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WBA1260_V1.

PSICOLOGIA SOCIAL
E COMUNITÁRIA
2

Juliana dos Santos Corbett

PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA


1ª edição

Londrina
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
2023
3

© 2023 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.

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Fabiana Galvão Taioli Ribeiro

Editorial
Beatriz Meloni Montefusco
Carolina Yaly
Márcia Regina Silva
Paola Andressa Machado Leal

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________________________________
Corbett, Juliana dos Santos
C789p Psicologia Social e Comunitária/ Juliana dos Santos
Corbett, – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional
S.A., 2023.
32 p.

ISBN 978-65-5903-281-5

1. Psicologia. 2. Psicologia social. 3. Psicologia


comunitária. I. Título.
CDD 150.8
_____________________________________________________________________________
Raquel Torres – CRB 8/10534

2023
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
Homepage: https://www.cogna.com.br/
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PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA

SUMÁRIO

Apresentação da disciplina ___________________________________ 05

Desenvolvimento da Psicologia Social e Comunitária no Brasil e


na América Latina_____________________________________________ 07

Comunidade: aspectos conceituais e éticos sobre a construção


do espaço Coletivo __________________________________________ 18

A inserção, investigação e intervenção do psicólogo na


comunidade__________________________________________________ 30

A Psicologia Social e Comunitária e Saúde Coletiva____________ 43


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Apresentação da disciplina

A psicologia social e comunitária tem sua origem das reflexões e atuação


da psicologia social. Seu surgimento ocorreu na década de 1960, época
da ditadura militar no Brasil, com a relação com os movimentos sociais,
grupos e organizações comunitárias. Sua crítica em relação aos modelos
médicos tradicionais e pouco contextualizados com a cultura do Brasil
promoveu a concepção de intervenções inovadoras para a prática
profissional.

Neste contexto os profissionais questionaram o quanto que a psicologia


clínica respondia questões sociais mais amplas. O objetivo da Psicologia
Social e Comunitária está relacionado com conscientização dos sujeitos
e o fortalecimento de sua identidade. Entendendo que somos seres
sociais e que vivemos em comunidades, desenvolvendo trabalhos com
o foco na corresponsabilização dos envolvidos para a promoção da
transformação da realidade.

Para desenvolver o tema da melhor forma, iremos passar por alguns


tópicos, que serão: desenvolvimento da psicologia social e comunitária
no Brasil e na América Latina; comunidade: aspectos conceituais e
éticos sobre a construção do espaço coletivo; a inserção, investigação
e intervenção do psicólogo na comunidade; e a psicologia social e
comunitária e saúde coletiva.

Ao abordar a atuação na saúde coletiva, vamos ampliar os olhares


dos campos. Entendendo que se trata de uma área multidisciplinar
do conhecimento, que tem por objetivo aplicar as ciências sociais
e biomédicas para promover a saúde e o bem-estar do indivíduo e
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da comunidade, bem como, a intersecção das áreas que atuam na


prevenção das doenças e na promoção de bem-estar.

Vamos falar muito da nossa história, pois para essa área de


conhecimento a construção sócio-histórica é pilar da atuação para
a compreensão dos indivíduos e fenômenos sociais. Entender a
importância das demandas, do trabalho com equipes interdisciplinares,
a atuação em rede e compreensão do lugar do profissional nas políticas
públicas é fundamental para o enriquecimento dos fazeres.

Bons estudos!
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Desenvolvimento da Psicologia
Social e Comunitária no Brasil e
na América Latina
Autoria: Juliana dos Santos Corbett
Leitura crítica: Fabiana Galvão Taioli Ribeiro

Objetivos
• Compreender o desenvolvimento da psicologia
social e comunitária na América Latina.

• Compreender o desenvolvimento da psicologia


social e comunitária no Brasil.

• Apresentar a importância da práxis para a Psicologia


Social e Comunitária.
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1. A história e a Psicologia Social

Para iniciar a conversa sobre a psicologia social comunitária, é


necessário compreender a nossa história e como os campos se
conversam, convergem ou divergem. Para elucidar o surgimento
da Psicologia Social Comunitária, será necessário contextualizar
minimamente a Psicologia Social, considerando que a primeira é uma
extensão desta última. Ao se envolver e atuar nesse campo de prática da
psicologia, compreender o contexto, a conjuntura e a práxis sociopolítica
e histórica é fundamental para realizar intervenções que garantam o
desenvolvimento dos indivíduos e grupos envolvidos. Considerando que
somos seres gregários e buscamos as relações sociais naturalmente,
acaba sendo difícil encontrar ou compreender o comportamento
humano que não constitua componentes sociais. E o que seria “ser
gregário”? É a nossa necessidade e interesse em manter e ampliar
relações sociais. Algo que é inerente ao ser humano. Podemos até gostar
de momentos de solitude, porém, a pandemia da Covid-19 nos mostrou
o quanto a falta de relações e o isolamento social adoece e deixa marcas
em toda a sociedade.

Depois desse parênteses, voltamos à compreensão da psicologia social,


pois ela se preocupa em estudar o comportamento e desenvolvimento
do indivíduo, como esse processo é influenciado socialmente e
como ele, o indivíduo, modifica a sociedade, em seu papel de ator de
transformação. Sabe-se que as condições em que cada sujeito nasce
e se desenvolve são marcadas pelas questões históricas e familiares
e produzem formas de ser e viver em sociedade. Logo, é preciso
compreender o Homem que se insere no processo histórico, que se
deixa influenciar e influência, considerando as variáveis e perspectivas
bio-psico-histórico-sócio-ambiental-cultural e econômicas em que vive.

Compreendendo a relação da psicologia com a Psicologia Social de


forma histórica, foi na década de 1950 que começou a sistematização
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da Psicologia Social no Brasil, muito influenciada pela tradição dos


Estados Unidos com grande foco nos testes psicométricos e práticas
adaptacionistas. É preciso compreender a história para entender
como se deu essa prática. No período da primeira guerra mundial,
visando direcionar homens e mulheres para o serviço militar, de forma
colaborativa entre os profissionais, o foco estava na produção de testes
psicométricos. E, depois, no pós-guerra e seu impacto, o olhar voltou-se
para as famílias, as perdas de seus entes, crianças órfãs e soldados que
voltaram mutilados. O trabalho do profissional psicólogo estava mais
direcionado ao adaptacionismo e à reconstrução de uma nação. Logo. a
teoria tinha como base perspectivas positivistas e experimentais.

Essa era a referência utilizada no campo da psicologia social. Porém,


as inquietações e o desejo de uma prática mais contextualizada com
as demandas regionais e para qualificar o trabalho com o que se vivia,
surgiram as discussões sobre um fazer crítico. Dessa forma, a psicologia
social comunitária se apresenta nos países da América Latina.

2. O surgimento da psicologia social


comunitária

Como todos os humanos e fases, a psicologia não se livrou da crise. Até


porque a crise é um processo que nos coloca em movimento. Com a
necessidade e o questionamento da prática profissional na Psicologia
Social, com a famosa crise da psicologia na década de 1970, vários
psicólogos passaram a criticar como esse campo de trabalho desenvolvia
suas ações. No Brasil, como em toda a américa latina, o desenvolvimento
da Psicologia Comunitária se deu neste período de críticas aos modelos
tradicionais da Psicologia Social, que seguiam referências positivistas
e com perspectivas norte-americana e europeia em suas pesquisas
experimentais. A crítica também se fundou, pois nesse momento
histórico, a prática do psicólogo se definia e era caracterizada mais por
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técnicas empregadas do que pelo conhecimento do psiquismo humano.


O desenvolvimento do indivíduo, sua identidade, sua consciência e sua
construção na relação com o outro, não parecia ser importante. A visão
para com o sujeito se dava de forma fragmentada.

Como esse fazer era muito descontextualizado dos territórios latino-


americanos, novas formas de compreender o sujeito e suas relações
começaram a aparecer, sendo apresentadas várias formas de fazer
psicologia.

A psicologia social norte americana e europeia atuava e tinha


uma relação mais institucional em seu fazer, por ter uma grande
demanda pós-guerra. Muito diferente dos países da América Latina,
pois a discussão sobre a Psicologia Comunitária surgiu junto com
a Psicologia Social, num momento de ditaduras e guerrilhas nesta
parte do continente. Sem acesso às instituições e com a necessidade
de organização de grupos para fazer enfrentamentos em relação
ao momento de privações de direitos civis, violência e de liberdade
nos países da América Latina, a organização de profissionais mais
alinhados com esse novo pensar aconteceu. Buscou-se nos grupos, nas
comunidades religiosas ou políticas, na rua, nos bairros, nos sindicatos,
formas de organização para o desenvolvimento de ações como garantia
de direitos para a população.

Na década de 1980, surgiu a Associação Brasileira de Psicologia


Social (ABRAPSO), em um contexto marcado pela insatisfação com a
abordagem europeia e norte-americana da psicologia. No Brasil, os
problemas sociais eram profundamente afetados pela desigualdade
estrutural, pela injustiça social e pela pobreza, e as soluções propostas
pela Psicologia Social proveniente do chamado “primeiro mundo” não
se conectavam nem nunca se conectaram adequadamente com as
necessidades e demandas do Brasil e das nações latinas.
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Então, a denominada Psicologia Social Comunitária surge em 1975


com essa nomenclatura, com ações significativas na direção do
desenvolvimento de uma visão crítica da Psicóloga Social, bem como
para todas as práticas da psicologia. Foi um momento de grande
mudança e transformação das áreas e dos fazeres. Refletindo e
questionando a serviço de quem a profissão do psicólogo estava
servindo. Esse questionamento inicia uma grande mudança teórica,
mas nos acompanha em todos os campos e práticas profissionais
diariamente, pois não se entende apenas uma forma de fazer psicologia,
mas muitas as formas, áreas e práticas, expressando a pluralidade da
profissão, alinhada com e em busca de uma ciência crítica.

E você? Tem realizado seu trabalho a serviço de quem, ou de quê?

No Brasil, desde meados da década de 1960, os trabalhos de


psicólogos já eram realizados em comunidades vulneráveis, o que
na época denominava-se comunidade de baixa renda. Essa era uma
forma de contribuir com a deselitização do fazer da psicologia, marca
que carregamos da criação e desenvolvimento dos primórdios da
constituição da profissão, até os dias de hoje. Buscava-se, e ainda
seguimos com essa demanda, a necessidade em conhecer o diferente, a
população desfavorecida na garantia de acesso a ações e serviços sociais
e de saúde mental.

Montero foi a primeira autora a definir a psicologia comunitária, em


1982. Ela problematizou algumas implicações gerais e comuns de
diversos autores em psicologia comunitária na América Latina. A autora,
em 2008, definiu a Psicologia Comunitária:

[...] como um campo da psicologia dedicado ao estudo dos fatores


psicossociais que desenvolvam, fomentem e mantenham o controle
e o poder dos indivíduos sobre seu meio social e individual, os
instrumentalizando para a condução de mudanças no seu meio e na
estrutura social mais ampla. (MONTERO, 2008 apud BAIMA; GUZZO, 2015,
p. 36)
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Percebe-se a necessidade em colocar o sujeito como protagonista,


como agente de transformação. Muitas ações estavam voltadas para a
população pobre e vulnerável. Sabe-se que a vulnerabilidade não está
relacionada apenas com as demandas socioeconômicas, mas essa foi
uma visão difundida por muitas décadas. Em outra tentativa de ordenar
esta nova área de fazer, Góis define Psicologia Comunitária, uma
definição muito coerente, como:

[...] uma área da psicologia social que estuda a atividade do psiquismo


decorrente do modo de vida lugar/comunidade; estuda o sistema
de relações e representações, identidade, níveis de consciência,
identificações e pertinência dos indivíduos ao lugar/comunidade e
aos grupos comunitários. Visa ao desenvolvimento da consciência dos
moradores como sujeitos históricos e comunitários, através de um
esforço interdisciplinar que perpassa o desenvolvimento dos grupos e da
comunidade. [...] Seu problema central é a transformação do indivíduo em
sujeito. (GÓIS, 1993 apud LANE, 2013, p. 11)

Com essas mudanças de olhares e organização metodológica, a atuação


passa a priorizar as questões sociais com o objetivo de promover
mudanças por meio da participação da comunidade, problematizando
a atuação dos psicólogos brasileiros. Criou-se estratégias, nos diversos
contextos sociais, para intervenções comunitárias que priorizem
os direitos humanos e qualidade de vida dos sujeitos envolvidos.
A comunidade, seja geográfica, quando falamos de bairro ou vilas,
ou psicossocial, quando falamos de colegas e grupos, é onde a vida
acontece e é lá onde os profissionais devem estar.

Vale elucidar que quando falamos de ações psicossociais estamos


falando da relação entre o indivíduo e seu convívio social, o
funcionamento dos indivíduos, suas questões psíquicas e internas em
seus ambientes e relações interpessoais, sujeitos como parte de uma
comunidade. Compreender esse conceito é importante quando falamos
de ações da Psicologia Social e Psicologia Social Comunitária, pois várias
serão as referências sobre o conceito psicossocial.
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Nesse período de mudanças de paradigma na psicologia social


comunitária, diversas experiências psicossociais ganharam destaque.
Nas comunidades, surgiram atividades voltadas para a educação
popular, com o intuito de conscientizar a população sobre seus
direitos, especialmente em um contexto marcado por violência e
repressão. Essas ações foram desenvolvidas em locais e comunidades
como afirmou Góis, com o propósito de promover não apenas a
transformação social, mas também a transformação do indivíduo em
sujeito ativo em seu processo de mudança.

No contexto histórico do Brasil, sempre enfrentamos dificuldades


relacionadas à fome e à desigualdade estrutural. Nesse período, as
ações voltadas para ajudar as pessoas em situação de vulnerabilidade
eram predominantemente realizadas por instituições religiosas, já que
vivíamos em um período de ditadura e tínhamos restrições para realizar
ações nesse sentido. No entanto, com as mudanças históricas e políticas
em relação à psicologia social comunitária e conjuntura das políticas
sociais em desenvolvimento, processo de indivíduos assujeitados passar
a serem sujeitos de direitos também marca a prática do psicólogo. A
inserção nas comunidades passa a ser focada na garantia de direitos
com o trabalho voltado ao processo emancipatório dos atendidos.

Considerando o contexto, tipicamente, as intervenções se deram em


vários campos de trabalho, como escolas, unidade de saúde, creches,
em instituições públicas que visam o desenvolvimento social em
trabalhos intersetoriais para alcançar a qualidade de vida e direitos
humanos. Isso criou um fazer alinhado com a teoria contextualizada às
demandas e vivências sociais dos países.

3. A práxis na psicologia social comunitária

Ao pensar a inserção do profissional psicólogo na comunidade,


estamos falando da intersecção de dois pontos de tensão, de um lado
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existe o profissional com os conhecimentos, instrumentos, com sua


visão de homem e mundo, adquiridos em sua formação. E do outro
lado, a comunidade com suas características e dinâmicas próprias,
inseridas num contexto sócio-político-geográfico, vivendo em um
momento histórico específico, resistindo em suas lutas diárias, tentando
sobreviver.

A atuação dos psicólogos nessa área enfatiza a participação ativa dos


indivíduos na construção de um ambiente propício para as relações
sociais. A integração da psicologia social e da psicologia comunitária,
com suas concepções, princípios éticos, políticos e humanitários,
contribui para o desenvolvimento da Psicologia Social e Comunitária.
Essa abordagem visa direcionar práticas voltadas para as comunidades,
com o objetivo de promover a capacidade de reflexão e emancipação
dos indivíduos em relação às situações vivenciadas no contexto social.

O fazer da psicologia social e comunitária está intimamente ligado ao


processo emancipatório dos sujeitos com os quais os profissionais
atuam nas mais diversas regiões e realidades, no processo para
contribuir com a mudança social, nessas lutas diárias, deixando de
sobreviver, passando para a obtenção de uma vida digna. A perspectiva
dessa área está direcionada para os princípios de equidade e justiça
social. Pontos que demoraram a se apresentar na história e hoje são
fundamentais para a compreensão das demandas sociais e necessárias
para a articulação das práticas nos mais diversos serviços, discussões
intersetoriais e equipes multiprofissionais.

Tudo parece bem novo, mas vê-se que a forma apenas valida uma
demanda já latente enquanto ciência e práticas: a da mudança no
fazer elitista da psicologia. A Psicologia Social comunitária destaca
pontos importantes para o desenrolar da práxis profissional em termos
teóricos, metodológicos e de valores. No que se refere ao teórico, parte-
se do pressuposto de que o conhecimento se constrói na relação entre
o profissional e os sujeitos investigados. Já em termos metodológicos,
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usa-se a pesquisa participante como método de trabalho, trabalhando


juntos para resolver os problemas e situações que se apresentam. E
quando falamos de valores, este campo da ciência psicológica assume
o compromisso ético político, fundando-se na ética da solidariedade,
nos direitos humanos e na qualidade de vida da população vulnerável
(CAMPOS, 2013).

Já perceberam que alguns conceitos se repetem e, por ser algo de uso


profissional cotidiano, nos deixam na dúvida. Um desses conceitos que
se apresentou e encontramos com recorrência nos escritos e observado
ao serem apresentados os aspectos teóricos, metodológicos e de valores
da psicologia social comunitária é a práxis. Práxis é a relação dialética
entre teoria e prática. Ambas caminham juntas e se desenvolvem
concomitantemente, na busca de fazeres alinhados com a teoria que se
faz viva e em constante descobertas e transformação, como toda ciência
deve ser.

E, falando em prática, Góis é quem melhor define a prática na Psicologia


Social e Comunitária:

Fazer psicologia comunitária é estudar as condições (internas e externas)


ao homem que o impedem de ser sujeito e as condições que o fazem
sujeito numa comunidade, ao mesmo tempo que, no ato de compreender,
trabalhar com esse homem a partir dessas condições, na construção de
sua personalidade, de sua individualidade crítica, da consciência de si
(identidade) e de uma nova realidade social. (GÓIS, 1993 apud LANE, 2013,
p. 32)

A grande virada dada pela Psicologia Social na América Latina em


direção a uma Psicologia Social crítica, fez total diferença nos rumos
da história da Psicologia Social Comunitária, desenvolvendo uma área
comprometida com a transformação de uma realidade marcada pela
pobreza, desigualdade social, econômica e cultural, sendo incorporada
a discussão de uma prática contextualizada, do profissional psicólogo
inserido na comunidade e lidando com suas demandas internas e
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externas. Essa mudança contribuiu para a construção dessa práxis


cuja abordagem é a mudança da realidade. Com a preocupação
em investigar e compreender temas implicados com a realidade da
população latina e brasileira, dentro de uma perspectiva bio-psico-
histórico-sócio-ambiental-cultural e econômica.

Essa nova forma de ler o mundo, reafirma o compromisso com a justiça,


a igualdade e a dignidade. Rompendo com a ideia de neutralidade
científica, os profissionais reconhecem que sua atuação deve ser
neutra, no sentido de não ser tendenciosa no desenvolvimento das
atividades. Isso significa que as práticas devem ser críticas e ampliadas,
considerando diferentes pontos de vista em assuntos abrangentes, sem
apresentar um posicionamento unilateral. Embora os profissionais não
sejam neutros em si, a ação profissional deve ser imparcial, evitando
manipulações de comunidades e grupos.

Para chegar até esse ponto, muitas foram as influências dos


pensamentos de autores das mais diversas áreas e campos de
conhecimento, a saber: Paulo Freire, Orlando Fals Borda, Silvia Lane,
Martín-Baró, Maritza Montero e Leonardo Boff, entre outros. (ARENDT,
1997 apud SILVA; BOMFIM, 2013). O olhar dos profissionais de psicologia,
em geral, e especialmente na Psicologia Social Comunitária, assume
um papel de agentes de transformação, trabalhando em conjunto com
as comunidades e desenvolvendo ações que contribuam para seu
empoderamento. É fundamental compreender a cultura e o contexto em
que cada profissional atua, reconhecendo que toda prática é realizada
com base nessa compreensão.

A Psicologia Social Comunitária se desenvolve neste cenário, provocando


uma nova forma de atuar. Considerando a ciência como práxis e com
maior atenção para os fenômenos sociais, pois temas complexos não
podem ser resolvidos de forma simplista.
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Referências
BAIMA, L. S.; GUZZO, R. S. L. Formação em psicologia e prática comunitária:
problematização da psicologia social comunitária no Brasil. Rev. psicol. polít., v.15,
n. 32, 2015, p. 33–47.
CAMPOS, M. H. Introdução: A psicologia social comunitária. In: Campos, R. H.
F. (org.). Psicologia Social comunitária: da solidariedade à autonomia, 18. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
CODO, W.; LANE, S. T. M. (org.). Psicologia social: o homem em movimento. São
Paulo: Brasiliense, 1984.
FARR, R. M. As raízes da Psicologia Social moderna. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2010.
GÓIS, C. W. L. Psicologia Comunitária. In: SILVA, M. F. S.; AQUINO, C. A. B. (org.).
Psicologia Social: desdobramentos e aplicações. São Paulo: Escritura Editora, 2004.
(Coleção Ensaios Transversais).
LANE, S. T. M. Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil.
In: Campos, R. H. F. (org.). Psicologia Social comunitária: da solidariedade à
autonomia, 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
SILVA, E. C. S.; BONFIM, Z. A. C. Os caminhos da Psicologia Comunitária na
América Latina. Psicologia & amp; Sociedade, 25(1), 2013, pp. 251-253.
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Comunidade: aspectos
conceituais e éticos sobre a
construção do espaço Coletivo
Autoria: Juliana dos Santos Corbett
Leitura crítica: Fabiana Galvão Taioli Ribeiro

Objetivos
• Apresentar o conceito de comunidade.

• Promover reflexões sobre relação ética nos espaços


públicos e no espaço privado.

• Apresentar a importância dos direitos humanos e da


cidadania para o fazer do profissional.
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A psicologia social comunitária foi sistematizada dentro da psicologia


social. Suas atividades e intervenções têm por objetivo a educação, o
desenvolvimento da consciência social de grupos que convivem. Existem
diversas formas de conceituar e compreender o termo “comunidade”,
uma vez que se trata de um campo de atuação em constante evolução.
Neste sentido, iremos abordar a comunidade como o espaço físico
de convívio dos indivíduos, que engloba bairros, associações, vilas,
entre outros. Além disso, é importante considerar também o aspecto
psicossocial, que envolve as diversas relações interpessoais presentes
nesse contexto. A compreensão de comunidade como espírito de
unidade é fundamental para a prática profissional.

Retomando a história, apenas em 1965 a Psicologia Social Comunitária


foi nomeada como uma disciplina, e o estudo deste campo era foco da
Sociologia e da Antropologia. E foi na década de 1970 que as pesquisas,
nesta área, começaram a ser foco das Ciências Psicológicas. A Psicologia
Social Comunitária tem por objeto de estudos analisar e intervir nas
questões psicossociais da comunidade, fazendo uso de técnicas e
saberes da psicologia social, Saúde coletiva e outras áreas que também
investigam o comportamento e como as relações se dão. O campo de
trabalho visa investigar e contribuir com as necessidades das demandas
interpessoais (manifestando os mais diversos desafios e emoções) e de
Saúde Mental da população definida pela comunidade.

Diversos movimentos sociais na década de 1960 se lançaram para


o desenvolvimento de ações nas comunidades sindicais, de mães,
urbanas, de camponeses, femininas, de negros, dentre outros. Todos
construindo laços com a comunidade e seguidos por áreas como a
psicologia comunitária (VASCONCELOS, 1985). Estes movimentos,
foram protagonistas na origem da psicologia social comunitária, pois
com eles os profissionais puderam atuar contra a lógica do sistema,
focar suas ações na diminuição da desigualdade e atuar com a
população oprimida.
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1. A comunidade

Considerando que somos seres gregários e que o grupo é o ambiente


natural para nosso processo de convivência e desenvolvimento, torna-
se evidente que manter relações sociais saudáveis é algo fundamental
e desejável. Entretanto, nem sempre as trocas e condições necessárias
para uma boa vizinhança e convivência são estabelecidas de maneira
que todos os participantes se sintam à vontade.

Estar presente em uma comunidade é diferente de realmente participar


dela. De maneira natural, estamos inseridos nos lugares, nas relações
e nas atividades de convivência, no entanto, nem sempre ocorre
a efetiva participação, o envolvimento, a implicação e a dedicação
necessários para essas atividades. A comunidade se organiza sendo
um grupo de pessoas que tem seu grau de organização e compartilha
o mesmo espaço que pode ser físico e psicológico. Para ser um espaço
de participação, inevitavelmente compactuam dos mesmos valores,
atitudes e crenças, isso garante interação duradoura dos participantes
desse sistema. Por apresentar esses vários conceitos e formas de se
organizar e conviver, a comunidade acaba sendo um espaço privilegiado
para que o psicólogo exercite sua práxis.

O foco da Psicologia Social Comunitária são as práticas grupais, e a


estratégia de intervenção grupal se faz necessária nas comunidades.
Pois além de sermos seres gregários, a troca e discussão dos temas e
demandas que aparecem no grupo, contribui para o desenvolvimento
da consciência. Dessa forma, cada e qualquer componente do grupo
se vê, e se descobre no outro, percebendo-se conjuntamente, criando
identidade (LANE, 1985) e rede.

A prática do psicólogo se dá no processo de acolher e permear a


comunidade em suas várias instituições. A relação com a família,
escola, serviços públicos e privados é fundamental, além de ser o tom
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da intervenção necessária a partir da demanda que se apresenta. Essa


relação tem por objetivo acompanhar e criar estratégias de melhor
convivência, de uma aproximação mais estreita e criando intimidade
com o público. Todo esse processo amplia a possibilidade e qualidade
do vínculo, colocando o profissional no campo do fazer parte, sentindo-
se pertencente, o que contribui para a criação do espaço comum e para
as práticas propostas. A intervenção a partir deste contexto se faz de
forma mais fluida e garante encaminhamentos mais alinhados com a
rede e demandas dos sujeitos.

Olhar para a singularidade de cada sujeito, com sua cultura,


características e história em seus desenvolvimentos é foco no fazer
do psicólogo. Muitos conflitos ou demandas que se apresentam estão
relacionados com as diversas culturas que se encontram em espaços
comuns. A atenção para essas diferenças acaba proporcionando a
criação de melhores estratégias de intervenção.

Desenvolver relações sociais que se efetivem por meio da cooperação


e da comunicação entre os sujeitos considerando as relações de poder
existentes nos grupos não é tarefa fácil. Nesse campo de trabalho,
as atividades comunitárias são desenvolvidas de forma educativa e
preventiva. O caráter educativo acaba sendo derivado da reflexão que é
feita sobre os porquês das necessidades das pessoas e da comunidade
envolvida, além de como as ações vêm sendo planejadas, realizadas e
avaliadas para desencadear o resultado que o grupo quer obter (LANE,
1985).
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A prática profissional desenvolvida na Psicologia Social Comunitária está


direta e dialeticamente ligada ao trabalho exercido nos movimentos
sociais populares, com as bandeiras e demandas que se apresentam
cotidianamente, principalmente quando nos deparamos com ausências
de direitos. Para tanto, mesmo com as lutas e situações mais duras, o
afeto precisa estar presente nas relações, parafraseando Che Guevara,
sem perder a ternura nas lutas.

2. Cidadania e direitos humanos

Figura 1 – Direitos humanos

Fonte: Shutterstock.com.

Todas as pessoas em todo o mundo têm direitos. A declaração universal


dos direitos humanos (1948) coloca o povo acima da soberania do
estado, marcando historicamente a importância dos direitos humanos
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na convivência coletiva. E ao falar de direitos temos que falar de


cidadania, pois a partir dela descrevemos direitos civis, políticos e
sociais.

Vale lembrar que toda a ação realizada por psicólogos,


independentemente da área de atuação está pautada nos direitos
humanos. Na psicologia social e comunitária que tem trabalhado ao
longo de décadas na garantia de direitos da população oprimida, este
compromisso é maior. No código de ética profissional do psicólogo
(2005) no 1º princípio fundamental, temos:

I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da


liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano,
apoiado nos valores que embasam a declaração dos direitos humanos.
(CFP, 2005, p. 5)

Esse ponto é fundamental para o fazer e saber prático da psicóloga


social comunitária, pois a constituição do campo se deu num momento
histórico de ação e posicionamento. Ir para a comunidade para
contribuir no acesso a informações e trabalhar para a conscientização da
população oprimida sempre foi seu objetivo.

Em seus escritos, Martín-Baró (1996) deixa explicito o que considera o


papel do psicólogo, colocando-se e tomando partido das populações
oprimidas, em contraposição às opressões vividas. Sua implicação e
postura com a condição da população com quem atuava, consolidou
o que chamou de psicologia da libertação. Essa forma de designar a
ciência estava relacionada com um espírito da época (ziegist), com o que
os países da américa latina estavam passando, fazendo análises críticas
sobre a realidade social e visando conscientizar a população. Aqui no
Brasil foi possível acompanhar o desenvolvimento da pedagogia da
libertação, denominada por autores a partir da leitura em Paulo Freire
e a Teologia da libertação elaborada por alguns teólogos e pastorais,
dentre eles Leonardo Boff. O uso da palavra libertadora se deu no
24

sentido de que qualquer intervenção psicológica deveria privilegiar os


cidadãos para mudanças radicais nas políticas sociais, da educação
cidadã e democrática. Baró foi um grande militante deixando explicita
sua posição e questionamentos enquanto psicólogo: “Temos tentado
delinear a Psicologia educativa a partir do analfabeto, a Psicologia do
trabalho a partir do desempregado, a Psicologia clínica a partir do
marginalizado?” (MARTÍN-BARÓ, 1996, p. 228).

Devido ao seu caráter histórico, crítico e generalista, a Psicologia Social


Comunitária abrangia um amplo campo de trabalho, sempre buscando
garantir um espaço cidadão para os indivíduos, aliando-se às suas
lutas nos movimentos sociais e populares. No entanto, esse campo
de atuação era marginalizado e, de certa forma, ainda o é, dentro
da própria categoria profissional. Esse preconceito tem origem no
público atendido pelos profissionais da psicologia social comunitária:
pessoas em situação de pobreza e falta de infraestrutura. Eles atuam
junto à comunidade, em favelas, bairros periféricos, cortiços, lixões,
assentamentos, mutirões e associações de bairros, trabalhando com
grupos de mulheres, idosos, crianças e adolescentes em situação de rua,
e outros grupos marginalizados em geral. Assim, eles exercem um papel
de resistência.

A história apoia os profissionais com fatos, já a profissão orienta


em relação ao papel profissional da psicologia, mas o fazer com o
compromisso só pode ser desenvolvido se a conscientização sócio-
histórica de cada psicólogo for atravessada pela práxis comprometida
com a transformação social. Os campos de trabalho e os profissionais
em momentos históricos deram o primeiro passo, cabe a cada
geração a continuidade das lutas e levante de bandeiras em prol dos
marginalizados e desfavorecidos e na incessante resistência a favor dos
direitos humanos e da cidadania.
25

3. Questões éticas na comunidade: o público


e o privado

Quantos temas que orbitam a prática do psicólogo! Pois é, parece


tudo novidade, mas são temas e discussões fundamentais para o
desenvolvimento da prática profissional. E você? Já estava seguindo essa
linha de pensamento?

Lidar com grupos, viver em comunidade nem sempre é algo simples,


mas por sermos seres gregários, essa relação é necessária e desejada.
Para tanto, a organização do convívio com regras, valores e acordos
minimiza muito dos conflitos que possam se apresentar. E, por falar em
acordos e conduta, a ética e a moral caminham juntas e precisam estar
bem elucidadas para que a resolução dos conflitos e confusões esteja
alinhada com esses princípios.

Viver em comunidade requer contorno por parte de seus habitantes.


Invariavelmente fazemos juízos de valor das pessoas, usamos a nossa
referência para julgar ou criticar uma ação muito diferente da que
provavelmente faríamos. Essa constatação se dá, pois, a cultura e
o grupo onde crescemos e nos desenvolvemos são sempre muito
singulares e não pode ser exigida a mesma conduta de quem cresceu
e se desenvolveu em outro grupo, com costumes, valores e cultura
diferentes.

E como equalizar essas demandas de organização grupal?

Em uma dimensão mais macro temos a ética e na dimensão do cotidiano


temos a moral. Isso porque a ética é parte integrante da prática social do
Homem. Retomando alguns conceitos, ética é um conjunto de reflexões
sobre os princípios que fundamentam a vida moral. Considera-se a
consciência em refletir o que está certo ou errado, mas quando ninguém
está vendo. Já a moral é construída socialmente, considerando o certo
26

e errado de determinado grupo, num momento sócio-histórico. Moral


é um conjunto de regras que determinam os comportamentos dos
indivíduos em uma sociedade. Considerando esses conceitos, por isso
que o público e privado faz toda a diferença em relação aos atos dos
indivíduos, pois a ação deve ser a mesma, fazendo uso da ética nos mais
diversos espaços e situações.

É necessário fazer uma ressalva para destacar a importância de abordar


a ética e a moral de forma adequada. É crucial não confundir moralidade
com moralismo, pois essa confusão pode alterar os pontos discutidos
até o momento. Quando nos referimos à moral, estamos considerando a
moralidade, que engloba princípios relacionados a acordos e valores de
cidadania, tais como honestidade, lealdade e boa-fé. Por outro lado, ser
moralista significa considerar apenas os valores pessoais, sem levar em
conta o coletivo e os acordos sociais estabelecidos, como os previstos na
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mesmo sendo um acordo
mundial, alguns moralistas desconsideram seus princípios, o que pode
resultar em violência.

Nas comunidades muitos são os espaços de convivência, podendo ser


de lazer, de trabalho ou de estudos. Todos os espaços precisam de
organização para que a conduta faça sentido e garanta a boa convivência.
Os espaços podem ser parque, clubes, piscina, museu, shopping, sala de
aula, biblioteca, empresas etc. Todos, mesmo que informalmente, mantêm
suas características, organização e seguem os acordos sociais estabelecidos.
Por exemplo, na biblioteca, é esperado que haja silêncio, nos parques e
praças, especialmente quando há crianças e adolescentes, sabe-se que são
espaços para brincar. Já nas empresas, a formalidade e o compromisso são
exigidos de maneira mais intensa.

Os combinados, mesmo que velados e não necessariamente escritos e


publicizados já são conhecidos e em muitos momentos passados entre
as gerações. Porém, a cultura local também dita muito sobre como a
convivência se dará. É habitual acreditar que em local público pode
27

fazer tudo e que ninguém se responsabiliza por isso. Essa compreensão


é uma falácia, considerando que dentro do grupo e na lógica de
compreensão sobre comunidade o cuidado um com o outro nas suas
diversas dimensões está implícito. O cuidado da área comum precisa e
deve ser responsabilidade de todos, no uso e nos cuidados, bem como o
cuidado uns com os outros.

Dentro da comunidade, cada indivíduo desempenha um papel


específico, e o desempenho desses papéis com um senso de coletividade
contribui para estabelecer relações mais saudáveis. Os arquitetos
costumam dizer que todo espaço externo é de uso coletivo, seja em
espaços público, ou privados como as casas. Se é espaço comum, será
pensado em como receber ou criar ambiente acolhedor para um maior
número de pessoas, os grupos.

Pensar no senso de coletividade e como devemos nos portar quando


estamos com outras pessoas pode garantir a boa convivência em todos
os ambientes. Com o surgimento da internet e dos smartphones, é
importante refletir sobre o uso desses dispositivos, especialmente quando
se trata de música, luminosidade ou registros. Pois a boa vizinhança
sempre há de ser considerada, pois simbólica e culturalmente o uso
indiscriminado sem considerar os gostos musicais, a melhor hora para o
uso e o respeito entre as pessoas, pode causar grandes desentendimentos
nos ambientes como ônibus, museu, cinema, festas etc. Cuidar de como a
tecnologia influencia nossas relações pode melhorar a corresponsabilidade
dos cidadãos. O compromisso com o ambiente e com as pessoas faz
parte da conduta ética e cidadã. São pequenas intervenções a serem
consideradas que podem fazer muita diferença.

E qual a relação dessa discussão com a psicologia social comunitária?


Toda a relação, pois compreender como os indivíduos se organizam
e se comportam nos espaços públicos e privados, contribui para
entender a dimensão moral e ética. Logo, pode-se criar estratégias de
ação para o melhor desenvolvimento da comunidade. Apresentar as
28

diferenças, cuidados e condutas minimiza os conflitos, além de produzir


espaços de prevenção e educação focados no respeito necessário
para a convivência. E dentro da prática do psicólogo, contribuir com a
conscientização dos indivíduos em suas vivências comunitárias garante a
intervenção crítica.

Martín-Baró (1996) apresenta críticas em relação ao papel do psicólogo,


deixando explícita a sua visão que a situação histórica que vive a
população deve ser foco do trabalho, de forma contextualizada, levando
em conta a busca por soluções para as demandas sociais de forma
coletiva e não individual. O autor coloca o papel do psicólogo como
promotor de ações para contribuir com a conscientização dos indivíduos
e da população dizendo:

A consciência não é simplesmente o âmbito privado do saber e sentir


subjetivo dos indivíduos, mas, sobretudo, aquele âmbito onde cada pessoa
encontra o impacto refletido de seu ser e de seu fazer na sociedade.
(MARTÍN-BARÓ, 1996, p.14)

Essa relação entre a realidade e si mesmo constrói a identidade


pessoal e social dos sujeitos e a consciência de um saber práxico, na
realidade. Martín-Baró, em suas produções, faz a crítica em colocar a
responsabilidade das injustiças sobre o indivíduo, já que as necessidades
são coletivas e as soluções complexas. O autor afirma que o papel
primordial do profissional psicólogo seria a conscientização.

Sabe-se que o termo conscientização foi cunhado por Paulo Freire


para caracterizar “o processo de transformação pessoal e social que
experimentam os oprimidos latino-americanos quando se alfabetizam
em dialética com o seu mundo” (PAULO FREIRE 1970, p. 15-16 apud
MARTÍN-BARÓ, 1996). E o autor segue, considerando que o grande fazer
do psicólogo seria a conscientização:

Ao assumir a conscientização como horizonte do quefazer psicológico,


reconhece-se a necessária centralização da psicologia no âmbito do
29

pessoal, mas não como terreno oposto ou alheio ao social, mas como
seu correlato dialético e, portanto, incompreensível sem a sua referência
constitutiva. Não há pessoa sem família, aprendizagem sem cultura,
loucura sem ordem social; portanto, não pode tampouco haver um eu sem
um nós, um saber sem um sistema simbólico, uma desordem que não
se remeta a normas morais e a uma normalidade social. (MARTÍN-BARÓ,
1996, p. 17)

O profissional psicólogo dentro de uma prática crítica terá seu papel


atrelado à modificação e transformação social. Mas não se trata de
um salvador e sim um articulador, fomentando com outras áreas a
importância em atuar de forma coletiva nas comunidades. Os grandes
filósofos em suas discussões sobre ética na atualidade concordam que
diante de tantas dificuldades que vivemos o retorno à comunidade será
um caminho para garantir qualidade de vida, num resgate para a vida
social. Uma atenção que a psicologia social já nos coloca desde sua
instituição, com o trabalho comunitário tão disseminado pela Psicologia
Social Comunitária.

Referências
CODO, W; LANE, S. T. M (orgs.). Psicologia social: o homem em movimento. São
Paulo: Brasiliense, 1984.
CONSELHO Federal de Psicologia (CFP). Código de ética professional do
psicólogo. Brasília-DF, 2012. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/
uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf. Acesso em: 31 maio 2023.
MARTÍN-BARÓ, I. O papel do psicólogo. Estudos de Psicologia, v. 2, n. 1, p. 7-27,
1996. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-294X1997000100002. Acesso
em: 31 maio 2023.
LANE, Silvia T. Maurer. O que é psicologia social. Brasiliense, 1985.
SAWAIA, B. B. A apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a
humanidade. In: CAMPOS, R. H. F. (org.). Psicologia Social Comunitária: da
solidariedade à autonomia. 12. ed., pp.15-29. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
VASCONCELOS, E. M. O que é psicologia comunitária. In: O que é psicologia
comunitária. 1986.
30

A inserção, investigação e
intervenção do psicólogo na
comunidade
Autoria: Juliana dos Santos Corbett
Leitura crítica: Fabiana Galvão Taioli Ribeiro

Objetivos
• Compreender os cuidados e atenção na inserção do
psicólogo na comunidade.

• Apresentar possíveis intervenções do psicólogo no


contexto da psicologia social comunitária.

• Apresentar caminhos para a pesquisa no contexto


da comunidade.
31

A história da psicologia foi e ainda é marcada por ser uma profissão


elitista, com práticas voltadas à manutenção do status quo de nossa
sociedade desigual. Essa história produziu marcas e demandas de
mudanças. A inserção na comunidade e a mudança do olhar dos
profissionais com práticas mais sociais e o surgimento de novas áreas da
psicologia produziram novas formas de compreender o sujeito junto à
Psicologia Social Comunitária.

A inserção do profissional de psicologia nas comunidades se deu


principalmente a partir de novos olhares para a comunidade. Nos países
latinos que passavam por ditaduras, guerrilhas e quase guerrilhas,
a possibilidade de promover transformação e contribuição com a
população se deu em grupos nas comunidades. Essa entrada teve seus
ruídos, mas a cada momento sócio-histórico fica mais evidente sua
importância e cada vez mais ressalta-se o quanto é importante o cuidado
com a forma que os profissionais são inseridos nas comunidades.

1. A inserção do psicólogo na comunidade

A inserção de profissionais de várias áreas nas mais diversas


comunidades existentes no Brasil, que sabemos ser um país com
dimensões continentais, pode ser tão variada quanto as culturas
existentes. Parece até estranho pensar em alguma coisa que possa
ser replicada em qualquer ponto das diversas cidades brasileiras.
Mas, mesmo com estranhamento, esse cuidado deve ser tomado, pois
as várias áreas do conhecimento possuem instrumentos, recursos
e formas de ver o mundo muito diferentes de cada lugar em que
possa iniciar sua atuação. A relação se dá com esse encontro entre o
conhecimento teórico-prático das áreas, aqui focando na psicologia, com
as comunidades, que também têm seus saberes, culturas e dinâmicas
próprias. O cuidado se dá justamente nesse encontro, em que todos os
saberes são importantes, sem ordem hierárquica, mas com a abertura
32

em compreender em que momento cada um será importante para o


público com o qual o profissional irá se deparar.

As pressões e forças são percebidas e devem ser consideradas nestes


encontros, mas não como divergentes ou rivais e sim como aliadas.
O trabalho do psicólogo social se dá prioritariamente promovendo a
participação dos sujeitos os quais estão envolvidos nas ações propostas.
A demanda deve ser compreendida e definida de forma conjunta, mas
será mais discutida nas intervenções do psicólogo na comunidade.

A inserção de profissionais requer certa humildade para que se possa


assumir o compromisso com a área e a comunidade em questão.
Despir-nos e estar à disposição para aprender com as pessoas sábias
de experiência e não de conhecimento formal, não é algo simples ou
fácil, mas de fundamental importância. Martín-Baró (1997), em seu
texto sobre o papel do psicólogo, aponta não a necessidade em mudar
o campo de trabalho já existente, mas uma revisão na perspectiva
teórico-prática, colocando o conhecimento e práxis do psicólogo
em perspectivas mais populares, em que os profissionais escolham
estar lado a lado da comunidade no trabalho de conscientização e
transformação de sua realidade.

A Psicologia Social Comunitária foca seu trabalho, pesquisa e


intervenção com a visão psicossocial. Senso assim, a partir dessa visão,
ela compreende como a comunidade se caracteriza, se organiza, se
desenvolve e como precisa lidar com as demandas específicas do
período sócio-histórico que se apresenta. Nas últimas décadas no Brasil,
esse tem sido o pedido para a área, que os profissionais possam ocupar
novos espaços, desenvolvendo ações que em conjunto com o público,
de forma participativa, julguem importantes para a transformação social,
considerando a injustiça social vivida.

O trabalho a ser desenvolvido na comunidade pela psicologia


social comunitária deve priorizar o trabalho em equipe, de forma
33

interdisciplinar e colaborativa já que ninguém dá conta de tudo, e


mesmo se desse não é necessário seguir sozinho. O desenvolvimento
das ações deve se basear na interação do psicólogo com os sujeitos
da comunidade, de modo a facilitar o desenvolvimento das atividades
a serem desenvolvias, além de garantir a inserção e o vínculo com os
envolvidos.

Freitas (1998) sistematiza a inserção do psicólogo na comunidade e seus


diferentes motivos nas últimas décadas, a partir da escrita do texto, mas
que se mantêm relevantes para os dias atuais:

1. Militância e participação política: com a inserção nos bairros de


periferia e nas favelas dos grandes centros, contribuindo com a
mobilização dos setores oprimidos.

2. Filantropia e ao fornecimento de assistência psicológica: com


inserção e trabalho voltado para os mais desfavorecidos, fazendo
uso da ideia da caridade. Necessidade em oferecer serviços para a
população que estaria precisando de tratamento e/ou orientação
psicológica, com o foco na melhora da população, com a visão
adaptacionista, para minimizar problemas e sofrimentos vividos.

3. A curiosidade científica: inserção conduzida pelo interesse em


conhecer o desconhecido: as populações mais desfavorecidas.
Público acadêmico das ciências humanas e sociais interessados
e envolvidos nos bairros populares com seus instrumentos
(entrevistas, questionários, instrumentos etc.).

4. Mudança social e construção de conhecimento na área:


inserção guiada pelo compromisso em promover mudanças
das condições vividas pela população, estabelecendo caminhos
para as necessidades urgentes. As demandas são definidas
conjuntamente, comprometidas com a mudança.
34

Outros motivos podem ser listados contemporaneamente? Talvez,


mas esses tópicos precisam ser levados em conta, pois o cuidado deve
ser garantido. A inserção deve promover enriquecimento de ambos
os lados, não deve criar uma atmosfera de “uso”, apenas de pesquisa,
ou de caridade na relação com a comunidade. O compromisso com a
mudança precisa estar posto em primeiro plano nas relações desde o
início da inserção dos psicólogos nas diversas comunidades, bem como
o vínculo e objetivos pouco definidos, pois eles devem ser construídos
em conjunto.

1.1 A formação do profissional psicólogo

Não podemos falar de inserção em comunidades e todas as demandas


que essa prática nos coloca, se não pensarmos na formação. Sabe-se
que a formação do psicólogo ainda se dá de forma tradicional, levando
em conta as ações voltadas para as áreas mais clássicas historicamente,
a saber: psicologia clínica, psicologia organizacional, psicologia escolar
e psicologia hospitalar. Sabe-se também que as políticas públicas são
os campos que mais contratam os profissionais na atualidade, porém
são pouco exploradas durante a formação. Muito precisa ser revisto e
considerado em relação ao papel social do psicólogo e as demandas
sociais que se apresentam diariamente como necessárias para a revisão
da prática e da formação.

A formação segue de forma tradicional, mesmo que as ações, desde


a década de 1970, já tenham experiências e construções teóricas
direcionadas para as comunidades, no processo de conscientização
da população, considerando a violência e injustiça social do Brasil.
As práticas deveriam priorizar as relações humanas no período de
graduação e a atuação em Psicologia Social e Comunitárias deveria dar
condições para a inserção de forma crítica, com referenciais teóricos
mais robustos, pois são de extrema relevância para a história da
psicologia.
35

Branco (1998 apud AZEVEDO; PARDO, 2014) reforça a importância de


uma formação na qual estudantes de psicologia desenvolvam sua
capacidade de reflexão crítica com a perspectiva e o compromisso social.
Uma formação que promova modelos de atuação plural, de qualidade,
a partir de demandas sociais, priorizando a relação dinâmica entre o
indivíduo e o grupo social, sendo capaz de articular intervenções e ações
que sejam transformadoras. A formação deve estar comprometida com
a sociedade, visando promover transformações sociais, para garantir
melhores condições dos sujeitos.

2. Intervenções do psicólogo na comunidade

O fazer da psicologia social comunitária está intimamente ligado ao


processo emancipatório dos sujeitos com os quais os profissionais
atuam nas mais diversas regiões e realidades. No processo para
contribuir com a mudança social, nas lutas diárias, deixando de
sobreviver e passando para a obtenção de uma vida digna. A perspectiva
desta área está direcionada para os princípios de equidade e justiça
social. Pontos que demoraram a se apresentar na história e hoje são
fundamentais para a compreensão das demandas sociais e necessários
para a articulação das práticas nos mais diversos serviços, discussões
intersetoriais e equipes multiprofissionais.

São várias as possibilidades de intervenção, mas essas deverão ser


utilizadas de acordo com os objetivos de cada ação programada. A
Psicologia Social Comunitária tem como objetivo de seu trabalho a
promoção de autonomia na luta contra as injustiças estruturais, na
busca de garantia de direitos e qualidade de vida, as quais nunca
são desconectadas de qualquer ação e atividade a ser realizada nas
comunidades.
36

A palavra-chave para iniciar qualquer intervenção é a participação. As


ações devem ser planejadas, pensadas e definidas COM os indivíduos
das comunidades. Enquanto profissionais, os psicólogos sempre serão
parceiros coadjuvantes, promovendo estratégias e ações visando
a promoção dos direitos dos sujeitos, para que os indivíduos das
comunidades sejam protagonistas. Deve-se atuar para que a identidade
e a cultura da comunidade não sejam ameaçadas, garantindo respeito e
cuidado.

Não parece fazer muito sentido focar na transformação sem promover


nenhuma mudança na cultura, ou até mesmo nas relações, de fato
é algo impossível, já que a cada troca de experiências, mudanças
acontecem. Contudo, o foco da intervenção se dá na construção de
um processo de mapeamento das demandas, das dificuldades vividas
em conjunto, entendendo e cuidando para que as mudanças sejam
necessárias para cada comunidade e não a partir de intervenções
externas e descontextualizadas. As estratégias a serem utilizadas
consideram as necessidades já mapeadas com os sujeitos, nesses casos
as mudanças acontecem de forma ordenada, leve e em constante
movimento.

A atuação do psicólogo pode acontecer de várias formas em vários


níveis na estrutura social. A inserção nas políticas públicas se deu de
forma natural, pois os psicólogos sociais comunitários sempre atuaram
no terceiro setor, com as instituições sociais, considerando o momento
vivido na ditadura. Entender a sociedade em setores é uma das formas
de compreender a organização de uma sociedade.
37

Figura 1 − Organização da sociedade em setores

Fonte: elaborada pela autora.

O terceiro setor foi constituído para atuar no “buraco” de ausência de


ações do Estado em relação à garantia de direitos dos cidadãos. Por
isso, aqui sempre foi um campo de atuação do psicólogo social, pois as
organizações da sociedade civil se desenvolveram com a premissa de
transformação social na garantia de direitos e vida digna.

A atuação pode ser desenvolvida nos três setores, pois tipicamente as


intervenções se deram em vários campos de trabalho, como escolas,
unidade de saúde, creches, em instituições públicas etc., pois a inserção
do profissional psicólogo está nas diversas instituições e áreas que
atuam com as relações humanas. No entanto, foi no terceiro setor, que
visa o desenvolvimento social em trabalhos intersetoriais para alcançar
a qualidade de vida e direitos humanos, que a maior intervenção da área
se deu.

Neste sentido, atuar junto às políticas públicas se faz necessário, até


porque as áreas de saúde, assistência social e educação, são áreas
38

crescentes na contratação de profissionais da psicologia. Para contribuir


com a visão psicossocial, de desenvolvimento do indivíduo, com a
transformação social e conscientização da população juntamente de
uma teoria contextualizada com as demandas e vivências sociais.

2.1 Instrumentos a serem utilizados nas intervenções

Iniciar as ações nas comunidades requer conhecê-las, estar vinculado


e familiarizado com a realidade, bem como com a população local,
além de compreender a importância e necessidade em atuar em rede.
Promover a troca intersetorial é fundamental para a eficácia e o sucesso
das ações a serem desenvolvidas. Nenhuma atuação isolada e sem a
ação de várias políticas públicas dá conta de garantir direitos de forma
integral para os sujeitos. Existe a certeza de que as ações irão dar
certo? Não. Porém, existe o interesse em fazer dar certo a intervenção,
o planejamento e a articulação em rede, e, a partir deste movimento,
promover reais possibilidades de transformação com os sujeitos
envolvidos. Deixando o alerta de ser feito sempre COM.

Esse “fazer com” precisa de envolvimento, contatos e articulação com


pessoas e com instituições, contatos exitosos e tentativas frustradas.
Nesse campo de trabalho a aceitação de nossa intervenção está
diretamente ligada ao seu sucesso, pois fazemos com e não por.
Várias são as possibilidades, mas nem sempre são possíveis para cada
situação. Há de se considerar a singularidade e complexidade das
demandas que se apresentam, sejam elas individuais ou coletivas.

Considerando os diversos contextos, outro cuidado que devemos ter


é em relação aos instrumentos e metodologias a serem utilizadas.
As intervenções devem considerar as características culturais e ter o
cuidado em utilizar instrumentos validados nos espaços e com o público
de referência, além de não importar as técnicas, a exemplo dos testes
psicológicos.
39

Freitas (1998) reforça que o processo é sempre contínuo na aquisição


de informações e de garantir constante interação com a comunidade.
E descreve possíveis instrumentos a serem utilizados nas intervenções,
tais como:

• Entrevistas individuais ou coletivas.

• Conversas informais variando de acordo com o vínculo com os


moradores.

• Visitas às casas, chamadas visitas domiciliares, mas com críticas


em relação ao termo visita, tem-se utilizado o termo entrevista
domiciliar.

• Os registros fazendo uso de diário de campo.

• Recuperação da história oral da comunidade.

• Resgate de documentos e dos saberes com fotografias, objetos e


produções; encontros.

• Reuniões.

• Debates.

• Atividades programadas ou não, formais ou informações


de forma geral.

Várias podem ser as estratégias utilizadas, mas a forma é sempre


comum: coletiva, identificando as demandas de forma conjunta e
garantindo o protagonismo dos moradores da comunidade. Além
da avaliação contínua para, se necessário, refazer rotas ao longo do
trabalho.
40

3. O processo de pesquisa na comunidade

Já está explícito que o fazer do profissional psicólogo social comunitário


está relacionado com a participação social, além de a premissa na
comunidade ser “fazer com”. Na pesquisa não poderia ser diferente, as
estratégias e metodologias criadas também passam pelo “fazer com”
a comunidade e os participantes. Os estudos e pesquisas perpassam
na produção de conhecimento das infinitas e múltiplas atividades e
expressões humanas (TITTONI; JACQUES, 2013).

As pesquisas em Psicologia Social dialogam com os estudos das


Ciências Sociais, pois ambas têm como objeto de pesquisa os mesmos
fenômenos sociais. A ciência sempre foi entendida como exata e
experimental, quando pensamos em cientistas, por exemplo, pensamos
em laboratórios e em “cientistas malucos” como retratado no cinema.
Nessa mesma linha de tentar compreender o processo científico, criou-
se uma concepção da ciência neutra. A neutralidade científica permeou a
literatura por longos anos. Porém, autores e pesquisadores da psicologia
social sempre questionaram esse pressuposto da neutralidade, pois
a psicologia social latino-americana se organiza e se constitui numa
postura de crítica da psicologia social tradicional norte-americana.

Para tanto, a visão de mundo e de homem como produto e produtor


da história implica em não ser possível gerar conhecimento neutro,
pois diretamente terá uma interferência na existência do pesquisador
(TITTONI; JACQUES, 2013). A autora Lane (1985) propõe:

Pesquisador e pesquisado se definem por relações sociais que tanto


podem ser produtoras como podem ser transformadoras das condições
sociais onde ambos se inserem; desta forma, conscientes ou não, sempre a
pesquisa implica em intervenção, ação de uns sobre os outros. (LANE, 1985
apud TITTONI; JACQUES, 2013, p. 76)
41

A separação comum na ciência tradicional entre observador e


observado, pesquisador e pesquisado, como bem descreveu Lane, não
se aplica e tão pouco se sustenta nas teorias e práticas da Psicologia
Social. Ademais, desde a fundação da psicologia enquanto ciência, existe
a preocupação em conhecer, explicar, estudar e estabelecer técnicas
e práticas de trabalho para além da psicologia individual, englobando
também os grupos, a sociedade e a cultura (TITTONI; JACQUES, 2013).

Nesse sentido, as práticas de pesquisa também seguem a lógica do


“fazer com” e a pesquisa-ação e a pesquisa participante são alguns dos
modos de pesquisar utilizados na Psicologia Social, termos que têm
origem na perspectiva em Psicologia Social de Kurt Lewin. A diferença
entre essas propostas reside em compreender que toda pesquisa-ação
é uma pesquisa participante, mas nem toda pesquisa participante tem
o foco em desenvolver uma ação. Ambas as estratégias não se vinculam
com a proposta de pesquisa tradicional, pois a construção da proposta
se faz junto com os investigados, a população, o chamado de sujeitos.
O método utilizado faz uso de formas mais críticas, científicas e éticas.
Trata-se de considerar a “ciência com consciência”, como descreve Morin
(1996), consciência moral, ética e política das atividades científicas da
Psicologia Social e consequentemente da Psicologia Social Comunitária.

A psicologia social comunitária é comprometida com o poder popular


e a mudança real nas condições de vida da maioria da população,
investigando e desenvolvendo práticas comunitárias coerentes com
princípios éticos e alinhados com direitos humanos. O processo de
desenvolvimento de suas ações e metodologias seguem a dinâmica
desses princípios em todas as formas de atuação profissional.

Referências
FREITAS, M. F. Q. Inserção na comunidade e análise de necessidades: reflexões
sobre a prática do psicólogo. Psicologia: reflexão e crítica, v. 11, p. 175-189, 1998.
42

AZEVEDO, A. V. S.; PARDO, M. B. L. Formação e atuação em psicologia social


comunitária. Psicol. pesq., Juiz de Fora, v. 8, n. 2, p. 200-210, dez. 2014.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-
12472014000200009&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 2 jun. 2023.
LANE, S. T. M. Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil.
In: Campos, R. H. F. (org.). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à
autonomia. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p.15-29.
MARTÍN-BARÓ, I. O papel do psicólogo. Estudos de Psicologia (Natal), v. 2, n. 1, p.
7-27, jan. 1997.
MORIN, E. Ciências com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
TITTONI, J.; JACQUES, M. G. C. Pesquisa. In: Campos, R. H. F. (org.). Psicologia Social
Comunitária: da solidariedade à autonomia. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
p.15-29.
43

A Psicologia Social e Comunitária


e Saúde Coletiva
Autoria: Juliana dos Santos Corbett
Leitura crítica: Fabiana Galvão Taioli Ribeiro

Objetivos
• Apresentar pontos históricos da constituição da
Saúde Coletiva no Brasil.

• Compreender as intersecções das áreas de trabalho.

• Apresentar inserções do profissional psicólogo no


campo de trabalho da saúde coletiva.
44

A área da psicologia social e comunitária é bem ampla possibilitando


atuar em vários campos de trabalho, bem como ter intersecções com
vários campos de saber. A saúde coletiva é uma delas, pois ambas as
áreas de pesquisa consideram o sujeito como ser integral e visam o
desenvolvimento de sua autonomia.

O campo do conhecimento da psicologia abrange uma ampla gama


de temas, e a Psicologia Social e Comunitária tem se destacado em
suas lutas para garantir os direitos dos indivíduos. Da mesma forma, a
saúde coletiva também desempenha um papel importante ao defender
o acesso à saúde de qualidade como um direito fundamental, em
oposição à concepção de saúde como uma mercadoria. Essas lutas estão
enraizadas em posicionamentos defendidos desde a Reforma Sanitária
Brasileira.

1. Saúde coletiva

A saúde coletiva é uma área de conhecimento multidisciplinar,


constituída na interconexão dos conhecimentos praticados pelas
ciências biomédicas e pelas ciências sociais, que dialoga com as 14
profissões da área da saúde, dentre elas a psicologia. Investigar
os determinantes da produção social das doenças, bem como o
planejamento de organizações dos serviços de saúde, são alguns de
seus objetivos. O termo Saúde Coletiva é uma criação brasileira e é
vigente na agenda acadêmica e política no Brasil, na América Latina e em
outros países.

Trata-se, mais que tudo, de uma forma de abordar as relações entre


conhecimentos, práticas e direitos referentes à qualidade de vida. Em lugar
das tradicionais dicotomias – saúde pública/assistência médica, medicina
curativa/medicina preventiva, e mesmo indivíduo/sociedade – busca-se
uma nova compreensão na qual a perspectiva interdisciplinar e o debate
político em torno de temas como universalidade, equidade, democracia,
45

cidadania e, mais recentemente, subjetividade emergem como questões


principais. (LIMA; SANTANA, 2006, p. 9)

O movimento da Reforma Sanitária, no início da década de 1970, teve


grande impacto nas mudanças e surgimento de novos olhares sobre
a dinâmica vivida no Brasil. Ele nasce com as demandas de luta, pois
vivíamos no Brasil a ditadura militar, e com as novas ideias da saúde
coletiva. O surgimento desse movimento se baseou em um conjunto
de ideias que apontavam para importantes mudanças em todo o setor
da saúde, com o foco na melhoria das condições de vida da população
brasileira e na garantia de vida digna para todos os cidadãos brasileiros.

A 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foi um marco,


pois grupos de profissionais, médicos e pesquisadores, preocupados
com a saúde pública, desenvolveram teses e agregaram suas discussões
e trabalhos com as políticas. Um nome importante na luta é o do Sergio
Arouca, um dos principais teóricos e líderes sanitarista que mudou o
tratamento da saúde pública no Brasil. Reconhecido por sua produção
científica e conquistas na construção do Sistema Único de Saúde (SUS).
Mesmo nos períodos de repressão e censura à imprensa do governo
militar, o líder defendia o acesso de toda a população às informações
científicas (FIOCRUZ)1.

As propostas da Reforma Sanitária tiveram como resultado a


universalidade do direito à saúde, decretado com a Constituição Federal
(1988) depois de muita luta de movimentos de vários setores. A saúde
sempre foi uma área de grandes mobilizações e visibilidade, pois a
falta de saúde implica na diminuição da força de trabalho. Na década
de 1970, a falta de acesso da maior parte da população aos serviços
públicos de saúde provocou a organização de um grande e importante
movimento político, responsável por uma série de reclamações e por
formular princípios que seguiram para fundamentar a Reforma Sanitária
Brasileira. Essas mobilizações e reinvindicações marcaram a organização
1
https://portal.fiocruz.br/sergio-arouca
46

do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, focando em pautas que hoje


são princípios do SUS: a universalização do acesso e a descentralização
da gestão dos serviços de saúde.

Em realidade, a partir do momento em que se foram firmando as formas


de tratar o coletivo, o social e o público caminhou-se para entender a
saúde coletiva como um campo estruturado e estruturante de práticas e
conhecimentos, tanto teóricos como políticos. (NUNES, 2009, p. 27)

Os movimentos que promoveram mudanças no Brasil e que eram


alinhados com a garantia de direitos sociais sempre fizeram críticas ao
modelo de capital que vivenciamos. Na saúde coletiva, Foucault 2foi uma
grande referência, pois ele provocava reflexões sobre o investimento
que o capitalismo sempre fez no biológico e no corpo do trabalhador, de
quem mantém o sistema funcionando. Para o autor, a ciência médica é
uma ciência fundamentalmente social (NUNES, 2009).

Internacionalmente, as críticas às concepções tradicionais que


acirravam a prática médica curativa e a realização da Conferência
Internacional sobre a Atenção Primária à Saúde, em 1978, em Alma-Ata
(Cazaquistão), marcou o início de mudanças. Na conferência formalizou-
se a Declaração de Alma-Ata, onde um conjunto de princípios foram
firmados. Esses princípios foram organizados a partir de tópicos que são
citados com frequência nos textos da área de Saúde Coletiva, a saber:

[...] a saúde como direito essencial dos indivíduos e das coletividades; a


obrigação do Estado em assegurar esse direito a todos; a responsabilidade
e o direito das comunidades em participar na proteção e recuperação da
saúde e na gestão dos serviços destinados à sua atenção; a precedência
da promoção e da prevenção, estabelecendo-se o princípio da atenção
integrada; a equidade e universalidade do acesso aos serviços de saúde.
(LIMA; SANTANA, 2006, p. 10)

2
Michel Foucault, 15/10/1926 – 25/06/1984, Paris. Filósofo, historiador das ideias, teórico social, crítico lite-
rário e professor da cátedra História dos Sistemas do Pensamento, no célebre Collège de France, de 1970 até
1984.
47

No Brasil, as ações de enfrentamento e luta dos trabalhadores, usuários,


pesquisadores, professores, estudantes e gestores por uma saúde mais
contextualizada deram origem ao SUS. A luta segue até os dias de hoje,
mas precisou ter o primeiro passo.

2. A intersecção das áreas Psicologia Social e


Comunitária e Saúde Coletiva

Como a Psicologia Social e Comunitária, a Saúde Coletiva tem seu início


no Brasil como as demandas sociais, visando desconstruir a relação
médico centrada e questionando o modelo de medicina curativa e a
dicotomia em relação ao indivíduo e suas relações sociais. O termo
é brasileiro assumido na América Latina e em alguns países, mas em
outros lugares do mundo a discussão se faz como Saúde Pública.
Organizada em 1979, a Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva (ABRASCO), bem como a Associação Brasileira de
Psicologia Social (ABRAPSO) teve um papel importante de articulação e
na promoção de debates para essa mudança de paradigma na saúde.
A organização dos grupos e de profissionais junto aos usuários sempre
foi fundamental para mudanças sociais, como o foco de garantias de
direitos no Brasil. O foco nos profissionais teve como objetivo criar
estratégias de atuação, movimentando novas ideias sobre problemas
de saúde de forma contextualizada e alinhada ao panorama político
e social. Reflexões que promovessem fazeres mais alinhados com
as demandas da população que estivesse em atendimento na saúde
pública, de forma interdisciplinar, menos tradicional e diferente do
modelo biomédico.

As décadas de 1960 e 1970 foram intensas, com muitas mobilizações


para promover mudanças no cenário de repressão vivido no Brasil.
Foram as muitas insatisfações vividas pelos trabalhadores e professores
que promoveram transformações. Paralelo ao movimento sanitário
48

estava acontecendo na Itália mobilizações encabeçadas por Franco


Basaglia de um outro movimento voltado para a Reforma Psiquiátrica.
No Brasil, Basaglia foi fonte de inspiração e promoção de mudanças em
relação às práticas psiquiátricas vigentes no Brasil.

As críticas seguiam em relação às formas tradicionais compreendidas


até então em várias áreas. Na Psicologia Social, o questionamento das
práticas da Psicologia Tradicional em relação ao modelo biomédico; na
Saúde Coletiva, a crítica estava voltada às práticas dos modelos médicos;
e, no movimento sanitário, o questionamento estava relacionado às
práticas violentas adotadas.

Quantos questionamentos! E que bom! Precisamos rever nossos fazeres


de tempos em tempos, para garantir que o melhor está sendo realizado
para a população nos serviços de Saúde Coletiva.

Quando olhamos de forma fragmentada para as áreas, nos parece que


são campos tão diferentes e que não necessariamente estão envolvidos.
Mas quando contextualizamos, compreendemos os momentos sócio-
históricos, e vemos o quanto estão conectadas por um espírito da época
em promover qualidade de vida e garantia de direitos.

A história da psicologia evidencia a constituição da Psicologia como


campo de conhecimento e profissão muito envolvidos com diversas
áreas e saberes, e alinhados às questões contextualizadas, às demandas
e realidades brasileiras, considerando a cultura, o social, a política, a
economia etc. A psicologia está fortemente relacionada ao conceito de
saúde. Em 1947 a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu saúde
como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não
apenas a ausência de doença”. Foi entendida como avançada para a
época, mas sabemos o quanto é difícil acreditar que chegaremos nessa
condição de saúde e ficaremos. Mas ter um caminho e um fio condutor
para se amparar contribui com as ações de forma multiprofissional no
processo de desenvolvimento saudável da população.
49

O conceito de saúde para Hipócrates está relacionado com os humores,


portanto, o desequilíbrio deles resulta em doenças. No modelo
biomédico a explicação de doença está relacionada com olhar e tratar
das partes dos corpos, minimizando a doença em funcionamento
correto e mecânico do corpo. O modelo biomédico reproduz a ideia
mecanicista, o corpo do homem é visto e compreendido como máquina.
Quando a máquina (corpo) apresenta defeito ele adoece. Só para
contextualizar e ampliar nossos olhares, a percepção do homem como
máquina, historicamente está relacionada com o aparecimento do
capitalismo.

Para cada concepção, as ações estavam relacionadas com as visões


e possibilidades da época. Compreender a história e as influências
ideológicas, nos ajudam a avançar em nossas práticas. Para o modelo
biomédico, o cuidado tinha por objetivo o controle dos corpos e,
segundo Foucault (1979), essa visão tem impacto direito na concepção
de saúde-doença.

O processo saúde-doença é um conceito central da proposta da


saúde coletiva, entendendo a saúde e a doença integrados, de forma
dinâmica nas condições reais de vida dos sujeitos e dos grupos sociais.
Compreendendo que o resultado de cada situação de saúde, seja
individual ou coletiva, é determinado por variáveis históricas, sociais,
econômicas, culturais e biológicas. A compreensão multidimensional
do processo saúde-doença, das relações sociais, do fortalecimento
da autonomia, contemplando fatores biológicos, psicológicos, sociais,
culturais, políticos e ambientais, fortalece os campos de saber. E
o diálogo com outras áreas do conhecimento avança produzindo
conhecimento para a melhor qualidade de vida das pessoas, o que
importa para as práticas (CRUZ, 2012).

Entender um conceito tão amplo e colocá-lo no cotidiano não é tarefa


fácil, mas entendê-lo como abrangente e com variáveis que implicam na
saúde e qualidade de vida do indivíduo, aí sim, só temos ganhos para
50

continuar o movimento, reforçando o compromisso social em vários


momentos históricos. As interconexões entre esses dois campos podem
possibilitar novas agendas de pesquisa e a produção de referências
técnicas acerca de novos caminhos técnico-práticos e ético-políticos, que
podem e devem, ser articulados com outras áreas.

3. Atuação do psicólogo na saúde coletiva

Figura 1 – Representação do grupo

Fonte: Shutterstock.com.

A psicologia transita entre as áreas das ciências sociais e humanas


e ciências biológicas da saúde, mas, por ser essencial e por atuar
com a saúde mental, é uma ciência da saúde. O desenvolvimento do
trabalho do psicólogo no campo da saúde coletiva promove o trabalho
do psicólogo em contextos da prevenção e da promoção da saúde.
A participação em equipes interdisciplinares, discussões de caso e
51

construção conjunta de estratégias para atuar nas instituições de saúde


e em trabalho comunitário foi enriquecendo o trabalho dessa ciência.

A intersecção das áreas e o foco na prevenção e promoção de saúde


se tornam fundamentais para a prática do psicólogo. As áreas nos
convidam a focar e compreender pontos importantes da vida cotidiana
da população ao considerar o trabalho a ser executado, como: as
condições socioeconômicas, culturais e ambientais; condições de vida
e de trabalho; influências sociais e comunitárias; estilo de vida; idade,
gênero, hereditariedade etc. Esses pontos nos lembram da importância
do contexto, da importância em atuar com o público considerando suas
especificidades.

Ao contextualizar o trabalho até então voltado para a psicologia


tradicional, com modelos médicos centrados, ou de forma a reduzir o
olhar para o indivíduo fora de seu contexto, amplia-se a possibilidade de
intervenções e melhores resultados com os usuários. A lógica das áreas
é a conscientização. Atuar visando o desenvolvimento e o fortalecimento
da corresponsabilização, autonomia, cooperativismo, melhores
relações de cuidado e autocuidado é uma estratégia central. O processo
educativo de participação também é considerado nos vários trabalhos
a serem desenvolvidos. Ampliando o olhar, amplia-se as formas e áreas
de atuação. Os profissionais podem se inserir na gestão, nos serviços,
podem realizar ações que visem à promoção da Saúde Pública, atuar
na docência e na pesquisa acadêmica, dentre outras possibilidades que
possam surgir.

Mesmo tendo uma atuação ampla nas políticas públicas, os psicólogos


estão em sua maioria inseridos nos serviços mais voltados para a saúde
mental. Entende-se que toda a ação de desenvolvimento de relações
e cuidado passa pela saúde mental, principalmente por considerar o
conceito de saúde proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
No entanto, mesmo tendo amplas possibilidades de atuação nos vários
serviços de saúde, as atuações mais específicas da saúde mental, como
52

atendimento, matricialmente, ainda é onde se entende ser o local de


trabalho do psicólogo, onde ele se faz referência.

A reforma psiquiátrica marca um importante campo de trabalho, bem


como formas mais alinhadas às políticas humanizadas. O fechamento
dos manicômios possibilitou a criação de diretrizes em relação à
internação dos usuários/pacientes. O serviço substituto determinado
pelo Ministério da Saúde, em 2002, foi a criação dos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPs) por todo o Brasil. Os centros foram constituídos
para convivência e acolhimento de pacientes com transtornos mentais,
em tratamento não hospitalar, com o objetivo e função de oferecer
assistência psicológica e médica. Diferente das internações o olhar e
trabalho volta-se para a reintegração dos pacientes à sociedade, dando
condições de vida digna. O dia 18 de maio é de luta e celebração,
pois marca as mobilizações para o fechamento dos manicômios e a
formalização de nova legislação a respeito de novas práticas.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), estabelecida com as orientações


do SUS, constitui e estabelece os fluxos para atendimento de pessoas
com transtornos mentais, considerando a complexidade de cada caso,
os transtornos leves e graves. Composta por alguns serviços importantes
para o fluxo de atendimento, a saber: Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS); Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); Unidades de
Acolhimento (UA); Leitos em Hospital Geral; e Equipes Multiprofissionais.
As equipes são formadas por assistente social, enfermeiro, psicólogo,
fonoaudiólogo, médico psiquiatra, terapeuta ocupacional e outros
profissionais, que atuam no acolhimento e tratamento de pacientes com
transtornos mentais e de seus familiares3. A RAPS constituiu unidades
com focos distintos, mas sempre garantindo a atenção integral e
gratuita, pela rede pública de saúde.

Vários são os trabalhos que podem ser desenvolvidos por psicólogos no


campo da saúde coletiva e percebe-se uma crescente abertura nesses
3
PORTARIA Nº 336, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002
53

campos de trabalho. Porém, a formação acadêmica tem que se adequar


para a inserção mais inovadora dos profissionais recém-chegados no
mundo do trabalho. A formação precisa se alinhas às políticas públicas,
com as práticas sociais desenvolvidas no SUS.

Referências
AGUIAR, S. G.; RONZANI, T. M. Psicologia social e saúde coletiva: reconstruindo
identidades. Psicol. pesq., Juiz de Fora , v. 1, n. 2, p. 11-22, dez. 2007. Disponível
em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-
12472007000200003&lng=pt&nrm=iso. acessos em 24 mar. 2023
CRUZ, M. M. et al. Concepção de saúde-doença e o cuidado em saúde. Editora
FIOCRUZ, 2012.
LIMA, N. T.; DE SANTANA, J. P. (Ed.). Saúde coletiva como compromisso: a trajetória
da Abrasco. SciELO-Editora FIOCRUZ, 2006.
NUNES, E. D. Saúde Coletiva: uma história recente de um passado remoto (p. 19 –
39). In: CAMPOS, G. W. S. et al. Tratado de saúde coletiva, 2009. p. 871-871.
OMS, Geneva. Organização Mundial de Saúde. Documentos básicos. 2009.
ZURBA, M. C. Contribuições da psicologia social para o psicólogo na saúde coletiva.
Psicologia & Sociedade, v. 23, p. 5-11, 2011.
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