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WBA0919_V1.

LINGUAGEM: ASPECTOS
TEÓRICOS E INSTRUMENTOS DE
AVALIAÇÃO
2

Amanda Avelar Lima

Maria da Glória Feitosa Freitas

LINGUAGEM: ASPECTOS TEÓRICOS E


INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2021
3

© 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A.

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Beatriz Meloni Montefusco
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_________________________________________________________________________________________
Lima, Amanda Avelar
L732l Linguagem: aspectos teóricos e instrumentos de
avaliação / Amanda Avelar Lima, Maria da Glória Feitosa
Freitas. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A.,
2021.
43 p.

ISBN 978-65-5356-068-0

1. Neuropsicologia. 2. Linguagem. 3. Aspectos teóricos


e de avaliação. I. Freitas, Maria da Glória Feitosa. II. Título.

CDD 150.287
____________________________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB-8 010289

2021
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
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LINGUAGEM: ASPECTOS TEÓRICOS E INSTRUMENTOS DE


AVALIAÇÃO

SUMÁRIO

Compreensão, nomeação e repetição da linguagem falada e


escrita_________________________________________________________ 05

Classificação das afasias ______________________________________ 19

Transtornos associados ao comprometimento da linguagem na


criança, no adolescente, no adulto e no idoso_________________ 32

Principais instrumentos de avaliação da linguagem___________ 48


5

Compreensão, nomeação e
repetição da linguagem falada e
escrita
Autoria: Amanda Avelar Lima
Leitura crítica: Lívia Andrade Benatti

Objetivos
• Apresentar a conceituação de linguagem.

• Identificar os componentes do processamento da


linguagem falada e escrita.

• Compreender como acontece o processamento da


linguagem no cérebro.
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1. Introdução

Você já reparou na complexidade linguística do simples ato de se


comunicar com outras pessoas? Já notou a habilidade incrível que está
no simples ato de responder a uma pergunta emitida por outra pessoa?
Pois bem, a linguagem como função específica da espécie humana
só se constitui na medida em que os seres humanos se relacionam. A
linguagem cria e recria a realidade que um ser humano vivencia; ela
fornece elementos para expressão da individualidade.

Dessa maneira, pretende-se, neste material, auxiliá-lo na conceituação


da linguagem nos aspectos de compreensão, nomeação, repetição e na
melhor compreensão dos níveis de processamento da linguagem tanto
falada como escrita. Além disso, este material fornecerá informações
essenciais para compreender como acontece o processamento da
linguagem no cérebro.

2. Conceito de linguagem

A linguagem é uma forma de comunicação estritamente humana e que


tem a habilidade de simbolizar pensamentos simples ou complexos,
concretos ou abstratos, propondo estabelecer informações entre as
pessoas (KIRSHNER, 2002; KUHL DAMÁSIO, 2014; LENT, 2008; MARRONI;
PORTUGUEZ, 2002).

Se a linguagem fosse apenas um sistema de comunicação, poderíamos


dizer que animais como abelhas, aves, macacos, entre outros, também
a utilizariam para comunicação, visto que as aves atraem parceiros com
canções, as abelhas emitem um código sobre a direção e a distância
do mel para outras abelhas por meio da dança e macacos sinalizam
desejo de contato sexual ou medo da aproximação de algum inimigo
com arrulhos e grunhidos. Uma diferença importante a salientar é
7

que a linguagem humana não é apenas um sistema de comunicação,


ela é muito mais. Seres humanos usam a linguagem para fornecer
informações e expressar suas emoções; para comentar sobre passado
e futuro; para criar filmes de ficção e poesia; para pensar em teorias e
explicar os fenômenos que observam. Nenhum outro animal tem um
sistema de comunicação como a linguagem humana tanto na forma
quanto na função.

A linguagem é formada por diferentes línguas. Atualmente, no mundo,


temos aproximadamente 7.117 línguas e todas têm propriedades
estruturais similares. A maioria dessas línguas são conjuntos finitos de
sons, que podem ser combinados com possibilidades infinitas. Esses
conjuntos de sons, ou fonemas, é usado para criar unidades
semânticas chamadas morfemas. Cada idioma tem uma característica
de conjunto de fonemas e regras para combiná-los em morfemas
e palavras. Palavras podem ser combinadas, de acordo com regras
de sintaxe, em um número infinito de frases. As frases podem ser
combinadas para formarem um texto em forma de poesia, conto, entre
outros. Perceba, com isso, que uma das características da língua é a
estrutura hierárquica com tendência criativa de grande capacidade de
construção e generalização.

Atrelado a isso, outro fato curioso sobre a linguagem é o seu


desenvolvimento, que avança por uma sequência de elementos que
vão dos mais simples para os mais complexos. Essa progressão pode
ser observada em todas as crianças, independentemente da língua a
ser adquirida. A percepção e a produção de fala em crianças de várias
culturas seguem, inicialmente, um padrão de linguagem universal.
No final do primeiro ano de vida, bebês aprenderam, por meio da
exposição a um ou mais idiomas, quais unidades fonéticas transmitem
significado e são capazes de reconhecer palavras prováveis, mesmo
que não ainda não as entendam (SOUZA JÚNIOR, 2019). Aos 12 meses,
os bebês entendem cerca de 50 palavras e começam a produzir um
discurso que lembra a língua nativa. Com 3 anos, as crianças sabem
8

aproximadamente cerca de 1.000 palavras (na idade adulta são 70.000),


criam longas frases, como os adultos, e podem manter uma conversa.
A aquisição sofisticada da linguagem ocorre, de maneira análoga, por
todos os indivíduos por meio de estímulos muito limitados e muitas
vezes imperfeitos.

Pode-se conjecturar que a linguagem é uma atividade cognitiva e


comunicativa extremamente importante para os seres humanos, pois
é a partir dela que se cria e se recria a realidade que um ser humano
vivencia, uma vez que ela molda o funcionamento da nossa mente e dos
nossos pensamentos. A linguagem nos possibilita viver em sociedade,
já que, através dela, aprendemos os aspectos históricos e culturais, as
regras e os valores da nossa ou de outras culturas. Além disso, pode-se
dizer que a linguagem, cuja função é fornecer elementos para expressão
da individualidade, permeia as relações sociais durante a maior parte do
ciclo da vida do ser humano.

2.1 Níveis de processamento da linguagem

O sistema de processamento da linguagem é formado por funções


cognitivas semi-independentes que atuam em conjunto para realizar
tarefas linguísticas (CAPLAN, 1992). Caracteriza-se como linguagem
oral (expressiva e compreensiva), linguagem escrita (leitura e escrita) e
linguagem gestual. Nesse aspecto, a linguagem é didaticamente descrita
em diferentes componentes: fonologia, léxico, morfologia, sintaxe,
semântica, discurso, pragmática e prosódia (Figura 1). É importante
salientar que, durante o ato do processamento linguístico, diversos
componentes da linguagem combinam-se entre si de maneira dinâmica
para melhor interagir com meio.
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Figura 1 – Níveis de processamento da linguagem

Compreende a significação prática e o contexto do enunciado.

Consiste no processamento de significados (palavras e sentenças).

É a disposição das palavras nas frases.

Envolve a combinação de fonemas, o que permite a formação de


palavras.

Refere-se ao processamento e à produção de sons.

Envolve atividades cognitivas e linguísticas, além de programação


neuromotora.

Fonte: elaborada pela autora.

O processamento da linguagem é uma função cognitiva que parece


ser sensível a diferentes tipos de informação, algumas linguísticas
outras não. Ela interage com outras funções cognitivas, como atenção
e memória, as quais, muitas vezes, estão embutidas no próprio sistema
de processamento. O simples ato de falar sobre um determinado tema
requer que o indivíduo tenha uma atenção direcionada e que planeje
o conteúdo de sua fala em um encadeamento lógico. Esse sistema
linguístico também é sensível ao elemento do próprio contexto histórico
e cultural. Além disso, os elementos do processamento da linguagem
vão se desenvolvendo de forma estruturada e hierárquica, aliados aos
elementos do desenvolvimento neurocognitivo do indivíduo.

O processamento cerebral da linguagem ocorre em conformidade


com diversas conexões do encéfalo (HAGOORT; INDEFREY, 2014).
A linguagem não pode ser localizada apenas em zonas estreitas do
córtex ou em agrupamentos celulares isolados, mas deve contar com
10

a participação de todo o funcionamento cerebral. Assim, a linguagem


é baseada na integração de numerosos circuitos e regiões que darão
suporte aos componentes funcionais.

2.2 Processamento neuropsicológico da linguagem

O estudo da neurobiologia da linguagem ocorre por meio de técnicas de


neuroimagem funcional, métodos neurofisiológicos e neurocognitivos
e de observação de pacientes neurológicos e indivíduos saudáveis
(VASCONCELOS et al., 2019). Antes da revolução tecnológica, na
década de 1990, só era possível estudar as bases neuroanatômicas da
linguagem através de exames post mortem (após a morte) de pacientes
que perderam a fala devido a uma lesão cerebral. Dessa forma, as
descobertas de que existiam regiões cerebrais específicas responsáveis
pela linguagem começaram com estudos acerca de pacientes que
sofreram alguma lesão cerebral e, como consequência, apresentaram
dificuldade nas funções de expressão e compreensão da linguagem
(KUHL; DAMÁSIO, 2014).

A primeira região associada à produção da linguagem foi descoberta,


em 1861, por Paul Broca, que analisou o paciente denominado Tam e
outros oito, que, depois de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), não
conseguiam formar sentenças nem expressar suas ideias na escrita.
Em todos os casos, os exames do cérebro após a morte mostraram
uma lesão na porção posterior do lobo frontal, no hemisfério esquerdo
do cérebro. A descoberta de Paul Broca impulsionou Carl Wernicke,
em 1876, a analisar pacientes que tinham comprometimento na
compreensão e não na execução da fala. Nesse caso, a lesão estava
localizada na parte posterior do lobo temporal, na junção com os lobos
parietal e occipital. Além das regiões de Broca (expressão-fala) e de
Wernicke (compreensão), o fascículo arqueado exerce uma importante
função linguística, pois faz a associação entre essas duas áreas (KUHL;
DAMÁSIO, 2014).
11

Os achados de Paul Broca e Carl Wernicke possibilitaram a distinção


do processamento da linguagem em hemisférios distintos do encéfalo.
Descobertas recentes identificaram que as regiões subcorticais estão
relacionadas à neurobiologia da linguagem na conexão com o tálamo,
com as áreas corticais frontal e posterior da linguagem, com o núcleo
caudado esquerdo e com a substância branca adjacente (SPRINGER;
DEUTSCH, 1998). Assim sendo, o hemisfério esquerdo é considerado
importante no processamento fonético, morfológico e de frases, ao
passo que o hemisfério direito está relacionado, em conjunto com o
esquerdo, aos processamentos prosódicos, semânticos e pragmáticos
(Figura 2) (VASCONCELOS et al., 2019).

Figura 2 – Habilidades linguísticas relacionadas aos hemisférios


cerebrais

Fonte: adaptada de Gazzaniga (2009); Purves et al. (2010).

Além das áreas de Broca, Wernicke e o fascículo arqueado também


estariam relacionados à linguagem. Esses achados clínicos possibilitaram
uma visão mais integrada sobre o funcionamento neurobiológico
da linguagem, o qual passou a ser visto por meio de um modelo
de integração de informação em que a linguagem tem conexões
sensoriais, pré-frontais e pré-motoras (KUHL; DAMÁSIO, 2014). Essa
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nova visão sobre o modelo de processamento neurobiológico da


linguagem demonstra um funcionamento em rede das áreas cerebrais.
Assim sendo, funções mentais complexas, como a linguagem, não
poderiam ser localizadas apenas em zonas estreitas do córtex ou em
agrupamentos celulares isolados, mas teriam a participação de todo o
funcionamento cerebral.

Atualmente, é possível notar, através de exames sofisticados de


neuroimagem que monitoram a atividade permanente do cérebro, que
toda atividade cerebral é ativada para realizar atividades complexas
como processos de linguagem. Através de exames como a Tomografia
Computadorizada (TC), a Ressonância Magnética (RM) e a Tomografia
Computadorizada por Emissão de Fóton Único (Single Photon Emission
Computed Tomography – SPECT), observa-se que determinadas áreas
são mais ativadas para realizar atividades específicas, ou seja, são
áreas que requerem uma maior quantidade de sangue e apresentam
maior concentração de emissões radioativas. No entanto, em atividades
sobre o funcionamento linguístico, muitas áreas cerebrais são ativadas,
e não especificamente as de Broca e Wernicke. No Quadro 1, há a
representação de estruturas encefálicas envolvidas no processamento
de distintos componentes de linguagem.

Quadro 1 – Estruturas encefálicas envolvidas no processamento de


diferentes componentes de linguagem
Processamento Áreas cerebrais recrutadas
De leitura Córtex visual (lobo occipital); lobo temporal inferior
e parietal; área de Wernicke (região posterior do
giro temporal superior) (DEHAENE et at., 2015).
De compreensão Córtex auditivo primário de ambos os hemisférios (fissura
da fala lateral e giro temporal adjacente); córtex de associação auditiva
(região inferior posterior do córtex auditivo primário); giro
frontal inferior do hemisfério esquerdo; giros temporais médio
esquerdo e superior (DAVIS, 2016; MEYER; FRIEDERICI, 2016).
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Fonológico Áreas da região perisylviana; córtex parietal inferior;


giro angular e supramarginal entre os lobos parietal
e occipital; córtex frontal lateral inferior; córtex
temporal superior; região de representação da face
na área motora primária (ZACKS; FERSTL, 2016).
Morfológico Áreas da forma visual das palavras são compostas pelo
giro fusiforme esquerdo e pelo córtex circundante,
componentes da área de reconhecimento da face
no hemisfério direito (DEHAENE; COHEN, 2011).
Semântico Regiões anteriores e posteriores do lobo temporal esquerdo;
córtex temporal inferior (PATTERSON; LAMBON RALPH, 2016).
Lexical Regiões anteriores dos giros temporais superior e médio;
junção temporoparietal esquerda; regiões posteriores
do giro temporal médio e inferior (DAVIS, 2016).
Discursivo Regiões motoras e pré-motoras primárias; córtices auditivos
e somatossensoriais, cerebelo, gânglios da base, operculum
frontal e giro supramarginal (BLUMSTEIN; BAUM, 2016).
Fonte: adaptado de Vasconcelos et al., 2019.

Em termos de componentes neurobiológicos da linguagem, é importante


salientar que, para um determinado evento de evocação linguística,
é necessário que haja uma integração de múltiplas áreas cerebrais
e a ativação de várias redes cerebrais. Hanna Damásio e Antônio
Damásio (1992) propuseram um modelo de atuação da linguagem em
três grandes sistemas, que interagem entre si para conectar, receber
e produzir estímulos relacionados à linguagem e ao conhecimento
conceitual. Para Vasconcelos et al. (2019, p. 20), parafraseando Kuhl e
Damásio (2014):

Os sistemas compreendem a implementação de estímulos de linguagem,


a mediação desses estímulos e a integração dos aspectos conceituais.
O sistema de implementação seria composto pelas áreas de Wernicke e
de Broca, algumas regiões do córtex insular e os núcleos da base. Essas
áreas estariam ligadas à aferência de sinais auditivos no reconhecimento
de conceitos, servindo de base para funções fonêmica, gramaticais e
de produção de fala. O sistema de mediação seria composto por áreas
do córtex de associação temporal, parietal e frontal. Seu principal
envolvimento é a intermediação entre a chamada área de implementação
e o sistema conceitual, distribuído pelas áreas associativas.
14

O avanço da compreensão da capacidade humana para linguagem


representa um passo fundamental para a neurociência e é indispensável
para compreender como ocorre o complexo funcionamento do
processamento da linguagem, que é compreendida na relação entre
elementos neurobiológicos e neurofuncionais do funcionamento
cerebral. Dessa maneira, a teoria de processamento de informação
permite compreender a linguagem e seus diferentes componentes,
bem como sua relação com processos cognitivos como pensamento,
percepção e memória, disponibilizando, assim, descrição minuciosa
dos processos mentais (PINHEIRO, 1995). O benefício da teoria de
processamento de informação é a compreensão mais integrada de
como acontece o processamento linguístico de diversos componentes
da linguagem.

O modelo mais atual de explicação de como acontece o processamento


fonológico e lexical é o de dupla rota, que, baseado na teoria do
processamento da informação, busca compreender o funcionamento
dos processos de leitura e escrita. Esse modelo destaca os processos
mentais envolvidos em cada função, procurando, assim, disponibilizar
uma descrição precisa e compreensível dos processos envolvidos no ato
linguístico.

O conceito básico do modelo de dupla rota é que o processamento


da linguagem é sempre realizado por dois métodos separados
chamados de rotas lexicais e não lexicais, que são interativos
por natureza. A rota lexical é necessária para realizar a leitura de
vocábulos conhecidos, que já estavam armazenados na memória
ortográfica em função da aprendizagem da leitura. Esse processo é
chamado de sistema de reconhecimento visual das palavras ou léxico
de input visual. A rota fonológica é importante para a leitura de novos
vocábulos, em que grafemas se transformam em fonemas, permitindo
um output fonológico. Segundo Dehaene (2012), para ler uma palavra
em voz alta, é necessário analisar o elemento (palavra real ou não
15

palavra) no conjunto de análise visual. Para Cardoso e Freitas (2019, p.


371):

Para ler palavras reais, inicialmente são identificadas no léxico visual


de entrada, a pronúncia é retomada do léxico fonêmico de saída (o
que constitui a rota léxico-fonêmica). Essa retomada pode acontecer
simultaneamente com o processo semântico ou simultaneamente com a
transformação grafema-fonema. Em relação à leitura de não palavras, o
reconhecimento dos grafemas é enviado do conjunto de análise visual para
o sistema de transformação grafema-fonema, de modo que os elementos
fonêmicos podem ser retomados e reduzidos (ou sumarizados) para
executar a pronúncia (rota fonológica). Desse modo, a leitura de palavras
passa por um exame da rota lexical e a de não palavras, por um exame do
processo fonológico.

Pode-se inferir, então, que o processamento da linguagem acontece


em uma visão integrada e de intercomunicação das áreas cerebrais
e dos modelos neurocognitivos. Isso acarreta a adaptabilidade do
sistema quando uma determinada área cerebral sofre alguma lesão
ou apresenta uma malformação devido a fatores genéticos ou de
interferências ambientais. Segundo Sales e Konkiewitz (2010), o
sistema nervoso não é uma estrutura rígida e imutável, mas flexível,
que modifica sua estrutura funcional sob diferentes circunstâncias,
expressando assim uma capacidade plástica durante o processo de
adaptação. Sua capacidade de transformação e adaptação em resposta
às exigências ambientais e internas faz com que exista reorganização e
regeneração para uma determinada dificuldade que o sujeito apresente
na realização de alguma tarefa externa. Esse fenômeno é denominado
plasticidade neural ou neuroplasticidade e compreende a habilidade
que o Sistema Nervoso Central (SNC) apresenta de alterar algumas de
suas propriedades morfológicas e funcionais em resposta às alterações
do ambiente. Na presença de lesões, o SNC utiliza essa capacidade na
tentativa de recuperar funções perdidas e/ou, principalmente, fortalecer
funções similares relacionadas aos originais.
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3. Considerações Finais

A linguagem, em termos amplos, define-se como um vasto sistema


de comunicação que utiliza códigos simbólicos para expressar ideias,
pensamentos, significados e emoções; esse sistema é constituído por
palavras, gestos, músicas, elementos auditivos e visuais diversos. Os
componentes do processamento da linguagem envolvem aspectos
fonéticos, morfológicos, sintáticos, prosódicos, semânticos e
pragmáticos. Cada um deles ativa estruturas encefálicas diferentes,
havendo uma integração e uma intercomunicação entre as redes
cerebrais.

O processamento linguístico acontece na relação entre elementos


neurobiológicos e neurofuncionais do funcionamento cerebral, daí
a importância de considerar as bases neuronatômicas e os modelos
cognitivos, como a teoria de processamento de informação, que tem
como elemento central a visão da interconexão da linguagem com
outros sistemas cognitivos, como memória, atenção, entre outros. Por
fim, e não menos importante, pode-se mencionar que o elemento da
neuroplasticidade cerebral pode proporcionar uma visão para uma
reabilitação da linguagem mais abrangente.

Referências
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Classificação das afasias


Autoria: Amanda Avelar Lima
Leitura crítica: Lívia Benatti

Objetivos
• Identificar lesões cerebrais adquiridas e funções
cognitivas.

• Compreender os tipos de afasia e os aspectos


linguísticos envolvidos.

• Identificar as funções neuropsicológicas nas afasias.


20

1. Introdução

O cérebro está preparado e predisposto para a linguagem desde


o dia que nascemos, e ela acontece quando essa predisposição
interage com as experiências sociais que vivemos. Com o tempo, cada
cérebro desenvolve suas próprias características de linguagem, que
dependem do uso específico dela. Assim, a linguagem é uma habilidade
complexa, meramente humana e está interligada com outras funções
neuropsicológicas.

Diante da complexidade desse processo, pode-se dizer que qualquer


lesão cerebral (dano vascular, trauma, tumor), pode interferir no
funcionamento dessa habilidade tão importante que é a linguagem.
Essas lesões cerebrais adquiridas podem ter consequências de grande
impacto dependendo do local, do tipo e da extensão da lesão cerebral.
Além disso, trazem prejuízos funcionais para a vida do indivíduo e têm
como consequência dificuldades na expressão e na compreensão de
pensamentos. Há também dificuldades no próprio pensar, já que é
através da linguagem que há a organização e o desenvolvimento dos
processos de pensamento.

2. Lesões cerebrais adquiridas e funções


cognitivas

As doenças cerebrovasculares decorrem de alguma anormalidade do


tecido encefálico provocada por rompimento dos vasos sanguíneos,
podendo ser isquemias ou sangramentos, que ocorrem de maneira
transitória ou permanente (DÍEZ-TEJEDOR et al., 2001). Essas doenças
são usualmente chamadas de Acidente Vascular Cerebral (AVC) mesmo
que as lesões ocorram no encéfalo (GAGLIARDI, 2010). Por isso, alguns
autores tendem a chamá-las de Acidente Vascular Encefálico (AVE).
21

O AVC é uma disfunção neurológica focal súbita causada por um


problema nos vasos (artérias ou veias) do cérebro. É uma das principais
causas de desordens adquiridas de linguagem, além de ser um
problema de saúde pública e a principal causa de incapacidade no
mundo. No Brasil, a incidência de AVC é de cinco a oito casos por 1000
habitantes acima de 25 anos de idade (FUKUJIMA, 2010). A Associação
Brasileira de Doenças Cardiovasculares, de acordo com Organização
Mundial de AVC (World Stroke Organization), prevê que uma a cada seis
pessoas no mundo terá um AVC ao longo de sua vida. Uma das causas
mais comuns para ocorrência do AVC é a hipertensão e, em alguns
casos, aneurismas provenientes de malformações vasculares próximas
às meninges (membranas envoltórias do Sistema Nervoso Central que
garantem a proteção dele; elas se dividem em pia-máter, aracnoide e
dura-máter).

A ocorrência de um AVC causa anormalidades no tecido encefálico


da estrutura cortical do cérebro e podem ser de quatro tipos: ataque
isquêmico transitório (AIT), hemorragia subaracnoidea (HSA), acidente
vascular cerebral hemorrágico (AVCH) e acidente vascular cerebral
isquêmico (AVCI). O AIT é um déficit neurológico reversível e, nos exames
de neuroimagem, não há evidências de lesões isquêmicas. A HSA é um
extravasamento de sangue entre as meninges aracnoide e a pia-máter.
Os tipos AVCH e AVCI têm uma recorrência maior na população e, por
esse motivo, merecem maior detalhamento.

O AVCH caracteriza-se pela interrupção de um vaso sanguíneo


intracraniano, o que leva à formação de um coágulo, que pode afetar
uma função cerebral (MARTINS; BRONDANI, 2008). O AVCI pode ser
classificado em três tipos de isquemia cerebral (que é quando ocorre
uma diminuição ou uma ausência do fluxo sanguíneo para o cérebro):
trombótica, embólica e de hipoperfusão, as quais, consequentemente,
diminuem a quantidade de oxigênio que chega ao cérebro.
22

A classificação do AVC depende do tipo de vaso acometido e das


possíveis etiologias, sendo capaz de romper os grandes vasos, os
pequenos, a circulação terminal e o território venoso (FUKUJIMA, 2010).
Daí a importância das três principais artérias que levam o sangue ao
encéfalo: a artéria cerebral anterior (ACA), a artéria cerebral média (ACM)
e a artéria cerebral posterior (Figura 1) (LUNGY-EKMAN, 2004).

Figura 1 – Três principais artérias cerebrais

Fonte: adaptada de Lungy-Ekman (2004).

Essas artérias são importantes para o funcionamento de muitas funções


cognitivas, principalmente para a memória, pois estão relacionadas
com as estruturas do tálamo e do hipocampo (RODRIGUES; FONTOURA;
SALLES, 2019). Os dados mostram que entre 20 e 50% dos pacientes que
tiveram um AVC apresentaram queixa de dificuldades de memória e
alterações na linguagem (LIM; ALEXANDER, 2009).

Segundo Lim e Alexander (2009), o AVC em ACP pode causar danos


na região occipital, déficits no campo visual e nas habilidades
visuoespaciais. A lesão isolada na região do fórnix em ACA pode gerar
alterações na memória episódica de evocação e reconhecimento.
A oclusão de ACM no hemisfério esquerdo provoca alterações de
linguagem em níveis variados de gravidade, conforme a extensão da
lesão e a topografia. Pode-se conjecturar, assim, que a afasia é sintoma
23

decorrente de uma lesão encefálica focal, que ocasiona déficits em


diferentes aspectos da linguagem (GIRODO; SILVEIRA; GIRODO, 2008). As
afasias podem vir acompanhadas de distúrbios na atividade intelectual
e cognitiva, dependendo da extensão da lesão, que pode atingir regiões
vizinhas à área de Broca no córtex frontal. De acordo com Rabassa,
Duasom e Herrero (2006), diferentes regiões vasculares afetadas podem
gerar distintos tipos de afasia, conforme ilustra o Quadro 1.

Quadro 1 – Relação dos tipos de afasia e regiões vasculares afetadas


Região vascular Tipo de afasia
Artéria cerebral anterior Afasia transcortical motora
Artéria cerebral média esquerda Afasia de Broca
Afasia de Wernicke
Afasia de condução
Afasia global
Afasia anômica
Artéria cerebral posterior esquerda Afasia transcortical sensorial
Afasia ou anomia óptica
Zonas limítrofes entre Afasia transcortical mista
regiões vasculares
Fonte: Rabassa, Duasom e Herrero (2006).

3. Tipos de afasia e os aspectos linguísticos


envolvidos

A afasia é caracterizada como a perda ou a deficiência da linguagem


expressiva e/ou receptiva provocada por um dano cerebral (RODRIGUES;
FONTOURA; SALLES, 2019). Há diferentes tipos de afasia de acordo com
a localização cerebral da lesão e as características da linguagem em
termos funcionais. Além disso, elas estão relacionadas aos processos
cognitivos subjacentes, como a percepção de memória.

É importante mencionar que, apesar de as afasias serem decorrentes


de lesões cerebrais, nem sempre a mesma lesão gera o mesmo quadro
de sintomas característicos de um determinado tipo de afasia. Deve-se
24

admitir, então, que existe certo grau de flexibilidade nas características


pertinentes a cada tipo de quadro afásico, por isso cada paciente deve
ser avaliado de forma individualizada.

O sistema de classificação de afasia de Boston é um dos mais usados


para identificar oito síndromes afásicas: afasia de Broca, afasia de
Wernicke, afasia de condução, afasia global, afasia transcortical motora,
afasia transcortical sensorial, afasia transcortical mista e afasia anômica
(Quadro 2). Essa caracterização das afasias é feita a partir do estudo
de pacientes com AVC, e, com tomografias por emissão de pósitrons e
ressonâncias magnéticas, é possível conhecer a distribuição anatômica
dos vasos afetados e a área cerebral atingida.

Quadro 2 – Classificação das Afasia de Boston


Tipo de Linguagem Compreensão Repetição Nomeação
afasia espontânea
Broca Não fluente + - -
Agramatismo
Wernicke Fluente - - -
Jargão fonêmico
Condução Fluente + - -
Global Não fluente - - -
Transcortical Não fluente - + -
mista Ecolalia
Transcortical Não fluente + + -
motora Ecolalia
Transcortical Fluente - + -
sensorial Jargão semântico
Anômica Fluente + + -
Circunlóquio

Fonte: Peña-Casanova et al. (2005).

Legenda: + = função preservada;–= função deficitária.


25

3.1 Afasia de Broca

A afasia de Broca está relacionada a lesões no hemisfério esquerdo


do cérebro, na área frontal dorsolateral, na substância branca
periventricular frontal e a lesões em núcleos da base (MANSUR;
RADANOVIC, 2004). A afasia de Broca ocorre por transtornos da
expressão (fala espontânea não fluente, mutismo e agramatismo)
e é caracterizada pela redução da expressão da fala. Pacientes que
apresentam esse tipo de afasia fazem grande esforço para emitir fala,
além de apresentarem alterações articulatórias, redução do vocabulário
e, consequentemente, da extensão das frases. A produção oral é lenta
e trabalhosa, frequentemente silábica, com disprosódia ou aprosódia
(SILVA, 2009). O paciente compreende os comandos verbais, porém a
produção de fala e a repetição ficam alteradas. A escrita geralmente é
afetada tanto por dificuldades motoras como por transtornos afásicos.
Além disso, a dificuldade do paciente de se expressar verbalmente pode
evoluir para uma estereotipia verbal.

3.2 Afasia de Wernicke

Na afasia de Wernicke, ocorre uma lesão cerebral na área de Wernicke


(área 22 de Brodmann), no giro temporal superior e posterior (HILLIS,
2007). É caraterizada por déficits na compreensão de palavras, sentenças
e conversação. O paciente que apresenta uma lesão cerebral na área
de Wernicke exibe uma linguagem expressiva espontânea, que pode
ser excessiva (logorreia), porém sem sentido, como se fosse um jargão.
Em muitos casos, o indivíduo desconhece sua deficiência. Dificuldades
na escrita e na leitura são semelhantes ao problema na produção oral.
O paciente com afasia de Wernicke tem uma limitada capacidade em
acessar e utilizar as informações semânticas. Isso explicaria a dificuldade
do paciente em selecionar a palavra, o som e o significado apropriado
dos componentes linguísticos.
26

3.3 Afasia de condução

A afasia de condução está relacionada a uma lesão cerebral na área


do fascículo arqueado (área 39 e 40 de Brodmann) e no lobo parietal
inferior (CATANI et al., 2012). Nesse tipo de afasia, são preservadas a fala
espontânea e a compreensão, porém a dificuldade está na repetição
de palavras e frases. Em muitos casos, essas dificuldades podem ser
expressas de maneiras inconsistentes. As alterações ocorrem com
maior frequência em palavras pouco usadas, pseudopalavras e palavras
fonologicamente complexas, acarretando parafasias fonológicas e
verbais em que há erros fonológicos (omissões, inserções de sons ou
silabas nas palavras, substituições e transposições) e semânticos. Um
fato curioso é que os pacientes com afasia de condução geralmente
percebem os erros na fala e, por isso, podem fazer repetidas
autocorreções.

3.4 Afasia global

Ocorre quando a lesão é ampla no hemisfério esquerdo do encéfalo, que


engloba a área de Broca e a de Wernicke. É um dos casos mais graves de
afasia, pois há uma limitada capacidade de expressão e compreensão
da linguagem, tanto na fala quanto na escrita. Alguns pacientes podem
compreender apenas comandos simples e repetir poucas palavras.

3.5 Afasia transcortical mista

A afasia transcortical mista é ocasionada por lesões na área de Wernicke,


na área de Broca e no fascículo arqueado, o que acarreta a desconexão
das áreas de imagens sensório-motoras (ROSS, 2010). O paciente que
sofre desse tipo de afasia não apresenta fala e tem dificuldade nos
aspectos de compreensão, porém consegue apresentar elementos da
repetição, a qual pode apresentar o fenômeno de expressão reduzida e
27

o uso de ecolalias. Nesse caso, todas as atividades da linguagem escrita


e habilidade de leitura ficam afetadas em grau máximo.

3.6 Afasia transcortical motora

A afasia transcortical motora está associada a lesões no hemisfério


cerebral esquerdo, na região dorsolateral e na substância branca
periventricular frontal, além da área motora suplementar frontal mesial
(MANSUR; RADANOVIC, 2004). Os pacientes com esse tipo de lesão
apresentam dificuldade na produção de fala, porém têm a capacidade
de repetição e compreensão preservadas. A grande dificuldade desses
pacientes é a de apresentar uma fala espontânea fluente. Em muitas
ocasiões a expressão da linguagem é reduzida, lenta, breve e há
necessidade de um esforço, com dificuldade na espontaneidade motora,
de iniciativa e latência.

3.7 Afasia transcortical sensorial

A afasia transcortical sensorial ocorre diante uma lesão isolada na área


de Wernicke, acarretando desconexão entre as áreas sensoriais das
imagens (ROSS, 2010). Os pacientes podem apresentar dificuldades na
compreensão, com expressão de parafasias semânticas (palavras de
significado incorreto para o contexto), dificuldade de encontrar palavras
(anomias), circunlóquios e perseverações (BEESON; RAPSAK, 2008).
Em contrapartida, a fala é fluente, com preservação da nomeação e da
leitura de palavras; no entanto é possível que não haja compreensão na
leitura.

3.8 Afasia anômica

A afasia anômica é decorrente da lesão no fascículo arqueado e no


fascículo lingitudional inferior (CATANI et al., 2012). O indivíduo que
28

apresenta a afasia anômica exibe uma linguagem expressiva fluente,


com articulações e estrutura normais e dificuldade na evocação
nominal. A compreensão está preservada, porém pode variar em alguns
pacientes. Nesse tipo de afasia, o paciente pode exibir prejuízos na
evocação lexical, dificuldade para acessar os elementos fonológicos e/ou
a ortografia da palavra, embora o acesso semântico esteja intacto. Dessa
forma, os pacientes falam palavras que não são as que pretendem
falar, percebem que estão errados e tentam corrigir-se. Na escrita
exibem erros semelhantes aos da linguagem oral, porém a leitura está
relativamente preservada.

Figura 2 – Tipos de afasia

Fonte: elaborada pela autora.

4. Funções neuropsicológicas nas afasias

Além das alterações linguísticas nas afasias, existem também


comprometimentos em algumas funções neuropsicológicas, como
memória, atenção, habilidades visuoespaciais e funções executivas.
Embora seja difícil avaliar as alterações neuropsicológicas de pacientes
29

com afasia, a identificação do perfil neuropsicológico é importante para


o processo de reabilitação. Além disso, é relevante considerar também
as alterações nas funções neuropsicológicas para a condução de
qualquer terapia com um paciente afásico.

A atenção é função primordial para o funcionamento das demais


funções neurocognitivas, pois déficits no elemento atencional
podem acarretar dificuldades para processar informações da própria
linguagem. A memória é uma importante função para os componentes
da linguagem e comunicação, pois permite que as informações
sejam armazenadas e processadas. As funções executivas envolvem
a capacidade de flexibilidade, planejamento e controle inibitório,
amplamente utilizados nos aspectos linguísticos. Essas funções
neuropsicológicas descritas são importantes na execução de vários
componentes linguísticos e, caso um paciente afásico apresente algum
comprometimento nessas funções, esse quadro pode afetar também
os elementos da linguagem. Assim, as habilidades cognitivas devem ser
avaliadas para possibilitar programas de reabilitação mais eficazes para
cada tipo de afasia.

5. Considerações finais

A linguagem e outros elementos neurocognitivos são processos que


operam em concomitância e, em indivíduos afásicos, observamos
comprometimento nos componentes linguísticos. A afasia é
provocada por uma lesão cerebral em virtude de AVC, traumatismos
cranioencefálicos ou tumores cerebrais e se caracteriza por dificuldades
no nível da linguagem e na comunicação, podendo levar os indivíduos
acometidos pelos variados tipos de afasia a uma diminuição da
autoestima e ao isolamento social.
30

Diante desse contexto, faz-se necessária uma avaliação neuropsicológica


junto com outros profissionais da área de saúde para identificação do
tipo de afasia e da ocorrência de alterações neurocognitivas. O processo
de avaliação é importante para proporcionar um plano de reabilitação
de acordo com as potencialidades e vulnerabilidades de cada paciente
em específico, o qual pode apresentar, além de um quadro de afasia,
alterações nas demais funções neuropsicológicas.

Referências
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ROBINS, D. L. (ed.). Clinical neuropsychology: a pocket handbook for assessment.
2. ed. Washington: American Psychological Association, 2008. p. 436-459.
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DÍEZ-TEJEDOR, E. et al. Clasificación de las enfermedades cerebrovasculares.
Sociedad Iberoamericana de Enfermedades Cerebrovasculares. Revista de
Neurologia, [s.l.], v. 33, n. 5, p. 455-464, 2001.
FUKUJIMA, M. M. Acidente Vascular Cerebral. In: ORTIZ, K. Z. (ed.). Distúrbios
neurológicos adquiridos. 2. ed. Barueri: Manole, 2010. p. 34-46.
GAGLIARDI, R. J. Acidente Vascular Cerebral ou Acidente Vascular Encefálico? Qual a
melhor nomenclatura?. Revista Neurociências, [s.l.], v. 18, n. 2, p. 131-132, 2010.
GIRODO, C. M.; SILVEIRA, V. N. S.; GIRODO, G. A. M. Afasias. In: FUENTES, D. et al.
(org.). Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008.
HILLIS, A. E. Aphasia: progress in the last quarter of a century. Neurology, [s.l.], v.
69, n. 2, p. 200-213, 2007.
LIM, C., ALEXANDER, M. P. Stroke and episodic memory disorders.
Neuropsychologia, [s.l.], v. 47, n. 14, p. 3045-3058, 2009.
LUNGY-EKMAN, L. Neurociência: fundamentos para a reabilitação. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004.
MANSUR, L. L., RADANOVIC, M. Neurolinguística: princípios para prática clínica.
São Paulo: Edições Inteligentes, 2004.
MARTINS, S. C. O.; BRONDANI, R. AVC isquêmico. In: CHAVES, M. L. F.; FINKESLTEJN,
A.; STEFANI, M. A. (org.). Rotinas em neurologia e neurocirurgia. Porto Alegre:
Artes Médicas, 2008. p. 97-111.
31

PEÑA-CASANOVA, J.; PAMIES, M. P.; DIEGUEZ-VIDE, F. Tipos clínicos clássicos de


afasias e alterações associadas. In: PEÑA-CASANOVA, J.; PAMIES, M. P. Reabilitação
das afasias e transtornos associados. Barueri: Manole, 2005.
RABASSA, O. B.; DUASO, N.; HERRERO, M. T. Alterações da linguagem e da
comunicação na idade adulta. In: PLAJA, C. J.; RABASSA, O. B.; SERRAT, M. M.
Neuropsicologia da linguagem: funcionamento normal e patológico – Reabilitação.
São Paulo: Santos, 2006.
RODRIGUES, J. C.; FONTOURA, D. R.; SALLES, J. F. Afasia e aspectos neurolinguísticos.
In: FONTOURA, D. R. et al. Neuropsicologia da linguagem: bases para avaliação e
reabilitação. São Paulo: Vetor, 2019.
ROSS, E. D. Cerebral localization of functions and the neurology of language: fact
versus fiction or is it something else? Neuroscientist, [s.l.], v. 16, n. 3, p. 222-243,
2010.
SILVA, C. D. Um estudo de funções executivas em indivíduos afásicos. 2009.
Monografia (Graduação de Curso de Fonoaudiologia) – Faculdade de Medicina,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.
32

Transtornos associados ao
comprometimento da linguagem
na criança, no adolescente, no
adulto e no idoso
Autoria: Maria da Glória Feitosa Freitas
Leitura crítica: Lívia Benatti

Objetivos
• Entender as principais alterações de linguagem
e associações com transtornos relacionados à
linguagem.

• Conhecer transtornos associados ao


comprometimento da linguagem na infância e na
adolescência.

• Compreender transtornos associados ao


comprometimento da linguagem na vida adulta e
idosa.
33

1. Neuropsicologia, alterações de linguagem e


transtornos

Neste Tema, você estudará conteúdos que o levem ao entendimento


do papel da Neurologia nas alterações e nos transtornos da linguagem.
Todas as etapas aqui apresentadas deverão qualificá-lo para uma
maior compreensão da relevante função da linguagem como domínio
cognitivo ligado às modalidades de fala e escrita. Todas as leituras serão
oportunidades para que você consolide uma conceituação de linguagem
tanto no que tange aos aspectos normais quando aos que se relacionam
às principais alterações de linguagem, associadas aos transtornos de
linguagem.

Assim, você segue agora com a apresentação das contribuições teóricas


oferecidas pela Neuropsicologia quanto às alterações da linguagem
e dos transtornos, por meio das quais você terá a oportunidade de
compreender os comprometimentos da linguagem desde a infância até
a velhice.

1.1 Neurologia e a linguagem: do nascimento até a


velhice

É essencial entender que a linguagem é fundamental nas relações


humanas, desde tenra idade, e segue determinante em todas as demais
fases. Por exemplo, as equipes multidisciplinares que atuam com bebês
defendem o papel da interação mãe e bebê e isso passa pelo contato,
pelo olho no olho e pela voz da mãe.

Aqui você está consolidando definições sobre a Neuropsicologia


enquanto uma potente e promissora área de estudo das relações
entre o cérebro e o comportamento, destacando as possibilidades
interdisciplinares que vão desde saberes advindos do campo da
34

Neurologia, Psicologia, Psiquiatria, Linguística até a Fonoaudiologia, e


seguirá estudando sobre Neuropsicologia e linguagem.

A Neuropsicologia deve muito aos acontecimentos decorrentes das duas


guerras mundiais do século passado e à coerente escolha de entender
os papéis desempenhados pelos nossos sistemas cerebrais em prol das
atividades mentais, que vão das mais simples até as mais complexas
(SERAFINI et al., 2008). “O maior crescimento da Neuropsicologia ocorreu
durante a II Guerra Mundial, pois ela contribuiu indiretamente, de forma
notável, com o avanço do conhecimento das relações entre cérebro e
comportamento”. (CAIXETA; FERREIRA, 2012, p. 312). E, agora, no século
XXI, os conceitos da Neuropsicologia encontram muita adesão.

Portanto, é chegada a hora de entender as conexões, possibilidades


e potências entre a Neuropsicologia e as alterações de linguagem nos
sujeitos com transtornos, após sua caminhada sobre linguagem falada
e escrita e as classificações de afasias. Então, para continuar seus
estudos, lembre-se, retomando as leituras dos Temas anteriores, de
que as afasias “são as alterações adquiridas mais frequentes em lesões
neurológicas” (SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 90) e tenha em mente que,
no próximo Tema, será momento de entender o processo de avaliação
neuropsicológica da linguagem desde a tenra idade até a vida idosa.

1.2 Neurologia e as alterações de linguagem

Você precisa compreender que a Neuropsicologia da Linguagem


configura uma área ampla capaz de investigar as mais relevantes bases
neurobiológicas da linguagem. Isso passa pelo universo da aquisição
da linguagem, segue pelos temas relativos aos processamentos
cognitivo e linguístico, nos modos orais e escritos, e traz contribuições
originais sobre os déficits linguísticos, tanto os adquiridos quanto os de
desenvolvimento. No próximo Tema, o foco recairá sobre outro ponto
que interessa aos neuropsicólogos da linguagem, a saber, a avaliação,
35

que é capaz de trazer elementos significativos para a reabilitação


(SALLES; RODRIGUES, 2013).

Porém, aqui, começamos com a seguinte pergunta: qual a importância


da linguagem? Pode-se dizer, de acordo com Salles e Rodrigues (2013, p.
90), que ela é uma “habilidade cognitiva bastante complexa, importante
para a socialização e a comunicação humana. Portanto, os distúrbios de
linguagem adquiridos geralmente interferem de forma significativa nas
habilidades” sociais, relacionadas ao mundo do trabalho, comunicativas
e de integração e reintegração no seio da sociedade.

Essas considerações dão margem para outra indagação: como é que se


revela a linguagem humana? Ela se mostra “na forma de ‘compreensão’
receptiva e de decodificação do input linguístico (‘compreensão verbal’),
que inclui a audição e a leitura, ou no aspecto de codificação expressiva
e produção, que inclui fala, escrita e sinalização” (SALLES; RODRIGUES,
2013, p. 90). Isso significa que o neuropsicólogo da linguagem lida com
preciosa produção humana.

Além disso, a linguagem “envolve contextos históricos, sociais e culturais


específicos” (CAIXETA; FERREIRA, 2012, p. 312), o que demanda o
entendimento de que ela configura “um comportamento que requer
pelo menos cinco parâmetros: fonológico, morfológico, sintático,
semântico e pragmático”. (CAIXETA; FERREIRA, 2012, p. 312). Isso significa
o envolvimento de elementos relativos à fonologia (fonemas de uma
língua), morfologia (estrutura das palavras de uma língua), sintaxe
(classificação dos termos de uma língua), semântica (significado das
palavras) e pragmática (vinculada à linguística e ao uso da comunicação).

Componentes de representação da linguagem abarcam o


processamento nos seguintes níveis (SALLES; RODRIGUES, 2013):

1. Fonológico: atinente aos fonemas (sons da fala).


36

2. Morfológico: relativo às unidades de significado (palavras ou


partes de uma palavra).
3. Lexical: abrange a compreensão e produção de palavras. Relativo
ao robusto conjunto de palavras de uma língua ou ao repertório
linguístico da pessoa.
4. Sintático: Faz referência às regras de estrutura das frases, funções
e relações das palavras na oração.
5. Pragmático: relacionado à compreensão do modo como a
linguagem costuma ser aproveitada e interpretada, sem deixar de
levar em conta características de quem fala e de quem ouve, além
dos efeitos de variáveis situacionais e contextuais.
6. Prosódico: pertinente à habilidade de reconhecimento,
compreensão e produção de significado afetivo ou semântico,
embasado na observação de aspectos da fala, como entonação,
ênfase e padrões rítmicos.

A partir disso, atente para o fato de que a linguagem envolve os níveis


descritos anteriormente e ainda que “os modelos de processamento
abordam desde o reconhecimento e a produção de palavras até a
compreensão e expressão do discurso na modalidade oral e escrita”
(SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 90).

Então, como dito anteriormente, o processamento lexical compreende


aspectos: semânticos (relacionados ao significado das palavras e
ideias difundidas) e fonéticos (envolve a natureza física da produção e
percepção dos sons da nossa fala (SALLES; RODRIGUES, 2013).

Alterações na linguagem surgem quando há falhas no respeitável


conjunto de processos usados por sujeitos que falam, escrevem, ouvem
ou leem, ou seja, é quando aparecem dificuldades no reconhecimento
da forma das palavras (ortográfica ou fonologicamente), quando faltam
as necessárias compreensões dos significados esperados para falar e
ser entendido, para escrever e ser compreendido, além de alterações no
acesso às propriedades armazenadas no léxico mental, por exemplo.
37

Para entender completamente os transtornos da linguagem, é preciso


conhecer a história dos avanços desses estudos. Desde o século XIX,
vários pesquisadores abordam as melhores formas de avaliar e intervir
na linguagem, discutindo sobre os aspectos estruturais e voltando-se
aos estudos da sintaxe, da fonologia, da morfologia e da semântica
já comentados anteriormente. “Na Neuropsicologia, o aporte teórico
tradicional da Linguística permitiu um refinamento do estudo das
sequelas pós-lesão de hemisfério esquerdo, que já são bem conhecidas”
(BRANDÃO, 2012, p. 299). A linguística é o estudo da linguagem verbal
e interessa aos linguistas aspectos como as variações linguísticas e
que são diferentes formas de falar um mesmo idioma em um país, por
exemplo.

É importante perceber, com relação aos aspectos neuropsicológicos da


aprendizagem, que toda criança aprende uma língua para entender,
falar e escrever nela, que as funções corticais superiores exercem
grande papel na aprendizagem, já que a integridade esperada das
funções gnósico-interpretativas e práxico-produtivas (facilitadoras e
determinantes no desempenho escolar, por exemplo) são basilares
para o desenvolvimento da linguagem falada e para o aprendizado da
linguagem escrita. Ao ocorrer qualquer disfunção no desenvolvimento
das relevantes unidades funcionais cerebrais, haverá indesejadas
alterações perceptuais e motoras (FERREIRA, 2014; BODONI; TABAQUIM,
2018).

As pesquisas e os relatos da Neuropsicologia tratam de avaliações,


diagnósticos e tratamentos oferecidos aos preocupantes casos de
quadros psicopatológicos da infância e adolescência, passando por
avaliações das funções cognitivas conexas com o TDAH (transtorno
de déficit de atenção e hiperatividade) e outros transtornos, com
os transtornos de estresses pós-traumáticos, com os transtornos
obsessivo-compulsivos e com os transtornos de humor (BORGES et al.,
2008).
38

Passando para outra fase da vida humana, na velhice, podem surgir


sintomas e alterações de linguagem em decorrência da Doença de
Alzheimer, por exemplo. A demência de Alzheimer corresponde a
algo em torno de 60% das demências degenerativas. Saiba que o
prejuízo da linguagem, presente no quadro da doença de Alzheimer,
sucede “em variados graus e ritmos, predominando componentes
semânticos-pragmáticos. A perda do conhecimento inicia-se pelos
detalhes e aspectos específicos estendendo-se posteriormente para
os mais essenciais” (CAIXETA; FERREIRA, 2012, p. 235). Em um estágio
mais inicial da doença de Alzheimer, surgem déficits relacionados à
memória episódica e operacional e, em casos mais graves, déficits de
memória semântica. Além disso, é importante saber que as alterações
de linguagem, nessa doença, podem estar conectadas com os seguintes
transtornos da linguagem apontados a seguir (CAIXETA; FERREIRA. 2012):

• Anomia: relativo às dificuldades em encontrar palavras para


nomear alguns objetos.

• Afasia/disfasia: o sujeito começa a perder a fluência do discurso


e passa a utilizar circunlocuções, ou seja, expressões vazias e/ou
generalizadas, por exemplo, “pega aquela coisa para mim”, e a
apresentar, ainda, reduções da fluência verbal.

• Parafasias semânticas: é quando ocorrem trocas de termos por


categorias, como quando alguém troca a palavra cachimbo por
cigarro.

• Aprosodia: a linguagem perde a melodia da fala.

1.3 Desordens, transtornos de linguagem e dificuldades


de aprendizagem

Os transtornos de linguagem configuram desvios inesperados nos


padrões habituais de aquisição da linguagem desde tenra idade,
39

afetando inapropriadamente a aquisição da linguagem falada e escrita.


Implicam complicadas alterações, que representam atrasos na aquisição
da linguagem, dificultam a leitura e a escrita, deixando as pessoas que
lidam com o problema (crianças e adolescentes) e seus professores
ou pais (adultos) incomodados com essas reações inconvenientes.
Essas complicadas alterações da linguagem e da fala podem abranger
aspectos lesionais, ambientais, genéticos, degenerativos, lesionais, e
até emocionais, além de alterar e de, inclusive, causar desconfortos
na esperada evolução da comunicação e da linguagem humana (HUR;
CAIXETA, 2012).

Já as dificuldades de aprendizagem compõem um grupo vasto e


heterogêneo de

[...] desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição


e uso da audição, fala, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas.
Estes transtornos podem ser inatos ou adquiridos e devido a disfunção do
Sistema Nervoso Central. (HUR; CAIXETA, 2012, p. 325)

Seus efeitos podem ser observados dentro da família, na escola e em


outros espaços de socialização

As dificuldades de aprendizagem podem aparecer em companhia de


condições incapacitantes, como nos casos de distúrbio emocional e
social, deficiência intelectual e uma ou mais deficiências sensoriais, já
que existem pessoas com mais de um tipo de deficiência (HUR; CAIXETA,
2012).

Elas ainda ocorrem sob influências de situações ambientais adversas,


sendo necessário reconhecer as diferenças culturais, com situações
instrucionais inadequadas ou insuficientes, ou sob o peso de fatores
psicogenéticos (HUR; CAIXETA, 2012). Isso não está associado e não
deverá ser comparado com o que os linguistas chamam de variações
linguísticas, gírias e modos de falar um idioma diferenciado, em um
40

grupamento de pessoas específico, em uma comunidade periférica, por


exemplo.

Os neuropsicólogos devem ser cautelosos e não podem se precipitar


em emitir afirmações sobre se um paciente apresenta dificuldades de
aprendizagem e, portanto, déficits relativos à capacidade cognitiva sem
uma avaliação adequada, ainda que as performances apresentadas
estejam abaixo da capacidade esperada, por causa de uma dificuldade
específica, envolvendo, possivelmente, processamento auditivo ou visual
(HUR; CAIXETA, 2012).

Em algumas crianças, surgem os

[...] problemas de linguagem ou de compreensão de textos escritos.


Em outros ainda, são dificuldades afetivas ou transtornos de conduta.
Finalmente, os problemas podem surgir por falta da motivação e de
interesse pela aprendizagem. (COLL et al., 2004, p. 53).

O fato é que a chegada das crianças nas escolas faz aflorar, nos adultos,
a capacidade de enxergar, ouvir ou ler tais impasses, muitas vezes, com
indignação e preocupação.

Os estudos da Epidemiologia dos Distúrbios de Linguagem e


Aprendizagem apontam que as dificuldades de aprendizagem afetam
de 5 até 10% da população (HUR; CAIXETA). “Entretanto, com o apoio e
intervenções adequados, estes mesmos indivíduos podem ter sucesso
escolar e continuar em carreiras bem-sucedidas, e mesmo de destaque,
ao longo de suas vidas” (HUR; CAIXETA, 2012, p. 325). São casos que
podem ter sucessos nos atendimentos com os neuropsicólogos ou
amenizar sintomas crônicos e que seguiram com o sujeito no decorrer
da vida.

Cabe aos adultos que cercam aquela criança compreender que as


dificuldades de aprendizagem não são um singular distúrbio, mas
que vão além e representam um conjunto amplo de problemas
41

que podem perturbar a vida dela e dos familiares. Eles não podem,
antecipadamente, dizer que encontraram as razões da existência dessas
dificuldades em uma isolada e simples causa, pelo contrário, precisam
ficar tranquilos para não piorar a situação por inaptidão para lidar e agir
com tais diferenças e dificuldades (SMITH; STRICK, 2001).

A Neuropsicologia está interessada em pesquisar sobre as áreas de


percepção envolvidas nos diversos tipos de distúrbios de aprendizagem.
Nesse sentido, a discriminação visual ou auditiva está relacionada à
percepção das diferenças envolvendo o que se ouve e vê (HUR; CAIXETA,
2012).

Os impedimentos visuais e auditivos estão dizem respeito ao


preenchimento da falta de peças nas imagens ou nos sons. Já a
discriminação figura-fundo visual e auditiva deve dar conta da
focalização do objeto e ignorar os que ficaram para trás. O sujeito
precisa contar com boa memória visual e auditiva a curto e a longo
prazo, ter êxito no sequenciamento visual e auditivo para colocar o que
viu e ouviu na devida ordem (HUR; CAIXETA, 2012).

Já a associação e a compreensão auditiva devem relacionar, de modo


preciso, aquilo que é escutado com as coisas de que se fala, com
definições claras das palavras e os significados das sentenças. A
percepção espacial requer êxito com lateralidade (dentro e fora, abaixo
ou acima), a percepção temporal lida com intervalos de tempo para
processar a ordem e desenvolver a fala. Por fim, é preciso ficar atento
para a incapacidade de aprendizado não verbal e as dificuldades de
processamento de sinais não verbais presentes nas interações sociais
(HUR; CAIXETA, 2012).

Dentre as diversas dificuldades de aprendizagem, existem aquelas


relacionadas ao reconhecimento e à compreensão de textos escritos,
como a dislexia, e aquelas, como a dislalia, que dizem respeito a
dificuldades na articulação e que englobam trocas, omissões ou
42

esquecimentos de um ou vários fonemas ao falar (COLL et al., 2004;


LEAL; NOGUEIRA, 2012; HUR; CAIXETA, 2012). Além dessas duas, há a
disfasia, uma dificuldade que resulta em atraso no começo da fala; a
disortografia, que é uma dificuldade no grafismo; a disgrafia, a qual
envolve desordens da expressão escrita, manifestadas em dificuldades
com a estrutura, a sintaxe, a pontuação, a posição adequada das letras,
a organização esperada dos parágrafos etc. (COLL et al., 2004; LEAL;
NOGUEIRA, 2012; HUR; CAIXETA,2012). Por fim, a discalculia é uma
desordem do aprendizado aritmético, que ocasiona dificuldades com o
raciocínio lógico-matemático.

Com isso, é possível perceber que não só o transtorno de atenção e


hiperatividade (TDAH) – dificuldade em permanecer atento, controlar os
impulsos e intensa inquietação motora – deixa os adultos preocupados
com as crianças e os adolescentes em idade escolar (COLL et al., 2004;
LEAL; NOGUEIRA, 2012; HUR; CAIXETA, 2012).

Ainda que a Neuropsicologia não encare a desordem de linguagem


como uma desordem do aprendizado de maneira geral, “a desordem
de linguagem é precursora da dislexia, podendo estar associada
com dislexia em crianças mais velhas e em adultos e pode ser um
componente de outras dificuldades de aprendizagem” (HUR; CAIXETA,
2012, p. 326). Por isso, é necessário diagnosticar e oferecer soluções
terapêuticas a pessoas que a manifestem o mais cedo possível.

O neuropsicólogo precisa indagar sobre os atrasos na aquisição


da fala e da linguagem no decorrer da primeira infância por serem
recorrentes nessa fase da vida infantil, ainda que alguns julguem
que os atrasos comportamentais e afetivos são mais relevantes. Se
os atrasos na aquisição da fala e linguagem forem negligenciados, o
esperado é que podem evoluir para distúrbios da “linguagem expressiva
e/ou compreensiva, podendo levar a dificuldades na aquisição e no
desenvolvimento da leitura e da escrita. Dislexia é a mais comum,
43

constituindo cerca de metade de todas as alterações de aprendizagem”


(HUR; CAIXETA, 2012, p. 325). A presença do neuropsicólogo é essencial.

1.4 Entendendo os transtornos de linguagem

As disfunções das zonas primárias, que afetam as vidas de crianças e


adolescentes, podem ocasionar avarias da atenção. Assim, sujeitos em
idade escolar que padecem de casos de zonas secundárias disfuncionais
enfrentam dificuldades nas aprendizagens básicas de leitura, escrita
e matemática. Já as disfunções nas zonas terciárias resultam em
indesejados baixos rendimentos intelectuais, complicando e dificultando
compreensões da linguagem, da leitura, da escrita e da habilidade
matemática (FERREIRA, 2014). Um caos na vida de crianças, adolescentes
e seus professores.

Para a completa compreensão do que vem sendo dito, é preciso lembrar


que áreas primárias se alargam até que se complete o primeiro ano de
vida, as secundárias até os 5 anos de idade e as terciárias começam a
trajetória entre 5 e 8 anos, recomeçando no período da adolescência
(FERREIRA, 2014).

Para que a criança compreenda os mecanismos da escrita, ou seja, para


que entenda o funcionamento dessa essencial tarefa, quando ela pensa
ou fala uma palavra, é imperativo decompô-la nos sons linguísticos
que a arranjam e que se explique a decomposição do som da palavra
em fonemas. Isso demanda, da criança, um giro temporal superior do
hemisfério esquerdo e abrange as unidades funcionais (FERREIRA, 2014).

Imagine os transtornos decorrentes de lesões cerebrais ou quando estas


causam algum tipo de disfunção: isso complica ou até impossibilita na
conversão dos sons da linguagem em letras, originando indesejadas
alterações na escrita em idade escolar. A decodificação dos fonemas em
grafemas, isto é, a transformação dos sons em letras, exige informações
provindas das áreas parietais e parieto-occipitais. Uma incômoda lesão
44

ou disfunção nessas áreas arruína os esforços na relação entre fonemas


e grafemas, impossibilitando uma busca ativa das letras necessárias
(FERREIRA, 2014).

Entenda que a escrita configura uma representação gráfica da linguagem


e por usar letras e palavras, carece da manutenção do lobo frontal
para alimentar, na mente humana, desde o que se deseja escrever até
a perfeita coordenação do ato motor. Quanto mais intricada a função,
maior será o número de zonas (dos setores amplos) e de áreas (das
regiões mais restritas) relacionadas. É inevitável reconhecer que quanto
mais complexas as funções, mais serão necessários o desenvolvimento e
a perfeição na maturação cerebral (FERREIRA, 2014).

A leitura pode sofrer prejuízos devido a alterações fonológicas alusivas


às dificuldades no acesso e na manutenção dentro da mente, sendo
importante a necessária informação para dar cumprimento à leitura
e à escrita. Na Neuropsicologia, considera-se que as dificuldades
de aprendizagem representam desordens sistêmicas e parciais que
implicam danos na aprendizagem escolar e que aparecem como
consequências de insuficiências funcionais em um ou mais sistemas
cerebrais, dos quais se pode esperar, possivelmente, o aparecimento de
uma ou mais cadeias conectadas na estrutura psicológica no decorrer do
processo de aprendizagem. Entenda que os sistemas de processamento
da informação relacionados aos atos de leitura são aparelhados em uma
estrutura modular (FERREIRA, 2014).

Uma dificuldade de aprendizagem que afeta a criança alfabetizanda é


a dislexia, pois a faz apresentar complicações no reconhecimento e na
compreensão de textos escritos. A criança com dislexia vai ter que arcar
com dificuldades no desenvolvimento de habilidades de reconhecimento
das palavras e na compreensão da leitura. No século XIX, já havia
disléxicos e, desde então, esses sujeitos necessitaram suportar falhas
no desempenho e na aquisição de relevantes habilidades de leitura e
escrita (LEAL; NOGUEIRA, 2012).
45

É necessário entender que o tratamento da dislexia se concentra na


reeducação da linguagem escrita e que cabe ao psicopedagogo, a partir
do diagnóstico completo, realizar um planejamento para cada etapa do
atendimento individualizado. Além disso, durante o acompanhamento
da criança com dislexia na escola, o psicopedagogo deverá orientar
a instituição para garantir as adaptações pedagógicas essenciais à
criança, a fim de que ela se desenvolva da melhor forma possível (LEAL;
NOGUEIRA, 2012, p. 80).

A dislexia “é o comprometimento acentuado no desenvolvimento nas


habilidades de reconhecimento das palavras e da compreensão da
leitura” (LEAL; NOGUEIRA, 2012, p. 78) e a causadora de problemas a
universitários e a profissionais na vida adulta e em idade avançada.

A dislexia é “uma desordem de linguagem caracterizada por déficits


no reconhecimento fonológico e concomitantemente, dificuldade
em decodificar palavras” (HUR; CAIXETA, 2012, p. 326). É associada,
regularmente, à manifestação adicional de distúrbios de linguagem,
representando uma alteração de aprendizagem muito recorrente.

Já a dislalia, conhecida como gagueira, é uma dificuldade de articulação


ao pronunciar determinados sons e afetará as aprendizagens da
escrita. Tal dificuldade na articulação promove trocas ou omissões
(esquecimentos) de um ou vários fonemas ao falar e pode ser
considerada um distúrbio do ritmo, conhecido como gagueira. Além
destes, ainda existem outros déficits do desenvolvimento da fala, como
podemos ver com Leal e Nogueira (2012).

A disortografia é uma dificuldade no grafismo que vai aparecer na


alfabetização como uma incapacidade para transcrever, de forma
correta, a linguagem oral, produzindo trocas ortográficas e confusões
com as letras, causadas pela dificuldade em relacionar a palavra
impressa ou escrita com os sons.
46

A criança com disgrafia apresenta dificuldade na produção de uma


escrita cabível, ainda que tenha um nível intelectual apropriado, receba
acertadas instruções e que não tenha déficits sensoriais e lesões
neurológicas peculiares. Esse indivíduo será “submetido ao mesmo
processo de prática da escrita no decorrer de sua formação acadêmica”
(CIASCA, 2009, p. 187). Sendo assim, é importante, para amenizar os
sintomas, fazer atividades de “reeducação grafo-motora, reeducação da
letra, sistematização da escrita e exercícios de aperfeiçoamento” (LEAL;
NOGUEIRA, 2012, p. 76). Por fim, é cabível afirmar que a presença do
neuropsicólogo na vida dessas pessoas é essencial.

Concluindo os estudos sobre linguagem e transtornos, você agora


é capaz de compreender as principais alterações de linguagem e
associações com transtornos da linguagem, além de saber mais sobre
transtornos associados ao comprometimento da linguagem na infância
e na adolescência, bem como na vida adulta e idosa.

Referências
BODONI, P. S. B.; TABAQUIM, M. de L. M. Implicações de fatores atencionais no
desempenho na leitura e escrita em escolares com fissura de lábio e palato. Rev.
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BORGES, J. L. et al. Avaliação neuropsicológica dos transtornos psicológicos na
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BRANDÃO, L. Discurso e contexto na neuropsicologia. In: CAIXETA, L.; FERREIRA, S.
B. (org). Manual de Neuropsicologia dos princípios à reabilitação. São Paulo:
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princípios à reabilitação. São Paulo: Atheneu, 2012.
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COLL, C. et al. (org.). Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia
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47

FERREIRA, M. G. R. Neuropsicologia e aprendizagem. Curitiba: InterSaberes, 2014.


HUR, M. R.; CAIXETA, L. Desordens de linguagem e dificuldades de aprendizagem.
In: CAIXETA, L. FERREIRA, S. B. (org.). Manual de Neuropsicologia dos princípios à
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LEAL, D.; NOGUEIRA, M. O. G. Dificuldades de Aprendizagem: um olhar
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LEZAK, M. D.; HOWWESON, D. B.; LORING, D. W. Neuropsychological assessment.
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RAZEK, M.; DOMINGUES, C. L. K. As Dificuldades de Aprendizagem e o Processo
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SALLES, J. F.; RODRIGUES, J. de C. Neuropsicologia da linguagem. In: FUENTES, D. et
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SERAFINI, A. J. et al. Panorama Nacional sobre a Avaliação Neuropsicológica de
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SMITH, C.; STRICK, L. Dificuldades de aprendizagem de A a Z: um guia completo
para pais e educadores. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
48

Principais instrumentos de
avaliação da linguagem
Autoria: Maria da Glória Feitosa Freitas
Leitura crítica: Lívia Benatti

Objetivos
• Compreender os usos dos principais instrumentos
de avaliação da linguagem.

• Conhecer as contemporâneas posições teóricas


sobre avaliação e seus instrumentos mais usados
fora e dentro do Brasil.

• Consolidar conhecimentos dos meios e dos fins de


uma avaliação para a compreensão dos aspectos
normais e das alterações de linguagem associadas
com transtornos da linguagem.
49

1. Neuropsicologia e os principais
instrumentos de avaliação da linguagem

Você está aprendendo sobre as várias possibilidades de atuação de


um profissional de Neuropsicologia. E este é o momento de consolidar
conhecimentos sobre os principais instrumentos de avaliação da
linguagem com o objetivo de conhecer posições teóricas e instrumentos
de avaliações mais usuais, inclusive no Brasil, e que serão salutares
aos neuropsicólogos que irão, em um futuro próximo, atuar com os
transtornos associados aos comprometimentos da linguagem.

As suas leituras serão de fundamental importância para sua formação


e futura atuação com problemas relacionados à linguagem de crianças
ou adolescentes e, ainda, de adultos e idosos. Ao final deste último
Tema, será possível ter muitos mais elementos para conceituar a
linguagem, aliados a uma compreensão mais ampla tanto dos aspectos
normais da linguagem como das principais alterações de linguagem e
sua associação com transtornos a ela associados, consolidando, assim,
conhecimentos de meios e fins da realização de uma avaliação.

1.1 Neuropsicologia e o lugar da avaliação da linguagem

Avaliações sobre as bases neurobiológicas da linguagem, sobre a


aquisição da linguagem, sobre o processamento cognitivo-linguístico
(oral e escrito) e sobre os déficits linguísticos, tanto os adquiridos como
aqueles chamados de déficits do desenvolvimento, podem oferecer
elementos significativos para possíveis e consistentes tratamentos e
reabilitações neuropsicológicas (SALLES; RODRIGUES, 2013).

O avaliador da linguagem, em uma perspectiva neuropsicológica, deverá


ter em mente que a aquisição da linguagem implica três processos: o
primeiro é o da aquisição das linguagens internas, que é o intricado
processo de internalização da língua. O indivíduo poderá chegar ao
50

neuropsicólogo com a demanda de avaliação dos complexos distúrbios


da linguagem interna, sem comprometimentos mentais, com o sujeito
fixado nas sensações e percepções e com dificuldades na elaboração
necessária de imagens e símbolos, que se encontram alteradas
(DUMARD, 2016).

O segundo processo é relacionado à aquisição receptiva, o qual implica


a compreensão das relações do que é dito entre emissor e receptor
(lembrando que os casos de alteração da linguagem receptiva são
relacionados às afasias receptivas). Alterações na linguagem receptiva
podem aparecer nas avaliações neuropsicológicas como dificuldades
do sujeito em compreender ordens complexas, com longa sequência
de solicitações; em sujeitos com deficiência auditiva e visual e, ainda,
na dificuldade de discriminação auditiva e visual, na confusão, ao ler e
ouvir, dos fonemas com idêntico ponto articulatório e com formatos que
sugerem que são parecidos ou iguais, embora sejam distintos (DUMARD,
2016).

O terceiro processo é relativo à aquisição expressiva e possui


significativas experiências que envolvem relevante discriminação da
nossa recepção da informação, já que o esperado é que tudo funcione
bem nos nossos sistemas de expressão e recepção cerebral. Essas
alterações podem ser observadas na afasia expressiva, por exemplo,
em decorrência de lesão na área de Broca e em todos os casos em que
a área definidora da palavra a emite com afetação na simbolização,
dificultando a significação. Além disso, ocorre também em casos de
disfasia, quando há prejuízos na articulação da fala em situações
decorrentes de lesões no Sistema Nervoso Central ou no Sistema
Nervoso Periférico, e até em situações em que a musculatura está
paralisada, dificultando a movimentação dos nervos (DUMARD, 2016).

Ao avaliar um paciente, é necessário tê-lo como um sujeito ativo e


não como alguém carregado de passividade. O uso de instrumentos
neuropsicológicos na avaliação de distúrbios ou dificuldades de
51

aprendizagem demanda respeito às particularidades dos sintomas dos


sujeitos, e o que se espera posteriormente é que sejam encaminhados,
munidos de excelentes avaliações por profissionais eficientes (DUMARD,
2016).

As avaliações neuropsicológicas, com os mais qualificados testes, são


modos assertivos de investigação das integridades, comprometimentos
e funcionalidades das funções cerebrais. Precisam ser avaliados todos
os processos envolvidos nas funções psicológicas superiores e a
existência ou não de lesões, com o uso dos instrumentos avaliativos
neuropsicológicos, entre outros, para acercar-se de informações sobre
o desenvolvimento e a análise de todas as relações possíveis (DUMARD,
2016).

1.2 Como conduzir as avaliações nos distúrbios de


aprendizagem com crianças e adolescentes?

As avaliações neuropsicológicas apropriadas aos problemas decorrentes


dos distúrbios de aprendizagem podem chegar a resultados mais
eficazes se forem oferecidos por equipes multidisciplinares que
contenham um profissional da psicopedagogia, já que ambos os
profissionais, tanto neuropsicólogos quanto psicopedagogos, “se
complementam, e a junção de conhecimentos pode contribuir
significativamente para os planos de intervenção eficazes” (DUMARD,
2016, p. 60). Assim, farão em conjunto um bom trabalho com os sujeitos
que exibem distúrbios de aprendizagem.

Nesses casos qual teste usar? Estudos indicam que os instrumentos


neuropsicológicos podem ser variados, especialmente os que avaliam as
habilidades de linguagem. O WISC (Escala Wechsler de Inteligência para
Crianças), por exemplo, é um dos testes preferidos dos examinadores
(DUMARD, 2016, p. 60). O WISC é usado com crianças a partir dos seis
anos e também com adolescentes até os 16 anos e 11 meses.
52

A avaliação neuropsicológica deverá focar “na análise de como o


cérebro funciona e os quadros clínicos que envolvem sua anatomia e
funcionamento. Não ficará restrita ao uso dos testes escolhidos, mas,
sim, ao escore deles”. (DUMARD, 2016, p. 61). Uma hábil escolha das
etapas no processo de avaliação exige a atenção do neuropsicólogo para
conduzir bem a avaliação do sujeito.

A Neuropsicologia pretende alcançar o “entendimento de que os


distúrbios de aprendizagem sofrem influências da genética e do
contexto ambiental, que interferem nos processos mentais, e de que
ambos afetam o neurodesenvolvimento do indivíduo” (DUMARD,
2016, p. 61). Ainda existem dificuldades com a validação dos testes
neuropsicológicos, pois há espaços a serem ocupados por testagens
que atendam a todas as etapas do desenvolvimento do ser humano
(DUMARD, 2016, p. 61).

Os distúrbios de aprendizagem devem ser diagnosticados precocemente


e devem ser trabalhados de maneira adequada, notadamente se
forem objeto de abordagem profissional interdisciplinar (DUMARD,
2016). Esses distúrbios ou transtornos de linguagem costumam gerar
ruídos na comunicação do sujeito dentro dos ambientes sociais de
inserção dele. Tais distúrbios podem estar conectados aos modos
de falar, a problemas auditivos e até à própria voz (DUMARD, 2016).
Existe, portanto, um lugar para a avançar na avaliação neuropsicológica
aliada aos demais profissionais que lidam com a questão, como os
psicopedagogos e psicólogos que atuam com crianças e adolescentes.

Em uma avaliação neuropsicológica consistente, é necessário avaliar


se coexistem problemas de articulação, situação em que “existe a
dificuldade em pronunciar de forma correta as consoantes e as suas
junções; geralmente ocorre com crianças por volta dos sete anos”
(DUMARD, 2016, p. 65). Com isso, crianças e adolescentes em idade
escolar serão beneficiados.
53

Existem diferentes problemas articulatórios que demandam cuidados


dos neuropsicólogos (DUMARD, 2016):

• A linguagem tatibitate, ou seja, aquela voz com uma linguagem, de


certo modo, infantilizada.

• Rinolalia: fala do sujeito com ressonância nasal, causada por


alguns comprometimentos das vias nasais, como é o caso do lábio
leporino ou da fissura palatina.

• Dislalia: dificuldade de expressão verbal, com omissões, distorções,


substituições ou acréscimos de sons.

• Afasia: dificuldades de compreensão e de expressão verbal,


incluindo dificuldades no ato de escolhas de palavras adequadas,
com vocabulários empobrecidos e uso gramatical anormal e
deficiente.

• Disartria: dificuldade ao tentar expressar e articular verbalmente


múltiplos fonemas.

• Disfemia: dificuldade em manter a esperada fluência quando


o sujeito busca realizar uma eficiente expressão verbal. O
que produz é algo com interrupções no ritmo, mais lento ou
acelerado do que deveria ser. Conhecida como gagueira ou, ainda,
tartamudez.

• Mudez: falta de capacidade de articular de fonemas decorrente de


problemas auditivos ou transtornos no Sistema Nervoso Central.

A esta altura de sua leitura é possível que você se pergunte sobre a


importância da ação avaliativa de um neuropsicólogo. A partir disso, é
importante pontuar que “A avaliação neuropsicológica define o que deve
ser desenvolvido, onde está́ o objetivo da ação, e direciona a intervenção
psicopedagógica” (DUMARD, 2016, p. 77). O neuropsicólogo que atua
em instituições escolares deverá auxiliar os alunos nos processos
54

de aprendizagem, colaborando e interagindo com as crianças e os


adolescentes.

A presença de um profissional capaz de realizar avaliações


neuropsicológicas com alunos que estão lidando mal com suas
aprendizagens por algum tipo dificuldade relacionada à linguagem
deve carregar a certeza de que, para o aluno aprender, é necessário
“estar motivado cognitivamente e isso está ligado com a metodologia
de ensino e com o conteúdo apresentados” (DUMARD, 2016, p. 77).
Além disso, é possível que a avaliação neuropsicológica guie os próprios
educadores.

1.3 Como conduzir a avaliação da linguagem em uma


abordagem neuropsicológica com idosos?

O envelhecimento é estudado por diferentes áreas, como Medicina,


Psicologia, Gerontologia, Neuropsicologia, Serviço Social, Fonoaudiologia,
Antropologia, Educação Física, Epidemiologia, entre outras, com o intuito
de possibilitar melhor qualidade a essa fase da vida (SALLES; BRANDÃO,
2013, p. 208), o que é uma tarefa imprescindível.

Pensando nisso, torna-se importante ressaltar o volumoso grupo de


idosos brasileiros e o aumento na longevidade em nosso país. Essa
realidade exige mudanças na atenção à saúde da pessoa idosa, para
que esse grupo de indivíduos possa usufruir integralmente dos anos
proporcionados pelo avanço de diversas áreas da ciência, como a
Neuropsicologia (SALLES; BRANDÃO, 2013).

O processo de envelhecimento pode ser abordado sob diferentes


aspectos. Alguns deles são relacionados a habilidades “cognitivo-
linguístico-comunicativas ou Neuro-psicolinguística nos níveis léxico-
semântico, de sentenças e de discurso, no envelhecimento considerado
saudável” (SALLES; BRANDÃO, 2013, p. 208) e também naquele que
verifica comprometimentos nesses processos em caso de demências.
55

O processamento no nível da palavra, ou léxico-semântico, está


relacionado com a avaliação e como o desempenho de idosos em
tarefas “consideradas diretas ou explícitas e em tarefas indiretas ou
implícitas. Os níveis da frase e do discurso serão abordados a partir dos
estudos de compreensão e produção sintática e discursiva” (SALLES;
BRANDÃO, 2013, p. 208). Devem ser observados os processamentos
fonológico, ortográfico, semântico, sintático e pragmático, além
da compreensão da linguagem, bem como os aspectos evolutivos,
patológicos e as funções cognitivas da linguagem (SALLES; BRANDÃO,
2013).

O exame neuropsicológico é um método clínico de investigação cujo


objetivo é “traçar inferências sobre as características funcionais e
estruturais do sistema nervoso. É feito a partir da coleta de dados
sobre o comportamento de um indivíduo em situações predefinidas
de estímulo-resposta” (SALLES; BRANDÃO, 2013, p. 239). Uma perfeita
prática do exame neuropsicológico exige uma “formação altamente
especializada contemplando áreas que incluem neuroanatomia,
neurofisiologia, psicologia do desenvolvimento, psicopatologia do
desenvolvimento, psicometria, entre outras (SALLES; BRANDÃO, 2013,
p. 239). A finalidade do exame neuropsicológico é avaliar cognição e
o comportamento a partir de um raciocínio monista materialista, ou
seja, verificar se a atividade cognitiva e o comportamento derivam
necessariamente da atividade do sistema nervoso (SALLES; BRANDÃO,
2013).

Os meios usuais que os neuropsicólogos decidem conduzir uma


avaliação incidem em baterias e testes, questionários, escalas,
entrevistas e observações (SALLES; BRANDÃO, 2013). Não é possível
determinar que testes e escalas são os definidores do exame
neuropsicológico.

Cada exame neuropsicológico deve ser caracterizado como um


detalhado raciocínio clínico estruturador dos dados coletados, partindo
56

de diferentes meios (SALLES; BRANDÃO, 2013). Se, no decorrer da


primeira metade do século passado, o exame era utilizado com a
intenção principal de obter a localização de regiões do cérebro diante
de lesões, a partir de suposições de que existiriam centros funcionais
no sistema nervoso, os tempos hoje abrigam outros interesses e
possibilidades. Assim, essas ideias viraram obsoletas, diante dos
acontecimentos, a partir do incremento de técnicas “mais eficientes
para caracterização morfológica e eletrofisiológica do sistema nervoso
central (SNC), bem como do aprimoramento do conhecimento das
bases neurais de transtornos mentais e o fim da dicotomia orgânico x
funcional” (SALLES; BRANDÃO, 2013, p. 241).

Além de solicitar exame neuropsicológico de idosos com a finalidade


de decisão sobre a aquisição ou manutenção da habilidade para dirigir
um automóvel, o que mais pode ser esperado? O “fornecimento de
parâmetros para avaliação de intervenções e para a elaboração de
rotinas de reabilitação cognitiva” (SALLES; BRANDÃO, 2013, p. 241),
ferramenta que pode ser relevante também como linha de base anterior
para uma possível intervenção farmacológica.

1.4 Como realizar a avaliação da linguagem em uma


abordagem neuropsicológica

As avaliações buscam a eficiência da linguagem, que é considerada uma


habilidade cognitiva muito complexa e respeitável para as socializações
e comunicações. Você, estudante de Neuropsicologia da Linguagem,
precisa entender que os distúrbios de linguagem adquiridos costumam
interferir muito naquelas habilidades significativas dos seres humanos,
a saber, as habilidades relacionadas ao trabalho, aquelas ligadas à
sociabilidade comunicativa e as de integração e reintegração à sociedade
(SALLES; RODRIGUES, 2013). Avaliar linguagem é atuar em prol de um
sujeito que possa viver tranquilamente com os usos das linguagens
falada e escrita.
57

A avaliação dos usos de linguagens por um neuropsicólogo passa pela


atenção aos modelos de processamento, que envolvem tarefas como
o reconhecimento e a produção de palavras e a compreensão e até
a expressão de discursos orais e escritos. O processamento lexical
contém um potente conjunto de processos pelos quais os ouvintes ou
leitores reconhecem a forma da palavra dos pontos de vista ortográfico
ou fonológico (SALLES; RODRIGUES, 2013), além de compreenderem
o significado e o armazenamento de informações ortográficas ou
gramaticais, como as classes e os gêneros das palavras.

Um bom avaliador da Neuropsicologia da Linguagem precisará ficar


atento em relação à compreensão da linguagem e ao processamento
das palavras e das frases contidas em um texto e que caracterizam
um nível linguístico inicial. Os significados das palavras “são
combinados, formando a microestrutura do texto. A microestrutura e a
macroestrutura (estrutura mais global do texto), juntas, formam o texto-
base, que representa o significado do texto” (SALLES; RODRIGUES, 2013,
p. 91). Isso leva ao encontro do conteúdo explicito.

Avaliar um texto escrito por um sujeito passa pelo reconhecimento


da “integração da informação do texto com o conhecimento prévio
relevante ou a representação de mundo, incluindo a capacidade de
fazer inferências. A produção de discurso coerente envolve o conteúdo
pragmático” (SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 91), além do semântico geral
e da construção de hierarquia de tópicos específicos.

Ao avaliar a linguagem escrita de um sujeito, deve-se levar em conta


que a produção do discurso é um processo cognitivo “que consiste
na construção, alocação e atualização das representações mentais
dos eventos e do contexto de comunicação, incluindo a seleção de
informação relevante dessas representações e do conhecimento geral”
(SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 91). O neuropsicólogo avaliador precisa
ficar atento ao nível discursivo do paciente para fixar conhecimentos
58

sólidos, no exame da escrita, sobre as manifestas relações entre


linguagem, memória e funções executivas.

Tome, agora, como exemplo as afasias. Elas podem ser definidas como
perda ou deficiência da linguagem receptiva e/ou expressiva, instigada
por um dano cerebral, geralmente no hemisfério esquerdo. “Além disso,
outros processos cognitivos relacionados à linguagem, como memória,
categorização, atenção e funções executivas, podem estar prejudicados”
(SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 93). Como proceder com as avaliações
sobre desempenhos de sujeitos com afasia? O diagnóstico que atesta
esse tipo de distúrbio deve ser concretizado a partir do desempenho do
sujeito com tarefas de linguagem oral e escrita.

O que é necessário avaliar? Os neuropsicólogos devem avaliar


“compreensão, expressão, nomeação e repetição nos níveis da palavra,
da sentença e do discurso”(SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 93). Quanto ao
“prognóstico da afasia depende da gravidade inicial dessa manifestação
clínica, da extensão e do local da lesão cerebral” (SALLES; RODRIGUES,
2013, p. 93). Hoje é possível acercar-se de informações que atestam tal
extensão de lesões cerebrais.

Uma sólida avaliação neuropsicológica da linguagem precisa admitir a


“compreensão dos déficits, em termos de manifestações superficiais,
causas subjacentes e componentes afetados, além de mostrar as
potencialidades em todos os níveis de descrição” (SALLES; RODRIGUES,
2013, p. 95). Isso implica buscar respostas, no decorrer das etapas
avaliativas das funções linguísticas, das atividades comunicativas e de
questões psicossociais.

A avaliação deverá ser focada em hipóteses elaboradas na etapa de


observação, com a certeza de que é preciso estar aberto para adicionar
novos elementos no decorrer das demais etapas permitidas pelas
avaliações. Por isso, é necessário enxergar como “um processo cíclico,
em contínua revisão de hipóteses, até fornecer bases suficientes para a
59

reabilitação” (SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 96). Reabilitar com o máximo


de detalhes é o objetivo de uma boa avaliação.

Uma das relevantes tarefas do avaliador da linguagem, sendo um


profissional da Neuropsicologia, é a de entrevistador. Nesse sentido,
durante a entrevista, “é importante investigar hábitos de leitura e de
escrita para além do nível de escolaridade, buscando informações
sobre fatores individuais e socioculturais que podem impactar na
comunicação” (SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 96). Isso pode permitir
a escuta de adultos que cerquem as crianças e os adolescentes em
instituições em que ela vive (a família) ou em que seja educada (como
a escola, a igreja, o clube), entre outras instituições de socialização
infantojuvenil.

O adequado avaliador neuropsicólogo da linguagem permanece


cuidadoso com os detalhes. “As tarefas selecionadas para avaliar a
linguagem oral e escrita geralmente envolvem expressão (linguagem
espontânea, linguagem automática, nomeação, repetição) e
compreensão, nos níveis de palavras, frases e discurso” (SALLES;
RODRIGUES, 2013, p. 96). Para maior riqueza de informações, é
necessário ser muito aberto e empático com os sujeitos e ouvi-los com
atenção.

1.5 Instrumentos e testes mais usados no Brasil


e avaliação da linguagem em uma abordagem
neuropsicológica

O neuropsicólogo deve buscar as mais variadas ferramentas e os


mais sofisticados métodos de avaliação possíveis para a mais justa
mensuração da linguagem e isso trará os melhores resultados para
serem compartilhados com outros profissionais que venham a atuar em
problemas de linguagem, seja com crianças ou adolescentes, seja com
idosos ou adultos.
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No Brasil, existem situações limitantes, já que menos da metade (um


quarto) das publicações sobre avaliação da linguagem tratam de um
modo bem definido a avaliação neuropsicológica da linguagem (SALLES;
RODRIGUES, 2013). Como os “instrumentos mais usados foram o
Teste de Nomeação de Boston, o Teste de Fluência Verbal Semântica
(Categoria Animais), o Teste de Vocabulário por Imagens Peabody e
o Token Test” (SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 96), torna-se necessário
conhecê-los bem.

O Teste de Nomeação de Boston “costuma ser utilizado para avaliar se o


paciente apresenta anomia, sendo necessário comparar o desempenho
dos adultos de acordo com a sua escolaridade” (SALLES; RODRIGUES,
2013, p. 96). No Brasil, os escores pela versão usada nos Estados Unidos
costumam agradar os pesquisadores.

A anomia é chamada também de afasia nominal (palavra originada


a partir de afasia – significa “não fala”, no grego – e de nomina – que
significa “nomes”, no latim) ou, ainda, de amnesia nominal (“mnesis”,
em grego, significa memória). “Além de tarefas específicas, há baterias
como o Teste de Boston para o Diagnóstico das Afasias – versão
reduzida (Boston Diagnostic Aphasia Examination – short form)” (SALLES;
RODRIGUES, 2013, p. 96). O avaliador pode detectar, com esse teste, um
tipo leve e fluente de afasia, com existência de falhas ao evocar palavras
já conhecidas.

Já a influência da idade e da escolaridade também vem sendo observada


no Token Test, o qual é usado para avaliar a compreensão de sentenças.
Além disso, é possível a obtenção de medida de produção espontânea
de palavras, o que é feito através das tarefas de fluência verbal. Vale
ressaltar que existem apropriadas normas brasileiras para adultos e
idosos, os quais são divididos em grupos limitados pela idade e pela
escolaridade de cada um dos sujeitos (SALLES; RODRIGUES, 2013). É
muito interessante para verificar a compreensão verbal de crianças e até
de adultos e idosos.
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O teste Pirâmides e Palmeiras “mostra-se adequado para avaliar o


acesso às representações semânticas no nível da palavra” (SALLES;
RODRIGUES, 2013, p. 96). O pesquisador precisa entender que, “para
avaliar as habilidades de escrita de palavras, pode-se utilizar a Tarefa
de Escrita de Palavras e Pseudopalavras” (SALLES; RODRIGUES, 2013, p.
96). Isso favorecerá o avaliador neuropsicológico que busca identificar
o tipo de disgrafia adquirida “que o paciente apresenta, de acordo com
a abordagem da neuropsicologia cognitiva” (SALLES; RODRIGUES, 2013,
p. 96). Disgrafias são dificuldades com a estrutura da escrita (sintaxe,
pontuação, posição adequada das letras, organização esperada dos
parágrafos).

Ainda no Brasil, foi feita uma reconhecida adaptação do Teste MT


Beta – 86 Modificado – Montreal Toulouse acessível para o diagnóstico
das afasias (SALLES; RODRIGUES, 2013). Outra fonte que serve para
avaliar as demais habilidades cognitivas nos pacientes que apresentam
dificuldade na expressão da linguagem é o Instrumento de Avaliação
Neuro-psicolinguística Breve NEUPSILIN-Af, com uma adaptação
apropriada para pacientes afásicos expressivos (SALLES; RODRIGUES,
2013), que já apresentou bons resultados, garantidos em avaliações
anteriores.

A investigação pertinente aos aspectos funcionais da linguagem


pode ser realizada por meio da Bateria Montreal de Avaliação da
Comunicação – Bateria MAC (SALLES; RODRIGUES, 2013). Já os aspectos
considerados mais pragmáticos e mais qualitativos da linguagem
podem ser instrumentos de avaliação com o reconhecido Questionário
de Habilidades Funcionais de Comunicação (Funcional Assessment of
Communication Skills for Adults – ASHA-Facs) (SALLES; RODRIGUES, 2013).

Agora, um fato inequívoco e que é imperativo para essa área é: o clínico


e o pesquisador da linguagem deverão conhecer profundamente todos
os modelos de processamento da linguagem. Isso facilitará melhores
escolhas quanto a estratégias de avaliação, de diagnósticos e de hábeis
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tratamentos das alterações de linguagem (SALLES; RODRIGUES, 2013).


Outro elemento essencial é ressaltar que a linguagem necessita ser
avaliada conjuntamente com demais aspectos, como memória e funções
executivas.

E qual seria a razão disso? O fato é que “uma vez que a comunicação
envolve a participação integrada de muitas funções, e os distúrbios
de linguagem, como as afasias, podem ocorrer concomitante ou
secundariamente a esses déficits” (SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 97), é
recomendado que se avaliem memória e funções executivas também.

Podemos, neste momento, não ter instrumentos avaliativos em uma


quantidade maior, já que, no nosso país, ainda existe a séria necessidade
de adaptar ou construir “instrumentos que avaliem a linguagem de
forma ampla e completa, incluindo avaliações formais e também
ecológicas, para contribuir com o diagnóstico das afasias e outros
distúrbios de linguagem” (SALLES; RODRIGUES, 2013, p. 96). Dessa
forma, é bastante salutar que apareçam novas propostas para melhores
estratégias de reabilitação neuropsicológica para os pacientes. Além
disso, deve-se considerar a influência das variáveis sociodemográficas,
como idade, escolaridade e contexto socioeconômico e cultural (SALLES;
RODRIGUES, 2013, p. 96), considerando desempenhos de sujeitos nas
tarefas empregadas.

Em suma, espera-se que você, estudante, tenha aprendido, em detalhes,


os usos dos principais instrumentos de avaliação da linguagem
e que esteja fortalecido para futuras práticas com as leituras de
posicionamentos teóricos sobre avaliação e os instrumentos mais
habituais no mundo e no nosso país. Por fim, o que se espera é que você
tenha firmado conhecimentos sobre os meios e os fins da avaliação,
compreendendo os aspectos normais e aquelas alterações de linguagem
anexadas a algum transtorno da linguagem.
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Referências
ANDRADE, S. Fundamentos da reabilitação neuropsicológica. In: FUENTES, D. et al.
Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2013.
ANDRADE, S.; QUARANTA, T.; FUENTES, D. Remediação Cognitiva. In: FUENTES, D. et
al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2013.
DUMARD, K. Neuropsicologia. São Paulo: Cengage, 2016.
MALLOY-DINIZ, L. F.; FUENTES, D.; COSENZA, R. M. (org.). Neuropsicologia do
Envelhecimento: Uma abordagem multidimensional. Porto Alegre: Artmed, 2013.
SALLES, J. F.; BRANDÃO, L. Linguagem e comunicação. MALLOY-DINIZ, L. F.;
FUENTES, D.; COSENZA, R. M. (org). Neuropsicologia do Envelhecimento: uma
abordagem multidimensional. Porto Alegre: Artmed, 2013.
SALLES, J. F.; RODRIGUES, J. de C. Neuropsicologia da linguagem. In: FUENTES, D. et
al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2013.
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BONS ESTUDOS!

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