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A Interpretação do Desenho Infantil

Nicole Bédard é uma pedagoga canadense. Seu livro é direcionado a educadores


e demais pessoas envolvidas no trabalho com crianças. No início de sua discussão,
esclarece a diferença de conceitos como “analise” e “interpretação”. Analisar estaria
relacionado a um enfoque “técnico”, “racional”. A interpretação seria correspondente à
síntese ou resultado da análise. Tais conhecimentos, de acordo com a autora, são
ensinados aos futuros educadores, em algumas especialidades da puericultura. A
interpretação de desenhos teria pontos em comum com a Grafologia, que considera
desde os aspectos espaciais relacionados ao texto escrito até outras características como
dimensões dos caracteres e a pressão com que são exercidos.
A autora afirma que a atividade de desenhar nunca deve se tornar uma
imposição, mas ser espontânea e prazerosamente desenvolvida pela criança. No
momento em que desenha, a criança transpõe para o papel seu “estado anímico”.
Em seguida, a autora esboça os períodos aproximados em que surge o interesse
pelo desenho espontâneo, assim como suas principais características. Entre dezoito
meses e dois anos ocorre interesse por rabiscar sobre superfícies grandes, não havendo
ainda domínio da coordenação motora, caracterizada nesse momento como sendo
“desajeitada”. Entre dois e três anos de idade, ocorre predomínio da experimentação
sobre a expressão. O controle motor continua sendo desenvolvido, ocorrendo melhores
condições de segurar o lápis com firmeza. Uma peculiaridade que ocorre dos quatro aos
cinco anos é que as cores são escolhidas de modo a se adequarem à realidade do objeto
que está sendo desenhado. A capacidade imaginativa se faz acentuada nesse período,
explicando o interesse pelos contos de fadas.
A escolha do material apresentado para a produção dos desenhos oferece
indicações das características da personalidade de uma pessoa. O lápis de ponta fina é
preferido por aqueles que valorizam o conforto e o luxo. Ponta média se relaciona à
adaptabilidade e flexibilidade. O lápis de ponta mais grossa é o preferido pelas pessoas
que não gostam de mudar facilmente as próprias opiniões, sendo pouco influenciáveis.
No entanto, gostam de exercer sua influencia sobre os outros. No caso das crianças, as
mesmas atitudes estariam relacionadas à preferência pelo uso da aquarela, lápis de
madeira e lápis de cera.
Crianças que continuam apresentando preferência pelos lápis de cera e aquarela
após o período da fase anal, a qual é caracterizada pela predileção por uso de materiais
como areia, massa de modelagem ou barro, costumam valorizar mais o que são capazes
de transmitir pela ponta dos dedos do que pelo que se passa em sua mente. A inclinação
para atividades manuais e físicas tem prioridade para elas. Por outro lado, a preferência
pelo lápis de madeira bem apontado, indica inclinação pela reflexão.
O papel utilizado para desenhar também é significativo, relacionando-se a
características da personalidade. Por isso, deve-se providenciar papéis de diferentes
formatos. A escolha de um papel pequeno mostra capacidade de introversão e
concentração, mas também poderia indicar falta de confiança ou o sentimento pessoal
de que há poucas necessidades a serem satisfeitas. Traços fracos, superficiais ou
vacilantes caracterizam falta de confiança nas próprias possibilidades. A opção por uma
folha de formato médio indica capacidade de ajustamento e flexibilidade, com boa
relação interpessoal. No caso da escolha da folha de papel grande, isso mantém relação
com o sentimento pessoal de ser capaz de realizar coisas socialmente significativas.
Essa criança busca os contatos sociais e evita a solidão. Às vezes poderá chegar a se
comportar de uma forma que indique um sentimento de superioridade em relação aos
demais.
Mais adiante, a autora expõe a reação da criança diante do desenho. Quando não
corresponde ao que foi esperado, poderá tanto riscar o desenho quanto lançá-lo ao cesto
de lixo. A primeira atitude tem um significado bem diferente do segundo. Neste caso,
mostra tolerância para recomeçar e superar as frustrações existentes.
A orientação espacial oferece indicações de outros aspectos importantes. O
espaço superior da folha guarda relação com o intelecto da criança, sua imaginação,
curiosidade e desejo de descoberta. A parte inferior relaciona-se a necessidades “físicas”
ou “materiais” que a criança pode apresentar. O lado esquerdo do papel guarda relação
com o passado, os acontecimentos a ele relacionados e a dificuldade de vivenciar o
momento presente ou o futuro. O uso do centro do papel tem relação com o momento
presente. Essa criança é descrita como alguém que não vivencia ansiedades ou tensões.
A utilização do espaço à direita mostra a tendência a pensar exclusivamente no futuro.
Quanto às dimensões, a autora afirma que formas grandes estão relacionadas ao
sentimento de segurança ou então ao desejo de chamar atenção. No primeiro caso seria
uma afirmação de seu lugar na vida, enquanto que no segundo seria a expressão do
desejo de consegui-lo. O desenho muito pequeno pode indicar a conformidade com a
necessidade de pouco espaço ou mesmo falta de confiança em si mesma.
Quanto às cores. As fortes como vermelho, laranja e amarelo estariam
relacionadas à criança exigente, que deseja chamar atenção para si. As cores suaves
como o azul e o verde, apontam para um comportamento social adequado.
As qualidades do traço. Um traço contínuo demonstra um espírito dócil. O traço
manchado ou cortado aponta para a existência de instabilidade ou de necessidades
experimentadas no momento, como a possibilidade de que tenham ocorrido mudanças,
bem como a insegurança vivenciada no momento diante das mesmas. O traço oblíquo
somente indicará a presença de agressividade se a pressão for exercida demasiadamente.
Ainda quanto à pressão, um gesto pode ser débil ou forte. A pressão exercida
com entusiasmo e vontade diferencia-se da pressão exagerada que, como já
mencionado, tem relação com a agressividade. Condições específicas, entretanto,
podem influenciar nesse sentido. Assim, um traço fraco pode ser indicador de falta de
convicção, mas também resultado do cansaço físico.
O simbolismo das formas. Linhas curvas são equivalentes simbólicos das
cambalhotas e denotam alegria. Também se relaciona ao ciclo, indicando a predileção
por retratar coisas que já conhece. O quadrado, formado por traços “mais rígidos”, está
relacionado ao sentimento de solidão, determinação e “poder de decisão”. As formas
quadradas teriam prevalência nos casos de crianças que têm maior necessidade de se
movimentarem e gastar energia. Tem qualidades e necessidades, como espírito de
competição e falta de compaixão. O triângulo representa elevação, conhecimento.
Quando o vértice está para cima, indica uma relação com o conhecimento
transcendente, enquanto que quando o vértice está para baixo, orientado para a terra, as
coisas do mundo imediato têm especial importância para ela..
A análise de desenhos cujo tema se repete tem que ser considerada com cautela,
pois isso poderia ocorrer devido ao elogio frequente do mesmo, feito por pessoas como
os pais, os professores da criança ou demais pessoas de sua convivência diária.
Interpretação das cores. A predileção pelo vermelho guarda relação com a
natureza enérgica da criança. Esta é uma cor ativa. O amarelo se relaciona com
conhecimento, curiosidade e alegria. As que a utilizam preferencialmente, costumam ser
crianças mais expressivas. Laranja expressa a necessidade de contato social e público. O
azul simboliza a paz, harmonia e tranquilidade. Pode indicar também introversão e
necessidade de trabalhar no próprio ritmo. Verde é composto de azul e amarelo e
relaciona-se com os sentimentos de curiosidade, conhecimento e bem-estar. A cor preta
tem relação com o inconsciente. Ao utilizar essa cor, mostra-se preferir a segurança e
demonstra-se possuir confiança em seu futuro. Quando acompanhado da cor azul pode
indicar que se trata de uma criança depressiva. A cor rosa tende a ser indicadora de
necessidade de ter contato apenas com as coisas agradáveis e fáceis. É fácil de
estabelecer contato com essa criança, embora tenha dificuldade com situações que não
sejam agradáveis. Malva é composto de vermelho e azul. Mostra um comportamento
oscilante. Ora demonstra-se introvertida, ora extrovertida. O marrom se relaciona com o
elemento terra, significando estabilidade. O cinza demonstra oscilação entre o
conhecido e o desconhecido. Está relacionado a um momento de transição e um
sentimento de estar entre o passado e o futuro. Usado com demasiada frequência pode
indicar insegurança. A cor branca indica a tendência a esquecer o que passou e desejar
recomeçar. O desenho de uma só cor demonstra que a criança quer que a
compreendamos.
As estações. Paisagens de Inverno indicam a necessidade de paz e harmonia.
Primavera indica o sentimento de esperança e renovação. A estação de Verão, com suas
cenas compostas de flores e pássaros, evidenciam que a criança vive no presente e que
está realizada com o que ocorre em sua vida atual. Desenhos de Outono indicam a
necessidade de descanso. Está querendo dizer que deu o máximo de si. Mostrar-se-á um
pouco lenta em função disso.
A casa. Observar a pressão empregada, mas, sobretudo o número de janelas, a
fumaça das chaminés, a fechadura ou o puxador da porta, quando existirem esses
elementos. Casa muito grande evidencia a vivência de um período mais emocional que
racional, enquanto que uma casa pequena demonstra a existência de introspecção. Porta
pequena indica dificuldade em convidar as pessoas para entrar em sua casa. Caracteriza
a criança reservada. Uma porta muito grande indica as boas vindas a todos os que
chegam. Maçaneta, puxador ou fechadura à esquerda mostra que os pensamentos estão
ligados ao passado e que busca maior segurança no futuro. À direita, necessidade de
mudança, foco no futuro.
A chaminé. A autora relaciona a fumaça ao tipo de emoção experimentada pela
criança. Uma nuvem densa e escura poderá ser o indicador de condições desfavoráveis
no ambiente familiar. Quando a casa apresenta uma aparência alegre, pelo uso das
cores, está demonstrando que as condições vivenciadas são positivas,
As janelas. Indicam curiosidade. Um número de janelas maior possibilita maior
claridade no ambiente. Como já mencionado, a interpretação pode ser positiva ou
negativa. As janelas poderão ser indicadoras de satisfação do desejo de saber ou a
expressão da necessidade de saber mais. No último caso, trata-se mais de uma
reivindicação. As portas. Enquanto a observação ocorre pela janela, a entrada se dá pela
porta.
As figuras humanas. Costumam representar a própria criança e aqueles de seu
ambiente familiar. É preciso estar atento ao que é expresso no rosto, braços e pés. A
presença de desenhos em forma de “homens-palitos” teria relação com um sentimento
pessoal de conceder-se pouca importância e de desejar chamar a atenção para si. Os
olhos grandes têm relação com o sentimento de curiosidade e os pequenos de falta de
curiosidade ou recusa em querer ver o que ocorre a sua volta. Ausência de boca
indicaria o desejo de não falar, de permanecer em silêncio. O destaque ou não nos
ouvidos pode relacionar-se ao desejo de ser ouvida. Braços para cima é desejo de
chamar atenção. Colados ao corpo refere não querer contato social. Abertos em
horizontal, necessidade de interagir. Ausência de mãos relaciona-se à dificuldade de
dominar a situação em que vive. Ausência de pés relaciona-se à dificuldade de se sentir
estável ou dependência dos outros, pela incapacidade de mover-se por si mesma.
O Sol. Representa a energia masculina, relacionando-se ao nosso lado mais
combativo. À esquerda do papel está ligado ao passado e também à figura materna.
Pode estar evidenciando, nesse sentido, a presença de independência como fator
presente na figura materna. À direita, relaciona-se à percepção que a criança tem de seu
pai. Radiante em excesso pode estar ligado à tendência à violência verbal ou física por
parte do pai. Ausência de raios indica perda da autonomia ou entusiasmo. Localizado ao
centro da folha de papel, será o próprio indivíduo. Poderá indicar que a criança se sente
responsável, de alguma forma, por seus pais.
A Lua. Relaciona-se ao aspecto feminino, à doçura e à intuição. Representando
a figura materna, aparecerá do lado esquerdo da folha. O desenho de uma Lua cheia no
centro do papel adequa-se às características de uma criança sonhadora. A Lua redonda
indica o indivíduo que afirma a sua singularidade. Um aspecto que pode estar envolvido
é a necessidade de ter os pés no chão.
Estrelas. Desenhar estrelas, em sentido figurado, está relacionado à projeção,
consciente ou não, de se tornar estrela, evidenciando o desejo de um futuro brilhante.
Nuvens. Indicam consciência de que a vida contém momentos agradáveis e
momentos difíceis. Nuvens azuis apontam para o bom tempo, enquanto que as nuvens
escuras indicam presença de tormenta.
A chuva. Como todos os demais símbolos, a chuva pode ser vista sob o aspecto
positivo ou negativo, representando o agente purificador ou devastador.
Arco-Íris. Representa proteção. Sua forma curva representa adaptabilidade,
flexibilidade.
A árvore. A base do tronco indica a energia física da criança e a estabilidade
que sente. Quanto mais amplo for o tronco em sua base, maior segurança ela
experimenta. A base é o local por onde a energia é retirada do solo pelas árvores e
plantas em geral. E espessura do tronco evidencia como a criança se sente em relação ao
lugar social que ocupa. O círculo desenhado no tronco das árvores, a partir dos cinco
anos de idade, marca o início ou o “despertar da sexualidade” na criança. Ramos e
folhas revelam imaginação e criatividade. Árvores sem folhas, ou com poucos galhos,
indica que não está se sentindo bem alimentada. Toda imaginação está ligada à seiva
que a alimenta. Folhagem abundante indica muitas ideias e projetos.
As flores. Simbolizam o amor. Quando as crianças se encontram no período
denominado “complexo de Édipo”, costumam aparecer flores com mais frequência em
seus desenhos, pela necessidade que tem de agradar.
As montanhas. Indicam a estabilidade encontrada ou que se deseja encontrar.
Deve-se observar a disposição das mesmas na página, pelas razões já apresentadas, bem
como o que é desenhado sobre a montanha. Também se relaciona à quantidade de
energia que será despendida para conquista de sonhos ou projetos, geralmente
representados pelas flores.
O barco. Indica capacidade de adaptação às circunstâncias inesperadas. Uma
água clara denota um momento tranquilo, enquanto que as ondas podem indicar as
mudanças que estão ocorrendo. Barcos grandes indicam a possibilidade de controle das
circunstâncias. O veleiro indica a possibilidade de adaptação às diversas circunstâncias
da vida. Mas também indica menor equilíbrio. É preciso estar atento quando sua
presença evidencia necessidade de receber apoio.

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