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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2

2 OS SURDOS NAS CIVILIZAÇÕES ANTIGAS ........................................... 3

3 A INFLUÊNCIA DA FRANÇA NA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS —


LIBRAS .....................................................................................................................4

4.1 A consolidação dos Surdos enquanto sociedade brasileira ................. 6

5 MOVIMENTOS SOCIAIS DOS SURDOS NO BRASIL. ............................. 9

7 ASPECTOS LINGUÍSTICOS .................................................................... 14

7.1 Classificadores ................................................................................... 14

8 ASPECTOS FONOLÓGICOS DA LIBRAS .............................................. 15

8.1 Léxico, vocabulários icônicos, arbitrários e soletrados ....................... 16

8.2 Sinais icônicos .................................................................................... 18

8.3 Sinais arbitrários ................................................................................. 19

8.4 Sinais soletrados ................................................................................ 20

9 ESTRUTURA FONÉTICA E FONOLÓGICA DA LIBRAS e ESTRUTURAS


SUBLEXICAIS: CINCO PARÂMETROS EM LIBRAS ............................................. 22

9.1 Configuração de mão ......................................................................... 23

9.2 Pontos de articulação ......................................................................... 24

9.3 Movimento .......................................................................................... 27

9.4 Orientação .......................................................................................... 28

9.5 Expressão faciocorporal ..................................................................... 28

10 ASPECTOS MORFOLÓGICOS DA LIBRAS ........................................... 29

11 ASPECTO SINTÁTICO ............................................................................ 32

12 ASPECTOS SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO ........................................... 34

13 PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LIBRAS .............................................. 43

14 REPRESENTAÇÃO DO ALFABETO E DOS NÚMEROS EM LIBRAS ... 45

15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 47


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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável -
um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 OS SURDOS NAS CIVILIZAÇÕES ANTIGAS

Quando resgatamos a história dos surdos no mundo vemos quanta


discriminação essa comunidade sofreu, perseguição, segregação, etc. Como eles
foram muito negligenciados por toda a comunidade ouvinte (população dominante) ao
longo desse tempo, entendemos que as mesmas formas nocivas de exclusão do
passado não existem como antes. Por exemplo, segundo Carvalho (2007), os surdos
na Roma Antiga eram considerados imperfeitos e sem direitos sobre a sociedade, não
podia se casar, ter uma família, possuir bens materiais, portanto, incapazes de formar
testamento. Sendo exceção em relação aos surdos (a) que conseguiam reproduzir a
fala. Este método é mais tarde referido como oralismo.
Ainda em consonância com Carvalho (2007), o surdo foi visto e tratado
diferenciadamente já nas primeiras civilizações do mundo. Segundo ele, no Egito eram
considerados pessoas adoradas que podiam dominar a resistência de se comunicar
com os deuses e até com os faraós que haviam morrido. O povo Hebreu, nos cinco
primeiros livros da Bíblia, traz narrativas para surdos e cegos, eles tinham a proteção
de toda a população hebraica e eram considerados seus cidadãos. Já na Grécia, eles
eram classificados como impossibilitados e os gauleses os serviam de oferenda ao
deus Teutates.
Na China, na primeira dinastia, crianças surdas eram lançadas ao mar. Em
Constantinopla não diferia de Roma, mas também havia atividades atribuídas a eles,
como trabalhar na corte, escoltar senhoras, ser palhaços da corte e serviços que
utilizavam a força física.
Ainda conforme o mesmo autor, nos tempos da igreja medieval, os surdos eram
considerados como criaturas perdidas sem direito à salvação. Para a igreja, como o
indivíduo não poderia ouvir e falar, portanto, não poderia ler o sacramento da igreja.
Durante todo esse período não tinha como ensinar essas pessoas a se
comunicarem e, como eram desprezadas na maioria das vezes, isso resultava em
isolamento do convívio social. Apenas 700 d.C., na Idade Média, se deram os
primeiros ensinamentos a essas pessoas. John Beverley foi o primeiro a ensinar um
surdo a falar, feito que é o único registrado na época.

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3 A INFLUÊNCIA DA FRANÇA NA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS — LIBRAS

A França foi o primeiro país a registrar e conhecer a língua de sinais, tornando-


se assim o país mais influente do mundo, especialmente aqui no Brasil. Em 1857, o
educador francês Ernest Huet veio ao Brasil e fundou o Instituto Imperial de Surdos
Mudos no Rio de Janeiro. Esse pedido foi feito pelo próprio imperador D. Pedro II,
alguns historiadores acreditavam que seu neto, filho da princesa Isabel, teria perda
auditiva. Hoje, o instituto perdeu sua nomenclatura e é atualmente conhecido como
Instituto Nacional de Educação de Surdos. Sua sede permanece no mesmo local até
hoje.
Desde então, a Língua de Sinais Francesa — LSF (Langue Des Signes
Française) foi pioneira na construção da Língua Brasileira de Sinais Libras.
Começando primeiramente com o alfabeto manual. Assim como as línguas faladas
em todo o mundo se originam da influência de outras pessoas, a língua de sinais não
é exceção. Isso se baseia nos costumes dos surdos no Brasil, e não dos surdos
franceses. Com o passar dos anos, a língua se espalhou pelo país, desenvolvendo-
se de forma sólida e adequada. E como toda língua, existem diferenças linguísticas
entre as regiões devido o tempo, espaço e às características culturais da sociedade e
do território brasileiro.
No entanto, muitos anos depois, para registrar e identificar a forma da língua,
era preciso contar com o LSF. Ernest Huet (1857) trouxe da França seus
conhecimentos como educador de surdos e como professor da então instituição
imperial, adaptou seus conhecimentos metodológicos e avaliativos às peculiaridades
do público alvo em questão, o surdo brasileiro.
Segundo Santos (2007), esta foi a primeira contribuição cultural de surdos no
Brasil. Ou seja, as características da língua de sinais seriam consolidadas anos
depois. Como constituição social para uma comunidade, antes negligenciada pela
sociedade, isso poderia ser alcançado por meio de instituições públicas e privadas
criadas pelo governo imperial de Pedro II. Essa iniciativa ofereceria a oportunidade de
agregar uma nova forma de comunicação na sociedade e confirmaria o princípio da
inclusão social.
Claramente, através dos então imperadores brasileiros, já eram conhecidas as
primeiras características sociais de um segmento da população, que consistiam na

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capacidade de se comunicar com as mãos, institucionalizadas em comunicação e
linguagem por meio da educação. No entanto, não só no Brasil, mas também em
alguns países, há pessoas que se sentem despreparadas ou inaceitáveis para a língua
de sinais. A linguagem falada tornou-se gradualmente a única forma de comunicação
para os surdos. Essa verbalização discrimina o uso de símbolos, o que também
confirma o preconceito da família de que, por desconhecimento, a comunicação oral
é a única forma de comunicação.
Infelizmente, algumas atrocidades contra as comunidades surdas ao longo dos
anos aconteceram. A pior delas foi em 1880, quando foi realizado o Congresso
Internacional de Educadores de Surdos, em Milão, na Itália, cujo objetivo principal era
discutir a forma mais correta de educar os surdos. Naquela época, duas ideias de
pesquisa diferentes surgiram na Europa. Por um lado, há os que defendem o método
oral e, por outro, os que utilizam a língua de sinais. Quase todas as deliberações
votaram por pura retórica. Desde então, a língua de sinais foi proibida em todas as
instituições de ensino.
No século XX, apesar da prevalência da linguagem puramente oral, surgiram
vários educadores que se concentraram nos gestos das mãos, fortalecendo o uso da
língua de sinais. Segundo Gesser (2012) enquanto aqueles que tinham como base
proposta do oralismo, também acreditavam que a “cura” pela fala era o único caminho
possível, enquanto isso, outros profissionais da área da educação se conscientizaram
do importante papel da língua de sinais no processo educacional dos surdos. Eles
entenderam que sem a língua de sinais, os surdos têm impactos linguísticos,
psicológicos e sociais que poderiam comprometer uma série de habilidades cognitivas
à medida que se desenvolviam.

4 A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS — LIBRAS

Nos últimos anos, graças à implementação de políticas de reconhecimento e


acessibilidade linguística, a Língua Brasileira de Sinais foi amplamente difundida e o
número de pessoas que falam a língua aumentou. Segundo o último censo do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010, 9,7 milhões de pessoas no
Brasil são deficientes auditivos; destes, 2.147,366 bilhões sofrem de perda auditiva

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severa variando de 70 a 90 decibéis (dB), dos quais cerca de 1 milhão são jovens com
menos de 19 anos.
No entanto, também existem surdos, classificados diferentemente dos
deficientes auditivos. Como mencionado anteriormente, uma pessoa com deficiência
auditiva é uma pessoa com perda auditiva, mas não reconhece a língua de sinais
como seu modo de comunicação. Muitas dessas pessoas optam pelo procedimento
cirúrgico de implante coclear ou utilizam um dispositivo de expansão de som, IC, como
é chamado o implante, ele é introduzido por meio de cirurgia no nervo que liga o ouvido
ao cérebro, uma vez implantado, gradativamente as pessoas começam a ouvir.
Por outro lado, um sujeito surdo é alguém que assume sua condição de surdo
e identifica a língua de sinais como sua forma de comunicação, assim como, se insere
na comunidade surda e se identifica como surdo a partir de então. A partir de então,
tem uma língua, uma identidade e uma cultura que se constitui um povo. Segundo
Strobel:

Quando pronunciamos ‘povo surdo’, estamos nos referindo aos sujeitos


surdos que não habitam no mesmo local, mas que estão ligados por uma
origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de
evolução linguística, tais como a língua de sinais, a cultura surda e quaisquer
outros laços (STROBEL, 2009, p.29).

Compreende-se então que a constituição de uma comunidade e a identificação


com ela confirmam a compreensão desse sujeito surdo. Segundo o conceito de
identidade Lopes (2001), afirma que a população surda se enquadra no conceito de
que não basta existir, mas fazer-se ser, identificando-se e constituindo a comunidade.
A constituição da comunidade e a identificação com ela sustentam a ideia de que esse
surdo compreende a si mesmo.
Outro ponto que o autor revisita sobre a identidade social são as identidades
conflitantes que estão sempre em conflito entre si na comunidade surda, como
considerar assumir ou não o papel de surdo, ou deficiente auditivo, pois, não há
imposições, não é regras, é uma espécie de identificação.

4.1 A consolidação dos Surdos enquanto sociedade brasileira

Algumas das conquistas e realizações dos surdos no Brasil tornaram o grupo


conhecido ao nível nacional, como a criação do primeiro dicionário de línguas de sinais

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em 1975 por Flausino José da Gama, ex-aluno do Instituto Nacional de Educação de
Surdos em Línguas de Sinais — INES. Dois anos depois, em 1977, foi criada a
Federação Nacional de Educação e Integração do Deficiente Auditivo — FENEIDA. A
curiosidade sobre a federação é que ela é composta apenas por ouvintes que lutam
pela causa com os surdos.
Assim, na década de 80, foi formada a Federação Nacional de Educação e
Inclusão de Surdos — FENEIS, que, com o apoio do INES, luta pela educação dos
surdos e busca políticas de educação para a comunidade surda. Também reorganizou
a FENEIDA, que quase deixou de existir por falta de recursos. Uma conquista para a
comunidade veio em 1997, quando canais de TV aberta, transmitiram programas com
legendas, controlando a TV, ativando-os por meio de “closed captions”.
Ainda nos anos de 1990, foi criada a Federação Brasileira de Esportes para
Surdos — CBDS para difundir o esporte entre a comunidade surda. Sua sede está
localizada em São Paulo. O ápice das conquistas e lutas comunitárias ocorreu em
2002 com a aprovação da Lei 10.436, que reconheceu a língua de sinais como meio
oficial de comunicação para surdos no Brasil, conhecida como Lei Libras, em 2005 foi
aprovado o Decreto n.º 5.626, que regulamenta a Lei da Libras, fortalecendo toda a
comunidade para continuar lutando pelo espaço social que sempre almejaram.

É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua


Brasileira de Sinais — Libras e outros recursos de expressão a ela
associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais —
Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de
natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um
sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil. (BRASIL, 2002).

Em 2005, esta lei, regulamentou o ensino obrigatório de Libra como disciplina


curricular para todas as licenciaturas (formação inicial de professores), pedagogia e
fonoaudiologia. Diante dessa nova realidade, todos esses cursos terão que reformular
sua respectiva organização curricular para tornar a Libras obrigatória. Constatemos o
que dizem os seguintes regulamentos:

Art. 3º […] § 1º Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do


conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o
curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos
de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do
magistério […] (BRASIL,2005).

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Apesar de ser sancionada e reconhecida em lei, como mencionado
anteriormente, a língua de sinais existe há muitos anos. Com isso em mente, vale
destacar que na LDB/1996, a educação é garantida não apenas para os surdos, mas
também para todas as pessoas com deficiência. O CNE — Conselho Nacional de
Educação, n.º 2 de 2001, em seu art. 2° ressalta a responsabilidade de um sistema
de ensino que matricule todos os discentes e que as escolas se organizem para
atender os alunos com deficiência, garantindo as condições necessárias para uma
educação de qualidade para todos, o que em parte contribui para as políticas
educacionais voltadas à formação de professores.
Atendendo às exigências legais estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) 9.394/96 em seu capítulo V, art. 59, garantir que programas, métodos,
tecnologias, recursos educacionais e organizações específicas para alunos com
necessidades especiais atendam às suas necessidades, a saber:

I — Terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível


exigido para conclusão do ensino fundamental, por suas deficiências, e
aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os
superdotados; III — Professores com especialização adequada ao nível
médio ou superior, para atendimento especializado, bem como os
professores do ensino regular capacitados para a integração desses
educandos nas classes comuns; IV — Educação especial para o trabalho,
visando sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições
adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no mercado
de trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins,
bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas
artística, intelectual ou psicomotora; V — Acesso igualitário aos benefícios
dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do
ensino regular. (Artigo 59 da Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996).

Como tal, essas leis são as bases que apoiam a educação dos surdos em nosso
país hoje; sua privação é vista como uma violação dos direitos humanos porque todos
nós, independentemente de limitações físicas, intelectuais e similares, temos o direito
de Educação. A segurança da inclusão educacional é garantida por lei e, em 2015, o
Governo Federal promulgou a Lei Brasileira da inclusão — LBI, Lei n.º 13.146, de 6
de julho daquele ano.
A lei exige expressamente em seu texto que a sociedade inclua todas as
pessoas com deficiência. Em diversos aspectos da sociedade, garante o acesso à
informação, a interação e a prestação dos devidos serviços, principalmente nas áreas
de responsabilidade do poder público. No Capítulo IV Art. 27, Lei n.º 13.146, de 6 de
julho de 2015, declara que a educação é um direito das pessoas com deficiência, é

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dever assegurar-lhes um sistema de educação inclusiva em todos os níveis e de
aprendizagem ao longo da vida para maximizar o desenvolvimento de seus talentos e
habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais. De acordo com suas
características, interesses e necessidades de aprendizagem.

5 MOVIMENTOS SOCIAIS DOS SURDOS NO BRASIL.

De acordo com um estudo conjunto do Instituto Locomotiva e da Deaf


Accessibility Week, publicado em outubro de 2019, existem 10,7 milhões de
deficientes auditivos no Brasil. Destes, 2,3 milhões foram severamente incapacitados.
Os impactos associados à vida dos surdos são os mais diversos, dificultando o acesso
à educação, comunicação, acesso a instituições públicas, meio social, empregos, etc.
Portanto, é importante examinar a trajetória do movimento social surdo até os dias de
hoje, os avanços que alcançou e o que ainda precisa ser feito.
Na perspectiva de Melucci, ele define um movimento social como "(...) uma
forma de ação coletiva que (a) se baseia na solidariedade, (b) desenvolve o conflito e
(c) rompe as restrições do sistema ação (MELUCCI, 1989, p. 57), achamos importante
compreender a trajetória do movimento e dos agentes envolvidos na luta pela garantia
dos direitos dos surdos no Brasil.
Uma das primeiras questões que surgem ao estudar os movimentos sociais
está relacionada ao seu conceito e a qualquer outra temática a ser estudada. Segundo
Frazão (2017), qualquer definição é inválida porque um conceito não pode ser
considerado verdade, dependendo das diferentes formas e estudos que o inserem.
Portanto, é necessário começar mostrando o papel que os movimentos sociais
desempenham na vida cívica. De acordo com Picolotto, essas ações:

Devem servir de mediadores entre o sujeito e o Estado. Os movimentos


sociais têm o papel de desenvolverem sujeitos livres e autônomos, por um
lado, e construírem as mediações necessárias entre o Estado e os indivíduos,
por outro. Ou seja, é fundamentalmente de responsabilidade destes a
construção da democracia e a garantia do direito à diferença (PICOLOTTO,
2007, p. 25).

O estudo da história dos movimentos sociais engloba uma variedade de teorias


que começaram a ganhar maior demanda e visibilidade a partir da década de 1980, e
no Brasil, a partir da década de 1990, após o movimento vivenciar uma fervura no

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período da redemocratização do Brasil (Brito, 2009). Dessa forma, as mudanças
sociais ocorridas nas últimas décadas têm como base a mobilização e a ação coletiva
que intervêm no progresso social em diversos campos e também no próprio Estado.
Então Merucci:

Embora a relação entre sistemas políticos e movimentos sociais seja uma


perspectiva analítica que é difícil de evitar em sociedades complexas, é uma
perspectiva limitada. Os conflitos sociais contemporâneos não são apenas
políticos, pois, eles afetam o sistema na totalidade. A ação coletiva não é
realizada apenas a fim de trocar bens num mercado político e nem todo
objetivo pode ser calculado. Os movimentos contemporâneos também têm
uma orientação antagônica, que surge de e altera a lógica das sociedades
contemporâneas (MELUCCI, 1989, p. 58).

A fala do autor reflete a cultura surda do Brasil – incluindo suas características


linguísticas e culturais – a partir do momento em que as discussões sobre o tema
começaram a ganhar um significado político-cultural e social. Essa mudança de
significado de puramente político para cultural e social ocorreu depois que as
discussões sobre o tema mudaram de uma perspectiva sociológica e política. Essas
discussões foram originadas na década de 1960 e examinaram as implicações sociais
da deficiência. Eles também examinaram a opressão social de deficiência contra uma
cultura de normalidade que valorizava corpos não deficientes (CORKER;
SHAKESPEARE, 2004; SANTOS, 2009, p. 85).
O Brasil em seu contexto social e político na década de 80, surgiram os
primeiros contatos dos surdos com o seguimento de luta pela defesa dos direitos à
cidadania. Contudo, aconteceu primeiramente na esfera da luta de pessoas com
deficiência. Nos anos de 1980, em Brasília ocorreu o primeiro encontro nacional de
organizações de pessoas com deficiência, e no próximo ano, no segundo encontro na
cidade de Recife em 1981, aconteceu a maior concentração de surdos.
Com o envolvimento de surdos nos encontros e eventos, desenvolveu-se a
percepção de que havia o carecimento de uma distanciação dos militantes de outros
grupos com deficiência, não com o intuito de segregação, mas de um alinhamento das
ideias principais e da causa surda (BRITO, 2009). Assim, houve uma maior visibilidade
à comunidade e às suas necessidades e lutas específicas, tendo como principal
bandeira o reconhecimento da língua de sinais.

A partir desse momento, os dados revelam a criação de comissões de defesa


dos direitos dos surdos em pelo menos três capitais de estados da região
Sudeste: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Evidenciam ainda que

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tais comissões tinham o seu alcance ampliado enquanto seus participantes
circulavam por associações e/ou escolas de surdos desses e outros estados
[…] (BRITO, 2009, p. 10).

Em 1988, o movimento recebeu dois temas para inclusão na Constituição


Federal de 1988: os direitos das pessoas com deficiência outro acontecimento
importante para o reconhecimento e valorização da Libras, foi a passeata do dia 25
de setembro de 1994, na cidade do Rio de Janeiro em 25 de setembro de 1994, que
envolveu 2.000 pessoas. Este movimento vivenciou a participação ativa de intelectuais
e aliados estratégicos no compartilhamento do conhecimento científico. Esse
movimento social foi liderado por ativistas sociais que vieram da própria comunidade
surda (BRITO, 2009).
As mudanças na ideologia dos movimentos sociais surdos resultaram de uma
mudança da comunicação total para o bilinguismo. Isso levou os surdos a formarem
uma identidade autônoma e deu mais poder aos seus movimentos sociais. Isso
resultou na legalização da Libras e na criação de uma nova política pública.
Um dos marcos mais significativos da campanha foi a criação do Movimento
Azul em 2011. Tratava-se de um movimento social com múltiplos grupos, associações
e escolas que atendia alunos surdos defendendo a permanência das escolas bilíngues
para surdos. Após a criação do Setembro Azul em 2011, o nome da campanha pelos
direitos linguísticos e culturais ganhou novo significado. Isso porque o nome também
a Libras representava uma identidade de direitos linguísticos e culturais.
Além de promover a mudança social, a criação do projeto de educação, todo
avanço foi indispensável, pois, está ligado a tudo que foi conquistado até hoje, a Libras
como língua oficial o que tornou o sistema educacional mais inclusivo; hoje é proposto
a inclusão como projeto de um ensino modelo.

6 DIREITOS ADQUIRIDOS PELOS SURDOS DA DÉCADA DE OITENTA AOS


DIAS ATUAIS: VISIBILIDADE ALCANÇADA NA SOCIEDADE BRASILEIRA.

A luta pelos direitos civis surgiu no final da década de 1970 e sua ascensão se
refletiria fortemente na década de 1980, com o declínio dos regimes autoritários e a
ascensão generalizada de movimentos políticos e sociais que redemocratizaram a
república. A abertura política foi fator decisivo para levantar a bandeira da igualdade
social, transformando as minorias em protagonistas dos direitos sociais (BRITO,
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2016). Na busca pelo pleno exercício de seus direitos civis e pela participação em
movimentos sociais de pessoas com deficiência, alguns surdos passaram a se
envolver diretamente na política, organizando manifestações e reivindicações, à
semelhança das agendas originalmente propostas por outros movimentos (BRITO,
2016).
Mais tarde, porém, a beligerância se tornaria um movimento poderoso e
concreto de inclusão social, sustentado por uma nova constituição promulgada em
1988, que incluiu a igualdade como princípio fundamental na construção de uma
república democrática e coibiu a discriminação de qualquer natureza. Ao longo da
década de 1980, a pauta de reivindicações limitou-se às reivindicações de direitos
civis, não existindo um debate exclusivo sobre o movimento surdo, que mudou na
segunda metade da década de 1990, quando foram discutidos os direitos da língua e,
consequentemente, o movimento surdo. O foco da luta mudou, e agora é pela
oficialização da Língua Brasileira de Sinais - Libras - palavra que se tornou mais
popular entre os ativistas do movimento (BRITO, 2016).
Influenciado pelas animadas discussões sobre a legalização étnico-linguística,
o movimento surdo, apoiado por intelectuais, classes e associações de pesquisa,
passou a organizar estratégias para obrigar os parlamentares a aprovar o texto legal
do projeto de lei de Libras, lançado apenas em 2002, quando a Lei 10.436 entrou em
vigor, reconheceu a legalidade da Língua Brasileira de Sinais. A referida lei é um
importante marco na luta do movimento surdo brasileiro, principalmente no que diz
respeito ao direito à educação e ao tratamento digno dos surdos na classe pública
(CASSIANO, 2017). No entanto, devido a reiteradas demandas do Movimento Surdo
e de seus apoiadores, em 2005 foi assinado o Decreto nº 5.626 para regulamentar a
Lei nº 10.436/2002.
Dentre as matérias trazidas pelo decreto, vale destacar que este dispositivo é
o que primeiro concebe a positivação da diferenciação entre surdez e deficiência
auditiva (vide art. 2.º caput e parágrafo único do Capítulo I do Decreto n.º 5.626 de 22
de dezembro de 2002). No desfecho de suas disposições, atendendo — mesmo que
tardiamente — aos pedidos reiterados por décadas, o Decreto n.º 5.626 vem garantir
a inclusão da pessoa surda a inúmeros seguimentos da sociedade.
O decreto torna a Libras obrigatória para os programas de formação de
professores para a docência (incluindo programas de pedagogia, fonoaudiologia,

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ensino e educação especial) nas esferas pública e privada das redes federal, estadual
ou municipal. Além disso, o dispositivo incentiva o uso e a divulgação da Libras e do
português (L2), no sentido de que o português (L2) deve ser incluído após a Libras
para garantir a inclusão plena dos alunos surdos, obrigando inclusive os órgãos
federais de educação a difundir o idioma por meio das atividades institucionais, que
acontecem diariamente, podendo ser processos seletivos, atividades e conteúdos
curriculares que transitam da educação infantil ao ensino superior.
Além disso, garante a possibilidade de formação de intérpretes e tradutores
especializados em Libras, profissão regulamentada pela Lei n.º 12.319 em 1 de
setembro de 2010. Em termos de saúde, garantir o acesso amplo e prioritário ao
Sistema Único de Saúde - programa de atenção primária ao surdo atribuído pelo SUS.
Ressalte-se que o decreto confere ao Poder Público e seus franqueadores de
serviços, bem como às administrações públicas federais diretas e indiretas um
importante papel no atendimento diferenciado aos surdos, a implantação da Libras por
equipe treinada em tradução e interpretação, além de fornecer acesso à tecnologia da
informação. Confirmou-se que as referidas instituições são obrigadas a dispor 5% de
seus empregados, servidores ou empregados estejam aptos a utilizar Libras. Da
mesma forma, recomenda-se que outros entes federativos busquem implementar
medidas semelhantes para promover a inclusão de surdos.
Em nível internacional, a Convenção Internacional Sobre os Direitos da Pessoa
Com Deficiência, foi incorporado aos ordenamentos jurídicos nacionais por meio do
decreto n.º 6.949. O objetivo da Convenção é garantir o tratamento justo das pessoas
com deficiência e, nesse contexto, focaram principalmente nos elementos
relacionados às atividades laborais e à inserção no mercado de trabalho, incluindo a
responsabilidade do Estado de "promover o reconhecimento de competências,
méritos e habilidades" das pessoas com deficiência e sua contribuição para o
ambiente de trabalho e o mercado de trabalho", conforme determina o inciso III, alínea
“a”, item 2 do artigo 8 do decreto 6.949 de 2009.
Embora muitas garantias sejam garantidas pelo ordenamento jurídico, como a
Lei Libras 10.436/02 e o Decreto nº 5.626/05 que são documentos essenciais para
assegurar os direitos das pessoas surdas, principalmente na área da educação, a luta
pela igualdade não foi além da dimensão formal, o desemprego continua alto, a
divulgação da Libras continua insuficiente. Isso se deve a vieses estruturais e à falta

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de comprometimento do poder público em disseminar o uso e a interpretação da Libras
no cotidiano dos ouvintes/falantes, o que, elimina a eficácia dos programas de inclusão
social para pessoas surdas.

7 ASPECTOS LINGUÍSTICOS

Como já mencionado, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) tem sua origem na


Língua de Sinais Francesa, em uma relação similar à que a Língua Portuguesa possui
com o português falado em Portugal. Devido a isso, as línguas de sinais existentes
pelo mundo não são universais, cada país utiliza uma diferente, que pode ou não
coincidir com a língua de sinais de outro país.
Além disso, a língua de sinais sofre influências culturais com o passar dos anos
e, como qualquer outra, possui expressões (sinais) que diferem conforme a localidade
(regionalismos). Por isso, ao conversar com um surdo de outra região do país,
certamente notará que ele usa sinais diferentes do que você possa conhecer, pois
cada local cria suas próprias palavras e gírias.
As línguas de sinais têm sua base de produção e percepção em características
da modalidade gesto-visual, a qual utiliza o corpo para fazer movimentos no espaço
que configuram e estruturam os sinais e as frases. De modo geral, elas usam as mãos
como uma ferramenta ou um recurso de comunicação, o que, para um leigo nesse
assunto, pode parecer que o surdo está fazendo mímica ou apenas gestos, mas é
muito mais do que isso, pois são compostas de regras próprias e, devido à sua
estrutura fonológica, morfológica, sintática e semântica, elas não podem ser
confundidas com outra coisa que não seja uma língua.

7.1 Classificadores

Uma das estratégias ou recursos de comunicação utilizada pela língua de sinais


é o classificador, que, em um primeiro momento, pode parecer apenas gestos ou
mímica, mas não se trata somente disso, como você verá a seguir.
Os classificadores são estratégias linguísticas que passam determinados
significados ou mensagens, moldando sinais, incorporando personagens ou apenas
usando a criatividade espacial para transmitir algum entendimento. Eles podem utilizar

14
as configurações de mãos para expressar, por exemplo, o plural de algo (vários
copos), e aparecer em situações de nível semântico (significado), sintático
(organização e estrutura da frase) e morfológico (gênero, plural, modo, tamanho, etc.).
Segundo Pizzio et al. (2009, p. 19 – 32), os classificadores em língua de sinais
podem ser divididos em cinco categorias principais.
1. Descritivos: descrevem paisagens, prédios, imagens, entre outros.
2. Especificadores: são uma descrição mais detalhada sobre algo, descrevendo
visualmente a forma, a textura, o tamanho, o cheiro, etc. do objeto, do corpo de uma
pessoa ou de animais.
3. Plural: são as configurações de mãos ou o sinal que substituem o objeto que
se deseja descrever, repetidas diversas vezes para passar a ideia de plural. Por
exemplo, vários copos.
4. Instrumental: é a incorporação de personagem descrevendo a ação ao
utilizar um determinado instrumento. Por exemplo, usar um martelo.
5. De corpo: descreve a ação por meio da expressão facial e/ou corporal dos
seres que se deseja especificar. Por exemplo, um gato afiando as unhas.
O classificador não é considerado uma mímica, apesar de utilizar esse recurso
espacial para auxiliar no entendimento da mensagem, porque ele se apoia ou usa os
parâmetros das línguas de sinais na produção de significado linguístico, e a mímica
não os utiliza.
Devido a esse fator e muitos outros que a língua de sinais é tão fascinante, pois
tem singularidades que a tornam tão especial, contudo, sem se distanciar do que ela
tanto lutou para conquistar: ser reconhecida como uma língua.

8 ASPECTOS FONOLÓGICOS DA LIBRAS

A fonologia da Língua Brasileira de Sinais amplia nossos conhecimentos quanto


às estruturas dos sinais em Libras e nos aproxima ainda mais da gramática da
modalidade visuoespacial (Libras). Como a fonologia é o nível da linguagem que
interage diretamente com os sinalizadores, as diferenças anatômicas, no que lhe
concerne, têm o potencial de influenciar a estrutura fonológica da língua entre suas
modalidades.

15
Essa diferença é aparente com relação à produção, visto que os articuladores
envolvidos na fala e na movimentação das mãos diferem: os articuladores, na língua
oral, são os lábios, os dentes, a língua, a garganta e a laringe, já os articuladores da
Libras são as mãos, os braços, a cabeça, o corpo e a face. Além dessa diferença
óbvia, existem diferenças fundamentais entre esses conjuntos de articuladores.
Os sinais da Libras podem ter um papel menor na explicação fonológica do
que na oralidade, uma vez que os sinalizadores de origem são visíveis; em outras
palavras, a linguagem oralizada é mais propensa à reanálise, devido à acústica da
decodificação da produção. A Libras pode transmitir múltiplos eventos visuais
simultaneamente, e há duas mãos e braços envolvidos na articulação. Em
contrapartida, a oralização é transmitida por meio do fluxo único de um sinal acústico.

8.1 Léxico, vocabulários icônicos, arbitrários e soletrados

Conforme explica Pinto (2018, p. 77), “[…] léxico é o ‘banco de dados’ em


vocabulário que uma pessoa, língua ou comunidade tem em termo de conhecimento
[…]”.
Conhecer sinais em Libras isoladamente, sem um contexto fixado, não constitui
um profissional intérprete de Libras ou nativo dessa língua. Simplesmente sinalizar
palavra por palavra torna o português sinalizado, e não exatamente a Língua Brasileira
de Sinais. Se a sinalização for feita, desse modo, os surdos não terão acesso à
informação fidedignamente.
Para entender ainda melhor essa fase da fonologia da Libras, veremos um
exemplo, na prática. Observe a frase:

16
Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Não devemos utilizar apenas datilologia em uma conversa, pois ela não tem
essa função, assim como não devemos traduzir uma frase, por sinal, o que a faz um
português sinalizado, e não a Libras.

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

A datilologia é utilizada quando queremos falar nomes próprios, palavras


científicas ou elementos que ainda não se têm sinal e não estão em uma frase
completa. A frase utilizada como exemplo ficaria da seguinte forma em Libras:

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

17
Nesta imagem, há o sinal de “idade” + expressão interrogativa que contextualiza
toda a frase: “Quantos anos você tem?”.

8.2 Sinais icônicos

A iconicidade, ou sinais icônicos, na fonologia da Libras talvez proporcione mais


iconicidade do que as próprias línguas orais, afinal, os objetos no mundo externo
tendem a ter associações mais visuais do que auditivas. É importante enfatizar que,
embora as línguas de sinais não possam mostrar um vínculo arbitrário entre símbolo
e referente ou forma e significado, esse vínculo é tão convencionado quanto nas
línguas orais. Também é importante observar que os oralizadores não têm verdadeira
ciência do simbolismo sonoro que existe nas palavras e que também é importante
para os surdos, como “dor”, “choro”, “risada”, etc., de modo que os surdos podem não
conhecer as origens icônicas dos sinais.
Conforme Pinto (2018), os sinais icônicos são sinais visualmente parecidos com
os “gestos” que estamos acostumados a fazer em nosso dia a dia com qualquer
pessoa, sem mesmo saber, os quais são utilizados em Libras (Figura 1). Apesar de
serem conhecidos em boa parte do mundo, não são considerados sinais universais,
mas transmitem o que estamos habituados.
Figura 1. Para sinalizar a palavra “feliz”, basta fazer a expressão de felicidade.
Dessa forma, você já idealiza a comunicação.

Fonte: mimagephotography/Shutterstock.com.

18
Mesmo sendo um leitor leigo em Libras, é possível entender o significado de
diversos sinais em Libras, bem como fazer sinais de palavras com estas
características.
Observe e reflita as palavras no quadro a seguir:

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Após essa reflexão, tente idealizar sinais com as mãos e com o corpo que
poderiam expressar essas palavras. É certo que não encontrou dificuldade para
sinalizá-las!
De modo simplificado, essas palavras fáceis de sinalizar e que todos
entenderiam são os sinais icônicos. Inverteremos, agora, esses exemplos. Observe
os sinais a seguir:

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Os sinais apresentados são sinais que qualquer pessoa faz no dia a dia,
independentemente de ser surdo ou de estar em sinalização em contexto da Libras.
As imagens representam: [NÃO], [CASA] e [BEBER].

8.3 Sinais arbitrários

A arbitrariedade na fonologia é uma questão importante para os fonologistas de


língua de sinais, pois, ela intensifica a questão de legitimidade e autenticidade que a
Libras tem sua estrutura própria.

19
Entendendo melhor os sinais arbitrários, podemos destacar serem o oposto dos
sinais icônicos, ou seja, os sinais arbitrários não têm uma analogia com a realidade, e
necessita-se, portanto, de um conhecimento de Libras para identificar os sinais no
momento de uma sinalização, bem como uma noção para realizá-los.
Pinto (2018, p. 82) diz que os sinais arbitrários “[…] são sinais sem aparência
do que estamos acostumados como ‘gestos’ e não possuem formas convencionais.
Na verdade, um leigo observará o sinal e não entenderá nada do que está sendo dito
[…]”. Se pedir a você (caso seja leigo em Libras) para sinalizar as palavras: voluntário,
amigo, computador, difícil, amor, brincar, filho, sábado, mentiroso e água, certamente
não conseguirá, devido a essas palavras não terem relação com a realidade. Os sinais
arbitrários são a maioria em Libras, daí a necessidade e a importância de conhecer e
entender a Língua Brasileira de Sinais.
Tente identificar o significado dos sinais a seguir:

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Respectivamente: admirar, desculpe, quarta-feira. Você, provavelmente, não


conseguiu entender. Assim são os sinais arbitrários da fonologia em Libras, isto é, não
têm ligação nenhuma com o seu significado.

8.4 Sinais soletrados

Nem sempre uma palavra terá um sinal sistematizado dentro dos cinco
parâmetros em Libras, diante disso, este grupo de sinais pode variar devido ao
regionalismo. Por exemplo, em Minas Gerais, uma palavra pode ser feita por meio da
soletração, ao passo que, em Sergipe, há um sinal específico para ela.

20
Fonte: bit.ly/3zOiuvx

É importante destacar que um sinal soletrado não é a mesma coisa que a


datilologia de uma palavra. A datilologia pode ser feita com qualquer palavra quando
não se sabe o sinal, já o sinal soletrado é o próprio sinal da palavra, sendo uma minoria
entre os vocabulários.
Podemos citar:

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Conforme citado anteriormente, é importante considerar o regionalismo, uma


vez que as línguas de sinais também oferecem oportunidades únicas para testar ideias
sobre a natureza da própria linguagem, ideias geralmente formuladas exclusivamente
a partir de observações na língua oral. De todos os itens da lista de diferenças e
semelhanças entre as línguas orais e sinalizadas, as áreas que apresentam as
divergências mais marcantes ocorrem na morfofonética e na fonologia. A interface
entre morfologia e fonologia é, de fato, diferente, dadas as liberdades e restrições
disponíveis para cada sistema.

21
9 ESTRUTURA FONÉTICA E FONOLÓGICA DA LIBRAS E ESTRUTURAS
SUBLEXICAIS: CINCO PARÂMETROS EM LIBRAS

O termo “fonologia” é usado no contexto da pesquisa em língua de sinais para


enfatizar os paralelos na estrutura entre a língua oral e a língua de sinais. Antecedendo
a década de 60, 40 anos antes da legalização da Libras como língua oficial no Brasil,
os sinais eram considerados como simples gestos independentes, não consideráveis,
portanto, não contendo nenhum nível análogo ao fonológico. Brito (1995) reconhecia
que os sinais da Língua Brasileira de Sinais poderiam ser vistos como composicionais,
com subelementos contrastando entre si, ao contrário dos gestos. Pesquisas mais
recentes buscaram aplicar abordagens à teoria fonológica em linguagens oralizadas,
como a fonologia autossegmental, para sinalizar por uma estrutura própria.
É amplamente reconhecido na literatura de língua de sinais que os parâmetros
da Libras enquanto configuração de mão, ponto de articulação, movimento orientação
e expressões faciocorporais têm um papel significativo no nível fonológico de maneira
semelhante à linguagem oralizada, com propriedades de articulação, forma e
vocalização. Pinto, em seu livro Língua Brasileira de Sinais, destaca que:

[…] os 5 parâmetros da Libras são comparados aos fonemas no português e,


às vezes, aos morfemas e estas estruturas sublexicais, fazem parte da
gramática da Língua de Sinais com características distintivas ou
características notáveis usadas para criar sinais com significado em Libras.
Para produzir um sinal e retransmitir uma palavra com significado, esse sinal
deve seguir cinco parâmetros que determinam sua definição e tom como:
Configuração de Mãos, Ponto de Articulação, Movimento, Orientação e
Expressão faciocorporal (PINTO, 2018 p. 87).

Como visto, a língua de sinais é muito mais complexa do que somente aprender
sinais ou fazer alguns gestos, pois deve-se ter a capacidade visuoespacial, a qual tem
sua base estruturada nos cinco parâmetros básicos dessa língua.
Diferentemente das demais línguas que utilizam quase que exclusivamente a
modalidade oral-auditiva, falar e escutar, a língua de sinais é única e possui suas
próprias regras gramaticais estruturadas nestes parâmetros, os quais, em conjunto,
formam o que se define como um sinal ou entendimento semântico.

22
9.1 Configuração de mão

O parâmetro configuração de mão (CM) pode não existir em outras línguas de


sinais, assim como alguns padrões de som que existem em uma língua oralizada não
existem em outra linguagem. Uma mudança na forma (desenho) da mão pode resultar
em um significado totalmente diferente do pensado, ou, ainda, ser sem sentido, da
mesma forma que uma unidade de som alterada em uma palavra resulta em um
significado diferente, como, por exemplo, “colher” (talher) para “colher” (colheita).
Em um sinal, a forma da mão consiste em um ou mais dedos selecionados em
uma posição particular para configurar a mão (CM) que, posteriormente, é realizada
na efetivação dos sinais. Todo sinal tem um formato que a mão toma no momento de
sinalizar, e este poderá ser oriundo do alfabeto manual ou dos números, ou, ainda, de
outras configurações que não existem no grupo do alfabeto manual e dos números
(não oriunda). Constate os exemplos a seguir:

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Observe que o sinal da palavra “segunda-feira” tem CM em “V” ou em “2”


(ordinal).

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

“Remédio” tem configuração de mão em “1” (cardinal).

23
Fonte: bit.ly/3zOiuvx

A palavra “tio” tem CM em “C”. Os sinais das palavras “segunda-feira”,


“remédio” e “tio” são oriundas do alfabeto e dos números, uma vez que a configuração
da sua mão predominante está relacionada a uma letra do alfabeto ou a números.

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

9.2 Pontos de articulação

Assim como na configuração de mão, os pontos de articulação (PA) são


representados na estrutura dos recursos inerentes. Essa organização reflete a
generalização de que existem cinco regiões do corpo (tronco, cabeça, braço, mão e
espaço neutro), assim, precisa-se da mão configurada e do ponto de articulação para
dar início ao sinal.
Assim como na configuração de mão, que consiste em categorias dominantes
e subordinadas, o mesmo ocorre com a categoria de PA. Cada morfema livre é restrito

24
a uma única área corporal principal, como a cabeça, o tronco, a mão e o braço não
dominante ou o espaço neutro.
Cabeça
Para toda regra pode haver uma exceção, o que ocorre no ponto de articulação.
Nem todos os sinais idealizados na região da cabeça precisam encostar na face, mas
devemos observar que a mão predominante está na região da cabeça ou da face,
tendo como ponto de alicerce o queixo, o nariz, o olho, a boca, a bochecha, a orelha,
a maçã da face, a testa ou o topo da cabeça. Observe os exemplos a seguir:

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Observe que o sinal de “bonito” tem movimento à frente da face, mas não
exatamente precisa ser feito varrendo (encostando) o rosto; “mulher” e “telefone”
também tiveram como apoio a bochecha, e todos os sinais tiveram como ponto de
articulação “cabeça”.
Braço
Os sinais que têm como ponto de articulação “braço” terão seu apoio no braço,
no antebraço, no punho ou no cotovelo.

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

25
Para o sinal de “banheiro”, o apoio é no antebraço, e, para o sinal de “ciúmes”,
o apoio é no cotovelo, assim, seu PA é “BRAÇO”!
Mão
Para este PA, os sinais serão feitos no dorso da mão, na palma da mão e nos
dedos da mão.

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Em ambos os exemplos os sinais estão sendo feitos na palma da mão, assim,


o seu PA é “mão”.
Tronco
O ponto de articulação “tronco” tem como referência os sinais onde as mãos
serão posicionadas na barriga, na cintura, no peito, no pescoço ou no ombro.

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Ambos os sinais têm como PA “tronco”, visto que sua mão configurada está
incidindo no peito.
Espaço neutro

26
Para o ponto de articulação “espaço neutro”, há somente duas localizações: a
frente do tronco ou acima da cabeça, ou seja, a mão não encostará em nenhum outro
membro do corpo. Neste PA, a mão predominante do sinalizador estará, no mínimo,
a dez centímetros de distância do tronco ou acima da cabeça.

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Para o sinal da palavra “demitir”, o movimento será concluído após soltar o dedo
médio para a frente; e o sinal de “vôlei” é feito simulando o lance de jogo acima da
cabeça.

9.3 Movimento

O terceiro parâmetro, “movimento” (MV), pode ser caracterizado por sinais


lexicais, pois são atos dinâmicos com uma trajetória, um começo e um fim. Sua
representação fonológica varia conforme a parte do corpo usada para articular o
movimento (são as setas nas imagens). O movimento utilizado entre um sinal e outro
é uma mudança natural e não prevalece no movimento do sinal.
As partes do corpo envolvidas no movimento são organizadas dentro de uma
característica própria de cada sinal, começando com as articulações proximais e
terminando com as articulações mais distais. Em alguns sinais, é possível que não
haja movimentos, fazendo o sinal ser sem movimento, bem como é possível ter dois
tipos simultâneos de movimentos articulados em conjunto, ou seja, o movimento das
duas mãos simultaneamente, e, ainda, há uma gama de movimentos possíveis para
realizar um sinal.
Já sabemos que os movimentos são parte da fonologia, não apenas de pares
mínimos, sendo bastante escassos, mas também porque a especificação de

27
movimento é ativa na gramática, morfológica e fonologicamente. Observe os
exemplos a seguir:

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

O sinal da palavra “brincar” tem movimento circular, ao passo que o movimento


da palavra “verdade” tem movimento para cima e para baixo.

9.4 Orientação

A orientação é tradicionalmente considerada um parâmetro secundário, uma


vez que há menos pares mínimos baseados apenas na orientação (BRITO, 1995).
Alguns autores se baseiam na direção da palma da mão e das pontas dos dedos da
mão (p. ex., a palma da mão está voltada para a esquerda e as pontas dos dedos
estão voltadas para a frente). Pinto cita, ainda, que:

[…] quando um sinal tem sua direção e há uma inversão, significa a oposição,
contrário ou concordância. Esta se refere à direção onde a palma da mão
fique virada para produzir um sinal. Podendo ser: palma da mão para cima,
palma para baixo, palma da mão direita, palma da mão esquerda, com a
palma para frente ou palma da mão para trás (palma virada para você).
(PINTO, 2018 p. 106).

9.5 Expressão faciocorporal

O quinto e último parâmetro, as expressões faciocorporais (ECF), também é


conhecido como “expressões não manuais”. Esse recurso é idealizado com a face
e/ou o corpo, podendo ser feito em conjunto com a utilização das mãos ou para
transcorrer um contexto. Esse item é extremamente importante, e, caso não seja
idealizado concomitantemente, os sinais tornam-se comprometidos e até sem sentido.

28
Diante de todos os parâmetros apresentados, forma-se o sinal em Libras.
Observe um sinal em que são aplicados os cinco parâmetros de Libras:

Fonte: bit.ly/3zOiuvx

Agrupando os dados da tabela, conseguimos obter as informações necessárias


para que um sinal seja realizado adequadamente. Todos os sinais têm esses
parâmetros, e uma pequena falha na execução de algum deles altera o seu
significado, inclusive trazendo consequências à morfologia da Libras.

10 ASPECTOS MORFOLÓGICOS DA LIBRAS

Em caráter morfológico, existem algumas questões bem específicas das


línguas de sinais. As línguas orais utilizam o “s” para designar plural, o sufixo “inha”
ou “inho” para diminutivos, e o “o” e “a” para os gêneros masculino e feminino; já as
de sinais têm outras formas de expressar esses itens morfológicos conforme as
imagens abaixo.

29
Fonte: Adaptada Faders (2010, p. 48 e 65)

Em várias situações, usa-se o sinal de homem ou de mulher para designar


gênero, assim como nas línguas orais deve-se constantemente concordar o gênero
com o sujeito. Por exemplo, a presidente, o presidente, o contador e a contadora.
Quando se fala de plural em língua de sinais, deve-se ter em mente que não se
pode simplesmente colocar um “s” no final de determinada palavra, como nas línguas
orais, para dar o entendimento de que significa mais de um item, como copos. Para
fazer isso, é necessário usar o recurso morfológico da repetição, veja o exemplo da
figura abaixo.

30
Adaptado de Capovilla e Raphael (2001, p. 465)

Quando se trata de modificar a palavra acrescentando-lhe modo, como


intensidade, as línguas orais em geral usam sufixos para atribuir essa condição. Por
exemplo, rápido (rapidamente); devagar (vagarosamente). Já as línguas de sinais
funcionam parecidamente, pois se usa a expressão facial/corporal e o movimento para
dar maior ou menor intensidade ao sinal. Nas figuras a seguir, você pode ver como
isso ocorre:

Fonte: Alves e Silva (2009).

31
Fonte: Alves e Silva (2009).

11 ASPECTO SINTÁTICO

As línguas orais possuem estruturas sintáticas que podem variar bastante,


sendo uma das mais comuns na Língua Portuguesa a construção: sujeito — verbo —
objeto (SVO). Comparando com as línguas de sinais e, mais especificamente, com a
Libras, a estrutura mais utilizada também é a SVO.
Isso não significa que não haja outras formas ou estruturas de frases e
sentenças igualmente usadas na Libras. Tanto a escrita em Língua Portuguesa
realizada pelo sujeito surdo, que não usa conjunções, preposições, artigos,
conjugação verbal, etc.), como a sua sinalização em Libras pode seguir as seguintes
estruturas:
SVO;
sujeito — objeto — verbo (SOV);
verbo — objeto — sujeito (VOS);
objeto — sujeito — verbo (OSV).
Exemplos de construção da frase em português “eu vou para casa”:
eu ir casa (SVO);
eu casa ir (SOV);
ir casa eu (VOS);

32
casa eu ir (OSV).
É muito provável que nem todas as possibilidades de construção de frase sejam
possíveis, dependendo do contexto de aplicação. Existe, ainda, algumas marcações
não manuais que caracterizam e classificam as sentenças em negativas,
interrogativas, afirmativas, condicionais, relativas, construções com tópico e foco.
Constatemos na imagem o detalhamento de cada uma delas.

Fonte: Quadros, Pizzio e Rezende (2008, p. 6).

33
Fonte: Quadros, Pizzio e Rezende (2008, p. 6).

12 ASPECTOS SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO

Quanto à semântica e à pragmática em línguas de sinais, precisa-se entender


o que significa cada uma delas. A semântica foca no estudo linguístico ao nível lexical,
que abrange a relação de polissemia, sinonímia, antonímia e parônimos dos sinais,
bem como no nível de sentença, o qual estuda a estrutura e a ambiguidade de frases.
Observe o nível lexical (palavra) a seguir.
Sinonímia: trata-se de sinais diferentes que possuem o mesmo significado,
como você pode observar nas figuras:

34
Fonte: Faders (2010, p. 37).

Fonte: Vivendo Libras diariamente (2017).

Antonímia: são sinais que representam significados opostos. Veja os exemplos


das figuras:

35
Fonte: Faders (2010, p. 24).

Fonte: Faders (2010, p. 62).

Parônimos: trata-se de sinais parecidos com significados diferentes. Nas


figuras você pode ver dois exemplos:

36
Fonte: Faders (2010, p. 30).

Fonte: Faders (2010, p. 8).

Polissemia: são sinais iguais com significados diferentes. Veja os exemplos


das figuras:

37
Capovilla e Raphael (2001, p. 799).

Já no nível semântico da sentença, é possível estudar a língua de sinais para


verificar as diferentes formas de expressar o mesmo significado por meio da
construção de frases.
Vejamos agora como fica a sentença: Você é sempre nervoso! Em libras

38
Fonte: Faders (2010, p. 87)

39
Fonte: Silva (2017)

Vejamos agora como fica a sentença: Você nunca é calmo! Em libras

40
Fonte: Faders (2010, p. 68).

No nível da pragmática, no que lhe concerne, deve-se considerar o contexto


linguístico de uso nos princípios de comunicação dos falantes e sinalizantes. Ela faz
a análise do significado extralinguístico, o qual os próprios nativos de uma língua
associam por convenção de utilização. Um bom exemplo são as metáforas, usadas
tanto por línguas orais como pelas de sinais:

41
Fonte: Hirata (2018)

42
Fonte: Incluir Tecnologia (2012)

13 PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LIBRAS

Muitas vezes, somos encorajados a pensar que a aquisição da primeira língua


(L1) é fácil, principalmente para as crianças, e, ainda, pode entrar em comparação
com a aquisição adulta de uma segunda língua (L2). No entanto, também sabemos
que a aquisição da L1 desafia todas as crianças. Todos cometem erros característicos
no caminho para o domínio de sua linguagem, pois não há um tempo ou uma idade
certa para se aprender uma língua, visto que cada pessoa tem seu tempo e,
infelizmente, existem distúrbios que comprometem o desenvolvimento da linguagem.
As diferentes maneiras pelas quais as crianças surdas enfrentam e superam os
desafios da aquisição da primeira língua levantam questões atraentes no estudo do
desenvolvimento da linguagem infantil. A maioria das crianças surdas, principalmente
aquelas nascidas de pais surdos, vê uma linguagem gesto-visual a partir do dia em
que nascem, assim como filhos de pais ouvintes têm acesso a língua oral antes
mesmo de nascer. Essa linguagem gesto visual é a língua materna (natural) das
pessoas com surdez.
A língua natural é “[…] algo que nasce do homem […]” (QUADROS; KARNOPP,
2005, p. 15). Sobre língua materna, Bagno (2011, p. 100) afirma ser aquela que: “[…]
a pessoa começa a aprender assim que nasce […]”.
43
A maioria das crianças surdas, especificamente filhos de pais ouvintes, pode
não ter acesso precoce a um sistema linguístico que envolva as mãos e a visão. As
capacidades sensoriais da criança surda indicam que, sem assistência considerável,
é pouco provável que ela adquira uma língua oralizada. Os pais ouvintes podem não
ter conhecimento de uma língua sinalizada, e, em alguns casos, são ativamente
desencorajados a aprender a Libras. Uma criança surda filha de pais ouvintes
enfrenta, assim, uma séria interrupção na transmissão de geração para geração da
linguagem, pois há ausência de informações perceptivelmente acessíveis extraídas
de um sistema linguístico nativo.
Eventualmente, crianças surdas de pais ouvintes podem encontrar uma língua
sinalizada, possivelmente quando entrarem em uma escola que ofereça Libras ou
mesmo em uma escola inclusiva. Esse acesso pode ocorrer em idades variadas, o
que seria incorreto, afinal, quanto mais cedo a criança ter acesso à sua língua natural,
melhor será a sua aquisição linguística. De acordo com Pinto:

Os aspectos pedagógicos na aquisição da Libras como L1 dos surdos devem


ser pautadas em elementos estruturantes do processo de aquisição da língua
das pessoas com surdez […]. No caso do surdo, o aprendizado de sua língua
materna (a Libras) não é ao nascer, e sim, ao detectar a surdez. (PINTO,
2018 p. 215).

O campo da aquisição da L1 deve ser iniciado com os bebês gradualmente,


desenvolvendo, assim, uma língua nativa desde o nascimento até se tornarem
proficientes. A aquisição da L2 é significativamente diferente para os que já derivam
de uma L1 e migram para o aprendizado de um idioma adicional ou até mesmo de
uma língua substitutiva, devido a alguma condição.
Uma das características mais importantes na aquisição da L1 é o processo sem
esforço, uma vez que a flexibilidade do cérebro de uma criança permite que ela
aprenda uma língua sem conhecimento consciente ou sem consciência de suas regras
gramaticais. Em contrapartida, a aquisição da L2 geralmente ocorre quando o
conhecimento cognitivo requer um esforço consciente para entender e aprender a
estrutura da língua-alvo.
Outra distinção importante para entender a aquisição da Libras é a fonte do
input linguístico. No caso de aquisição da L1, os pais, os cuidadores e a comunidade
envolvente são a fonte da língua-alvo e, como tal, fornecem um ambiente a partir do
qual a criança absorverá a gramática em formação. Em contrapartida, os aprendizes

44
de L2 são expostos ao idioma-alvo em uma sala de aula restrita, com a supervisão de
professores para aprender a língua.
A descoberta da Libras exige a mesma organização linguística que a das
línguas orais, ou seja, sua aquisição tem semelhanças com a aquisição do português.
Pessoas surdas que obtêm a Libras como sua língua materna têm de distinguir os
constituintes mínimos de sinais para desenvolver uma fonologia manual, aprender a
como flexionar um sinal para mudar seu significado e saber a ordem dos diferentes
componentes para expressar um significado pretendido. Dito isso, as diferenças na
modalidade entre sinalização e oralização (sinal/ fala) (acústico vs. manual) também
dão certas características de aquisição da linguagem exclusivas para a língua de
sinais.

14 REPRESENTAÇÃO DO ALFABETO E DOS NÚMEROS EM LIBRAS

Fonte: significados.com.br

45
Fonte: ensinandocomcarinho.com.br

46
15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, A. C. Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos


(FENEIS). CURLTURA SOORDA. Sección: Publicaciones institucionales. Belo
Horizonte, 2009.
ARAUJO, N. V. LIMA, A. J. Melucci e Tarrow: Revisão teórica sobre movimentos
sociais. Revista em Pauta. Volume 7. Número 25. 2010.
BAGNO, M. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola
Editorial, 2011.
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996. Lei 9.394/1996. — 2.
Ed. — Rio de Janeiro: Lamparina, 2010.3.000 exemplares.
BRASIL, Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF, 1990.
BRASIL, Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
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