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Literatura, Colonialismo e Pós-colonialismo

Resenha da Introdução de Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente1

Por Lara Pettignano

Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente é um livro escrito por Edward Wadie Said
e publicado em 1978 e é uma obra fundamental na bibliografia dos estudos pós-coloniais.
Said foi um intelectual comprometido com a causa da libertação palestina. Nasceu em
Jerusalém, a 15 de novembro de 1935, no seio de uma família de padres libaneses e religião
anglicana. Aos 15 anos, mudou-se a Massachusetts e formou-se em Literatura nas
Universidades de Princeton e Harvard. Foi crítico literário, musicólogo, professor e ativista.

Said viveu sempre consciente de seu ‘ser árabe’, tendo que lidar com o desprezo tanto por
ser cidadão estadunidense no Oriente como árabe nos Estados Unidos. De certo modo, sua
obra tenta desarmar os estereótipos dos orientais que construíram os preconceitos com que
ele se sente julgado. Ele fala que “a vida de um árabe palestino no Ocidente, especialmente
nos Estados Unidos, é desanimadora. Existe aqui um consenso quase unânime de que
politicamente ele não existe e, quando é admitido que ele existe, é como um incômodo ou
como um oriental” (Said, p. 38). Aos 67 anos e por causa de uma leucemia, faleceu em 25 de
setembro de 2009.

Orientalismo foi uma das obras fundacionais no âmbito dos estudos pós-coloniais. Nela, o
autor põe em evidência o papel do Ocidente na construção e conservação de uma visão do
mundo que subjuga parte dele e beneficia a outra. A obra pretende ser uma análise e
descrição da ascensão, desenvolvimento e consolidação do orientalismo. Em uma introdução
e três capítulos, Said revisa as complexas relações econômicas, políticas, sociais e culturais
que se estabelecem (e se estabeleceram historicamente) entre Oriente e Ocidente.

A introdução da obra se divide em três partes. Na primeira, o autor começa definir o que é o
Oriente e que são os estudos orientalistas. Esclarece para o Orientalismo três sentidos: o
sentido acadêmico; o sentido geral ou imaginativo, que se relaciona com a redução da
diversidade do mundo á Ocidente e Oriente, e o sentido mais material, que têm que ver com
os discursos e instituições ocidentais preparadas para dominar e ter autoridade sobre
Oriente.

Na segunda parte, o autor define os limites do corpus e estabelece que o mesmo estará
composto de um número geroso de livros e autores e o conjunto de gerações históricas que
conformam a ideia de o Oriente para os ocidentais. Também estipula uma série de
qualificações razoáveis para a leitura do texto: 1) Mesmo que Oriente seja uma ideia
relacionada com a realidade, elas não se correspondem; 2) As idéias, culturas e histórias não
podem ser estudadas sem que a sua configuração de poder seja estudada também; 3)
Embora a idéia do Oriente não se corresponde totalmente com a realidade, o poder do
discurso orientalista e o conjunto de conhecimentos que gera é fundamental no
estabelecimento (e conservação) das relações de poder entre Oriente e Ocidente e na
concepção cultural ocidental de Oriente.

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Said, E. W. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. Tomás Rosa Bueno, trad. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.

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Literatura, Colonialismo e Pós-colonialismo

Já na terceira parte é falado das dificuldades metodológicas que o estudo poderia trazer. Com
base nisso, explica três aspectos da realidade contemporânea que podem ajudar a sortear
essas dificuldades. O primeiro aspecto refere-se à distinção entre conhecimento puro e
conhecimento político. Sobre isso, fala da concepção errônea que leva pensar que o
conhecimento verdadeiro é ‘apolítico’ e que o conhecimento abertamente político não é
verdadeiro ou é mais só parcialmente. Nesse sentido, reafirma a impossibilidade do sujeito de
produzir conhecimento apolítico e aponta que todo conhecimento nos estudos orientais está
marcado por um atravessamento das condições sócio-históricas do sujeito que escreve, ou
seja, de um sujeito ocidental. Sobre isso, fala: “[...] o orientalismo [...] faz-nos perceber que o
imperialismo político domina todo um campo de estudo, imaginação e instituições eruditas -,
de tal modo que torna o fato impossível de ser ignorado intelectual e historicamente” (Said, p.
25).

O segundo aspecto refere-se às questões metodológicas do estudo em relação a duas


coisas: a definição do ponto de partida sobre o qual começar investigar e a precisão dos
textos, autores e períodos mais adequados para a pesquisa. Sobre o ponto de partida, o
autor escolhe as experiências britânica, francesa e americana nas regiões orientais arábigas
e islamitas, considerando elas como uma unidade, embora não sejam totalmente
contemporâneas. Desse modo, a área de estudo reduz-se enormemente, mas deixando fora
uma grande porção do território oriental que poderia ou não se corresponder com as
hipóteses do estudo. O autor foi também criticado pela completa omissão sobre as
experiências de imperialização no mundo antigo.

Nessa parte, fala também dos dispositivos metodológicos empregados para a análise do
corpus e faz énfasis na importância de identificar a posição do autor em relação ao Oriente na
escrita de um texto, independentemente de que seja literário ou teórico. “O orientalismo tem
suas premissas na exterioridade, ou seja, no fato de que o orientalista, poeta ou erudito, faz
com que o Oriente fale, descreve o Oriente, torna os seus mistérios simples por e para o
Ocidente” (Said, p. 32). O objetivo de Said é analisar as representações do Oriente nos textos
não como descrições naturais e verdadeiras se não como representações das formas de
concebir o Oriente no imaginário ocidental, ou seja, do discurso orientalista.

O último aspecto tem que ver com a dimensão pessoal do estudo. A consciência de ‘ser
oriental’ que o autor carregou toda sua vida, especialmente negativa nos EEUU depois dos
anos 50, fizeram dele um sujeito interessado por estudar essa relação de dominação e
degradação de uns sobre outros e das verdadeiras implicações que esse ‘ser oriental’ tem.
Por último, se faz um breve comentário sobre a importância do mundo eletrônico e fílmico no
reforço dos estereótipos criados pelo orientalismo.

Como já mencionamos, Orientalismo é uma obra fundamental dentro da bibliografia dos


estudos pós-coloniais. Mas é válido também perguntar-se: até que ponto é o que o autor fala
se corresponde ao século XXI? Quais das conclusões do estudo são relevantes hoje e quais
precisam de ser revisadas? Tendo em conta não só o avanço da tecnologia e as facilidades
que oferece o intercâmbio cultural, mas também o câmbio de interesse nos estudos
acadêmicos, as novas concepções do Oriente (e do território oriental) na literatura atual e as
novas potências econômicas da era, é preciso se valer do grande estudo de Said mas
também reconhecer as limitações que o mesmo oferece numa época cuja característica mais
perceptível é a transformação constante.

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