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30/06/2017

O TEXTO
Dois livros de Ester:
HEBRAICO: mais antigo
GREGO: mais breve e tardio - não é uma simples tradução do texto
hebraico. É uma transformação completa de enquadramento e de
importação do texto hebraico.
O texto grego é deuterocanônico.
A DATA DE REDAÇÃO
O texto grego tem data certa: a partir do último versículo (10,31) podemos
deduzir que a data do livro se coloca entre 114 e 112 aC, durante o governo
de João Hircano sobre a Judéia.
A datação do texto hebraico é mais complexa e os estudiosos manifestam as
opiniões mais variadas: situam o texto desde a época de Xerxes (450 aC)
até depois de Jesus Cristo.
Com a maioria dos estudiosos podemos situar uma datação no fim da época
persa, lá pela metade do quarto século antes de Cristo (350 aC mais ou
menos).
Os conhecimentos exatos da estrutura administrativa do reino persa, a
ausência total de referência ao mundo grego e a sua cultura justificam a
nossa escolha.

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O ASSUNTO DO LIVRO
A história contada no livro de Ester se desenrola em Susa, uma das
capitais do império persa, no tempo do rei Xerxes (chamado de
Assuero). O texto grego já fala do rei Artaxerxes. Por uma
desobediência, ele manda embora sua mulher Vasti (Astin no
grego), abrindo assim o caminho para a escolha de Ester, uma órfã
hebréia, que se tornará rainha no lugar de Vasti.
Neste ínterim, explode um conflito entre o primeiro-ministro Amã e
o judeu Mardoqueu, que não quer se ajoelhar na frente dele e Amã
decide punir Mardoqueu e destruir todos os judeus do reino.
A intervenção de Ester, perante o rei, desmascara o plano perverso
de Amã, que é enforcado; e Mardoqueu fica no lugar dele.
Os judeus são autorizados a se defender e derrotam seus inimigos,
matando 75.000 pessoas.
A vitória dos judeus passa a ser festejada por uma grande festa que
é chamada festa dos Purim, e que deverá ser celebrada para sempre.

É UMA HISTÓRIA VERDADEIRA?


Pelas informações que temos podemos dizer que o livro de Ester
não relata um fato acontecido realmente, pelo menos não do
jeito que o livro conta.
Mesmo que o autor conheça muito bem a geografia de Susa e do
império e esteja por dentro da máquina administrativa do
palácio, aparecem algumas afirmações totalmente fora da
realidade.
Se fosse verdade, Mardoqueu teria mais de cem anos e Ester
pelo menos setenta a oitenta, longe de ser uma moça lindíssima
que cativa o rei.
Nunca na história dos persas se fala de rainhas com os nomes
de Vasti ou Ester.
É muito improvável que os judeus tenham exterminado 75.000
homens (no grego 15.000) sem que nada tivesse acontecido;
como também é improvável que o rei persa tenha autorizado o
massacre dos judeus, sendo que a política deles sempre foi
extremamente favorável a este povo.

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CONCLUSÃO
Podemos concluir que o fato aqui narrado, como é narrado, não aconteceu. O
próprio estilo dramático da narração, feita de contrastes e suspense, se aplica
muito mais a um romance do que a uma história verdadeira.
Temos sempre que nos lembrar que os autores sagrados não são jornalistas
preocupados em relatar os fatos ocorridos. Muito mais do que isso, eles se
preocupam em animar a caminhada e a fé do povo.
Eles querem ajudar o povo a se posicionar no lugar verdadeiro, a fazer
escolhas verdadeiras, a encontrar o verdadeiro rumo da história, alimentando
assim a verdadeira esperança que nunca será iludida pelas falsidades do
mundo.
Eles querem dar respostas verdadeiras às verdadeiras perguntas do povo: a
verdade não é um fato acontecido, mas uma resposta que mostre o caminho
certo e não leve o povo "pro brejo”.
A preocupação do autor de Ester não é contar uma história verdadeira, mas A
VERDADE DA HISTÓRIA, uma verdade que possa ser vivida e feita por
todos os crentes, de todos os tempos e lugares. Também por nós hoje.
Os leitores de Ester encontraram uma resposta apropriada às perguntas que
eles tinham no coração. Com isso animaram sua fé e acertaram o caminho.
Esta e só esta é a verdade verdadeira, na qual vale a pena acreditar.

O CONTEXTO
Estamos na metade do século IV antes de Cristo, ao redor do ano
350. O império dos persas está chegando ao fim. Mais vinte anos e
os gregos despedaçarão este imenso império.
O livro de Ester nos dá uma rápida visão da grandeza e da força da
dominação persa: 127 províncias, várias capitais, um luxo
desmedido, uma abundância excepcional.
A estrutura imperial é muito bem organizada: ministros, cortesãos,
generais, homens da lei, astrólogos, conselho dos senhores, vice-rei,
governadores das províncias, sátrapas, escribas, todos eles
articulam a máquina administrativa e política do império.
A riqueza do palácio é impressionante: festas, banquetes, ouro,
marfim, tecidos finíssimos, comida e bebida em abundância.
Debaixo de todo este esplendor, porém, estão presentes abusos,
autoritarismo, ambição, descontentamentos, revoltas, ameaças de
atentados à própria vida do rei.

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Dentro deste majestoso império, que abrange praticamente o mundo


então conhecido, da índia até a Etiópia, vivem, espalhadas,
pequenas comunidades de judeus.
Sendo o livro de Ester dirigido a eles, é interessante conhecer um
pouco como eles viviam, dispersos neste mundo todo.
RECORDANDO A DEPORTAÇÃO
Est 2,6 usa quatro vezes a palavra "deportado" quando nos
apresenta Mardoqueu, que é, em certo sentido, o modelo dos
judeus.
Voltando ao ano 597 aC, temos o momento da derrota, do fim do
reino de Judá: Nabucodonosor deporta para a Babilônia o rei
Joaquin (2Rs 24,10-17).
Dez anos mais tarde o exército de Nabucodonosor destruiu os
muros de Jerusalém, arrasou o templo e deportou muita
gente, dispersando o povo judeu neste imenso império (2Rs
25,8-21).

A experiência da derrota machuca demais, vira queixa,


saudade, raiva, vontade de vingança (Sl 137).
Esta vingança desejada, ajudará a entender algumas páginas
do livro de Ester.
O cativeiro termina.
Em 538 aC Ciro, rei dos persas e dos medos, derrota
Babilônia. Ele segue uma política muito liberal: preferindo ter
aliados leais, ele permite que os exilados voltem para suas
terras.
Também os israelitas terão esta autorização: quem quiser
poderá voltar. O templo será reconstruído e o próprio rei
dará sua parcela de colaboração (Esd 1,1-11). Nem todos
voltarão, só uma minoria.
Muitos judeus ficam em Babilõnia, iniciando assim um
fenômeno que será chamado de "diáspora", isto é, dispersão.
A este grupo, que ficou, é dirigido, primeiramente, o livro de
Ester.

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Para entender a mensagem do livro de Ester é preciso


perceber alguns aspectos vividos por este povo da diáspora...
A SITUAÇÃO ECONÔMICA
Muitos judeus seguiram o conselho de Jeremias (Jr 29,5s) e
em Babilônia formaram sua família, compraram seu terreno,
em terra bem mais fértil do que a da Judéia. Muitos
procuraram emprego nas cidades, sobretudo no comércio e
até na carreira administrativa. Alguns judeus chegaram a ser
funcionários bem colocados dentro da administração
imperial (Est 2,21; Dn 2,48; 6,3; Ne 1,11b; Esd 7,14).
Muitos israelitas tinham conseguido ficar ricos. Esd 2,69 e Ne
7,71 nos dão o montante das ofertas que os judeus deram,
quando um grupo deles voltou para Jerusalém. Mesmo
dando números diferentes, eles falam de quantias vultuosas
(61.000 dracmas de ouro: cerca de 250 quilos!).

A situação melhorou ainda mais, pois mais tarde, um século


depois, quando Esdras foi para Jerusalém, com um outro
grupo, ele levou as ofertas dos judeus de Babilônia: 100
talentos de ouro (3.420 quilos!) e 650 talentos de prata (Esd
8,26).
Não é de estranhar que Amã, para obter a permissão de
exterminar os judeus, queira pagar aos cofres do império a
quantia de 10.000 talentos de prata, para compensar os
prejuízos que o império ia ter com o desaparecimento de
tantos contribuintes (Est 3,9).
A SITUAÇÃO POLÍTICA
Espalhados dentro deste imenso império persa, os judeus não
passam de pequenos grupos sem maior significação política.
Eles são uma insignificante minoria que vive, lado a lado, da
poderosa e intocável máquina burocrática dos persas.

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Não há nenhuma possibilidade política de mudar esta situação, ou de acabar com


esta dominação. O conselho de Jeremias: “Procurai a paz da cidade onde eu vos
deportei" (Jr 29,7), parece ser mesmo o mais razoável.
O judeu se preocupa, então, de estabelecer um relacionamento pacífico de
"convivência" com a sociedade envolvente. Eles aceitam mansamente a situação
de escravidão (Est 7,4) e procuram viver da melhor maneira possível, amparados
por uma política persa que sempre lhes foi favorável.
Esta atitude política transparece nas páginas de Ester.
-- Os judeus não têm nada contra o imperador que, além de ser aceito, é
defendido lealmente. Mardoqueu chega a denunciar um complô contra o rei (Est
2,22).
-- A questão não é a transformação de uma sociedade claramente injusta e
opressora. No lugar da luta se prefere o caminho da súplica e do pedido, para
poder sobreviver.
-- O desejo não é derrubar o sistema opressor. A bênção de Deus é chegar lá em
cima, no lugar do poder (Est 8,1s; 10,1-3).
Os judeus da diáspora são um grupo politicamente confiável e colaborador, que
tenta se integrar, da maneira melhor, com a estrutura existente, sem perder sua
identidade cultural.

A SITUAÇÃO CULTURAL-RELIGIOSA
A situação política, enfrentada com realismo, leva a uma mudança
substancial na perspectiva ideológica e religiosa do grupo.
Os judeus da diáspora persa não fazem mais nenhuma questão de
voltar à terra de Israel. A promessa da posse da terra era um aspecto
essencial da bênção de Javé para seu povo. Isso não é mais importante
para estes judeus.
A bênção de Deus é desligada da posse da terra. Isso devagar vem
mudando o próprio rosto de Javé e as características do seu projeto.
A mensagem dos antigos profetas era baseada numa palavra-chave:
FAZER A JUSTIÇA. Era a denúncia de um sistema opressor injusto,
na vontade de restabelecer uma ordem política e econômica sobre os
pilares da justiça, da partilha, para que não houvesse oprimidos no
meio do povo. Para que isso acontecesse, era necessário enfrentar a
questão da posse da terra, que devia ser garantida a todos, sem
nenhuma exploração.
Fazer justiça, neste sentido, é sociologicamente inviável, dentro
do império persa.

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A mudança que nasce disso é muito significativa: a


preocupação que emerge não é tanto a de fazer a
justiça, mas a de SER JUSTOS.
É preciso observar rigidamente a "lei" de Deus,
respeitando seus mandamentos. São colocadas em
destaque a prática do sábado, da circuncisão, das obras
de piedade (jejum, oração, esmola: Est 4,16; 9,22b).
São tomadas seriíssimas providências para defender o
grupo de qualquer influxo que possa corromper o
judeu: são severamente proibidos os casamentos com
estrangeiros e estabelecidas normas de pureza legal.
É com a prática desta "lei" que o judeu se torna justo e
pode esperar com confiança o dia em que o Senhor fará
a libertação do povo.

Toma força maior a teologia da retribuição, pela


qual o justo sempre será recompensado com o bem
e o ímpio (que não observa a lei) verá cair por terra
todos os seus planos e encontrará a ruína.
Esta teologia encontrará resistências: os livros de
Rute, Jó, Jonas, a partir de diferentes preocupações,
contestam esta mentalidade. Mas isso acontece só
no grupo de Jerusalém.
Na diáspora será aceita com maior tranquilidade.
Assim o judeu tem condições de manter sua
identidade de hebreu, sem mexer com as estruturas
sócio-políticas.

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Um outro fato influencia a visão religiosa do judeu em


terra estrangeira: não há templo.
O judeu se vê obrigado a "inventar uma outra maneira
de expressar sua religiosidade, a partir daquilo que
sobrou para ele depois da destruição de Jerusalém:
A PALAVRA.
Ao redor da palavra nasce a Sinagoga: a reunião de
culto o da celebração da palavra. Esta palavra precisa
ser "escrita" para que não se perca diante da pressão
cultural dos persas.
Em terra estrangeira, o esforço de coletar, reunir,
harmonizar as antigas "memórias" do povo, se
transforma, devagar, numa grande obra de redução
que culmina praticamente no Pentateuco que hoje
temos.

É interessante ver a importância que o livro de Ester dá


ao escrever (Est 9,20.23.29.32).
A palavra "escrita" se tornará o esteio de sustentação
do judeu na diáspora. O cap. 8 de Neemias coloca em
destaque a importância dada ao "livro", cuja leitura se
faz com uma solenidade igual, se não maior, à dos
sacrifícios.
A palavra escrita deve ser "traduzida e interpretada
para que a leitura se torne compreensível" (Ne 8,8). A
função do profeta que era de transformar em palavra
de Deus os acontecimentos da vida, devagar vai
sumindo.
Aparece com muito mais força a função do escriba, do
rabino, cuja função é explicar uma palavra que já está
escrita no livro.

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A palavra fica "presa" no livro e o teólogo passa a ter


maior autoridade do que o profeta.
A fidelidade ao livro se torna a norma operativa do
judeu. O livro se toma "lei" e nele serão procuradas
todas as normas, inclusive as mais minuciosas, que
devem reger a vida do judeu.
Surge o judaísmo. De uma posição extremada disso
tudo, vai nascer o farisaísmo.
A SITUAÇÃO SOCIAL
Por causa disso os hebreus se tornam um grupo bem
definido. O livro de Ester fala de ''um povo à parte"
(Est 3,8). É um grupo fechado, que cultiva fortes
vínculos de solidariedade interna. Grande importância
é dada à pureza racial, provada pela genealogia.

Cria-se uma situação aparentemente contraditória.


O grupo é fechado e "espalhado"; procura conviver
com o sistema, mas segue suas próprias leis que "não
se parecem com as de nenhum outro povo" (Est 3,8);
Se relacionam com todos, mas casam só entre si;
entram até no palácio, mas escondem o seu povo (Est
2,10.20); não possuem um território próprio, mas
cultivam um nacionalismo racial muito forte.
Os não-hebreus são considerados "não-próximos",
impuros. O livro de Tobias relata muito bem estas
atitudes do hebreu na diáspora.
É claro que este nacionalismo fechado não deixou de
provocar reações contra eles que se sentiam um povo
diferente e que se achavam melhores.

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Mesmo que a política dos reis persas tenha sido favorável e


benigna para com os hebreus, não podemos excluir a
possibilidade de alguma reação popular, mesmo que de
pequenas dimensões.
Um sinal disso é a briga com os samaritanos que foram
sumariamente excluídos da reconstrução do templo de
Jerusalém e que, a partir daí, sabotam em tudo os judeus (Esd 4)
.
AS DÚVIDAS DO POVO
Depois de analisarmos a situação dos judeus na diáspora
persa, não nos é difícil imaginar quais as dúvidas que, aos
poucos, podem ter se acumulado, na cabeça dos judeus.
Eles estão vivendo de acordo com a Lei, procuram ser justos e
fiéis, mas nada de novo acontece. Os séculos passam e não se
vê nenhum sinal de libertação, nada que indique que Israel
possa se tornar de fato a luz das nações (Is 62,ls; 66,18-24).
Pelo contrário, os judeus continuam sendo uma pequena
minoria, dentro da pesada estrutura imperial.

Se alguns deles conseguem galgar os degraus da pirâmide


administrativa, a maior parte vive pagando pesados impostos.
Às vezes não são bem aceitos pelas populações circunvizinhas,
justamente por obedecerem a uma lei diferente e, algumas vezes,
são até perseguidos.
Então, de que vale ser fiéis a esta lei? Não é melhor dobrar de vez
os joelhos diante da força dos outros, escapando, assim, pelo
menos, da humilhação e da perseguição? Este Javé tem mesmo
força para mudar o rumo da história?
A nossa sorte está mesmo na mão de Javé, ou os reis deste mundo
são os mais fortes?
É possível que surja também um sentimento de vingança contra
aqueles que não os aceitam completamente e que são os mais
fortes.
Ninguém nos garante que estas tenham sido as perguntas que
pairavam no meio dos judeus da diáspora, mas é muito bem
provável (no livro do Eclesiastes, que é praticamente
contemporâneo do Ester Hebraico, encontramos muitas desta
perguntas) .

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O livro de Ester aceita o desafio de dar uma resposta, de devolver


uma esperança e uma razão para continuar vivendo na fidelidade,
apesar de toda dificuldade e humilhação.
A MANEIRA DE RESPONDER
O método seguido pelo autor do livro de Ester é aquele de narrar
uma história, para legitimar e estimular a celebração de uma festa
popular: a festa dos Purim. A esta celebração ele fornece um
conteúdo teológico que procura responder às dúvidas do povo.
A origem desta festa nos é historicamente desconhecida, mas é
certo que ela vem do ambiente da dispersão persa.
O nome Purim é o plural hebraico do nome persa Pur que quer
dizer sorte; a maneira de celebrá-la era, comum a algumas festas
populares persas, a própria data da celebração coincide com a de
uma grande festa do povo persa.
É preciso, então, procurar no ambiente cultural das festas persas o
chão no qual esta festa hebraica lançou suas raízes.

AS FESTAS DOS PERSAS


Como em muitos países orientais, na Pérsia também o fim do
inverno e o início da primavera (meses de Adar e Nisan) eram
solenemente festejados. Esses meses eram meses de celebração e
alegria.
As maiores festas destes meses eram:
 A VITÓRIA DA PRIMAVERA SOBRE O INVERNO
Esta festa é de origem antiquíssima (a Páscoa, inclusive, tem sua
origem numa festa parecida). Aos poucos a festa naturista da
primavera, junto aos persas, evolui até simbolizar a vitória dos
deuses da luz, do calor e da fartura, sobre os deuses das trevas, do
frio, da carestia.
São Marduk e Ishtar, os deuses da vida, que derrotam Oumã e
Masthi os deuses da morte.
A semelhança destes nomes com os das personagens de nossa
história é muito grande, para não encontrar, neste chão, uma
pequena raiz da nossa festa.

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 O DIA DAS SORTES


No primeiro dia do ano (1º de Nisã), o Deus Marduk, vitorioso,
lançava as sortes, pelas mãos de seus sacerdotes, para saber os
tempos propícios e desfavoráveis para tudo que devia ser feito.
A palavra sorte, o lançar as sortes, tem grande importância no livro
de Ester. Neste chão se funda mais uma raiz.
 O FARVADIGAN
Era a grande festa persa para os mortos. Era celebrada entre os dias
ll e 15 de Adar. A coincidência de datas entre esta festa e a nossa é
significativa. É mais uma raiz lançada no chão da cultura persa.
 O MASSACRE DOS MAGOS
Era o carnaval dos persas e lembrava a vitória de Dario sobre o
povo dos magos. No estilo da festa e no conteúdo também, há
semelhanças, inclusive no número dos inimigos massacrados:
75.000. E esta é outra raiz.

 AS SACEIAS
Era uma festa, só que de julho, do verão. Festa celebrada com muita
alegria, até demais. Por um dia eram invertidas as situações sociais:
o escravo virava dono, o dono escravo; o homem virava mulher e a
mulher, homem.
A grande alegria da festa dos Purim e a mudança da situação, tema
central do livro, nos levam a ver nisso outra raiz.

UMA PAREDE NOVA COM TIJOLOS VELHOS


Uma possível reconstrução dos fatos poderia passar pelos seguintes
passos:
1. Os judeus, dispersos no império persa, não puderam deixar de
participar destas festas populares. Em sua necessidade de conviver
com o povo persa, tiveram que aceitar e assumir estas celebrações
de cunho mítico e pagão. Não havia como nem por que escapar
disso.

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2. Ao mesmo tempo os judeus não perdem sua identidade de fé.


Fiéis à memória do único Deus libertador, eles não podem aceitar o
peso ideológico de opressão que está embutido nestas festas.
O israelita não aceita o naturalismo, nem a idolatria, nem as práticas
mágicas. Eles têm, como sua festa básica, a Páscoa, que, a partir do
Êxodo, é carregada de sentido histórico-salvífico, memória de um
Deus que defende a sua sorte.
3. Do encontro entre as festas pagãs e a memória da Páscoa, sai uma
reflexão que gera o livro de Ester e a festa dos Purím.
Eles celebram as festas pagãs, permanecendo fiéis ao conteúdo da
Páscoa e ao Deus libertador do povo.
Eles têm sabedoria suficiente para tirar o mito pagão e para inserir a
festa dentro da história dos homens que caminham para a terra
prometida.
Assim a festa pagã é assumida, mas adaptada e legitimada, pela lenda
judia de Ester, que demitiza a festa pagã, fazendo dela uma releitura da
Páscoa e da sua memória histórica.

A memória da Páscoa derruba a velha parede da festa pagã


e, depois, com os mesmos velhos tijolos, reconstrói uma
parede nova.
Esta nova parede transmitirá, de geração em geração, a mais
genuína fé do povo: a fé num Deus único, que governa a
história, sendo fiel aos oprimidos a quem salva.

A ESTRUTURA LITERÁRIA DO LIVRO


Só nos resta dizer alguma coisa sobre a divisão e a estrutura
do livro. Nossa proposta é de usar as referências aos
banquetes, como critério de divisão do texto. Teríamos assim
a seguinte distribuição:

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1ª parte:
Inicia com 3 banquetes (1,3.5.9) e termina com l banquete (2,18).
São os banquetes dos poderosos e representam o sistema dominador.
2ª parte:
Intervalo entre os banquetes : aparece o conflito entre Amã e
Mardoqueu e a decisão de exterminar os judeus.
3ª parte:
Inicia com um banquete (5,1-5) e termina com outro banquete (7,1-
6). São os banquetes de Ester.
4ª parte:
Intervalo entre os banquetes: resolve-se o conflito entre Amã e
Mardoqueu. O povo judeu se salva.
5ª parte:
Inicia com um banquete (8,15-17) e termina com 3 banquetes
(9,17.18.19). São os banquetes do povo. Sinal da libertação
alcançada.

Temos assim uma estrutura concêntrica:

a : 1,1--2,18: a dominação de Assuero

b: 2,19--4,17: o conflito entre Amã e Mardoqueu

c -- 5,1--7,6: A SEMANA DOS ÁZIMOS

b' 7,7-8,14: As sortes de Mardoqueu e de Amã

a' -- 8,15--9,19: a festa da libertação


No fim temos um apêndice sobre a festa dos Purim
(9,20-32) e uma conclusão (l0,1-3).

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1ª PARTE: A DOMINAÇÃO DE ASSUERO (1,1-2,18)


Esta primeira parte descreve, em detalhes, o sistema
de dominação imperial, que Assuero fez pesar sobre
o povo
São destacados três símbolos da dominação:
a) O BANQUETE. O primeiro, que é oferecido aos
poderosos do império, serve para mostrar a
riqueza, a glória e a grandeza do rei (1,4). Os
banquetes oferecidos, depois, ao povo e às
mulheres (1,5.9) servem para legitimar o poder
do rei, cobrindo-o com uma imagem de luxo e de
falsa generosidade. Ao mesmo tempo, os
banquetes são o instrumento da divisão existente
no reino.

1ª PARTE: A DOMINAÇÃO DE ASSUERO (1,1-2,18)


b) O DECRETO. O que bem parece ao rei se torna lei
irrevogável para o povo todo (1,19). O uso do
decreto vai desde o deixar livre cada um de beber à
vontade (1,8), até garantir a dominação dos homens
sobre as mulheres (1,22), e até à escolha das moças
bonitas para satisfazer o rei (2,3.8).

c) A CASA DAS MULHERES. A mulher é afastada


do seu papel de mãe para o crescimento do povo, do
seu serviço à família, é arrancada de sua casa, para se
tornar objeto sexual, agradável ao rei, embonecada
para uma noite nos aposentos reais (2,12-14).

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1ª PARTE: A DOMINAÇÃO DE ASSUERO (1,1-2,18)


Todo o sistema imperial gira ao redor do rei, que é a
única realidade importante. O rei é o centro da
dominação.
Mesmo assim, o poderoso império tem uma grande
fragilidade. Será justamente a ação das mulheres que
vai mostra-la.
-- O poder do rei é questionado por Vasti que se
recusa a cumprir a ordem do rei (1,12).
-- O reino todo é ameaçado por uma possível revolta
das mulheres em todas as casas (1,16-18)
-- A fraqueza do rei que tem saudade de Vasti deve
ser evitada (2,1-4).

1ª PARTE: A DOMINAÇÃO DE ASSUERO (1,1-2,18)


Mas essa contradição poder-fragilidade
aparece no caso de Ester: ela, que é pobre e
órfã, é arrancada de sua família de criação
(2,7-8). Mas, uma vez no palácio, ela agrada a
todos e, sobretudo, ao rei que a faz rainha
(2,17).
No banquete, que encerra esta parte, a
presença de Ester já marca um afrouxamento
da dominação: são concedidos um dia de féria
e presentes para todos (2,18).

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2ª PARTE: O CONFLITO ENTRE AMÃ E MARDOQUEU: 2,19-4,17


Mardoqueu vigilante sobre Ester e sobre o rei (2,19-23), por
ser judeu, não se ajoelha na frente de Amã, que se tornou
grande, dentro do palácio.
Este conflito, longe de ser um simples caso de orgulho
pessoal, deve ser lido dentro do contexto simbólico da luta
entre Javé e seus inimigos (Amã é descendente dos
amalecitas, que são os inimigos permanentes de Javé: Ex
17,14-16).
Amã quer destruir o povo dos judeus e lança a sorte para
escolher o dia propício para isso. O dia escolhido será o 13
de Adar.
A decisão de exterminar este povo, fechado em si e que não
obedece às leis do rei (3,8-11), é tomada no dia 13 de Nisã
(3,12-14)

2ª PARTE: O CONFLITO ENTRE AMÃ E MARDOQUEU: 2,19-4,17


Entre o 13 de Nisã (primeiro mês do ano) e o 13 de Adar
(último mês do ano), decorre um ano inteiro.
Este ano será simbólico da história toda. Nisã e Adar são o A
e o Z, o início e o fim da história.
O livro de Ester não é uma simples novela edificante, mas
uma parábola sobre a historia e o seu sentido.
Esta história, como todas as histórias, será iluminada a partir
da memória da Páscoa: 14 de Nisã. O livro de Ester é uma
releitura do Êxodo, o grande critério histórico do israelita.
O 14 de Nisã será o dia do clamor do povo (4,1-9) e, ao
mesmo tempo, o dia no qual Ester se toma o novo cordeiro
imolado, dispondo-se a dar sua vida pelo povo (4,10-17).
Do grito do povo e da disponibilidade a morrer pelo mesmo,
vai nascer a libertação. Pois isso mexe com o coração de
Deus

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3ª PARTE: A SEMANA DOS ÁZIMOS: 5,1 - 7,6


A terceira parte se desenrola entre dois banquetes, que
são oferecidos por Ester.
Os dois banquetes, que servem de moldura à narração,
relembram a semana dos Ázimos, celebrados pelos
Israelitas, logo após a Páscoa, como memória da
liberdade alcançada, quando o povo saiu do Egito.
Nesta semana, no coração dela, Ester veste a realeza: se
torna de fato, rainha, não pelas mãos de Assuero, mas
por seu serviço ao povo (5,1-5a), e Assuero passa a
"obedecer" a Ester.
Os acontecimentos, porém, vêm sendo atrasados de um
dia: Só amanhã (5,5b-8). Abre-se assim o espaço a Deus,
que, sempre escondido, não deixa, porém, de agir dentro
da história.

3ª PARTE: A SEMANA DOS ÁZIMOS: 5,1 - 7,6


Para este mesmo amanhã, também Amã tem seu plano: ele quer
matar Mardoqueu (5,9-14).
Só que, antes que o amanhã chegue, durante a noite, noite de
vigília, muda o caminho da história (6,1-3).
Repete-se aquela noite, lá no êxodo, quando Javé vigiou e libertou
seu povo ( Ex 12,42) .
A sorte que Amã pensava controlar muda em favor de
Mardoqueu.
E quando o dia amanhece, os planos de Amã são derrotados: ele
vai cair na própria cova que cavou.
Mardoqueu será honrado publicamente pelo próprio Amã (6,4-11)
Durante o banquete o plano dele será desmascarado provocando a
ira do rei (7,1-6).
Este é o coração do Livro de Ester, a parte central, onde
transparece a teologia do livro. É uma mistura de três
pensamentos teológicos, que têm sua raiz no Êxodo: a teologia da
eleição, a teologia da história e a teologia da retribuição.

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4ª PARTE: AS SORTES DE MARDOQUEU E DE AMÃ: 7,7 - 8,14


Esta parte é paralela à segunda: O conflito entre Amã e Mardoqueu tem,
agora, sua solução.
Amã morre enforcado na mesma forca que ele mandou preparar para
Mardoqueu (7,7-10) e Mardoqueu toma o lugar de Amã junto a Assuero
(8,1-2).
Mas isso não é suficiente: não basta que o inimigo seja derrotado e que
outro tome seu lugar. É preciso que o povo todo seja livre.
Por isso Ester se ajoelha aos pés de Assuero (8,3-6): para que Assuero
decrete a liberdade dos judeus, revogando as cartas de Amã.
Se, até agora, todo o império girou ao redor de Assuero. A partir daqui o
próprio Assuero terá que procurar o bem do povo, terá que colocar o
bem do povo, e não o seu, como objetivo de seu governo. É a conversão
total do poderoso que deixa de ser dominador, para favorecer o
pequeno.
Disso virá o decreto de liberdade, no dia 23 de Sivã (8,7-14)
O mês de Sivã é o mês da festa de Pentecostes, a festa em que, no pós-
exílio, era celebrado o dom da lei de Deus a seu povo. Do palácio vai
sair uma nova lei, que servirá para que o povo encontre sua verdadeira
alegria.

5ª PARTE: A FESTA DA LIBERTACÃO: 8,15 - 9,19


Esta parte, como a primeira, será marcada pelos banquetes.
Desta vez são os banquetes do povo, sinal legítimo de uma
libertação alcançada e definitiva.
A notícia da liberdade provoca festa e alegria, celebradas com
banquetes (8,15-17).
E, quando chega o dia que era marcado pelo extermínio dos judeus,
a sorte muda: são os judeus que derrotam os inimigos.
No dia 13 de Arfar, a história tem a sua conclusão: o inimigo de Deus
e de seu povo nunca vai poder triunfar (9,1-10). É uma guerra santa,
pois visa exclusivamente a libertação do povo e não a pilhagem, a
exploração, outra dominação.
Do inimigo não vai ficar nada. Será completamente derrotado e
receberá em dobro pelos crimes cometidos (9,11-14).
Só então haverá o descanso, o banquete e a festa. Realizam-se
assim os três grandes desejos do povo oprimido: descanso, mesa
farta e alegria (9,15-19). Os três são o símbolo de uma nova situação
que, com certeza, se criará em favor do povo. Mesmo que tenhamos
que esperar pelo dia 13 de Adar.

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APÊNDICE SOBRE A FESTA DOS PURIN: 9,20-32


Esta parte é provavelmente um acréscimo posterior,
ou até uma composição de acréscimos, com o
objetivo de regulamentar a celebração da festa.
É evidente que a festa judia dos Purim passou por
um longo processo, até ser regulamentada como
celebração oficial. Polêmicas e conflitos devem ter
aparecido.
-- Dia 14, ou dia 15 de Adar?
-- Festa dos Purim, ou "dia de Mardoqueu"?
-- Festa popular, ou festa religiosa?
A conclusão do nosso livro tem justamente o objetivo
de oficializar e de estender a todos os judeus a
celebração desta festa.

Provavelmente espontânea, na sua origem, e só de


algum grupo, esta festa será assumida pelo calendário
oficial, até se tornar uma das maiores festas
populares.
O livro de Ester passará a ser um dos cinco livros lidos
pelo povo durante as grandes festas: meguilot
Na Páscoa, o Cântico dos Cânticos;
Em Pentecostes, Rute;
Na Destruição de Jerusalém, Lamentações;
Na festa das Tendas, o Eclesiastes;
Na festa dos Purim, Ester
Por longo tempo, o livro de Ester será considerado
pela sinagoga o livro por excelência.

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CONCLUSÃO: 10,1-3
A verdadeira maneira de governar
Aqui termina o livro hebraico de Ester. Um último
trecho que teria melhor lugar depois de 9,19 e
encerraria mais logicamente a narração.
É a visão final do livro que mais uma vez coloca
em confronto as duas maneiras de governar.
De um lado o governo de Assuero, dominador e
baseado no tributarismo pesado e explorador
( 10,1).
É um reino que tem um livro, para escrever a
história do poderoso que domina sobre toda a terra
e as ilhas do mar ( 10,2).

É um reino cuja coisa melhor foi exaltar Mardoqueu


colaborando assim com a história de Deus (10,2s).
Do outro lado o governo de Mardoqueu, membro de um
povo que não quis meter mão à pilhagem (9,10.15.16) e
homem que escreveu a memória dos pobres (9,20)
Sua única preocupação é o bem do povo e a paz de sua
raça ( 10,3) .
O rei Assuero se tomou grande pela força. Mardoqueu
recebe sua grandeza do povo.
Nisso consiste a diferença radical: se Assuero tem
muitos súditos" desde a índia até a Etiópia, Mardoqueu
tem uma multidão de "irmãos" (10,3) .
Ester não está mais aqui. O seu papel de resistência, de
fé e de coragem foi cumprido e o povo pode voltar a
esperar.

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