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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS


UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE NIQUELÂNDIA
CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM GESTÃO DE TURISMO

IRAILTON

TURISMO RELIGIOSO: UMA ABORDAGEM SOBRE A FESTA


DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM NIQUELÂNDIA

NIQUELÂNDIA – GO
2010
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IRAILTON

TURISMO RELIGIOSO: UMA ABORDAGEM SOBRE A FESTA


DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM NIQUELÂNDIA

Monografia apresentada ao Curso Superior de


Tecnologia em Gestão de Turismo da Universidade
Estadual de Goiás, Unidade Universitária de
Niquelândia, como requisito para a conclusão do
Curso e obtenção do Título de Graduação.

Orientador(a):

NIQUELÂNDIA – GO
2010
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IRAILTON

TURISMO RELIGIOSO: UMA ABORDAGEM SOBRE A FESTA


DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM NIQUELÂNDIA

Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Turismo da


Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária de Niquelândia, sendo requisito
para a obtenção do Título de Graduação, aprovada em _______ de
___________________ de 2010, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes
membros:

____________________________________________________________________

(professor-orientador)

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

AGRADECIMENTOS
4

A Deus, por me agraciar com saúde e paz, para que eu pudesse concluir esta
especialização. A meus professores pela orientação e dedicação e aos meus colegas de
sala pela amizade e companheirismo.
5

“A lembrança é a sobrevivência do passado. O passado,


conservando-se no espírito de cada ser humano, aflora a
consciência na forma de imagens lembranças. A sua forma pura
seria a imagem presente nos sonhos e devaneios.”

(Bérgson, Paris, 1959)

RESUMO
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A religiosidade é algo intrínseco ao ser humano, é com base nos princípios religiosos
que o homem consegue explicações para os desafios de sua vida e se organiza pessoal e
socialmente mantendo um controle sobre seus impulsos. Nesta monografia foi feito um
estudo baseado na religiosidade popular tendo como foco a Festa do Divino e suas
manifestações no Brasil, especificamente em Niquelândia. O trabalho pautou num
estudo bibliográfico tendo como bases teóricas as contribuições de Rosendahl (1996),
Mauss (1974), Azevedo (1969) entre outros estudiosos que explicam melhor como é a
dinâmica da religião e da religiosidade, focando suas influencias na sociedade e na
família, tema do primeiro capítulo deste trabalho monográfico. Já o segundo capítulo foi
elaborado pautando nas idéias de Cortês (2000), Brandão (1974; 1978; 1985), entre
outros, onde pautou-se a Festa do Divino, sua origem e manifestação em Pirenópolis,
bem como a organização da festa, os encargos do Divino, as folias e o Rito. Por fim, o
ultimo capítulo foi elaborado a partir do livro de Bertran (1998) e arquivo do Centro
Cultural de Niquelândia, onde foi estudada a tradição da Festa do Divino em
Niquelandia, fazendo uma abordagem histórica da cidade. Também foi feito um estudo
resgatando os conhecimentos acerca da tradição da festa no município e como esta se
processou no passado e se desenvolve no presente, contudo, por falta de referências
bibliográficas que tratassem do assunto, o texto foi baseado em entrevistas feitas com
foliões antigos e observação do autor dessa obra. As entrevistas também favoreceram
um entendimento sobre a influência da tradição do Divino Espírito Santo para a
comunidade local. Diante disso, a intenção deste trabalho refere-se num melhor
entendimento de como a religiosidade, especificamente as festividades do Divino
influenciam na vida do indivíduo resgatando suas raízes históricas e delimitando sua
identidade cultural.

PALAVRAS CHAVE: Religiosidade, Festa do Divino, Niquelândia, Tradição.

ABSTRACT
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The religion is something intrinsic to human beings, is based on religious principles that
man can explain the challenges of his life and organized staff and maintaining social
control over their impulses. This monograph was made a study based on popular
religiosity by focusing on the Feast of the Divine and its manifestations in Brazil,
specifically in Niquelândia. The work was marked with a bibliographical study and
theoretical contributions of Rosendahl (1996), Mauss (1974), Azevedo (1969) among
other scholars that better explain how the dynamics of religion and religiosity, focusing
their influences on society and the family theme of the first chapter of this monograph.
The second chapter was prepared based on the ideas of Cortes (2000), Brandão (1974,
1978, 1985), among others, which was marked the Feast of the Divine origin and its
manifestation in Pirenopolis, and the organization of the party, the burden of the Divine,
the follies and the Rite. Finally, the last chapter was based on the book by Bertrand
(1998) and file Niquelândia Cultural Center, where we studied the tradition of the Feast
of the Divine in Niquelandia, making a historical city. Also a study was done to reclaim
the knowledge of the tradition of the party in the city and how it is processed in the past
and developed in the present, however, for lack of references that addressed the issue,
the text was based on interviews with former revelers and observation of the author of
that work. The interviews also fostered an understanding of the influence of the tradition
of the Holy Spirit to the local community. In this light, the intent of this study is a better
understanding of how religion, specifically the celebration of the Divine influence the
lives of individuals recovering its historical roots and defining its cultural identity.

KEY WORDS: Religiosity, Feast of the Divine, Niquelândia, Tradition.

SUMÁRIO
8

RESUMO ---------------------------------------------------------------------------------------06

ABSTRACT --------------------------------------------------------------------------------------07

LISTA DE ILUSTRAÇÕES -------------------------------------------------------------------

INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------09

I RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE POPULAR: SUA INFLUENCIA NO


ESPAÇO SOCIAL
1.1 Religiosidade Popular
1.2 A Religiosidade no Brasil
1.3 A importância da Religiosidade na Manutenção das Famílias e na Preservação das
Tradições

II A FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO


2.1 Origem: uma retomada histórica da festa em louvor ao Divino Espírito Santo
2.2 As manifestações da festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis/Go
2.3 A organização da festa do Divino Espírito Santo e seus encargos
2.4 As Folias do Divino
2.5 O Rito

III A TRADIÇÃO DA FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM


NIQUELÂNDIA
3.1 Uma breve abordagem da cidade de Niquelândia
3.2 A Festa do Divino no Município de Niquelândia
3.4 A influencia da tradição do Divino Espírito Santo para a comunidade local

IV CONSIDERAÇÕES FINAIS

V REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

VI ANEXOS: Entrevistas feitas com Foliões antigos


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INTRODUÇÃO

Partindo da premissa de que a religião é produto da sociedade, esta não pode


ser separada, analisada e tratada fora da cultura do indivíduo ou de uma comunidade. A
cultura entendida como um conjunto de práticas, planos e regras da vida social nos
permite compreender o comportamento social do indivíduo e de uma comunidade.
Com base nesta linha de raciocínio a Festa do Divino remete mais do que uma
manifestação religiosa, é basicamente uma identificação cultural de um povo. Embora
não seja uma festividade que tenha se iniciado no Brasil, esta foi muito bem aceita e
seus rituais são respeitados e manifestados nas localidades onde estes festejos
acontecem, primando apenas por particularidades de cada região que acrescenta
algumas práticas à tradição a depender de sua trajetória histórica.
É nessa premissa que se enquadra esta monografia versando sobre a
religiosidade popular e a Festa do Divino no Brasil, especificamente em Niquelandia.
Este objeto de estudo em seu primeiro capítulo faz um paralelo entre a religião e a
religiosidade, perpassando pela religiosidade popular e brasileira, bem como a
influencia que esta causa na manutenção das famílias e na preservação das tradições.
Em seguida, no segundo capítulo, será focado a Festa do Divino Espírito Santo em sua
totalidade, com uma breve retomada histórica da festa. Este capítulo ainda cita a
manifestação desta festa no município de Pirenópolis a considerar a importância da
cidade na adoção desta tradição. Também é comentado acerca da organização da festa e
dos encargos do Divino, sem deixar de lado as folias do Divino e os rituais sagrados,
que configuram grande importância para a conservação tradicional dos festejos. Por fim
o terceiro e ultimo capítulo aborda as festividades do Divino no município de
Niquelândia, onde por meio de pesquisa de campo e entrevistas com foliões foi feito um
estudo resgatando lembranças da origem da festa no município, de como as festas eram
organizadas e as mudanças que hoje se acentuam e também a importância desse evento
religioso para a população niquelandense.
A intenção é contribuir para um melhor entendimento de como as tradições
religiosas tem influencia na vida social e cultural de um povo, tendo como
particularidade a festa do Divino. Não se espera que este trabalho esgote o assunto mais
acrescente o conhecimento resgatando memórias antigas e que hoje estão ficando cada
vez mais esquecidas no tempo. Entende-se com isso que as memórias não devem ser
perdidas no tempo, pois elas são a base cultural e histórica de uma sociedade.
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I RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE POPULAR: SUA INFLUÊNCIA NO ESPAÇO


SOCIAL
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A religiosidade acompanha o ser humano desde os primórdios, onde a relação


com o sagrado configura-se como base forte para a solução dos seus problemas ou
mesmo a explicação da ocorrência destes. É com base na religiosidade que o homem
encontra forças para suportar as dificuldades que o acompanha no decorrer de sua vida.
Além disso, a religiosidade é um requisito muito importante para a organização do
homem e de sua disciplinação na vida pessoal e social.
Diante desse contexto surgem as manifestações religiosas. Estas por sua vez
são bem diversificadas e tem como base as heranças culturais deixadas pelas sociedades
anteriores. Nesse sentido, a religião é conceituada como uma relação do ser humano
com as divindades, baseadas num conjunto de práticas institucionalizadas. Essa relação
tem vertentes ligadas ao sagrado e ao profano, onde o primeiro relaciona-se a uma
divindade e o segundo, não.
Rosendahl (1996) complementa esse contexto afirmando:

“Mesmo o homem não religioso, denominado por Eliade como


homem profano, queira ou não, descende do homem religioso e
conserva ainda vestígios de seu comportamento. É herdeiro de
seus símbolos, imagens e mitos. Para a religião o imaginário é
fundamental, como a relação do home com o sagrado.” (p. 29)
Diante disso, o sagrado e o profano sempre estarão lado a lado contrapondo-se
um ao outro, mas sempre vinculados a um espaço social. A ordenação do espaço requer
sua distribuição entre o sagrado e profano, onde o sagrado delimita e possibilita o
profano.

1.1 Religiosidade Popular

Em contraposição à religiosidade institucionalizada surge a religiosidade


popular que não depende de uma religião específica, mas sim a busca pelo sagrado que
pode ser manifestada por meio de rituais livres e diversificados desligados de uma
ortodoxia dominante. Essas manifestações religiosas têm origem na sociedade em que
se processa e na cultura da população local. Diante disso, entende-se que a religiosidade
popular transmite e define a cultura de um povo, pois se manifesta num âmbito regional
ou no máximo nacional, ao contrário das religiões institucionalizadas como o
catolicismo que alcançam um âmbito universal.
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A religiosidade popular adota práticas simbólicas oriundas da Igreja Católica


como: beijar a cruz, peregrinações, o ato de ajoelhar-se, entre outras. Por outro lado
também realiza rituais pagãos que vão contra a ortodoxia da Igreja que se perpetuaram
ao longo dos séculos dando origem da maior parte dos ritos e crenças que definem a
religiosidade popular.

1.2 A Religiosidade no Brasil

No Brasil, as manifestações religiosas são bastante diversificadas. Nessa


diversidade, a presença de tolerância e de sincretismo data desde o período colonial.
Isso se deve ao fato da convergência de inúmeras influências culturais oriundas das
etnias que aqui conviveram como: os portugueses, os indígenas, os afro-descendentes,
entre outros. Cada um desses povos deixou uma herança cultural e também religiosa que
foi adotada e miscigenada pela sociedade brasileira no decorrer dos tempos tornando-se
uma cultura-religiosa própria. Mauss (1974) define a religiosidade no Brasil como
misturas onde, “Misturam-se as almas nas coisas; misturam-se as coisas nas almas.
Misturam-se as vidas, e é assim que as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de
sua esfera e se misturam: o que é precisamente o contrato e a troca” (pág. 71).
Embora essa diversificação seja evidente, o Brasil ainda é um país
essencialmente cristão, tendo em vista que religiões como o islamismo, o judaísmo e o
candomblé, por exemplo, estão restritas a uma pequena parcela da população. Essa
realidade, no entanto, vem sofrendo modificações e cada vez mais constata-se a
conversão de novos fiéis para outras religiões, isso porque hoje os filhos nem sempre
seguem a religião adotada pelos pais, existe uma liberdade das escolhas o que torna a
diversidade religiosa no pais cada vez maior.

Em geral a religiosidade popular brasileira é marcada por festas populares,


crenças e ritos de devoção particular e manifestações coletivas. Estas podem estar
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vinculadas aos rituais oficiais da igreja ou podem ser feitas com cultos naturalísticos ou
até mesmo com caráter mágico, como afirma Azevedo (1969):

“Nessa religiosidade largamente sincrética, faz-se apelo em


determinadas circunstâncias aos orixás do animismo de origem
africana, aos espíritos dos panteons aborígenes e às almas
desencarnadas do espiritismo; também se recorre a ‘santos’ vivos, isto
é, a sacerdotes e leigos aos quais se atribui a capacidade de fazer
‘milagres’ ou de aliviar o mal por meio de bênçãos, rezas, invocações.
(p. 123)

Essa realidade torna a religiosidade popular, muitas vezes, antagônica à


doutrina Cristã, definindo assim sua própria ideologia, desvinculando-se da igreja
sistematizada.
Por ser o brasileiro um povo tipicamente religioso, no país ocorre grande
crescimento do turismo religioso, onde o peregrino desloca-se de sua localidade de
origem para visitar locais ditos sagrados. Nesse sentido, Gouthier (2000, p. 08) afirma
que “toda essa movimentação religiosa é um dos traços mais fortes da cultura do Brasil”
baseadas no calendário das tradições religiosas de Portugal, da cultura indígena e
também dos afro-descendentes e imigrantes.
O Brasil já é considerado como o maior país católico do planeta, atraindo para
seus destinos religiosos peregrinos não só do país, mas de todo o mundo, contudo ainda
percebe-se que algumas regiões ainda não estão preparadas para atender essa demanda
necessitando de uma estrutura física e humana mais organizada, visando não só a
acessibilidade e o conforto do visitante, mas, sobretudo a sustentabilidade da população
local e do meio ambiente.

1.3 A Importância da Religiosidade na Manutenção das Famílias e na Preservação


das Tradições

A organização familiar consiste na base para todo desenvolvimento humano,


sendo principal fonte de saúde mental. Cabe a ela a satisfação das necessidades mais
básicas do ser humano, como: apego, desapego, segurança, disciplina, aprendizagem e
comunicação. Para tanto, é importante que a família ofereça um ambiente seguro, que
possibilite que a seus integrantes disciplina e estimulação para explorar o mundo de
maneira consciente e a construir bases sólidas para lidar com as adversidades tão
comuns no dia a dia.
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Guimarães (1990, p. 10) define a família como: “uma comunidade de pessoas,


baseada na vida e no amor, estabelecendo relação estável e duradoura entre homem e
mulher, a serviço da realização mútua, aberta para a acolhida dos filhos e consciente da
responsabilidade de uma educação”.
Complementando o pensamento de Guimarães (1990), Samara (1991, p. 63),
afirma que a família possui uma função social na medida em que se configura como
“um dos organizadores da sociedade, na medida em que define os estilos de vida, dando
subsistência à ação. A permanência desse modelo como valor qualifica e mapeia as
relações sociais nas várias situações em que ocorre”.
Na verdade a família consiste na célula maior da sociedade, pois é nela que o
indivíduo tem suas primeiras experiências e aprendizados, recebendo não somente
herança genética ou material, mas principalmente moral. É no âmbito familiar que o
homem forma sua personalidade e principalmente seu caráter tendo como base o
contexto em que está inserido. Percebe-se então a importância de uma família alicerçada
em uma base forte e pautada em uma fonte religiosa concreta.
Diante dessa perspectiva a religiosidade permite uma boa formação do
indivíduo, não só na vida pessoal, mas em todos os aspetos. Uma família com raízes
religiosas permite que seus indivíduos estruturarem-se de tal maneira que cria como
objetivo básico o bem-estar pessoal e familiar através de uma vida regrada, saudável e
estruturada.
No decorrer dos tempos e diante de uma sociedade cada vez mais capitalista e
consumista, as famílias vêm sofrendo modificações em sua estrutura, valores, posturas e
posicionamentos da vida conjugal e familiar. Dentre essas mudanças pode-se citar: a
posição das mulheres tanto na sociedade como na família, a legalização do divórcio, a
invenção da pílula anticoncepcional, a divisão do trabalho e a ocupação do espaço
profissional pelas mulheres.
Nos primórdios as famílias eram compostas pelos pais, unidos por matrimônio
e filhos biológicos. Já na atualidade esse modelo tradicional de família ganhou novos
contornos, com famílias recasadas (padrastos e madrastas); uniões sem vinculo legal;
pais solteiros; entre outros.
Também nesse sentido nota-se um grande número de divórcios, essa
experiência remete não só aos pais, mas principalmente aos filhos, uma experiência
dolorosa e marcante para a vida toda. Outro problema enfrentado pela família da
atualidade é a presença do uso de drogas. Esse vicio, seja ele em qualquer membro da
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família provoca maior freqüência de crises e problemas relacionados com a área


financeira e legal.
Também pode-se destacar a nova postura da figura da mãe no contexto
familiar, pois esta, diferentemente da mãe do passado, não está restrita aos afazeres
domésticos e à conduta da família, especialmente de seus filhos. A mulher no mercado
de trabalho é uma premissa cada vez mais comum e ao ter filhos acaba, muitas vezes,
por designar a tarefa de educar-los a terceiros, seja por falta de tempo ou mesmo
comodidade.
Essa dinâmica familiar tem surtido grandes problemas às crianças, tanto no
contexto familiar, quanto no contexto social. Com isso, o modelo ideal de família é
aquele que consegue manter uma boa relação entre os membros que compõem a
organização familiar, transmitindo um ambiente saudável, onde as crises são
ministradas de maneira coerente e baseadas no respeito mútuo.
Existem três paradigmas de influência familiar no surgimento de problemas
emocionais e comportamentais da criança. Inicialmente destaca-se o paradigma da
negligencia, ou seja, os pais se esquivam ou são pouco presentes na educação de seus
filhos. Posteriormente surge o paradigma do conflito, onde desenvolve-se uma relação
tumultuada, construindo uma educação filiar inadequada e inconsistente. Outro
paradigma é a ruptura familiar, tendo em vista o resultado causado pelos paradigmas
anteriores, causando a separação do casal.
Ainda dentro desse contexto, este estudo reforça que os problemas
comportamentais das crianças com idade inferior a seis anos têm como indicadores o
relacionamento que vivencia em seu contexto familiar. Isso se deve ao fato de que as
crianças pequenas são muito dependentes de sua estrutura familiar e absorvem o tipo de
tratamento a que são submetidas ou ao estilo de vínculo estabelecido pelos demais
membros de sua família. Diante disso a criança expõe-se mediante desvios de
comportamento que lhe causa desconforto ou a maneira com que acredita que se deve
agir.
O vínculo afetivo entre os familiares, responsabilidade diante da educação dos
filhos e a delimitação de limites são preponderantes para o estabelecimento da qualidade
na relação da criança com seu contexto familiar e deste com a sociedade. A
religiosidade nesse âmbito permite que os valores espirituais sobreponham os valores da
sociedade moderna.
De acordo com Figueira (1987):
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“A modernização da família é, portanto, um processo complexo que


resulta da modernização dos ideais e da identificação, da dissolução e
da criação de categorias classificatórias, da plurificação das aparências
e da psicologização dos discursos. Quase não é preciso repetir que este
processo está longe de ser linear e que seus resultantes são, portanto,
complexos”. (p. 21)

A sociedade moderna também ressalta um apelo à sexualidade, instituído


principalmente pela mídia que banaliza o sexo e instiga a sobreposição dos interesses
próprios aos do próximo. A religiosidade nesse aspecto propicia à formação sadia da
moralidade dos integrantes da família que é desenvolvida na conduta religiosa que rege
o contexto familiar.
Outro grande problema vivenciado nas famílias atuais é a falta de amor e
respeito dos integrantes da família. A religiosidade prima pelo amor fraternal, o que
pode ser encontrado em qualquer religião. A religiosidade também agrega no contexto
familiar a solidariedade tendo como princípio o amor ao próximo, o que leva o
indivíduo a ter não só vontade, mais necessidade de ajudar os outros.
A religiosidade atua na família em vários outros setores. Essa influencia
contribui não só para o contexto familiar tornando-o mais harmônico, mas tem reflexos
na sociedade, pois os indivíduos tornam-se mais humanos a partir de uma conduta
religiosa.
Outro ponto primordial diz respeito ao resgate e preservação das tradições que
se manifestam no decorrer da história. Como diz Bosi (1994, p. 55) “Na maior parte das
vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de
hoje, as experiências do passado”. Nesse sentido, as festas religiosas, ritos, práticas
simbólicas, músicas, etc. são passados de geração a geração e desta forma não se
perdem na história, pelo contrário, revivem a cada manifestação e promove a
identificação cultural de um povo.

II A FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO


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A Festa em louvor ao Divino Espírito Santo é uma das manifestações religiosas


mais recorrentes nos calendários turísticos religiosos no Brasil. Há evidências da
realização desta festividade em quase todo canto do país. Mas é especialmente no estado
de Goiás que essa prática é mais evidente, embora o Divino Espírito Santo não seja
reconhecido como Santo padroeiro na maioria das cidades onde a festa acontece.
Essa religiosidade é tida como um dos principais focos na região Centro-Oeste,
diferentemente do que acontece no nordeste e sudeste do país, onde outras
manifestações religiosas, como por exemplo, os santos juninos ocupam o lugar que no
Brasil Central se destina ao Divino. Acredita-se que essa realidade se deve ao fato da
ligação da festividade com o período da mineração, onde a tradição permanecera nas
cidades mais antigas de Goiás, no século XVIII, porém as festividades eram escassas e
pouco solenes neste período.
As recorrências desta tradição percorreram também todo o litoral brasileiro
desde o Maranhão até o Rio Grande do Sul, perpassando pelas regiões do interior de
São Paulo, Minas Gerais, entre outros lugares. Também há incidência da Festa do
Divino Espírito Santo nas tribos dos índios Karipuna no interior do Amapá, região norte
do Brasil, na divisa com a Guiana Francesa. Estas tribos comemoram a Festa do Divino
num período de nove dias e os símbolos cultuados nas demais regiões do Brasil também
são preservados entre os Karipunas, como a Bandeira, a Coroa, as novenas em latim,
foliões e recolha das esmolas.

2.1 Origem: uma retomada histórica da festa em louvor ao Divino Espírito Santo

O Brasil foi marcado por várias etnias que aqui aportaram em diferentes
campos, um deles e o mais evidente é o da religiosidade. Dentro desse âmbito, Portugal
foi um dos países que mais influenciaram a religiosidade brasileira. Este se manifesta no
país de diferentes formas, porém o culto ao Divino Espírito Santo, com devoção à
Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, é a expressão religiosa mais presente em todos
os cantos do país, com traços comuns, bem demarcados e fortemente conceituados.

A origem do culto ao Espírito Santo é bastante antiga, onde os israelitas já


manifestavam essa religiosidade nas festividades de Pentecostes. A partir daí essa
devoção foi levada para a Europa já na idade média onde passou a ocupar uma
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referência de festa. Nesta festividade o soberano angariava fundos com a finalidade de


ajudar os menos favorecidos nas épocas de penúria.
Foi durante os séculos XV e XVI e a primeira metade do século seguinte que o
culto ao Espírito Santo, ligado à festa do império, tomou maior desenvolvimento em
Portugal e se espalhou pela África portuguesa, pela Índia e pelos Arquipélagos da
Madeira e dos Açores (Portugal).
Cortês (2000) relata que a festa do Divino:

“Foi instituída pela rainha Isabel, casada com o rei Dom Dinis, o
lavrador, na cidade de Alenquer, onde foi construída uma igreja em
homenagem ao Divino Espírito Santo, no início do século XIV. Conta
a lenda que a rainha gostava de distribuir esmolas para os pobres,
especialmente comida. O rei, sovina, passou a proibir a esposa dessa
prática. Certa vez, quando levava pão aos famintos na rua, ela foi
surpreendida de repente pelo rei, que lhe perguntou o que trazia.
Temendo a reação do marido, ela respondeu que trazia rosas. Ao
verificar, espantado, o rei viu lindas flores. Desse milagre parece ter
nascido a tradição de se distribuir comida para todos os participantes
nas comemorações do Divino. A devoção se espalhou rapidamente em
Portugal e se tornou festa coletiva de grande interesse popular.”
(p. 24)

Conforme a tradição portuguesa era coroado um menino que distribuía


alimentos e soltava presos políticos. Essa prática remetia a uma espécie de profecia,
prevendo que quando Espírito Santo cair sobre todos, haverá um monarca bom e puro
como um menino e a terra estará repleta de fartura e perdão.
Essa tradição foi trazida para o Brasil na época da colonização, no século
XVIII, pelos portugueses açorianos. A partir daí a festa sofreu algumas pequenas
adaptações devido às particularidades de cada local. Entretanto a essência, isto é, na fé e
na caridade, a Festa do Divino Espírito Santo se mantém inalterada.

2.2 As Manifestações da Festa do Divino Espírito Santo em Pirenópolis/Go

Na cidade de Pirenópolis, o primeiro registro do culto em louvor ao Divino foi


encontrado na época do descobrimento, onde os jesuítas trouxeram a tradição a fim de
atrair os negros e índios para seu credo. No ano de 1819, a festa foi promovida pelo
Coronel da Costa Teixeira, consagrado o primeiro Imperador do Divino, onde, naquele
tempo, este possuía inquestionável autoridade e podia libertar presos políticos.
Já em maio do ano de 1826, o Padre Manuel Amâncio da Luz introduziu as
Cavalhadas e mandou confeccionar, em prata, a Coroa do Divino, ofertada à Igreja
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Matriz. Também foi distribuído de casa em casa, pãezinhos e alfenins (docinhos feitos
de açúcar puro chamado de Verônicas) à população. Essa atitude foi recebida de bom
grado e tornou-se tradição, ainda exercida nos dias atuais.
As festividades duravam doze dias com ápice no Domingo do Divino tendo
como características o sincretismo religioso e profano. As principais manifestações da
festividade do Divino em Pirenópolis são a solenidade do Imperador do Divino Espírito
Santo, a Procissão do Divino Espírito Santo, o Hino do Divino Espírito Santo, missas e
novenas, folias rural e urbana, as pastorinhas, dança do congo, os mascarados, as
cavalhadas entre outras manifestações.
Dentre essas manifestações a que reflete maior destaque durante os festejos são
as cavalhadas. Estas simbolizam a luta histórica travada entre Carlos Magno, imperador
da França, representante cristão coroado pelo Papa Leão III e os mouros que haviam
invadido a Península Ibérica naquela época. Carlos Magno era conhecido por ser
guerreiro e justiceiro, este lutou contra os pagãos, juntamente com os Doze Pares da
França.
As cavalhadas acontecem a partir do Domingo de Pentecostes, ao meio dia e
duram três dias: domingo, segunda e terça-feira. No primeiro dia são realizadas as
embaixadas, os diálogos entre os reis cristão e mouro, as oito carreiras e trégua pedida
pelos mouros, momento em que termina o espetáculo. No dia seguinte, continuam as
carreiras e os diálogos entre os reis, os mouros descem dos seus cavalos, ajoelham-se e
recebem a água do batismo. Após esse ato, os mouros recebem seus cavalos e espadas
de volta, fazem o “engrazamento” (o cristão e o mouro em fila), saem todos do lado do
castelo cristão, terminando a encenação. No ultimo dia das cavalhadas são realizadas as
competições e brincadeiras entre os mouros e cristãos. Depois de uma volta completa no
campo, os mouros e cristãos vão para seus respectivos castelos. Antes das competições,
os cavalheiros se afrontam para em seguida dar início aos jogos, realizando as provas de
“Tira cabeça” e “Argolinhas”. Por fim, os cavalheiros desfilam pelas ruas da cidade
rumo à Igreja Nosso Senhor do Bonfim, onde fazem uma salva de tiros e orações.
(BRANDÃO, 1974)
Também destaca-se nas festividades do Divino Espírito Santo em Pirenópolis
duas vertentes antagônicas representadas pelo culto ao sagrado e manifestações
profanas, esta última inicia-se com a saída dos mascarados, a cavalo, e termina com o
cortejo final de “entrega da Festa”, na casa do Imperador. De sábado a terça-feira,
realizam-se as “Revistas de Pastorinhas”. Esta apresentação data desde o começo do
20

século e permanece até os dias atuais. Apresentam-se ainda, na parte profana da Festa,
autos folclóricos, danças etc.
O lado profano da festa tem fim juntamente com as Cavalhadas, depois que os
cavaleiros vão à igreja descarregar suas pistolas em frente à porta atirando para o alto e
os mascarados e cortejos festivos da cidade vão à porta da casa do Imperador para
entregar a festa, finalizando assim as festividades.

2.3 A organização da festa do Divino Espírito Santo e seus encargos

A festa do Divino Espírito Santo comemora basicamente a descida do Espírito


Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo e a Virgem Maria. A festividade tem seu ápice
no Domingo de Pentecostes (também conhecido como “Domingo do Divino”), aos
cinqüenta dias após a Páscoa. Contudo a festa começa bem antes, com um ano de
antecedência, iniciada pelo sorteio dos Encargos do Divino e a Coroação do Imperador.
As pessoas sorteadas terão a incumbência de organizar a festa contando com donativos
ofertados pela comunidade local.
As manifestações da festa assumem uma identidade cultural a partir da
localidade onde acontece. Em cada região a festa do divino assume características
próprias tendo em vista as tradições herdadas dos antepassados.
O principal cargo incumbido da preparação da festa é o Imperador do Divino.
É ele que deverá ter o maior investimento na realização da festa, pois ele representa
temporariamente o Divino Espírito Santo e é alvo de todas as homenagens e reverências
no decorrer das festividades. É por esse motivo que a Coroação do Imperador do Divino
constitui-se como um momento grandioso em toda sucessão de encargos.

Conforme Brandão (1978) a solenidade da coroação ocorre da seguinte forma:

“Os dois imperadores aproximam-se de um pequeno genuflexório


colocado diante do altar e coberto de pano branco. Colocam-se de
joelhos diante do padre. Este retira a coroa do imperador atual e a
oferece aos dois, para que a beijem. Neste momento canta-se o Hino
do Espírito Santo, após o que a coroa é solenemente colocada na
cabeça do novo imperador. O mesmo procedimento é feito com o
21

cetro, sem que se entoe outra vez o hino. Com um pequeno ramo de
folhas verdes o padre esparge água benta sobre os dois imperadores.
Esta cerimônia de coroação marca o final dos festejos religiosos. O
novo imperador retorna à sua casa em pequena procissão, agora com o
cetro e a coroa. Essa procissão não se inclui no “Programa da Festa” e,
embora seja uma tradição dos festejos do Espírito Santo, não se
considera que faça parte oficial dela” (Brandão, 1978: 28).

Conforme a tradição, no momento da coroação o Espírito Santo desce dos céus


e vem a terra, sobre o Imperador e é personificado nele, em homenagem ao que ocorreu
na época dos apóstolos. Este momento marca também a passagem de um ano imperial
para o outro e iniciam-se assim as preparações para os festejos.
A festa do Divino Espírito Santo constitui-se como uma religiosidade popular,
sob o controle das autoridades eclesiásticas e da sociedade. A partir daí são sorteados os
Encargos do Divino que são cargos ou funções desempenhadas por pessoas de
diferentes posições sociais e que deverão trabalhar nos preparativos da festa. As pessoas
sorteadas têm a concepção de que o encargo implica numa promessa paga com o
trabalho e investimento matérial na festa. Esses encargos são compostos além do
Imperador, figura principal do festejo, pelo Mordomo da Novena, este é sorteado no
decorrer de cada noite da novena, composta de nove dias de orações. Sua principal
função remete a organização e parte dos gastos com a reza da novena. Estes gastos
referem-se basicamente às velas ou o tradicional “café com bolinhos” servidos aos fiéis
que participam da novena.
Outro encargo da festa é o Folião da Cidade ou Alferes do Divino, este é
responsável pela organização e coordenação da Folia do Divino, manifestação composta
por um grupo de pessoas que percorrem a cidade nos dias finais da Semana Santa e
poucos dias antes da festa. Existe a opção do Folião da Cidade acompanhar a folia
diretamente ou pagar outro folião para exercer seu papel. Quando este participa
diretamente da folia, as homenagens dos donos da casa são feitas a ele, mas se paga
outra pessoa para substituí-lo, então as homenagens se restringem aos demais foliões.
Também faz parte dos encargos o Mordomo das Velas, este indivíduo será
responsável pelos gastos remetidos às velas e também com a energia elétrica durante os
domingos do período da festa. Não obstante também encontra-se entre os encargos o
Mordomo da Bandeira do Divino, este cargo é responsável pela guarda e manutenção da
Bandeira do Divino. É de incumbência do Mordomo da Bandeira a condução desta nas
procissões e o sua colocação no mastro para o hasteamento. É de sua casa que parte a
22

procissão da Bandeira nos anos em que ela acontece ocupando lugar de destaque nas
procissões.
Já o Mordomo do mastro, outro encargo que compõe a festa, tem a
responsabilidade de obter e preparar o mastro da “Bandeira do Divino”, bem como
providenciar seu levantamento e a queima de fogos. Por outro lado o Mordomo da
Fogueira tem a função de construir a fogueira e providenciar sua queima no decorrer do
levantamento do mastro e da bandeira, além de garantir a queima dos fogos.
Como foi referido anteriormente o Imperador do Divino é o cargo maior dentro
das festividades do Divino e sua incumbência também é a de maior relevância. Cabe a
ele a coordenação da festa em conjunto com o padre da igreja local e alguns mordomos,
além de arcar com a maior parte dos investimentos, como foi mencionado acima. Ele
deve cumprir com grande parte dos gastos coletivos das Cavalhadas desde os dias do
ensaio, pelos fogos, pela decoração da cidade e pelas apresentações das bandas. É
também de sua responsabilidade o recebimento das pessoas da festa e visitantes em sua
casa, cuidando para que seja servido a estas pessoas comida e bebida. É de sua casa que
saem a Alvorada do Sábado e do Domingo, a Procissão da Coroa, a Procissão do
Espírito Santo e os Cavaleiros, para ensaio. No término da festa voltam à sua casa a
Procissão da Volta da Coroa, a Bandeira e Cortejo ao final da festa.
Em compensação o Imperador do Divino tem lugar de honra nas missas, onde é
colocado um trono para recebê-lo. Durante as procissões e nas Cavalhadas recebe um
palanque imperial, para que possa participar dos festejos. Em diversos momentos é
homenageado pelos cavaleiros, pela banda de música e pelos foliões do Espírito Santo.
Também é o Imperador do Divino que usa os principais símbolos da festa que é a coroa
do Divino e o cetro. (BRANDÃO, 1978)
Nos dois últimos dias da Semana Santa, o Folião da Cidade a percorre com a
primeira Folia do Divino de uma nova Festa. O pequeno cortejo de instrumentistas e
cantores divide-se entre os bairros e vilas da cidade e seus integrantes procuram visitar o
maior número possível de casas em busca de donativos para a festa. A coroa do
imperador é levada da casa deste pelos foliões, que percorrem com ela e a Bandeira, os
lugares de “peditório”. Essa atividade também é conhecida como “Bandeira do Divino”,
e pode sair novamente durante a semana da novena.

2.4 As Folias do Divino


23

Uma das tradições mais antigas e presentes nas festividades do Espírito Santo
são as Folias do Divino. Essas folias eram organizadas antecipadamente para arrecadar
os recursos para a organização da festa e eram compostas por grupos de cantadores que
visitavam as casas dos fiéis para pedir donativos e todo tipo de auxílio. Com eles ia a
Bandeira do Divino, esta possuía gravada em seu centro a imagem de uma pomba que
simboliza o Divino Espírito Santo. Por onde passava a Bandeira, era recebida com
grande devoção e respeito pelos moradores.
Foi inspirado nessa tradição que o cantor Ivan Lins compôs um de seus
maiores sucessos, a Bandeira do Divino:
“Os devotos do Divino vão abrir sua morada / Pra bandeira do
menino ser bem-vinda, ser louvada, ai, ai / Deus nos salve esse devoto
pela esmola em vosso nome / Dando água a quem tem sede, dando
pão a quem tem fome, ai, ai

A bandeira acredita que a semente seja tanta / Que essa mesa seja
farta, que essa casa seja santa, ai, ai / Que o perdão seja sagrado, que a
fé seja infinita / Que o homem seja livre, que a justiça sobreviva, ai,
ai
Assi
m como os três reis magos que seguiram a estrela guia / A bandeira
segue em frente atrás de melhores dias / No estandarte vai escrito que
ele voltará de novo / E o Rei será bendito, ele nascerá do povo, ai, ai.”
( Ivan Lins / Vitor Martins)

Essa canção é amplamente cantada no decorrer da festa do Divino em variadas


localidades do Brasil. Em geral sempre que os foliões se reúnem em alguma casa ou
mesmo nas novenas e na missa do Divino, essa música é cantada com grande fervor.
Conforme a idéia de CASCUDO (1979):

“As Folias do Divino são grupos precatórios que vestidos de forma


peculiar, irreverente e cantando alegremente, pediam esmolas para o
Divino. Os foliões percorrem regiões rurais em busca de donativos
tais como: dinheiro, alimentos e outros objetos que durante as novenas
vão ser leiloadas”. (p. 335).

O grupo de foliões anima as caminhadas e as visitas pelas casas dos moradores


da zona rural e urbana com instrumentos musicais como: violões, sanfonas, pandeiros e
caixas. Quando as folias saem para percorrer a zona rural são recebidos na sua volta à
cidade com muita festa e foguetes. A entrega dos donativos e da bandeira é feita em
algumas localidades na casa do imperador, em outras, a entrega é feita na Igreja local. A
tradição das folias do Divino tem muitas versões, mas a mais concreta é de que a
24

própria igreja católica tenha instituído essa prática a fim de estender cerimônias
religiosas aos moradores da zona rural.
Nessas localidades as folias rurais seguem a cavalo. Nos tempos passados essa
prática era mais comum e regida por grandes solenidades, hoje essa festa na zona rural
perdeu parte dessa grandeza, mas ainda preserva a mesma estrutura nos rituais, pedindo
esmolas para o Divino nas fazendas, sítios e chácaras e agradecendo a oferta dos fiéis. A
bandeira é sempre levada nas visitas e recebida com grande solenidade. Quando o local
visitado é distante, costuma-se pedir ao dono da casa pousada para os foliões, onde se
reza o terço e em algumas vezes realizam-se bailes, onde segundo Brandão (1978, p. 35)
são “dominados por catiras nos locais onde a folia pousa”.

Figura 1 Dança da catira - foto retirada do site http://www.talisma-to.com.br/projetos/projeto-fazendo-nossa-


historia_arquivos/projeto-fazendo-nossa-historia_clip_image028.jpg

Em geral, o ritual das folias envolve manifestações religiosas compostas de


rezas, cânticos, apresentação da catira pelos componentes da folia e a imensurável fé na
Bandeira. Também pode-se destacar a existência do profano em concomitância com o
sagrado, pois na maioria das visitas, os donos das casas visitadas tem o costume antigo
de oferecer bebidas alcoólicas aos foliões que em algumas situações chegam a concluir
a caminhada do dia completamente embriagados. (SILVA, 2001)
Partindo do princípio de que ninguém é tão pobre que nada pode ofertar e
ninguém é tão rico que nada tenha a pedir, a folia segue de casa em casa sem fazer
distinção de classe social. Em algumas ocasiões a família que recebe a folia é tão pobre
que os foliões deixam alguns donativos ao invés de recolhê-los.
Nesse sentido, sempre que a folia chega a uma casa, cantam à porta pedindo ao
morador permissão para sua entrada:
25

“A bandeira aqui chegou.


Um favor quer merecer:
Uma xícara de café.
Para os foliões beber.”
(Moraes Filho, 1979, p. 41).

Esse “café” pedido em forma de cantiga é outro ponto marcante e tradicional


das visitas, que é servido ao final da cantoria onde os foliões se reúnem em torno da
mesa e agradecem por meio de cantigas o alimento oferecido. Em geral, o morador
organiza uma mesa farta com grande diversidade de bolos e quitandas, sem faltar o bom
e velho cafezinho, sempre de muito bom grado.
Enquanto o dono da casa serve o café os foliões cantam:

“O divino entra contente


Nas casas mais pobrezinhas
Toda esmola ele recebe
Frangos, perus e galinhas.
O Divino é muito rico
Tem brasões e tem riqueza,
mas quer fazer sua festa
Com esmolas da pobreza”.
(Moraes Filho, 1979: 41)

Os foliões, conforme a tradição devem ser os primeiros a serem servidos, uma


vez que, junto com as folias seguem uma pequena multidão que também usufrui do
alimento ofertado.

2.5 O Rito

Entende-se por rito uma prática religiosa, simbólica e institucionalizada. Pode-


se ser realizada por meio de objetos, gestos ou palavras. É um ato ou conjunto de
comportamentos, individuais ou coletivos, que segue certas regras destinadas a serem
repetidas segundo um esquema previamente determinado. O rito está intimamente
ligado ao mito, este por sua vez constitui-se como uma maneira que o ser humano se
utiliza para explicar algo que não pode ser entendido concretamente.
Já Eliade (1993, p. 11) define o mito como: “uma realidade cultural
extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas
múltiplas e complementos”. É basicamente uma suposta visão de como tudo aconteceu.
Antropologicamente falando, o rito possibilita reviver uma coletividade de mitos
religiosos ou sociais, representando crenças mágicas.
26

No entendimento de Thines (1984) os ritos são regras e cerimônias comuns na


prática de uma religião. Por outro lado Emile Durkheim (1986) entende que os ritos
religiosos são classificados em duas categorias: as crenças e os ritos. Nesse aspecto a
primeira se refere a um estado de opinião e consistem em representações. Já o rito
consiste em ações determinadas. Durkheim (1996, p. 24) afirma que “as práticas
religiosas, como rituais, ditam regras de conduta que prescrevem como o homem deve
comportar-se com as coisas sagradas”.
Na religião dois segmentos opostos caminham lado a lado, classificados como
o sagrado e o profano. Diante dessa perspectiva as coisas sagradas dizem respeito àquilo
que o profano não pode tocar, com isso, os ritos configuram-se em regras de conduta
que disciplinam as atitudes do homem para lidar com o sagrado. Os ritos religiosos são
marcados pelo respeito, fascinação e temor ao sagrado. Também é dependente de um
sistema de crenças, expressas na linguagem do mito, além de ser marcado pelo
simbolismo em relação a sua referência, o conjunto de crenças.
De acordo com Brandão (1985, p. 10), na festa do Divino “estão presentes os
modos mais simbolicamente profundos através dos quais as pessoas procuram
estabelecer formas rituais de comunicação entre si e com os seus santos.” As festas
religiosas são caracterizadas por um conjunto de símbolos significativos, isso porque a
religião em si se configura como um sistema simbólico, como define Geertz (1989):

“Religião é um sistema de símbolos que atua para estabelecer


poderosas, Duradouras disposições e motivações nos homens através
da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral vestindo
essas concepções com tal aura de fatalidade que as disposições e
motivações parecem singularmente realistas”. (p. 1091)

Com isso o autor entende que a religião é também um programa de conduta


espiritual que possibilita o homem de melhor compreender a si mesmo, o seu próximo e
o mundo em que vive.
Geertz (1989) ainda reforça essa idéia ao afirmar que:

“símbolos religiosos oferecem uma garantia cósmica não apenas para


sua capacidade de compreender o mundo, mas também para que,
compreendendo-o dêem precisão a seu sentimento, uma definição às
suas emoções que lhes permita suportá-lo soturno e alegremente,
implacável ou cavalheirescamente” (p. 104).

Um fator importante na manifestação dos ritos religiosos é que eles, por ser
uma prática que promove uma repetição do passado, favorecem que a comunidade local
27

possa manter sua identidade preservando a memória cultural. Com isso o rito se
configura de acordo com Riviére (1997) na “respiração da sociedade”.
Riviére (1997) a partir dessa premissa define rito como:

“Os ritos devem ser sempre considerados como conjunto de condutas


individuais ou coletivas, relativamente codificadas, com um suporte
corporal (verbal, gestual, ou de postura), com caráter mais ou menos
repetitivo e forte carga simbólica para seus atores, e habitualmente,
para suas testemunhas baseadas em uma adesão mental,
eventualmente não conscientizada, a valores relativos a escolhas
sociais julgadas importantes e cuja eficácia esperada não depende de
uma lógica puramente empírica que se esgotaria na instrumentalidade
técnica do elo causa efeito.” (Revière, 1997, p. 30)

Diante dessa definição o autor não coloca em questão os valores das crenças
pelo fato de não ser fácil especificar se tal rito é religioso ou secular. Por outro lado ou
autores Eliade (1992) e Cazeneuve (1971) entendem que o rito segue dentro de um
parâmetro religioso e mágico. Nesse sentido, eles podem ser cotidianos, políticos e
religiosos, cujas ações, uso e hábitos remetem uma acentuada carga simbólica e
representações sociais determinando a realidade social de um povo. Tendo como base o
contexto acima descrito, entende-se que o rito é responsável pela continuidade das
festas religiosas oriundas de um passado remoto conservando a imortalidade de uma
crença.
A festa do Divino Espírito Santo não foge a regra, é carregada de símbolos
religiosos e mitos que os rituais realizados todos os anos não deixam morrer. A cada ano
se revive a tradição de louvor ao Espírito Santo com riqueza de detalhes no
desenvolvimento dos ritos, mediante essa premissa a festa do Divino ajuda a preservar a
identidade local concretizada durante séculos de tradição.
As solenidades do Divino são pautadas nos sete dons do Espírito Santo. Estes
dons são referidos em Gálatas (capítulo 5, versículos de 22-23) são eles: “sabedoria,
inteligência, conselho, ciência, fortaleza, piedade e temor de Deus.” Estes sete dons são
sempre focados em toda ornamentação, tanto dos altares, quanto das solenidades e são
sempre profetizados por todos.
Os símbolos religiosos que compõem as solenidades da festa do Divino são: a
Mandala de Fogo com a pomba branca no centro, onde a primeira representa a descida
do Espírito Santo sobre os apóstolos (pentecostes) e a última representa o próprio
Divino Espírito Santo. Toda a festa é representada pelas cores vermelha e branca e
também tem um significado. A cor branca significa paz, o altíssimo e a pomba branca
28

que desceu sobre Jesus quando batizado por João Batista. Na cor vermelha, o
significado refere-se ao sangue de Jesus, o próprio Espírito Santo e as labaredas de fogo
dispostas sobre as cabeças dos apóstolos no dia de Pentecostes.
Na festa do Divino Espírito Santo os foliões trajam vestimentas com essas
cores representando essa simbologia que é muito forte na tradição da festa em louvor ao
Divino. Outro rito adotado se refere aos altares que são organizados pelos donos das
casas visitadas pela Bandeira do Divino e seus foliões. Em geral são bem ornamentados
nas cores vermelho e branco, velas e rosas, além da imagem da pomba branca
representando o Espírito Santo. Nesses altares não se vê luxo, pelo contrário, em geral
são marcados pela simplicidade, mas denotam toda a fervorosidade aos símbolos do
Divino. Os fiéis que seguem o cortejo ao chegar à casa do visitado ajoelham-se diante
do altar e fazem suas orações com fé e devoção. A folia sempre é recebida pelo dono da
casa com muitos fogos e a ornamentação do ambiente inicia-se na entrada da casa, onde
faixas com os sete dons são dispostas dentre outros enfeites.
Após cantarem as cantigas pedindo permissão para entrarem na morada, o
cortejo segue para o altar onde todos cantam hinos em louvor ao Divino e aos demais
santos, seguidos de orações e saudações ao Divino. Um dos hinos mais cantados é o
Hino do Divino:

Chegando em sua casa/ O Divino Espírito Santo/ veio pedir a sua


esmola/ Deus lhe dará outro tanto.O Divino Espírito Santo/ Na sua
casa chegou/ Veio pedir a sua esmola/ Pra este nobre morador. O
Divino Espírito Santo/ Aqui veio visitar/Pro seu dia festejar. Este
Santo pede esmola/ Não pede por precisão/Pede para experimentar? A
nobreza do coração. Oh! Meu nobre cavalheiro/ Generoso e singular/
Venha a sua esmola/ Pra este Santo ajudar. Oh! Minha rica
senhora/Boa digna mulher/Dê ouro dê prata/ Dê aquilo que quiser.
Deus lhe pague a sua esmola/Deus dê vida e saúde / a esmola é
caridade/Caridade é virtude. Deus lhe pague a sua esmola/ Deus lhe dá
outro tanto/ A esmola é quem nos leva/ Ao Divino Espírito Santo.
Agora ao se despedir/ Receba a família inteira/ As luzes são da coroa/
E as bênçãos da bandeira. (Folheto do Divino, 1994)

Outra parte que compõe o ritual religioso é a colocação da Coroa do Divino na cabeça
do visitado e de seus parentes, além de agradecer o acolhimento do dono da casa e pedir graças
e proteção aos demais integrantes da família visitada. Em seguida os foliões se dirigem para o
local onde serão servidos os alimentos preparados para os Foliões do Divino e demais pessoas
que acompanham o cortejo.
29

Os lanches são rápidos para não atrasar o andamento da folia. Nas casas onde é
oferecido o pouso da Bandeira é também servido o jantar e o café da manhã aos foliões. A
família que se dispõe a oferecer os lanches no decorrer das caminhadas, o almoço e o pouso,
arcam com as despesas dos alimentos e ainda contribuem com uma quantia em dinheiro que
varia conforme sua situação financeira ou promessa feita ao Divino.
Um rito muito importante na festa do Divino Espírito Santo é a coroação do Imperador
do Divino, personagem principal da festa. Essa solenidade ocorre no Domingo do Divino e
marca o fim das festividades. Esse é o momento mais importânte da festa e também o mais
esperado onde participam o Imperador (festeiro) atual e o futuro. Neste dia o cortejo sai pela
manhã da casa do imperador, seguindo em procissão pelas ruas da cidade em direção à Igreja
onde ocorrerá a missa em louvor ao Divino Espírito Santo. O cortejo traz o andor do Divino
com os símbolos da pomba e da coroa. Sai ricamente adornado sendo conduzido por guardas de
honra. A procissão é acompanhada pela população e banda musical. O imperador porta a capa
vermelha e a Coroa do Divino e é acompanhado pelas virgens de branco e também por crianças
vestidas de anjo.
A procissão só termina na igreja onde inicia-se as solenidades com ápice na Coroação
do Imperador do ano seguinte. O sorteio é feito ao final da missa e na presença de todos, a partir
desse momento a festa é sacramentada e legitimada seguida de uma grandiosa queima de fogos
que comemoram o final dos festejos e o início dos preparativos da festa do próximo ano. Ao fim
da missa a população é convidada para um almoço ofertado pelo atual imperador para finalizar
as festividades.

III A TRADIÇÃO DA FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM


NIQUELÂNDIA

3.1 Uma Breve Abordagem Histórica e Atual da Cidade de Niquelândia


30

Os primeiros registros acerca do município de Niquelândia datam do início do


século XVIII. Neste período, o local era habitado por tribos indígenas e logo foi tomado
por bandeirantes, em torno do ano de 1735, onde Antônio de Sousa Bastos e Manoel
Rodrigues Tomás vieram em busca do ouro de aluvião, muito comum na região nesta
época. Estes pioneiros fixaram nos arredores do rio Traíras, atraídos pela busca aurífera.
Ali foram erigidas duas povoações, inicialmente o distrito de Traíras, no ano de
1855, elevado à categoria de vila e sede do município no ano de 1933.
Já o povoado de São José do Alto Tocantins, distante poucos quilômetros da primeira,
foi fundado em 1935, mas foi no ano de 1943 que este foi elevado a categoria de cidade
passando a se chamar Niquelândia, em homenagem a descoberta de uma grande jazida
de Níquel, uma das maiores do mundo. A primeira rua da cidade foi a Rua Direita, que
nos tempos atuais ainda conserva sua pavimentação de pedras e seus casarões antigos.
Niquelândia é um dos municípios mais antigos do estado de Goiás. Faz limites
com Barro Alto, Santa Rita do Novo Destino, Uruaçu, Campinaçu, Vila Propício,
Mimoso de Goiás, Colinas do Sul e São João d’Aliança. A cidade é marcada por belezas
naturais, entre elas o lago serra da mesa, um dos principais atrativos turísticos da região.
Outra atração turística de Niquelândia refere-se à sua religiosidade. A mais
importante é a Romaria de Muquém que reúne todos os anos milhares de fiéis vindos de
toda localidade do Brasil. Este povoado está distante da cidade de Niquelândia a 45 km
e representa o ponto forte no turismo religioso da região.
O município ainda desenvolve outros eventos religiosos, como é o caso das
novenas que ocorrem no decorrer do ano, em homenagem a cada santo do mês, a
congada de Santa Efigênia e a Romaria de Muquém. Contudo, o evento mais tradicional
é a festa em louvor ao Divino Espírito Santo, onde as famílias buscam resgatar e
conservar as manifestações culturais da festa a partir dos foliões antigos e suas velhas
tradições.

3.2 A Festa do Divino no Município de Niquelândia

Como foi explanado anteriormente, Niquelândia celebra festas religiosas e


históricas cuja tradição ritual perdura até os dias atuais. A festa em louvor ao Divino
31

Espírito Santo é uma dessas manifestações religiosas e um dos maiores eventos


histórico-culturais realizados na cidade.
Em torno dessa festividade, Bertram (1998), segundo relato de um ilustre
visitante chamado Johann Emanuel Pohl, um dos maiores cronistas da historia de
Niquelandia na primeira metade do século XIX, diz em seu livro História de
Niquelândia que no povoado de Traíras aconteceu o primeiro milagre do Espírito Santo.
Conforme Pohl, citado pelo autor acima referenciado, em um ano foi sorteado
para ser o Imperador do Divino um cidadão cujas posses eram escassas, no entanto, o
pobre homem recebeu com muito entusiasmo esse encargo que foi realizado no dia da
festa com outorga da dignidade imperial àquele humilde homem. Depois de celebrada a
missa, o homem se aproximou do altar e foi coroado com uma coroa de folhas e
colocado em suas mãos um cetro de madeira e seguiu em cortejo para sua casa tendo a
frente a Bandeira do Divino, seguido de uma grande multidão.
Chegando a casa daquele homem, o porta-bandeira imediatamente referiu-lhe
as honras imperiais, ajoelhando-se aos seus pés e recebeu do Imperador a esperada
benção. Em seguida, as armas portuguesas foram apostas à porta da casa dando fim à
solenidade. Em ocasiões em que o Imperador sorteado não possuísse condições
financeiras para custear a festa, era dado a ele o direito de, com música e bandeira,
solicitar esmolas pelas fazendas e demais localidades a fim de angariar fundos para
saldar as despesas da festa e até mais do que o necessário.
A mulher dele, por sua vez, marcada por diversos tipos de necessidades não
teve o mesmo entusiasmo. No entanto o pobre homem tranqüilizou a esposa dizendo
que eles possuíam ainda um saco de feijão que poderia ser plantado e sua produção ser
vendida. Além disso, ainda poderiam pedir esmolas nas fazendas em nome do Divino e
assim poderiam arcar com as despesas da festa.
E assim foi feito. O feijão foi plantado e rendeu grande produção, porém o que
chamou atenção de todos, foi que em cada grão de feijão produzido, existia uma
imagem do Espírito Santo, representado por uma pomba branca. Com isso, foi
constatado o primeiro milagre do Espírito Santo, onde a população, quando soube do
ocorrido, invadiu a casa do homem e compraram-lhe toda a produção de feijão a altos
preços. Diante disso, o homem pode bancar uma grandiosa festa do Divino e ainda
tornou um homem financeiramente abastado.
32

De acordo com Bertran (1998), Pohl ainda teve acesso a três desses grãos e
afirma que somente a fé seria capaz de ver naquela mancha branca e alongada
localizada no hilo do grão, a imagem do Espírito Santo.
A partir daí a festa do Divino tornou-se cada vez mais popular, sendo no
passado, em torno do ano de 1918, um dos eventos mais animados do povoado de
Traíras e São José do Tocantins (Niquelândia), não havia um só ano que esta festa não
tenha sido organizada, configurando-se em um dos acontecimentos mais importantes da
época. Contudo, com o passar dos anos, a festa do Divino foi perdendo forças, chegando
a quase ser extinta.
Em entrevista ao Centro Cultural de Niquelândia no ano de 1995, o senhor
Benedito Crisóstomo de Godoi (popular Sr. Didico), cidadão natural e residente do
município de Niquelandia há muitos anos e conhecedor da festa do Divino na cidade
desde os primórdios, relatou que nesse período residia em Niquelândia, Frei Francisco
que preocupado com a decadência da festa, saiu pela cidade à procura dos foliões para
que juntos pudessem reerguer e recuperar as tradições históricas perdidas. Frei
Francisco juntamente com alguns foliões antigos, como o próprio Sr. Didico, o Sr.
Geraldo Gomes, entre outros, elegeram o Sr. Deusdete Soares como Imperador da Festa
e a partir daí conseguiram recuperar os festejos do Divino, voltando a ser uma das
maiores festas religiosas da cidade.
Atualmente a cidade comemora a festa do Divino sempre aos quarenta e cinco
dias após o carnaval e duram quinze dias, onde as folias percorrem vários setores da
cidade. Cada setor é representado por uma folia, elas se dividem em quatro partes,
sendo: a Folia do Barrado, do Jardim Atlântico, Lavapé e Machadinho. Estas folias são
regidas e organizadas pelos Alferes da Folia que juntamente com o imperador
comandam as caminhadas e visitas às casas dos fiéis.
Em geral, a folia é acompanhada por uma farta alimentação por onde quer que
ela passe. As casas visitadas são ornamentadas com as cores do Divino e tem bom grado
em receber a Bandeira do Divino e seus foliões.
No último dia de festa, o chamado Domingo do Divino, é iniciado pela
Alvorada, que anima os moradores desde as cinco horas da manhã. Esta sai da Igreja
Matriz e percorre as ruas da cidade, acompanhada pela banda de música e muitos fogos,
até chegar à casa do Imperador, onde é recepcionada em grande estilo. A partir desse
momento é organizado um cortejo onde o Imperador e a Imperatriz, com toda
solenidade são conduzidos à Igreja Matriz, seguidos dos Alferes da Folia, o Juiz da
33

Alvorada, as virgens vestidas de branco e crianças trajadas de anjo. Em procissão


seguem também os fiéis sempre cantando e fazendo orações até chegarem novamente a
Igreja Matriz, onde é realizada uma Missa Solene, ponto alto da festa.
Ao final da Missa, é feito o sorteio do novo Imperador e demais encargos,
sempre na presença de todos. A Missa é transmitida pela rádio local para todo o
município. Nesta missa acontece o ritual de transmissão de cargo de Imperador, onde a
coroa do Divino é solenemente reverenciada e beijada por ambos imperadores, o atual e
o futuro. Em seguida, o atual Imperador e sua respectiva Imperatriz, retiram deles o
manto vermelho e o colocam no próximo Imperador e Imperatriz. Também a Coroa é
colocada sobre a cabeça do novo festeiro. Nesse momento a festa do Divino tem seu
encerramento e ao mesmo tempo tem seu início para a próxima festa.
Em Niquelândia, a princípio, eram realizadas as cavalhadas, trazidas de
Pirenópolis, nos anos 80, no entanto não houve sucesso e logo foi extinta. Era feita uma
fogueira no largo da Igreja Matriz e a comunidade tinha grande envolvimento com os
festejos. Também eram distribuídos os alfenis (docinhos feitos de açúcar), como em
Pirenópolis. A banda de música vinha de Goiânia. Hoje a cidade já conta com sua
própria banda de música e algumas das atividades descritas são ainda desempenhadas
por algumas famílias.
Nos tempos antigos a missa do Divino era uma solenidade grandiosa. Para
muitos fiéis, ser o Imperador do Divino era uma honra que se esperava por uma vida
inteira. No momento do sorteio, entendia-se que aquela era a escolha do próprio Espírito
Santo e com isso tudo era feito com muito empenho para que o melhor fosse
desempenhado. Os integrantes do sorteio chamados Mordomos, se apresentavam de
terno e gravata, pois se sentiam honrados com tal atribuição.
Atualmente a missa não tem tantas solenidades, mas ainda configura como um
grande acontecimento para toda a comunidade niquelandense. Outro ponto adotado nos
tempos atuais foi a “comissão de festas”, organizada pelo Frei Hamilton Gomes Pereira,
antigo pároco da Igreja Matriz, composta pelos cidadãos niquelandenses, Mildo Ferreira
(presidente), Maurity Sebastião Pereira (vice-presidente), Wilton Rocha (1º secretário),
Florentino Gerônimo (2º secretário), Geraldo Pereira Martins (tesoureiro) e Euclides
Pereira (suplente). Essa Comissão é responsável pelo resgate das tradições das festas
religiosas niquelandenses.
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3.4 A influencia da tradição do Divino Espírito Santo para a comunidade local

A Festa do Divino Espírito Santo é uma solenidade muito antiga em


Niquelândia e a comunidade local tem suas tradições intimamente ligadas a essa
festividade. No decorrer do desenvolvimento desta monografia foram feitas pesquisas
de campo visando um melhor entendimento desse evento religioso tendo como base os
relados dos foliões antigos. A intenção foi estabelecer um paralelo entre os festejos do
Divino nos tempos anteriores e como estes se processam nos tempos atuais.
É interessante perceber o quanto os foliões, que há muitos anos participam da
festa do Divino, falam com grande respeito e emoção das visitas das folias, dos milagres
recebidos do Divino Espírito Santo, de como a festa era processada no passado e as
mudanças que hoje se fazem presentes nos festejos.
De acordo com os entrevistados, a Festa do Divino hoje é um grande
acontecimento, mas já na antiguidade a festividade era ainda mais solene,
principalmente nos giros das folias (caminhada e visitas às casas dos fiéis) e sua
recepção em cada casa.
Um dos Entrevistados foi o Sr. Antonio Ribeiro Espíndula. Natural e residente
no município de Niquelândia, no alto de seus 84 anos participa da festa há mais de
cinqüenta anos e permanece ativo até os dias atuais. Este ocupou o cargo de Procurador
do Divino (folião responsável pela arrecadação e guarda da pasta das esmolas) por um
período de 15 anos. Ele relatou que sempre participou juntamente com sua esposa e
filhos dessa festividade com muito entusiasmo e devoção. Além de participar
ativamente das folias como Procurador do Divino, ainda por inúmeras vezes recebeu a
folia do Divino em sua casa. Ele ainda diz que a festa mudou muito no decorrer dos
anos em que esta se manifestou.
Uma dessas mudanças diz respeito à entrega das arrecadações obtidas no
período de giro da folia. Antigamente, tudo o que se arrecadava era entregue ao
Imperador do Divino e somente este era designado para entregar os donativos para a
Igreja. Hoje esta prática está mudada, os foliões entregam tudo o que arrecadam
diretamente para o padre responsável pela paróquia.
Outra mudança refere-se aos pousos, nos tempos passados o folião responsável
pelo pouso arcava além do jantar e café da manhã ainda tinha que doar o almoço para os
foliões e convidados. Atualmente os pousos só são responsáveis pelo jantar e café da
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manhã. É interessante salientar também uma prática muito requisitada pelos donos das
casas visitadas sempre que chega a folia do Divino, que é a catira, dança realizada pelos
foliões baseada nas batidas de pés e mãos ritmados ao som do violão e demais
instrumentos. Sr. Antônio diz: “muitos esperam pela oportunidade de ver os catireiros
se apresentando e fazem questão de ter esta dança em sua casa.” (novembro/2009)
Também é novidade na festa a celebração de missa nos pousos, antes essa
prática não era adotada mais na atualidade a celebração acontece conforme sorteio, já
que a Igreja não tem quantitativo de religiosos para atender todas as casas. Isso porque
numa cidade como Niquelandia, as folias se subdividem em quatro regiões da cidade,
como já foi explicitado, sendo assim num dia acontecem quatro pousos na cidade, com
isso são sorteadas as casas em que acontecerá a missa e os religiosos seguem para essa
região. A esposa do Sr. Antonio, Dª. Luiza Espindula, também entrevistada, diz que este
foi um ponto positivo nas mudanças sofridas pela festa do Divino.
O Sr. Antonio ainda relata com orgulho que é o promissor da proibição do
consumo de bebida alcoólica nos giros da folia em Niquelândia. Ele diz que precisou
trabalhar muito para que a prática, onde os fiéis que recebiam a folia em sua casa
ofereciam cachaça aos foliões a fim de agradá-los, pudesse ser extinta. Quando um
folião bebia bebida alcoólica em algum outro local e chegava para o giro embriagado, o
Sr. Antônio apoiado pelo Alferes da Folia convidava o folião a se retirar do giro
enquanto estivesse sobre o domínio do álcool. “Não é certo misturar as coisas sagradas
com bebida alcoólica”. Relatou seu Antônio orgulhoso de sua conquista.
Continuando no relato do Sr. Antonio, ao final dos dias em que a folia girou
pela cidade, segue-se para o ritual de entrega dos donativos arrecadados. Ao chegar à
Igreja, a folia faz a cantoria de entrada, logo após segue-se para o altar onde mais uma
vês canta saudando os altares. Completo o ritual, o Procurador do Divino entrega a pasta
com as esmolas para o padre dando fim às folias do ano. Sr. Antonio finaliza: “Para
mim as festas do Divino não deixam morrer as tradições antigas e faz as pessoas se
apegarem mais com as coisas divinas”.(novembro/2009)
Já na entrevista realizada com Dª Luiza Espíndula, esposa do Sr. Antônio,
natural e residente em Niquelandia e com 81 anos de idade, é relatado os rituais da
recepção da folia na casa dos fiéis. A entrevistada conta que as visitas das folias do
Divino são cercadas de muito respeito e devoção, além de um ritual que permanece vivo
desde os primórdios.
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Segundo Dª. Luiza, os moradores indicados para receber e dar pouso para a
Bandeira do Divino (local onde a Bandeira passa a noite) era muito enfeitado para tal
solenidade. Na porta do pouso eram dispostos pés de bananeira ou coqueiro, um do lado
do outro, sempre muito enfeitado com fitas e flores com as cores predominantes:
vermelho e branco. Um arco era feito entre as bananeiras para que a Bandeira do
Divino, os foliões e demais convidados pudessem entrar na casa passando por baixo
dele.
Inicialmente a folia é anunciada pelo Caixeiro (batedor de uma caixa que
proclama a chegada da Bandeira do Divino). Depois os foliões cantam à porta da casa
pedindo ao morador pouso para a Bandeira do Divino. Ao serem autorizados, seguem
por baixo do arco enfeitado. Primeiramente entra o Alferes da Folia (responsável pela
organização da folia e pela condução da Bandeira) seguido pelo Guia (toca violão e
canta os cânticos), o Contra-Guia (que ajuda o guia nos cânticos) e demais integrantes
da folia. A população e convidados seguem por último.
Dª Luiza ainda diz que após entrarem na casa os foliões seguem para o altar,
tradicionalmente ornamentado com flores, velas, fitas, a pomba do divino e os sete
dons, além de santos e santas da devoção do morador. Em frente ao altar os foliões
fazem os cânticos tradicionais fazendo as devidas saudações às imagens dispostas nele e
ao dono da casa que recebe em seguida a Bandeira sendo disposta no altar.
Terminado as solenidades de entrega da Bandeira, os foliões seguem para a
mesa onde o jantar será servido. Os foliões ficam de pé em torno da mesa e novamente
cantam para agradecer o pouso e o alimento ofertado e depois rezam a oração do Pai
Nosso e Ave Maria. Terminando o dono da casa pode servir as comidas. Dª. Luiza diz
que na mesa cada folião tem seu lugar, o Alferes ocupa o extremo da mesa e o restante
dos foliões se dispõe nos demais lugares.
Ao terminar o jantar, os foliões agradecem o alimento e seguem para o altar,
fazem reverência e seguem para suas casas deixando a Bandeira do Divino pernoitar no
pouso. No outro dia bem cedo os foliões retornam para o pouso, repetem as solenidades,
fazem as cantorias e as orações e após o dono do pouso passar a Bandeira por todos os
cômodos da casa e os integrantes da família fazerem reverências, é entregue ao Alferes
que seguem em cortejo para as demais visitas do dia. A folia gira até poucos dias do
Domingo de Pentecostes, entregando a Bandeira e os donativos arrecadados na Igreja
como foi dito anteriormente.
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Dona Luiza diz que os preparativos para a recepção da folia é feito sempre com
muito capricho e boa vontade. O ambiente onde são feitas as comidas é sempre muito
alegre e transmite um clima de paz e satisfação. Esse sentimento é sempre muito
evidente em todas as preparações, pois os fiéis em sua maioria oferecem pouso, almoço
ou mesmo um lanche para agradecer uma graça recebida. Nesse sentido, os preparativos
são mais do que uma boa ação para as pessoas, são, sobretudo um agradecimento ao
próprio Espírito Santo.
Uma lembrança que Dª. Luiza cita com pesar é a quase extinção da recitação
da Ladainha de Nossa Senhora nos pousos. Ela diz que antigamente essa era uma
prática comum em todas as casas que ofereciam o pouso, mas hoje esse ritual só
permanece nas casas dos foliões mais antigos e que fazem questão de manter essa
tradição. Dona Luiza lamenta, “é uma pena que a Ladainha de Nossa Senhora não esteja
mais sendo recitada em todos os pousos porque essa solenidade é muito bonita e
emocionante”. (novembro, 1009)
No domingo de pentecostes a cidade pára para celebrar o dia do Divino
Espírito Santo. A cerimônia mais importante é a que acontece pela manhã, às nove
horas, na Igreja Matriz. Mas toda a solenidade começa às cinco horas da manhã com a
alvorada, que sai da Igreja Matriz em cortejo, coordenada pelo Juiz da Alvorada,
seguindo pelas ruas principais da cidade com grande animação. A banda de música e os
fogos cortam o silêncio da madrugada e acorda a população para o início das
festividades. Em procissão os foliões seguem para a casa do imperador onde são
recepcionados com o café da manhã. Fazem toda a solenidade também no altar
organizado pelo Imperador. Ao terminar é organizada uma procissão onde o Imperador
e Imperatriz são conduzidos, portando com eles a Coroa do Divino, com toda
formalidade, como foi dito nos parágrafos anteriores, para a Igreja Matriz, onde a
primeira e mais importante celebração é realizada.
Após a celebração solene são feitos os sorteios diante de todos os presentes,
dos encargos do próximo ano. Quando é definido o novo imperador é feito o ritual de
transmissão de cargos. Ainda neste dia, é realizada outra celebração na mesma Igreja no
período noturno, onde o cortejo se faz em procissão da mesma forma com que se
desenvolveu pela manhã.
Na zona rural também ocorre o giro das folias, no entanto as celebrações só
ocorrem na cidade. Com isso, os moradores da zona rural param suas atividades neste
dia, se deslocando para a cidade para participarem dos festejos.
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Os candidatos aos encargos da Festa do Divino devem ser moradores da


cidade, não é preciso que sejam naturais, mas é importante que sejam residentes. Os
candidatos a ocuparem os encargos do Divino correspondem as mais variadas classes
sociais e o sorteio não privilegia posições sociais e financeiras, mas corresponde a uma
escolha aleatória. Quando um Imperador não possui boa condição financeira ou
conhecimento sobre a festa, em geral é muito auxiliado pelos os que têm mais bens,
instituições pública, comerciantes, empresários ou mesmo os que conhecem melhor a
tradição. E assim a Festa do Divino resiste ao passar dos anos e influencia a sociedade
niquelandense na preservação de suas raízes e na manutenção de sua identidade cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A Festa do Divino é uma tradição histórica muito difundida nas mais variadas
localidades do Brasil. Percebe-se que as festividades assumem a identidade do local
onde é desenvolvida, influenciada pela cultura e ritmo de vida da população local,
contudo a essência da festa permanece a mesma em todos os locais.
A maior característica desse evento religioso é a fervorosidade e o respeito com
que os fiéis manifestam os rituais da festa. Todos os símbolos que representam este
festejo são mantidos, como a Bandeira do Divino, a Mandala e a coroa do Divino que
são reverenciados com muita devoção. As folias do Divino por sua vez, são um capítulo
à parte. Elas traduzem toda a tradição e rituais que envolvem a Festa do Divino Espírito
Santo. Os foliões são recebidos nas casas com muita satisfação e estes retribuem a
recepção preservando os cânticos antigos e rituais seculares.
Em Niquelandia, a festa do Divino assume uma importância muito grande
junto a população de maioria católica e que tem raízes históricas e culturas muito
antigas e bem delimitadas. Nesse sentido a festa do Divino permite ano a ano, o resgate
dessa tradição passando essa prática de pais para filhos e netos o que assegura ainda
muitos anos, de tradição.
A entrevista com os foliões antigos permitiu um melhor entendimento de como
esta festa se processa em Niquelandia e como esta se manifestou no passado. Uma
evidencia encontrada em cada entrevistado foi a emoção em relembrar os tempos
passados e a reverencia que estes apresentam em comentar os rituais sagrados e até
mesmo indignação em relatar algumas práticas na tradição antiga e que hoje é pouco ou
quase não difundida, como é o caso da Ladainha de Nossa Senhora, comentado no
último capítulo. O que fica claro neste caso é que apesar de algumas mudanças serem
positivas outras provocam perdas nos rituais antigos.
A festa do Divino ainda hoje reúne famílias inteiras para preparação da visita
do Divino. Várias gerações juntas revivendo uma tradição secular e ao mesmo tempo
atual, porque a festa do Divino na atualidade continua se configurando como um dos
principais eventos religiosos da cidade de Niquelândia delimitando assim a identidade
cultural e religiosa da população niquelandense.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
40

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VI ANEXOS: Entrevistas feitas com Foliões antigos


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- Entrevista feita com o Folião Sr. Antônio Ribeiro Espíndula

1. Qual é seu nome e idade?

Me chamo Antônio Ribeiro Espíndula e tenho 84 anos

É natural da cidade de Niquelandia? Mora na cidade a quanto tempo?

Sim, sou natural e residente em Niquelândia.

2. Quais as principais lembranças que marcam a Festa do Divino no decorrer de


sua vida?

Tenho muitas lembranças da festa do Divino, pois participo da folia do Divino há


mais de cinqüenta anos e por diversas vezes recebi a folia em minha casa. Fui
procurador do Divino por quinze anos onde contribui para a melhoria das folias e
preservei para que os rituais sagrados fossem cumpridos. Tenho lembranças de
como as festas eram animadas com apresentação de catira onde muitos esperam
pela oportunidade de ver os catireiros se apresentando e fazem questão de ter esta
dança em sua casa, além de muita formalidade e respeito nos rituais da festa.
Participei por muitos anos juntamente com minha família desta festa sempre com
muito entusiasmo e devoção.

3. Como era a festa no passado?

Antigamente, as festas eram mais animadas, a cidade parava nos dias de folia e
principalmente no Domingo do Divino, todas as solenidades eram lotadas de fiéis e
ao final de cada pouso sempre tinham bailes que duravam a noite inteira.

4. Existem mudanças na festa na atualidade? Quais?

Existem muitas mudanças. Um exemplo é a entrega da esmola que antes era feita
ao Imperador e hoje é entregue direto na Igreja Matriz. Nos dias de hoje, quando a
folia termina os foliões seguem pra a Igreja Matriz para o ritual de entrega das
esmolas arrecadadas, onde se faz a cantoria de entrada, depois segue-se para o
altar cantando para saudação dos altares. Em seguida o Procurador do Divino
entrega a pasta com as esmolas para o padre. Outra mudança que ajudei a
acontecer foi a proibição da distribuição das bebidas alcoólicas aos foliões. Em
geral as pessoas davam cachaça aos foliões para agradá-los, mas acontecia que no
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final da festa muitos estavam completamente bêbados e não conseguiam participar


do giro sem o respeito que o Divino merecia, com isso eu juntamente com o Alferes
proibia a participação do folião enquanto estivesse bêbado, mas precisei trabalhar
muito para que a proibição fosse respeitada pelos foliões. Outra mudança são os
pousos que antes ofereciam jantar, café da manhã e almoço e hoje o almoço foi
abolido, ficando na responsabilidade de outra família.

Quais os pontos positivos e negativos das solenidades da festa do divino na atualidade?


E no passado?

No momento não me lembro dos negativos, a não ser a animação dos tempos
passados, mas os positivos pra mim é a proibição da bebida alcoólica. Não é certo
misturar as coisas sagradas com bebida alcoólica.

Qual a influencia dessa festividade para as famílias Niquelandenses?

Para mim as festas do Divino não deixam morrer as tradições antigas e faz as
pessoas se apegarem mais com as coisas divinas.

- Entrevista feita com a Sr.ª Luíza Ribeiro Espíndula

1. Qual é seu nome e idade?

Meu nome é Luíza Ribeiro Espíndula e minha idade é 81 anos completos.

É natural da cidade de Niquelandia? Mora na cidade a quanto tempo?

Nasci e morei toda a vida em Niquelândia.

2. Quais as principais lembranças que marcam a Festa do Divino no decorrer de


sua vida?

Lembro de muitas coisas, principalmente das visitas da folia do Divino em minha


casa. As visitas eram recebidas sempre com muita devoção e respeito e os rituais
antigos sempre foram respeitados. Quando um morador era escolhido para dar o
pouso, era feitos muitos enfeites com fitas e flores, sempre nas cores vermelha e
branca, duas bananeiras ou coqueiros eram fincados lado a lado e era feito um
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arco enfeitado para que a folia passasse em baixo dele, era uma tradição antiga.
Quando a folia chegava o caixeiro anunciava batendo na caixa, depois os foliões
cantavam na porta da casa pedindo pouso, depois entrava o Alferes da Folia com a
bandeira. Atrás dele vinham o guia, contra-guia, procurador, caixeiro e os outros
foliões e convidados. Iam para o altar onde faziam as cantorias, orações e
saudações, entregava a bandeira para o dono da casa e seguiam para o jantar. Na
mesa era feita a oração do Pai Nosso e da Ave Maria com os foliões em pé em volta
da mesa. Depois o dono da casa servia a comida primeiramente para os foliões
para depois servir aos convidados e todos que seguiam a folia. No final os foliões
voltavam para o altar faziam reverencia e iam embora retornando no outro dia
para o café da manhã e o dono da casa depois de passar a bandeira pelos cômodos
da casa colocava a bandeira no altar para passar a noite.

Como era a festa no passado?

No tempo antigo os trabalhos para o preparo das comidas e bebidas que seriam
servidos na festa e a ornamentação da casa era feito sempre com muito capricho e
boa vontade num ambiente alegre mostrando paz e satisfação. A família toda
participa dos preparativos até mesmo os visinhos.

3. Existem mudanças na festa na atualidade? Quais?

Sim, que eu me lembre foram várias, as que meu marido já falou nesta entrevista e
o quase fim da recitação da Ladainha de Nossa Senhora nos pousos.

Quais os pontos positivos e negativos das solenidades da festa do divino na atualidade?


E no passado?

A proibição do consumo de bebidas alcoólicas durante o giro da folia com certeza


foi um ponto positivo na festa do Divino. Já o negativo eu posso dizer que
antigamente fazia-se muito a recitação da Ladainha de Nossa Senhora nos pousos,
era uma obrigação recitar a ladainha, mas hoje só é feito nas casas dos foliões mais
antigos o que é uma pena que a Ladainha de Nossa Senhora não esteja mais sendo
recitada em todos os pousos porque essa solenidade é muito bonita e emocionante.

Qual a influencia dessa festividade para as famílias Niquelandenses?


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Faço das palavras do meu marido as minhas.

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