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CONTESTAÇÕES A HIPÓTESE DOS MERCADOS EFICIENTES

Vicente Felix – Aluno do Curso de Graduação em Economia da Universidade do


Estado de Santa Catarina - DCE/UDESC

Resumo: A Hipótese dos mercados eficientes (HME), elaborada por Eugene Fama, é
um dos temas mais “polêmicos” envolvendo as teorias sobre finanças, segundo esta
hipótese, o mercado não apresenta brechas para lucros constantes acima da média,
sendo os preços dos ativos imprevisíveis. A literatura traz diversos estudos posteriores
que buscam desmentir as afirmações da HME, sendo os trabalhos no campo das
finanças comportamentais os que apresentam as críticas mais contundentes. Este artigo
visa apresentar as principais implicações da HME, bem como analisar os estudos que a
contestam.
Palavras-chave: Hipótese dos Mercados Eficientes; Finanças Comportamentais;
Anomalias Financeiras.

Classificação JEL: G00

1 Introdução
O advento das teorias microeconômicas que partem do pressuposto da
racionalidade dos agentes e suas capacidades de tomarem decisões ótimas através da
maximização de suas utilidades influenciou significativamente a forma como é
compreendido o mercado financeiro desde então. Diversas obras posteriores,
consideradas pilares da teoria de finanças moderna, como os trabalhos de Markowitz e
William Sharpe, “beberam” da teoria da utilidade e do investidor racional.
Um dos principais teóricos da teoria moderna de finanças é Eugene Fama, que
em sua dissertação de mestrado publicada em 1970, elaborou a Hipótese dos Mercados
Eficientes (HME). Segundo a HME, os mercados acionários centralizam as informações
disponíveis, e com base nelas, são criadas as melhores estimativas possíveis dos valores
fundamentais de ativos, basicamente, os preços dos ativos refletem a qualquer momento
seu real valor em relação a todas as informações do mercado e da economia. A HME
considera que o afastamento dos preços de seu real valor se deve a movimentos
aleatórios, sendo assim impossível explora-los de forma consistente.
A hipótese de Eugene Fama, desde sua publicação, é alvo de diversas críticas,
elaboradas tanto por profissionais do mercado financeiro quanto por acadêmicos
dedicados ao estudo da ciência econômica. As principais críticas dizem respeito ao
pressuposto da racionalidade dos investidores, desenvolvidas dentro do ramo das
finanças comportamentais, que considera vieses cognitivos e influências irracionais na
tomada de decisão dos agentes. Este trabalho pretende introduzir a Hipótese dos
Mercados Eficientes
e suas ramificações teóricas, bem como discorrer sobre as suas principais contestações
por parte dos pesquisadores das finanças comportamentais.

2 Metodologia
Este estudo pretende introduzir e discutir duas visões opostas sobre o
funcionamento dos mercados financeiros, a Hipótese dos Mercados Eficientes,
elaborada pelo economista Eugene Fama, e suas contestações realizadas pela
abordagem das finanças comportamentais, propostas por Daniel Kahneman, Amos
Tversky e Richard Thaler.

Para isso, o presente artigo se trata de uma pesquisa exploratória, que estabelece
os principais tópicos de ambas as visões e discute suas divergências. Esse tipo de
pesquisa se caracteriza por ser o primeiro passo em um processo de pesquisa, momento
no qual se tem o primeiro contato com determinado tema, de modo a descrever os
processos que estão sendo investigados, restringindo a definir objetivos e familiarizar o
pesquisador para que se aprofunde em temas específicos em outra oportunidade.

Quanto aos procedimentos utilizados, o estudo é classificado como uma pesquisa


bibliográfica, uma vez que visa explorar a literatura já escrita sobre determinado
assunto, de modo a compilar o que os autores buscam demonstrar com seus trabalhos.

3 Desenvolvimento
3.1 A HIPÓTESE DOS MERCADOS EFICIENTES
A hipótese dos mercados eficientes afirma que os mercados financeiros são
eficientes quanto à informação, ou seja, os preços do mercado sempre refletem todas as
informações existentes. Isso implica na impossibilidade de um agente superar
consistentemente os retornos médios do mercado como um todo em longo prazo, de
modo que qualquer estratégia que busque obter informações relevantes para conseguir
rendimentos acima da média seria frustrada, uma vez que toda informação já estaria
alocada no preço. Fama (1970).
A hipótese tem como pilar o modelo de Random Walk ou “Passeio Aleatório”
que orienta, segundo Cunningham (1994), que qualquer movimentação nos preços de
um ativo se dá de forma imprevisível e independente dos preços apresentados no
passado. Conforme Aldrighi (2005), entre outros pressupostos da HME estão a
concorrência perfeita, impedindo que a decisão isolada de um agente afete os preços do
mercado e as expectativas racionais e homogêneas, de modo que todos os investidores
tem igual acesso as informações e são capazes de processa-las de maneira ótima.
Em seu estudo, Fama (1970) distingue níveis de eficiência dos mercados: fraca,
semiforte e forte. O primeiro nível considera somente que os preços refletem toda a
informação histórica disponível, ao passo que novas informações iriam se incorporando
aos preços gradualmente, à medida que se tornassem públicas. Nessa lógica, técnicas de
investimento que buscam padrões entre preço atual e histórico seriam totalmente
ineficazes. O Nível semiforte afirma que todas as novas informações públicas seriam
rapidamente incorporadas ao preço, de modo que a única forma de se obter vantagem
seria com informações privadas de acesso limitado. O último nível descrito por Fama
supõe que toda e qualquer informação é instantaneamente incorporada ao preço dos
ativos, até mesmo as informações “privilegiadas”. Cabe ressaltar que a maior parte das
avaliações do HME tem foco nas formas de eficiência fraca e semi-forte e não adotam
uma posição extrema de que não existe uma operação lucrativa de ‘insiders’, como seria
requerido se a forma forte fosse mantida (Shleifer, 2000).
3.2 AS ANOMALIAS NOS MERCADOS FINANCEIROS
Desde a publicação da HME, diversos pesquisadores evidenciaram por meio de
análises empíricas a ocorrência de comportamentos anormais nos preços dos ativos, que
de certo modo questionam aspectos primários da eficiência dos mercados, esses
fenômenos são conhecidos como “anomalias” de mercado. A seguir são elencadas de
maneira breve as principais anomalias identificadas:
a) Bolhas financeiras
As bolhas financeiras são caracterizadas em situações nas quais os ativos de um
mercado começam a ser negociados por um preço muito acima do seu real valor,
existindo uma visão distorcida por parte dos investidores, com deslocamentos nos
fundamentos econômicos, gerando excessivo otimismo quanto ao desempenho dos
ativos. A rápida expansão no volume de negociações alimenta ainda mais as
expectativas otimistas que cercam o mercado, juntamente com a propagação nas
grandes mídias e a entrada de novos investidores tomados pela euforia. Essa euforia é
acompanhada de uma forte expansão nos níveis de crédito e alavancagem, tornando o
cenário altamente instável e especulativo, onde praticamente todos os participantes
pretendem obter lucros rápidos com a disparada dos preços. No momento em que
grandes investidores começam a realizar seus lucros, se dá início ao “estouro” da bolha,
o pessimismo começa a surgir e com isso o pânico dos investidores, que ao verem os
preços caindo buscam de maneira desesperada se livrarem dos ativos, isso leva a uma
queda abrupta dos preços e deixa grande parte dos acionistas em um enorme prejuízo,
além é claro dos efeitos adversos causados em todo o sistema econômico.
Aldrighi (2005) argumenta que a correlação existente entre o nível de emissões
de ações e o ciclo econômico põe em dúvida a eficiência dos mercados, em geral, a
emissão de novos papéis se concentra em períodos de prosperidade econômica e alta
nos mercados, enquanto a emissão de títulos da dívida ocorre em momentos de retração
e baixas taxas de juros.
b) Retornos previsíveis dos preços dos ativos
Uma das principais implicações da HME é a imprevisibilidade na movimentação
dos preços do mercado, porém, há evidências de que é possível prever os preços em
relação as informações disponíveis. Conforme Bondt e Thaler (1985), ações com alto
retorno em um período de tempo tendem a apresentar retornos baixos no período
subsequente, constatando que prevalece a tendência de retorno a média. Além disso, é
possível notar que empresas pequenas apresentam maior retorno ajustado, se comparado
a grandes empresas. Essas constatações se contrapõe a ideia básica da HME, pois se
caracterizam como oportunidades de ganhos acima da média, que são consideradas
inexistentes segundo a HME.
c) Flutuação dos preços dos ativos
Outra importante implicação da HME é a de que os preços dos ativos se movem
somente com o surgimento de novas informações aos investidores, entretanto, Shiller
(1981) evidencia que não há correlação entre as mudanças nos níveis de preços e o
surgimento de novas informações relevantes. Cutler (1989) demonstra que as variações
nos fundamentos macroeconômicos, como PIB, juros e inflação são insuficientes para
explicar a alta volatilidade nos preços. Dessa maneira, percebe-se que as flutuações dos
ativos se dão de maneira muito mais intensa do que as variações nas informações
disponíveis, constatação que vai de encontro à HME.
d) Manutenção de ativos perdedores
Os investidores tendem a liquidar rapidamente ativos que apresentaram bons
desempenhos, ao passo que mantêm em suas carteiras ativos que apresentam retornos
negativos. Ferris et al. (1988) constatou com base em dados dos investidores norte-
americanos que esse fenômeno, conhecido como aversão à perda, ocorre tanto nos
mercados acionários quanto de fundos mútuos e imobiliários.

3.3 FINANÇAS COMPORTAMENTAIS


As finanças comportamentais são um ramo de estudos da economia que buscam
entender a tomada de decisões no âmbito financeiro a partir da estrutura do
comportamento humano, incorporando conceitos da psicologia ao estudo das finanças.
Um dos grandes pilares dos estudos das finanças comportamentais são as anomalias de
mercado não explicadas pela HME, assim, os pesquisadores vinculados as finanças
comportamentais percebem limitações inerentes aos investidores que os distanciam do
conceito de agentes racionais, que tomam decisões ótimas visando maximizar sua
utilidade, pressuposto considerado pela hipótese dos mercados eficientes.
Entre os principais argumentos empregados pelas finanças comportamentais para
explicar as anomalias dos mercados está o entendimento dos vieses cognitivos.
Kahneman e Tversky (1979) argumentam diversos processos em que a teoria da
utilidade esperada é ineficaz para descrever a forma como um indivíduo toma decisões.
Os pesquisadores caracterizaram com pesquisas experimentais o denominado “efeito
certeza”, processo que leva os indivíduos a atribuírem pesos excessivos a eventos
considerados certos, em detrimento de eventos considerados prováveis, mesmo que
estes apresentem retornos superiores, o efeito certeza se caracteriza como um fenômeno
de aversão ao risco, e seria desconsiderado sob a ótica do agente racional. Outro tipo de
viés cognitivo apresentado é o famoso viés de confirmação, que expõe a tendência dos
indivíduos de buscarem e interpretarem informações de modo a confirmar suas posições
e crenças, esse comportamento pode ser utilizado para explicar a formação de bolhas
financeiras, de modo que investidores são seletivos quanto as informações, dando maior
valor para as que são favoráveis, estimulando seu otimismo.
Além dos vieses cognitivos, outro forte argumento dos pesquisadores é o
conceito de heurísticas, que podem ser entendidas como atalhos que os indivíduos usam
no processo de tomada de decisão, estes atalhos são processos não-racionais que
ignoram parte da informação com o objetivo de tornar a escolha mais fácil e rápida.
Kahneman e Tversky (1974) apresentam três heurísticas que conduzem a erros
sistemáticos, que tendem a se repetir indefinidamente no processo de escolha.
Pela heurística da disponibilidade os indivíduos avaliam a frequência ou
probabilidade de um evento pelo grau em que as ocorrências desse evento estão
prontamente disponíveis em suas memórias, assim, suas decisões são facilmente
afetadas pela facilidade com que essas lembranças podem ser acessadas.
A heurística da representatividade é explicada pela tendência dos indivíduos em
acreditar que as amostras são semelhantes e apresentam as mesmas características das
populações das quais foram retiradas, de modo que os estereótipos prevalecem sobre as
reais probabilidades de ocorrência de eventos, o que conduz a erros nas decisões
tomadas. Segundo Aldrighi (2005), a representatividade está associada ao excesso de
confiança, que leva indivíduos a superestimarem o conhecimento de seus próprios
limites.
A terceira heurística elencada por Kahneman e Tversky é a da ancoragem, que
explica a tendência dos indivíduos em terem suas estimativas influenciadas por crenças
ou opiniões prévias, fazendo avaliações com base em evidências frágeis e dificilmente
alterando suas estimativas primárias quando novas informações surgem, ainda que estas
refutem a crença inicial.
Outro importante conceito relacionado as finanças comportamentais é o de
contabilidade mental ou “nudge”. O conceito foi introduzido por Thaler (1985) e se
refere a tendência dos indivíduos em separarem mentalmente os eventos com base em
atributos superficiais, avaliando de maneira separada eventos inter-relacionados,
tomando escolhas diferentes a depender da maneira como as opções são apresentadas, ou
seja, o contexto no qual uma decisão é tomada é suficiente para influenciá-la.
Dessa forma, apresentados os conceitos relacionados as finanças
comportamentais, é possível notar que suas contribuições são extremamente relevantes
e contrapõe muitos pressupostos estabelecidos pela hipótese dos mercados eficientes,
principalmente aqueles que dizem respeito a racionalidade dos investidores nos
mercados financeiros.
4 Conclusões
A hipótese enunciada por Eugene Fama e apresentada neste texto representa uma
tentativa válida de elucidar sobre o funcionamento do mercado financeiro, entretanto,
como foi demonstrado por diversos autores, alguns de seus pontos de sustentação
apresentam premissas que ao longo das décadas foram comprovadas falhas, como a
hipótese sobre a racionalidade e disponibilidade de informações. Apesar disso, o ponto
que a HME tenta explicar é de fato real, no longo prazo a grande maioria dos
investidores, tanto amadores quanto profissionais, perde para os índices de referência,
isso pode ser constatado no índice SPIVA, que avalia o desempenho dos investidores
contra o mercado. No Brasil, apenas 13,73% dos fundos apresentaram resultados
superiores ao índice S&P Brazil BMI no agregado dos últimos 5 anos, no mercado dos
Estados Unidos, o número é um pouco melhor, 24,73% dos fundos perforamaram acima
do S&P500, esses dados sustentam a afirmação de que no longo prazo grande parte dos
investidores não consegue superar o índice.
As teorias criadas pelos pesquisadores das finanças comportamentais parecem
mais assertivas ao detalhar os motivos que levam a isso, como os viéses cognitivos e as
heurísticas, esses conceitos são revolucionários no âmbito da microeconomia e deixam de
lado o ideal de agente racional, trazendo uma visão mais real sobre o comportamento dos
investidores ao tomar uma decisão. Dessa maneira, cabe aos pesquisadores entender e se
aprofundar nessas conclusões para que seja possível aprimorar cada vez mais os modelos
matemáticos que explicam o funcionamento dos mercados.
Referências
FAMA, E. “Efficient capital markets: a review of theory and empirical work”. Journal of
Finance 25. 1970.
ALDRIGHI, D. M. “Finanças comportamentais e a hipótese dos mercados eficientes”.
Revista de economia contemporânea, v. 9, n. 1, 2005.
BONDT, W., THALER, R. (1985) “Does the stock market overreact?”. Journal of
Finance 40, p. 793-808. 1985.
SHILLER, R. “Do stock prices move too much to be justified by subsequent changes in
dividends?”. American Economic Review 71(3), p. 421-436. 1981.
CUTLER, D., POTERBA, J., SUMMERS, L. “Speculative dynamics”. Review of
Economic Studies 58, p. 529-546. 1989.
FERRIS, S. P., HAUGEN, R. A., MAKHIJA, D. “Predicting contemporary volume
with historic volume at differential price levels: evidence supporting the disposition
effect”. Journal of Finance 43(3), p. 677-697. 1988.
TVERSKY, A., KAHNEMAN, D. “Judgment under uncertainty: heuristics and biases”.
Science 185(4.157), p. 1.124-1.131. 1974.
KAHNEMAN, D., TVERSKY, A. “Prospect theory: an analysis of decision under risk”.
Econometrica 47(2), p. 263-291. 1979.
THALER, R. (1985) “Mental accounting and consumer choice”. In: R. Thaler (ed.),
Quasi Rational Economics. Russel Sage Foundation (25-48).

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