modernidade em psicanálise. São Paulo: Ed. 34, 1997.
CORSO, Mário & CORSO, Diana. Game over. In: APPOA. Adolescência entre o
passado e o futuro. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999. pp. 81-95.
ERIKSON, Erik. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1968.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio (ou Da educação). São Paulo: Martins Fontes,
1762/1999.
VAN DEN BERG, Jan Hendrik. Metablética (ou Teoria das mudanças): psicologia
histórica. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1965.
Endereço para correspondência
Eliane Rivero Jover
Av. Angélica, 546/64 - Santa Cecília
01228-000 São Paulo, SP
Tel.: 11-3828-0224
E-mail: e-jeronimo@uol.com.br
Recebido em 14/03/2005
Aceito em 18/04/2005
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