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Henrique C. L. Vaz, S.J.

14DD 2

ANTROPOLOGIA
FILOSOFICA
a

;
COLEÇÃO
Eilosofia e
Edições Loyola
COLEÇÃO FILOSOFIA fique C, de Lima Vaz, SJ.
E Para ler a fenomenologia do espírito, Paulo Meneses, 2? ed.
Vereda trágica do grande sertão: Veredas (A),
Sônia M. V. Andrade (esg.)
Escritos de filosofia I, Henrique C. de Lima Vaz
Marx e a natureza em O Capital, Rodrigo A. de P. Duarte
Marxismo e liberdade, Luiz Bicca
Filosofia e violência, Marcelo Perine
Cultura do simulacro (A), Hvgina B. de Melo
Escritos de filosofia Il, Henrique C. de Lima Vaz, 2º ed
Filosofia do mundo, Filippo Selvaggi
Conceito de religião em Hegel (0), Marcelo F. de Aquino
Filosofia e método no segundo Wittgenstein, Werner Spaniol
Filosofia política, Eric Weil :
Caminho poético de Parmênides (O), Marcelo P. Marques ] GI Ã
Filosofia na crise da modernidade, Manfredo A. Oliveira ITROPOLO
Antropologia filosófica 1, Henrique C. de Lima Vaz, 2º ed. i /
Religião e história em Kant, Francisco Javier Herrero E OFI C Ã
Justiça de quem? Qual racionalidade? Alasdair Maclntyre | | ILO S
Grau zero do conhecimento (O), Ivan Domingues 7
Maquiavel republicano, Newton Bignotto
Moral e história em John Locke, Edgard J. Jorge Filho
Estudos de filosofia da cultura, Regis de Morais k
Antropologia filosofica II, Henrique C. de Lima Vaz
Evidência e verdade no sistema cartesiano, Raul L. Filho
Arte e verdade, Maria José R. Campos
Ética e sociabilidade, Manfredo A. de Oliveira
Descartes e sua concepção de homem, Jordino Marques
Gênese da ontologia fundamental de Martin Heidegger,
João A. MacDowell
Ética e racionalidade moderna, Manfredo A. de Oliveira
Mímesis e racionalidade, Rodrigo A. de P, Duarte
Trabalho e riqueza na Fenomenologia do Espírito de Hegel,
José Henrique Santos
Bergson, intuição e discurso filosófico, Franklin L. Silva

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Edições Loyola
FILOSOFIA
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Diretor: Marcelo Perine, S.).
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37710 — Belo Horizonte, MG
ADVERTÊNCIA PRELIMINAR
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Vaz, Henrique Cláudio de Lima,


Antrspoiog iadeligeórica LE / Henrique Cláudio
1921-
As mesmas observações que foram feitas no limiar do primei-
"Yo volume (Antropologia Filosófica, I, coleção Filosofia, 15, São
de Lima Vaz. —— São Paulo : Loyola, 1992. -— (Co-
poção falosogiau; 29) Paulo, Loyola, 1991, p. 7), no que diz respeito à origem, natureza
Obra em 2 v. e particularidades de redação do texto, aplicam-se igualmente a
BADILOOnA AS. | este segundo volume.
ISBN 85-15-00672-3 (obra completa)

1. Antropologia
A diferença mais notável entre os dois reside no amplo desen-
filosófica I. Título. II. Série.
"volvimento aqui dado à exposição das categorias, exposição que,
no volume anterior, teve de ser condensada em razão da parte
histórica, que ocupou metade do volume.
Renovamos muito sinceramente os agradecimentos aos que,
de alguma maneira, nos ajudaram na redação desta Antropologia
92-2187 CDD-128
IRdiBsalpara cstálggo eisiemalico: Filosófica. Seja-nos permitido acrescentar três nomes aos anterior-
NR e o : mente mencionados: o de Marcos Marcionilo, antes inadvertida-
mente omitido, a quem se devem a cuidadosa revisão, a correção
final e a Andréia Ap. Custódio, pela diagramação e elegante apre-
tidições Loyola e o de Edson Carvalho Guedes que
sentação dos dois volumes;
Rua 1822 nº 347 — Ipiranga — 04216-000 São Paulo — SP
Caixa Postal 42.335 — 04299-970 São Paulo — SP
colaborou eficazmente na primeira correção do texto digitado.
Fone: (011) 914-1922 — Fax.: (011) 63-4275 Mas não podemos deixar de renovar mais uma vez a expres-
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida são da nossa profunda gratidão para com nosso colega e compa-
: i icação i á
incansável,
ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, ou nheiro Prof. P. Marcelo Perine que, com dedicação
mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema | estimulou nosso trabalho, corrigiu o texto e as provas, organizou
ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. os índices e cuidou com solicitude, em perfeita sintonia com o
ISBN (volume): 85-15-006792-3 dinâmico e benemérito diretor das Edições Loyola, P. Gabriel C.
ISBN (obra): 85-15-003920-1 Galache, da publicação da obra.

2º edição: 1995 Belo Horizonte, agosto de 1992,


O EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 19992 HENRIQUE C. DE LIMA VAZ, S. ].
UNIRIO
Aquisição: COMPRA
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Fomecedor: INTECCIENCIA

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Preço: R$ 26,60

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vota Fiscal: 00.00 4. 329
4º Tombo:42A 22]41/14
biblioteca: Cofs

FAPERJ
Edital no /Q jog, 09

eo SISTEMÁTICA
Segunda seção
RELAÇÕES FUNDAMENTAIS
DO SER HUMANO
I
CATEGORIA DA
OBJETIVIDADE

1. Introdução

No capítulo preliminar com o qual demos início à parte sis-


temática do nosso Curso (vol. 1, pp. 157-172], vimos que a expe-
riência presente nos fundamentos da Antropologia Filosófica é a
experiência do homem-sujeito enquanto sujeito. A Antropologia
Filosófica tem em mira, portanto, a organização conceptual e
discursiva dessa experiência fundamental.
Mas, exatamente por se tratar de uma experiência, ela não se
refere à subjetividade abstrata do Eu penso que resulta da epoché
ou da “posição entre parênteses” do mundo da natureza e do
mundo da vida. Ao invés, o sujeito se experimenta aqui como
sujeito situado e é justamente a experiência da situação na sua
finitude constitutiva que leva o homem a interrogar-se sobre si
mesmo: a fazer-se objeto da pergunta sobre si mesmo e, nessa
auto-objetivização, manifestar-se como sujeito interrogante. Um
sujeito puro não tem necessidade de interrogar-se: ele é total
transparência a si mesmo. São, pois, as dimensões da auto-expe-
riência do homem como sujeito situado (e, por isso mesmo,
interrogante) que configuram por sua vez as dimensões do espaço
conceptual no qual se desenvolve o discurso da Antropologia
Filosófica.
Como toda experiência é imediatez recíproca de presenças, ou
seja, presença imediata do sujeito ao objeto e do objeto ao sujeito
(constituindo o primeiro estágio do que será a identidade intencio-

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nal final do cognitum in actu est cognoscens in actu), são as sentido amplo, podendo assim a clássica definição zôon lógon
modalidades da presença do homem às realidades fundamentais echon ou zôon logikón ser traduzida como o homem é lingua-
que circunscrevem a sua situação que irão, finalmente, definir as sem, ou é, essencialmente, movimento incessante de auto-expri-
dimensões da sua auto-experiência como sujeito, vem a ser, da mir-se conferindo, nessa auto-expressão, uma significação propria-
auto-experiência que constitui a matriz temática da Antropologia mente humana ao seu ser e à realidade na qual está situado. Essa
Filosófica. é, pois, a estrutura do Cogito ou do sujeito na Antropologia Filo-
sófica, a de ser essencialmente mediação entre a Natureza e a
Ora, não sendo o homem, repetimos, um sujeito puro — ou Forma, não tendo nenhum sentido aqui a ficção de um Cogito
não tendo a intuição imediata e absoluta de si mesmo — a pri- solitário e vazio, ou de um Cogito como primum logicum na
meira realidade que circunscreve a sua situação é a realidade do ordem das razões, segundo a instituição cartesiana do saber !. O
seu próprio ser situado — a realidade que se apresenta a ele ou dizer-se a si mesmo do homem ?, ou a sua subjetividade como
que ele experimenta como questão sobre si mesmo. A tarefa que essencial movimento de mediação, é a primeira dimensão da sua
nos ocupou na primeira seção da parte sistemática do nosso curso realidade situada a ser tematizada pela Antropologia Filosófica, o
foi justamente a elaboração conceptual dessa realidade num sis- que foi feito na 1º seção da parte sistemática do nosso curso.
tema de categorias, ou seja, num discurso dialeticamente articu- Como, nesse dicere seipsum, nesse dizer-se a si mesmo, o ho-
lado dos conceitos primeiros que dão razão da situação funda- mem diz igualmente o mundo e os outros e tenta mesmo dizer
mental do ser humano, vale dizer, que exprimem essa situação o Outro absoluto, ou seja, desdobra o seu dizer — ou a sua
como uma estrutura conceptualmente coerente. “Estruturas fun- expressividade — na dimensão objetiva das coisas e na dimensão
damentais do ser humano”, tal foi o título dessa primeira seção intersubjetiva dos outros sujeitos? Eis o campo que, a partir de
e nela foram estudadas as três categorias do “corpo próprio”, do agora, se abre à nossa reflexão.
“psiquismo” e do “espírito”, cuja unidade tem lugar na “vida
segundo o espírito”, que é a vida propriamente humana. Essas Para bem defini-lo e para apontar, desde logo, a direção do
três categorias abrangem, pois, na sua articulação dialética, a nosso caminho, devemos observar preliminarmente que a dialé-
totalidade estrutural do ser humano, isto é, cireunscrevem a sua tica das estruturas fundamentais do ser humano, tal como foi
realidade como sujeito ou como Eu que se interroga sobre si articulada, teve em vista as estruturas formais da expressividade
mesmo. Se, portanto, admitirmos que as dimensões fundamen- ou da constituição do homem como sujeito. Ela articulou entre
tais da realidade na qual o homem se situa como sujeito são o si o tríplice modo de presença do homem à realidade ou a tríplice
mundo, a sociedade e o próprio Eu, a construção sistemática da dimensão da sua experiência fundamental como sujeito — corpo-
Antropologia Filosófica começa pelo Eu, não no seu impossível ral, psíquica e espiritual — do ponto de vista da forma da expres-
isolamento mas, exatamente, enquanto ele exprime a sua situa- são que o homem dá à realidade através daquelas modalidades da
ção na tríplice forma da presença corporal, da presença psíquica sua experiência. Trata-se agora de determinar o conteúdo dessa
e da presença espiritual. O homem, em suma, é inicialmente um forma e é evidente que, em razão da finitude do homem como ser
dizer-se a si mesmo e, como sujeito, ele é essencialmente media- situado — ou como ser no Ser — esse conteúdo advém ao ho-
ção entre o que é dizível — compreendendo o que designamos mem ab extra, não sendo ele o criador ou a fonte do Ser no qual
como pólo Natureza (N)] — e a expressão humana do que é dito é. Assim, constituído estruturalmente por formas de expressão, o
— compreendendo o que designamos como pólo Forma (F) e que homem é, essencialmente, relação com a realidade, à qual confe-
abrange os três grandes domínios da expressão, conceptualizados re uma expressão humana — ou com o Ser que nele se manifesta
como categorias e articulados dialeticamente: o “corpo próprio”, justamente nessa expressão. A passagem da estrutura à relação é,
o “psiquismo” e o “espírito”. O esquema (N) —> (S) —> (E) tra- por conseguinte, a passagem da forma ao conteúdo da expressão
duz, desta sorte, a expressividade essencial e constitutiva do ser ou, em termos de linguagem, do significante ao significado. É
humano, que deve ser também designada como linguagem no verdade que a constituição da subjetividade — ou a dialética das

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estruturas fundamentais do ser-homem — move-se igualmente importante para entendermos o homem como expressividade.
no horizonte temático de uma relação do homem consigo mes- Dialética singular e única que, em última instância, articula-se
mo e traduz, portanto, o conteúdo da sua ipseidade na forma da no homem em razão da suprassunção (Aufhebung) do corpo pró-
sua auto-expressão. Essa relação é expressa na reflexividade do prio no psiquismo e do psiquismo no espírito. Há aqui um mo-
“dizer-se a si mesmo”, do dicere seipsum, e ela é constitutiva do vimento de negação do exterior pelo interior que tem início na
sujeito como mediação de si a si mesmo, ou do sujeito como constituição do corpo próprio e se consuma na pura imanência do
reflexão. Mas, trata-se de uma relação impropriamente tal, cujos espírito; mas esse primeiro movimento é, por sua vez, relançado
termos permanecem circunscritos à identidade ontológica do por um movimento de negação da negação que restitui a reali-
sujeito, ao seu ser-em-si (in se)3. É uma relação do mesmo (ipse] dade no seu em-si ou na sua exterioridade verdadeira, que é a sua
ao mesmo e que, por conseguinte, se desdobra no domínio da realidade significada. Essa dialética exterior-interior foi, convém
forma ou da estrutura eidética constitutiva do homem. Essa es- recordá-lo, exposta ao termo do nosso capítulo sobre o espírito *.
trutura é, enquanto tal, perfeição (enérgeia) mas é, por outro lado, Aqui, ao iniciarmos o estudo das categorias de relação, aparece
essencial abertura à realidade na qual o homem se situa, ou seja, toda a sua importância, pois é em virtude dela que podemos falar
é estruturalmente esse ad aliud. É exatamente enquanto o ho- de uma abertura intencional do homem, na sua unidade estrutu-
mem se constitui como relação consigo mesmo (ipseidade ou ral de corpo-alma-espírito, à realidade na qual está situado. Aber-
identidade reflexiva) que ele é igualmente abertura à realidade tura que se desdobra em níveis relacionais distintos, segundo a
exterior na forma de uma relação ativa. Em outras palavras, o forma própria da realidade com a qual o sujeito se relaciona, mas
relacionar-se com o outro (relação de alteridade) é, para ele, igual- que é determinada fundamentalmente pela presença espiritual,
mente, ato, perfeição, enérgeia *. regida pela dialética do em-si e do para-nós descrita a propósito
da pré-compreensão do espírito ”.
Desde esse ponto de vista, podemos afirmar que a unidade
estrutural do homem, ao mesmo tempo que assegura a sua iden- Expliquemos mais pormenorizadamente esse ponto de extre-
tidade ontológica e lhe dá a forma da ipseidade (reflexão), define- ma importância para a articulação coerente do discurso da Antro-
-0 como ser-em-situação ou como ser-de-presença a uma realida- pologia Filosófica nesse novo passo que agora nos dispomos a dar,
de com a qual se encontra ao passarmos das categorias de estrutura para as categorias de
dialeticamente relacionado — dialética
que é, fundamentalmente, relação.
uma dialética do interior-exterior. Com
efeito, sendo inicialmente uma relação de exterioridade (a reali- Convém observar inicialmente que, ao caracterizarmos o
dade na qual o homem se situa lhe é, evidentemente, exterior)S, homem como ser situado, é à totalidade do seu ser que nos
a relação de presença, como relação essencialmente ativa ou como referimos. O mundo exterior do corpo próprio, o mundo interior
expressão do sujeito segundo a realidade na qual ele é — ou como do psiquismo, e a identidade dialética do exterior e do interior
passagem dialética da Natureza (dado ou realidade) à Forma (sig- no espírito constituem uma totalidade estrutural e é essa totali-
nificação ou expressão) pela mediação do Sujeito — pode ser dade que define o homem como ser situado ou que circunscreve
entendida como progressiva interiorização da realidade exterior O espaço intencional da sua presença ao ser *. No entanto, essa
ao homem no universo da significação ou da expressão, que é o presença do homem como totalidade apresenta características que
universo propriamente humano. Mas aqui é necessário observar decorrem da unidade ontológica que subjaz à presença. Em pri-
que a interiorização da realidade ou do “dado” (Natureza) na meiro lugar, em virtude da dialética que articula entre si as ca-
expressão ou na Forma é, em virtude de uma inversão dialética tegorias de estrutura, e que se exprime nos silogismos da unidade
absolutamente fundamental, sua verdadeira exteriorização para o estrutural do homem ?, a presença humana à realidade é, em úl-
homem, sua exteriorização em verdade, ou seja, a constituição da tima instância, uma presença espiritual, sendo assim o espírito o
realidade especificamente humana, na qual e pela qual o homem determinante último da situação do homem no Ser!º. A vida
se exprime. Essa dialética interior-exterior é, pois, decisivamente vivida pelo homem na finitude da sua situação é sempre uma vida

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segundo o espírito !!. Em segundo lugar, porém, convém notar que realidade que lhe é exterior. Como é sabido, “objetividade” é um
existe uma homologia ou correspondência entre a diferenciação termo filosófico empregado em vários sentidos. Entre esses, pode-
categorial da estrutura antropológica e a diferenciação ôntica da mos enumerar pelo menos seis. São eles: a) sentido lógico, designan-
realidade com a qual o homem se relaciona. Essa última diferen- do a razão formal segundo a qual um objeto é considerado em
ciação se apresenta na forma das três grandes regiões do ser que determinada ciência (objectum formale quo); b) sentido gnosiológico,
configuram a situação fundamental do homem: o mundo, os outros designando a oposição do sujeito e do objeto na ordem do conheci-
e o Transcendente. Elas determinam três esferas de relação do mento ou a correlação das esferas da subjetividade e da objetividade;
homem com a realidade: as esferas da relação de objetividade, da v] sentido epistemológico, designando o alcance objetivo dos concei-
relação de intersubjetividade e da relação de transcendência. Ora, tos € teorias nas ciências !6; d) sentido dialético é o sentido dado por
em cada uma dessas esferas observa-se a primazia de uma das Hegel ao termo “objetividade” (die Objektivitit) para designar o
estruturas que integram a totalidade do ser-homem: na relação de momento dialético da Lógica subjetiva ou Lógica do conceito!?
objetividade a primazia é dada ao corpo próprio, na relação de constituído pelo Mecanismo, o Quimismo e a Teleologia, que opera
intersubjetividade a primazia é dada ao psiquismo, e na relação à passagem da subjetividade à Idéia; e) sentido moral: a objetividade
de transcendência a primazia é dada ao espírito. Mundo, História, moral é atribuída às realidades que são normativas com relação à
Absoluto são os três termos das relações constitutivas da abertura ação moral, como o bem, o fim, a norma da reta razão, a lei moral;
do homem à realidade, vem a ser, da sua situação fundamental. |) sentido antropológico, segundo o qual o termo é usado no nosso
A primazia à qual nos referimos significa que o corpo próprio é curso, e designa a abertura do homem à realidade com a qual ele
a condição primeira de possibilidade da nossa presença à realidade estabelece uma relação não-recíproca que se representa,
na forma de uma abertura constitutiva ao mundo 2, o psiquismo gnosiologicamente, pelo esquema S —> O. No sentido antropológi-
é a condição primeira de possibilidade da nossa presença à reali- vo a objetividade é a propriedade que diferencia especificamente (ou
dade na forma de uma abertura constitutiva ao outro (ou à His- categorialmente) a relação do homem com as coisas (tá prágmata)!8
tória)!º, o espírito é a condição primeira de possibilidade da nossa ou com a totalidade das coisas que constituem o mundo. Por con-
presença à realidade na forma de uma abertura constitutiva ao seguinte, é à relação do homem com as coisas que convém o atri-
Absoluto !t, O homem é, pois, ser-em-relação segundo a totalida- buto da objetividade *, não se tratando aqui do problema crítico-
de estrutural que o constitui como corpo, psiquismo e espírito. pnosiológico da objetividade do real, mas do problema antropológi-
Mas, ao diferenciar-se esse ser-em-relação conforme a diferencia- vo das formas de relação do homem com o ser, ou das estruturas
ção ôntica da realidade à qual ele se refere, essa diferença na relacionais que definem a situação do homem na universalidade do
identidade é determinada pela homologia entre as estruturas ser, Assim, ao considerarmos o mundo (conceito antropológico) como
antropológicas e a diferenciação ôntica do real: diferença na iden- termo da relação de objetividade, afirmamos que uma das formas de
tidade da relação fundamental homem = Ser. É essa diferença que presença do homem ao ser é a sua presença mundana, ou seja, a sua
permite a articulação dialética das três formas de relação que presença aos objetos e eventos cuja interconexão constitui o mun-
constituem o homem em face da realidade: objetividade, do, Utilizando o esquema nosso conhecido (N) —> (S) —> (F), ve-
intersubjetividade, transcendência 55. mos que a objetividade do mundo é o conteúdo do pólo Forma nesse
primeiro nível da expressividade relacional do homem que designa-
mos justamente como relação de objetividade. É importante obser-
var, no entanto, que o sujeito aqui já aparece como mediador do
2. Pré-compreensão da relação de objetividade: o corpo próprio, do psiquismo e do espírito na unidade estrutural do
homem e o mundo homem, e é como tal que ele mediatiza a passagem da exterioridade
dada para a exterioridade significada *. Enquanto ser uno na sua
Convém inicialmente explicar o termo objetividade aqui uti- estrutura diferenciada, o homem existe objetivamente no seu
lizado para designar o primeiro tipo de relação do homem com a mundo, ou é ser-no-mundo.

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A pré-compreensão da relação de objetividade tem lugar, por- leis universais ?, seja no seu aspecto material, enquanto totalida-
tanto, na experiência da constituição do mundo pelo homem, de dos mesmos fenômenos *?. O mundo é o lugar das antinomias
ou
no exercício da presença do homem ao seu mundo 2! ou, ainda, no da razão pura, que tornam impossível a atribuição a ele do
exercício do seu ser-no-mundo. Será, pois, a uma fenomenologia predicado da “coisa-em-si”. É esse um dos aspectos fundamentais
do mundo que deveremos pedir a elucidação das características la “revolução copernicana” de Kant ou da inflexão antropocêntri-
fundamentais dessa presença e definir o nível de pré-compreensão va da filosofia moderna *!, em cujo contexto surgirá a noção de mun-
da relação de objetividade. do como categoria antropológica. No entanto, o conceito de mundo
A noção de mundo, fenomenologicamente considerada, é de em Kant, sendo simples Idéia reguladora, permanece puramente
aparição recente na história da filosofia. Na filosofia antiga, a formal. Na época do Idealismo alemão, encontramos uma con-
noção de kósmos ou mundus era empregada num sentido expli- vepção histórico-cultural do mundo em A. de Humboldt 2 e uma
citamente ontológico, ou seja, para designar o Todo (tó pân) en- concepção dialética em Hegel, na qual entre o seu aparecer
quanto ordenado e adornado. Era, pois, uma noção filosófica com (erscheinende Welt) à consciência e o seu ser-em-si (an sich seiende
uma dimensão estético-religiosa, sendo que essa última prevalece Welt], o mundo pode ser considerado sob os aspectos
na concepção do mundo como grandeza teológica 2, O tema fenomenológico, estético, lógico, ético e religioso *. Por outro
do
kósmos ou do mundus percorre, assim, toda a filosofia antiga lado, o conceito hegeliano de natureza, essencialmente dialético
2
e é transmitido à teologia medieval, apresentando sempre as duas vomo mediação entre a Lógica e a Filosofia do Espírito, distin-
faces, cosmológica e teológica 4. Ao conceito de kósmos na tra- gue-se tanto do conceito de mundo como idéia reguladora da
dição antiga permanece próximo o conceito de physis (natura) no razão pura, como da natureza como legalidade dos fenômenos no
sentido de que o kósmos, ou como ordem eterna (filosofia grega) espaço e no tempo *. Sob certo aspecto, e dentro da visão
ou como criado por Deus (teologia cristã), exprime a ordem das historiocêntrica de Hegel, ele antecipa a concepção antropológica
coisas na sua inteligibilidade intrínseca, ou seja, na sua naturez de mundo, ao apresentar a Natureza como “contradição não-re-
a
(physis). A nova imagem do mundo que resulta da revolução solvida” e que será resolvida na esfera do Espírito, “verdade e
ci-
entífica moderna modifica profundamente a concepção antiga do fim último da Natureza” %,
kósmos. Mas o problema do mundo como realidade em-si perma-
A noção de mundo, no sentido em que o termo passou a ser
nece um problema filosófico e teológico fundamental *,
usualmente empregado na filosofia contemporânea, tem sua ori-
A noção antropológica de mundo, conquanto aparentemente gem em duas fontes: o historicismo de W. Dilthey e a
ausente do pensamento clássico 2, pode ser considerada como fenomenologia de E. Husserl. O historicismo de Dilthey e dos
implicitamente presente, por exemplo, na constituição da antro- scus discípulos introduziu a idéia de “visão do mundo”
pologia aristotélica . Na verdade, porém, ela permaneceu como [Weltanschauung), que exprime a relação do homem com o mundo
um implícito não-pensado e só veio a tornar-se um tema filosó- exterior num contexto cultural dado ou numa época com carac-
fico explícito a partir de Kant 2, Um dos resultados da Crítica da terísticas culturais próprias *”. A “visão do mundo” pode ser con-
Razão Pura foi o abandono do antigo conceito de kósmos ou siderada sob um tríplice aspecto: a) aspecto histórico-cultural,
mundus em razão do seu caráter metafísico. Deixando de ser em- enquanto é referida às características culturais de uma época e
-Si, o mundo, para Kant, torna-se uma idéia reguladora da razão encontra expressão modelar nas grandes obras de cultura dessa
pura *, ou seja, passa a integrar o domínio a priori da razão no epoca; esse é o aspecto da “visão do mundo” estudado com pre-
seu uso transcategorial. Kant distingue, desta sorte, natureza e dileção por Dilthey; b) o aspecto da “forma de pensamento”
mundo, separando assim os dois conceitos que, na concepção [Denkform) que imprime seus traços originais às diversas “visões
clássica, estavam implicados um no outro. A natureza é o domí- do mundo” e diz respeito, por conseguinte, a sua estrutura
nio dos fenômenos, seja no seu aspecto formal enquanto legalida- cognoscitiva *; c) o aspecto psicológico, ou a incidência da “visão
de dos fenômenos no espaço e no tempo ou sua conexão segundo do mundo” na formação psicológica dos indivíduos *.
16 17
Mas foi a corrente fenomenológica que contribuiu decisiva- lado, Heidegger distingue esse conceito ontológico-existencial da
mente para que o tema do mundo se tornasse um tema fundamen- mundaneidade como estrutura do Dasein, do conceito categorial
tal na filosofia contemporânea. E. Husserl, o fundador da que se aplica aos objetos intramundanos (innerweltliche) enquan-
Fenomenologia, introduz tematicamente a noção de mundo ao to tais, e que corresponde ao conceito de Natureza (Natur), com-
tratar da consciência natural e da experiência no caminho aberto preendendo a totalidade categorial (kategoriale Inbegriff) dos ob-
pela redução fenomenológica para chegar à consciência pura *º, Na jetos das ciências naturais º. Heidegger é, assim, uma das fontes
sua última grande obra, deixada incompleta e publicada somente da distinção, que se tornou usual na filosofia contemporânea **,
após a sua morte *!, Husserl introduz o conceito de “mundo da entre “mundo” e “natureza”, (em sentido diferente da distinção
vida” (Lebenswelt), que se tornou um dos tópicos clássicos da kantiana que acima mencionamos) e que é pressuposta à distin-
exegese do seu pensamento. De resto, o problema do mundo es- vão que fazemos entre pré-compreensão e compreensão explicativa
tava implícito em dois dos temas fundamentais desenvolvidos por da relação de objetividade. A análise que acompanha a definição
Husserl nas suas Investigações Lógicas *: o tema dos modos de de mundo no sentido heideggeriano é extremamente cuidadosa *.
intencionalidade e o tema dos tipos de objetividade que lhes são O fio que a conduz é a noção de “mundo ambiente”, povoado de
correlativos. Esses temas estão na origem da idéia das “ontologias “coisas” (prágmata)* com as quais o homem entra em relação de
regionais” de Nikolai Hartmann *. Hartmann, no entanto, não uso. Trata-se, pois, de coisas-utensílios que, como tais, desvelam
leva suficientemente em conta a noção de intencionalidade, o que imediatamente a sua característica de “estarem ao alcance das
lhe não permite elaborar uma adequada noção de mundo *. Foi, mãos” (Vorhandenheit). Elas descobrem assim à análise
fenomenológica a sua estrutura essencial de “referência”
portanto, no círculo dos discípulos diretos de Husserl que se deu
[Verweisung), o seu ser “para-que” e o “poder servir”
o aprofundamento fenomenológico da noção de mundo, tornando-
[Dienlichkeit). Essa é a determinação ontológica do “utensílio”,
-se ela uma das noções-chave da filosofia contemporânea. As prin-
distinta da sua determinação Ôntica, e que se refere ao seu uso
cipais contribuições nesse campo foram dadas por Max Scheler,
atual e concreto. O fenômeno do mundo é, desta sorte, definido
M. Heidegger e E. Fink $. Max Scheler, no contexto do seu
por Heidegger como o “em quê” (Worin)*' no qual o Dasein pre-
personalismo, tematizou o problema do mundo ao refletir sobre a
viamente se compreende segundo o modo do “referir-se” (sich
correlação mundo-pessoa: assim como cada ato só adquire sentido
Verweisen]), sendo que este “em quê” é igualmente o “em vista de
na unidade da pessoa, assim cada objeto só é tal na unidade do
quê” (das Woraufhin) que torna possível o encontro prévio do
mundo ao qual a pessoa se abre “.
ente; de tal sorte que o fenômeno do mundo seja o “em quê” do
O passo decisivo na tematização fenomenológica da noção de “compreender que se refere” (des sich verweisenden Verstehens)
mundo foi dado por M. Heidegger *”, com suas célebres análises romo o “em vista de quê” poder encontrar o ente no modo de ser
na primeira parte de Ser e Tempo *, complementadas por algu- da conjuntura *, Por sua vez, a “mundaneidade” (die Weltlichkeit)
mas páginas importantes de Sobre a essência do Fundamento º. E definida como a estrutura do “referir-se” do Dasein. Fica claro,
Nas suas análises Heidegger tem em vista o que ele denomina a assim, que Heidegger substitui definitivamente a concepção do
“mundaneidade do mundo em geral”*º e que ele distingue de indo como kósmos, ou totalidade ordenada dos entes, pela
outras acepções de mundo que são: a) o mundo como totalidade Foncepção do mundo como o que torna possível, na correspon-
dos entes (acepção ôntica); o mundo como ser dos entes compre- dência entre o “em quê” (Worin) e o “em vista de quê” ou pers-
endidos na acepção ôntica [acepção ontológica); o mundo como pectiva (Woraufhin), a manifestação do “ente” (Sciendes). Trata-
realidade na qual o homem, como Dasein, vive [acepção pré- de, pois, de dar ao mundo uma interpretação antropológica como
-ontológico-existencial). Dessas acepções distingue-se aquela que Pxistencial ou como estrutura constitutiva do Dasein, mas essa
Heidegger designa como “noção ontológico-existencial da interpretação antropológica é, em Heidegger, voltada não para a
mundaneidade”, e que tem em vista o ser do mundo na medida plucidação do ser do homem, segundo a perspectiva da Antropo-
em que ele é uma estrutura existencial do Dasein 2. Por outro logia Filosófica então em voga por obra de M. Scheler, e rejeitada

18 19
explicitamente por Heidegger ”, e sim para a preparação de uma três níveis estruturais da automediação do sujeito: o corpo pró-
nova iniciativa do pensamento do Ser, como anunciam os primei- prio, O psiquismo e o espírito, pois, já o assinalamos anteriormen-
ros parágrafos de Ser e Tempo“. Não obstante, a contribuição te, o sujeito é termo da relação de objetividade enquanto consi-
heideggeriana à fenomenologia do mundo tornou-se, sem dúvida, derado na totalidade constituída da sua estrutura ou, mais exa-
uma das referências principais para o estudo desse tema na filo- tamente, enquanto se constitui como movimento dialético de
sofia contemporânea e é como tal que aqui a ela nos referimos *, suprassunção do corpo próprio e do psiquismo no espírito e de
limitação da amplitude transcendental do espírito na particulari-
À característica fundamental do mundo desde o ponto de vista
dade psicossomática &. Desta sorte, como horizonte da relação de
da pré-compreensão da relação de objetividade é dada pela metá-
ubjetividade, o mundo se apresenta como mundo dos objetos,
fora clássica de horizonte, que sofre uma notável mudança de homólogo ao nosso corpo na sua localização espácio-temporal,
significação ao passar da sua acepção tradicional para a sua uti-
como mundo das representações e desejos no espaço-tempo da
lização fenomenológica. Lá, horizonte era tomado, segundo a
interioridade psíquica, e como mundo das significações e dos fins
acepção literal do termo grego, como linha divisória que atraves-
no domínio do espírito. O mundo pois, tal como é entendido
sa o interior do homem, definindo-o como um ser de fronteira
[enomenologicamente na pré-compreensão da relação de objetivi-
entre o mundo material e o mundo espiritual 2. Aqui, o horizon-
ade, não é uma soma, de resto impossível, de “coisas” e “even-
te circunscreve o ser-no-mundo do homem e é, nesse sentido, em tos”, nem a moldura estática em que “coisas” e “eventos” se
primeiro lugar o horizonte da “temporalidade” (Zeitlichkeit), no
distribuem e se sucedem mas, justamente (sendo esta, portanto,
qual coisas e eventos se sucedem e que é, segundo Heidegger, o ma metáfora inevitável), o horizonte móvel em cujo fundo
horizonte transcendental que delimita as fronteiras da questão desenha-se o perfil das coisas e o tempo transcorre como trama
sobre o ser. Nessa acepção o horizonte adquire a sua significação dos acontecimentos. Na sequência dessa caracterização funda-
fenomenológica enquanto âmbito intencional do manifestar-se mental como horizonte, algumas determinações ulteriores da
do mundo &. No entanto, seria errôneo, ao se caracterizar o mun- noção fenomenológica de mundo podem ser enumeradas: a) o
do como horizonte primeiro e englobante da relação de objetivi- caráter concreto do mundo como englobante último das coisas e
dade, considerá-lo como um círculo traçado de antemão, em cujo dos acontecimentos, o que distingue a acepção fenomenológica
interior o sujeito se move, ou como limite estabelecido a partir seja da acepção lógica de uma unidade abstrata, seja da acepção
da perspectiva do sujeito, o que implicaria, na relação de objeti- ontológica do kósmos na concepção clássica, seja enfim da acep-
vidade, um insuperável relativismo. O mundo como horizonte vão crítica de mundo como idéia reguladora da razão, segundo
pode, pois, ser descrito como espaço intencional cujas lindes estão Kant; b) o caráter aberto da representação do mundo, designado
em perpétuo movimento “*, sendo essa a justificação da metáfora na transposição metafórica pela mobilidade da linha do horizon-
do horizonte como exprimindo a primeira determinação da forma te, acompanhando a posição do observador no espaço. Essa aber-
de expressão do sujeito ao relacionar-se com a realidade que lhe tura do mundo passou a exprimir-se com a distinção entre o
é exterior. Essa realidade, ele a organizará justamente como “entorno” (Umwelt) ao qual está circunscrita ecologicamente a
interconexão de coisas, eventos, representações, significações, vida animal, e a “patência” (Welt) que se desdobra diante do
constituindo desta sorte a trama do mundo. Trata-se de uma liymem ser-no-mundo Y”. Entre o entorno do seu horizonte próxi-
relação não-recíproca entre o sujeito e o mundo, e daqui lhe advém mo e a patência ou abertura do horizonte distante, pressentido
o caráter de objetividade. O sujeito se encontra, primeiramente, vomo possibilidade ou como apelo, o homem se exprime como
situado numa realidade que lhe é exterior. Ele mediatiza esse sei-no-mundo ou situa-se em face da realidade que se abre para
estar-no-mundo (o mundo, aqui, é simplesmente dado) conferin- ele como reino da objetividade no qual ele desde sempre está, que
do-lhe a forma do ser-no-mundo (o mundo, aqui, é a expressão é para ele o “envolvente” ou o “englobante” $, mas com o qual
primeira e englobante do existir objetivo do sujeito). Por sua vez pele se relaciona ativamente (esse ad), edificando o seu mundo *&;
essa forma se desdobra em modalidades que correspondem aos E) o caráter de “fundamento de sentido” (Sinnesfundament) da

20 21
noção de mundo como solo primeiro no qual se enraíza a vida do espaço !. É desde a perspectiva da habitação que o espaço se
homem enquanto propriamente humana ou do mundo como apresenta como “mundo aberto” (Welt), e nele se faz presente a
“mundo da vida “ (Lebenswelt) 7º. O “mundo da vida” é o terreno distinção do próximo e do distante bem como a oposição do
onde se exerce a pré-compreensão da relação de objetividade ou conhecido e do ignoto 2. Nesse espaço as coisas se dividem entre
o horizonte que engloba os horizontes possíveis de uma com- as coisas-utensílios ou, propriamente prágmata, o que pode ser
preensão explicativa ou científica do mundo ?!, d) o caráter his- manipulado, estando ao alcance da mão para o uso E cano tendo,
tórico-cultural da noção de mundo que se torna visível na elabo- portanto, segredo para o homem; e as coisas-enigma + que nele
ração das “visões do mundo” e na construção social do espaço e provocam admiração (thauma) ou espanto (thámbos).
do tempo 2, O caráter histórico-cultural já implica, por sua vez, cronomorfo as: ao qual
bj O segundo esquema é o esquema
a suprassunção da relação de objetividade na relação de
intersubjetividade denotando a natureza transubjetiva da expe-
corresponde, na linguagem comum, a categoria de acontecimen-
riência do mundo, o “ser-com” (Mitsein) implicado no ser-no-
to. Segundo esse esquema, o mundo recebe, na relação de objeti-
vidade, a forma de curso ou sucessão de acontecimentos, segundo
-mundo ? e atestado na linguagem 74; e) finalmente, em razão da
a ordem não-reversível do antes e do depois. A sucessão dos
estrutura paradoxal que o mostra a um tempo como o “englobante”
acontecimentos atravessa assim o mundo com a flecha do tempo,
e o “aberto”, o mundo se apresenta como caminho para uma
e permite ao homem estar presente ao fluir das coisas, dando-lhe
realidade transmundana, o que torna possível a suprassunção da
» sentido invariável do que “aconteceu”, do que “acontece” e do
relação de objetividade na relação de transcendência, como a seu
que “deverá ou poderá acontecer” *. Do mesmo modo como nas
tempo veremos ?º,
coisas podemos distinguir entre o próximo e o distante, assim
Na medida em que a relação de objetividade se constitui como podemos distinguir no tempo os eventos repetíveis, que são cíclicos
relação não-recíproca, tendo como termo o mundo que está sem- ou previsíveis e permitem ao homem fixar pontos de referência
pre em face do homem como ob-jectum (o que está desde sempre na sucessão dos acontecimentos e mesmo, familiarizando-se com
lançado diante...) o homem, termo ativo dessa relação, leva a v tempo, construir nele a sua morada (o tempo da vida), e os
cabo necessariamente a expressão do mundo na forma do discur- eventos insólitos, enigmáticos ou inesperados, com os quais O
so (logos). A primeira articulação desse discurso se dá na lingua- homem nunca se familariza totalmente, como o nascimento e a
gem comum que é portanto, enquanto linguagem sobre o mundo, morte, que rompem o fluxo habitual do tempo, assim Forno as
a primeira forma da relação de objetividade. A organização dessa coisas-enigma rompem a continuidade familiar do espaço *”.
linguagem obedece a certos “esquemas” 7 fundamentais, sobre
os quais se apóiam as múltiplas variantes de “visões do mundo”
pelo homem 7”.
3. Compreensão explicativa da relação de objetivi-
a) O primeiro esquema é o esquema topomorfo?*, ao qual cor- dade: o homem e a natureza
responde a categoria de coisa (prâgma) atestada na linguagem
comum. Segundo esse esquema, o mundo recebe, na relação de exprimiu a pre-
A pré-compreensão da relação de objetividade
objetividade, a expressão da paisagem, ou seja, da abertura pri-
sença do homem na realidade que lhe é exterior sob a forma de
meira do sujeito à consistência e permanência do que está aí um ser-no-mundo. O mundo é, pois, o termo primeiro da relação
como “aberto” (Welt). A paisagem é habitada pelas coisas que do homem com o Ser ou o horizonte imediato da sua abertura ao
assinalam os pontos estáveis de referência na sua construção Ser e, como tal, foi analisado fenomenologicamente. Apoiando-se
topomorfa*?, Elevando-se sobre o esquema topomorfo e sobre a na experiência do mundo e nela lançando suas raízes, O homem
presença das coisas, o mundo se constrói como habitação ou do- pra novas formas da sua presença à realidade exterior. Todas elas
micílio, lugar da presença humana (oikos, oikuméne, domus) e da tendem, na sua intenção profunda, a dilatar essa presença dando-
sua permanência (manere, mansio, maison, mansão) na vastidão do he uma medida plenamente humana, medida essa que se avalia
22, 23
segundo as dimensões do espaço de intencionalidade no qual se abrangendo as dimensões da compreensão explicativa da relação
estrutura a auto-afirmação do homem como sujeito e que, como de objetividade que a tradição reuniu sob o nome de Natureza.
vimos, são as dimensões do corpo próprio, do psiquismo e do No entanto, são necessárias duas observações preliminares a
espírito. A partir, pois, da experiência fundamental do mundo respeito desse conceito. A primeira diz respeito ao caráter da
estende-se o campo intérmino da atividade simbolizante do ho- abjetividade do conceito de Natureza tal como aqui O considera-
mem, que justifica a sua caracterização como animal mos. Não se trata da objetividade científica (sentido gnosiológico-
symbolicum * e que se propõe explicar, no sentido literal, o epistemológico) como atributo primeiro da Natureza em-si, en-
mundo, ou seja, desdobrá-lo como mundo das significações e, quanto domínio de entidades e processos, formalizados pela Ci
assim, compreendê-lo. Dentre essas formas de expressão, que são ência em leis e teorias, e que regulam igualmente o fazer técnico;
outros tantos “discursos” (lógoi) sobre o mundo *&, algumas vie- nem se trata da objetividade fenomenal (sentido crítico-kantiano)
ram a constituir o objeto de disciplinas próprias do saber filosó- enquanto oposta à objetividade em-si do mundo. Trata-se da re-
fico, como a própria linguagem na Filosofia da Linguagem, a arte lação de objetividade (sentido antropológico) segundo a qual o
na Filosofia da Arte, o mito na Filosofia da Religião. Delas não homem se comporta em face do mundo, transformando-o pela
trataremos aqui. A compreensão explicativa da relação de objeti- Técnica e explicando-o pela Ciência. A segunda observação diz
vidade terá em vista, para nós, o mundo como Natureza, vem a respeito à polissemia do termo “natureza” que o acompanha pro-
ser, o mundo tal como se oferece ao homem como campo do seu vavelmente desde as suas origens e acabou por nele se fixar na
fazer (poíesis) e do seu contemplar (theoría). Se tomarmos o ter- linguagem comum dos idiomas modernos ocidentais. Entre as
mo poíesis no seu sentido amplo, correlativo a logos, todas as diversas significações do termo “natureza” E duas interessam à
formas de expressão da relação de objetividade são, na verdade, perspectiva antropológica na qual aqui nos situamos: a) a primei-
uma forma da poíesis ou do fazer simbólico do homem º. O ia provém de longínquas raízes histórico-culturais sé aquela na
discurso humano (o seu logos) é originariamente poiético e a qual a Natureza é pensada ou representada como o “fundo origi-
emergência, nessa estrutura poiética, do momento da theoría é nário” (Urgrund) ou matriz primigênia dos seres que povoam o
um dos problemas fundamentais da Antropologia Filosófica º!, mundo e dos fenômenos que nele têm lugar. Nesse sentido ela é
entendida como “natureza originante” (natura naturans) * ou
Desde o ponto de vista da utilização e transformação do mundo como “mãe natureza” (mater natura), e sua representação ali-
pela poíesis* fabricadora ou pela Técnica e sua explicação e mentou as especulações cosmogônicas e cosmológicas ao longo
compreensão pela poíesis epistêmica ou pela Ciência, o símbolo do tempo. Nessa sua acepção abrangente, o conceito de Natureza
fundamental com que o mundo se apresenta ao homem é o con- aproxima-se da noção fenomenológica de “mundo”, mas um matiz
ceito de Natureza, e é em torno desse conceito que se desdobra importante os diferencia: a Natureza é aqui pensada ou represen-
a compreensão explicativa da relação de objetividade. Como foi tada no seu oferecer-se ou estar aberta à poíesis fabricadora ou
anteriormente observado, a distinção entre “mundo” e “nature- epistêmica do homem, como atestam-no desde as práticas mági-
za” é uma distinção relativamente recente na conceptualidade e vas até as operações e elucubrações dos alquimistas na Renascen-
na terminologia filosóficas. Tendo recebido um estatuto crítico va, personificadas no mito de Fausto *º. Considerada nessa pers-
em Kant, ela fixou-se na sua significação atual a partir das aná- pectiva, a Natureza aparece inicialmente como uma oposição caos-
lises de E. Husserl e M. Heidegger, passando então “mundo” a ser “gênese, desordem-ordem ”, e nela se manifesta uma direção fun-
empregado como noção fenomenológica e “natureza” como no- damental que aponta para a diferenciação a partir da indiferença,
ção científica, no sentido das ciências empírico-formais 2, Como e para a organização a partir da desorganização; b) é seguindo essa
a Ciência e a Técnica formam hoje um único complexo epistemo- direção que se encontra o segundo conceito de Natureza e que é
lógico e operativo, a distinção que aqui fazemos entre o discurso propriamente aquele com o qual aqui nos ocupamos. Segundo
da Técnica ou da pofesis fabricadora, e o discurso da Ciência ou esse conceito, a Natureza é pensada e representada como a rea-
da poíesis epistêmica tem sobretudo uma finalidade didática, lidade exterior na medida em que é submetida às normas de uma
24 25
racionalidade específica, exprimindo-se em teorias, leis, modelos
, finalmente, articula-se organicamente com a outra forma funda-
conceitos, e que estende sua judicatura tanto à explicação (Ciên-
mental que é a Ciência. Dada a multiplicação dos objetos técni-
cia) como à utilização (Técnica) dessa realidade. Assim entendida,
cos 12 e a constituição do mundo técnico na forma de um sistema
a Natureza goza de uma objetividade paradigmática que é atribu-
gue se estende dominador a todos os aspectos da vida humana, º
to da ciência e se estende ao objeto técnico. Em virtude dessa
problema filosófico da Técnica tornou-se um dos tópicos mais
exemplaridade do seu objeto como objetivo, o conceito de Natu-
importantes da reflexão contemporânea !&, A atitude diante da
reza se mostra termo específico da relação de objetividade no Técnica oscila entre a tecnoclastia que preconiza a desativação do
nível da compreensão explicativa. Nesse sentido a Natureza se
mundo técnico e o retorno a alguma forma de relação pré-técnica
constitui como domínio de uma forma de presença humana no da
vom a natureza, e a tecnocracia que espera dos progressos
mundo que acabou por tornar-se a forma dominante na civiliza
- Tecnica a solução dos problemas humanos fundamentais, tanto os
ção ocidental 8.
de ordem material como os de ordem social, política e mesmo
Entendido nessa acepção, o conceito de Natureza apresenta etica 1%, Entre essas duas tendências, nas quais prevalece uma
uma filiação histórica que o acompanha desde as suas origens voncepção puramente utilitária da técnica, ou seja, sua referência
gregas até nossos dias ?. Ao acompanharmos essa história vemos ao homem no âmbito de uma relação puramente instrumental
que, nesse nível da relação de objetividade no qual o homem entre o homem e a natureza, o problema da Técnica desenha-se,
tenta compreender racionalmente o mundo, representando-o como mais profundamente, no horizonte da relação do homem com o
Natureza, estão indissoluvelmente implicados os dois aspectos Ser (relação constitutiva da vida humana como vida segundo o
do fazer e do conhecer, a Técnica e a Ciência. Por meio delas o uspírito) que assume a forma específica da relação de objetivida-
homem satisfaz a duas das necessidades fundamentais que se de, formulada conceptualmente como relação não-recíproca do
manifestam na sua relação com a realidade exterior: a necessida- homem com a realidade exterior, entendida seja como mundo seja
de de satisfazer às suas carências, que se estendem do biológic vomo natureza. Esse repensamento do problema da Técnica no
o
ao espiritual !0º e a necessidade de satisfazer a sua inata e horizonte ontológico foi inaugurado, como é sabido, DO cad,
incoercível necessidade de conhecer 12, A satisfação dessas neces- [Heidegger na sua célebre conferência “A questão da Técnica à
sidades pressupõe necessariamente na realidade exterior certos Heidegger critica justamente as concepções por ele denominadas
predicados fundamentais, tais como a distinção ordenada das coisas “instrumentalistas” e “antropologistas” da Técnica mostrando,
com suas propriedades específicas, a regularidade das interações de um lado, a novidade qualitativa da Técnica moderna na sua
que entre elas têm lugar, a invariância e à repetibilidade dessas intrínseca conjunção com a Ciência e, de outro, a relação da
interações que podem ser traduzidas em leis do movimento, en- Teenica com o modo de desvelamento ou de verdade la-létheia)
fim a interdependência dos fenômenos na unidade de um mesmo do Ser no qual ele vê o destino ou a história do seu esquecimento,
Universo. Esses são, justamente, os predicados reunidos sob o provocado pela irrupção dominadora do “ente” (Seiendes) no es-
conceito de Natureza, de tal sorte que, ao relacionar-se com a paço da manifestação da verdade !º%. Não é o lugar para se discutir
realidade exterior como Natureza, o homem se instala num do- Baui a relação que Heidegger estabelece entre a Técnica ea me-
mínio de objetividade que lhe permite conferir uma forma estri- falísica ocidental, mas seu mérito indiscutível reside justamente
tamente poiética à sua morada no mundo. Nesse sentido a obje- Ho esforço em pensar a Técnica numa perspectiva ontológica —
tividade da natureza é correlativa à forma de presença do homem ão como instrumento neutro para a satisfação das necessidades,
no mundo que se exprime nessa forma de atividade humana que His como evento fundamental da relação histórica do homem
se revelou dotada do mais poderoso dinamismo: a atividade ci- Pom o Ser ou do desenrolar-se da história do Ser no homem. No
entífico-técnica. Pntanto, Heidegger pensa esse evento na sequência da história da
Miptalísica como esquecimento do Ser 17, o que termina por im-
A Técnica é uma das formas fundamentais da compreensão
plivar uma leitura do evento técnico segundo a chave hermenêutica
explicativa da relação de objetividade e ela antecede, prepara e,
dy niilismo, no qual termina a história da Metafísica. Ora, como
26
27
compreensão explicativa da relação de objetividade, a iniciativa leorpo, alma, espírito), mediatiza ontologicamente a experiência
técnica deve ser referida à unidade estrutural do homem na me- do mundo e a explicação do mundo como natureza. “Mundo” e
dida em que ele faz face à exterioridade do mundo. Como evento “natureza” são, como já sabemos, formas de expressão próprias
humano ela é, pois, em última instância, um evento espiritual 108; la pré-compreensão e da compreensão explicativa do relacionar-
não sendo senão um capítulo (talvez o capítulo final) da longa “se do homem com a realidade exterior. No âmbito dessa relação,
dialética histórica homem-matéria 19, ou um dos aspectos do pu seja, no âmbito da objetividade, o homem se mostra como ser
movimento de suprassunção do corpo e do psiquismo no espírito finito e situado "'S. A categoria da objetividade deve exprimir,
na sua face voltada para a realidade exterior, com a qual estabe- portanto, a suprassunção da pré-compreensão e da compreensão
lece uma relação propriamente humana e que, na sua face voltada pxplicativa no movimento da mediação transcendental que é o
para a realidade interior do homem, estudamos como movimento abjeto próprio da Antropologia Filosófica, na medida em que esta
constitutivo da estrutura fundamental do ser humano. tem por objeto a auto-afirmação do sujeito como ser. Trata-se,
O segundo passo, portanto, na constituição da categoria da pois, de fazer avançar o discurso antropológico na sua destinação
objetividade tem em vista a compreensão explicativa da relação ensencial, que é a de construir a auto-expressão do homem como
homem-realidade exterior que se exprime no conceito de Nature- stjeito.
za e na sua conceptualização ao longo da história !º e que, nos Sabemos que, do ponto de vista metodológico, o primeiro
nossos dias, se cumpre efetivamente no enorme desenvolvimento momento da construção conceptual da categoria é um momento
da tecnociência. Do mesmo modo como a Técnica, também a uporético. Esse primeiro passo da compreensão transcendental
Ciência, entendida aqui no sentido das ciências empírico-for- tem em vista explicitar o objeto próprio da formalização categorial
mais !U, é o outro aspecto da relação de objetividade na sua com- no aspecto problemático com que ele se apresenta tanto do ponto
preensão explicativa. É, pois, a Natureza científica que se cons- de vista histórico como do ponto de vista crítico. Trata-se, em
tituí para o homem moderno em domínio por excelência da rea- suma, de traçar as linhas do problema que a reflexão filosófica
lidade objetiva !!2, e é no horizonte traçado pelo saber científico tem diante de si, tais como resultam seja da rememoração que
que acabam por assumir feição aparentemente definitiva as for- recupera o longo caminho de reflexão que a tradição filosófica
mas eficazes de relação com a realidade exterior que o homem inscreveu nos seus termos, seja da redução crítica desses termos
vem tentando edificar ao longo do tempo. Por outro lado, o cará- Jo horizonte temático que se abre ao ato de filosofar na sua con-
ter absolutamente original, na sua estrutura teórica e na sua prá- dição presente.
tica, desse tipo de relação do homem com o mundo que é a
Ciência, criando uma esfera de objetividade que a humanidade |. Aporética histórica do problema da objetividade — Ao
pré-científica não conhecera, levanta problemas de natureza cul- acompanharmos, na sua vertente antropológica !"”, o desenvolvi-
tural !!ê, ética !!t e filosófica !!5 que devem estar presentes quando mento histórico do problema da relação do homem com a reali-
se trata de proceder à compreensão filosófica ou transcendental dade exterior, encontramo-nos com cinco grandes temas que não
da relação de objetividade. somente se alinham em sucessão cronológica, mas também se
entrelaçam conceptualmente, vindo a formar o complexo teórico
que a Antropologia Filosófica tem hoje diante de si. Eis esses
temas: a) o tema do kósmos no pensamento antigo — O problema
4. Compreensão filosófica da relação de da relação de objetividade exprimiu-se aqui no modelo da mútua
objetividade reflexão entre o homem e o kósmos, consagrado no tópos do
macrocosmos-microcosmos. Tal modelo tende a acentuar a
Ao procedermos à elaboração filosófica da categoria de obje- inflexão cosmocêntrica da relação de objetividade, tornando-se o
tividade, temos em vista expor o movimento dialético por meio Kosmos o espelho no qual o homem se mira 8 e vindo a revestir-
do qual o sujeito, sempre entendido na sua totalidade estrutural “se do predicado de “divino” (theion). O conceito de “natureza”

28 29
x
(physis) em Platão e Aristóteles compreende o homem na vuntemporânea deu, indiscutivelmente, um relevo particular à
imutabilidade de uma ordem de essências. Como parte do kósmos, limensão antropológica da relação que se estabelece entre o ho-
o homem é, por outro lado, o contemplador (theorós) privilegiado mem e a realidade que lhe é exterior e que, familiar para ele na
da sua ordem e beleza, dando assim sentido à sua presença no presença cotidiana, tantas vezes lhe aparece como algo estranho
Todo (tó pân), que o envolve com sua majestade. A antropologia uu hostil. A aporia que se desenha sobre o fundo dessa recupera-
tende a ser um capítulo da cosmologia; b) o tema do mundus no vão de uma dimensão humana do mundo diz respeito, como viu
pensamento cristão-medieval — É sabido que em torno da divin- || Ilusserl, à incidência sempre mais poderosa das estruturas da
dade do kósmos travou-se uma das grandes batalhas teológicas do tecnociência sobre o “mundo da vida”, submetido à presença
Cristianismo antigo !º. A “desdivinização” do kósmos é fruto da vada vez mais dominadora da racionalidade empírico-formal da
doutrina cristã da criação e ela prepara, provavelmente, a emer- viência e da técnica. Foi nessa perspectiva que Husserl meditou
gência da “natureza” moderna, conforme a tese conhecida de sobre a crise da humanidade européia (ocidental). A questão, no
Pierre Duhem e de outros !2º, Mas, por outro lado, ela é a fonte entanto, se descobre dentro de um horizonte mais amplo e foi na
próxima das antinomias nas quais Kant viu enredada a Razão sua direção que se encaminhou a reflexão de Heidegger: desde o
pura, dando origem, sobretudo, à oposição entre causalidade na- ponto de vista do ser-no-mundo do homem ou do que denomina-
tural e causalidade livre, desconhecida do cosmologismo antigo; mos a “relação de objetividade”, a recuperação do “mundo da
c) O tema da natureza científico-técnica na filosofia moderna — vida” é capaz, por si só, de restituir o sentido mais profundo ou
A profunda revolução nas relações do homem com o kósmos ou | sentido ontológico da presença do homem no mundo? e) o tema
o mundus que tem lugar no século que vai de Copérnico a Newton da aliança antropocósmica no pensamento atual — Talvez se
leva a cabo, primeiramente, a dissolução do antigo kósmos e da possa considerar como antecedente ideo-histórico desse tema a
sua versão teológico-cristã, o mundus medieval !2l, A tradição da Natureza matriz e norma de vida, bem como fundo
“matematização” da natureza !2 e a gênese de uma segunda primordial do ser, tradição que se estende das suas origens estóicas
natureza com a constituição do universo científico-técnico re- 44 recentes teorias, umas de caráter científico outras de inconfun-
põem, com acuidade muito maior, a apotia presente no divel feição mítica, que propugnam uma “nova aliança” do ho-
cosmocentrismo antigo "2. Com efeito, o homem vê-se aqui con- mem com a Natureza !*, Nelas se recupera uma certa posição
frontado com o gigantesco sistema da tecnociência que, ao invés pentral ou axial do homem no devir cósmico, seja como hipótese
de permanecer, como o antigo kósmos, sempre igual a si mesmo Fientífica, como no chamado “princípio antrópico”, seja em pers-
na majestade de uma ordem eterna, envolve o homem, seu cria- = peotiva finalista e teísta como em T eilhard de Chardin, seja ainda
dor, agora feito sua criatura, num prodigioso ritmo de mudança Fomo expressão de respeito e admiração religiosa diante do uni-
e crescimento. Mas, os fins desse processo permanecem indefini- “PISO, como em A. Einstein !5. A importância desse tema tende,
dos em virtude do caráter essencialmente operacional da forma
provavelmente, a crescer, fortalecido que é pela sensibilidade
de racionalidade que rege a atividade científico-técnica; d) o tema
Wrológica e pelas visões do mundo que ela inspira. Em nível filosó-
do mundo na filosofia contemporânea — Vimos anteriormente
ivo assistimos aqui, sem dúvida, a um ressurgir, em novo contexto
que esse tema deve sua origem à descoberta husserliana da
feúrico e cultural, da aporia que assinalou o cosmologismo antigo e
intencionalidade e à aplicação do método fenomenológico à
gue à Antropologia Filosófica contemporânea vê delinear-se com
elucidação das estruturas do ser-no-mundo do homem, bem como
mutra figura na esteira da nova sensibilidade cósmica: pode a relação
à recuperação da “esfera primordial” (Husserl) na qual se enraíza
Homem-Natureza ser considerada o espaço conceptual primeiro e
para nós, na forma do “mundo da vida”, nossa presença às coisas
fundante dentro de cujo âmbito deve ser pensada a auto-afirmação
e aos outros. Essa presença assume, por sua vez, as características
do homem ou sua auto-realização como ser aberto ao Ser?
de um mundo “concreto” que integra elementos da tradição cul-
tural, das experiências individuais, das inter-relações sociais de | 9, Aporética crítica da relação de objetividade — A aporética
todo o tipo. A emergência da noção de “mundo” na filosofia Pritica da relação de objetividade tende a formular-se hoje nos

30 31
termos com que acima descrevemos o advento de uma nova sen- pação ao seu existir no horizonte do mundo. Essa mediação tem
sibilidade cósmica, embora em contexto histórico-cultural pro- ligar inicialmente no plano da pré-compreensão e aqui ela pode
fundamente diverso daquele que viu florescer no mundo antigo a “or denominada uma mediação empírica no sentido de que a sua
religião do Deus cósmico !%6 se inclina a fazer do Universo o furma de expressão compreende a experiência do mundo como
fundo primordial, o Urgrund do qual o homem procede e ao qual horizonte englobante do relacionar-se do homem com a realidade
retorna. Nessa perspectiva, o ser-no-mundo viria circunscrever, pxterior e como solo fundante (“mundo da vida”) da sua presença
para o homem, a esfera do Ser. E mesmo se nos representarmos 4 essa realidade. Já no plano da compreensão explicativa, a media-
o homem como “clareira” (Lichtung) através do qual passa a ilu- Pão assume o caráter de uma mediação abstrata no sentido de
minação do Ser, como quer M. Heidegger, somos forçados a dizer gue a forma de expressão que dela resulta traduz o mundo em
que nessa sua situação singular no espaço do mundo exaure-se a Estruturas formais de conhecimento e em normas formais do
significação do homem: seu ser, afinal, não é senão um momento Wperar técnico, configurando-o como universo da tecnociência.
evanescente, ou apenas um “evento” (Ereignis) no destino do Ser Po exercício dessas duas mediações o sujeito aparece, na relação
que se eleva sobre o nosso efêmero ser-para-a-morte e lembra pom a realidade na qual se situa, como Eu que experimenta vital-
irresistivelmente a serena e indiferente majestade do logos estói- mente, pensa e transforma o seu mundo, ao mesmo tempo em
co. Desta sorte, a aporética crítica surge dentre os termos da gue este lhe aparece, em envolvente e infrangível unidade, como
relação de objetividade como uma interrogação sobre o significa- tarefa e como destino: como tarefa, pois o homem não é para
do ontológico ou categorial do nosso ser-no-mundo. A tematização fosse ad) o mundo senão na medida em que sobre ele age pela
dessa nossa situação mundana incorpora na filosofia contemporâ- Esperiência, pela ciência e pela técnica; como destino, porque o
nea, como acabamos de ver, dois aspectos fundamentais: de um turizonte do mundo envolve o homem não somente na fixidez
lado o mundo vivido seja como Universo ou Proto-natureza que patútica das coordenadas do espaço, mas no inelutável avançar da
envolve o homem, seja como solo concreto onde se enraíza à sua flecha do tempo que aponta para o horizonte absoluto da mor-
vida ou que é, para ele, o “mundo da vida”; de outro lado, o E o,
mundo construído seja pelo processo de objetivização teórica da |
ciência empírico-formal, seja pelo processo de objetivização prá- O momento tético, por sua vez, refere o conteúdo eidético da
tica do fazer técnico, ambos se entrelaçando no universo da tecno- ielação de objetividade ou o ser-no-mundo do homem à amplitu-
ciência que se dilata indefinidamente para estender-se a todas as do transcendendental da auto-afirmação do Eu como ser, ou à
dimensões da realidade explorável pelo homem. Entre o vivido e posição (thésis) do Eu sou. O Eu sou aparece aqui não na reflexão
o construído poderá o homem, aí encontrando a resposta final à Bobre si mesmo (esse in, ou domínio do ser substancial na termi-
pergunta sobre o seu ser, abrigar-se na necessidade de um ciclo Bologia tradicional), mas na relação a uma realidade exterior (esse
que parte da Natureza e a ela retorna, sendo o arco do “compre- Wi! ou domínio do ser relativo ou ainda da relação predicamental
ender” e do “fazer” apenas um intervalo onde tem lugar o efêmero Ha terminologia tradicional). “Eu sou para o mundo-natureza ou
cintilar da consciência entre a obscuridade do Começo e do Fim !2?2 dinda, “Eu sou no mundo-natureza”, o que significa aqui uma in-
dutência ou relação transiente a uma realidade exterior, distinta
Trata-se, pois, de responder à aporia da relação de objetivida- dy sub-sistência |subsistere) imanente do Eu sou no domínio
de estabelecendo o contorno categorial do seu eidos e referindo- estrutural.
-o à atividade tética do sujeito no movimento da sua auto-afirma-
ção. A categoria da objetividade exprime, pois, essa referência
Ponstitutiva do Eu sou ao eidos do ser-no-mundo. Trata-se, com
O momento eidético dessa resposta tem em vista, por conse- “Wisito, de uma referência constitutiva ou essencial leidética),
guinte, definir a forma da relação de objetividade que se constitui implicando uma dimensão categorial do Eu sou, pois, na medida
como expressão do ser-no-mundo do homem ou que resulta da Pi que o Eu aparece estruturalmente situado (categoria do corpo
mediação pela qual o homem, enquanto sujeito, confere signifi- pro) sua relação necessária com uma realidade que lhe é ex-

32, 33
terior e que justamente define o contorno da sua situação, é uma “à afirmação da identidade (dialética) entre o ser do homem e o
relação com o mundo, definido como primeiro e englobante ho- “para da sua relação com o mundo-natureza, e que pode ser ex-
rizonte do seu ser-para. pressa na proposição : “Eu sou para o mundo-natureza”; de outro,
No entanto, poderá essa abertura constitutiva ao mundo, 4 iliferença (dialética) ou negação instalada no interior da identi-
pensada como categoria segundo a qual é afirmado o ser do ho- dade em virtude do dinamismo da afirmação que, ultrapassando
mem na sua relação com a realidade exterior que o envolve (ser- as Ironteiras conceptuais (ou a limitação eidética) do mundo-
-no-mundo), igualar-se à amplitude transcendental da afirmação “natureza, para visar à infinidade do Ser, nega a identidade entre
Eu sou? Ou poderá o homem, ser-em-situação, identificar os limi- | sujeito e o para da sua relação com o mundo-natureza. Essa
tes que circunscrevem essa situação com o horizonte último do “Wvgação pode ser expressa, por sua vez, na proposição “Eu não
Ser ao qual ele, enquanto estruturalmente ser espiritual, Buu para o mundo-natureza” 2, A afirmação e a negação que
constitutivamente se abre? inpelem o desenvolvimento dialético do discurso da Antropolo-
gia Filosófica no terreno da categoria da objetividade traçam,
À resposta a essa questão nos introduz no terreno da Dialé- portanto, um espaço conceptual no qual se inscrevem as formas
tica, segundo a qual a afirmação do ser-no-mundo, exprimindo- de expressão do homem como ser-no-mundo. Entretanto, se con-
-se, na verdade, como ser-para-o-mundo (relação ativa), deve ser silerarmos o ulterior desenrolar-se do discurso, essas formas per-
integrada no dinamismo totalizante do discurso da Antropologia Winecem aqui abstratas, e devem receber um conteúdo concreto
Filosófica. Ora, se considerarmos esse discurso desde o ponto de Ha categoria de realização à qual compete tematizar a unidade do
vista da limitação eidética dos seus momentos, vemos que aqui, ser-homem como processo de unificação (segundo a norma do
no caso da relação de objetividade, o eidos do ser-no-mundo é “forna-te aquilo que és”) do qual uma das linhas diretrizes é,
referido à unidade estrutural na qual o homem, na reflexão sobre justamente, a realização humana em face do mundo-natureza,
si mesmo ou na constituição da sua ipseidade, articulou a forma | segundo a dupla modalidade do conhecer-contemplar (theoría) e
da sua auto-expressão nas categorias do corpo próprio, do. do fazer (poíesis). Na verdade, esse movimento de realização se
psiquismo e do espírito !º?. Se é verdade que o conteúdo categorial mostrará como movimento de universalização concreta do sujei-
primeiro e fundante (na ordem da inteligibilidade para-nós) do fo a partir da particularidade da sua situação corporal no espaço-
nosso ser é o “corpo próprio”, pelo qual nos situamos no mundo
— tempo. Nessa perspectiva, a efetivação da relação de objetividade
ou anunciamos nossa presença no mundo, a suprassunção dialé- Ho mundo-natureza aparece como a primeira obra da vida segun-
tica do “corpo próprio” e do “psiquismo” no “espírito” mostra do o espírito que, nela, se dá um corpo objetivo, extensão da
que a significação mais profunda e a elucidação definitiva dessa Subjetividade do corpo próprio.
presença deve ser buscada na abertura transcendental do espírito
ao Ser (ou do homem ao Ser, pelo espírito), naquela que foi por Ao enunciar, porém, sua relação com o mundo-natureza, a
nós denominada a inteligibilidade em-si da unidade estrutural do aiuto-afirmação que dilata o Eu sou às dimensões do Ser descobre,
ser-homem !%º, Em outras palavras, a limitação eidética ou Bob outro aspecto, a impossibilidade radical de cingir essa afirma-
categorial do ser-no-mundo pressupõe a ilimitação tética pela 240 aos limites da objetividade mundana ou natural, ou de per-
qual, ao auto-afirmar-se como ser, o sujeito deve submeter-se ao inccer na identidade intencional homem-mundo. Com efeito, a
dinamismo dessa afirmação que aponta para a infinidade formal “telição de objetividade é uma relação não-recíproca na medida
da idéia do Ser e, nela, vê delineada a possibilidade do conheci- Biesma em que é uma relação intencional. Ela se significa na
mento (analógico) da infinidade real do Ser absoluto e a conse- Hinsuagem mas, interpelados pela linguagem, o mundo e a natu-
quente livre inclinação (amor) à sua Bondade infinita 3, Fo=1 não respondem a não ser pelo próprio dizer do homem que
traduz na sua linguagem a significação que jaz silenciosa nas
Desta sorte, o movimento de totalização do discurso dialético Patruturas do mundo e nas leis da natureza !33, Ora, a linguagem
no nível eidético da relação de objetividade implica, de um lado, * essencialmente anúncio, mensagem, interrogação, interpreta-
34 35
ção, atestação, promessa ou ainda demonstração e narração. Ela
pressupõe e postula, portanto, uma relação recíproca entre sujei- NOTAS
tos ou suscita o aparecimento do perfil do outro no horizonte do
mundo, sendo o meio (medium) no qual o “Eu é um Nós e o Nós
um Eu”, segundo a expressão de Hegel !3%. É no medium da lin
guagem, portanto, que se faz presente a relação intersubjetiva
como nova forma de relação fundamental do ser humano. 1, Sobre o “círculo cartesiano” entre o primum logicum e o primum
Wutologicum, com relação ao Cogito e à idéia do Infinito, ver Antropologia Filo-
Wlica, 1, 2a. p., la. sec., cap. 4, pp. 268-269. Ver ainda, desde o ponto de vista com
duo aqui o consideramos, a discussão sobre a significação do Cogito de Paul
Pisoeur, Soi-même comme un autre, Paris, Seuil, 1990, pp. 15-22.
2, Esse “dizer-se” exprime-se gramaticalmente no pronome pessoal Eu e no
Wllexivo se. Ele põe a identidade do sujeito como ipseidade (dicere seipsum) e não
Fumo simples identidade. Como ipse, O sujeito é movimento de auto-exprimir-se,
sendo assim essencial abertura ao outro que será igualmente compreendido na
auto expressão do Si.
à. Nos termos de Paul Ricoeur (ibid.) essa relação se dá na esfera da ipseidade,
Hi pressupõe ontologicamente a identidade (mêmeté).
4, Essa forma de relação ativa, comum analogicamente a todo ser vivo, é
demiatizada na teoria aristotélico-tomásica das dynámeis ou potentiae activa, à
dual foi feita referência na Antropologia Filosófica I, p. 230 n. 38; p. 274 n. 33.
5. Essa “exterioridade” poderia, talvez, ser comparada como o “ser lançado”
Ho» Heidegger (Sein und Zeit, $ 38, 8º ed. Tubingen, Max Niemeyer, 1957, pp.
175:180). No entanto, essa estrutura existencial do Dasein é analisada na perspec-
tiva de uma temática diferente do enfoque antropológico no qual aqui nos situ-
atos, Um tratamento clássico do problema interior-exterior na filosofia contem-
porinca é o de N. Hartmann, Der Aufbau der realen Welt: Grundriss der
Wilgemeinen Kategorienlehre, Berlim, W. de Gruyter, 3º ed., 1964, pp. 311-321.
», Ver Antropologia Filosófica, I, pp. 221-222.

o
7, Ver Antropologia Filosófica, I, pp. 205-206.
+ Convém ter presente aqui a sentença de Santo Tomás já anteriormente

De
Fitada; non intellectus intelligit sed homo per intellectum, Summa Theol., la., q.
A 1 2 ad Im; De Spirit. Creat., a. 10 ad 15m; De Veritate, q. 2, a. 6 ad 3m; In
Bum de Anima, lec. 10 (n. 152).
9, Ver Antropologia Filosófica I, p. 225.
10. Vê-se que essa afirmação opõe-se diametralmente a toda espécie de
satorialismo que, ao fim e ao cabo, acaba acolhendo-se à teoria da consciência-
lloxo como, por ex. na afirmação de Karl Marx sobre a determinação da cons-
ncia pela vida, Idéologie Allemande I (Feuerbach), Oeuvres, éd. Rubel, II, p.
7, O animal não se situa no mundo, mas é circunscrito pelo seu Umwelt ou
lo seu ecossistema. Sobre a especificidade da relação do homem com seu Umwelt,
e» Ulrich Gaier, System des Handelns: eine rekonstruktive
undlungswissenschaft, Stuttgart, Klett- Cotta, pp. 132-142,
11, Ver Antropologia Filosófica, I, pp. 239-240.
12, Com efeito, um ser incorporal não teria possibilidade de situar-se num
aundo ou de nele se fazer presente por uma praesentia circunscriptiva ou local.
Fo essa questão ver Santo Tomás, Summa Theol., 1, q. 52, a. 1 c.

36 37
13. Com efeito, é através das estruturas imaginárias e afetivas, como mostrou 23, Uma expressão clássica desse tema é o tratado pseudo-aristotélico Peri
particularmente Max Scheler, que se constitui a abertura ao outro e se estabelece mou (De mundo), do séc. IP. C., sobre o qual consultar A. J. Festugitre, La
o nível fundamental das relações intersubjetivas. Ver cap. II, infra. “velation d'Hermês Trismêgiste IL, Le Dieu Cosmique, Paris, Gabalda, 1969,
460-520 (com tradução parcial do texto).
14. A relação com o Absoluto é, essencialmente, uma relação espiritual mas,
sendo uma relação do homem todo, ela suprassume as relações de objetividade e 24. Sobre o aspecto propriamente teológico da noção de “mundo” ao longo
de intersubjetividade que, por sua vez, determinam a forma do conhecimento cultura ocidental, ver L. Bouyer, Cosmos: le monde et la gloire de Dieu, Paris,
humano de Deus e do amor humano de Deus. E 1982; ver também a reconstituição histórica de A. N. Wildiers, Weltbild
Wu! Theologie, Einsiedeln, Benziger, 1974; H. C. Lima Vaz, “Linguagem do mundo
15. Podemos propor o seguinte esquema: linguagem do Espírito”, op. cit., pp. 233-240. A evolução histórica da idéia de
Homem = Corpo —> Mundo/Psiquismo —> Outro/Espírito —> Absoluto; Wamos, das origens ao pensamento contemporâneo, é reconstituída magistral-
Estruturas —> Relações —> Realização —> Essências. mente por W. Kranz, Kosmos (Archiv fúr Begriffsgeschichte, II, 1, 2) Bonn, H.
16. Sobre o problema da objetividade na Física contemporânea ver B. D'Espagnat, uvier, 1955; ver também G. Morra, “Mondo”, ap. Enciclopedia Filosofica, 22
A la recherche du réel, Paris, Gauthier Villars, 2. éd., 1981, e Id., “Réalité et objec- “IV, col. 728-740); G. Gusdorf, Les origines des sciences humaines (Les sciences
tivité”, ap. Encyclopédie Philosophigue Universelle, op. cit., I, pp. 368-374. Eviden- Ro et la pensée occidentale II), Paris, Payot, 1967, pp. 23-49; M. Heidegger,
temente entende-se aqui objetividade a partir do ponto de vista antropológico, Vom Wesen des Grundes, 5? ed., Frankfurt a. M., Vittorio Klostermann, 1965, pp.
como termo da relação ativa do sujeito com o mundo exterior. Mas para relacionar- 1444; W. Schadewaldt, “Das Welt-Modell der Griechen”, em Humanismus (ed.
-se ativamente com o real o homem deve comportar-se igualmente como receptor FL Oppermann], Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1977, pp. 322-
dos dados e informações que dele provêm. O estudo da dialética desses dois momen- 449, À estrutura astronômica da noção de kósmos é descrita por H. Blumenberg,
tos — atividade e receptividade — compete à Teoria do Conhecimento. Wiv Genesis der kopernikanischen Welt, 3 vols., Frankfurt a. M., Suhrkamp,
17. Ver G. W. F. Hegel, Wissenschaft der Logik, T., 2. Abschn. (Werke, ed. 19H1, Uma síntese da idéia antiga de mundo pode ser encontrada no neoplatônico
Moldenhauer-Michael, 6, pp. 402-461]; na Enciclopédia, Hegel designa esta seção Proclo. Ver W. Beierwaltes, Proclo: i fondamenti della sua metafísica (tr. it.),
como Das Objekt (Enz. der phil. Wiss., 8 194 —- 8 212; Werke, 8, pp. 350-367). Milão, Vita e Pensiero, 1990, pp. 256-276.
25. No sentido em que o pensamento clássico pensa o ser do mundo como
18. O substantivo prâgma, derivado do práttein, agir, e práxis, ação, refere-
-se fundamentalmente à significação das coisas colocadas no âmbito do operar do totalidade na qual o homem está incluído, e não tematiza o ser no mundo como
homem, e pertence à linguagem com que o homem significa o seu mundo. Ver dimensão do existir do homem, o seu ser situado. Tal é a interpretação de R.
Escritos de Filosofia II: Etica e Cultura, São Paulo, Loyola, 1988, p. 36 n. 1; ver Brauuc, Aristote et la question du monde, Paris, PUF, 1988, pp. 9-56.
ainda M. Heidegger, Sein und Zeit, op. cit., p. 68. 26. Essa a tese exposta por R. Brague em Aristote et la question du monde.
19. É interessante comparar a noção de objetividade tal como a entendemos Vor o esquema da p. 517: o lugar do “mundo” no ponto de encontro entre Antro-
aqui, com a noção de Sachlichkeit (termo intraduzível em português), tal como pologia, Cosmologia e Ontologia.
é exposta por H.-E. Hengstenberg, Philosophische Anthropologie, 3º ed., Stuttgart, 27. Ver Jan Patocka, Le monde naturel comme problême philosophique,
Kohlhammer, 1966, pp. 9-18. Sachlichkeit se apresenta expressamente como uma [Phinomenologica, 68), La Haye, M. Nijhof, 1976, pp. 86-90. Em Vom Wesen des
noção fenomenológica, designando a atitude do homem diante do objeto em razão Piundes, op. cit., pp. 28-36, Heidegger chama a atenção para a noção de “mundo”
do próprio ser do objeto e não da sua eventual utilidade. A Sachlichkeit, segundo propriamente antropológica que Kant propõe na Antropologia a partir de um
Hengstenberg, abrange os domínios por nós caracterizados como da objetividade ponto de vista pragmático.
e da intersubjetividade (ibid., pp. 13-16). Hengstenberg distingue Sachlichkeit e
28. Ver Kritik der reinen Vernunft (KrV), B, 532ss.
Objektivitit na medida em que a primeira implica um comprometimento pessoal
com o teor objetivo da coisa (p. 16). Uma comparação sugestiva poderia ser feita 29. Ver KrV B, 165; B, 263; B, 479.
com a noção de condição segundo D. Dubarle, sobretudo a de condição cósmica. 30. Sobre a “natureza” em Kant ver G. Martin, Science moderne et ontologie
Ver H. Faes, “La philosophie de la condition selon D. Dubarle”, ap. Revue des Eiilitionelle chez Kant (tr. fr.), Paris, PUF, 1963, F. Kambartel, Experiencia y
Sciences Philosophiques et Théologiques, 77 (1993): 373-398. Patructura (tr. esp.), B. Aires, Sur, 1972, pp. 84-143.
20. Nesse caso o momento do sujeito na fórmula (N)] —> (S) —> (F] deve ser 31. Sobre “mundo” em Kant ver as reflexões de S. Breton, “Monde et Nature”,
entendido segundo a meditação já efetivada do corpo próprio, do psiquismo e do ap. Idée du monde et philosophie de la nature, (Recherches de Philosophie, VII),
espírito na constituição da unidade estrutural do homem ou do momento forma Paris, DDB, 1966, pp. 9-92 (aqui, pp. 10-16).
(F] como estrutura. nature! comme problême philosphique, op.
32. Ver J. Patocka, Le monde
21. O termo “constituição” não deve ser entendido aqui num sentido idea- Pit, p. 87.
lista, nem o termo “presença” no sentido objetivista de um realismo ingênuo. Stuttgart, Frommans-
33, Ver H. Glockner, Hegel-Lexikon, s. v. “Welt”,
Que o homem “constitua” seu mundo significa que o mundo não é um simples
Houlzboog, 1957, p. 2664. -
dado, mas termo de uma relação segundo a qual o homem exprime seu ser entre
os seres, aqui propriamente seu ser entre as coisas e os acontecimentos. 34, Hegel afasta-se igualmente do conceito schellingiano de “natureza”, que
22. Ver o capítulo “Linguagem do mundo e linguagem do espírito” em H. €. itorna, de alguma maneira, à natura naturans espinozista. Ver a introdução de
| M. Petry, Hegel's Philosophy of Nature, Londres-N. Y., G. Allen, Humanitas
Lima Vaz, Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, São Paulo, Loyola,
1986, pp. 223-240. Press, 1970, 1, pp. 7-114.
39
am
35. Ver Enzyklopúdie der phil. Wissenschaften ( 1830), 8 248, Anmerkung. 49, Sobre a essência do fundamento (1º ed., 1929); tr. port. de Ernildo Stein,
36. ibid. $$ 248-251. 1 Paulo, Duas Cidades, 1971.
37. W. Dilthey desenvolveu a idéia da “visão do mundo” na obra (fragmen- 50, die Weltlichkeit von Welt uberhaupt, SuZ, op. cit. p. 64.
tária) Weltanschauungslehre: Abhandlungen zur Philosophie der Philosophie bl. SuZ,
y i pp. 64-65; ver W. Biemel,
op. cit. i Le Concept de monde r chez
(Gesammelte Schriften, VII); tr. fr. Théorie des conceptions du monde, Paris, Woilerger, Louvain-Paris, Nauwelaerts-Vrin, 1950, pp. 19-23 ( 2º ed., Vrin, 1981).
DO
PUF, 1946; tr. esp. Teoría de las visiones del mundo, México, Fondo de Cultura, Frata-se de excelente introdução ao conceito de “mundo” em Heidegger.
1945. Uma introdução completa à obra de Dilthey é oferecida por F. Diaz de
52, A tradução brasileira de Ser e Tempo traduz Dasein com pre-sença. Ver
Cerio, W. Dilthey y el problema del mundo histórico, Barcelona, Juan Flors,
1959; pxplicação de E. Carneiro Leão, tr. cit., 1, pp. 309-310.
sobre a “visão do mundo” ver c. X, pp. 346-382.
53, SuZ, op. cit. p. 65.
38. Este aspecto foi estudado particularmente por H. Leisegang, na sua obra
Denkformen, Berlim, de Gruyter, 1951 (12 ed. 1928) e por E. Rothacker e : h4, Ver, por ex. S. Breton, “Monde et Nature”, art. cit. na n. 31 supra; F.
seus
discípulos. E Ivaggi, Filosofia do mundo (tr. port.), São Paulo, Loyola, 1988, sec. 1, cap. 1; sec.
39. A obra clássica a respeito é a de Karl Jaspers, Psychologie der
Weltanschauungen, Berlim, de Gruyter, 1922 (tr. esp. Teoría de la concepcione 55. SuZ, op. cit. 8 15 - 8 18; pp. 66-89.
s
del mundo, Madrid, Gredos, 1967). O cap. 2 trata da “imagem do mundo” (Weltbild) 56. SuZ, op. cit., pp. 68. :
também do ponto de vista histórico-cultural; ver igualmente A. Busemann,
57. Não no sentido do “estar no espaço” do Dasein, mas no da sua situação
Weltanschauung in psychologischer Sicht, Munique, Reinhardt, 1967. Sobre
“vi- HH universo das referências. Ver W. Biemel, Le concept de monde chez Heidegger,
são do mundo” ver o artigo de ). Ferrarter-Mora, Diccionario de Filosofía, 6? ed.,
DP cit, pp. 51-52.
Madrid, Alianza, 1979, HI, pp. 2291-2294.
58. SuZ, op. cit. p. 86. Sobre essa definição, típica da linguagera de Heidegger,
40. Ver Ideen zu einer reiner Phinomenologie und Phânomenologische
v7 W, Biemel, Le concept de monde chez Heidegger, op. cit., Pp. 51-52. Fizemos
Philosophie I (Husserliana II, 1950), tr. fr. de P. Ricoeur, Paris, Gallimard, 1950,
aqui uma paráfrase literal do texto de Heidegger; ver a tradução portuguesa de
la. sec. c. 1 (pp. 7-8) e 2a. sec. c. 1 (pp. 48-50). Husserl introduz aqui a idéia
de arcia de Sá Cavalcanti, tr. cit., p. 131.
horizonte que se tornaria clássica na fenomenologia do mundo. O mundo, por sua
vez, é definido como a “soma dos objetos de uma experiência possível” 59. Ver Kant und das Problem der Metaphysik, op. Cit. PP. 186-188; e SuZ,
(p. 8). Hp. cit, p. 17, sobre uma antropologia fundada sobre a analítica do Dasein e que
41. Die Krisis der europaieschen Wissenschaften und die transzendentale
pormaneceu um desideratum não realizado.
Phinomenologie (Husserliana VI, 1954], tr. fr. de G. Granel, Paris, Gallimard,
1976. 60. SuZ, op. cit., pp. 2-15. tr. fr. Vezin, pp. 25-39; tr. port. pp. 27-41.
42. Ver a excelente exposição de L. Landgrebe em Philosophie der Gegenwart, 61. A precaução a ser tomada aqui diz respeito à diferença entre os pares
Bonn, Athacneum Verlag, 1952, pp. 58-81. Fomveptuais sujeito-objeto e Dasein-mundo, diferença explicitamente enfatizada
vm Ieidegger (SuZ, op. cit., p. 60; tr. fr. Vezin, p. 94; tr. DOrt., P. 98; ver a nota
43. Sobretudo na sua obra Der Aufbau der realen Welt, Berlim, de Gruyter,
da tradução francesa, pp. 544-545). Na perspectiva antropológica na qual aqui nos
3º ed., 1964 [1º ed., 1939), na 2a. P,, 1. sec., pp. 157-199.
Situamos, o “mundo” é termo da relação de objetividade, ou seja, é forma com a
44. Ver L. Landgrebe, Philosophie der Gegenwart, op. cit., pp. 64-65; H.-E. Wual O sujeito mediatiza as coisas e os acontecimentos lou a “natureza dada) do
Hengstenberg, Philosophische Anthropologie, op. cit., p. 22. “eu estar-no-mundo ou do seu encontrar-se no mundo. Seria instrutivo comparar
45. De E. Fink ver sobretudo Sein, Wahrheit, Welt, La Haye, M. Nijhof, 1958. 1 “mediação” com o conceito heideggeriano de “transcendência”. Ver W. Biemel,
46. De M. Scheler ver Der Formalismus in der Ethik und die materiale voncept de monde chez Heidegger, op. cit., pp. 152-178.
Wertethik: neuer Versuch der Grundlegung eines ethischen Personalismus, 4º ed. 62, Ver Antropologia Filosófica I, p. 69 n. 44; pp. 72-78.
(Gesammelte Werke, 2), Berna, Francke, 1954, pp. 403-406. Ver o Sachregist
er 63, Sobre o “mundo” como horizonte em E. Husserl, primeira expressão de
dessa edição, s. v. Welt. A relação mundo-pessoa será estudada infra, IM sec. 4 fenomenologia do “mundo”, ver L. Landgrebe, Philosophie der Gegenwart,
c.
2. Sobre o “mundo” em Scheler ver ainda Die Stellung des Menschen im Kosmos, “vit, pp. 72-73; e a transição de Husserl a Heidegger no âmbito desse tema,
Munique, Nymphenburger Verlag, 1947, pp. 34-46. Bd, pp. 74-78.
47. A transição de Husserl a Heidegger na tematização fenomenológica da 64. Comparar com a “esfera infinita” de Nicolau de Cusa; ver Antropologia
noção de “mundo” é exposta magistralmente por L. Landgrebe, Philosophie der Pilenófica 1, pp. 101 n. 12.
Gegenwart, op. cit., pp. 74-81.
65. Ver Antropologia Filosófica I, p. 225.
48. Sein und Zeit, op. cit. pp. 63-113; tr. fr. de T. Vezin, Paris, Gallimard,
1986; tr. port. de Márcia de Sá Cavalcanti, 2 vols., Petrópolis, Vozes, 1988-1989; 06, Ver A. de Waelhens, La Philosophie et les expériences naturelles
doravante devem-se consultar igualmente as lições Die Grundbegriffe der [Wiyinomenologica, 9), La Haye, M. Nijhof, 1961, pp. 110-111.
Metaphysik: Welt, Endlichkeit, Einsamkeit (Gesamtsausgabe, 29-30, ed. F.V. von 67, Para a distinção entre Umwelt e Welt, Heidegger inspirou-se no zoólogo
Herrmann), Frankfurt a. M., V. Klostermann, 1983. fab ol von Uexkiúll (Umwelt und Innenwelt der Tiere, 1921), mas o termo Umwelt

40 41
tem, em Ser e Tempo, duas acepções: ou simplesmente como “meio”
(milieu) no Porimunis (Summa Theol., I, q. 85 a. 1 ad 2m), na medida em que a generalidade
qual o homem se encontra (SuZ, p. 57), ou como estrutura existencia strata do conceito se concretiza no “esquema”. “Esquema” é usado no nosso
l da
“mundanidade” do mundo (SuZ, p. 66). Sobre essas duas acepções,
ver as obser- “to para designar as “formas” primeiras ou elementares de expressão da lingua-
vações de F. Vezin, Être et Temps ltr. cit.) pp. 544-545. O termo Umwelt
passou
m comum, que tornam possível o discurso sobre o mundo.
da biologia à antropologia cultural (E. Rothacker) e à fenomenologia 77. Ver H. Rademaker, Die Weltsichtweisen des Menschen, Bonn, Bouvier,
do mundo.
Ver K. Lorenz, Einfúhrung in die philosophische Anthropologie, Darmstadt 1076, pp. 137-146.
,
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1990, p. 91.
78. De tópos = lugar e morphé = forma.
68. Ver S. Breton, Être, Monde, Imaginaire, Paris, Seuil, 1976, pp. 75-77. 79. Comparar com a “abertura” correlativa do ser e do Dasein em Heidegger
69. Não confundir com o esse in da inerência do acidente na substância uz, p. 38; tr. fr. pp. 65-66; nota explicativa de F. Vezin, pp. 5328-540).
, ou
com o esse ad da relação predicamental segundo a terminologia escolástica
. A BO. Donde a categoria de “sólido” ou de “substância”, sobre a qual ver G.
relação de objetividade é uma relação transcendental porque é todo helard, La formation de P esprit scientifique, 2. éd., Paris, Vrin, 1947; c E.
o ser do
homem que constitutivamente se relaciona com O mundo. Como categoria Esthacker, Zur Gencalogie des menschlichen Bewusstseins, Bonn, Bouvier, 1966,
po-
rém, aproxima-se da relação predicamental, pois o ser do homem,
embora se P 192.
relacione todo com o mundo, não se relaciona totalmente.
B1. Ver J. de Tollenaere, Le Corps et le Monde, Paris, DDB, 1967, pp. 124-
70. A noção de “mundo da vida” vulgarizou-se na filosofia contemporânea 176. Sobre o arquétipo da “habitação” ver G. Bachelard, La poétique de 1 espace,
a
partir da publicação, em 1954, da Krisis de Husserl (ver supra, n. 41). A Paris, PUF, 1957, c. 1 e 2. Sobre a “casa” ver ainda a bela página de E. Levinas,
intenção
de Husserl dirigiu-se a recuperar o fundamento impensado sobre o qual repousa stalité et Infini: essai sur 1 extériorité, 2. ed., La Haye, M. Nijhof, 1965, pp.
a atividade da ciência, entendendo-se a ciência moderna pós-galileana, Eva.
e que é
pressuposto à “atitude natural” do homem. Sobre a significação do Lebenswel
t no 82. Ver J. Patocka, Le monde naturel comme problême philosophique, op.
contexto global da filosofia de Husserl, ver P. Janssen, Geschichte und Lebenswelt
: Fit, pp. 80-84.
ein Beitrag zur Diskussion von Husserls Spâtwerk, (Phânomenologica,
35), La 83. Ver as célebres análises de Heidegger sobre “o que está sob a mão” (das
Haye, M. Nijhof, 1970 e W. Biemel, “Reflexionen zur Lebensweltthematik
” ap. “uhandene) e o “utensílio” (das Zeug) em SuzZ, 8 15, pp. 66-72; 8 22, pp. 102-104;
Phinomenologie heut, (Festschrift Landgrebe) (Phinomenologica, 51),
La Haye, Wet a nota de F. Vezin, tr. cit., pp. 546-549.
M. Nijhof, 1972, pp. 49-77.
71. Ver J. Ferrater Mora, art. “Lebenswelt” ap. Diccionario de Filosofia, 84. aínigma = palavra obscura, desafio.
64
ed., III, col. 1924-1926; uma ampla elaboração do conceito de Lebenswelt, 85. De Chrónos = tempo e morphé = forma. Sobre a temporalidade do Dasein,
inde-
pendente da interpretação de Husserl e atendendo aos problemas da cultura +14 Heidegger, SuZ 8 65 a 8 71, pp. 334-372; e A. de Waelhens, La philosophie et
geral
no mundo contemporâneo é a de Karl Ulmer, Philosophie der modernen js expériences naturelles, op. cit., pp. 168-188.
Lebenswelt, Túbingen, J. C. B. Mohr (P. Siebeck], 1972; ver também A. N. Wildiers,
B6. Na gramática da linguagem comum, a síntese entre o esquema “topomorfo”
Weltbild und Theologie, op. cit., pp. 331-338.
EH esquema “cronomorfo” é feita na estrutura elementar da frase entre o subs-
72. Um exemplo é a distribuição linear do espaço entre os caçadores Fantivo e o verbo.
e
colhedores, radial entre os agricultores e reticular entre os homens da civilização
urbana, bem como as formas culturalmente distintas da percepção e da medida 87. Sobre a fenomenologia do tempo ver o belo ensaio de H. Conrad-Martius,
do dio Zeit, Munique, Kosel, 1954; sobre a imaginação do tempo ver particularmen-
tempo. Ver P. Antoine - A. Jeanniêre, Espaces mobiles et temps incertains,
Paris, pp 13-31.
Aubier, 1970; K. Pomian, L” ordre du temps, Paris, Gallimard, 1984.
73. A propósito ver W. Biemel, Le concept de monde chez Heidegger, op. cit., 88. Um tratamento clássico dessa questão é o de E. Cassirer, Philosophie der
pp. 80-96. Wimbolischen Formen, 1º ed. Berlim, B. Cassirer, 1923-1929; 2º ed., Darmstadt,
Fisssenschaftliche Buchgesellschaft, 1964; tr. fr. Paris, éd. de Minuit. Sobre o
74. Ver A. de Waelhens, La philosophie et les experiences naturelles, op. cit.,
p. 122; ]. Patocka, Le monde naturel comme problême philosophique,
ima! symbolicum, comentando o pensamento de Cassirer, ver K. Lorenz,
op. cit., pp. Wiluhrung in die philosophische Anthropologie, op. cit., pp. 109-131.
76-88.
75. Nesse sentido poderá ser interpretada a doutrina tomásica da “conversão” B9, Logos entende-se aqui num sentido amplo, incluindo a linguagem, a
da inteligência à imagem (conversio ad phantasma) no conhecimento intelectual presentação e o pensamento, A linguagem que acolhe as coisas e as articula
humano (Summa Theol., I, q. 84 a.7) ou do “espírito no mundo”, conforme Yo “nomes” (symploké onomátôn, Platão, Teet., 202 b); a representação que
a Piniventa a ordem natural das coisas; o pensamento, que entre elas estabelece
interpretou K. Rahner, Geist in Welt: zur Metaphysik der endlichen Erkenntnis
nach Thomas von Aquin, op. cit. 2º ed. 1957. O “mundo” é, pois, o ima relação de proporção (analogia) ou de consegiência (katá lógon). Sobre logos,
primeiro Wn referência especialmente a Platão, que é o corifeu do logos na filosofia oci-
estágio da abertura ao ser. Ver também S. Breton, Du Principe: 1 organisati
on
contemporaine du pensable, Paris, Aubier, 1971, p. 51. dental, ver J. Laborderie, Le Dialogue platonicien de la maturité, Paris, Belles
76. Literalmente schêma = figura. Um termo que, a partir da doutrina kantiana dottres, 1978, pp. 122-133.
do “esquematismo transcendental”, tornou-se usual na teoria do conhecime 90). Nesse sentido amplo, Aristóteles opõe a poíesis à geração natural (Met.
nto.
A noção de “esquema” guarda alguma analogia com a noção tomásica de materia u) VII, c. 7), caracterizando-a assim: “Os outros processos de geração se cha-

42, 43
mam poiéseis; e todas as pojéseis se dão ou por arte, ou por uma faculdade ou por Isrondon Press, 1945; R. Lenoble, Histoire de Vidée de Nature, Paris, Albin
um pensamento” (ibid. 1032 a 26 - 28). Sobre o problema da obra do homem Michel, 1969; W. Schulz, “Zur Naturdeutung von Aristoteles bis Kant” ap.
dlosophie in der verinderten Welt, Pfiúllingen, Neske, 1974, pp. 99-106; W.
segundo Aristóteles, ver R. Brague, Aristote et la question du monde, op. cit., pp.
Eiisenberg, “On the history of the physical interpretation of Nature”, ap.
192-198.
uilosophic problems of nuclear science, Londres, Philosophical Library, 1957,
91. Podemos, assim, esquematizar a atividade poiética do homem, que se Pp 27-40; G. Picht, Der Begriff der Natur und seine Geschichte, Stuttgart, Klett-
desdobra em diversas subformas da relação de objetividade, segundo as quais o ita, 1990, E sobre a significação original do termo physis ver P. Hadot, “Sur
homem simboliza o mundo: entre o logos poiético e a theoría, que é uma notions de phusis et de nature”, ap. Herméneutique et Ontologie ([Hommage
contemplação da obra da pofesis, a atividade poiética se diversifica em a) poíesis ! Aubenque), Paris, PUF, 1990, pp. 1-15; sobre a questão contemporânea da
fabuladora = mito; b) poíesis estética = arte; c) poíesis fabricadora = técnica; d) . 'za, ver O artigo de F. Tinland, citado na nota 91 supra.
pofesis epistêmica = ciência. Sobre um sentido amplo de poíesis entre os gregos,
100. A Técnica é, por exemplo, um poderoso instrumento para a satisfação
ver Jean Beaufret, Dialogue avec Heidegger, Paris, éd. de Minuit, 1973, II, pp. 165-
necessidade eminentemente espiritual da comunicação.
169. F. Tinland usa o neologismo artfactuel para designar o entorno propriamente
humano produzido pelo Jogos poiético e no qual o homem se situa e se desenvol- I01. Ver Aristóteles: pántes anthrópoi tou eidénai orégontai physei, Met. I
ve; ver “De quelques nouvelles perspectives sur la nature à la question du mode a), 1, 980 a. O tema do desejo de saber, expresso sob a forma da curiositas,
d'être propre aux hommes”, ap. G. Florival (ed.), Études d'Anthropologie crates a nossos dias, passando pela tradição cristã e pela sua crítica nos
Philosophique, H, Louvain-la-Neuve, Inst. Supérieur de Philosophie, 1984, pp. 1- 3 modernos, é estudado por H. Blumenberg, Der Prozess der theoretischen
38 vugterde (Die Legitimitit der Neuzeit, HI. Teil), Frankfurt a. M., Suhrkamp,
1973, No entanto, a perspectiva de Blumenberg sofre de alguma unilateralidade.
92. Observe-se que a poíesis tem em vista a simbolização do mundo na À curiositas criticada na tradição cristã tem um qualificativo: é a vana curiositas
relação de objetividade. A simbolização do outro tem lugar pela práxis na relação 1 Antropologia Filosófica I, op. cit. p. 279, n. 78). Sobre outro aspecto do
de intersubjetividade, e a relação dialética entre os dois momentos constitui o io smo tema ver ainda, de Hans Blumenberg, Die Lesbarkeit der Welt, Frankfurt
fecho do discurso filosófico sobre a relação do homem com a exterioridade do | M,, Suhrkamp, 1986. Sobre o tema do “desejo do saber” ver Jan Aertsen, Nature
mundo e do outro. Wu! Creature: Thomas Aquinas Way of Thought, Leiden, Brill, 1988, pp. 7-53.
93. Ver L. Landgrebe, Philosophie der Gegenwart, op. cit., pp. 81-98. 102. A passagem do rito mágico à técnica é estudada por G. Simondon, Du
94. Ver FT. P. Mager, A. Maierú, G. Stabile, F. Kaulbach, art. “Natur” ap. mode dº existence des objets techniques, Paris, Aubier, 1958.
Historisches Woôrterbuch der Philosophie VI (1984), col. 421-478; Yvon Belaval, 103. A natureza do “sistema técnico” foi estudada em pormenor por J. Ellul,
“La nature des physiciens”, ap. Encyclopédie Philosophique Universelle, I, pp. Fo systôême technicien, Paris, Calmann-Lévy, 1977, do mesmo autor convém citar
437-443, à livro clássico, La Technique ou Penjeu du siêcle, Paris, Colin, 1954 (tr. port. A
95. A distinção natura naturans-natura naturata, de origem medieval, é Foonica ou o desafio do século, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968). Convém
aplicada por alguns autores à distinção entre Deus e as criaturas; ver, p. ex., Santo do inbrar igualmente a obra fundamental de F. Dessauer, cientista e filósofo, Streit
Tomás, Summa Theol., la. Ilae, q.85 a. 6 c.; mas foi Espinoza que a celebrizou Wi die Technik, Frankfurt a. M., Knecht, 1958; sobre a contribuição de Dessauer
dando-lhe um sentido panteísta (Ethica, I, prop. 19, schol.). No entanto, não é à discussão do problema da técnica ver H. Stork, Einfiihrung in die Philosophie
como designação de Deus ou do divino que nos referimos aqui à natura naturans. do Technik, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1977, pp. 15-22; nessa
Sobre a história dessa noção ver K. Hedwig, em Historisches Worterbuch der dbra (pp. 164-185) ver uma ampla exposição sobre os aspectos antropológicos da
Philosophie, op. cit., VI, 504-510. - Sugestivo também o estudo de D. Janicaud, “Phénoménologie, conscience
Batnrelle et monde technique”, ap. Phénoménologie et Métaphysique, (dir. J.-L.
96. Ver Brian P. Copenhaver, “Astrology and Magic”, ap. Ch. Schmitt-Q.
amon e G. Planty-Bonjour), Paris, PUF, 1984, pp. 105-124.
Skinner, The Cambridge History of Renaissance Philosophy, Cambridge University
Press, 1988, pp. 264-300; G. Gusdorf, Les origines des sciences humaines, op. cit., 104. Sobre essas duas atitudes e sobre a natureza da técnica moderna na sua
pp. 441-452. delação com os problemas humanos ver J. Hottois, “Éthique et Technique”, ap.
i lopédie Philosophigue Universelle, 1, pp. 136-144. Sob um ponto de vista
97. Uma analogia poderia ser pensada com a chóra platônica que se oferece
implo, incluindo todo o domínio da relação de objetividade e as “modalida-
maleável à ação ordenadora do Demiurgo. Ver Platão, Timeu, 48 e - 51 b. Ver
dos práticas” nas quais o homem a traduz, ver as profundas reflexões de J. de
ainda J. Seidegart, “Cosmo-logique”, ap. Encyclopédie Philosophique Universelle,
Finance, Lº Affrontement de P autre, Roma, PUG, 1973, pp. 164-177.
I, op. cit., pp. 353-362 (aqui pp. 360-361) e também E. Morin, La Méthode I: La
Nature de la nature, Paris, Seuil, 1977, pp. 33-93. — 105. Em Vortráge und Aufsitze I, 3. ed., Pfiillingen, Neske, 1967, pp. 5-36 (tr.
fe de A. Préau, Essais et Conférences, Paris, Gallimard, 1958, pp. 9-48). Um
98. Ver o sugestivo livro de S. Moscovici, Essai d'une histoire humaine de
*oimentário autorizado do texto de Heidegger é o de J. Beaufret, Dialogue avec
la nature, Paris, Elammarion, 1968.
Heidegger II, op. cit., pp. 143-171.
99. Sobre a história do conceito de “natureza”, além dos artigos do Historisches
106. Ver Jean Beaufret, op. cit., pp. 170-171.
Woerterbuch der Philosophie e de Yvon Belaval citados na nota 94 supra, ver,
dentre uma vasta bibliografia, R. G. Collingwood, The Idea of Nature, Oxford, 107. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 263-265.

44 45
108. Sobre o aspecto espiritual da técnica ver W. Schadewaldt, “Die 119, Ver, por exemplo, J. Pepin, Théologie cosmique et théologie chrétienne,
Anforderung der Technik an die Geisteswissenschaften”, ap. Humanismus (ed. His, PUF, 1964, comentando o texto de Santo Ambrósio, In Hexaemeron, I, 1,
Oppermann), op. cit., pp. 468-492; D. Janicaud, art. cit. na nota 103 supra.
109. Uma reconstituição autorizada dessa história é proporcionada por As 20, Ver. J. Lacoin, “De la Scolastique à la science moderne”, ap. Revue des
Leroi-Gourhan, L'homme et la matiêre, 2. éd., Paris, Albin Michel, 1971. Wtions scientifiques, Juillet (1956): pp. 325-343.
110. No desenrolar dessa história, é importante levar em conta a decisiva! 121. Sobre esse desaparecimento, ver as reflexões de A. N. Wildiers, Weltbild
ruptura epistemológica que teve lugar no século XVII com a substituição da an- | Theologie, op. cit., pp. 286-291; e ainda, H. C. Lima Vaz, Escritos de Filosofia
tiga physis, pensada a partir das qualidades sensíveis, pela natureza conceptualizada Problemas de fronteira, op. cit. pp. 2338-239.
matematicamente na ciência moderna. Dentre a vasta bibliografia a respeito, 2. Ver). M. Aubert, Philosophie de la Nature, op. cit., pp. 95ss.; R. Lenoble,
convém citar o livro de R. Lenoble, cit. supra n. 99, e a bibliografia citada na oiro de Vidée de Nature, op. cit., pp. 309-337.
Antropologia Filosófica, op. cit. p. 102 n. 29. Sobre as condições históricos
-culturais e teórico-experimentais do surgimento do universo copernicano ver 123. Ver H. C. Lima Vaz, Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, op.
Hans Blumenberg, Die Genesis der kopernikanischen Welt, op. cit., 1, pp. 149- = pp. 68-70. A solução extrema dessa aporia é a concepção do aparecimento
299. amente aleatório do homem num universo submetido ao jogo do acaso c da
svasidade, tal como a propõe J. Monod, Le Hasard et la Nécessité, Paris, Seuil,
111. Na classificação de J. Ladritre; ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 7
21 n. 8.
124. No sentido de uma Proto-natureza, análoga à physis católica e anterior
112. Ver Escritos de Filosofia, II : Ética e Cultura, op. cit., pp. 210-211. Pistemologicamente à natureza científico-técnica.
113. Esses problemas são tratados de uma maneira abrangente e numa pers-
125. O problema da relação homem-natureza, reformulado no âmbito de uma
pectiva humanista pelo físico E. Cantore, Scientific Man: the humanistio uva aliança” entre ambos, e reaparecendo no contexto das teorias científicas
signifiance of Science, New York, ISH Publications, 1977 (ver recensão em Sín- te a origem e formação do universo (“princípio antrópico”), adquire, assim, um
tese 16 [1977]: pp. 158-159. ance bem mais abrangente, implicando a necessidade de um repensamento do
114. Ver o capítulo “Ética e Ciência” em Escritos de Filosofia II: Ética e Wiblema geral das relações entre Religião, Filosofia e Ciência. Ver os estudos
Cultura, op. cit., pp. 181-226; ibid., “Ciência e Sociedade”, pp. 274-279; ver tam- púidos em R. J. Russell, William R. Stoeger, George V. Coyne [eds.) Physics,
bém J. F. Mattéi, L'ordre du monde, Paris, PUF, 1989, pp. 163-164. Wilosophy and Theology: a common quest for understanding, Roma/Indiana,
biona Ed. Vaticana-University of Notre Dame Press, 1988; sobretudo a contri-
115. O problema de uma Filosofia da Natureza, disciplina de venerável e
Wicão de W. R. Stoeger, “Contemporary Cosmology and its implications for the
muito antiga linhagem, pois com ela começa a Filosofia entre os gregos, depois
ince-Religion Dialogue”, pp. 219-248. Ver também as conclusões do artigo de
de ter sido sucessivamente submergido pelas vagas do criticismo, do positivismo. É Zimmermann, “Twistors and Self-Reference: on the generic non-linearity of
e do historicismo, renasce hoje e se propõe como de extrema atualidade no con- ature”, ap. Philosophia Naturalis, 27 (1990), pp. 272-297 (Bibl. 293-297). Sobre
texto não somente filosófico, mas também civilizatório, de uma “nova aliança” É novas perspectivas da aliança antropocósmica ver ainda o artigo de F. Tinland,
entre o homem e a Natureza, tal como a definem, por exemplo, I. Prigogine e I. na nota 99 supra. Uma visão de conjunto das atuais teorias cosmológicas e
Stengers, La Nouvelle Alliance, Paris, PUE, 1979. Ver as reflexões de F. Guéry, W 14 implicações filosóficas encontra-se em W. Stegmiiller, Hauptstrômungen der
“Une philosophie de la nature aujourd” hui”, em Encyclopédie Philosophique: WWenwartsphilosophie, 8º ed., Bd. II, Stuttgart, Kroener, 1987 (tr. port. da 5º ed,,
Universelle, 1, pp. 454-461 e F. Selvagei, Filosofia do Mundo, (tr. poxt.), São Paulo, » Paulo, EPU-EDUSP, 1977, II, pp. 191-352). Ver ainda Jacques Merleau-Ponty,
Loyola, 1990, pp. 143-164. Fa Cosmologie: le point de vue du philosophie”, ap. J. Andouze, P. Musset, M.
116. Os dois conceitos de finitude e situação, na sua acepção antropológica, by (orgs.), Les particles et "univers (Nouvelle Encyclopêdie Diderot), Paris, PUEF,
muitas vezes tomados como equivalentes na literatura filosófica contemporânea, ), pp. 21-45. Para uma visão de conjunto da cosmologia atual consultar Marc
na verdade não o são. A finitude denota a inadequação entre a infinitude inten- licze-Rey, Connaissance du Cosmos, Paris, Albin Michel, 1987. O célebre
cional do espírito aberto ao ser, e a infinitude real do ser: a inadequação, em! tscller de Stephen W. Hawking, A brief history of Time: from the Big-Bang
Hluck Holes, 1º ed., Nova Iorque, Bantam Books, 1988 é, sem dúvida, a mais
suma, entre o espírito capax entis e o ens ipsum. A situação exprime a relação)
ilhante iniciação a esses temas, mas a edição brasileira (1º ed., Rio de Janeiro,
constitutiva do homem com uma realidade que lhe é exterior (o mundo). Todo ser
Povo, 1988) foi desfigurada por numerosos erros de tradução e, embora corrigida
situado é finito, mas a recíproca não é verdadeira. Os seres vivos infra-humanos
mn edlições posteriores, permanece pouco confiável, tornando necessário o recurso
e os puros espíritos (na hipótese da sua existência) são finitos, mas não são situ- 4 oiiginal. Uma síntese recente desses problemas encontra-se em J. Demaret,
ados: os primeiros por estarem circunscritos ao seu nicho ecológico, sendo deter- mivers: les théories de la cosmologie contemporaine, Aix en Provence, Le Mail,
minados por ele, os segundos por intuirem, por definição, a realidade em si mesma. FW] Sobre o “princípio antrópico” ver J. Demaret, “Le principe anthropologique
117. Distinta, convém lembrá-lo, da vertente gnosiológico-crítica. milhropique”, ap. Nature et Culture, Le Supplément, nn. 182-183 (1992): 11-55;
118. Ver J. M. Aubert, Philosophie de la nature: propédeutique à la vision 2 | Ladriêre, “Le principe anthropique et la finalité”, ap. Follon — Mc Evoy (dirs.)
chrétienne du monde, Paris, Beauchesne, 1965, pp. 23-26. Wulité et intentionnalité: doctrine thomiste et perspectives modernes, Louvain-

46 47
-Paris, Inst. Sup. de Philosophie, Vrin/Peteers, 1992; J. Demaret, L'Univers, op

ções do “princípio antrópico”.


126. “Religião”, de resto, sem templo, sem altar e sem culto; ou tendo comt
templo o universo, como imagem os astros, como culto a sua muda contempla
ção; ver A. ]. Festugitre, La Révélation d'Hermés Trismégiste II; Le Dieu Cosmique
op. cit., p. XV; uma analogia contemporânea talvez possa ser encontrada na “re
ligião ecológica”.
) CATE G ORIA DA
127. Esse éclair da consciência e do pensamento, Henri Poincaré definiu-a
como sendo tudo para o homem: o que é a forma mais radical de definir o ser do INTERS UBJE TI VI D AÃ D E
homem como um fulgor instantâneo entre dois nadas.
128. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit. pp. 195-197.
129. Ver ibid., 2º parte, 1º seção.
130. Ver ibid. p. 225.
131. Ver ibid., pp. 223-224.
132. A essa negação se contrapõe a tendência que acompanha, como poderosa Introdução
vaga de fundo, a corrente do pensamento filosófico ocidental e identifica o em-si
do mundo com o absoluto do ser. Do kósmos divino dos antigos, cuja theoria era
a mais alta atividade do homem, à substância espinozista, à “naturalização” do (O) estender-se do conhecimento científico sobre o domínio da
homem em Marx, ao retorno eterno de Nietzsche ou ainda às tendências à iden: licao de objetividade, que as recentes teorias cosmológicas di-
tidade no diálogo antropocósmico dos nossos dias, é essa uma alternativa metas fam em perspectivas prodigiosamente vastas no espaço-tempo,
física que, ao fim e ao cabo, torna a Antropologia Filosófica apenas um capítulo) é É t q india
da ontologia do mundo. Wvita inevitavelmente a reflexão sobre o paradoxo assinalado
133. Eé verdade que a
a
extensão das
sá de
ciências da informação
E
às ciências da
» Stephen W. Hawking ao fim do primeiro capítulo da sua A
.: ; 1
natureza, sobretudo às ciências da vida (as ciências da informação desempenhan: do/ history of Time e que se manifesta no fato d
fato de que
na teoria
do com relação aos fenômenos da vida o papel da matemática com relação aos Witária do universo, para a qual tendem os esforços mais tenazes
fenômenos físicos), mostra, como lembra Henri Atlan (“Du code génétique aux: Hísica contemporânea, estariam contidas as premissas
codes culturels”, ap. Encyclopédie Philosophique Universelle, 1, pp. 419-430), a
presença de uma
al;linguagem É na natureza. Mas essa
aêlinguagem Enonão e,Cr senao
Elvrminantes da nossa
"
compreensão Edo mesmo Euniverso, pois
di létio do
em sentido metafórico, interpelante do homem e ela não permite, evidentemente, 1º somos parte. Seria essa uma versão puramente FAO
o estabelecimento de uma relação recíproca da forma eu-tu, nem a instituição de Princípio antrópico”, segundo a qual a compreensão do universo
uma comunidade de linguagem na forma de um nós. à um ser inteligente que dele faz parte implica a presença, no
134. Ver Phinomenologie des Geistes, IV (ed. Bonsiepen-Heede, Gesammelte PHInO universo, das condições de possibilidade do seu ser com-
prio 9, p: a ne SEnAto essa sentença gre E Hegel, o AM endido justamente por esse ser. Como, pois, compreendendo o
“Consciência” da Fenomenologia, exprime uma definição ainda imperfeita do
E Er
Espírito, caracterizando o momento em que o aparecimento da “infinidade” |liverso3 a nósA mesmos e
na como um todo nele compreendermos E d t
dialética da consciência faz com que essa se desdobre na reflexão sobre si mesma im j compreendermos as razões da nossa compreensao sem, de
e, como auto-consciência, passe do conhecimento do mundo ao conhecimento do Elma maneira, transcendermos o universo, transcendendo o
ao jsO ser-parte? Esse paradoxo, para o qual Hawking oferece uma
ução darwiniana ad hoc, e que, em Pascal, suscita a atitude do
iaravilhar-se diante do lugar do homem na natureza !, seria le-
ado ao extremo se pretendêssemos incluir na teoria geral do
Wiverso as premissas do nosso conhecimento do outro, ou do ser
foligente como nós que, ao menos em princípio, poderia tam-
jm compreender a teoria unitária do universo e, nela, a si mes-

49
mo e a nós. Na verdade, essa forma singular e paradoxal da rela ida como medium da interlocução ou como terreno no qual se
ção parte-todo (homem-universo), exprimindo-se como relação não Eudobra a relação recíproca entre os sujeitos: a relação dual Eu-
recíproca de objetividade, parece mostrar em nós a presença dé Tu constituindo o círculo originário do Nós, e a relação plural
uma dimensão irredutível ao domínio da objetividade e que, por: lie se estabelece entre a multiplicidade de centros egológicos $,
tanto, não pode estar contida numa teoria unitária do universo instituindo o Nós plural e expandindo-se em círculos concêntri-
justamente a dimensão estrutural que denominamos espírito js dos pequenos grupos às grandes comunidades históricas. Do
Desta sorte, ao passarmos da relação não-recíproca de objetividas iPsmo modo como na relação de objetividade a realidade exterior
de para a relação recíproca de intersubjetividade, encontramo-nos assumida pelo sujeito nas formas de expressão que configuram
em face de uma nova forma da dialética em que dois “infinitos! & esferas do mundo e da natureza, assim a relação de
se relacionam (paradoxalmente!) ou dialeticamente se opõem. Com itersubjetividade deverá encontrar formas de expressão que tra-
efeito, na relação de objetividade, a infinitude intencional do su: liam a originalidade do encontro do outro — dos outros — no
jeito faz face à infinitude potencial do universo no seio do qual Wrizonte do mundo.
se articula a dialética pascaliana dos dois infinitos e se manifesta Convém no entanto, no limiar desse capítulo que assinala a
o paradoxo de Hawking. Na relação de transcendência, coma issagem da categoria da objetividade para a categoria da
veremos, a infinitude intencional do sujeito faz face à infinitude ersubjetividade, voltar nossa atenção para uma observação
real do Absoluto. Mas, na relação de intersubjetividade, à ietodológica de extrema importância.
infinitude intencional do sujeito tem diante de si outra infinitude
intencional, e é a reciprocidade da relação entre ambas que cons O desenvolvimento do discurso da Antropologia Filosófica
titui o paradoxo próprio da intersubjetividade, manifestando-se Hedece, como sabemos, a um esquema linear de seriação das
primeiramente na finitude da linguagem como portadora do uni: alegorias percorrendo, como regiões categoriais fundamentais,
verso infinito da significação. 4 —> Mundo —> Outro —> Transcendência —> Unificação
alização) —> Unidade (Essência). Esse esquema apresenta uma
O aparecimento do outro no horizonte da intencionalidade do Pita analogia com o esquema hegeliano da Filosofia do Espírito,
Eu tem lugar, por conseguinte, no medium da linguagem enten: Wnber, Espírito subjetivo —> Espírito objetivo —> Espírito Ab-
dida no seu sentido mais amplo como estrutura significante que luto. Trata-se de um esquema linear que, sendo articulado na
se diferencia em múltiplas formas, desde a postura corporal e O Bnha da inteligibilidade para-nós, é reversível na linha da
2

gesto até a prolação da palavra e a articulação do discurso, em O oligibilidade em-si dos seus momentos, pois a essência é que
particular do discurso da interlocução (diá-logos). É sabido que a constituir o fundamento ontológico de inteligibilidade no
linguagem tornou-se um dos tópicos mais frequentados da refle invimento de auto-realização do sujeito, das relações de trans-
xão filosófica contemporânea, e a filosofia da linguagem passou a idência, intersubjetividade e objetividade, bem como das cate-
ser um dos ramos mais frondosos da árvore da filosofia 2. No bras de estrutura *. Essa reversibilidade do percurso dialético,
entanto, como observava há pouco um lingúista de reconhecida | vircularidade da compreensão filosófica 7, mostra que os mo-
competência 2, o enorme desenvolvimento das ciências da lingua pintos do discurso no seu desenvolvimento para-nós devem ser
gem ea rápida ascensão da filosofia da linguagem ao zênite da isados exatamente no movimento que os faz passar um no
céu filosófico, não se fizeram acompanhar por uma adequada Bitro: assim, na região categorial da estrutura, o corpo próprio só
reflexão antropológica, seja no próprio plano de uma elucidação) tl enquanto passa dialeticamente no psiquismo e este no espí-
científica do fenômeno da linguagem, seja no plano da sua inter to Por sua vez, o Eu como estrutura só é tal na medida em que
pretação filosófica. As razões dessa carência paradoxal (sendo q Wosa (dialeticamente) na relação de objetividade e, mediatizado
homem, afinal, o portador e o usuário único da linguagem] são dr ela, na relação de intersubjetividade. Seria, pois, compreender
múltiplas e não é aqui o lugar para examiná-las *. Nossa atenção. E inaneira incorreta o desenvolvimento do discurso da Antropo-
se volta particularmente aqui para a dimensão da linguagem de Wi Filosófica supor seus momentos categoriais como unidades

50 51
discretas e totalmente constituídas na sua inteireza conceptual,€ Sendo, por conseguinte, a linguagem o medium no qual se
que implicaria o irremediável extrinsecismo do discurso comi Wstitui a relação de intersubjetividade ou no qual o Outro faz
relação às categorias que ele articula e, finalmente, a impossibi Pao Eu em situação de reciprocidade 'º, serão as diversas
lidade de se pensar o homem na sua unidade *, Essa observação Eilalidades do anunciar-se do sujeito, interpelando e responden-
deve ser levada em conta sobretudo se considerarmos as catego! que irão dar origem aos infinitos fios com os quais se tece o
rias de relação. Se é verdade que o homem é um todo nã ontro do outro — dos outros. Assim, a pré-compreensão da
circularidade dialética do corpo, do psiquismo e do espírito, esta lação de intersubjetividade tem lugar justamente no terreno
mos aqui diante de um todo paradoxalmente aberto ou, segunda se anunciar-se ao outro e a ele responder, e é nesse terreno que

a feliz expressão de Jacques Maritain, de um “todo aberto e gene à» diversos aspectos podem ser analisados.
roso” º?, Vale dizer que o homem não se abre ao mundo e ao out
como uma espécie de mônada leibniziana, à qual tenham sidé
concedidos mirantes ou janelas de onde a realidade exterior é Pré-compreensão da relação de intersubjetividade '*
nela, a presença do outro fossem descobertas apenas como um
espetáculo que a auto-suficiência do sujeito aceita contemplar.
Trata-se, pois, de traçar as grandes linhas dessa experiência
verdade, a abertura é constitutiva da totalidade do sujeito e o pre
iginal que rompe a objetividade do horizonte do mundo e na
ceito paradoxal do “perder-se para encontrar-se” 1º recebe aqui umã
4 o homem se encontra empenhado numa relação propriamen-
transposição filosófica que se mostra decisiva para a constituição dá
“dia-lógica, estritamente recíproca, e que se constitui como
discurso antropológico. Portanto, na perspectiva do desenvolvime
Frinância de invocação e resposta entre sujeitos que se mos-
to do discurso, a autoposição do sujeito no seu ponto de partida na
in como tais nessa e por essa reciprocidade. A auto-expressão
categorias de estrutura pode ser considerada uma posição abstratd
à Eu sou é aqui suprassumida no movimento relacional que
que, através das categorias de relação, encaminha-se para a su
Ptaura como outro termo da relação exatamente um outro Eu:
autoposição concreta nas categorias de auto-realização e de essêni
For ligo. Essa aparição da relação de reciprocidade manifesta a
cia. Essas suprassumem no Eu sou concreto o ser relacional dá
à natureza primeira e originante no desdobramento da auto-
homem, mostrando a inteligibilidade radical do sujeito na síntest
Hipreensão do sujeito, na primazia que lhe compete com rela-
do ser-em-si e do ser-para, do esse in (seipso) e do esse ad (aliud
| | seus termos e que nos autoriza a falar de um primum
vel alium), ou ainda da estrutura e da relação. Novamente um
Wlionis na caracterização dos extremos dessa reciprocidade,
analogia poderia ser evocada aqui, desta vez com a dialética dg
dos entre si por esse ir-e-vir ontológico que denominamos
Filosofia do Espírito objetivo em Hegel, na qual os momentos di
Wrubjetividade *º. Verifica-se aqui uma incidência notável da
Direito abstrato e da Moralidade encontram sua efetivação concretã
de circularidade dialética: partimos da unidade estrutural do
na Eticidade (Sittlichkeit). Por outro lado, convém recordar a obser
“para pensar a relação de objetividade e essa, por sua vez,
vação do mesmo Hegel !! sobre a assimetria que vigora entre ai
frissume o Eu na situação relacional de ser-no-mundo. Do Eu-
determinações conceptuais enquanto momentos do desenvolvimen
mundo o discurso avança para compreender, no curso do seu
to dialético e enquanto figuras do desenvolvimento do conceito nd
Wnrolar dialético, a relação de intersubjetividade e essa
tempo. No nosso caso, se a figura do Eu antecede no discurso à Piussume então o Eu e o seu mundo na prioridade fundante da
relações de objetividade e intersubjetividade, de transcendência e di iprocidade dos termos egológicos entre os quais ela se estabe-
realização, ela só alcança sua plena inteligibilidade ao atingir | à, refluindo assim sobre o Eu na sua totalidade estrutural para
categoria da essência, quando a aparência do Eu abstrato que d Binctê-lo à necessidade dialética do Cogito, ergo sumus !$, ou à
início ao discurso terá sido suprassumida no Eu concreto que existi Prissunção do sum no sumus.
efetivamente no seu relacionar-se com o mundo, com o outro |
com a Transcendência e que neste e por este relacionar-se, a $ “Vê-se, no entanto, que essa suprassunção, instituindo o cará-
mesmo se realiza como pessoa 2, iundante do Nós, só é possível como resultado do movimento

52 53
dialético que articulou a essencial reflexividade do Eu, expressa Wiliação pela qual ela se conhece concretamente no seu ser-
nas categorias de estrutura e formalizada nos silogismos do em: RNROu, exatamente ;zem Guia consciência-de-si lata ego),
-si e do para-nós ””, e operou, assim, a passagem à esfera da ob: feiliação quesnaoacrsenÃO; OMPIODILO reconhecimento - Hegel,
jetividade e ao ser-no-mundo. Os termos da relação de mo é sabido, encontra na oposição histórica do Senhorio e da
intersubjetividade só podem ser postos como sujeitos cujo ser é pvidão o paradigma que lhe permite expora dialética do zeco-
estruturalmente reflexivo !8, ou que são capazes de exprimir-se à vimento e, com ela, a entrada monTelno do Espírito ou na
si mesmos na auto-afirmação do Eu sou. Em virtude da pra natal da verdade” *, que a consciência deverá agora percor-
reflexividade dos seus termos, a relação é relação de reciprocidade E Mas, desse célebre locus hegeliano interessa-nos apenas Teter
e, especificamente, relação de reconhecimento. idéia de que a dialética da alteridade ou da essencial e
á “nstitutiva relação do sujeito, enquanto situado e finito, ao seu
É sabido que o tema do reconhecimento |Anerkennung), prel Wiro (esse ad, ou relação de alteridade que é equioriginária, em
sentido na filosofia prática de Kant e herdado da filosofia jurídica idem à compreensão do sujeito, com seu esse in estrutural)

Fichte, deconstitui
éticado deEspírito
esofia um dos temas fundamentais da filo) inplica necessariamente a passagem do outro-objeto (tematizadoo
Hegel. Na verdade, porém, ele se insere, er 1a relação de objetividade) ao outro-sujeito, ou seja, implica
Hegel, num contexto muito mais vasto do que o da simples ex sradoxo da reciprocidade, segundo o qual o sujeito é ele mesmo
pressão da relação de intersubjetividade, constituindo o primeiro pse) no seu relacionar-se com outro sujeito o qual, por sua vez,
passo de um movimento dialético que abrangerá todo o domínio) Igualmente ele mesmo (ipse) no seu ser-conhecido e no es
do Espírito 'º. Libertado, porém, da construção sistemática de = seu outro: em suma, no reconhecimento *.
Hegel, o tema do reconhecimento passou a ocupar lugar de releva ' esp »
na tradição filosófica pós-hegeliana, integrado à corrente de pen A reciprocidade constitutiva da relação coro outro mostra,
samento que fez do problema da intersubjetividade seu problema aasim, a impossibilidade do solipsismo [solus ipse). Essa IMmpOSSi=
fundamental º, No entanto, a exposição que Hegel faz da dialé Wilidade se demonstra exatamente mi virtude do movimento
tica do reconhecimento na Fenomenologia do Espírito permanece Hialético pelo qual a relação de objetividade é suprassumida na
modelar e até hoje não superada 2!, podendo ser aceita como a delação intersubjetiva. A SUprassunção, significa aquisquesa forma
melhor introdução à pré-compreensão da intersubjetividade. do ser-no-mundo como auto-expressão do sujeito implica neces-
riamente a forma do ser-com-o-outro que é, justamente, a for-
Com efeito, a originalidade do ponto de vista hegeliano, com 11 da relação intersubjetiva 5. O lugar privilegiado do tema do
o qual a perspectiva adotada na nossa Antropologia Filosófica Wutro na filosofia contemporânea e as tentativas de uma
apresenta alguma analogia, consiste em fazer surgir o problema nnceptualização filosófica adequada da relação intersubjetiva que
do outro no âmbito da dialética do reconhecimento, ao termo das Encontramos no roteiro intelectual dos grandes pensadores mo-
experiências que a consciência faz no seu relacionar-se com O) dernos 2 podem ser vistos de um lado como tentativas de supe-
mundo objetivo e que conduzem, através de um complexo movi: ão do solipsismo, consequência aparentemente inevitável das
mento dialético, ao aparecimento da noção de infinito, suscitam Filosofias do sujeito e, de outro, como reação contra o predomínio
do o desdobrar-se interno da consciência, agora assumindo a figu: | funcional e do operacional na sociedade dominada pela tecno-
ra da consciência-de-si. Essa encontra, no fluir da vida e na pulsão lência, vem a ser, em termos antropológicos, pela primazia dada
do desejo seu primeiro esboço ou figura na realidade objetiva. Aí, à relação de objetividade na forma de compreensão explicativa da
porém, o objeto é arrastado na inquietação sem fim da vida ou é Natureza, na efetivação do ser-em-relação do homem moderno.
consumido pela satisfação do desejo, nunca saciado e sempre aaa
renascente, impelido por um movimento sem termo ou pela dia: O problema da experiencia do encontro COImAO outro, ou da
lética do mau infinito. Desta sorte, a consciência deve passa? Experiência da relação intersubjetiva, potanas formulado como
necessariamente para o momento do reconhecimento — verdade In Uscompreensão da relação de intersubjetividade, é tratado na
do desejo — ou seja, deve encontrar em outra consciência-de-si à literatura filosófica mais recente sob vários enfoques temáticos e

55
54
metodológicos. Em cada um deles
o caminho para o outro é tra intência da physis **, Com efeito, o pensamento antigo não em
çado num terreno que parece apre
sentar-se como o mais apto a Heceu esse problema na sua versão gnosiológica, não a se
oferecer um fundamento sólido, seja
à expressão teórica da reali- “nha sido o “viver em comum” um tema fundamenta a fi e
dade do outro, seja à experiência
de uma figura autêntica da sua!
alteridade. Assim, o roteiro Para “lia clássica, sobretudo no que diz respeito à vida Si
O outro é traçado sucessivamen-
te no terreno da fenomenologia, da alitica e à amizade %. Na tradição cristã desse tema, funda e
gnosiologia, da psicologia
lógica, da ética e da história. Apo Wvelação do próximo no NT, a existência do outro Ro aa e
ntemos
de cada um deles: também uma evidência contida na urgência Ra e ed a
à do amor, mas, aqui, a raiz mais profunda da alteri E e e
a. fenomenológico — Seu ponto de Rae E
partida pode ser encontra- fla no ato criador de Deus %: o que, segundo Lain
do na tentativa de E. Husserl ” para
estabelecer a realidade do Enipõe definitivamente o tema do outro na E Ra Rd
outro no âmbito da esfera intencional do Eu e dent
ro do problema Fuidente, como irá atestá-lo exemplarmente a reflexão Ge
geral da constituição da realidade
enquanto medida e regida pelo Rvostinho *. No entanto, para que a existência do outro ass e
Eu transcendental, problema que ofer
ece a linha diretriz das P O caráter problemático, em termos gnosiológicos, com aa se
Meditações Cartesianas 2. Trata-se,
para Husserl, de estabelecer presenta na filosofia moderna, era necessário que pro a
uma teoria da intersubjetividade tran
scendental rigorosamente Eu anças histórico-culturais, agudamente Aoaasass e
construída, segundo as exigências
do método fenomenológico 2. Entralgo*?, tivessem lugar na história do Oci Se. scene
O laborioso itinerário da 5º Meditação
*º, apesar de não ter con- primeiros passos da filosofia moderna, o problema do c Nhesis
vencido nem mesmo os discípulos mais próximos
estatuto de paradigma nas discussõ ?!, adquiriu um ento do outro está presente, assinalado com o es ea o que
es contemporâneas sobre o » tornará clássico de Descartes a Husserl, e que pretende exp
problema do outro. Com efeito,
a tematização fenomenológica Far tal conhecimento entendendo-o como conclusão de um asia
pode ser considerada a última e mais
radical tentativa da filosofia vinio analógico que parte da experiência do Eu próprio é E
do sujeito, presente aqui sob
a forma de uma egologia horiosas tentativas para fundamentar o conhecimento o Geo
transcendental, para ultrapassar
a barreira do solipsismo 2, Na pi para dar-lhe um estatuto gnosiológico pdeanados Reu
verdade, porém, o impulso decisivo
vindo de Husserl levou a Bempre, e definidamente, sobre a realidade pesnedia oe a E
fenomenologia para além dos limi
tes por ele traçados, atestando ue se desenrola em formas sempre mais profun' as a Pá ia
a fecundidade de um método que frutificou em várias
direções 33. isolação fundamental do reconhecimento. No end e E na
b. gnosiológico — Há, evidentement 4 pré-compreensão da relação de intersubjetivi ade E a
e, uma
íntima vinculação
entre o enfoque fenomenológico e 1 conhecimento do outro na.sua irredutível origina RE
o gnosiológico, não sendo o
primeiro senão a proposição do méto face da relação de objetividade, não obstante ps fotmas e a
do mais apto para o conhe-
cimento do outro. No entanto, tes c coisificantes que o encontro pode assumir *, ou que po
a dimensão especificamente
gnosiológica apresenta-se nesse :
campo com características origi- esfigurá-lo.
nais na exata medida em que, dent
ro da relação geral de alteridade
entre o cognoscente eo conhecido, c. psicológico — O problema psicológico Ea Ro E
o perfil do outro se destaca tee
inconfundível por entre a multiplicida intersubjetividade formula-se no plano da realida e eme
de anônima dos objetos. encontro com o outro, na medida em que ele se efetiva atrav Ee
Como descreve r e fundamentar criticamente essa
de conhecimento que se estabelece relação original vida psíquica, desde a simples percepção à imaginação ER
entre sujeitos? Tal a tarefa vidade. Ao psiquismo, com efeito, cabe uma função priv Ele :
que o enfoque gnosiológico do prob
lema do outro se propõe cum- a E :
prir. À proposição da questão ness no estabelecimento das relações intersubjetivas e
es termos tem algo de parado-
xal, uma vez que a existência do le relação, em virtude da sua essencial reciprocidade, o e
outro é, primeiramente, uma a
evidência da qual seria tão ridículo subjetivamente vivida, ou seja, deve pe
[geloion) duvidar quanto da presença recíproca, vem a ser, de encontro e de diálogo *.
56
57
sia sap e a od na relação de objetividade, na medida iolitutivamente como ae co-existir no espaço do ethos, ou no
EE Ettore aa pan na relação de o da comunidade ética 9, Assim, o questionamento dialógico
eredoro ig o : e ai qual O corpo próprio is que Sócrates introduz na filosofia o tema da intersubjetividade
peter relação ma não é o em vista, em primeiro lugar, a vida ética ou o exercício da
dinalieaiCa dadas 3 aa no E o, mas do seu “fazer EP, Noção essencialmente voltada, na sua acepção grega GR
parditedalpermepodalda Asa ss RE ar est E. Husserl 4. À | para o reconhecimento no seio do existir-em-comum *. A
Mhentoresieailáaai corpolprónro pec pa O outro no desdobra: ea clássica passa a ser, desta sorte, sob a égide de Sócrates, um
inndgupa Colé fast aii e E mútua reflexão, as mínio privilegiado para a reflexão sobre as formas da relação
dipsend a e Re jetiva apresentam uma iorsubjetiva. Será necessário o advento e o triunfo do individua-
Scheler 4 1 a, entre outros, por Max imo moderno para que o refluxo da moralidade aos recessos da
ê Wjetividade torne problemática a intersubjetividade ética, que
d. lógico — O aspecto lógico da relação de intersubjetividade Hit tenta restabelecer com a universalização formal da máxima
está essencialmente ligado ao medium da linguagem em que essa |) imperativo categórico da razão puta prática. Mas, de fato, a
relação se estabelece, uma vez que toda lógica é linguagem e todo orsubjetividade só irá reencontrar um lugar fundamental no
uso da linguagem implica uma lógica, vem a ser, uma ordem ou Binínio da reflexão ética com o conceito hegeliano de “eticidade”
sintaxe dos seus elementos e um conjunto de TeRrAs que definem dtlichkeit) 2. A experiência do encontro do outro como expe-
em termos de significação e significado a relação entre a lingua- jcia ética torna-se um dos temas cardeais da filosofia contem-
gem e as coisas ou a sua semântica e, finalmente, as regras do uso srinca, tendo sido ilustrado, entre outros, por G. Marcel (ver
ou a pragmática da linguagem. A dimensão lógica da ipra, n. 48) e por E. Levinas 2. Por outro lado, as tentativas de
intersubjetividade desdobra-se propriamente no campo da prag- apresentar o discurso ético como fundamento da comunidade
mática e encontra sua expressão primeira e, de alguma maneira Wiversal da comunicação como em J. Habermas e, com matizes
arquetipal, no diálogo. As origens dialógicas da lógica são ilvrentes, em K.-O. Apel*, ou o intento de pôr em relevo a
comumente admitidas pelos estudiosos da lógica antiga, tendo Woo ética da ipseidade do Si, manifestada na linguagem, na ação
sido a estrutura formalmente dialógica do procedimento lógico particularmente na narração, tal como o apresenta P. Ricoeur *,
imesnadda particularmente por P. Lorenzen e seus colaborado- Manifestam a atualidade do problema da pré-compreensão da
tes “º. Por outro lado, o diálogo, como é sabido, tem seus títulos lação de intersubjetividade na sua dimensão ética.
Pp p 4 ntre NStorIC
,

histórica da relação dea intersubjetividade e, de


gica da relação
Es lógica
são ide e
ã de intersubjetividade fez sua entrada na his- 4 E essencialmente
) ; | find bistóri q o
ória da filosofia *”. Na filosofia recente a t EO” Eua do Raia leuma maneira, nela se fundem, sendo a história o domínio
do diálogo apresenta-se como via para ni a ao a fúprio e específico do existir-em-comum dos homens. A história
e como alternativa à teoria transcendental da RA idade *. nte oo e
Pelo caminho da investigação da estrutura Dr aa aca a iscorrer, cronologicamente datado, da vida humana individual
diálogo abriu-se um amplo campo de reflexão na filosofia era Rr mas o modo próprio com nas a comunidade humana
porânea, no qual alguns problemas clássicos da An Dolo E Wiste no tempo e que encontra sua efetivação nos costumes, nas
losófica são repensados em novas perspectivas Wutituições, na linguagem, na sensibilidade comum, em suma
j os diversos aspectos da relação de intersubjetividade que defi-
x Ri o E o Pi da Seia de intersubjetividade jm para os indivíduos e pera os grupos a forma do seu existir
SALA to ssa a a mesma evidência com que Histórico. Aos conceitos de mundo e “natureza a elaine
do tidos ro Fa e, com ela, o fato primitivo : jjotividade correspondem, assim, os conceitos de história e
A efeito, esse co-existir se mostra Wociedade” na relação de intersubjetividade. Em termos dialéticos,
58 59
deve-se dizer que a existência mundana e natural do homem |
ido da vida, elas constituem o resultado de uma mediação
suprassumida pela sua existência histórica e social e é nela qui
o indivíduo existe humanamente, vale dizer, co-existe na unidade
Única *º que deve ser suprassumida nas formas mais elabora-
lys mediações abstrata e transcendental.
rica e complexa de um mesmo sumus. O mundo histórico-soci
é, portanto, o mundo das iniciativas e obras humanas — o mundo Ba tradição do pensamento clássico, as formas de experiência
do nós ou da cultura — que Hegel denominou Espírito objetivo) Wtersubjetividade,
5
constituindo o domínio da sua pré-compreen-
; : E e
e que é o lugar da gênese, do crescimento e da multiplicação da pram diretamente conceptualizadas no discurso filosófico, dan-
palavra propriamente humana do reconhecimento: palavra-quill rigem a duas disciplinas normativas: Ética e Política. A noção
o medium primigênio do existir-com-o-outro 5º. Wma “ciência” da sociedade, tanto no seu aspecto diacrônico
Danas sp saddr ai, enalendaar ; = : História quanto no seu aspecto PinCEONICO como Sociologia,
dairelação de-imtersuljetividade tem do Os, a pré-compreensãg à pxorcício de uma mediação abstrata sobre as formas empíricas
espacosteriponiaracenistenaiawigaL ds ni br av no P | em-comum, era desconhecida do pensamicnto antigo, não lhe
sobre cimo Ads ba E E E a O ade do Eu emerge ido, pois, familiar o conceito de sociedade” como grandeza
procidaderdanelacastdoriro oiro ELA o AR iRR na reci pírica cuja estrutura e leis de funcionamento devessem ser
o homem é ser-no-mundo; pela Felação na fes e E A y tigadas e abstratamente formuladas, como nem o de “história”
situação mundana do Eu é suprassumida no e jetividade à jo processo temporal a ser submetido à investigação metódica
do ser-com-o-outro: um círculo que lembra a esf 9 A passado e à busca de constantes ou leis que supostamente rege-
Nicolau de Cusa e Pascal pois seu centro está he o a o deacniçi Inda Sao Sasoripolitiké,
A formade viga
onde quer que o Bu irradis area plessitoa elastina oda ro comum digna deste nome era a koinonía que os latinos
cuja circunferência não se fixa em parte agua Ta denh o” snsienas ips aaa Ja oijeto design
do Eu se dilata na medida em que se Eolingaro as linhas quê eo apso
dele partem para estabelecer com o outro a re are e 1 uipremo ordenador entre os posaberes
qe o e, Sociedade
antas e História
etsão,
intersubjetividade: a relação recíproca da eo e E No Fedairo Cotar deve SUSI
exerce como relação Eu-Tu no amor, na amizade, na rr em pam *. Sua origem remota do ga pb
ser buscada, sem dúvida, as
nas
comum; a relação recíproca da convivência que se exerce como Eudes da Eru querela medieval, aque apos fociedade e ss
relação Eu-Nós no consenso, na obri Batão; na fidelidade. atraA 4, a Igreja, e a incipiente sociedade política em vias de organizar-
ção recíproca da permanência, que se exerce como rel a Fu- vm Estado soberano &. É justamente na sequência do apareci-
SAO A
-outros na tradição, no costume, na vida social e política nto e formação do conceito moderno de “sociedade” que irão
. Ever e crescer aquelas que vieram a denominar-se “ciências hu-
mas” ou “ciências do Espírito” (Geisteswissenschaften). As no-
E Campi Meati Ú à de História e Sociedade labrangendo a esfera da dialética do real
un ' são, explicativa da relação de E» | egel denominou Espírito objetivo) irão, pois, desempenhar de
intersubjetividade ima maneira, na organização da enciclopédia científica do saber
ulermo, a função fundadora e reguladora com relação ao ser e ao
A relação de intersubjetividade como terreno do encontro com dem comum dos homens que o conceito de Natureza desempe-
O outro e, mais amplamente, do ser-em-comum dos homens dá fava com relação aos fenômenos físicos. Mas foi justamente a
origem a ricas e variadas formas de presença recíproca dos sujei- culdade em submeter as “coisas humanas” (ta anthrópina), como
tos. Foram justamente essas formas que procuramos descrever ao efinira Aristóteles “, ao código epistemológico da nova ciência
tematizar a pré-compreensão dessa experiência fundamental da Patureza que surgira no século XVII, a dar origem aos complexos
it vida que é ser-com-os-outros. Enquanto expressões do reco- ablemas lógicos e metodológicos presentes ao longo do desenvol-
nhecimento do outro e do conviver com o outro na imediatez do ento das modernas “ciências humanas” &.
60 61
A compreensão explicativa da relação de intersubjetividade, Eplicados a partir das leis que regem a estrutura e o movimento
na medida em que exerce sobre o ser-em-comum dos homens a | processos naturais? Serão criações de um Sujeito universal,
mediação abstrata própria do conhecimento científico, é uma à qual os indivíduos são momentos transitórios, que se constitui
forma tipicamente moderna da autocompreensão do homem, pvolui através dos tempos como um todo orgânico tendo a regê-
Nesse ponto podemos estabelecer uma analogia com a compreen- ly à entelégueia de uma idéia unificadora, seja ela o Espírito
são explicativa do espírito, anteriormente considerada *. Mostra- etivo de Hegel, a Humanidade de A. Comte ou a Sociedade
mos ali, com efeito, que o procedimento operatório ou experi- nal de Marx? Ou deverão ser explicadas pela pluralidade e diver-
mental da ciência não se aplica ao espírito em si mesmo, pois ilade das respostas com que os grupos humanos fazem face,
sendo ele identidade reflexiva consigo mesmo não pode expri- instituindo a sua própria tradição cultural, ao desafio da sua
mir-se diretamente em conceitos construídos abstratamente a ilsistência e permanência no tempo? Estas interrogações acom-
partir de uma impossível auto-experimentação. A compreensão, inham a formação e desenvolvimento das ciências humanas a
explicativa terá, então, de exercer-se indiretamente sobre as ope- Hitir do século XIX e dão origem a uma constelação de proble-
rações do homem enquanto ser espiritual, ou sobre sua ias filosóficos que passam a constituir a temática da chamada
objetivização em processos e formas observáveis e analisáveis, filosofia das ciências humanas”. Assim como aconteceu no caso
tarefa essa que cabe às ciências humanas do indivíduo. De modo o espírito, também no caso da relação de intersubjetividade a
análogo, a relação de intersubjetividade, sendo essencialmente, impreensão explicativa apresenta-se distendida entre o ideal
comunhão ou encontro que tem lugar na reciprocidade dos atos plicativo que guia as ciências da Natureza e a compreensão
espirituais (reconhecimento e liberdade), ou sendo presença espi- gida pela síntese indissociável entre o fato e o sentido nas
ritual”, não pode ser submetida diretamente ao procedimento Foisas humanas”, o que leva inevitavelmente as ciências huma-
abstrativo da ciência. Para tanto seria necessário que a relação de Hs a constituir-se como ciências hermenêuticas e a penetrar no
intersubjetividade deixasse de ser o encontro de sujeitos que se “impo da filosofia º.
reconhecem como tais, ou seja, na manifestação recíproca da sua
Na compreensão explicativa da relação de objetividade, é per-
ipseidade ou da sua identidade reflexiva. Em outras palavras, seria
fitido falar de uma primazia do “explicar” sobre o “compreen-
necessário que os termos da relação intersubjetiva fossem intei-
E 1”, pois, não obstante as ciências da natureza, consideradas
ramente dóceis à manipulação experimental, o que talvez seja o
imo expressão da relação do homem com o mundo objetivo,
desideratum implícito de algumas concepções das ciências hu-
ucrem em si a ineliminável dimensão da interpretação, nelas
manas. O conhecimento científico — ou a compreensão explicativa
liomem deve submeter-se à necessidade objetiva das leis da
— pode operar somente com relação às práticas e às obras que
Wiureza. Ao invés, na compreensão explicativa da relação de
resultam do existir-em-comum dos indivíduos — práticas sociais
forsubjetividade, a primazia cabe ao “compreender”, uma vez
e culturais — que constituem, de fato, o campo das “ciências
) homem, enquanto sujeito, transcende, explicando-o e com-
humanas”. Mas é justamente a definição de uma metodologia
idendo-o, o domínio da legalidade da Natureza 7º. Ora, a sua
adequada ao estudo científico [isto é, de acordo com as normas,
do com o outro se estabelece no espaço dessa transcendên-
reconhecidas do conhecimento científico) das práticas e obras do)
à, pois é uma relação recíproca de sujeito a sujeito, e não uma
existir histórico e social do homem que apresenta dificuldades,
gdo não-recíproca de sujeito a coisa. O problema fundamental,
peculiares. De fato, a epistemologia das ciências humanas conti-
Wi, da compreensão explicativa na relação de intersubjetividade
nua sendo campo de vivas discussões, com o oscilar do seu objeto)
| problema da síntese entre o explicar e o compreender, cons-
entre os pólos da Natureza, do Sujeito e da Cultura %. Cada um
indo uma expressão que se possa denominar “científica” do
desses pólos, como foi visto na Introdução do nosso Curso, exerce
iatir em comum dos homens.
uma atração poderosa sobre as duas faces com as quais se apre-
senta o existir-em-comum dos homens, a face histórica e a face Trata-se, na verdade, de definir o estatuto científico dos dois
social. História e Sociedade são fatos da Natureza que devem ser. andes grupos de saberes que a enciclopédia moderna reuniu sob

62, 63
o nome de “ciências históricas” e “ciências sociais”, naquela | Compreensão filosófica da relação de
incluindo-se as ciências da cultura, nestas a ciência dos compor intersubjetividade
tamentos coletivos ou Psicologia social. A relação entre esses
dois grupos de ciências oscila problematicamente entre a união «
a distinção, em razão do fato de que ambas têm em vista o mesmo A tarefa de elaborar a categoria de intersubjetividade e de
Friculá-la à dialética que conduz o discurso da Antropologia
horizonte temático, apenas contemplado na sucessão temporal dg
passado e do presente: o horizonte das estruturas, dos comporta ilosófica vê-se em face de uma singular situação teórica, de resto
mentos e dos acontecimentos que tecem juntos o existir do grupd à ilelineada na introdução do presente capítulo e na descrição da
humano.
compreensão. Sabemos, com efeito, que todo o discurso da
Assim, a História seria a sociologia do passado, assim
como a Sociologia seria a história do presente: uma tenta descre ntropologia Filosófica é impelido, no seu desdobramento
ver as estruturas Milético, pelo movimento de autoposição do sujeito que, ao se
e comportamentos na reconstituição do qué
aconteceu; outra descreve as mesmas estruturas e comportamen mar a si mesmo na afirmação do seu objeto transcende, em
tos como explicação do que está acontecendo "!. Num e noutra irtude do princípio da ilimitação tética ”, a limitação eidética
passe objeto para visar, como último horizonte intencional, a
caso, o operar do homem no domínio do ser-em-comum ou dá
sua existência intersubjetiva — que é, propriamente, a sua práxis iniversalidade do ser. Essa estrutura dialética do discurso antro-
— é objeto de uma explicação que tenta compreendê-lo segundo lógico deu origem, na elaboração da categoria do espírito, a
formas estáveis e explicá-lo segundo um tipo de ordem próprio de ima singularidade notável na curva do seu movimento. Aí, como
Fimos, a ilimitação tética suprassumiu a limitação eidética na
uma realidade na qual não reina a necessidade nomológica da
Natureza, mas em que tem lugar uma conjunção típica de fre- medida em que o homem, ao se auto-afirmar enquanto espírito,
quências 2, contingência e acaso 2, Desta sorte, entre os alvos ibre-se intencionalmente à universalidade do ser 7º. Ora, no ter-
» da relação intersubjetiva, o sujeito tem diante de si um
permanentes do saber moderno está a compreensão explicativa da
relação de intersubjetividade. Com efeito, essa relação é vivida
JWutro sujeito e deve assumi-lo no discurso da auto-afirmação de
à mesmo: vale dizer, tem diante de si uma outra infinidade in-
concretamente desde que entre dois sujeitos (sociedade dual) ou
entre muitos (sociedade plural) se estabelece, por meio da lingua: Fencional. Essa paradoxal relação recíproca de dois infinitos ? é
que está no fundo do mistério do conhecimento do outro enguan-
gem, a reciprocidade do reconhecer-se e, a partir desse primeiro)
nutro, que só pode ser um reconhecimento, expresso na identida-
fio, se entretece a teia infinita do estar-com-o-outro (Mitsein) 4,
dialética do Eu com o não-Eu como Eu (alter ego)*º. A cate-
A necessidade desta compreensão explicativa impõe-se desde que
Wria da intersubjetividade deve abrigar, pois, de alguma maneira
a descoberta, no ecúmeno mundial, da imensa variedade das so
il, mais exatamente, dialetizar esse paradoxo do encontro huma-
ciedades e das suas culturas e a recuperação, nas profundezas da
1 que é sempre, fundamentalmente, um encontro entre sujeitos
tempo, dos mais remotos arquivos históricos da humanidade ele-
| como tal, um encontro espiritual *. Ela deve explicitar o subs-
varam à dignidade de matrizes conceptuais da consciência mo
derna a Sociedade e a História. Levantou-se assim imperativa
Fato conceptual que permite ao sujeito afirmar a infinidade in-
Wncional do seu Eu nela compreendendo a infinidade intencional
mente o problema de uma ciência do agir humano, ou de uma
à) outro e sendo por ela compreendido. Tal condição significa
teoria do operar (Handlungstheorie) que passou a ser, aparente
jue só me é possível afirmar o outro ou acolhê-lo no espaço
mente, o problema dominante do pensamento contemporâneo *,
Htencional do meu sentir, entender e querer na medida em que
No entanto, como já anteriormente observamos, o florescer re-
1 por ele também afirmado. Do contrário recairíamos na rela-
cente das teorias da linguagem como ação (sprachliches Handeln)
e da competência comunicativa 7º assinala, com inequívoca clare-
do de objetividade, ou no caso extremo da coisificação do outro.
; ; . de fe AD UI
za, os limites da compreensão explicativa aplicada à relação de b justamente a partir dessa reciprocidade da ilimitação tética
intersubjetividade, e a necessidade da transgressão desses limites di» sujeitos que se reconhecem que se eleva aquestao; decisiva,
e da entrada no domínio da compreensão filosófica. inha divisória entre os filósofos da intersubjetividade: é possível

64 65
pensar a relação entre os sujeitos sem atribuir de alguma forma “lo Eu, fazendo face à identidade na diferença do outro Eu, vale
a um dos termos a primazia sobre o outro *2? Mais exatamente =er, temos a afirmação recíproca do outro como Eu. E essa
ao ser articulada no discurso da Antropologia Filosófica, a catego: mição da objetividade do em-si (mensurante com relação ao
ria da intersubjetividade compreende o outro no âmbito intencio Wu-si ou à identidade reflexiva do Eu) como atributo da subje-
nal da autoposição do Eu ou no momento tético do discurso Vidade para-si do outro, que torna possível a relação de
Dessa posição fundante do Eu no discurso não deriva necessaria: prsubjetividade como relação recíproca na pluralidade dos su-
mente sua precedência sobre o outro na conceptualização filosó tos finitos. Com efeito, aqui o predicado essencial do sujeito
fica da idéia do homem, ou seja, a necessidade de se lhe atribuir ritual — a consciência-de-si — é atribuído ao outro e nele
a dignidade de primum ontologicum na relação Eu-Tu ou Eu-Nós iprassume dialeticamente o momento do em-si ou o ser-posto
de sorte a desequilibrar definitivamente a reciprocidade da rela: jimo objeto, fazendo-o surgir como sujeito diante do sujeito [alter
ção intersubjetiva? Eis aí uma das questões em torno das quais sé 5)", Por outro lado, é essa reciprocidade da identidade na di-
unem as diversas correntes de crítica às filosofias do Cogito que ença (só possível, convém lembrá-lo, se dois infinitos de
cruzam o ar filosófico do nosso tempo *. Ela opõe notadamente, ilencionalidade paradoxalmente se reconhecem) que permite
no terreno da filosofia da intersubjetividade, dois extremos, ocu: nspgredir o teor literal da expressão alter ego como anulação da
pados respectivamente por E. Husserl e por seu discípulo ininalidade do outro pela simples duplicação do Eu, Dique de-
Levinas. Entre a egologia radical de Husserl e a não menos radical jtaria a forma extrema do solipsismo. A alteridade aqui é cons-
heterologia de Levinas *, o discurso da Antropologia Filosófica fuida pela diferença intencionalmente infinita com que a iden-
deve encontrar, sem dúvida, uma via media. Esta deve compre: ilude dos sujeitos [ou a identidade da sua ipseidade) é posta na
ender na forma da categoria de intersubjetividade o paradoxo da lição de intersubjetividade, o que exclui definitivamente, na
presença do outro Eu no espaço de intencionalidade do Eu imenêutica do alter ego, a simples equalização objetiva ou
afirmante que é, ao mesmo tempo, o sujeito ontológico (como Fiimeticamente formulada, dos sujeitos *º.
mediação) e o sujeito lógico (como termo de atribuição) do dis
curso, mas de tal sorte que essa compreensão nem implique Podemos agora traçar as grandes linhas da aporética histórica
: 4 relação de intersubjetividade e esboçar os termos com que hoje
primazia ontológica do Eu sobre o outro, nem deixe que a clareza
formula a sua aporética crítica.
do seu afirmar-se a si mesmo seja ofuscada pela presença irradiante
do outro. Trata-se, em suma, de mostrar como o discurso antro: Sm e SD - : tibi dad Bis
pológico, enquanto construção conceptual do Eu, ao acolher q 1, Aporética histórica da relação de intersubjetividade
outro Eu na ordem das suas razões — ou seja, ao integrar nessa
a, O problema da comunidade humana no pensamento antigo
e Reina O a da US TOA e Au a A A afirmação de que o tema do conhecimento do outro enquan-
singular da dialética da identidade na diferença que é constitutiva
antigo ou de que,
do espírito,
íri i
articulan A é TéL out
Euro p ermaneceu ausente dofi pensamento
ir
Sta Es Ena UeR AS O ERRSDO res TiGnTaS ly menos, não faça parte da tópica filosófica usual dos autores
Hasicos, tornou-se um lugar, comum da historiografia filosófi-
Vimos anteriormente que a dialética constitutiva do espírito », Qualquer que seja a exatidão histórica dessa afirmação, é
é a dialética do em-si e do para-si 8. O para-si é, aqui, o momento jtúrio, no entanto, que o problema da comunidade humana,
da reflexividade do espírito ou da sua identidade ativa consigo impreendendo as diversas formas de convivência entre os ho-
mesmo na afirmação da sua identidade (intencional) na diferen jens, ocupa um lugar importante na literatura filosófica da an-
ga (real) com o objeto %. O em-si é o momento da realidade do Wuidade. Dentro da ótica do universal ou da idéia de comunida-
objeto — da sua verdade — que é normativa com relação à sua E humana é que o problema do outro faz sua aparição como
expressão pelo sujeito. Na relação de intersubjetividade, enquan- fimo das relações específicas que definem as formas da comuni-
to propriamente reconhecimento, temos a identidade na diferen ie humana e a sua hierarquia. O outro é, então, o eu mesmo
66 di
(alter ego) na medida em que a pluralidade empírica dos indivi Bico no espaço da relação com o outro, dividida até então
duos, dispersa pelos azares da existência, começa a unificar-se na Fe à pulsão do eros e o culto à philía *. Nesse contexto seria
formas hierarquicamente ordenadas de comunidade de que 0 = mais adequado falar de um paradoxo na revelação cristã do
homem pode participar: família, cidade, confrarias religiosas ou imo do que, propriamente, de uma aporética vigente entre
filosóficas e, finalmente, a comunidade do gênero humano segu p termos, uma vez que não é a compatibilidade entre esses
do os Estóicos 1, Entre os vínculos que podem ligar os homent fios ao nível do logos filosófico que aqui se propõe, mas a sua
entre si na comunidade, destaca-se o da amizade (philta, amicitia) uloxal junção aos olhos da fé. Trata-se, na verdade, de um
cujo louvor torna-se um tópos clássico da filosofia e da literatur; uloxo profundo que nos mostra, de um lado, o próximo como
antigas. São dois os fios que se cruzam nos laços da amizade ed mesmo”? e, de outro, a alteridade radical que separa O Eueco
provavelmente a dificuldade em atá-los solidamente que está nú =imo, procedendo cada um da relação de criaturalidade de
fundo da aporética da relação de intersubjetividade no pensamen: |4 indíviduo singular para com Deus e, mais ainda, da assunção
to antigo: o fio da “natureza” (physis) que se manifesta na dispo, pada um na esfera da gratuidade do dom divino, de tal sorte
sição natural, na afinidade, na afetividade 2, e o fio da “razão E, devendo ser amado segundo a regra da identidade do alter
(logos) que se manifesta no ideal do bem e da virtude como fi à (05 seautón), o próximo é aceito na diferença infinita do in-
da amizade ?3, Assim os sujeitos, termos da relação dé iilável desígnio da agápe divina que o envolve. Por outro lado,
intersubjetividade, conquanto mergulhados nas contingências da tadoxo da relação com o próximo pela caridade manifesta-se
sua existência empírica, permanecem polarizados pela luz do logos Mulmente no exercício de um amor que é gratuito como agápe
que os torna iguais **, num tipo de relação que exprime a mútua Hescrito como mandamento. Mas é justamente esse paradoxo
reflexão dessa iluminação do logos que é predicado de cada um, P age com incomparável força na formação dos ideais de
Essa comunicação no Jogos, essência da amizade, encontra por tprnidade e dom de si ao longo da história espiritual da civili-
sua vez suas formas mais elevadas de realização nos planos ética | v do Ocidente.
e político *,
É. A ocultação do outro no racionalismo moderno — À revo-
b. O próximo na tradição bíblica e no pensamento cristão o copernicana iniciada por Descartes e levada a cabo por Kant,
“medieval — A revelação do próximo (o plesíon) *º prenuncia-se já que assinala a primeira jornada da filosofia moderna, ao promo-
no AT, no fundo da poderosa vaga de justiça que rompe as bar Fo Eu penso ao centro do sistema do saber, erigiu em regra
reiras da moral arcaica para espraiar-se no profetismo, no qual a Wlamental do método a construção conceptual da realidade a
invocação do outro surge no contexto ético-cultural em que faz Fr do sujeito, que se vê elevado à dignidade de sol do mundo
sua aparição a noção de responsabilidade pessoal, e como julga- doligível. Esse heliocentrismo egológico teve como consegiên-
mento que pesa sobre as decisões da liberdade de cada um *”. Mas à O surgimento de uma questão que pode ser considerada uma
é na revelação do próximo do NT que se dá a profunda revolução = aporias fundamentais do racionalismo: como justificar, a partir
espiritual na compreensão do outro que marcará para sempre a Eu, a pluralidade dos sujeitos? Descartes, por primeiro, perce-
cultura ocidental e que põe radicalmente em questão a exigência 1 agudamente a dificuldade da questão !º!. Na verdade, a luz do
mais essencial da amizade antiga como relação que só pode vigo- muito envolve o outro e, de alguma maneira, o ofusca ou para-
rar entre iguais. A revelação do próximo no NT e sua presença na! silmente o oculta, tornando necessária a exploração de cami-
tradição cristã tem seu fundamento último na revelação da agápe, ps indiretos que trabalhosamente o alcancem, tais como o
do amor-dom de Deus (charitas, caridade) e é essa revelação, Wiocínio por analogia !º2, o sentimento na tradição do empirismo
consignada particularmente nas tradições paulina e joanina que wlos, a universalização da norma moral em Kant e, finalmente,
alimenta, ao longo da história do pensamento cristão, a teologia pxigência de presença do outro na constituição do universo
da caridade. A revelação da agápe cristã abre assim uma dimen- intal, que encontra em Fichte sua expressão sistemática 1º. Tendo
são que, na sua novidade, não fora pressentida pelo pensamento fnanecido na sombra da luz que irradia do Eu, o outro reapa-
68 69
rece, por outro lado, no contexto das teoria
s que pretendem ex: miento dos meios e formas de comunicação e sua extensão mun-
plicar a origem da sociedade e da cultura
pelo pacto de associação Hinl. A definição de uma autêntica comunidade universal de co-
e reconstituir assim conceptualmente a forma
ção da sociedade Inunicação exige uma reflexão filosófica aprofundada sobre a re-
civil e política. O
problema da intersubjetividade transfere-se lição do reconhecimento, sem a qual a comunicação se
deste modo, para o plano da história, e é
nesse plano que ele iré nstrumentaliza e, finalmente, se desumaniza. Como já foi visto
impor-se ao pensamento pós-kantiano.
nteriormente, três caminhos convergem para esse lugar central
lo outro no pensamento atual: o caminho fenomenológico, aber-
to por E. Husserl e Max Scheler, aos quais podem ser associados
tir de Hegel coloca necessariamente o problema da comunidad BRR ósoiospda cexistência (qucamaisnsegdedicarampadessenierma
: Pomo K. Jaspers, G. Marcel e J.-P. Sartre; o caminho lógico, tra-
gado a partir das investigações sobre a natureza e estrutura lógi-
vas do diálogo; o caminho lingiiístico, avançando ao lado do ló-
gico e frequentemente cruzando-se com ele, e estendendo-se no
intersubjetividade, apresenta-se, sem dúvida,
como uma das fon iurreno da análise da linguagem, considerada como medium pri-
E principais do método dialético que se difunde
no pensamento iiciro para o encontro com o outro. À grande aporia que domina
ilosófico depois de Hegel. Por outro lado, o mn problema do outro na filosofia contemporânea — seja como
desafio da recupera:
ção do outro no contexto da dialética da histór intenção do outro, seja como justificação racional da relação
ia, já percebido
agudamente pelo próprio Hegel 4 é pensa
do e vivido intensa intersubjetiva ou como sua expressão no universo da linguagem
mente pelos pós-hegelianos, configurando-se
como protesto do
é aquela na qual converge toda a aporética histórica da relação
indivíduo contra a anônima necessidade do
devir histórico ou il intersubjetividade: considerada a relação dual ou plural entre
contra a ameaça da presença dominadora de
um sujeito supra- 15 sujeitos, qual o fundamento que permite a essa relação trans-
“individual (a Sociedade, o Estado ou à própria
História) que se vender a simples contingência dos seus termos e, portanto, trans-
imponha como único e verdadeiro ator histórico vender de alguma maneira o seu acontecer natural e histórico
98 De Kierkegaard
'a constituir-se como relação que revela no outro a presença de
lima dimensão axiológica fundamental: a dignidade de um outro
Fu! A essa interrogação, que se eleva incontornável no centro da
tos teóricos. Iumática contemporânea da intersubjetividade, a Antropologia Fi-
losófica deverá buscar uma resposta que se delineará exatamente
e Fenomenologia, lógica e linguagem: o problema
do outro nai Ha passagem da categoria da intersubjetividade para a categoria da
filosofia contemporânea — O retraimento das
filosofias do sujeito) transcendência.
e da história é o pressuposto teórico que explic
a a emergência do
problema da intersubjetividade no horizonte
da reflexão filosófica:
contemporânea, não obstante ter sido o genial esforç
o de E 2. Aporética crítica da relação de intersubjetividade
para Integrar o conhecimento do outro na
esfera da egologia! Ao tentarmos caracterizar a aporética crítica que, de diversas
transcendental um dos estímulos mais poder
osos entre os que financeiras, está presente ao longo do desenvolvimento histórico
levaram essa temática a uma posição domin
ante na literatura do problema do co-existir dos sujeitos na unidade de um Nós,
filosófica. No entanto, outro fator decisivo, este
de natureza his- vemos que ela pode ser formulada em analogia com a clássica
tórico
-cultural, impeliu o problema da relação inter
subjetiva nos Wposição entre o sujeito empírico e o sujeito transcendental ou
seus diversos aspectos (psicológico, sociológico,
filosófico) para o inteligível, oposição que esteve presente ao longo de toda a nossa
primeiro plano da reflexão antropológica conte
mporânea: o verti- fuilexão sobre a unidade estrutural do homem !%, Como no caso
ginoso adensar-se das relações humanas com o enorme cresci- lo sujeito individual, também a reflexão sobre o Nós vê-se em
="
rá!
face da oposição entre o Nós empírico, cuja efême
ra unidade se fito lembrar-nos de que, ao tratar da categoria de espírito, ti-
tece na contingência do puro acontecer 17 e o Nós
inteligível ou mos presente a analogia que vigora entre o Espírito absoluto e
transcendental, mantido nos vínculos de uma forma que asseg
ura to, que é reflexão subsistente em si mesma, e O espírito
sua permanência ou sua razão de ser (assim os
vínculos da f | dito € situado — o nosso — que se constitui pela mediação
mília, da amizade, sociais, políticos etc...). Ora, a aporét
ica crteiá a fre O dado — que circunscreve nosso ser-em-situação — e O
da relação de intersubjetividade delineia-se exata
mente na passas mificado no qual se exprime a reflexividade do nosso ser espi-
gem do Nós empírico ao Nós inteligível, na medida em
E os Hal. Nessa analogia de atribuição, o primeiro analogado (ana-
sujeitos que se unem pela forma, qualquer que
ela seja, da relação: Wltum princeps) é, evidentemente, o Espírito absoluto, ao passo
de intersubjetividade são os sujeitos que,
de algimia maneir) E nós, enquanto constituídos estruturalmente como espíritos
transcendem o nível empírico do simples Acontece
do seu crus úitos e situados, somos os analogados secundários (analogata
zar-se' na vida 16, Em: outras palavras: a
relação dA Wriora). É em virtude dessa analogia que a categoria do espírito
intersubjetividade se estabelece entre os sujeit
os que E o io vida, inteligência, ordem e consciência-de-si"!! pode ser
“exprimem ou se auto-significam na forma do Eu
Nois vale dizer, idicada dos frágeis e efêmeros seres que somos nós. Mas, jus-
cuja estrutura se constitui através do movimento dialé
tico ue ente enquanto nos referimos ao Espírito absoluto e nos cons-
suprassume o “dado” no “significado” ou a
“natureza” na for Fumos como sujeitos, podemos estabelecer entre nós a relação
ma”, segundo o esquema (N|] —> (S] —> (F]. intersubjetividade nas suas variadas formas. Dessa relação
Ora, esse esquem
não pode ser simplesmente ou univocamente ulta o sujeito plural no trânsito dialético do Eu sou ao Nós
estendido do Eu a
Nós, pois tal extensão implicaria uma contradiçã mos. A predicação do ser é aqui, igualmente, uma predicação
o entre o Eu e O
Nós, ambos exercendo a mesma mediação entre o dado lógica, pois o Nós não é, como vimos, uma simples extensão
e o sig-
nificado, sendo que, para o Nós, o dado fivoca do Eu. No entanto, a função do analogatum princeps
seriam os sjeid
empíricos e o significado ou a forma seria a própri o, nesse caso, ao sujeito individual, pois é em referência à sua
a relação de
inter subjetividade. Nesse caso, com efeito, o Eu seria simnles- Hexividade estrutural — inteligência e liberdade — que podemos
mente absorvido no Nós como um não-bu o que fuar a unidade do nosso ser-em-comum constituindo um sujeito
Coritradd
própria natureza da relação de intersubjetividade ral que, analogamente, pensa, delibera, reflete, decide, abraça
fazendo desval
necer-se os seus termos !?, A aporética crítica Pais c estabelece normas e fins!!2, A aporia da intersubjetividade
o de da relaçã
intersubjetividade desenha-se portanto como o probl dele justamente nessa extensão analógica ao Nós daquilo que
ema de man-
ter-se a unidade inteligível do Eu — sua irredutível istitui o mais íntimo cerne da unidade do Eu, na sua reflexi-
originalidade
— na comunidade do Nós. Ou ainda, como o dude como espírito consciente e livre. Esse cerne íntimo não é,
problema de 4
pensar analogicamente o movimento de media
ção constitutivo tamente, o reduto sagrado e inexpugnável do solus ipse? Como
do sujeito singular, estendendo-o à constituiç
ão do Nós pois se inspô-lo, mesmo analogicamente, para a unidade plural de
tal mediação a comunidade dos sujeitos permanecer tos sujeitos? Por outro lado, se o Eu não se faz presente na
ia no nível do)
simples agregado. Como, portanto, preservar a origi istitição do Nós — ou se o Eu não é um Nós, na expressão de
nalidade do
sujeito individual ao ser ele suprassumido
na unidade de um gel — como evitar fazer da relação de intersubjetividade uma
sujeito transindividual que é, ao mesmo tempo, plural fa contingência, que afeta apenas acidentalmente a solidão da
nos sujei-
tos concretos nos quais se realiza e uno pela relação nada humana encerrada solipsisticamente no círculo que fecha
intersubjetiv.
que se estabelece entre eles? | no seu mundo? Mas a impossibilidade radical dessa saída da
ad
unia da intersubjetividade!!? manifesta-se já no fato de que a rela-
O primeiro passo para a solução dessa aporia
conseguinte, ao se levar em conta a analogicidade
"º é dado por! w da objetividade ou a abertura do sujeito ao mundo encontra
da no ão de Mulmente seu fundamento na relação de intersubjetividade, na
sujeit
o, quando predicada do sujeito individual e do
sujeitos plata | é suprassumida segundo a ordem do discurso da Antropologia
ou comunitário. Para bem entendermos essa
analogia, é conve- Insofica. O homem é, por conseguinte, ser-no mundo porque ser-
72,
73
-com-o-outro e o mundo é, fundamentalmente, para o homem, e» (que, na relação de amizade, é, enquanto sujeito, o amigo).
mediação para o encontro do outro !!s, Sendo o ser-no-mundo ssa unidade dialética do subsistir (esse in) dos sujeitos e do seu
constitutivo da estrutura relacional do sujeito — e, portant iorir-se (esse ad) ao outro, consiste o cidos da relação de
o,
constitutivo da sua essência — o ser-com-o-outro deverá igual: fersubjetividade !!ó. Essa unidade, por outro lado, só é pensável
mente ser afirmado na linha da auto-afirmação do sujeito, do seciprocidade da relação, de modo que o ser-em-comum dos
seu
desdobramento ad extra ou do seu abrir-se ao horizonte do ser. O imens constitui-se pela identidade dialética (identidade na dife-
mundo é, para cada um de nós, o caminho para o encontro do iva, ou seja, resultante da dupla negação acima exposta) entre
outro. prem-si dos sujeitos e o seu ser-para-o-outro 1”,

O momento eidético na compreensão filosófica da relação de Definido o eidos da relação de intersubjetividade, resta ao
intersubjetividade, cuja configuração conceptual
imento tético, segundo a ordem do discurso da Antropologia
resulta das
aporéticas histórica e crítica, pode ser, pois, caracterizado IonÓfica, assumi-lo no âmbito da autoposição do Eu como sujei-
por essa:
oposição fundamental inerente ao eidos do existir intersubjetivo, Com efeito, é essa autoposição que faz avançar o discurso;
ly deve ser afirmada a identidade na diferença do ser-para-si
entre o Eu, que só pode ser pensado ser-com-o-outro na sua irre- sujeitos e do seu ser-para-o-outro: identidade na diferença que
dutível singularidade e reflexividade, e o Nós, que se constitui
Exatamente, a unidade intersubjetiva do existir-em-comum,
justamente ao termo do êxtase ou da saída do Eu ao encontro do
mm a ser, a expressão dialética do eidos da relação de
outro. O eidos da relação de intersubjetividade é circunscrito iorsubjetividade. Por conseguinte, o momento tético se expri-
portanto, ao espaço conceptual delimitado pela pluralidade dos primeiramente na afirmação “Eu sou um Nós”. Mas, do pró-
sujeitos e pela relação que estabelece entre eles a forma de uma: ) interior dessa afirmação, surge a negação da simples identi-
unidade na pluralidade. Esse contorno eidético subsiste em vir- ile entre o Eu e o Nós, negação presente no Eu sou; de sorte a
tude da tensão dialética que o constitui, e que vigora entre o Eu lermos concluir que a simples identidade entre o Eu e o Nós,
sujeito para-si, e o em-si objetivo da relação que o liga ao outro dialetizada por essa negação, seria rigorosamente contraditó-
Eu ou ao outro sujeito, igualmente subsistindo para-si. Nessal
tensão dialética, o para-si dos sujeitos nega o seu total exaurir-
-Se NO para-o-outro ou no em-si da relação; e o em-si da relação) Assim, ao assumir no seu movimento dialético o eidos da
(sua natureza objetiva) nega o isolamento monádico do para-si do lição de intersubjetividade, definido pela proposição “O Eu é
sujeito. Dessa dupla negação, resulta a posição do Nós, desdobran- à Nós”, o discurso da Antropologia Filosófica confere a esse
do-se nos níveis do reconhecimento, do consenso, da afetividade, Ws a forma de uma categoria antropológica, ou seja, de uma
da identidade cultural. Nessa unidade dialética do subsistir (esse id conceptual fundamental da auto-afirmação do Eu ou da sua
in) dos sujeitos e do seu referir-se (esse ad) ao outro, consiste o E expressão como sujeito. O princípio da limitação eidética
eidos da relação de intersubjetividade, e é aqui que cabe propria-! 4 O espaço conceptual ou categorial da auto-afirmação do Eu
mente a analogia com a dialética do para-si e do em-si, constitutiva plano da relação de intersubjetividade, nela compreendendo a
do sujeito singular como espírito 5, Há uma primazia do em-si da ralidade dos sujeitos na afirmação “O Eu é um Nós”. No
Banto, sabemos que o movimento da auto-afirmação do Eu é
relação se a pensarmos do ponto de vista da unidade que ela ido pelo princípio da ilimitação tética que aponta para o
estabelece entre os sujeitos; e há uma primazia do para-si dos, Fizonte universal do ser. Ora, a identificação deste horizonte
sujeitos se pensarmos a relação do ponto de vista da singularidade
Hi à comunidade, seja ela embora pensada segundo o paradigma
irredutível dos as veriAsr para-si da relação tomada adequa- “uma comunidade ideal de comunicação submetida a regras de
damente, ou seja, entendida formalmente como relação de
:
intersubjetividade -
compreende justamente É A luta transparência da linguagem comunicativa, esbarra com
o para-si dos sujeitos listáculo intransponível da contingência mundana dos sujeitos
e o em-si da relação na sua especificidade (p. ex, a relação de
amizade) e, como tal, ele é análogo ao para-si dos sujeitos singu- antes, do seu ser situado e, portanto, da impossibilidade de

74 75
uma intuição absolutamente transparente dos sujeitos entre si. É Ao termo da compreensão filosófica ou transcendental da
justamente a ausência dessa intuição que impõe a necessidade de ação de intersubjetividade convém voltar nossa atenção para o
se submeter a relação de intersubjetividade ao princípio da li to de que a categoria do existir intersubjetivo é o terreno fun-
mitação eidética. A impossibilidade de se fazer da comunidade Himental da articulação conceptual entre a Antropologia Filosó-
dos sujeitos o horizonte universal do ser, em direção ao qual sé a e a Ética. Com efeito, a comunidade ética, estruturada se-
moveria o dinamismo da auto-afirmação dos sujeitos singulares, findo formas originais da relação intersubjetiva, é a mediação
é atestada eloquentemente na história da filosofia pelas tentações ntre o agir ético subjetivo, determinado formalmente pela cons-
simétricas do solipsismo absoluto e do absoluto altruísmo quê loncia moral, e o universo ético objetivo, constituído por valo-
nela se manifestam. Dois extremos que se engendram um aq =», normas e fins !2!, Desta forma a relação de intersubjetividade,
outro, e cuja incidência na história recente foi ilustrada pelg ategoria antropológica fundamental, transpõe-se em categoria
alternância, como fonte de inspiração dominante na vida política, Fica, na medida em que o ser-com-o-outro apresenta-se origina-
entre as ideologias do individualismo e do totalitarismo. mente como uma estrutura normativa que se configura como
im dever-ser no sentido ético e à qual Kant, como é sabido, deu
O princípio da ilimitação tética introduz, pois, necessaria ima forma rigorosamente universal no imperativo categórico. A
mente a negação no seio da limitação eidética que, no caso, iesença desse dever-ser no próprio coração da relação de
circunscreve a categoria da relação de intersubjetividade, negação atersubjetividade mostra a impossibilidade de se pensar um exis-
que se exprime nessa proposição “O Eu não é um Nós”. A iden: |! intersubjetivo que seja eticamente neutro. A comunidade
tidade na diferença se constitui aqui, portanto, como uma dialé iinana é pois, já na sua gênese, constitutivamente ética, e essa
tica da ipseidade e da alteridade "'8. Nela fica claro que o movi fividade se explica, na sua razão última, pela submissão, tanto
mento de negação com que o Eu, na sua reflexividade ou media 5 sujeitos como da relação intersubjetiva que entre eles se
ção estrutural (ipse) nega a sua identidade com o outro (alter), que Stabelece, à primazia e à norma do ser. Seja na sua infinidade
é igualmente um “ele mesmo” (ipse), não procede de um como irimal como conceito de Verdade e Bem, seja na sua infinidade
que último reduto autárquico ao qual o Eu se recolhe como à Fal como Existente absoluto, o ser rege tanto o agir individual
secreta e inalcançável fortaleza do Cogito, ergo sum. Na verdade mo o agir social. Tal é a intuição profunda, subjacente à
a

conquanto na relação com o outro a ipseidade permaneça na suz intologia platônico-aristotélica, que legou à tradição filosófica do
essencial negatividade, é exatamente a abertura transcendental ridente, como proposição fundadora do pensamento metafísico-
do sujeito ao ser, constitutiva da estrutura do espírito e que de tico, aquela que estabelece a adequação entre o ser e o bem: Ens
riva do centro mais profundo da sua interioridade, que está na É bonum convertuntur '2,
origem do dinamismo da auto-afirmação do sujeito e que o leva
À luz dessa articulação entre Antropologia e Ética, podemos
a transgredir toda limitação eidética e, no nosso caso, a limitação
pnsiderar o desdobramento dos níveis da relação de
eidética da relação de intersubjetividade. Não é, pois, em razão de
Htcrsubjetividade pois, em cada um deles, deverá manifestar-se
uma primazia do sujeito, traduzindo uma última insídia da ten:
ja forma própria de relação do homem com a transcendência.
tação solipsística, que a auto-afirmação do Eu transcende as fron:
a constituição desses níveis é antropológica, sua efetivação
teiras da intersubjetividade, mas em razão da primazia do ser,
stencial é sempre ética, de tal sorte que o agir dos sujeitos em
primazia essa que o sujeito reconhece na submissão da sua finitude
da um deles não pode ser pensado adequadamente senão na
à Presença infinita que é, nele, o interior intimo e o superior
Wispectiva de uma perfeição ou virtude (areté), a ser praticada
summo "º, Do mesmo modo o primum relationis, a primazia da
jimo forma ética da relação de intersubjetividade.
relação no espaço intersubjetivo, exposta brilhantemente por E;
Jacques 2º, permanece submetida à primazia do ser, pois só essa: A relação de intersubjetividade mostra-se desdobrada em qua-
primazia torna possível, no itinerário dialético do sujeito, a pas jo níveis fundamentais. Neles se articulam as formas do existir-
sagem da intersubjetividade à transcendência. iN-comum que suprassumem as relações homem-mundo ou

76 77
homem-natureza, ou seja, suprassumem a relação de objetividade ita como o horizonte que continuamente se dilata e em cujo
naquela queé, propriamente, a existência histórica do homem. inbito têm lugar todas as formas de comunicação intersubjetiva.
puse nível situa-se propriamente o existir histórico do homem,
a. Nível do encontro ou do existir interpessoal no qual tem ndo a História o englobante último da comunidade humana
lugar a relação Eu-Tu e em que a reciprocidade da relação assume quanto tal. Com efeito, nenhuma comunidade humana parti-
um caráter oblativo mais ou menos profundo e tendeà gratuidade lar subsiste sem recuperar continuamente na memória históri-
do dom-de-si. É nesse nível que se situa a realidade humana da codificada em formas diversas que vão da narração mítica à
amor, na sua tri-unidade de pulsão, amizade e dom !23. A relação vrição historiográfica, o seu passado, no qual estão inscritas
intersubjetiva no nível do encontro pessoal é especificada etica Was razões de ser. Desta sorte, a relação de intersubjetividade,
mente pelas virtudes próprias do amor, particularmente a fideli: Esilobrando-se desde o nível da relação Eu-Tu no encontro, atin-
dade "2, * à amplitude da relação Eu-Humanidade na longa dimensão do
b. Nível do consenso espontâneo ou do existir intraco: impo e do espaço onde se desenrola a História. A essa História
munitário, em que tem lugar a relação Eu-Nós intragrupal, e no musa história pessoal está ligada por mil fios — os fios do uni-
qual a reciprocidade da relação reveste-se do caráter da Piso cultural, É sabido que esse nível mais abrangente da relação
convivialidade própria da vida comunitária e de um colaborar » intersubjetividade, seja na sua incidência subjetiva como
espontâneo e cordial nas tarefas da comunidade. A relação Wnsciência histórica, seja na sua face objetiva como sentido da
intersubjetiva no nível do consenso espontâneo é especificada Hstória, passou a ser um lugar privilegiado da reflexão sobre o
eticamente pela virtude da amizade 'º, jmem no pensamento filosófico, de Hegel a nossos dias. A re-
E xao sobre a História "8 mostra-se, igualmente, como passagem
c. Nível do consenso reflexivo, que se exprime na reciprocii rigatória para a reflexão sobre a Transcendência, sendo a His-
dae dé direitos e deveres ou na forma da obrigação cívica. É esse ja a alternativa mais sedutora ao pensamento do Ser como
o nível do existir-em-comum que podemos denominar intra- Fimum ontologicum e, portanto, como conceito fundante das
-societário, e no qual se dá a passagem da sociedade convivial losofias da imanência que se sucedem depois de Hegel. Evocado
para a sociedade política. Aqui a relação Eu-Nós é extragrupalé |u1 no contexto da relação de intersubjetividade, o tema da
se estende até os limites definidos pelas regras institucionais do intória deverá reaparecer ao tratarmos das categorias de realiza-
consenso (politeia ou Constituição). A reciprocidade da relação ve de pessoa.
tem primeiramente um caráter formal, expresso nas leis do exis:
tir-em-comum. A relação intersubjetiva no nível do consensa
reflexivoé especificada eticamente pela virtude da justiça !, É
nesse nível que se dá, por conseguinte, a necessária articulação
entre Ética e Política. A absolutização do político, que passa a ser
o pólo indutor do pensamento político moderno, mostra aqui seu
erro profundo, seja do ponto de vista antropológico, pois restringé
aos limites da comunidade humana o horizonte do ser para o qual
se abre a auto-afirmação do sujeito, seja do ponto de vista ético;
pois acabaria reduzindo ao nível do político e submetendo às suas
regras e aos seus condicionamentos a riqueza e significação hu:
manas dos outros níveis nos quais se desdobra a relação de
intersubjetividade 17”,
d. Um quarto nível, mais amplo, pode ser designado nível da
comunicação intracultural, na medida em que a cultura se apre:

78
N O TAS |3, A reciprocidade exprime aqui somente a capacidade de responder, sem
luir formas de dissimetria entre os sujeitos na relação intersubjetiva que po-
atingir — e deformar — a reciprocidade fundamental que a define.
14. Bibliografia fundamental sobre o problema da intersubjetividade: E. Husserl,
Wesiunische Meditationen und Pariser Vortraege (Husserliana, 1), La Haye, M.
Hof, 1953; M. Heidegger, Sein und Zeit, op. cit., I, 1, cap. 4; ].-P. Sartre, L'Etre et
1. Ver Pascal, Pensées, n. 199, éd. Lafuma (L'Intégrale,
hipóteséida “05 A Seuil, pp. 525-528). Es: Mount, Paris, Gallimard, 1953, pp. 275-503; M. Merleau-Ponty, Phénoménologie
a E municação dos observadores é fundamentalmente considerada no “un dy Perception, Paris, Gallimard, 1946, pp. 398-429; E. Levinas, Totalité et Infini:
auto-referencial” de Wheeler, ver J. Demarct, L'Univers, op. cit. pp. 293-2 Wsur extériorité, (Phânomenologica, 8), La Haye, M. Nijhof, 1961; M. Theunissen,
2. Sobre o gesto e a palavra, ver a obra clássica d ATE ar | Andere: Studien zur Sozialontologie der Gegenwart, Berlim, de Gruyter, 1965
Mi
geste et la parole, 2 vols., Paris, ' Albin Michel, 1 é Re LCrORL Go nrhana à bibl., pp. 509-517); P. Lain Entralgo, Teoría y realidad del otro, Madrid, RevistaÉ
1964. Sobre o linguistic turn n E: E : ; E
filos ofia contemp orânea 1 por al
Eucidente, 2. vols., 1968; J. Bóckenhoff, Die Begegnungsphilosophie: ihre Geschi-
8 uns comparado
ana com a revolução copernic
Kant, ver as reflexões de F , , o NV e l , 7E thre Asp ekte, » Eribur 8 O B. Munigu e,
II), Paris, PUF, 1985, E DE espace logique de Vinterlocution [D ialogique! “vhe Anthropologie, op. cit., pp. 101-120; H. Schrey-H. Holz, Dialogisches Denken,
3. Ver P. H. Kolvenbach. “ É ul imstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1970; J. de Tinance, L'Affrontement
nbach, “Langage et Anthropologie: le Journal Spirituel de Ignad | Autre, Roma, PUG, 1972; nova edição sob o título De "Un et de 'Autre: essai
de Loyola”, Gregorianum 72 (1991): 211-221 [tr. port.
em Síntese, 54 (1991): 303-318 Valtérité, Roma, PUG, 1993; L. Pareyson, Esistenza e Persona, (nuova ediz.)
4. Venoja
Ver o rtigo;
artigo de F. : Jacques, Ê “Référ ence et Différe
iffé nce: la situatio iginai nova, Il Melangolo, 1985, pp. 205-212,; 227-246; F. Jacques, Différence et Subjecti-
de la signification”, ap. Encyclopédie Philosophiqu
e Universelle I a “492.519 * Anthropologie d'un point de vue relationnel, Paris, Aubier, 1982, id. Dialogiques:
: (logos). lwrches logiques
Ea sur le dialogue (Dialogiques,
: ) 1, Il), Paris, PUF, 1979-1985;
: P.
5º Ou seja,j do Eu enquanto capaz de linguagem
6. Uma explicação dessa circularida de dialéti h; ' Eoeur, Soi-même comme un autre, Paris, Seuil, 1990; ]. Barbaras, “Autrui”, ap.
tura pode-se ver em Antropologia Filosófic Pe na região categorial da estru velopédie Philosophique Universelle II, Paris, PUF, 1990, pp. 209-213.
possível levar em conta aqui a onda ada A E E 224-225. Também 15. Sobre a primazia da relação ou o primum relationis ver F. Jacques,
categorias se ordenam para a categoria que ipradeinie Toda eds fltrence et Subjectivité, op. cit. pp. 141.189. À aparição do “outro Eu” ão
à pessoa. Sobre essa ordem nas potências da alma Vero ad Cu no da relação não deve ser entendida, evidentemente, como transposição do
Theologiae, Ia., q. 77, a. 7. omás, Summ vu próprio Eu, o que negaria a primazia da relação, mas, exatamente, como
7. . Sobre aa imagem 7
clássi ssica do svoberta do outro na alteridade constitutiva do diálogo.
imã : :
n. 35. no conhecimenéto intelectual ver Antrg
pologia Filosófica I, op. cit. p. 230,círculo 16. Essa expressão é de Lucien Malverne, Signification de Vhomme, Paris,
Pseudo-Dionísio: ver In librum de vs NERI NE PAES na : Ei, 1960, pp. 55. a
e a at é
17. Ver Antropologia Filosófica L, op. cit., pp. 224-225, e Lucien Malverne,
E bd H - . . Pera
a E
a A
o
eo ver F. Kimmel, Platon und Hegel: zur ontolo aisoih 7
sin der Erkenntnis, Túbingen, Max Niemeyer, 1968; Denis enification de "homme, op. cit. pp. 44, nota 1.
Souche-Dagens, Le cercle hegélien, Paris, PUF, 1986. 18. Ver supra, cap. 1, nota 1.
ns8. emÉ lembrar ainda
i uma vez o princípi
incípi o tomásico: non intellectil 19. O tema do reconhecimento em Hegel acompanha a formação do Sistema
&1t sedhomo per intelectum; ver supra, 2a. sec.,5 cap. :LI,
nota 8 : Pale os primeiros esboços dos tempos de Iena e, explicitamente, nas lições de
,
9. J. Maritain, La Personne et le bien commun, Paris, [)3-1804 (publicadas no vol. VI, contendo os Jenaer Systementwiirfe 1, Hambur-
Desclée, 1947, p. 43,
Esse
: “todo aberto” gserá conceptualizi : Meiner, 1975, pp. 306-315) até a Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1830)
infra, sec. 3, cap. 2. E ado exatamente; na categoria de pessoa. Ver 4130-435; é na Fenomenologia do Espírito que se encontra a passagem mais
10. Ver Mt 10,39; Lc 9,24; 17 33 Jo 12,25 hecida sobre o reconhecimento (Phinomenologie des Geistes, IV, A). O tema,
igindo aí no contexto da dialética da autoconsciência, só irá alcançar plena
+ pao! A º ps 2
L

da É ES , ;

REI dd des Rechts, $$ 31 e 32 (Werke, ed) enilicação ao fim da seção “Espírito”, na dialética do Mal e seu Perdão (VI, €,
ao 5 39). 1 !, PP. 84-87, com a nota manuscrita de Hegel e o ZusatZ | Sobre o tema do reconhecimento em Hegel ver L. Siep, Anerkennung als
Inzip a praktischen dh dosenhio a Peti ué, Alber, vas na sobre
dO. Pepe problem ç Dialectique:
11788 “reconhecimento em Fichte, pp. 26-36); G. Gérard, Critique et
EL se SA a pode ser ilustrado exatar Saint
q 1a Winóraire de Hegel à Iéna (1801-1805), Bruxelas, Facultés Universitaires
o (Einteilung) na dialética hegeliana e, do e
rito. Ver Enzyklopádie der philosophischen Wissenschaften (1830) 5 e - spl Wuis, 1982, pp. 306-313; F. Chiereghin, Dialettica delVassoluto e ontologia della
(Werke, ed. Moldenhauer-Michel, 10, pp. 9-11). Sobre a divisão da Fil ecusa svetivitã in Hegel, Trento, Verifiche, 1980, pp. 108-118; R. Valls-Plana, Del Yo
Espírito objetivo ver Grundlinien der Philosophie des Rechts $33 os duo lo | Nosotros: lectura de la Fenomenologia del Espirita, Barcelona, Estela, 1971, pp.
e as notas manuscritas de Hegel (Werke, 7 pp. 87-91] e R Fa usa 4 109; G. Jarczyk -P.-). Labarriêre, Les premiers combats de la reconnaissance:
Intro
) d uction
felt em G . W e F Hegel 4 Enc yclopéd ie : des Sc Jences
DC:
: Philosoph seaHI Wuitrise et servitude dans la Phénoménologie de Y'Esprit de Hegel, Paris, Aubier,
] iques.
l 1.€ Lima Z o r e Escravo: uma arábola da filo
Philosophie de VEsprit, Paris Yv in 1988, Pp. 11. Ê i q 7; K + Mu. ima Vai 4 Senho p i
z
Hitese, 21 (1982), 28 e

80 81
20. Corrente que tem origem em Feuerbach, passa por Marx e a fenomel
logia e espraia-se pela filosofia atual de M. Buber e E. Levinas a J.-P. Sartre. UN questão em M. Theunissen, Der Andere, op. cit., pp. 187-240). Uma menção
minuciosa reconstituição histórica dessa corrente encontra-se em J. Bóckenhg ticular deve ser feita à obra de Max Scheler, Wesen und Formen der Sympathie,
Die Begegnungsphilosophie, op. cit., pp. 13-210. n, F, Cohen, 1923, pp. 244-307. Não obstante não tenha ele tematizado for-
Imente o problema da intersubjetividade, e sim o problema do aceso ao “ou-
21. Ver L. Malverne, Signification de "homme, op. cit,, p. 58.
como “Eu estranho” (fremdes Ich), suas análises pioneiras nessa e em outras
22. Ver em H. C. Lima Vaz, “Senhor e Escravo: uma parábola da filoso| 4 oferecem um rico material para a caracterização fenomenológica da pré-
ocidental”, art. cit., pp. 13-19. mpreensão da relação de intersubjetividade. Sobre Scheler, ver P. Lain Entralgo,
23. Phinomenologie des Geistes IV (ed. Bonsiepen-Heede, Gesammelte Wezl lu y realidad del otro, op. cit., 1, pp. 221-225.
9, p. 103; ver p. 108). 34. Ver Aristóteles, Física, II, 1, 193 a 1-10.35.
24. Sobre esse problema, ver a exposição, de inspiração hegeliana, de P 35. Ver ]. Cl. Fraisse, Philia: la notion d'amitié dans la philosophie antique,
Labarriêre, Le discours de Valtérité, Paris, PUE, 1982, pp. 308-346; a distinçãod às, Vrin, 1974; A. J. Voelke, Les rapports avec autrui dans la philosophie
conhecimento do outro como “coisa” (allud) e como “sujeito” (alius) é cuidad ue, Paris, Vrin, 1961.
samente estudada por J. de Finance, L'Affrontement de Yautre, Roma, Univer:
46. Questão compreendida na questão geral discutida por Santo Tomás: Utrum
dade Gregoriana, 1973, pp. 7-45.
Wim multitudo et distinctio sit a Deo (Summa Theologiae, la., q. 47 a.l).
25. Na sua analítica do Dasein, Heidegger apresenta o ser-com (Mitsein) conj
37. Teoria y realidad del otro, op. cit., pp. 29-34.
constitutivo da essência do ser-no-mundo do Dasein. No entanto, a coexistênd]
com os outros é pensada aqui na perspectiva da hermenêutica do existir cotidiani 38. Ver os artigos de M. Chastaing, “Saint Augustin et la connaissance
no qual o outro surge no prolongamento da manifestação dos entes como o q “trui”, Revue Philosophique de la France et de l'Etranger, 151 (1961): 109-124;
está sob a mão (Vorhandenes), em vista do uso. É nessa perspectiva, cujas limit (1962): 90-102; 153 (1963): 223-238; quanto a Santo Tomás de Aquino, ver
ções são patentes, que se desvela o horizonte do mundo como “mundo-coni jino M. de Almeida, A imperfeição intelectiva do conhecimento humano:
(Mitwelt), Uma discussão aprofundada do Mitsein heideggeriano, em confro Wulução à teoria tomista do conhecimento do outro, São Paulo, 1977.
com a concepção husserliana da intersubjetividade, encontra-se em M. Theunisse 19, Teoria y realidad del otro, op. cit., 1º volume.
Der Andere, op. cit., pp. 156-186. Sobre a aparição do tema do outro no terreno d 40. Sobre as vicissitudes históricas desse argumento ver J. Bóôckenhoff, Die
constituição do valor moral ver as páginas profundas de A, Léonard, Le fondemei) “unungsphilosophie. op. cit., pp. 35-43; sobre a sua utilização por Husserl ver
de la morale: essai d'éthique philosophique, Paris, Cerf, 1991, pp. 200-223. Eivocur, À VÉcole de lu Phénoménologie, op. cit. pp. 205-212; M. Theunissen,
26. Na obra já citada de J. Bôckenhoff, Die Begegnungsphilosophie, o deslg Andere, op. cit., pp. 60-68. O problema do conhecimento do “outro” torna-
camento temático “Do eu ao outro” é acompanhado minuciosamente a partir d igualmente um tema longamente discutido na filosofia analítica, formulado
Descartes. Ver também o vol. I de P. Lain Entralgo, Teoria y realidad del otro,| 1 conhecimento do “outro espírito” (other mind). Ver o artigo de J. M. Shorter
H. C. Lima Vaz, “Nota histórica sobre o problema filosófico do outro”, ap. ON hor minds”, ap. Encyclopedy of Philosophy (P. Edwards), Nova Iorque, Mac
tologia e História, São Paulo, Duas Cidades, 1968, pp. 281-298. an, 1972, pp. 7-13: aí são discutidos o argumento de analogia e os pontos de
27. Ver Cartesianische Meditationen, med. V, op. cit. pp. 121-183 (tr. fr., E a de L. Wittgenstein, P. F. Strawson e J. Wisdom.
74-134). 41, Sobre a dimensão gnosiológica da relação de intersubjetividade, ver o
28. Ver o estudo analítico das Meditações por P. Ricoeur, “Étude sur Ik tulo de J. de Finance sobre o conhecimento da “alteridade” em L'Affrontement
Méditations Cartesiennes de Husserl”, ap. À Vécole de la Phénoménologie, Paris “Autre, op. cit., pp. 7-45. Ver igualmente a solução proposta por A. Brunner,
Vrin, 1987, pp. 75-109. mnaissance humaine, Paris, Aubier, 1943, pp. 103-134; La Personne Incarnée,
29. Ver o amplo estudo sistemático da teoria husserliana em M. Theunisseli », Beauchesne, 1947, pp. 203-227; J. Bôckenhoff, Die Begegnungsphilosophie,
Der Andere, op. cit., pp. 15-115; Cesar Moreno Márquez, La intención comun) Fit, pp. 326-379.
cativa: ontologia y intersubjetividad en la Fenomenologia de Husserl, Sevill; 42, Uma ampla e profunda meditação sobre o “encontro” é proposta por P,
Universidad de Sevilla, 1989. Entralgo, Teoria y realidad del otro, op. cit., IL, pp. 55-230; a filosofia siste-
30. Ver a minuciosa análise de Ricoeur “Husserl: la cinquiême méditatiol doa do “encontro” é desenvolvida por J. Bôckenhoff, Die Begegnungsphiloso-
cartésienne”, ap. À Vécole de la Phénoménologie, op. cit., pp. 197-225. op. cit., pp. 211-438.
31, O exemplo mais conhecido é o de M. Heidegger que, não obstante té 13, Presença, encontro, diálogo, que os primeiros gestos e reações da criança
dedicado sua obra principal Ser e Tempo a seu mestre Husserl, nela se distanci em movimento. No verso tão citado de Virgílio, Incipe, parve puer, risu
definitivamente da perspectiva husserliana, contrapondo a analítica do Dasein. scere matrem (Ecl. IV, 60) o sorriso de um para o outro — mãe e filho —
teoria transcendental da intersubjetividade. Ver a documentada comparação entr Primeira forma vivida da presença, do encontro e do diálogo mãe-filho. Ver P.
ambas as posições em M. Theunissen, Der Andere, op. cit., pp. 156-186: , | Intralgo, Teoría y realidad del otro, op. cit., II, pp. 191-208, com a biblio-
32. Ver a crítica de F. Jacques ao programa husserliano em Différence é aí citada e comentada. No seu livro Le Principe Responsabilité (tr. fr.),
Subjectivité, op. cit., pp. 158-164. Cerf, 1990, pp. 64-67, Hans Jonas apresenta a relação progenitores-filhos
33. Entre os principais representantes de uma fenomenologia do “outro res como não-recíproca do ponto de vista ético, não havendo por parte da
convém citar, além de M. Heidegger, J.-P. Sartre (discussão das posições sartrian wa possibilidade de reivindicar seus direitos. Mas ela é recíproca do ponto de
paicológico (reconhecimento) e contém virtualmente a reciprocidade ética.
82
83
44. Ver Cartesianische Meditationen, op. cit. V, 8 50, pp. 130-141; Ricoel 56. Ver H. C. Lima Vaz, “Consciência e História”, ap. Ontologia e História,
À Técole de la phénoménologie, op. cit. pp. 205-212. Cit, pp. 266-280 (aqui, pp. 275-279).
45. Ver a já citada exposição do pensamento de Scheler por Lain Entralgo, O 97. Ver L. Pareyson, Esistenza e Persona, op. cit., pp. 207-209. Aqui se apre-
it. 1, p . 237-255; ; Soda tro, ibid. II, p . 70-113. ti o problema da relação mimética Eu <— Outro, elaborada por R. Girard, La
ei DE Gan Sir eRPeãO Mo Oni nes lence et le Sacré, Paris, Grasset, 1972.
46. Ver, de P. Lorenzen, Methodisches Denken, Frankfurt a. M., Subrkam | o a 7
1968, pp. 24-69; P. Lorenzen-K. Lorenz, Dialogische Logik, Darmstal 58. A metáfora do centro” pode parecer uma : e A
irremediável concessão ao
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1978, sobretudo P. Lorenzen, “Logik uj smo. Mas E dúvida, de E metáfora Ea
m : Degas . : É mos a representação desde EA fo o
do espaço-tempo humano no qual têm lugar as relações
ERR 8 e K. Lorenz, “Dic dialogische Rechtfertigung der cffektiven Logil nhjetividade e intersubjetividade e cujo “centro” são, necessariamente, os
! ; s f itos concretos.
47. Ver o estudo exaustivo de J. Laborderie, Le dialogue platonicien de;
maturité, Paris, Belles Lettres, 1978, principalmente a caracterização do diálo 59. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit. p. 164.
j . i ai :
como lógica, como método e como expressão (pp. 176-216). 60, O termo abstrata é tomado aqui no sentido definido em Antropologia
48. A filosofia do diálogo como alternativa à fenomenologia transcendent Etica 1 F ' pi E , g
é estudada por M. Theunissen, Der Andere, op. cit. pp. 243-475. Entre os repi bl. Kyriotátê tôn epistemôn, Et. Nic, 1 1, 1094 a 27.
sentantes mais conhecidos da “filosofia do diálogo”, convém citar M. Buber e 62, Ver Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit., pp. 160-162.
obra clássica Ich und Du (Heidelberg, Schneider, 1923). Os escritos principais
53, Ver Joseph R. Strayer, The medieval origins of modern State, Princeton
Buber estão reunidos em Die Schriften úber das dialogische Prinzip, Heidelber
ivorsity Press, 1970 (tr. fr., Paris, Payot, 1979).
Schneider, 1954, Em francês ver La vie en dialogue, Paris, Aubier, 1959. Sobj
Buber ver Theunissen, op. cit., pp. 257-346 e, sobretudo, B. Casper, Das dialogisel 64, Et. Nic., X, 10, 1181 b 15: as “coisas humanas” são o objeto próprio da
Denken: eine Untersuchung der religionsphilosophische Bedeutung F. Rosensweil tica.
F. Ebners M. Bubers, Friburgo em B., Herder, 1967. ; ;
À 65. Problemas estudados magistralmente por G. Gusdorf na sua grande obra,
49. Destaca-se aqui a obra de Francis Jacques que acentua fortemente a pl lentemente por nós citada, Les sciences humaines et la pensée occidentale,
tidade da relação sobre os termos no diálogo, elevado à dignidade de princípio 1 do seu 13º volume.
constituição do universo da linguagem e do sentido. As obras principais de | dó, Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit., 1, pp. 207-208.
Jacques, já citadas, são: Dialogiques I: recherches logiques sur le dialogue (1978 b7. Ver Antropologia Filosófica 1 op. cit, p. 207. É verdade, como vimos
Dialogiques II: Pespace logique de Iinterlocution (1985) e Différence | E riormente (supra, cap. 1 e nota 13), que, na relação de intersubjetividade, a
subjectivité: anthropologie d'un point de vue relationnel (1982). Em Dialogiqui Witura psíquica reivindica a primazia enquanto condição primeira de possibilida-
II, pp. 609-621, uma rica bibliografia com especial relevo para a produção d à O nosso encontro com o outro na exterioridade do mundo, ou para o nosso
filosofia analítica nesse campo. (Mitsein) no âmbito do mundo-com (Mitwelt), assim como o corpo próprio
Hurt 50.ar Ver
dt “Fenomenologia
BRU LES do ethos” ap. Escritos de Filosofia II: Ética e GU o primeirarde p ossibilidade da nossa pRosspa ds 0oisAs: o caso imi£o da
são com o outro só através do “corpo”, o outro seria reduzido à condição de
PAES MATE Sr Ê EAR Rega LAS Us 1) Mas, sendo essas formas de presença sempre “presenças espirituais” (o espí-
51. Ver o papel se aa RA pao sepio Iphrónimos) na definição d auprassume dialeticamente o corpo próprio e o psiquismo), no caso da presença
areté, Et. Nic., Il, 6, 1106 ; € Etica e Cultura, op. cit., pp. 106-107; 111, stro a suprassunção dialética do psiquismo se faz através dos atos estritamente
52. Convém lembrar que o “reconhecimento” (Anerkennung) 1 ituais do reconhecimento e do amor, de sorte que a presença ao outro na
Fenomenologia do Espírito só alcança sua plena significação com a dialética. Ho de intersubjetividade é, por excelência, uma presença espiritual,
Mal e seu Perdão ao fim da seção “Moralidade” (ver supra, nota 19). Na “Filoso)
do Espírito objetivo” da Enciclopédia, a “moralidade” é, por sua vez, suprassumid 08, Ver Antropologia Filosófica I, op. cit. pp. 9-19.
na “vida ética concreta” (Sittlichkeit). 69, Talvez seja esta a ocasião para justificarmos a expressão “compreensão
53. Sobre o aspecto ético do encontro ver J. Bóckenhoff, Dj Hrativa” que parece unir dois termos separados pela tradição da filosofia
Begegnungsphilosophie, op. cit., pp. 378-405. As obras principais de Levinas Monêutica, a saber, a “explicação [Erkláren) e a “compreensão” (Verstehen). A
dizem respeito ao tema aqui tratado são Totalité et Infini: essai sur extériorl Wisão, no entanto, pretende ressaltar o fato de que tanto a “explicação” como
(1961), já anteriormente citado e Autrement qu'être ou au-délà de V'essence, | Fompreensão”, como hoje comumente se admite (ver Th. Bodammer,
Haye, M. Nijhof, 1974; uma auto-apresentação do pensamento de Levinas encoj Homophie der Geisteswissenschaften, Friburgo B.-Munique, Alber, 1987, pp.
tra-se na sua entrevista a Ph. Nemo publicada sob o título Éthique et Infini, Pari 1 132) constituem momentos necessários do procedimento metodológico
Fayard, 1982. Sobre Levinas ver Ulpiano Vásquez, El discurso sobre Dios en iptetativo ou de uma Teoria da Interpretação como metodologia própria das
obra de E. Levinas, Madrid, UCPM, 1982 (ver pp. 109-118). “ humanas” como mostra Th. Bodammer, op. cit. (ver bibl., pp. 249-303).
54. Ver Ética e Cultura, op. cit. pp. 71-72. Hlluência dominante do modelo organicista na origem das ciências humanas
55. Ver, de P. Ricoeur, Soi-même comme un autre, op. cit., études 7,8,9,D) tudada por G. Gusdorf, Les origines de "herméneutique (Les sciences humaines
199-344, 1 pensée occidentale, vol. 13, Paris, Payot, 1988, pp. 344-428). Ver ainda M.

84 85
Riedel, Verstehen oder Erkliren! zur Theorie und Geschichte der hermeneutischê Ant i osófi sscits . 222-223.
78. Ver Antropologia Filosófica 1, op cit., pp
Wissenschaften, Stuttgart, Klett-Cotta, 1978; uma excelente antologia de texté 79. Ver supra, Introdução, in initio.
com introdução do A. é a de O. Póggeler, Hermencutische Philosophie, Muniqui 80. Ou Soi-même comme un autre (Ricoeur) o que implica, necessariamente,
Nymphenburger Verlagshandlung, 1972. uutre comme soi-même. Essa identidade se dá, por excelência, no conhecimento
Rath, : : :
70. Ver a referência ao paradoxo de Hawkings, supra, cap. 1, nota 2, fim, fetivo do outro que culmina no amor. Nãoã tendo i
sido adequadam ente
71. Na sua conhecida obra Comment on écrit "histoire: essai d'epistémolog] snceptualizada no materialismo de Feuerbach (verAntropologia Filosófica I : PP.
Paris, Seuil, 1971, Paul Veyne nega mesmo a existência de um objeto próprio & 15-127) ela é a razão da insuficiência do conceito de ser ERncaO
Sociologia, que seria absorvida pela História (op. cit., pp. 313-343). Como, por outh Cuttungswesen) para fundamentar a relação Eu-Tu, o que explica provavelmente,
lado, para Veyne a História igualmente não é uma ciência, mas uma narração, 4 evolução do pensador alemão, a passagem do humanismo da juventude para
modo de um romance que tivesse acontecido de verdade, a compreensão explicatiy im naturalismo de tipo panteísta na velhice. Fido
da relação de intersubjetividade consistiria, nesse caso, na narração ordenada do "81. As formas degradadas do encontro — coisificantes, alicnantes, ou que
acontecimentos que resultaram da efetivação de certas práticas sociais pelos ator utra feição desumanizante possam ter — só podem ser avaliadas e e se
históricos. Fica o problema de distinguir, classificar e hierarquizar essas prátic medidas pelo arquétipo ideal do encontro ou, na sua conceptualização e ica,
o que seria o trabalho teórico, nem sempre fácil, do historiador no papel do socif pela categoria de intersubjetividade; essa, por sua vez, só pode ser adequa amente
logo. anstituída se aceitarmos como termos da relação do encontro os sujeitos na sua
72. É a forma de necessidade que Aristóteles atribui ao ethos, que é a “segur tutalidade estrutural na qual, sabemos, 0 espírito ade o ad
da natureza” para a práxis humana, tornando possível a esta proceder “qua
Puíquico; cm Sumo, So qaconto oi definido 6 SR
sempre” (pollákis, os epi tó poly, ut in pluribus) da mesma maneira. Ver Escrito para o espírito” [Hegel, Enzyklopâdie der phil. Wissens ns 1830), / 55 563-
de Filosofia, II, Ética e Cultura, op. cit. p. 11. BA).
73. Dois conceitos cuidadosamente distinguidos por Aristóteles, distinçã 82. Sobre esta questão, ver F. Jacques, Différence et Subjectivité, op. cit., pp.
[41-189; Id., Dialogiques: recherches logiques sur le dialogue, op. cit., pp. 11-63.
essa importante para a análise do evento histórico: um é a “contingência”, ati
buída ao evento que não tem em si a razão intrínseca do seu acontecer, mas 83. Ver P. Ricoeur, Soi-même comme un autre, Préface, op. cit., pp. 11-38.
“acontecido” (tó symbebekós, accidens) entre outras alternativas possíveis; outr 84. O termo é, provavelmente, infiel à intenção profunda de E. Levinas, dado
é o “acaso”, ou seja, o que admite a possibilidade de ter acontecido de outi | neu esforço constante em superar o Jogos helênico-ocidental e em preconizar o
maneira (tó endechómenon allôs échein; quod aliter fieri poterat). Ver a aplicaçã) iestemunho da tradição profética como caminho para submeter-se à invocação do
dessa distinção no caso da práxis humana em R. Bubner, Geschichtsprozesse uti Wutro (ver Totalité et Infini, op. cit., sec. II, pp. 161-195; Autrement qu'être ou
Handlungsnormen, Frankfurt M., Suhrkamp, 1984, pp. 40-47. Wu-délà de Pessence, op. cit., cap. 2,1; cap. 5,2). Usamos esse termo na medida em
74. Com efeito, são as formas da linguagem que constituem o universo d ue o discurso levinasiano desdobra-se necessariamente como um logos de uma
intersubjetividade: linguagem do reconhecimento, em primeiro lugar, linguagel
do interesse, linguagem do conflito, linguagem da convivência, linguagens d lteridade primeira e irredutível: a alteridade (eterotês) que irradia da face do
saber, linguagem da amizade e do amor, etc... jutro. Sobre as dificuldades do logos levinasiano ver F. Jacques, Différence et
75. dubjectivité, op. cit., pp. 164-182.
aro ENSVer U. Gaier, System É des Handelns, op. cit. pp. 17-19. As obras mai
ja Filosófi. . cit. . 205-206.
significativas nesse campo são, provavelmente, as de J. Habermas e de K.-O. Apel 85. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit., pp TA Es
Ver Gaier, ibid., pp. 19-25. 86. Essa dialética é condensada no axioma clássico: in cognitione cognoscens
: : ; Go éMad uma tentativa
s abrangenti| o... inquantum aliud
Hi aliud : quin; desinat
: ;
esse seipsum; : ou seja,
j era E E out: ro
76. O livro de U. Gaier, citado na nota anterior,
por parte de um especialista da ciência da literatura, de autofundamentar a comi Enquanto se afirma reflexivamente na sua identidade ou na sua ipseidade.
preensão do operar humano a partir da noção de “campo de possibilidades” d
sujeito (Menschenmoógliche) entendido como “integração” (p. 85) das capacidade 87. Situação dialética expressa graficamente na fórmula da reciprocidade
humanas formalizadas no conceito de “competência” (Kompetenzbegriff), que EI «—> S$2. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit. p. 212. O bloqueio dessa
a aba peido E a idade
aplicado desde a “situação” e o “sentimento da situação” (Befindlichkeit) até Eliuação pela fixidez objetivante do olhar E E Ra A
competência lúdica. O Sachregister deste livro rico e estimulante não registra] Bljetiva do em-si en-soi] é justamente o que E Eh iniênio dutanticoLo que
vocábulo “Filosofia”. Mas é impossível lê-lo sem transitar frequentemente pé mutro em L'Btre et le Néant elevar-se ao plano do FECONDECUNCHIO, 1€ se
territórios reconhecidos universalmente como submetidos à jurisdição da Filosd “Ponstitui, sabidamente, uma das aporias fundamentais do pensamento sartriano.
fia. Convém referir-se, nesse contexto, à obra do filósofo americano G. H. Mei 88. Portanto, a interpretação do alter ego comporta, na reciprocidade da re-
como terreno de encontro da compreensão explicativa e da compreensão filosófic o : dialética da identidade do alter ut ego e da diferença do alter quam ego:
da intersubjetividade. Ver, a propósito, Hans Joas, Praktische Intersubjektivitdi A A assegurada justamente pela infinitude intencional do outro, funda-
die Entwicklung des Werkes von G. H. Mead, Frankfurt a. M., Suhrkamp. 1980 ae : Ê BET
ao : A : ento da sua irredutível originalidade.
77. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit. p. 167. Ver a observação de N é
a ati
Das D,Problem des geistigen ; a à H istóri
89. Ver o esboço histórico ôckenh
de J. Bôckenhoff, Diei Begegnungsphilosop
À hie, ; op.
Seins, 2? ed., Berlim, de Gruyter, 1949, Wt, pp. 15.210; co de P. Lain Entralgo no 1º volume de Teorfa y realidad del otro.

86
87
90. Essa ausência costuma i essi
antigo (uma caracterização que pelo objetivismo do pensamento
no “ip. Grundriss der Dialektik: ein Beitrag zu ihrer fundamentalphilosophischen
É sión
sões de R. Mondolfo, , La c ompren , deve ser matizada segundo as conclu = Wedeutung, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1984, II, pp. 52-59.
i
:
del sujeto
j en la cult a antiga;
, Buenos 104. Pode-se considerar como indício dessaErrecuperação a posição, do momen-
é
;
. ess:

Aires, Imán, , 1955) , que absorve a singularidad


a içã
e do out zo n i i : ed
logos. a universalidade dg 4 da moralidade (ou da consciência moral individual) como mediador entre as
minas e a sociedade na estrutura dialética da Filosofia do Espírito objetivo ou da
plo gos upa. Ande ea Noca Lesapprt avo atri dons JAR
E
91. A propósi
S, Gita o pe Nota 35 supra.
Ms do Drio
105. Ver o texto “A História em questão” ap. Escritos de Filosofia II: Ética

de oikeiótes (Platão) e, posterior Cultura, op. cit., pp. 227-249.


mente, para a complexa noção SO
la notion d'amitié dans la philosophie nique dl Rosa dude salao, fhi ) 106. Sobre essa oposição ver também as considerações elucidativas de E.
ver A.-J. Voelke, op. cit. p. 107 n. 8 + OP- elt., passim, sobre a oikeiósid ieintel, “Der Mensch als dasciende Transzendentalitãt”, ap. Grundriss der
k Dialektik, op. cit. 1, pp. 3812-317.
uso do93. Tógos
Com efeito,
E a relação dialógi
ue i
ra :
Rosa ;
cre de 107. No nível desse acontecer situa-se o conceito sociológico de “massa”,
às exigências do lógos verdadeiro (Platão), impõe à amizade ndo submeteraas que deu origem a uma abundante bibliografia. Do ponto de vista filosófico ver H.
vez, à direção do lógos
Atntdieles, :
gos para poder encaminhar-se mizade
o à> amizade
. perfeita (téleia por
submeter-se, sua À
philfa
- Hengstenberg, Philosophische Anthropologie, op. cit., pp. 114-120.
! p asa '
108. Com efeito, nesse nível os indivíduos constituem apenas um agregado
sat
- Tema do amante e do amado como es elho informe dentro de uma maior ou menor Pp probabilidade de se encontrarem Pp por
qvaso, e a0 qual nenhuma inteligibilidade intrínseca pode ser atribuída. Eviden-
um é Sa
di Bni
(1º Alcibíades, Fedro, 255 a). Ver RN
o 7,
PEN DE Leoa
,
Pépin, Idées grecques sur Yhomme ED Rd de temente, o nós empírico não é suprimido mas suprassumido ao nível de um nós
-
Lotes 4. Vero J. TO:
a DAI et sur Dieu, Paris, Belles; E Ateligível. É : à

Ea : 109. Essa contradição, convém notá-lo, está implícita nas teorias sociais e
95. É o caso, particularmente Rat mesmo visível e
POSSESSÃO ABISSDISMCdNa fita ilíticas conhecidas So o nome de coletivismo e
Fraisse, op. cit, PP. 257-286.
; Explícita no dogma fundamental dos totalitarismos de uma época recente.
96. A fonte clássica dessa revelacã
25-37. revelação é a parábola do bom Samaritano, Lc 10, 110. Trata-se, como se vê, de uma forma peculiar do dilema entre o uno e o
snigis
97. Como é sabido, , essa essa éé a fonte primeira as fEILIS múltiplo.
de inspiração do pensamento de 111. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 203-204.
E. Levinas; ver Autrement qu'être ou au-délà de Tessence,
op. cit., 5, 2, d
; 98. Essa tri-unidade do amor: eros, philía agápe passa, desd 5 st iai 112. Essa analogia já está presente na linguagem comum, quando falamos de
tituir o espaço humano da presença do outro a e e àssa, desde então, a cons Hois amantes que se sentem identificados na unidade de um mesmo pensamento
Ver J. B. Lotz, Die Drei-Einheit der Liebe: Eros. no 7 A spiritual do Ocidente, 4 de um mesmo querer, numa assembléia que unida delibera e decide, no consen-
Ra 1979. Ver aí o esquema simbólico das Pp. 2290-991 Vu SR a. M., = institucional que une as inteligências e as vontades num mesmo entendimento
a nd da vida human a, ela rr cera num mesmo pRpado em torno de leis, aa E
condniaD E
lessporalidade, vida espiritual (personalidade) 1 13. A aporia seria apenas contorn ada e não definit ivamente evitada na pers-
vidi divina eracal ver ar
Loba dan A au 4-26. A tri-unidade antropológica, descrita por etiva de uma solução de tipo leibniziano que postulasse uma espécie de harmo-
RadE do e GR so: cotógica, mas apresenta alguma analogia com a tri- ia preestabelecida entre as mônadas humanas, harmonia que já estaria presente
tura HINOS SE Ts Etapa ss RO — com a qual definimos a estru- Ho mais elementar vínculo intersubjetivo. Essa solução deslocaria para O instituidor
É harmonia a tarefa aparentemente contraditória de preestabelecer ab extra uma
99. Agapéseis ton plesíon sou os seautón, Mc 12,31. forma de pluralidade ordenada das mônadas inteligentes e livres.
! 100. Ver o volume coletivo, j com am pla bibliografia,
ibli : L'An , 14. - AÀ propósito,
Ósit Proble.
Hartmann, Das Das Problem
ver N. N. Hart d es geistigen
isti Sei Seins , Op.
Paris, Cerf, 1954 e J. B. Lotz, Die Drei-Einheit RR op. ad E 1 o t F Ni Gio , OP. « P. O
129. Eds
Em Se
101. Ver os textos do Di y
lisados, juntamente com ERP a a Meditações ana- 115. Ocorre aqui a evocação da teologia cristá da Trindade que é, como é
otro, op. cit. I, pp. 39-52; ). BaclenhofÉ Die Beséoni aa 1 a realidad del subido, uma das fontes principais das noções de pessoa e comunidade na cultura
35-36. segnungsphilosophie, op. cit. pp. seidental. Nela se faz presente um arquétipo fundador da noção de comunidade
102. Ver Lain Entral à de pessoas, conquanto infinitamente distante da nossa compreensão, na sua mis-
ntralgo, op. cit., 1, pp. 54-63; J. Bôckenhoff, op. cit., pp. 35-43 feriosa e insondável profundidade. Não obstante, um reflexo desse mistério é
103. Ver Laim Entralgo, op. cit. 1 pp. 102-113; J. Bôckenhoff MEN ) (iinsmitido pela palavra da Revelação, iluminando para sempre a consciência do
106. Sobre o pensamento de Fichte nesse ponto ei a es Oi, Op. Cit., pp. 102- cr. Afirma-se nele a identidade entre o subsistir dos sujeitos e o ser-para da
trantes de E. Heintel, “Ich und Du in Ontologi 1 Ver igualmente as páginas pene- lação, pois sujeito e relação são absolutamente um; e, ao mesmo tempo, à
ologie und transzendental Philosophie” diferença das relações na oposição do ser-para que as constitui como pessoas

88 89
E
distintas. Identidade na diferença que fl Faber, 1946 (tr. fr. La double nature de Yamour, Paris,
identidade da essência na distinção das é Princípio de infinita comunhão, poi El lonc EA papa sá bin
pessoas assegura sua unidade perfeita n philos ophie de "Amou (col. Philosophie
circunsessão trinitária. Ver Summa Theol. hier 19 48 A doutrina tomásica do amor,r extre de 1 Esprit),
contemplado à luz da concepção aristotélica
la, q. 28, a. 2 c., onde o mistério!
cs: ar fa problême de Famour chez Saint mamen te rica, é estudada en !
das categorias, que no entanto Thomas d'Aquin, Montréa E
exaure ou é suprassumida na afirma b is Ea d'Êtudes Médiévales-Vrin, 1952; A. ]. Bruneau, “Réalité spirituelle
ção: nihi , : EA
habere habitudinem ad id in quo est vel de quo dicitur nisi Ep . : -416; Aimé Forest, “L'Amour
identitatis propter summam j pEncurr, pa a
Dei simplicitatem (ad Im). Ver, nesse Si 9 da 1973, pp. 155-172. O
reflexões de F. Jacques, Différence contexto, a! que. apo
TA Lad et
: Subjectivité,
: op. cit., pp. 86-97, comenta Aristóteles, a partir do ponto de
E pre
be os eas
da obtençãoâ de| uma eudaimonia
vista da vulnerabilidade
i ia de acordo com a condição
mn.
ja mai profunda sc pet à SE Ro a | o E longamente por Martha C. Nussbaum, The a of
DE ness: Luck and Ethics in Greek Tragedy and Philosophy, Cambridge
116. A idéia de “reciprocidade” é niversity Press, 1986, pp. 354-372.
o fio condutor da obra notável de Mauri
Nédoncelle, La réciprocité des consciences: essai sur la nature de la personne, Parisck
Auber, 1942, hoje injustamente esquecida, mas que merece ser relida no contexto: 124. A ai e ob ísi no
foramE magistralmente
dE aloex-
atas por E ms o E erids nds negando
:
117. À prop Ósito, ae ver P. Ricoe EMA op. cit,
Tag ur, Soi-m
LR a E Sai
êéme comm e unLS autre,
RS Op. cit., pp; ha o parte. O paradoxo e a profunda novidade da revelação
angélica do próxiE mo estão
Sis justa sã unive
mente na extensão iversalEdoda A
SOLaO: relaçãoexipê
Eu-Tu
nte
118. Na tradição da teologia trinit | mandamen do to amor, fazendo do encontro, no seu sentic
ária rece bidida Pp por Sa nto Ê a e dE la : 1
1
a pessoa fora definida por Ricardo de São Vítor pela Tomás de Aquino, q p aradi g ma e a norma
noção de incomunicabilidade ú tro do próx
encon ' da rela Ç ao? de intersubjetivida
$ imo it.
de. Sobre essa
II H, pp. 19-29.
exemp arida e
[ver Summa Theol., la, q. 29, a. 3 ad 4m), ver Lainain Entralgo,
go, op.op cit.,
que podemos traduzir dialeticamente
pela reflexividade essencial do Eu sou, sua
ipseidade. No mistério trinitário essa 125. Ver Aristóteles, Ét.: Nic.,
MR
liv. VII-IX; Tomás4 RBi Theolia)
.,
Zac. q. 26, a .4; 2a. Zae. q. 26 [sobre a orde (phil
m da caridade).
ca ei ase aa O Era a e na pluralidade transcende
m) jo é propriamente uma “virtude”i mas um estado
E de e âni
ânimo que 1e 1 procede como
relações (la,, q. 30, a. 3, c.), asse ntal das
gurando a diferença na identidade ly indutor de virtudes: fidelidade, generosidade etc.
. 126. Ver Aristóteles, Ét. Nic., liv.
119. Ver Antropologia Filosófica I, V; Tomás de Aquino, Summa Theol
op. cit., p. 266. ., E
e, q. 58. Sobre os níveis segundo os
120. Ver Différence et Subjectivi quais a sociedade E E
té, op. cit., pp. 142-189.
11 pleno desenvolvimento ver H. C. Lima Vaz, “Democraci e dig
121. Com efeito, a relação de objet a
ividade não ode ser propriamen
dora de uma passagem ao universo ético, te media- RR nes SS iaRas Ledo,
que ipod Foiprobidic consciente e
livre em princípio, dos sujeitos que compõ 127. Sobre essa absolutização i
do político ver H. C. Lima Vaz, “Mística e
em a comunidade ética. Assim sendo,. Vaz,
não há “comunidade ética” entre Politica”, Síntese 42. (1988): 5-12.
o homem e a Natureza, e a noção
do homem para com a Natureza conserva apenas de “deveres”
a noção estrita de dever moral, uma analogia metafórica com: 128. Ver H. €. Lima Vaz, “A História em questão”, ap. Escritos de a pa
A expressão “contrato natural” | Blica e Cultura, op. cit., pp. 227-249. Uma excelente síntese ce pro se
(M., Serres) encer-
DA 4 ,
ra, assim, uma metáfora, como
. . “ ; a : E ; E

também a encerra a expressão 4 História


Históri no pensamento atual encon tra-se em R. Bubner, Geschichtsprozess
a
antropocósmica”. Ver, a propósito, “aliança
H. Faes, “Contrat social et contrat Wul Handiungsnormen, Frankfurt, Suhrkamp, 1984, pp. a ao o
la nature comme objet de responsabili naturel: de
té”, ap. de la Nature: de la physiq iminosa meditação de Max Miúller, “Sinn-Deutung der Gesc ichte”, Essa
au souci écologique (Philosophie 14), ue classique
Paris, Beauchesne, 1992, pp. 121.141, Woutung der Geschichte: drei philosophische Betrachtung zur Situation, '
prolongamento da obra já clássica de H. no dition Interfrom, 1976, pp. 7-54. Perma :
Jonas, Le Principe responsabilité: une nece sempre atual e digno So
vilitado o livro II da obra de Peter Wust, e a
f e
éthique pour la civilisation techno Die Dialektik des Geistes, EA
logique (tr. fr. de J. Greisch), dedic:
ponto de vista crítico, ver Luc Ferry, op. cit.; de um :
et Phomme, Paris, Grasset, 1993.
Le nouvel ordre écologique: Varbre,
Panimal 4 movimento do Espírito na história da humanidade: op. cit., pp. 399-746.
122. Ver as reflexões de E. Heint
el, “Ens et bonum convertunt
Grundriss der Dialektik, Op. cit., ur”, ap
IL, pp. 222-295,
123. Ver J. B. Lotz, Die Drei-Bin
heit der Liebe, op. cit » Que mostr
mento único do amor como eros, a o movi-
philia e agapé, ou seja, pulsão,
Esse movimento eleva a relação amizade, dom,
Eu-Tu do estágio pré-pessoal à
Plenamente pessoal que é, just sua expressão
amente, o amor-dom (amor bene
a imensa biografia sobre o prob volentiae). Dentre
lema do amor, citamos a obra
d'Arcy, The Mind and Heart of clássica de M. €.
Love: a study of Eros and Agap
e, Londres, Faber
90
HI
CATEGORIA DA
TRANSCENDÊNCIA
Vous êtes en ce monde visible comme dans Vautre
Vous êtes ici
Vous êtes ici et je ne puis pas être autre part qu'avec vous.
Paul Claudel, L'Esprit et "Eau

| Introdução

O termo transcendência (como antes objetividade e


itersubjetividade) pretende designar aqui a forma de uma rela-
jo entre o sujeito situado enquanto pensado no movimento da
Ha auto-afirmação — ou da construção dialética da resposta à
iterrogação sobre o seu próprio ser — e uma realidade da qual
lo se distingue ou que está para além (trans) da realidade que lhe
imediatamente acessível, mas com a qual necessariamente se
laciona ou que deve ser compreendida no discurso com o qual
E» clabora uma expressão inteligível do seu ser. O surgir da re-
pão de transcendência ! ao termo da nossa reflexão sobre a re-
não de intersubjetividade não deve ser atribuído, evidentemen-
“a uma seriação arbitrária das categorias do discurso. Ela surge
imo o horizonte mais amplo que se abre ao movimento da auto-
irmação do sujeito desde que, em virtude do princípio de
imitação tética, ele passa além dos limites da relação de
Horsubjetividade, ou seja, não se exaure no âmbito da comuni-
le humana e não tem como seu último horizonte o horizonte
Ilistória. A relação de transcendência resulta, na verdade, do
Posso ontológico pelo qual o sujeito se sobrepõe ao Mundo e à
Estória e avança além do ser-no-mundo e do ser-com-o-outro na

93
busca do fundamento último para o Eu sou primo
rdial que jitude e à sua situação no mundo e, segundo a mesma razão, ou
constitui e do termo último ao qual referir o
dinamismo dess à, exatamente como transcendente, interior ou imanente (in-
afirmação primeira. É desse excesso ou dessa super
abundânci mens, o que permanece no interior) ao mesmo sujeito como
ontológica do sujeito, expressos estruturalmente
na categoria di pirito. Essa síntese de interioridade e exterioridade, que Santo
espírito que procede, de resto, o dinamismo mais
profundo d Dstinho exprimiu na dialética do superior summo e do interior
História e a inexaurível gestação de formas de busca ou
expressãt Himno, ou seja, identidade na diferença (identidade em-si, dife-
do Absoluto que acompanha o curso histórico e que é
| figa para-nós) entre o transcendente e o imanente apresenta-se,
mais evidente da presença da relação de transcendê
nc a O sujeito, como a estrutura conceptual fundamental do pen-
tituição ontológica do sujeito.
mento do Absoluto.
Desde outro ângulo da análise filosófica, a relação
de trans No itinerário da Antropologia Filosófica, a questão do Abso-
cendência pode ser considerada como a suprassunç
ão dialétic; to se põe necessariamente não só, como veremos, exigida pela
final da oposição entre interioridade e exterioridad
e, que vimo iimenêutica adequada de uma das mais fundamentais e cons-
apresentar-se nas categorias de estrutura no seu aspect
o formal! fites experiências humanas, mas ainda, como foi acima obser-
€ que, nas categorias de relação retorna sob seu aspect
o real. Nj do, pelo excesso ontológico do sujeito expresso no princípio da
relação de objetividade, faz-se presente a irredutível
exterioridade imitação tética, que conduz o movimento dialético do discurso
real do mundo no seu estar-aí indiferente ao sujeito,
determinan q além dos horizontes da objetividade e da intersubjetividade.
do assim a não-reciprocidade da relação. Na relação d JH, esse excesso ou essa superabundância ontológica do sujeito,
intersubjetividade, a exterioridade real do outro é suprassumi
da He lhe não permitem encontrar o termo do itinerário da sua
na forma do existir-em-comum ou do ser-com,
e a reciprocidade Hilocompreensão na Natureza ou na História, tem a sua fonte na
da relação cria o espaço intencional no qual a
pura exterioridadi lontidade dialética entre o espírito e o ser?. Vale dizer que a
mundana dos sujeitos é negada pela sua interiorizaç
ão recíproca E lação que suprassume no sujeito a oposição entre a exterioridade
no reconhecimento, no consenso ou no amor. No
entanto, o es 4 interioridade é a relação com o ser, considerada formalmente
paço intencional entre os sujeitos na relação de inters
ubjetividadk fimo tal. Ora, essa relação é, necessariamente, uma relação de
é igualmente ocupado pela opacidade das coisas que
constituem Funscendência, em virtude da diferença real entre o sujeito, finito
situado, e o ser; e, sendo tal, é uma relação com o Absoluto,
bis é a universalidade absoluta do ser que se constitui em hori-
face é toldada pelo véu dos sinais que se estende entre o Eu ed inte último do espírito. Por outro lado, a própria natureza da
outro. Em suma, o ser-no-mundo dos sujeitos e a consequent Plação de transcendência implica a imanência do ser — ou do
mediação das coisas determinam a exterioridade do medium da ibsoluto — no sujeito enquanto sujeito *. Com
linguagem através do qual os sujeitos se comunicam efeito, sendo a
e onde ins Wlação de transcendência a suprassunção da oposição entre
ttuem o corpo dos sinais nos quais os significados se encarnam Enterioridade e exterioridade, o Transcendente só pode ser tal
Wa o sujeito na identidade na diferença (identidade dialética) do
estrutura do espírito-no-mundo Wicrior e do interior, da transcendência e da imanência. Em
ou na estrutura do homem e litras palavras, o paradoxo da relação de transcendência mani-
quanto sujeito finito e situado, impele o discurso da Antropolog
ia Festa-se no fato de que, entre os dois termos da relação, o sujeito
Filosófica para além da exterioridade do mundo e do outro,
vem O Transcendente [seja ele o Absoluto real — Deus —, seja o
a ser, justamente na direção de uma transcendência, que deve
mostrar-se como suprassunção dessa oposição.
Absoluto formal — a Unidade, a Verdade e o Bem) não se verifica
A transcendência à listinção adequada entre dois termos finitos que permite falar
desde esse ponto de vista, apresenta-se como o lugar
conceptual lp não-reciprocidade ou de reciprocidade entre eles, como nas
no qual o sujeito pensa o Transcendente como exterior a sua Wlações de objetividade e de intersubjetividade. Na relação de
94 95
transcendência, a relação real do mensurado ao mensurante* é ução e de pessoa, pois essas só poderão definir-se como
relação que refere o mensurado, ou o sujeito finito, ao mensuranti prassunção da unidade estrutural e da unidade relacional do
Qurao Absoluto; ao passo que a atribuição ao Absoluto de um mem se se mostrarem como sua efetivação na unificação da
VE sujeito finito funda-se somente na razão (relatio rationl Fesença a si mesmo do sujeito, e como sua razão última na
TD ora De eo nda do ser, vi nidade profunda do seu ser; em suma, como realização concreta
E pa no moviment como fundamento ontológica da vida propriamente humana

soluto. Essa relação de razão $ E e Rae co 2“ vida segundo g epa pega A opsisado nao
bilidade paralo enjeifo dO cricenar nas ini ae EM j lição à categoria de espírito , é somente ao constituir-se estru-
vidade e da int bem de à dinamico per ao 148 talmente como espírito que 0 homem se abre à transcendência,
due Dabitaro Butano en o es ps expressa pia à transcendência formal da Verdade e do Bem, seja à trans-
e Ad e mo necessário desse dinamisnj
na submissão ao Infinito”, para usar a expressão de Descartes
endência real do Existente absoluto 2. A distinção entre o for-
E] 1é id Smciadavtinicaded: telisênei
ou seja, no reconhecimento da transcendência como telos suprt E RR do aaa
mo da auto-afirmaçãoção d do seu ser. Pu e não tem a : intuição ontológica ou numenal
E ser a
e deve
À
Ê
iEmar os conceitos analógicos transcendentais do Ser, da Unida-
As categorias de relação descrevem, desta sorte, O itineráril =», da Verdade e do Bem !*. Mas é por meio desses conceitos que
dialético do sujeito ao buscar novas formas do seu auto-exprimil Absoluto real pode ser objetivamente acolhido e pensado no
ES A sua autocompreensão na saída de si mesmo, no êxodi imbito da infinitude intencional do nosso espírito finito. Com-
ME 2 NUR nad dpiNdras a PRE finitude e do seu ser situa vende-se assim que a negação do espírito, que percorre sob mil
mo ser-no-mundo e ser-com “rimas a filosofia pós-hegeliana, prolonga-se em negação da trans-
Es Ee Sao qua Ra a transcendêr indência, desde que ela implique a referência a um Transcen-
MENS Ones Dodi riE ne Pis é af a : o ente absoluto. De Feuerbach e Marx a nossos dias essa negação
selser onde enquanto Espíiio, aeolhé o VADE (hi a profundo di jma advertência ou um non plus ultra colocado ao termo de
Verdade (medida) como Bem E árias Se Em) a tod É los os caminhos da filosofia contemporânea que se estendem,
de inteligência e liberdade. a todo ati os eles, pela planície da imanência. Mas a ela, como à negação
| espírito, pode aplicar-se o argumento de retorsão (elentikôs) 'º.
A relação de transcendência é, pois, a suprassunção da não |4 verdade, a negação da transcendência pressupõe, no espírito,
teciprocidade da relação de objetividade e da reciprocidade da rela alirmação implícita da sua abertura transcendental ao ser; ora,
ção de intersubjeti vidade. Nela a não-reciprocidade tem lugar justa Ho podendo evidentemente, o espírito finito e situado identifi-
mente na transcendência do Absoluto e na infinitude do seu ser gui ji-se com o ser, a identidade (intencional) na diferença (real) põe
exclui qualquer relação real ou relação de dependência ad extra º.] pressariamente a exigência do Transcendente como Absoluto do
a relação de reciprocidade é suprassumida na imanência do Absolu «UR
to ao sujeito de sorte que, no seu movimento para a transcendência cui aê Ê x
o sujeito é, na verdade, participação no mais íntimo do seu ser d Antes de percorrermos os níveis de compreensão da relação
infinita generosidade do Absoluto. Essa generosidade infinita é | e transcendência, convém voltar nossa atenção para uma pecu-
outra face do infinito excesso ontológico do Absoluto que está pre E Rj de ssa o da á a “ O a
sente, como princípio e fonte do ser, nas raízes do ato de existir de juamos: E Ç ligaorde transcendênio e evidentemente, qa
sujeito. Desta sorte, o sujeito existe como ser-para-a-Verdade, ser ida ai Aisquiso SA Rep pela pilosan a O
para-o-Bem, ser-para-o-Ser: ser para a Transcendência!o ago onérop olósica; ousa AO ONHA GONGRIS pReio apa
s ieiro por meio do qual o sujeito se afirma como ser. O homem
a A categoria da relação de transcendência se constitui, poi pura a transcendência: o esse ad constitutivo do seu ser que se
nseguinte, como passagem dialética para as categorias de reali iustrou, nas duas categorias anteriores, voltado para o mundo e

96 97
para O outro como seus ter mos nece
ssáráriios e entre si Li irredutível
mostra-se agora referi $ indano. O imanente designaria, ness
e caso, o âmbito do mun-
da tas Exda na a do mundo o do outro) como horizonte englobante das experiências imediatas do
deve ser dita exatamente rela aloido a a referência, qu nem, ao passo que o transcendente se referiria às realidades
sada como um conceito primeiro ou cate ae aà IráPserana postamente existentes para além das fronteiras do mundo e
discurso com o qual o homem se ARE mal na articulação q tuladas como causa, fundamento ou modelo ideal das realida-
o termo da relação não é omo ser. No entantj
7 mundanas. Purificada da sua origem metafórica espacial ?, a
conceptual a E meo RE RO num âmb L jsição imanência-transcendência aparece assim como a articu-
direta, como a temos do mundo e doa E experiénd) Mo primeira do pensamento metafísico ao qual corresponde,
lo como interior à relação com que a ele io Pocos de o ponto de vista antropológico, a experiência que denomi-
pois, de uma relação absolirtanparo falar E a ge remos transcendental na qual se descobrem ao homem, entre-
e essa expressão paradoxal significa que, aqui ro LM las, mas não devassadas, a insondável profundidade e a infinita
ou a primazia da relação que vigora na 1 a Reta q iplitude do ser como tal; experiência que se traduz na inquieta
cede lugar ao primu S telação
: de intersubjetividad Entisfação da razão, que vai sempre além de qualquer ser parti-
o qual Es Tua a absolutum 1 OU Seja, ao Transcendente coj ilar ou limitado pelo seu estar-no-mundo 2.
J Se Telaciona, não em razão de uma reciprocidad BR: Eb sopasrigorosa do problema :
tológica, mas em razão
ontológi :
z da sua radical dependência dele. A A primeira tematização da transcendên-
sim, a relação é absoluta porque inscrita absolutamente na estri | na história da filosofia, e que permanece até hoje exemplar e
ps antológica do sujeito, ou na raiz mais profunda do seu se iimativa, tem lugar na teoria das Idéias de Platão e no seu
; oo tanscendente, sendo imanente ao dinamismo inte ioamento pela doutrina dos Princípios 2. Platão inscreve com
ectual que permite ao sujeito articular o discurso da sua auto ivos indeléveis nas primeiras páginas da história do pensamen-
afirmação como sujeito e sendo, do mesmo modo imanente | 4 ocidental aquela que pode ser designada como a forma
relação de intersubjetividade como a mais profunda. exigência 4 radigmática da Metafísica em sentido estrito como ciência da
ser-com-o-outro, não se deixa exprimir na finitude da experiênci Winscendência — ou ciência das Idéias na conceptualização pla-
ou do conceito, mas está presente ao conteúdo objetivo do dis nica — e que é, na verdade, a transcrição, no código do logos
ans a RiSenEa ausente, uma Presença que se não nf monstrativo tal como Platão o concebe, dessa experiência fun-
iai lemos GPCDAS como o sinal de uma exigênci pinental que acompanha nas mais variadas expressões as vicis-
a à que aponta para a direção mais fundamental do movi fudes da cultura humana desde, presumivelmente, os seus iní-
mento do espírito !8, os: à experiência dos limites, da contingência e do perene fluir
=» coisas circunscritas ao horizonte do estar-no-mundo e envol-
las nas incertezas do ser-no-mundo e nos enigmas do ver-o-
2. Pré-c ompreensãoã da relaçãoa o undo 2. Experiência que, no entanto, só se constitui como tal
de transcendência à medida em que esse horizonte e, nele, as contingências desse
“ us dver e os limites desse ver são transgredidos — e eis a outra face
de Ra Ras cd dão a partir do verbo “trans | experiência — na direção da misteriosa e ilimitada profundi-
despir alem aa Ea à e ere), significa literalmente ade do ser que se estende para além do precário estar, viver ou
AESteao To segundo o teor literal do termo, à pr nos limites do mundo e que é, enquanto tal, propriamente
ica de transcendência” diz respeito à metáfora da Punscendente.
subida ou ascensão que, desde Platão, ocupa um lugar
ilustre iênci da transcendência
ênci
repertório metafórico da linguagem filosófica 1º TNT Eni na Se a experiência encontra em Platãoã sua
elementar acepção, o conceito de “tra dê El a primeirala Primeira e rigorosa expressão filosófica, na verdade ela está pre-
ts
iImanênc
A
ia” como o “além” t rans mundano se opõe ao opõe
E
é ascendência” se “aquaoém!dg ente, como já observamos, sob diversas formas na história das
Õ Ê dilturas e emerge com inconfundível nitidez,
segundo se pode
98 lá
99
documentadamente comprovar, lá onde as primeiras imano onde assentam os símbolos e conceitos com que gua
civilizaçõ
começam a florescer *. Essa experiência assume um
inequívol “im exprime seu conhecimento da ordem do ser e ana par pa
alcance civilizatório no curso do chamado “tempo-eixo”
que | vão nela. Símbolos e conceitos que, segundo Voegelin, se apra:
estende de 800 a.C. a 200 a.C. aproximadamente, no
arco geogi tam em quatro feições típicas que irão finalmente se Laimo
fico que vai do Extremo-Oriente ao Mediterrâneo e no qual | Wimento em que a consciência se desvencilhe do eorapacho s à
desenvolveram grandes civilizações, cujos universos
simbólicl ismo cósmico no qual encontrara a primeira capreasõo. da º 5
fundiram-se, a partir da idade ecumênica que se seguiu às
co) im, O que terá lugar nas duas grandes formas — sela ras
quistas de Alexandre, na rica e complexa matriz das
grandes idéi, Isófica — da experiência da transcendência. Essas feiçó
que haveriam de inspirar a história futura. Ora, o em ser descritas como
tempo-eixo| À DE RR
caracteriza justamente pela surpreendente sincronia com que | a. a experiência da participação;
manifestaram em áreas de civilização tão distantes
geografic
mente e tão profundamente diversas no seu perfil cultural, b. a preocupação com a permanência e o fluir dos seres na
fa)
mas de experiência da transcendência cuja estrutura nunidade do Ser;
revela un]
clara analogia. Para além das teorias que procuram explica e. o processo de simbolização pelo qual a ordem ae nos:
r o fal
histórico do tempo-eixo 5 e propor uma interpretaçã irrepresent ável em si mesma, passa a ser representad a po
o da su
aparição na cronologia da história universal 25, essa época
excep los que analogicamente a exprimem;
cional se mostra como aquela em que a irrupção da d. dessa consciência do caráter analógico dos símbolos decor-
experiênci
da transcendência provoca uma inflexão profunda e decisiv
a 1 à possibilidade da sua convivência em tradições ES Gder e;
compreensão, pelo homem, da sua existência 2. Entre
as muita Halmente, a emergência da idéia do verdadeiro e do falso no
interpretações desse evento espiritual de tão amplo innoteísmo de Israel e na filosofia grega.
e profund
alcance, convém assinalar a que foi proposta por E. Voegelin nj A experiência da transcendência, desvelando uma nova E
sua obra monumental Order and History 8, Aí a experiência d jensão — a mais abrangente e a mais profunda E da o o
transcendência é pensada no contexto do desenrolar-se de um mem com a realidade, vem dar um novo sentido às gran E
“história da ordem” capaz de fornecer os marcos indicadores di seriências tais como a experiência da utilização do mundo pelo
uma “ordem da história”, ordem essa que permita, afinal, a com balho e a experiência do reconhecimento do ouiro no coexistir
preensão da situação atual da história universal ?, Na perspectiv; m sociedade. Assim, ela torna possível uma ordem da história
adotada por Voegelin é a idéia da participação no ser como tota imo história da ordem” na expressão de E. Voegelin. A Esse
lidade, na qual o homem se sente justamente integrado, que ir; va perda da efetividade histórica da experiência da Sua
manifestar-se como essência da sua existência. Ora, é o luga 1 ou sua substitutição por pseudo-experiências que ea
dessa essência — ou desse ser-parte — no Todo, que constitui
a,
é diversas faces do niilismo contemporâneo pode, de EM o
problema fundamental do qual emerge a idéia da ordem e, final juntada como a raiz mais profunda da desordem Dio
mente, a experiência da transcendência, que iria alcançar sual juso tempo, caracterizada pelo retraimento das experiências
expressões paradigmáticas na idéia de Revelação em Israel e nj
Htênticas da transcendência e pelo dominador avanço de formas
idéia de Filosofia na Grécia. Essas expressões haveriam de operar Eversas de gnoses da imanência *!,
por sua vez, de modo aparentemente irreversível ao menos
nG
Ocidente, a mais profunda inflexão conhecida no curso do
proces A pré-compreensão da relação de transcendência exerce-se
so civilizatório. Tal inflexão não se cumpre, por conseguinte, em iWrtanto no campo das grandes formas de experiência da fgues
virtude de alguma revolução tecnológica na esfera dos bens ma pdência que se constituíram ao longo da história, na ça
teriais da civilização nem, ao menos diretamente, como im que nelas se faz visível a abertura do homem a uma realidade
conse
quência da criação de uma nova ordem social e polític
a. Mai: ra além do Mundo e da História 2, que convém denominar
radicalmente, ela tem lugar nas estruturas profundas do
espírito Witamente uma realidade transcendente. Exprimir, seja simboli-
100 101
camente
Pp por imagen
8ens, sejaj conceptualmente essa realidade,
;
: é4 tard) létheia) define-se a partir do discurso na medida em que se
das li igi
aaa o F PERA que a tradi institui como “discurso verdadeiro” (alethés lógos]; como tal
hoje está compreendida na Filosofia da elis na endossa rã u Eco aisgarso da “eisnçia Jepfsuhéme) enquanto:oposo EpsOnis
cia da transcendência é aqui considerad igião. Mas a experiê] ino” (dóxa)*. Ora, o discurso verdadeiro se caracteriza justa-
UbarelA cao (cream ever sTisaad o estabeler mente por sua homologia (que a tradição posterior designou com
MBGRIZS omaNERtas dE ora en a trata-se, conj termo adaequatio) com o ser, que é propriamente o verdadei-
evocar as formas de experiência Ed ES Aa ag pol o. Platão desvela assim, com rigor € amplitude, pra primeira
sen tanuacino, ala pilicatimas er EE ência que se api »z na história da filosofia, o horizonte temático da experiência
Albsofesdestarelação quo como a o a (ro Pala janscendental” como experiência noética da Verdade, cuja in-
emrconta-ao-estudarmos ds relações Re Z Es ser levad liência será profunda e decisiva na formação do conceito ociden-
doa DSR a ac
eron era datas O ser hu 1] de homem. Portanto, a idéia da Verdade como expressão de
formas; de experiênciada Ad is RE três grand ima relação fundamental do homem com a realidade [a relação
profundo é contínuo & no terreno do que deixaram um sulg lo saber verdadeiro ou da ciência) é, para Platão, um conceito
elis pensamento filosófico. Sã antológico: ele traduz, em suma, uma relação peculiar do homem
» ser º. Nessa homologia entre Verdade e Ser, que será retomada
e a.a experiência noética da Verdade, que deu
origem à Metd hor Aristóteles *!, podemos ver a origem histórica do conceito de
ísica como “filosofia primeira” (protê philosophia); transcendental” na sua acepção metafísica. Os “transcendentais”
Ho justamente as noções cuja predicação do conceito de ser ex-
1

b. a experiência éti : à bus


“ciência no práxis” E a ia O E origem à Etica comi Nrime os atributos (ou passiones entis na terminologia clássica)
c. a experiência noético-ética do dd E fom ele logicamente conversíveis (identidade teal na diferença
Teologia como “ciência do divino” lEheololial a E origem | formal), vindo a constituir a arquitetura metafísica fundamental
nlénciaçécitanshosicandiilasótica id sia). Essa última expc Ho nosso pensamento: ser (ens), uno (unum!], verdadeiro (verum),
ótica da experiência religiosa e nel bom (bonum) e ainda, segundo alguns autores, belo (pulchrum) *.
convergem, de alguma maneira, a experiência noéti
ca e a expé
riência ética *, Consideremos brevemente cada uma dessas exp Com a experiência noética da Verdade considerada como
riências: «periência metafísica na medida em que é, formalmente, uma
Berti A. Experiência do Ser (ou experiência da identidade entre Verdade e
tai a RR asa ADA E ARC consig Her), a estrutura fundamental do pensamento filosófico descobre
da nado AR EUR a di Bu fundamento nessa presença originária do homem ao Ser que
ferenciação noética”
tempo-eixo no mundo grego. Nós a art Dou es à MTUpçãoRa ropriamente experimentada na reflexão do espírito sobre si
nária limpidez, e animada por uma prodi ae com a jnesmo *º. Enquanto tal, pica PRISUEADA merece ser denominada
mento, na passagem do século VI ao sécul Ea À E e pensa "experiência transcendental : Semelhante expressão pode pare-
grandes pensadores inaugurais desse tempo Lu. RARA no Bor, à primeira vista, paradoxal e mesmo inadequada: Experiên-
Pammênidosd Mas é nom dir E como eráclito pia” diz respeito, na sua acenção usual, à presença de um objeto
noética da Verdade como experiência ER a Cxperia Eibtado na sua particularidade: panscenidees equivale a “uni-
cia alcança 'sua expressão paradigmática, Dela a a ] Wersal” e, mesmo universalíssimo , como condição que antece-
ceito de “transcendental” que Prevalêges E E Fad o com dle toda experiência [sentido kantiano-moderno) ou como concei-
atenuar am concepesoL platérsitacda ndo losotia ocidental fo primeiro da razão — o conceito de ser e de seus atributos
vastaibliera remo é nósio sta E É Ap de uma jinediatos — [sentido clássico). No entanto, desde que se dê ao
do a trilha da tradição eleática O expô-la aqui “”. Segui Fonceito de experiência uma extensão analógica, segundo o modo
; O conceito platônico de verdade dle presença que nela tem lugar é, a expressão “experiência
102
103
A ç 7
ã x e.

transcendental” passa a ter um sentido perfeitamente aceitável;


sm
ndamento (saída do círculo cartesiano pela supressão de um
experiência, pois que nela se dá a intuição da presença do ser | | seus termos, a idéia do Infinito) torna-se impensável em razão
inteligência *, Presença que
se descobre ou se intui na inter substituição do horizonte do ser pelas condições de possibili-
dela) a pode ser dita dialética (e, como tal, se estabelec le imanentes ao sujeito *. Este o sentido primeiro que o termo
rea mediação) entre a universalidade absoluta do ser e a deter Iranscendental” passa a ter em Kant e, a partir de Kant, na
Enio tad limitação eidética do ente particular que é apreendj lusofia contemporânea. Aqui o movimento do “transcender” se
a na experiência imediata; e transcendental, porque nessa e poi É do fenômeno à experiência e às suas condições de possibilida-
essa intuição da presença do ser, a inteligência vê aberto o hor E, que passam a ser igualmente as condições de possibilidade do
Eis de inteligibilidade ilimitada no qual o ser se manifesta, € bjeto da experiência *%. É verdade que o termo “transcendental”
vê igualmente que é situado nesse horizonte que todo e qualquej E aba recebendo em Kant diversas significações *. No seu sentido
ente particular pode ser conhecido. A “experiência transcendental! luis geral, isto é, enquanto denota a condição intrínseca de pos-
se mostra aqui também na sua face subjetiva como experiência ibilidade ou de inteligibilidade do objeto tal como é conhecido
do dinamismo intelectual infinito que habita o sujeito e que le pensado pelo sujeito, o termo passa então a fazer parte da
gitima criticamente a afirmação do ser (ou do em-si numenal| nos prminologia filosófica corrente *.
seres ”. A estrutura dessa experiência é, por outro lado, essencial
mente reflexiva *: ela se funda na reflexão da inteligência
sobre
b. Experiência ética do bem — A “experiência transcendental”
seu próprio ato enquanto intencionalmente unido ao lesenrola-se igualmente em outra dimensão fundamental que é a
objeto * que
desvela a natureza do ato e, nela, a natureza da própria aperiência do Bem e que designamos como experiência ética. De
inteligên
cia, sua homologia essencial com o objeto *º e, assim, a
amplitude
ato, as duas experiências, da Verdade e do Bem, estão intima-
ilimitada da alma como algo quod natum est convenire mente relacionadas e mesmo se entrecruzam naquele movimento
cum
omni ente“. A “experiência transcendental” pode ser, lulético da intercausalidade entre inteligência e liberdade nas
desta sor
te, caracterizada como experiência noética da Verdade tal jas relações com a Verdade e o Bem que denominamos “quiasmo
comd
se apresenta nesse nível da pré-compreensão da relação do espírito” 8. As origens históricas da experiência ética do Bem
de trans
cendência “2. É no nível da “experiência transcendental” mo “experiência transcendental” devem ser buscadas no

En o a da dus ita racer sda como uma cênci do Bem. Elovada po Plato so mai
enqua
to experiênci ti : A fsinamento socrático, que inaugurou no Ocidente a reflexão ética

relação ao sujeito cognoscente finito 8, lio vértice metafísico, a ciência do Bem, codificada por Aristó-
es como “ciência prática” ou Ética, passa a ser um dos pilares
di A Ra “revolução copernicana”, que Kant operou nas indamentais do edifício da Filosofia.
Zon RR RÃ q Inspirando-se no paradigma socrático, a experiência ética do
tos o arquétipo platônico da experiênci Anpéticada Verdsd E fiom será organizada, ao longo da história, em duas direções que
até então prevalecera na tradição filosófica. O próprio é de RE Ss pera COrReSpDudAn eia Uma deles, ano
“transcendental” é submetido, aqui a Rca P É S HO : im vista O Bem como medida (métron), a outra o Bem
ditecã EEE A) completa inversão de fim” (télos). A correspondência entre o Bem como “medida” e
besta a ana avtastado no movimento da crítioq | Bem como “fim” se estabelece no âmbito conceptual do con-
namo Pia Roi A a 6 E inteligível do peito de “ordem” (táxis), que deve ser considerado um dos con-
gnosiológico *, ond SUCO NS O Os OMEO OBICOnpALA Ousoll vitos capitais do pensamento clássico º. Assim como a experiên-
0810, onde à experiência noética da Verdade ficará cir ia noética da Verdade supõe no homem uma homologia estrutu-
SilsBiia nas condições da experiência organizadora dos fenôme- al entre a inteligência na perfeição do seu ato (nóesis) e o ser no
NeESmQUsSe aaa finitude da situação do sujeito no mundo. A “ex- sou desvelamento inteligível (noetón), o que permite o estabele-
periência transcendental”, nesse retorno crítico ao sujeito como Fimento da correspondência intuição = verdade (nóesis = alétheia)
ms
104
como relação propriamente ontológic asássim alêxpeniência:ónol tomo objeto de um saber específico, espaço esse que foi aberto
do Bem revela na liberdade humana ou na capacidaderhumanalil justamente pela ciência platônica do Bem &. De resto, ao reiterar,
autodeterminar-se (eléutheros autou éneka) que, segundo Sócrates, As FadAd
páginas finais da Ética É, a primazia da contemplação (theoria),
reside na interioridade por ele denominada “alma”
r
(psyché) Si r
Aristóteles restabelece o lugar do Bem transcendente na hierar-
o
/ e ; pa
uma homologia com o ser na sua manifestação como perfeição) uia das perfeições do ser, pois o bem como “ordem” (táxis) do
(agathón) ou como Bem, da qual decorre, para a liberdade, O liniverso exige ou implica o Bem como ordenador transcenden-
: : ; 1
imperativo
É
de Rasauto-realizar-se segundo as exigências do Bem. . Desta Ea 70 .
feE e *. Assim, a experiência
Açao 0 Bife :
ética do Bem as passa a ser interpretada,
sorte, à perfeição do Bem deve corresponder a perfeição do sujeito e (ea .
egundo a tradição inaugurada por Platão, como na Ceni
f PA

ou da “alma” (psyché), vem a ser, a sua “virtude” (areté). Tom fia transcendental” no sentido estrito, segundo os dois aspectos
Fr 4
-se, assim, possível o estabelecimento da correspondência virtude
. a . A .
! Efpodel e Ger ténados Rn rem si f e Soibem
3= bem (areté Si= agathón)
$ : a! m
como sendo, igualmente, uma relação
estritamente ontológica. Verdade e Bem ou alétheia e agathóm
ta “a dh amu ua na n a ência teleológica (o Bem como
a Es O Di |
É , n). Os dois aspectos articulam-se dia qutranento no pensamen-
mostram-se, pois, correlativos ao Ser (ón ou ousía) e essa corre É La MA FA
to de Platão, pois justamente enquanto Fim 7! o Bem se manifes
lação, tal como Platão a expõe nos diálogos da maturidade, passa Erá couro Idéia suprema. À experiência da identidade entre teia
a constituir o entrelaçamento conceptual básico do pensamento | Ser 2 estará, pois nos fundamentos da Ética como ciência, as-
metafísico &2, im como a experiência noética da Verdade tornará possível a
:
A passagem da ética socrática para a metafísica platônica Fonstituição da Metafísica.
da É Ee cdi
Bem é caracterizada justamente pela descoberta da dimensãd A tradição irá distinguir entre bem pi
ontológico e bem moral,
transcendental da experiência ética do Bem, ou seja, pela mani sim como distinguirá entre verdade ontológica e verdade lógica.
festação, no aprofundamento dessa experiência, da relação de Iesde o ponto de vista da experiência ética, essa distinção corres-
transcendência como constitutiva do ser do homem &. Finalmen ponde à tensão que se manifesta na estrutura espiritual do homem
te, a exigência de fundamentação racional da práxis conduz Pla: tre o categorial e o transcendental *. Com efeito, enquanto ex-
tão a afirmar a primazia do Bem no domínio da theoria. Esta se Periência ética ou moral, ou seja, aquela que diz respeito ao dever-
edifica, pois, como uma metafísica do Bem, na qual é atribuída à pr do agir, a experiência do Bem requer um fundamento absoluto
Idéia do Bem uma dignidade transontológica enquanto, comg 1º não pode ser encontrado no âmbito do próprio agir e do seu
“princípio anipotético” ou que se suporta a si mesmo 4 ela está fundo, submetidos que são a uma essencial contingência. Ela
além de qualquer “essência” (ousa) particular em “dignidade é iiplica pois a “experiência transcendental” do Bem, ou seja, de um
poder” &. Foi, pois, o élan metafísico com que Platão pensou à Pim não mais medido pelas exigências do nosso agir e relativo à sua
idéia do Bem e do qual a República conservou o testemunho intingência e finitude '*, mas de um Bem que se manifesta como
escrito e a teoria dos Princípios consignou no ensinamento oral 4, | na sua identidade com a infinitude do Ser. Essa passagem do
que elevou desde o início a experiência ética do Bem ao nível ilegorial ao transcendental ou, no caso, do ético ao metafísico,
transcendental no qual o Bem é pensado na sua homologia com institui o desenho fundamental do modelo platônico-aristotélico
o Ser; e foi como “experiência transcendental” que a tradição d &) que diz respeito à reflexão sobre a experiência do bem; modelo
recebeu. fio foi herdado e amplamente desenvolvido por Tomás de Aquino *s.
Por outro lado, ao atribuir à relação com o Bem, constitutiva | psicologia e a ética pes aristotélicas oferecem a Tomás de Aquino o
Er
do agir virtuoso, um alcance transcendental, Platão tornou possí indamento
O eiivad antropológi co para pensar a experiência do Bem na
o e i tn
vel a fundação da Ética como ciência, levada a cabo por Ara ispectiva do horizonte anscendência e, portanto, como A forma
teles. É verdade que Aristóteles critica a transcendência do Bem] Ei periência ga Telação de transpendência: Ag teniâsizármiosa
platônico %”, mas a própria constituição da Ética supõe a abertura Ro doxBemnadinhaçdo Gigas eonEninnIvoNdANt ont Es
do espaço inteligível no qual o Bem (tó agathón) pode situar-sé || Vemos que ela pode ser considerada segundo uma dupla ar-
106 107
ticulação dialética: a dialética do Bem como norma ou forma inedida em que se desenrola no âmbito da liberdade moral como
especificadora do movimento da vontade — dialética do Bem comg “lato da Razão” (Faktum der Vernunft) que reivindica para si o
Princípio — e a dialética do bem como beatitude (eudaimonía) predicado de “transcendental”.
dialética do Bem como Fim último 77. A Norma e o Fim são, pois,
Assim, na filosofia pós-kantiana, ao transcendental do Ser
os dois conceitos herdados da tradição clássica e repensados profun
sucede, tanto na ordem teórica como na ordem prática, o
damente segundo as exigências do criacionismo cristão que per
transcendental do Sujeito.
tem a Tomás de Aquino retomar a intenção platônico-aristotélica
de transposição da experiência ética do Bem em “experiência c. Experiência noético-ética do Ser ou do Absoluto — Vimos
transcendental” ?*, o que estabelece igualmente uma unidade pro: ijue a experiência noética da Verdade e a experiência ética do
funda entre Ética e Metafísica ?º. fem só se constituem como “experiência transcendental” na
fnedida em que nelas transluz a identidade da Verdade e do Bem
Outra expressão elogiente da experiência ética do Bem nã
rom o Ser. A experiência do Ser, uma experiência indissolu-
tradição da filosofia cristã, podemos encontrá-la na filosofia dg velmente noético-ética, e que merece propriamente o nome de
ação de Maurice Blondel *º. A experiência aqui tem lugar no ter assim, como o fundamento
Experiência metafísica, apresenta-se,
reno da ação e da dialética, que impele seu dinamismo e que tem
P o protótipo de toda “experiência transcendental”.
origem na inadequação entre o que Blondel denomina a volontt
voulante, ou a vontade no seu dinamismo essencial e profundo Com efeito, foi como experiência de participação no Ser,
(voluntas ut natura na terminologia clássica) e a volonté voulul iperando uma ruptura no simbolismo cósmico, que a experiência
(a vontade no dinamismo do seu exercício ou da opção em facé la relação de transcendência emergiu historicamente na aurora
dos bens que se lhe oferecem: voluntas ut elicita) *!. Impelida pol lo chamado “tempo-eixo” &. Por outro lado, a experiência meta-
essa dialética, a ação, no seu desenrolar integral, avança por pa fisica do Ser pode ser considerada uma forma da experiência re-
tamares sucessivos até o momento em que se manifesta a sud ligiosa do Absoluto, ao encontrar esse uma expressão na lingua-
“inevitável transcendência” 2. A opção decisiva — que tem pará sm do logos demonstrativo, dando origem a essa forma de saber
o homem o caráter de verdadeira opção ontológica — se impõ€ acional que os gregos denominaram theología %. Na evolução
então como aceitação ou recusa do Ser como norma e fim di sse conceito, podemos encontrar, de um lado, o processo de
dinamismo da ação. Essa só encontrará, por sua vez, acabamentd fitica do antropomorfismo das representações religiosas e, de
e completude ao se abrir à gratuidade do dom que procede d uitro, a formação do conceito de um deus (o theós) ou de um
infinita generosidade do Ser como dom propriamente divino 8, ilivino” (tó theion) transcendentes. Quando se constituir plena-
fonte com Platão, a metafísica será, propriamente, uma theolo-
Assim como sucedera no espaço conceptual da experiênci:
11”, e a experiência religiosa enquanto experiência de Deus terá
noética da Verdade, assim também no espaço próprio da experiêncii Hcontrado sua expressão filosófica como experiência do Ser ou
ética do Bem a filosofia moderna assistiu ao desenrolar da “revolu
& Absoluto.
ção copernicana” levada a cabo por Kant. Nela tem lugar a inversãt
per diametrum da orientação do vetor semântico do termo “trans A enorme variedade das experiências religiosas e das suas
cendência”. Em consequência, o termo “transcendental” passa| “pressões simbólicas descritas na História das Religiões e na
não mais designar na ordem prática o Bem absoluto como Norm Wnomenologia da Religião mostra a riqueza e complexidade com
e como Fim e sim a liberdade como condição de possibilidade 4 e se apresenta a relação de transcendência em sua forma pri-
priori da síntese entre a vontade subjetiva e a lei universal. Sínteg Hordial que se revela na atitude do homem diante do Sagrado *º.
a priori e, portanto, necessária, expressa no imperativo categória lo entanto, teremos em vista aqui, na nossa descrição da pré-
que impõe ao sujeito a obrigação de agir segundo a lei moral ou pimpreensão da mesma relação, a experiência do Absoluto en-
dever de agir moralmente. À experiência ética do Bem sobrepõe-sé funto experiência do Ser ou enquanto experiência metafísica. O
desta sorte, a experiência moral do dever **. É essa experiência, n) tudo da experiência da Transcendência como experiência do

108 109
Sagrado pertence mais particularmente à fenomenologia e à filo a. a experiência da abertura ao Ser na forma da experiência da
sofia da Religião, havendo lugar, nesse campo, para uma distim peatividade inerente à nossa capacidade de pensar, sendo o
ção entre experiência do Sagrado e experiência de Deus propria pmem o único ser conhecido capaz de introduzir o não-ser na
mente dita *. Com efeito, a experiência de Deus situa-se no mesm pinpacta unidade do Ser: o que significa, finalmente, passar além
nível fenomenológico no qual tem lugar aquela que denomina » qualquer limitação dada dos seres e experimentar, sobre o
mos “experiência metafísica” do Ser e do Absoluto. bismo do não-ser, a infinita transcendência do Ser. Com efeito,
her é inalcançável pela negação, que se autonegaria ao negar o
É essa experiência metafísica que temos diante de nós af
'1, Essa forma de experiência da transcendência pode ser expres-
descrevermos a pré-compreensão da relação de transcendêncik igualmente desde o ponto de vista da linguagem: enquanto ser
no roteiro metodológico de elaboração da respectiva categoril linguagem e portador do logos o homem experimenta neces-
antropológica *º. Nela transluz a presença do Ser na sua infinitudi Hinmente a infinidade do Ser e, portanto, a sua transcendência
que transcende qualquer contorno eidético limitado, sendo, comi bre todo ser finito 2;
tal, conceptualizado como a primeira das noções “transcell
dentais”, logicamente conversível com as noções de Uno, Verdg b) a experiência da inteligibilidade do ser, expressa na afirma-
deiro e Bom. w de que o ser é por si mesmo ou subsiste por si mesmo (per
ubsistit), o que significa justamente a sua inteligibilidade in-
Exatamente enquanto experiência da Verdade e do Bem, fuseca ou sua reflexividade ontológica (o ser se compreende a
experiência metafísica pode assumir igualmente a forma de uni tir de si mesmo, pois nada existe que lhe seja logicamente
experiência de Deus e assim foi ela interpretada na tradição file Ferior, e a partir do qual possa ser compreendido). Essa
sófico-teológica, sobretudo em Santo Agostinho e Santo Tom lexividade pode ser entendida igualmente como a pura
de Aquino !. Porém, como experiência metafísica, ela é, em se] “tividade do ser que permanece indivisamente em si (indivisum
tido estrito, uma experiência do Ser-ou do Absoluto, desdobral v)** e, como tal, simplesmente é. Nessa reflexividade absoluta
do-se então em dois níveis. No primeiro tem lugar a experiênt der, intuída pela primeira vez por Parmênides e enunciada na
do Ser na sua transcendentalidade formal, dando origem ao cd) à clementar das proposições : o ser é, o homem se vê neces-
ceito analógico de ser. No segundo situa-se a experiência do 8 Wmente face a face com o horizonte da transcendência *,
na sua transcendência real ou do Ser como Existir subsistem
| à experiência correlativa à anterior, mas dela distinta e que
(Ipsum Esse subsistens), objeto da Metafísica como Teologia! mos designar como experiência eidética ou experiência da
como discurso sobre o Absoluto real. No Absoluto real, a opQ
via, na qual a realidade se nos oferece na sua estrutura
ção de imanência e transcendência é suprassumida na Unida
ada e sem a qual não poderíamos estabelecer uma distinção
absoluta, a um tempo imanente e transcendente ao múltiplo col
5 seres nem perceber suas relações mútuas. A experiência
sua condição radical de possibilidade ou, em termos metafísico loud é, em suma, a experiência da Idéia na qual transluz a
como sua Causa primeira. No entanto, no nível da pré-compréi
Wo dos seres e, nesse sentido, ela está próxima da experiên-
são, no qual nos situamos presentemente, essa discursividade etica da Verdade na medida em que, aqui, ela é referida à
experiência metafísica não é explicitada nas suas duas direçõel iade e distinção dos seres e à possibilidade de ordená-los
metafísica e teológica —, não obstante nela já estar presenl lo hierarquias de conceitos mais ou menos universais ””.
estrutura onto-teológica que a sustenta ?. BHO análoga dessa experiência pode ser encontrada na idéia
Observemos ainda que a experiência metafísica pode assi Wrimativa ontológica” desenvolvida por M. Blondel ºº e que
diversas formas, sendo que em cada uma delas descobre-se U » relevo na idéia o seu aspecto de norma ou de regra inte-
expressão possível da relação de transcendência. Entre essa! do estrutura e orienta os seres contingentes no seu devir,
gumas vieram a adquirir uma feição clássica na tradição fila Ho a sua consistência dinâmica, pois neles o ser é igual-
ca, e convém enumerá-las aqui: norma de um agir (agere seguitur esse), ou seja, o pro-

110 111
cesso da sua autogênese (os seres não são peças de um mecanl tal reflexividade sobre si mesmo, ele não pode aplicar-se os
mo articuladas extrinsecamente), o que atesta a sua similitul fncedimentos abstrativos e operacionais próprios da ciência, nem
ontológica com o Criador [a metafísica de Blondel é, estrutur ibmeter-se às regras da explicação científica. É verdade que certos
mente, uma metafísica da Criação). Eimínios das operações e obras do espírito podem oferecer objeto
Juntamente com essas três modalidades da experiência meti im tipo de saber explicativo análogo ao das ciências empírico-
física do Ser ou do Absoluto, outras poderiam ser enumerad, Wimais, e que é um saber propriamente hermenêutico: são os
como, por exemplo, a intuição do ser como ato de existir 1 iinínios dos quais se ocupam as “ciências humanas” ou “ciên-
como é descrita por J. Maritain ”, e na qual o ato de existir! 1» do espírito” [Geisteswissenschaften). No caso da relação de
mostra como a “fonte primeira e superinteligível” d Hinscendência, persiste a mesma impossibilidade, pois é o sujei-
inteligibilidade; ou a experiência da interrogação radical e ul tomo propriamente espiritual que é o termo a quo dessa rela-
versal, expressa na fórmula “o que é?” (tí esti; quid est:), um di ) já O seu termo ad quem, ou seja, o Absoluto, formal ou real,
pontos de partida possíveis da Metafísica, na medida em qu também inobjetivável segundo os procedimentos metodológi-
implica necessariamente a posição absoluta do ser como conti 4 da compreensão explicativa.
posto ao não-ser 199, No entanto, sendo a experiência da transcendência, nas suas
A pré-compreeensão da relação de transcendência pode 8 4 modalidades fundamentais, como experiência noética da
assim designada como o solo mais profundo onde se enraízal idade, experiência ética do Bem e experiência metafísica do
todas as experiências humanas, qualquer que seja haoluto, uma experiência propriamente fontal para o homem,
conceptualização ulterior com que se tente compreendê-las. E) jis dela fluem as interrogações fundamentais em torno do sen-
atesta a irrupção, desde sempre presente, da transcendência 1 do da sua existência !2, ela marca com seus traços todas as
imanência, seja esta pensada no âmbito da relação de objetivid; Des e obras do homem, colocando-as sob a égide da Verdade e
de, seja no âmbito da relação de intersubjetividade. Com efeiti à Bem, e impelindo-as com a exigência sempre insatisfeita do
não há nenhuma possibilidade de se pensar qualquer experiêncl plhor e com a inquietação do Absoluto. Ao se aplicarem assim
humana sem que a contingência e o efêmero acontecer da e ações e obras do homem que manifestam seu ser espiritual, as
riência não sejam atravessados pelas questões propriamenl líncias humanas” oferecem indiretamente uma forma analógica
transcendentais em torno da unidade, da verdade, da bondade, d compreensão explicativa da relação de transcendência. Com
beleza e, finalmente, do ser dessa realidade sempre fugidia qu ito, ao descreverem as diversas formas históricas e estruturais
está em jogo na experiência. A relação de transcendência é, pol pultura humana, dos costumes e das crenças, elas tornam mais
um constitutivo fundamental do ser-para do homem e é como t Biveis os traços que a experiência da transcendência imprime na
que deve ser tematizada filosoficamente ou formulada como dj tória humana e, nesse sentido, podem ser tidas como com-
tegoria antropológica. pnsão explicativa, no sentido amplo, da relação de transcen-
oia. Desta sorte, devem ser consideradas como formas de com-
pnsão explicativa (indireta) da relação de transcendência, a An-
3. Compreensão explicativa da relação de pologia Cultural, a História das Religiões, a Fenomenologia da
lisião, a História da Cultura como história das visões do mundo
transcendência história das idéias, a Psicologia Religiosa, enfim todas as tenta-
as de explicação, entendidas como científicas em sentido amplo,
Assim como não é possível elaborar uma adequada compreel E têm por objeto a vida espiritual dos indivíduos e das comuni-
são explicativa da estrutura noético-pneumática ou do espírito “5 humanas, na medida em que deixa seus traços ou atesta sua
no homem, do mesmo modo não é possível fazê-lo em se tratai jença na tradição das comunidades ou no comportamento dos
do da relação de transcendência. Sendo, com efeito, o espíriti
ivíduos.
112, 113
4. Compreensão filosófica da relação de etor, que aponta para a transcendência e que a define como “inte-
rência espiritual” (intellectus). Todo o seu ímpeto há de voltar-
transcendência
e, doravante, para a imanência da História, da Natureza e do pró-
irio Homem. Assiste-se, assim, a uma profunda transformação da
A reflexão sobre a Transcendência pode ser considerada a ter
joção de Sistema, cuja estrutura vertical se abate agora na
natal da Filosofia, seja no seu primeiro surgir na Grécia, seja 1 inrizontalidade do campo do operável humano (prâgma), onde deve
seu desenvolvimento histórico, pelo menos até Hegel. As tent Winar a Razão calculadora e organizadora (ratio). É verdade que a
tivas de rejeição desse tema do campo do pensamento filosófil
losofia contemporânea assistiu, até tempos recentes, a um flores-
a partir de Feuerbach e de A. Comte assinalam igualmente a cri
"er de sucedâneos da transcendência metafísica: transcendências do
mais profunda conhecida pela Razão no seu intento de compri
jeito, da História, da Existência, da Linguagem e, finalmente,
ender toda a realidade, crise essa que atinge seu climax com
uma espécie de retorno ao cosmologismo antigo, transcendência
anúncio da “morte da Filosofia” 13. A Filosofia, assim como)
ly Cosmos 1º”. A curva teórica descrita por essas figuras da trans-
demonstrou brilhantemente E. Voegelin 1%, é a resposta tipid
pendência, que permanecem submetidas ao postulado da imanência
mente gregaà irrupção da idéia de RD (implicada 1
hi ulical do homem no seu mundo, declina com lógica aparentemen-
problema da participação no Ser) no universo simbólico do
|» inexorável para o niilismo ontológico e ético que impregna todo
mem antigo, dando origem ao ciclo histórico denominado “tem
ar espiritual da nossa época e proclama a equivalência entre o ser
po-eixo”. O problema da transcendência pode ser, desta sorti
considerado o ponto fulcral de todo o pensamento filosófico, si o nada na raiz última da atividade interrogante do nosso pensa-
bre o qual repousa a sua coerência sistemática e sobre cuja sol mento, e entre o bem e o mal na raiz última da atividade optante
dez a construção do Sistema stat aut cadit. 4 nossa liberdade.
Ao expormos a compreensão filosófica da relação de trans-
É, pois, permitido pensar que o declínio do pensamento sistem
tico na filosofia pós-hegeliana esteja profundamente relacionado coj endência, ou seja, ao procedermos criticamente à afirmação dessa
essa multiforme negação do espírito e da transcendência que, n Plação como categoria constitutiva do ser do homem, convém
últimos dois séculos, está presente em todos os caminhos da fil sr presente essa situação atual do pensamento filosófico na qual
posta em questão, sob as formas mais diversas, o termo ad
sofia ocidental. Na tradição clássica, com efeito, o edifício do sist
ma da Razão era coroado pela idéia do Absoluto transcendent mem dessa relação fundamental, seja ele entendido como Abso-
sendo a ascensão pelos estágios que a ela conduzem o exercíd ito formal (a idéia de Ser e seus atributos transcendentais), seja
próprio da “inteligência espiritual” 19. A dissolução da “inteligênde itendido como Absoluto real (o Existente subsistente — Ipsum
espiritual” é acompanhada, na filosofia contemporânea, pelo aba “se subsistens) 1º8, Esse pôr em questão ou, mesmo, essa rejeição
dono da ambição sistemática da Razão, tal como fora alimental hlícita do termo ao qual o homem constitutivamente se refere
pela tradição filosófica desde Platão. É verdade que, de Descartes la relação de transcendência, tem como consequência o retor-
Hegel, as linhas do universo racional continuam a ordenar-se é w sobre si mesma da relação e o seu ulterior desdobrar-se no
torno do pólo da transcendência, não obstante o interdito kantial paço da imanência, dando origem a essa sequência de figuras
lançado sobre o em-si do Absoluto, interdito que o Idealismo al ie se apresentam, na cultura contemporânea, como sucedâneos
mão tentou levantar no último grande surto sistemático da Raz 45 expressões conceptuais clássicas da transcendência, e podem
ocidental !%, No momento em que o pólo da transcendência é é) designadas propriamente como mitos pós-metafísicos ou mi-
volto pelas nuvens de suspeita e de implacável crítica que se elevai às de uma civilização para a qual a experiência da transcendên-
da obra de um Feuerbach, de um Marx, de um Nietzsche, de ui 4, que inaugurou o tempo-eixo e presidiu ao ciclo civilizatório
Freud e de seus numerosos epígonos, a relação de transcendênt fe denominamos Ocidente, perdeu, aparentemente, sua efeti-
como constitutiva do homem é denunciada como projeção, aliem Wade histórica. Mitos pós-metafísicos são a ideologia como mito
ção, ressentimento ou ilusão. A razão deve inflectir a direção do 8 Verdade, o hedonismo como mito do Bem e a história como

114 115
mito de Deus. É, pois, no contexto ideo-histórico desse crepúscl mergulhado nessa sombra, será o retorno à pátria das Idéias !!!: à
lo da idéia de transcendência e, portanto, no momento em ques ação de transcendência encontra aqui sua forma mais alta na
obscurece o horizonte da experiência dita transcendental justã Hroría ou contemplação das Idéias, sendo pois a vida teorética
mente por se abrir à universalidade do Ser e por passar aléi | melhor forma de vida.
(trans) da particularidade do homem e do seu mundo, que nQ
incumbe a tarefa de expor, na sequência do discurso da Antropd b. O Absoluto como Existência no pensamento cristão-medie-
logia Filosófica, os momentos da compreensão filosófica 0) 4 — A Revelação bíblico-cristã significou uma transformação
transcendental da relação de transcendência. frofunda e mesmo radical na idéia de Absoluto transmitida pela
fudição metafísica. Essa transformação foi provocada por duas
ls afirmações fundamentais do credo cristão: a Criação e a En-
1. Aporética histórica da relação de transcendência inação. Com efeito, essas afirmações operam uma inversão per
inmetrum na direção do vetor da transcendência tal como fora
a. O Absoluto como Idéia na filosofia antiga — A forma
façado pela Metafísica. Em lugar da “subida” (anábasis) da alma
experiência transcendental que caracterizou o pensamento antig
e assinalou o primeiro estágio da história da idéia de transcendêm Absoluto como Idéia suprema, temos aqui a “descida”
Futábasis) do Absoluto como Existência, seja suscitando do nada
cia na filosofia ocidental foi a experiência eidética, ou experiêil
cia da essência (eidos) à qual Platão, recolhendo a herança «
à existências finitas (relação de criaturalidade) seja resgatando a
Parmênides e dos Pitagóricos, conferiu a primeira e mais elevad prda aparentemente irreversível do tempo da história ao se fazer
expressão teórica com a doutrina das Idéias e a teoria dos Prince) plo presente pela sua Ação salvífica, como seu Centro e seu eixo
pios. Exprimir o Absoluto como Idéia passa a ser, desde então, ilenador 12, A historicamente imprevisível e especulativamente
ambição suprema da Razão teórica ao longo da história da filosd Hradoxal síntese entre a Revelação do Absoluto como Existência
fia. Na esteira de Platão, situam-se (com exceção, talvez, do Ep] à Metafísica do Absoluto como Idéia, teve lugar na teologia
curismo) os grandes sistemas filosóficos da Antiguidade, de Ari: Fistá, cuja trabalhosa constituição estende-se do século III ao
tóteles a Plotino. A expressão do Absoluto como Idéia na filosofl “vulo XIII, culminando na obra de Santo Tomás de Aquino. Os
antiga apresenta dois aspectos fundamentais que vieram a articu Psafios especulativos maiores dessa síntese situam-se justamen-
lar-se no chamado esquema ontoteológico!””: o Absoluto comi &, de um lado na transposição da anábasis metafísica para a
Ser-Uno e o Absoluto como Princípio, ou seja, a concepção ontd ilem da existência, o que iria exigir uma profunda remodelação
-henológica e a concepção ontoteológica do Absoluto. As aporid E toda a noética clássica, com a primazia dada ao juízo sobre o
que se fazem presentes no âmbito do pensamento do Absolut pnceito "'º, de outro, o problema da conciliação da katábasis do
como Idéia foram reconhecidas e profundamente meditadas pé Hsoluto ou da sua “descida” real à História (Encarnação) com a
los filósofos antigos, a começar pelo próprio Platão: a oposiçãl Figência da radical “aseidade” (ens a se) essencial à concepção
do ser e do não-ser, do uno e do múltiplo, do perfeito (determ ietafísica do Absoluto, o que exclui, por parte do mesmo Abso-
nado) e do imperfeito (indeterminado), do necessário e do contiil fio, qualquer relação real ad extra. Levada, por assim dizer, ao
gente. Elas formam a trama conceptual da Metafísica clássi paroxismo no dogma da Encarnação !!*, essa aporia já se de-
tendo encontrado nas lições de Aristóteles sobre a proté philo oia na relação de criaturalidade, com a interrogação voltando-
sophia e sobre a theologia seu tratamento paradigmático. Elas 4 É para o problema, que se tornará clássico, do “fim da Criação”
entrelaçam, de alguma sorte, nesse nó górdio do pensamento antigi para o paradoxo do Absoluto criando livremente seres finitos e
que é a oposição entre a Idéia e a Existência. Com efeito, só intingentes "15. A essa aporia a tradição filosófico-teológica cris-
Idéia, sendo perfeição, existe verdadeiramente ou é o ser verda respondeu com a noção metafísica da analogia da idéia do Ser
deiramente tal (ón ontôs)!!'º, Fora da Idéia se estende a sombra dl sua dupla estrutura lógico-abstrata (o analogatum princeps
não-ser ou da existência imperfeita, sujeita ao vir-a-ser e à corrum mo Absoluto da essência) e Jógico-concreta (o analogatum
ção (phtorá). A mais essencial preocupação do homem, enquantt inceps como Absoluto da existência) 16.
116 117
c. O Absoluto como Sujeito na filosofia moderna e contenl do Absoluto, reconhecíveis nas respostas que neles são buscadas
porânea — A instauração cartesiana da metafísica da subjetivida à irreprimível inquietação humana em torno do ser e do sentido.
de significou uma ruptura extremamente profunda na tradiçãi Natureza e História apresentam-se como as duas grandes matri-
filosófica ocidental. Tendo atingido na sua essência a concepçã zes geradoras dessas múltiplas figuras do Absoluto que persistem
da “inteligência espiritual” !!7, ela atingiu, consequentemente, É em se desenhar no horizonte de uma cultura que aceitou, aparen-
pensamento do Absoluto e a concepção da relação de transcel] temente, o fim da Metafísica. A grande aporia que atravessa em
dência. O desaparecimento da analogia do ser do horizont toda a sua extensão esse horizonte de uma cultura não-metafísica
temático da filosofia moderna é a expressão mais patente desg é aquela que opõe, de um lado, a permanente transgressão dos
ruptura. O problema do Absoluto evolui da aporia do círculk limites da Natureza e da História, atestada nas formas da “expe-
cartesiano [o Cogito como primum logicum e o Infinito, cu riência transcendental” que continuam marcando profundamente
existência é demonstrada pela imanência da sua idéia na mentk a vida do homem da civilização pós-metafísica; e, de outro, o
como primum ontologicum), para a imanentização final do Absg perfil historicista ou naturalista dos “absolutos” de substituição
luto no sujeito, seja como ideal da Razão pura em Kant, se) que sucessivamente ocupam a cena da atualidade cultural e filo-
como identidade dialética da Idéia e do Espírito em Hegel. Ni sófica, assinalando outros tantos pontos da trajetória do niilismo
sistema hegeliano, tem lugar a transposição da transcendêncii metafísico e ético no desenvolvimento da nossa cultura.
grega da Idéia e da transcendência bíblico-cristã da Existência n
A aporética histórica da relação de transcendência descreve,
imanência do autodesenvolvimento da Idéia, que permanece
assim, um longo arco cujos pontos extremos podem ser conside-
sua identidade na diferença em que se manifesta como Naturez:
rados o dilema lógico de Parmênides entre o ser e o não-ser, que
e como Espírito. A filosofia hegeliana representa a última grand
Platão resolveu no Sofista com a criação da Ontologia, e o dilema
construção sistemática da filosofia ocidental, que encontra nd
existencial entre o sentido e o não-sentido que desafia o homem
pensamento do Absoluto o fecho para onde convergem todas a! dos fins do século XX.
suas linhas. Mas o Absoluto hegeliano tenta suprassumir ad
mesmo tempo a anábasis grega e a katábasis cristã — essa comi 2. Aporética crítica da relação de transcendência — Percor-
o “exteriorizar-se” do Absoluto na Natureza e na História, aquel; rendo os diversos estágios da aporética histórica, vemos que nela
como o seu retorno a si mesmo como Espírito Absoluto a parti) se faz presente, sob diversas formas, aquele que pode ser conside-
da sua “exteriorização”. Hegel assinala, desta sorte, o fim ds rado o problema fundamental levantado pela irrupção do trans-
filosofias do Absoluto, ou da explícita tematização da relação di cendente no horizonte da experiência humana, e pela expressão
transcendência como constitutiva do homem. O “transcendental! simbólica dessa experiência !!º : como transcrever as dimensões
da filosofia pós-hegeliana, particularmente em E. Husserl, reflu) de tal experiência no código da razão filosófica? Ou ainda, se
definitivamente para o “sujeito” 8 enquanto a “transcendência! aceitarmos a interpretação de E. Voegelin vendo na filosofia a
irá buscar suas formas de expressão nos disjecta membra do Sis resposta grega à experiência de um fundamento transcendente
tema hegeliano, a Natureza ou a História. para a ordem da história, característica do tempo-eixo, como jus-
tificar a audácia da Razão ao tentar compreender o Absoluto na
d. As figuras do Absoluto no horizonte do fim da Metafísiol ordem do seu discurso 2º? Ao tempo em que, cerca de dois sécu-
— A filosofia contemporânea assiste à reiterada proclamação do los após o nascimento da Filosofia, a relação de transcendência é
fim da Metafísica, tese consagrada e difundida seja pelo chamado pensada por Platão em todo o rigor das suas exigências conceptuais,
“racionalismo crítico” e pela filosofia analítica de um lado, seja delineia-se igualmente a grande aporia que irá constituir propria-
por M. Heidegger e seus discípulos, de outro. Mas a impossibili mente o solo crítico sobre o qual é necessário pensar a relação de
dade de se suprimir a relação de transcendência que se demons: transcendência. Os termos dessa aporia estarão definidos na rela-
tra constitutiva do homem e da qual nasce necessariamente 4 ção exemplar entre Platão e Protágoras em torno de duas catego-
interrogação metafísica suscita, na verdade, figuras e sucedâneos rias fundamentais para o espírito grego, e cujo conteúdo será
118 119
radicalmente transformado pela descoberta platônica do munda formas, a redução pura e simples do em-si do Absoluto ao para-
das Idéias e pela teoria dos Princípios: a categoria de “verdade! «nós da sua expressão humana. As filosofias da história, da cul-
(alétheia) e a categoria de “medida” (métron). Na sua transposi tura, da existência de um lado e, de outro, as diversas versões do
ção platônica, elas constituirão a expressão conceptual das di- positivismo, bem como, mais recentemente, as filosofias da lin-
mensões noética, ética e metafísica da relação de transcendên: guagem e, caso exemplar, o programa heideggeriano de um retor-
cia "2, Os diálogos Protágoras e Teeteto (e o diálogo Górgias para no aquém de Platão em busca do “impensado” do Ser no universo
a transcendência ética) podem ser considerados como o primeira pré-socrático atestam as variadas formas desse imenso rito de
testemunho na literatura filosófica do confronto decisivo entre exorcismo do Absoluto no qual se transformou a filosofia con-
imanência e transcendência: o homem-medida e a imanentização temporânea. Os sinais de que foi atingido, assim, o ponto extre-
da verdade de um lado; e, de outro, o Absoluto-medida e à mo da parábola descrita pelo surto para a transcendência que se
absolutização da verdade 2. A raiz desse confronto reside justa: elevou a partir do tempo-eixo e percorreu os três milênios da
mente no paradoxo que se manifesta no pensamento de um Trans: história ocidental multiplicam-se na civilização e na cultura, e
cendente real ou de um Aboluto de existência como fundamento sua constelação forma exatamente o fenômeno espiritual que se
da transcendência formal do Ser, da Verdade e do Bem, ou seja, convencionou designar como niilismo. A captação da Verdade
como fundamento desses conceitos como conceitos metafísicos nas malhas da ideologia e a degradação do Bem em prazer
ou noções transcendentais. Com efeito, como exprimir no con (hedonismo) podem ser considerados os sucedâneos niilistas da
ceito o Transcendente real ou como exprimir o Absoluto de exis- experiência noética da Verdade e da experiência ética do Bem que
sustentaram a estrutura da relação de transcendência como expe-
tência submetendo-o à dialética da identidade na diferença, do
riência transcendental ao longo da história da filosofia. Quanto
em-si e do para-nós, constitutiva do nosso espírito 1232
à experiência metafísica do Absoluto, parece dissolver-se ao cho-
Essa interrogação abre um sulco profundo e contínuo na his- que do dilema que, de Feuerbach a Sartre, passando pelas páginas
tória do pensamento ocidental, sulco que Kant tentou finalmente célebres dos Manuscritos econômico-filosóficos de Marx !3, é
e definitivamente fechar com a interdição lançada sobre o em-si aceito sem discussão como preâmbulo necessário ao humanismo
do Absoluto no âmbito do cognoscível e sua redução a cimo ideal moderno e pós-moderno: ou o Absoluto existe como ser-em-si e
do pensável na arquitetônica da Razão pura. Mais audaciosa foil como Criador e, então, o homem é nada; ou o homem é o artífice
a solução hegeliana à aporia do pensamento do Absoluto por nossa real de si mesmo e do seu mundo e, então, o Absoluto transcen-
razão situada e finita, ao fazer do para-nós do Absoluto a raiz da: dente é uma quimera a ser exorcizada !6. Para esse dilema, cuja
inquietação e da dúvida mais radical (Verzweiflung) '* da cons- vrigem remota deve ser buscada na doutrina protagoriana do “tudo
ciência, o que a impele a percorrer dialeticamente as formas da: é verdadeiro” (pant'alethê)'” ou do relativismo universal, um
sua finitude, até que essa finitude seja suprassumida no Saber addo tertium foi elaborado ao longo da história da filosofia oci-
Absoluto: aqui o pensamento do Absoluto (gen. subj.) ou o Abso dental com uma dupla face: de um lado a teoria da “inteligência
luto pensante emerge como suprassunção do pensamento huma- espiritual” (nous, mens, intellectus) como orgão adequado para
no do Absoluto ou do Absoluto pensado. Como Idéia, como) exprimir o Absoluto para-nós; de outro, a descoberta da
Natureza e como Espírito, ele é o sujeito verdadeiro do lógico, do: descontinuidade entre o sensível e o inteligível, tornando possí-
natural e do histórico. Mas a posteridade hegeliana, de Feuerbach: vel o método da “proporção” (analogia) que permite a expressão
em diante, pretende retomar o intento de Kant (pelo menos en- do em-si do Absoluto (como Idéia e como Existência) na finitude
quanto proposto no plano da Razão teórica), e fechar de vez e para do nosso espírito 128,
sempre o sulco aberto no pensamento ocidental pelo pensamento A compreensão filosófica ou transcendental da relação de
do Absoluto. O instrumento encontrado para essa enorme empre- transcendência desenvolve-se, pois, no âmbito da inteligência
sa de obstrução de qualquer passagem na direção da transcendên- espiritual e estrutura-se como um conhecimento por analogia !”.
Mas aqui consideramos essa relação não no seu termo ad quem
4
cia é a redução da Metafísica à Antropologia ou, sob diversas
120 121
(cuja consideração, como já assinalamos, pertence à Metafísica Desta sorte, o movimento dialético que conduz o discurso da
como Ontologia e como Teologia), mas no seu termo a quo, vem Antropologia Filosófica, ao compreender a categoria da relação de
a ser, como categoria antropológica. Como tal, ela deverá sei transcendência, deve obedecer a uma inversão nos princípios da
estabelecida através dos dois momentos da aporética crítica, à limitação eidética e da ilimitação tética. Essa inversão permitirá,
saber, o momento eidético e o momento tético. Ora, a expressão alinal, a síntese das categorias de estrutura e relação, ou seja, a
desses dois momentos na constituição da categoria antropológica passagem às categorias de unidade que deverão levar o discurso
da relação de transcendência apresenta, como acima já observa: 4 Seu termo.
mos, uma singularidade que denota, justamente, assim como ng tempo que de-
O princípio de limitação eidética, ao mesmo
caso da categoria do espírito, a ruptura da linha de univocidade
nas categorias do discurso antropológico, quando a finitude signa, aqui, a finitude da relação de transcendência por parte do
seu termo a quo, vem a ser o sujeito finito e situado, de cujo ser
categorial é rompida pela infinitude transcendental. A categoria
deve, portanto, abrigar a um tempo a finitude do seu eidos que tal relação é essencialmente constitutiva 12, admite a suprassunção
dessa finitude pelo termo ad quem da relação, ou seja, pelo Ab-
lhe advém do ser finito e situado do homem, e a infinitude do seu
soluto transcendente. Nessa suprassunção, o eidos finito da rela-
conteúdo originário '3º, Por conseguinte, o momento cidético na ção de transcendência participa analogicamente da infinitude do
aporética crítica da relação de transcendência é constituído por eleva-se à infinitude do Ser, da
«cu termo. A finitude humana
essa oposição dialética entre o finito (terminus a quo da relação entis, o homem mostra-se
Verdade, do Bem: de Deus. Capax
e o infinito (terminus ad quem), oposição que é própria da ana- que, no caso da relação de
capax Dei 3, Vimos anteriormente
logia metafísica. Suprassumir essa oposição na unidade do ser do
intersubjetividade, o analogado principal da atribuição do ser à
homem é a exigência que se impõe ao discurso da Antropologia
relação é o sujeito singular ou o Eu, fundamento da predicação
Filosófica, exigência contra a qual se elevam as diversas formas
analógica do ser ao sujeito plural, ao Nós. Com efeito, o Nós é ser
de reducionismo. por analogia com o Eu. No caso, porém, da relação de transcen-
No entanto, devemos reconhecer que tal suprassunção só é dência, o analogado principal é o Absoluto ao qual convém a
possível e pensável se admitirmos que o momento tético na posição identidade infinita do em-si e do para-nós e em analogia com o
da relação de transcendência pelos sujeitos finitos e situados que qual o sujeito finito recebe a predicação do ser. Assim, a limita-
somos nós, somente se cumpre com a inversão da direção do seu. cão eidética da relação de transcendência designa, de um lado, a
vetor ontológico, se assim é permitido falar. Com efeito, a não- essencial finitude do sujeito humano em face do Absoluto !*, e,
-reciprocidade na relação de transcendência significa que o sujeito de outro, sua essencial e constitutiva abertura para o Absoluto na
nem põe o objeto para-si como o que se oferece ao seu fazer, como qual é suprassumida e, portanto, fundada, sua relação com a
é o caso na relação de objetividade (deficiência ontológica do objeto) Natureza e com a História.
com relação ao sujeito), nem se põe diante do outro na reciprocidade Mas é na aplicação do princípio da ilimitação tética à relação
do agir (equivalência ontológica do para-si de cada um) como na: de transcendência que tem lugar a inversão mais profunda da
relação de intersubjetividade, mas é posto, na sua situação de sujei- direção normal desse princípio, direção que parte da infinitude
to finito, pela superabundância e pela infinita generosidade ontológica! intencional do Eu sou. Com efeito, aqui a posição do Eu sou ou
do Absoluto. Portanto, ao avançar até a posição (thésis) do Absoluto) a relação transcendental do sujeito ao ser desvela, afinal, seu
no conceito analógico, enunciando-o como transcendente à sua razão fundamento último, qual seja o ser-posto pelo Absoluto na rela-
finita [superior summo), o sujeito é, na verdade, posto pelo Absoluto. ção de criaturalidade e na relação de mensurante a mensurado !%,
imanente ao mais profundo ádito do seu ser (interior intimo), onde: Desta sorte fica claro, igualmente, que o princípio da ilimitação
brota a fonte do espírito, da qual fluem a inteligência e a liberdade tética, enunciado no início do percurso dialético antecipa, na
para, como “inteligência espiritual” e “amor espiritual”, confluírem verdade, na ordem do discurso para-nós, a emergência da relação
no mais essencial movimento do espírito, a elevação para a trans- de transcendência, que aparece agora como o fundamento do
cendência !!, discurso na ordem da inteligibilidade em-si. Na afirmação inicial
122
Eu sou, que impele o discurso antropológico a desdobrar-se na
NO TAS
categorias de estrutura e relação, estava implícita, como funda
mento ontológico da sua possibilidade, a relação do sujeito com
o Absoluto: relação que se explicita e se tematiza na categoria d
relação de transcendência e que irá finalmente permitir pensar
unidade do h ficacã : sd
dE omem CIO Eunoa a (categoria da realização) | 1. Bibliografia fundamental sobre o problema da transcendência e sobre a
(categoria da pessoa]
o ser-uno !ê6, ielação homem-transcendência: Platão, Fédon, Banquete, República VI-VII, Fedro,
4 À ea Purmênides, Sofista, Testimonia platonica (Gaiser); Aristóteles, Protrético, Meta-
fei O REA é POLqUe O Absoluto é: como Causa Primeira, Per fuica I (alpha), XII (lámbda), De Anima II, c. 4-5; Etica de Nicômaco, X, 6-9;
eiçao in ça e Fim; ou então, porque o homem é o Absoluto é Plotino, Enéadas, 1, 7; IL, 8; V, 4, 5, 6; VI, 8, 9; Santo Agostinho, Confessiones,
como ana imaginação ou ilusão. Eis a alternativa crucial, Q VILx, ae Vera Religione, Soliloguia, De Trinitate; E DS Dedin
inevitável divisor de águas da reflexã o mominibus; São Boaventura, Itinerarium mentis in Deum (Obras Escolhidas, ed.
manifesta com toda à DAR Ed antropológica, as sé dv Boni, Porto Alegre, Sulina, 1983, pp. 163-203); Santo Tomás de Aquino, Summa
OA e o PNR RS doca no, ROINCULO em que o princi! Theologiae, 1, qq. 2-22; Contra Gentiles, 1, c.c. 10-102; II, c.c. 12-18; II, c.e. 17-
Pp al Imitação tética é aplicado à relação de transcendência “4, De Potentia, q. WI, R. Descartes, Meditationes de prima philosophia, MI-V; W.
Com efeito, ao ser afirmada implicitamente na proposição Eu sou E, E. Hegel, Enzyklopúdie der philosophischen Wissenschaften (1830), 88 553-
para a transcendência, a universalidade do ser não é posta aqui mM a uso B ia da sora, neuro Verlag, e
pelo Eu como horizonte da sua afirmação em face da limitação apa E feat a a
. “- 2 IS , , é r p a 7 ; . c a,
a

eidética d , E e Fatis: Ur-Struktur und All-Rythmus, 2? ed., Einsiedeln, Johannes Verlag, 1962 (tr.
a categoria, como no caso da objetividade e da Ph. Sécretan, Paris, PUF, 1990]; J. Maritain, Distinguer pour unir ou les degrés
intersubjetividade, mas é posta pelo Transcendente ao qual q “lu Savoir, Paris, Desclée, 1932; ]. Maréchal, Le point de départ de la Métaphysique,
sujeito finito constitutivamente se refere. Assim, se considerar: ed., Paris-Louvain, Desclée-Éd. Universelle,. 1949; É M. Nédoncelle, La Réciprocité
. 4 al: A z a . e E -
3
mos a afirmação do Eu s REA , : des Consciences, Paris, Aubier, 1942; . de Finance, Etre et Agir dans la philosophie
s ou em relação à universalidade formal do de Saint Thomas d'Aquin, Paris, Beauchesne, 1945; Id., Existence et Liberté,
ser, ela implica a submissão do sujeito ao ser enquanto ele é ser: Paris-Lyon, Vitte, 1955; A. Marc, Dialectique de I'Affirmation: essai d'Ontologie
-para-a-Verdade e ser-para-o-Bem; e se a considerarmos em rela- Wilexive, Paris-Bruxelas, Desclée-L'Édition Universelle, 1952; J. B. Lotz, Das Urteil
ção à universalidade real do Ser ela implica igualmente a submis und das Sein, Pullach, Verlag Berchmannskolleg, 1957; Id., Der Mensch im Sein,
são do sujeito ao Ser ' a 137 ; Eriburgo B., Herder, 1967; Id., Transzendentale Erfahrung, Friburgo B., Herder,
» como ser-para-o-Absoluto 1º. No caso da 1978; (tr. esp., Madrid, BAC, 1982); Karl Rahner, Hórer des Wortes, 2? ed., Muni-
E de transcendência, não tem lugar, pois, a negação impos» Kôsel, 1963 (tr. fr. L'homme à Fécoute du Verbe, Paris, Mame, 1968]; B.
ta pela limitação eidética às categorias anteriores de relação, e Welte, “Der philosophische Glaube bei Karl Jaspers und die Móglichkeit seiner
que não permite identificar o ser nem com a Natureza nem c Sm gutung nach Thomas von Aquin” Symposion II, Friburgo B., Alber, 1949 (tr. fr.,
a História. | foi philosophique chez Jaspers et Saint Thomas d'Aquin, Paris, Desclée, 1958);
úngel, Gott als Geheimnis der Welt, Tubingen, J. C. B. Mohr (P. Siebeck), 5º
1986 tr. dEfr. 2 vols., ' Paris, 1 Cerf); ; D. Papenfuss
p e J. Sóring,8, (eds.), , Transzendenz
Em 1 O sujeito é par a o Absoluto e ess
suma, E
Wi! Immanenz: Philosophie und Theologie in der veraenderten Welt, Stuttgart,
sume as relações d jetivi
E ; pda
E do SEPARADA
reendendo S : objetividade e de intersubjetividade, com : uhlhammer, 1977; Yves Ledure, Transcendances: essai sur Dieu et le corps,
B assim [momento da totalização) todos os aspec Paris, Desclée, 1989; ).-P. Labarriêre, “L'homme et ' Absolu: statut épistémologique
tos do ser-para do homem, constituindo-o como expressão ade “un langage du sens”, Archives de Philosophie, 36 (1973): 209-223; E. Simons,
quada do seu ser-em-si, A síntese do ser-em-si e do s er-para é 'tanszendenz”, Handbuch philosophischer Grundbegriffe VI, Munique, Kósel,
” sa: Á k
falando, a tarefa para o homem de construir a sul 4974, pp. 1540-1556;
s E C. Lavaud,
a “
“Transcendance”, Encyclopédie Philosophique
dialeticamente
Finiverselle, Il, PUF, 1990, 2635-2636 (Bibl); G. Almeras-M. Crampe-Casnabet,
i Í
e : Re
unidade. Uma unidade que ja é, como estrutura e relações, mas * Vranscendental”, Encyclopédie Philosophique Universelle, II, op. cit., 2636-2639
E deve tornar-se o que é como realização. São os caminhos bibi).
ea realização
izaçã i
e a configura fi
ão final
ção Anni
da essência do homem Ba, s
2. Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 224-225.
essoa que se Sl : s : ae
p q apresentam como os próximos e derradeiro 3. Identidade que não permite encerrar a noção de espírito na sua
passos no itinerário da Antropologia Filosófica. anceptualidade antropológica. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit. pp. 202;
1H-221, sobre a expressão dessa identidade no conhecimento intelectual segundo

124 125
Santo Tomás de Aquino ver J. Pieper, Die Wirklichkeit und das Gute, Muniqui 18. Ver Antropologia Rilosóf dani, ED its e léie Uma reflexão profunda
Kósel, 1949, pp. 29-35. ú qui ibre essa presença no ser-juntamente (Miteinandersein) é proposta por E Welte,
; Ro ; “Miteinandersein und Transzendenz”, ap. Auf der Spur des Ewigen, Friburgo B,,
peso en «na popa de Presença do Absoluto ao sujeité |lorder, 1965, pp. 74-82. A “ausência” pode ser entendida aqui como ausência de
E Edo da MM E ás i ria a ilosofia expressões diversas, co oia determinação [pois o termo ad quem da relação de transcendência nãoé em
Macio raula tons anda gível em É atão, a teoria agostiniana da ilu ) 1 conceptualizável, mas é atingido pelo movimento do transcender (aná-anô)
Go its a Fa a idéia do Infinito na imanência dl prio da analogia; E. Przywara, Analogia Entis, Op. cit, pp. 103-104]. A noção
realid q E p outrina clássica da presença do Deus-Criador a toda| ly presença-ausência pode remontar a Santo Tomás de Aquino. Assim interpreta
ade criada per essentiam, praesentiam et potentiam (ver Summa Theol, | “Welte o texto da Summa contra Gentiles I, c. 11 ad 4m: ver La foi philosophique
do did a 2, 3; Contra Gentiles, HI, c. 68). A presença do Absoluto co Whez Jaspers et Saint Thomas d'Aquin, op. cit., pp. 186-198; 215-216.
a e RR Sia A ao al encontra sua forma mais alta ní 19. O filósofo Jean Wahl propõe igualmente o termo transascendance que,
j S [Summa Theol., 1, q. 88, a. 3; In Boeth. de Trinit., |
or porém, não logrou impor-se na linguagem filosófica.
+ a. 8). Ver Santo Agostinho, Confessiones, lib. 1, 1. 1 - V. 5; ed. Verheijen, Corp IE E s s
Christianorum, series Latina, XXVI, pp. 1-3 ú : 20. Alguns filósofos, no entanto, insistem em vincular necessariamente o
ol re ceca ela anverso PS á Fonceito de “transcendência” à metáfora espacial do além ou à 4 imaginação em
poi CRiSdE A a de Fi osofia I: Ética e Cultura, op. cit. P altura” como se exprime um deles, o idealista Léon Brunschvicg. Ver, a propósito,
ERAS! anto Tomás, De Potentia, q. 7, a. 10, ad 5m. H. C. Lima Vaz, “A Metafísica da interioridade: Santo Agostinho”, ap. Ontologia
6. Ver Summa Theol., I, q. 13, a. 7; q. 34, a. 3, ad 2m; De Potentia q. 7, aa v História, op. cit., pp. 93-106.
8, 9, 10. 91. Em termos do discurso dialético da Antropologia Filosófica, essa expe-
7. Carta a Mersenne, 28. 1. 1641 (Ocuvres Philosophiques, éd. Alquié, IL À flência corresponde ao princípio de ilimitação tética. Uma descrição clássica da
313). "ta irrupção do conceito de transcendência no contexto do pensamento metafísico é
à de Karl Jaspers, fiplosonii JH: Metaphysik, op. cit., PP. io A
É /Od em termos do Movimento dialético asisuas categorias de este
de. 22. Esse aspecto é ressaltado em H. C. Lima Vaz, “A teoria das Idéias no
Or uráo reciprocidade rdasrelacaondedoUerdaa
EM çã é H ividade provém da deficiência Podon”, em Filosofar Cristiano (Córdoba, Arg.), 13-14 (1983): 115-129; as origens
TONER AA UR STAND AE RR Na relação de transcendência, é o infi vo alcance da concepção platônica da transcendência no quadro da teoria dos
E oo gico do Absoluto que implica a negação radical de qualquer Princípios são magistralmente expostos por G. Reale, Per una nuova interpretazione
x idade — a autárqueia infinita e, portanto, a impossibilidade de uma rela dy Platone, 5º ed. Milão, Vita e Pensiero, 1987; ver H. C. Lima Vaz, “Um novo
ção real ad extra. Platão?”, Síntese, 50 (1990): 101-113. Uma leitura de Platão como a de Abel
10. Ou, em concreto, ser-para-o Absoluto. Sobre a interioridade do ato criador jeanniêre, Lire Platon, Paris, Aubier, 1990, parece-nos, a partir deste ponto de
na criatura espiritual inteligente e livre, analisado sob o ponto de vista da gene: vista, grandemente empobrecedora do pensamento platônico.
rosidade infinita do Ser Absoluto, ver as páginas profundas de J. de Finan ) 23. Ver uma expressiva descrição dessa experiência, seguindo os passos de
Existence et Liberté, op. cit., pp. 157-213; igualmente J. G. Caffarena, Metafísica Santo Tomás de Aquino, em B. Welte, La foi philosophigue chez Jaspers et Saint
Transcendental, Madrid, Revista de Occidente, 1970, pp. 294-328. Thomas d'Aquin (tr. fr.), op. cit., pp. 151-171.
11. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit., pp. 238-240. 24. Ver, a respeito, H. and A. Frankfort et al, The intellectual Adventure of
12. Ver Áútio R o : ancient Man, Chicago University Press, 1946; J. Deshayes, Les Civilisations de
13. Ver a SR : OP. fala PP--201-202. : VOrient Ancient (Les grandes Civilisations), Paris, Arthaud, 1969.
RAR pri E E E : E o as + Op. Cit., p. 266; Santo Tomás de Aquino, 25. Ver os estudos reunidos por S. Eisenstadt, Kulturen der Achsenzeit, 2.
ESA TT vols., Frankfurt M., Suhrkamp, 1987, sobretudo a introdução de Eisenstadt “As
14. Mas a estrutura analógica desses conceitos constrói-se por meio da sua rundições para o nascimento e institucionalização das culturas do tempo-eixo”,
ad ao Absoluto como analogado primeiro ou como identidade real de Set r |, pp. 10-28 (bibl.).
nidade, Verdade e Bondade. 26. A mais conhecida interpretação é a de Karl Jaspers, Von Ursprung und
15. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit. pp. 201-202. Com efeito, só q “iel der Geschichte (1º ed, 1949), Frankfurt M.-Hamburgo, Fischer Bucherei, 1957,
a ser, só o espírito pode negar-s 2 ai pp. 58-66. O próprio E. Voegelin abandona finalmente a idéia de um tempo-eixo;
espírito dá testemunho ao espírito, vem
mesmo, O que significa, ao mesmo tempo, afirmar-se. ver “What is History?” cit. infra, nota 29.
16. Ver Claude Bruaire, L'Affirmation de Dieu, Paris, Seuil 1980 pp::45:60 27. Esse ponto é realçado por S. Eisenstadt, loc. cit. 1, pp. 10-13.
f 1 . a
Arã
Essa argumentação
R E a soi
redargúitiva
f 1
ou de retorsão (obrigando a negação a negar-se 28. 5 vols., Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1956 ss. No 4º vol.
a si mesma) pode ser entendida em analogia com o chamado “argumento onto- [lhe Ecumenic Age, p. 312), Voegelin:conclui que o tempo-eixo, ao mesmo tempo
lógico”. Ver Claude Bruaire, Pour la Métaphysique, Paris, Communio-Fayard vim que é caracterizado pelas suas criações espirituais, assiste à formação de “impérios
1980, pp. 45-65 (aqui, pp. 58-65). pcumênicos” que se estendem do Mediterrâneo ao Pacífico.
17. Sobre o sentido dessa expressão em Kierkegaard ver J. Colette, Histoire 29. Ver Order and History, I, pp. IX-XIV. A experiência da transcendência é
et Absolu: essai sur Kierkegaard, Paris, Desclée, 1972, pp. 26-77. descrita amplamente por E. Voegelin no texto “What is History?” ap. The Collected

127
126
Works of E. Voegelin, Baton Rouge, The Lousiana State University Press, 1988 41. O texto que se apresenta como referência a toda tradição é Met. II (alpha
vol. 28, pp. 1-51. Wtton), 1, 936 b 26-31, que conclui: assim cada coisa tanto possui de verdade
30. Order and History, op. cit. I, pp. 2-11. junto possui de ser. Uma discussão desse texto encontra-se em K. Bãrthlein, Die
unszendentalienlehre der alten Ontologie IT: die Transzendentalienlehre des
31. Order and History, op. cit., IV, The Ecumenic Age, pp. 330-335. Sobre a noçã
nrpus Aristotelicum, Berlim, de Gruyter, 1972, pp. 25-32. O A. conclui pela não-
de “experiência” em Voegelin, ver Glenn Hughes, Mystery and Myth in the philosoph
of E. Voegelin, Columbia/Londres, Univ. of Missouri Press, 1993, pp. 17-19.
“pnvertibilidade lógica entre ser e verdade segundo esse texto [ver p. 372).
42. A doutrina dos “transcendentais” foi sistematizada na Idade Média, regis-
32. Evidentemente, um além ontológico, não espacial.
frando-se a sua primeira aparição na Summa de Bono do Chanceler Filipe (m.
33. Pelo menos até o momento em que se consuma a dissolução da inteligên 1/16). Não obstante a tradição escolástica tê-la lido no Corpus Aristotelicum,
cia espiritual, órgão próprio da experiência da transcendência, e em que a Filosi ar] Bãrthlein demonstrou que ela não aparece explicitamente nos textos
fia que ainda se diz tal (ou seu avatar evanescente) torna-se um vão discurso sobr ristotélicos comumente citados, e sua origem deve ser buscada de preferência
a errância do homem no deserto da imanência. Ver Antropologia Filosófica I, 14 diálogos platônicos e na teoria platônica dos Princípios. A propósito, ver H.
cit. p. 288, n. 175 e, sobretudo, J. F. Mattéi, L'Étranger et le Simulacre, Pati: | Krimer, Platone e i fondamenti della Metafisica (tr. it.), Milão, Vita e Pensiero,
PUF, 1983, pp. 413-448. vd., 1987, pp. 168-171. Sobre a história da noção de “transcendentais” ver A.
34. Ver H. C. Lima Vaz, Escritos de Filosofia, Il: Ética e Cultura, op. cit., Ph = a2zana, “Transzendentali, nozioni”, ap. Enciclopedia Filosofica, 2º ed., VI, 588-
43-61. “90, No seu célebre artigo De Veritate q. 1 a. 1 c., Santo Tomás propõe uma
lução que pode ser dita dialética do Ser e das suas propriedades. Uma versão
35. A essas se poderia acrescentar a experiência estética que se eleva à intul moderna dessa dedução é apresentada por A. Marc, Dialectique de PAffirmation:
ção do Belo Absoluto, e à qual Platão deu, no Banquete, uma expressão imortã sui de Métaphysique reflexive, op. cit. pp. 71-292. Ver também E. Coreth,
Ver a obra de G. Kriúger citada na Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 53 n. 4 ptaphysik: eine methodisch-systematische Grundlegung, Innsbruck, Tyrolia
e 234 n. 83. “rlag, 1961, pp. 377-461; e S. Breton, “L'idée de transcendental et la génêse des
36. Sobre o entrelaçamento da linguagem da Verdade e da linguagem poética ef fanscendentaux selon Saint Thomas d'Aquin”, ap. Saint Thomas aujourd'hui,
Parmênides ver Marcelo P. Marques, O caminho poético de Parmênides (col. Filosofl , Desclée, 1963, pp. 45-74. Sob o ponto de vista histórico, ver o minucioso
13), São Paulo, Loyola, 1990. Ver também H. G. Gadamer, “Sulla preistoria dell tudo de Leo Elders, Die Metaphysik des Thomas von Aquin in historischer
Metafisica”, ap. Studi Platonici (tr. it.), Casale Monferrato, Marietti, 1984, pp. 3- vrspektive, Salzburgo-Munique, Pustet, 1985, pp. 65-112. Ver também J.-F.
37. Indiquemos apenas dois textos que permanecem como referência clássica purtine, Suárez et le systême de la Métaphysique, Paris, PUF, 1990, pp. 344-366.
À. Dies, “L'idée de la science dans Platon”, ap. Autour de Platon, Paris, Beauchesni 43. Ver Santo Tomás de Aquino, De Verit., q. 1 a. 9; uma exegese magistral
1927, pp. 450-522 (2. éd., Paris, Belles Lettres, 1972); L. Robin, Les rapports di lesse texto encontra-se em J. de Finance, Cogito cartésien et réflexion thomiste,
Pêtre et de la connaissance d'aprês Platon, Paris, PUF, 1957. Paris, Beauchesne, 1946, pp. 160-162; ver também F. X. Putallaz, Le sens de la
38. Consultar o estudo minucioso de Yvon Lafrance, La théorie platonicienn Wflexion chez Saint Thomas d'Aquin (Études de Philosophie médiévale, LXVI),
de la doxa, Montréal-Paris, Bellarmin-Belles Lettres, 1981. Paris, Vrin, 1991, pp. 189-201.
39. Essa homologia é discutida por Platão no Sofista, onde se estabelece | 44. A expressão “experiência transcendental” e o problema a ela subjacente
identidade Ciência = Verdade = Ser. A propósito, ver H. C. Lima Vaz, “A dialétic instituem capítulo recente na literatura filosófica de inspiração cristã. Os prin-
das Idéias no Sofista”, ap. Ontologia e História, op. cit., pp. 15-66; e a obra de| pais autores que estudaram o tema foram Karl Rahner, Max Miller e J. B. Lotz.
F. Mattéi citada na nota 32 supra. E aliner desenvolveu sua reflexão em torno da “experiência transcendental” sobre-
silo no campo da teologia, mas o tema já se anuncia na obra, de certo modo
40. O problema lógico da verdade, que acabou prevalecendo na literatura filo
gramática, Hôrer des Wortes: zur Grundlegung einer Religionsphilosophie, 2º
sófica sobre o tema, pressupõe, em última instância, a estrutura ontológica do
|, Munique, Kósel, 1963 (tr. fr. L'Homme à Fécoute du Verbe, Paris, Mame,
verdadeiro, tal como foi primeiramente estabelecida por Platão. A interpretaçãodl
963). Uma magistral apresentação do pensamento de Rahner nesse ponto é a de
M. Heidegger (“Platons Lehre von der Wahrheit”, ap. Wegmarken, Frankfurt M
Klostermann, 1967, pp. 109-144) segundo a qual Platão, na alegoria da Cavemnd
Hiníredo A. de Oliveira, Filosofia transcendental e Religião: ensaio sobre a Fi-
substitui a concepção da verdade como “desvelamento” (alétheia) pela concepçã mofia da Religião em Karl Rahner, São Paulo, Loyola, 1984. Max Miiller apre-
da verdade como “retidão” (orthótes) do assentimento não teve acolhida entre O mta a sua concepção da “experiência transcendental” sobretudo na obra Erfahrung
maiores platonizantes. Ver, p. ex., P. Friedlânder, Platon 1: Seinswahrheit um dl Geschichte: Grundziige einer Philosophie der Freiheit als transzendentale
Lebenswirklichkeit 2. ed., Berlim, W. de Gruyter, 1954, pp. 233-242. Sobre o pro iluhrung, Friburgo B.-Munique, Alber, 1971: aí a experiência noética da Verdade
blema da verdade nos seus diversos aspectos deve-se ter em conta a obra notável apresentada na sua relação com a História e, portanto, com a liberdade. Ver o
de L. B. Puntel, cujos principais escritos sobre o tema são: “Wahrheit”, ap. Handbucl] «to fundamental sobre a verdade da Metafísica e a História (ibid., pp. 17-77).
philosophischer Grundbegriffe, op. cit., VI, pp. 1649-1668; Wahrheitstheorien tl Has a elaboração mais sistemática da noção de “experiência transcendental”
der neueren Philosophie (Ertráge der Forschung 83), Darmstadt, Wissenschaftliclt antra-se em J. B. Lotz na sua obra Transzendentale Erfahrung, Friburgo B,,
Buchgesellschaft, 1978; Der Wahrheitsbegriff: neue Erklirungsversuche (org.), (We derder, 1978 (tr. esp. de J. L. Zubizarreta, Madrid, BAC, 1982: utilizamos essa
der Forschung, 636), Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 198 adução). O tema é tratado aí em permanente confronto com Kant e Heidegger,
Grundlagen einer Theorie der Wahrheit, Berlim-Nova Iorque, de Gruyter, 1990 ndo como referência privilegiada o pensamento de Santo Tomás de Aquino.

128 129
Lotz distingue quatro estágios na “experiência transcendental”: experiência eidétil
ontológica, metafísica e religiosa. 58. Sobre o “transcendental” em Kant e na filosofia posterior ver A. Carlini,
“Transcendentale” ap. Enciclopedia Filosofica, 2? ed., VI, 581-588 (aqui, 582-
45. Sobre a noção de “experiência” ver H. C. Lima Vaz, “A linguagem É 8), com referência particularmente ao conceito de “transcendental” em Husserl
experiência de Deus”, ap. Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, S) na Fenomenologia. Ver também os estudos reunidos por A. Philonenko, Le
Paulo, Loyola, 1986, pp. 241-246 (aqui, pp. 243-246); Marcelo F. de Aquin Hanscendantal et la pensée moderne: études d"histoire de la philosophie, Paris,
“Experiêcia e sentido”, Síntese, 47 [1989]: 29-50; 50 (1990): 31-54. PUT, 1990.
46. Sobre essa intuição do Ser, ver ). B. Lotz, La experiencia transcendentá 59. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit. p. 213 e p. 232, nota 62.
op. cit., pp. 104-106.
60. A propósito desse conceito, ver as reflexões de E. Heintel, “Ens et Bonum
47. Esse aspecto constitui o tema central da obra de J. Maréchal no sé nvertuntur”, ap. Grundriss der Dialektik II, op. cit., pp. 222-225. As origens do
confronto com a filosofia crítica de Kant. Para o ponto que nos interessa aqui V pnceito de táxis em Platão foram estudadas por H. J. Krimer, Areté bei Platon
sobretudo o texto “Le dynamisme intellectuel dans la connaissance objective und Aristoteles: zum Wesen und Geschichte der platonischen Ontologie,
Revue Néo-Scolastique de Philosophie 28 (1927): 137-165; agora em Mélangi Heidelberg, Carl Winter, 1959, pp. 41-145. Sobre o conceito de “ordem” em Santo
Maréchal, Bruxelas-Paris, Les Éditions Universelles-Desclée , 1950, 1, pp. 176-20)0 Tomás de Aquino, ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 282, nota 115.
48. Ver Sto. Tomás de Aquino, De Veritate, q. 1, a.9 61. Sobre a psyché socrática ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 34 e p.
49. De acordo com o princípio intellectus in actu est intellectum in acll 2, nota 31.
50. De Verit., q. 1 a. 9 c: (...) ipse intellectus in cujus natura est ut rebu 62. Para Platão, agathón (Bem) e kalón (Belo) são expressões da mesma per-
conformetur. feição, segundo, de resto, uma característica constante do espírito grego, que
51. De Verit., q. 1,a. 1 c. Estabelece uma equivalência entre os dois termos para designar o varão excelente
Haloskagathós). Ver M. Pohlenz, L'Uomo Greco (tr. it.) Florença, La Nuova
52. No seu livro Fáhigkeit zur Erfahrung: zur transzendentalen Hermeneutl
dtalia, 1962, pp. 496-501.
des Sprechens von Gott, Friburgo B., Herder, 1982, R. Schãffler propõe uma co
cepção da “experiência transcendental” que, aceitando aparentemente a limitaçi 63. Ver os estudos de H. G. Gadamer sob o título “L'idea del Bene tra Platone
kantiana do conceito de “transcendental” define essa experiência segundo o dupl Aristotele”, ap. Studi Platonici (tr. it.), op. cit., II, pp. 151-261.
aspecto da “contingência” e da “constância do Eu”, e da “coerência do mundo! 64. Rep.,VI, 510 b.
ressaltando sua essencial historicidade. Desde esse ponto de vista, Schãffler di 65. Rep., VI, 509 b; a Idéia do Bem é fonte de inteligibilidade para as coisas
cute as concepções de Rahner e Lotz (pp. 47-79), argiindo seu carácter a-históric Wu dela receberam o “existir e a essência” (tó einai te kaí tén ousían]). É nesse
A respeito dessas críticas de Schãffler, Lotz manifestou-se no seu artigo “ pntido que ela está “para além da essência” (epékeina tês oustas). Ver H. C. Lima
Klãrung der transzendentalen Erfahrung”, Theologie und Philosophie, 58 (19 Var, Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit., pp. 86-87 [ver aí a referência
226-237 (aqui, 226-232). Ele justifica nessas páginas a “experiência transcendental 4). Stenzel, p. 87, n. 23).
como tendo lugar entre a experiência Ôntica “dos objetos ou dos entes” e a “€)
periência transcendental” propriamente dita, que é eidética, ontológica, metafígl 66. As indicações importantes desse ensinamento, conservadas pela tradição,
ca e religiosa, segundo os quatro estágios descritos no seu livro. Assim, a € Eram recolhidas por K. Gaiser em Testimonia Platonica. A interpretação dos
riência transcendental aparece como horizonte último e condição de possibilidad Extos da República sobre o Bem à luz dessas indicações das “doutrinas não-
dippepenêneia ôntica. Ee a descreve, em confronto com Kant, Hegel, Heideg auritas” (ágrapha dógmata) foi magistralmente exposta por G. Reale, Per una
e Sartre, como “caminho da verdade”. Vi nova interpretazione di Platone, 52 ed., op. cit., pp. 293-338.
ienci.
pp. 189-204. er Experiencia transcendental, opAN | 67. Ét. Nic., 1, 5, 1096 a 11-1097 a 13. A crítica de Aristóteles desenvolve-se na
53, Sobre a “transcendência
Aa gnosiológica”,
) ver G. Giannini DR pectiva
cti da multiplicidade
iplici e relatividade e
ividade dos bens humanos, à investigados pela
“Transcendenza”, ap. Enciclopedia Filosofica, 2 e d., VI, col. 590.602 (aq nd a , Ver Martha C. Nussbaum, The fasihio of Goodness, op. cit., pp. 240-263.
593-598). 68. Ver Escritos de Filosofia II, Ética e Cultura, op. cit., pp. 53-54.
54. Ver Crítica da Razão Pura (CRP), B, XVI. Sobre esse texto, ver ]. B. Lot a de Nie X, ee. 6-9; ver Escritos de Filosofia II : Ética e Cultura, op. cit.,
Die Identitát von Geist und Sein, Roma, Univ. Gregoriana, 1972, p. 71.
55. Usando uma terminologia heideggeriana, Lotz aponta aqui (Die Identil 70. Aristóteles, Met. XII (lâámbda), 10, 1075 a 11-25; ver o comentário de
von Geist und Sein, op. cit. pp. 73-81) a expressão do esquecimento do Ser Ci anto Tomás, In XII Met., XII, lec. 12 (Cathala, n. 2628-2637); consultar, sobre-
Kant. ido, Th. de Konninck, “La Pensée de la pensée chez Aristote”, ap. G. Planty-
56, CRP, B, 197; na concepção clássica do “transcendental” o movimentR a jp urTh. de Konninck lorgs.), La question de Dieu selon Aristote et Hegel,
“transcender” tem lugar do sujeito ao absoluto do ser-em-si. RE PU 155), po Solo! laqui, pr. dócizi)
57. Ver R. Verneaux, Le Vocabulaire de Kant: doctrines et méthodes, Pati 71. télos einai apasôn tôn praxéon tó agathón, Górg., 499 e. Sobre a exigência
Aubier, 1967, I, pp. 111-181. transcendência do Bem como Fim ver J. Moreau, Le sens du Platonisme, Paris,
lies Lettres, 1967, pp. 54-65.
1
ao 131
72. Essa identidade origina-se na experiência grega da areté como excelênci Fire et les êtres (1935); e L'Action (2 vols., 1936-1937), bem como nos dois volu-
bondade ou perfeição do ser, dela resultando a areté (virtude) no sentido moi “mes La Philosophie et I' Esprit chrétien (1944-1946]. Conquanto a fenomenologia da
(Sócrates) e o Bem como Idéia transcendente (Platão). avão do texto de 1893 esteja Í mais próxima
: da relação
Ra de transcendência
: tal como
- “88 a entendemos, a Trilogia pode ser considerada uma grandiosa orquestração
73. Ver ia Fi i
na origem E EO aa dedico a E is o A tensão ea speculativa das três dimensões da experiência daquela relação: experiência noética
Ta ira cão Os E à e fo; Verdade (La Pensée), experiência ética do Bem (L'Action) e experiência metafí-
Apiai a do os bens enumerados por Santo Tomás, seguindo os passosd iva do Ser ou do Absoluto (L'Etre et les êtres). Outro aspecto da experiência ética
nistóteles, na Summa Theol. I ae, q. 1, a. a. 1-8. “lo Bem é a experiência da alteridade absoluta no domínio do Valor, descrita magis-
75. Dentre a bibliografia a respeito assinalamos: J. de Finance, Être et À; Imente por J. de Finance, De "Un et de PAutre, op. cit., pp. 294-345,
dans la philosophie de Saint Thomas d'Aquin, op. cit., pp. 183-207; 84. Daqui procede a distinção entre “moralidade” e “eticidade” que será
Riesenhuber, Die Transzendenz der Freiheit zum Gute, Munique, Berchmansko Wonsagrada por Hegel na Filosofia do Espírito objetivo.
ns aa Leo Elders, Die Metaphysik des Thomas von Aquin in historisch 85. Ver supra, Introdução.
» o Tê sn Ra Die Wirklichkeit und das Gute, op. clf 86. Ver a bibliografia citada em H. C. Lima Vaz, “Linguagem do mundo e
cit, pp. 170-184; ] Eni re úber das Gute”, ap. Auf der Spur des Ewigen, linguagem do espírito”, ap. Escritos de Filosofia 1: Problemas de Fronteira, op.
E. BritonO (Diciet PÊt e e a erenera transcendental, Op. Cit., pp. 204-28] Hit, pp. 227-228, notas 13-15; acrescentar J. Pépin, Idées grecques sur Yhomme et
mis Do] aprês Saint Thomas d'Aquin et Hegel (Théologique
E “ur Dieu, Paris, Belles Lettres, 1971, pp. 1-51; 207-363.
, ts Hed pp. 252-283. 87. Ver V. Goldschmidt, La Religion de Platon, Paris, PUF, 1947 (tr. port.,
- uia Ens Eca psicológico e ético —, segundo os quais se desenvoly São Paulo, Difel, 1960).
cendento fecja CR pao para o bem, convergem na posição do Bem tran 88. São clássicas nesse campo as obras de R. Otto, R. Caillois, M. Eliade eJ. van
aspelhod e E anscés ds o seja como Fim último. Sob ambos 4 der Lecuw; ver ]. Ries, Les chemins du Sacré dans Y' Histoire, Paris, Aubier, 1985.
de ICÃO: Ver lv de EL e É o A er da sua identidade com o Ser com 89. Ver H. C. Lima Vaz, “A linguagem da experiência de Deus”, ap. Escritos
PARE Op e e O E RR E ria Po aSonie E A Tho de Filosofia, I, Problemas de Fronteira, op. cit., pp. 241-256; sobre a dimensão
foi phil li or Freita teligiosa da experiência da transcendência ver J. B. Lotz, La experiencia
zum Gute,et op. cit., pp. 32-39; ver também aoB Welte, , L La foi philosophique chezÀ transcendental, op. cit., pp. 339-364. Em outra passagem (p. 147), Lotz distingue
Jaspers Saint Thomas da j
rm quin, op. cit., pp. 189-195. entre experiência religiosa e experiência metafísica.
ati di een PDS sua plena realização transcendental ser 90. Sobre a “transcendência metafísica” ver G. Giannini, “La transcendenza
Deli dora roLadE at ãS a md EE c; q. o a. 5 1-6); na sua participaçã metafísica”, ap. Enciclopedia Filosofica, op. cit., VI, pp. 598-602.
dialética do Bem como Fim é exposta por o Toraás edad É gr À 4 91. Em Santo Agostinho esta experiência está ligada à doutrina da “ilumina-
Ética de Nicômaco, na Summa Theol, 1 Ilae. Ra L8: ver H. C. Lima ú tdo”: ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 278, nota 70; sobre Santo Tomás
“Tomás de Aquino e o nosso tempo: o probl ém á'do fim do those do Escrifh ver J. B. Lotz, La experiencia transcendental, op. Cit, PP. 154-171 e B. Welte, La
de Filosofia I: Problemas de fronteira, op. cit., pp. 34-70. en chez Jaspers et Saint Thomas d"Aquin, (tr. fr.), op. cit., pp. 214-
78. ]. B. Lotz estuda essa transposição em Santo Tomás na perspectiva di É : sais :
movimen BRT y 92. Sobre os níveis de ser presentes na experiência metafísica: o ser na sua
transcendental, op. Cl transcendentalidade formal (ou o Ser enquanto tal) e o ser na sua transcendência
PP. Ee vontade como amor. Ver La experiencia
seal e absoluta (Ser subsistente), ver J. B. Lotz, La experiencia transcendental, op.
79. Ver K. Riesenhuber, Die Transzendenz der Freiheit zum Gute op. cit vit, pp. 171-189; a explicitação da experiência metafísica do ponto de vista da
35, nota 37. b
análise do juizo é proposta por Lotz na obra Das Urteil und das Sein: eine
80. Na sua obra célebre L'Action: essai d'une critique de la vie et d'u tirundiegung der Metaphysik, op. cit. [sobre o Ser subsistente, pp. 90-108).
science de la pratique, Paris, Alcan, 1893 (2. éd., PUF, 1950). 93. É esse o cerne do argumento de redargúição ou retorsão contra a tentativa
81. L'Action, op. cit. p. 132. Blondel define a volonté voulante como | dos Erísticos de introduzir a contradição na simples afirmação do ser; ver Aristó-
movimento essencial do querer quod procedit ex voluntate; e a volonté voull teles, Metafísica, IV (gammal, 4. Com efeito, a negação tem lugar sempre no
como o que é assumido concretamente no âmbito do querer: quod voluntatis interior da afirmação primeira do ser, que a envolve e é por ela inatingível. No
fj
objectum; ver L'Action II, Paris, Alcan, 1937, p. 410. interior, porém, da afirmação, a negação exerce seu poder, que Hegel chamou de
“espantoso” (die ungeheure Macht des Negativen, Phinomenologie des Geistes,
82. L RO Op. cit., p. 339. Vorrede, ed. Bonsiepen-Heede, p. 27). Sobre a abertura para a infinidade no ho-
83. Ver oúltimo capítulo de L'Action sobre o laço do conhecimento e da açál mem e a negatividade ver H.-E. Hengstenberg, Philosophische Anthropologie, op.
no Nos “Le dernier chapitre de !' Action (1893): dition critique! bit, pp. 120-126.
bene Áide Ae E 1 a ah 1: 24-113; Marc Renault, Déterminisme é 94. O ser plenamente real (ontos ôn) é descrito por Platão como “o mesmo
Eerio Rida ns o Lião, Nite, 1965, PP. 205-218; 249-254. como tal” (autó kath'autó, Féd. 66 a; 83 a-b) ou a ousía que a tradição escolástica
seu coroamento na trilogia La Pensée (2 vols. 19. traduziu como substantia e da qual permanece clássica a definição aristotélica,

132 133
méte katá hypokeímenos tinos légetai met'en hypokeiménô tiní esti (Cat., 5, d Has manifestações recentes do pensamento cristão, pode ser considerado um dos
a 11) ou, na versão escolástica: quod nec in subjecto est nec de subjecto dicitul aspectos mais significativos da crise profunda que abala até seus fundamentos o
Daqui procede a definição da substância: quod est in se et non in alio tamquan) vdifício da tradição cristã nessa segunda metade do século XX.
in subjecto inhaesionis. 107. Ver supra, sec. II, cap. 1, n. 4.
95. O aspecto da reflexividade na afirmação do ser é excelentemente expostt 108. Ver as considerações sobre a situação atual do problema da transcendên-
por B. Welte, “Zum Seinsbegriff des Thomas von Aquin”, ap. Auf der Spur de; via no âmbito da tradição filosófica e, em particular, da tradição teológica cristã
Ewigen, op. cit., pp. 185-196. em E. Heintel, “Kritische Transzendenz”, ap. Grundriss der Dialektik, op. cit., II,
96. Ver J. B. Lotz, La experiencia transcendental, op. cit., pp. 71-89. pp. 254-274.
109. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit., pp. 261-264.
97. No campo dessa experiência situam-se os procedimentos que Platão deng.
minou de “coleção” (synagogé) e “divisão” (diaíresis). Ver, p. ex., Fedro, 2.65 e-266 110. Platão, Fédon, 58 a; 59 d; Rep., VI, 490 b.
c; Sofista, 253 b-e; Lotz refere igualmente essa experiência ao método aristotélica 11. Platão, Teet., 176 b.
da “abstração” ou “indução” do universal (epagogé tou kathólou). Ver, por ex, 112. Sobre esses dois movimentos ver H. C. Lima Vaz, “Transcendência:
Top. 12, 105 a 13; Et. Nic. VI, 3, 1139 b 28, que a tradição escolástica definil experiência histórica e interpretação filosófico-teológica”, ap. H. Jaguaribe [org.),
como abstractio totalis. Ver La experiencia transcendental, op. cit. pp. 78-82 Transcendência e imanência na virada do século, (no prelo). O problema da
História na perspectiva da metafísica do Absoluto como Idéia é tratado por K.
98. Ver M. Blondel, L'Être et les êtres: essai d'une ontologie concrête e|
Laiser, La Metafísica della Storia in Platone, (tr. it.), Milão, Vita e Pensiero, 1988.
intégrale, op. cit. pp. 225-346; ver Cl. Tresmontant, Introduction à Ja
Métaphysique de Maurice Blondel, Paris, Seuil, 1963, pp. 140-164; na p. 318 d 113. Um tratamento sistemático dessa questão no contexto da filosofia con-
“normativa ontológica” é comparada ao conceitos de lei eterna e lei natural. temporânea encontra-se em J. B. Lotz, Das Urteil und das Sein, op. cit., pp. 33-48;
ver também a obra clássica de E. Gilson, L'Etre et I'Essence, Paris, Vrin, 1948.
99. Ver J. Maritain, Court Traité de Existence et de V'Existant, ap. Oeuvre; 114. Ver Santo Tomás de Aquino, Summa Theol., WI, q. 2, a. 7 c.: a Encar-
léd. H. Bars), Paris, Desclée, 1978, II, pp. 346-348; e já em Sept leçons sur Vêtn nação é uma relação real da parte da natureza humana de Cristo assumida pelo
(Ocuvres 1, pp. 741-755). Verbo na união hipostática, mas relação de razão (secundum rationem tantum)
100. Ver E. Coreth, Metaphysik, op. cit., pp. 95-158 [aqui pp. 142-158). Sobre ila parte de Deus. A monumental Cristologia de J. Moingt, L'bomme qui venait
a pergunta na estrutura antropológica da esperança ver P. Lain Entralgo, La esperd de Dieu, Paris, Cerf, 1993, reflete o desconcerto profundo da consciência moderna
y la esperanza: historia y teoria del esperar humano, Madrid, Revista de Occidente em face do pensamento da Encarnação, análogo, de alguma maneira, ao descon-
2? ed., 1958, pp. 504-535. curto do pensamento antigo.
101. Ver Antropologia Filosófica, I, op. cit. pp. 207-208. 115. Para uma reflexão aprofundada sobre esse tema ver J. de Finance, Existence
Et Liberté, op. cit., pp. 157-213 (liberdade criadora e contingência) e pp. 215-247
102. Interrogações que, como sabemos, dirigem-se ao que podemos conhecer, (o fim da Criação).
agir e fazer e esperar, circunscrevendo o espaço temático da Antropologia Filosó
fica. 116. Ver o artigo citado na nota 112 supra.

103. Já nos referimos a essa questão em Antropologia Filosófica 1, op. cit. 117. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 260-271.
265 e p. 285, nota 163. Sobre as origens históricas do tema ver K. H. Ilting, Hegel 118. Convém distinguir aqui o “transcendental” como estrutura universal de
diverso: le filosofie del diritto del 1818 al 1831 (tr. it.), Bari, Laterza, 1977, pp inteligibilidade (nesse sentido usamos as expressões “compreensão transcendental”
199-231. Ver também H. C. Lima Vaz, “Morte e vida da Filosofia”, Síntese, 58 vontraposta a “pré-compreensão” e a “compreensão explicativa”, bem como “Eu
(1991): 677-691, e Manfredo A. de Oliveira, “Heidegger e o fim da filosofia”, ap; transcendental” contraposta a “Eu empírico” e “Eu abstrato”), e o “transcendental”
A filosofia na crise da modernidade (col. Filosofia 12), São Paulo, Loyola, 1989) vomo forma de constituição do inteligível, imanente ao sujeito, que assim se põe
pp. 113-129. tomo sujeito absoluto ou princípio radical de inteligibilidade. Sobre o tema do
104. Ver supra, nota 24. sujeito na filosofia moderna e contemporânea, ver os notáveis estudos de Manfredo
A, de Oliveira, A Filosofia na crise da modernidade, op. cit. pp. 15-172.
105. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 243-248.
119. Entende-se aqui a aparição do Transcendente como homóloga à expe-
106. À renascença do pensamento católico nos fins do século XIX e primeira rência da participação no ser como tal.
metade do século XX, conhecida como néoescolática, reavivou a intenção do si!
tema no seio do pensamento ocidental, mas essa corrente de pensamento, com 120. Na aurora da Filosofia encontramos efetivamente uma resposta matiza-
quanto vigorosa, é praticamente desconhecida da historiografia filosófica usual. Ely da e profunda a essa interrogação, na relação estrutural entre mito e metafísica
produziu, no entanto, obras notáveis pelo vigor sistemático como as de J. Maritaill própria do lógos platônico. Ver, a propósito, K. Gaiser, La Metafísica della storia
G. Siewerth, E. Przywara, J. B. Lotz, J. de Finance e outros. Ao lado dessa correntê in Platone, op. cit., pp. 175-185.
eleva-se a obra singular de Maurice Blondel, talvez o mais audacioso empreendi 121. Desde este ponto de vista a leitura que A. Jeannitre faz de Platão (Lire
mento sistemático do pensamento cristão depois do século XIII. O declínio d Platon, op. cit., ch. IV], inspirada em Heidegger no que diz respeito à noção de
neoescolástica, por razões extrínsecas e intrínsecas que não é aqui o lugar par ulétheia, parece-nos profundamente discutível, ma medida em que retira ao
analisar, lançando o descrédito sobre a especulação e o sistema, descrédito visível platonismo sua significação decisiva na filosofia ocidental, ligada à descoberta da

134 135
Idéia como expressão da transcendência ontológica, anunciada programaticament aqui o problema clássico utrum rerum distinctio et multitudo sit a Deo [Santo
no Fédon. Que sentido resta à prova da imortalidade se à Idéia da Vida não| Tomás de Aquino, Summa Theol., 1, q.47 a. 1, c;vera.2,c. (Utrum inaequalitas
reconhecida nenhuma transcendência ontológica sobre o vir-a-ser do sensível rerum sit à Deo)]. Essa especificação e singularização tem lugar igualmente na
122. Sobre o Absoluto (thcós) como medida, ver Leis, IV, 716 c; Ver Tomi relação de mensurante a mensurado.
de Aquino, Contra Gentiles, II, c. 12. Sobre essa questão ver Escritos de Filosofi 137. Verifica-se aqui plenamente a confissão de Descartes a Mersenne, já
III: Ética e Cultura, op. cit., pp. 36-61. A interpretação da sentença de Protágord! anteriormente citada: Je n'ai jamais parlé de VInfini que pour me soumettre à lui.
por Heidegger (Nietzsche, II, Pfiúllingen, Neske, 1961, pp. 135-141) pressupõ O homem não pode enunciar-se como ser senão implicando nessa enunciação a
leitura heideggeriana da história da Metafísica ocidental, cuja discussão não c sua relação constitutiva ao infinito do Ser (Verdade, Bem, Absoluto) ao qual se
aqui, mas que foi apreciada em Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 261-265; submete como fundamento último da possibilidade da mesma enunciação. O Eu
123. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit. pp. 205-206. sou do sujeito humano é, no mais profundo âmago do seu ser (interior intimo),
124. Literalmente, “desespero”: Phinomenologie des Geistes, Einleitung (ed um dom do Absoluto. Tal é a estrutura profunda da relação de criaturalidade no
Bonsiepen-Heede, p. 56). ser racional e livre. Quanto à enunciação do Absoluto (gen. obj.), ela representa
o dramático e dilacerante desafio que submete a nossa linguagem finita à sua
125. Ver Oeuvres Complêtes, éd. Rubel (Bil. de la Pléiade), Paris, Gallimard, extrema tensão, e atravessa as tradições religiosas e a tradição filosófica. Mas não
1968, IJ, pp. 88-90. nos cabe tratar aqui esse problema, que tem seu lugar próprio na Filosofia da
126. Ver a proposição e discussão aprofundada desse dilema em J. de Finance Religião. Ver, a propósito, M. de Gandillac, “Nominations de Hinnomable” ap.
Existence et Liberté, op. cit., pp. 157-171. Génêses de la Modernité, Paris, Cerf, 1992, pp. 44-56; J. de Finance, En balbutiant
127. Ver H. C. Lima Vaz, “A dialética das Idéias no Sofista” ap. Ontologil VIndicible, Roma, PUG, 1993. Sobre a lógica e a predicação do Absoluto, ver as
e História, op. cit., pp. 15-66 (aqui, pp. 21-22). lúcidas e profundas reflexões de C. R. Cirne-Lima, “A lógica do Absoluto”, em
Síntese, 63 (1993): 499-532.
128. Ver, a propósito, a obra de P. Grenet, Les origines de Yanalogi
philosophique dans les Dialogues de Platon, Paris, Boivin, 1948.
129. Assim, as chamadas “noções transcendentais” são, por excelência, ng
ções analógicas no sentido filosófico do termo (Ser, Unidade, Verdade, Bondade
Beleza) e o conhecimento filosófico do Absoluto real só pode ser um conhecimen
to analógico.
130. Assim, se o espírito é, no homem, um analogado inferior com relaçã
ao Espírito absoluto, a relação de transcendência é o analogado principal, em
razão do seu terminus ad quem (o Absoluto], ao qual se referem as relações
objetividade e de intersubjetividade, adquirindo nessa referência a sua ple j!
significação humana. Aqui se manifesta a singular peculiaridade lógica do discur
so da Antropologia Filosófica ao atingir da categoria da relação de transcendência
enquanto categoria ela é unívoca com as relações de objetividade |
intersubjetividade; pelo seu terminus ad quem ela penetra no espaço lógico
analogia. O mesmo acontece com a categoria do espírito com relação às cate
rias do corpo próprio e do psiquismo.
131. Ver Antropologia Filosófica, op. cit., pp. 246-247. A metáfora da “fonte!
é clássica: Platão fala da “alma” como “fonte” do movimento (pegé kinéscos,
Fedro, 245 c).
132. Na conceptualização clássica, essa finitude é expressa pela relação red,
de criaturalidade da parte do homem para com o Absoluto como Criador; e pel
relação real de mensurado a mensurante da nossa inteligência para com a Verdad
e da nossa vontade para com o Bem.
133. Ver M. Blondel, L'Être et les êtres, op. cit. pp. 206; 210-212.
134. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 206; 210-212.
135. O homem não é, pois, um modo ou um momento do Absoluto, comb
preconizam as concepções estáticas ou dinâmicas do panteísmo.
136. Observe-se que a relação de criaturalidade é especificada, da parte do se
criado, pela sua natureza e singularizada pela sua existência concreta; tem lug

136
Terceira seção
UNIDADE FUNDAMENTAL
DO SER HUMANO
I
CATEGORIA DA
REALIZAÇÃO !

1. Introdução

As duas grandes regiões categoriais que percorremos até aqui


no itinerário discursivo da Antropologia Filosófica delinearam a
figura conceptual do ser do homem segundo a sua estrutura e
segundo as suas relações fundamentais, ou seja, no seu ser-em-si
(esse in se) e no seu ser-para-outro (esse ad alium vel aliud). A
tegião categorial da estrutura corresponde ao domínio do ser
substancial do homem ou da sua ousía (para usar a terminologia
uristotélica). À estrutura corresponde, pois, a unidade ontológica
primeira do homem, segundo a qual ele é indivisível em si mes-
mo 2, sendo assim capaz de subsistir na sua identidade (ou na sua
ipseidade, se considerarmos o caráter explicitamente reflexivo
dessa unidade), na sua relação com outros seres dos quais se
distingue. À região categorial da relação correspondem os domí-
hios da realidade que se abrem à finitude e à situação do homem.
Como sabemos, finitude e situação são noções diferentes. A
finitude designa o homem como um ser distinto entre os seres e,
portanto, diz respeito à multiplicidade na ordem do ser, o que
implica, evidentemente, a finitude dos seres múltiplos e a infini-
tlade do Uno ao qual o múltiplo se opõe 2. É, pois, uma noção
estritamente metafísica. A situação é uma determinação peculiar
da finitude humana e designa o fato de que o homem não somen-
te é ser entre os seres, mas defronta-se constitutivamente com a
multiplicidade dos seres organizada na forma de um mundo. Ser-
“em-situação é ser-no-mundo. Situação é, pois, uma noção propria-

141
mente antropológica. Ora, enquanto finito e situado o homem | segundo a qual ele se relaciona reflexivamente com a multi-
necessariamente um ser relativo aos outros seres. Esse seu se] plicidade dos seres em face dos quais deve exprimir-se a si mes-
-em-relação manifesta-se nas três formas fundamentais ou txl mo. Essa expressão assumirá, então, as formas do ser-no-mundo,
categorias que denominamos respectivamente relação de objeli Ho ser-com-o-outro e do ser-para-a-transcendência.
vidade, relação de intersubjetividade e relação de transcendên
cia. A relação de objetividade é própria do ser situado ou do sez O problema que agora se nos apresenta diz respeito à oposição
-no-mundo. Entre os seres que conhecemos somente ao homem entre a unidade em-si do homem, definida pelas categorias de
é dado o ser-no-mundo. Já a relação de intersubjetividade exptl estrutura e o seu abrir-se à multiplicidade dos outros seres,
me, na sua acepção primeira, a essencial comunicabilidade que tematizado nas categorias de relação. No domínio da estrutura,
própria do espírito e que, no Espírito infinito, é a infinita gené y homem se constitui como ser-uno pela suprassunção do corpo
próprio e do psiquismo no espírito e essa unidade é atestada fun-
rosidade traduzida no axioma bonum est diffusivum sui. A pal
ticipação nessa comunicabilidade infinita do Espírito pelo espírl lamentalmente pela vida segundo o espírito. Mas, ao abrir-se às
icalidades dele distintas, seja o mundo, seja o outro, seja o Trans-
to finito e situado — espírito-no-mundo —, que é o espírito hu
pendente, o homem não vê acaso a sua unidade estrutural amea-
mano, tem lugar na relação de intersubjetividade na qual a mê
ada pela alteridade dos termos das relações ad extra que são
diação do mundo, resultando da suprassunção da relação de ob:
constitutivas do seu ser como situado e finito? Em outras pala-
jetividade, se apresenta como necessária para que a comunicação ”
vras, o risco da alienação [tornar-se outro) parece inerente à
intersubjetiva se estabeleça, tecendo relações propriamente hu ipseidade do sujeito *. Sendo uno estruturalmente e abrindo essa
manas entre as infinitas situações na quais os homems podem tinidade ao acolhimento do outro ser nas formas das relações ad
encontrar-se. Finalmente, a rekação de transcendência é própria extra, como poderá o homem preservar a sua unidade ou ser ele
do ser espiritual finito que nela suprassume a sua finitude real al mesmo (ipse) nesse permanente afã de ser-outro?
dar um conteúdo objetivo à sua infinitude intencional, Na rela
ção de transcendência, o homem, por sua vez, suprassume, istQ Essa dialética da identidade na diferença ou, aqui, da ipseidade
é, funda o seu ser-no-mundo e o seu ser-com-o-outro, na alteridade que aparece intrínseca à constituição ontológica do
ou seja, 0
seu ser-em-situação. homem como sujeito, delineia-se já, na verdade, no domínio da
estrutura, pois as categorias do corpo próprio, do psiquismo e do
Estruturas e relações constituem, pois, duas regiões categoriail espírito definem a unidade para-si do homem em oposição ao
que se opõem dialeticamente como formas ou expressões do ser em-si da realidade da qual ele se distingue. Na categoria do corpo
-em-si e formas ou expressões do ser-para-outro. Nas categoria próprio, a dialética da identidade na diferença assegura a unidade
de estrutura, a reflexividade própria do sujeito como mediação (g do sujeito em face do risco da sua dispersão no espaço do mun-
“dizer-se a si mesmo”) é constitutiva da sua ipseidade como do 7; na categoria do psiquismo a mesma dialética opera a unida-
unidade estrutural do seu ser-em-si. Nas categorias de relação, | de do sujeito no seu mundo interior, obviando ao risco da sua
reflexividade própria do sujeito como mediação é constitutiva da fragmentação no tempo; mas é na categoria do espírito, como
sua alteridade como unidade relacional de ser-para-outro. OU sabemos, que a dialética da identidade e da diferença, na forma da
ainda, se nos referirmos à definição aristotélica da unidade, nai prioridade respectiva do em-si do objeto e do para-si do sujeito,
categorias de estrutura pensamos o homem como uno na sui aquela na ordem da especificação, esta na ordem do ato *, alcança
indivisibilidade em si, nas categorias de relação o pensamos nd 4 sua significação decisiva em ordem à constituição da unidade
sua divisão com respeito aos outros seres *. Vale dizer que a di do homem como sujeito. Unidade que se estrutura como tal na
visão, aqui, não é a mera distinção numérica ou específica dg medida em AUS ao SuIcitonSuprassumi ca giletenoa lo em-si) do
homem com relação aos outros seres no universo ou com relaçãd objeto na sua identidade reflexiva (o para-si)º.
à ordem dos seres vivos, mas é a distinção propriamente humand Assim, a unidade do homem, exprimindo-se na dialética da
que corresponde à sua ipseidade como sujeito. Distinção, pois, identidade da sua presença a si mesmo ou da sua ipseidade e da
149,
143
diferença ou alteridade do outro do qual ele se distingue, mas con Sendo, portanto, a auto-realização do homem uma forma ori-
o qual necessariamente se relaciona como finito e situado, aparedi sinal da dialética do mesmo (autós) e do outro (héteron), ela não
já como formalmente articulada no nível da estrutura; as categorial é senão a efetivação existencial do paradoxo segundo o qual o
da relação desenvolvem essa dialética segundo a realidade do termk homem se torna ele mesmo (ipse) na sua abertura constitutiva ao
ad quem que se apresenta ao homem nas três grandes regiõée outro (alius vel aliud), abertura atravessada pelo apelo profundo
ontológicas do Mundo, da História e da Transcendência. à uma generosidade no dom de si mesmo que podemos denomi-
nar como razão metafísica, na medida em que ela é, em nós, o
Trata-se pois, agora, de unificar no homem as formas da sui
signo de que não podemos realizar-nos a nós mesmos senão como
auto-expressão como ipseidade (ad seipsum) e como alteridad);
acres abertos à infinitude do Ser!*. Por conseguinte, os atos que
(ad alterum): aquelas definindo-o como ser-para-si, estas comb
traçam o itinerário de uma vida que se realiza são atos que pro-
ser-para-outro, sendo que em ambas o outro está presente !º comt
cedem do homem pensado na integralidade da sua estrutura e
o em-si ou o lugar ontológico da situação e da finitude do homem
tendo diante de si o horizonte inteiramente aberto das suas rela-
e ao qual, portanto, ele está necessariamente referido, seja nã ções fundamentais. Cada um desses atos será, portanto, a efetiva-
constituição do para-si da sua estrutura, seja nas formas para-0
ção existencial da unidade do sujeito — unidade que se mostra,
-outro do seu ser relativo. pois, como síntese de estrutura e relação — que nele e por ele se
A categoria de realização deve mostrar exatamente os cami realiza!é. Como efetivação da unidade do sujeito ou da síntese
nhos através dos quais a unidade estrutural do homem se cumprt dinâmica entre estrutura e relação, os atos que se inscrevem no
efetivamente nas formas de relação com que ele se abre às gran imbito formal da categoria da realização procedem do sujeito
des regiões do ser que circunscrevem o lugar ontológico da que se exprime a si mesmo como plasmador da própria unidade
situação e da sua finitude. Sendo uno como ser-em-si PRE (dicens seipsum ut unificans seipsum) e que, portanto, se cons-
ou ousía), o homem deve realizar essa unidade como ser-para-s) titui aqui como mediação integral do que ele estruturalmente e
ou como existente para o qual existir é viver a unificação progreg relacionalmente é. O “torna-te o que és” tem lugar plenamente
siva do seu ser !! no exercício dos atos que manifestam a “vid nos atos pelos quais o sujeito se realiza. Portanto, nesses atos —
segundo o espírito” como vida propriamente humana 22. Se é If que serão, finalmente, atos da pessoa — o que é mediatizadoe
cito fazer uso, aqui, de uma terminologia escolástica, diremod! Berá suprassumido no nível da unidade realizadaé a cadeia or-
que a unidade do homem, sendo constituída in actu primo lenada das mediações anteriores pelas quais o homem exprimiu-
como unidade essencial) pela dialética interna da estrutura nd “se como estrutura e relação: da mediação com que o sujeito se
silogismos da inteligibilidade em-si e para-nós *3, desdobra-se 1 exprimiu como Eu corporal na forma do corpo próprioà media-
actu secundo (ou como unidade existencial) através das forma! vão com que se exprimiu como Eu espiritual na forma da relação
da relação ativa do homem com o ser: objetividade de transcendência. Cadeia ordenada, cujos elos se articulam na
intersubjetividade e transcendência. Trata-se, pois, existencial dupla direção da inteligibilidade para-nós e da inteligibilidade
mente, de uma unidade in fieri, ou unidade que se constrói pell em-si!s, O rigor dessa dialética traduz a grandeza e o risco de
exercício dos atos que vão traçando o itinerário da vida que dev tada ato com o qual procedemos à unificação do nosso ser, pois
ser sempre mais una. À consumação dessa unidade (ou o seu são atos nos quais está empenhada toda a nossa complexidade
facto esse) permanece um conceito-limite que à filosofia é dadi estrutural e relacional". Enquanto operam a unidade dessa com-
apenas postular como o alvo enfim alcançado da identidadi plexidade, os atos que descrevem — ou devem descrever — a
(mediatizada pela vida vivida) entre a estrutura e as relações ol linha da realização do homem são atos em toda a força da
entre a essência e a existência; ou ainda, como vitória definitiv; etimologia original do termo, ou seja, o que existe na plenitude
da vida no embate abissalmente profundo com a morte, cuja VI do seu poder-existir (quod actum est) ou o que completou o
tória assinalaria, ao contrário, a dissolução final da unidade rea movimento do seu vir-à-existência (quod perfectum est). Como
lizada do homem 4, tal o ato é, com toda a propriedade, perfeição, e assim o descreve-

144 145
ram Aristóteles e Tomás de Aquino ?º. Na sua orientação proful nas que, porém, se entrelaçam na única grande aventura de viver
da e essencial, o movimento de auto-realização do homem egl uma só vez a história de uma vida que declina no tempo, mas
voltado pois para a excelência e perfeição do seu ato — ou par aspira crescer para a plenitude da unidade *, Por outro lado, nessa
o bem que lhe advém da perfeição do ato — e que Platão e Atl experiência fundamental da unificação da nossa vida fazem-se
tóteles designaram com o nome de areté, impropriamente trad presentes os riscos que decorrem da própria complexidade estru-
zido por “virtude”. É esse um fundamental ponto de junção enti tural do homem. Assim, se considerarmos a experiência da auto-
a Antropologia e a Ética 2, Com efeito, a partir da sua unidad “realização sob o aspecto da corporalidade, vemos que, na medida
estrutural e seguindo a direção das suas relações fundamentais, | em que o corpo próprio, mediatizado pelo Eu sou como Eu corpo-
apelo metafísico que atravessa o ser do homem no movimento d ral é o domínio onde se constrói a unidade do sujeito em face da
sua unificação dirige-se à sua excelência e perfeição — à sua arel ilispersão espácio-temporal do mundo, essa unidade permanece
— regida, acrescenta Aristóteles, pela razão (logos) que confem sempre ameaçada pela relativa independência com que, no âmbi-
aos atos do homem sua especificidade como atos humanos 2
to do corpo, desenvolvem-se os processos físico-químicos e espe-
É lícito concluir, pois, que a unidade existencial do homen tificamente biológicos da vida 2%. Por sua vez, o campo do
síntese da sua unidade estrutural e dos seus atos — existent] psiquismo é, por excelência, aquele em que a cisão ou mesmo a
enim est agere —, edificando-se sobre um fundamento ontológl lilaceração da vida interior do homem se contrapõem da maneira
co, tem necessariamente um coroamento ético. A unificação d inais dramática ao esforço para unificá-la. Aí estão, para comprová-
própria vida não é, para o homem, um processo que se desenrol lo, o imenso leque das ciências psicológicas, umas analíticas,
apenas na ordem do ser, mas que se perfaz sob o signo do dever tentando reconstituir a complexidade do tecido psíquico, a hie-
-ser, e nela tem lugar a passagem permanente da necessidadi tarquia dos seus níveis e a especificidade dos atos, outras terapêu-
ontológica para a necessidade moral. O homem é4 um sé ticas, almejando exatamente recuperar de alguma maneira a uni-
constitutivamente ético e essa eticidade é ou deve ser o primei dade permanentemente ameaçada e frequentemente rompida do
predicado da sua unidade existencialmente em devir — ou dé nosso mundo interior 7. Finalmente, é no nível estrutural do es-
imperativo da sua auto-realização 2,
pírito, sendo ele o nível no qual a tarefa da auto-realização
unificante alcança as camadas mais profundas do nosso ser e se
apresenta como tarefa na qual se decide a direção do sentido da
2. Pré-compreensão da categoria de realização própria existência, que o risco da perda da unidade põe a desco-
berto as raízes ontológicas da insecuritas humana. Com efeito, se
Uma das experiências mais constantes e mais profundas di admitirmos, como procuramos mostrar na elaboração da catego-
homem é a de que a realização da própria vida, sendo para ele ui tia da relação de transcendência, que o ser-para do homem en-
desafio permanente, é, ao mesmo tempo, uma tarefa nunca acd pontra o seu ápice e define-se da maneira mais abrangente e mais
bada: é o risco supremo de ser ou não-ser, não no domínio Ii profunda como ser-para-a-Verdade, ser-para-o-Bem e ser-para-o-
existir simplesmente, mas no domínio do sentido da vida, mi “Absoluto, podemos entender que será no nível do espírito que o
qual a sua existência está lançada como existência propriament movimento de auto-realização — de unificação — do homem se
humana e que se desenrola sob o signo da insecuritas?*. Nenhy submeterá à medida da Verdade, à norma do Bem e à exigência
ma frustração maior e mais penosa para o homem do que aquel; to Absoluto: ele será, então, um movimento que irá avançar sujeito
que nasce da sensação de uma vida não realizada, da dispersão| do risco propriamente ontológico de ser ou não-ser na ordem do
da perda do tempo da vida que não foi recuperado pela linl sentido ?,
harmoniosa de um crescimento sempre mais unificante.
Corpo próprio, psiquismo, espírito: é, portanto, referido à ori-
A experiência da vida que se vê diante do desafio da sua autô Kem desssas três dimensões estruturais do homem — ao seu ser-
“realização desdobra-se, na verdade, na variedade de infinitas foi em-si ou à sua ousía — que o movimento da auto-realização
x

146 147
como efetivação na existência da sua unidade essencial revi que deve ser, foi visto com genial acuidade por Platão que, na
um caráter ontológico, pois é através dele que o ser do home Fepública, deixou-nos dele a formulação mais completa e a solu-
manifesta-se no seu tornar-se o que é. Portanto, a manifestaçãi “o mais audaz. O problema da realização do homemé pensado
aqui, não é a do ser plenamente constituído, mas a do ser 4!i como problema da sua paideia 2, do crescimento harmonioso
movimento da sua constituição progressiva queé, identicament Pim que todas as virtualidades vão sendo realizadas e a figura do
o movimento da sua auto-expressão. Ao se auto: -exprimir com er vai completando seus traços sob a medida (métron) do belo
corporalidade, psiquismo e espírito, desdobrando nessa express [halón) e do bom (agathón) 2. A idéia de paideia mostra, assim,
a sua estrutura de sujeito ou operando — como ato primeiro ua articulação conceptual fundamental formada pelas noções que
sua essência — a passagem da natureza à forma ou do dado, Ponstituem a trama primeira do pensamento metafísico: ser,
significação, o homem já está lançado, por uma necessidade im unidade, verdade, bondade, beleza. Por outro lado, aparece aqui
crita no seu próprio ser, nesse caminho sem volta que é o da gl Witidamente a coerência do desígnio platônico ao empreender o
auto-realização. Eco deúteros plous da fundação da Metafísica a partir do Fédon *,
Mas aqui convém observar que a faticidade humana, qu tomo único roteiro possível para a fundação de uma Puideia
designamos como natureza ou dado no primeiro momento & verdadeira. Vemos encontrar-se aqui Metafísica e Antropologia,
movimento dialético da auto-expressão, e da qual o indivídy mas esse encontro tem um sentido oposto àquele com o qual, na
está sempre partindo para a aventura da sua própria realizaçãã filosofia pós-hegeliana, a Antropologia foi pensada como
sempre se lhe apresenta em toda a riqueza e complexidade dl “desconstrução” da Metafísica: é a Antropologia que deve elevar-
uma situação humana originária que se não reduz, evidentemel “se à Metafísica porque só no seu horizonte é possível desdobrar
te, às coordenadas físicas do espaço-tempo do mundo, mas | fodas as dimensões da realização do homem: da sua paideia.
configura como o lugar de múltiplas dimensões — histórica, Essa a razão do aparente paradoxo que parece acompanhar o
cial, cultural e circunstancial — no qual o indivíduo deve inscli desígnio platônico na República, na qual a solução do problema
ver o perfil original do Eu sou ?, Sabemos, por outro lado, que:
sobre a natureza da justiça, que abriu o diálogo na discussão com
grandes regiões eidéticas nas quais se exerce a pré-compreensiã
Trasímaco, acaba implicando o grave e audaz projeto da criação
da categoria de realização estão delimitadas pelas categorias d
de um novo Estado; e esse, por sua vez, só se mostra exequível
relação que designam no homem os modos fundamentais do sdi
ubedecendo às exigências de uma nova paideia, voltada para um
-para. Essas fronteiras categoriais permitem distinguir, como Vi
novo ideal de perfeição (areté) para o homem. A prática dessa
remos, formas fundamentais de realização humana que permani
cem invariantes ao longo da história. Na verdade, porém, tá nova paideia deve obedecer, por sua vez, a preceitos rigorosos e
formas emergem como matrizes de infinitas possibilidades de 8 a estágios bem definidos no caminho a ser por ela percorrido. O
ou de realizar-se que se oferecem às sociedades e aos indivídul paradoxo que não cessa de surpreender o leitor de Platão e que já
e cuja efetivação sempre recomeçada tece a trama inextricável d no seu tempo não só o lançou numa oposição implacável à paideia
história vivida *, aDÍística, mas ainda o colocou em conflito com o moderado ideal
pedagógico do humanismo de Isócrates %, mostra-se na pretensão
A pré-compreensão da categoria de realização conduz-nos, pol le fazer da philosophia o alvo supremo da nova paideia, e do
na verdade, a essa espécie de terreno primordial da experiência d philósophos *&* o paradigma mais elevado da realização humana.
nossa própria vida no qual os dilemas metafísicos fundamentdl Na verdade, porém, o paradoxo platônicoé apenas a transcrição,
— o ser e o nada, o uno e o múltiplo, o ser e o poder-ser, 8 no contexto específico de uma reflexão pedagógica, do paradoxo
experimentados como dilemas existenciais que envolvem o nd ue parece inerente à idéia do homem como ser que deve reali-
so Eu, posto diante do desafio de tornar-se o que é *!, =ar-se a si mesmo. Com efeito, ao se definir na sua necessidade
O problema da realização humana como problema propl 1 vategorial, ou seja, como unificação e suprassunção das categorias
mente metafísico ou problema da passagem do ser que é ao & de estrutura e relação, a idéia da auto-realização do homem mostra

148 149
a sua orientação necessária, ou o que podemos denominar o 8 vão do homem que dê razão adeguada do processo da sua forma-
vetor ontológico voltados para a direção da transcendência 7. Of vão ou da sua cultura * convém dar do eros educador no Banque-
sendo a paideia platônica coroada pelo conhecimento do Bel ie e da ascensão para a contemplação da Beleza-em-si *, bem
transcendente que só o philósophos pode alcançar, a vida filosi como da subida dialética para a Idéia do Bem na República, repre-
fica apresenta-se necessariamente como o paradigma da realiz sentada simbolicamente na alegoria da Caverna *”. Estamos aqui
ção humana. Podemos ver aqui a origem da vasta e profund diante de um dos exemplos mais ilustres desse fenômeno espiri-
corrente espiritual que percorre o mundo antigo e proclama jual tão significativo e que iria repetir-se outras vezes no curso da
“conversão” à Filosofia como caminho para a obtenção d história universal, qual seja o da inter-relação entre a Idéia e a
eudaimonía e da excelência da vida humana na prática da verd [istória. Se a crise política e espiritual de Atenas no século IV
deira areté. As exortações (lógoi protreptikoi) à Filosofia que! a.C. inspira Platão a propor um programa de paideia que eleva o
renovam de Platão e Aristóteles ao Hortensius de Cícero e além: paradigma da excelência humana ou da sua areté ao mais alto
dão testemunho do poderoso apelo que o paradigma da “vid vértice da Idéia, essa abertura de uma perspectiva metafísica no
filosófica” (theoretikós bíos) * exerce sobre os espíritos nos te m horizonte da vida humana provoca, por sua vez, uma revolução
pos helenísticos e na Antigúidade tardia. Esse apelo só conhecer profunda nas estruturas do ethos tradicional grego. Dessa revolu-
a concorrência de uma alternativa igualmente poderosa quando ção surgirá a Ética e, com ela, a proposição de um novo métron
figura do santo cristão, trazendo consigo a concepção de um para a vida humana, que iria influir decisivamente na história da
nova antropologia *º e a exigência de uma nova paideia *!, vid civilização do Ocidente *º.
orientar um novo ideal de at " E ; Eno
ciadatvida filosólica pena a mec ER a excelêr Entre Platão po e Aristóteles, a linha que descreve as vicissitudesE
m 4 DR ;
IRES oa eriTo Clem AS DErO aa E e, da santidade cristã, br do ideal de realização humana tal como proposto pela Filosofia
detona, A, Ea a trazem consigo à idéi pode ser comparada a uma curva parabólica que se eleva das
elias lh e Aeon) PAD CRLCNÇIA da autg sombras da Caverna, atinge seu vértice na plena luminosidade da
kite Ê Au Ho RO GuoiaRe o fila duo de ne ao livre mais profum| Idéia do Bem e retomba até atingir o terreno das “coisas huma-
A
a 7 A
PTE nsato Po LR) Sn AR ARS de ruptur E nas” (tá anthrópina) no qual deve ser traçado, segundo a Ética
S ao uma vida segundo “o que é melhor aristotélica, à luz do Bem que é o seu fim (télos), o caminho da
(áristos bios). vida humana como vida segundo o bem (eu zen), que é a vidaz

Ao referir, com genial audácia especulativa, o problema d segundo a virtude (kat'aretén). A evolução semântica do termo
realização da vida humana — da sua paideia — ao horizonte di phrónesis entre Platão e Aristóteles reflete bem os primeiros passos
Ser, articulando assim, em contraposição ao utilitarismo | do novo ideal de realização humana colocado sob o canon do
hedonismo sofísticos e ao humanismo retórico de Isócrates, Edu lógos epistêmico. Em Platão, phrónesis é intuição intelectual das
cação e Filosofia, Platão abriu, de fato, em todas as suas dimemnl Idéias, em Aristóteles é sabedoria prática (prudência). Mas, ao
sões, O espaço espiritual que se oferece ao homem, agindo segui propor sua concepção da phrónesis, Aristóteles move-se, de fato,
do o predicado do logos que lhe é próprio, para nele obedecer aí no espaço aberto pela ontologia platônica do Bem, e é justamente
imperativo de tornar-se o que é. Colocar o ideal da vida filosófie nesse espaço que podem ser traçadas aquelas que poderemos
como o ideal humano mais alto * significou de fato, para Platãd denominar as regiões ontológicas da realização do homem,
submeter a realização da vida humana à norma de uma perfeiçãt correspondendo a uma tipologia das formas de vida cuja enume-
absoluta, de tal sorte que o apelo do transcende et teipsum4 ração se tornará clássica depois de Aristóteles. Em primeira apro-
torna-se, paradoxalmente, a única medida (métron) aceitável pard ximação, podemos dizer que as fronteiras dessas regiões são
o élan propriamente metafísico que levanta o homem na direção traçadas conforme nelas predomine uma das atividades funda-
do seu ser verdadeiro. É essa a interpretação que, desde o ponti mentais do homem: fazer (poíesis), correspondendo à esfera da
de vista de uma antropologia da paideia, ou seja, de uma concep relação de objetividade; agir (práxis), correspondendo à esfera da

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relação de intersubjetividade; e conhecer (theoría), correspondend A pré-compreensão desta categoria fundamenta-se, pois, nene
à esfera da relação de transcendência. Tal é, sem dúvida, a estrutui Imediata e elementar evidência, ressaltada por Aristóteles no iníci
do espaço antropológico aberto pelo paradigma metafísico da Idél da Ética de Nicômaco de que existe uma tarefa que a Sa
do Bem, erigido por Platão como métron da perfeição humana e qu homem enquanto tal, e de que o ocupar-se dela define a E :
se apresenta como o primeiro referencial para o traçado dos cam propriamente humana. Essa tarefa não é senão a própria E A
nhos que se oferecem ao homem na busca da sua auto-realização vão da vida humana segundo o predicado gue a distingue É vi
puramente vegetativa e da vida sensitiva É popa a ser, O secs
Com efeito, no momento em que se delincia nitidamente|
ideal da vida teorética (bios theoretikós) e se definem as carac EC aqui entendido como regulador da atividade do viver que e :
rísticas da atividade de contemplação (theoría] que lhe correspoinl pete especificamente ao homem. E essa vida que Ear a o:
de realizar-se segundo o modelo mais o À o
de, apresentam-se igualmente, com suas características própri exigência
as, Os outros tipos de vida: a vida em que predomina a práxil uma vez levada em conta a pluralidade desses modelos e rea ia
penta
intersubjetiva ou vida política (politikós bíos) e a vida voltada a própria vida, segundo o modo queéo melhor e º mais
para o fazer técnico (poíesis), ou orientada pelo hábito fabricado! to 4, Assim, o problema da realização humana está posto n
es
[éxis poietiké)*!. A originalidade de Aristóteles manifesta-se nã mais elementar formulação ou em termos da sua me sopupr
teles na perspe ctiva ? ser
decisiva inflexão antropológica à qual ele submete, no campo são, tendo sido tratado por Aristó
prática que se gu E
Ética ou da ciência das “coisas, humanas”, a metafísica platônica desígnio de constituição de uma ciência
à exigênc ia lo e
do Bem, em cujo âmbito já se delineara a distinção dos tipos di mente uma ciência da prática &. Submetida
saber segundo esteja este voltado para o fazer, O agir ou o conte lhor” (ou da virtude), a tarefa de viver segundo o lógos, prbpmiá-do
plar *2, Essa inflexão aparece com nitidez exemplar na introdução homem, cumpre-se num tempo da vida injnig acena egstio »
ao tratado da phrónesis no VI livro da Ética de Nicômaco &. AÍ do a uma plenitude ou amadurecimento que Aristóteles denom
Aristóteles apresenta como pressupostos necessários para o exer na justamente “vida perfeita” .
cício da sabedoria prática ** o reconhecimento de dois predicados
fundamentais do operar propriamente humano: em primeiro lus Fica, desta sorte, completada a curva que, tendo unido Ra
gar a permanente presença desse tipo elementar de saber ção e Metafísica na concepção platônica da paideia, une Metafí
que é na
o saber do que “diz respeito a si mesmo” 5 e que traduz a situa sica e Ética na contemplação do Ser como Bem e miPlgn Eds
conceptualização aristoté lica, já explici tamente o ou ana
ção antropológica fundamental que é o “ser presente a si mes:
mo”; em segundo lugar essa característica da deliberação do ho da realização da vida humana como vida regida pela verdade
mem que se deixa guiar pela sabedoria prática que é o seu estens areté 7.
der-se a tudo o que diz respeito ao “bem viver” 5% ou a ter como A pré-compreensão da categoria da realização, assim como
horizonte a totalidade da vida que se trata de realizar de acordo aqui a entendemos, concentra-se finalmente nessas três spend:
da
com o que é “bom e conveniente” 5? para o sujeito. Esses dois cias que se entrelaçam indissoluvelmente no próprio âmago
pressupostos da phrónesis permitem justamente situá-la no cen: nossa vida consciente:
tro do campo de racionalidade que Aristóteles designa como cam:
po do conhecimento prático ou do “hábito racional de agir” 58, a) a de que a vida & apresenta-se para O homem como a tarefa
Desta sorte, a proposição platônica do ideal da vida teorética (érgon) que ele deve inelutavelmente cumprir;
torna possível a distinção, desde os tempos aristotélicos, dos três b) a de que essa tarefa não é predeterminada pela naiannera
:
tipos de vida (teorética, prática, poiética) que permitem traçar em nem por nenhuma força que nos seja exterior: sua mtenção nã
toda a sua amplitude o horizonte da realização humana e, portan-= procede de uma vis a tergo que fatalmente venha impelir-n
to, o âmbito conceptual da categoria antropológica de realiza numa só direção, mas desenrola-se a partir de nós mesmos e
ção *º, orienta-se para um fim que nos cabe livremente escolher;
152, 153
c) finalmente, a de que a necessidade da escolha do fim e, po vio da phrónesis cujas deliberaçõe s, e as decisões que delas pro-
conseguinte, da vida que lhe corresponde, coloca-nos continu : Ee à E:
vedem, traçam o fio da vida vivida como vida humana ?.
mente em face da imensa, variada e incessante procissão d
“modelos” º que nos são oferecidos pela tradição cultural e étil Por outro lado, a discussão sobre a phrónesis como lógos es-
da comunidade humana na qual vivemos. pecífico da vida que se realiza no exercício da areté, permite a
Aristóteles aprofundar a distinção entre os diversos tipos de co-
Em torno do núcleo de significação formado por essas trê nhecimento que lhe fora transmitida pela tradição platônica *.
evidências, constrói-se ao longo da existência aquela que pode
Como é sabido, essa tradição fixara três aretaí ou virtudes pró-
mos denominar a esfera da ipseidade dinâmica, compreendenc
prias das três atividades fundamentais de conhecimento de que
o que pertence a cada um (tá autou) 7º como conteúdo singu
nossa razão é dotada: a areté da inteligência fabricadora (poietiké),
único e inalienável da sua vida vivida — ou da história
únic que é a arte (téchne); a areté da inteligência prática, que é a
vivida por cada um — e à qual compete dar-nos uma significação
sabedoria ou prudência (phrónesis) e a areté da inteligência teó-
ou especificação segundo os modelos culturalmente ou eticamen
rica, que é a filosofia (sophía) 7. Não parece fora de propósito, no
te aceitáveis que temos diante de nós 71,
imbito de uma explicação sobre a pré-compreensão da categoria
Na pré-compreensão da categoria de realização torna-se visí antropológica de realização, estabelecer uma relação entre essa
vel, em suma, a figura do Eu que deve ser tematizado comg classificação aristotélica das atividades racionais distintas e suas
síntese dialética entre o Eu estrutural (do sujeito que é em-si respectivas virtudes e o problema da melhor forma ou modo de
“mesmo ou na sua ipseidade indivisível — indivisum in se) e dg vida (trópos tou bíou) que aparece também como uma tradição
Eu relacional (do sujeito que é para-outro e cuja ipseidade st profundamente enraizada na cultura grega 7”. Essa tradição acaba-
constitui negativamente pelo não-ser o outro: divisum ab omni ra recebendo uma forma canônica na doutrina das três vidas
alio). Tal é o Eu na sua ipseidade dinâmica, ou o Eu que realizd exposta amplamente por Platão 7º e retomada por Aristóteles lê:
a sua ipseidade estrutural no seu efetivo distinguir-se do outro, Na verdade, esses dois problemas parecem formar uma matriz
vale dizer, no ativo relacionar-se com o outro ou no afirmar-se
nã conceptual comum que continuará modelando a cultura do Oci-
sua ipseidade relacional. Dessa síntese de ser-em-si e de ser-pard dente, não obstante as prodigiosas transformações que o domínio
o que resulta é, portanto, a figura do Eu no processo do seu auto das “coisas humanas”, para falar como Aristóteles, conheceu desde
“realizar-se, processo orientado intrinsecamente pelo alvo da vida a Grécia clássica até nossos dias.
realizada ou da vida impelida pela exigência do melhor,
Aristóteles designou como “vida perfeita” (bios téleios) ”.
que Essa matriz conceptual se forma a partir da evidência de que
a vida propriamente humana — a vida que é o desenvolvimento
E justamente essa característica fundamental da experiência da nossa realização como homens — avança guiada pela clarida-
da auto-realização que designa, no domínio dessa categoria, de do lógos que deve iluminar seus caminhos *”. Ora, a interpre-
O
terreno onde se encontram Antropologia Filosófica e Ética e não tação dessa função “pedagógica” ou “educadora” * do lógos obe-
foi sem profunda razão que a Ética nasceu em continuidade com deceu, nas suas primeiras formas históricas, a dois modelos
a inflexão antropológica do pensamento grego pelos Sofistas é heurísticos fundamentais, que vieram justamente caracterizar a
Sócrates, e o seu constituir-se como saber específico teve lugar no ética platônica e a ética aristotélica. O primeiro desenha-se sobre
espaço conceptual aberto pela articulação platônica entre paideia a pressuposição da univocidade do lógos polarizado pelo alvo
e Metafísica. Foi, assim, no desenvolvimento das suas lições de supremo da contemplação da Idéia do Bem. O segundo admite a
Etica e, mais exatamente, ao investigar a natureza da phrónesis analogicidade do lógos educador, que irá iluminar três caminhos
como conhecimento prático por excelência 3, que Aristóteles possíveis da vida humana, o do fazer, o do agir e o do contem-
aprofundou o conceito de ipseidade dinâmica do Eu na identida- plar 2, Essa analogia, porém, é uma analogia “de coisas que são
de reflexiva que o constitui como mesmo (autós), não estaticas ditas segundo a sua referência a uma delas” 8. No caso, é o lógos
mente mas dinamicamente, vem a ser, nas vicissitudes do
exercí teórico que constitui a unidade ordenadora à qual se referem o
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lógos prático e o lógos poiético *. Ora, é justamente a analogicidade cia na idéia do homem que vem guiando a nossa civilização *º.
do lógos ordenador da vida humana segundo Aristóteles, admitin Nela, com efeito, a realização do homem é pensada na perspec-
do uma diferença proporcionalmente ordenada entre theoría, práxis tiva do mais remoto horizonte que a nossa intuição intelectual
e poíesis, que permite a sua relação com a univocidade do lógos pode divisar, abrindo um espaço ilimitado à tarefa (ergon) da nossa
que deve, segundo Platão, ordenar a vida enquanto idêntico com auto-realização. Traçado segundo a medida (métron) do inteligí-
a theoría. Com efeito, no lógos platônico é estabelecido o métrol vel ou da Idéia, o horizonte da realização humana é, primeira-
supremo — a Idéia do Bem — que deve reger o crescimento da mente, um horizonte metafísico, o que quer dizer que se estende
vida humana. No lógos aristotélico, essa regência deve difereni além da limitação de qualquer ser finito. Voltado para esse hori-
ciar-se segundo as formas específicas do conhecer e do operal zonte, o homem só pode pensar o movimento da sua auto-reali-
humanos que determinam outros tantos tipos de vida. Na verda: zação submetido à exigência de um ser-mais que, finalmente, se
de, esses dois modelos acabam contituindo, na relação histório vê face a face com a plenitude infinita do Ser. Essa exigência, por
e teórica que entre eles se estabelece, a matriz conceptual primei:
sua vez, faz emergir no horizonte do Ser as idéias do Verdadeiro
e do Bem!, e é essa constelação transcendental que irá presidir
ra que nos permite compreender as vicissitudes da temática da
às vicissitudes do problema da realização do homem, ou à idéia
realização humana ao longo da história da civilização ocidental
de um humanismo integral ao longo da história da nossa civili-
Essa relação, se a considerarmos historicamente, apresenta-st zação. É verdade que as tentativas de migração para uma nova
extremamente rica e complexa *&. Mas ela pode ser pensada, des terra humana, sob o signo de novas constelações teóricas 2, mul-
de um ponto de vista teórico, em ordem à constituição da cate tiplicam-se no clima espiritual da chamada “modernidade”, mas
goria antropológica de realização, permitindo-nos descrever q nada parece indicar que, tendo uma vez ouvido a interpelação da
estrutura conceptual fundamental sobre a qual assenta a constru- Verdade e do Bem desde o horizonte do Ser, o homem disponha
ção dessa categoria *. de estratégias teóricas válidas capazes de fechar esse horizonte e
de silenciar essa interpelação. Em outras palavras, nada indica
São duas, pois, as linhas teóricas que nos permitem desenhar que, não obstante a vigorosa vegetação dos antiplatonismos con-
o arcabouço conceptual da categoria de realização. Uma é a linha temporâneos, estejamos em condições de desmentir, por meio de
platônica, a outra a linha aristotélica. Na linha platônica, q procedimentos teóricos aceitáveis, o veredicto de Péguy: on ne
conceptualidade antropológica traça-se como programa de uma dépasse pas Platon.
paideia que tem exatamente como paradigma e norma do seu
desenvolvimento a participação do homem à Idéia do Bem pela
Por conseguinte, a linha que pode ser denominada platônica
forma mais alta de conhecimento que se eleva até a sua plena no modelo de realização humana que foi transmitido na tradição
intuição (nóesis). Guiado por essa intuição, o homem pode mode filosófica ocidental articula organicamente o processo de forma-
lar a sua vida pelo exercício das aretai ou “virtudes” que regem vão ou educação do homem realizado ou do “homem perfeito”
as partes da alma *” e preservam a harmonia entre elas 8. O modeld (téóleios anér) à Metafísica ou a um saber do Absoluto — do Ser
antropológico que orienta o desenho da paideia platônica é cons: -— de sorte a mostrar nesse saber o princípio ordenador ou a
enteléquia da tarefa educadora, orientando-a para o horizonte do
truído, portanto, acompanhando a linha que une o ser empírica
Verdadeiro, ou seja, definindo-a como educação do espírito en-
do homem ao seu ser inteligível, segundo a gradação dos estágios
quanto lógos da inteligência (noético), capaz de ordenar a realida-
que a formação dos Guardiães e dos Governantes na república
de segundo um princípio primeiro de inteligibilidade, e para o
ideal deve seguir, e que compreende a música, a ginástica e q horizonte do Bem, ou seja, definindo-a como educação do espírito
educação intelectual ”. O crescimento da vida, entendido como
enquanto lógos da liberdade (pneumático), capaz de avaliar a rea-
sua realização, é colocado assim decididamente sob a norma e à
lidade segundo um princípio primeiro de amabilidade *º.
medida (métron) do inteligível (noetón). É sabido que essa con»
cepção da paideia, independentemente das peculiaridades do pro: A conceptualidade antropológica na linha aristotélica opera,
jeto político-pedagógico de Platão, terá a mais profunda influên: como sabemos, uma relativização do métron platônico do inteli-

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gível, a saber, da Idéia do Bem como medida unívoca do af Jesponsabilidade. Situando-se no centro da ética aristotélica, o
humano, fazendo-o descer à esfera das “coisas humanas” ( homem empírico mostra-se aí segundo o conceito do seu ergon
anthrópina), onde a tarefa da auto-realização do homem pelo excel próprio, da tarefa que só a ele compete realizar, a de viver a sua
cício das virtudes (aretaí) é proporcional aos bens que se apresem vida enquanto humana, o que significa realizar a própria vida; e
tam como capazes de cumprir o fim essencial da vida humana! É fião sendo essa vida nem a de um animal nem a de um deus *,
seu “bem-viver” (eu zên) e o “viver feliz” (eudaimontia). Segundk só pode realizar-se seguindo os caminhos oferecidos pelo ethos,
a inspiração fundamental da filosofia de Aristóteles, o model paminhos da razão (lógos) e da virtudes (aretaí). A ética aristotélica
antropológico que guia a sua reflexão sobre a vida humana dese É assim, em toda a força do termo, uma ética antropológica. Essa
nha no próprio ser empírico do homem os traços do seu ser im expressão, que poderia soar como um pleonasmo, recebe aqui um
teligível. A paideia aristotélica não se desenvolve nos quadros d significado exato se a compararmos com a ética platônica ?. Ela
cidade ideal, mas tem em vista as instituições da cidade real? significa que o fundamento do saber ético está na respostaà
Desta sorte, a conceptualidade antropológica do problema da rea pergunta “queé o homem?”, formulada a partir da distinção entre
lização humana, voltada sempre para a meta do homem “perfej p homem e os outros seres vivos e da evidência de um operar que
to” [téleios), não apresenta uma estrutura vertical como em Pla é próprio do homem !ºº, e que não pode ser levado a cabo senão
tão, na qual a phrónesisé uma atividade contemplativa no cimd (le acordo com as exigências daquele predicado que compete es-
da subida para o inteligível, mas uma estrutura radial na qualà pecificamente ao homem, a saber, a razão (lógos). Ora, operar
phrónesisé uma sabedoria prática que irradia nas múltiplas dire segundo o lógosé operar segundo o que é melhor (eu práitein);
ções nas quais pode desenvolver-se e realizar-se o operar humang, No reconhecimento do dinamismo do melhor imanente ao lógos
É sabido que essas múltiplas direções acabam compreendidas la ação reside a originalidade da ética aristotélica como ciência
segundo Aristóteles, nas três grandes esferas do fazer, do agir, prática, e será esse reconhecimento que reconduzirá a pragmateia
do contemplar. A paideia aristotélica assume, desta sorte, a fel ética de Aristóteles às proximidades do inteligível platônico com
ção de uma ordenação do campo das “coisas humanas”, onde à a celebração da vida teorética como a vida mais excelente no
operar do homem se organizou historicamente em formas está livro X da Ética de Nicômaco 'ºº,
veis; nas quais devem ser encontradas normas para o “bem vi Desta sorte, a linha aristotélica presente na estrutura
ver”: o campo do ethos. Trata-se, pois, de uma investigação tenda conceptual fundamental da idéia de realização humana que pre-
por objeto o ethos (pragmateia ethiké) e é esse estilo de saber qui valeceu na tradição filosófica até tempos recentes, une os dois
será codificado como Ética na divisão da Filosofia em Lógica pontos que são a experiência da vida humana enquanto caracte-
Física e Ética, oriunda da Primeira Academia, e que prevalecerá tizada por um operar orientado pelo dinamismo do bem (eu
na tradição posterior. Aqui, pois, o problema Ea realização huma práttein) e a caracterização desse operar como ato que traz em si
na nas condições concretas em que o homem vive o ethos da sud mesmo o seu próprio fim ou a sua perfeição (enérgeia) 192, Tal é
comunidade histórica, ou seja, da sua cultura,é posto definitiva a práxis humana enquanto práxis virtuosa (a virtude ou areté
mente sob a égide da Ética. É nessa relação entre a Educação € sendo a perfeição do ato na linha do bem), e é a experiência dessa
um saber ético específico que a conceptualidade antropológica ng desde o ponto de vista da
práxis que constitui essencialmente,
campo do auto-realizar-se do homem desenvolve a sua linha conceptualidade aristotélica, a pré-compreensão da categoria de
aristotélica. A tarefa própria do homem, o seu ergon primeiro & realização. Por outro lado,é esse conceito aristotélico de uma
ao qual não pode furtar-se, qual seja o de assumir o que a ele práxis constitutivamente ética que nos permite articular a cate-
unicamente diz respeito ºº — em suma, a própria vida enquanto goria de realização às categorias de relação.
vivida — é constitutivamente ética e se desenrola segundo à
sucessão de um tempo pontilhado pelas ocasiões (kairoí) nas quais Com efeito, ao investigar a originalidade da práxis, Aristóte-
ao indivíduo compete agir exatamente na plena consciência de les é levado a distingui-la do fazer técnico de uma parte (poíesis
ser ele mesmo (autós, ipse)””, ou em força da sua instransferível ou produção) e da theoría de outra 1º. Situada entre o operar

158 159
humano voltado para o domínio da objetividade e que assu se a considerarmos desde o ponto de vista da primazia da produ-
por isso mesmo, as características da produção, e o operar huma ção que passou a predominar na concepção moderna do homem
no voltado para o domínio da transcendência e ao qual convém e da sociedade Hº, dando origem a uma literatura de crítica da
as características do puro conhecer ou contemplar, a práxis é, pd modernidade ilustrada por pensadores como J. Maritain, Leo
definição, o operar intersubjetivo. Ela é a realização do homem Strauss, Hannah Arendt e outros. O problema do operar humano
no seu mundo humano e é pois, no seu conceito abrangentt nesse contexto civilizatório continua, de resto, a inspirar os mais
essencialmente política !º4, isto é, orienta necessariamente É diversos tipos de análise da situação da homem nas sociedades
movimento da auto-realização para o horizonte do ser-com-0k contemporâneas, sobretudo naquelas ditas “avançadas”, nas quais
outros. É em torno desse núcleo original da práxis que gira| o predomínio do produzir sobre o agir passou a ser, talvez, o traço
reflexão ética de Aristóteles e aí reside a aquisição definitiva, E distintivo da “forma de vida” que nelas prevalece. É essa situação
ktêma eis aeí do aristotelismo no campo da filosofia do operdl que está, sem dúvida, na origem do florescimento da literatura
humano e do problema da auto-realização do homem. sobre a chamada “teoria da ação” (Handlungstheorie) na filosofia
A práxis, tendo lugar no espaço intencional do ser-com-os contemporânea, que oscila entre uma teoria sociológica e uma
-outros e no mundo das coisas que estão ou podem estar à nosg teoria analítico-lingúística da ação, ambas mostrando a sua insu-
disposição (tá eph'hemin) 18, situa-se entre duas ordens de nece ficiência na ausência de uma conceptualização satisfatória da
sidade: a necessidade da natureza à qual se submete a fabricaçãt distinção entre práxis e produção !N,
(poíesis) e a necessidade do inteligível, à qual a práxis se submel A pré-compreensão da categoria de realização exerce-se, as-
pela mediação da virtude intelectual da sabedoria prátid) sim, no terreno da experiência que o homem necessariamente faz
(phrónesis). A práxis é, assim, por definição, o lugar da liberdad da sua própria vida como tarefa indeclinável que está continua-
como princípio de deliberação (boúleusis) e de escolhi mente posta diante dele e que envolve nas suas exigências a
(proaíresis) "8, As consequências teóricas dessa posição intermé totalidade do seu ser ou do seu existir como vivente: vivere
diária da práxis são de enorme importância quando se trata di viventibus est esse. Viver a própria vida, realizando-a no exercí-
elaborar um conceito abrangente do operar humano enquanto tal cio ordenado do seu operar, que se diferencia segundo as três
Com efeito, dela decorre por um lado que a práxis, sendê grandes regiões ontológicas às quais ele se abre pelas relações de
Z x
constitutivamente ética, é normativa com relação à produçái objetividade, de intersubjetividade e de transcendência: essa a
(téchne ou pofesis), a qual, por ser eticamente neutra quanto af tarefa que define a unidade do homem desde o ponto de vista
seu objeto !º7, deve ser regulada pela normatividade ética inerenti dinâmico do processo da sua unificação.
ao sujeito. Por outro lado, sendo regida pelo logos, a práxis dev
submeter-se ao dinamismo intrínseco que conduz o logos à su
forma suprema, vem a ser, à theoria ou à contemplação da tran
cendência da Verdade-Bem 108, 3. Compreensão explicativa da categoria de realiza-
ção
Eis, pois, constituída a matriz teórica fundamental da qua
procede a componente aristotélica da idéia de realização huml
Sendo a auto-realização uma tarefa na qual, por definição, o
na, idéia essa que se mostra como objeto de uma elementar! homem está empenhado na totalidade do seu ser, seja estatica-
irrecusável experiência ou de uma pré-compreensão tal como aqui mente, compreendendo sua estrutura e relações fundamentais,
a tentamos delinear 19º, seja dinamicamente, estendendo-se ao longo de toda a vida, qual-
É permitido pensar que a desarticulação da matriz conceptud quer tentativa de compreensão explicativa desse processo seria,
com que Aristóteles pensou a realização humana está entre d pela sua própria natureza, inadequada. Sabemos, com efeito, que
causas profundas do aparecimento do niilismo ético na civilizã esse tipo de explicação obedece a um procedimento metodológico
ção contemporânea. Essa afirmação é mais facilmente verificávi que impõe a seu objeto um estatuto abstrato e, por isso mesmo,

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seletivo e parcial. Não há, pois, rigorosamente falando, uma cid) lo homem assegura a unidade indivisa do seu ser e a distinção
cia da realização humana, muito embora os diversos aspectosdl ijue o faz ser entre os seres. O movimento da auto-realização
processo de formação do indivíduo — psicológicos, pedagógica ilesenrola-se no domínio do ser-para-si propriamente dito, ou seja,
didáticos, sociológicos e outros — possam ser objeto de um tl
ia efetivação, in actu secundo, da reflexividade essencial de que
tamento científico que compreende toda uma parte nomológil
v sujeito é dotado in actu primo, e que se exprime na sua auto-
(leis da evolução e desenvolvimento dos indivíduos e dos grupo
“afirmação como sujeito !!5. Essa auto-afirmação, como sabemos,
e programática das ciências humanas, sobretudo das ciênciasd
ilesdobra-se em sucessivas mediações do Eu, percorrendo a seriação
educação.
tas categorias de estrutura e relação. Do Eu corporal ao Eu aberto
para a transcendência, o movimento dialético da constituição do
arquitetônico !!2 da razão no processo de realização da vida hW aujeito — do Eu — avança em complexidade e, ao mesmo tempo,
mana, que marca inconfundivelmente a tradição ocidental. na conquista de uma unidade sempre mais profunda, de modo a
deu origem a projetos do homem perfeito ou da cidade perfeif poder exprimir o sujeito lançando-se à tarefa da sua auto-realiza-
que, de Platão a nossos dias, acompanham toda a história d pão segundo a totalidade constituída do seu ser pela qual ele
nossa cultura. Esses intentos de otimização racional da vida hW uxiste e age.
mana, propondo-se mesmo a implantar a “fábrica do novo hã
mem”, mostram uma característica peculiar nos tempos model A exposição da pré-compreensão mostrou-nos que o movi-
nos que os distingue, por exemplo, do modelo platônico. Eles sã mento da realização do homem é um processo diferenciado, se-
propostos, com efeito, obedecendo aos códigos da razão científil gundo a primazia que nele podem obter as propriedades dos diver-
e apresentam, em geral, uma estrutura hipotético-dedutiva, 1 5os níveis estruturais do sujeito — corpo, psiquismo, espírito —
qual as hipóteses iniciais operam uma redução na complexa € E, consequentemente, as propriedades das regiões ontológicas com
periência da vida humana para fixar como linhas fundamental 45 quais o sujeito se relaciona — mundo, história, transcendên-
do desenho do “homem novo” aqueles aspectos nos quais | via 16, É necessário observar, porém, que os atos nos quais se
julga descobrir o núcleo gerador de uma visão plenamente racid manifesta esta diferenciação (sentir, desejar, imaginar, entender,
nal do homem !!3, Nesse caso, a compreensão explicativa da Gi querer, etc...) procedem sempre da totalidade do sujeito, da sua
tegoria de realização humana tenta elevar-se, por um lado, di identidade essencial ou da sua ipseidade dinâmica 1”,
nível da compreensão filosófica, mas incide, por outro, em esqui Essa dialética da identidade na diferença, sendo constitutiva
mas reducionistas 1º que ita arbitrariamente a complesil la atividade do sujeito enquanto situado e finito, apresenta-se
de da experiência tal como se mostrou na pré-compreensão.
dotada de fundamental importância em ordemà elaboração da
pategoria de realização. Ela mostra, com efeito, que o desenvol-
vimento da vida do homem enquanto propriamente humana,
4. Compreeensão filosófica da categoria de realiza sendo um abrir-se do sujeito a toda a amplitude intencional do
ção seu ser-para-outro é, na mesma medida em que tem lugar essa
abertura, um aprofundamento e uma centração maior do seu ser-
Com a categoria de realização, o discurso da Antropol “para-si ou ainda a conquista, no domínio da vida vivida daquela
Filosófica pretende operar a síntese dinâmica entre as categorid unidade que já está presente no núcleo fontal ou essencial da
de estrutura e de relação. Ela assinala, portanto, a entrada d vida como “indivisão em si e distinção de todo outro ser” !!8, O
dialética que rege 0 discurso no domínio da existência propri lema “torna-te o que és”, aplicando-se ao ser, aplica-se igualmen-
mente dito, poisé evidente que o homem se realiza agindo, isll te ao seu correlativo transcendental, o uno. Cabe, pois, ao ho-
é; existindo na ação e pela ação: existentis enim est agere. Ni mem, realizar a unidade que ele é, sendo esse o vetor metafísico
ser-em-si da estrutura e no ser-para-outro da relação a essêndl que deve orientar todo o desenrolar da sua vida.
162,
163
Por conseguinte, a interrogação filosófica fundamental qu mente humano "2, A realização se mostra, portanto, como passa-
surge dos próprios termos com os quais se formula o problemad gem do ser queé (identidade ou unidade= indivisum in se) ao ser
realização do homem diz respeito à oposição primordial entre si que se torna ele mesmo pela negação dialética do outro no ativo
e devir, oposição que penetra aqui no âmago da constituiçã relacionar-se com ele, o que implica a suprassunção do outro no
ontológica do homem. Na sua versão antropológica, ela formul ilesdobrar-se da qnidade fundamental (alteridade ou unificação=
-Se como oposição entre a primazia a ser atribuída à essência dj divisum ab omni alio)'3. A dialética do mesmo e do outro tal
à existência, à natureza ou à condição,à estrutura ou à situaçãl como é proposta aqui em ordem à compreensão filosófica da rea-
quando se trata de tematizar o homem no desempenho existell lização humana inspira-se no modelo da dialética da idéia expos-
cial da sua vida. Como é sabido, essa oposição tornou-se um do ta por Platão no Sofista exatamente para superar o monismo
tópicos inspiradores do pensamento existencialista 11º. A predi imobilista da tradição eleática. Aqui o mesmo e o outro, junta-
dência da existência sobre a essência apresenta-se aí como pré mente com o movimento e o repouso, são os gêneros fundamen-
suposto da afirmação da gratuidade da liberdade, da responsabill tais 4 que se entrelaçam no ser para formar a mais elementar
dade do sujeito livre e da criatividade reivindicada pelo hom rede conceptual ! que nos permite pensar o ser e o devir ou o ser
como ser-em-situação. Essa tese da precedência da existência opôi e o não-ser (relativo) 126. Analogamente, no terreno da realização
-se, assim, ao lema “torna-te o que és”, que consagra a precedêm humana, ipseidade e alteridade, opondo-se dialeticamente como
cia ontológica da essência sobre a existência. É desta sorte que estrutura e relação, são suprassumidas no movimento da realiza-
pensamento existencialista pensa poder superar o assim denoml cão, no qual o ser é existência que se efetiva como operação. O
nado “essencialismo” fixista da filosofia tradicional 12 ser-em-si da estrutura e o ser-para-outro da relação são
dessencializando igualmente o conceito da “unidade” do homem suprassumidos no ser-para-si da realização na conquista, pelo
Essa unidadeé pensada, então, em constante devir. Dissolve-st sujeito, da unidade profunda que ele é como essência, mas que
em consequência, o núcleo EntolóBico do homem que foi por nú deve tornar-se como existência.
conceptualizado nas categorias de estrutura. A dialética do intk A história das concepções do homem na filosofia ocidental
rior-exterior perde a sua significação, e o ser se exaure nas reld mostra-nos a sucessão de diferentes ideais de realização humana.
ções que tecem incessantemente a trama da existência !2!, Eles são, em termos de modelos de existência, a tradução daque-
A concepção do homem como expressividade ou como movl las mesmas concepções cuja sucessão histórica pudemos acompa-
mento intencional de passagem do dado ou da natureza à form nhar na 12 seção do nosso Curso !2”,
pela mediação do sujeito, tal como vem sendo desenvolvida 1
Antropologia Filosófica, propõe-se justamente a evitar o escolht 1. Aporética histórica da categoria de realização
seja do essencialismo estático de uma substância que permaned
imóvel sob suas propriedades, seja do puro dinamismo de um a. O ideal da realização humana na Antiguidade clássica — O
existência sem sujeito. Na concepção do homem conil ideal da realização humana proposto pelo humanismo clássico
expressividade, o sujeitoé pensado como movimento incessanti tornou-se, por muitos séculos, um paradigma privilegiado ao qual
de passagem ou mediação entre o ser que é simplesmente e o gel se referia o pensamento antropológico e que inspirou idéias de
que se significa seja na sua constituição em-si (estrutura), seja 1 Renascença e de renovação pedagógica em épocas de transição,
sua conversão ao outro (relações). Operaré, pois, necessariamell como nos séculos XV e XVI na Itália e outros países e no século
te, movimento de automanifestação que ta do próprio ser! XIX na Alemanha. Esse ideal alimentou-se em duas fontes, a
o constitui como sua existência em ato (enérgeia). Compreende primeira e a mais abundante sendo a fonte grega, a segunda a
-se, pois, que o termo dessa automanifestação seja a efetivação d fonte romana. Ao nos referirmos, pois, ao ideal de realização
existência como auto-realização, vem a ser, como síntese entf humana na Antigúidade clássica, temos em vista o humanismo
estruturas e relações que tem lugar na ordem do operar proprid preco-romano !28, Talvez seja possível fazer convergir as linhas

164 165
desse ideal no conceito de areté de um lado, e no conceito di o homem clássico são postos em questão como aretai do indiví-
virtus de outro, diferentes no seu núcleo semântico e nos seu! duo plenamente realizado: o logos da ciência deve submeter-se à
matizes de significação, mas designando ambos uma espécie de pístis (fé), e a autárkeia ou auto-suficiência do Sábio é denuncia-
pólo de atração da energias de auto-realização do homem grego da como orgulho, sobrevindo em seu lugar a “justificação pela fé”
do homem romano. Areté exprime, entre os gregos, a excelência segundo Paulo e os frutos da vida segundo o Espírito'*. O ideal
e como o esplendor do ser chegado à sua plenitude: ela irradia dg cristão do “homem perfeito” (téleios anér) constitui-se, assim,
Kaloskagathós, do belo-e-bom. Da areté aristocrática e guerreira através do paradoxo de encontrar-se o homem, no cerne mais
que adorna o heroi '?, ela evolui para a areté do sábio, e estd íntimo ou no princípio ativo do seu dever-ser (na sua inteligência
prevalecerá como ideal de realização humana na idade clássica « e na sua liberdade), aberto ao acolhimento de um dom transcen-
na idade helenística !ºº, Uma trajetória análoga segue a virtus dente que deve operar nele a passagem à sua definitiva humani-
romana, também ela transposta para o plano de uma sabedoria dk dade':*, Tal o ideal da santidade cristã, que permanecerá como
caráter mais prático, sobretudo quando a influência do Estoicisma paradigma dominante do anelo para a perfeição na cultura oci-
prevalecer nos últimos tempos da Roma republicana e na Romã dental até os inícios dos tempos modernos, tendo continuado,
imperial. Em ambos os casos, o ideal de realização humana terá pelos menos até tempos recentes, como referência fundamental,
finalmente seu foco de irradiação no logos. Ser dotado de logo! cultural, psicológica e ética no desenho da idéia ocidental do
[lógon échon) tal a diferença específica do homem, e viver segun homem. É verdade que os tipos históricos de santidade variaram
do o logos será a medida da sua verdadeira humanidade. Por um desde o ideal do martírio e o do masoquismo primitivo até o ideal
momento, sobretudo na escola de Aristóteles, uma disputa de uma santidade no mundo, característico dos nossos dias!*.
estabeleceu em torno da primazia do logos teórico e do logo! Ora, em toda essa já longa trajetória histórica, o ideal da santida-
político. Mas foi a vida teorética que prevaleceu como ideal mai! de cristã é atravessado pela tensão entre o esforço humano e a
alto de humanidade entre os gregos. O ideal da vida política serd graça, o que torna a um tempo apaixonante e difícil o problema
herdado por Roma e assumirá as características próprias do gênio do humanismo cristão, tema que se impôs à reflexão cristã nos
romano, sob a égide da figura tutelar de M. T. Cícero. O declínil tempos modernos, quando o paradigma da santidade deixou de
do ideal clássico no fim da Antigúidade revela os seus limites| ser culturalmente dominante!%. Essa tensão se manifesta, de res-
a aporia que o trabalha internamente na dificuldade, talvez já to, em vários campos, sendo provavelmente a mais persistente e
pressentida por Sócrates, qual seja a de conciliar a objetividad a mais intensa tensão ou mesmo oposição que se estabeleceu no
do logos e a subjetividade da liberdade. Aporia que o Estoicisml seio do conceito clássico de vita activa, que passou a dividir-se
tenta superar com a idéia da liberdade do Sábio identificando-s entre a vida política a serviço da Cidade e a vida a serviço do
com a necessidade do logos universal. Mas as aspirações religia Evangelho ou da Igreja, que é a vita activa no sentido especifica-
sas que prevalecem na Antigúidade tardia acabam por revelar, mente cristão!?”.
insuficiência e a exaustão histórica do humanismo clássico, abrim c. O ideal da realização humana da Renascença ao século XX
do caminho para o ideal da santidade cristã.
- Ao estudarmos a concepção moderna do homem!** assinala-
b. O ideal da vida humana segundo o Cristianismo — O ideal mos a ruptura com o ideal cristão que marcou o chamado “hu-
cristão, herdeiro da tradição hebraica, nascido da tradição neú manismo” dos séculos XV-XVI e representou a primeira forma
testamentária e assimilando elementos de origem greco-roman daquele ideal de humanidade que iria prevalecer nos tempos
da Antiguidade tardia, formula-se inicialmente como um desafia modernos!*, Essa ruptura situa-se exatamente no terreno no qual
dor paradoxo em face do humanismo antigo. Com efeito, o sant o paradoxo da santidade cristã se manifesta na dialética do dado
cristão, que se apresenta como ideal de humanidade diante di e do dom. A recuperação da noção antiga de natureza, com a
herói e do sábio antigos !ê!, é pensado segundo os pressupostos d prerrogativa da sua autárkeia ou da sua auto-suficiência que lhe
uma nova antropologia !º2 na qual os predicados que distinguiall advém das suas origens aristotélicas e estóicas, inaugura um novo

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ideal de realização humana que persistirá e se fortalecerá atravé re, como uma aporia fundamental, a idéia de humanidade que
de todas as transformações culturais, sociais e políticas dos tem] guia a história moderna desde a Renascença é a dificuldade em
pos modernos, desde a Renascença até os nossos dias. Esse id tornar efetivamente universal essa idéia que, por princípio, se
mostra, por outro lado, uma característica que o iria distingull propõe a ser a norma de uma humanidade enfim plenamente
profundamente do ideal antigo. Nele, com efeito, a primazia | humana. É possível assinalar aqui uma analogia com o problema
definitivamente conferida à vida ativa sobre a vida contemplati da universalização da história como desígnio fundamental da ci-
va, à práxis sobre a theoría. A autárkeia do homem se manifesta vilização do Ocidente'2. O homo universalis preconizado pela
aqui na capacidade do seu operari voltado para a transformação Renascença! não logrou efetivar-se nos planos cultural e ético,
do seu mundo!“, e que encontrará sua transposição filosófica nd tendo sido reduzido apenas a objeto das ciências humanas e da
conceito moderno de subjetividade. O afirmar-se do ideal huma cultura de massa e sendo, como tal, apenas o avatar do homo
nista no próprio terreno ocupado durante séculos pelo ideal cris universalis cuja “morte” acabou sendo proclamada.
tão de santidade, modelado profundamente pela doutrina agosti
niana da graça, irá provocar reações extremas como a do Calvinis d. A fragmentação dos ideais de realização humana nos uni-
versos culturais do mundo contemporâneo — O mundo dos nos-
mo no século XVI e a do Jansenismo, este no interior da Igrejd
Católica, no século XVII. Mas o modelo humanista prosseguirá sos dias assiste a uma profunda reestruturação da composição
seu caminho, e hoje parece indiscutível que ele se impõe que até agora prevaleceu na sociedade, seja como “sociedade de
de
maneira aparentemente irreversível à própria sensibilidade e À ordens”, seja como “sociedade de classes”. Trata-se da emergên-
reflexão teológica cristãs que, nesse fim de milênio, parecem cia de uma nova formação do todo social, organizando-se como
consagrar o triunfo do pelagianismo, ressurgindo na idéia moder uma constelação de “universos culturais”!*, assinalados por ca-
na da autonomia e da criatividade do homem racterísticas próprias e cuja interação obedece justamente às exi-
e impondo-se nd universos
linguagem e na prática do cristianismo contemporâneo!!!. O cur gências dessas características. Sendo objetivamente
culturais”, regidos por leis próprias de constitu ição e evolução,
so histórico do paradigma moderno de auto-realização do homem]
percorre estágios distintos, em cada um dos quais prevalece uma eles exercem uma profunda influência na vida dos indivíduos, na
das facetas desse modelo. O ideal do honnête homme no século medida em que se fazem presentes no campo das opções subjeti-
XVI acentua o traço cartesiano do homem moderno: a confiança vas em torno das “formas de vida” ou dos ideais de realização
na razão metodicamente conduzida e a aceitação de uma regula: humana que se apresentam a cada um. Os “universos culturais!
ridade quase geométrica na organização da vida do indivíduo e da (como o da “profissão”, da “pesquisa científica”, da “produção”,
sociedade. O homem da ilustração é caracterizado pela convicção da “política” etc...) são dotados de uma racionalidade formal
de ter alcançado uma maturidade histórica que se traduz na rup) própria e regidos, igualmente, por uma racionalidade que pode-
mos denominar ideológica, enquanto nela se alinham as razões
tura com toda forma de tradição, e que assume formas extrem
nas audácias revolucionárias do fim do século. O ideal de huma
que legitimam socialmente o “universo cultural” e o mostram
como campo onde pode desenvolver-se uma forma de realização
nidade no século XIX reuniu seus traços na figura daquele qui “uni-
Ch. Morazé denominou “o burguês conquistador” e que protago
humana socialmente reconhecida. Participando de diversos
versos culturais”, o homem contemporâneo experimenta, de modo
nizou a definitiva expansão universal da civilização do Ocide
muitas vezes dramático, a fragmentação do seu ideal de auto-
te'2, Esse tipo, por sua vez, se diferencia em muitos estilos di
-realização entre objetivos de vida que, nas tarefas da existência,
vida na sociedade de classes que se forma ao longo do século XIX
disputam a primazia e solicitam a soma maior das suas energias.
e na primeira metade do século XX. E é essa refração social «
cultural do modelo humano formado ao longo dos primeiros sé A aporética história da categoria de realização desemboca,
culos da modernidade que está na origem desse fenômeno tãd assim, no campo temático traçado pela emergência do que foi
característico do nosso tempo, o da fragmentação sempre maio! denominado o “ser pluriversal” do homem no pensamento con-
do ideal de realização humana. A grande interrogação que percor temporâneo!. A dificuldade teórica da formulação de uma idéia
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do homo universalis na cultura contemporânea reflete a fragmen gride os limites da sua situação e da sua finitude, projetando
tação dos modelos de vida na pluralidade dos “universos cultu intencionalmente no horizonte ilimitado do ser sempre novos
rais”. Nesse contexto, é lícito perguntar se a categoria da realiza modelos ou tipos ideais do ser-homem. A aporética crítica da
ção humana encontra correspondência na complexa realidade da: categoria de realização define-se, assim, na oposição entre o perfil
situado e finito do modelo que se oferece como alvo ao movimen-
sociedades contemporâneas e no processo de contínua mudanca
to de auto-realização, e a natureza ideal do mesmo modelo, tra-
ao qual estão submetidas. Com efeito, o ideal que o indivíduo sé
cado no horizonte do ser donde recebe a normatividade com a
propõe realizar supõe a sua presença no seio de uma tradição ou
de um ethos nos quais os paradigmas da vida humana recebem d
qual se impõe ao indivíduo com a exigência do dever-ser. Sob
sanção do tempo e, portanto, sua legitimação histórica. Numda outro ângulo, essa oposição manifesta-se no fato de que, pensado
época que assiste à fragmentação e dissolução das tradições e ad a partir do ser que o homem é, e que se exprime nas categorias
predomínio de uma racionalidade que se julga capaz de operar q de estrutura e relação, o movimento da realização obedece ao
imperativo de um dever-ser que pretende suprassumir todo o
fusão das antigas tradições!” os modelos de “formas de vida” que
prevaleceram ao longo da tradição ocidental parecem perder qual: conteúdo ontológico daquelas categorias: o dever-ser do homem
ideal, mas pensado a partir do estar-no-mundo, ou seja, da sua
quer exemplaridade efetiva aos olhos do homem contemporânea
A categoria de realização humana, situação relativizada pelas coordenadas naturais, histórico-cultu-
como momento dialético da
constituição ontológica do homem, vê-se arrastada aqui à mais rais e existenciais que circunscrevem o lugar do seu ser-no-mun-
profunda das aporias que se manifestaram no seu seio, desde q) do. Assim, o movimento da realização é conduzido, de fato, por
kaloskagathós da tradição grega ao homem sem qualidades (R um modelo de homem desenhado sobre o fundo daquelas parti-
Musil) do nosso tempo. É verdade que uma saída dessa aporia cularidades naturais e históricas. A aporia forma-se aqui, portan-
parece delinear-se no horizonte da modernidade, mas cla assinas to, na oposição entre a normatividade ideal do modelo e a
laria o fim da concepção do humano recebida da tradição ociden faticidade contingente do indivíduo. A existência mostra-se, em
tal. Nela, a razão instrumental se substituiria à razão teleológica suma, desenrolando-se entre dois pólos ou duas manifestações da
como forma inteligível do modelo humano ideal. Esse teria então essência entre as quais ela não pode por definição — enquanto
alcançado o que poderíamos talvez denominar uma universalida- existência de um ser-em-situação — estabelecer uma correspon-
de aritmética, ou seja, resultante da igualdade numérica com que dência perfeita: a essência do ser que é (expressa nas categorias de
o modelo, matematicamente programado, se tornaria repetível estrutura e relação) e a essência do ser que deve-ser (expressa, por
em série. Porém, sobre esse mundo pós-humano (de ficção?) à hipótese, no modelo ideal) 18.
filosofia não teria mais nada a dizer, pois ela mesma teria, final: A aporética crítica da categoria de realização coloca-nos, as-
mente, desaparecido. sim, em face do drama existencial que só ao homem é dado viver:
2. Aporética crítica da categoria de realização — O terrena. a oposição entre a tendência constitutiva a ser-mais, apontando
sobre o qual se formula a aporética crítica em ordem à elaboração para um pólo ideal de realização no qual se atualizem todas as
da categoria é constituído, como sabemos, pela segiiência
virtualidades do seu poder-ser; e o peso das limitações existen-
dos ser.
problemas ou aporias que acompanham cada um dos estágios que ciais imobilizando o indivíduo na rotina de simplesmente
a reflexão filosófica percorreu ao voltar-se para os modelos de Aparentemente, a imensa maioria da humanidade permanece
realização humana predominantes em cada época. A própria plus resignada ao “hábito melancólico de ser”, nas palavras do conhe-
ralidade desses paradigmas mostra, de um lado, o enraizamento cido verso de Raul de Leoni. Mas, sem o aguilhão do ser-mais a
da imagem do homem ideal no solo histórico onde o home aventura humana não se teria lançado nos caminhos prodigiosos
concreto, como ser-em-situação, encontra seu mundo natural é da história. Somente um “fim da História” pensado como aboli-
constrói seu mundo cultural. De outro lado, ela é um indício do ção de qualquer pólo ideal de realização humana, substituído pela
excesso ontológico pelo qual, ser finito e situado, o homem trans-= uniformidade linear e pela igualdade aritmética do homem-mas-

170 171
sa, pode ser projetado como solução-limite da aporia do ser-mais expressão célebre !*!, manifesta-se formalmente na singularidade,
eliminada, nesse caso, pela utopia do ser-igual, o que significaria já assinalada nas categorias do espírito e da transcendência, que
a solução da dificuldade pela supressão dos seus termos. A pos a curva do discurso dialético apresenta ao alcançar o domínio
sibilidade de podermos pensar essa solução-limite aparece, de resto, daquelas categorias e que agora reaparece na categoria de realiza-
como prova e contrario da natureza metafísica (e que exprimimos ção. A singularidade consiste, aqui, na ruptura da univocidade do
dialeticamente com a categoria de realização) da tendência que discurso pela irrupção, no conteúdo da categoria, de uma realida-
impele o homem a ser-mais, e que só uma iniciativa do próprid de que só pode ser pensada analogicamente: a realidade do espí-
homem, pensável apenas como solução-limite, pode tentar redu rito, do termo ad quem da relação de transcendência e, agora, da
zir à fixidez animal de simplesmente ser!º. existência humana enquanto pensada como realização da essên-
cia, ou como síntese existencial entre estruturas e relações. Vi-
A partir dos termos assim delineados da aporética crítica mos, com efeito, ao expormos a pré-compreensão da categoria,
podemos tentar caracterizar os seus momentos cidético e tético,
que essa síntese se cumpre nas formas com que o sujeito torna
O eidos da realização humana é circunscrito exatamente pelo
efetivas suas relações com o mundo, a história e a transcendên-
espaço inteligível entre os dois pólos que designamos como d cia. Tais formas definem os domínios fundamentais da técnica
essência (a estrutura fundamental do homem — corpo, psiquismd (poíesis), da política e da existência histórica em geral (práxis), do
e espírito — e suas relações fundamentais — objetividade, saber e da crença (theoría) !2. Ora, se nos domínios da poíesis e
intersubjetividade e transcendência — ) e o modelo ideal, estu da práxis a lógica da realização opera com conceitos unívocos, ao
pretendendo ser a tradução da essência na ordem da existência, penetrar no terreno da theoría ela se vê atravessada pela oposição
mas encontrando-se, de fato, submetido às limitações que advêni entre o transcendental e o categorial, oposição que já se manifes-
ao homem como ser-em-situação e cuja existência transcorrt tara no domínio do espírito e da relação de transcendência 1%: aí,
necessariamente no tempo do mundo e da história. O momento com efeito, a auto-afirmação do Eu sou abre-se à infinitude inten-
tético procede, por sua vez, da amplitude intencional do Eu ou da cional do homem como ser-para-a-Verdade e ser-para-o-Bem, e
que P. Wust denomina a “determinabilidade universal da essêm lança-o na direção da infinitude real como ser-para-o-Absoluto. A
cia humana” 15º, lançando a auto-afirmação do sujeito em direção realização humana, portanto, só pode ser pensada em conceitos
ao horizonte infinito do ser. O momento tético exprime, pois, O analógicos na medida em que a perfeição (enérgeia) realizável
dinamismo original do Eu sou desdobrando-se nos caminhos da pelo homem enquanto ser espiritual e ser-para-a-transcendência
realização humana e operando incessantemente a passagem de mostra-se como o analogado inferior da perfeição infinita do
ser ao ser-mais. Absoluto, seja este considerado como o Absoluto formal da Ver-
A categoria de realização descobre, assim, a sua dialética dade e do Bem, atributos transcendentais do Ser, seja considerado
interna e que é, exatamente, a dialética da unificação da essêm como o Absoluto real ou o Existente subsistente (Ipsum Esse
cia, ou seja, do homem como expressividade, na ordem da exis subsistens). Assim se, ao realizar-se no horizonte da Natureza
tência ou do homem como expressão atual do seu próprio sei (tecnociência) e da História (política) o homem tem em si mesmo
Essa dialética articula-se, pois, como oposição entre a referênci; a medida da sua perfeição e a aplica à sucessão dos modelos ideais
mundana e histórica de todo modelo ideal de realização, e que 8 do homo technicus e do homo politicus, ao avançar em direção
traduz na sua limitação eidética, e o élan humano para o ser ao horizonte da Transcendência !* deve submeter-se a uma me-
-mais impelido, em virtude do princípio da ilimitação tética, em dida que é, exatamente, uma medida transcendente: essa a res-
direção ao absoluto do ser. Ao fazer avançar o discurso da Ant posta paradigmática de Platão a Protágoras que inaugura, no
pologia Filosófica, a categoria de realização mostra, portanto, ni Ocidente, o pensamento antropológico na sua intrínseca relação
seu teor dialético, o paradoxo da existência humana como passd com a Metafísica.
gem incessante do ser ao dever-ser e como submetida ao aguilhãi Desta sorte, a dialética que rege o discurso da Antropologia
permanente do ser-mais. Esse paradoxo, ao qual Pascal deu um Filosófica conhece, no domínio da categoria da realização huma-
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na uma inversão, análoga à que se manifestara nas categorias d
espírito e da relação de transcendência, no que diz respeito | NOTAS
aplicação dos princípios de limitação eidética e de ilimitaçãl
tética ao dinamismo do Eu sou. Os limites eidéticos da categoria
traçados segundo a finitude e a situação do sujeito, são transgrt
didos pela presença da racionalidade analógica que refere o col
teúdo do eidos da realização humana ao absoluto da Verdade, dk 1. Uma bibliografia geral sobre o tema da realização humana deve abranger
Bem e da Existência. Nessa referência, o vetor ontológico um amplo campo de referências bibliográficas, incluindo obras gerais sobre o
d problema do Humanismo, obras de Filosofia da Educação, Filosofia Política, Teo-
ilimitação tética que parte do sujeito na direção da infinitudé ria da Ação, além da bibliografia geral da Antropologia Filosófica (ver Antropolo-
intencional do ser-mais como horizonte do seu operar poiético| gia Filosófica I, pp. 18-19). Entre os textos clássicos, convém enumerar os frag-
prático, vê, no horizonte do operar teórico, invertida a sua dir mentos dos Sofistas gregos, Platão, República e Leis; Aristóteles, Etica a Eudemo,
Etica de Nicômano, Político; M. T. Cícero, De Officiis; Santo Agostinho, De
ção no sentido de que a ponta extrema do movimento da realiza Civitate Dei; Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae, la Ilae e Ila Ilae;
ção humana na ordem da theoría não procede da “posição” (thésil ijuanto aos textos mais importantes a esse respeito na filosofia moderna, ver
do Eu sou ou do seu dinamismo imanente, mas é posta pelo Antropologia Filosófica I, Ia. caps. 3 e 4.
Absoluto ao qual o sujeito constitutivamente se refere (relação de 2. Ver a definição aristotélica da unidade Met. X (iota), 1, 1052 b 15-16; Sto.
Tomás de Aquino, in Xm Met. lec. 1 (n. 1336). Para a história desse problema, L.
transcendência) naqueles que são os atos supremos do existil Elders, Die Metaphysik des Thomas von Aquin in historischer Perspektive, op.
próprio do homem ou da vida segundo o espírito: conhecer à cit, pp. 65-73.
Verdade, consentir ao Bem, reconhecer no Absoluto de existênci 3. Sem o Uno o múltiplo não é pensável; ver Plotino, Enéadas, V, 6, 3.
a fonte primeira da Verdade e do Bem. 4. A teologia cristã oferece-nos um arquétipo dessa comunicabilidade na
revelação do mistério trinitário, e na revelação do homem como imagem da Trin-
A categoria de realização, obedecendo ao princípio dade. Ver S. Tomás, Summa Theol, I p., q. 93 a. 5; a. 7. Sobre o axioma bonum
totalização, nos conduz assim ao limiar da síntese entre essência est diffusivum sui, ver M.J. Nicolas “Bonum est diffusivum sui”, Revue Thomiste
55 (1955): 363-376; ]. P. Jossua, “L'axiome bonum est diffusivum sui chez Saint
e existência, na qual o discurso pode afirmar a igualdade inteli [homas d'Aquin”, Revue des Se. Philos. et Théol. 40 (1966): 127-153. A origem
gível entre o sujeito (o Eu no movimento da sua automanifestaçã desse axioma deve ser buscada no Pseudo-Dionísio, De divinis nominibus, 4, 1;
e o ser (manifestado na ordem das categorias encadeadas pelg a fórmula Bonum est multiplicativum et diffusivum sui remonta ao Chanceler
Felipe, Summa de Bono, q. 1.
discurso). Essa igualdade inteligível será afirmada na categoria di 5. Ver a definição escolástica do ser uno: indivisum in se et divisum ab omni
pessoa. Ela restitui a primazia da inteligibilidade em-si do sujeito úlio; Summa Theol., la. q. 11l,a. 1.
(o sujeito afirmado como ser) que ao longo do discurso se desdo 6. Esse risco desenha-se particularmente na relação de intersubjetividade. Ver
brara como inteligibilidade para-nós. Tendo tornado possível q supra, sec. II, c. 2, nota 4.
constituição do discurso, a inteligibilidade em-si se mostra como 7. A corporalidade subjetiva (Leiblichkeit) integra assim na unidade do sujei-
to (ser-no-mundo) a corporalidade objetiva ou físico-biológica (Kórperlichkeit) que
seu verdadeiro princípio, sendo seu fim dialeticamente demons vircunscreve o estar-no-mundo do sujeito. Ver H.-E. Hengstenberg, Philosophische
trado. Desta sorte a categoria de pessoa leva a seu termo o dis Anthropologie, op. cit., pp. 277-279.
curso da Antropologia Filosófica, perfazendo-o como explicitação 8. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit., pp. 205-206.
da proposição com que C. Bruaire define o homem — un êtr 9. Identidade e diferença expressas no axioma Cognitum est in cognoscente
ad modum cognoscentis. Uma brilhante exposição dessa dialética encontra-se em
donné à luimême — 15, e com a qual demos início à parti Joseph Pieper, Die Wirklichkeit und das Gute, op. cit., pp. 25-35.
sistemática do nosso Curso 15, 10. A dialética do mesmo e do outro (tautón e héteron) é uma dialética
universal, como mostrou Platão no Sofista (Sof., 254 c-258 c); ver H. C. Lima Vaz,
“A dialética das Idéias no Sofista”, ap. Ontologia e História, op. cit., pp. 15-66.
Ela está sempre presente quando pensamos o ser na sua identidade e diferença ou .
» problema do uno e do múltiplo na sua máxima generalidade.
11. De acordo com o princípio vivere viventibus est esse. Ver Summa Theol.,
la. q. 18 a. 2 sed contra.
12. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 239-240.
13. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 224-225. 22. tó érgon tou anthrópou, Ét. Nic., 1, 6, 1097 b 24-25.
14. Ver Antr. Fil. 1, op. cit., pp. 196-197. Nessa perspectiva, “morte” nãl 23. Esse imperativo ético de unidade está na raiz do caráter dramaticamente
aqui apenas um fato biológico, mas o signo dessa presença do múltiplo como existencial de que se reveste em nós a experiência da divisão interior, da dispersão
-ser que acompanha como sombra o crescimento da vida humana na medida E do nosso ser ao ser arrastado pela dialética do “mau infinito” do desejo, e que
que, como a de todos os viventes, ela é marcada pelo começo, o crescimento, levou a tradição grega a colocar a “temperança” (sophrosyne, Platão, Rep., VI, 504
senescência e o fim: Ergo cum oriuntur et tendunt esse quo magis celeriter crescl a, ou a enkráteia da tradição socrática) entre as virtudes cardeais. É essa igual-
ut sint, eo magis festinant ut non sint. Sic est modus eorum (Santo Agosti mente a significação da prece posta nos lábios de Sócrates ao fim do Fedro (279
Confessiones, IV, 10; ed. Verheijen, Corpus Christianorum, series latina, XXVII | b-c) na qual pede aos deuses que as coisas exteriores sejam nele amigas das
48). Ver também as páginas profundas e eloguentes de M. Blondel, L'Action: € interiores. A transposição cristã clássica dessa experiência encontra-se na descri-
d'une critique de la vie et d'une science de la pratique, op. cit., pp. 383-384, ção célebre, por S. Paulo, da pugna do espírito e da carne (Rm 8,14-25]). Sob esse
15. Ver M. Blondel, L'Action (1893), op. cit., pp. 374-388; Id., L'Action (198. ponto de vista pode ser interpretada ainda a dialética pascaliana do divertissement
op. cit., pp. 340-349. (Pensées, ed. Lafuma, n. 132-139).
16. Coloca-se aqui, numa perspectiva dialética, a questão vivamente disc 24. Ver a obra de Peter Wust, Ungewissheit und Wagnis, Salzburg e Leipzig,
da na Idade Média sobre a identidade ou distinção entre a alma e suas potêncid A. Pustet, 1937; tr. fr. Incertitude et Risque, Neufchãtel, éd. de la Baconniêre,
que Santo Tomás magistralmente arbitrou (Summa Theol., I p., q. 77 a. 1 c). Sol 1957. Esse livro é, na verdade, o esboço genial de uma antropologia filosófico-
uma pretensa evolução do pensamento de Santo Tomás nessa questão, tese leval -teológica, cuja atualidade permanece intacta. O tema da unidade do homem e da
tada por E. H. Wéber, ver B. Bazán, “Le dialogue philosophique entre Sige sua realização fora já tratado por P. Wust em Die Dialektik des Geistes, op. cit.,
Brabant et Thomas d'Aquin: a propos d'un ouvrage récent de E. H. Wéber”, Re pp. 299-320.
Philosophique de Louvain, 72. (1974): 53-155. Evidentemente a unidade in a 25. A propósito, ver as reflexões profundas de R. Guardini no seu precioso
primo da estrutura se distingue da unidade in fieri que se realiza na sucessão di opúsculo Die Lebensalter, Wiúrzburg, Werkbundverlag, 1954 (tr. fr. Les Ages de la
atos que são síntese de estrutura e realização e desenham o itinerário da vil vie, Cerf, Paris, 1957).
vivida ou da unidade como unificação. 26. Ou seja, a relativa independência do Kórper face ao Leib. Coloca-se aqui
17. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 224 e nota 104. o problema da unidade do homem enquanto ele é considerado na sua essencial
18. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 225. Ver Tomás de Aquino: ach infirmitas orgânica, ou permanentemente ameaçado pela enfermidade corporal.
est compositi sicut et esse: existentis enim est agere, Summa Theol. Ip. ql Ver as interessantes reflexões de J. A. Mainetti, “De hominis infirmitate o la
a. 2 ad êm. antropologia prometeica”, ap. R. Sevilla (org.) La Evolución, el hombre y el hu-
mano, Tibingen, Instituto dl Colaboración Científica, 1986, pp. 221-227.
19. É em razão dessa dialética que podemos estabelecer uma correspondêndl
entre “complexidade” e “unificação” no processo de realização do homem, de| 27. Ver a bibliografia sobre o psiquismo em Antropologia Filosófica I, op. cit.,
sorte que é a complexidade estrutural e relacional que permite ao homem alca: p. 198.
a unidade mais profunda do seu ser. Encontramos aqui, no nível da dialética 28. A concepção do homem como expressividade,ou conforme a dialética da
sófica, a lei que Teilhard de Chardin formulou no nível da dialética fenomenoló passagem do dado à expressão ou da natureza à forma, segundo o esquema (N)
e que denominou de “lei de centrocomplexidade”: na evolução da vida a compl -> (S) -> (E) revela aqui seu caráter normativo, ou seja, a estrutura essencialmente
xidade ascendente do ser vivo vai de par com a sua centração — a sua unificag axiogenética desse movimento pelo qual o homem exprime seu ser, constituindo-
— mais profunda, num processo ascendente que atinge seu ápice no homem: -0 sob o imperativo da auto-realização e aí submetendo-se ao risco supremo de
20. Ver Met. IX (theta) c. 6. Note-se que aí Aristóteles esclarece que do Wf ser ou não-ser: não segundo a faticidade do seu ser-aí, mas segundo a dignidade
(enérgeia) não se dá uma definição propriamente dita pois se trata de noção. (axios) do seu ser-em-si ou da própria ipseidade.
solutamente simples, mas uma descrição que procede por indução e por analogi 29. Esse tema, desenvolvido em torno do homem ser-em-situação, foi abun-
As linhas finais desse capítulo não se encontram em alguns mms (linhas 18-83! dantemente tratado na literatura existencialista.
não foram traduzidas por G. de Moerbeke e, portanto, não foram comentada
30. Uma obra como a Histoire de la vie privée (dir. G. Huby e Ph. Ariés), 5
Santo Tomás. Mas sua autenticidade é comumente admitida e nelas se expõ vols., 1985ss. (tr. port. São Paulo, Companhia de Letras, 1989ss.), pode ser lida,
distinção importante entre ato transiente e ato imanente (o que tem seu fim entre outros, sob o ângulo da imensa variedade das “formas de vida” que formam
si mesmo; essa terminologia foi fixada na Idade Média), sendo desse tipo os o tecido humano da civilização ocidental, estudada ao longo de vinte séculos (do
pelos quais o homem realiza a sua unidade. Ver Santo Tomás, in IXm Met, | Império Romano aos nossos dias). Aí podemos acompanhar as inúmeras variações
V; Summa Theol., Ip. q. 4 a. 1 c; Summa c. Gentiles, II, c. 7. Uma discus dos estilos de vida, dentro dos três invariantes fundamentais do trabalho, da
aprofundada desse texto de Aristóteles sob os aspectos filológico e filosófico! cultura e da sociedade. Ver também a recente Histoire des Moeurs (dir. Jean
contra-se em R. Brague, Aristote et la question du monde, op. cit., pp. 454 Poirier), na Bibliothêque de la Pléiade, Paris, Gallimard, 2 vols. 1990-1991.
21. Ver Aristóteles, Ét. Nic. 1, 6, 1098 a 16: tó anthrópinon agathón psye | 31. Entre a certeza do Cogito cartesiano e a dissolução nas suas qualidades
enérgeia gígnetai kat'aretén, citado e comentado em Escritos de Filosofia II: É do moi pascaliano (Pensées, Lafuma, n. 688), a oscilação entre ser e não-ser marca
e Cultura, op. cit., p. 105. v ritmo do movimento da auto-realização do homem.

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32. Termo traduzido usualmente por “formação” ou “educação”, perdem significação específica na República (ver W. Jaeger, Paideia, op. cit., pp. 295-300;
porém, desta sorte, alguma coisa da natureza de um processo englobante e integ p. 417 nota 77) c foi estudado, do ponto de vista religioso, por A. D. Nock,
do crescimento orientado e ordenado da vida, expresso na etimologia de paid; Conversion: the old and the new in religion from Alexander the Great to Augustin
onde no centro da constelação semântica do termo está a criança — pais — pol nf Hippo, Oxford University Press, 1933. No que diz respeito à conversão cristã
diante dos dois referenciais que definem o espaço do seu tornar-se um homi ver G. Bardy, La conversion au Christianisme dans les premiers siecles, Paris,
pepaideuménos ou realizado pela paideia: o referencial paradigmático, ou seja Aubier, 1949; sobre a “conversão” filosófica, ver ibid., pp. 46-89. O tema da
idéia verdadeira do homem, e o referencial mimético, ou seja, a realização con “conversão” na tradição filosófica antiga e no Cristianismo foi retomado e
dessa idéia nas figuras tutelares da tradição (ver a referência ao phrónimos, pit aprofundado por P. Hadot, Exercices Spirituels et philosophie, Paris, Les Etudes
Péricles, em Aristóteles, Ét. Nic., VI, 5, 1140 b 8). Sobre esses dois referenciais dl Augustiniennes, 1987; ver sobretudo pp. 13-74.
paideia, ver W. Jaeger, Paideia, the Ideals of Greek Culture, op. cit. IL p. 26 43. Ver W. Jaeger, Paideia, the Ideals od Greek Culture, op. cit., IL, pp. 350-
33. Kaloskagathós, belo-e-bom, é, como se sabe, a designação do varão) fl 354.
mado por uma reta paideia. 44. Santo Agostinho, De Vera Religione, XXXIV (ed. Baur, Corpus
34, Sobre a significação do deúteros plous como roteiro da descobertadl Christianorum, series latina XXXII, p. 234).
continente metafísico ver G. Reale, Per una nuova interpretazione di Platone, 45. Paideia e cultura são aqui equivalentes, levando-se em conta a transpo-
ed. op. cit., pp. 147-236. Sobre o pensamento de Platão e Aristóteles o leito sição metafórica operada sobre o núcleo semântico dos dois termos: paideia, o
brasileiro poderá consultar agora a tradução do segundo volume da monument sentido do crescimento biológico da criança (pais) e cultura o sentido do amanho
obra de G. Reale, História da Filosofia antiga, Il, São Paulo, Loyola, 1994. e cultivo da terra (cultus agrorum!).
35. A propósito, ver H. I. Marrou, Histoire de 'Éducation dans Y'Antiquil
46. Ver, a respeito, W. Jaeger, Paideia, the Ideals of Greek Culture, op. cit.,
Paris, Seuil, 1948, pp. 102-136; W. Jaeger, Paideia, the Ideals of Greek culture, Of
cit., III, pp. 55-59. IL, pp. 190-197.
36. Sobre o sentido de philósophos na República ver Jaeger, Paideia, op. € 47. A significação educativa da alegoria da Caverna (apeíkason toiuto páthei
I, p. 267. Ver ainda Robert C. Cushman, Therapeia: Plato's conception of Ph tén emetéran physin paideías te péri kai apaideusías, Rep. VII, 514 a) foi finamente
losophy, Chapel Hill, University of Carolina Press, 1957, pp. 135-160; | analisada por W. Jaeger, Paideia, op. cit., II, pp. 291-293.
Couloubaritsis, “Le paradoxe du philosophe dans la République de Platon” ap 48. Ver, a propósito, Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit. cap. 3,
Revue de Métaphysique et Morale, 87 (1982): pp. 60-81, e H. C. Lima Vaz “Hj pp. 80-134.
losofia e Cultura na tradição ocidental”, Síntese 63 (1993): pp. 533-578.
49. Ver Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit., pp. 95-102; 125-127;
37. Com efeito, a correspondência entre as categorias de espírito e transcendên sobre a evolução do conceito de phrónesis ver Gauthier-Jolif, Commentaire, UIG2;
cia, sendo aquela a suprassunção do corpo próprio e do psiquismo, esta a suprassunçã! pp. 463-469; e a ampla discussão recente de R. Brague, Aristote et la question du
da objetividade e da intersubjetividade, mostra o pólo último da unificação de monde, op. cit., pp. 111-170.
homem na transcendência de um Absoluto ao qual o homem se submete comb
Absoluto verdadeiro ou que ele forja como um pseudo-absoluto de substituição, 50. Daqui procede a noção de “vida intelectual” no seu sentido mais amplo
que atravessa toda a tradição cultural do Ocidente até alcançar esse estatuto hoje
38. Sobre os discursos do gênero protrético em Platão ver A. J. Festugitre,
mundialmente reconhecido da organização da cultura superior no campo do
trois Protreptiques de Platon: Euthydême, Phédon, Epinomis, Paris, Vrin, 19
Sobre o gênero protrético em geral ver a introdução de E. des Places à sua edição ensinamento e da pesquisa e nas suas duas vertentes, a humanista e a técnico-
Protrético de Jâmblico: Jamblique, Protreptique, Paris, Belles Lettres, 1989, pp. 5-1) -científica. Sobre os problemas levantados por essa forma do operar do homem
como “ser teórico” ver Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit., pp. 181-
39. O termo bios, distinto de zoé e aiôn, passa a significar, a partir de Platãy 234; e Anexo V, pp. 274-279.
o ethos como “forma de vida” (trópos tou bíou). Ver W. Jaeger, Paideia, the Ideal
of Greek Culture, op. cit. IL, p. 349. E A. Grilli, 1] problema della vita contempla 51. Ver Gauthier-Jolif, L'Éthique à Nicomaque, Commentaire, op. cit., II, 2,
tiva nel mondo greco-romano, Milão, Fratelli Bocca, 1953, pp. 13-30. 456-463; Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit., pp. 97-98.
40. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 62-67. Sobre a nova antropol 592. Ver Escritos de Filosofia Il: Ética e Cultura, op. cit., pp. 95-96.
subjacente ao tipo ideal do santo cristão, ver as páginas sugestivas de P. Browil 53. Ver R. Brague, Aristote et la question du monde, op. cit., pp. 115-121.
Histoire de la vie privée 1, op. cit., pp. 243-257. Essas páginas podem ser ilustrada!
pelas passagens mais significativas do comentário de Santo Agostinho sobre o Ser 54. Lembremo-nos de que a phrónesis aristotélica é a sabedoria prática como
mão da Montanha (De sermone Domini in monte, ed. Mutzenbecher Corpul atividade cognoscitiva própria da práxis.
Christianorum, series latina, XXXV). Ver aí, p. 6, a descrição do homo pacificui 55. tó autou eidénai, Ét. Nic., VI, 8, 1141 b 33; ver R. Brague, Aristote et la
como exemplar da vita consummati sapientis. question du monde, op. cit., pp. 113-115.
41. Ver W. Jaeger, Early Christianity and Greek Paideia, The Belknap Press 56. prós tó eu zên olôs, Ét. Nic., VI, 5, 1140 a. 28; R. Brague, ibid., pp. 118-
Harvard University Press, Cambridge (Mass.), 1961; tr. it., Florença, La Nuova 120.
Italia, 1966.
57. perí tá autou agathá kai symphéronta, Ét. Nic., VI, 5, 1140 a 26-27.
42. Uma comparação entre os dois ideais de humanidade é proposta por À
J. Festugitre, La Sainteté, Paris, PUF, 1942. O tema da “conversão” recebe uma 58. metá lógou éxis praktiké, Ét. Nic., VI, 4, 1140 a 4.

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59. Segundo R. Brague, Aristote et la question du monde op. cit., pp. 120 75. Ver Platão, Político, 258 c-e; e a referência a esse texto em Escritos de
121, existe um implícito não-pensado na sistematização aristotélica da phrónesii Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit., pp. 97-98.
que é a reciprocidade da minha presença ao mundo e da presença do mundo
76. É discutida a questão da inclusão da arte como virtude intelectual na
mim, mundo aqui abrangendo as coisas e os outros. As sutis análises de R
Brague, de inspiração heideggeriana, proporcionam uma leitura extremamenté enumeração de Aristóteles. Ver A. R. Gauthier, em Gauthier-Jolif, Commentaire,
sugestiva dos textos de Aristóteles e uma visão renovada da sua antropologia. op. cit. II, 2, pp. 450-452; 456-463, que nega ser a arte, segundo Aristóteles, uma
Permanece, no entanto, o fato, talvez não devidamente ressaltado pelo A., de qui virtude intelectual. Como quer que seja, a arte (téchne) é, sem dúvida, o hábito
é no espaço conceptual aberto pela primazia platônica da theoría que a doutrind da atividade fabricadora que é uma atividade racional (metá lógou, Ét. Nic. VI, 4,
aristotélica dos bíoi pode desdobrar-se em toda a sua complexidade. 1140 a 4-5).
60. érgon tou anthrópou, Ét. Nic., 1, 6, 1097 b 24-25. A discussão de Aristó 77. Sobre o problema das três vidas ver A. J. Festugitre, “Les trois vies”, ap.
teles ocupa os c. c. 5 e 6 desse primeiro livro da Ética de Nicômaco. Gauthier Études de Philosophie grecque, Paris, Vrin, 1971, pp. 117-156; e o comentário de
-Jolif (Commentaire, II, 1, p. 54) lembra que Aristóteles se inspira aqui diretamen K. V. Fritz, Grundprobleme der Geschichte der antiken Wissenschaft, Berlim, W.
te em Platão (Rep. I, 352 d-353 e). de Gruyter, 1971, pp. 525-529.
61. Ver Ét. Nic., I, 1097 b 34-1098 a 2; ver já Aristóteles, Protrético B 78. Platão, Rep. IX, 580 d-583 e; Filebo, 59 e-67 a; essa tradição é reconstituída
(reconstituição de I. Diiring, em Aristotele, tr. it., p. 467; ver nota 80 infra). por A. J. Festugiêre, “Les trois vies”, art. cit., (aqui pp. 112-126]).
62. kat'enérgeian, Ét. Nic., I, 6, 1098 a 6. 79. Aristóteles, Ética a Eudemo, I, 4, 1215 a 26-b 5; Ét. Nic., I, 3, 1095 b-1096
63. kat'aretén, Ét. Nic. 1, 6, 1098 a 17 (ou segundo a “virtude”, conforme d a 10; Político, VII, 1-3, 1323 a 14-1325 b 33; e já no Protrético.
tradução usual). 80. É esse o motivo fundamental que, a partir de Platão, inspira os discursos
64. katá tén arísten kai teleiotáten, Ét. Nic., 1, 6, 1098 a 17-18. protréticos. Eleé exposto com persuasiva eloguência no Protrético de Aristóteles
[ver a reconstituição conjetural de I. Diúring, Aristotele (tr. it. de A. Donini),
65. Ver Escritos de Filosofia Il: Ética e Cultura, op. cit., p. 94, nota 58.
Milão, Mursia, 1986, pp. 461-482, do qual os principais fragmentos estão no
66. en biô teleiô, Ét. Nic., I, 6, 1098 a 18. Sobre a significação dessa expressã: Protrético de Jâmblico, c. 5-12 (éd. E. des Places, op. cit., pp. 55-90)).
nessa passagem de Aristóteles ver Gauthier-Jolif, Commentaire, op. cit., II, 1, pp
59-60. 81. No sentido literal de “conduzir”: ágein ou ducere.
67. Com efeito, uma concepção puramente empirista do pensamento ético 82. Convém lembrar aqui que se trata de uma distinção de razão que leva em
Aristóteles, abrangendo a Ética a Eudemo e a Ética de Nicômaco é insustentável conta as características formais de cada uma dessas formas do operar humano. Na
Como já advertimos, é no espaço teórico aberto pelo platonismo que se inscreyi vida real dos indivíduos, esses caminhos estão permanentemente entrecruzados,
a ética de Aristóteles. Ver Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit. pp. o, pois ninguém vive sem, de alguma maneira, fazer, agir ou simplesmente conhe-
102. cer. Trata-se, na divisão aristotélica, de um procedimento axiológico tanto quanto
metodológico: qual o tipo de atividade que imprime mais profundamente a sua
68. No sentido de bíos ou vida do homem enquanto especificada pe
intencionalidade humana das suas operações.
forma na vida de cada um e lhe dá sentido?
69. paradeígmata, Platão, Rep.,X, 618 a. O mito de Er é a representação 83. prós én legómenon: ver Met., IV (gamma]) 2, 1003 a 33.
simbólica dessa situação humana fundamental. Ver Escritos de Filosofia II: Éti 84. Ver Escritos de Filosofia, II: Ética e Cultura, op. cit., p. 96; pp. 127-131.
e Cultura, op. cit. p. 93. 85. Trata-se da discutida questão das relações entre a Primeira Academia e
70. Ét. Nic., VI, 8, 1142 a 10. o Liceu. Ver H.-]. Krâmer, “Die Altere Akademie”, ap. F. Úberweg, Grundriss der
71. A incidência do niilismo ético contemporâneo sobre o problema Geschichte der Philosophie, Die Philosophie der Antike, 3, (ed. H. Flashar, Basi-
do
paradigmas de vida eticamente aceitáveis é visível na anomia reinante na esfera léia, Stuttgart, Schwabe, 1983) pp. 1-174; F. Wehrli, “Der Peripatos bis zum Beginn
da educação e no florescimento de toda sorte de contraculturas oferecidas der rômischen Kaiserzeit”, ibid. pp. 461-599.
imenso mercado de valores que se apresenta hoje como o ersatz da antiga tradição 86. No âmbito do discurso filosófico que aqui desenvolvemosé à tradição
ética. filosófica que vamos pedir os traços da figura do ideal humano de Mota
72. Ver nota 66 supra. “Vida perfeita” que se cumpre na fruição da eudaimonta, que, através de várias vicissitudes (ver infra, aporética histórica) vem acompa-
Qualquer que seja a concepção que se adote da eudaimonta ou do “viver feli nhando a tradição cultural do Ocidente, na qual nos situamos. Levar em conta,
ninguém há que recuse o apelo a “melhorar de vida”, seja no sentido materi ) à luz da reflexão filosófica, a imensa variedade das imagens do homem em outras
seja no sentido cultural ou espiritual, culturas, que à história da Cultura e à Antropologia Cultural pertence descrever,
73. A propósito ver Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit. pp. 108 permanece fora do nosso propósito e do alcance da nossa competência.
118. 87. Essa três partes ou princípios são o “racional” (logismós),o “irascível”
74. Ver a minuciosa investigação sobre o significado de autós (moi-même), da (thymós) e o “concupiscível” (epithymía] (Rep., IV, 439 a-e).
tratado aristotélico sobre a phrónesis (Ét. Nic. VI) de R. Brague, Aristote et Jd 88. Trata-se, como é sabido, das quatro virtudes que a tradição denominou
question du monde, op. cit. ch. II, pp. 111- 170. “cardeais” (Rep., IV, 428 a-433 c; Leis, XII, 964 b-965 d; Fed, 69 ne, ete.) “aa

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bedoria” (phrónesis), “coragem” (andreia), “temperança” (sophrosyne) e “justig 102. Ver Met. IX (theta) 6, 1048 b 18-35. Sobre esse texto ver nota 20 supra;
(dikaiosynel), as três primeiras regendo as três partes da alma, a justiça o to do ver ainda ibid., 8, 1050 a 30-b 2, e o comentário de Santo Tomás, in XII Lib. Met.,
89. Ver Rep., liv. I-VII. lib. IX, lec. 8 (n. 1864-1865).
90. Um dos sinais mais inequívocos da crise de civilização que vivemos, | 103. Ver Ét. Nic., VI, cc. 4-7.
pelo menos dois séculos, pode ser visto na persistente tarefa de “desconstra 104. Segundo a expressão de H. Flashar (op. cit., p. 342) trata-se de uma
da idéia do homem que preside à paideia platônica e que inspirou por século; “forma de vida político-prática” (politisch-praktische Lebensform).
tradição ocidental. O obreiro provavelmente mais genial dessa “desconstrução!
105. Ét. Nic., HI, 5, 1112 a 30-b 10. Ver Aldo Magris, L'ídea di destino nel
J.J. Rousseau, cuja obra pode ser considerada a fonte principal das pode pensiero antico, Udine, Lo Bianco, 1985, II, pp. 373-478. Esse capítulo é uma
correntes antiplatônicas (genericamente designadas como antiintelectualistas) qu ampla exposição e uma crítica penetrante, de inspiração nietzschiana, da ética
percorrem a antropologia filosófica nos séculos XIX e XX.
platônico-aristotélica, coroa do que o A. denomina o “iluminismo” grego. Sobre
91. Alétheia (verdade) e agathón (bem) formam o núcleo conceptual do au Aristóteles, ver pp. 407-452. Sem discutir aqui os argumentos de Magris, sua
procede a dialética da República segundo a homologia fundamental que se exposição mostra bem o núcleo essencial da ética aristotélica na doutrina da
belece entre Ser = Verdade = Bem. Ver supra, II, c. 3, nota 40. práxis, e sua presença determinante na história espiritual do Ocidente.
92. O apelo para essa migração é poderosamente e quase imperativament 106. Ver Gauthier-Jolif, Commentaire, op. cit., Il, 1, pp. 209-212.
lançado por uma corrente de pensamento que vai de Rousseau a Nietzsche e qui
107. Na produção ou no operar poiético, a ação termina no objeto e se sub-
se espraia por quase todos os campos da cultura contemporânca. j mete à sua natureza, às suas leis e às suas regras de fabricação. Há uma distinção
93. Sobre esses aspectos do espírito como logos, nous e pneuma ver Antrl real entre o princípio (arqué) do movimento de fabricação, que permanece todo no
pologia Filosófica 1, op. cit., p. 211. sujeito, e o objeto fabricado, que passa a subsistir independentemente daquele
94. Sobre a relação entre o filósofo e a cidade segundo Aristóteles, ver ( princípio. Ver Aristóteles, Ét. Nic., VI, 4, 1140 a 13-14.
Bien, Die Grundlegung der praktischen Philosophie bei Aristoteles, Friburgo j 108. Essa a razão profunda da discutida primazia final da theoria na constru-
Munique, Alber, 1973, e R. Bodeiis, Le Philosophe et la Cité: recherches surÀ ção da ética aristotélica. Ver Escritos de Filosofia I: Ética e Cultura, op. cit., pp.
rapport entre Morale et Politique dans la philosophie d'Aristote, Paris, Belle 118-131.
Lettres, 1982; ver Escritos de Filosofia: Ética e Cultura, op. cit., p. 64 notá 119
109. Essa matriz pode ser, portanto, assim esquematizada: poíesis <- práxis
e as observações de H. Flashar, “Aristoteles”, em Úberwegs Grundriss d
-> theoría. R. Brague, no seu livro Aristote et la question du monde, op. cit., pp.
Philosophie: Philosophie der Antike 3, op. cit., pp. 341-343.
126-127, argumenta que o projeto de uma ética e a consegiiente concepção do
; 95. Mais exatamente, segundo a terminologia de Aristóteles, sob a égide d homem como dotado de um “fazer”, de um “agir” e de um “contemplar” não se
Política (Et. Nic., 1, 2, 1094 a 26-28; b 7-10) abrangendo esta a consideração di impõem imediatamente, pois não tematizam algo mais primitivo e originário, que
bem do indivíduo e da comunidade. é a presença do homem ao mundo (o in-der-Welt-sein). Não pretendemos discutir
96. tá autou ; ver nota 55 supra. aqui essa categoria da ontologia fundamental de Heidegger (ver supra, III sec., c.
97. Sobre o kairós aristotélico, ver R. Brague, Aristote et la question dk 1), mas é incontestável o fato de que historicamente o homem se experimenta
monde, op. cit., pp. 129-131. como princípio de um operar sobre o mundo e é a partir dessa experiência que se
98. Sobre essa posição do homem, ver R. Brague, op. cit. pp. 205-212. pode pensar uma ética como a de Aristóteles. Ela se tornou determinante na nossa
história espiritual e não se mostrou até hoje, nem por parte de Heidegger nem de
99. A ética de Platão deverá ser dita uma ética teológica, na medida em q
seus discípulos, o que a ontologia fundamental teria a propor em seu lugar.
a Idéia do Bem é o deus ou o divino por excelência (Rep., VII, 517 b). Assim
Padres da Igreja invocaram, acima de todos, o testemunho de Platão para o cont C 110. Ver Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit., pp. 110-118.
cimento do verdadeiro Deus (Ver Clemente de Alexandria, Protreptikós, VI, 111. Ver “Handlungstheorie”, Neue Hefte fir Philosophie, 9 (Góttingen,
70; éd. Mondésert, Sources Chrétiennes, 2, pp. 133-135). A transposição teológ Vandehôck und Ruprecht, 1975). A vasta obra de J. Habermas, cuja influência no
da ética de Aristóteles será obra de Tomás de Aquino no séc. XII. pensamento contemporâneo é notória, deve ser analisada e interpretada desde este
100. Para R. Brague, Aristote et la question du monde, op. cit., pp. 183-19) ponto de vista. Ver sobretudo a obra Theorie des kommunikativen Handelns, 2.
a ética “antropológica” de Aristóteles, tendo como fundamento a questão da vols., Frankfurt M., Subrkamp, 1981: tr. fr. Théorie de Vagir communicationel, tr.
homem como ser entre os seres, sugere mas não tematiza o problema do homen J. L. Ferry, Paris, Fayard, 2 vols., 1987. Ver ainda os estudos reunidos por A.
como ser-no-mundo. Essa perspectiva de leitura, inspirada em Heidegger, tem Honneth e H. Joas, Kommunikatives Handeln, Frankfurt M., Subrkamp, 1986;
indiscutível interesse heurístico, como o comprova a brilhante tese de R. Bragil uma das mais importantes contribuições para a discussão desse tema é a de R.
mas não interfere no fato de que foi a ética “antropológica” de Aristóteles, al Bubner, Handlung, Sprache, Vernunft: Grundbegriffe praktischer Philosophie,
como a interpretou a tradição, que agiu poderosamente na formação da idéia Frankfurt M., Suhrkamp, 1976; Geschichtsprozesse und Handlungsnormen:
ocidental do homem. Untersuchungen zur praktischen Philosophie, Frankfurt M., Suhrkamp, 1984,
101. Ética de Nicômaco, X, c.c. 6-9. 112. No sentido etimológico de princípio ativo de edificação.

182, 183
113. Um exemplo clássico e ilustrativo desse procedimento é oferecido pela 124. mégistha tôn genôn, Sof., 254 a.
projeto político-pedagógico de J.-J. Rousseau, assim como mostrou V. Goldschmidt 125. symploké, Sof., 259 e.
Anthropologie et Politique: les principes du systême de Rousseau, Paris, Vin, 126. Ver Sof. 254 b-256 e, e H. C. Lima Vaz, “A dialética das Idéias no
1974. Nos nossos dias os dois exemplos mais notáveis são o projeto pedagógici Sofista”, cit. na nota 10 supra, pp. 43-45.
do psicólogo B. F. Skinner, e a literatura pedagógica soviética que floresceu sobre: 127. A obra já citada Histoire de la vie privée (v. nota 30 supra) oferece uma
tudo nos anos 30. ilustração rica e sugestiva dos ideais de realização humana que floresceram no curso
vá 114. Sobre esses reducionismos da nossa história nos dois últimos milênios. Já a grande obra de E. Przywara, Humanitas:
ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 12
der Mensch gestern und morgen, Númberg, Glock und Lutz, 1952, desenha, nas suas
quatro partes: “Entre os abismos”, “No símbolo”, “Ruptura”, “O Homem”, um imenso
115. A doutrina clássica aristotélico-escolástica opera aqui com o esquema painel representando a “gigantomaquia” do homem em torno do seu próprio enigma
essência -> potências -> operações, correspondendo aos níveis do ser-em-ato do: ao longo da história do Ocidente, de Platão ao pensamento contemporâneo.
sujeito, como “forma substancial” (morphé ou eidos), como “potência ativa” 128. Além das obras clássicas, já frequentemente citadas, como a Paideia de
(dynamis) e como “atividade” (enérgeia). Entre a ousía determinada pelo eidos, W. Jaeger ou L"Uomo greco de M. Pohlenz, convém lembrar aqui outras obras de
a dynamis-enérgeia incide, segundo a lógica aristotélica, a distinção entre a caté referência quase obrigatória: R. W. Livingstone [ed.) The Legacy of Greece, Oxford
goria do ser-em-si (substância, subjectum inhaesionis, ens simpliciter) e a catego: University Press, ed. 1951; E. Hamilton, The Greek Way, Nova Iorque, Norton,
ria do ser-em-outro (propriedade, ens entis, ens secundum quid). Ver nota 16 1964; M. C. Bowra, L'expérience grecque (tr. fr.), Paris, Fayard, 1969; Maria He-
supra. lena Rocha Pereira, Estudos de História da Cultura Clássica 1, A Cultura Grega;
IH A Cultura Romana, Lisboa, Fundação Gulbenkian, 1971-1984; H. Oppermann
116. Essa diferenciação pode ser entendida como uma transposição, em pets
(ed.), Rômische Wertbegriffe (Wege der Forschung XXXIV), Darmstadt,
pestta dialética, do princípio: Potentiae specificantur per actus, actus vero per
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1967.
objecta.
129. Ver A. ]. Festugitre, “Le héros grec”, ap. La Sainteté, op. cit., pp. 26-67;
117. Segundo o princípio já várias vezes citado: non intellectus intelligit sed. sobre virtus na concepção romana ver Maria Helena Rocha Pereira, Estudos de
homo per intellectum. História da Cultura Clássica H: A Cultura Romana, op. cit., pp. 397-407. E ainda
118. Indivisum in se et divisum ab omni alio. Ver notas 2 e 5 supra. J. Pepin, “La notion d'idéal moral: heroisme grec et sainteté chrétienne”, ap. Les
deux approches du Christianisme, Paris, Minuit, 1961, pp. 102-115.
119. Ver, por exemplo, a sugestiva exposição de E. Mounier, Introduction 130. Ver Escritos de Filosofia: Ética e Cultura, op. cit., p. 107, nota 117. Uma
aux existentialismes, Paris, Denoel, 1947, pp. 30-64 (Oeuvres Complêtes HI, Paris) descrição magistral das “figuras da razão” que traçam o perfil mais marcante do
Seuil, 1962, pp. 87-120). E ainda, H. C. Lima Vaz, “O Existencialismo”, Verbum. homem típico da cultura ocidental é proposta por J. Ladriêre, “Figures de la
(RJ) 5 (1948): 45-65. raison”, ap. Figures de la rationalité (Études d'Anthropologie philosophique, IV),
120. Nesse “essencialismo” se inclui, segundo a interpretação existencialista, Paris-Louvain-la-Neuve, Vrin/Peteers, 1991, pp. 105-128.
tanto a “natureza” da tradição clássica como o “sujeito” da tradição cartesianos 131. Ver A. J. Festugiêre, La Sainteté, op. cit., pp. 69-110.
-kantiana. . 132. Ver a citação de P. Brown, supra, nota 40.
133. Ver sobretudo Rm 5,1-5; 8,5-11; 12,1-14, 12; Gl 5,22-25; comparar a
| 121. Conseqiência dessa visão existencialista do homem é a concepção da
exposição das virtudes éticas e dianoéticas por Aristóteles Etica Nic., liv. II-VI, e
vida humana como narratividade, ou seja, da vida que só adquire sentido no
o Sermão da Montanha, Mt 5-7, Um confronto significativo entre o ideal clássico
enredo de uma história na qual é narrada a existência do indivíduo e da comu:
e o ideal cristão de humanidade estabelece-se em torno da figura do “magnânimo”
nidade. A discussão dessa concepção, hoje largamente difundida, sobretudo entre
as filosofias de inspiração hermenêutica, não caberia nestas páginas. Sobre ela q (megalópsychos) descrita por Aristóteles, Ét. Nic., IV, c. 5; ver R. A. Gauthier,
teólogo John Milbank fundamentou seu brilhante ensaio Theology and social Magnanimité: Vidéal de la grandeur dans la philosophie paienne et la théologie
chrétienne, Paris, Vrin, 1951.
theory, Oxford, Blackwell, 1990 [ver H.C. Lima Vaz, “Nota bibliográfica” em
Síntese, 53 (1991): 241-254]. Eis como ele a descreve de maneira sucinta: “IH 134. Essa dialética do dom e do dado é exposta por L. Pareyson, Esistenza e
postmodernity there are infinitely many possible versions of truth inseparable Persona, op. cit., pp. 237-239, que evoca São Bernardo: “Quid retribuam Domino
from particular narrative. Objects and subjects are, as they are narrated in q pro omnibus quae retribuit mihit In primo opere me mihi dedit, in secundo se.
story. Outside a plot, which has its own, unique, unfounded reasons, one cannot Et ubi se dedit me mihi reddidit. Datus ergo et redditus me pro me debeo et bis
conceive how objects and subjects would be, nor even that they would be al debeo” (De diligendo Deo, V, 15; Opera, ed. Leclercg-Rochais, II, p. 132).
all”, ap. J. Milbank, “Postmodem critical Augustinianism: a short Summa il 135. Sobre essas origens ver P. Brown, Le culte des Saints: son essor et sa
forty-two responses to unmarked questions”, Modern Theology, 7: 3 (April 1991); fonction dans la chrétienté latine (tr. fr.), Paris, Cerf, 1984. Sobre a santidade no
Pp. 225-237 (aqui p. 225). q mundo contemporâneo, consultar De Fiores/Goffi (orgs.), Dicionário de Espiritua-
lidade, São Paulo-Lisboa, Paulinas, 1989.
122. A “existência” não é entendida aqui como o esse, ato da essentia nd
136. Umá síntese que ficou clássica é a de Jean Mouroux, Sens chrétien de "homme,
conceptualização escolástica, mas como o operar que flui do esse enquanto ato da
Paris, Aubier, 1946; ver também P. Toinet, L'Homme en sa vérité, op. cit., pp. 441-519.
essentia e no qual o ser existente se manifesta — existentis enim est agere. 137. Sobre esse problema ver H. C. Lima Vaz, “Mística e Política”, Síntese
123. Paradigma dessa dialética é o processo do conhecimento definido como: 42 (1988), pp. 5-12, e, mais amplamente, em “Mística e política: a experiência
fieri aliud inguantum aliud quin desinat esse seipsum. mística na tradição ocidental”, em Síntese, 59 (1992): 493-541.

184 185
138. Ver Antropologia Filosófica |, op. cit., pp. 77-110. do espírito enquanto ele é vida, inteligência, razão e consciência-de-si (ver Antro-
139. Convém observar, entretanto, que uma tentativa de conciliação entreÉ pologia Filosófica I, op. cit., pp. 209-212), e que permitiu delinear a aporética
ideal cristão de santidade e o ideal humanista teve lugar por parte de vários do crítica daquela categoria (ibid. pp. 217-218). A dialética do categorial e do
grandes humanistas da Renascença como Pico della Mirandola e no chamadk transcendental, traduzindo-se na dualidade estrutural do espírito na sua vertente
“humanismo devoto” no início do século XVII na França: ver Antropologia File noética como dualidade entre Inteligência e Entendimento [intellectus e ratio) e,
sófica I, op. cit. p. 103, nota 46. na sua vertente pneumática, na dualidade entre Liberdade e livre-arbítrio (libertas
140. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 80. Essa característica constitul e liberum arbitrium), reaparece no operar do homem como ser espiritual, seja
ao mesmo tempo o cerne a a aporia mais profunda da ética hegeliana; ver H. ( como dualidade entre Ciência e Sabedoria de um lado, seja como dualidade entre
Lima Vaz, Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit., pp. 115-116 e a citaç Fruição e Uso de outro. Sobre essa última dualidade ver Escritos de Filosofia II:
de M. Riedel, ibid., p. 115, nota 153. Ver igualmente H. Arendt, La Condition d Ética e Cultura, op. cit, p. 179, nota 141; ver P. Wust, Incertitude et Risque, op.
TYhomme moderne (Human Condition), tr. fr., Paris, Calmann-Lévy, 1961, pp cit., pp. 39-53.
197-366. l 154. Concretamente, ao colocar em termos absolutos os problemas da Uni-
141. Trata-se, no caso, de uma evidência que não precisa ser documentada dade do real, da Verdade e do Bem, e o problema da sua busca de Deus.
142. Ver Ch. Morazé, Les bourgeois conquérants (col. Destins du Monde) 155. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 167.
Paris, A. Colin, 1957, pp. 83-201.
156. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit., p. 168. Nessa altura do nosso
143. Ver H. C. Lima Vaz, “Ética e Civilização” , Síntese 49 (1990): 5-14, texto, uma objeção, nascida do espírito do tempo, é previsível, e é a de que, tendo
144. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 80. deixado na sombra a divisão dos sexos e a marca profunda que ela imprime nos
145. Sobre a noção de “universo cultural” ver H. C. Lima Vaz, “A Univer indivíduos, nosso discurso parece ter por objeto um ser assexuado — seja no
sidade na cultura contemporânea”, Síntese, 4 (1975): 3-11. Aí (p. 7-8) encontra-s entrecimento das relações intersubjetivas, seja no élan para a transcendência ou
uma enumeração dos principais “universos culturais” e dos tipos de interação: nos caminhos da auto-realização. Na verdade, a divisão dos sexos, que desempe-
entre eles. nha um papel fundamental na expressão do Eu através do corpo próprio e do
psiquismo (ver Antropologia Filosófica 1, op. cit. pp. 177-178) e imprime uma
146. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit. pp. 140-142. marca profunda nas relações intersubjetivas, se a considerarmos a partir do ponto
147. A respeito, ver os capítulos finais de A. Macintyre, Justiça de quem de vista fenomenológico, psicológico ou sociocultural, não parece dever ser inte-
qual racionalidade: (tr. port.), coleção Filosofia 17, São Paulo, Loyola, 1991, p grada como momento ontologicamente determinante na dialética da expressivida-
352-431. de do ser humano desde quando essa penetra no terreno do espírito e se eleva à
148. A aporia da realização humana como tensão entre a essência e a exis relação de transcendência ou à realização no nível da teoria. Não há, em termos
tência pode ser transposta na dialética da insecuritas humana, descrita magistra | absolutos, uma Verdade ou um Bem para o homem e uma Verdade ou um Bem
mente por P. Wust, Ungewissheit und Wagnis, op. cit., c. 2 (tr. fr. Incertitude et para a mulher, como não há um Absoluto — um Deus — para o homem e outro
Risque, op. cit. pp. 23-53). Todo esse livro notável pode ser lido desde esse ponto! para a mulher. Importante e mesmo fundamental nas camadas profundas do homem
de vista. Wust já nos colocara na trilha deste problema ao tratar da questão da como ser-em-situação, a divisão dos sexos atenua-se progressivamente e desapa-
“formas de vida” e das formas objetivas da vocação profissional em Die Dialektik rece no vértice da ontologia do ser humano, Ver Santo Agostinho: Hic factus est
des Geistes, op. cit., pp. 535-577. homo ad imaginem Dei, ubi sexus nullus est, hoc est, in spiritu mentis suae (De
Trinitate, XII, c. 7 n. 12).
149. Ver P. Wust, Die Dialektik des Geistes, op. cit., pp. 536-538.
150. Ver Die Dialektik des Geistes, op. cit., pp. 538-539; essas páginas 8
uma ilustração eloquente da oposição entre o momento eidético e o momento
tético, ou entre a “determinabilidade” (thésis) e as “limitações” (eidê) na auto
-realização do homem.
151. Dialética da grandeza e da miséria do homem [Pensées, éd. Lafuma, n
n. 105-131: concevons donc que "homme passe infiniment "'homme (n. 131)],
152. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 202; 208-209. Para a ontol
desses três patamares do operar humano e sobre a necessidade da postulação
um Agir puro e a consequente necessidade de se pensar o operar humano segundo
uma racionalidade analógica, ver as páginas luminosas de M. Blondel, L'Actioll
(1937), op. cit., 1, pp. 77-117.
153. Verificamos aqui na ordem da existência, que é a ordem da realização
humana — existentis enim est agere — a dialética entre o categorial € o
transcendental que foi descrita, na ordem da essência, como dialética constituti Vi

186
H
CATEGORIA DA PESSOA

1. Introdução

Entre todas as noções que vieram a constituir o repertório


conceptual básico da Antropologia Filosófica, a noção de pessoa !
é, provavelmente, aquela que apresenta antecedentes históricos
mais complexos. Com efeito, antes de tornar-se um dos termos-
-chave do vocabulário filosófico, o termo pessoa (prósopon, per-
sona) percorreu diversos territórios semânticos, desde a lingua-
gem teatral, onde provavelmente reside a sua origem, passando
pela linguagem das profissões, pela gramática, pela retórica, pela
linguagem jurídica, pela linguagem teológica, até vir a fixar-se na
linguagem filosófica 2. Todas essas linguagens deixaram seus tra-
ços na acepção geral de pessoa, traços que aparecem quando ten-
tamos descrever a experiência da pessoa, ou quando buscamos
enumerar os elementos que integram a sua pré-compreensão no
mundo cultural que acompanhou a longa história do termo e do
conceito. No entanto, parece indiscutível que, se procurarmos a
raiz mais profunda da qual cresceu a acepção filosófica de pessoa,
iremos encontrá-la no terreno teológico. Trata-se, sem dúvida, de
um dos casos mais notáveis entre os que registram o nascimento
de um conceito no terreno de encontro entre o logos bíblico-
-cristão e o logos grego ?. Embora o conceito filosófico de pessoa
possa fazer remontar a sua linhagem até a psyché socrática, foi
nas controvérsias trinitárias e cristológicas do século IV que ele
adquiriu a riqueza conceptual que o iria tornar uma das catego-
rias fundamentais da filosofia cristã. É permitido pensar que o
progressivo esvaziamento do conteúdo metafísico da noção de
pessoa na filosofia moderna *, sobrevindo em seu lugar os enfoques

189
deva-se 4 mente categoria da essência como expressão ontológica plena 7 do
psicológico, sociológico, político ou fenomenológico,
homem que se significa a si mesmo, e cumpre efetivamente o
essa sua ineliminável origem teológica, que mostra o substrato)
desígnio do seu ser no seu existir.
semântico do conceito, ao ser interpretado metafisicamente, rico]
daquelas interrogações e problemas que a filosofia moderna julga Por outro lado, lido desde a perspectiva da categoria final de
devam ser banidos do território sob a sua jurisdição. Como quer pessoa, o discurso da Antropologia Filosófica desvenda a sua or-
que seja, o desenvolvimento do discurso da Antropologia Filosó dem de inteligibilidade em-si, pois é como pessoa que o homem
fica e da dialética que o conduz nos trouxe justamente a essa exprime a inteligibilidade radical do seu ser, na passagem do dado
espécie de última fronteira ontológica da nossa reflexão sobre 0 à forma pela mediação do sujeito. Ao termo, pois, do processo
homem, na qual a categoria de pessoa se apresenta, tanto na suá dialético que nos trouxe da categoria do corpo próprio à categoria
procedência histórica como nas suas exigências teóricas, como à de pessoa, é lícito afirmar que o homem é sujeito enquanto pes-
mais apta a exprimir toda a riqueza inteligível que se adensa! soa. Vale dizer que no dinamismo do Eu sou primordial, impelido
nesse estágio, o mais elevado, da auto-afirmação do sujeito. pela ilimitação tética, ou pela autoposição do sujeito como ser e
referindo-se ao horizonte infinito do Ser, está presente in nuce
Com efeito, a leitura do roteiro dialético até aqui percorrido) toda a riqueza inteligível que se desdobrou na segiiência das ca-
pelo discurso da Antropologia Filosófica pode ser feito através de tegorias, vindo a convergir na categoria de pessoa.
duas chaves interpretativas: a primeira procede segundo a seriação)
Desta sorte, nossa consideração introdutória a respeito do duplo
das categorias e das regiões categoriais (seções) onde vigora a leu
sentido segundo o qual pode ser lido o roteiro dialético da Antro-
da negação dialética (suprassunção); a segunda acompanha o cons:
pologia Filosófica, ou na sua inteligibilidade para-nós (ordem de
tituir-se dos níveis conceptuais que exprimem os princípios pri
constituição das categorias), ou na sua inteligibilidade em-si (or-
meiros constitutivos do ser (a essência e a existência). Na primeis
dem de fundamentação das categorias), aponta para o próprio cerne
ra ordem de leitura, a lei da suprassunção aplica-se tanto no)
inteligível da categoria de pessoa, a pulsação do seu ritmo dialético
plano intercategorial como no plano inter-regional*. Na segunda
de expansão (inteligibilidade para-nós) e de reflexão em si mesma
ordem de leitura, prevalece a oposição fundamental entre a essêns
(inteligibilidade em-si).
cia e a existência, entendidas aqui como momentos lógicos do
movimento dialético de automanifestação com que o homem se A pessoa é, assim, designada necessariamente pelo momento
constitui e se exprime como ser. A essência, portanto, é pensada: conceptual da singularidade na ordem de inteligibilidade do dis-
aqui como o momento da manifestação do que o ser-homem d curso para-nós. Ela surge ao termo do discurso como a singula-
nos seus constitutivos ontológicos fundamentais, ou seja, na sud ridade que suprassume a universalidade da essência pela media-
estrutura e nas suas relações. A existência é o momento da ção da particularidade da existência que se realiza na história de
manifestação do que o ser-homem efetivamente se torna na sud cada um. Já na ordem da inteligibilidade em-si, a pessoa, como
realização. Esses dois roteiros de leitura percorrem uma ordem de singularidade, exerce a mediação que faz passar a universalidade
inteligibilidade para-nós, na medida em que partem da mais eles da essência na particularidade histórica da existência, ou que
mentar manifestação do nosso ser, qual seja o estar-no-mundo fundamenta historicamente essa passagem *.
pelo corpo próprio, e avançam em direção à unidade final da
No ponto de chegada do discurso da Antropologia Filosófica,
complexidade ontológica que se desdobra desde aquele momento a categoria de pessoa mostra-se, desta sorte, como a síntese dos
inicial. Ora, essa unidade final aparece seja como a suprassunção
momentos eidéticos percorridos pelo movimento dialético e, igual-
de toda a série das categorias, seja como a síntese entre a essêncid,
mente, como o alvo apontado pelos momentos da ilimitação tética
e a existência ou entre o ser que é e o ser que se torna ele mesma
que fizeram avançar o movimento. Por conseguinte, ela é a ex-
(ipse) pela realização ativa in actu secundo ou o perfectum, do:
pressão acabada do Eu sou, de sorte a podermos estabelecer, como
que ele é in actu primo ou o perficiendum. A categoria de pessod
resposta à interrogação inicial “que é o homem?”, a identidade,
é a expressão dessa unidade final. Ela pode ser designada igual.

190 191
mediatizada pela sequência das categorias, entre sujeito e pesso deram ao longo do discurso, na face inteligível enfim desvelada
A pessoa é, portanto, a expressão adequada, a forma formar do sujeito, vem a ser, na sua face como pessoa. Apresentando-se
com a qual o sujeito ou o Eu se exprime ou se diz a si mes como categoria totalizante ao termo do discurso da Antropologia
Se a pessoa, pois, é um resultado, considerada na sua expressá Filosófica, o conceito de pessoa irradia seu plenum de
categorial como síntese ou fecho do discurso dialético (ou seja, À inteligibilidade sobre todas as manifestações do homem que rece-
ordem da inteligibilidade para-nós), ela é, em-si, a origem in bem seu selo mais profundo de humanidade quando podem ser
gível de todo o discurso e, como tal, começo absoluto, que se lã ditas propriamente pessoais. Com efeito, o ato pessoal é aquele
presente, surgindo na sua radical originariedade, em toda afiril que suprassume o universal do sujeito (estruturas e relações)
ção e em toda invocação do sujeito, vem a ser, na radical sih mediatizado pela particularidade da sua situação, na presença
gularidade de cada um com que o Eu e o Tu se encontram ?, única e incomunicável 22 de um singular que se põe absolutamen-
A dupla leitura do conteúdo inteligível da noção de pesso te como tal !3, A pessoa é, pois, o sujeito adequado da atribuição
que o discurso dialético permite — como princípio e como fim da vida segundo o espírito e é na intimidade profunda da vida
indica, por sua vez, o caminho de superação das oposições qui pessoal que se dá o entrelaçamento da inteligência e da liberdade
dividem as correntes do personalismo contemporâneo no que di naquele que denominamos o “quiasmo” do espírito finito !*. No
respeito à determinação essencial da pessoa, afirmada ora conf nível do espírito, a pessoa é constitutivamente, enquanto ser in-
relação ora como absoluto 'º. Como princípio, a pessoa se pú teligente e livre, presença à infinitude do Ser. Essa infinitude é,
absolutamente na raiz inteligível da afirmação Eu sou que percol para a pessoa finita, uma infinitude intencional, exprimindo a
re todo o discurso antropológico como mediação pela qual E identidade na diferença entre a pessoa e a totalidade do ser 15.
homem se significa e se unifica segundo os diversos aspectos dk Mas, pelo dinamismo inerente à presença da infinitude intencio-
seu ser. Como fim a pessoa, suprassumindo a oposição enth nal na compreensão do espírito finito, ela remonta analogicamente
essência e existência ou entre estruturas-relações de um lado| à infinitude real ou à identidade absoluta entre a pessoa € a
realização de outro, mostra-se como a unidade que se realia atualidade infinita do ser, o que se verifica no Absoluto de exis-
existencialmente entre o em-si da estrutura e o para-o-outro d tência. Como o Ser, seja na sua infinitude intencional seja na sua
relação: o em-si que é tal no seu abrir-se para-o-outro, ou a pé! infinitude real, se desdobra em Unidade, Verdade e Bem, a pessoa
soa como um “todo aberto e generoso” segundo a expressão | é, por sua própria natureza, o sujeito dos atos que são correlatos
citada de Maritain à constelação transcendental do Ser e dos seus atributos: toda
Sendo a categoria da pessoa o ponto nodal do discurso d visão de Unidade, todo conhecimento da Verdade, todo consen-
Antropologia Filosófica, onde se entrelaçam a inteligibilidade em timento ao Bem são atos da pessoa, e só como atos
-si e a inteligibilidade para-nós, nela cumpre-se finalmente o pril empenhativamente pessoais operam no homem a síntese da es-
cípio de totalização, com a adequação inteligível entre o sujellk sência e da existência, do que ele é e do que deve ser.
e o ser. Nenhum excesso ontológico permanece fora da auto Se, pois, considerarmos o ser inteligente e livre como o ápice
compreensão do sujeito-objeto do discurso — do homem — nã da hierarquia de perfeição dos seres !º, teremos compreendido como
momento em que ele se afirma como pessoa.
a célebre definição da pessoa proposta por Boécio ”” tenha sido
Ao atingirmos, pois, a altura conceptual da categoria de pes recebida e justificada por Santo Tomás !8, e como a amplitude
soa, está inteiramente aberto o horizonte da infinitude intencio analógica dessa definição tenha permitido ao Doutor Angélico
nal para o qual o movimento dialético apontou desde o início | afirmar: Persona significat id quod est perfectissimum in tota
em direção ao qual tendeu em virtude do princípio de ilimitação natura º. Dada a infinita densidade ontológica da realidade
tética, ao avançar além de todo limite eidético. A adequação significada pelo seu conceito, a designação de pessoa convém do
inteligível do sujeito e do ser é, justamente, a expressão do cido) modo mais excelente ao Absoluto — a Deus — e é em virtude
total do homem, a suprassunção dos perfis eidéticos que se suck dessa referência analógica na própria ordem de perfeição do ser

192, 193
que a pessoa finita, seja no âmago mais íntimo da sua essência dência profunda dessa civilização, expressa no dominador avanço
seja no invariante ordenador da sua linha de existência, deve sei da razão técnico-instrumental que, de um lado, retira ao mundo
dita ser-para-a-transcendência º. Desta sorte, a pessoa pode sei objetivo toda racionalidade teleológica, sem a qual se obscurece
apresentada como “síntese metafísica” e a pessoa concreta comtl e torna-se problemática qualquer relação da pessoa com a reali-
“resumo de toda ordem metafísica” 2. dade circundante; e, de outro, submete, com variadas técnicas de
análise e controle, a interioridade da pessoa ao mesmo tipo de
Em face dessa estrutura metafísica do conceito de pessoa e da racionalidade, bloqueando todos os caminhos que conduzem ao
indiscutível evidência histórica de que se trata de um conceiti
exercício da inteligência espiritual como atividade pessoal mais
que nasce e amadurece como o fruto mais sazonado no terreno d elevada 7.
encontro entre o lógos grego e o lógos cristão, as filosofias moder
nas da pessoa apresentam uma feição paradoxal. É fácil observal A civilização moderna conhece, assim, esse profundo parado-
que no céu intelectual da civilização moderna o conceito de pel xo que acompanha a sua evolução como um dos sinais mais
soa brilha como estrela de primeira grandeza e se impõe coml manifestos das contradições que dividem o seu corpo histórico:
conceito fundamental na Moral, no Direito, na Sociologia, nd juntamente com a imensa e aparentemente irresistível vaga que
Psicologia 2. Por outro lado, à noção de pessoa é atribuída umk eleva ao mais alto cimo das aspirações da sociedade moderna o
posição central no universo temático da filosofia moderna, e delã valor da pessoa e a exigência da sua realização nos campos cul-
irradiam os diversos “personalismos” ? que, sobretudo na primei tural, político, jurídico, social, pedagógico, religioso, ela assiste ao
ra metade do século XX, ocuparam a cena filosófica e política longo desfilar das filosofias que, ou dissolvem criticamente a noção
Ora, a metafísica da subjetividade, que se tornou o pólo ontolá de pessoa, ou minam os fundamentos metafísicos com que fora
gico comum da filosofia moderna, ao excluir do campo da Meta pensada na tradição clássica, repensando-a segundo os cânones da
física a racionalidade analógica, retirou ao conceito de pessoa sum nova metafísica da subjetividade. De resto, as duas linhas teóricas
referência transcendente, dando origem a esse “emaranhado di condicionam-se mutuamente: é a reformulação do conceito de
significações”, tão agudamente analisado por M. Theunissen pessoa no campo conceptual da metafísica da subjetividade, in-
com que o conceito de pessoa se apresenta hoje no cenário filg tentada por Descartes e pelos cartesianos, que é o alvo da crítica
empirista; e é a polêmica com essa crítica que leva Kant a um
sófico, e que pode ser considerado o estágio final da dissolução d
último e mais radical aprofundamento da concepção de pessoa
“unidade de oposição” [Gegensatzeinheit)?º com que o mesml
em direção ao terreno da subjetividade absoluta 2. Na verdade, de
conceito fora pensado na tradição cristã. O paradoxo reside, poli
Descartes a Kant e de Hobbes a Hume o conceito de pessoa oscila
no fato de que, tendo caminhado para tornar-se um valor-fonte dl
entre a unidade da consciência-de-si e a pluralidade das represen-
todo um sistema de valores na evolução política, jurídica e soclã
tações do Eu, aquela primeira e originária, essas coordenadas
do mundo moderno, o conceito de pessoa vê-se, finalmenti
nominalisticamente nas múltiplas designações de que a pessoa é
“desconstruído” filosoficamente no clima espiritual do niilism
objeto 2.
que coroa essa evolução e no qual se dissolvem tanto os sentidi
objetivos da realidade na qual a pessoa se situa, como os sentida O paradoxo que acompanha o destino da pessoa no mundo
que se originam da sua interioridade racional e livre. A paradoxã) moderno, dividida entre a exaltação do seu valor civilizatório e a
experiência da “não-realidade” % da pessoa parece ser o desfeclii querela em torno do seu conceito filosófico, reveste-se de uma
dessa evolução contraditória em que, tida como valor civilizatórni feição mais dramaticamente significativa desde quando Kant co-
fundamental, a pessoa vê seu conceito submetido a um pertind locou decididamente a pessoa no centro do universo moral e
trabalho de desconstrução crítica pela razão filosófica dominar deixou como um dos desafios maiores para a filosofia pós-kantiana
na mesma civilização que a consagrara. No entanto, é precili — desafio que responde, de resto, a um imperativo de coerência
convir em que as filosofias ou ideologias que se voltam critil entre a teoria e prática da nossa civilização — a constituição de
mente contra o conceito de pessoa refletem igualmente uma tell uma filosofia plenamente satisfatória da pessoa. O alvo que Kant

194 195
estabelecera para essa filosofia era o mais alto. Nunca a pesso revigorada recentemente pela filosofia analítica”, e que permane-
humana fora celebrada com acentos mais elevados do que quanda ce presa a uma concepção nominalista da pessoa.
Kant a proclamou, numa das fórmulas do imperativo categórico,
O paradigma dialético eleva-se, como é sabido, sobre o terre-
como fim absoluto, jamais portanto utilizável simplesmente comt
no sobre o qual Kant renunciou a edificar uma filosofia da pessoa,
meio *º, e do que quando fez da pessoa concretamente existente
ou seja, o terreno da razão pura teórica. Aí ele pretende atingir os
sujeito da lei, objeto daquele sentimento que é o único a possuil
fundamentos teóricos declarados inacessíveis pela Crítica da Razão
mos a priori e que, tendo como sede a razão pura prática e pol
pura. Ao proceder a uma nova fundamentação metafísica do con-
objeto a lei, estende-se ao sujeito da lei desde que se mostre com
ceito de pessoa, o paradigma dialético permanece, no entanto,
exemplar da lei cumprida: o respeito !, O respeito se dirige, al
dentro dos pressupostos da metafísica moderna da subjetividade,
sim, à dignidade da pessoa, ao seu valor intrínseco ou absoluto,
e é obedecendo à lógica dessa metafísica que ele se propõe ofere-
irredutível ao valor relativo das coisas ou ao seu “preço” *. Apó: estatuto teórico.
cer ao conceito de pessoa um novo
a demonstração da impossibilidade de se conferir, por meio
razão pura teórica, um conteúdo numenal % à idéia de “alma” 6) Para Fichte, o alcance metafísico do conceito de pessoa evi-
portanto, à idéia de pessoa **, o fundamento metafísico da pessod dencia-se na relação entre o Eu empírico e o Eu absoluto ou
parecia estabelecido no domínio da razão pura prática com a rel transcendental e na necessária fundamentação do primeiro no
vindicação da sua autonomia, ou seja, da sua prerrogativa di segundo. Em virtude dessa fundamentação, a relação do reconhe-
auto-legisladora no campo da moralidade e, por conseguinte, cimento como relação interpessoal mostra um caráter de apriori-
cidadã do “reino dos fins” e portadora da mais alta dignidade dade que a define como constitutivo necessário da noção de pes-
Na verdade, os tempos que se seguiram a esse solene reconheci soa e predicado da sua autonomia!. Mas é com Hegel que o
mento da pessoa como centro e fonte de uma concepção paradigma dialético alcança a sua feição mais conhecida. Seu in-
autonômica do universo da moralidade, assistiram a um irresistível tento declarado e levado a cabo sistematicamente é o de transpor
movimento histórico de afirmação da pessoa e de proclamação da nos quadros conceptuais da metafísica moderna do sujeito, re-
sua centralidade axiológica no mundo do direito, da política, da pensados profundamente segundo o paradigma dialético, a meta-
cultura, da educação. Nenhum outro valor sobrepõe-se ao da pessol física clássica greco-cristã. Ora, um dos temas fundamentais dessa
humana aos olhos dos nossos contemporâneos e nenhum outro metafísica é, justamente, o conceito de pessoa*!. Dentro do seu
direito (seja ele da sociedade como um todo, do Estado, da Igre vasto desenho especulativo, Hegel restabelece a amplitude
ja...) pode ser contraposto aos seus direitos declarados e reconhi conceptual com que o conceito de pessoa tinha sido pensado na
cidos. No entanto, se acompanharmos a evolução do pensamentd tradição filosófico-teológica cristã e que, em Kant e Fichte, fora
pós-kantiano sobretudo nos campos da filosofia e do direito (sem confinada a seus limites antropológicos. Nesse sentido, a meta-
falarmos aqui das ciências sociais e das ciências da educação) 4 física hegeliana da pessoa propõe-se como alvo recuperar toda a
verificamos que as claras linhas da teoria kantiana da pessoa 8 riqueza ontológica que a tradição depositara nesse conceito. Esse
obscurecem e se confundem e que a nossa época não logra pensal propósito hegeliano poderá ser mais bem entendido se conside-
nos quadros de um razoável consenso teórico esse valor que vivi rarmos que para Hegel (como para Kant) o conceito de pessoa é
tão intensamente. Com efeito, se retomarmos o caminho determinado essencialmente pelo conceito de liberdade, não na
percorremos na parte histórica do nosso Curso *” no campo da sua incidência psicológica ou moral, mas como conceito do ser-
concepções do homem na filosofia contemporânea *, poderemo -em-si e do ser-para-si?. Ora, a liberdade, nessa sua significação
ver que, nele, o roteiro da historiografia filosófica usual assinala absoluta, é a realização efetiva do conceito”. A pessoa eleva-se,
de um lado, a presença de dois grandes paradigmas que se pró assim, ao cimo do edifício sistemático no qual convergem os
põem oferecer uma compreensão filosófica adequada da pessoa;6 seus dois lados, o lógico e o real, vem a ser, na esfera do Espírito
paradigma dialético e o paradigma fenomenológico; e, de outro, Absoluto, onde ela comparece na Filosofia da Religião, alçando-
indica a persistência da instância crítica, de procedência empirista -se da sua infinidade abstrata no Direito à infinita subjetividade

196 197
do Espírito que tem o seu fim em si mesmo “*. Podemos dizer consenso que poderia ter elevado o paradigma dialético à posição
que, na verdade, a noção de pessoa acompanha todos os passos da de referência intelectual reconhecida de uma civilização da pes-
itinerário hegeliano na construção do Sistema, desde a Filosofia soa. Já o paradigma fenomenológico forma-se no espaço aberto
do Espírito de Iena, com o surgir do tema do reconhecimento pelo refluxo do hegelianismo em face do positivismo dominante
alcançando na Fenomenologia do Espírito a caracterização jurídi» na filosofia da segunda metade do século XIX. Constituindo-se
ca negativa que lhe é atribuída no “estado de direito” (Roma), como crítica ao psicologismo positivista, ele permite reformular
momento dialético que se segue à dissolução da “eticidade” subs: em novas bases o problema da pessoa, e propõe-se como alterna-
tancial do mundo grego *. O Sistema definitivo exposto na Enci tiva ao paradigma metafísico, seja na sua versão clássica seja na
clopédia designa finalmente à pessoa seu lugar na Filosofia do sua versão hegeliana. A descoberta da intencionalidade por E.
Espírito objetivo (ou na sua versão ampliada, a Filosofia do Direi» Husserl aparece aqui como o novo terreno conceptual no qual
to), primeiramente como pessoa definida pelo direito de proprie crescerão as filosofias da pessoa no século XX. Para Husserl, com
dade no “Direito abstrato” ”, do qual irá finalmente emergir 0: efeito, é a intencionalidade da consciência que permite definir a
sujeito como pessoa no sentido pleno quando então o Espírito relação da pessoa com o seu mundo o que equivale, em virtude
terá a si mesmo como objeto e fim — ou será a unidade do finito. da essencial correlação que une os termos na relação de
e do infinito 8. Com efeito, na sequência da dialética do Espírito intencionalidade, a estabelecer a especificidade de um mundo
objetivo, a pessoa como sujeito abstrato do Direito deverá dar a pessoal entre as regiões ontológicas que se oferecem ao Eu ou à
si mesma um conteúdo concreto ou realizar-se como liberdade consciência ** abrindo-se, então, um novo caminho para a
ou como conceito realizado na história, até sua suprassunção no tematização da relação intersubjetiva. No entanto, foi M. Scheler
Espírito absoluto *. quem fez frutificar nesse ponto, de maneira original e profunda,
a descoberta husserliana da intencionalidade. Não é provavel-
Não obstante o grandioso contexto especulativo no qual Hegel.
situa a metafísica da pessoa, essa não logra constituir-se em vers
mente exagerado dizer que na obra de Scheler vão buscar inspi-
ração as principais correntes personalistas do século XX. A origi-
são filosófica satisfatória do movimento histórico de promoção
da pessoa que, justamente nos tempos hegelianos, começava à
nalidade da concepção scheleriana da pessoa resulta exatamente
do rigor com que ele a fundamenta numa fenomenologia do ato,
desenhar-se como movimento de fundo da história ocidental. Duas
deficiências graves costumam ser apontadas na concepção
definido inteiramente pelo seu vetor de intencionalidade e, por
conseguinte, não se referindo a um qualquer substrato, sujeito ou
hegeliana: a insuficiente determinação do lugar da
intersubjetividade na constituição do sujeito º, e os problemas
substância. O atualismo é, pois, o fundamento da filosofia da
pessoa segundo Scheler. Foi assim que ela apareceu como uma
que decorrem da relação entre a liberdade, constitutivo essencial
alternativa entre as metafísicas clássica e moderna e o positivismo,
da pessoa, e o Sistema*!. Aqui o risco que pesa sobre a pessoa!
singular, qual seja o de se ver absorvida na universalidade e ne e fez do paradigma fenomenológico o quadro conceptual privilegia-
do, implícito ou explícito, dos personalismos contemporâneos %. É
cessidade do movimento do Espírito, seja como Espírito finito, no:
Estado e na História universal, seja como Espírito infinito, no.
sobre fundamentos atualistas que irá apoiar-se a reivindicação do
estatuto absoluto da pessoa, dele derivando a sua unicidade
absoluto da Idéia realizada, marcou o destino do hegelianismo.
ontológica e a sua dignidade ética *.
com a suspeita de inspirador de autoritarismos políticos ou de:
anunciador de um otimismo da Razão que desconhecia a presen= A influência do paradigma fenomenológico é visível, por ou-
ça do mal e o trágico da existência. Como quer que se avaliem: tro lado, em pensadores oriundos de tradições diferentes, mas que
essas objeções clássicas a Hegel 2, que convergem, em suma, na: podem ser reunidos sob a denominação de “filósofos da pessoa”,
acusação, levada ao paroxismo por Kierkegaard, de um monismo O traço comum que une esses filósofos é a reflexão crítica sobre
do Espírito incompatível com a singularidade e independência do: uma civilização como a nossa sacudida por conflitos abertos ou
sujeito livre *, a metafísica hegeliana da pessoa não encontrou q latentes entre os grandes sistemas organizacionais da sociedade
198 199
(tecnociência, economia, política, comunicação de massa...) e à longa noite da pré-história e durante as primeiras e ainda indeci-
promoção histórica da pessoa *. sas luzes do dia da história: a Natureza e a Sociedade. Cabe à
Etnologia e à Antropologia Cultural o estudo e a interpretação
O vigoroso renascimento da metafísica clássica na trilha da
dos documentos do passado que nos mostram o lento aparecer do
chamada neoescolástica, mas avançando muito além dos seus
indivíduo na cena da história. Podemos, no entanto, supor que
estreitos cânones didáticos e doutrinais, encontra no problema um passo decisivo na direção que levaria ao pleno protagonismo
contemporâneo da pessoa um terreno privilegiado para o seu cres» histórico do indivíduo tem lugar quando o aparecimento das gran-
cimento. Embora os pensadores que se reconhecem ligados a essa
des civilizações do “tempo-eixo” 2, ao tornar explícita e determi-
tradição metafísica sejam raramente levados em conta pela histos
nante na experiência humana e na concepção da ordem da histó-
riografia filosófica corrente º?, sua contribuição será decisiva €
ria a relação de transcendência & tornou igualmente possível o
fundamental para a nossa elaboração da categoria de pessoa, pois emergir, em contextos civilizatórios tão diversos quanto o chi-
é à tradição metafísica clássica que iremos pedir a inspiração! nês, o hindu, o mesopotâmico, o semita, o greco-mediterrâneo, de
mais profunda da nossa reflexão *º. indivíduos excepcionais que se anunciam, justamente, como
interlocutores privilegiados da transcendência, constituindo-se,
desta sorte, em marcos de um novo tempo histórico.
2. Pré-compreensão da categoria de pessoa Em ordem a delinearmos a figura da pré-compreensão da pessoa
no estado presente da civilização ocidental, devemos voltar nossa
Vimos que a categoria de pessoa se apresenta como o termg atenção para as duas formas de experiência da transcendência e
do discurso da Antropologia Filosófica. É o seu vértice conceptual, para o perfil original dos indivíduos que encarnam exemplarmen-
onde se encontram a inteligibilidade para-nós e a inteligibilidade te essas formas e, como tais, comparecem nas origens da nossa
em-si do objeto do discurso e é, por conseguinte, o ponto de história %. A primeira é a forma da experiência da transcendência
retorno do discurso sobre si mesmo para se autofundamentar d em Israel, caracterizada pelo “existir na presença de Deus” % como
constituir-se, assim, em resposta adequadaà interrogação inicia | resposta à sua Palavra de revelação e à vocação que por ela é
da qual o discurso partiu: que é o homem? dirigida ao homem. Nesse existir na presença de Deus e nesse
A descoberta desse caráter principial da pessoa ou do seu diálogo com Deus, o indivíduoé alçadoà situação paradigmática
conceito como expressão do primeiro e mais profundo nível dk de profeta %, e será essa “diferenciação profética da consciência”,
inteligibilidade do ser-homem teve lugar ao longo de um laborid segundo a expressão de Voegelin “, que traçará o primeiro perfil
so caminho de reflexão que, como assinalamos na Introdução da pessoa na tradição ocidental. Aqui o indivíduo define a sua
corre ao longo de toda a história do pensamento ocidental “ singularidade na relação dialogal com o Absoluto em virtude da
essa progressiva formação do conceito filosófico de pess qual se apresenta numa unidade indissolúvel de vocação e mis-
correspondem formas típicas de experiência do existir pessoal são, de identidade e destino. O indivíduo começa, nesse caso, a
Elas virão a constituir as dimensões fundamentais dessa expi comparecer na cena da história vivendo um tensão propriamente
riência abrangente que aqui denominamos pré-compreensão d dramática entre a relação que o estabelece como interlocutor
pessoa e que assinala uma característica inconfundível do mundi privilegiado do Transcendente e a tarefa histórica que sobre ele
de cultura da nossa civilização. pesa qual seja a de ser o portador da Palavra que vem do Trans-
cendente e deve ser dirigida à sua comunidade de vida nas con-
Antes, no entanto, de começar a se delinear e a se definir com tingências, na obscuridade e nas incertezas do seu existir his-
nitidez na cultura grega e na cultura hebraica, das quais proced tórico .
a nossa, a experiência do existir pessoal foi precedida pel
multimilenar processo de emergência do indivíduo desde o sel A segunda forma de experiência da transcendência, na qual a
dos dois grandes abrigos simbólicos que o protegeram durante figura do indivíduo se anuncia com traços originais, tem lugar na

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civilização grega. Aqui o evento espiritual determinante é o apas instauradora da revolução espiritual do tempo-eixo, não cami-
recimento da filosofia (correspondendo ao profetismo em Israel) e nhou, em Israel e na Grécia, para uma absorção do indivíduo no
que abre ao indivíduo um novo caminho de saída para fora do) abismo primordial do Ser ou para cindi-lo na dualidade irremediá-
abrigo dos mitos cosmogônicos ou teogônicos: o caminho que vel do ser e do não-ser e das suas diversas expressões. Ao invés,
será seguido pelos representantes da antiga tradição que vai dos; ela estabeleceu-o no domínio do espírito, justamente esse domí-
antigos sábios (sophoí) ao filósofo (philósophos) já culturalmente. nio onde se opera a síntese sem confusão entre o Ser e os seres,
e socialmente bem definido no século IV a.C. A experiência da: sendo o espírito coextensivo à universalidade do Ser e encontran-
transcendência dá origem, nesse contexto, à chamada “diferen- do correspondência entre a distinção e a ordem dos seres de um
ciação noética” da consciência, e será ela que irá assinalar o ins lado, e as formas fundamentais da sua atividade como espírito de
divíduo com o predicado da “racionalidade” (zôon lógon échonl),. outro, sendo ele vida, inteligência, razão ordenadora e consciên-
traçando o segundo perfil da pessoa, que irá integrar-se à sua face, cia-de-si 2. A descoberta e a afirmação da individualidade espi-
definitiva na tradição ocidental 9. Assim, a invenção da Filosofia ritual do homem foi o prolegômeno histórico e a premissa teórica
aparece como o outro caminho que, percorrido nos sucessivos para a descoberta e a afirmação da pessoa. Ela se deu em Israel e
estágios do pensamento antigo, conduzirá finalmente ao conceito na Grécia por caminhos diferentes, mas esses caminhos um dia
de pessoa. É essa a vertente que fará convergir para tal conceito se encontrarão na teologia cristã e, a partir dela, irão constituir
toda a rica e complexa interpretação filosófica da razão como uma só rota na filosofia ocidental.
constitutiva do homem ?º. Pensar o homem como ser espiritual significa pensá-lo na
Nos antecedentes históricos que preparam a experiência ou. tensão existencial entre dois movimentos que, cruzando-se em
pré-compreensão da pessoa, tal como pode vivê-la e descrevê-la, duas direções opostas, fazem dele uma vivente coincidentia
hoje o homem ocidental, encontramos, pois, esses dois perfis do) oppositorum, da qual emerge sua individualidade mais profunda
indivíduo que caracterizaram, sob o aspecto que aqui temos em. como síntese desses opostos constitutivos do seu ser. Como es-
vista, ou seja, o da emergência histórica da experiência da pessoa, pírito, o homem é (primeiro movimento) abertura para a univer-
o homem bíblico e o homem grego. Embora correndo o risco de, salidade do Ser (lógos ou razão) e élan para a transcendência
alguma simplificação, podemos dizer que o indivíduo cuja figura! (pneuma e nous ou vida e inteligência); mas é igualmente (segun-
histórica emerge lentamente do seio das duas grandes tradições do movimento) retorno e reflexão sobre si mesmo (synesis, redítio
que plasmaram o universo simbólico da nossa civilização, terá à in seipsum ou consciência-de-si). Esses dois movimentos mani-
distingui-lo essa forma profundamente original de relação com a! festam a estrutura interna dos atos propriamente espirituais do
transcendência que denominamos “vida segundo o espírito” 1 homem, os atos de inteligência e liberdade, que foi por nós de-
Eis aí um ponto extremamente importante em ordem à nossa nominada estrutura noético-pneumática do espírito 3. A vertente
descrição da pré-compreensão da pessoa. O processo de formação) pneumática dessa estrutura foi o traço característico da descober-
da idéia de indivíduo no mundo da cultura bíblica e no mundo ta bíblica do indivíduo, ao passo que a vertente noética assinalou
da cultura helênica apresenta, não obstante a profunda diferença: a sua aparição na cultura grega. Ou ainda, se levarmos em conta
das experiências históricas que o alimentam e a consequente ins o cruzamento dessas duas vertentes no “quiasmo” do espírito,
discutível originalidade do tipo de existência individual a que dão; será lícito afirmar que, para o indivíduo bíblico, a verdade é fruto
origem, um traço comum que será o seu decisivo traço de união) da sua livre decisão em favor do bem, atendendo à vocação que
quando eles convergirem na idéia ocidental do homem coma) procede da Palavra transcendente; e, como tal, é fidelidade. O
pessoa. Esse traço comum é o que poderemos chamar a descobers indivíduo como “espiritual” (pneumatikós) é, no surto original
ta e a progressiva afirmação da individualidade espiritual dg do seu manifestar-se, liberdade. Para o indivíduo helênico, o bem
homem. Ao contrário do que sucedeu em outros universos sin nasce da contemplação que se eleva ao Princípio transcendente e;
bólicos, a experiência da transcendência, como experiência como tal, é perfeição; o indivíduo é,4 no surto original do seu

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manifestar-se, razão '*. A característica comum e decisiva presens humana no paradoxo da Encarnação. Na perspectiva em que aqui
te nessas duas figuras históricas do indivíduo e que as fará encon- nos situamos não se trata, convém lembrá-lo, de um problema
trar-se um dia na imagem do homem que irá prevalecer na cul: teológico nem de história do dogma, mas de descobrir as raízes
tura ocidental — o homem como pessoa — reside justamente na ideo-históricas das quais se alimenta a experiência ocidental da
emergência do indivíduo na sua singularidade inconfundível, pessoa. Hegel reconheceu que a raiz mestra dessa experiência é a
elevando-se a partir do próprio seio da tensão existencial que se revelação cristã, por meio da qual começou a “florescer no mun-
estabelece nele entre a precariedade e a contingência da sua situa» do a liberdade da pessoa” &. Em outro lugar, escreve Hegel: “Deus
ção mundana de um lado, e a sua abertura para a transcendência. somente é conhecido como espírito quando é conhecido como
de outro, seja como ouvinte da Palavra, seja como contemplador trino e uno. Esse novo princípio é o gonzo em torno do qual gira
do Ser. É vivendo essa tensão que o indivíduo é, finalmente, “ele a história do mundo. Até aqui e a partir daqui caminha a histó-
mesmo” (autós, ipse) ou se constitui na sua ipseidade: nem in- ria” 8*, A revelação cristológico-trinitária vem justamente acolher
tegrado, como parte no todo, na Natureza, nem absorvido, como e elevar ao máximo de inteligibilidade suportável pela palavra e
fragmento, na anônima imensidade do Divino *. Portanto, o in= pelo pensamento humanos — uma inteligibilidade que transbor-
divíduo é “ele mesmo” na medida em que existe no espaço da da da insondável profundidade do mistério — a tradição hebraica
“intermediação” (metacsy) entre a transcendência e a imanência da Palavra & e a tradição grega do Lógos. O fato de que, na formu-
e em que constrói nesse espaço a sua “unidade de oposição” lação dos dogmas cristológico e trinitário do século IV, a reflexão
(Gegensatzeinheit) 7º, superando os riscos simetricamente opos- teológica cristã tenha superado vitoriosamente o risco de uma
tos do monismo e do dualismo, aos quais sucumbiu a experiência fusão sincretista das duas tradições *%, revelou-se decisivo para a
da transcendência em outras tradições culturais ””. formação do conceito teológico de pessoa pois propiciou, de um
lado, o reconhecimento da sua amplitude analógica, o que permi-
Sem pretender penetrar aqui em terreno teológico, mas tendo tirá acolher a pessoa humana no âmbito da sua significação fun-
em vista tão-somente a consideração das fontes ideo-históricas damental; e, de outro, preparou o terreno para que a “experiência
das quais flui o que podemos denominar a “experiência da pes- da pessoa” se tornasse, para o homem ocidental, a via privilegia-
soa”'8, vemos que as duas linhas, pneumática e noética, que pros da de acesso à compreensão do seu próprio ser.
cedem do lógos bíblico e do lógos grego encontram-se, de fato,
num Evento absolutamente único e imprevisível e que podemos: A pré-compreensão da pessoa exerce-se, portanto, no campo
considerar a verdadeira gênese, história e teórica, do conceito) dessa “experiência da pessoa” que M. Miller caracteriza como
ocidental de pessoa. Trata-se do Fato do Cristo tal como é teste- experiência de uma tarefa na qual se entrelaçam as oposições que
munhado nos escritos neotestamentários e cujo paradoxo ” repres tecem a existência humana como existência histórica 8. A “expe-
sentou para a reflexão teológica o desafio especulativo mais pros riência da pessoa” — a sua pré-compreensão — é, em suma, a
fundo e de cuja abissal profundidade emergiu, delineado na sua experiência da própria existência humana distendida entre o fluir
figura conceptual, mas insondável na riqueza inteligível do mis» das coisas para as quais se volta na relação de objetividade, a
tério, o conceito de pessoa divina, que se tornou o princeps interpelação do outro em face da qual se vê na relação de
analogatum da idéia de pessoa na tradição ocidental *º. Na noção. intersubjetividade, e o apelo da transcendência que atravessa e
dogmático-teológica de união hipostática (duas naturezas, a divis eleva todo o seu ser e o lança permanentemente no risco de ser
na e a humana, na unidade da pessoa divina) exprime-se, na pres ou não-ser, de abrir-se ao sentido ou de perder-se no absurdo. Ela
cariedade e imperfeição do lógos humano, o paradoxo supremo do) representa o segmento mais denso de significação do tempo hu-
lógos divino feito carne *! ou a tensão extrema do existir do hos mano ou da vida que se desenrola como vida segundo o espítito,
mem no entremeio (metacsy) de imanência e transcendência, Distendido entre o tempo físico do calendário e do relógio, q
quando a transcendência é o em-si primeiro
4
(hypóstasis) tempo psicológico das emoções e dos desejos, o tempo social dos
imanência 2 e a pessoa divina une a natureza divina e a natureza: pequenos acontecimentos, o tempo histórico dos grande

204
da ou norma o mistério da pessoa em Deus, mediatizada pelo tema
tos, o tempo da vida individual organiza-se e se estrutura como)
da imagem *, e foi segundo a referência implícita ou explícita a essa
tempo consubstancial à singularidade de cada um — ou à avens
vivido como tempo norma que a idéia de pessoa passou a ocupar o centro do universo
tura única da sua auto-realização — quando é
ou “experiências da. simbólico da nossa civilização, para ela convergindo algumas das
pessoal, marcado por experiências profundas
o seu ser. O tempo) linhas mestras desse universo, vem a ser, as que se traçam nos
pessoa”, nas quais o homem empenha todo
dessas experiências é que pode ser designado, conforme sugere M, campos jurídico, político, social, psicológico, pedagógico e religio-
Múller º, como constituído pelos kairoí, pelos tempos propícios so. À demonstração histórica dessa tese não caberia aqui, mas é
cuja seguência define a linha irreversível de permitido pensar que, sem a norma do arquétipo teológico, a
ou privilegiados,
realização mais profunda do nosso ser ?º. proclamação da pessoa como fim em si por Kant jamais poderia
ter tido lugar: ela é um exemplo, entre os mais ilustres e eloguúen-
Na “experiência da pessoa” é, pois, vivida na densidade exem:- tes, da persistência da matriz teológica nos fundamentos da cul-
plar de um tempo privilegiado ou de um Kairós propriamente tura moderna no Ocidente *. Em outra ordem de problemas,
pessoal, a totalidade do nosso ser, que é pensada como síntese de podemos supor igualmente que à explícita referência teológica na
essência e existência ou como efetivação da unidade das estrutu- conceituação de pessoa convém atribuir as características que
ras e relações ao longo do processo de unificação que deve resul: fazem do personalismo preconizado pelo ensinamento social da
tar do movimento existencial da nossa auto-realização. Igreja o mais rigoroso e coerente entre quantos se apresentam na
O arquétipo teológico desempenhou, assim, na configuração | cena política contemporânea *º.
histórica da “experiência da pessoa”, que se tornou, para o homem E, pois, o paradoxo da identidade, pensada dialeticamente, do
ocidental, a experiência-fonte da sua autocompreensão, uma função ser-em-si e do ser-para-outro, segundo o qual o homem se subme-
ao mesmo tempo heurística e normativa, sem a qual dificilmente te à norma do paradigma teológico %, que nos permite descrever
poderíamos compreender o sentido profundo da preeminência da as dimensões da pré-compreensão da pessoa ou, ainda, da “expe-
pessoa no centro do universo simbólico da nossa civilização. Fun- riência da pessoa”, tal como é pressuposta à sua compreensão
ção heurística, em primeiro lugar, pois foi sem dúvida a revelação filosófica. Ora, a pessoa se apresenta, ao termo do discurso da
da pessoa nos mistérios cristológico e trinitário que apontou para O Antropologia Filosófica, como síntese da essência (estrutura e
núcleo essencial a partir do qual foi possível pensar a analogia entre relações) e existência (realização). Logo, ela deve exprimir como
as pessoas divinas e a pessoa humana. Esse núcleo, que em Deus é categoria, ou no seu conteúdo inteligível, o ato totalizante do
afirmado na profundidade inalcançável do mistério, e dessa profun- existir do sujeito enquanto realização da sua essência, vem a ser,
didade irradia para o homem, envolvendo com um reflexo do mis: o seu existir pessoal”.
tério divino a intimidade inviolável da pessoa humana, é constituí-
A experiência da pessoa é, assim e eminentemente, uma ex-
do justamente pela “unidade de oposição” ?! segundo a qual a pess
periência integradora e sintética e tem lugar quando nos experi-
soa realiza, no próprio princípio de inteligibilidade do seu ser, ou
mentamos, na unidade do mesmo ato **, como inalienável
seja, na sua essência, a identidade paradoxal do absoluto ser-em-si
e do absoluto ser-para-o-outro, assim como a pessoa divina se revela. interioridade (o Eu sou constituindo-se e exprimindo-se para-si
no mistério da Encarnação e na circunsessão 2 da vida trinitária,
nas categorias de estrutura) e como imperativo de abrir-se para a
exterioridade do outro (O Eu sou constituindo-se e exprimindo-
Esse foco primeiro de inteligibilidade da analogia da pessoa ilumina,
definitivamente o centro mais íntimo da natureza da pessoa huma-. -se para-outro nas categorias de relação). Nessa experiência, ao
na que é — ou deve ser — na unidade de um mesmo existir ou no) mesmo tempo a mais elevada e a mais profunda do nosso exer-
cício de viver e, portanto, do nosso próprio existir?” — experiên-
movimento da sua realização, a inviolável identidade do em-si (es-
truturas) e a radical abertura para-o-outro (relações). Função cia do nosso existir pessoal — tem lugar em nós a síntese final
da interioridade e da exterioridade como dialética constitutiva
normativa em segundo lugar, pois a experiência da pessoa que his-:
do nosso ser-no-mundo e da finitude do nosso ser espiritual 19º,
toricamente se desenvolveu na tradição ocidental teve como medi-:

206 207
da sua presença ao mundo e ao tempo: ao mundo que está aí e ao
Se, portanto, levarmos em conta o caráter integrador €
tempo que transcorre, ambos na faticidade indiferente que faz da
totalizante da pré-compreensão da pessoa, podemos descrever as
relação de objetividade uma relação não-recíproca. Ora, a expe-
suas dimensões de acordo com a correspondência que é possível
riência da pessoa é justamente o terreno no qual a significação
estabelecer entre as categorias de estrutura e as categorias de
humana do mundo se eleva sobre a sua muda e indiferente
relação "º!. Sabemos que a pré-compreensão da pessoa acontece
faticidade. Aqui o corpo próprio, como expressão da pessoa, é a
como experiência do nosso existir pessoal, assinalando os pontos
nodais da linha de realização da nossa existência. Na sua pleni-
primeira palavra ou o primeiro gesto com os quais o Rome
significa para si a objetividade do mundo como mundo humano:
tude como compenetração de presenças (sendo essa a definição de
o mundo do seu habitar e do seu fazer, aberto como horizonte
toda experiência), a experiência do existir pessoal se caracteriza
próximo e imediato do seu viver 18. Toda experiência da pessoa
pela intensidade e a nitidez da presença da realidade que nos é
desdobra-se, pois, nessa primeira dimensão que é a dimensão da
exterior no espaço interior da nossa presença a nós mesmos (ou
objetividade. Ela opera a passagem do mundo das coisas na sua
pela manifestação da alteridade no próprio centro da ipseidade),
simples faticidade para o mundo das significações que o organi-
de sorte que a presença do outro em nós seja constitutiva do
zam como mundo da pessoa. Nessa passagem começa a delinear-
próprio ato pelo qual somos presentes a nós mesmos. Ela é, em
-se o destino da pessoa ou a rota do existir pessoal que se traça
nós, mediadora dessa nossa presença a nós mesmos, já que não
necessariamente no espaço de objetividade do mundo e que se
nos é dada a intuição direta da nossa própria essência '?, Assim,
inclinará na direção apontada pelas significações com que o mundo
nossa presença ao outro (categorias de relação) não resulta do fato
se apresenta como horizonte primeiro da pessoa. A relação pes-
de ele estar simplesmente diante de nós numa relação especular,
soa-mundo, que é a forma mais plenamente humana da relação
mas da sua presença no interior da nossa própria presença a nós
de objetividade, irá, pois, determinar o primeiro
mesmos que assim se mostra, pela sua própria natureza, presença conteúdo da
experiência da pessoa”. Nela, de alguma maneira, se decidirá o
aberta ao horizonte infinito do ser. Tal é a estrutura fundamental
destino dessa experiência, pois a pessoa só logra experimentar-se
da experiência da pessoa. Ela é, assim, experiência de presença às
autenticamente como tal ao se referir a um mundo objetivo que
coisas (Mundo), ao outro (História) e ao Transcendente (Absolu-
se organize verdadeiramente como “espaço existencial” ordenado
to) 18.
segundo os seus pólos fundamentais !% e cujas significações ve-
A dimensão da presença ao Mundo (relação de objetividade), nham a constituí-lo como mundo para a pessoa.
integra a pré-compreensão da pessoa na medida em que a expe-
A dimensão da presença ao outro (ou à História) na relação de
riência do nosso existir pessoal é, essencialmente, experiência do
intersubjetividade desdobra-se no campo imenso onde o encontro
nosso ser-em-situação. Nela estamos, pelo corpo próprio, presen-
tes ao espaço-tempo do mundo e essa presença, como presença
com 0 outro suscita as formas e níveis da práxis que antes con-
sideramos to7, Aqui a experiência da pessoa avança no sentido da
propriamente humana, desdobra-se primeiramente na atividade
aproximação maior daquele que será o seu centro irradiador: a
do fazer (poíesis) que é a forma característica da relação de objes
pessoa diante do Absoluto. Com efeito, o ser-em-situação no qual
tividade. A experiência da pessoa tem como primeira dimensão,
a experiência da pessoa se constitui na dimensão da sua presença
a dimensão do trabalho. O trabalho é o prolongamento do corzp
ao Mundo manifesta-se, na verdade, como um ser-em-diálogo em
próprio no mundo mas, na sua integração à experiência da pesso
virtude da suprassunção da relação de objetividade na relação de
ou na experiência do trabalho como ato pessoal, o corpo não
intersubjetividade ou, em termos de categorias de estrutura, do
simples instrumento, degradado ao valor de uso (ou de troca, nO
corpo próprio no psiquismo. O abrir-se ao mundo
caso extremo da sua degradação no trabalho escravo) mas é como fundo
de significações tem lugar no domínio da cultura, vem a ser, do
deve ser — expressão da pessoa pois é suprassumido na síntes
existir-com-o-outro no universo simbólico de uma tradição ou de
final de essência e existência do existir pessoal '*. Nessa su
uma história. A reciprocidade na relação de intersubjetividade
primeira dimensão, a experiência da pessoa é, pois, a experiênci

208 209
universal que traduz o mais profundo anelo da pessoa, a experiên-
recebe seu conteúdo mais poderosamente determinante na esfera.
cia vê-se em face da última dimensão que a constitui finalmente
psíquica do desejo e da afetividade, permitindo ao sujeito experis,
em toda sua amplitude: a dimensão da transcendência ou a ex-
mentar-se como pessoa no exercício daqueles atos que caracteris
periência da presença ao Absoluto.
zam os níveis fundamentais nos quais se desdobra a mesma res
lação 1º, Da relação primeira Eu-Tu (nível do encontro ou do exis= Vemos, assim, que a experiência da pessoa antecipa, no plano
tir pessoal no sentido estrito) !ºº, passando pelo nível do consenso da pré-compreensão, a tarefa sintética que o conceito cumprirá
espontâneo (comunidade), do consenso refletido (sociedade) e da: no Plano da compreensão filosófica. Nela e por ela a presença a
convivência cultural (história), a experiência da pessoa se dilata si mesmo (ipseidade) e a presença à realidade exterior (alteridade)
de modo a constituir o universo humano do Nós na sua expressão como que se entrelaçam e se condicionam mutuamente constituin-
mais verdadeira como um universo pessoal. Se admitirmos que a do o centro de unidade do seu ser, a partir do qual o homem pode
experiência da pessoa na dimensão da intersubjetividade tem como afirmar-se como pessoa. Aqui, como antes observamos (supra
arquétipo e paradigma a relação Eu-Tu, sendo pois sua forma nota 100), a dialética da interioridade e da exterioridade atinge a
suprema a experiência do amor-dom !º, veremos que a constitui- sua síntese final, pois a característica essencial da experiência da
ção do universo pessoal se mostra, afinal, como o móvel profundo pessoa mostra-a justamente como abertura ao real ou como
e o télos que impele e orienta o devir das comunidades humanas, movimento de exteriorizar-se no próprio ato da sua mais radical
colocadas sob a norma do existir pessoal como grau mais alto de interiorização 4. É a partir desse centro que irradiam as dimen-
realização humana proposto a cada um dos seus membros. À sões do ser-no-mundo pelo corpo próprio e pela correspondente
experiência da pessoa revela plenamente, nessa dimensão do existir» relação de objetividade bem como do ser-para-o-outro pelo
-com-o-outro, o dinamismo universalizante que já se anunciara na psiquismo e pela correspondente relação de intersubjetividade. E
constituição do seu mundo. Universalizar-se ou estiolar-se nos é igualmente ao atingir esse centro que a experiência da pessoa
estéreis limites do Eu fechado em si mesmo: esse o dilema que desvela sua natureza estritamente espiritual, pois é aí que o ho-
a cada um se apresenta sob a forma de uma injunção existencial mem se vê necessariamente em face da transcendência, vem a
em cujos termos está inscrito de antemão o sentido da vida: ou ser, daquele horizonte da experiência que, descobrindo-se desde a
permanecer no mundo animal do indivíduo ou elevar-se ao unis imanência mais profunda, desenha-se infinitamente além "6 de
verso propriamente humano da pessoa. À vocação ao universal, | todo horizonte mundano e de todo horizonte histórico: o horizon-
ínsita no cerne do ser e do agir humanos, e que encontra sua, te do absoluto do ser, correlato objetivo da experiência do espí-
expressão lógico-dialética no discurso da Antropologia Filosófica, rito HZ, A experiência da pessoa deve ser, portanto, caracterizada
alcança na dimensão intersubjetiva da experiência da pessoa q, rigorosamente como experiência da transcendência, e só como
espaço de realização que a leva à fronteira do Absoluto no gesto, tal ela pode desdobrar todas as dimensões do seu espaço intencio-
mais autenticamente universal que é o dom de si. Retomando na! nal: como experiência da transcendência — ou do Absoluto —
sua significação profundamente humana o paradoxo evangélico do: ela irá conferir finalmente a expressão do pessoal às suas dimen-
“perder-se para encontrar-se” !!!, a experiência da pessoa é, nesse. sões mundana e histórica.
gesto de dar-se, a experiência mais radical da nossa identidade ou
O fato de que o conceito de pessoa na sua acepção plena
ipseidade que só se revela definitivamente na doação de si ad)
tenha feito a sua aparição na cultura ocidental no contexto das
universal "2, É, pois, na experiência da pessoa, ao se desdobrar nd)
especulações teológicas sobre os mistérios da Encarnação e da
espaço intencional da intersubjetividade, que se descobre a oriens.
Trindade constitui uma atestação histórica eloquente dessa in-
tação profunda do movimento de auto-realização do homem e O]
trínseca relação entre pessoa e transcendência na consciência
dinamismo original do existir no operar — operari sequitur esse,
humana, e não será infundado dizer que só a partir de então
— que é, no homem, a passagem propriamente humana da essén)
abriu-se nela o espaço espíritual capaz de acolher a experiência da
cia na existência, o cumprir-se do “torna-te aquilo que és” 1º. Ag
pessoa.
explicitar inteiramente no encontro com o ouiro a vocação aq

210 241
Sendo, pois, a dimensão da transcendência aquela que dá & onde o Transcendente se faz presente como interior intimo; e de lá
contorno definitivo e a definitiva direção intencional ao campo procede para contemplar a Verdade e fazer o Bem, sendo esses os
da experiência da pessoa, é permitido concluir que 0) caminhos que a ele se apresentam para chegar ao reconhecimento
“transcendentais”, tais como os define a tradição clássica, fol do Transcendente como superior summo 2,
mam os pontos cardeais do universo espiritual que é a pát
nativa da pessoa "8; ela se ergue à plena consciência-de-si e
move tendo como referência fundamentais o Ser, o Uno, oV ' 3. Compreensão explicativa da pessoa
dadeiro, o Bom e o Belo; e é justamente nessa referên Di
constitutiva do seu experimentar-se que a pessoa pode caminhal Sendo a experiência na qual o homem se experimenta existin-
sobre o solo móvel e inseguro da sua contingência existencia
9 do como pessoa a mais compreensiva e a mais profunda entre
tomar sobre si o interrogar-se lucidamennte sobre seu próp
todas as experiências humanas, aquela que pode ser dita mais
destino.
propriamente experiência transcendental, ela se mostra, por sua
A figura da pré-compreensão da pessoa fica assim delineady natureza mesma, inacessível aos procedimentos metodológicos
nos seus traços principais, mas convém, talvez, retomá-la ainda. da compreensão explicativa. Uma ciência da pessoa no sentido
uma vez servindo-nos de uma comparação geométrica. estrito mostra-se inexequível, pois à pessoa não pode ser aplicado
nenhum conceito operacional, construído segundo um modelo
Podemos representar-nos o arquétipo absoluto ou o analogatu U]
que submeta o objeto a regras de experimentação a partir das
princeps ao qual se refere a experiência da pessoa e que orientará
quais se obtenham resultados indefinidamente repetíveis. Sendo
sua posterior conceptualização, como um triângulo isóceles em,
experiência do existir singular e único do sujeito no seu consti-
cujo vértice superior inscrevemos o transcendental Uno, e nos
tuir-se e no seu manifestar-se, a experiência da pessoa é articula-
vértices inferiores os transcendentais Verdadeiro e Bom; o triân:
da internamente a partir do centro dinâmico e ordenador do Eu
gulo quer representar o Absoluto do ser na identidade real e ná
— Verum — Bonum !º, A pré-com sou: e esse é inatingível por qualquer processo objetivante de
diferença formal do Unum
conhecimento, que intente reduzi-lo a estado de “coisa” observável
preensão da pessoa — ou a sua experiência plena — se dá em nó
e manipulável !2.
quando, em analogia com o “triângulo divino”, experimentamos
o nosso espaço interior circunscrito pelas linhas que unem o Se a experiência da pessoa é portanto, por definição, algo
vértices da Unidade, da Verdade e do Bem; ou quando experimell pessoal e não generalizável, o homem, no entanto, não renuncia
tamos a nossa unidade estrutural ou a presença de nós a nós a observar a si mesmo e a observar seus semelhantes ab extrinseco
mesmos no pleno exercício da vida segundo o espírito, vem as e a aplicar aos resultados dessas observações os instrumentos
na circunsessão na interioridade do nosso ser, da Unidade, da Ver lingiúísticos e lógicos que permitam identificar cada um em meio
dade e da Bondade. Essa experiência é, no sentido mais rigorost à multidão dos iguais ou em meio à variedade das coisas. Assim
experiência transcendental e, como tal, experiência da pessoa. bi se procede na designação de cada um por seu nome, bem como
plenitude dessa experiência que transborda, então, no nosso abrir 8 na classificação que faz do homem o indivíduo de uma espécie.
ao mundo e ao outro. O “contemplar” (theoria) sob o signo da Finalmente, no campo das ciências humanas, a observação e o
Verdade e o “agir histórico” (práxis) sob o signo do Bem se ent estudo do homem segundo características que pareçam capazes
laçam no ato da pessoa como prolongamento do f quiasmo de unificar todo um conjunto de manifestações do seu ser, sejam
espírito na dimensão do ser-para: de sorte que o finalismo do B elas psicológicas, sociológicas, culturais, etc... têm como alvo
seja a verdade da práxis e a descoberta da Verdade seja o bem propor uma imagem científica do homem. O homem assim ob-
theoría. A descoberta desse núcleo, o mais profundo da pré-comhl servado na vida de cada dia e submetido aos procedimento
preensão da pessoa, significa que, ao abrir-se à transcendência reu classificatórios e analíticos da ciência é o indivíduo, que pode ser
do Absoluto, o homem desce ao âmago da imanência do seu sex, | considerado um sinal manifestativo que anuncia a pre

212,
TPI Earo DEP
PR

te à esfera de uma compreensão explicativa da pessoa, na medida


pessoa na exterioridade do mundo e da história !2. Na medida em:
em que esta, como indivíduo, manifesta-se no terreno da vida de
que o indivíduo pode ser objeto de compreensão explicativa ou
cada dia, onde pode ter lugar a observação dos seus atos e com-
submetido a diversos tipos de abstração e a correspondentes tipos;
portamentos segundo as regras da observação científica. Mas, é
de procedimentos classificatórios e analíticos, é para ele que se
preciso não perder de vista que o conceito de personalidade apa-
volta a curiosidade científica. Desde Aristóteles, as “ciências do)
ocupam um lugar importante na enciclopédia dos rece, no contexto da episthéme moderna, como um conceito
indivíduo”
eminentemente sintético que, na sua acepção mais abrangente,
saberes científicos. No entanto, na tradição aristotélica, retomada.
tenta exprimir o objeto de uma intuição voltada para a totalidade
na Idade Média pela síntese tomásica e prolongada pela tradição
das manifestações do ser do homem !28,
tomista, as ciências do indivíduo permanecem submetidas à atras
ção da filosofia: o indivíduo é pensado na sua inclusão na univer Desta sorte, os conceitos de pessoa e personalidade passaram
salidade da espécie, e só esta é objeto de um conhecimento cien: a fazer parte, modernamente, do campo da compreensão explicativa
tífico rigoroso. Assim a ciência do indivíduo-homem é subordinas e é segundo as regras metodológicas desse campo que são
da à filosofia do homem-espécie e, mais tarde, da filosofia da comumente entendidos e empregados, mesmo quado deles se faz
pessoa, essa, por sua vez, constituída no campo analógico que a um uso que se pretende filosófico. Por outro lado, a distinção
orienta para o “arquétipo teológico” "2, Será necessário o advento entre indivíduo e pessoa passou a ser uma distinção corrente na
do nominalismo tardomedieval para que as ciências do indivíduo filosofia contemporânea, mesmo diversamente entendida pelos
alcancem um estatuto epistemológico próprio e passem a ocupar, vários autores !. Como quer que seja, a pessoa é sempre referida
sob o nome de “ciências humanas”, todos os campos do conhe-. à interioridade espiritual, o indivíduo à exterioridade corporal.
cimento científico do homem. Mas, distinção não é separação. Os fautores dessa distinção insis-
tem em que a pessoa é o indivíduo considerado na sua unidade
É justamente no espaço epistemológico aberto pelo advento
mais profunda, e o indivíduo é a pessoa na sua participação à
das ciências humanas que se forma o conceito moderno de pet-
multiplicidade e temporalidade do mundo material. O indivíduo
sonalidade, distinta então do simples indivíduo, enquanto noção!
é membro de uma espécie e sujeito às suas leis; como tal, dele
do senso comum, e da pessoa, objeto da experiência transcendental,
pode ser dada uma compreensão explicativa. A pessoa é única na
Entre o conceito empírico de indivíduo e o conceito metafísico.
sua originalidade, e irredutível a um denominador comum
de pessoa, o conceito de personalidade pretende, por um lado,
classificatório ou a simples indivíduo de uma espécie !3º, como
gozar de um estatuto científico que o torne capaz de englobar:
tal, ela só pode ser objeto de uma compreensão filosófica.
todas as manifestações do homem sob o ângulo de determinada!
“ciência humana” 12, por outro lado esse conceito se apresenta como,
a transposição, na perspectiva da filosofia moderna da subjetividade,
do conceito metafísico de personalitas, como a forma significada. 4. Compreensão filosófica da pessoa
pelo nome pessoa "ºs, Nesse último sentido, o conceito de persond
lidade adquire um âmbito de significação que ultrapassa os limites A compreensão filosófica ou transcendental é, como sabe-
do conhecimento científico. Ele acompanha a evolução do conceito mos, exercida no nível conceptual no qual se constitui propria-
moderno de pessoa nas suas diversas versões crítica, dialética ou mente a categoria e no qual o discurso dialético articula seus
fenomenológica e, como tal, passa a ser um conceito que se integra elos para ordenar-se como discurso ontológico, vem a ser, como
ao léxico semântico da modernidade científica e filosófica, apresen lógica do ser na sua estrutura e no seu movimento. Um problema
tando então duas faces: uma voltada para as ciências humanas, clássico se apresenta quando o discurso atinge o seu termo, ou
outra para as filosofias do sujeito !?”. quando retorna sobre si mesmo para constituir-se como todo
inteligível º!. Com efeito, a categoria ou o momento dialético
Distinguindo, assim, entre indivíduo, personalidade e pessody
final não pode ser a conceptualização de um novo conteúdo a ser
podemos falar de personalidade como de um conceito pertencem
215
214
dispormos a dar o último passo dialético que nos deve conduzir
compreendido no movimento do discurso, na medida em que tal
ao pleno desdobramento inteligível da forma de ser própria do
conteúdo só poderia ser definido em oposição ao conteúdo ante-
homem. Todos os seres que conhecemos se caracterizam por sua
rior, e seria necessário proceder além dele para operar a síntese de
forma '88, Trata-se de uma noção absolutamente universal, sem a
ambos. Com efeito, em cada um dos níveis transcategoriais [aqui
qual a realidade não poderia ser representada nem pensada. A
denominados seções), o discurso atinge um conteúdo que assina-
forma distingue, organiza internamente e relaciona entre si os
la um non plus ultra do movimento dialético naquele nível. Assim, seres. A Natureza é, assim, uma profusão infinita de formas, mas
no nível das estruturas, a categoria do espírito assinala o termo não é um caos. É uma ordem tanto do ponto de vista estático
dialético do discurso naquele nível quanto ao seu conteúdo, pois como dinâmico. Em cada ser a forma é o principium essendi e o
a noção de espírito é homóloga à noção de ser e, portanto, de principium operandi sendo portanto, igualmente, o principium
infinito. Como proceder além do infinito? No nível das relações cognoscendi. O dinamismo mais profundo do ser orienta-o a
a categoria da relação de transcendência alcança o limite supre- adequar-se à sua forma, a realizá-la plenamente. Mas, esse ser em
mo do ser relacional do homem, referindo-o ao Absoluto. Final-
razão da forma e esse operar em vista da forma são, nos seres que
mente, no nível da unidade, a categoria de realização exprime a conhecemos, regidos inteiramente pela Natureza e determinados
unificação do homem na determinação última do seu ser que é a por suas leis !3º, Assim os seres que podemos denominar “natu-
existência. Desta sorte, a categoria de pessoa, sem trazer um
rais” tendem necessariamente a realizar a sua forma, e é esse
conteúdo novo ao discurso, pode ser designada, no sentido literal fenômeno de observação universal e imediata que Aristóteles
do termo, um méthodos (caminho) 2, no sentido de que ela traça conceptualizou na noção de physis !37. Também o homem, desde
um roteiro de unidade que recupera, ao termo do discurso, a esse ponto de vista, é um ser “natural”. No entanto, a submissão
direção primeira e a linha ordenadora da sucessão dos seus mo- da sua forma ao determinismo natural não define, para o homem,
mentos. Roteiro que, como já antes observamos, permite a leitura a essência e o finalismo do seu ser enquanto propriamente huma-
do discurso tanto na ordem progressiva da inteligibilidade para- nos. Pelo estatuto “natural” da sua forma, o homem é dado a si
-nós (nessa ordem o discurso é uma descoberta progressiva do mesmo na complexidade das suas estruturas somática, psíquica e
homem como pessoal, como na ordem regressiva da inteligibilidade espiritual, do seu estar-no-mundo e do seu estar-com-o-outro, do
em-si (nessa ordem o discurso é a explicitação do fundamento seu abrir-se para a transcendência. Mas, o que caracteriza essen-
último de inteligibilidade que sustenta todo o discurso e cada um cialmente o homem é o movimento, que podemos denominar
dos seus passos). Segundo ambas as ordens, a categoria de pessoa dialético '8, de passagem da forma “natural” que é dada — e,
imprime metodicamente em cada uma das que a precedem o selo nesse sentido é a natureza (N) do homem — à forma propriamen-
da inteligibilidade radical do ser-homem, vem a ser, O selo da te humana (F] e que é originariamente a forma “natural” por ele
pessoalidade '*, Do corpo próprio ao movimento de auto-realiza- recriada como expressão do seu ser. Nesse sentido, o homem é o
ção, passando pelo psiquismo, pelo espírito, pelas relações de artífice ou o artista de si mesmo e sua primeira obra de arte que,
objetividade, de intersubjetividade e de transcendência, é a marca para a imensa maioria é a única — aquela cuja feitura se prolonga
do pessoal que dá a cada uma dessas expressões do sujeito uma para cada um ao longo de toda a vida — é a sua própria existência
significação propriamente humana, integrando-as na unidade como homem. O homem, portanto, não existe como dado mas
ontológica definida pela adequação inteligível entre sujeito e ser. como expressão. E é em vista dessa expressão que ele pode ser
definido, como quer Claude Bruaire, un être donné à lui-même !*º,
Ao empreendermos a compreensão filosófica da categoria de
A ruptura da esfera do “natural” no homem tem lugar justamen-
pessoa, é necessário voltar nossa atenção para as opções teóricas
te quando ele emerge como sujeito, isto é, no ato que opera a
e as diretrizes metodológicas que estabelecemos no nosso ponto
passagem da forma como dado à forma como expressão. Esse ato
de partida !3*, Nossa opção teórica fundamental foi a concepção
é, pois, por definição, um ato de mediação de si a si mesmo, e é
do homem como expressividade. Nela, a idéia central é a relação
a totalidade do movimento de passagem do dado à expressão pela
entre ser e forma, e convém explicá-la mais uma vez ao nos,
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tanto, deve ser matizada, pois é possível fazer proceder do concei-
mediação do sujeito, simbolizada na fórmula (N) -> (S) -> (E) que
define o ritmo fundamental da vida humana enquanto huma- to socrático de psyché '** uma das linhas teóricas que iriam um
nal, A Antropologia Filosófica tematiza e investiga as formas dia conduzir ao conceito de pessoa. Essa linha recebe uma das
fundamentais desse movimento, ordenando-as num todo discursivo suas inflexões decisivas quando a tradição platônico-aristotélica
que deve, por sua vez, estruturar-se dialeticamente, uma vez que transpôs a noção de psyché no quadro infinitamente mais vasto
seus momentos obedecem ao ritmo dialético elementar de passa- da metafísica do Espírito (nous) e situou assim, definitivamente,
gem do dado à expressão, ou da Natureza à Forma 4, Ora, O a idéia do homem na perspectiva da “participação no ser” que
termo do movimento, ao repetir mais uma vez o ritmo dialético assinalou a direção fundamental da revolução espiritual do tem-
elementar dos seus momentos é, igualmente, a passagem po-eixo. Desenvolvendo-se ao longo do pensamento antigo, a
mediatizada pelo percurso desses momentos, da totalidade natu- metafísica do Espírito pode ser considerada, tanto na sua vertente
ral do homem para a sua totalidade humana. Essa passagem é teológica como na sua vertente antropológica, segundo as quais
operada pela categoria de pessoa que se mostra, assim, a Forma se desenvolveu no neoplatonismo, a mais nítida prefiguração do
última e totalizante da expressão do Eu. Nela, portanto, o sujeito conceito de pessoa no pensamento clássico, antecipando alguns
alcança a sua identidade mediatizada consigo mesmo, e o ser é a sua dos traços que esse conceito receberá no pensamento cristão. Por
manifestação. A identidade de ser e manifestação é, desta sorte, a outro lado, as minuciosas análises da psicologia estóica e as se-
única resposta adequada à questão “que é o homem?”, sendo ele o veras exigências da sua moral, bem como a relação que as diver-
único ser entre os que conhecemos na nossa experiência que pode sas versões do Estoicismo antigo estabelecem entre o homem e o
ser definido por essa identidade '2, Mas, sendo essa identidade lógos universal, e a idéia de “lei natural” que se forma nesse
mediatizada pela diferença dos seus momentos, que traduzem a contexto !45, constituem outro fecundo campo preparado para nele
complexidade real do ser humano e a consequente pluralidade das crescer um dia o conceito de pessoa. A razão pela qual esse con-
suas formas de manifestação, ela é uma identidade em devir, O ceito não chegou a explicitar-se plenamente na filosofia antiga
resultado sempre recomeçado de uma existência que se realiza !º. deve ser buscada, provavelmente, na aporia que acompanha toda
a sua evolução e que é caracterizada pela oposição entre a essên-
Compreender filosoficamente o homem como pessoa significa,
pois, tematizar essa identidade mediatizada do sujeito consigo cia (objeto do lógos) e a existência (lugar da contingência e do
mesmo e mostrá-la como termo e princípio de inteligibilidade (como destino). Sendo o homem antigo definido como lógon échon, como
método, no sentido acima explicado) do movimento de auto-expres- portador do lógos, ele se vê, finalmente, forçado a abandonar a
são — que é, igualmente, movimento de autoconstituição — pelo sua existência à obscuridade do acaso ou à necessidade do desti-
qual o homem assume a tarefa fundamental que o define como no, e a fazer consistir a sua mais alta perfeição na contemplação
homem, qual seja a de ser, sendo expressão de si mesmo. (theoría) da realidade ideal, e no esforço para elevar-se acima da
contradição entre a contingência e a necessidade, da qual é tecida
Um longo caminho histórico foi percorrido pela reflexão filo- a trama do mundo sensível 4. O conceito de pessoa só poderá
sófica precedendo e acompanhando a formação do conceito de surgir quando for assegurada, no próprio plano da sua contingên-
pessoa na cultura ocidental. Convém evocá-lo brevemente sob a cia e do seu vir-a-ser, a inteligibilidade intrínseca da existência.
forma que nos é familiar de uma aporética histórica.
b. Pessoa e natureza no pensamento cristão-medieval!!s — O
aparecimento da noção de pessoa no terreno do encontro entre o
1. Aporética histórica da noção de pessoa lógos grego e o lógos cristão, no momento em que este é obrigado
a. A prefiguração da pessoa no pensamento clássico — É um a pensar c a formular suas certezas fundamentais — em suma, a
transpor a fé em teologia — tem lugar, como vimos anteriormen-
lugar-comum historiográfico afirmar que o conceito de pessoa,
te, no curso de uma profunda transformação do substrato semân-
tal como se formou na cultura ocidental a partir do Cristianismo,
era desconhecido ao pensamento antigo. Essa afirmação, no en- tico da língua filosófica grega, sobretudo do próprio termo que
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consagrado de prósopon = persona. Este, ao autárkeia, do livre domínio de si mesmo, suspendendo-o à von-
será posteriormente
tade criadora e salvífica de Deus como Existente absoluto. A
emigrar da linguagem teatral, depois jurídica, para a linguagem da
idéia de sujeito na filosofia moderna pretende resgatar o homem
teologia e depois da filosofia, caminhará para o pólo oposto à sua
da contingência e do destino de um lado e, de outro, elevá-lo à
significação original: em lugar de “máscara” ou “título” passará
dignidade de causa e razão da própria existência inteligível ou do
a significar a totalidade do sujeito na sua mais radical originali-
seu ser racional (Vernunftwesen), para falar como Kant. É no
dade ou na própria raiz do seu ser que é, como tal, incomunicável
contexto desse imenso projeto teórico, cuja execução orienta o
e irrepresentável. É essa inversão de significação que irá incidir
desenvolvimento filosófico, ético, político e ideológico desse mun-
sobre os termos clássicos de ousía (essência) e de hypóstasis (sub-
do de cultura conhecido como modernidade, que um novo perfil
sistência), enraizando-os no terreno da inteligibilidade da existên-
da pessoa se desenha no espaço teórico da primazia do sujeito,
cia, o que implica a analogicidade do conceito de pessoa que
irradiando, a partir dele, sobretudo nos domínios ético e político.
então se forma, mostrando-o predicável primeiramente de Deus
No entanto, a evolução do conceito filosófico de pessoa ao longo
enquanto Absoluto de existência, livre criador dos existentes do ciclo da modernidade continua dominado pela aporia que Kant
finitos e unindo em si ousía e hypóstasis no paradoxo da relação formulou exemplarmente através da distinção entre o homem
subsistente; predicável em segundo lugar da pessoa humana como “ser da natureza” (Naturwesen) e o homem “ser racional”
analogatum inferius, na qual a universalidade da ousía (essência) (Vernunftwesen), nela se opondo de modo aparentemente incon-
se singulariza na incomunicabilidade da hypóstasis (existência), ciliável o “empírico” e o “racional”, o “natural” e o
vindo a inteligibilidade a comunicar-se intrinsecamente ao exis- “transcendental”. O âmago dessa aporia reside na atribuição ao
tir do sujeito finito. Se a grande aporia do pensamento antigo foi sujeito do predicado da autocausalidade com relação ao seu exis-
a impossibilidade de pensar a comunicação da inteligibilidade
tir inteligível ou na imanentização, nele, do seu principium essendi
universal da essência à singularidade da existência, o pensamen- na ordem da causalidade eficiente. Suprimindo-se qualquer co-
to cristão-medieval viu-se aqui diante da aporia inversa, qual seja munidade analógica com o Absoluto transcendente em razão da
a de preservar a inteligibilidade da existência singular — da pes- dependência criatural e consequente participação no ser, coloca-
soa — na sua relação de criaturalidade e como objeto da eleição -se sobre a pessoa humana ou sobre o perfil ideal e normativo da
salvífica por parte de Deus, seja em face da contingência do exis- sua existência empírica, o enorme peso ontológico de ser a cria-
tir empírico e do livre-arbítrio (conceito de origem igualmente dora de si mesma e do seu mundo: da verdade e do bem, dos
teológica), seja em face da necessidade da essência, reconhecida valores e dos fins. Cabe-lhe, em suma, a tarefa verdadeiramente
como paradigma primeiro de inteligibilidade. Essa aporia, de San- titânica de recriar um mundo de contingência e de aparente sem-
to Agostinho às teologias contemporâneas, vem acompanhando -razão, transformando-o num mundo cujas estruturas racionais
toda a história do personalismo cristão. sejam homólogas às razões e aos fins do sujeito. Esse o propósito
c. Pessoa e subjetividade no pensamento moderno — A novi- declarado que inspira o paradigma dialético na filosofia pós-
dade da idéia moderna de sujeito, que acabará conferindo ao pen- -kantiana da pessoa e que se exprime, não obstante tudo que os
samento de Descartes e dos seus sucessores uma inconfundível opõe, nos projetos antropológicos de Hegel e de Marx !”, Essa,
originalidade em face do pensamento medieval e antigo, reside, igualmente, a inspiração profunda que anima a “vontade em vista
entre outras características que a distinguem, no intento nela do poder” de Nietzsche !$. A fragmentação do sujeito nas ciên-
presente de apresentar uma solução radical à aporia resultante da cias humanas e o reconhecimento, no âmbito do paradigma
oposição entre essência e existência. A primazia da essência no fenomenológico, de “regiões de objetividade” que são correlatos
pensamento antigo implicava, como vimos, o abandono da exis- irredutíveis da estrutura intencional da consciência, anunciam o
tência empírica do homem à contingência do acaso e à necessi- destino problemático da pessoa no horizonte da pós-modernida-
dade do destino. A primazia da existência no pensamento cristão» de. Com efeito, a pós-modernidade se caracteriza !º pela fragmen-
-medieval retirava aparentemente do homem o predicado da tação dos discursos unitários e demonstrativamente construídos

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que se apresentaram, desde as origens gregas da razão, como O desde a aurora do tempo-eixo encontrar-se diante do Evento
alvo da sua ambição sistemática; e pela “desconstrução” dos prin- imprevisível e paradoxal da presença do Transcendente no cora-
cípios fundadores e ordenadores desses discursos, tanto os trans- ção da imanência histórica. É esse o lugar de nascimento do
cendentes como Deus e as noções “transcendentais” na tradição conceito de pessoa. A experiência da modernidade, tentando ab-
clássica, como os imanentes como o sujeito e sua atividade a sorver na imanência do sujeito a tensão entre imanência e trans-
priori na filosofia moderna. A pós-modernidade proclama, pois, a cendência que o pensamento cristão abrigou no espaço teórico da
dissolução, por obra das ciências humanas, do objeto-homem, analogia, e seu desfecho na negação pós-moderna, parecem mos-
tendo sido entendido como um dos seus sinais precursores O trar que o conceito de pessoa só logra encontrar seu conteúdo
anúncio da “morte do homem”. A lógica da “desconstrução”, inteligível no campo dessa oposição entre existência e essência,
tendo atingido o zôon lógon échon da tradição clássica e o con- liberdade e graça, tempo e eternidade que alimentou o pensamen-
ceito de pessoa da tradição cristã, atinge igualmente e com maior to cristão. A pessoa, cujos traços se desvanecem no horizonte da
ênfase o sujeito da filosofia moderna: em suma, o homo universalis pós-modernidade, só poderá tê-los reconstituídos se, diante do
preconizado pelo humanismo ocidental; mas também o homem homem do terceiro milênio, o campo dessa tensão voltar a ser
pluriversal sob cujo signo se julgava poder reunir a multiplicidade um campo de experiências vitalmente decisivas para o seu existir
das “ciências humanas” igualmente se dissipa ante a crítica pós- histórico. Quando, em suma, a lógica da imanentismo absoluto
-moderna. O que resta da idéia do homem são fragmentos de cumprir o seu ciclo e deixar de ser o “espírito” (Geist) da civili-
discurso ou microunidades narrativas disseminadas num campo zação do Ocidente.
de linguagem de onde desapareceram as grandes linguagens do
sentido. Como observa agudamente Paulo Meneses !ºº, é justa-
2. Aporética crítica da categoria de pessoa
mente no momento em que a prática social e política e mesmo
as aspirações culturais das nossas sociedades, sobretudo daquelas Já sabemos que o exame crítico da categoria propõe-se inves-
que agora avançam para ocupar seu lugar na cena da história — tigar a possibilidade de se reunir na unidade do conceito os dois
ou para tornarem-se sujeitos da própria história —, fazem da pes- momentos que designam a tensão fundamental presente em cada
soa humana e dos seus direitos um valor-fonte e uma stella rectrix categoria antropológica: o momento eidético e o momento tético.
da sua rota civilizatória, que a pós-modernidade empreende essa O momento eidético exprime a limitação do conteúdo da catego-
multiforme “desconstrução” da idéia do homem. Ela parece par- ria seja à sua estrutura interna (eidos ou essência) seja à finitude
ticipar assim como momento da negação ou como reverso da e situação do sujeito. O momento tético diz respeito ao dinamis-
medalha, da mesma lógica que conduziu a modernidade à afirma- mo da afirmação pela qual o sujeito se põe (thesis) a si mesmo na
ção da autonomia absoluta do sujeito, dotando-o do predicado da enunciação primeira e fundante do Eu sou: enunciação que, refe-
aseidade ou da prerrogativa de ser causa et ratio sui, reservados rindo o sujeito ao horizonte ilimitado do ser, estabelece-o no
pela Metafísica clássica ao Absoluto transcendente. É permitido campo de uma tensão dialética fundamental entre a limitação do
supor que o momento da negação representado pela pós-moderni- eidos que especifica a afirmação e o dinamismo intrínseco à mesma
dade será, por sua vez, negado em virtude desse ritmo dialético afirmação, que aponta para a ilimitação do ser.
que parece reger o desenvolvimento da história. Haverá, no ter-
ceiro milênio, novos discursos unitários sobre o homem em cujo Ao longo do caminho percorrido pela Antropologia Filosófica,
centro brilhará novamente o conceito de pessoa? Em todo o caso, e que agora toca o seu fim, a tensão entre o momento eidético e
a aporética histórica nos mostra que o conceito de pessoa, pre- o momento tético manifestou-se em cada uma das categorias que
nunciado no homem portador do lógos da tradição clássica, emer- elevaram ao nível do discurso filosófico os aspectos fundamentais
ge definitivamente na cultura do Ocidente quando esta conhece da auto-expressão do seu ser que o homem consigna na pré-com-
a maior revolução espiritual da sua história, ou seja, quando o preensão. Nessa tensão, que é constitutiva da natureza do sujei-
surto para a transcendência que elevara o pensamento humano to !, o que aparece é a permanente superação dos limites cidéticos

222, 223
no movimento com que o homem se põe como ser. Essa ruptura ca, aqui considerado sob a forma da tensão entre racionalidade
de limites, segundo a qual "homme passe infinement "'homme unívoca e racionalidade analógica 13. A noção de pessoa é, em si
(Pascal) indica que, desde o início do discurso, os limites da mesma, uma noção analógica, e essa estrutura analógica está
conceptualidade unívoca dentro dos quais se formula o eidos da presente na definição lapidar com que Tomás de Aquino resumiu
categoria são transgredidos pelo dinamismo ontológico da afirma- Boécio : subsistens in rationali natura '*. A subsistência (o ens
ção. É através de um necessário movimento de aná-logia, de trans- in se) exprime a incomunicabilidade radical com que a pessoa é
gressão do lógos categorial, que procede a dialética do discurso em si mesma unidade absoluta, não partilhada com outro ser
antropológico !2, Essa analogia, presente ao longo do discurso, lindivisum in se). A natureza racional exprime a universalidade
permanece implícita naquelas categorias que exprimem formal- radical (ens ad aliud) com que a pessoa, na sua natureza espiri-
mente o homem como ser situado: pelo “corpo próprio”, pelo tual, está aberta ao acolhimento de todo ser: nata est convenire
“psiquismo”, nas relações de “objetividade” e “intersubjetividade”. cum omni ente !*S, Ora, na sua finitude, que a torna realmente
Mas ela aflora explicitamente como matriz primeira de distinta dos outros seres, a pessoa humana não pode realizar em
inteligibilidade quando a auto-afirmação do sujeito se confronta si essa “unidade da unidade e da alteridade” 15 senão verificando
diretamente com a universalidade do ser, vem a ser, quando o analogicamente (pela distinção real na identidade intencional com
sujeito se auto-afirma como espírito ou quando ele se auto-afirma a universalidade do ser), a identidade absoluta do ser-em-si e do
como abertura para a transcendência. Nesses casos é o próprio ser-para-outro que só pode ser atribuída ao Absoluto '%7, A aporia
eidos da categoria que é elevado ao nível da conceptualidade do momento eidético na elaboração da categoria da pessoa huma-
analógica: o espírito e o ser-para-o-Absoluto são noções analógicas na não resulta, pois, de uma oposição entre o conteúdo particular
que, no homem, referem-se a um primeiro analogado, a saber, o da categoria e a universalidade do ser, como é o caso nas outras
Espírito absoluto que é Transcendente absoluto e no qual se dá unidades categoriais 18, Ela resulta da oposição entre o categorial
a identidade absoluta de essência e existência. Quanto à catego- e o transcendental ou entre o finito e o infinito presente no
ria de realização, ela é atravessada pelas duas linhas da razão próprio coração do eidos da pessoa, uma vez que nela deve dar-
unívoca e da razão analógica, de um lado limitada na poíesis e na -se a adequação entre o sujeito e o ser, alvo de todo o movimento
práxis, de outro aberta à infinidade do Absoluto pela theoría. dialético no discurso antropológico, sendo o ser, por definição,
Eis por que a tarefa incessante de viver realizando a própria absolutamente universal 1º,
vida é assumida pelo homem sob o estímulo permanente do agui- É para essa equação ontológica entre sujeito e ser que aponta,
lhão metafísico que o impele a ser mais.
por sua vez, o momento tético de todas as categorias. Ela está
Por conseguinte, o contorno cidético da categoria de pessoa, presente como “em potência” (dynamis) no primeiro Eu sou
sendo esta a síntese das regiões categoriais que a precederam, enunciado pelo sujeito, que assume a primeira determinação do
síntese da essência (estrutura e relações) e da existência (realiza- seu ser — o “corpo próprio” — e só se verificará plenamente com
ção), é limitado por um lado pela linha de conceptualidade unívoca a “atualização” (enérgeia) da igualdade entre sujeito e ser na
das categorias (“corpo próprio”, “psiquismo”, “relação de objeti- categoria de pessoa. Aqui o momento tético não indica um
vidade” e “relação de intersubjetividade”) que exprimem o ho- além *ºº, porque a pessoa é o universal finalmente alcançado ou
mem como ser situado no mundo e na história ou nos campos do tornado enérgeia no sujeito que se auto-afirma como absoluta-
fazer e do agir. Mas, por outro lado, é aberto pela conceptualidade mente singular. Nessa homologia entre sujeito e ser, o momento
analógica das categorias (“espírito” e “relação de transcendên- tético da afirmação coloca o filósofo diante daquela que pode ser
cia”) que referem o homem à infinidade do Absoluto pela ativi- dita a opção ontológica decisiva, na sua tarefa de interpretar o
dade da contemplação. Assim, o momento eidético da categoria sentido último do percurso dialético do Eu sou. Com efeito, ou
de pessoa exprime como que o climax dessa tensão conceptual o percurso é interpretado segundo o paradigma da racionalidade
que percorre todo o itinerário dialético da Antropologia Filosófi- analógica e então a pessoa humana, afirmada segundo o paradoxo

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pelo grande arco da nossa experiência e que coincidem com as
da sua universalidade contida na limitação da situação e da fini-
tude, é pensada, segundo a sua definição de subsistens in rationali fronteiras últimas do ser: a matéria e o Absoluto. Ao totalizar o
discurso antropológico, a categoria de pessoa não somente mostra
natura, como analogado inferior ou participação finita da identi-
o homem aberto à universalidade do ser a partir da particulari-
dade absoluta entre sujeito e ser que define a Pessoa infinita na
dade da sua situação corporal no aqui e agora do mundo. Mostra-
sua absoluta transcendência. Tal é a concepção de pessoa na fi-
-o, outrossim, como lugar inteligível (tópos noétós) na concretude
losofia cristã !!, Qu então o percurso dialético que conduz à afir-
da sua singularidade, onde se entrecruzam e se entrelaçam as
mação da universalidade do sujeito na sua absoluta singularidade,
linhas que procedem de todas as regiões do ser: do sensível e do
ou à adequação em ato entre sujeito e ser é interpretado segundo
do inteligível, do contingente e do necessário, do possível e do atual,
um refluxo na própria imanência do sujeito do dinamismo
do relativo e do absoluto e, finalmente, do universo e de Deus !$.
momento tético e pensado então como paradoxo da subjetividade
O paradoxo do homem reside nessa unidade dos opostos ou nessa
infinita na finitude da situação, dando origem a um novo ciclo de
dialética vivente do uno e do múltiplo. A verdade da sua existên-
problemas que assinalam o roteiro da filosofia moderna. Tal é a
cia está na passagem dessa paradoxal unidade que é dada à uni-
concepção de pessoa segundo a metafísica da subjetividade, obe-
ficação realizada dos opostos que nele forma um nó indissolúvel
decendo ao paradigma de uma racionalidade unívoca regida pela
ao qual será necessário conferir a forma da unidade refletida ou,
norma do Eu penso. a unidade
propriamente, da unidade espiritual que é exatamente
O retorno do discurso sobre si mesmo ao alcançar a categoria da pessoa. A “unidade dos opostos” é assim, ao mesmo tempo, a
de pessoa mostra as peculiaridades da sua estrutura dialética no marca da finitude e da contingência da pessoa humana e a com-
âmbito dessa categoria. O princípio da limitação eidética, apli- provação de que nela se realiza a perfeição mais alta do universo:
cando-se aqui ao eidos total do ser-homem, definido pela suces- persona significat id quod est perfectissimum in tota natura !é.
são das categorias, configura esse eidos como a resposta adequada Desde essa altitude inteligível alcançada pelo discurso antro-
à amplitude da pergunta “que é o homem?” Em virtude desse pológico ao encontrar seu termo e sua síntese na categoria de
princípio, o discurso se autolimita, tendo encontrado seu termo pessoa e que permite a leitura da sequência das suas categorias
na categoria de pessoa e permitindo a dupla leitura da
(sucessão das categorias) e da seja segundo o ordo cognoscendi (para nós) seja segundo o ordo
inteligibilidade para-nós
essendi (em si), podemos organizar a nossa compreensão do ho-
inteligibilidade em-si (fundamentação última das categorias). Ao mem como pessoa segundo os dois movimentos da ascensão e da
mesmo tempo, em virtude do princípio da ilimitação tética, ao descida que, desde a sua utilização por Platão !%, constituem uma
afirmar O seu ser como pessoa, estabelecendo entre os dois ter- das formas possíveis de exercício do pensamento dialético. A
mos uma equação ontológica '2, o sujeito rompe a limitação
continuidade desses dois movimentos e a identidade do terminus
eidética da sua finitude e da sua situação, abrindo-se à infinitude ad quem da ascensão e do terminus a quo da descida, ambos
intencional do ser e tendo a orientar o dinamismo mais profundo sendo constituídos pela mesma categoria da pessoa, mostra-nos,
da sua auto-realização o alvo da união final, pela contemplação e por um lado, a identidade do Eu — sua unidade profunda ou sua
pelo amor, com a infinitude real do Existente absoluto (Ipsum ipseidade — na diferença das suas manifestações que se ordenam
Esse subsistens)'8, como formas da sua auto-expressão, ou seja, formas de expressão
Finalmente, o paradoxo e a verdade profunda do homem do mesmo (autós), finalmente identificadas na categoria de pes-
manifestam-se na totalização operada pela categoria da pessoa soa. Em virtude dessa supremamente unificante manifestação do
como termo do discurso antropológico. Aqui o homem mostra-se Eu no seu Eu pessoal, o microcosmo humano pode ser descrito
verdadeiramente como unitas oppositorum. Por um lado, essa segundo a continuidade ascendente e descendente dos níveis de
unidade é a mais perfeita que possamos conceber: é a unidade do ser, em si mesmos irredutíveis, que nele se unem, sem se confun-
ser que subsiste em si mesmo pela reflexão sobre si mesmo !%. dir, em síntese admirável, enunciada nessa única proposição: o
Por outro lado, ela reúne em si os extremos opostos alcançados homem é pessoal,

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226
5. Conclusão: a pessoa humana entre o tempo e a obras a inelutável sentença, signo da nossa mortalidade: pendent
interrupta opera.
eternidade
Aparentemente desde as suas mais remotas origens, o homem
Tendebantque manus, ripae ulterioris amore experimentou como uma intolerável contradição introduzida no
Virgílio, Eneida, VI, 814 âmago do seu ser esse duro destino que o entrega à morte e, com
ele, todas as suas obras. Debemur morti nos nostraque "": como
Como uma sombra que teimava em desenhar-se sobre esse velho
aceitar resignadamente essa sentença que contradiz as mais pro-
muro do destino que corre à margem de todos os caminhos do fundas aspirações do nosso ser? Assim a História, sendo um in-
homem, o problema da morte, tendo chamado nossa atenção ao terminável caminhar entre túmulos, deixa ouvir um imenso cla-
terminarmos a exposição sobre a categoria do psiquismo !º, acom-
mor de protesto contra a morte. Todas as vozes que nos chegam
panhou silencioso cada passo do nosso itinerário. Inscrita nas estru- do passado e aquelas que lançamos ao tempo por vir falam do
turas do nosso estar-no-mundo, a mortalidade insinua-se em todas incoercível e poderoso anelo de imortalidade que habita o ho-
as dobras do nosso ser-no-mundo e envolve na sua sombra todas as mem e que ele aspira comunicar às suas obras. Um anelo que
formas de expressão do nosso existir como homens. As intuições convém denominar com toda propriedade ontológico, pois nasce
mais profundas da inteligência, os mais audazes ímpetos da liberda- das mesmas profundas camadas do nosso ser atingidas pela con-
de, o gesto supremo do amor e do dom de si, a elevação contempla- tradição e pelo escândalo da morte. Se, como quer M. Heidegger!?,
tiva do místico, a criação genial do artista e, ainda, os produtos da o ser-para-a-morte é constitutivo das estruturas de autenticidade
pofesis, as instituições da práxis, as grandes construções intelectuais do ser humano e deve ser assumido com a lucidez do animal que
da theoría, tudo, afinal, é coberto pela sombra da morte e sobre tudo sabe que deve morrer, o ser-para-a-imortalidade pode igualmente
se fecha a noite do tempo. Desse abismo escuro nada retorna senão considerar-se um constitutivo ontológico do homem, como mos-
sob a forma de memória, de lembrança, de precária reconstituição tra de modo irrefutável esse imenso e doloroso esforço, atestado
narrativa presa ao fio mais ou menos longo de uma tradição. Mas em cada página da história, com que o homem tenta libertar-se
também esses frágeis ensaios de sobrevivência esmaecem e se apa- da lei da morte !?2, Na verdade, estamos diante de uma contradi- |
gam no correr de uma longa duração. Arrastadas em incessante ção propriamente metafísica, ou seja, que se formula em torno da
fluir, todas as obras do homem e, em primeiro lugar, a obra da sua interpretação do nosso ser, dilacerado entre a morte e a imorta-
própria vida, a expressão do seu existir, assemelham-se a esboços lidade. Essa contradição assume, de fato, a feição de uma luta, a |
incompletos, a gestos interrompidos, a formas inacabadas. Assim as mais temerosa e decisiva entre quantas devemos necessariamen- |
deixa a escuridão da morte e nunca mais se poderá saber o que seria te travar e em que a vida — a nossa vida — e a morte — a nossa |
a luminosa plenitude de uma vida plenamente realizada, ou a per- morte —!”* disputam entre si a quem caberá a palavra última |
feição de uma obra que tivesse logrado atualizar todas as virtualidades sobre o nosso destino: |
da sua forma. Eis a razão pela qual as gerações lutam tenazmente Mors et vita duello
para conservar viva a imagem desses exemplares ideais de humani-
Conflixere mirando.
dade que parecem fugir ao destino de uma vida inacabada ou imper-
feita: Como observamos ao fim da nossa exposição sobre o
psiquismo, o desfecho da luta abissalmente profunda entre a vida
aqueles que por obras valerosas e a morte, não o iremos encontrar nos domínios do imaginário e
se vão da lei da morte libertando!”?, da afetividade, mas só pode ser entrevisto desde as alturas do
Ou então celebram as obras nas quais a perfeição alcançada espírito. No entanto, é à imaginação e ao desejo que, desde sem
parece imprimir o selo da imortalidade: uma tragédia de Sófocles, pre, os homens teimam em pedir as armas que assep
uma estátua de Michelangelo, um concerto de Mozart. Mas a lei ria da vida sobre a morte. Os mitos da imortalidade e a
universal acaba sempre inscrevendo na vida humana e nas suas tações da outra vida são, talvez, os mais ricos E

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recebida pela teologia cristã, sofre o choque profundo e mesmo
mais fascinantes tesouros das antigas culturas. Sua variedade €
transformador do encontro com a doutrina cristã da “ressurreição
surpreendente e nenhuma atestação é mais eloquente do “ser
da carne”. Trata-se de uma doutrina — ou do artigo de uma
-para-a-imortalidade” que mora no mais íntimo do nosso ser
profissão de fé !8! — que se refere fundamentalmente a uma ex-
efêmero e frágil, do que todas essas crenças na “vida depois da
e transmis periência decisiva e normativa para a vida das comunidades cris-
morte” que as gerações vão pacientemente recebendo
tãs primitivas: a experiência do encontro com o Cristo Ressusci-
tindo ao longo de toda a história !7%. Mas a própria multiplicação
tado por parte de testemunhas privilegiadas que dele recebem a
das crenças, a enorme diversidade de representações do além ''º,
missão (apóstolos, enviado) de anunciar essa novidade inaudita
mostra que a luta entre a vida e a morte encontra seu terreno
ao mundo e de transmitir essa “boa nova” (euanggélion)'*?” não
próprio no domínio do espírito: é uma luta entre razões ou um
menos inaudita: a vida do Ressuscitado é a vida eterna (zoé
confronto decisivo entre as razões da vida e as razões da morte
aionios) oferecida a todos os homens. Há aqui uma radical
que faz da história da filosofia a narração, por vezes dramática,
desproblematização do problema clássico da “imortalidade” tal
desse combate sem fim e que é, afinal, a querela entre as duas
como fora transmitido pela tradição filosófica antiga. Não se trata
grandes visões do mundo que, vividas como convicções práticas,
da sobrevivência de uma “parte” do homem — a psyché ou o
disputam a confirmação teórica que só à filosofia cabe conceder-
nous — que não é atingida pela morte em virtude da sua identi-
-lhes: o materialismo e o espiritualismo.
dade de natureza (syggenés) com a realidade divina (theion), por
As provas da imortalidade, tais como foram consagradas na essência imortal. Trata-se de uma nova vida que transforma o
tradição ocidental, receberam sua mais alta sanção intelectual e homem todo e a cujo advento a aparente vitória da morte é ab-
o selo de um irrefutável testemunho existencial, no Fédon de sorvida na vitória definitiva da vida 18, Mas essa vitória da vida
Platão. Mas a prova do Fédon, primeira e mais célebre da grande não é uma certeza alcançada pela razão filosófica. É conhecida e
família das provas da imortalidade que se multiplica por toda a proclamada como um dom que procede do Cristo Ressuscitado
história da filosofia e que reconhece nela sua origem, tem em como “espírito vivificante” 18.
vista a imortalidade da psyché e não é, aos olhos do próprio
O encontro entre a ontologia platônica da psyché e a metafí-
Platão, que a completa em outras passagens da sua obra, uma
sica platônico-aristotélica do nous com o anúncio cristão da
prova inteiramente satisfatória !77. Todas as provas da imortalida»
Ressurreição — anúncio inaudito, convém repeti-lo, e mesmo
de da alma que a tradição filosófica conservou desenvolvem-se,
escandaloso no universo espiritual do homem antigo 188 — cons-
com efeito, obedecendo ao paradigma da alma subsistente ou da
titui um dos capítulos mais dramáticos da formação da teologia
alma-substância, situando-se, assim, o problema da imortalidade
e da filosofia cristãs !. O problema clássico da “imortalidade da
entre dois problemas complementares e igualmente difíceis: O
alma” deverá, a partir de então, compor-se com a afirmação da
problema da união da alma e do corpo e o problema da sobrevis
ressurreição do homem na sua individualidade somático-psíquica
vência da alma sem o corpo. São esses os dois problemas que a
ou, mais exatamente, na sua identidade pessoal. Nascido no ter-
tradição platônica (sobrevivência da alma) e a tradição aristotélica
reno da teologia cristã, o conceito de pessoa faz sua aparição no
(a alma forma do corpo) legaram à filosofia cristã-medieval !”,
contexto desse problema cujos termos são submetidos, em con-
Herdeiro da tradição platônica, Santo Agostinho transmite ao)
sequência, a uma profunda revolução semântica, pois nele se
pensamento medieval a idéia da alma que subsiste independentes
infunde um conteúdo inteiramente novo. Ao problema da “imor-
mente do corpo. Herdeiro da tradição aristotélica, Santo Tomás
talidade da alma” sobrepõe-se o problema do confronto entre a
de Aquino opta decididamente pela concepção da alma forma do: pessoa e a morte. Segundo o anúncio da Boa Nova da Ressurrei-
corpo 1”. Como é sabido, a longa história da “ontologia” da alma, ção, cuja expressão literária mais completa é o capítulo 15 da
iniciada com Platão, termina, na filosofia moderna, com a sud: primeira Carta de Paulo aos Coríntios, esse confronto não se
dissolução crítica por Kant nos “paralogismos da Razão pura” !W, trava no terreno de uma oposição metafísica entre a perenic
Na verdade, porém, a tradição da “ontologia” da alma, ao ser

230
do espírito, enquanto participante da natureza divina, e a transi- poderá a coerência da razão filosófica suportar, ao termo do seu
toriedade do corpo, arrrastado no fluxo do sensível. Na perspec- itinerário antropológico, o escândalo da afirmação: a pessoa hu-
tiva da revelação cristã, o confronto é um evento soteriológico. mana é mortal? O que é mortal na mortalidade da pessoa não é
e
Nele a morte não é apenas um fato biológico ou um incident o corpo, pois o corpo não é uma parte do homem. Ele é uma
a ser vencido !8” na gesta de forma de expressão da sua totalidade pessoal e, portanto, não é
metafísico, mas é o último inimigo
salvação consumada pela ressurreição do Cristo e, nela, pela pro- separável dela nem mesmo pela morte. O que morre, pois, é o
messa da ressurreição do homem para uma vida nova '**. homem todo na cessação radical do movimento dialético da sua
auto-expressão. O morto não fala, não se exprime, é alógôs e,
O ato soteriológico fundamental e principial do qual tudo o portanto, simplesmente não é enquanto homem. Mas, como con-
mais procede na visão cristã do homem, do tempo e da morte, é ciliar racionalmente essa cessação radical da vida propriamente
o Fato do Cristo, cuja realidade e visibilidade históricas têm ori- humana como vida que se auto-exprime com o vetor ontológico
gem no evento teândrico que se desenrola no tempo entre a dinâmico do movimento de auto-expressão que aponta justamen-
Encarnação e a Ressurreição: entre O anúncio da assunção da
te para a infinidade do Ser e mostra, portanto, essa estrutura
natureza humana na identidade da pessoa divina e o anúncio da fundamental de ser-para-o-Ser como sendo o constitutivo mais
radical anulação do privilégio ontológico da morte no tempo da profundo da essência do homem? Como conciliar a cessação ra-
vida do homem 1º, Sabemos que o conceito de pessoa na cultura dical do ser na morte com a abertura para o Absoluto do ser na
ocidental surgiu, como da sua fonte mais profunda, da presença relação de transcendência? Enfim, se a pessoa move-se, como no
do Fato do Cristo como matriz de uma nova idéia do homem que seu espaço inteligível próprio, no horizonte das noções
acabou sendo formulada no campo da racionalidade analógica transcendentais, do Uno, do Verdadeiro, do Bom e do Belo, como
aberto pela revelação da Pessoa divina feita homem. Estendido declará-la mortal sem admitir que os seus atos supremos E con-
analogicamente ao homem o conceito de pessoa, na sua unidade
templação da Verdade, o amor do Bem e o êxtase diante Jo Belo,
paradoxal de subsistência e relação, mostra-se como o conceito
trazem em si mesmos a sua própria contradição e são, finalmen-
sintético por excelência e termo adequado do movimento dialético
te, testemunhas do seu próprio absurdo?
de auto-expressão do homem, suprassumindo a aporia entre es-
sência e existência na qual viera terminar a antropologia antiga. E preciso reconhecer que uma resposta plena e cabal a essas
interrogações permanece além dos limites da filosofia. A razão pode
Aqui, no entanto, levanta-se uma questão que não nos é lícito
formulá-las recebendo, de resto, nessa formulação,
esquivar nesse último passo do nosso itinerário filosófico. Pode a os estímulos
teóricos e históricos que provêm da fé. Mas não pode retirar de si
filosofia acolher impunemente o conceito de pessoa, na sua pro-
mesma ou do mundo da sua experiência os elementos de uma res-
cedência soteriológica e na sua conformação cristológica, sem
posta. Para que a mortalidade da pessoa, atestada pelo fato absolu-
violar a regra fundamental da estrita racionalidade dos seus con-
tamente banal e metafisicamente escandaloso de que o homem é
ceitos e das suas demonstrações? Essa interrogação, que atinge,
mortal, possa ser suprassumida na sua própria raiz é necessário que
em primeiro lugar, o projeto global de uma filosofia cristã !ºº,
no homem e no mundo, a eternidade se faça tempo, mas não no
torna-se particularmente aguda quando tem em vista a utilização
sentido de uma transitória tangência do eterno no temporal como
filosófica do conceito de pessoa. Com efeito, como conciliar com
a razão filosófica o escândalo da mortalidade da pessoa quando à
na metafísica grega do Espírito, nem no sentido da monótona repe-
tição, sem começo nem fim, dos ciclos do universo como nas an-
pessoa é atribuída toda a riqueza de significações e, mais ainda,
tigas representações cosmológicas, mas sim no sentido de uma ra-
o predicado de perfectissimum in tota natura que lhe advém da
sua linhagem teológica? A coerência de uma antropologia teoló- dical temporalização do Etemo nas vicissitudes de uma vida huma-
gica da pessoa é resgatada ante O escândalo da morte pela fé na na, de tal modo que seja permitido afirmar: Deus mesmo se fez
absorção do ser-para-a-morte da temporalidade humana na vitória tempo — se fez mortal — e habitou entre nós, assumindo nosso sez-
da vida divino-humana de Jesus na sua Ressurreição. Mas, como
para-a-morte. Ora, em nenhuma época e em nenhum lugar da his-

232, 233
tória humana se ouviu proclamação de tão surpreendente audácia a Ora, a concepção do homem como expressividade, que tenta-
não ser na proclamação da fé cristã. Mas, nessa mesma fé, está mos elaborar dialeticamente ao longo do discurso da Antropolo-
também dito que não é o homem que ousa essa proclamação, é gia Filosófica, parece apta a indicar o lugar ontológico dessa pos-
Deus mesmo que se proclama mortal 'º!, Se a eternidade se faz sibilidade, e tal indicação deve ser a palavra-limite da reflexão
tempo no homem ou se a vida divina se faz vida humana, o privi- filosófica sobre o homem nessa última fronteira do sentido, que
légio ontológico da morte, fechando o caminho do homem mortal, confina com a faticidade aparentemente insensata da morte !º.
está radicalmente abolido em princípio: a obscuridade da Encarna- Com efeito, em cada um dos momentos dialéticos percorridos
ção é já iluminada pelo clarão da aurora da Páscoa. pelo movimento de auto-afirmação do sujeito, manifestou-se uma
inadequação entre os limites eidéticos daquele momento ou o
Se à razão filosófica não cabe avocar a si a justificação dessas conteúdo da categoria que o exprime formalmente (assim, o “cor-
afirmações ou a sua simples rejeição, ela pode — e deve — reco- po próprio” e a “objetividade”, o “psiquismo” e a “intersubjetivi-
nhecer nelas a imprevisível resposta à mais grave interrogação dade”, o “espírito” e a “transcendência”) e o dinamismo primor-
que o homem é forçado a formular acerca dele mesmo e que é dial do Eu sou, voltado para a ilimitação do Ser. Esse “excesso
suscitada pela presença da morte no próprio coração da vida !??. ontológico” do Eu sou permanece e, mesmo, prevalece como razão
Desta sorte, a categoria de pessoa, como termo e síntese do dis- necessária, embora não suficiente, no exercício da automediação
curso da Antropologia Filosófica deve, de um lado, permanecer com que o sujeito se exprime a si mesmo. Na verdade, é em
rigorosamente dentro dos limites da racionalidade filosófica mas, virtude desse “excesso ontológico” que o sujeito percorre os
de outro lado aponta, em face do último e radical desafio da momentos categoriais da sua auto-expressão (momentos eidéticos),
morte, para aquela origem transfilosófica da qual ela procedeu e sem exaurir em nenhum deles o dinamismo da sua autoposição
de onde procede igualmente a resposta à sua aporia mais profun- (momento tético). Ora, se o “excesso ontológico” do sujeito vem
da, com o anúncio da vitória da vida sobre a morte !*. A filosofia finalmente acolher-se à categoria da pessoa, entendida não como
reconhece que essa vitória não é obtida com as suas armas. Mas, novo perfil cidético, mas como expressão adequada do dinamis-
do seu anúncio ela recobra alento para retomar o problema da mo tético do mesmo sujeito (ou como método no sentido acima
pessoa e repensá-lo na perspectiva da tensão entre o tempo e a explicado), é lícito concluir que a pessoa, conquanto existindo
eternidade, entre o horizonte absoluto da morte e a transgressão como ser-no-mundo e exercendo no tempo os atos pelos quais
desse horizonte na abertura à universalidade do Ser, entre a limi- exprime o ser total do homem na sua homologia com o Ser (atos
tação eidética dos conteúdos e a ilimitação tética da forma do que são, por definição, os atos da vida segundo o espírito)! não
movimento de auto-expressão do sujeito, movimento levado a existe em si mesma como voltada teleologicamente, em virtude
seu termo justamente pela categoria de pessoa. Se a filosofia não de intrínseca necessidade, para o horizonte do mundo e para os
pode demonstrar o desenlace dessa tensão e não pode, portanto, seus fins temporais como sendo o éschaton definitivo do seu ser.
pronunciar a palavra final sobre o destino da pessoa, não lhe Caso contrário, seríamos forçados a admitir que uma contradição
sendo possível demonstrar com a necessidade do conceito * a dialeticamente insuperável se aninharia no próprio âmago da nossa
gratuidade de um dom transcendente, ela pode — e deve — mostrar concepção de pessoa: ao mesmo tempo em que, no movimento
na estrutura da pessoa a capacidade essencial de acolher o dom da sua constituição ou no movimento da auto-expressão do sujei-
da imortalidade, inscrita na capacidade de abrir-se à universalida- to, que se situa na ordem da causalidade formal ou da definição
de do Ser e de orientar-se para a transcendência !º. Trata-se de do seu ser, ela nega os limites eidéticos dos estágios percorridos
mostrar, em outras palavras, que o ser-para-a-morte não circunscre- por esse movimento e, sobretudo nega, ao se exprimir como es-
ve o horizonte de todas as possibilidades ontológicas da pessoa, ou pírito, os limites do seu eidos mundano e temporal, estaria neces-
então de mostrar filosoficamente a possibilidade dessa invalidação sariamente e definitivamente voltada, na ordem da causalidade
da morte como matriz hermenenêutica fundamental do ser-no-tem- final ou da explicitação do telos do movimento da sua auto-
po da vida humana, que tem lugar no evento da Páscoa !%. expressão, para os fins encerrados nos limites do tempo e do

234 235
mundo. Estaríamos diante de uma contradição intolerável entre
a forma e o fim !ºº, e a impossibilidade de admiti-la nos obriga a
NOTAS
concluir que o ser-no-mundo e a inscrição do ser-para-a-morte no
tempo da vida humana não nos autorizam a decifrar neles o des-
tino final da pessoa. Mais ainda, seremos obrigados a concluir
que o tempo da vida humana, não obstante a sua distensão 1, Bibliografia fundamental sobre a noção de pessoa: Santo Agostinho, De
imanente entre o antes e o depois, entre a retenção do que foi e Trinitate; Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I, q. 29, aa. 1-4; De
a protensão para o que será, é um tempo estruturalmente Potentia, q. IX, a.a. 1-9; Qu. de Unione Verbi Incarnati; 1. Kant, Grundlegung zur
expectante, atravessado por um anelo profundo e inextinguível Metaphysik der Sitten (Werke, ed. Weischedel, IV, pp. 11-102; tr. fr. de V. Delbos,
Paris, Delagrave, 1974); Anthropologie in pragmatischer Hinsicht, II. Teil (Werke,
por uma plenitude que só pode ser o dom de uma realidade trans- VI, pp. 399-690; tr. fr. de M. Foucault, Paris, Vrin, 1964); G. W. F. Hegel,
cendente, sendo propriamente o abrir--se de uma eternidade que Grundlinien der Philosophie des Rechts (tr. fr. de R. Derathé, Paris, Vrin, 1975);
acolhe e transfigura o tempo efêmero da pessoa no mundo. Vorlesungen úber die Philosophie der Religion, ed. W. Jaeschke, Hamburgo,
Meiner, 1985 (tr. esp. de R. Ferrara, Madrid, Alianza, 1985ss.); M. Scheler, Der
O ser e o modo dessa eternidade permanecem inacessíveis à Formalismus in der Ethik und die materielle Wertethik (Werke, vol. II, Berna,
demonstração filosófica. Dela, no entanto, uma figura ou ima- Francke, 1954; tr. fr. de M. de Gandillac, Paris, Gallimard,1955); N. Hartmann,
Ethik, Berlim, de Gruyter, 1949, pp. 229-238; 765-785; M. Blondel, L'Être et les
gem 2º transparecem justamente nesse dinamismo da auto-afir- êtres, Op. cit., pp. 95-107; L'Action II: "action humaine et les conditions de son
mação e nesse surto profundo do Eu sou que passa além de todo aboutissement, Paris, Alcan, 1937, pp. 191-367; E. Gilson, L'Esprit de la philosophie
eidos finito e tende à plenitude infinita do ser. Ele é como a médiévale, 2. éd., Paris, Vrin, 1944, pp. 194-213; J. Maritain, La Personne et le
versão conceptual, na estrutura ontológica do sujeito, do bien commun, ap. Oeuvres, ed. H. Bars, Paris, Desclée, 1978, II, pp. 274-331; E.
Mounier, Manifeste au service du personnalisme (1936), Anarchie et Personnalisme
inquietum cor agostiniano 2º! e do desiderium naturale videndi (1937), Personnalisme et Christianisme (1939), ap. Oeuvres, Paris, Seuil, 1961, I, pp.
Deum tomásico 22, Ele nos mostra que é possível uma nova es- 481-779; B. Romeyer et al. Archives de Philosophie, XV (1938) cah. 2 (número
trutura de vida — filosoficamente inefável — da auto-expressão dedicado à pessoa); L. Franca, A Crise do mundo moderno, Rio, Agir, 1941, pp. 153-
-173: E. Stein, De la Personne (tr. Ph. Secretan), Paris, Friburgo, Cerf/éd. Universitaires,
do nosso ser, em que o princípio da nossa expressividade, o Eu 1992; A. Marc, Psychologie Réflexive, Paris/Bruxelas, Desclée-Les Êditions
sou, seja sobrelevado pelo dom ou graça do Absoluto e em que a Universelles, 1948, II, pp. 376-401; J. de Finance, Connaissance de I'Étre, Paris,
forma e o fim do nosso ser passem a ser definidos pela radical Desclée, 1966, pp. 477-494; J. de Finance, Personne et valeur, Roma, PUG, 1992; M.
suprassunção do nosso ser-no-mundo na plenitude realizada do Nédoncelle, La Réciprocité des consciences: essai sur la nature de la personne,
Paris, Aubier, 1942; Id., Personne humaine et nature, 2 éd., Paris, Aubier, 1963; Id.,
nosso ser-no-Absoluto. Essa nova estrutura de vida é designada, Pour une philosophie de "amour et de la personne, Paris, Aubier, 1959; tr. port.
no NT , como “vida eterna” 28 e como “visão face-a-face” 24 e foi Lisboa, Livraria Morais, 1961; Id., Conscience et Logos: horizons et méthodes d'une
conceptualizada pela teologia como visio divinae essentiae *ºS. philosophie personnaliste, Paris, éd. de V'Épi, 1961; G. Marcel, Être et Avoir, Paris,
Aubier, 1935; Id., Homo Viator, Paris, Aubier, 1945; J. Lacroix, Personne et Amour,
Tal seria a realização final da pessoa, termo legítimo do seu Paris, Seuil, 1955; M. Arnold-J. Gasson, The Human Person, Nova lorque, The Ronald
dinamismo mais profundo, por ela pressentida, mas nem podendo Press, 1954; 1. Gobry, La Personne, Paris, PUF, 1966; R. Guardini, Welt und Person,
ser alcançada pela sua vontade nem mesmo positivamente pen- Wiirzburg, Werkbundverlag, 1939 (tr. fr., Seuil, 1966; tr. port. São Paulo, Duas Ci-
dades, 1963); O. Vilela, A pessoa humana no mistério do mundo, 2a. ed., Petrópolis,
sada por sua razão 2%. Ela permanece, no entanto, aos olhos do Vozes, 1971; L. Pareyson, Esistenza e Persona, nuova ed., Genova, Il Melangolo,
filósofo que se dispõe a pôr o ponto final no discurso com que 1985; M. Miller, “Person”, ap. Erfahrung und Geschichte, op. cit. pp. 81-197; B.
tentou responder racionalmente à pergunta “que é o homem?”, Welte, “Zum Begriff der Person”, ap. Die Frage nach dem Mensch, op. cit. pp. 11-
-22; M. Theunissen, “Skeptische Betrachtungen iúber den anthropologischen Person-
como o centro claro-obscuro do mistério da nossa presença no begrift”, ap. Die Frage nach dem Mensch, op. cit., pp. 461-490; L. Stefanini, “Persona”,
mundo: mistério indevassável da existência de cada um diante do “Personalismo”, ap. Enciclopedia Filosofica, IV, 1504-1531; M. Furhmann, B. T.
qual a Filosofia, tendo discorrido sobre a essência de todos, se Kible, H. P. Schútt, W. Schild, G. Scherer, M. Scherner, “Person”, Historisches
inclina, nele reconhecendo a presença atuante de uma Inteligên- Worterbuch der Philosophie, VII, col. 269-338; A. Halder-M. Miller, “Person
(philosophisch)”, ap. Sacramentum Mundi, III, Friburgo, Herder, 1969, 1115-1127.
cia infinitamente bondosa e de um Amor infinitamente verdadei- 2. Essa multiplicidade de raízes semânticas do termo “pessoa” é enumerada
IO. por M. Furhrmann, “Person, I”, ap. Historisches Wôrterbuch dez Philosophie, VII,

236 237.
269-283; ela fora assinalada por Boécio e pelos autores medievais: ver S. Tomás, 10. Sobre essas oposições, ver M. Theunissen, “Skeptische Betrachtungen
Summa Theol., I, q. 29 a. 3 ad 2m; De Potentia, q. 9, a. 4 ad Im; sobre a história úber den anthropologischen Personbegriff”, ap. Die Frage nach den Mensch, op.
da noção de “pessoa” ver ainda I. Meyerson, La fonction psychologique et les cit., 461-492 (aqui, pp. 463-464].
oeuvres, Paris, Vrin, 1948, pp. 151-185. 11. Seja-nos permitido evocar aqui um trecho pouco conhecido, mas muito
3. Distinguindo entre o logos hebraico e o logos cristão, M. Nédoncelle evo- belo de R. Sabóia de Medeiros: “A pessoa é uma tensão e um florescimento, um
ca, em páginas sugestivas, as relações entre logos e pessoa que se desdobram no ir e um vir, vado et venio ad vos, um modelar-se de acordo com e um afirmar-
mundo moderno a partir da personalização do Logos na revelação cristã. Ver -se em, um efeito e uma originalidade, um exemplado e um exemplar, é acabada
Conscience et Logos, op. cit., pp. 223-237. mas está sempre por fazer-se...”; “A Humanidade na encruzilhada I: Problemas da
4. Ver as páginas clássicas de E. Gilson sobre o personalismo cristão na Idade pessoa” ap. Serviço Social, São Paulo, Março (1944): p. 24; ver também L. Pareyson,
Média, ap. L'Esprit de la philosophie médiévale, op. cit., pp. 194-213. Sobre as Esistenza e Persona, op. cit., pp. 174-178.
origens teológicas da noção de “pessoa”, ver M. Fuhrmann, “Person, I, 4”, Hist. 12. “Incomunicável” aqui evoca a definição de Ricardo de São Vítor, citada
Woórterbuch der Phil. 274-281. por Santo Tomás (Summa Theol., I, q. 29 a. 3 ad 4m) e que se refere à absoluta
5. A recente e monumental Encyclopédie Philosophique Universelle, II, Les singularidade da pessoa, que não pode ser parte de um todo, espécie ou indivíduo
Notions philosophiques, não consagra ao verbete “personne” mais que algumas de um gênero, acidente ou modo de uma substância.
linhas (pp. 1913-1914). 13. Nessa perspectiva, a oposição introduzida por alguns autores como M.
6. Assim, o “corpo próprio” é suprassumido (ou negado dialeticamente) no Sn ou N. Hartmann entre pessoa e Eu, ou pessoa e sujeito, mostra-se inacei-
“psiquismo” e ambos suprassumidos no “espírito”. A região categorial da “estru- tável.
tura” é suprassumida na região categorial da “relação”. No interior desta, a “re- 14. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 213 e nota 62; pp. 219-220.
lação de objetividade” é suprassumida na “relação de intersubjetividade” e ambas
na “relação de transcendência”. Enfim, a região categorial da “relação” é À 15. Na pessoa verifica-se, por excelência, o que Tomás de Aquino, seguindo
suprassumida pela “unidade”, primeiramente como “unificação” na categoria de Aristóteles, afirma da “alma”: nata est convenire cum omni ente (De Verit. q.L,
“realização”, finalmente como “unidade essencial” na categoria de “pessoa”, na a.1 c; Summa Theol., I, q. 14, a. 1 c; C. Gentiles, II, c. 112; ver Aristóteles, De
qual converge e pela qual é suprassumido todo o movimento do discurso. Anima, II, 8, 431 b 21.
7. No sentido de causa formal adequada ou Idéia do ser do homem, de modo 16. Essa hierarquia, que no pensamento clássico funda-se numa correspon-
a se poder enunciar como proposição conclusiva da Antropologia Filosófica: o dência entre a ordem cosmológica e a ordem ontológica, ou entre a ordem do
homem é pessoa. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 168. O termo “essên- universo e a ordem do ser (Ver J. Moreau, L'idée d'univers dans la pensée antique,
cia” tem, assim, duas significações na terminologia do nosso Curso: a. essência Turim, SEI, 1953; D. O'Meara, Structures hierarchiques dans la pensée de Plotin,
como expressão inteligível das estruturas e relações constitutivas do ser do ho- Leiden, Brill, 1975, pp. 9-18), pode e deve ser considerada apenas na ordem
mem, da sua ipseidade ou do seu eidos; como tal opõe-se dialeticamente à exis- ontológica na qual a pessoa se mostra como summum perfectionis. Como é
tência ou ao movimento concreto de realização da essência; b. essência como sabido, a posição axial da pessoa no universo foi recuperada por Teilhard de
expressão inteligível da totalidade do ser do homem, respondendo à pergunta “que Chardin na perspectiva de um universo em evolução. Ver “Esquisse d'un univers
é o homem?” e desempenhando, assim, a função lógica da definição que integra personnel” ap. L'Enérgie humaine (Oeuvres, Paris, Seuil, 1962, pp. 67-114). Ver H.
ser e devir na proposição: “A pessoa é a essência do homem”. Se é permitida aqui C. Lima Vaz, Universo científico e visão cristã em Teilhard de Chardin, Petrópolis,
uma analogia com a lógica hegeliana, diremos que a essência na sua primeira Vozes, 1967, pp. 126-127.
significação corresponde a Wesen (integrando a realização efetiva, momento lógi- 17. Persona est rationalis naturae individua substantia, Liber de duabus
co da Wirklichkeit segundo Hegel, que denominamos existência); e na sua segun- naturis, WI (ML, 64, 1343 C).
da significação corresponde a Begriff.
18. Summa Theol., 1, q.29 a. 1 c.
8. Esses dois sentidos podem ser simbolizados logicamente em dois silogismos
dialéticos da forma: a. inteligibilidade para-nós, U— P — S: a universalidade (U) 19. Summa Theol., 1, q. 29,9. 4c.
da essência (estruturas e relações) é mediatizada pela particularidade (P) da exis- 20. E esse, sem dúvida, o capítulo final ou o termo da ascensão dialética da
tência (realização), para efetivar-se na singularidade (S] da pessoa; inteligibilidade metafísica da perfeição na sua procedência platônico-aristotélica e na sua trans-
em-si, U—S — D: a singularidade (S) da pessoa é a mediação entre a universa- posição tomásica; ver Antropologia Filosófica I, op. cit. pp. 255-257 e notas
lidade (U) da essência e a particularidade (P) da existência. No primeiro caso, o correspondentes. Sobre o conceito de perfeição aplicado à pessoa no pensamento
meio-termo (P) torna possível a ordem do discurso como progresso no conheci- de Santo Tomás, ver F. Marty, La perfection de I!'homme selon Saint Thomas
mento. No segundo caso, o meio-termo (S) mostra a razão do discurso como d'Aquin, op. cit., pp. 135-148.
fundamento do conhecimento. No primeiro caso se demonstra o homem consti- 21. J. de Finance, Connaissance de être, op. cit., pp. 488-502; essas páginas
tuindo-se inteligivelmente como pessoa; no segundo caso se expõe o homem constituem uma excelente introdução à concepção clássica da pessoa.
como sendo inteligivelmente pessoa. 22. Ver M. Miller, A. Halder, v. d. Heydte, H. Conrad, art, “Perso ns
9. Sobre a pessoa como começo absoluto ver B. Welte, “Zum Begriff der Staatslexikon, 6? ed., Friburgo B., Herder, 1961, pp. 197-209; para a Psicol
Person”, ap. Die Frage nach dem Mensch, op. cit., pp. 11-22. J. Corraze, “Personnalité”, ap. Encyclopedia Universalis, 12, 826:B80

238
23. Sobre os “personalismos” ver M. Theunissen, Historisches Woôrterbuch 41. No caso desse conceito, sua origem cristá é eloquentemente evocada por
der Philosophie, VII, 338-342 e, sobretudo, o longo artigo de L. Stefanini Hegel sob a forma de “liberdade da pessoa”; ver Grundlinien der Philosophie des
“Personalismo”, Enciclopedia Filosofica, 2? ed., IV, 1511-1531. Rechts, 8 62 Anm.
24. Ver supra, nota 10. 42. Hegel expõe essa concepção da liberdade na Introdução à Filosofia do
Direito (Grundlinien der Phil. des Rechts, 88 1-28). Sobre essa passagem ver
25. Gegensatzeinheit: assim caracterizou M. Múller a unidade da pessoa: ver
Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, op. cit. p. 74 nota 155 e a bibliografia
Erfahrung und Geschichte, op. cit., p. 89. aí indicada, à qual acrescentar B. Quelquejeu, De la volonté dans la philosophie
26. Essa expressão é igualmente de M. Múiiller, ibid. p. 87; essas linhas, de Hegel, Paris, Seuil, 1972, pp. 206-210 e L. Bicca, “O conceito de liberdade em
escritas em 1961, permanecem inteiramente atuais trinta anos depois. Hegel”, Sintese, 56 (1992): 25-47.
27. M. Miller analisa, sob essa ótica, (ibid., pp. 85-87) as expressões literárias 43. No sentido hegeliano do conceito como síntese dos momentos lógicos do
do niilismo e a dissolução psicanalítica da interioridade. Ver também R. Guardini, ser e da essência.
Le Monde et la Personne (tr. fr.), op. cit., p. 134. 44. Vorlesungen úber die Philosophie der Religion, Teil 2: Die bestimmte
28. Para alguns autores, entre os quais J. Maritain, o valor central do mundo Religion (1824), ed. W. Jaeschke, Hamburgo, Meiner, 1985, pp. 408-410. Ver aí no
modemo é o indivíduo, não a pessoa, não havendo, pois, contradição entre a Register s. v. “Personlichkeit”, “Person”, p. 940.
dissolução crítica do conceito de pessoa e o triunfo do individualismo. Para ou- 45. Ver supra, II, cap. 2, nota 19.
tros, o conceito moderno de pessoa, fundado não na Metafísica mas na noção
46. Ver Phinomenologie des Geistes, VI, C.
kantiana de autonomia, foi igualmente suplantado pelo individualismo. Sobre
essa questão ver infra, “Compreensão filosófica da pessoa”. 47. Enzyklopâdie der philosophischen Wissenschaften, 88 488-502; Philosophie
des Rechts, 88 34-107.
29. Ver G. Scherer, “Person III, 1-4” ap. Hist. Wôrterbuch der Philosophie,
VII, 300-306. 48. Ver Grundilinien der Phil. des Rechts $ 35 com a Nota, o Adendo e as
anotações manuscritas de Hegel (Werke, ed. Moldenhauer-Michel, 7, pp. 93-95).
30. “Age de tal sorte que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na Sobre a pessoa na Filosofia do Direito, ver o importante estudo de J. Ritter,
pessoa de qualquer outro sempre e ao mesmo tempo como fim, nunca simples- “Person und Eigentum: zu Hegels Grundlinien der Philosophie des Rechts, 88 32
mente como meio”, Grundlegung der Metaphysik der Sitten, II (Werke, ed. bis 81”, ap. Metaphysik und Politik: Studien zu Aristoteles und Hegel, Frankfurt
Weischedel, IV, 61); sobre o sentido dessa fórmula ver a nota de V. Delbos na sua a. M., Suhrkamp, 1969, pp. 237-280 (tr. fr. em Hegel et la Révolution française,
tradução, Fondements de la Métaphysique des moeurs, p. 150, nota 132. Paris, Beauchesne, 1970, pp. 65-87). Ver igualmente E. Weil, Hegel et 'État, Paris,
31. Grundlegung der Metaphysik der Sitten I (Werke, ed. Weischedel, IV, 27- Vrin, 2 éd., 1966, pp. 37-39; sobre as críticas à teoria hegeliana da propriedade ver
28); ver G. Scherer, “Person, III, 5”, Hist. Wórterbuch der Phil., VII, 307-310. V. Hôsle, Hegels System: der Idealismus der Subjektivitãt und das Problem der
Intersubjektivitát, Hamburgo, Meiner, 1987, II, pp. 491-498.
32. Ver F. Kaulbach, Immanuel Kant, 22 ed., Berlim, de Gruyter, 1982, p. 237;
ver M. Miiller, Erfahrung und Geschichte, op. cit., pp. 106-107. 49. Sobre o Espírito absoluto como Idéia absoluta do Espírito, termo e ápice
da dialética do Espírito, ver E. Brito, Dieu et IÊtre d'aprês Thomas d'Aquin et
33. Essa demonstração, como é sabido, é levada a efeito por Kant nos
Hegel (col. Théologiques), Paris, PUF, 1991, pp. 70-BO.
“paralogismos da Razão Pura”, Kritik der reinen Vernunft, Transzendentale
Dialektik, 1, 1 (Werke, ed. Weischedel, II, 341-399). 50. Não obstante Hegel ter retomado e aprofundado o tema fichteano da
“intersubjetividade”. Ver M. Theunissen, “Die verdringte Intersubjektivitãt in
34. Terceiro paralogismo da personalidade, ibid., 370-374. Hegels Philosophie des Rechts”, ap. D. Henrich / P. Hortsmann (eds.), Hegels
35. Grundlegung der Metaphysik der Sitten, [Werke, IV, 72-74). Philosophie des Rechts, Stuttgart, Klett-Cotta, 1982, pp. 317-381.
36. Ver G. Scherer, H. P. Schitt, W. Schild, “Person, HI”, 6-10 e IV-V, ap. 51, Ver a exposição ampla desse tema em E. Angehm, Freiheit und System
Historisches Woórterbuch der Philosophie, VII, 309-338; ver ainda M. Theunissen, bei Hegel, Berlim, de Gruyter, 1977, pp. 439-480.
“Skeptische Betrachtungen úber den Personbegriff”, art. cit., pp. 476-490. 52. Sobre o problema do mal ver E. Angerhn, op. cit., pp. 449-4592.
37. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 111-154, 53. Sobre o “monismo” hegeliano como “monismo articulado” ou, mais
38. O problema da pessoa é um dos tópicos que justificam a afirmação da exatamente, “totalidade reflexiva”, ver G. Jarczyk, “Monisme oui, monisme non”,
contemporaneidade do pensamento filosófico de Kant a nossos dias, assim como ap. P. J. Labarritre-G. Jarczyk, Hegeliana, Paris, PUF, 1986, pp. 347-361.
a explicamos, ibid., pp. 111-112. 54. Essa a razão pela qual Husserl distingue o Eu e a pessoa, essa subordinada
ao Eu enquanto por ele experimentada numa relação peculiar ao mundo, Ver
39. P. F. Strawson, G. Ryle, A. J. Ayer e outros. Ver H. P. Schiútt, Historisches
Cartesianische Meditationen, op. cit., med. 4 e 5, pp. 99-186 (tr. fr, pp: 55
Woórterbuch der Phil. VII 3829-332; T. Penelhum, “Personal Identity”, Encyclopedy
of Philosophy (P. Edwards), VI, 95-107; A. C. Danto, “Persons”, ibid. 110-114. 55. Ver supra sec. II, c. 2 notas 27-30.
40. Sobre Fichte ver A. Renaut, L'êre de Vindividu: contribution à une histoire 56. Para Scheler, a pessoa é o “espírito” [Geist) concreto ou
de la subjectivité, Paris, Gallimard, 1989. primento dos atos nos quais consiste a sua essência, Vi

240
exposição de M. Dupuy, La Philosophie de Max Scheler, Paris, PUF, 1959, I, pp. op. cit., pp. 263-302; e pp. 305-461 sobre a “forma de vida” do Eu no saber em
326-367 (ver, pp. 342 ss. uma discussão sobre o “atualismo” de Scheler). geral e na filosofia.
57. Características que dão ao personalismo de Scheler uma nítida feição 70. Ver Antropologia Filosófica 1, op. cit., sec. I, cap. 1, pp. 27-57:
“A con-
ética. Ver M. Dupuy, op. cit. 1, pp. 3855-362; ou ainda, G. Scherer, “Person, II, 8” cepção clássica do homem”.
ap. Hist. Worterbuch der Phil, VII, pp. 315-318. 71. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit. sec. II, cap. 4, pp. 239-289.
58. Entre esses pensadores convém mencionar M. Buber, R. Guardini, G. 72. Sobre essas formas de manifestação do espírito ou temas fundament
Marcel, M. Nédoncelle, E. Mounier, J. Lacroix, L. Stefanini, L. Pareyson e outros; ais
que concorrem para a formação do seu conceito ver Antropologia Filosófica
ver L. Stefanini, “Personalismo”, ap. Enciclopedia Filosofica, IV, 1519-1527. I, op.
cit, pp. 203-204; 210-219,
59. O artigo “Person” do Historisches Wôrterbuch der Philosophie, não faz 73. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 219.
qualquer alusão a essa corrente. A. Jacob (ver “L'Éthique como anthropo-logique”
ap. Encyclopédie Philosophique Universelle, I, pp. 203-223 (aqui, p. 220), após
74. Sob um ângulo diferente uma consideração sobre as componentes “razão”
e “liberdade” no conceito ocidental de pessoa pode ver-se em H.C. Lima
uma referência ao “registro teológico” de uma doutrina da pessoa, julga que Vaz, “O
Antigo Testamento: uma mensagem social?”, ap. Escritos de Filosofia I: Proble-
somente no século XVIII, encorajada pelo difundir-se dos direitos humanos, uma
mas de Fronteira, op. cit., pp. 89-99.
“metafísica da pessoa” se desenvolve, entendendo-se “metafísica” de acordo com
os postulados da filosofia moderna da subjetividade. É uma perspectiva totalmen- 75. Deve ser consultada, nesse ponto, a bibliografia sobre a dimensão
antro-
te diferente da que aqui apresentamos, segundo a qual o surto histórico-cultural pológica da doutrina do pneuma, vetero e neotestamentária, e sobre
a dimensão
do valor-pessoa é acompanhado por uma crítica (Empirismo e Kant) dos funda- antropológica da doutrina do nous a partir de Platão e Aristóteles.
Ver “Lingua-
mentos metafísicos do seu conceito. gem do mundo e linguagem do espírito” ap. Escritos de Filosofia I:
Problemas de
fronteira, op. cit., pp. 223-240 (aqui, pp. 228-233).
60. Ver na nota 1 supra, a referência bibliográfica às obras de M. Blondel, E.
Gilson, J. Maritain, A. Marc, J. de Finance, M. Miller, B. Welte, J. B. Lotz. 76. Ver nota 25 supra.
61. Aqui nos referimos ao conceito filosófico de pessoa na tradição ocidental. 77. Essa afirmação implica a convicção, que atualmente nos parece
a mais
Falta-nos competência para avaliar em que medida a dimensão filosófica desse fundada, da origem exógena de formas de dualismo ou monismo
que se introdu-
conceito logrou ser explicitada nos universos simbólicos de outras culturas nas ziram no pensamento grego, como em algumas versões do platonismo e no
quais se assinalam, por outro lado, sobretudo sob os aspectos psicológico e socio- monismo estóico. Em particular, julgamos que o dualismo não
pode ser atribuído
lógico, representações do homem análogas ao conceito ocidental de pessoa. ao pensamento original de Platão como, segundo cremos, mostrou
convincente-
mente C. J. de Vogel no seu artigo “Was Plato a dualist?”, ap.
62. Ver supra sec. II, cap. 3, notas 25 a 28. Rethinking Plato
and platonism (Supplement to Mnemosyne, 92), Leiden, Brill,
1988, pp. 159-219,
63. Ver supra, sec. II, cap. 3 n. 2.
78. Expressão de M. Miiller, que se refere à Personerfahrung nos
64. Ver E. Voegelin, Order and History, op. cit., vols. LI. fundamen-
tos do conceito de pessoa (Personbegriff). Ver Erfahrung und Geschicht
e » OP. cit.,
65. E. Voegelin, Order and History, op. cit., 1, p. 355. pp. 81-82 e passim.
66. Ver E. Voegelin, Order and History, op. cit., 1, pp. 353-515, esp. p. 430 79. “Paradoxo dos paradoxos” (páradoxos paradóxôn), assim o designav
am os
n.4 e p. 485 (personalidade humana de Jeremias). Padres gregos, segundo referência de H. de Lubac, Paradoxes, Paris,
Le Caillou
blanc, 1946, p. 9.
67. Ver Order and History, IV The Ecumenic Age, op. cit. p. 304; essa
diferenciação é, por excelência, a diferenciação “profética”. 80. Trata-se, aqui, daquela analogia entis concreta como a designa
H. U. von
Balthasar (Theologie der Geschichte, 4º ed., Einsiedeln, Johannes
68. A situação do indivíduo na tensão originada pela diferenciação “proféti- Verlag, 1959, pp.
53-54 nota), no sentido de que o Absoluto do ser, como “primeiro
ca” da consciência é expressa com força incomparável na auto-apresentação de analogado” é,
igualmente, uma concreta existência histórica na finitude e na contingê
Paulo à comunidade cristã de Roma: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado o ncia da
sua situação.
Enviado (kletós apóstolos), separado (aphorisménos) para a Boa Nova de Deus, que
Ele anunciara pelos seus profetas e (conservada) nas Santas Escrituras...”. Sobre a 81. O lógos sárx egéneto, Jo 1, 18.
experiência de Paulo nesse contexto ver E. Voegelin Order and History IV, The 82. As vicissitudes da adoção do termo hypóstasis na linguagem e
Ecumenic Age, op. cit., pp. 240-241. na expres-
são conceptual do dogma cristológico e da definição da unidade de Cristo “segun-
69. Sobre a emergência da filosofia nas vicissitudes da formação do indivíduo do a subsistência” (katá hypóstasin) divina foram reconstituídas na
obra clássica
na Grécia ver E. Voegelin, Order and History II, The World af Polis, op. cit., pp. de A, Grillmeier, Christ in christian Tradition from the apostolic
age to Chalcedon
165-171. O cap. 9 da Paideia 1, de W. Jaeger, op. cit., pp. 115-135 é igualmente (451), Londres, Mowbray, 1965.
iluminador a esse respeito: Jaeger mostra o indivíduo plasmando sua própria 83. Grundlinien der Philosophie des Rechts, S 62 Anm. (Werke,
ed.
personalidade na poesia jônica e cólica; aqui, no entanto, fixamos nossa atenção Moldenhauer-Michel, 7, p. 133; grifado no texto). A significação especulat
iva da
na emergência do indivíduo como racional (ver ibid., pp. 150-154). Sobre a forma- Cristologia de Hegel no contexto da transposição da metafísica
clássica. A
ção da personalidade individual na Grécia ver taribém M. Pohlenz, LUomo Greco, metafísica moderna da subjetividade e sua incidência sobre a evoluçã

242,
to de pessoa é estudada na obra monumental de E. Brito, La Christologie de 94.
? Ver H. C. Lima Vaz, 5 “Teologia medieval e mundo moderno”o”, ap. Escritos
i
Hegel: Verbum Crucis, Paris, Beauchesne, 1983, sobretudo pp. 270-343. de Filosofia 1: Problemas de Fronteira, op. cit., pp. 71-86. e
84. Vorlesungen tiber die Philosophie der Geschichte, HI, 3, 1 (Werke, ed. ; 95. A propósito, ver H. C. Lima Vaz, “Pessoa e Sociedade: o ensinamento de
Moldenhauer-Michel, 12, p. 386; grifado no texto). e XXIII”, ap. Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, op. cit., pp. 100-
85. Ver, a respeito dessa tradição, Antropologia Filosófica 1, op. cit., pp. 60-
62. 96. Observe-se que a presença desse paradigma é um fato histórico — o fato
da Revelação cristã — e não um postulado da Razão filosófica ou um princípio por
86. É possível mostrar como a esse risco sucumbiram justamente as heresias ela “descoberto. E um caso exemplar de “filosofia cristã” ou da “fé geratriz de
cristológicas e trinitárias que a ortodoxia rejeitou. Ver, a propósito, E. v. Ivanka, FazÃos, segundo a expressão de E. Gilson. Ver o já citado capítulo de Gilson sobre
Hellenisches und christliches in frúhbizantinischen Geistesleben, Viena, Herder, Sd personalismo cristão”, L'Esprit de la philosophie médiévale, op. cit., pp. 194-
1948.
87. Essa comunidade analógica entre Deus e o homem encontrou no tema
97. Na Introdução (supra, n. 1), esse existir pessoal foi caracterizado, em
bíblico da “imagem” (eikôn) (ver Antropologia Filosófica 1, op. cit., p. 72 nota 5) termos de lógica dialética, como a singularidade absoluta da pessoa, que
a representação fundamental, aplicada primeiramente ao Cristo por São Paulo suprassume a universalidade da essência mediatizada pela particularidade histó-
(2Cor., 4, 4; ver A. Grillmeier, Christ in christian Tradition, op. cit., pp. 24-25), rica da realização.
que Santo Agostinho tão profundamente investigou [De Trinitate) e que Santo
Tomás incorporou definitivamente à antropologia cristã. Ver, além dos textos 98. Esse ato pode assumir várias modalidades. Ver supra, nota 89.
citados em Antropologia Filosófica I, op.. cit., p. 75 nota 58, Summa Theologiae 99. Vivere viventibus est esse: trata-se de uma experiência propriamente
la., q. 93, a. 1 a 9; Ja. Ilae. Prol.; sobre a teologia tomásica da “imagem” ver O. transcendental, tal como foi explicada na sec. II, cap. 3. Experiência que, no caso

|
H. Pesch, Thomas von Aquin, Grenze und Grósse mittelalterlicher Theologie, é presença do Eu a si mesmo, iluminada pela luz do ser que envolve nossa inte-
Maiença, M. Griinewald, 1988, pp. 381-387. ligência no momento em que nos experimentamos radicalmente como seres: em
88. Ver Erfahrung und Geschichte, op. cit., p. 81. Sobre o sentido da “expe- face do destino, da morte, da verdade, do bem, do amor...A transcrição psicológica
riência da pessoa” como experiência histórica em M. Miller ver H. C. Lima Vaz, dessa experiência conhece, por sua vez, infinitas formas, e elas marcam de manei-
Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, op. cit., pp. 227-249 (aqui, pp. ra profunda o que se chama propriamente, do ponto de vista moral, psicológico
236-246). ou social, a personalidade de cada um. ê
89. Erfahrung und Geschichte, op. cit., p. 591; ver também H. C. Lima Vaz, 100. Essa dialética nos acompanhou desde as categorias de estrutura: ver
“Consciência e História”, ap. Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, op. Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 224-225 e pp. 237, notas 107 e 108; ver
cit. pp. 267-280. supra sec. II, c. 1, Introdução. x
90. Entre as experiências exemplares que têm lugar nesses Kairoí convém 101. Ver supra, sec. II, c. 1, Introdução n. 1
evocar a experiência do dom de si no amor; a experiência da decisão por uma 102. Ver Summa Theol. la., q. 87, a. 1, c.; Contra Gentiles, NI, c. 46; De
vocação que defina o sentido da vida; a experiência da descoberta e contemplação Veritate, q. 8, a. 6, c; q. 10, a. 8, c. Nesses textos Santo Tomás distingue
o
da verdade; e, mais radicalmente empenhativa do nosso ser, a experiência da conhecimento da “alma” por si mesma que se dá no simples ato pelo qual a
opção da liberdade finita em face da interpelação da Liberdade infinita. Um estu- inteligência, mediante a espécie sensível, percipit se intelligere; e o conhecimento
do magistral da dialética dessa última experiência deve-se a G. Fessard no seu da natureza da “alma” por ela mesma, para o qual se requer diligens et subtilis
livro La Dialectique des Exercices Spirituels de Saint Ignace de Loyola, Paris, inquisitio. Aqui nos referimos à primeira forma de conhecimento por simples
Aubier, 1956. Ver também R. Guardini, Le Monde et la Personne (tr. fr.), op. cit., presença, pela mediação do outro.
pp. 155-157; e sua análise do Eu cristão segundo São Paulo, ibid., pp. 158-174.
108. A experiência autêntica da pessoa sobrepõe-se, assim, aos dois extremos
91. Gegensatzeinheit, conforme a expressão de Max Miller.
que são a fuga para a pura interioridade e o perder-se na exterioridade do mundo.
92. Esse termo técnico (em grego perichóresis) exprime a circulação da vida Ela se realiza de maneira exemplar no caso dos grandes místicos cristãos, que
imanente da Trindade divina. No mistério da Encarnação a identidade da Pessoa Bergson analisou em páginas célebres (Les deux sources de la Morale et de la
divina submete-se à kénosis (Fil. 2, 5-9) do tornar-se outro na forma do servo Religion, Oeuvres, éd. du Centenaire, PUF, 1959, pp. 1168-1174).
(morphé doúlou). Na circunsessão trinitária a Pessoa divina é ela mesma no seu
total referir-se a outra Pessoa, mistério designado pela expressão paradoxal de 104. A propósito dessa “personalização” do trabalho, ver “Trabalho e Con-
relatio subsistens (Summa Theol., I, q. 29 a. 4, c.). nte os *, ap. Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, op. cit., pp. 122-
93. Mais do que através de um pretenso dualismo platônico, foi na linha
dessa analogia da pessoa, pensada segundo o tema da imago Dei, que a antropo- y 105. É essa a razão profunda pela qual o corpo, como corpo próprio, é assu-
logia agostiniana marcou indelevelmente a concepção ocidental do homem. Ver, mido na esfera da moralidade, pois só assim ele pode ser expressão da pessoa
a propósito, a comparação entre Agostinho e Hegel por E. Przywara, Humanitas, sendo esta constitutivamente moral. Aqui reside, igualmente, a significação filos
op. cit. pp. 238-239: dialética da passagem do Verbum caro ao Verbum apud sófica da ascese (áskesis, exercícios espirituais) que constitui um tópos clássico
Deum do Prólogo joanino. da filosofia antiga, tendo sido transmitido à tradição cristã e à filosofia

244
como mostrou P. Hadot, Exercices spirituels et philosophie antigue, op. Cit., Maritain, La Personne et le bien commun, op. cit., (Oeuvres, II, p. 293) designa
sobretudo pp. 13-58. A virtude cardeal da “temperança” (sophrosyne ou enkráteia) como “pátria espiritual” da pessoa o “universo do absoluto”.
tem igualmente aqui seu campo principal de exercício. 119. Sobre a experiência da contingência enquanto esta se enraíza na pessoa
106. A expressão “espaço do existir” (Raum des Daseins) ou “espaço existen- como distinta da simples contigência do ser, ver I. Gobry, La personne, op. cCit.,
cial” é de R. Guardini (Monde et Personne, tr. fr. op. cit., p. 48) que enumera pp. 40-49.
como suas direções fundamentais “interioridade” e “exterioridade”, “alto” e
120. Segundo a Revelação cristã, essa representação exprime a circunsessão,
“baixo”. A primeira parte (“O Mundo”) dessa obra de Guardini é uma explicação na identidade da natureza, do Pai (én), do Filho (lógos) e do Espírito (pneuma) na
profunda daquela que aqui designamos como primeira dimensão da “experiência distinção real das relações subsistentes.
da pessoa”,
121. Segundo a dialética agostiniana, o summum é aqui identicamente o
107. Ver supra, sec. II, c. 2, n. 4. intimum: a interioridade espiritual do homem (inteligência e liberdade) que é
108. Ver supra, sec. II, cap. 2 in fine. também a mais alta perfeição do seu ser. Essa identidade do summum-intimum é
109. Segundo alguns autores, é nesse espaço da relação Eu-Tu que se revela o lugar de presença do Transcendente: em face dessa presença o homem é pessoa.
e se constitui a pessoa. Embora com matizes diversos essa é a opinião de M. 122. Ver R. Guardini, Le Monde et la Personne (tr. fr.), op. cit., pp. 132-143;
Buber, F. Rosenzweig, G. Marcel, E. Levinas e outros. Ver G. Scherer, “Person, 9” M. Nédoncelle, La Réciprocité des consciennces, op. cit., pp. 10-15.
ap. Historisches Woôrterbuch der Philosophie, VII, 318-319. Sobre G. Marcel, ver
123. Assim Maritain (La Personne et le bien commun, op. cit., Oeuvres, II,
R. Troisfontaines, De Existence à V'Être: la philosophie de Gabriel Marcel, op.
p. 288), denomina o indivíduo a “sombra” da pessoa. Desta sorte, a presença da
cit., II, pp. 14-28.
pessoa ad extra se faz em dois planos: o plano pessoal propriamente dito, sob o
110. Ver supra, sec. II, cap. 2, nota 123. signo da experiência transcendental; e o plano individual, sob o signo da experiên-
111. Ver supra, sec. II, cap. 2, nota 10. cia comum de encontrar-se entre as coisas e os outros.
112. O universal é, aqui, o estritamente oposto à ficção de uma “substância 124. É necessário observar aqui que o conceito de pessoa (persona) no Direi-
infinita” na qual a individualidade é convidada a perder-se nas místicas panteístas. to, na Política, na Gramática, na Retórica antigas (Fuhrmann, “Person, I”, 2 e 3;
Na “experiência da pessoa”, o doar-se ao universal é o gesto mais eficaz de Historisches Woôrterbuch der Philosophie, VII, 269-274), não tem uma significa-
realização da ipseidade do sujeito. Trata-se, pois, de um universal de sentido, ao ção científica, mas essencialmente prática ou poiética. O Direito entre os Roma-
qual a pessoa se abre ao abrir-se à Verdade e ao Bem no seu encontro com o outro. nos não era uma ciência, mas uma arte e seu exercício se fazia sob a regência de
113. As “ondas concêntricas” (para usar a metáfora blondeliana) de virtudes éticas (como a justiça) ou dianoéticas (como a prudência).
universalização percorridas por esse dinamismo do operar humano foram descri- 125. Assim, se fala em “personalidade psicológica”, em “personalidade socio-
tas com amplitude e eloquência por M. Blondel ao estudar o desdobrar-se da ação, lógica”, em “personalidade cultural”, e ainda “religiosa”, “autoritária”, etc...
desde a sua emergência até.a sua opção decisiva em face da Transcendência. Essas
126. Ver Summa Theologiae, I, q. 39, a. 3 ad 4m.
páginas são a melhor ilustração do que aqui tentamos dizer. Ver M. Blondel,
L'Action (1937), op. cit., IL, pp. 175-367 e Excursus 22, pp. 483-484. Veja-se tam- 127. Ver o artigo de V. Dierse e K. Lassahn, “Persônlichkeit”, ap. Historisches
bém L. Pareyson, Esistenza e Persona, op. cit., pp. 173-195; 205-212. Worterbuch der Phil., VI, 345-352.
114. Nessa estrutura experiencial do encontrar-se no dom de si, a pessoa 128. Ver R. Guardini, Le Monde et la Personne (tr. fr.) op. cit., p. 131. Nessa
humana realiza concretamente sua comunidade analógica com as Pessoas divi- acepção o conceito de “personalidade” domina, segundo Guardini, toda a visão do
nas, que a Revelação nos apresenta como a unidade absoluta ou identidade do homem nos tempos modemos. Guardini distingue “personalidade” (Persônlichkeit;
absoluto ser-em-si (subsistência) e do absoluto ser-para-outro (relação). adj. persônlich) segundo o sentido moderno do termo, e “pessoalidade”
(Personalitit; adj. personal) para o sentido estrito de Person. A estrutura do ser
115. As fases desse movimento foram enumeradas por R. Guardini (Le Mon-
pessoal (persônlich) é, por sua vez, descrita em três estágios: a forma, a
de et la Personne, tr. fr. pp. 117-143) ao descrever a estrutura do ser pessoal,
inividualidade e a personalidade (op. cit., pp. 119-131).
partindo da mais elementar centração, que é a do ser vivo. Guardini distingue aí
o estágio da personalidade (Persônlichkeit) e da pessoa propriamente dita (Person). 129. A mais conhecida explicação da distinção entre indivíduo e pessoa é
Sobre essa distinção ver infra, “Compreensão explicativa da pessoa”. devida a J. Maritain, que fez dela um dos fundamentos da sua filosofia social e
política. Ver La Personne et le bien commun, op. cit., Oeuvres, II, pp. 287-296;
116. O uso da metáfora espacial é aqui inevitável, mas o “infinitamente
“Personne et individu”, Acta Pont. Acad. Rom. Sancti Thomae Aquinatis, 12
além” quer significar a negação de todo limite objetivo no campo da “experiência
da pessoa” enquanto experiência espiritual ou experiência do Absoluto. Sobre
(1946), 3-33. Embora contestada por alguns tomistas (J. de Finance acha preferível
evitá-la: Connaissance e PÊtre, op. cit. pp. 485-488), a distinção maritainiana
metáfora e transcendência ver as observações de M. Blondel, L"Action (1937), op.
entre indivíduo e pessoa conserva um inegável valor heurístico e responde à
cit, IL Polo:
situação criada pelo advento do individualismo moderno. Sobre a individuação
117. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit. pp. 204-207. pela matéria da pessoa humana segundo Santo Tomás, ver F. Marty, La perfection
118. Ver supra, II, cap. 3, nota 42. É essa uma ilustração exemplar do dito de de Phomme selon Saint Thomas d'Aquin, op. cit., pp. 155-162. A distinção entre
Pascal: Platon pour disposer au Christianisme (Pensées, ed. Lafuma, n. 612). J. pessoa e indivíduo situa-se, portanto, num plano metafísico para Santo Tomás, ao

246 247
passo que a distinção moderna entre indivíduo e personalidade diz respeito a dois do segundo Platão, ver Daniel A. Dombrowski, “Taking the World Soul seriously”
níveis dentro da compreensão explicativa ou da ciência do indivíduo. Y. Gobry The Modern Schoolman, LXIX (1991): 33-57.
(La personne, op. cit., pp. 94-96) apresenta outra distinção entre pessoa e perso- 137. Ver Fis., , 1, 192 b 2-23; Met. V (delta) 4, 1015 a 13-19. Aristóteles
nalidade, entendendo-se a pessoa como a essência espiritual e a personalidade considera “ridículo” (geloion) querer demonstrar a existência da physis; o que
como a manifestação somático-psíquica da pessoa. Se aceitarmos essa distinção, vale igualmente para a existência da forma.
poderemos dizer que há uma filosofia da pessoa e uma ciência da personalidade. 38. Trata-se de um movimento dialético porque opera uma “suprassunção”
Para H.-E. Hengstenberg (Philosophische Anthropologie, op. cit., pp. 354-358), a (Aufhebung) ou “negação que conserva”, da forma natural na forma humana.
“personalidade” (Persônlichkeit), que é distinta do “princípio de pessoalidade” Nesse sentido, a forma humana opõe-se dialeticamente à forma natural (como o
(Personalitâtsprinzip) é a atualização da pessoa orientada para os fins que lhe são actus humanus ao actus hominis).
próprios. É na “personalidade” e por meio dela que o agir da pessoa se desdobra 139. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 138.
na relação recíproca com o outro. A concepção da “personalidade” como expres- 140. Esse ritmo tem a sua pulsação normal na vida consciente, mas ele se
são da pessoa retorna, de alguma maneira, à acepção original de prósopon ou estende aos domínios do subconsciente e do supraconsciente (consciência onírica,
persona como máscara que indica o papel desempenhado pelo ator, o que evoca extática, paranormal...) sempre que, de alguma maneira, tenha lugar uma expres-
a acepção sociológica de pessoa, como portadora de um “papel” (rôle) social. Ver são do Eu ou, psicologicamente, uma manifestação da “personalidade”.
as considerações finais de M. Theunissen, “Skeptische Betrachtungen úber den 141. É este o lugar para lembrar mais uma vez que a passagem da Natureza
anthropologischen Personbegriff”, art. cit., aqui pp. 480-490. à Forma não significa a passagem do “informe” ao “formado”, mas da forma
Theologiae, I, q. 30, a. 4, c. natural à forma humana.
130. Summa
142. Entenda-se aqui a identidade mediatizada, não a identidade simples-
131. A formulação e solução clássicas desse problema são dadas por Hegel na mente dada. Essa cabe ao simples fato,à faticidade Ôntica do ser, regida pelo
conclusão da Fenomenologia do Espírito (Saber absoluto), da Ciência da Lógica princípio de não-contradição. A RE do homem consigo mesmoé resulta-
(Idéia absoluta) e da Enciclopédia (Espírito absoluto). do do movimento de automediação (subjetividade ou ipseidade) que o define.
132. Num sentido análogo ao que Hegel tem em vista ao designar como 143. Aqui tem lugar a aporia fundamental da pessoa como perfectissimum
método a Idéia absoluta. Ver Wissenschaft der Logik, II p., 3a. sec., c. 3 (Werke, (ato) e perficiendum (em devir), aporia cujo desenlace só é possível com a afirma-
ed. Moldenhauer-Michel, 6, pp. 548-573), e Enzyklopádie der phil. Wiss. (1830), ção da analogicidade do conceito de pessoa.
88 236-244 (Werke, 8, pp. 3288-393). Hegel aqui, evocando a nóesis noéseos de 144. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., p. 52, nota 31.
Aristóteles [ver Enz. ( 1830), S 236 Zusatz), atribuià Idéia absoluta a “personalida- I45. A propósito, ver M. Pohlenz, Die Stoa: Geschichte einer geistigen
de”. A Idéia absolutaé método enquanto autoconsciência do conteúdo, ou iden- Bewegung. Gôttingen, Vandehoeck u. Ruprecht, 1948, I, pp. 64-110. Sobre a pes-
tidade absoluta do conteúdo e da forma. Analogamente, a pessoa finita no homem soa no pensamento antigo ver os estudos reunidos em I. Meyerson (org.), Problêmes
é a sua Idéia enquanto nela a forma (o Eu) e o conteúdo (estruturas relações, de la personne, Paris-La Haye, Mouton, 1973.
realização) finalmente se identificam. Uma penetrante introdução ao tema da Idéia 146. Ver Platão, Teeteto, 176 a-b.
absoluta como método em Hegel é a de S. Opiela, Le Réel dans la philosophie de 146 a. Ver E. H. Weber, La personne humaine au XHlême siêcle: Pavénement
Hegel: développement et auto-détermination, Paris, Beauchesne, 1983, pp. 17-51. chez les maitres parisiens du concept moderne de personne (Bibl. Th,, 46), Paris,
133. “Pessoalidade” É, pois, aqui uma noção metafísica, distinta de “perso- Vrin, 1991. Convém observar que a noção de “relação subsistente” tem sua ori-
nalidade” que é uma noção científica (ciências humanas) ou fenomenológica. gem em Plotino. Ver P. Hadot, Ennéades 50, Paris, Cerf, 1990, p. 31, e H. Pasqua,
“Misêre de I'Un sans I'Btre”, Revue des Sciences Philosophiques et Théologiques,
134. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 157-167. 77 (1993): 53-65 (aqui, p. 54).
135. A forma é uma noção analógica, poisé correlativa ao ser. Ela se diferen- 147. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 117-131.
cia, pois, em todas as diferenças do ser e assim Aristóteles, que herdou de Platão 148. Ibid., pp. 133-134.
o conceito de forma, estendeu-o a toda a realidade, sensível e supra-sensível. A 149. Ver supra, sec. III, c. 1, nota 116.
forma é princípio e fim, forma substancial e acidental, forma lógica e forma real, 150. Ver “A Cultura e suas razões”, Síntese, 56 (1992): 7-13.
ato e hábito. Ver Bonitz, Index Aristotelicus, s. v. cidos e morphé. O termo grego 151. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 163-165.
eidos (figura) acabou abrangendo o campo das diferenças da forma, desde a figura
152. Observe-se que, sendo a noção de ser uma noção análoga, a atribuição do
propriamente dita até à idéia. ser (noção transcendental) a qualquer ser particular (noção categorial) se faz segundo
136. É essa a razão profunda pela qual desde a Antiguidade e já Platão no as regras da predicação analógica. Mas então o ser é atribuído aos seres pela inteli-
Timeu e nas Leis, os filósofos alimentaram especulações Sa a Alma do Mundo, gência no ato da afirmação. Ao se atribuir o ser, o sujeito se mostra coextensivo à
que receberam por parte dos Estóicos uma versão grandiosa com a teoria do Logos universalidade do mesmo ser (e, como tal, é espírito), elevando assim a própria
universal. Essas especulações reviveram na Renascença e adquiriram novo brilho estrutura unívoca do seu eidos finito e situado ao domínio da inteligibilidade onaloaaa
nas teorias românticas da Weltseele. Para esses filósofos a “unidade de ordem” 153. Essa tensão, que encontramos sob diversas formas na históriad
(Aristóteles, Santo Tomás de Aquino) não é suficiente para assegurar a unidade da cepções filosóficas do homem, constitui, sem dúvida, o fundamento
Natureza ou a solidariedade entre os seres. Tais especulações acabam assumindo distinção entre indivíduo e pessoa. Mas, como se vê,tal
t dist E
inevitavelmente uma forma mítica. Para uma apologia recente da Alma do Mun- aspectos, não distingue adequadamente o todo ou a essénio:

248
O
ess

âmbito eidético da pessoa abrange tanto o lado unívoco (onde se situa se faz por implicação de níveis de ser na unidade de um mesmo
o indiví- ser subsistindo
duo) como o lado analógico. reflexivamente em si mesmo; a pessoa humana. Sobre a distinção
entre graus lógicos
154. Summa Theol, 1, q. 29, a. 3, c. e níveis de ser, ver J. de Finance, Citoyen de deux mondes, op.
cit,, pp. 41-43.
155. De Verit., q. 1,a. 1, c. 168. As leituras, ascendente e descendente, dos níveis ontológic
os que cons-
tituem a complexa unidade do ser humano — a sua centroco
156. No caso, “unidade de ipseidade e alteridade”, fórmula que é, mplexidade, para
aqui, a falar como Teilhard de Chardin — são desenvolvidas amplame
versão antropológica da estrutura dialética de todo ser como síntese do nte por J. de Finance
mesmo e na parte central da sua obra Citoyen de deux mondes,
do outro: “Identidade da identidade e da não-identidade”. Ver Hegel, Wissensch op. cit., pp. 147-259,
aft demonstrando assim todo o seu valor beurístico. Em particula
der Logik , I (Werke, ed. Moldenhauer-Michel, 7, p. 74). r o A. mostra (pp.
99-111) em que sentido o princípio dionisiano-tomásico da contigúi
157. E que no Absoluto, segundo o arquétipo teológico, é identidade dade dos ní-
de es- veis do ser, já anteriormente mencionado (Antropologia Filosófic
sência e pluralidade real de relações pessoais no interior da mesma a I, op. cit., p.
identidade. 256 e p. 281, nota 114), pode ser aplicado à leitura da unidade
do homem.
158. Aporia expressa, por exemplo, nas proposições “O homem é o seu 169. Ver Antropologia Filosófica I, op. cit., pp. 95-97.
corpo 170. Lus. I, 2.
próprio”, “O homem não é o seu corpo próprio”. Tal oposição não tem lugar
na 171. Horácio, De Arte poetica, 63.
categoria de pessoa, pois o homem é todo pessoa e é totalmente pessoa.
O huma- 172. M. Heidegger, Sein und Zeit, $$ 46-53. Ver R. Spaemann
no só é tal enquanto pessoal. , “(...) A ilus-
tração abandonou totalmente o homem ao temor da morte,
159. A particularidade do ser-em-situação que é o homem, expressa em diver- desconstruindo seus
desejos e esperanças transcendentes”, ap. Zur Kritik
sas faces (categorias), organizadas no discurso antropológico, é justament der politischen Utopie,
e Stuttgart, Klett-Cotta, 1977, p. 17.
suprassumida na categoria de pessoa, que exprime o homem como
universal 173. M. T. Cicero, Disp. Tusc. 1, 12:27:
concreto, ou como singular. À pessoa é universal porque homóloga ao
ser; eis por 174. O tema da morte como morte de cada um e que nasce
que ela pode ser dita, com razão, “síntese metafísica” (J. de Finance, como fruto ama-
La durecido da própria árvore da vida foi celebrado por Rainer
connaissance de Pêtre, op. cit., pp. 488-494). M. Rilke e tornou-se um
tópico clássico da literatura existencialista. Ver Rilke, Das
160. Ver nota 116 supra. Studen-Buch, HI, Von
der Armut und vom Tode (Werke, Insel Verlag, I, pp.
347-350), e E. Mounier,
161. Uma versão moderna dessa concepção que empreende a descoberta Introduction aux Existentialismes, Oeuvres, UI [1944-1950],
do op. cit., pp. 100-102.
Absoluto divino como Pessoa, a partir da reciprocidade do Nós interpesso 175. Uma visão das crenças na imortalidade da alma com
al, é a suas múltiplas
de M. Nédoncelle, La Réciprocité des consciences, op. cit., pp. 86-125. expressões e influências na Antiguidade greco-romana encontra-
se na obra clássi-
ca de F. Cumont, Lux Perpetua, Paris, Librairie Orientali
162. Expliquemos mais uma vez: a todo ente particular é atribuído o ser, ste P, Geuthner, 1949.
que 176. O mito da reencarnação ou transmigração das almas
é a mais simples das atribuições, à qual todas as outras se reduzem. Mas, (metempsicose ou,
auto-atribuir O ser no Eu sou, o sujeito se iguala à universalidade do ser
ao se mais exatamente, metensomatose, transmigração de corpo em corpo) é,
que, por persistência desde a Antiguidade mais remota, o esforço na sua
definição, é o inteligível como tal: Intellectus et intelligibile convertun sem dúvida mais deses-
tur. perado para vencer a morte pela imaginação, multiplicando
163. Convém aqui estabelecer uma relação entre esse tema do dinamism as mortes ao multi-
o da plicar as vidas no tempo. É verdade que nessas mortes sucessiva
pessoa, orientado para o Absoluto e o tema tomásico do desiderium naturale s, assim se ima-
gina, é o corpo que morre e a alma que permanece: essa a versão da
videndi Deum; ver, a propósito, B. Welte, La foi philosophique chez metensomotose
Jaspers et que seduziu Platão. Mas a multiplicação das experiênc
Saint Thomas d'Aquin, op. cit. pp. 192-193; H. C. Lima Vaz, “Santo ias da morte, seja esta
Tomás de atribuída a um castigo ou a uma lei do universo, repõe continua
Aquino e o nosso tempo: o problema do fim do homem”, ap. Escritos de mente em ques-
Filosofia tão, para o indivíduo que morre, a vitória da vida.
E Problemas de Fronteira, op. cit., pp. 34-70. 177. Ver J. Moreau, “L'argument ontologique dans le Phédon”,
ap. Le sens du
164. Unidade assim descrita por Santo Tomás : redire ad essentiam suam Platonisme, Paris, Belles Lettres, 1967, pp. 343-381. As
est críticas às provas da
rem subsistere in seipsa, Summa Theol., 1, q. 14, a. 2 ad Im; ver Summa imortalidade são um topos filosófico na Antiguidade, Ver
c. F. Cumont, Lux Perpe-
Gentiles, 1, e. 47. Atribuída a Deus pela identidade da subsistência e da reflexão, tua, op. cit., pp. 109-141.
tal unidade verifica-se analogamente no homem. A origem desse topos 178. Ver o capítulo de E. Gilson sobre a antropologia cristã
remonta em L'Esprit de
a Plotino (Enéadas, V, 3, 5; ed. Henry-Schwyzer minor, II, pp. 211-213). la philosophie médiévale, op. cit, pp. 109-141.
Ele che-
gou a Santo Tomás por intermédio da Elementatio Theologica de Proclo ou 179. Ver C. Tresmontant, La Métaphysique du Christia
Liber nisme et la crise du
de Gausis dos medievais. Ver In lib. de Causis, lec. XV. XIlleême siêcle, Paris, Seuil, 1964, pp. 255-295.
165. A antiga imagem da mútua reflexão do macrocosmos e do microcosmos 180. I. Kant, Kritik der reinen Vernunft, A, 341-405; B, 399-432.
Uma profunda
pode ser considerada um pressentimento dessa universalidade do homem e provocadora meditação sobre o problema da imortalidade
como por um pensador contem-
pessoa. Ver Antropologia Filosófica, 1, op. cit. p. 31 e p. 51 nota 19. porâneo, podemos encontrá-la em E. Voegelin, “Immortality:
experience and symbol”
[1965] ap. The collected Works Of Eric Voegelin, op. cit.
166. Summa Theol. 1, q. 29 a. 3, c. vol. 12, 1990, pp. 52-94.
181. As mais antigas profissões de fé falam de “ressurre
ição da came”
167. Em Platão o exercício dialético da synagogé e da diaíresis procede (anástasis sarkós), “carne” entendida aqui como o homem
se- todo segundo a
gundo os graus de universalidade lógica dos conceitos, a synagogé avançando cepção hebraica. O Símbolo Niceno-Constantinopolitano
até usa à 1d
o mégisthon génos, a diaíresis descendo até o átmeton eidos (Ver Fedro, (ICor 15,13) “ressurreição dos mortos” (anástasis nekrôn)
265 a- |
266 c; 273 e-277 b; Filebo , 15 c-18 d). O movimento dialético aqui considerad Tresmontant, Le Problême de "'Âme, Paris, Seuil,
o 19
250
182. ICor 15,1-8. INTRODUÇÃO
183. 1Cor 15,54-57. 1. ANTROPOLOGIA E FILOSOFIA
184. pneuma zoopoioun, 1Cor 15,46.
185. Ver At 17,31-33. : -
186. Capítulo que se estende, com vicissitudes diversas, até a filosofia mo-
o Ea ne
derna. Uma breve síntese desta questão em €. Tresmontant, Le problême de
VÂme, op. cit. pp. 58ss. I
[
187. Rm 6,9; 1Cor 15,26; 54-57.
Re r 4 GIÍNGIAS
-
CIÊNCIAS
188. Rm 6,4-11; CI 3,1-17. HUMANAS €
RISE q,

189. Sobre esse privilégio ontológico da morte imposto ao espírito-no-tempo, NATURAIS


ver J.-Y. Lacoste, Note sur le Temps, Paris, PUF, 1990, pp. 35-37, 41-43. - z
190. Sobre o problema da “filosofia cristã”, outrora vivamente discutido, ver vip nota
a obra recente de Y. Floucat, Pour une philosophie chrétienne: éléments d'un nÉ sro dee RAE
, Entrelaçamento das eles icdndilisção enistêmológica
débat fondamental, Paris, Téqui, 1983. Att Ag O a,
191. Ver ].-Y. Lacoste, Note sur le Temps, op. cit., pp. 80-81; 180-183. Aliter
enim ab aeternae mortis vinculis non possemus absolvi nisi in nostris fieret
humilis qui omnipotens permanebat in suis, São Leão Magno, “De natale Domini”
SUPERAÇÃO ;
Culturalista -—>———+ ÇÃO)
em 2 pólos i maturalista
(Opera, tr. 27, ed. Chavasse, C. C. L, vol. CXXXVII, p. 133).
192. Santo Agostinho, Confessiones, IV, 4, 9 (ed. Verheijen, C. C., series
latina, XXVII, p. 44).
193. Ver 1Cor 15,54.
TAREFAS
194. Ver Max Miiller, Erfahrung und Geschichte, op. cit., pp. 98-100.
da
195. Na correlação lógico-ontológica capax entis = capax Dei está estrutural- famtropolosia Eiipatiica
mente implicada a capacidade — não a exigência — da suprassunção do tempo na | | |
eternidade: capax vitae aeternae. E ENA ÇÃ
196. Ver J.-Y. Lacoste, Note sur le Temps, op. cit, pp. 207-209. Do ua pa
Sistematização
Filosófica
197. A filosofia tem outros caminhos para postular a imortalidade da pessoa,
sendo o mais conhecido o que estabelece uma oposição entre a essência moral da
pessoa e a imoralidade da morte que interrompe abruptamente a vida moral e
torna aparentemente inalcançável o fim último da moralidade. É o argumento de
E ;
Kant, Kritik der praktischen Vernunft, II, 4 (Werke, ed. Weischedel, IV, pp. 252- Antropologia como Ontologia
-254). Ver Y. Gobry, La Personne, op. cit., i pp. 79-80. Homem enquanto Homem
198. Esses atos são, por definição, os actus humani; neles se dá sempre o
entrelaçamento da razão e da liberdade no “quiasmo do espírito”: ver Antropolo-
gia Filosófica 1, op. cit., p. 213 e p. 232, nota 62.
HORIZONTES DE SABER
199. A identidade na diferença entre a causa formal e a causa final foi esta- QUE ENVOLVEM O HOMEM
belecida por Aristóteles [p. ex., Met., V (delta), 4, 1015 a 10], não podendo, pois,
haver contradição entre a forma e o fim.
200. Num sentido análogo à “imagem móvel” (eiko kinetón) com que Platão
definiu o tempo: Tim., 37 d. DOMÍNIOS PÓLOS EPISTEMOLÓGICOS MÉTODO
201. Confessiones, I, 1.
202. Summa contra Gentiles, II, c. 51; Summa Theol, | q. 12,a.1 c.; ver
supra, nota 163.
203. Jo 17,3. ctacientífico |————— [formas simbólicas [————»
204. 1Cor 13,12. [ culturalista
| ai (ss
205. Summa Theol., Ia. Nae., q. 4,a. 8c.
206. Ver M. Blondel, L'Action (1937), II, op. cit., pp. 371-403. Idéias análogas
às expostas nessa nossa Conclusão, viemos encontrá-las em J. Martelet, “Informa- E
ciências [sujeito | j dialético» |
tion du monde et ressurrection”, ap. Penser la Foi (Hommage à J. Moinegt), Paris, hermenêuticas “fenomenológica |
Cerf/Assas, 1993, pp. 1053-1061.

ciências » | natureza d
252, empírico formais
INTRODUÇÃO
2. PROBLEMAS FILOSÓFICOS DAS CIÊNCIAS DO HOMEM

FILOSOFIA À

- 1
PRÉ-COMPREENSÃO COMPREENSÃO
EXPLICATIVA
I
CIÊNCIAS CIÊNCIAS
NATURAIS HERMENÊUTICAS

PROBLEMAS PROBLEMAS O LUGAR DO HOMEM CULTURA SOCIEDADE


DE GÊNESE DE ESTRUTURA NA NATUREZA criador de formas produtor

[ONONTOGÊNESE
E]| | | FILOGÊNESEE | | CORPO X ALMA | [ T. de CHARDIN || |(m M. SCHELER | E
PSIQUISMO RELIGIÃO
somático ou noético “homo religious”

HISTÓRIA ETHOS
tempo histórico normatividade |
origem e meta do agir bumano |

OBJETO E MÉTODO DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA


ESTRUTURA DA CONCEPTUALIZAÇÃO FILOSÓFICA

PRÉ- COMPREENSÃO COMPREENSÃO


“COMPREENSÃO EXPLICATIVA FILOSÓFICA

DETERMINAÇÃO L
DO OBJETO E DIALÉTICA
DA CATEGORIA

PRINCÍPIO DE PRINCÍPIO DE PRINCÍPIO DE


LIMITAÇÃO EIDÉTICA | | LIMITAÇÃO TÉTICA | | TOTALIZAÇÃO
APORÉTICA APORÉTICA
HISTÓRICA CRÍTICA

MOMENTO MOMENTO
EIDÉTICO TÉTICO
OTIOD
OLNIdST

QWSINDISA
VININALSA

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da SVIHODALVO

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25

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VIONTANTOISNVAL

ACVCIALLAÍANSHALNI

QUADRO SINÓTICO DA APORÉTICA HISTÓRICA


ANTIGUIDADE IDADE MÉDIA MODERNIDADE IDADE CONTEMPORÂNEA

HORIZONTE Cosmocentrismo Teocentrismo Antropocentrismo Historiocentrismo

CATEGORIAS Dualismos Desontologização da


DE srfi a et oposição corpo-alma e h cad
ESTRUTURA CORPO órfico-pitagórico, transposição em DUSLSIO CaRENaO Dualidade corpo-alma explicada
gnóstico, : ] segundo esquemas reducionistas
maniqueísta, platônico perspeciivaimoral.e
k soteriológica

Problema da “alma” no racionalismo Psicologias — ciência do psiquismo


ESQUI Uueh Anna e empirismo modernos sem “alma”

INTELIGÊNCIA: Problema do sujeito: natureza, Problema da linguagem: estrutura,


Problema da Idéia estrutura, atividade, intencionalidade referência e interpretação
ESPÍRITO como
Rn Libertação do pecado Autonomia absoluta, liberdade do
LIBERDADE: Destino e a * | sábio, autonomia política e cultural, Estruturas racionais, sociais, de
Poder despótico o bica autonomia da pessoa moral, liberdade comportamento, do inconsciente
8! em face da história e como existência

CATEGORIAS
a o “Mundus”
E — sala a
DE RELAÇÃO OBJETIVIDADE -
en mundo
Ç 7 Cosmos divino desdivinização do Natureza científico-técnica S
aliança antropo-cósmica
da vidaEni
cosmos

Reconhecimento, comunidade
INTERSUBJETI- . a E universal de comunicação, caminhos
VIDADE Comunidade humana Próximo Ocultação do Outro lógico, fenomenológico e linguístico
e o problema da dignidade do outro

TRANSCEN- a Absoluto como sl Figuras do Absoluto no horizonte do


DÊNCIA Absoluto como Idéia Existência Absoluto como Sujeito Fim da Metafísica - sucedâneos

(CATEGORIAS Arete do herói e do Autárkeia — vida ativa sobre a vida


DE' E A
REALIZAÇÃO do sábio
S br
5 ds contemplativa: honnête homme Fragmentação:
| S Grécia — vida teorética Santo Cristão (XVII): :
ser pluriversal
Roma - vida política burguês conquistador

PESSOA Primazia da Essência | Primazia da Existência Autocausalidade Desconstrução


CATEGORIAS DE ESTRUTURA

RAZÃO
ser para a Verdade ESPÍRITO
(transcendência) LIBERDADE
ser para o Bem

PERFEIÇÃO , UNIDADE ORDENAÇÃO REFLEXIVIDADE


ato e vida unidade e independência ordem e norma reflexividade e fim
TVEVUA. vous hoyoç GUVEGIÇ

Coa unidadeaado reestruturação | Psiquismo — opera a


desujeito em face
sua dipendo do espaço-t
empo CORPO PSIQUISMO ordenação do
espacialização do tempo (objetividade) unidade do sujeito
(intersubjetividade) espaço-tempo no seu mundo
de mundo temporalização do espaço interior obviando o
risco de sua
Presença tragmentação
Presença no tempo

ser-no-mundo - imediata pela ser-no-mundo pela


pela exterioridade mediata pelo
figura/gestualidade interioridade imaginário /afetividade
y
físico-biológico: postura, ritmo, sexualidade
psicológico: sentimento, emoção, afetividade
social: gesto, sinal, linguagem percepção, representação
culeural; modelagem do corpo, moda, ginástica memória, emoções, pulsões
lugar originário temporalização do espaço
figura exterior figura interior 1º momento da presença
de significações (consciência) do homem a si mesmo

* ESTRUTURA
NOÉTICO-PNEUMÁTICA
PERFECTIO SIMPLEX

| =
ESPÍRITO ABSOLUTO/INFINITO ESPÍRITO RELATIVO/FINITO
identidade com o ser identidade na diferença com o ser
princeps analogatum REGIRATIO analogatum inferius
I
Transcendência do Espírito Espírito teórico RAZÃO LIBERDADE Espírito prático Imanência do Espírito
transcendental contemplação INTELIGENCIA VONTADE ação categorial
determinação essencial SER-PARA-A-VERDADE | vous AVEVUA. SER-PARA-O-BEM limitação eidética
| % T
Amplitude transcendental a VERDADE o BEM Amplitude transcendental |
da VERDADE é o BEM éa VERDADE [ 4 do BEM |
ACOLHIMENTO da INTELIGÊNCIA (da LIBERDADE CONSENTIMENTO |
[ T I =
rvevpa vous royoç GUvEGIÇ
PERFEIÇÃO UNIDADE ORDENAÇÃO REFLEXIVIDADE
ato e vida unidade e independência ordem e norma reflexivicade e fim

ESTRUTURA DIALÉTICA
DE IDENTIDADE NA
DIFERENÇA
SUPRASSUNÇÃO
DAS OPOSIÇÕES

prioridade EM-SI ou prioridade PARA-SI ou


normatividade absoluta normatividade absoluta
do OBJETO do SUJEITO

E Il
EU CORPORAL EU PSÍQUICO

eidético somático eidético psíquico


exterioridade da interioridade da presença
presença imediata mediata
! UNIVERSALIDADE DO ESPÍRITO
UNIVERSALIDADE OBJETIVA DO SER UNIVERSALIDADE SUBJETIVA DO SER
>
HOMOLOGIA À
UNIVERSALIDADE DO SER
CATEGORIAS DE RELAÇÃO

TRANSCENDÊNCIA DO ABSOLUTO
Superior summo
TRANSCENDÊNCIA Imanência do Absoluto
espírito —> Absoluto Interior intimo

Absoluto —> Sujeito


Relação de razão ou Sujeito —> Absoluto
RELAÇÕES Relação real ou de
de exemplaridade LEcfedeie
dependência radical
Absoluto Formal — Absoluto Real

MUNDO = termo 1º da relação


do homem com o ser.
OBJETIVIDADE
HORIZONTE imediato INTERSUBJETIVIDADI Oposição EU-NÓS
corpo —> mundo
da abertura do psiquismo —> Outro
unidade do EU
relação não-recíproca
homem ao ser relação recíproca na pluralidade do NÓS
EU pa MUNDO-NATUREZA
EU OUTRO
ser-no-mundo Eu sou para o mundo-natureza ser-com-o-outro | Eu sou um nós
APORÉTICA HISTÓRICA
1. Kosmos APORÉTICA HISTÓRICA
2. Mundus 1. Comunidade Humana
3. Natur. técnico-científica 2. Outro = Próximo
4. Mundo Mundo - Presença Natureza - Fazer 3. Ocultação do Outro
mundo vivido
Infinitudes intencionais História - Sociologia do passado
mundo construído no MEDIUM da linguagem 4. História
Sociologia - História do presente
5. Dignidade do Outro

Discursos: Atitudes: 6 roteiros para o Qutro:


Articulação conceitual
1. topomorfo 1. Tecnoclastia fenomenológico, gnoseológico
Solipsismo - eu sem nós Antropologia E/Ética
2. cronomorfo | 2. Tecnocracia psicológico, lógico, Altruísmo - nós sem eu
ético, histórico

dE a
Transcendência TRANSCENDÊNCIA Imanência |
do Absoluto tempo-cixo do Absoluto
Superior summo Interior Intimo

Absoluto Formal Filosofia Revelação | Absoluto Real


Verdade, Unidade, Bem na Grécia | em Israel Deus

e
1
SUJEITO —> ABSOLUTO ABSOLUTO —> SUJEITO
Relação real ou de Relação de Razão ou
dependência radical de Exemplaridade

EXPERIÊNCIA -
EXCESSO RICO SGIC EXPERIÊNCIA
ÉTICA DO BEM
NOÉTICA DA VERDADE IDEIA DE PARTICIPAÇÃO
homologia entre homologia entre

i EXPERIÊNCIA Transcendência Es
inteligência na SER no seu Transcendentalidade | ÉTICO-NOÉTICA real do SER como
perfeição do desvelamento , found E
Perfeição do e
| DO SER OU DO ABSOLUTO EXISTIR sujeito perfeição
1 oliei' | origem L SUBSISTENTE
seuans ato inteligive analógicodo conceito
de SER | à

MULTIFORME7 NEGAÇÃO SAÇÃ METAFÍSICA


TEOLOGIAcomo
do Espírito e da ABSOLUTO RERE
Transcendência

Dissolução da Abandono da ambição


inteligência espiritual sistemática da razão

Sucedâncos « Três modalidades da experiência


Mitos pós-metafísicos Metafísica do SER ou do Absoluto

AS e]
IDEOLOGIA À
HEDONISMO B
HISTÓRIA Abertura
E g Inteligibilidade
qe Essência
is ou
Mito da Verdade Mito do Bem Mito de Deus ao Ser do

L eroçio INFINITO
ua 1 1 ad quem
| POSIÇÃO DO SUJEITO Limitação cidética:
Mimicaçaoirica: PELO ABSOLUTO a. finitude do sujeito face ao Absoluto
ser-posto pelo Absoluto b. abertura para o Absoluto
Inversão dos princípios de
| 1
Categorias de estrutura o .

|
REALIZAÇÃO Categorias de Relação 2
Corpo, Psiquismo, Espírito
Mundo, Outro, Absoluto
1. Unidade Estrutural do ser-em-si | 1. Unidade Estrutural do ser-para-o-outro
2. Ipseidade
3. Unidade Formal e] 2. Alteridade
HOMEM 3. Unidade Real
4. Indivisibilidade |
4. Divisão com respeito aos outros seres
torna-se ele mesmo |
na sua abertura ao outro

IN ACTU PRIMO ALIUS VEL ALIUD


> IN ACTU SECUNDO
| | IPSEIL JAD.
ADE outro Outro
R. OBJETIVIDADE R. INTERSUBJETIVIDADE
Unidade Ontológica
Finitude e Situação
—» | TORNA-TE O QUE ÉS | «—

HOMEM
movimento intencional de passagem
do dado à forma pela mediação do sujeito

oe
! “essencializnios» Z E a em mb sra
| a I ser que é é inámi
estático Síntese dinâmica ser que se torna puro dinamismo de
& l SR Sb)
| Uma existência sem sujeito ;
essência se | PRIMAZIA
estrutura natureza existência de ir
situação condição

Facticidade contingente
do indivíduo OPOSIÇÕES Normatividade
ideal do Modelo

Essência do ser que é | EXISTÊNCIA +————— Essência do ser que deve ser

p (e

RUPTURA DA UNIVOCIDADE
pes DO DISCURSO
l * » = grs era]
ca sr
e FÉTE Re
| Peso das limitações Gisteniis a a s .
Tendência constitutiva a ser mais
Movimento de REALIZAÇÃO HUMANA
é posto pelo ABSOLUTO

|
| ISRAEL
a
CIA || poa MET
li igibilidade PARA-NÓS
Invelieibilida Homem Bíblico
ae
somem fEeo | “veio Ena EA esa so diferenciação profética
diferenciação noética começo absoluto do | discurso antropológico a consciência
da consciência discurso antropológico
INDIVIDUALIDADE ESPIRITUAL DO HOMEM OUVINTEDA PALAVRA
CONTEMPLADOR DO SER =

ENCONTRO NO EVENTO CRISTO Punição Monslltiva


Arquétipo teológico
[
|
Paradoxo da civilização moderna teórica
Óti E irceaceatde AERSTR Ato totalizante do existir do sujeito
PRINCEPS ANALOGATUM

elos da pesos conceito


er Ede pessoa r SER-PARA-SI SER-PARA-O-OUTRO

Designação de PESSOA Referência analógica na | . Pessoa finita e =


convém do modo TO ordem da perfeição do ser ser-para-a Transcendên
excelente ao ABSOL
|
Adequação inteligível entre O QUE É O HOMEM? PESSOA Expressão acabada do EU SOU
SUJEITO E SER Identidade de SER e manifestação
T
El ]

Síntese dos momentos eidéticos


idéti | Alvo do E
incípi de ilimita
ilimi ção tética Cumprimento do princípio de totalização

Visa P resença ài nfinitude do Ser Consentimento ao BEM


sao de UNIDADE

Conhecimento da VERDADE A TOS DA PESSOA

Objetividade TRABALHO Experiência


x: da Pessoa Intersubjetividade PRÁXIS

Experiência da Transcendência
ÍNDICE DE NOMES
E AUTORES

AERTSEN, J., 45 BIEN, G., 182


ALEXANDRE MAGNO, 100 BLONDEL, M., 108, 111, 132, 134,
ALMERAS, G., 125 136, 176, 186, 238, 243, 247,
ANDOUZE, J., 47 253
ANGEHRN, E,, 242 BLUMENBERG, H., 39, 45-6
ANTOINE, P., 42 BÔCKENHOFF, J., 81-4, 87-8, 91
APEL, K.-O., 59 BODAMMER, Th., 85
ARAÚJO DE OLIVEIRA, M., 129, BODEÚS, R., 182
134-5 BOÉCIO, 193, 225, 238
ARENDT, H., 161, 168 BONITZ, 249
ARIES, Ph., 177 BOUILLARD, H., 132
ARISTÓTELES, 30, 43, 45, 61, 83, BOURGEOIS, B., 80
86, 88, 91, 103, 105-6, 116, BOUYER, L., 39
125, 131-3, 146, 150-5, 158-60, BRAGUE, R,., 39, 44, 176, 179-80,
175-6, 178, 180-3, 185, 214, 182-3
217, 240, 244, 249-50, 253 BRETON, S., 39, 41-2, 129
ATLAN, H,, 48 BRITO, E., 132, 242, 245
AUBERT, J. M., 46-7 BROWN, P., 178, 185
AYER, A. J., 241 BRUAIRE, C., 126, 174, 217
BRUNNER, A,, 83
BACHELARD, G., 43 BRUNSCHVICG, L., 127
BARBARAS, J., 81 BUBER, M,, 82, 84, 243, 247
BARDY, G., 179 BUBNER, R., 86, 91, 183
BARTHLEIN, K., 129 BUSEMANN, A., 40
BAZAN, B., 176
BEAUFRET, J., 44-5 CAFFARENA, J. G., 126
BEIERWALTES, W., 39 CAILLOIS, R., 133
BELAVAL, Y., 44 CANTORE, E., 46
BERGSON, H., 246 CARLINI, A., 131
BICCA, L., 242 CASPER, B., 84
BIEMEL, W., 41-2 CASSIRER, E., 43
265
CHANCELER FILIPE, 129 DUHEM, P., 30
CHASTAING, M., 83 DUPUY, M., 243
CHIEREGHIN, F., 81 GILSON, E., 135, 238-9, 243, 246, HÓSLE, V., 242
DÚRING, L., 180-1
CÍCERO, M. T., 150, 166, 175, 252 252 HOTTOIS, J., 45
CIRNE LIMA, C. R., 137 GIRARD, R., 85 HUBY, G., 177
CLEMENTE DE ALEXANDRIA,
EINSTEIN, A., 31 GLOCKNER, H., 39 HUGHES, G., 128
EISENSTADT, S., 127 GOBBY, Y., 238, 248, 253 HUMBOLDT, A. DE, 17
182
COLETTE, J, 126
ELDERS, L., 129, 132, 175 GOLDSCHMIDT, V., 133, 184 HUME, D., 195
ELIADE, M., 133 GRENET, P., 136 HUSSERL, E., 17-8, 24, 30-1, 40-
COLLINGWOOD, R. G., 44
COMTE, A., 63, 113
ELLUL, J., 45 GRILLI, A., 178 2, 56-8, 66, 70-1, 81-3, 118,
CONRAD, H., 240
ESPINOZA, B., 44 GRILLMEIER, A., 243-44 131, 199, 242
CONRAD-MARTIUS, H., 43 GUARDINI, R., 177, 238, 241, 243,
COPENHAVER, B. P,, 44 FAES, H., 38, 90 245, 247-8 ILTING, K. H., 134
COPÉRNICO, 30 FERNANDES DE AQUINO, M., GUÉRY, F., 46 ISÓCRATES, 150
CORETH, E., 129, 134 130 GUSDORF, G., 39, 44, 85
COURTINE, J. F., 129 FERRATER-MORA, J., 40, 42 JACOB, A., 243
COYNE, G. V., 47 FERRY, L., 90 HABERMAS, J., 59, 183 JACQUES, F., 76, 80-2, 84, 87, 90
CRAMPE-CASNABET, M., 125 FESSARD, G., 245 HADOT, P., 179, 246 JAEGER, W., 178-9, 185
CRISTO (JESUS), 204, 231-3, 243- FESTUGIERE, A. J., 39, 47, 178, HAGER, F. P., 44 JAGUARIBE, H., 135
-5 181, 185 HALDER, A., 238, 240 JÂMBLICO, 178, 181
CUMONT, F., 252 FEUERBACH, L., 70, 82, 87, 97, HAMILTON, E., 185 JANICAUD, D., 45, 46
CUSHMAN, R. C., 178 113-4, 120-1 HARTMANN, N., 18, 37, 86, 89, JANSSEN, P., 42
FICHTE, J. G., 54, 69, 81, 197, 241 238, 240 JARCZYK, G., 81, 242
D'ARCY, M. €., 90 FINK, E., 18, 40 HAWKING, S. W., 47, 49, 50, 86 JASPERS, K., 40, 71, 125, 127
D'ESPAGNAT, B., 38 FLASHAR, H., 182-3 HEDWIG, K., 44 JEANNIERE, A., 42, 127, 135
DANTO, A. C,, 241 FLORIVAL, G., 44 HEGEL, G. W. F., 17, 36-7, 48, JOAS, H., 86, 183
DE FINANCE, J., 45, 82-3, 125-6, FLOUCAT, Y., 253 52, 54-5, 60-1, 63, 70, 73, 79, JOLIF, J.-Y., 179, 180-1, 183
129, 132, 134-6, 238, 240, FOLLON, J., 47 80-1, 87, 113-4, 118, 125, 130, JONAS, H., 83, 90
243, 248, 251-2 FOREST, A., 90 133, 197-8, 205, 221, 238-9, JOSSUA, J. P., 175
DE LEONI, R., 171 FRAISSE, J. C., 83, 88 249, 244-5, 249, 9251
JÚNGEL, E., 125
DE LUBAC, H., 244 FRANKFORT, A., 127 HEGSTENBERG, E., 81
DE VOGEL, C. J., 244 FRANKFORT, H., 127 HEIDEGGER, M., 18-9, 20, 24, 27,
FREUD, S,, 114 31-2, 37-9, 40-1, 43, 45, 81- KAMBARTEL, F., 39
DE WAELHENS, A,, 41-3 KANT, L., 16-7, 21, 24, 30, 39, 54,
DELBOS, V., 241 FRIEDLÂNDER, P., 128 3, 89, 118, 128-9, 130, 135-6,
FRITZ, K. V., 181 182-3, 229, 252 59, 69, 77, 80, 102, 104-5, 108,
DEMARET, J., 47, 80 118, 120, 129, 130-1, 195-7,
DES PLACES, E., 178 FURHMANN, M., 238-9, 248 HEINTEL, E., 88-9, 90, 131, 135
HEISENBERG, W., 45 207, 221, 231, 241, 243, 252-3
DESCARTES, R., 57, 69, 82, 96, KAULBACH, F., 44, 241
114, 125, 137, 220 HENGSTENBERG, H.-E., 38, 89,
GADAMER, H.-G., 128, 131 133, 175, 249 KIBLE, B. T., 238
DESHAYES, J., 127 GAIER, U., 37, 86 KIERKEGAARD, S., 70, 98, 126,
DESSAUER, F., 45 HENRICH, D., 242
GAISER, K., 131, 135 HERÁCLITO, 102 198
DIAZ DE CERIO, R., 40 GAUTHIER, R. A., 179-81, 183, 185 KOLVENBACH, P. H,, 80
DIERSE, V., 248 HEYDTE, 240
GAZZANA, A., 129 HOBBES, T., 195. KONNINCK, T. de, 131
DIES, A., 128 GEIGER, L. B., 90 HOLZ, H., 81 KRÂMER, H. J., 129, 131, 181
DILTHEY, W., 17, 40 GERARD, G., 81 KRANZ, W., 39
DOMBROWSKI, D. A., 249 HONNETE, A., 183
GIANNINI, G., 130, 133 HORÁCIO, 252 KRUGER, G., 128
HORTSMANN, P., 242 KÚMMEL, F., 80
266
267
LABARRIERE, P.-J., 81-2, 125, MARX, K., 37, 48, 63, 82, 97, 114, PAPENEUSS, D., 125 REALE, G., 127, 131, 178
249 121, 221 PAREYSON, L., 81, 85, 185, 238, RENAULT, A., 241
LABORDERIE, J., 43, 84 MATTÉI, J. F., 46, 128 240, 243, 247 RENAULT, M., 132
LACHIEZE-REY, M., 47 MC EVOY, J., 47 PARMÊÉNIDES, 102, 111, 116, 119 RICARDO DE SÃO VÍTOR, 90, 240
LACOIN, J., 47 MEAD, G. H., 86 PASCAL, B., 49, 60, 80, 172, 224, RICOEUR, P., 37, 59, 81-4, 87, 90
LACOSTE, J.-Y., 253 MENDES DE ALMEIDA, L., 83 247 RIEDEL, M., 86, 186
LACROIX, J., 238-243 MENESES, P., 222 PASQUA, H., 249 RIES, J., 133
LADRIERE, J., 46-7 MERLEAU-PONTY, J., 47 PATOCKA, J., 39, 43 RIESENHUBER, K., 132
LAFRANCE, Y., 128 MERLEAU-PONTY, M., 81 PATY, M., 47 RILKE, R. M., 252
LAIN ENTRALGO, P., 57, 81-4, MEYERSON, L., 238, 250 PÉGUY, C., 157 RITTER, J., 242
87-8, 91, 134 MICHELANGELO, 229 PENELHUM, T., 241 ROBIN, L., 128
LANDGREBE, L., 40-1, 44 MILBANK, J., 184 PEPIN, J., 47, 88, 133 ROCHA PEREIRA, M. H., 185
LASSAHN, K,, 248 MOERBEKE, G. de, 176 PÉRICLES, 178 ROMEYER, B., 238
LAVAUD, C., 125 MOINGT, J., 135 PESCH, O. H., 245 ROSENZWEIG, F., 247
LEDURE, Y., 125 MONDOLFO, R., 88 PETRY, J. M., 39 ROTHACKER, E., 40, 42-3
LEISEGANG, H., 40 MONOD, J., 47 PHILONENKO, A., 131 ROUSSEAU, J.-J., 182, 184
LENOBLE, R., 44, 46 MORAZÉ, C., 168, 186 PICHT, G., 45 RUSSEL, R. J., 47
LÉONARD, A., 82 MOREAU, J., 131, 240, 252 PICO DELLA MIRANDOLA, 186 RYLE, G., 241
LEROI-GOURHAN, A., 46, 80 MORIN, E., 44 PIEPER, J., 126, 132, 175
LEVINAS, E., 43, 59, 66, 81-2, 84, MORRA, G., 39 PLANTY-BONJOUR, G., 45, 131 SABÓIA DE MEDEIROS, R., 239
87-8, 247 MOSCOVICI, S., 44 PLATÃO, 30, 43-4, 58, 88, 98-9, SANTO AGOSTINHO, 57, 90, 95,
LIMA VAZ, H. €. DE, 38-9, 47, MOUNIER, E., 184, 238, 243, 252 102-3, 105-7, 109, 114, 116,
82, 85, 91, 127-8, 130-6, 175, 110, 125-6, 133, 175-6, 178-9,
MOUROUX, J., 185 119, 120, 125-8, 131-6, 146, 187, 220, 230, 238, 245, 253
184-6, 240, 244-6, 251 MOZART, A., 229 149, 150-2, 155-6, 158, 162,
LIVINGSTONE, R. W., 185 SANTO AMBRÓSIO, 47
MÚLLER, M., 91, 129, 205-6, 238, 165, 173, 175, 177-8, 180-2, SANTO TOMÁS DE AQUINO, 37,
LORENZ, K., 42-3, 84 204-1, 243-5, 253 185, 227, 230-1 44, 80, 83, 90-1, 107-8, 110,
LOTZ, J. B., 88, 90, 125, 129, 130, MUSIL, R., 170 PLOTINO, 116, 125, 175, 244, 249, 117, 125-7, 129, 130-3, 135-7,
132-5, 243 MUSSET, P., 47 250-3 146, 175-6, 182-3, 193, 225,
PÔGGELER, O., 86 230, 238, 240, 245-6, 248-9,
MACINTYRE, A., 186 POHLENZ, M., 131, 185, 243, 249 251
NÉDONCELLE, M., 90, 125, 238- POINCARÉ, H., 47
MAGRIS, A., 183 SÃO BERNARDO DE CLARAVAL,
9, 243, 248, 251 POMIAN, K., 42
MAIERE, A., 44 185
NEMO, P., 84 PRIGOGINE, LI, 46
MAINETTI, J. A., 177 SÃO BOAVENTURA, 125
NEWTON, L., 30 - PROCLO, 251
MALVERNE, L., 81-2 SÃO LEÃO MAGNO, 252
NICOLAS, M. J., 175 PROTÁGORAS, 119, 136, 173
MARC, A., 125, 129, 238, 243, 260 SÃO PAULO APÓSTOLO, 177,
NICOLAU DE CUSA, 41, 60 PRZYWARA, E., 125, 127, 134,
MARCEL, G., 59, 71, 238, 243, 247 232, 243, 245
MARÉCHAL, J., 125, 130 NIETZSCHE, F., 48, 70, 114, 182, 245
221 SARTRE, J.-P., 71, 82, 121, 130
MARION, J.-L., 45 PSEUDO-DIONÍSIO, 80, 125
NOCK, A. D., 179 SCHADEWALDT, W., 39, 45, 46,
MARITAIN, J., 52,80, 111, 125, 134, PUNTEL, B., 128
NUSSBAUM, M. €., 91, 131 47
161, 238, 241, 243, 247-8 PUTALLAZ, F. X., 129
SCHÁÃFFLER, R., 130
MÁRQUEZ, C. M., 82 SCHELER, M., 18-9, 38, 40, 58, 71,
MARROU, H.-L., 178 O'MEARA, D., 240 QUELQUEJEU, B., 242 83-4, 199, 238, 240, 242-3
MARTELET, G., 252 OPIELA, S., 249
SCHERER, G., 238, 241, 247
MARTIN, G., 39 OPPERMANN, H., 185
RADEMARKER, H., 43 SCHILD, W., 238, 241
MARTY, F., 240, 248 OTTO, R., 133
RAHNER, K., 42, 125, 129, 130 SCHIMITT, C., 44

268 269
SUMÁRIO
SCHREY, H., 81 VÁZQUEZ, U., 84
SCHULTZ, W., 45 VERNEAUX, R., 130
SCHÚTT, H. P., 238, 241 VEYNE, P., 86
SEIDEGART, J., 44 VILELA, O., 238
SELVAGGI, F., 41, 46 VIRGÍLIO, 83, 228
SERRES, M., 90 VOEGELIN, E., 100-2, 114, 119,
SEVILLA, R., 177 127, 201, 243, 251 ADVERTENCIA PRELIMINAR uaestieensaço
ircoi seia usada tada cqado 3
SHORTER, J. M., 83 VOELKE, A. J., 83, 88
SIEP, L., 81 VON BALTHASAR, H. U,, 244 SEGUNDA PARTE - SISTEMÁTICA
SIEWERTH, G., 134 VON IVANKA, E., 245
SIGER DE BRABANT, 176 VON UEXKULL, J., 41 SEGUNDA SEÇÃO
SIMONDON, G., 45 RELAÇÕES FUNDAMENTAIS DO SER HUMANO .............. 7
SIMONS, E., 125 WAHL, J., 127
SKINNER, B. F., 184 WÉBER, E. H., 176 I. CATEGORIA DA OBJETIVIDADE... 9
SKINNER, Q., 44 WEHRLI, F., 181 1. Introdução us PEER PUMA E AMEI, 9
SÓCRATES, 45, 59, 105, 132, 154, WEIL, E., 242 2. Pré-compreensão da relação de objetividade:
166, 177 WELTE, B., 125, 127, 132-4, 238-
SOERING, J., 125 o homem e o mundo ............... A rceegaa e adega E coesa 14
9, 243, 251 3. Compreensão explicativa da relação de objetividade:
SÓFOCLES, 229 WHEELER, J., 80
SOUCHE-DAGENS, D., 80 ohomem e a Natureza separe aeaaraara cantos 23
WILDIERS, A. N., 39, 42, 47
SPAEMANN, R,, 251 WISDOM, J., 83 4. Compreensão filosófica da relação de objetividade ..... 28
STABILE, G., 44 WITTGENSTEIN, L., 83 NOTAS: do O Ot concoraiosnestn sie asa mb cecea ces emenaneo 37
STEFANINI, L., 238, 241, 243
WUST, P., 91, 125, 172, 177, 186-7
STEGMÚLLER, W., 47 IH. CATEGORIA DA INTERSUBJETIVIDADE.................... 49
STENGERS, L. 46 1. Entrodução sura apa ita reias dp ca 49
STENZEL, J., 131 ZUMMERMANN, R. E., 47
2. Pré-compreensão da relação de intersubjetividade....... 53
SOEGER, W. R., 47
3. Compreensão explicativa da relação de
STORK, H., 45
STRAUSS, L., 161 INESESDD]tiMICAdO rcueres uses evesaiviivaa blade ps tp dd 60
STRAWSON, P. F., 83, 241 4. Compreensão filosófica da relação de intersubjetividade 65
STRAYER, J. R., 85 NOTAS nua 80

II. CATEGORIA DA TRANSCENDÊNCIA ........eeenes 93


TEILHARD DE CHARDIN, P., 31,
176, 240, 252 à Tirodiaçãos veto inineisaadiesrcoreceavefudbincediçarine
canas raadaaço 93
THEUNISSEN, M., 81-4, 194, 238, 2. Pré-compreensão da relação de transcendência ........... 98
240-2, 249 3. Compreensão explicativa da relação de
TINLAND, F., 44-5, 47 transcendência.................
eee eererererececeracanaa 112,
TOLLENAERE, J. de, 43 4. Compreensão filosófica da relação de transcendência ... 114
TRESMONTANT, C., 134, 252-3 NOTAS scan en nao 125
TROISFONTAINES, R., 247
TERCEIRA SEÇÃO
ÚBERWEG, F., 181 UNIDADE FUNDAMENTAL DO SER HUMANO ................ 139
ULMER, K., 42
I CATEGORIA DA REALIZAÇÃO ........cceeereeememeseresees 141
VAN DER LEEUW, J., 133 fo ERROS eee engrenar
merece veces 141

270 271
2. Pré-compreensão da categoria de realização ................ 146
3. Compreensão explicativa da categoria de realização .. 161
4. Compreeensão filosófica da categoria de realização... 162
ENOA O costs Rear os inner rvca saiu ceras
e mia ça ERP
E DE nas 175
T.. CATEGORIA DA PESSOA. suiianenenans Ga ca cu ssesqavegeso 189
1. Introdução... sa drean a Sena apoio ai mens 189
2. Pré-compreensão da categoria de pessoa... 200 6a
3. Compreensão explicativa da pessoa ............ Biro sdira tdos 213
4. Compreensão filosófica da pessoa
5. Conclusão: a pessoa humana entre o tempo e a Henrique Cláudio de Lima Vaz, nascido em Ouro Preto (MG),
eternidade ................. SMEA.s em 1921, licenciou-se em Filosofia pela Faculdade Eclesiástica
NOTAS raia MA da Companhia de Jesus. Foi professor na Faculdade de Filosofia
; da Companhia de Jesus em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, e
INDICE DE NOMES E AUTORES... EMA idos 253 atualmente leciona na mesma Faculdade em Belo Horizonte. É
professor aposentado da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Colaborou
na fundação da Revista Síntese Nova Fase e a dirigiu de 1976
a 1988.

Publicou: Ontologia e história (1968, esgotado)


Escritos de Filosofia I. Problemas de Fronteira (1986)
Escritos de Filosofia II. Ética e cultura (1988)
Antropologia Filosófica I (1991. 2º ed. 1922)
Artigos vários em revistas especializadas no Brasil e
no exterior.

272, 273

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