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WBA0097_V3.

TERCEIRO SETOR,
VOLUNTARIADO E
RESPONSABILIDADE SOCIAL
2

Patrícia Soares Alves da Silva

TERCEIRO SETOR, VOLUNTARIADO E


RESPONSABILIDADE SOCIAL
1ª edição

Londrina
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
2023
3

© 2023 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________________________________
Silva , Patrícia Soares Alves da
S586t Terceiro setor, voluntariado e responsabilidade social/
Patrícia Soares Alves da Silva. – Londrina: Editora e
Distribuidora Educacional S.A., 2023.
32 p.

ISBN 978-65-5903-484-0

1. Voluntariado. 2. Políticas públicas. 3. Terceiro setor. I.


Título.
CDD 320.6
_____________________________________________________________________________
Raquel Torres – CRB 8/10534

2023
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
Homepage: https://www.cogna.com.br/
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TERCEIRO SETOR, VOLUNTARIADO E RESPONSABILIDADE


SOCIAL

SUMÁRIO

Apresentação da disciplina ___________________________________ 05

Fundamentos históricos do voluntariado e da filantropia no


Brasil _________________________________________________________ 07

Políticas Neoliberais e Influências nas Políticas Públicas


Brasileiras_____________________________________________________ 17

Definições de terceiro setor, a Realidade Social Contemporânea


e as contradições entre sociedade civil e Estado______________ 28

Regulações do público e privado: bem-estar da sociedade,


benefício empresarial e instrumentos de gestão______________ 40
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Apresentação da disciplina

Falar sobre terceiro setor, voluntariado e responsabilidade social


nos remete à necessidade de um alinhamento temporal, no qual
desenvolver uma trajetória histórica da sociedade a partir da perspectiva
socioeconômica é imprescindível.

No entanto, é claro que não basta que você relembre as aulas de história
das formações de base da educação formal; pelo contrário, tendo
optado pela continuidade de formação é preciso que esteja disposto ao
desenvolvimento de um pensamento repleto de crítica.

Nesse percurso, você precisará refletir sobre suas percepções e


entendimentos sobre os conceitos que pensa serem configuração do
terceiro setor e, necessariamente, estar disposto a romper com possíveis
paradigmas em torno de considerações de senso comum.

Esta disciplina tem por objetivo desenhar os fundamentos básicos do


voluntário e da filantropia considerando o âmbito das políticas públicas
de âmbito nacional, definições, regulações e regulamentações da
realidade social contemporânea.

Definir os conceitos de terceiro setor está também relacionado ao


traçado das influências neoliberais na formatação das políticas públicas
e políticas sociais no Brasil; que, na perspectiva do bem-estar social,
representam atuação e/ou instrumentos de gestão.

Nesse sentido, as contradições do Estado com a sociedade civil, mais do


que percepções de senso comum, se materializam quando as ações de
garantia de acesso aos direitos sociais são ineficazes ou nulas; e se faz
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necessário ações que formalizadas têm no objeto da sua atuação suprir


ausências e assegurar suficiente atendimento à demanda e, por vezes,
de seguranças.

Bons estudos!
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Fundamentos históricos do
voluntariado e da filantropia no
Brasil
Autoria: Patricia Soares Alves da Silva
Leitura crítica: Maria Silvia Ferreira Alves de Oliveira

Objetivos
• Construir pressupostos de aprendizagem do tema
da disciplina.

• Conhecer os fundamentos históricos do voluntariado


e da filantropia nacional.

• Identificar os tipos de voluntariado e filantropia.

• Especificar as características dos tipos de


voluntariado e filantropia.
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1. Pressupostos do voluntariado e a filantropia

Falar sobre terceiro setor, voluntariado e responsabilidade social


nos remete à necessidade de um alinhamento temporal, no qual
desenvolver uma trajetória histórica da sociedade a partir da perspectiva
socioeconômica é imprescindível.

Nesse alinhamento, o que você fará é visitar diferentes contextos


políticos de âmbito nacional e internacional, considerando que há
sempre em determinado grau influências diversas de culturas distintas.

Sobre as relações de influência mencionada, é importante ainda


destacar que nem todas são positivas e quando negativas, a proporção
das perdas sociais é significativamente superior aos ganhos em relação
aos impactos coletivos.

E, quais seriam as ações coletivas humanas que não tenham sua gênese
em se materializar em uma representação de concepções individuais?
Ou seja, nossas concepções e percepções pessoais são determinantes
nos processos de construção e desenvolvimento da sociedade.

Com isso, queremos estabelecer parâmetros de reconhecimento


dos caminhos de conhecimento pessoal, cultural e logo social,
que conduzem as pessoas ao ponto de produção e reprodução da
transformação social. Desde os primórdios da humanidade, temos
percepções humanas que nos levaram a compreender a segurança de
desenvolvimento assentada no agrupamento.

Se observarmos os homens das cavernas, notamos que a evolução,


geração após geração, nos permitiu enquanto humanidade
vivenciar diferentes humanidades, das quais avançamos do lugar de
ancestralidade primitiva a sociedades modernas e evoluídas.
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E, o que dizer sobre o conceito de sociedade e humanidade evoluída


quando considerados momentos históricos como a invasão das
terras do Brasil, quando os povos indígenas aqui existentes foram
considerados uma raça retrógrada ou atrasada e primitiva? Esses
grupos de pessoas eram considerados povos não civilizados, pois não
comungavam da mesma perspectiva civilizatória que o homem europeu.

Quantos outros exemplos poderíamos usar para falar do conceito de


sociedade civilizada e organizada no cenário a partir dos pontos de
vistas que nos remetem aos povos negros, às questões de gênero e
diversidade, às questões da infância e adolescência, entre outras.

No conceito de sociedade civilizada organizada encontramos ainda o


lugar do humano cidadão que, nessa trajetória histórica, nos leva a
Roma Antiga; onde as posições políticas determinavam a condição de
cidadania e, por conseguinte, o gozo dos direitos.

Aqui estabelecemos o paralelo da compreensão da sociedade como um


processo de organização social pelo qual e no qual indivíduos devem
conviver. Se essa convivência, cuja expectativa é de harmonia, assim o
será ou não, há diversos determinantes que passam por alguns debates
que já foram apontados superficialmente, mas que merecem serem
ainda mais bem explorados.

Por exemplo, da Roma Antiga ao contrato social, temos inúmeras


características que nos vão desenhar muito do panorama disposto
hoje sobre a sociedade contemporânea. Se nos anos 700 a.C. a 500
a.C. encontramos o período monárquico romano, cuja sociedade era
subdivida em quatro categorias, em que os patrícios eram os cidadãos
detentores dos direitos e os plebeus, clientes e escravos em escalonamento
decrescente, aqueles que desfrutavam dos direitos; os séculos que se
seguiram historicamente nos mostram, à princípio, uma forte ascensão
da administração pública do Império Romano e igualmente crescente
organização civilizatória e, em seguida, nos primeiros dois séculos depois de
Cristo, uma decrescente que levou a uma nova ordem social.
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Nossa passagem pelo Império Romano não é apenas para nos fazer
recordar os princípios da formatação do conceito de cidadão e de
cidadania, mas para que possamos encontrar sentido legitimado nessa
memória histórica para falarmos da existência e da legitimação do
voluntariado e da filantropia.

O Império Romano conhece sua decadência ou, por melhor expor,


seu momento de crise na marca de um contexto de conflitos,
instabilidades políticas, crises econômicas e, consequentemente,
encarecimento de alimentos, carências, fome (cujas semelhanças com
o século XXI não podem e nem devem ser desconsideradas) e revoltas
que culminaram na desagregação do Império em parte oriental e
ocidental.

No entanto, chegamos até aqui na história para rememorar que,


durante os séculos V a XIV, encontramos a estruturação do sistema
político, econômico e social, que nos conduzem pelo sistema feudal e
pela Idade Média, mas também à suas decadências que ensejam a Idade
Moderna e Contemporânea.

Nesse contexto, pode ser que você se questione quanto a relevância


desse percurso histórico para nosso tema. Veja bem, durante todos
esses períodos, mas em especial nos séculos V até a Idade Moderna,
há sobre o ordenamento social uma forte influência da Igreja Católica,
em que pese o fato de ser esta responsável por inferir decisões sobre o
poder secular.

Nessa perspectiva, é importante lembrar que a Igreja — católica —,


nesse período, associada à nobreza determinavam uma concepção
ideológica de que, ao permanecer nessa função, os servos cumpriam
uma divina designação e assim tinham uma dimensão da constituição
da sociedade com vistas à política e economia, desvelamos o olhar às
pessoas que estavam à margem dessas relações de poder.
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Podemos admitir que a pobreza sempre existiu e frente aos contextos


históricos da humanidade e da sociedade apresentados — e outros
que visitaremos —, é possível entender que sempre lhe competiram
peculiaridades temporais, isto é, para cada sociedade uma afirmação
de desigualdade social é identificada. Com isso, não afirmamos que
devamos naturalizar ou normalizar tal realidade, mas que nos seja
possível identificar que a pobreza é construída.

Desse modo, considerando a pobreza uma construção dos processos


das sociedades, estará repousado no campo das desigualdades sociais
o pensar a filantropia e o voluntariado. Observe, ainda no Império
Romano temos a presença de práticas voltada à caridade, no entanto,
não vinculadas à fé cristã.

No decorrer da história, os conceitos de caridade e filantropia se


misturam e por vezes podem, inclusive, ser utilizados como sinônimos,
quando na verdade são conceitos paralelos na dimensão da resposta às
desigualdades sociais na intenção do enfrentamento e da minimização
dos problemas sociais. No entanto, a caridade está diretamente
relacionada aos aspectos religiosos, enquanto a filantropia está
relacionada às transformações sociais por meio das doações.

Na caridade, há uma característica direta da abnegação, ou seja, ações


de obras de piedade de uma pessoa para com outra(s) que consistem
em fazer o bem com vistas ao socorro aos necessitados como uma
virtude cristã, que se estende ao status de virtude social.

Já na filantropia, se firma a condição de base de ações de


desenvolvimento de um ambiente de transformação social pautados
em doações contínuas, normalmente vinculadas às instituições e às
organizações do terceiro setor.
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Figura 1 – Retorno de investimento

Fonte: Shutterstock.com.

Para os filósofos que nos deixaram suas reflexões acerca do século


XVIII e XIX, frente às desigualdades, a generosidade é vista como uma
virtude de uma pessoa cujas raízes burguesas a estabelecem em lugar
de privilégio em detrimento de outras; quando de sua percepção
e consciência a provoca a doar e nisso consiste as grandes e fortes
presenças filantropas — inclusive em cena até os dias atuais.

Ora, temos nos tempos até então visitados a Igreja Católica e o Estado
ocupando as posições de investidores na atenção aos pobres, mas
como vimos também ocupavam a posição de mantenedores do povo na
condição de desfavorecimento a que estavam sujeitos em cada tempo.

Já na sociedade moderna à contemporânea, o Estado tinha por premissa


que os pobres eram responsabilidade coletiva da sociedade. Nesse
contexto, as transformações históricas do advento das revoluções do
final do século XVIII também despertaram o pensar de uma ideologia
por uma sociedade ideal.

Jean Jacques Rousseau (1712–1778), intelectual de repercussão e relevância


no século memorado, desenha um Estado cuja responsabilidade está em
organizar a sociedade civil a partir de pressupostos de soberania política da
sociedade estabelecida pelo contrato social.
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Nesta linha de pensamento, a definição da igualdade e o respectivo


comprometimento dos sujeitos uns para com os outros seriam a
afirmação de um coletivo de interesse no bem comum. No entanto,
Rousseau (2017) igualmente afirma que estabelecer pressupostos
de justiça aos quais estariam sujeitos tanto poderosos quanto fracos
promoveria o equilíbrio social.

Então, considerando os pensamentos de Rousseau (2017), de que


quando na vida em sociedade ter se tornou mais importante do que
ser e que se instituiu a propriedade privada e esta se estabeleceu, a
desigualdade se fixa, ao que o filósofo diz ser o estado de guerra.

O capitalismo e a Revolução Industrial transformaram a sociedade,


dando ao pobre um lugar de invalidação — quase nulidade — social.
Segundo Willians (2007, p. 28):

O pobre não é mais visto como um próximo, sendo, então, transformado


em estranho, perigoso e indesejável. Nesse período, o pobre foi identificado
como a figura do vagabundo, que se transforma no elemento central da
representação da pobreza e dos pobres pelas classes dominantes.

Figura 2 – Pobreza

Fonte: Shutterstock.com.
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Em uma realidade em que o capital passa a dominador do Estado, já


diante de uma sociedade contemporânea, a pobreza é criminalizada
e imbuída de estereótipos da ausência de virtudes que inferiorizam a
pessoa.

2. Filantropia e voluntariado no Brasil

No cenário da filantropia e do voluntariado no Brasil, devemos


mencionar que conceitualmente a pobreza ainda está diretamente
vinculada à inexistência de recursos econômico-financeiros e materiais.
Em outras palavras, a pobreza é associada a pessoa que não possui
meios para garantir o necessário à sua sobrevivência.

Entretanto, restringir a definição de pobreza às capacidades financeiras


das pessoas é o mesmo que pactuar com o pensamento de que os
princípios do sistema capitalista restringem de fato os pobres às suas
capacidades de aquisição.

De acordo com Lavinas (2003), quando associamos a pobreza à situação


econômico-financeira, retiramos da pessoa pobre sua humanidade,
ameaçando sua possibilidade de satisfazer suas necessidades básicas,
ou seja, é o mesmo que promover a desumanização dos sujeitos.

Aqui, precisamos fazer um resgate histórico nacional em que se


destaque a influência da Igreja Católica no processo de regulação
de Portugal sobre o Brasil desde 1500; mas em especial em meados
de 1530, em que não somente a perspectiva da evangelização para
expandir a fé católica era o objetivo da Igreja, mas também a definição
de uma ação que estava envolta em um cenário caritativo.

No Brasil do século XVIII, a caridade se caracteriza por ações isoladas e


voluntárias que, em massiva maioria, estavam vinculadas às instituições
religiosas, o que se move a partir da constituição republicana e da
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emergência de um Estado cuja assistência social se desenha laica. Aqui,


as ações de filantropia, até então sob perspectiva moral cristã, atingem
aspectos de ação oficial.

Anos e alguns séculos adiante, sob as influências das realidades


moderna e contemporânea, o Brasil da quinta década do século XX
concentra o processo de modernização e avanços econômicos e
industriais, bem como a abertura aos investimentos do capital externo.

Então, a ideologia de um país que caminhava a supostos passos largos


para o progresso determinava uma cultura em que o imaginário de uma
vida moderna e consumista seria uma realidade acessível a todos, diante
de transformações não apenas econômicas mas também sociais. É neste
cenário que encontramos muitos dos problemas de ordem social que
até hoje atingem nosso Estado, como o elevado índice de desemprego, a
ausência de atenção à habitação e moradia, à educação formal, à saúde,
entre outros.

Das ações caritativas em forma da atenção religiosa à Legião Brasileira


de Assistência (LBA), o Brasil traz à filantropia o lugar da garantia de
ações de aplicação gratuita, cuja prática estava objetivada ao amparo às
famílias dos soldados enviados à Segunda Guerra Mundial.

Já em meados da década de 1970, a LBA transforma a sociedade civil


em fundação, primeiro vinculada ao Ministério do Trabalho; depois,
ao Ministério de Ação Social; e, finalmente, ao Ministério de Bem-estar
Social do Menor. Contudo, em toda essa trajetória histórica, o que você
precisa memorar é que apenas com o advento da Constituição Federal
de 1988 é que regulações das instituições de serviços sem fins lucrativos
ou filantrópicas têm o tema tratado e inicialmente regulamentado.

Do estado de bem-estar social ao estado mínimo, os anos da década de


1990 apontam as principais regulações para instituições filantrópicas e
organizações da sociedade civil cujo interesse seja público. No panorama
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nacional, a filantropia é pouco incentivada se considerarmos que o


Estado — mínimo —, não poucas vezes, é omisso e que a iniciativa
privada poderia reforçar processos de transformação por suas ações.

De qualquer modo, e apesar dessa quase inexistente motivação,


o interesse por ações sociais e filantrópicas têm crescido
exponencialmente no Brasil. Em que pessoas físicas e jurídicas
organizadas e formalizadas em fundações/instituições sem fins
lucrativos, na formatação do terceiro setor, apontam para a
responsabilidade social diante das múltiplas expressões da questão
social e das desigualdades.

Se por um lado se materializam avanços no campo da filantropia no Brasil,


quando visitamos o percurso da trajetória histórica nacional; por outro lado
se configura um desafio em torno das expectativas da mediação entre o
poder público estatal e as organizações da sociedade civil na execução e no
incremento de ações cujo interesse central seja público.

Referências
LAVINAS, Leda. Pobreza e exclusão: traduções regionais de duas categorias práticas.
Revista Econômica, Niterói, UFF, v. 4, n. 1, p. 25-59, 2003.
RIBEIRO, Paulo Silvino. Rousseau e o contrato social. Brasil Escola, [s.d.]. Disponível
em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/rousseau-contrato-social.htm. Acesso
em: 19 set. 2023.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou princípios do direito político.
Leipzig, Alemanha: BOD GmbH, 2017.
WILLIANS, Ava Renarda. O caráter multifacetado da pobreza: a relação entre
concepção e intervenção. 2007. 162 f. Dissertação (Mestrado em Política Social) –
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007.
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Políticas Neoliberais e Influências


nas Políticas Públicas Brasileiras
Autoria: Patricia Soares Alves da Silva
Leitura crítica: Maria Silvia Ferreira Alves de Oliveira

Objetivos
• Definir o conceito de políticas neoliberais.

• Examinar as políticas públicas brasileiras.

• Apontar as relações de influência das políticas


neoliberais nas políticas públicas do Brasil.

• Identificar a relação das políticas públicas brasileiras


e o terceiro setor.
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1. A nova ordem econômica mundial

Nos anos iniciais do século XX, quando o assunto eram as correntes


teóricas de condução da sociedade que tinham os olhares voltados às
potências econômicas mundiais.

Nesse período, encontramos a definição do liberalismo econômico que


procede da teoria da regulação do mercado. De acordo com essa teoria,
as imperfeições ou as deficiências do mercado seriam reguladas e
corrigidas pelo próprio mercado, cuja capacidade para essa superação e
mecanismos de solução corresponderia à função própria.

Agora, avalie você: nessa perspectiva, há função para o Estado nesse


panorama econômico? Pois é, certamente não, uma vez que o próprio
mercado regula as relações de produção e superprodução e os problemas
que envolvem esse processo. Nesse fato repousa o pensamento liberal de
que o Estado não deve ocupar o lugar de intervenção na economia.

Ainda é possível afirmar que, para a economia liberal, o Estado deve


somente assegurar a propriedade privada e executar contratos. Em
algum momento você já estudou ou ouviu falar sobre a crise mundial
econômica de 1929? Entendendo que seja preciso rememorar esse
episódio, vale destacar que é a partir desse momento que a teoria
liberalista começa a ser questionada com veemência; afinal, fosse o
mercado de fato independente tal realidade não se apresentaria.

Pouco antes, John M. Keynes propõe que as diretrizes liberalistas sejam


abandonadas e que o Estado seja o regulador da economia e de todos
os parâmetros de intermediação necessárias.

Após a Segunda Guerra Mundial, foi dominante o modelo de mercado


keynesiano devido às oscilações econômicas, em especial nos países
europeus, mas não restrito a estes. E, eis aí o berço do estado de bem-
estar social — também conhecido como Welfare State, do qual não
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trataremos pois não é esse modelo econômico que nos interessa para
fins deste estudo.

Ainda sobre o liberalismo, é importante destacar que após a


crise de 1929, esse modelo ou doutrina econômica e política são
reformuladas na expectativa de dar respostas às novas demandas
que se apresentavam a que se chama neoliberalismo. Por sua vez, o
neoliberalismo é a defesa da iniciativa privada no controle da economia
livre e sem interferência do Estado.

Essa adaptação da realidade e seus ajustes deixavam sob o comando da


iniciativa privada a atenção aos serviços básicos, e ainda lhe garantia a
cobrança pela prestação destes.

É inegável que essa doutrina econômica torna instáveis as relações


de mercado para o trabalhador, que deixa de usufruir muitos direitos
trabalhistas e, em igual proporção, têm suas jornadas de trabalho
ampliadas.

Estes e outros fatores sobre o modelo econômico e as situações de vida


e regulação de mercado e sociedade incidem como determinantes para
compreender a realidade socioeconômica contemporânea e, portanto,
da atuação do terceiro setor sobre a realidade.

1.1 Políticas neoliberais

O fim do século XIX revela a precariedade absoluta nas condições de


trabalho e, com isso, a própria precarização da vida do trabalhador.
Se o Estado está enfraquecido e a participação estatal é quase nula no
neoliberalismo, restam como características a privatização dos serviços
públicos e uma mínima cobrança de impostos.

Em poucas palavras, o fato é que países como o Brasil, que têm


economias em desenvolvimento, ao cederem à solicitação de amparo
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ao Fundo Monetário Internacional (FMI) através dos empréstimos


financeiros, têm de responder à uma espécie de manual básico de
economia.

Por sua vez, esse manual está diretamente relacionado às Dez Regras
do Consenso de Washington e aponta as principais particularidades de
atenção àqueles que se afiançaram ao FMI e ao Banco Mundial.

Veja no quadro a seguir, as características e suas ações determinantes.

Quadro 1 – Características e suas ações determinantes

Característica Ações determinantes


Disciplina fiscal • Teto de gastos públicos.
• Redução/limitação dos gastos
com serviços básicos.
Redução de gastos públicos • Disciplina fiscal.
• Privatização dos serviços públicos.

Reforma tributária • Reformulação do modo


de cobrar impostos.
• Garantia da menor taxação
de impostos.
Juros de mercado • Controle de juros.
• Controle do crescimento da inflação.

Câmbio de mercado • Realizar importações e


exportações de produtos.

Abertura comercial • Garantir superação de impedimentos


ideológicos e políticos para
relações comerciais.
• Garantir liberdade de relações
comerciais exteriores.
Investimento estrangeiro direto • Garantir abertura de filiais
multinacionais em países
em desenvolvimento.
Privatização de empresas estatais • Entregar serviços públicos
à privatização.
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Flexibilização de leis trabalhistas • Flexibilizar leis de regulação econômica.


e econômicas • Diminuir a participação do
Estado na economia.
• Aviltar direitos trabalhistas.
Direito à propriedade intelectual • Garantir direito autoral a autores
de obras intelectuais, científicas,
artísticas e filosóficas.
• Afiançar o retorno financeiro pela
reprodução das obras autorais.

Fonte: elaborado pela autora.

A princípio, como uma recomendação, o Consenso de Washington


foi elaborado em 1989 na intenção de desenhar ações cujo objetivo
(propagado) estava no combate às situações de miserabilidade dos
países – até então denominados subdesenvolvidos.

No centro destes estavam os países da América Latina. No Brasil, assim


como em outros países, o FMI atua como observador dos processos de
implementação propostos à superação da miséria e como regulador do
sistema financeiro nacional.

Em contrapartida, no centro dos países ricos cuja doutrina neoliberalista


já estava presente, encontramos premissas como progresso econômico
e de uma qualidade de vida que, embora pautada em consumismo,
também esteja associada à segurança social.

Para exemplificar do que se trata a promessa do modelo neoliberalista,


podemos resumir na frase “sonho americano”. Isso inclui acessos de alta
qualidade a serviços de educação e saúde; acesso a produtos de luxo,
sejam bens e/ou consumo; e uma liberdade, ou quem sabe sensação de
liberdade, ao empreendedorismo, que podem se tornar sinônimos de
um conforto cuja expectativa é de uma vida plena, próxima da perfeição.

Entretanto, quando observamos os países em desenvolvimento — à


época chamados de subdesenvolvidos —, as mudanças trazidas pelo
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neoliberalismo atropelaram as políticas públicas, aumentaram as taxas


de desemprego e principalmente causaram agravos às condições de
miséria e fome.

Nesse contexto, a extinção de políticas sociais e agravos do descaso do


poder público exprimia a justificativa em torno da modernização, do
progresso e, claro, de uma maior lucratividade. Agora, responda: não é
deslumbrante estudar a economia da perspectiva histórica? Podemos
afirmar que sim, afinal, todo o cotidiano é construído de uma trajetória
de mediação de governos e economias e, a partir dessas percepções,
formatamos nossa visão de mundo.

Assim, para que nossa visão de mundo esteja alinhada, precisamos


superar paradigmas de distorções ideológicas diversas. No caso dos
nossos estudos, devemos compreender que as políticas neoliberais
fomentam um panorama de desigualdades e ainda mais, o financiam.

Para romper com paradigmas ideológicos, devemos ter pensamento


crítico e reflexivo sobre o tema em questão. Quanto às políticas
neoliberais, estudiosos afirmam que, na trajetória dos processos que
envolvem sua implementação, podem no final das contas penderem a
balança do equilíbrio para um lado tão somente, o que evidenciaria um
desequilíbrio na linha traçada para o crescimento econômico.

2. Políticas públicas no Brasil em tempos de


políticas neoliberais

2.1 Políticas públicas e estado de bem-estar social

Tendo por princípio fundante substantivos como bem-estar social,


direitos sociais e dignidade humana, as políticas públicas no Brasil se
desenham — pela perspectiva de um papel do Estado cuja evidência
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está nas garantias do atendimento dos interesses da sociedade. Isto é,


os direitos sociais estabelecidos como fundamentais têm o instrumento
garantidor desse processo nas políticas públicas. Mas talvez você
se pergunte: qual a base para essa afirmativa? O próprio texto da
Constituição Federal de 1988, revelado como princípio norteador na
perspectiva do ordenamento jurídico, estabelece essa premissa.

Se para alguns a Constituição Federal de 1988 pode parecer o princípio


das atividades na direção da implantação de políticas públicas no Brasil,
é importante apontar que isso não corresponde com a verdade. Desde a
década de 1930, no período a que a história nacional delimita como Era
Vargas, passamos pelo que seria o início da organização da máquina do
Estado.

Nesse contexto, as contribuições como a criação da Consolidação das


Leis Trabalhistas (CLT) mostram o quanto o governo de Getúlio Vargas
trouxe maior segurança à classe trabalhadora, trabalhando em prol da
garantia de proteção social.

Já avançando algumas poucas décadas, nos anos de 1970 e 1980,


significativas transformações na economia e nas áreas sociais passam
a refletir maior presença do Estado no desenho a uma referência à
proteção social.

Mas entenda, os anos finais do século XX e iniciais do século XXI


representam a crescente acumulação do capital financeiro com
regionalização dos mercados e com igual crescimento da pobreza e,
consequentemente, aumento da exclusão.

No Brasil, essa relação da política social como mínimos sociais é


identificada como medidas paliativas aos problemas apresentados
socialmente, porque falar em necessidades básicas é considerar
medidas de médio e longo prazo, gerando transformações reais na
qualidade de vida das pessoas em quaisquer camadas da população.
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Como exemplo podemos mencionar os programas de transferência de


renda; os programas de atenção à saúde e, até mesmo, os programas
de formação educacional, que representam medidas transitórias de
resposta a situações de desproteção e/ou vulnerabilidade social, cujas
medidas paliativas não representam efetiva transformação social.

A garantia de direitos sociais e do Estado democrático estão integrados


na concepção do estado de bem-estar social, tratado na Constituição da
Carta Magna de 1988. Nesse sentido, a garantia da existência e devido
funcionamento de políticas públicas se institui no principal mecanismo
de garantia de direitos sociais fundamentais.

Já no Estado democrático de direito, é dever do Estado ações de


beneficiamento à sociedade, mas a implementação dessas ações não
é exclusividade dele. No lugar de indivíduos, todos têm obrigações
para com o coletivo, segundo o respeito ao princípio da supremacia do
público em detrimento do privado.

2.2 Políticas públicas e neoliberalismo

As políticas públicas representam as ações aplicadas na solução dos


problemas de âmbito público da sociedade cuja implementação se dá
pelo governo e por iniciativas da própria sociedade civil.

Em sua opinião, as políticas públicas são uma construção social? Saiba


que sim, em decorrência da interação entre as diversas pessoas,
produtos planejados e implementados por um coletivo resulta em uma
construção social.

Se as políticas públicas afetam uma grande quantidade de pessoas,


igualmente afetam um amplo conjunto de interesses políticos e
econômicos que procedem em implicações políticas.

Dessa forma, o cenário que temos em torno das políticas públicas é


de uma dinâmica de acumulação econômica e ampla exploração do
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trabalho que se desenham pelo enfrentamento dos problemas sociais


na sociedade contemporânea. Isso determina o neoliberalismo como
uma prática de governo em tempos de sociedade contemporânea, onde
as pessoas mais frágeis do sistema se submetem ao exercício de uma
cidadania não reivindicatória por proteção social.

A doutrina neoliberal não tem a intenção de extinguir as ações do


Estado, antes, pretende usar essas ações contra a proteção social
efetiva; em que pese o fato de que, sob a perspectiva neoliberalista,
aqueles cuja cobertura da proteção social é aplicada são os que não
atendem com eficácia e/ou eficiência às expectativas do sistema.

Para Foucault (2005, p. 289), quando a regulação de mercado é


responsável pela sociedade, mais do que regular a troca de mercadorias
em um mecanismo de concorrência, é importante determinar um poder
capaz de formar ou formatar a sociedade.

As inserções das ações de políticas neoliberalistas emergem no governo


de Fernando Collor de Mello (primeiro presidente eleito por voto popular
após um longo período de tempo), no entanto, as consolidações das
medidas neoliberais somente ocorrem com a ascensão do governo de
Fernando Henrique Cardoso, na década de 1995.

O cenário de implantação do neoliberalismo, no campo nacional, vem por


meio do governo de Fernando Collor de Mello, visando expandir a ordem
da privatização em larga escala e ampliar a redução dos gastos públicos.

Nesse sentido, é importante mencionar que a história política se constrói


da história socioeconômica na perspectiva do sistema capitalista. Além
disso, é preciso destacar que as principais medidas empregadas no
processo de consolidação inicial das políticas neoliberais no Brasil foram:

• Privatização das empresas públicas.

• Objetivação do controle inflacionário.


26

• Estabilização da economia pela negociação com o setor privado.

No alinhamento do contexto mundial, note que assim que Fernando


Collor assume o poder e implementa planos econômicos cuja promessa
era desenvolvimento, na verdade, ocorre uma crise econômica que seria
superada apenas com a implementação do plano real, no governo de
seu sucessor.

Se os planos Collor não foram capazes controlar e/ou baixar a inflação,


por outro lado, o plano real cumpriu seu papel de efeito significativo e
positivo sobre os indicadores sociais baseados no elemento de renda
per capita.

Figura 1 – Nota de 1,00 real

Fonte: Wikimedia Commons.

Entretanto, mais do que equilíbrio econômico, é importante lembrar que


a renda é determinante na relação social e caracterizará a relação dos
sujeitos na sociedade com seus gestores diante de todas as circunstâncias
envolvidas nessa relação, ora estão em elevação, ora em baixa.

Apesar de uma realidade rendida às medidas do sistema neoliberal, não


podemos desqualificar as transformações de bem-estar social ocorridas
no período de 1994 e 1995, cuja instabilidade a partir de 1996 impera.
27

Nesse último período, cenários de aumento da distribuição de renda


nas esferas estaduais e municipais em detrimento da concentração
financeira na esfera federal e das drásticas reduções dos recursos
públicos destinados ao financiamento das políticas sociais, demarcam a
instabilidade de que tratamos e demonstram as implicações negativas
sobre os serviços destinados à população mais empobrecida.

Com isso, o que podemos afirmar é que a responsabilização do Estado


em detrimento das desigualdades produzidas pelas relações da
economia e política para com as pessoas não se efetiva, porque essa
relação é instável.

Nesse caso, as políticas públicas na sociedade contemporânea não


objetivam em si reduzir as desigualdades; antes, intentam garantir a
melhoria do nível de bem-estar, e isso está diretamente relacionado à
estabilidade econômica.

Referências
BACELAR, Tânia. As políticas públicas no Brasil: heranças, tendências e desafios. In:
BRASIL. Políticas públicas e gestão local: programa interdisciplinar de capacitação
de conselheiros municipais. Rio de Janeiro: FASE, 2003. p. 1-10.
CARVALHO, Rodrigo Badaró de. FHC — do sociólogo ao presidente: a
implementação de um projeto neoliberal no Brasil. Belo Horizonte: Conhecimento
Livraria e Distribuidora, 2021. E-book. [Biblioteca Virtual]
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-
1976). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HOCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta; MARQUES, Eduardo. Políticas públicas no
Brasil. São Paulo: SciELO; FIOCRUZ, 2007.
MANN, Michael. As fontes do poder social: globalizações, 1945-2011. São Paulo:
Vozes, 2022. E-book. [Biblioteca Virtual]
28

Definições de terceiro setor, a


Realidade Social Contemporânea
e as contradições entre sociedade
civil e Estado
Autoria: Patricia Soares Alves da Silva
Leitura crítica: Maria Silvia Ferreira Alves de Oliveira

Objetivos
• Caracterizar as estruturas do terceiro setor no Brasil.

• Examinar a realidade social contemporânea em


âmbito nacional.

• Apontar as contradições entre sociedade civil e


Estado no Brasil contemporâneo.
29

1. O terceiro setor no cenário nacional


brasileiro

É um fato que o terceiro setor tem um papel não somente importante,


mas também impactante no que diz respeito à atenção às situações de
vulnerabilidades e/ou desproteções dos sujeitos. Nesse contexto, em
sua opinião, afirmar que o terceiro setor representa uma espécie de
intervenção na sociedade é correto?

Enfim, podemos assegurar que a resposta é sim. Pois, quando


consideramos o desenvolvimento da sociedade, suas fragilidades e
também suas potencialidades, verificamos quantos são os espaços de
necessária intervenção — seja para suprir ausências e/ou insuficiências
para um desenvolvimento harmonioso e satisfatório, seja para superar
insatisfações e adversidades naturais dos processos de interação dos
sujeitos.

No campo das relações sociais, que é o campo da formação da


sociedade, as diferenças em convivência de diversidade precisam estar
em equilíbrio, a fim de que o desenvolvimento de todos os sujeitos
seja garantido e respeite uma parametrização que torne o processo
equitativo e igualitário. Afirmar a diferença aos diferentes e a igualdade
aos desiguais pode parecer clichê, mas não é esse motivo que nos fará
deixar de reafirmar isto a todo tempo.

Talvez você se pergunte: em que consiste falarmos sobre esse assunto


quando o tema é terceiro setor? Bem, vamos refletir sobre isso! As
distinções consistem na assimetria do subjetivo das pessoas, que
objetivadas no cotidiano das relações de uns com os outros e com o
meio produzem a construção da sociedade.

Uma parte do reflexo dessas relações culmina em legislações e


regulações indispensáveis para a garantia da harmonia do processo.
30

Mas não sejamos utópicos em considerar que o fato de existirem regras


garantiram que elas prevaleçam.

As regras transcritas em legislações, sem que haja os sujeitos que


as coloquem em prática no dia a dia, nada mais são do que meras
representatividades de um desenho do intento de um coletivo em
prol do próprio coletivo. E claro, esses sujeitos da prática não são
exclusivamente os governantes ou representantes diretos do poder
público, mas cada um dos sujeitos sociais.

Com isso, quero que você se lembre de que faz parte na sociedade e,
proporcionalmente, é responsável por sua constituição. Nesse ponto,
compete destaque que a sociedade civil é um conceito complexo, cujas
singularidades são representadas por cada pessoa, mas também por
instituições e/ou organizações civis e sociais responsáveis por fomentar
a base do funcionamento da sociedade.

Nesse sentido, materializa-se o panorama social de inúmeras


transformações com expressões contextuais diversas, que
lamentavelmente em nível nacional destacam insatisfações frente às
insuficiências na garantia da ordem e da organização material da sociedade.

No Brasil, o terceiro setor emerge no contexto de promessas de devolução


que garantam desde a retomada da solidariedade; ao exercício da
cidadania e o incremento do universo público. Nessa promessa, repousa
a ideia da filantropia sob a perspectiva das recomendações do FMI e
do Banco Mundial no estabelecimento de relações de desenvolvimento
colaborativo com organizações não governamentais. Tais recomendações
tratam da necessidade de legislações que incentivem o terceiro setor ou as
organizações privadas sem fins lucrativos que respondam às exigências de
ações sociais eficientes.

Sob o argumento da promoção social por ações de desenvolvimento em


torno de propostas de erradicação das desigualdades, de um lado temos
31

o antagonismo com a pactuação com o governo e de outro, um exercício


de uma paridade com o ideal dominante; assim, o terceiro setor se
consolida e também se confunde.

Em outras palavras, podemos afirmar que o terceiro setor no Brasil


emerge da parceria entre o mercado e o Estado. Essa afirmativa
desnuda a compreensão de que o terceiro setor pudera ser anterior
aos anos das décadas de 1990. Por que afirmar isto? Porque alguns
estudiosos vão defender que o terceiro setor surge da aliança do
mercado, Estado e movimentos sociais, entretanto, isso é divergente.

Para Falconer (1999, p. 4), a ação social das empresas, o trabalho


voluntário das pessoas comuns da sociedade e os institutos (poder
público privatizado e organizado) são representações do terceiro setor,
que refletem uma fundamentação teórica de mobilização, de recursos
mas também de ação no país.

Nesse contexto, seria imprudente desconsiderarmos que na


redemocratização brasileira, as organizações que constituem o terceiro
setor tiveram um papel importante e de protagonismo na propagação
dos valores por esta considerada comuns à sociedade.

Logo, é no campo das mudanças profundas no que diz respeito ao


papel do mercado e do Estado no Brasil, e também no campo da
redemocratização, que o papel da participação dos cidadãos na esfera
pública passa a ter representatividade. Assim, o objeto da fundação
do terceiro setor é fortalecer a sociedade civil, no sentido do que se
vem desenhando nas ações de temas de desenvolvimento de ações
filantrópicas.

No Brasil, um tipo muito específico de organização são as ONG


(Organização Não-Governamental), constituídas por um arranjo de
um determinado grupo de pessoas sob a estrutura de organização
institucional da sociedade civil com o intuito comum de apoiar causas
32

coletivas, sem obtenção de fins lucrativos no processo. Elas têm grau


burocrático diminuído em contraponto a uma espontaneidade de
organização.

As ONGs são um mecanismo de real e fundamental importância para a


construção da cidadania, pois representam a sociedade civil como um
espaço de materialização fiscal dos assuntos políticos.

Com isso, não afirmamos que não existam entre os protagonistas da


ONG interessados tão somente em se apropriar das verbas públicas,
desviando-as ao interesse de minorias já privilegiadas em detrimento
dos grupos ao qual e propõem atender.

Além disso, outro espaço reconhecido no país como formatador do


terceiro setor são as instituições. Por sua vez, estas têm esse título
para indicar a corporação instituída de fins religiosos, econômicos,
culturais, educativos, entre outros. As instituições têm caráter público
e privado; por isso, o título de instituto se aplica tanto para entidades
governamentais ou privadas cujo fim pode ou não ser o de lucro, sob a
forma de fundação ou por vezes de associação.

Finalmente, o terceiro setor em suas diversas representações


organizacionais, independentemente de sua atuação ou do grau de
impacto social que promove, tem uma missão singular e comum em
influenciar a trajetória dos indivíduos alvo de sua atuação.

2. Sociedade civil e Estado

Vamos começar a pensar sobre Estado e sociedade civil, mas


primeiramente, devemos conceituar esses termos.

De acordo com Cassase (1986), em 1931, houve um estudo que indicou


145 utilizações diferentes para o termo Estado. Em outros estudos,
33

também da década de 1980, argumentam que o Estado tem uma noção


marxista quando o uso do termo está associado ao governo.

Aqui, afirmamos que é importante distinguir o Estado do governo, ou


de sua estrutura de dirigentes, partindo da compreensão do termo
relacionando-o a Estado-nação, ou seja, a constituição de um povo cuja
formação é: um povo com direitos comuns entre si, que com base na
cidadania serve forma o Estado-nação.

Nessa perspectiva, a sociedade civil é representada pelos grupos e pelas


classes sociais — no sentido hierarquizado, por isso no plural — aos quais o
acesso ao poder político é diferenciado e por que não afirmar, limitado.

Na contramão do que afirmamos anteriormente, o Estado se materializa


na estrutura organizacional do contrato social de configuração política
do qual o objetivo é a garantia da legitimidade ao governo.

Por outro lado, podemos dizer que a sociedade civil é a reunião de


cidadãos também conhecidos como povo, conjunto coordenado e
equilibrado ao poder de cada indivíduo e/ou grupo social, ao mesmo
tempo que o Estado é a máquina legal e organizacional que regula os
contratos de garantia da harmonia da sociedade.

Desse modo, o Estado é o campo da propriedade pública — de todos —


à medida que uma democracia efetivamente assegure esse fato, tendo
em vista que nos tempos pré-democráticos, o Estado era privado e que
o advento da democracia e seu avanço são somente incentiva como
desencadeia a desprivatização do Estado.

Há ainda outras formas de definição para a sociedade civil, como dizer


que o mercado define a sociedade organizada e que isso é sociedade
civil, ou ainda como você pode observar no esquema a seguir.
34

Figura 1 – Esquema de interpretação conceitual da relação da


sociedade civil e Estado

Fonte: elaborada pela autora.

A figura representa o esquema de incorporações: a sociedade civil


incorpora a vida familiar à medida em que o Estado, pelo direito civil e
pela normatização econômica, regula a sociedade civil; a normatização
econômica é regulada pelo mercado e, portanto, o mercado regula o
direito civil e, consequentemente, a sociedade civil.

Segundo Bresser Pereira (1995), a sociedade civil acumula todas as


relações sociais que exercem qualquer influência sobre o Estado, mesmo
estando à margem deste. Já na perspectiva marxista, a sociedade civil e
a estrutura econômica da sociedade têm correspondência no fato de o
maior poder na sociedade civil pertencer à classe dominante; o poder
econômico e, também, o poder político.

O poder político é variável de regulação da sociedade civil sobre o Estado,


considerando que em uma democracia temos o povo como verdadeira
personificação da sociedade civil. Assim, vamos afirmar que a sociedade
civil e o Estado se regulam e se relacionam numa espiral dialética de um
ordenamento de poder, no qual o segundo infere poder sobre o primeiro
complexo, ainda que a sociedade civil cresça substancialmente subordinada
ao aparelho do Estado enquanto ambos se expandem.
35

2.1 Realidade social e contradições contemporâneas

Diretamente relacionado ao tema do terceiro setor e da percepção


da sociedade civil na construção dele, é importante identificarmos a
realidade social e as contradições contemporâneas da e na sociedade.

Em outras palavras, podemos afirmar que é preciso refletir sobre


o tema da desigualdade social tendo em vista que as contradições
contemporâneas dizem respeito exatamente a isso. Nesse contexto, há
diferentes formas de desigualdade que dizem respeito à desigualdade
social, considerando que o princípio do social é o que diz respeito a
todos os aspectos da vida dos indivíduos.

A desigualdade de gênero, a desigualdade racial, a desigualdade


étnica e, claro, não menos importante ou de maior relevância, temos a
desigualdade de classes.

No Brasil, a desigualdade social afeta uma grande parcela da população


como um problema, que é um retrocesso, mas não o suficiente para
pensar em sua erradicação ou superação.

Figura 2 – Desigualdade social

Fonte: Shutterstock.com.
36

Enquanto alguns filósofos separam a sociedade em duas classes,


trabalhadores proletariados e burguesia; os institutos de pesquisa
responsáveis pela produção e reprodução ideológica do Estado —
considerando que em tudo há certo grau de ideologia — hierarquiza
os indivíduos e os representa em classes sociais de uma escala de
subordinação.

A posição que ocupam os indivíduos na sociedade é o que chamamos


de hierarquia social, mas essa mesma percepção está diretamente
relacionada à níveis de estrutura social que consideram os fatores
destacados: raça, gênero, etnia, entre outros.

Você pode pensar que a hierarquia social é uma determinante moderna,


entretanto, isso não é um fato, civilizações antigas já o faziam a partir
das condições econômicas dos sujeitos.

A estratificação social é um conceito sociológico que classifica grupos ou


indivíduos a partir do reconhecimento de condições socioeconômicas.
Esse mesmo conceito configura o entendimento da sociedade
hierarquizada e a constituição da desigualdade social.

Então, observar como a estratificação afasta os grupos sociais,


mantendo-os em diferentes camadas, é afirmar o reconhecimento de
uma pirâmide social de status, uma desigual distribuição de recursos e
oportunidades.

As contradições contemporâneas manifestam a realidade social de


desigualdade que se designa no Brasil como uma pirâmide de ordenação
estrutural, que por sua vez alinha os indivíduos sob os grupos em extrema
pobreza (marginalizados), pobreza, classe média, burguesia e elite.

Neste ponto, sugerimos que assista ao vídeo do canal Tempero Drag,


intitulado Especial Karl Marx #03: Fetiche na sociedade capitalista, no qual
é possível compreender de foram clara, objetiva e divertida as relações
37

estruturais da sociedade capitalista. Com base neste estudo, fica também


mais claro o cenário das relações estabelecidas em nível nacional.

Logo, é importante entender que o conceito de desigualdade social


não está restrito à questão de acesso à renda, mas também da
própria relação de distribuição de renda; em que o Brasil é um país
cuja distância entre os mais ricos e os mais pobres é que garante a
disparidade social de que tratamos.

Segundo pesquisas do IBGE, no ano de 2020, o Brasil é dividido em


classes sociais A a E, sendo o indivíduo alocado na classe E se a renda
familiar for de até dois salários mínimos; sucessivamente, conforme
as rendas aumentam, ele ascende na classe social, conforme a figura a
seguir.

Figura 3 – Pirâmide da desigualdade social conforme parâmetros


econômicos

Fonte: elaborada pela autora.


38

Essa pirâmide deve ser interpretada para além das questões


econômicas, entenda: na base da pirâmide, onde está concentrada
a maior parte dos indivíduos, os baixos salários e a insuficiência às
garantias básicas como transporte público, saneamento, saúde e
educação demonstram a desigualdade social e afirmam repetidamente a
condição de inviabilidade na inversão da pirâmide.

Com isso, notamos as consequências de uma distribuição de renda que


é determinante à consequente desigualdade. Essa contradição é de fato
o constructo da realidade social da sociedade brasileira.

Como o tema do terceiro setor é importante, devemos ser capazes de


identificar que é justamente quando esse panorama de desigualdade é
reconhecido, que se faz necessário intervenções de atenção e resposta
ao cenário apresentado.

Dessa forma, podemos afirmar que as ações de atenção aos


indivíduos e/ou famílias cujo acesso mínimo aos direitos sociais não se
materializam é imprescindível; tendo em vista que as determinantes
da desigualdade social não são exclusivamente econômicas, mas que
esse fator tem se mostrado um dos mais relevantes na definição da
estratificação social.

Portanto, cabe a nós pensarmos em possibilidades de resposta ao


crescimento da desigualdade social, no sentido da superação das
contradições sociais, atuando efetivamente na intermediação estratégica
pela superação dos obstáculos sociais, políticos e econômicos que
segregam milhares de pessoas no Brasil.

Referências
ALBUQUERQUE, Antonio Carlos Carneiro de. Terceiro setor: história e gestão de
organizações. 3. ed. São Paulo: Summus, 2006.
39

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Estado, sociedade civil e legitimidade democrática.


LUA NOVA: Revista de cultura e política, [s. l.], p. 85-104, 1995.
CALEGARE, Marcelo Gustavo Aguilar; SILVA JUNIOR, Nelson da. A “construção” do
terceiro setor no Brasil: da questão social à organizacional. Revista Psicologia
Política, [s. l.], v. 9, n. 17, p. 129-148, 2009.
CASSESE, Sabino. The rise and decline of the notion of state. International Political
Science Review, [s. l.], v. 7, n. 2, p. 120-130, 1986.
FALCONER, Andres Pablo. A promessa do terceiro setor. São Paulo: Centro de
Estudos em Administração do Terceiro Setor; Universidade de São Paulo, 1999.
GOHN, Maria da Glória. Participação e democracia no Brasil: da década de 1960
aos impactos pós-junho de 2013. São Paulo: Vozes, 2019.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. ISM - Indicadores Sociais
Mínimos. 2020. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/
populacao/17374-indicadores-sociais-minimos.html?=&t=resultados. Acesso em:
2023.
40

Regulações do público e privado:


bem-estar da sociedade, benefício
empresarial e instrumentos de
gestão
Autoria: Patricia Soares Alves da Silva
Leitura crítica: Maria Silvia Ferreira Alves de Oliveira

Objetivos
• Definir o conceito de regulação social.

• Apontar a relação da regulação social para o bem-


estar da sociedade.

• Demonstrar a relação do público e privado no que


diz respeito aos benefícios empresariais.

• Identificar os instrumentos de gestão associados aos


benefícios empresariais.
41

1. Regulações para o bem-estar da sociedade

Na jornada conceitual que estamos construindo, você certamente


já identificou competências diversas para compreensão do lugar da
responsabilidade social. Mas agora, é importante identificar as bases
regulatórias em que o contexto das relações de intervenção defina
possibilidades de sistematização na utilização dos marcos determinantes
ao bem-estar da sociedade.

Você sabe o que é regulação social? Neste estudo, construiremos essa


resposta! A regulação social está diretamente relacionada às normas
que ordenam as condutas das sociedades e as regras que organizam os
atores sociais nas relações sociais.

Primeiramente, podemos afirmar que na sociedade moderna a


regulação se sustenta em três regimentos: a comunidade, o Estado
e o mercado; e que há entre eles uma linha de articulação racional
cujo fundamento de emancipação busca exprimir moral, prática e
instrumental.

Cada regimento tem características, regras e normas específicas de


regulação. O Estado tem por norma o objeto da coerção pelo qual o
ordenamento assume a posição de garantidor dos interesses gerais,
os quais definiremos como direitos relacionados à cidadania. A
comunidade, por sua vez, tem no altruísmo, na reciprocidade e na tão
valorizada solidariedade a sua norma de regulação. E, como último
pilar do tripé de regimentos, o mercado estrutura as relações sociais
na regulação da autonomia e da liberdade — ambas relativas —, e na
competitividade.

Não pense você que a regulação social moderna difere das referências
anteriores dessa propositura. Participação social, coesão social e
políticas compensatórias são ideias do paradigma da complexidade que
envolve o pensamento em questão.
42

O movimento da propositura, nos pilares da regulação social, serve


de ordenamento de possibilidades, no qual o mercado por sua
racionalidade instrumental articula princípios de organização, como a
geração de inovações e mudanças; no entanto, essa regulação impacta
em desigualdades e pobreza.

Nesse contexto, encontra-se a afirmativa de que a capacidade de


garantir equilíbrio ao ambiente social está diretamente relacionada
aos ajustamentos a partir de um conjunto de princípios que delimitam
mecanismos reguladores.

O princípio da regulação social representa um novo campo, no qual


identificamos as ideias que moldam princípios que se identificam na
transformação social, justiça social, relações de poder e, inclusive,
participação popular.

É exatamente nesse ponto que repousa a ideia de que, da combinação


mencionada da tripartite dos princípios que regulam a sociedade,
emergem articulações com as iniciativas coletivas, individuais e de
movimentos sociais como expressões da condição de comunidade.

Essa referência regulatória afirma-se no contexto da redistribuição de


riquezas, por meio da qual os serviços terceirizados e/ou privatizados
se sobrepõem, e isso é a governança da regulação. Veja bem, a
compreensão do conceito de regulação social também está associada
à compreensão do conceito de regulação econômica. Você consegue
imaginar de que forma essa relação se estabelece? A seguir, vamos
clarear esse entendimento.

Com o objetivo de garantir o aprimoramento e a eficácia econômica


do campo “mercado”, a regulação econômica produz resultados
conflituosos e prejudiciais ao bem-estar das pessoas. Então, a regulação
social se produz para incidir sobre tais prejuízos e melhorar os
resultados e dar solução aos problemas sociais.
43

Por sua vez, essa solução se estabelece pelo governo a partir de uma
vasta diversidade de instrumentos ou ferramentas políticas, entre estas,
mencionaremos seis, conforme as categorias cuja compreensão deve
ficar muito mais clara a partir da visualização do quadro a seguir.

Quadro 1 – Instrumentos e exemplos

Instrumento Exemplo
Tributação
Quotas
Econômico
Atribuição de preços
Estabelecimento de mercado
Contratos
Transacional
Concessão de condições
Registro
Autorização Licença
Acreditação
Rotulagem de produtos
Informacional
Regime de divulgação contínua
Projeto físico
Estrutural
Arranjos fiscais
Leis
Legal Normas
Regulações

Fonte: elaborado pela autora.

A partir desse quadro, podemos entender a intenção e o resultado do


governo por meio de um projeto sistematizado para dar resolutividade
específica a um problema também específico, que é produzido pelo
próprio governo.

Como podemos apontar, há a retroalimentação da regulação econômica


com a regulação social que é importante para a compreensão mais
aprofundada da segunda. Enquanto a primeira se firma no pilar de que
44

o melhor para a sociedade está na produção de bens e serviços capazes


de maximizar as riquezas da sociedade, que se justifica pela intervenção
regulatória; a segunda é concebida justamente para responder aos
prejuízos das atividades econômicas e alcançar resultados sociais
determinados.

Para fixar tal conceituação, veja a figura a seguir.

Figura 1 – Regulação Social

Fonte: elaborada pela autora.

A regulação social, portanto, se consolida na perspectiva de dar


correção ao déficit do mercado, que consiste em efeitos prejudiciais
à realidade da sociedade; em alcançar resultados que satisfaçam
desejos socialmente coletivos que sejam efetivamente melhores que
os resultados produzidos pelo mercado, ainda que este último esteja
operando de modo eficiente.

2. O público e o privado; benefício empresarial


e instrumentos de gestão

No tocante aos investimentos públicos e privados em torno da atuação


social, podemos destacar que o setor público formata ações a partir da
criação e implementação de políticas públicas e sociais, e que o setor
privado o faz a partir da responsabilidade social.
45

Agora, compete a você ser capaz de identificar os negócios realizados pelas


empresas junto a comunidades de alta vulnerabilidade social por ações
cujos benefícios representam uma estratégia de responsabilidade social.

Nesse contexto, pensar sobre a efetiva diminuição da pobreza tem sido


o ponto central do debate mundial nos últimos anos para países pobres
ou ricos, o cuidado com a promoção da igualdade e dignidade tem
sido o mote de um comprometimento que se manifesta por meio da
solidariedade.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) indica


estratégias que têm a finalidade de reforçar a capacidade e, por que não
dizer, a habilidade do setor privado em garantir desenvolvimento.

O nome dado a essas estratégias é Objetivos de Desenvolvimento


Sustentável (ODS), os quais de forma integrada devem garantir o
equilíbrio entre sustentabilidade social, economia e ambiental.

O contexto sob o qual se desenvolvem os ODS é o de comprometimento


dos países com a erradicação da pobreza e discriminação, priorizando
o progresso de modo que sejam superadas as vulnerabilidades que
impedem a reconstrução de uma sociedade melhor.

A desigualdade social configurada em exclusão dos serviços sociais


fundamentais e, nesse sentido, o que o setor privado pode fazer para
promover a erradicação da pobreza?

Para começar a responder essa questão, podemos indicar as ações


sociais que as empresas desenvolvem no sentido da filantropia, seja
pela doação de recursos, seja por doações emergenciais ou, até mesmo,
ações sociais permanentes, para as quais se torna imprescindível
estruturação da gestão administrativa.

Nesse caso, o planejamento, a formalidade e uma abordagem


estratégica demonstram a importância da presença de empresas, cujo
46

investimento social apoie diferentes projetos de finalidade pautada na


promoção de benefícios sociais.

Figura 2 – Responsabilidade social

Fonte: elaborada pela autora.

Segundo Borger (2001, p. 9):

A atuação das empresas orientada para a responsabilidade social


empresarial não implica que a gestão empresarial abandone os seus
objetivos econômicos e deixe de atender aos interesses de seus
proprietários e acionistas, pelo contrário, uma empresa é socialmente
responsável se desempenha seu papel econômico na sociedade
produzindo bens e serviços, gerando empregos, retorno para os seus
acionistas dentro das normas legais e éticas da sociedade. Mas cumprir
o seu papel econômico não é suficiente; a gestão das empresas é
responsável pelos efeitos de sua operação e atividades na sociedade.

Veja, o comportamento social das empresas no que diz respeito aos


problemas sociais exige um envolvimento ampliado das próprias
empresas em transformar o ambiente social a partir de atuações de
impacto para com a sociedade.

A partir da liberdade do mercado, a promoção do bem-estar social


torna-se fundamental e compete ao governo a intervenção do setor
privado, protegendo a concorrência e a atuação das empresas em que
pese o fato de que a questão social não poder ser responsabilidade
tão somente do governo e, portanto, é necessária a ampliação das
responsabilidades empresariais.
47

No entanto, a ampliação das responsabilidades empresariais pode


significar que a empresa terá despesas com algo que aparentemente
não trará lucros, nesse caso, as ações sem fins lucrativos. Essas
atividades podem representar melhor a relação com a comunidade e a
melhoria na imagem da empresa.

Aqui, podemos afirmar que a filantropia, na forma da responsabilidade


social, é o que dá valor à estratégia de negócios mediante o avanço nas
causas sociais, ou seja, a responsabilidade social se torna uma iniciativa
de engajamento.

Então, as iniciativas requerem pressupostos de gestão da


responsabilidade social, que no caso das relações entre as empresas
e a sociedade estão pautadas numa relação que evolui à medida das
mudanças sociais.

A ABNT (2004) define os requisitos do sistema de gestão em


responsabilidade social que consiste na responsabilidade de uma
organização pelos impactos de suas decisões e atividades, por meio de
ações éticas e transparentes.

O Inmetro, na norma NBR 16001 (ABNT, 2004, p. 1), prevê orientações ao


planejamento que consistem em:

Estabelecer, implementar e manter procedimentos documentados


para identificar e priorizar as partes interessadas, bem como as suas
expectativas e interesses; identificar as questões pertinentes a sua
responsabilidade social, considerando os seguintes temas centrais:
governança organizacional; direitos humanos; meio ambiente; práticas
leais de operação; questões relativas ao consumidor; envolvimento e
desenvolvimento da comunidade.

Nesse contexto, a gestão da responsabilidade social nas empresas e na


organização busca o comprometimento destas com questões éticas e
sociais, a fim da conquista da gestão estratégica para operacionalização
da empresa.
48

Ainda, a política da responsabilidade social contempla algumas ações, logo,


pensar a gestão empresarial é contemplar itens como: direitos da criança
e adolescente; direitos do trabalho; ações sociais de interesse público;
mesmo que reconhecer esses temas não explique objetivamente sua
aplicação, permitindo livre interpretação das recomendações.

Veja, a regulação a partir desse panorama tem o custo de


desenvolvimento focado na esfera empresarial, que passa a requerer
reformas que minimamente reduzam obrigações e encargos
regulatórios; em contrapartida às questões econômicas de um mercado
global que cresce a cada momento.

No sentido de toda a construção conceitual e teórica, a gestão de


responsabilidade social não se resume a geração de lucros, embora
também esteja relacionada a ela e reverbere na sociedade.

A melhoria do bem-estar, nessa linha de raciocínio, torna as empresas


e as corporações obrigadas a desenvolver ações de responsabilidade
que preconizem a qualidade de vida como uma cultura de perspectiva
estratégica.

Logo, a responsabilidade social se origina do desenvolvimento de


ferramentas de gestão que favorecem um modelo de sustentabilidade
de retorno social na relação com a sociedade. As ações sociais, por sua
vez, se estabelecem na direção da superação dos problemas sociais por
meio de propostas inovadoras.

Uma relação direta e objetiva com a sociedade requer ações de


responsabilidade social das empresas que, na verdade, constituem
princípios que têm a função de disseminar práticas que podem garantir
a sustentabilidade das empresas.

Por fim, a economia e o desenvolvimento constituem a implementação


dos projetos de impacto de nível significativo para as empresas que
49

assumem a responsabilidade objetiva, com o contexto social em que


estão inseridas em seu processo de gestão a responsabilidade social.

Referências
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