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Metodologia da Libras

para Surdos (L1)

Aline P. Feza
A Faculdade Eficaz nasceu com o objetivo de promover a formação consciente
dos cidadãos de seus direitos e deveres sociais, primando pela cidadania e soli-
dariedade humana.
Nossa tarefa é trabalhar em nossos alunos habilidades e capacidades, para
que sejam cidadãos capazes de enfrentar as dificuldades cotidianas. Em nossos
cursos buscamos a excelência educacional, seja por sua preocupação perante o
avanço da ciência, da tecnologia, ou perante os anseios da sociedade moderna e
democrática.
A Faculdade Eficaz se propõe a ser uma mediadora na transmissão dos co-
nhecimentos já produzidos pela humanidade; ponte na articulação destes conhe-
cimentos com os novos, produzidos a partir das experiências vivenciadas pelos
discentes que é a construção do seu próprio saber e ainda: promover a integração
destes conhecimentos pela mobilização de competências já construídas, por sua
ampliação e pela construção de novas competências.
Portanto, entendemos que a nossa finalidade é formar profissionais com com-
petências e habilidades para atuar no contexto complexo e contraditório da eco-
nomia global, das políticas e das mudanças sociais, que afetam diretamente a vida
cotidiana, o trabalho e as formas de organização e qualificação profissional.
Ao ingressar na Faculdade Eficaz, os alunos terão a chance não apenas de
estudar uma nova profissão, ou aprimorá-la, mas também de ampliar sua visão de
mundo a partir do acesso à cultura e ao conhecimento. Isto, com certeza, tornando-
-os cidadãos mais ativos e mais plurais neste mundo globalizado em que vivemos,
assim como os torna mais bem preparados para o mercado de trabalho.
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Metodologia
da Libras para
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Surdos (L1)
Aline Pedro Feza
Olá alunos! Sejam bem-vindos à nossa disciplina de Metodologia do Ensino da Li-
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bras para pessoas surdas, inicialmente, nossos estudos envolvem o processo de aquisi-
ção da língua, como instrumento do desenvolvimento humano, para tal nos basearemos
na Teoria Histórico-Cultural, e, em especial, nos autores Vygotsky, Luria e Leontiev.
Sabe-se que a linguagem é o principal meio para o desenvolvimento do indivíduo,
cognitiva e socialmente, ela permite que as expressões dos nossos pensamentos se
tornem acessíveis favoreçam o nosso desenvolvimento integral. Assim, a linguagem é
muito mais do que desenvolver a fala, consiste em organizar as ideias de forma indi-
vidual e saber expressá-las por um canal comunicativo, seja ele a fala a escrita ou a
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sinalização. O desenvolvimento da linguagem dos surdos acontece à medida em que
eles são inseridos em sua língua materna L1, que no caso dos surdos brasileiros, é a
língua brasileira de sinais, a Libras.
A aquisição da linguagem para surdos ocorre a partir de quatro estágios, o primeiro
estágio, pré-linguístico, que é denominado como o estágio do balbucio, no qual os
bebês surdos emitem sons como forma de comunicação. Este estágio acontece, até
aproximadamente os doze meses de idade. Seguindo seu desenvolvimento, os surdos
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passarão pelo estágio de um sinal, que compreende o período de doze meses a 2


anos de idade, neste período os bebês surdos e ouvintes começam a se diferenciar,
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pois, é neste momento que os bebês surdos diminuem a oralização e aumentam a
gesticulação e, em contrapartida, os ouvintes aumentam a oralização e diminuem a
gesticulação. Este estágio acontece dos doze meses até quase os dois anos de idade,
nesta etapa, toda e qualquer sinalização, realizada pelo bebê surdo, acontece mediante
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cópias de outras pessoas, logo, as sinalizações são ainda muito primitivas. O tercei-
ro estágio das primeiras combinações, no qual começam a realizar sinalizações mais
coerentes e com o maior sentido, expressam seus pensamentos e desejos. Por fim,
os surdos entram no estágio das múltiplas combinações, que acontece após os dois
anos e meio. Neste processo, bebês surdos começam a emergir na língua de sinais,
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desenvolvendo as suas capacidades visuais e espaciais, como recursos principais para


a aquisição da língua de sinais.
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Ensinar a língua de sinais para surdos e respeitar toda a construção linguística da
mesma, tal como o ensino voltado para os sujeitos ouvintes, requer dos profissionais
encarregados da mediação do conhecimento, um aprendizado a respeito da utilização
correta da língua falada, visto que, os surdos precisam daqueles que os ensinam, a ha-
bilidade acerca do processo de sinalização, desde a estrutura da língua de sinais, a sua
gramática e seu vocabulário. No processo de aquisição da língua de sinais para o sujei-
to surdo, é de extrema importância, que o mediador deste aprendizado seja um nativo
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da língua ou seja um surdo, haja vista que estará apto a construir conexões linguísticas
mais precisas, desenvolvendo nas crianças surdas as habilidades linguísticas, para além
de uma comunicação, mas sim que esta língua seja utilizada como uma expressão do
seu pensamento, enfim, que simbolize as suas capacidades e suas opiniões.
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UNIDADE 1 - ASPECTOS DA LINGUAGEM 9

INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................11

CONCEITO DE LÍNGUA E LINGUAGEM...........................................13

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................28

UNIDADE 2 - AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS 35

INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................37

UNIDADE 3 - METODOLOGIA PARA ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA SURDOS 57

INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................59

O APRENDIZADO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA O SURDO...........59

SUMÁRIO
GUIA PRÁTICO DO ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA OS
SURDOS..............................................................................................70

CONSIDERAÇÔES FINAIS.................................................................76

UNIDADE 4 - PLANO DE AULA DA L1 PARA SURDOS 83

INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................85

METODOLOGIA DE UMA ENSINO VISUAL......................................86

MODELO DE PLANO DE AULA PARA ENSINO DE L1.....................90

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................97
SUMÁRIO
UNIDADE 1

Aspectos da Linguagem

Aline Pedro Feza

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Apresentar o conceito de linguagem como recurso do


desenvolvimento do pensamento;
• Discutir pressupostos da comunicação como recursos linguísticos;
• Conhecer as características da comunicação nas comunidades
surdas..

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentamos os tópicos, que serão estudados nesta unidade:

• Conceito de Língua e Linguagem;


• Linguagem Sinalizada e a Cultura Surda;
• As etapas do desenvolvimento da linguagem.
Unidade I - Aspectos da Linguagem

INTRODUÇÃO À UNIDADE

Olá alunos! Nesta unidade, estudaremos a relação da linguagem no processo de aquisi-

ção da língua de sinais pelos surdos, bem como práticas para o ensino desta língua na

modalidade L1. A unidade estará dividida em três tópicos. No tópico 01, discutiremos o

conceito e a diferença entre língua e linguagem, no tópico 02, abordaremos a linguagem

sinalizada na comunidade surda. No desenvolvimento desta unidade, nos pautamos em

Vygotsky, que é um dos principais autores nas discussões sobre a linguagem. Este pes-

quisador afirma que a aquisição da linguagem no sujeito se dá devido à interação que

ele possui com o ambiente que o rodeia e o convívio com outros da mesma espécie. A

linguagem não é apenas uma expressão do conhecimento adquirido pelo sujeito, entre

pensamento e palavra existe uma inter-relação fundamental, na qual a linguagem contribui

na formação do pensamento do indivíduo. Podemos considerar a linguagem como um

instrumento complexo que viabiliza a comunicação e a vida em sociedade. Sem a lingua-

gem, o ser humano não se constitui como um ser social, nem cultural.

Para Vygotsky (2001), pensamento e linguagem têm origens diferentes. No início da vida

humana o pensamento não era verbal e a fala não era intelectual. Desta maneira, o balbu-

cio e o choro da criança, nos primeiros meses de vida, são estágios do desenvolvimento

da fala, que não têm relação com a evolução do pensamento, sendo consideradas como

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

manifestações de comportamento emocional.

O desenvolvimento do pensamento conceitual é uma das mais importantes funções na

escola, ele possibilita a consciência reflexiva do aluno, ou seja, a percepção dos seus

próprios processos mentais. Para Vygotsky (1987 p. 79), “a reflexão chega à consciência

através dos portais dos conhecimentos científicos”, que se constitui na sociedade e nos

meios que o sujeito frequenta como igrejas, escolas, comunidades em geral.

A linguagem é um veículo primordial para a interação, por meio dela são transmitidos os

significados, além disso, permite identificar as marcas culturais do grupo, no qual o indivíduo

está inserido, e através deste grupo, o sujeito aprende a perceber o mundo e interagir nele.

Conforme Feza (2013), o comportamento do homem também é regulado pela linguagem,

por isso, conforme enfatiza Vygotsky (1998), é necessário investir o máximo possível

no potencial formador da linguagem como instrumento de comunicação e formação. A

mediação desenvolve campos de percepção, memória, raciocínio, sentimentos e regu-

lação de comportamento. Na interação social se transformam funções mentais, afetivas

e psíquicas. Dessa maneira, é essencial verificar se as práticas aplicadas possibilitam o

desenvolvimento de raciocínios mais complexos.

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

CONCEITO DE LÍNGUA E LINGUAGEM


Importante lembrar de que a linguagem não é somente instrumento para as pesso-

as interagirem, mas um artefato fundamental para o desenvolvimento e a comunicação.

Atualmente, é possível compreender que o homem constrói a si mesmo e ao mundo, de-

senvolve a consciência e o intelecto, a partir da linguagem. No decorrer de seus estudos,

você perceberá que existem propriedades universais na linguagem humana, que possi-

bilitam adquirir diversos entendimentos sobre a mente humana e seu desenvolvimento.

Inicialmente, deve-se entender a diferença entre os conceitos de língua e linguagem.

Segundo os linguistas, a língua é um fenômeno social e constitui um conjunto de sinais

(palavras), determinados por um grupo, que o utiliza para comunicar e interagir.

A língua é um mecanismo de comunicação, que pode ocorrer, por meio de escrita, sina-

lização ou fala, incidindo no objetivo comunicativo expresso pelos indivíduos, a partir dos

símbolos (gráficos e auditivos), pré-determinados pela sociedade, desta forma, a língua é

um fenômeno social, estruturada tal como exposto na Figura 1.

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

Figura 1 - Desenvolvimento da Linguagem

Fonte: A autora

A linguagem é de suma importância para o desenvolvimento do indivíduo e está rela-

cionada tanto ao campo verbal, palavras, frases, textos, livros, entre outros, quanto no

campo não verbal, no qual podemos “ler” as emoções de uma pessoa, as características

de um objeto, dentre outros aspectos.

É fundamental que a linguagem tanto verbal como não verbal, ocorra como um processo comu-

nicativo, pelo qual as pessoas interajam entre si, ou seja, podemos estabelecer comunicação

falando ou escrevendo ou através de gestos, olhares, desenhos, imagens, notas musicais.

A partir dos estudos de Luria (1986), constatamos que o surgimento da linguagem ocorre

no processo de trabalho socialmente dividido, pois, foi durante o trabalho que surgiu a

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

necessidade de comunicação entre os homens.

O nascimento da linguagem levou a que, progressivamente, fosse aparecendo todo um

sistema de códigos que designavam objetos e ações. Logo esse sistema de códigos

começou a diferenciar as características dos objetos, das ações e suas relações (LURIA,

1986, p. 22).

Conforme os pressupostos de Luria (1986), a linguagem é o canal de expressão dos

indivíduos, constituído por um conjunto de signos da língua. A linguagem é ampla, englo-

bando diversas áreas do conhecimento, como, por exemplo, a linguagem matemática,

a científica, a visual, entre outras. Cada área do conhecimento possui uma linguagem

própria, expressa por meio da língua – códigos verbais que estabelecem comunicação.

Diante destes conceitos, é possível entender que a linguagem é universal, diferentemente

da língua, entretanto, destacam-se alguns traços estruturais comuns a todas as línguas,

conforme Luria (1986), no ambiente que há seres humanos, existe linguagem, desta

forma todas as línguas são igualmente complexas e igualmente capazes de exprimir uma

ideia do universo e evoluem por meio do tempo. Por sua vez as línguas de sinais seguem

sua própria estrutura, não está ligada às estruturas sonoras de construção de palavras

das línguas orais auditivas, contudo define-se como língua assim como todas as demais

as línguas humanas as quais possuem um sistema finito de sons discretos (ou gestos),

que se combinam, formando elementos com significação ou palavras que, por sua vez,

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

constituem um sistema infinito de frases possíveis. Para esta organização as línguas de

sinais e as línguas orais apresentam gramáticas e regras semelhantes para a formação de

palavras e frases, bem como recursos para se referir a um tempo passado, à capacidade

de negar, à competência de formular perguntas, emitir ordens, entre outros aspectos.

Diante destes aspectos, quais são as relações entre a linguagem e o pensamento, de

acordo com a perspectiva da teoria histórico cultural?

A RELAÇÃO ENTRE O PENSAMENTO E A LINGUAGEM


Inúmeros estudos demonstram que a linguagem é um sistema simbólico fundamental

para o desenvolvimento humano. Desde seus primeiros dias de vida, os sujeitos entram

em contato com pessoas que se comunicam pela linguagem, quer seja oral, gestual ou

escrita, entre outros. Por meio dela, se apropriam da cultura humana. Nesse processo,

desenvolvem o pensamento.

Segundo a teoria histórico–cultural, a linguagem é fundamental na formação e no desen-

volvimento das funções superiores, ou seja, na formação do pensamento, pois ela é um

sistema simbólico, que foi elaborado no decorrer da história social dos homens.

A linguagem é considerada uma das primeiras e principais formas de socialização, e

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

também importante para o desenvolvimento do homem, “a constituição das funções

complexas do pensamento, é veiculada, principalmente pelas trocas sociais e, nesta

interação social, o fator de maior peso é a linguagem, isto é, a comunicação entre os

homens”, por sua vez, a apropriação do sistema linguístico ‘organiza’, pois, todos os pro-

cessos mentais, dando forma ao pensamento” (PALANGANA, 2001, p. 97 e 99).

Segundo Leontiev (s/d), a atividade intelectual é predominante no homem. Sendo que,

só ele é capaz de planejar suas ações, a partir das condições apresentadas, executar o

plano estabelecido e avaliar os resultados obtidos. Ou seja, somente o homem é capaz

de planejar suas ações e de estudá-las na mente.

Já o animal não consegue planejar suas ações, não consegue escolher um método mais

apropriado para a resolução de seus problemas, resolvendo-os, a partir da ação imedia-

ta, do “ensaio e erro”. Sendo assim, concluímos que o intelecto do animal é prático e que

ele resolve seus problemas através de atividades imediatas.

O mesmo ocorre com o ato intelectual do sujeito, que possui estrutura do pensamento

muito semelhante ao animal, quando muito pequeno, ele não é capaz de planejar suas

ações, guia-se, apenas pela atividade prática. No entanto, ainda encontramos no adulto

o intelecto de característica prática.

No livro “Pensamento e Linguagem: as últimas conferências de Luria” (1986), o autor

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

apresenta as diferenças entre essas duas linguagens, a dos homens e a dos animais.

Para o psicólogo soviético, a linguagem dos homens é um sistema complexo de códigos

e também um sistema de códigos objetivos, que tem a função principal de codificar e

transmitir informações. Também podemos definir a linguagem humana como um sistema

de códigos objetivos, formado ao longo do processo histórico da humanidade.

Pelo termo linguagem humana, entendemos um complexo sistema de códigos que desig-

nam objetos, características, ações ou relações; códigos que possuem a função de codi-

ficar e transmitir a informação, introduzi-la em determinados sistemas (LURIA, 1986, p. 25).

A linguagem dos animais, ou melhor, suas manifestações fonéticas buscam somente ex-

pressar o estado emocional, expressar os desejos e estados subjetivos do animal. São,

simplesmente um sinal externo, que expressa seu estado ou vivência afetiva.

O animal utiliza-se de sua linguagem para contagiar seus semelhantes, por exemplo,

quando em perigo, utiliza-se do “grito” para comunicar aos outros animais do bando, que

devem fugir. Ele “não está informando aos outros aquilo que viu, mas, antes, contagian-

do-os com seu medo” (OLIVEIRA, 2006, p. 29).

Consequentemente, a “linguagem” dos animais não é um instrumento para designar ob-

jetos e abstrair propriedades e, por isso, de nenhuma forma pode ser considerado como

meio formador de pensamento abstrato. Esta “linguagem” é apenas um meio para a criação

de formas complexas de comunicação afetiva (LURIA, 1986, p. 26).

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

A partir dos estudos referentes à questão da linguagem, percebemos sua relevância em

nossas vidas e que ela possui funções, extremamente importantes, Marta Kohl, no livro

“Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico” (2006) coloca

as duas principais funções da linguagem de um modo bastante explicativo.

Segundo Kohl (2006), a principal função da linguagem é a de intercâmbio social, ou

seja, a fala é utilizada para a comunicação entre os indivíduos. A fala, em um primeiro

momento, foi criada com o objetivo explícito de comunicação entre os membros de uma

determinada espécie.

Essa função (...) é bem visível no bebê que está começando a aprender a falar: ele não

sabe ainda articular as palavras, nem é capaz de compreender o significado preciso das

palavras utilizadas pelos adultos, mas consegue comunicar seus desejos e seus estados

emocionais aos outros através de sons, gestos e expressões (KOHL, 2006, p. 42).

Segundo Kohl (2006), a função comunicativa da linguagem também está presente nos

animais, já que estes, também se comunicam, via algum tipo de linguagem, seja sonora

ou gestual, e, a linguagem, apresentada por eles, ainda tem, como objetivo principal, a

comunicação entre os membros da espécie.

A segunda função da linguagem, que aparece, posteriormente no desenvolvimento do

sujeito, é a de pensamento generalizante, nesta função, a relação entre pensamento e lin-

guagem é muito intensa, segundo Palangana (2001), neste momento, a palavra é capaz

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

de especificar as principais características do objeto generalizando-as, para no momento

seguinte, relacioná-las em categorias.

Ainda, conforme indica Kohl (2006), ao nomear determinado objeto, estamos realizando

uma classificação, estamos agrupando-o a elementos de uma mesma categoria e dife-

renciando-o de elementos de outras categorias. Encontramos outras funções referentes

à linguagem interior, como expressão do pensamento, visto que, a linguagem é elemento

básico, usado pelo homem para planejar suas atividades; linguagem como elemento

regulador dos atos e linguagem como instrumento do conhecimento.

Depois de entendermos as funções referentes à fala, fica fácil compreender a importân-

cia da linguagem para o desenvolvimento do pensamento, nas palavras de Palangana:

a linguagem “sistematiza a experiência direta e serve para orientar seu comportamen-

to, propiciando-lhes condições de ser tanto sujeito como objeto desse comportamento”

(PALANGANA, 2001, p. 99).

Antes de Vygotsky desenvolver sua teoria acerca da relação entre pensamento e lin-

guagem, estes conceitos eram vistos de modo separado. Portanto, segundo Vygotsky

(2000), percebemos que os métodos oscilavam entre dois extremos: a plena fusão e a

plena dissociação entre o pensamento e a linguagem. À luz dos pressupostos do psicó-

logo, podemos entender que pensamento e linguagem são processos interdependentes

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

desde o início da vida. A aquisição da linguagem modifica as funções mentais superiores,

dá forma ao pensamento, permite o aparecimento da imaginação, o uso da memória e o

planejamento da ação. “Se o pensamento e a linguagem coincidem, são a mesma coisa,

não pode surgir nenhuma relação entre eles nem a questão pode constituir-se em objeto

de estudo” (VYGOTSKY, 2000, p. 3)

Segundo o autor, o que existe entre eles é somente uma interação mecânica, uma intera-

ção entre a linguagem e o pensamento. O pensamento e a fala possuem raízes genéticas

distintas e se desenvolvem de maneira independente; não surgem ao mesmo tempo e

não se desenvolvem de modo paralelo, mas de modo independente.

LINGUAGEM SINALIZADA E CULTURA SURDA


Quando pensamos sobre o ato de comunicar, percebemos que temos várias possibili-

dades de nos comunicarmos com os outros, seja pela linguagem gestual, oral, escrita,

visual, corporal, facial. Mas, quando se trata de ato comunicativo com o sujeito surdo, a

comunicação fica totalmente “travada“ para quem nunca teve contato com língua dos,

por essa razão, quando você precisar se comunicar diretamente com eles, lembre-se de

que a LIBRAS é uma língua que possui uma estrutura gramatical diferente da estrutura

do Português.

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Unidade I - Aspectos da Linguagem

Segundo Quadros (2006), a linguagem é um sistema de comunicação natural ou artificial,

humano ou não, assim, linguagem pode ser compreendida na sua ação comunicativa,

incluindo a própria língua, movida pela sua identidade e cultura.

Com base nesses, entendemos que a conversação é uma das partes da comunicação,

desta forma, a conversação entre comunidades surdas, acontecerá, por meio do uso

dos sinais, visto que este é o meio utilizado entre eles. Conversação em libras é um ato

de sinalizar e de se comunicar com os surdos.

A cultura de cada grupo de indivíduos, possui características próprias, tais como com-

portamentos e falas, as quais representam a sua vivência. A cultura traz em si, influências

diversas, ou seja, familiar, religiosa, política, ambiental, dentre outras.

A cultura surda está se fortalecendo, à medida que ocorrem as lutas das comunidades surdas

para obter respeito e valorização a sua diferença, pela aceitação de sua língua de sinais, sua

identidade, sua experiência visual com o mundo, pelo direito ao intérprete de língua de sinais,

porém, esta luta, embora antiga, ainda enfrenta muitas barreiras, entre elas, o preconceito.

É difícil a aceitação de uma sociedade, de maioria ouvinte, no que tange ao reconheci-

mento de uma cultura surda, inserida em outra cultura, desse modo, há uma mistura de

culturas inter-relacionadas. Entretanto, os estudos interculturais podem, e muito, contri-

buir para uma mudança de concepção, isto é, para um novo olhar. (NICOLOSO, 2010).

22
Unidade I - Aspectos da Linguagem

As relações interculturais estão inseridas no conceito de cultura, dizem respeito a grupos

diferentes, que pensam e opinam de maneira, também diferentes. Os interesses de cada

comunidade cultural são permeados por opiniões diferentes, estas podem ser aceitas por

outros grupos ou não, por isso, sempre haverá entre os grupos uma zona de conflitos.

Para Silva (2005, p. 41-42)

a noção de interculturalidade, além de expressar a coesão étnica de um grupo social, pro-

porcionando condições para o fortalecimento da identidade cultural, vai também estimular a

aquisição do conhecimento cultural de outros povos [...] Das preocupações marcadamen-

te linguísticas, características da educação bicultural e bilíngue, a interculturalidade passa a

considerar o contexto sociocultural [...].

A aceitação de uma ou outra opinião e, quando elas passam a possuir relação entre si,

temos a interculturalidade que consiste na relação cultural entre os grupos. Conforme

Silva (2005): “as diferenças culturais seriam apenas a manifestação superficial de carac-

terísticas humanas mais profundas. Os diferentes grupos culturais tornaram-se igualados

por sua comum humanidade” (SILVA, 2005, p. 86).

Logo, entende-se a importância de se trabalhar com as diferenças culturais, mais especi-

ficamente, das culturas minoritárias como os surdos. Segundo Silva 2005, o multicultura-

lismo enfatiza a representação de “múltiplas identidades e tradições culturais fragmentada

uma cultura nacional única e comum (SILVA, 2005, p. 89). Nesse contexto, Faeti (2005),

23
Unidade I - Aspectos da Linguagem

comenta que o multiculturalismo, consiste em um movimento teórico e político, que bus-

ca respostas para os desafios da pluralidade cultural nos campos do saber.

ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM


Existe, um determinado estágio da vida, aproximadamente aos dois anos de idade, no qual

o pensamento e a linguagem “estabelecem entre si uma interdependência contínua e siste-

mática” (SOUZA, 1994, p. 127), ou seja, existe uma determinada fase em que pensamento

e linguagem passam a se relacionar e a estabelecer uma relação mútua de dependência.

Podemos constatar essa não linearidade entre o desenvolvimento do pensamento e da

linguagem, a partir das duas fases sugeridas por Vygotsky: a primeira, fase pré-verbal do

pensamento, na qual intuímos que o pensamento evolui sem a ocorrência da fala, digo

melhor, “Antes de dominar a linguagem, o sujeito demonstra capacidade de resolver pro-

blemas práticos, de utilizar instrumentos e meios indiretos para conseguir determinados

objetivos” (KOHL, 2006, p. 46).

A segunda, a fase pré-intelectual da fala, nesta, o sujeito ainda não tem domínio do pensamen-

to linguístico, “não domina o sistema simbólico (Símbolo - Significado), já utiliza manifestações

verbais” (KOHL, 2006, p. 46). Neste momento, o choro, riso, balbucio, o grito, as expressões

faciais e o olhar, servem como um dispositivo de alívio emocional e de comunicação social.

24
Unidade I - Aspectos da Linguagem

Ao longo do desenvolvimento, percebemos que a relação entre pensamento e fala mo-

difica-se, quer dizer, ocorrem mudanças estruturais e funcionais. A respeito desse mo-

vimento, Vygotsky propõe a existência de três fases do desenvolvimento da fala, fases

estas denominadas: fala socializada, egocêntrica e internalizada.

A fala socializada ou fala exterior ocorre até aproximadamente os três anos de idade, é

uma fala direcionada para outras pessoas, com o intuito de comunicação, assim, nesta

etapa da vida, a criança procura estabelecer uma comunicação com o outro. Neste pe-

ríodo do desenvolvimento, a fala é acompanhada de ações e caracterizada, em função

de ser dispersa e caótica. Também podemos caracterizar esta fase pela tradução do

pensamento em palavras.

A linguagem egocêntrica, constitui na fala para si própria, independentemente da presen-

ça de outra pessoa. Neste momento, o sujeito não tenta comunicar-se, não espera uma

resposta e nem ao menos se preocupa em saber se alguém está escutando. “É uma fala

para si mesmo, íntima e, convenientemente relacionada com o pensamento” (VYGOTSKY,

2005, p. 166). Assim, a fala auxilia o planejamento de suas ações e a solução de proble-

mas, o infante usa a fala para explicitar seu raciocínio. O psicólogo da Bielorrússia reconhe-

ce a fala egocêntrica como um estágio transitório entre a fala externa e a interior.

Ao diminuir o uso da fala externa, substituindo-a por sussurros, até que desapareça

25
Unidade I - Aspectos da Linguagem

completamente e se torne interna. A fala interior é a fala para si mesmo, “uma linguagem

que está unicamente ao serviço do pensamento, não se empregando, como outros tipos

de linguagem, com fins de comunicação” (LEONTIEV, s/d, p. 38). Esta fase da fala não

pode ser visualizada como fala sem som, mas deve ser vista como uma fase possuidora

de funções e estruturas, completamente específicas.

A fala interior caracteriza-se por uma sintaxe especial, isto é, omite o sujeito de uma frase,

assim como, as palavras relacionadas a ele, mantendo, somente o predicado. Em função

disso, recebe o nome de linguagem predicativa, cujas características são: fragmentada

e abreviada, desconexa, incompleta ou elíptica, contendo núcleos de significado e não

todas as palavras de um diálogo, desta feita, possui uma sintaxe diferente. Essas carac-

terísticas estão presentes na fala interior, justamente, porque ela é um diálogo consigo,

constituindo nas palavras de Kohl em um “dialeto pessoal”.

Dessa forma, a linguagem interior, por sua semântica, nunca designa o objeto, nunca pos-

sui um caráter nominalmente restrito, ou seja, não possui “sujeito”; a linguagem interior

indica o que é necessário realizar, em que direção deve ser orientada a ação. (LURIA,

1986, p. 112).

Outra característica marcante da fala interior é a função planejadora, ou seja, a função de auxiliar

o indivíduo nas operações psicológicas. A partir dessa fase, a criança é capaz de efetuar opera-

ções complexas, operar mentalmente e utilizar a linguagem como instrumento do pensamento.

26
Unidade I - Aspectos da Linguagem

Palangana (1995) também apresenta outros fatores determinantes para o desenvolvimen-

to da linguagem. Primeiramente, concluímos, que a transição da alimentação vegetariana

para a alimentação carnívora foi essencial para o desenvolvimento da linguagem, pois, “a

maior ingestão de proteínas operou mudanças na estrutura biológica do cérebro, favo-

recendo o estabelecimento de novas conexões mentais”. (PALANGANA, 1995, p. 17).

Outros fatores importantes para o desenvolvimento da linguagem são: a convivência co-

letiva, a divisão de tarefas e a formação de famílias, que acabou gerando a necessidade

de comunicação, entre os membros de uma mesma comunidade.

Foi a partir do desenvolvimento da linguagem que ocorreu o surgimento do pensamento

abstrato, ou seja, das formas complexas superiores, além disso, a linguagem permitiu ao

homem desenvolver a capacidade de operar mentalmente.

Assim, compreendemos que o significado da palavra possui grande importância, uma vez

que esse significado proporciona a união entre fala e pensamento, é o significado que

permite a generalização de palavras, e, portanto, compreendidas por todos. Uma palavra

sem significado é um som vazio, que não mais faz parte da fala humana. Cabe aqui,

inserir o pressuposto defendido por Vygotsky (2005, p. 6): “Uma vez que o significado

da palavra é simultaneamente pensamento e fala, é nele, que encontramos a unidade do

pensamento verbal que procuramos”.

27
Unidade I - Aspectos da Linguagem

O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da

linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do

pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio, o significado, portanto, é um

critério de “palavra”, seu componente indispensável (VYGOTSKY, 2005, p. 50).

Neste sentido, o significado é ao mesmo tempo um fenômeno da linguagem e do pensamen-

to “ele é ao mesmo tempo linguagem e pensamento, porque é uma unidade do pensamento

verbalizado” (VYGOTSKY, 2000, p. 10). É no significado das palavras que encontramos as

duas principais funções da linguagem, a comunicação e o pensamento generalizante.

A linguagem e pensamento passam a se relacionar, ocorre uma nova forma de comportamen-

to. Por exemplo, quando perguntamos a uma criança o que é uma “flor”, o que é um “gato”

podemos obter dois tipos de respostas. No primeiro, a criança não determina um conceito,

mas sim reproduz alguma função ou algum traço típico do objeto ou ainda pode inserir o ob-

jeto em alguma situação prática. O segundo tipo de resposta se diferencia, substancialmente

do primeiro, em sua estrutura psicológica. Neste período, o indivíduo se apropria do conceito

do objeto mencionado, em um sistema de conceitos, em uma determinada categoria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta unidade, trabalhamos as questões teóricas a respeito da aquisição da lingua-

gem, bem como o desenvolvimento da mesma, passamos pela teoria histórico-cultural e

28
Unidade I - Aspectos da Linguagem

demonstramos a compreensão do desenvolvimento sociocultural do sujeito.

A linguagem consiste em uma forma de interação, que abre espaço para as questões

sociais e que reflete sobre a cultura trabalhada, juntamente com a formação dos sujeitos,

quer dizer, na construção de sua própria identidade.

Entendemos que a linguagem verbal está relacionada ao uso da escrita e da fala e a

língua de sinais como meio de comunicação, já a linguagem não verbal é o uso de ima-

gens, figuras, desenhos, símbolos, dança, tom de voz, postura corporal, pintura, música,

mímica, escultura e gestos como meios de comunicação.

Concluímos, que a língua é apresentada como um conceito estruturado e institucionali-

zado, trata da organização equitativa e sensata da vida da humanidade, a fim de permitir,

a cada ser humano a possibilidade prática de apreender e participar como criador de

significados e das realizações do progresso histórico.

Discutimos a prática interlocutora, que contribui para a interação social, e, se desenvolve no

meio social, se interpenetra como expressões de vivências oriundas das relações entre os

sujeitos e a comunicação. Além do mais, entendemos que a comunicação é permeada por

características culturais, particulares e coletivas, do grupo, no qual o indivíduo está inserido.

Por fim, apreendemos que, desde seus primeiros dias de vida, os sujeitos entram em contato

29
Unidade I - Aspectos da Linguagem

com pessoas, que se comunicam pela linguagem, tanto oral, quanto gestual e escrita, é, por

meio dela, que os sujeitos se apropriam da cultura humana. Nesse processo, eles desenvol-

vem o pensamento. A “linguagem humana, entendemos um complexo sistema de códigos

que designam objetos, características, ações ou relações; códigos que possuem a função de

codificar e transmitir a informação, traduzi-la em determinados sistemas”. (Luria, 1986, p. 25).

FIQUE POR DENTRO


Os neurônios auditivos temporais, que reconhecem a forma auditiva da palavra comer,

ativam neurônios na área de Broca, correspondentes à sua fonação e à ação represen-

tada por esse verbo.

O reconhecimento das formas sonoras das palavras leão e carne ativa os neurônios da

área de Wernicke, que dá acesso às áreas cerebrais, as quais reconhecem esses ele-

mentos e definem a semântica dessas palavras.

O neurônio de representação das ações, na área de Broca, estabelece relações sináp-

ticas com neurônios de representação dos nomes em Wernicke, que representam ele-

mentos, que podem estar envolvidos com a ação que o verbo descreve.

Dessa maneira, o reconhecimento do verbo comer na área de Broca, favorece a ativação dos

30
Unidade I - Aspectos da Linguagem

neurônios, referentes às palavras leão e comer, o que confirma que essas palavras obedecem

a sintaxe do verbo comer e fazem parte do campo semântico da ação desse verbo.

Fonte: Disponível em: https://bit.ly/2xdmqbR

Acesso: 27/02/2020

31
Unidade I - Aspectos da Linguagem

INDICAÇÃO DE LEITURA

Sinopse: O livro “Pensamento e Linguagem”,

de Lev S. Vygotsky, aborda as questões

sobre a inter-relação entre pensamento e

linguagem. Partindo de uma teoria geral

das raízes genéticas do pensamento e da

linguagem, para desenvolver a sua teoria com

bases psicológicas, mas, de uma abordagem

mais atual, aplicável a diversas áreas.

32
UNIDADE 2

Aquisição da Língua de Sinais

Aline Pedro Feza

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Apresentar o processo da aquisição da linguagem no


desenvolvimento humano e suas especificidades..

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentamos os tópicos, que serão estudados nesta unidade:

• Aquisição da linguagem da Modalidade Sinalizada;


• A aquisição da linguagem dos surdos;
• Aplicações da Língua de Sinais para os surdos.
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na primeira unidade, deste livro-texto, discutimos o processo da aquisição da linguagem,

em uma visão geral, assim, foi possível compreender, que a forma e o conteúdo da lin-

guagem estão relacionados ao modo como os homens produzem a vida. Na produção

da vida, eles adquirem e transformam conceitos, ideais e valores, ao mesmo tempo em

que também são transformados. Os fatos, objetos e fenômenos, que em um determina-

do momento, são entendidos e justificados, por meio do empírico e do imediato, com a

mediação sistemática podem alcançar patamares superiores e adquirir o status do que

Vygotsky (1987) chama de conceito científico.

O conceito científico abrange a percepção e a análise das diferentes relações envolvidas

em um objeto, ou seja, ultrapassa o concreto, o imediato, o conceito espontâneo e busca

inserir tal conceito num contexto mais amplo e completo.

A transformação de um conceito espontâneo em científico, exige a interação planejada

do sujeito com a sociedade. Nessas interações, a criança adquire novos significados e

amplia as possibilidades de significação daquilo que já conhece. Nesse sentido, a escola

é um lócus privilegiado para a significação e ressignificação do mundo, com o intuito de

compartilhar conhecimentos.

Nas relações cotidianas, o adulto participa da apreensão e utilização da linguagem, utilizando-a

37
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

na orientação explícita e dirigida para a aquisição de conhecimentos sistematizados. Nesta

unidade, voltaremos a discutir a linguagem, porém, a partir daqui, faremos isso de maneira

direcionada ao sujeito surdo, veremos como esse sujeito adquire a linguagem, quais são as

principais barreiras enfrentadas por eles, e, também conhecermos os recursos usados por

intérpretes e ouvintes para a eficácia no desenvolvimento da linguagem do surdo.

AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM NA MODALIDADE SINALIZADA


A aquisição da linguagem, por crianças surdas, corresponde a uma modalidade linguísti-

ca diferenciada, a língua de sinais.

Os primeiros estudos linguísticos na língua de sinais foram apresentados por William

Stokoe, que analisou a American Sign Language (ASL), constatando que “os sinais eram

símbolos abstratos com uma complexa estrutura interior” (1960).

Neste cenário, as questões lexicais foram organizadas, conforme três aspectos: localiza-

ção, configuração de mão e movimento. Há uma classificação, diferenciando cada sinal,

elaborada por Stokoe (1960).

Os sinais não eram imagens, mas símbolos abstratos e complexos, com uma complexa

estrutura interior. Ele foi o primeiro, portanto, a procurar uma estrutura, a analisar os sinais,

dissecá-los e a pesquisar suas partes constituintes. (QUADROS e KARNOPP, 2004, p. 30).

38
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

Somente em 1960, a língua de sinais foi aceita como língua, depois que Stokoe (1960) a

definiu e demonstrou que a mesma possui características de léxico, na sintaxe e na ca-

pacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças (QUADROS e KARNOPP, 2004).

A língua de sinais, desde então, tem apresentado as suas complexidades linguísticas,

equivalentes às línguas orais.

Com base nos estudos a respeito da língua de sinais investigou-se o processo de aqui-

sição da linguagem de surdos, que usam esta língua. Quadros (1997) constatou, que

crianças surdas e ouvintes, quando em condições de input adequadas, apresentaram

um processo normal de aquisição da linguagem, por que, independentemente da moda-

lidade, que a língua se apresenta, seja auditivo-oral (línguas orais) ou seja visuo- espacial

(línguas de sinais) a aquisição acontece.

Os surdos e ouvintes desenvolvem os mesmos estágios de aquisição da linguagem, o que

os diferencia é o fato de os bebês ouvintes se expressarem através de sons, enquanto os

bebês surdos se expressam mediante as produções manuais. Portanto, são diferenciadas,

conforme o input que recebem, tanto na língua oral quanto na língua de sinais. No tocante

às vocalizações ou às produções manuais, infere-se que aumentam ou diminuem de acor-

do com a frequência e modalidade de língua, a que os bebês estão expostos.

Diante disso, as crianças surdas, que estão expostas à língua de sinais desde o

39
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

nascimento, e as crianças ouvintes expostas a uma língua oral, no mesmo período, “bal-

buciam, nas suas respectivas modalidades de língua, adquirem suas primeiras palavras/

sinais (por volta dos 12 meses), produzem suas primeiras combinações de palavras/

sinais (em torno dos 2 anos), aumentam, consideravelmente seu vocabulário e produzem

frases, com maior complexidade, entre os dois anos e meio e três anos” (QUADROS,

1997).

Figura 2: Processo Aquisição linguística dos Surdos

Fonte: A autora

É fundamental ao surdo ter um processo normal de aquisição da linguagem, permitindo a ele

apreender a recepção e a expressão de informações linguísticas de forma completa e acessível,

possibilitando o desenvolvimento também da área emocional, cognitiva, social e acadêmica.

40
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

Os estudos relacionados à língua de sinais e sobre a aquisição da linguagem, pelos surdos, na

língua de sinais, apontam, que esta habilidade contribui para a aquisição da linguagem, que ocor-

re independentemente, da modalidade que a língua se realiza (oral-auditiva ou visuo-espacial).

A formação se integra anatômica e fisiologicamente ao sistema auditivo, sendo esta inte-

gração, um pré-requisito para uma adequada aquisição e um efetivo desenvolvimento da

linguagem oral e escrita. Nos estudos acerca do tema, encontramos pesquisadores que

caracterizam a escrita de surdos e apontam dificuldades de diferentes tipos, como: uso

inadequado de preposições; conjugações verbais e nominais; omissões ou substituições

de constituintes frasais, dentre outras.

Ao refletir sobre as distorções na escrita dos surdos, entendemos que elas ocorrem, em

decorrência de eles adquirirem a linguagem, a partir de uma construção linguística visual

e espacial, na qual o processo de escrita está atrelado a uma língua oral auditiva. A fim

de contribuir para diminuir as barreiras da escrita dos surdos, desenvolveu-se estudos

sobre um sistema de escrita para a língua de sinais. A escrita de sinais também conheci-

da como SignWriting, apresenta as configurações das mãos, este sistema é considerado

o registro, mais valioso para a comunidade surda.

41
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

FIQUE POR DENTRO


Aprofunde seus conhecimentos sobre a escrita de sinais, visite o site oficial no endereço

eletrônico: http://www.signwriting.org/brazil/

Figura 3 – Sign Writing

Fonte: http://www.signwriting.org/brazil/ Acesso 29 de Março de 2020

42
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

AQUISIÇÂO DA LINGUAGEM DOS SURDOS


Na unidade anterior, verificamos as etapas da aquisição da linguagem por um sujeito,

com todos os sentidos preservados, mas como ocorre a aquisição da linguagem para o

sujeito surdo e quais são as etapas desta aquisição?

Sabemos que a língua de sinais é uma língua visuo-espacial, logo, o processo de aquisição

da mesma, precisa respeitar o espaço, assim, é fundamental entender também que os sis-

temas linguísticos de sinais se apresentam de maneira independente das línguas orais, eles

são compostos por regras gramaticais próprias, que utilizam os espaços e recursos visuais.

Com relação ao processo de aquisição da língua de sinais, Quadros (2011) é uma das

poucas estudiosas do tema, ainda são poucas as pesquisas na área e a maioria delas

são elaboradas a partir da vivências de CODAS ou de experiências educacionais.

O primeiro estágio de aquisição da linguagem acontece pelo estágio do Sinal, no período

entre os doze meses a dois anos de vida do sujeito, consiste em produzir gestos icônicos

para demonstrar seu desejo, essa produção gestual inicial é relativa ao balbucio do ouvin-

te. As formas inflexionáveis são as primeiras a se apresentar, as flexionáveis são utilizadas,

posteriormente, este processo acontece via correlações entre o que visualmente lhe é

apresentado e atrelado à necessidade comunicativa da criança.

43
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

O próximo é o Estágio das Primeiras Combinações, que tem início, logo após a apropria-

ção dos sinais, estes passam a ser utilizados na ordem de combinações frasais, primei-

ramente de SV (sujeito-verbo), depois pela VO (verbo-objeto), havendo uma limitação, no

que diz respeito às ligações lexicais e fonológicas, além disso, não ocorre a flexão dos

verbos. Para eliminar estas dificuldades e tornar a comunicação mais coesa, os surdos

utilizam duas estratégias com vistas a marcar as relações gramaticais, são elas: a incor-

poração dos indicadores e a ordem das palavras. Nesta fase, os surdos já começam a

fazer uso de uma pronominal, porém de forma ainda inconsistente. Estudos linguísticos

determinam que a apontação envolve o sistema pronominal, o sistema dos determinado-

res e modificadores, em que objetos são nomeados e referidos, somente em situações

do contexto imediato, ou seja, que estejam presente no espaço, onde se encontra o não

ouvinte, conforme Quadros (2011)

Entre dois anos e meio e três anos, a criança surda inicia o processo de distinções e

expansão do vocabulário e da formação pronominal para indicar pessoas e objetos, que

não estejam presentes, fisicamente no espaço, no qual ela se encontra. Neste momento,

há uma preocupação com a formação de conceitos de significados. Quadros (2011)

define, que neste momento, “as crianças utilizam os verbos sempre direcionais, achando

que somente eles fazem parte do vocabulário” (QUADROS, 2011, p. 68).

Com quatro anos, a língua de sinais apresenta-se de forma desarticulada na sinalização

44
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

dos surdos e, a partir dos cinco até os seis anos, é que as crianças surdas começam

a corrigir os erros produzidos na estruturação comunicativa, respeitando os parâmetros

estruturais e a coerência, efetivando a aquisição linguística formal. Nesta fase, é comum

o uso de sujeito e objeto nulo e definindo, mais claramente os referentes.

Vivenciados estes estágios pelo surdo, inicia-se o processo de Aquisição de L2, res-

saltamos, que a proposta de ensino de uma segunda língua para surdos surgiu de pois

da implementação da modalidade de ensino bilíngue, na qual os surdos passam pelo

processo de aprendizagem da L1 (língua materna), a língua de sinais e, posteriormente, é

ensinada a eles a L2 (língua oral), mais precisamente, a modalidade escrita. A L2, neste

caso, é uma língua oral-auditiva, enquanto a L1 é a representação por sinais. O processo

de aquisição de L2 pelos surdos não ocorre de forma natural, pois as influências am-

bientais, metodológicas e questões intrínsecas ao sujeito interferem no processo. Veja

na Figura 4 o processo de aquisição da L2 pelos surdos, bem como os aspectos que

interferem na aquisição da L2.

45
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

Figura 4: Aquisição da L2

Fonte: Elaborado pela autora

LEITURA COMPLEMENTAR
Aline Lemos Pizzio e Ronice Müller de Quadros. Aquisição da Língua de Sinais.

Universidade Federal de Santa Catarina. 2011. Disponível em: http://www.libras.ufsc.br/

colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/aquisicaoDeLinguaDeSinais/assets/748/

Texto_BaseAquisi_o_de_l_nguas_de_sinais_.pdf Acesso 20 de Março de 2020.

46
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

Estudos de línguas de sinais e a aquisição da linguagem

Os estudos das línguas de sinais no sentido das investigações linguísticas apresentam

evidências de que as línguas de sinais observam as mesmas restrições que se aplicam

às línguas faladas (Stokoe et alli, 1976; Bellugi & Klima, 1972; Siple, 1978). Quase em

paralelo a esses estudos, iniciaram-se as pesquisas sobre o processo de aquisição da

linguagem em crianças surdas filhas de pais surdos (Hoffmeister, 1978; Meier, 1980;

Loew, 1984; Lillo-Martin, 1986; Petitto, 1987; Slobin, 1986). No Brasil, a língua de sinais

brasileira começou a ser investigada nas décadas de 80 e 90 (Ferreira- Brito, 1986;

Felipe, 1992, 1993; Quadros, 1995, 1999) e a aquisição da língua de sinais brasileira nos

anos 90 (Karnopp, 1994; Quadros, 1995, 1997).

As investigações delineadas até então indicam que as crianças surdas, filhas de pais surdos,

adquirem as regras de sua gramática de forma muito similar às crianças adquirindo línguas

faladas. Assim, à medida que avançamos nos estudos, verificamos que a constituição da gra-

mática da criança independe das variações das línguas e das modalidades em que as línguas

se apresentam (Quadros, no prelo; Lillo-Martin e Quadros, 2007). Como diz Chomsky, seja a

língua como for, a faculdade da linguagem é algo comum entre os seres humanos:

A concepção de que a articulação e a percepção envolvem a mesma interface (represen-

tação fonética) é controversa, os problemas obscuros relacionados à interface C-I (con-

ceptual-intencional) é ainda mais. O termo “articulatório” é tão restrito que sugere que a

faculdade da linguagem apresenta uma modalidade específica, com uma relação especial

47
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

aos órgãos vocais. O trabalho nos últimos anos em língua de sinais evidencia que essa

concepção é muito restrita. Eu continuarei a usar o termo, mas sem quaisquer implica-

ções sobre a especificidade do sistema de output, mantendo o caso das línguas faladas.

(CHOMSKY, 1995a:434, nota de rodapé 4).

Na sua grande maioria, os linguistas têm se ocupado em identificar o que é comum entre as

línguas de sinais e as línguas faladas. Parte-se dos referenciais já propostos para as línguas

faladas e os universais linguísticos que também foram estabelecidos a partir de estudos

com várias línguas faladas e propõem-se análises das línguas de sinais. O investimento

nesta linha investigativa justificou-se, uma vez que na década de 60 havia um movimento

intenso no sentido de “provar” que as línguas de sinais eram, de fato, línguas naturais.

Atualmente, não há dúvidas em relação ao estatuto linguístico das línguas de sinais.

Assim, principalmente a partir da década de 90, iniciaram-se investigações com o intuito

de identificar não apenas o que era “igual”, mas também o que era “diferente” com o

objetivo de enriquecer as teorias linguísticas atuais.

A pergunta que antes era “Como a linguística se aplica às línguas de sinais e aos estudos da

aquisição das línguas de sinais”? Passou a ser “Como as línguas de sinais e os estudos do

processo de aquisição das línguas de sinais podem contribuir para os estudos linguísticos”?

A mudança, aparentemente sutil, abre novos caminhos investigativos no campo da lin-

guística, buscando explicações para o que é diferente entre estas modalidades.

48
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

Os efeitos de modalidade

Os estudos sobre os efeitos da modalidade na aquisição da linguagem iniciaram com os

estudos de Petitto (1987) que argumenta que a criança surda produz gestos que diferem

dos sinais produzidos por volta dos 14 meses, analisando essa produção gestual como

parte do balbucio. Em outro estudo relacionado com este, Petitto & Bellugi (1988) obser-

varam que as crianças surdas com menos de dois anos não fazem uso da apontação

típica da língua de sinais americana, pois há um processo descontínuo na aquisição da

linguagem. As crianças surdas com menos de um ano de idade, assim como as crianças

ouvintes, apontam frequentemente para indicar objetos e pessoas; no entanto, quando

a criança entra no estágio de um sinal, o uso da apontação desaparece. Petitto (1987)

sugere que nesse período parece ocorrer uma reorganização básica em que a criança

muda o conceito da apontação inicialmente gestual (pré-linguística) para visualizá-la como

elemento do sistema gramatical da língua de sinais (linguístico).

Surgem as primeiras combinações de sinais por volta dos dois anos das crianças sur-

das. Fischer (1973) e Hoffmeister (1978) observaram que a ordem usada pelas crianças

surdas durante esse estágio é SV, VO ou, ainda, num período subsequente, SVO. Meier

(1980) verificou que a ordem das palavras é utilizada para o estabelecimento das relações

gramaticais. A ausência do sujeito ou do objeto em algumas sentenças produzidas pelas

crianças pode indicar a marcação (+) do parâmetro pro-drop (Lillo-Martin, 1991; Quadros,

49
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

1995). Entretanto, nesse estágio os argumentos nulos apresentados normalmente não

são aceitos como gramaticais, pois a omissão de sujeitos e/ou objetos na língua de sinais

americana, assim como na língua de sinais brasileira, é feita sob certas condições que

determinam a identificação e recuperabilidade dos elementos omitidos.

Meier (1980) observou que, assim como o Japonês e o Croata, nem todos os verbos

da língua de sinais americana podem ser flexionados para marcar as relações grama-

ticais em uma sentença. Há verbos que apresentam limitações lexicais e fonológicas

para incorporar os pronomes como, por exemplo, os verbos ancorados no corpo, como

GOSTAR e PENSAR na língua de sinais brasileira. Isso sugere que as crianças surdas

devem adquirir duas estratégias para marcar as relações gramaticais: a incorporação dos

pronomes e a ordem das palavras. A incorporação dos referentes envolve a concordân-

cia verbal, e essa depende diretamente da aquisição do sistema pronominal. Lillo-Martin,

Mathur e Quadros (1998) e Quadros, Lillo-Martin e Mathur (2001) analisaram dados da

aquisição da língua de sinais brasileira e da língua de sinais americana e observaram que

os casos em que não há o licenciamento de sujeitos e objetos nulos com verbos sem

concordância podem estar relacionados com os casos de infinitivos opcionais, pois o

objeto não pode ser nulo com verbos sem concordância. Portanto, mesmo a criança

tendo duas estratégias (ou ambos os parâmetros para a marcação de línguas pro-drop),

parece estar sendo observada as mesmas restrições em relação às diferentes línguas.

50
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

Petitto (1986) observou que, por volta dos dois anos de idade, ocorrem ‘erros’ de rever-

são pronominal, assim como ocorrem com crianças ouvintes. As crianças usam a apon-

tação direcionada ao receptor para referirem-se a si mesmas. A princípio, causa certa

surpresa constatar esse tipo de erro nas crianças surdas devido à aparente transparência

entre a forma de apontação e o seu significado. Esse tipo de erro e a evitação do uso dos

pronomes do estágio anterior são fenômenos diretamente relacionados com o processo

de aquisição da linguagem. A princípio, o fato das línguas de sinais serem gestuais e apa-

rentemente mais óbvias em relação à apontação não interfere na aquisição da linguagem,

pois os mesmos efeitos observados na aquisição pronominal em crianças adquirindo

línguas faladas são observados em crianças adquirindo línguas de sinais. Petitto descarta

a hipótese de mudança de perspectiva, pois, no caso das línguas de sinais, se essa

hipótese fosse verdadeira as crianças deveriam apresentar erros na perspectiva de todos

os sinais. Para Petitto, a criança usa o sinal ‘YOU‟ como um item congelado, não dêitico,

não recíproco e que refere somente a ela. Petitto (1987) também concluiu que, apesar da

aparente relação entre forma e significado da apontação, a compreensão dos pronomes

não é óbvia para a criança dentro do sistema linguístico da língua de sinais americana,

pois apresenta múltiplas funções linguísticas.

Hoffmeister (1978) observou que a apontação envolve o sistema pronominal, o siste-

ma dos determinadores e modificadores, o sistema de pluralização e a modulação do

51
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

sistema verbal. No estágio das primeiras combinações, Hoffmeister observou que os

objetos são nomeados e referidos somente em situações do contexto imediato.

Dos três anos em diante, as crianças começam a usar o sistema pronominal com referen-

tes não presentes no contexto do discurso, mas ainda apresentam erros. Algumas crianças

empilham os referentes não presentes em um único ponto do espaço. Petitto & Bellugi

(1988) observaram que, de três anos a três anos e meio, as crianças usam a concordância

verbal com referentes presentes. Entretanto, elas flexionam alguns verbos cuja flexão não é

aceita nas línguas de sinais. Bellugi & Klima (1990) identificam essa flexão generalizada dos

verbos nesse período como supergeneralizações, considerando esse fenômeno análogo

a generalizações verbais como ‘fazi’, ‘gosti’ e ‘sabo’ na língua portuguesa. Meier (1980)

detectou esse uso supergeneralizado observando que, nesse período, as crianças usam

os verbos como pertencentes a uma única classe verbal na língua de sinais americana, a

classe dos verbos com concordância, chamada por ele de verbos direcionais. Quando

as crianças deixam de empilhar os referentes em um único ponto, elas estabelecem mais

de um ponto no espaço, mas de forma inconsistente, pois não estabelecem associações

entre o local e a referência, dificultando a concordância verbal.

Lillo-Martin (1986) discute alguns efeitos da modalidade espacial no processo de aquisição,

principalmente no que se refere à iconicidade das línguas de sinais. De fato, alguns sinais

e processos, na ASL têm motivação icônica, apresentando alguma relação entre forma

52
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

e significado, entre o referente e o referenciado. Lillo-Martin (2002), ao considerar essa

discussão, analisa a seguinte questão: a modalidade de alguma forma facilita a aquisição

da linguagem? Os estudos indicam que, apesar de haver uma aparente iconicidade nas

línguas de sinais, a aquisição do sistema pronominal e a concordância verbal apresentam

as mesmas características da aquisição dos mesmos aspectos linguísticos nas línguas fala-

das, o que é ilustrado pelos estudos mencionados até o presente momento. Lillo-Martin cita

a conclusão de Meier (1980) que diz que a modalidade não facilita a aquisição do sistema

da concordância verbal. Assim, considerando o input natural que as crianças surdas ana-

lisadas nessas pesquisas apresentam, a aquisição da língua de sinais americana parece

seguir um curso linguisticamente similar ao desenvolvimento das línguas orais.

Quanto à imitação e à compreensão dos argumentos nulos na língua de sinais americana

pela criança, Lillo-Martin observou alguns aspectos interessantes. Primeiro, as crianças

demonstram entender o uso opcional de argumentos e percebem o estatuto sintaticamente

real dos argumentos nulos na língua de sinais americana. Segundo, as crianças demons-

tram o conhecimento das restrições que determinam quando os argumentos nulos podem

ocorrer. Lillo-Martin observou que a criança não pode analisar evidências negativas.

Vimos até aqui que já há algumas pesquisas sobre a estrutura e a aquisição das línguas

de sinais, mas ainda há muito a ser investigado. Por um lado, existe uma preocupação

em relação aos efeitos das diferenças na modalidade, fazendo com que os estudos das

53
Unidade II - Aquisição da Língua de Sinais

línguas de sinais sejam extremamente relevantes. Por outro lado, as similaridades encon-

tradas entre as línguas faladas e as línguas sinalizadas parecem indicar a existência de

propriedades do sistema linguístico que transcendem a modalidade das línguas. Nesse

sentido, o estudo das línguas de sinais tem apresentado elementos significativos para a

confirmação dos princípios que regem as línguas humanas.

54
UNIDADE 3

Metodologia para Ensino da


Língua de Sinais para Surdos
Aline Pedro Feza

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Apresentar metodologias adequadas para o ensino da língua de


sinais aos surdos..

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentamos os tópicos, que serão estudados nesta unidade:

• Aprendizado da Língua de Sinais e os surdos;


• Guia prático para a Língua de Sinais.
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

INTRODUÇÃO À UNIDADE
Ao longo dos nossos estudos acerca da língua de sinais e da educação dos surdos, apren-

demos que a língua de sinais corresponde à identidade do surdo e sua representação cul-

tural. As políticas educacionais definem atualmente que o ensino do surdo deve acontecer

dentro de uma concepção bilíngue, a qual garante a alfabetização do surdo na língua de

sinais e, posteriormente o aprendizado na língua oficial de seu país na modalidade escrita.

Muitos linguistas criticam o ensino bilíngue, por julgar que este ensino representa uma

dificuldade para os surdos na apreensão da língua portuguesa. Sendo assim, nesta uni-

dade, buscaremos elucidar, a você aluno, que embora traga alguns desafios, o ensino

bilíngue é o ensino mais adequado para o surdo, visto que preserva e garante a sua

identidade. Neste contexto, a base da alfabetização e o desenvolvimento da aprendiza-

gem dos surdos devem ser, previamente estabelecidas com a finalidade de minimizar as

dificuldades enfrentadas pelo surdo.

O APRENDIZADO DA LÍNGUA DE SINAIS PARA O SURDO


A partir dos anos noventa, o Brasil intensifica as discussões, em curso nos mais variados

países do mundo, acerca de uma filosofia educacional, que propiciasse êxito na edu-

cação dos surdos, já que as filosofias anteriores não trouxeram resultados confortáveis

59
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

no que concerne ao aprendizado dos surdos. Em razão de conhecimentos advindos da

linguística, as aulas, que eram sinalizadas e faladas ao mesmo tempo, como na aborda-

gem da comunicação total, não poderiam mais ser o veículo apropriado para a educação

e desenvolvimento das crianças surdas. Isso porque se constatou que o uso simultâneo

de línguas, não favorecia uma compreensão completa dos conteúdos transmitidos, até

porque muitos sinais eram omitidos com o uso concomitante com a fala. Sendo assim,

começaram a surgir expectativas em relação à língua de sinais, defendia-se, que esta

é a língua natural dos surdos. E desse modo, o bilinguismo passa a ser a nova filosofia

educacional para a educação dos surdos. Segundo Goldfeld:

O bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser bilíngue, ou seja, deve

adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos

surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país (GOLDFELD, 2002, p. 42).

O passo inicial, para concretizar a proposta educacional do bilinguismo, foi dado pela

Suécia, o primeiro país a reconhecer o surdo como uma minoria linguística que tem direito

a uma educação bilíngue legal e politicamente assegurada.

A proposta educacional bilíngue tem como objetivo, oferecer ao surdo o acesso às duas

línguas, ou seja, a primeira língua (língua de sinais) e a segunda língua, a falada e/ou a

escrita, que no caso do Brasil é o português. Porém, para que esse aprendizado acon-

teça, é necessário que o surdo esteja, o mais cedo possível em contato com pessoas

60
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

que sabem a língua de sinais, pois, esse contato é de fundamental importância, para o

domínio e conhecimento dessa língua, do mesmo modo como acontece com os ouvin-

tes, esta prática era para que nenhum atraso cognitivo viesse a acontecer.

Nos estudos de Britto (apud Goldfeld, 2002), afirma-se que, se a criança surda não for ex-

posta à língua de sinais, desde os seus primeiros anos de vida, sofrerá várias consequências:

A. este (o surdo) perde a oportunidade de usar a linguagem, senão o mais importan-

te, pelo menos um dos principais instrumentos para a solução de tarefas que se

lhe apresentam no desenvolvimento da ação inteligente;

B. o surdo não há de recorrer ao planejamento para a solução de problemas;

C. não supera a ação impulsiva;

D. não adquire independência da situação visual concreta;

E. não controla seu próprio comportamento e o ambiente;

F. não se socializa adequadamente (GOLDFELD, 2002, p. 45).

A família tem um papel essencial na filosofia bilíngue. Quanto mais cedo a criança for diag-

nosticada com a surdez e inserida em escolas e/ou ambientes que a ensinem a língua

de sinais, mais rápido ela se apropriará desse código linguístico, tendo acesso a uma

61
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

linguagem própria da sua comunidade. O bilinguismo busca instruir o surdo na constru-

ção de sua identidade e na valorização dos seus direitos, de forma que ele possa buscar

sua inserção na sociedade do mesmo modo que os ouvintes. Além disso, sabemos, que

cerca de 90% dos surdos, são filhos de pais ouvintes, por isso, é fundamental que toda a

família possa aprender a língua de sinais, facilitando a comunicação entre a criança surda

e seus familiares de forma interativa.

Segundo Goldfeld (2002), “o conceito mais importante que a filosofia bilíngue traz é a de

que os surdos formam uma comunidade, com cultura e língua própria”, por este motivo, a

oralidade, dentro desta proposta, não é o único objetivo, além desta garantia é importante

entender o surdo e suas particularidades, sua língua (a de sinais), sua cultura, sua forma

de agir e pensar, entre outras. Só assim, os surdos poderão desenvolver suas habilida-

des e ter seus direitos linguísticos respeitados por toda a sociedade.

Hoje, em pleno século XXI, é possível compreender que as demais filosofias, citadas nesse

artigo, deram suas contribuições para a educação dos surdos, mas a que conseguiu apro-

ximar o surdo de uma linguagem efetiva, foi o bilinguismo. Esta filosofia introduziu os sinais

nas práticas educacionais, possibilitou a interação entre professor e aluno, entre os surdos e

ouvintes, já que, grande parte dos professores, que trabalham com os surdos, são ouvintes.

As práticas educacionais, relacionadas ao bilinguismo, são muito recentes, têm, aproximadamente

62
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

dez anos, por isso, nem todos os países implantaram essa filosofia. Entre os países adeptos do

bilinguismo, os que se destacaram foram: A Suécia, Estados Unidos, Venezuela e o Uruguai.

Forma necessários muitos cuidados para a implantação do bilinguismo, tais como, a formação

de professores habilitados em língua de sinais. Vale ressaltar, que nem sempre é possível dispor

de professores surdos, então, é preciso recorrer a professores ouvintes.

Salientamos, que no Brasil, nem sempre esses profissionais têm o domínio suficiente

em Língua Brasileira de Sinais (Libras), podendo causar um atraso na aprendizagem dos

alunos, por causa de omissões de palavras e gestos, comprometendo o processo de

aquisição da linguagem, como já aconteceu nas demais filosofias.

Outro fator importantíssimo nesse processo são os materiais didáticos, estes devem ser

adequados para cada tipo de deficiência. Os intérpretes são fundamentais nessa ação,

pois, são eles que transmitirão os conteúdos para os alunos surdos. Assim, a tradução

da língua falada para a libras e da libras para a língua falada precisa ser muito eficiente,

para que ambos possam se comunicar e interagir, da melhor forma possível.

Enfim, a educação de crianças especiais requer cuidados especiais. Por essa razão, mui-

tos países não se adequaram ao bilinguismo, e continuam na filosofia do oralismo ou da

comunicação total. Quando falamos em mudanças educacionais, muitas coisas devem

ser revisadas e repensadas para se alcançar a eficácia no aprendizado, e, infelizmente o

63
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

comodismo é grande, ao pensarmos a educação. Um exemplo de mudança bem-sucedi-

da na educação dos surdos, encontra-se na Suécia, primeiro país a defender o bilinguismo.

Hansen (apud Capovilla, 2001) descreve um programa dinamarquês de pesquisa, que

acompanhou, durante oito anos, o desenvolvimento da aquisição da Língua de Sinais e

das línguas falada e escrita por nove crianças surdas. Para se adequar a essa nova filoso-

fia, esse país planejou as etapas a serem seguidas no novo programa educacional, bem

como, a organização e formação de todo o corpo docente das escolas e instituições, que

atendessem à comunidade surda.

Neste diapasão, o primeiro ano dessa experiência seria dedicado apenas ao aprendiza-

do da primeira língua, ou seja, a linguagem de sinais. O principal recurso metodológico

foi a linguagem gestual, para que os alunos pudessem aprender a base da edificação

escolar e também aceitar a língua falada e sinalizada, facilitando, sobremaneira, a comu-

nicação entre surdos e ouvintes. Somente após o segundo ano do programa, é que o

dinamarquês falado e escrito foi introduzido, como primeira língua estrangeira. E o mais

interessante do programa, é que as crianças surdas, obtiveram grandes avanços edu-

cacionais e, principalmente conseguiram se desenvolver do mesmo modo que as crian-

ças ouvintes, pois tinham o mesmo nível de leitura, e também passaram a escrever em

Dinamarquês. Como consequência do bom trabalho desenvolvido pelas instituições edu-

cacionais, obteve-se um índice altíssimo do nível de leitura e escrita das crianças surdas,

64
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

igualando-se aos índices das crianças ouvintes.

Além disso, melhoraram suas habilidades de leitura labial, facilitando sua interação na co-

munidade. O resultado eficaz desse programa foi reconhecido por vários países, órgãos

governamentais e, até mesmo, pela sociedade. Desta forma, quando uma família tem um

filho diagnosticado como surdo, deve buscar a sua inserção em escolas que ensinam a

língua de sinais e, consequentemente, seus familiares também aprenderão essa nova lin-

guagem. Até porque, para a criança surda, a língua oral será sempre uma segunda língua,

e para aprendê-la é necessário um trabalho especifico, como, por exemplo, atendimento

com fonoaudiólogo, psicólogo, entre outros.

Para o surdo, o aprendizado da língua oral é um processo muito lento e difícil. Para apren-

der a falar, necessitamos dos recursos orais e auditivos e nos surdos esses recursos

são bloqueados pela perda auditiva. Por essa razão, muitos autores concordam que a

linguagem oral será sempre algo estranho na vida dos surdos. Sob esta lógica, Rocha-

Coutinho (apud Goldfeld, 2002), tece as seguintes considerações:

Um deficiente auditivo não pode adquirir uma língua falada como língua nativa porque ele

não tem acesso a um sistema de monitoria que forneça um feedback constante para sua

fala. A língua falada sempre será um fenômeno estranho para o deficiente auditivo, nunca

algo natural. Os deficientes auditivos, provavelmente experimentam um grau considerável

de ansiedade ao usar a língua oral porque eles não têm nenhuma forma de controlar a

propriedade técnica e social da sua fala, exceto através de movimentos labiais e da reação

65
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

das pessoas a sua fala. O deficiente auditivo apesar de contar com expressões faciais e

movimentos corporais, não possui uma das fontes de informação mais rica da língua oral:

monitorar sua própria fala e elaborar sutilezas através da entonação, volume de voz, hesi-

tação, assim como extrair da produção de seu interlocutor sutilezas através da entonação,

volume de voz, etc. (GOLDFELD, 2002, p. 79-80).

Os bilinguistas defendem a importância do uso da língua de sinais, o mais cedo possível,

no cotidiano das famílias de uma criança surda, para que o aprendizado dessa criança não

seja comprometido. Os teóricos do bilinguismo enfatizam que tanto os pais como os pro-

fissionais de educação, que convivem e trabalham com crianças surdas, tenham a consci-

ência das dificuldades que a surdez traz à vida dessas crianças, seja no processo escolar,

seja na vida pessoal. Haja vista que a falta de linguagem pode causar uma impossibilidade

comunicativa entre surdos e surdos e entre surdos e ouvintes. Infelizmente, muitas pessoas

não sabem se comunicar e interagir com os surdos. A falta de pessoas que dominem a

língua de sinais torna a interação social do surdo muito difícil. Faltam intérpretes em locais

como hospitais, repartições públicas, restaurantes, lanchonetes, centros comerciais, ci-

nemas, shoppings, enfim, em ambientes que poderiam se adequar para que realmente a

inclusão dessas pessoas realmente acontecesse. Essa realidade só será possível quando

a sociedade quebrar o tabu, de que a fala é a única forma de comunicação.

A falta da linguagem falada não inibe os surdos de se comunicar entre si e com os ou-

vintes. Cabe aos ouvintes aprender a língua de sinais para facilitar essa comunicação. A

66
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

falta de comunicação pode propiciar um sentimento negativo de frustração na vida dos

surdos. Imaginem como deve ser difícil, querer se expressar e dialogar com alguém que

não entenda a sua linguagem.

LINGUAGEM VISUAL E O APRENDIZADO PARA O SURDO


Antes de conceituarmos o termo linguagem visual, é prudente que retomemos o conceito

de língua e linguagem. A língua representa uma forma de comunicação pré-estabelecida

por uma comunidade linguística, ela pode ocorrer de forma oral, escrita ou sinalizada.

Toda língua é estruturada e traz consigo a representação de um grupo, isto é, sua identi-

dade e cultura. A linguagem, por sua vez, pode ser apresentada de diversas formas, sem

seguir um padrão pré-estabelecido, uma gramática ou uma estrutura linguística formal.

Pode, ainda, realizar-se por intermédio da música, dança, gestos, pintura, poesia, enfim

qualquer canal de comunicação útil para aquele sujeito naquele momento.

Toda língua pode ter diversas formas de linguagem, então, a linguagem pode representar a

interação das línguas e a união das pessoas via comunicação. Vale salientar, que conhecer

uma língua, não representa se apropriar de uma linguagem. Como, por exemplo, os autistas

não verbais, já que muitos deles conhecem a língua de seu país e a utiliza para nomear coisas e

objetos, porém não conseguem estabelecer comunicação para expressar desejos e opiniões.

67
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

Diante de diversos aspectos sobre a linguagem, abordaremos, num primeiro momento, o as-

pecto visual, nesta esteira, a linguagem visual pode ser definida como toda e qualquer forma

de comunicação, que não utiliza recursos verbais, demanda apenas imagens e símbolos. Os

elementos visuais constituem a substância básica daquilo que vemos, são a matéria-prima

de toda informação visual. A linguagem visual objetiva, através de símbolos e gestos, gerar

um significado, um sentimento ou uma ideia, por parte daquele, que visualiza essa imagem.

Contudo, qual é a relação da linguagem visual com o processo de aprendizagem dos

surdos? Pois bem, com a ausência da rota de aprendizagem sonora, o surdo desen-

volve, com mais propriedade, sua rota visual, quando seu processo de aprendizagem

ocorre, por intermédio da língua de sinais, esta rota visual potencializa-se ainda mais, por

causa da estrutura dos sinais, que consiste em uma modalidade visual e espacial. Para o

surdo todo recurso visual utilizado no processo de aprendizagem é, extremamente válido.

Depois de estabelecido o processo de alfabetização, a rota visual continua a exercer forte

influência no processo de comunicação, ela é primordial para uma comunicação clara e

satisfatória, para isto insere-se o componente gramatical denominado classificadores.

Os classificadores tornam a língua de sinais mais visual e descritiva, contribuindo com a

compreensão do surdo. São os classificadores que denominam e caracterizam os sinais

e proporcionam, por exemplo, que o verbo andar seja entendido pelo surdo de inúmeras

maneiras, como andar de um animal, andar de uma pessoa vaidosa ou o andar de um pai

68
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

bravo em direção ao quarto do filho desobediente. O verbo andar é presentado, por um

sinal, visualmente, ele se classifica de acordo com o seu sujeito, é neste contexto, e, em

tantos outros cenários possíveis que comprovamos a importância da linguagem visual.

SAIBA MAIS
Entre as diversas atrações do Festival de Verão 2013, que aconteceu durante o Carnaval,

está a oficina Comunicação e Linguagem Visual.

Figura 5: Comunicação visual

Fonte: Disponível em: https://bit.ly/2yL7xhe

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Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

GUIA PRÁTICO DO ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS


PARA OS SURDOS
Como destacamos no primeiro tópico desta unidade, a língua de sinais, por direito,

deve ser a primeira língua a ser aprendida pelo surdo, ao entendermos isso, precisamos

compreender, que a língua de sinais apresenta uma modalidade linguística, diferente da

Língua Portuguesa, no caso do Brasil, observe o Quadro 1 e perceba as principais dife-

renças entre as línguas de surdos e ouvintes.

Quadro 1: Diferenças entre Libras e Língua Portuguesa

LIBRAS

• Canal visual e gestual;

• Constituída por gestos, sinais , alfabeto manual, expressão facial e corporal;

• Gramática e Parâmetros linguísticos;

• Unidade mínima constituída pela configuração de mão.

70
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

LÍNGUA PORTUGUESA

• Canal oral e auditivo

• Constitui-se por meio de letras, palavras, frases e textos

• Gramática

• Unidade mínima é o som

Fonte: A autora

Entre todas as diferenças apresentadas no Quadro 1, uma merece destaque, ao falarmos

sobre língua de sinais e língua portuguesa, estamos nos referindo a canais comunicati-

vos, totalmente diferentes, com receptores e emisores de mensagens análogos, daí, vem

a explicação relacionada à dificuldade do surdo em aprender e utilizar a língua portuguesa

na modalidade escrita. Por conseguinte, é possível pensarmos como ocorre o processo

de aprendizagem dos sinais para os surdos. Diferentemente dos ouvintes, que aprendem

a sistematizar e a interpretar depois da alfabetização completa, os surdos sistematizam e

interpretam a cada sinal que aprendem.

71
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

Então, como os surdos aprendem a língua de sinais?

1. O primeiro passo para o aprendizado do surdo, é estabelecer a inserção deste

surdo em uma comudidade surda, para que ele possa interargir. O contato com

outros surdos estimula sua própria produção línguistica, a interação irá acontecer

de maneira natural e espontânea.

Figura 6 –Primeira comunicação

Fonte: Foto por Thiago Barletta - Unsplash

2. Segundo passo a ser tomado no ensino de libras para a criança surda, é que este

ensino aconteça, por meio de um professor surdo, assim ela aprende a língua de

sinais com seus denominados pares linguisticos, ou seja, aqueles que possem a

mesma identidade linguística ou a mesma forma de comunicação.

72
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

Figura 7 – Configuração de mão

Fonte: Disponivel em: https://bit.ly/3eVJAV1


Acesso 19 de Abril de 2020

3. O terceiro passo é relacionar aquilo que o surdo já viu e já viveu com a língua de

sinais, quer dizer, dar significado por meio da comunicação. Até que ocorra o

aprendizado da língua de sinais, os surdos se comunicaram por sons aleatórios

e por mímica, neste momento, deve-se transformar o que apontamente em sinal.

4. O quarto passo é utilizar imagens com o fito de dar siginificado para o significado

do sinal. Como a língua de sinais é visual, a utilização de recursos de imagens

facilita muito no processo de aprendizado.

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Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

Figura 8 – Primeiras combinações

Fonte: A autora adaptado de Brito (1995)

5. Quinto passo incide em dar sentido ao que esta sendo sinalizado, ou melhor, o

surdo deverá interpretar aquele sinal, transformando signo/símbolo em significado.

Esta explicação pode ser realizada de muitas maneiras, uma delas é mostrar o

objeto sinalizado para a criança.

74
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

Figura 9 – Expansão de vocabulário

Fonte: A autora adaptado de Brito (1995)

6. O sexto passo é sistematizar a aprendizagem, propiciando novas construções

linguísticas, que são as frases.

75
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

Figura 10 – Construção Linguistica

Fonte: A autora adaptado de Brito (1995)

Durante o processo de ensino da língua de sinais para o surdo, é importante a valori-

zação de todos os aspectos visuais, partindo do pressuposto de que a linguagem é a

construção do desenvolvimento do pensamento, ensinar língua de sinais para surdos, é

ensiná-los a expressar-se a comunicar-se, isto é, estabelecer interações.

CONSIDERAÇÔES FINAIS
Para concluir as reflexões e sistematizar os dados apresentados, tecemos algumas con-

siderações. Muitas são as atitudes, que devem ser tomadas no campo da educação dos

76
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

surdos, tal como na educação de todas as pessoas com deficiência, medidas efetivas

de favorecimento à inclusão social e sucesso acadêmico devem ser buscadas. Porém,

para que isso aconteça na vida do surdo, é necessário o reconhecimento coletivo sobre

a importância da língua de sinais, e de sua utilização no processo de aquisição da lin-

guagem deste. Só uma educação, verdadeiramente bilíngue, permitirá a comunicação e

interação social dos surdos.

Vale destacar, ainda, a importância do aprendizado da língua de sinais pelos profissionais

da educação. Poucos professores de nossas escolas e universidades, sejam elas pú-

blicas sejam privadas conhecem a Libras. Esse fator é capaz de comprometer, a comu-

nicação entre professores e alunos surdos que, por ventura, venham a estudar nessas

instituições.

LEITURA COMPLEMENTAR
STROBEL, Karin Lilian. METODOLOGIA DE ENSINO DE LIBRAS – L1. Universidade

Federal de Santa Catarina. 2009. Disponível em: http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetras-

Libras/eixoFormacaoPedagogico/metodologiaDeEnsinoEmLibrasComoL1/assets/631/

TEXTO-BASE_SEM_AS_IMAGENS_.pdf Acesso 21 de Março de 2020.

77
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

Ensinando LIBRAS

Nesta unidade você terá oportunidade de vivenciar o ensino da LIBRAS – L1 em seus

aspectos fundamentais: a língua sinalizada, a escrita e leitura de sinais, a prática de aná-

lise linguística. A partir da perspectiva da pedagogia da diferença que vimos na Unidade

anterior, buscaremos construir, juntos, “um jeito surdo de ensinar”.

Primeiramente, precisamos considerar as implicações pedagógicas do ensino de LIBRAS

– L1 com base na concepção de linguagem assumida neste curso: a língua constituída

nas interações dialógicas entre interlocutores membros de uma mesma cultura.

Assumir a concepção dialógica/discursiva de ensino da língua implica considerar a LIBRAS

em uso, ou seja, estudá-la nas condições reais onde ela é produzida: na comunidade

surda, nas escolas de surdos, nas igrejas, nos meios de comunicação, na internet...

Por isso, é fundamental que o professor esteja em constante interação com o “mundo

surdo”, que veja a si mesmo como membro de uma cultura essencialmente visual, que

se coloque como “modelo linguístico e cultural” ante seus alunos, que, enfim, assuma

sua responsabilidade de resgatar e incentivar a produção cultural surda. Somente assim

ele trabalhará “dialogicamente” com seus alunos e poderá contribuir para a formação de

produtores de textos e leitores críticos e participativos no mundo onde vivem.

Nós já vimos que a finalidade do ensino de LIBRAS é desenvolver a competência

78
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

comunicativa dos alunos surdos na Educação Básica. Para que este objetivo seja alcança-

do é preciso estipular quais procedimentos de ensino são mais adequados e eficazes, bem

como os recursos que escolheremos para nos auxiliar neste trabalho. Você verá mais sobre

isso na próxima Unidade, que tratará do planejamento. Por agora, vamos nos deter nas

questões relativas ao ensino de LIBRAS em suas várias faces: leitura de sinais e produção

de textos sinalizados e escritos em sinais e no estudo da gramática (ou análise linguística).

Os estudos atuais sobre o ensino de língua materna ou primeira língua têm privilegiado as

metodologias que priorizam o trabalho com gêneros textuais, ou gêneros discursivos. Por

isso, esta proposta se fundamenta no ensino da língua materna ou primeira língua com

base nas situações reais de vida dos alunos, em enunciados que circulam no contexto

da comunidade surda e da sociedade onde ela está inserida [...]

Sintetizamos aqui nosso entendimento sobre língua sinalizada, leitura, escrita e análise

linguística (estudo da gramática), temas que foram abordados no texto da professora

Ronice e que estarão presentes em nossas reflexões.

79
Unidade III - Metodologia para Ensino da Língua de
Sinais para Surdos

Leitura

Compreendemos a leitura como um processo de descoberta e de atribuição de sentidos.

As diferentes formas de entender um texto estão atreladas às diferentes formas de compre-

ender o mundo e dizem respeito às experiências particulares de cada pessoa, em particular,

e ao lugar que cada uma ocupa no complexo sistema de relações sociais que caracterizam

a sociedade em que vivemos, marcada por profundas contradições. São estas as muitas

formas de interpretar que possibilitam a manifestação dos sentidos, dos significados, dan-

do oportunidade à emergência de variados pontos de vista, além de construir o repertório

conceitual necessário à produção escrita. Como quem fala ou escreve deve ter o que falar

ou escrever, a leitura se converte em uma das habilidades para o aprendizado da escrita.

A leitura não está restrita à decodificação de símbolos gráficos, mas a todas as formas

de leitura, de todas as linguagens produzidas pelo homem em suas relações com outros

homens. Assim, o processo de codificação/decodificação só tem valor quando está ar-

ticulado ao significado produzido no discurso entre interlocutores. Por isso, no processo

de ensino de LIBRAS são válidos e utilizados todos os gêneros discursivos produzidos

nas relações entre surdos, em quaisquer circunstâncias dialógicas.

80
UNIDADE 4

Plano de aula da L1 para


surdos
Aline Pedro Feza

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

• Apresentar modelos de planos de aula para o ensino da L1 para


surdos.

PLANO DE ESTUDO

A seguir, apresentamos os tópicos, que serão estudados nesta unidade:

• Metodologia de um ensino visual;


• Modelo de plano de aula para ensino da L1.
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta unidade, abordaremos as estratégias que compõem o ensino da língua de sinais, qual

é a importância do tradutor intérprete de íngua de sinais neste processo de aprendizagem,

bem como a importância da estrutura linguística em tal processo de aprendizagem. Em um

segundo momento, apresentaremos um modelo de plano de aula básico, para o ensino da

L1 para surdos. Desta maneira, retomaremos a esta introdução, resgatando os aspectos

importantes relacionados à metodologia adequada para a promoção do aprendizado dos

surdos, a fim de que possamos compreender com clareza os estudos subsequentes.

Conforme Saussure (1969: 17 apud FIORIN, 2005, p. 9), a linguagem é: “heteróclita e

multifacetada”, pois abrange vários domínios; é ao mesmo tempo física, fisiológica e psí-

quica; pertence ao domínio individual e social”; dessa forma, não é possível classifica-la em

nenhuma categoria de fatos humanos, uma vez que não se sabe como inferir sua unidade”.

Fiorin (2005), citando Karnopp (1999), a respeito da língua de sinais utilizada pelo sujeito

surdo, indica:

As línguas de sinais não usam sons, mas ninguém pode negar que haja uma organização

nos sinais usados, regras combinatórias para eles (por exemplo, é impossível, em língua

de sinais, um sinal produzido pelas duas mãos com movimentos diferentes; ou as mãos

85
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

estão em uma mesma configuração com um movimento simultâneo ou alternado, ou, se

a configuração das mãos for diferente, uma está sempre parada, servindo de apoio para a

mão em movimento. (Saussure (1969), apud FIORIN, 2005, p. 323).

Considerando as especificidades que permeiam a língua dos surdos e os fundamentos

biológicos e linguísticos relacionados à linguagem, depreendemos que surdos e ouvintes

não possuem estruturas e gramática de língua semelhantes. Nesta lógica, Sacks (1998)

assevera, que as línguas de sinais apresentam sintaxe, gramática e semântica completas,

mas possuem caráter diferente daquele das línguas escritas e faladas.

A comunidade surda, assim como outras minorias linguísticas, por muito tempo foi atendida atra-

vés de práticas de ensino, que procuravam impor seu ideal homogêneo para a comunicação.

O bilinguismo veio para defender o caráter heterogêneo que o ensino para surdos requer.

O direito do cidadão surdo de ser educado em sua língua natural, a LIBRAS, e ter acesso

à língua portuguesa como segunda língua, passou a ser garantido perante a lei.

METODOLOGIA DE UMA ENSINO VISUAL


O ideal seria que as instituições escolares se preocupassem com conteúdos e infor-

mações curriculares. Contudo, os surdos vêm de um ambiente linguístico e cultural ina-

dequado às suas necessidades, poucos tiveram oportunidade de interagir com outros

86
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

surdos, poucos são surdos puros , trazem consigo comorbidades , “os obstáculos en-

contrados no atendimento a eles, em sua maioria, possuem cerne na barreira comunica-

cional, mas perpassam a isso” (SOUZA, 2017, p. 402).

O TILS (Tradutor Intérprete de Língua de Sinais) é o canal comunicador entre surdos e

ouvintes, estes podem enfrentar muitas barreiras com uma criança surda, que ainda se

encontra sem identidade pessoal ou o complicador pela falta de domínio da língua de

sinais ou até seu total desconhecimento.

É inegável que os fatores externos influenciam de forma direta o sucesso da aquisição

e apropriação de conhecimento, o TILS envolvido nesse processo, ainda que encontre

defasagem na maioria desses fatores, precisa identificar a realidade local e, a partir de

então, planejar suas propostas de trabalho. Para tanto, é fundamental que este tradutor

tenha total domínio das estruturas linguísticas dos sinais.

A estrutura da Língua Brasileira de Sinais é composta de parâmetros primários e secun-

dários, que se combinam de forma sequencial ou simultânea. Segundo Cunha (2011):

1. Configuração das Mãos consistem nas formas que as mãos tomam na realização

do sinal.

2. Ponto de Articulação (PA), também pode ser chamado de Locação, é o espaço

87
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

em frente ao corpo (espaço neutro) ou uma região do próprio corpo, onde os

sinais são articulados.

3. Orientação (O) é a orientação da palma da mão durante a realização do sinal, pode

dar representatividade ao sinal de estar para cima, para baixo, dentro ou fora, para

um lado ou outro.

4. Componentes não manuais (Expressão Facial ou Expressão Corporal) são utiliza-

dos para definir ou intensificar os significados dos sinais.

5. Movimento é o deslocamento do sinal no espaço. (CUNHA, 2011, p. 36-41).

Os sinais são formados a partir da configuração das mãos, do movimento das mãos e

do ponto no corpo ou no espaço, em que esses sinais são feitos. Os classificadores

representam outro fator importante, visto que contribui para coerência na comunicação.

Os classificadores estabelecem a concordância, evidenciam uma característica estru-

tural, físico e de intensidade ao tomar a posição de adjetivação, por meio da qual os

elementos sinalizados são representados.

Os classificadores são representados por configurações de mãos e expressões faciais,

estas informam que se trata de morfemas, de representação de objetos, de pessoas e

de animais, descrevendo-os quanto à forma, ao tamanho e ações.

88
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

As línguas de sinais apresentam, como qualquer outra língua natural, todos os aspectos

que a constitui como língua, Vargas (2018) conclui:

A. versatilidade e a flexibilidade: as línguas de sinais também podem demonstrar

emoções, sentimentos, questionamentos, referências ao passado, presente ou

futuro, ou a acontecimentos e coisas que não existem;

B. arbitrariedade: os sinais, exceto os icônicos (nos quais há relação entre forma e

significado), não têm associação explícita com seu significado;

C. criatividade/produtividade: a partir de um conjunto finito de fonemas há a possibili-

dade de serem produzidos infinitos enunciados;

D. dupla articulação: possuem um número limitado de unidades mínimas que isolada-

mente não têm significado (fonemas), sendo necessária a combinação entre eles

para que o adquiram. (VARGAS, 2018, p. 58).

Estas características comprovam, mais uma vez, que a língua de sinais, sofre variações,

que consistem em diversas formas de se referir a um objeto, alimento, entre outros, sem

mostrar seu conceito.

Castilho (2010, p. 197) explica que, para estudar a variação linguística, é necessário sele-

cionar e ordenar as variantes, levando em consideração os diferentes eixos, lembrando-se

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

sempre de que esses eixos “coexistem no tempo”.

Assim, entendemos que o homem, devido a suas próprias necessidades adquiriu, nos

primeiros anos de vida, a língua correspondente ao seu ambiente familiar e cultural. Todos

os aspectos, anteriormente relatados, correspondem a uma língua estabelecida em uma

modalidade visual, estabelecidos na normatização e aspectos estruturais de língua, utiliza

de recursos e comunicação, propriamente singular.

MODELO DE PLANO DE AULA PARA ENSINO DE L1


Conhecer a Libras não é o suficiente, porém, é imprescindível manter a comunicação,

embora, o ato comunicativo, por si só, não garanta o aprendizado do aluno surdo. Outro

agravante é o fato de os materiais didáticos serem publicados em língua portuguesa es-

crita, sem trazer recursos de acesso para os discentes surdos, obrigando aos mesmos

fazer leitura naquela, que deveria ser a sua segunda língua.

Neste contexto, o ato de planejar é de extrema importância, visto que

o planejamento é um processo de racionalização, organização e coordenação da ação

docente, articulando a atividade escolar e a problemática do contexto social. A escola,

os professores e os alunos são integrantes da dinâmica das relações sociais; tudo o que

acontece no meio escolar está atravessado por influências econômicas, políticas e culturais

que caracterizam a sociedade de classes. Isso significa que os elementos do planejamento

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

escolar – objetivos, conteúdos, métodos – estão recheados de implicações sociais têm um

significado genuíno político. (LIBÂNEO, 1994, p. 222).

Sendo assim, o planejamento precisa levar em conta a necessidade bilíngue, ou seja,

demanda um rever o processo, considerando as duas esferas linguísticas, uma na língua

do aluno surdo, primeira língua, e outra, na segunda língua, no caso do Brasil, a língua

portuguesa, oportunizando o envolvimento do aluno nesse espaço bilíngue e de aprendi-

zagem cultural. Dentre a lista de funções, apresentada por Libâneo (1994), destacam-se

dois itens, que colaboram com nosso enfoque:

assegurar a unidade e a coerência do trabalho docente, uma vez que torna possível inter-

-relacionar, num plano, os elementos que compõem o processo de ensino: os objetivos

(para que ensinar), os conteúdos (o que ensinar), os alunos e suas possibilidades (o que

ensinar), os alunos e suas possibilidades (a quem ensinar), os métodos e técnicas (como

ensinar) e a avaliação, que está intimamente relacionada aos demais. [...]. Facilitar a pre-

paração das aulas: selecionar o material didático em tempo hábil, saber que as tarefas

professor e alunos devem executar, replanejar o trabalho frente a novas situações que

aparecem no decorrer das aulas. (LIBÂNEO, 1994, p. 223).

O ato de planejar, como apresentado por Libâneo (1994), reclama um ser flexíveis com

aquilo que precisamos construir, a partir do que é existente dos alunos e que o material

possa ser utilizado, conforme as suas necessidades. É importante destacar, que a intenção

neste tópico, é apresentar modelos de planejamentos ou planos de aula e, ainda, apontar

as etapas necessárias na prático de ensino da L1 para surdos, entretanto, não se pretende

91
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

estabelecer um modelo único para este processo de ensino dos surdos, almejamos ape-

nas apontar as etapas essenciais ao procedimento de ensino de modo claro e objetivo:

Conteúdos: o que será trabalhado;

Objetivos: para que ensinar esse conteúdo;

Metodologia: como serão ensinados os conteúdos;

Recursos: meios para ensinar os conteúdos

Avaliação: o que o aluno deve ter aprendido sobre o conteúdo. (LIBANEO, 1994, p. 45).

Seguindo estas etapas, apresentaremos dois planos de aula (Quadros 2 e 3), nestes,

levamos em consideração as necessidades de atendimento ao aluno surdo, que fre-

quenta as séries iniciais e, que, ainda não se apropriou da língua de sinais, como meio de

comunicação, encontra-se na etapa de alfabetização da libras.

PLANO DE AULA 1
Tema: Animais domésticos
Disciplina: Ciências
Série: 1º ano do ensino fundamental
• Apresentar os principais animais domésticos do meio urbano;
Atividade:
• Brincadeira de quem sou eu.

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

PLANO DE AULA 1
1. Apresentar imagens de animais domésticos mais comuns (cachorro,
coelho, gato, pássaros, peixe, rato/rameaste), verificar a reação do aluno
durante a apresentação e analisar se ele utiliza sons ou gestos para
simbolizar o animal

Metodologia:

2. Apresentar imagens de animais domésticos mais comuns (cachorro,


coelho, gato, pássaro, peixe, rato, hamster), a cada imagem realizar o
sinal em Libras.

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

PLANO DE AULA 1

Metodologia:

3. Deixar as imagens espalhadas em uma superfície e ao apontar


aleatoriamente, o aluno deve sinalizar em libras.

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

PLANO DE AULA 1
4. Brincadeira de quem sou eu: cada aluno deve pegar uma imagem se
direcionar e ficar na frente de um colega, e perguntar quem sou eu? Sem
mostrar a imagem, o aluno que perguntou deve começa a gesticular
Metodologia:
características do animal da figura que pegou (jeito de andar, tipo do pelo,
tipo do rabo...) o outro aluno deve adivinhar qual é o animal da figura e
sinalizar corretamente o nome do animal.
Recursos: 5. Fotos e ou imagens de animais verdadeiros.
6. Apresentação do sinal com parâmetros corretos e inserção do mesmo na
Avaliação:
comunicação.

Fonte: Elaborado pela autora

PLANO DE AULA 2
Tema: Escola
Disciplina: Língua Portuguesa
Série: 1º ano do ensino fundamental
Atividade: • Nomeação e indentificação dos objetos da sala de aula

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

PLANO DE AULA 2
1. Apresentar os objetos que existem na sala de aula.

Metodologia:

(Imagem meramente ilustrativa)


Fonte: https://bit.ly/2YbJfri
Acesso 27 de março de 2020
2. Apontar para cada objeto e, após apontar, já sinalizar o seu nome
em libras;
3. Retomar em seguida sinalizando e pedindo para o aluno identificar
o objeto;
4. Realizando gestos e mímicas, pedir para o aluno que sinalize o
objeto correspondente;
5. Ex.: para o gesto de escrever o aluno deverá sinalizar lápis, caneta;
Recursos: 6. Fotos e ou imagens de animais verdadeiros.
7. Apresentação do sinal com parâmetros corretos e inserção do mesmo na
Avaliação:
comunicação.

Fonte: Elaborado pela autora

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encerramos nossos estudos, destacando a importância do conhecimento estrutural da

língua, além dos saberes de a libras ter uma gramática constituída, a partir de elementos

constitutivos das palavras ou itens lexicais, que se estruturam mediante mecanismos

morfológicos, sintáticos e semânticos com suas especificidades, mas também segue

princípios básicos gerais. Estes princípios são usados na geração de estruturas linguísti-

cas de forma produtiva, possibilitando a produção de um número infinito de construções,

a partir de um número finito de regras.

A língua de sinais é dotada, ainda, de componentes pragmáticos convencionais, codi-

ficados no léxico, nas estruturas e princípios pragmáticos que permitem a geração de

implícitos e sentidos metafóricos, ironias e outros significados não literais. Estes princípios

regem também o uso adequado das estruturas linguísticas da LIBRAS, isto é, permitem,

aos seus usuários, usar estruturas nos diferentes contextos que se lhes apresentem, de

forma a corresponder às diversas funções linguísticas, que emergem da interação do dia

a dia e dos outros tipos de uso da língua.

LEITURA COMPLEMENTAR
CABRAL, Rosangela de Melo. CÓDULA, Eduardo Beltrão. Os desafios no processo de

alfabetização dos surdos. Universidade Federal da Paraíba. 2016.

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/17/5/os-desafios-no-pro-

cesso-de-alfabetizao-de-surdos Acesso 26 de Março de 2020.

Os desafios no processo de alfabetização de surdos

A Educação Inclusiva tem sido um dos temas mais discutidos na área educacional na

atualidade; entretanto, apenas “discutir” educação nesse processo de inclusão nada tem

contribuído para a prática e as dificuldades encontradas pelos professores, nas salas de

ensino formal no país (BRASIL, 2006).

O sistema educacional concebido no país, principalmente nos setores públicos, acaba

dificultando o trabalho docente, aceitando profissionais sem formação superior para dar

aulas no Ensino Fundamental, não valorizando o professor, elaborando currículos que se

distanciam da realidade educacional vivenciada em sala de aula, dentre outros problemas

(ALVES, 2009; ALMEIDA, 2011; BUENO, 1993).

Os profissionais da Educação, por sua vez, geralmente não encontram parceria fami-

liar, esbarram nas dificuldades diárias da realidade escolar e enfrentam a desvalorização

profissional (PACHECO, 2007), sendo “necessário reinventar as formas de conceber a

escola e suas práticas pedagógicas, rompendo com os modos lineares do pensar e agir

98
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

no que se refere à escolarização” (ALVES, 2009, p. 8).

A Educação Inclusiva visa atender às necessidades educacionais dos alunos, fornecen-

do a eles inclusão integral por meio de um ambiente de aprendizagem seguro, acolhedor

e agradável; no entanto, a complexidade no processo de preparação deve ocorrer antes

mesmo de a criança com necessidades educacionais especiais ingressar na escola,

desde a matrícula do aluno, preparação de pessoal e instalações da escola até a elabo-

ração do currículo educacional (HELLER, 2011; HONORA, 2015).

Esses processos devem ser estabelecidos dentro da escola com a equipe de apoio.

Deve-se também enfatizar a importância da colaboração com os pais, que nesse caso

são participantes plenos do processo de formação e tomada de decisão (PACHECO,

2007).

A preparação docente é outro ponto fundamental no processo de inclusão. Deve ser

ofertado conhecimento especializado sobre as necessidades específicas e desenvolver

habilidades nas aplicações dos métodos de ensino, os quais melhoram os aspectos

educacionais e sociais da inclusão (PACHECO, 2007; SILVA, 2016).

Diante dessa temática, surgiu um questionamento: os professores de forma geral estão

preparados para o processo de ensino-aprendizagem de surdos? E, com base nessa

dúvida, tem-se o objetivo do presente estudo, visando entender o papel do professor

99
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

bilíngue e os desafios que enfrenta para garantir ao aluno com necessidades educacio-

nais especiais a permanência na escola [...]

[...] O aluno portador de necessidades educacionais especiais

A audição possibilita o desenvolvimento da linguagem e da comunicação oral entre pes-

soas. É por meio da linguagem que o homem estrutura seu pensamento e se comunica

com as pessoas, utilizando-a em dois processos: o verbal e o não verbal (BRASIL, 2006).

Crianças surdas e ouvintes aprendem a língua de forma semelhante e num mesmo es-

paço de tempo. No entanto, é certo que há diferenças individuais encontradas nos tipos

de palavras que as crianças pronunciam ou sinalizam (SOUZA, 2014). As crianças surdas

procuram criar e desenvolver alguma forma de linguagem, mesmo quando não tenham

contato com a língua de sinais. Essas crianças desenvolvem espontaneamente um siste-

ma de gesticulação manual (DAMÁZIO, 2007).

Sendo assim, crianças surdas não desenvolvem a língua oral-auditiva justamente por não es-

tarem em contato com ela naturalmente, por causa da surdez (SILVA, 2015). Em um ambiente

familiar onde só há pessoas surdas, certamente a criança não conseguirá desenvolver a

linguagem oral, ainda que ela não apresente nenhum problema fonológico (HONORA, 2015).

100
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

Segundo MILANEZ et al. (2013), a educação para surdos se caracteriza a partir de dois

sistemas simbólicos distintos (língua de sinais e língua portuguesa). Contudo, a língua de

sinais, como sistema simbólico, é considerada específico ao indivíduo surdo, que, por

signos de natureza gestual, espacial e visual, traduz os processos de percepção e apre-

ensão da experiência do mundo vivido pela criança surda, desprovida da capacidade

auditiva e, portanto, não tem como apreendê-la naturalmente (SILVA, 2013).

A língua de sinais é predominante na cultura surda; é justamente o que faz a mediação

da criança surda com o meio social, inserindo-a no universo escolar, ajudando a construir

sua identidade (SOUZA, 2014; STÜMER; THOMA, 2015).

Papel do professor bilíngue no processo de alfabetização

A alfabetização é um processo de construção do funcionamento e das regras do sistema

alfabético de escrita; para facilitar o processo de alfabetização, é preciso propiciar condi-

ções para que o alfabetizando seja capaz de ler, escrever e fazer uso real e adequado da

escrita com todas as suas funções (ARAÚJO, 2014; SIQUEIRA, 2012). É a partir dessa

necessidade que a criança vai construindo formas cada vez mais elaboradas de repre-

sentação, até chegar ao domínio do código escrito (RODRIGUES, 2011).

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

O bilinguismo é reforçado pela teoria de que o surdo deve ser bilíngue, ou seja, deve

adquirir como língua materna a língua de sinais, a língua natural dos surdos, e, como

segunda língua, a língua oficial de seu país (OLIVEIRA; WALTER, 2016).

Brito (2002) aponta uma questão para a adoção do bilinguismo, ou melhor, da educação

bilíngue como uma abordagem educacional para o ensino de surdos: o reconhecimento

da Língua Brasileira de Sinais – Libras como o único meio, e somente ele, de comunica-

ção entre surdos-surdos e surdos-ouvintes.

A aprendizagem de surdos e ouvintes acontece em uma sala de aula de acordo com o ritmo,

a capacidade de compreensão e assimilação de cada criança (ALVES, 2009; BUENO, 1993).

Segundo Honora e Frizanco (2009):

A alfabetização de alunos com deficiência auditiva em nada se difere da alfabetização

de um aluno ouvinte, visto que o aluno com deficiência auditiva utilizará pistas auditivas e

articulatórias para a construção da escrita. Entretanto, o professor (a) deve dispor de muito

mais recursos didático-pedagógicos quando se trata de uma turma com surdos e ouvintes,

principalmente os visuais; no entanto, esse tipo de material não é disponibilizado pelas

instituições responsáveis pela organização, administração e regulamentação das unidades

de educação básica públicas no país. (HONORA; FRIZANCO, 2009, p. 43).

O desenvolvimento e a capacidade de aprendizagem do aluno com necessidades edu-

cacionais especiais estabelecem a compreensão e o reconhecimento do potencial e de

102
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

suas capacidades como ser humano (BUENO, 1993; HONORA; FRIZANCO, 2009).

A atual Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

preconiza que “a Educação Especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos

os níveis, etapas e modalidades” (BRASIL, 2008, p. 10). É de responsabilidade ofertar

atendimento educacional especializado, como disponibilizar recursos e serviços além de

orientar quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem nas turmas co-

muns do ensino regular (ALMEIDA, 2011; LUNA; JULIÃO, 2016).

Ainda de acordo com a Política, o atendimento educacional especializado “tem como fun-

ção oferecer acessibilidade que elimine as barreiras para a plena participação dos alunos,

considerando suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008, p. 10).

O ensino de Libras no processo de alfabetização

Uma das etapas mais importantes na vida escolar das crianças é a alfabetização (OLIVEIRA,

2011; RODRIGUES, 2011). É um processo em que o estudante estará ingressando em

uma nova etapa, conhecendo novos caminhos, entrando efetivamente no mundo da leitura

e escrita (ARAÚJO, 2014; LUCCAS et al., 2012; SIQUEIRA, 2012; SOUZA, 2014). Porém

esta é uma fase complexa, em que as crianças costumam sentir muitas dificuldades,

103
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

principalmente as surdas, devido a sua limitação auditiva (DAMÁZIO, 2007).

É certo que a alfabetização não é um processo de percepção e memorização, e para

aprender a ler e escrever o aluno precisa construir conhecimento e compreender o que

a leitura e a escrita representam como também saber representar graficamente essa lin-

guagem (ARAÚJO, 2014; BRITO, 2012; 2015; LUCCAS et al., 2012).

No entanto, a apropriação da escrita pelos surdos acontece de forma diferente, já que eles

possuem impedimento auditivo, o que torna a aprendizagem da escrita mais difícil, mes-

mo que ambas sejam visuais – Libras e escrita do português – porém com estruturas de

construção gramatical diferenciadas (OLIVEIRA; WALTER, 2016; FARIA, 2011). Ao utilizar a

Libras, o surdo explora a expressão corporal – face e movimentos e indicação de partes do

corpo – e o movimento das mãos para dar significado, intensidade e sentido à sua lingua-

gem (FERNANDEZ; ROMEIRO, 2016; SILVA, 2016). Isso não ocorre com a criança ouvinte,

que tem acesso à oralidade e à audição, apreendendo o som e o significado do alfabeto

para a construção das palavras até desenvolver a total oralidade e escrita (FARIA, 2011).

O processo de aprendizagem da escrita por meio de estímulos visuais faz com que esse

processo tenha mais sentido para a pessoa surda (FARIA, 2011). A Libras é o elemento

indispensável para que essa apropriação aconteça com sucesso, pois é a língua que dará

o subsídio necessário, visto que ela é a língua natural da pessoa surda (MICHELS, 2011).

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

O atendimento educacional especializado de Libras é outro momento didático-pedagógi-

co para os alunos com surdez incluídos na escola comum. Ele ocorre no horário contrário

ao das aulas, é um trabalho realizado pelo professor ou instrutor de Libras (preferencial-

mente surdo). Inicialmente é feito o diagnóstico do aluno, quando o atendimento será pla-

nejado a partir dos conhecimentos que o aluno tem sobre Libras (DAMÁZIO, 2007, p. 32).

Para realizar o atendimento educacional especializado de Libras, é necessário que o pro-

fessor realize estudos e pesquisas dos termos técnico-científicos das diferentes áreas do

conhecimento (MILANEZ et al., 2013). Sua sistematização visa ampliar o léxico da Libras

e geralmente é realizado na interação entre alunos, professores e tradutores/intérpretes

da Libras (MILANEZ et al., 2013).

A criação e a organização desses termos em Libras são fundamentais para subsidiar o

tradutor/intérprete e o professor bilíngue a trabalhar em Libras em seus vários contextos

científicos, além de desenvolver referencial teórico que possibilite a apreensão de termos

inerentes aos conhecimentos científicos; ajudam a construir conceitos em sala de aula

e a ampliar as competências linguísticas da pessoa com surdez em Libras e em língua

portuguesa e possibilita gerar novas convenções em glossários e dicionários da Libras,

respeitando sempre suas especificidades (DAMÁZIO, 2007; MICHELS, 2011).

105
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

Formação e desafios do professor bilíngue

De acordo com Michels (2011), a Educação Especial tem sido o ponto central para a

inclusão, visando atender principalmente as deficiências psicocognitivas e motoras das

crianças e jovens na sua inserção no ensino regular.

O processo de formação da prática docente é uma construção permanente e é constru-

ído na medida e, que os governos, em todas as esferas, investem nessa formação em

todas as modalidades e níveis de ensino (PACHECO, 2007; RODRIGUES, 2011).

Muito se tem cobrado para a formação do professor de Educação Básica para que te-

nha acesso à Libras e realize a inclusão do aluno (a) surdo (a) no ensino regular (ALVES,

2009). Porém a educação continuada não é exigida para os docentes dos demais níveis

de ensino, principalmente nas instituições de ensino superior (IES) e institutos técnicos

(IT), que estão formando os profissionais que estarão atuando na Educação Básica, seja

diretamente com o alunado na sala de aula, seja de forma indireta como apoio às ativida-

des escolares (ALMEIDA, 2016; CABRAL, 2016; FARIAS, 2016).

Brito (2012), em seu estudo, enfatiza a importância da escolha, pelo professor, do méto-

do a ser utilizado na alfabetização de crianças surdas. A formação de professores é de

suma importância para a renovação do sistema educativo em relação à inclusão (LUNA;

JULIÃO, 2016). No contexto educacional, é perceptível a necessidade de buscar meios

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Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

de solucionar possíveis “faltas” desde a formação inicial dos professores que já atuam

nas salas regulares de ensino com alunos portadores de necessidades educacionais

especiais (NEEs) como também capacitando os futuros educadores, nas universidades,

em seus cursos específicos, para que estejam verdadeiramente preparados para exercer

satisfatoriamente um trabalho com esses estudantes (ALVES, 2009; BRASIL, 2008).

Na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva a for-

mação dos professores pode se dar por intermédio da formação continuada. Não há

qualquer indicativo de necessidade da formação dos professores regentes de classe que

possuem em suas salas alunos considerados com deficiência: para atuar na Educação

Especial, o professor deve ter como base sua formação, inicial e continuada, conheci-

mentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa

formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado e deve

aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino

regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional especializado,

nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior, nas classes hospi-

talares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de Educação

Especial (BRASIL, 2008, p. 17-18).

Portanto, é preciso haver intervenção nos sistemas de ensino, no sentido de fazer cum-

prir as exigências da legislação vigente, tanto nas adaptações físicas quanto em outros

107
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

recursos, nas instituições que recebem os portadores de NEEs.

O importante não é só capacitar o professor, mas também toda a equipe de funcionários

dessa escola, já que o indivíduo não estará apenas dentro de sala de aula. [...] Alguém

tem por obrigação treinar esses profissionais. Não adianta cobrar sem dar subsídios sufi-

cientes para uma boa adaptação desse indivíduo na escola. Essa preparação com todos

os profissionais serve para promover o progresso no sentido do estabelecimento de

escolas inclusivas (ALVES, 2009, p. 45-46).

É necessário um trabalho conjunto de sensibilização para gerar a conscientização da equipe

escolar para a necessidade da inclusão de uma clientela que tem seus direitos garantidos pela

Constituição, como deve acontecer com todo cidadão (ALMEIDA, 2011; PACHECO, 2007).

A prática docente precisa também ser estudada dentro das universidades; é preciso que,

além de sua formação científica, o docente de IES adquira conhecimentos específicos

aliados à prática (ALMEIDA, 2016; CABRAL, 2016; FARIAS, 2016).

Estudos como os de Alves (2009), Bueno (1993), Honora (2015) e Pacheco (2007) têm

proposto a formação continuada para que professores em exercício da profissão sejam

capacitados a enfrentar as dificuldades que surgem no dia a dia no ambiente escolar.

Entretanto, há uma necessidade iminente de uma reestruturação de currículos dos cursos

de licenciatura, pois o processo deve-se iniciar não apenas na escola, com o professor já

108
Unidade IV - Plano de Aula da L1 para Surdos

em atuação, mas também nos IES e IT, tanto para realizar o processo de inclusão como

para realizar uma formação do licenciado que atenda à realidade da sociedade.

A realidade na escola e na sociedade, para o surdo, é uma educação bilíngue, sendo

fundamental que o professor consiga lidar de forma dinâmica com as duas línguas, que,

nesse caso, trata-se da sua língua oficial e da língua de sinais, a fim de escolher métodos

e oferecer às crianças surdas condições para serem alfabetizadas de acordo com as

exigências básicas da educação (BRITO, 2012; 2015; FARIA, 2011; OLIVEIRA, 2011;

OLIVEIRA; WALTER, 2016).

Para recuperar o argumento inicial do questionamento que impulsionou o presente estudo,

com base na pesquisa aqui realizada, os resultados evidenciam que professores ainda não

estão preparados para os processos de inclusão e alfabetização de crianças surdas devido

à ausência da aplicação das políticas públicas e de uma formação que se adéque a essa

realidade na graduação e nas formações continuadas realizadas pelo sistema educacional

público e privado nas diversas esferas e níveis de ensino do sistema educacional nacional. [...]

109
Referências
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