Você está na página 1de 58

Psicologia do Desenvolvimento

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 1
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

SUMÁRIO

Apresentação da Disciplina................................................................................... 3

Tema I - Introdução ao estudo do desenvolvimento humano.....................................5

Tema II - O desenvolvimento humano e a construção da personalidade ................ 14

Tema III – A Teoria do Ciclo Vital ....................................................................... 24

Tema IV – A teoria Psicanalítica e o desenvolvimento psicossexual ..........................41

Conclusão ........................................................................................................ 57

Referências Bibliográficas .................................................................................. 58

FIGURAS

Figura 1 - As múltiplas perspectivas da personalidade ........................................... 18


Figura 2 - Os “Cinco Grandes” Fatores da Personalidade .........................................20
Figura 3 - Abordagem Biopsicossocial da Personalidade .........................................21
Figura 4 – Os reflexos primitivos ......................................................................... 32
Figura 5 – O reflexo do Moro .............................................................................. 32
Figura 6 – Imitação realizada por bebês ............................................................. 35
Figura 7 - Marcos do desenvolvimento motor, segundo a escala Denver II .......... 36
Figura 8 – O modelo Topológico ...........................................................................44
Figura 9 – A construção da memória inconsciente ................................................ 46

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 2
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Caro aluno,

Você está recebendo o material didático da disciplina Psicologia do


Desenvolvimento do curso de pós-graduação em Psicopedagogia Clínica e
Institucional. Juntamente com as aulas online, as indicações de materiais das aulas,
como vídeos e textos, este material serve como base para o estudo e aprendizagem
da disciplina.
Neste material, o conteúdo estará organizado de acordo com as aulas online,
de modo a facilitar o processo de aprendizagem e a busca pelo conteúdo. No primeiro
capítulo será explicado em que consiste a área de estudo sobre o desenvolvimento e
os aspectos fundamentais sobre o desenvolvimento. Na segunda parte, será
trabalhado a articulação entre desenvolvimento e personalidade. A unidade 3 aborda
a Teoria do Ciclo Vital de Paul Batles. As unidades 4 apresentam alguns fundamentos
da Teoria Psicanalítica e a concepção de desenvolvimento freudiano, o
desenvolvimento psicossexual.
Esperamos que a leitura seja agradável, informativa e formadora de uma
concepção mais abrangente relacionada ao desenvolvimento, viabilizando a
construção de uma base teórica sólida para a prática psicopedagógica.

Bom estudo!

Essa disciplina tem como objetivos:

• Contextualizar o início do estudo do Desenvolvimento humano;

• Conceituar o Desenvolvimento Humano;

• Explicar os aspectos físico-motor, cognitivo/ intelectivo, social e afetivo;

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 3
• Descrever as principais interferências no desenvolvimento humano e na
construção da personalidade
• Apresentar aspectos básico das teorias do Ciclo Vital e da Teoria Psicossexual
do desenvolvimento.

BIBLIOGRAFIA

Bibliografia básica:

Ariès, Phillipe. A história social da criança e da família – 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC
editora, 1981.

Aberastury, Arminda; Knobel, Maurice. Adolescência Normal - Um Enfoque


Psicanalítico. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.

Bock, Ana Mercês Bahia; Furtado, Odair; Teixeira, Maria de Lourdes Trassi.
Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia – 13ª ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 1999.

Feist, Gregory J.; Feist, Jess; Roberts, Tommi-Ann. Teorias da Personalidade - 8ª


Ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.

Feldman, Robert S. Introdução à Psicologia – 10ª ed. Porto Alegre: AMGH Editira
Ltda.

Kleinman, Paul. Tudo o que você precisa saber sobre Psicologia. São Paulo: Editora
Gente, 2015.

Myers, David G. Psicologia – 9ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012.

Papalia, Diane E.; Olds, Sally Wendkos. Desenvolvimento Humano - 12ª ed. Porto
Alegre: Amgh Editora, 2013.

Rappaport, Clara Regina; Fiori, Wagner da Rocha; David, Claudia. Psicologia do


Desenvolvimento - Volume 1. São Paulo: EPU, 2012.
_________________. Psicologia do Desenvolvimento - Volume 2. São Paulo: EPU,
2012.

_________________. Psicologia do Desenvolvimento - Volume 3. São Paulo: EPU,


2012.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 4
_________________. Psicologia do Desenvolvimento - Volume 4. São Paulo: EPU,
2012.

Bibliografia complementar:

Bee, Helen.; Boyd, Denise. A Criança Em Desenvolvimento - 11ªed. Porto Alegre:


Artmed, 2011.

Freud, Sigmund. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

Piaget, Jean. Seis estudos de Psicologia – 24ª ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 5
TEMA I - Introdução ao estudo do desenvolvimento humano

Neste capítulo, você será introduzido ao estudo do desenvolvimento humano.


Será apresentada a conceituação de desenvolvimento e seus aspectos centrais: o
físico-motor, cognitivo/ intelectivo, social e afetivo. Você terá contato com as
perspectivas inatista e cognitivista de desenvolvimento e como estes paradigmas
influenciam a forma de pensar o desenvolvimento da pessoa e sua personalidade.
Até o surgimento da Psicologia, a criança era considerada um mini adulto,
participando da vida social e trabalhando com uma carga horária de até 10 horas
diárias. Obras renascentistas (séculos XV a XVIII) já demonstravam claramente
imagens apresentando corpos e vestimentas de adultos em miniatura com faces de
crianças.
Entretanto, a Psicologia científica, originada no século XIX, permite enfocar este
novo objeto de estudo que se presentifica em sua complexidade: o ser humano nos
seus processos mentais e comportamentais, suas diferenças e singularidades.
Com o objetivo de contribuir no entendimento sobre como as pessoas mudam
bem como permanecem estáveis durante suas vidas, surge o estudo sobre o
desenvolvimento humano, que aborda as alterações dos aspectos físico-motor,
cognitivo/ intelectivo, emocional e social desde a infância até a idade adulta.

OBJETIVOS

1. Contextualizar o estudo do desenvolvimento humano;


2. Conceituar o desenvolvimento humano;
3. Apresentar os aspectos físico-motor, cognitivo/ intelectivo, social e afetivo
relacionados ao desenvolvimento.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 6
O conceito de desenvolvimento refere-se ao processo de amadurecimento e
evolução do ser humano no sentido de tornar-se cada vez mais habilitado e adaptado
as demandas ambientais. Para tanto, o desenvolvimento do ser humano engloba desde
aspectos biológicos até cognitivos e sociais/relacionais.
Até o surgimento da Psicologia, a criança era considerada um mini adulto,
participando da vida social e do trabalhando como um adulto, com carga horária de
até 10 horas diárias. Obras renascentistas (séculos XV a XVIII) já demonstravam
claramente imagens apresentando corpos e vestimentas de adultos em miniatura com
faces de crianças.
Entretanto, a Psicologia científica, originada no século XIX, permite enfocar esse
objeto de estudo que se presentifica em toda a sua complexidade: o ser humano nos
seus processos mentais e comportamentais, suas diferenças e singularidades.
Com o objetivo de contribuir no entendimento sobre como as pessoas mudam
bem como permanecem estáveis durante suas vidas, surge o estudo sobre o
desenvolvimento humano, que aborda as alterações dos aspectos físico-motor,
cognitivo/ intelectivo, emocional e social desde a infância até a idade adulta.
De acordo com estes aspectos, pode-se destacar dois paradigmas que envolvem
a discussão sobre o desenvolvimento humano: as posições inatista e cognitiva. De
acordo com a posição inatista, o ser humano desenvolve-se a partir de uma base
biológica que se torna o centro do processo evolutivo. Ou seja, segundo a posição
inatista, o sujeito nasce com habilidades e competências em potencial, transmitidas
geneticamente, e que serão desenvolvidas se as condições ambientais forem
adequadas.
Já a posição cognitiva explica o desenvolvimento a partir da construção do
conhecimento sobre a realidade pelo sujeito, num processo de interação contínuo com
o ambiente. Neste sentido, o ambiente muda e desafia o sujeito a transformar-se para
se adaptar as novas condições existenciais e à satisfação das suas necessidades.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 7
1.1 – A criança até o século XIX

Até o século XII, o olhar que se tinha sobre a infância era de um período de
transição, não havia interesse sobre esta etapa da vida, onde a mesma era considerada
como algo inevitável para se chegar à juventude. Segundo Ariès (1981), as pinturas
românticas do século XIII não apresentavam “crianças caracterizadas por uma
expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido. ” (p.18) Muitas vezes as
pinturas apresentavam abdomens de adultos na caracterização das crianças.
A própria noção de idade era diferente nos povos arcaicos. A métrica relacionada
aos anos de vida e sua importância é fato que surge por volta do século XVIII. Antes
do período era comum, em várias civilizações, uma caracterização por “idades da vida”
(id. p.6). A noção de idades da vida era considerada, inclusive, para se entender o
padrão biológico das pessoas, mas não permanecia tão presa às idades propriamente
ditas.
Na Idade Média, Ariès (1981) destaca como exemplo textos que caracterizavam
como primeira idade, a infância (do nascimento aos sete anos) ou enfant, em francês,
que etimologicamente significa não-falante. A palavra enfant era utilizada para
caracterizar o período em que a pessoa ainda não consegue falar adequadamente nem
se expressar devido à dentição que está em ordenamento.
A segunda idade é a pueritia, que dura até os 14 anos. A terceira idade, ou
adolescência, pode durar até os 21 anos, ou mesmo estender-se para os 28 ou 30
anos, sem haver consenso entre os autores. (Ibid.). Ser adolescente significa possuir
a capacidade de procriar e um corpo que ainda está em crescimento e aquisição de
força muscular.
Em seguida, têm-se a juventude até os 45/50 anos, onde a pessoa apresenta sua
plenitude em termos de força e pensamento. Depois, segue a senectude, entre a
juventude e a velhice, até os 70 anos, com características de descontroles corporais e
mentais, apresentando manias e toda ordem de doenças.
Ainda no século XVII, é possível observar em diversas obras de arte e escritos, a
falta de importância das crianças. Como a taxa de mortalidade era alta, e a sua perda
considerada como algo casual, os pais não se apegavam muito às mesmas. Não havia

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 8
a consideração de que as crianças possuíam uma personalidade ou uma
individualidade. Tal era a indiferença com relação as crianças que Ariès (1981) cita
como exemplo o enterro de crianças mortas no jardim de casa, como o que se faz com
animais domésticos.
Neste período, a ideia de homem integral está relacionada à juventude e força.
Segundo Ariès (1981)

Tem-se a impressão, portanto, de que, a cada época corresponderiam uma


idade privilegiada e uma periodização particular da vida humana: a
“juventude” é a idade privilegiada do século XVII, a “infância”, do século XIX,
e a “adolescência”, do século XX. (ibid., p.16)

Quanto ao aspecto sexual, era comum as crianças participarem de jogos sexuais


com os adultos. A educação moral iniciava a partir dos sete anos. Antes dessa idade,
era corriqueiro as amas (ou cuidadoras) e os pais falarem sobre o sexo das crianças e
tocarem ou brincarem com seus genitais. Essas práticas sexuais não chocavam o senso
comum, como atualmente. A ideia que prevalecia era de que a criança impúbere era
alheia à sexualidade. (Ariès, 1981)
No século XVII ocorre a mudança dos costumes em relação à criança. Esta
mudança será fundamental para a noção de infância contemporânea. Surge a ideia de
inocência infantil. De acordo com Ariès, “De fato, foi nessa época que se começou
realmente a falar na fragilidade e na debilidade da infância. Antes, a infância era mais
ignorada, considerada um período de transição rapidamente superado e sem
importância. ” (p.85)
Destaca-se neste período o surgimento de literatura pedagógica específica para a
infância e os tratados de civilidade que deveriam orientar a educação dos pequenos,
inclusive com trechos de psicologia infantil, onde tentava-se entender o pensamento
das crianças para uma melhor adaptação dos métodos de educação. Delimita-se,
então, o espaço das crianças e o domínio dos adultos (ibid.) o que permite, com o
advento da ciência moderna, o surgimento do campo de estudos sobre as alterações
biológicas e mentais durante a vida.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 9
1.2 – O surgimento da Psicologia como ciência e o estudo do
desenvolvimento humano

Consensualmente, entende-se como marco para o surgimento da Psicologia


científica, o ano de 1879, em Leipzig, Alemanha, quando da fundação do primeiro
laboratório de psicologia e o primeiro curso de formação de psicólogos pelo professor
Wilhem Wundt.
Nesse primeiro momento, a psicologia concentrava-se nas experiências
sensoriais e perceptuais das pessoas como forma de entender a formação e o
funcionamento da mente humana, mais especificamente da consciência.
Entretanto, com a mudança no conceito de infância e na concepção de criança,
e a preocupação em transmitir uma educação moral e civilidade para as mesmas, tem-
se a formalização do campo de estudos do desenvolvimento humano.
O desenvolvimento humano é a área de estudos da Psicologia que busca
entender as alterações que ocorrem ao longo da vida, desde o nascimento até a morte,
nos aspectos físicos, cognitivos e sociais, e qual a relação entre organismo e ambiente
neste processo. O estudo científico do desenvolvimento ao longo da vida possui como
objetivo descrever, explicar, predizer e alterar o comportamento humano, a partir do
mapeamento de características qualitativas e quantitativas das pessoas (PAPPALIA,
2006). Entende-se como características quantitativas aquelas relacionadas ao peso,
altura, crescimento, e como características qualitativas as relacionadas às alterações
na organização do pensamento, aquisição de estruturas cognitivas (ou esquemas
cognitivos), entre outros.
A sistematização de estudos na área (ibid.) indica que as pesquisas sobre o
desenvolvimento humano se concentram nas seguintes questões: 1) natureza ou
cultura: em que medida o desenvolvimento humano é influenciado pela herança
genética e pelo ambiente; 2) continuidade e estágios: se o desenvolvimento é
considerado como um processo contínuo e gradual ou se é entendido através de
estágios separados com características delimitadas; e 3) estabilidade e mudança: se
os traços de personalidade mudam ao logo do desenvolvimento ou permanecem os
mesmos da infância até a velhice.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 10
A influência da natureza X cultura, ou características genéticas X ambiente, é
uma das questões principais pesquisadas pelos cientistas. Estudos (PAPPALIA, 2006)
indicam que o contexto influencia direta e indiretamente o desenvolvimento. De forma
direta a partir das vivências da pessoa com seu grupo familiar ou social, o ambiente
econômico e político no qual o indivíduo está inserido, como situações de pobreza
extrema, guerra, recessão econômica. A forma indireta aparece através das influências
que os fatores externos provocam nos pais e como isto influencia o relacionamento
entre pais e filhos.
Com relação aos elementos de continuidade ou a graduação por estágios, esta
perspectiva pode ser verificada em diversas teorias do desenvolvimento. De Freud e
Piaget até Paul Batles e a Teoria do Ciclo Vital, todas elas apresentam o
desenvolvimento como um processo contínuo, ou seja, que ocorre ao longo da vida.
Contudo, várias delas (Freud, Piaget, Wallon, Erikson, Batles) mapeiam determinadas
características por faixas etárias, chamadas de fases ou períodos. Cabe destacar que
estas fases e/ou períodos são constructos sociais, ou seja, são atravessados pela
história e cultura e num outro momento ou outra civilização, estas etapas do
desenvolvimento mudam e recebem outros nomes, inclusive com alteração
relacionada às faias etárias.
Quanto à estabilidade e mudança dos traços de personalidade, entende-se que
existe um núcleo estável e organizador da personalidade que é desenvolvido ao longo
da infância e que permanece. Este núcleo organizador é onde a pessoa se reconhece
enquanto singularidade e individualidade (ou autoconceito) e está relacionada à sua
identidade, mas transcende a esta em suas mudanças ao longo da vida. Além dessa,
uma outra parte da personalidade está sempre em movimento através das
aprendizagens que devem ocorrer para um melhor ajustamento e adaptação do ser
ao seu ambiente. Esta adaptação está relacionada a possibilidade de satisfação das
necessidades. As mudanças na personalidade são evidentes, facilmente perceptível
pelo padrão de comportamento nas diversas idades, como: bebê, criança,
adolescência.
Outro fator importante a ser considerado no estudo do desenvolvimento
relaciona-se aos aspectos que compõem o processo evolutivo da pessoa. Estes

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 11
aspectos influenciam-se de forma contínua e não há hierarquização entre eles, ou seja,
nenhum é mais importante que o outro. São eles:

1) Físico-motor: que se refere ao crescimento orgânico, à maturação


neurofisiológica, capacidade de manipulação de objetos e de exercício do
próprio corpo;
2) Cognitivo ou Intelectual: relaciona-se à capacidade de pensamento,
raciocínio, construção de esquemas cognitivos;
3) Afetivo-emocional: modo de integração de todas as experiências; é o modo
de sentir da pessoa; e
4) Social: relação do indivíduo com as outras pessoas e modo como reage diante
de situações sociais.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 12
TEMA II - O desenvolvimento humano e a construção da personalidade

Nesta unidade, será conceituado a noção de personalidade. Em seguida, será


abordado a relação entre desenvolvimento e personalidade. Será exposto, ainda, como
as influências sociais, ambientais e hereditárias influenciam na construção da pessoa,
como ela pensa, sente e age no mundo.
O conceito de personalidade na Psicologia talvez seja o mais amplo e complexo
de todos. Afinal, existem muitas teorias da Personalidade dentro da Psicologia. Estas
teorias objetivam explicar como as pessoas são como são, pensam e se comportam.
De Freud às teorias pautadas na biologia dos indivíduos, o fato é que todas elas
desejam entender que fatores interferem na construção das singularidades das
pessoas e as tornam o que elas são.
A origem da palavra personalidade vem de “persona” ou “soar através”, nome
dado às máscaras que os atores do teatro antigo usavam para representar papéis. De
acordo com o senso comum, a personalidade pode ser considerada uma referência a
um atributo ou característica da pessoa que causa impressão nos outros, a partir da
qual é usada para estabelecer um contato social (ou não, dependendo da impressão
causada).
No âmbito do conhecimento científico, a personalidade é entendida como o
conjunto total de características próprias do indivíduo que, integradas, estabelecem a
forma pela qual ele reage ao meio (comportamento individual e grupal, pensamento,
linguagem, motivação, emoção, aprendizagem, etc.).
Os aspectos que interferem na construção da personalidade das pessoas são a
respectiva herança genética, que irá influenciar através da estrutura orgânica e dos
processos de maturação, e o ambiente onde o organismo está inserido, que inclui
tanto o meio físico como o meio social.
Então, pode-se dizer que a personalidade humana possui um alicerce biológico
que somado a ação do meio (durante a vida intrauterina e após o nascimento) serão
responsáveis por uma configuração completamente singular e rica de potencialidades.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 13
OBJETIVOS

1. Conceituar personalidade;
2. Explicar a relação entre desenvolvimento e personalidade;
3. Esclarecer como o ambiente e a hereditariedade influenciam no
desenvolvimento e na construção da personalidade.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 14
2.1 – Conceituando personalidade

Etimologicamente, a palavra personalidade surge de persona, palavra latina que


possui significado de “soar através de”, ou seja, a máscara ou papel social que o ator
utiliza para dar vida ao personagem. Persona era o nome dado às máscaras do teatro
grego que os atores utilizavam para incorporar o personagem. (FEIST; FEIST;
ROBERTS, 2015)
Para o senso comum, a personalidade indica as características que são
observadas nas pessoas e a partir das quais elas se comportam. É considerada a
referência a um atributo da pessoa que causa impressão nos outros.
Comumente, o senso comum constrói teorias da personalidade para entender
como as pessoas se comportam e os seus motivos. Estas teorias construídas pelo
senso comum são fundamentais para o estabelecimento de relações entre as pessoas,
porque geram um alicerce importante para a compreensão e entendimento dos
comportamentos individuais e sociais. Esse corpus teórico que as pessoas comuns
constroem para lidar com os outros estão pautados na forma como elas percebem o
mundo. Entretanto, essas teorias não possuem fundamento científico e podem
conduzir à formação e manutenção de impressões erradas sobre uma pessoa.
Para ser científico, um conhecimento deve seguir padrões rigorosos de
mensuração e observação. E, além disso, deve estar pautado em outros
conhecimentos científicos e possuir uma linguagem rigorosa e técnica, de acordo com
o seu campo de saber.
A Psicologia, enquanto área científica, já produziu vários conhecimentos a
respeito da personalidade. Através da psicologia experimental, que possui a tradição
de reduzir o objeto para quantificá-lo e entender seu funcionamento, o homem foi
“dissecado” em características cada vez menores para o entendimento de seu
funcionamento. Esta perspectiva utilizava, e ainda utiliza, experimentos com animais
em laboratório e observação de seu comportamento para, por analogia, entender
como os homens se comportam. A base epistemológica para esta comparação está na
Teoria da Evolução de Darwin, pautada na hipótese de que haveria uma continuidade
entre as mentes animais e humanas, e, portanto, seria possível compreender as

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 15
mentes humanas, mais complexas, a partir do entendimento da mente simples dos
animais.
Outra possibilidade de estudo da personalidade relaciona-se com a observação
empírica na prática clínica, cuja referência é construída na última metade do século
XIX e durante o século XX, a partir de diversas abordagens da Psicologia: Psicanálise,
Humanismo, Cognitivismo, Behaviorismo, Psicologia da Gestalt. A ideia é entender e
ajudar as pessoas no seu processo de individuação e construção subjetiva. A
compreensão sobre a humanidade e a construção das subjetividades passa pelo
enfoque nas preocupações, ansiedades, limitações, condições físicas, culturais e
sociais dos indivíduos. Um exemplo refere-se à tradição gestáltica, cuja preocupação
alude à unidade e integralidade do comportamento.
Um outro tipo de investimento no estudo da personalidade vincula-se à
psicometria, que se interessa em medir e estudar as diferenças individuais, escalonar
as dimensões dos comportamentos e proceder a análise quantitativa dos dados,
através da observação e pesquisa descritiva. Muitos testes psicológicos e inventários
de personalidade foram construídos para mesurar a personalidade através de padrões
básicos (características ou traços) observados em grandes amostras de sujeitos. Os
testes psicológicos são muito utilizados, pois viabilizam o acesso às principais
características das pessoas de forma objetiva e estatística nos diversos campos de
atuação do psicólogo, como a área clínica ou no processo de seleção para vagas de
trabalho.
Diante do cenário apresentado, o conceito de personalidade, para a Psicologia,
abrange várias definições. De uma forma geral, pode-se entendê-lo como a maneira
de sentir e pensar de cada um. Este modelo irá influenciar o modo como cada um se
comporta. FELDMAN (2015) entende que a personalidade pode ser definida como

(...) o padrão de características constantes que produzem consistência e


individualidade em determinada pessoa. Abrange os comportamentos que nos
tornam únicos e que nos diferenciam dos outros. Também nos leva a agir
consistentemente em diferentes situações e por longos períodos de tempo.
(p. 384)

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 16
Através da personalidade de um sujeito, é possível compreender e predizer seu
comportamento, pois este conhecimento permite uma certa previsibilidade com
relação às ações emitidas.
Para compreender melhor e poder predizer comportamentos, diversos autores
da Psicologia construíram suas teorias pautados em duas perspectivas: como a
personalidade se constitui e quais são os traços característicos que podem ser
encontrados nas pessoas. Um traço pode ser compreendido como “características de
personalidade e comportamentos constantes exibidos em diferentes situações. ”
(FELDMAN, 2015, p.395)
As personalidades são construídas a partir da relação que os indivíduos
estabelecem com o mundo e, portanto, das aprendizagens que se vai obtendo. Nesta
relação com o ambiente e as outras pessoas, cada ser humano aprende a forma que
deve se comportar e introjeta os valores prescritos socialmente. Sua personalidade
será o resultado de todas as tentativas de acerto e erros que comete, daquilo que ela
observa nos outros e do que acha que os outros esperam dela. Este modelo será a
referência para a visão de mundo do indivíduo.
De forma resumida, pode-se dizer que a personalidade é a organização
dinâmica dos traços no interior da pessoa, que são construídos a partir dos genes
herdados dos pais, das experiências pessoais e da respectiva percepção de mundo. A
personalidade torna cada pessoa única na sua forma de SER e ESTAR no mundo e no
desempenho de seu papel social.
Alguns princípios básicos da personalidade podem ser destacados:
1) A globalidade: que se refere aos elementos inatos, adquiridos, orgânicos e
sociais estão incluídos no conceito de personalidade;
2) A dimensão social: as características da personalidade se manifestam e se
desenvolvem em situações sociais; personalidade também consiste nos hábitos
e características adquiridas em resultado das interações sociais, que promovem
o ajustamento do indivíduo ao meio social;
3) A dinamicidade: a personalidade é um conceito dinâmico, possui vários
elementos que interagem e se combinam de forma a produzir novos e originais
efeitos; personalidade é o que organiza, integra e harmoniza todas as formas

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 17
de comportamento e características do indivíduo. Ela é capaz de receber novas
influências e adaptar-se a novas circunstâncias.
4) A individualidade: a personalidade é sempre uma realidade individual que marca
e distingue um ser do outro; há sempre uma dimensão peculiar e exclusiva
porque as pessoas são únicas no mundo, ou seja, é o conjunto de todos os
aspectos próprios do indivíduo pelos quais ele se distingue dos outros.
Para a Psicologia, o conceito de personalidade é um dos mais complexos e,
portanto, torna-se difícil uma única teoria que explique a complexidade do ser humano
e as respostas que emite durante sua existência. Desta forma, podemos destacar
várias perspectivas relacionadas ao conceito de personalidade: a psicodinâmica, a
relacionada aos traços, a da aprendizagem, a biológica evolucionista, a humanista,
entre outras.
Figura 1: As múltiplas perspectivas da personalidade

Abordagem teórica e Determinantes Natureza (fatores Livre-arbítrio versus Estabilidade versus


principais teóricos conscientes versus hereditários) versus determinismo modificabilidade
inconscientes da criação (fatores
personalidade ambientais)
Psicodinâmica Ênfase no inconsciente Enfatiza a estrutura Enfatiza o Enfatiza a estabilidade
(Freud, Jung, inata, herdada da determinismo, a visão das características
Horney, Adler) personalidade, de que o durante a vida da
valorizando a comportamento é pessoa
importância da direcionado e causado
experiência infantil por fatores externos ao
próprio controle
Traços (Allport, Desconsidera o As abordagens variam Enfatiza o Enfatiza a estabilidade
Cattell, Eysenck) consciente e o determinismo, a visão das características
inconsciente de que o durante a vida da
comportamento é pessoa
direcionado e causado
por fatores externos ao
próprio controle
Aprendizagem Desconsidera o Centra-se no ambiente Enfatiza o Enfatiza que a
(Skinner, Bandura) consciente e o determinismo, a visão personalidade
inconsciente de que o permanece flexível e
comportamento é resiliente durante a
direcionado e causado vida de uma pessoa
por fatores externos ao
próprio controle
Biológica e Desconsidera o Enfatiza os Enfatiza o Enfatiza a estabilidade
evolucionista consciente e o determinantes inatos, determinismo, a visão das características
(Tellegen) inconsciente herdados da de que o durante a vida de uma
personalidade comportamento é pessoa
direcionado e causado
por fatores externos ao
próprio controle
Humanista (Rogers, Enfatiza o consciente Enfatiza a interação Enfatiza a liberdade Enfatiza que a
Maslow) mais do que o entre a natureza e a dos indivíduos de personalidade
inconsciente criação fazer as próprias permanece flexível e
escolhas resiliente durante a
vida de uma pessoa
Fonte: FELDMAN, R. S. Introdução à Psicologia. 10ª ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. p. 406

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 18
Destaca-se a Teoria dos Traços pela objetividade e simplicidade em caracterizar
os traços principais das pessoas e, consequentemente, compreender seus
comportamentos. Mesmo diante desta perspectiva, não existe uma única teoria dos
traços de personalidade. Por exemplo, Gordon Allport definiu sua teoria propondo que
haveriam três categorias fundamentais de traços de personalidade: o cardinal, que
seria uma característica única e definiria a maior parte dos comportamentos de uma
pessoa; os traços centrais, que formam a essência da personalidade; e os traços
secundários, que afetam o comportamento com menos força.
Outros autores, como Cattell e Eysenk, utilizaram-se de técnicas estatísticas
para chegar a um núcleo central de traços de personalidade, a partir da aplicação de
questionários a um grupo abrangente de pessoas. A partir da análise de fatores das
características marcadas nos questionários pelas mesmas, Cattell propôs dezesseis
traços de origem que o fez desenvolver o 16PF, ou Questionário dos Dezesseis Fatores
da Personalidade. (FELDMAN, 2015)
Eysenk também utilizou a análise de fatores, porém obteve outro resultado.
Segundo ele, existem três dimensões principais de personalidade: a extroversão,
relacionada ao grau de sociabilidade das pessoas; o neuroticismo, relacionado à
estabilidade emocional; e o psicoticismo significa o grau de distorção da realidade.
(Id.). Segundo FELDMAN (2015), estas dimensões possuem os seguintes traços:
1) Extroversão: sociável, animado, ativo, assertivo e empenhado na busca de
sensações;
2) Neuroticismo: ansioso, deprimido, sentimento de culpa, baixa autoestima,
tenso;
3) Psicoticismo: agressivo, frio, egocêntrico, impessoal e impulsivo.

Pesquisadores atuais, a partir da análise de fatores de Eysenk, propuseram a


teoria dos cinco grandes fatores da personalidade, cujo resultado estatístico apresenta
grande consistência e precisão em diversas populações, sendo considerada a melhor
teoria para a descrição da personalidade até o momento. (id.) Os Big Five podem ser
demonstrados da seguinte forma: (MYERS, 2012)

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 19
Figura 2. Os “Cinco Grandes” Fatores da Personalidade (MYERS, 2012)
Dimensão do traço Extremos da dimensão
Realização ou conscienciosidade Organizado – desorganizado
(escrupulosidade) Cuidadoso – Descuidado
Disciplinado – Impulsivo
Socialização Amável – Cruel
Confiável - Suspeito
Prestativo – Egoísta
Neuroticismo (estabilidade vs instabilidade Calmo – Ansioso
emocional) Seguro – Inseguro
Autossatisfação – Autopiedade
Abertura para a experiência Imaginativo – Prático
Preferência por variedade – Preferência pela rotina
Independente – Conformado
Extroversão Sociável – Retraído
Divertido – Sóbrio
Afetuoso – Reservado
Fonte: MYERS, 2012, p. 434

O questionamento sobre a hereditariedade ou aprendizagem dos traços é uma


constante que provoca infinitas pesquisas sobre a temática na psicologia. Estudos
indicam que cerca de 50% das diferenças individuais podem ser herdadas e esta
porcentagem foi comprovada em vários povos. Segundo MYERS (2012)

A hereditariedade de diferenças individuais varia com a


diversidade das pessoas estudadas, mas normalmente fica em
torno de 50% ou um pouco mais para cada dimensão, e as
influências genéticas são semelhantes em diferentes nações.
(p.434)

Quanto à estabilidade ou variabilidade dos traços de personalidade durante a


vida, pesquisas mostram que as mudanças são maiores no período da infância e
adolescência e que na vida adulta eles permanecem estáveis, apesar da possibilidade
de mudança ser contínua.

Na vida adulta, os Cinco Grandes traços são bem estáveis, com algumas
tendências (instabilidade emocional, extroversão e abertura para
experiência) diminuindo um pouco nas décadas que seguem o começo
e o meio da idade adulta e outras (socialização e realização ou
conscienciosidade) aumentando. A realização ou conscienciosidade
aumenta mais na casa dos 20 anos, à medida que as pessoas
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 20
amadurecem e aprendem a lidar com o trabalho e seus
relacionamentos. A socialização aumenta mais na casa de 30 anos e
continua a aumentar até os 60. (MYERS, 2012, p.434)

Estes cinco traços essenciais ainda tem a propriedade de predizer outros


atributos ou características pessoas, como por exemplo o fato de pessoas mais
extrovertidas possuírem a tendência de tirar notas mais altas e a satisfação
matrimonial estar relacionada ao traço de socialização, estabilidade e abertura à
experiência. Quanto mais baixo o escore desse traço, maior a tendência para
insatisfação matrimonial.
Apesar da hereditariedade contar, é evidente a influência dos fatores ambientais
e da aprendizagem na construção ou mudança da personalidade das pessoas. Dessa
forma, o entendimento consensual na Psicologia é que o ser humano (e sua
personalidade) são constituídos por aspectos biológicos, psicológicos e sociais.

Figura 3: Abordagem Biopsicossocial da Personalidade

Influências biológicas Influências psicológicas


• Temperamento geneticamente • Respostas aprendidas
determinado • Processos de pensamento
• Reatividade do sistema nervoso inconscientes
autônomo • Expectativas e interpretações
• Atividade do cérebro

PERSONALIDADE

Influências socioculturais
• Experiências na infância
• Influência da situação
• Expectativas culturais
• Apoio social

Fonte: MYERS, D. G. Psicologia. 9ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012. p. 439.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 21
Neste sentido, o estudo do desenvolvimento humano articula-se ao estudo da
personalidade, pois permite ao pesquisador entender como esses traços específicos
foram construídos ao longo da vida da pessoa e quais deles encontram-se no padrão
de normalidade ou divergência, bem como compreender a estabilidade ou
modificabilidade dos traços essenciais das pessoas.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 22
TEMA III – A Teoria do Ciclo Vital

Nesta parte, será apresentada a Teoria do Ciclo vital, onde o desenvolvimento


é considerado desde a etapa intrauterina até a velhice. Em cada etapa serão explicados
os aspectos físico-motor, social afetivo e cognitivo da pessoa. Será exposto, ainda, a
influência da parte biológica e da parte social no desenvolvimento e construção da
personalidade.
De acordo com a Teoria do Ciclo Vital, pode-se dizer que: 1) o desenvolvimento
é vitalício: ou seja, cada período da vida é influenciado pelo que vem antes e irá afetar
o que vem depois e cada período possui suas características e nenhum é
hierarquicamente superior ao outro; 2) o desenvolvimento depende da história e do
contexto considerando a interação homem e ambiente; 3) o desenvolvimento é
multidirecional e multidimensional, ou seja, acontece durante toda a vida e envolve
um equilíbrio entre o declínio e o crescimento; 4) o desenvolvimento é flexível ou
plástico, visto que há uma capacidade de modificação no desempenho, entretanto a
flexibilidade não é infinita.
E, ainda, os oito períodos do Ciclo vital são: 1º - pré-natal: concepção ao
nascimento; 2º - Primeira infância: nascimento aos 3 anos; 3º - Segunda Infância: 3
aos 6 anos; 4º - Terceira Infância: 6 aos 11 anos; 5º - Adolescência: 11 aos 20 anos;
6º - Jovem adulto: 20 aos 40 anos; 7 º - Meia idade: 40 aos 60 anos; 8º - Terceira
Idade: 65 em diante.

OBJETIVOS

1) Apresentar a Teria do Ciclo Vital;


2) Ilustrar as etapas de desenvolvimento;
3) Explicar os aspectos físico-motor, social afetivo e cognitivo

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 23
O estudo do desenvolvimento do ciclo vital tem seu início na década de 1920 a
partir do acompanhamento científico de crianças até a idade adulta. No decorrer
destes estudos, a curiosidade sobre como o ambiente (ou o momento histórico e as
circunstâncias sociais) afeta o desenvolvimento, começaram a receber o foco dos
pesquisadores da área.
Paul Batles, considerado o líder no estudo do desenvolvimento do ciclo vital,
distingue algumas características básicas desta abordagem (PAPPALIA, OLDS,
FELDMAN, 2006)

1) O desenvolvimento é vitalício: o desenvolvimento ocorre durante toda a


vida. Cada etapa possui suas características específicas e influencia a seguinte.
Nenhuma etapa pode ser considerada como hierarquicamente superior a outra;
2) O desenvolvimento é contextualizado pelo momento histórico e pelo
lugar: no desenvolvimento humano as circunstâncias da vida social, política e
econômica interferem no crescimento físico, afetivo, cognitivo e social. Humano
e ambiente sofrem influência mútua, um modificando o outro;
3) O desenvolvimento é multidimensional e multidirecional: o
desenvolvimento ocorre durante toda a vida e envolve perdas e ganhos em
todos os períodos. As pessoas tendem a maximizar os ganhos e compensar e
minimizar as perdas. Na infância, fica mais evidenciado os ganhos e na velhice
as perdas. Porém, como mencionado anteriormente, há a compensação e
minimização entre perdas e ganhos. Na meia idade e na velhice, o vocabulário
e a sabedoria tendem a crescer, entretanto o organismo pode apresentar
decréscimo relacionado às condições físicas, como ossos, musculatura,
respiração, memória;
4) O desenvolvimento é flexível e plástico: durante toda a vida podemos
verificar a melhora e a flexibilidade de desempenho a partir de treinamentos
específicos, como a força, mobilidade, cognição, entre outros. Entretanto, essa
plasticidade não é ilimitada.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 24
Além disso, o desenvolvimento ocorre em diferentes instâncias do ser humano
continuamente. Estas instâncias podem ser entendidas como os aspectos do
desenvolvimento ao longo da vida. São eles:

1) Desenvolvimento físico: refere-se a toda alteração física que acarreta em


ganhos e perdas durante a vida. Exemplos são verificados facilmente como
as mudanças hormonais da puberdade, o crescimento do corpo da criança
em termos de tamanho, peso e força, as alterações cerebrais nas crianças
e nos velhos, entre outros.
2) Desenvolvimento cognitivo: refere-se às alterações de organização de
pensamento, memória, criatividade, senso moral, aprendizagem,
linguagem, percepção, etc.
3) Desenvolvimento psicossocial: relaciona-se com as alterações da
personalidade e o estabelecimento de relações interpessoais.

Todos estes aspectos encontram-se completamente interligados e influenciam-


se mutuamente. Por exemplo, as alterações orgânicas da puberdade trazem mudanças
na personalidade porque afetam a visão que a pessoa tem de si mesma. Esta mudança
também está relacionada às relações que ela possui e aos seus grupos de pertença,
que geram expectativas de comportamentos para os componentes dos respectivos
grupos.
O ser humano constrói a visão de si mesmo, ou seu autoconceito, a partir das
suas experiências particulares, mas também da interação que estabelece com outras
pessoas e da visão e expectativas que elas possuem dele. Este processo cognitivo
ocorre para o bem ou para o mal. Pode-se verificar este processo ocorrendo
comumente na vida das pessoas. Quando uma criança e elogiada, respeitada, com
suas necessidades emocionais satisfeitas, incentivada a resolver os desafios do
cotidiano sem evidenciar suas falhas e erros, ela tem mais chances de se tornar um
adulto eficiente nas produções da sua vida, sem medo de ser empreendedor e de lidar
com desafios. Por outro lado, se a pessoa foi agredida, violada em seus direitos,
rotulada como incapaz ou delinquente, a possibilidade de construir uma personalidade

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 25
dependente ou outra com tendência a ultrapassar os limites morais ou legais são
grandes.

3.1 - Os períodos do ciclo vital

Os períodos do ciclo vital são constructos sociais e dependem da cultura


referida. Fazem parte da interpretação de cada povo sobre as etapas da vida humana
e não é possível universalizar somente um modelo para todas as culturas. Cada
sociedade cria marcos de desenvolvimento e rituais de passagem de uma etapa para
outra.

O conceito de períodos do ciclo de vida é uma construção social: um ideal


acerca da natureza da realidade aceito pelos integrantes de uma determinada
sociedade em uma determinada época com base em percepções ou
suposições subjetivas compartilhadas. Não existe um momento objetivamente
definível em que uma criança torna-se um adulto ou em que uma pessoa
jovem torna-se velha. As sociedades do mundo inteiro reconhecem diferenças
no modo como pessoas de diferentes idades pensam, sentem e agem, mas
elas dividem o ciclo de vida de modos diferentes. (PAPPALIA, OLDS,
FELDMAN, 2006, p.51 )

Na nossa sociedade, construímos marcos para a infância, a adolescência, jovem


adulto, meia idade e velhice porque a organização social é realizada a partir destas
etapas e também as influenciam. Não há dúvidas sobre os papéis sociais de cada
pessoa em cada etapa da vida e sobre as expectativas do que deverão cumprir. Por
outro lado, a sociedade é alimentada no sentido de construir sua organização e
instituições para “enquadrar” as pessoas nestes papéis sociais. Por exemplo, criança
deve ir para a escola, os adolescentes devem escolher sua carreira profissional, os
adultos devem constituir famílias e cuidar dos filhos e os velhos devem ter mais
sabedoria devido às experiências que passaram na vida. É importante destacar
novamente que este entendimento sobre o DEVER SER de cada pessoa em cada fase
da vida é construído socialmente e culturalmente.

Os indígenas Chippewa só tem dois períodos de infância: do nascimento até


a criança caminhar e do caminhar à puberdade. A adolescência é parte da
vida adulta, que dura até a vinda do primeiro neto; um período posterior da

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 26
idade adulta começa com o nascimento do primeiro bisneto. Os Swazi
africanos definem oito períodos da vida e marcam cada um com uma
cerimônia. A condição de bebê começa aos 3 meses, quando se considera que
o bebê provavelmente irá sobreviver. Depois vem a segunda etapa (que
começa quando o bebê aprende a caminhar), a infância (que começa aos 6
anos), a puberdade e o casamento. Para uma mulher, as etapas seguintes
chegam quando nasce seu primeiro filho e quando ela vai morar com um filho
casado. (ibid.)

Neste sentido, a Teoria do Ciclo Vital divide as etapas da vida em oito ciclos: 1)
período pré-natal, da concepção ao nascimento; 2) primeira infância; 3) segunda
infância; 4) terceira infância; 5) adolescência; 6) jovem adulto; 7) meia idade; 8)
terceira idade.
O período pré-natal corresponde da concepção ao nascimento. Nesta etapa, já
inicia a interação entre a genética herdada dos pais interage e o ambiente. A
concepção ocorre quando o óvulo feminino tem sua membrana rompida por um
espermatozoide masculino e é fecundado. Deste momento até duas semanas ele é
chamado de zigoto. A partir desta etapa, aproximadamente dez dias após a concepção,
o zigoto se prende à parede do útero materno, processo que é chamado de nidação.
Neste período, o zigoto transforma-se em embrião e inicia a diferenciação celular e
desenvolvimento dos órgãos do futuro bebê.
No embrião, já é possível escutar os batimentos cardíacos e nove semanas após
a concepção tem-se o feto, com forma tipicamente humana. É durante este período
que ocorre o maior desenvolvimento físico e de forma extremamente rápida.
Ao final dos seis meses, se a gravidez for interrompida acidentalmente, já é
possível a sobrevivência do bebê, pois órgãos como o estômago já estão prontos.
Entretanto esta condição de imaturidade requer intervenções médicas importantes,
pois o organismo ainda não está completo, podendo trazer comprometimento futuro.
Estudo mostram que um feto de sexto mês já é suscetível aos sons ambientais,
principalmente à voz materna. Tal intimidade entre o feto e sua mãe acarreta o
reconhecimento e a preferência da voz materna em detrimento de qualquer outro som,
inclusive da voz paterna.
A nutrição, oxigenação e filtragem de substâncias nocivas e tóxicas do feto é
feita através da placenta, formada a partir da vinculação do zigoto na parede uterina.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 27
Daí a importância do cuidado com a saúde da gestante porque qualquer substância
nociva, como drogas álcool, fumo e vírus afetam o feto. Segundo MYERS (2012),

Não há quantidade segura de bebida alcóolica conhecida para uma mulher


grávida. O álcool entra na corrente sanguínea da mulher – e do feto – e
deprime a atividade do sistema nervoso de ambos. O consumo de álcool
durante a gravidez poderá fazer com que o filho goste de álcool. Adolescentes
cujas mães beberam durante a gravidez correm o risco de virar dependentes
de álcool ou alcoólatras. (p.131)

3.2 – Influências genéticas pré-natais

Estudos mostram que os filhos podem herdar geneticamente de seus pais desde
características físicas (como altura, peso, obesidade, tom de voz, cáries, nível de
atividade, idade da morte, habilidade atlética) até características intelectuais
(memória, idade de aquisição da linguagem, retardo mental, déficit de leitura) e
características emocionais e transtornos (timidez, extroversão, neuroticismo,
ansiedade, alcoolismo).
Segundo pesquisas (FELDMAN, 2015), cerca de 95 a 98% das gestações
apresentam o desenvolvimento normal do feto. Entretanto, os 2 ou 5% restantes
podem nascer com defeitos congênitos graves:

1) Fenilcetonúria – quando o organismo não consegue produzir uma enzima que


é fundamental para o crescimento normal do indivíduo, porque prejudicam a
liberação de toxinas pelo corpo. Os acúmulos destas toxinas podem acarretar
em déficit cognitivo importante;
2) Anemia falciforme – esta doença caracteriza-se pela forma anormal das células
sanguíneas e pode acarretar dor, atraso no crescimento, olhos amarelados e
problemas de visão;
3) Doença de Tay-Sachs – nesta doença, o organismo não consegue quebrar as
células de gordura. A expectativa de vida para as crianças que nascem com
esta doença é de 3 a 4 ano;
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 28
4) Síndrome de Down – esta síndrome caracteriza-se pela quantidade anormal de
cromossomos. Esta síndrome é uma das causas mais comum de retardo mental.
Além desta condição, as pessoas são suscetíveis a problemas de coração, visão,
fala, hipotonia. Atualmente, muitos destes problemas podem ser resolvidos
devido à intervenção precoce no bebê down, possibilitando um
desenvolvimento adequado ao potencial de cada um.

3.3 – Influências ambientais pré-natais

Apesar da herança genética dos pais serem importantes na formação da pessoa,


os fatores ambientais pré-natais podem interferir de forma importante na constituição
do bebê, incluindo com alterações na genética. FELDMAN (2015) destaca:

1) Nutrição da mãe – a alimentação durante a gestação é fundamental para a


constituição orgânica e mental do bebê. A subnutrição materna pode acarretar
subnutrição do feto, o que gerar problemas de desenvolvimento e problemas
mentais após o nascimento;
2) Doenças da mãe – várias doenças que podem ter um efeito simples no
organismo materno, podem ser desastrosas para o bebê. Exemplos são a AIDS,
ZICA, RUBÉOLA, entre outras;
3) Estado emocional da mãe – as alterações emocionais da gestante afetam o
organismo do bebê porque seu sistema nervoso está suscetível às mudanças
químicas do organismo materno. Então, gestantes ansiosas podem acarretar
bebês ansiosos, com problemas de sono e alimentação;
4) Uso de drogas pela mãe – gestantes que fazem de drogas fisicamente aditivas,
como a cocaína, crack, heroína, entre outras, podem gerar bebês dependentes
que sofrem crises de abstinência e que podem apresentar problemas de
malformação, prejuízos físicos e mentais permanentes;
5) Álcool – a ingestão de álcool pela gestante pode ocasionar a Síndrome Alcoólica
Fetal, ou SAF, mesmo com baixos nível de uso de álcool. A SAF causa deficiência

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 29
intelectual e deformidades na face. Estudos indicam que é a principal causa de
deficiência intelectual na atualidade (FELDMAN, 2015);
6) Uso de nicotina – a utilização de nicotina durante a gravidez pode acarretar
aborto espontâneo ou parto prematuro com bebês abaixo do peso e tamanho
ao nascimento. Esta condição pode trazer danos permanentes para a saúde do
bebê ao longo da sua vida inteira;
7) Rubéola – pode gerar cardiopatias, cegueira, surdez ou bebê natimorto;
8) Sífilis – pode ocasionar aborto, retardo mental e deformidades físicas;
9) Radiação por raios X – acarreta retardo mental e deformidades físicas;
10)Idade da mãe (menor que 18 anos) – maior probabilidade se Síndrome de
Down; nascimento prematuro;
11)Idade da mãe (maior que 35 anos) – maior probabilidade de Síndrome de
Down;
12)Aids – possibilidade de transmissão para o feto, além de poder acarretar
deformidades na face e problemas no crescimento;
13)Dietiletilbestrol (DES) – substância utilizada para prevenir aborto espontâneo.
Pode acarretar câncer genital e dificuldades reprodutiva nos filhos;
14)Accutane ou isotretinoína – é uma substância utilizada para combater acne.
Pode ocasionar deformidade físicas e retardo mental no bebê.

3.4 – O recém-nascido

Todo recém-nascido é uma promessa. Devido à sua completa dependência,


deve ser investido de cuidados e amor para que possa sobreviver. Cada experiência
que ele passa com seu cuidador, imprime marcas afetivas no seu corpo e na sua mente
que serão fundamentais para a constituição da sua identidade e do seu relacionamento
consigo mesmo e com o mundo.
No útero, o feto possui experiências sensoriais vestibulares e táteis através do
envolvimento constante do líquido amniótico e das paredes do útero. Ao nascimento,
o bebê apresenta a necessidade de ser envolvido, abraçado, acariciado. Neste

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 30
processo de maternagem, a qualidade e a quantidade serão fundamentais para o
estado afetivo do bebê e a constituição de sua personalidade.
Mães inseguras, inquietas e ansiosas podem transmitir este estado de tensão
para seus bebês prejudicando seu sono, alimentação e humor. Mães calmas tendem a
passar para o bebê a segurança que necessitam para (de alguma forma) entenderem
que terão suas necessidades básicas satisfeitas. Todos já tiveram experiências (ou
conhecem alguém que as teve) de uma mãe nervosa chorando por conta de seu bebê
que não parava de chorar e alguém mais calmo (pai, avô ou avó) acolhe a criança, ela
acalma e finaliza o choro. O estado de ânimo de quem cuida afeta o estado de ânimo
do bebê. Neste ponto está a importância do vínculo mãe-bebê.
Este vínculo é construído desde a formação do feto. A intimidade entre a mãe
e seu feto é tão grande e fundamental que ao nascimento, como já foi mencionado
anteriormente, a criança tem a preferência pela voz materna. Este vínculo faz com que
a mãe consiga entender as necessidades de seu filho, quando ele está com fome, com
dor ou necessita de amor e carinho para sentir-se seguro.
A ligação da mãe (não necessariamente a mãe biológica, mas quem cuida) com
o seu bebê é fundante da subjetividade e da identidade da criança. É através das
trocas sensoriais, afetivas, da manipulação do corpo do bebê pela mãe que ele (o
bebê) inicia o processo de construção da consciência corporal e de si, pois,
inicialmente, ele experimenta o mundo de forma muito vinculada ao corpo da mãe, e
ela possui a função de viabilizar (“puxar”) pelo desenvolvimento de seu bebê.
Ao nascimento o bebê não sabe quem é, aonde está, o que fazer, que faz parte
de uma família. Ele não tem memória conceitual. Entretanto, nasce com uma série de
recursos que são fundamentais para o seu crescimento e desenvolvimento. O recém-
nascido apresenta uma série de reflexos primitivos, uma emocionalidade básica e os
órgãos sensoriais que são a porta de entrada do meio externo para dentro do corpo.
Os reflexos primitivos são movimentos involuntários emitidos diante de
determinados estímulos. Podem ser considerados como o equipamento básico do
organismo para a sobrevivência e a partir dos quais os outros comportamentos ou
movimentos serão aprendidos. Tais reflexos são herança filogenética da espécie
humana e possuem vinculação com a possibilidade adequada de desenvolvimento e

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 31
adaptação, além da possibilidade de verificação de algum problema neurológico ou de
outra ordem. Alguns exemplos são: 1) sucção: ato de sugar que é iniciado ao colocar
algo na boca ou se a bochecha ou lábios forem estimulados; fundamental para a
alimentação; 2) marcha automática - quando o bebê é colocado de pé e apoiado numa
superfície, ele inicia o movimento da marcha; indica a existência de lesão (ou não)
neurológica ou medular; 3) moro - extensão dos braços para fora e para dentro em
resposta a algum ruído ou estímulo que o assuste; 4) Babinski - distensão dos dedos
do pé quando a sola é acariciada do calcanhar para os dedos; 5) preensão palmar e
plantar - quando algo é colocado em sua mão, ou seu pé é tocado perto dos dedos,
os dedos se fecham para segurar.

Figura 4 – Os reflexos primitivos

Fonte: http://olharfisio.blogspot.com.br/2016/05/reflexos-primitivos.html

Figura 5 – O reflexo do Moro

Fonte: http://eusoumaisfisio.blogspot.com.br/2014/05/reflexos-primitivos.html

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 32
Apesar de uma composição inicial de movimentos desorganizados e sem
controle, correspondente aos reflexos, aos poucos o bebê começa a dominar seu corpo
e inicia a emissão de movimentos organizados onde já é possível verificar algumas
intensões e vontades.
Com relação à emocionalidade do bebê, inicialmente os sentimentos são de
prazer ou desprazer (ou desconforto). Prazer ao ser alimentado, acariciado e
envelopado pela mãe, de segurança de que suas necessidades básicas serão
satisfeitas. E desprazer diante do desequilíbrio corporal devido à fome, sono, posição
corporal, frio ou calor, dor e doenças. Esta relação entre prazer e desprazer será
nomeada como as diversas emoções e a criança aprenderá o que ela está sentindo.
Ao nascimento, a criança possui a composição orgânica para sentir as emoções, porém
ela aprenderá o que é alegria, tristeza, raiva, repugnância, entre outras, a partir da
relação estabelecida com as outras pessoas, principalmente sua mãe.
A Teoria do Apego, de John Bowlby, discute a importância da vinculação
materna para o crescimento e desenvolvimento saudável do bebê, inclusive o
psicossocial. O apego, vínculo emocional positivo que se desenvolve entre uma criança
e determinado indivíduo, é a forma mais importante de desenvolvimento social que
ocorre na primeira infância. (FELDMAN, 2015: p.344) A construção do apego é
diretamente proporcional à responsividade com que as crianças são cuidadas. Estes
primeiros lações são tão importantes que podem gerar impacto durante toda a vida
da pessoa. Além disso, Bowlby acreditava que o apego aumenta as chances de
sobrevivência da criança, devido à segurança emocional que proporciona. (KLEINMAN,
2015)
A segurança emocional da criança acontece quando a mãe (ou cuidador) se
mostra disponível e atenciosa (o). Segundo Bowlby, o apego possui quatro
características importantes:
1. Porto seguro: se uma criança se sentir assustada, ameaçada ou em perigo,
o cuidador a conforta, apoia e acalma.
2. Base segura: o cuidador proporciona à criança uma base segura para que
ela possa aprender, explorar o mundo e ordenar as coisas por si própria.
3. Manutenção da proximidade: embora a criança possa explorar o mundo,
ela ainda tenta ficar perto do cuidador para se manter segura.
4. Angústia de separação: a criança fica irritada, infeliz e angustiada quando
separada de seu cuidador. (KLEINMAN, 2015: p. 145-146)

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 33
A base fundamental para a construção do apego entre pais e filhos é o contato
e o toque. Os bebês humanos (...) ficam apegados a pais que são meigos e afetuosos;
que o embalam, alimentam e afagam. (MYERS, 2012: 144) O período crítico para a
formação do apego é dos 6 meses aos 2 anos de idade.
Numa situação de restrição de contato já realizado ou privação materna (ou
com o cuidador), ou caso o apego não seja formado, as consequências podem ser
desastrosas gerando, até uma psicopatia por falta de afeto (ausência de remorso,
incapacidade de construir relações afetivas, agressividade, impulsividade e raiva
crônica). Entre os prejuízos acarretados pela falta de afeto e construção do apego,
estão incluídos: inteligência diminuída, aumento da agressividade, depressão e
delinquência (id. p. 146), insegurança, repetição do modelo parental com os próprios
filhos (crianças abusadas podem tornar-se abusadores).
Outro equipamento básico do corpo do neonato são os órgãos sensoriais, porta
de entrada de estímulos que serão processados pelo cérebro e transformados em
esquemas mentais. Inicialmente, os esquemas construídos são sensório-motores e aos
poucos (e mediante as experiências que vivencia) estes esquemas tornam-se
conceituais, ou seja, a organização do pensamento muda e vai complexificando ao
longo da vida infantil.
Com relação à visão no recém-nascido, sua acomodação visual fica a uma
distância de aproximadamente 17 a 20 cm. Ele possui condutas visuais são funcionais
desde o nascimento, utilizando os olhos para investigar o ambiente, interagir com as
pessoas e se comunicar. Sua preferência visual é por figuras arredondadas que
parecem com o rosto humano, conseguindo distinguir configurações espaciais, além
de apresentarem o início de uma noção de profundidade. No processo de interação e
comunicação, imita movimentos e mímicas faciais, como sorriso e caretas.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 34
Figura 6 – Imitação realizada por bebês

Fonte: http://slideplayer.com.br/slide/335525/

No que se refere à audição do bebê, ao nascimento ele apresenta mais


responsividade à voz humana do que a outros tipos de sons e consegue distinguir sons
familiares dos que não o são. Apresentam, inclusive, respostas motoras às falas dos
adultos, que representam uma forma de comunicação primordial. Os atos motores
dependerão da entonação e melodia da voz do locutor. Este fato ocorre porque o bebê
possui memórias auditivas construídas nas últimas semanas de gestação. A capacidade
inata do bebê para a percepção de propriedades sonoras das palavras, envolve uma
pré-disposição genética (gênese inata) para a aquisição da linguagem.
O desenvolvimento do primeiro trimestre pode ser verificado através das
seguintes características:
1) Controle da cabeça (marco final deste período): interações sociais, seleção de
estímulos, aumenta a perspectiva do olhar;
2) Respostas sociais: sorriso e imitações intencionais;
3) O bebê não gosta de ficar sozinho; gosta que falem (prefere a fala com
movimentação da cabeça do interlocutor) e brinquem com ele;
4) Fixa o olho no olho da mãe e segue-a com o olhar desde muito cedo nesse
período;
5) Emite sons e repete, modifica, brinca com eles. Gosta que o adulto imite estes
sons, permitindo que ele guie a brincadeira.
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 35
De 4 a 6 meses, o bebê já consegue abrir a mão, agarrar e soltar os objetos,
resistir quando tentam tirar dele um brinquedo e interage mais com o interlocutor,
buscando tocar seu rosto. O bebê ainda consegue de arrastar pelo chão, sustentar o
tronco apoiando-se nos braços e vencendo, cada vez mais a gravidade. Ocorre a
descoberta dos pés, onde o bebê olha com fascinação e tende a colocá-los na boca.
O pai entra em cena e ganha uma atenção destacada, ele aumenta o repertório de
balbucios, sorri para o espelho (entretanto ainda não se reconhece no espelho), mas
tenta agarrar a imagem. No final deste período o bebê deve sentar, primeiramente
com apoio e depois sem apoio.
De 7 a 9 meses, o bebê consegue permanecer sentado e engatinha para
explorar o ambiente, abrindo novas e ampliadas perspectivas relacionadas ao
ambiente. Ao final do período, algumas crianças já conseguem levantar e andar. Com
8 meses ele começa a estranhar pessoas que não fazem parte de seu cotidiano e tem
início a noção de permanência do objeto, fundamental para a construção da
identidade. A noção de permanência do objeto significa que a criança entende que
mesmo que o objeto não esteja visualmente aparente, ele ainda existe.
Entre 10 e 12 meses, as principais conquistas estão vinculadas à linguagem e à
marcha. Com relação à questão afetiva, evidencia-se a dialética entre a aquisição de
mais autonomia e as necessidades fusionais da criança e a mãe, devido a sua
imaturidade funcional.

Figura 7 - Marcos do desenvolvimento motor, segundo a escala Denver II


Habilidades 50% 90%
Revirar-se 3,2 meses 5,4 meses
Pegar o chocalho 3,3 meses 3,9 meses
Sentar-se sem apoio 5,9 meses 6,8 meses
Ficar em pé com apoio 7,2 meses 8,5 meses
Agarrar com o indicador e com o 8,2 meses 10,2 meses
polegar
Ficar de pé de modo seguro 11,5 meses 13,7 meses
Caminhar bem 12,3 meses 14,9 meses
Construir torres de dois cubos 14,8 meses 20,6 meses
Subir degraus 16,6 meses 21,6 meses
Pular no mesmo lugar 23,8 meses 2,4 anos
Copiar um círculo 3,4 anos 4 anos

Fonte: PAPALIA, 2006, p. 178.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 36
3.5 – A Infância e a adolescência

Na segunda infância, de 3 a 6 anos de idade, ocorrem grandes mudanças,


físicas, cognitivas e sociais. Percebe-se um aumento da autonomia da criança. No
desenvolvimento físico, o crescimento é constante, o corpo fica delgado e as
proporções tornam-se cada vez mais semelhantes às de um adulto. Ocorre a
preferência pelo uso de uma das mãos e as habilidades motoras finas e gerais
aumentam. (PAPALLIA, 2006)
Com relação ao desenvolvimento cognitivo, o pensamento é egocêntrico, mas
a compreensão do ponto de vista das pessoas aumenta gradativamente. A imaturidade
cognitiva leva a algumas ideias ilógicas e fantasiosas sobre o mundo, a memória e a
linguagem se aperfeiçoam e a inteligência torna-se mais previsível. Quanto ao
desenvolvimento psicossocial, o autoconceito e a compreensão das emoções se
tornam mais complexos. Aumentam a independência, a iniciativa, o autocontrole e os
cuidados consigo mesmo. Neste período, desenvolve-se a identidade de gênero e a
família ainda é o foco da vida social, mas as outras crianças tornam-se mais
importantes.
Na terceira infância, considerado a etapa que vai de 6 a 11 anos, o
desenvolvimento físico caracteriza-se pelo aumento da força e das habilidades
atléticas, apesar de o crescimento diminuir. O desenvolvimento cognitivo aponta para
uma redução do egocentrismo e o início do pensamento lógico e concreto, onde a
criança aprende o conhecimento formal da linguagem e das operações matemáticas.
Quanto ao desenvolvimento psicossocial, a personalidade aparece, pois, o
autoconceito torna-se mais complexo, influenciando a autoestima. Devido à inserção
na escola, evidenciam-se, nesta fase, os problemas de aprendizagem e as crianças
com necessidades educacionais especiais.
Na adolescência, período que vai de 12 a 21 anos, o crescimento físico e outras
mudanças são rápidas e profundas. Por conta das mudanças hormonais da puberdade,
aparecem os caracteres sexuais secundários, como os pelos, a mudança da voz, os
quadris arredondados das meninas, além da maturidade reprodutiva. A identidade e o
autoconceito entram em crise e questões comportamentais como transtornos

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 37
alimentares, abuso de drogas, que trazem grandes riscos à saúde, costumam iniciar
neste período. No que se refere ao conhecimento cognitivo, desenvolve-se a
capacidade de pensar em termos abstratos e utilizar o raciocínio científico. Apesar da
organização formal do pensamento (pensamento abstrato), ideias e atitudes imaturas
persistem em algumas situações e comportamentos. A educação se concentra na
preparação para a faculdade ou para a vida profissional. O desenvolvimento
psicossocial é muito importante nesta etapa, pois acarreta na transição da infância
para a idade adulta. Algumas características específicas são: busca de identidade,
incluindo a identidade sexual; forte tendência grupal; afastamento do núcleo familiar,
apesar da existência de bom relacionamento com os pais (em geral); em alguns casos
podem ocorrer comportamentos antissociais. (KNOBEL; ABERASTURI, 1981)

3.6 - O adulto e a terceira idade

Na etapa do jovem adulto (20 a 40 anos), a condição física atinge o seu auge,
depois diminui ligeiramente. Tal mudança será muito influenciada pelas escolhas e o
estilo de vida que a pessoa levou ao longo dos anos. Uma alimentação saudável e
exercícios físicos, possibilitam qualidade de vida por mais tempo e aumentam a
longevidade. Com relação ao desenvolvimento cognitivo, as capacidades cognitivas e
os julgamentos morais assumem maior complexidade e escolhas educacionais e
profissionais são feitas. No desenvolvimento psicossocial, os traços e estilos de
personalidade tornam-se relativamente estáveis, mas as mudanças na personalidade
podem ser influenciadas pelas etapas e eventos da vida. Ocorre o momento de
construção da família e da carreira.
A meia idade, 40 a 65 anos, é o momento em que as escolhas da pessoa
tornam-se mais evidentes. Quanto ao desenvolvimento físico, pode ocorrer alguma
deterioração das capacidades sensoriais, da saúde, do vigor e da destreza e para as
mulheres chega a menopausa. O desenvolvimento cognitivo evidencia o auge da
maioria das capacidades mentais, onde perícia e as capacidades de resolução de
problemas práticos são acentuadas. No trabalho, surge o ápice da carreira, trazendo

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 38
sucesso e o êxito financeiro, entretanto, para outros podem ocorrer esgotamento total
ou mudança profissional. No que se refere ao desenvolvimento psicossocial, o senso
de identidade continua se desenvolvendo e pode ocorrer uma transição de meia-idade
estressante, tendo em vista que a dupla responsabilidade de cuidar dos filhos e dos
pais idosos pode causar estresse.
A terceira idade, de 65 anos em diante, traz várias mudanças que são o
resultado das escolhas feitas ao longo da vida. O desenvolvimento físico da maioria
das pessoas é saudável, embora a saúde e as capacidades físicas diminuam um pouco
e o tempo de reação é mais lento e afeta alguns aspectos do funcionamento. No
desenvolvimento cognitivo, percebe-se que a maioria das pessoas é mentalmente
alerta, embora a inteligência e a memória possa se deteriorar em algumas áreas, a
maioria das pessoas encontra uma forma de compensação. Quanto ao
desenvolvimento psicossocial, a aposentadoria pode oferecer novas opções para a
utilização do tempo e as pessoas precisam enfrentar as perdas pessoais e a morte
iminente. Os relacionamentos com a família e com os amigos pode oferecer apoio
importante e a busca de um significado na vida assume importância central.
(PAPALLIA, 2006)

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 39
TEMA IV – A Teoria Psicanalítica e o desenvolvimento psicossexual

Sigmund Freud, médico neurologista e psiquiatra, trouxe um marco


fundamental para o entendimento do ser humano a partir da construção da
Psicanálise, no século XX. Nascido em meados do século XIX, na Morávia, e falecido
no Início da 2ª Guerra Mundial, em 1939, aos 83 anos, o psicanalista, junto a outros
médicos de sua época, modificaram o entendimento sobre os transtornos mentais e o
tratamento dos sofrimentos psíquicos e afetivos.
Freud destronou a razão de seu lugar central para a compreensão do ser
humano, e apontou para outra instância psíquica, o ID, como o princípio de toda a
vida psíquica e afetiva, e dominante da consciência.
Além da sua construção de um modelo psíquico que vigora até os dias atuais,
Freud também lançou as bases para pensar o desenvolvimento humano pautado na
sexualidade infantil. Segundo a Psicanálise, o desenvolvimento humano culmina na
estruturação psíquica do ser humano. Esta estrutura psíquica ou estrutura de
personalidade, composta pelo ID, EGO e SUPEREGO, será responsável pela forma
como as pessoas entendem o mundo e se relacionam com ele.
Com relação ao desenvolvimento, Freud o entende vinculado ao conceito de
libido, que significa energia afetiva primordial. Este conceito remete a noção da
sexualidade infantil, aspecto controverso da Teoria Freudiana, principalmente pela
época em que foi pensado.
Entretanto, a noção de sexualidade na psicanálise está para além da
sexualidade genital adulta; significa que o organismo humano se desenvolve através
da busca do prazer ou da homeostase (equilíbrio). Para a psicanálise, o corpo da
criança é um corpo erógeno, ou seja, voltado para o prazer. Desta forma, o
desenvolvimento significa a organização da libido na parte do corpo que estará em
evidência no momento e que, portanto, acarretará uma forma específica de relação
com o objeto de desejo (ou amor). Esta forma de relação marcará o aparelho psíquico
do sujeito de forma estruturante e poderá ser atualizada ao longo de toda a vida
posterior do mesmo.
Neste sentido, o desenvolvimento humano em quatro fases: 1) fase oral, de 0
a 2 anos; 2) fase anal, de 2 a 3 anos; 3) fase fálica, de 3 a 6 anos; e 4) fase genital,
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 40
11/12 anos (puberdade) em diante. Entre a fase fálica e a fase genital, a criança
atravessa o período de latência, onde a libido não está investida no corpo, mas fora
do mesmo. É o momento da aprendizagem formal, descoberta de hobbies, formação
dos grupos de amigos, entre outros.

OBJETIVOS

1) Introduzir noções básicas de psicanálise;


2) Explicar o aparelho psíquico, composto pelas instâncias ID, EGO e
SUPEREGO;
3) Apresentar o modelo de desenvolvimento psicossexual.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 41
3.1 – Conceitos Básicos de Psicanálise

O início da Psicanálise está vinculado à histeria, transtorno psíquico que gerava


um sintoma no corpo. Tanto que Freud, devido ao seu interesse pela histeria vai
estudar com outro médico francês que ganhou notoriedade desenvolvendo o
tratamento de pessoas histéricas com a hipnose, Jean Charcot. (RAPPAPORT;
DAVIS; FIORI, 1981) Para Charcot, a histeria era uma incapacidade congênita de
integração psíquica. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981, p.12)

Freud usa uma boa imagem parara representar a teoria de Charcot,


comparando a histeria a histeria a uma mulher sobrecarregada de
pacotes, que não lhe cabem nos braços. Um deles cai e, ao abaixar-se
para apanhá-lo, outro se precipita. Ou seja, é como se o psiquismo,
inatamente frágil, apresentasse uma defasagem na coordenação de
suas funções. (ibid.)

O nome histeria vem do grego Hyster, ou útero. Tal denominação surge devido
a crença de que a histeria estaria vinculada à sexualidade. Seus sintomas apareciam
em forma de cegueira, surdez, paralisia, entre outros, sem que houvesse qualquer
questão neurológica evidenciada.
Neste sentido, o grupo de médicos que Freud pertencia, entendia que, por conta
de algum evento traumático, as pessoas reprimiam na memória este conhecimento e,
tal fator, desencadeava os sintomas corporais. Devido a este processo de
“esquecimento” 1 do que havia gerado o sofrimento psíquico, iniciou-se a utilização da
hipnose 2 como método para se chegar ao evento traumático “escondido”, e
consequentemente, possibilitar a liberação do sintoma corporal. A ideia era de que, se
o paciente conseguisse lembrar do evento traumático e liberasse o afeto (ou as
emoções) reprimidas juto com o trauma, paciente também estaria “curado” dos
sintomas.

1 Este “esquecimento” denominado de repressão ou recalque na Psicanálise.


2 A hipnose pode ser entendida como a alteração do estado de consciência, onde o paciente fica mais suscetível à
indução dos comandos do psicoterapeuta.
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 42
O caso de Ana O. é emblemático para construção da teoria. A paciente iniciou
com quadro de paralisia, movimentos oculares inquietos, tosse nervosa e hidrofobia e
estados de absence que teve início com o falecimento do pai. Na terapêutica da
paciente, foi aplicada a hipnose para que a mesma recordasse o que havia suscitado
os sintomas e, quando os eventos eram relatados durante o estado hipnótico, os
mesmos desapareciam quando ela voltava ao estado normal de consciência.
(RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)
Desta forma, percebe-se a ocorrência de um evento traumático reprimido, que
não faz parte da percepção consciente, e que ao ser recordado em estado alterado de
consciência, e guiado por um especialista, permitia a vivência da emoção reprimida.
Ou seja, a recordação consciente do trauma, com a correspondente descarga de
emoções reprimidas, faz com que os sintomas desapareçam. Este método ficou
conhecido como método catártico, e será abandoado posteriormente por Freud, da
mesma forma que a hipnose, quando Freud assume como técnica a associação livre.
Diante da evidência de que haviam conteúdos que eram esquecidos
deliberadamente pelo aparelho psíquico para evitar o sofrimento e que tal processo
não estava na ordem da razão ou consciência dos pacientes, Freud estabelece as
noções de inconsciente e recalque ou repressão. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)

A teoria de origem da neurose, elaborada por Breuer, baseava-se nos estados


de “absence”. Julgada ele que as histéricas seriam sujeitas a estes estados,
e, quando dentro deles, a capacidade de elaboração de eventos afetivos seria
reduzida. Isto significa que, durante o aparecimento destes estados, o sujeito
não teria condições de absorver ou integrar eventos psíquicos dolorosos. Os
traumas então sofridos não poderiam ser percebidos pela consciência. Eles
passariam direto para o inconsciente, lá permanecendo enquistados e sem
elaboração. A reação do organismo ao trauma enquistado produziria o
sintoma. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981, p. 17)

A ideia de inconsciente já existia como “aquilo que estava fora da consciência”,


porém a psicanálise, através das noções de inconsciente e posteriormente ID, instaura
a ideia de instância psíquica, algo que determina quem somos.

Estudos sobre a histeria, publicados por Freud e Breuer em 1895, constituem


o primeiro trabalho de repercussão da psicanálise. Algumas conclusões, tiradas

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 43
destes primeiros casos, já definem a relação consciente e inconsciente. Fica
estabelecida a existência de uma vida psíquica inconsciente, paralela à
consciência, e que pode ser dominante desta. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI,
1981, p. 17)

Com a noção de recalque ou repressão, Freud apresenta o primeiro modelo de


aparelho psíquico, ou modelo Topológico (dos lugares psíquicos), constituído pelo
inconsciente, pré-consciente e consciente.
Neste modelo, o inconsciente abarcaria tudo aquilo que é reprimido e que não
está acessível diretamente à consciência. É neste “lugar” onde permanecem as
lembranças ameaçadoras ou conteúdos sexuais e agressivos. Para a “barreira” da
resistência e entrar na consciência, estes conteúdos são modificados e distorcidos,
como os sonhos.
O segundo nível psíquico é o pré-consciente, que seria uma “extensão” da
consciência e com conteúdo acessível a esta, porém que não estaria em seu domínio
imediato. O terceiro nível seria a consciência, onde a pessoa se reconhece e aonde
encontra-se o foco atual e temporal do presente. A consciência é, ainda, aonde ocorre
a experiência da percepção do mundo externo. (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999)

Figura 8 – O modelo Topológico


Recalque
RESISTÊNCIA

PRÉ-
INCONSCIENTE CONSCIENTE CONSCIENTE Evento
traumático

Conteúdo recalcado

Entretanto, tal modelo não dava conta de explicar o jogo de forças entre a
consciência e o inconsciente, com os processos de recalque e resistência, o que faz
com que Freud, introduza a 2ª Tópica, ou o seu modelo psicodinâmico (da dinâmica
psíquica).

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 44
Embora pudessem explicar a dimensão do conflito interno, os conceitos de
consciente e inconsciente não puderam responder a algumas questões
levantadas. Por exemplo, se por motivo éticos ou estéticos, o consciente não
podia suportar a percepção, de uma vivência e mantinha permanentemente
a resistência bloqueando esta percepção, isto poderia ser visto como uma
indicação inexplicável de que o consciente sabia o que não queria saber. (...)
Como aceitar este processo? De onde partia a repressão? E onde estavam
localizadas as ditas aspirações éticas e estéticas que desencadeavam a
repressão? Seriam conscientes ou inconscientes? Ou ambas? (RAPPAPORT;
DAVIS; FIORI, 1981, p. 20)

Em 1920, Freud faz a “viragem” do modelo psicanalítico, onde os conceitos de


consciente e inconsciente dão lugar a três constructos psicanalíticos que comporão o
modelo psicodinâmico de estruturação da personalidade: ID, EGO e SUPEREGO.
O ID é a instância mais primitiva da personalidade, a partir do qual surgem o
EGO e o SUPEREGO. Ao nascimento, a pessoa é puro ID. É nesta instância que está a
libido, ou energia afetiva primordial, e que norteia a pessoa na sua relação com o
mundo para a satisfação de suas necessidades.
O processo ocorre da seguinte forma: 1) surge uma necessidade orgânica,
gerando um desequilíbrio na homeostase do corpo; 2) o organismo sente uma
carência; 3) esta carência mobiliza as energias do indivíduo em direção ao objeto que
possa lhe prover a satisfação e fazer com que o corpo volte à homeostase. No vínculo
que ocorre entre a necessidade e seu objeto de satisfação, também aparece o afeto,
ou o vínculo afetivo. Se tal “caminho” gera o prazer de satisfazer a necessidade e
retornar ao corpo sua homeostase, cada vez que o corpo estiver numa situação
semelhante, este mesmo “caminho” será percorrido.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 45
Figura 9 – A construção da memória inconsciente

Necessidade orgânica/
Desequilíbrio corporal
3 4

Prazer; construção de memória Homeostase/ Volta ao


inconsciente (marca mnêmica) equilíbrio orgânico

Neste sentido, o ID não é simplesmente um conjunto de desejos ou conteúdos


reprimidos, mas a fonte de energia psíquica e o gerador das imagens que organizarão
a canalização a energia psíquica para os objetivos da vida.
As características do ID são: (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)

1) Provoca o processo primário – refere-se à alucinação do objeto de desejo.


Diante de uma situação de desequilíbrio (orgânico, afetivo), ocorre o
surgimento do desejo. Este processo convoca o ID a produzir a imagem 5,
no plano simbólico, do objeto que ocasionará a sua satisfação. Esta imagem
provoca, num primeiro momento, uma satisfação alucinatória. Entretanto,
como o objeto não é real, o desejo não consegue ser satisfeito e, por conta
disso, o EGO (mediador entre a realidade psíquica e o mundo concreto) será
impulsionado a recorrer à realidade para produzir a satisfação da
necessidade na prática.

2) Funciona através do princípio do prazer – deseja a satisfação imediata das


necessidades, sem considerar sua viabilidade à realidade ou não. Neste

3 Fonte: https://br.pinterest.com/pin/552957660482502489/?lp=true
4 Fonte: http://educamais.com/desenhos-para-dia-da-mae/
5 Esta imagem do objeto de desejo pode ser sensorial, tendo em vista que o bebê pequeno não possui conceito ou

imagem visual capaz de evocar, nem possui o senso de fantasia ou realidade.


PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 46
sentido, primeiramente provoca o processo primário. Após o
desenvolvimento do EGO, esta instância será a responsável pela mediação
entre ID, SUPEREGO e realidade, com o objetivo de obter a satisfação das
necessidades dentro das possibilidades do real.

3) Inexistência do princípio da não-contradição, tendo em vista que não


funciona pela lógica do real, pode comportar desejos contraditórios e
excludentes. Desta forma é possível desejos e realidades fantasmáticas
excludentes, como desejar e não desejar a mesma coisa, pessoa e objeto.

4) É atemporal, não há passado nem futuro, somente o presente. Não funciona


pela lógica da cronologia do tempo. Quando se recorda algo inconsciente,
na verdade se revive aquilo.

5) É constituído como linguagem e funciona pela produção de imagens


sensoriais, que podem ser visuais ou não. Como exemplo, tem-se os sonhos.

6) Trabalha pelos processos de condensação e deslocamento:

a. Condensação – agrupamento numa única imagem de características


pertencentes a várias memórias. Como exemplo, tem-se os sonhos
onde um personagem agrupa características de várias pessoas que
se conhece.

b. Deslocamento – as características de um processo são transferidas


para outro. Como exemplo, pode-se citar o processo de sentir que
conhece uma pessoa desconhecida, porque ela apresenta
características de outras pessoas conhecidas.

7) O ID não é o inconsciente, mas é fundamentalmente uma instância


inconsciente e todos os seus processos são estruturados conexão com a
consciência. Alguns desejos oriundos do ID, quando não são reprimidos,
podem ser percebidos pela consciência, após sua transformação, como por
exemplo os sonhos.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 47
O EGO é a segunda instância psíquica que aparece a partir da relação entre o
ID e o mundo externo. O EGO se diferencia do ID como um processo evolutivo do
sujeito, visto que esta instância traz o juízo de realidade. O EGO faz a mediação entre
o desejo do ID e as possibilidades da realidade.
Para o surgimento do EGO, é importante que na primeira etapa da vida, o
cuidador se faça presente a cada necessidade do bebê. Esta presentificação constante
traz a ideia, para o aparelho psíquico, que há algo que é interno e algo que é externo,
ou seja, o mundo extra corporal. É a partir desta percepção que o EGO produz, aos
poucos o juízo de realidade, e a pessoa entende o que é fantasia ou o que é real.
As características do EGO são: (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)
1) Propicia o juízo de realidade. Considera as necessidades e o desejo do ID e
intermedeia sua satisfação através do processo secundário, no sentido de
viabilizar a satisfação das necessidades considerando as possibilidades da
realidade.
2) Mediador entre os processos internos do ID e do SUPEREGO e a relação
destes com a realidade. O EGO estabelece os limites de censura imposta
pelo SUPEREGO com relação à moralidade e, também, com relação aos
desejos do ID.
3) Considerado o setor mais organizado e atual da personalidade, onde a
pessoa se reconhece enquanto SER único e singular. É aonde está a
identidade. Cabe ao EGO ajudar a pessoa na sua adaptação à realidade.
4) “Local” das capacidades lógicas do pensamento, envolvendo a memória e o
pensamento lógico e operatório.
5) Regula a motilidade (ou movimento), o esquema corporal e a atuação do
corpo no mundo concreto. É por isto que quando o EGO está enfraquecido
por distúrbios afetivos, a motricidade fica prejudicada.
6) Organiza a simbolização através da linguagem, transformando as fantasias
do ID de forma que seja possível sua compreensão e elaboração de forma
a construir a memória e atuar no mundo real.
7) O Ego é uma instância adaptativa que media a relação do psíquico com o
mundo externo, então também é responsável pela percepção e elaboração

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 48
dos riscos que podem ameaçar a vida e sobrevivência da pessoa. Neste
sentido se constitui no lugar simbólico da angústia, que pode ser:
a) Angústia real – corresponde ao medo que mobiliza o sujeito diante
de uma perspectiva de agressão real;
b) Angústia neurótica – receio existente no EGO de que o ID prevaleça,
ou seja, de que os desejos prevaleçam sobre os dados da realidade
e que haja, consequentemente, sua aniquilação;
c) Angústia moral – sentimento acusatório em relação a si mesmo
considerando-se culpado e mau. Tal sentimento está vinculado a
ação de um SUPEREGO rigoroso.

O SUPEREGO é a terceira instância da personalidade, que estrutura a parte


interna dos valores morais e da ética. É responsável pela internalização das normas
referentes ao que é moralmente proibido ou valorizado e que deverá ser buscado.
Divide-se em duas partes: (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)

a) EGO IDEAL – corresponde aos valores construídos pelo grupo e


internalizados, valorizados pelo grupo cultural, os quais o sujeito deve
procurar seguir. Esta instância tende a direcionar o sujeito no
enquadramento deste modelo;

b) CONSCIÊNCIA MORAL – corresponde à internalização dos limites e


proibições.

O SUPEREGO é uma das instâncias fundamentais para a vida coletiva porque


viabiliza a dimensão ética da humanidade. Através do limite do SUPEREGO ou da Lei
Simbólica introjetada, as pessoas entendem que não podem fazer tudo o que desejam,
que há limites de convivência, como as leis que regulam os Estados. Entretanto, muitas
vezes este limite introjetado se torna muito grande e neurotiza o sujeito, imobilizando-
o, prejudicando seu potencial produtivo e criativo. Se os valores do EGO IDEAL são
muito grandes e impossíveis de se alcançar, a pessoa pode ficar imobilizada diante do
medo de sua impotência.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 49
3.2 – O desenvolvimento Psicossexual

O desenvolvimento humano, segundo a Psicanálise está vinculado a ideia de


sexualidade infantil e a libido. A sexualidade infantil, referida por Freud, não é a mesma
que a sexualidade genital adulta e está para além dessa.
A sexualidade refere-se a um corpo e seu funcionamento voltados para o prazer
e para a satisfação das necessidades, onde tudo o que satisfaz e proporciona prazer é
de ordem sexual. Considerando que todo vínculo afetivo de prazer é erótico/ sexual,
então a psicanálise refere-se a uma sexualidade num sentido amplo e não a uma
sexualidade estritamente voltada para o prazer genital. Por exemplo, quando se produz
algo no trabalho ou como hobby e se sente prazer, este prazer, para a psicanálise, é
de ordem sexual. A sexualidade genital é uma parte da sexualidade mais ampla e
abrangente que as pessoas possuem, que não se limita àquela.
Esta sexualidade, energia sexual ou energia afetiva primordial, também é
conhecida como LIBIDO. A libido impulsiona a vida e a satisfação das necessidades;
impulsiona as produções afetivas e laborais. É a libido que incita de tudo o que é
realizado e produzido pelas pessoas. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)
Neste sentido, a libido também está vinculada ao desenvolvimento humano.
Para a Psicanálise, o desenvolvimento possui fases típicas, que são determinadas pelo
investimento libidinal em determinadas partes do corpo. Então, podemos definir uma
fase do desenvolvimento como “a organização da libido, em torno de uma zona
erógena, dando uma fantasia básica e uma modalidade de relação de objeto.”
(RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981, p. 33)
O corpo infantil, para Freud, é um corpo erógeno, ou seja, voltado para o prazer
que se desenvolve na relação com o mundo e a partir do investimento libidinal na
parte do corpo que está em evidência naquele momento. O organismo possui uma
tendência natural no desenvolvimento das fases.

Ao organizar-se progressivamente em torno de zonas erógenas, a libido


caracterizará três fases de desenvolvimento infantil: a fase oral, a fase anal e
a fase fálica, um período intermediário ou período de latência, e uma fase
final, de organização adulta, a genital. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981, p.
34)

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 50
A primeira fase é a oral e a libido está investida na boca, que é o órgão mais
desenvolvido nesta etapa de desenvolvimento que vai de 0 a 2 anos de idade.
Ao nascimento, o organismo do bebê, que estava totalmente vinculado ao corpo
materno e que não precisava de sustentação independente, sofre com o rompimento
do cordão umbilical e com a interrupção da relação simbiótica com o organismo da
mãe. Este rompimento, faz com que o organismo do bebê precise lutar para
sobreviver, gerando a ANGÚSTIA do nascimento e uma marca profunda de FALTA na
no psiquismo inconsciente da criança. Esta falta fundamental, gerada pela ruptura do
equilíbrio orgânico (ou homeostase), devido à separação do corpo do bebê com sua
mãe, é fundamental para o processo psíquico e o desenvolvimento da pessoa. É
porque falta algo, que a energia libidinal mobiliza o organismo para satisfazer as
necessidades, viabilizando sua relação com o mundo, a construção simbólica e o
desenvolvimento das funções cognitivas que fazem parte do repertório humano.

Ao nascer o bebê perde a relação simbiótica pré-natal que possuía com a mãe,
e a satisfação plena da vida intrauterina. Com o do corte do cordão, a
separação é irreversível, e a criança deve iniciar sua adaptação ao meio. (...)
Com o corte do cordão, bloqueia-se o afluxo do oxigênio materno. A carência
é sentida e o organismo já luta para sobreviver. (...) É preciso reagir, inspirar,
introjeta o mundo externo. Ou se recebe o externo, ou se deixa de viver”
(RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981, p. 35)

Neste momento, o organismo luta pela manutenção da homeostase. É através


da boca que a criança lutará pela sua existência e iniciará seu relacionamento com o
mundo externo. Tudo passa pela boca do bebê, é através dela que ele conhece o
mundo. É também através da boca, que o bebê inicia suas relações objetais, ou
processo de amor com os objetos que estruturarão, inconscientemente, seus objetos
de desejo e sua vida afetiva futura.
Inicialmente a criança nasce com um corpo de reflexos (alimentar, postural e
defensivo) a partir dos quais será estabelecida a simbolização e a estruturação do real
a partir da percepção que a criança possui do meio e a consequente representação do
mesmo. O reflexo de sucção é inato (existente ao nascimento) e é desencadeado pela

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 51
colocação de qualquer objeto na boca (mamilo, dedo) ou pelo toque na bochecha.
(RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)
Freud percebe que a sucção ocorre muitas vezes sem estar vinculada a
necessidade de alimentação, mas que o bebê gosta e sente prazer ao sugar o seio
materno. Nesta perspectiva, o seio materno é o primeiro objeto de ligação emocional
infantil, primeiro objeto que receberá sentimentos de amor e ódio e possibilidade inicial
de estabelecimento de relação afetiva com algo externo. Este vínculo de prazer inicial
será o fundamento das futuras relações afetivas da pessoa.

Este processo de progressivas ligações emocionais, que denominamos


desenvolvimento das relações objetais, começa com o amor que a criança
inicialmente dirige ao seio. Posteriormente, o afeto reconhecerá a mãe, o pai,
as outras pessoas e objetos do mundo, até a futura constituição de afetividade
genital adulta. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981, p. 37)

A descoberta afetiva principal é o seio materno, aquele que alimenta e traz a


vida, mas que também pode ser mal quando não está presenta para satisfazer as
necessidades biológicas ou afetivas.
Simbolicamente, o processo estabelecido de relação com o mundo é o da
introjeção ou incorporação. Incorporação do leite, do seio, do ar e do mundo. Se a
maternagem for positiva e satisfatória, a incorporação será de um mundo bom, viável
para se viver e que provoca segurança de que as necessidades essenciais serão
atendidas. Caso contrário, o mundo será sentido como hostil, provocando uma
sensibilidade exacerbada no aparelho psíquico, através de uma concentração libidinal
nesta fase, o que poderá provocar fragilidades no aparelho psíquico, detonando,
posteriormente, transtornos mentais ou de personalidade.

Mamar e sentir prazer é sentir que o leite é bom, que o seio é bom, que a mãe
é boa, que o mundo é bom. Esta sensação é correlata a sentir que colocou
dentro de si objetos do mundo externo que são bons e, portanto, que há coisas
boas dentro de si. Por isto a maternagem é fundamental para que a criança se
sinta amada e adequada. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981, p. 32)

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 52
Os processos simbólicos de incorporação-projeção acarretam a identificação
projetiva da criança em relação ao mundo, ou seja, se o mundo é bom, ela incorpora
o mundo bom e, como a sensação inicial é de que ela está misturada ao ambiente, de
que não existe uma separação entre o mundo interno e externo, o ambiente torna-se
uma extensão projetiva dela (criança). Introjetar um mundo bom, significa que ela é
boa e adequada. Por outro lado, introjetar um mundo mau, significa que ela é
inadequada e má. A maternagem adequada faz toda a diferença neste aspecto para a
construção de uma imagem corporal ou autoconceito adequado e seguro pelo bebê.

A segunda fase é a anal, que acontece entre o segundo e o terceiro ano de


vida e a onde a libido concentra-se na zona erógena anal. Nesta fase a criança começa
a controlar os esfíncteres anal e urinário e ocorre o processo de retirada das fraldas.
O prazer é sentido a partir do controle dos esfíncteres e as fezes adquirem uma
importância fundamental, porque são simbolizadas como o primeiro produto exclusivo
da criança.

Nesta etapa de desenvolvimento, tem-se ainda o desenvolvimento psicomotor


de base, evidenciando a maturação do controle muscular da criança na fala, no andar,
no controle dos esfíncteres e na preensão (desenvolvendo a precisão na pinça
indicador-polegar). O desenvolvimento da autonomia também será evidenciado, onde
a criança inicia seu exercício demonstrando aquilo que deseja ou não. (RAPPAPORT;
DAVIS; FIORI, 1981)
Na dimensão simbólica, tem-se dois processos que se organizam: 1) com
relação ao conteúdo (fezes) – ou seja, a fantasia de elaboração dos primeiros produtos
que coloca no mundo; 2) modelo de relação estabelecido com o mundo através destes
produtos (projeção e o controle). A projeção é considerada, simbolicamente, a ideia
de dar o produto ao mundo. O controle significa a autonomia de reter ou dar aquilo
que produziu para as pessoas de referência. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)

Em termos psicanalíticos, o estabelecimento destes primeiros


produtos, ou seja, das trocas, não é simplesmente um processo
estanque de dar ou receber. Implica numa modalidade psicológica
ampla, que envolve basicamente “como o mundo receberá o que a
criança é capaz de produzir”. A socialização e a internalização de
valores estarão ligadas à receptividade que seus produtos terão no
mundo. Isto lhe dará a dimensão de sua capacidade de produzir coisas
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 53
boas, de sentir que pode entrar para o mundo, pois ela é boa e aceita,
e seus produtos são bons e geradores de amor. (RAPPAPORT; DAVIS;
FIORI, 1981, p.5)

A forma como o mundo recebe os produtos da criança, é elaborado


simbolicamente e embasa a construção de como a criança entenderá sua relação no
mundo relacionado aos produtos que cria. Os produtos da vida não se limitam a tarefas
rotineiras, mas tudo aquilo que criativamente o ser humano produz em sua vida, como
o trabalho, família, hobby, relações de amizade.
Então, se na fase oral a importância é o entendimento de que a criança existe
de forma separada do mundo, ou seja, a construção inicial da identidade e, também,
do modelo de relações afetivas, na etapa anal é evidenciado o fundamento da relação
que a pessoa terá com a sua criatividade, empreendedorismo e produção durante a
vida.

A terceira fase é a fálica e ocorre em torno do terceiro ano de vida. A libido


passa a ser dirigida para os genitais, acarretando o interesse infantil pelos órgãos
sexuais e pelas diferenças anatômicas entre meninos e meninas. Entretanto estas
diferenças não estão centralizadas realmente nas diferenças sexuais, mas em quem
tem ou não o pênis, onde o menino entende que possui e a menina é aquela que não
possui.

A erotização dos genitais dirigirá o interesse infantil para a percepção


das diferenças anatômicas. Num primeiro momento, a fantasia infantil
nega a ausência do pênis na mulher. O menino concentra sua atenção
em seu pênis, e a menina valoriza o clitóris como sendo um pequeno
pênis, semelhante ao masculino e que se desenvolverá. (...). Nestes
termos, a erotização que surgirá é uma erotização fálica, e a fantasia
de que ambos são portadores de pênis enfrentará o teste da realidade.
(RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981, p.14)

Neste momento a masturbação é comum e deixa pais e professores, por vezes,


constrangidos. Esta masturbação tem vínculo com o prazer genital, mas não com a
sexualidade genital adulta e refere-se ao momento de descobrimento do corpo, das
diferenças corporais entre homens e mulheres. Por este motivo, esta etapa inicia o

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 54
processo de desenvolvimento das identidades sexuais e de gênero, ou seja, a
organização dos modelos de identificação masculino e feminino.
Como as crianças começam a identificar que existem diferenças entre homens
e mulheres, também ficam curiosos sobre os tipos de relacionamento afetivo existente
entre as pessoas. Por exemplo, entendem que existe uma diferença entre namorados,
que são mais que amigos, como o pai e a mãe. Entretanto não sabem dizer qual
diferença é esta. Isto ocorre exatamente porque não sabem o que é a sexualidade
genital adulta, que será desenvolvida a partir da puberdade.

Por conta deste processo de identificação de gênero e descobrimento dos tipos


de relação afetivas existentes, esta etapa é fundamental para a construção da noção
de respeito entre os gêneros, entre a família, pois é o momento onde ele vai construir
a base do modelo familiar que será repetida pela vida afora; é quando meninos e
meninas aprendem a amar.

Nesta fase acontece o Complexo de Édipo, considerado o ponto central da


organização afetiva dentro do modelo psicanalítico (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981,
44) A referência utilizada é o Mito de “Édipo Rei”, de Sófocles.

Na triangulação edípica, a libido, investida nos genitais, acarreta a busca pelo


sexo oposto, como uma herança filogenética, no sentido de perpetuação da espécie.
Entretanto, como já mencionado anteriormente, a sexualidade infantil não é a
sexualidade genital adulta. Esta busca pelo sexo oposto, está simbólica e
organicamente vinculada ao prazer e a descoberta de que não se pode ter tudo, ou
seja, no caso, que os filhos não podem satisfazer suas necessidades corpóreas sexuais
e filogenética de perpetuação da espécie com os próprios pais. Esta etapa é
fundamental para a introjeção daquilo que se chama de LEI SIMBÓLICA e para a
constituição do SUPEREGO e organização dos aspectos morais e éticos posteriores da
personalidade. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)

Entre os 7 e 11/12 anos, aproximadamente, ocorre o período de latência que


não é considerada uma fase, pois não há organização libidinal em alguma zona
erógena no corpo. Neste período há uma repressão da energia sexual, canalizando
seu investimento para outras finalidades. Estando os fins eróticos vedados, ela é

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 55
canalizada para o desenvolvimento intelectual e social da criança, através da
sublimação. Este período culmina com um grande desenvolvimento intelectual e
cognitivo, o período da escolarização formal. (RAPPAPORT; DAVIS; FIORI, 1981)

A fase genital, surge a partir da puberdade e significa, para Freud, alcançar


atingir o pleno desenvolvimento do adulto normal, concretamente realizado na
possibilidade de amar e produzir. As adaptações biológicas e psicológicas foram
realizadas. Aprendeu a amar e a competir. Discriminou seu papel sexual. Desenvolveu-
se intelectual e socialmente. Agora é a hora das realizações: (RAPPAPORT; DAVIS;
FIORI, 1981, p.45) profissionais, constituição da família, criação dos filhos, etc. A
grande mudança com relação à fase fálica é a busca pelo prazer sexual adulto a partir
de relações heterossexuais possíveis.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 56
Conclusão

Esta apostila teve como objetivo aprofundar alguns aspectos teóricos abordados
nas aulas da disciplina Desenvolvimento Humano da Pós-graduação em
Psicopedagogia Clínica e Institucional.
Para tanto, apresentou, no que se refere ao desenvolvimento humano, as
Teorias do Ciclo Vital e a Psicanalítica, com a finalidade de esclarecer ao aluno algumas
questões mais biológicas e afetivas que permeiam a construção da personalidade
humana.
Este trabalho também articulou as noções de personalidade e desenvolvimento
humano, visto que, na prática, conhecemos uma pessoa com uma determinada
personalidade e, só então, no decorrer do trabalho psicopedagógico é que poderemos
traçar hipóteses relacionadas aos porquês dos comportamentos. O entendimento,
mesmo que básico, do que a Psicologia considera como personalidade torna-se, então,
imprescindível para qualquer profissional que pretende trabalhar com pessoas e
necessário para o conhecimento sobre aquelas que apresentam possíveis problemas
de comportamento ou aprendizagem.
É importante salientar que existem diversas possibilidades teóricas para abordar
estas temáticas e que não houve a pretensão de esgotá-las. A ideia foi apresentar
conceitos de uma pequena parte deste universo e incitar o aluno ao aprofundamento,
através de pesquisa, de mais fontes e abordagens que explicam sob outras
perspectivas teóricas o desenvolvimento humano e a construção da personalidade das
pessoas.
Por fim, esperamos que este trabalho seja um suporte para as aulas e para a
prática profissional.

Obrigada.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 57
Referências Bibliográficas

Ariès, Phillipe. A história social da criança e da família – 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC
editora, 1981.

Aberastury, Arminda; Knobel, Maurice. Adolescência Normal - Um Enfoque


Psicanalítico. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.

Bock, Ana Mercês Bahia; Furtado, Odair; Teixeira, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias:
uma introdução ao estudo de Psicologia – 13ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.

Feist, Gregory J.; Feist, Jess; Roberts, Tommi-Ann. Teorias da Personalidade - 8ª Ed.
Porto Alegre: AMGH, 2015.

Feldman, Robert S. Introdução à Psicologia – 10ª ed. Porto Alegre: AMGH Editira Ltda.,
2015.

Kleinman, Paul. Tudo o que você precisa saber sobre Psicologia. São Paulo: Editora
Gente, 2015.

Myers, David G. Psicologia – 9ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012.

Papalia, Diane E.; Olds, Sally Wendkos. Desenvolvimento Humano. Porto Alegre: Amgh
Editora, 2006.

Rappaport, Clara Regina; Fiori, Wagner da Rocha; David, Claudia. Psicologia do


Desenvolvimento - Volume 1. São Paulo: EPU, 2012.

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 58

Você também pode gostar