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COMENTÁRIO

BÍBLICO
MOODY

Editado por

Charles F. Pfeiffer
Velho Testamento

Everett F. Harrison
Novo Testamento

Volume 5
Romanos à Apocalipse

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Rua Kansas, 770 - Brooklin • 04558-002 • São Paulo - SP
2001
Título em inglês:
The Wycliffe Bible Commentary
Copyright, 1962. by the Moody Bible Institute ofChicago

This book was first published in the United States by


the Moody Press of THE MOODY BIBLE INSTITUTE OF CHICAGO

Primeira edição em português: 1983


Segunda impressão: 1985
Terceira impressão: 1988
Quarta impressão: 1991
Quinta impressão: 1995
Sexta impressão: 2001

Tradução: Yolanda M. Krievin


Capa: Arman Tegciyan

Traduzido e publicado com a devida autorização

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução deste livro, no todo ou em parte,
<:pm a oermissão por escrito dos Ftlit"p~"

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Rua Kansas, 770 - Brooklin - 04558-002 - São Paulo - SP

I' I I I "
PREFÂCIO

Este volume (número 5 de uma série de 5), do Comentário Bíblico Moody, inclui
Romanos à Apocalipse. Foi traduzido do Wycliffe Bible Comentary, publicado por
Moody Press, edição com copyright de 1962.
O Wycliffe Bible Comentary é um comentário completamente novo, abrangendo
a Bfblia inteira, escrito e editado por um bom número de eruditos estudiosos, represen-
tando uma ampla faixa do Cristianismo Protestante Americano. Este comentário, tem
como propósito, de maneira breve, tratar o texto completo, tanto do Velho como do
Novo Testamentos, frase por frase. Além disso, resumos das principais divisões de cada
livro da Bíblia aparecem no texto com as divisões principais do esboço do livro. As-
sim, o leitor recebe tanto uma vista panorâmica como uma discussão detalhada do
trecho das Escrituras ao mesmo tempo.
Nos comentários sobre os diversos livros, os autores apresentam o resultado do
seu cuidadoso estudo pessoal da Bfblia; mas também apresentam algumas das melho-
res obras de comentários dos séculos passados, e o conhecimento dos estudiosos con-
temporâneos. Enquanto sopram na obra inteira um espírito novo, ao mesmo tempo
demonstram sua crença absoluta na inspiração divina das Sagradas Escrituras.
Mesmo que o texto bíblico usado na tradução deste comentário seja o da Socie-
dade Bfblíca do Brasil, Edição Revista e Atualizada no Brasil, diversos escritores co-
mentaristas fizeram suas próprias traduções dos livros com que trabalharam. Vez ou
outra eles usam frases de sua própria tradução no texto do comentário. Para facilitar
as coisas para o leitor, toda frase bfblíca foi colocada em tipo negrito, como também
as referências. Desse modo os números dos versículos são facilmente distintos dos
pontos do esboço. Em casos que o escritor preferiu usar uma frase de sua própria
versão, não da Sociedade Bíblica do Brasil, a frase está identificada. Enquanto os
comentários dos diversos livros enfatizam a interpretação das palavras nas Escrituras,
cada um vem acompanhado de uma breve discussão introdutória a respeito do autor,
data, situação histórica, e coisas desta natureza.
O propósito básico deste comentário é determinar o sentido do texto das Escri-
turas. Desse modo, nem é um tratamento devocional nem tecnicamente exegético.
Esforça-se para apresentar a mensagem bíblica de tal maneira que o estudante da Bí-
blia possa achar ampla ajuda em suas páginas.
Os contribuintes do Wycliffe Bible Comentary representam mais de quinze de-
nominações. Entre os quarenta e oito escritores, vinte e cinco são professores em es-
colas de educação cristã de nível pós universitário. Com tal variedade de formação,
espera-se que os contribuintes difiram entre si na interpretação de certas porções.
Os redatores não fizeram nenhum esforço para fazer com que cada uma das posições
conformasse com as outras e todas entre si de modo absoluto; aos escritores foi dada
liberdade de expressão em tais casos. O leitor descobrirá, então, algumas diferenças
de opinião em lugares tais como as passagens paralelas dos evangelhos e nos livros de
Reis e Crônicas.
Os contribuintes de Romanos à Apocalipse são:
Romanos: A. Berkeley Mickelsen, Bacharel em Divindade, Doutor em Filoso-
fia, Professor de Bfblia e Teologia, Escola Graduada, Colégio Wheaton, Wheaton,
Illinois, Estados Unidos da América.
I Coríntios: S. Lewis Johnson, Jr., Doutor em Teologia, Professor de Letras e
Exegese do Novo Testamento, Seminário Teológico de Dallas, Dallas, Texas, Estados

iii
Unidos da América.
II Coríntios: Wick Broomall, Mestre em Teologia, Pastor, Igreja Presbiteriana de
Westminster, Augusta, Georgia, Estados Unidos da América.
Gálatas: Everett F. Harrison, Doutor em Teologia, Doutor em Filosofia, Profes-
sor do Novo Testamento no Seminário Fuller, Pasadena, Califórnia, Estados Unidos
da América.
Efésios: Alfred Martin, Doutor em Teologia, Deão de Faculdade, Professor de
Síntese do Velho Testamento, Instituto Bíblico Moody, Chicago, lllinois, Estados Uni-
dos da América.
Filipenses: Robert H. Mounce, Mestre em Teologia, Doutor em Filosofia, Profes-
sor Associado de Letras da Bfblia e Grego, Colégio e Seminário Bethel, St. Paul,
Minneapolis, Estados Unidos da América.
Colossenses: E. Earle Ellis, Bacharel em Divindade, Doutor em Filosofia, con-
ferencista e escritor do Novo Testamento, atualmente empenhado na pesquisa e re-
dação do idioma Alemão.
I e II Tessalonicenses: David A. Hubbard, Mestre em Teologia, Doutor em Fi-
losofia, Presidente da Divisão de Estudos Bíblicos e Filosofla.Tolégío Westmont, Santa
Barbara, Califórnia, Estados Unidos da América.
I e II Timóteo, Tito: Wilbur B. Wallis, Mestre de Teologia Sistemática, Doutor em
Filosofia, Professor de Linguagem e Letras do Novo Testamento, Colégio e Seminá-
rio Teológico de Covenant.
Filemon: E. Earle Ellis (veja Colossenses).
Hebreus: Robert W. Ross, candidato à Doutor em Filosofia, Chefe Interino do
Departamento de História do Colégio Northwestern, Minneapolis, Minn., Estados
Unidos da América.
Tiago: Walter W. Wessel, Doutor em Filosofia, Professor Associado de Letras
da Bíblia, Colégio e Seminário Teológico Bethel, St. Paul, Minneapolis, Estados Unidos
da América.
I e II Pedro: Stephen W. Paine, Doutor em Filosofia, Presidente e Professor de
Grego no Colégio de Houghton, Houghton, N.Y., Estados Unidos da América.
I, Il, III João: Charles c: Ryrie, Doutor em Teologia, Doutor em Filosofia, Pre-
sidente do Departamento de Teologia Sistemática, Deão da Escola Graduada do Semi-
nário Teológico de Dallas, Dallas, Texas, Estados Unidos da América.
Judas: David H. Wallace, Mestre em Teologia, Doutor em Filosofia, Professor
de Teologia Bfblica, Seminário Teológico Batista da Califórnia, Covina, Califórnia, Es-
tados Unidos da América.
Apocalipse: Wilbur M. Smith, Doutor em Divindade, Professor da Bíblia Inglesa,
Seminário Teológico de Fuller, Pasadena, Califórnia, Estados Unidos da América.

iv

I il
II I "
Abreviações

a. Livros da Bíblia.
1. V.T. - Gn. ~x. Lv. Nm. Dt. ls. Jz. Rt. I Sm. 11 Sm. I Rs. 11 Rs. I CIo 11 CIo Ed
Ne. Et. lá SI. Pv. Ec. Ct. Is. lI. Lm. Ez. Dn. Os. n. Am. Ob. ln. Mq. Na. Hc.
Sf. Ag. Zc. MI.
2. N.T. - Mt. Mc. Lc. lo. At. Rm. I Co. 11 Co. GI. Ef. Fp. CI. I Ts. 11 Ts. I Tm.
11 Tm. ri, Fm. Hb. Tg. I Pe. 11 Pe. I lo. 11 lo. III lo. ld. Ap.
b. Apócrifo.
I Esd, (I Esdras); 11 Esd. (11 Esdras); Tob. (Tobias); Livro de Sabedoria; Eclesiás-
tico; Bel (Bel e o Dragão); I Mac. (I Macabeus); 11 Mac. (11 Macabeus).

c. Revistas, relação de trabalhos, dicionários e versões.


A-S Abbott-Srnith, Manual Greek Lexicon of the NT
Alf Alford's Greek Testament
ANET Ancient Near Eastern Texts, ed. by Pritchard
Arndt Arndt-Gingrich, Greek-English Lexicon
ASV American Standard Version
AV Authorized Version
BA Biblical Archaeologist
BASOR Bulletin, American Schools of Oriental Research
BDB Brown, Driver, Bríggs, Hebrew-English Lexicon of the OT
Beng Bengel's Gnomon
BS Biblioteca Sacra
BTh Biblical Theology
BV Berkeley Version
CBSC Cambridge Bible for Schools and Colleges
Crem Crerner's Biblico-Theotogical Lexicon ofNT Greek
Deiss BS Deissmann, Bible Studies
Deiss LAE Deissmann, Light from the Ancient East
EQ Evangelical Quarterly
ERA Edição Revista e Atualizada
ERC Edição Revista e Corrigida
ERV English Revised Version (1881)
Exp The Expositor
ExpB The Expositor's Bible
ExpGT The Expositor's Greek Testament
ExpT The Expository Times
HDAC Hastings' Dictionary of the Apostolic Church
HDB Hastings' Dictionary of the Bible
HDCG Hastings' Dictionary of the Chrtst and the Gospels
HERE Hastings , Encyclopedia ofReligion and Ethics
HR Hatch and Redpath, Concordance to the LXX
HZNT Handbuch zum Neuen Testament (Lietzmann)
IB Interpreter's Bible
ICC Intemational Criticai Commentary
Interp Interpretação
ISBE Intemational Standard Bible Encyclopaedia

v
JewEnc Jewish Encyclopaedia
JBL Joumal ofBiblical Literature
JBR Joumal ofBible and Religion
JFB Jamieson, Fausset, and Brown, A Commentary Criticai. Exper-
imental and Practical on the Old and New Testaments
JNES Joumal ofNear Eastem Studies
Jos Josephus' Antiquities oftheJews, eta!.
JPS Jewish Publication Society Version ofthe Old Testament
JQR Jewish Quarterly Review
JTS Joumal of Theological Studies
KB Koehler Baumgartner, Lexicon in Veteris
KD Keil and Delitzsch, Commentary on the OT
LSJ Liddell, Scott, Jones, Greek-English Lexicon
LXX Septuaginta
MM Moulton and Milligan, The Vocabulary of the Greek Testament
MNT Moffatt's New Testament Commentary
MSt McClintock and Strong, Cyclopaedia of Biblical, Theological,
and Ecclesiastical Literature
MT Masoretic Text
Nestle Nestle (ed.) Novum Testamentum Graece
NovTest Novum Testamentum
NTS New Testament Studies
Pesh Peshitta (Syriac)
PTR Princeton Theological Review
RB Revue Biblique
RSV Revised Standard Version
RTWB Richardson 's Theological Word Book
SBK Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch
(Strack and Billerbeck)
SHERK The New SchaffHerzog Encyclopedia of Religious Knowledge
ThT Theology Today
Trench Trench 's Synonyms of the New Testament
TWNT Theologisches wõrterbucn zum Neuen Testament (Kittel)
VT Vetus Testamentum
Vulg Vulgate Version
Wett Wettstein's Novum Testamentum Graecum
WC Westminster Commentaries
WH Westcott and Hort, Text ofthe Greek NT
WTJ Westminster Theological Journal
ZAW Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft
ZNW Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft

d. Outros.
a.C. Antes de Cristo
A.D. anno domini (no ano de nosso Senhor Jesus Cristo)
art. artigo
c. acerca
capo capítulo

vi

il
I' I
I

I
com. Comentário
cons. consulte
e. g. exempli gratia (por exemplo)
Gr. Grego
Heb. Hebraico
i. e. id est (isto é)
marg. marginal
MS., MSS. manuscrito, manuscritos
pág. página
pl. plural
seco século
sego seguinte
sing. singular

vii
CONTEÚDO
Prefácio iíí
Romanos 1
I Coríntios 65
11 Coríntios 110
Gálatas 139
Efésíos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
Filipenses 184
Colossenses 202
I Tessalonicenses 221
11 Tessalonicenses 239
I Timóteo 248
11 Timóteo 268
Tito 280
Filemom . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285
Hebreus 288
Tiago 325
I Pedro 340
11 Pedro 356
I João 370
11 João 391
111 João 395
Judas 398
Apocalipse. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 403
A EPISTOLA AOS ROMANOS

INTRODUÇÃO

Destinatários Originais. Lucra-se mais judeu - como Deus lidou com eles
na leitura das epístolas do Novo Testa- no passado, lida com eles no presente e
mento obtendo-se o maior número de lidará com eles no futuro. Mas os leitores
dados possíveis, sobre as pessoas que são tratados de um modo que não deixa
foram os primeiros destinatários dessas dúvidas, quanto ao fato de serem pre-
obras. Isto é mais do que certo quanto dominantemente gentios (veja 1:5,6; 1:
à carta aos romanos. Embora a maior 13; 11: 13; 15: 15, 16). Havia provavel-
parte dos primeiros onze capítulos do mente cristãos judeus na igreja, mas cons-
livro pareça ser bastante universal, nos tituíam a minoria.
últimos cinco capítulos, o leitor toma Parece-nos pertinente perguntar como
conhecimento de uma comunidade em a igreja em Roma foi organizada. Infeliz-
particular com necessidades particulares. mente não existem documentos do pri-
Percebemos então que os ensinamentos meiro século que nos forneçam a respos-
contidos nos onze capítulos, embora ta. Algumas sugestões têm sido apresenta-
universais em sua aparência, contêm das. Já se afirmou que "estrangeiros em
uma certa ênfase que Paulo achou espe- Roma, judeus e prosélitos", que teste-
cialmente necessária dar aos crentes em munharam a vinda do Espírito Santo
Roma (uma base justa para o julgamento (Atos 2: 10) retomaram à cidade, e
daqueles que não conhecem a lei judia, o organizaram ali um núcleo de crentes.
relacionamento dos gentios com Abraão Entretanto, os cristãos, depois do Pente-
e os patriarcas, e outros). costes, não se sentiram imediatamente
O apóstolo endereça sua carta aos diferentes dos judeus, nem começaram a
crentes - "A todos os amados de Deus, organizar igrejas locais separadas das
que estais em Roma, chamados para sinagogas. Daí, o começo de uma igreja
serdes santos" (1: 7). Em suas cartas às cristã em Roma, logo depois do Pentecos-
igrejas Paulo costumava colocar a palavra te, não parece provável. Outros crêem
"igreja" na saudação (cons. I Co. 1: 2; que a igreja em Roma foi organizada
11 Co. 1: I;Gl.l:2;ITs.l: 1;11 TS.l: 1) por missionários da Antioquia (cons.
ou a palavra "santo" como título daque- Hans Lietzmann, The Beginnings of the
les a quem se dirigia (Ef. 1: 1; Fp. 1: 1; Christian Church, irado Bertram Lee
Cl. I: 2). A saudação aqui é uma varia- Woolf, págs. 111, 133, 199). Uma vez
ção do segundo dos dois procedimentos. que Antioquia era um centro missionário,
Em Romanos ela não subentende uma parece certamen te plausível. Mas a
organização eclesiástica fortemente unida, melhor das sugestões parece que diz
e o capítulo 16 dá um quadro de peque- que a igreja foi organizada e cresceu
nos grupos de crentes em vez de um só com os convertidos por Paulo, Estêvão
grupo grande. e outros apóstolos que viajaram à cidade
Esses crentes eram predominantemen- imperial a negócios, ou para se estabele-
te judeus ou gentios? A resposta deve ser cerem lá.
dada à luz do que Romanos declara expli- Quando Pedro e Paulo chegaram a
citamente. É verdade que uma grande par- Roma? Quando se comparam as decla-
te do conteúdo se relaciona com o povo rações dos Pais da Igreja primitiva com as

-1-
evidências do Novo Testamento, parece nos lugares onde pessoalmente rrums-
improvável que algum dos apóstolos trara (cons. I Co., II Co., I e II Ts., Fp.,
fosse a Roma antes do ano 60 AD., isto Ef. [Éfeso e Ásia Menor] e Gl.). Mas em
é, diversos anos depois de escrita a carta Romanos e Colossenses ele cita nomes
aos romanos. Se Pedro estivesse em Roma de pessoas nas saudações. Nos lugares
quando Paulo escreveu esta epístola, onde não estivera, ele poderia incluir
Paulo certamente o teria saudado. O todos os conhecidos, a fim de estabe-
desejo que Paulo tinha de há muito de lecer contato. Ou se fizesse uma sele-
pregar em Roma (Rm. 1: 11-13) e sua ção, o propósito seria evidente, de modo
política de não edificar sobre os fun- que ninguém se sentisse negligenciado.
damentos lançados por outro homem São cinco as doxologias ou bênçãos
(15: 20) toma improvável, que Pedro - 15: 13; 15: 33; 16: 20; 16: 24; 16: 25-
fosse a Roma antes da ocasião da carta 27. Em cada caso, ou Deus ou Cristo
aos romanos. são invocados para realizarem algo,
Autoria e Data. É quase universal para ficarem com os leitores, ou para
a concordância que Paulo foi o autor fornecerem-lhes graça. A primeira (15:
desta epístola. Isto se baseia nas decla- 13) conclui a seção com uma explanação
rações dos capítulos 1 e 15, no estilo de Paulo, a respeito da ética cristã, e
e argumentação proposta nos capítulos a necessidade de os cristãos viverem em
intermediários, e no testamento de todos harmonia e em entendimento mútuo.
aqueles de antigamente, que citam a A segunda (15: 33) termina a seção, na
qual Paulo fala de seus planos de viagem
epístola.
e de sua intenção de levar uma coleta a
As únicas dúvidas quanto à autoria Jerusalém, e pede orações em favor
relacionam-se com o capítulo 16 e as dessa coleta e sua ida a Roma. A ter-
doxo1ogias. Em 16: 3-16 há uma longa ceira (16: 20) segue-se a uma advertên-
lista de pessoas às quais foram enviadas cia contra aqueles cujas atitudes e pala-
saudações. Priscila e Áqüila foram men- vras são contrárias 'aquilo que foi ensi-
cionados em 16: 3·5, mas Atos 18: 18, nado. Paulo assegura a seus leitores que
19 declara que Paulo os deixou em Deus, que dá a paz, logo esmagará Sata-
Éfeso. Por causa disso, alguns concluí- nás sob os seus pés. Enquanto isso, Paulo
ram que Romanos 16, que contém expressa seu mais profundo desejo,
esses nomes, foi originalmente endere- que a graça do Senhor Jesus possa lhes
çado por Paulo a Éfeso. Epéneto foi pertencer. A quarta (16: 24), não tendo
mencionado em 16: 5, onde é chamado bons manuscritos como prova para sus-
de um dos primeiros frutos da Ásia (isto tentá-la, foi omitida em todas as versões
é, da Ásia Menor). Disto também dá modernas com base em um texto grego
para concluir que esta parte foi escrita melhor. A úl tima (16: 25 -27) é a mais
para Éfeso. Mas as evidências não exigem interessante de todas, porque se encon-
tal conclusão. Priscila e Áqüila viajavam tra em diversos lugares nos manuscritos
muito. Uma vez que vieram da Itália antigos. A família dos textos alexandri-
(Atos 18: 2) não seria estranho que para nos, e o Manuscrito D da família dos
lá retoruassem. O fato de Epéneto ser textos orientais, contêm esta doxologia
o primeiro convertido da Ásia Menor, um tanto longa, bem no final do capítulo
não prova que tenha morado lá toda a 16. É aí que deve estar. Alguns outros
sua vida. Uma das consistentes práticas manuscritos a colocam depois de 14:
de Paulo, nas saudações, era de não 23. Alguns poucos a colocam depois
mencionar os nomes dos indivíduos de 14: 23 e em 16: 25-27. Um manus-

-2-

I '
crito, o G, omite esta doxologia comple- perceber algumas dessas divergências e
tamente. O manuscrito do papiro p46, observar o que os melhores manuscritos
coloca-a depois de 15: 33. têm produzido. Quer consideremos os
Alguns mestres tem tentado mostrar manuscritos da mais alta qualidade (o
que o conteúdo desta última doxologia, mais importante) ou a quantidade total,
caracteriza-o como tendo sido composto a maior parte deles incluem o livro de
no segundo século, como fórmula litúr- Romanos todo, com exceção de 16: 24,
gica de conclusão (cons. John Knox, que indubitavelmente não fazia parte
"Romanos", The Interpreter's Bible, do texto original.
IX, 365-68). Dr. Hort, há quase um Esta carta foi escrita por Paulo em sua
século atrás, comparou cuidadosamente terceira viagem missionária. Uma vez
suas frases com frases de cartas paulinas que o apóstolo passou três meses na
anteriores e posteriores, e descobriu um Grécia (Atos 20: 3) e ele recomendava
notável número de semelhanças (F.J. Febe, a diaconiza de Cencréia (porto
A. Hort, "On the End of the Epistle to ociden tal de Corin to) que, provavel-
the Romans", in Biblical Essavs, com- mente, foi a portadora da carta a Roma,
pilado por J .B. Lightfoot, págs. 324-329). é muito provável que a carta fosse escri-
Conclui-se daí, que existem boas provas ta em Corinto. Mas é possível também,
para apoiar a autoria de Paulo nesta que outra cidade grega,. Filipos por
doxologia final, além do fato de que, exemplo, fosse o lugar. As datas da
se encontra no final ou perto do final epístola têm se situado entre 53 A.D. a
de Romanos. 58 A.D. Os anos de 55 ou 56 parecem
Mas, por que deveria esta doxologia ser os mais prováveis.
do final de Romanos, aparecer em dife- Ocasião e Propósito da Carta. O após-
rentes lugares nos diversos manuscritos? tolo planejou deixar a Grécia e ir para a
Um certo número de fatores podem ter Palestina com a coleta que recolhera
desempenhado o seu papel. Orígenes, entre as igrejas gentias. Paulo queria
no seu comentário sobre a Epístola que essa coleta fosse apresentada aos
aos Romanos, declara que o herético santos pobres de Jerusalém por ele,
Marcion (que fez seus rasgos de pena além dos representantes das igrejas
entre 138-150 A.D.), cortou o final do gentias. Ele achava que esse gesto dos
livro de Romanos a partir de 14: 23. gentios demonstraria o amor deles,
Seguidores de Marcion teriam produ: pelos irmãos cristãos da Palestina, e
zido cópias que paravam nesse ponto. demonstraria a unidade da igreja. Pre-
Além disso, os títulos das seções - fra- tendia ir depois para Roma. De Roma
ses suscintas descrevendo o conteúdo - queria ir para à Espanha. Antes de Paulo
estão ausentes dos dois últimos capí- virar as costas, por algum tempo, para
tulos, nos dois manuscritos da Vulga- seus alvos ocidentais, escreveu esta
ta - Codex Amiatinus e Codex Ful- potente carta aos Romanos e a enviou
densis. A omissão desses capítulos para para o ocidente.
o público leitor, teria influenciado a Que tipo de carta é a Epístola aos
colocação da doxologia. Novamente, Romanos? Foi escrita para um grupo
Paulo ou os cristãos de Roma, imedia- (ou grupos) de crentes em Roma. O
tamente após sua morte, podem ter fato de que expressa pensamentos gran-
encurtado a epístola, a fim de fazê-la des, profundos e sublimes sobre Deus,
circular pelas outras igrejas. O próprio não invalida a classificação deste livro
fato de termos tantos manuscritos an- como carta. Paulo orava pelos leitores
tigos da carta aos romanos, permite-nos, incessantemente (1: 9, 10) e ansiava por

-3-
ter comunhão com eles (1: 11). Que- Depois ele se atira ao assunto da impor-
ria que orassem por ele por causa dos tância da justiça no relacionamento
perigos que o ameaçavam (15: 30-32). entre o homem com Deus (1: 18 - 8: 39).
Daí, Romanos não é um tratado de Primeiro, destaca originalmente que o
doutrina sistemática. Os pensamentos homem não é justo, depois cuidadosa-
de Paulo sucedem-se logicamente, mas mente responde a questão: Como um
ele certamente não procura apresentar homem se torna justo diante de Deus?
todos seus ensinamentos doutrinários. Reforça a questão com a discussão de
Romanos não é também um ensaio como o homem justificado diante de
polêmico - Cristianismo Paulino contra Deus, deveria viver. Sendo judeu, Paulo
Cristianismo Judeu. A unidade e a união olhava para a humanidade como se
entre os crentes é central na metáfora fosse dividida em duas classes - judeus
da oliveira em Romanos 11. e gentios. Como cristão, como olhar
Romanos é uma carta de instruções para essas duas divisões? Ele responde
no que se refere àquelas verdades prin- a pergunta quando examina o plano de
cipais do Evangelho, que Paulo sentia Deus para o judeu e para o gentio (9:
fossem mais necessárias aos que se en- 1-11: 36). Aqui ele estabelece uma po-
contravam em Roma. Uma vez que as sição distinta para a história da filoso-
necessidades dos gentios eram as mesmas, fia cristã. Depois, indo para a área da
estivessem em Roma ou em Colossos, a aplicação, dá exortações específicas para
carta tem um toque universal. Romanos os cristãos romanos, quanto a sua apa-
é um resumo das verdades fundamen- rência, atitudes e práticas (12: 1·15:
tais que Paulo ensinou nas igrejas, onde 13). Concluindo, ele mostra seu interes-
passou algum tempo proclamando o se profundo pelos crentes romanos (15:
Evangelho Um dos motivos porque
o 14-16:27). Eles se encontravam em sua
esta epístola tem uma tão grande in- região e ele pretendia visitá-los. Até
fluência é que Deus orientou seu servo, que isso fosse possível tinha de lhes
a apresentar estes pensamentos soberbos enviar sudações por carta, admoestan-
numa carta para que mestres e leigos, do-os e entregando-os a Deus, pois
igualmente, pudessem se apropriar das só Ele poderia firmá-los.
verdades que moldariam seu destino eter-
no. Ao estudar Romanos, não devemos
Desenvolvimento do pensamento. Pau- nos esquecer do todo, ao qual cada pas-
lo começa com alguns comentários pre- sagem individual pertence. Arrancar uma
liminares preparando o leitor para tudo passagem do seu contexto, sempre é
quanto ele pretende escrever (1: 1-17), prejudicial; em Romanos, isto pode
e assim estabelece uma harmonia exce- produzir, uma inversão completa do
lente entre ele próprio e seus leitores. que Paulo quis dizer.
ESBOÇO

I. Afirmações introdutórias de Paulo, o apóstolo. 1: 1-17.


A. Revelação da iden tidade do escritor. 1: 1.
B. O Evangelho identificado com Jesus Cristo. 1: 2-5.
C. Saudações aos leitores. 1: 6,7.
D. O interesse de Paulo nos romanos, parte de uma preocupação maior. 1: 8-15.
E. Natureza e conteúdo do Evangelho resumidos. 1: 16, 17.

11. Justiça - a chave do relacionamento do homem com Deus. 1: 18 - 8: 39.

-4-

I il
A. A justiça é o "status" necessário para o homem se apresentar diante de Deus.
1:18-5:21.
1. O fracasso do homem em alcançar a justiça. 1: 18 - 3: 20.
a. A negligência dos gentios. 1: 18-32.
b. A negligência do homem que julga em contraste com o justo juízo de
Deus. 2: 1-16.
c. A negligência do judeu. 2: 17-29.
d. Objeções contra os ensinamentos de Paulo com base na negligência
do homem. 3: 1-8.
e. A negligência de toda a humanidade diante de Deus. 3: 9-20.
2. Ajustiça alcançada pela fé, não por obras legalistas. 3: 21-31.
3. A justiça pela fé na vida de Abraão. 4: 1-25.
a. Sua justiça alcançada pela fé, não pelas obras. 4: 1-8.
b. Abraão feito o pai de todos os que crêem pela fé, antes da circuncisão.
4: 9-12.
c. Realização da promessa pela fé, não pela lei. 4: 13-16.
d. Deus, Senhor da morte, o objeto da fé de ambos, de Abraão e do
cristão.4: 17-25.
4. Centralidade da justiça pela fé nas vidas individuais e na estrutura da
história. 5: 1-21.
a. Efeitos dajustiça pela fé sobre os recipientes. 5: 1-11.
b. Efeitos da desobediência de Adão e da obediência de Cristo. 5: 12-21.
B. A justiça como a maneira do cristão viver diante de Deus. 6: 1 - 8: 39.
1. Sofisma sobre o pecar para que a graça abunde. 6: 1-14.
2. Sofisma sobre o pecar porque os crentes estão sob a graça, não sob a
lei. 6: 15 - 7: 6.
a. Fidelidade, fruto, destino. 6: 15-23.
b. Anulamento e novo alistamento causado pela morte. 7: 1-6.
3. Perguntas que surgem por causa da luta contra o pecado. 7: 7-25.
a. A Lei é pecado? 7: 7-12.
b. Aquilo que é bom é a causa da morte? 7: 13, 14.
c. Como pode ser resolvido o conflito interno? 7: 15-25.
4. A vitória através do Espírito ligada ao propósito e ação de Deus. 8 :1-39.
a. Libertação do pecado e morte pela atividade do Pai, Filho e Espí-
rito.8:14.
b. A disposição da carne versos a do Espírito. 8: 5 -13.
c. Orientação e testemunho do Espírito. 8: 14-17.
d. A consumação da redenção esperada pela criação e crentes igual-
mente. 8: 18-25.
e. O ministério intercessor do Espírito. 8: 26, 27.
f. O propósito de Deus para aqueles que o amam. 8: 28-30.
g. Triunfo dos crentes sobre toda oposição. 8; 31-39.

m. Israel e os gentios no plano de Deus. 9: 1-11: 36.


A. A preocupação de Paulo por Israel, o seu povo. 9: 1-5.
B. Deus é livre, justo e soberano em seu relacionamento com Israel e com
todos os homens 9: 6-29.
I. A escolha que Deus fez de Isaque e não dos outros filhos de Abraão.

-5-
9:6-9.
2. A escolha que Deus fez de Jacó e não de Esaú. 9: 10-13.
3. A misericórdia de Deus para com Israel e o endurecimento de Faraó,
9: 14-18.
4. O controle de Deus sobre os vasos da ira e da misericórdia. 9: 19-24.
5. O testemunho de Deus em Oséias e Isaías numa extensão e limitação
da sua obra salvadora. 9: 25-29.
C. O fracasso de Israel e o sucesso dos gentios. 9:30 - 10: 21
1. Os gentios obtiveram o que Israel perdeu. 9: 30 - 33.
2. Ajustiça de Deus ignorada por Israel. 10: 1-3.
3. Relação entre a justiça da fé e o objeto da fé. 10: 4-15.
4. As Boas novas rejeitadas. 10: 16-21.
D. A situação de Israel no tempo de Paulo. 11: 1-10.
E. A perspectiva de Israel para o futuro. 11: 11-36.
1. Estágio de bênção da queda de Israel e sua pleni tude. 11: 11-15.
2. Os gentios individualmente não têm do que se vangloriar. 11: 16-21.
3. A bondade e a severidade de Deus expostas por sua reação à crença e à
incredulidade. 11: 22-24.
4. Salvação para o povo de Israel. 11: 25-27.
5. A misericórdia de Deus exaltada por sua ação na história. 11: 28-32.
6. A excelência e a glória de Deus - a Fonte, o Sustentador e o Alvo de
todas as coisas. 11: 33-36.

IV. A atitude e a conduta que se espera dos cristãos em Roma. 12: 1-15: 13.
A. Consagração de corpo e mente. 12: 1,2.
B. A humildade no uso dos dons divinos. 12: 3-8.
C. Características da personalidade a serem exemplificadas. 12: 9-21.
D. Submissão à autoridade do governo deve ser acompanhada de um modo de
vida dedicado e honesto. 13: 1-14.
E. Tolerância necessária para com as consciências fortes e fracas. 14: 1 - 15: 13.
1. Diferenças de opinião sobre o alimento ou dias especiais. 14: 1-6.
2. O juízo é do Senhor, não dos irmãos. 14: 7-12.
3. Remoção de pedras de tropeço. 14: 13-23.
4. Os fortes devem ajudar os fracos e não agradarem-se a si mesmos. 15: 1-3.
5. Glória dada a Deus pela paciência, consolação e harmonia. 15: 4-6.
6. O ministério de Cristo tanto ajudeus como a gentios. 15: 7-13.

V. Itens de interesse pessoal e cuidado pelos leitores. 15: 14 - 16: 27.


A. Os motivos de Paulo escrever ousadamente a leitores maturos. 15: 14-16.
B. Confirmação sobrenatural da obra missionária pioneira de Paulo. 15: 17-21.
C. Planos de viagem: Jerusalém, Roma, Espanha. 15: 22-29.
D. Pedidos específicos de oração. 15: 30-33.
E. Recomendação de Febe.16: 1,2.
F. Saudações particulares a pessoas e grupos. 16: 3-16.
G. O caráter perigoso daqueles que ensinam falsa doutrina. 16: 17-20.
H. Saudações dos companheiros de Paulo em Corinto. 16: 21-23.
I. Confirmação dos crentes pelo Deus soberano da história. 16: 25 -27.

-6-

I I
ROMANOS 1: 1-4

COMENTÁRIO
I. Declarações Introdutórias de Paulo, Paulo usa a palavra "mortos" depois da
o Apóstolo, 1: 1-17. palavra "ressurreição", a palavra grega
para "mortos" está no plural. Algumas
A extensão da introdução prova que vezes ele declara explicitamente uma
Paulo dava grande importância a esta ressurreição de pessoas (cons. I Co. 15:
carta. Observe o espírito de dedicação 12, 13,21,42). Mas aqui em Rm. 1: 4 e
que permeia estas linhas introdutórias. também em Atos 26: 23 ele se refere
Observe também como ele passa rapi- à ressurreição de Jesus Cristo. Todavia
damente de um pensamen to para outro . o termo "mortos" está no plural. Por-
A. Revelação da identidade do escri- tanto, na ressurreição desta pessoa, está
tor. 1: 1. A palavra que foi traduzida implícita a ressurreição de todos os que
servo significa realmente escravo. Para ressuscitarão por meio dEle. Mas, em
Paulo, esta expressão significava que ele Rm. 1: 4, Paulo se refere explicitamente
pertencia a Jesus Cristo. Ele era propri- à vitória de Cristo sobre a morte (cons.
edade de Cristo, e, como tal, tinha uma 6: 9). O uso do plural aqui é um toque
tarefa divina para realizar. Sua chamada do estilo do escritor.
para ser apóstolo veio-lhe claramente
em Damasco (Atos 9: 15, 16; 22: 14, 15; Segundo o Espírito de santidade. A
26: 16-18). Ele fora separado para o evan- ressurreição dos mortos era um fato pro-
gelho de Deus. Em Gálatas, Paulo remon- clamado pelos cristãos. Mas a poderosa
ta esta chamada à ocasião do seu nas- declaração de Jesus como Filho de Deus,
cimento (Gl. 1: 15), mas aqui em Roma- decorrente de Sua ressurreição, foi obra
nos, ele destaca o propósito de sua sepa- do Espírito Santo para iluminação do
ração: para o evangelho que Deus criou. pleno significado do fato histórico.
Paulo tinha um Mestre divino, um cargo Alguns mestres consideram o "Espírito
divino e uma mensagem divina. de santificação" como uma forma mais
B. O evangelho identificado com forte de "Espírito Santo" (veja Arndt,
Jesus Cristo. 1: 2-5. Nestes versículos o hagiosyne, pág. 10). Outros acham que
Evangelho é considerado em duas di- a frase se refere ao espírito humano de
mensões - a histórica e a pessoal. Cristo, que se caracterizava pela grande
2. Historicamente, Deus proclamou santidade - "quanto ao (seu) Espírito
este evangelho outrora, por meio de de santificação" (veja Sanday e Head1am,
agentes especiais, os profetas. O registro ICC, pág.9; cons. Arndt, pneuma, 2,
do que proclamaram encontra-se nas pág. 681). Outros ainda igualam "santi-
Santas Escrituras. Esta última é uma ficação" aqui com a Deidade ou Deus.
designação técnica para todas as partes Mas o Espírito de Deus, de acordo com
da Escritura, a Escritura como um todo. esse ponto de vista, não é o Espírito
3. O evangelho de Deus é sobre Seu Santo, mas o Princípio Criador Vivente,
Filho. Em primeiro lugar Paulo destaca Deus operando nos negócios humanos
Sua humanidade: segundo a carne, veio (veja Otto Procksh, TWNT, I, 116: "A
da descendência de Davi. Eis aí em des- Divindade de Cristo torna-se clara por
taque o Seu nascimento. Tornou-se causa da ressurreição na qual a nova
homem. criação mostra-se de acordo com o
4. Logo a seguir destaca a qualidade Princípio da . . . Divindade"). Veio
de ser Filho de Deus: Designado Filho (1: 3; AV, foi feito) declara a origem.
de Deus com poder ... pela ressurreição Designado é a designação daquilo que é.
dos mortos. Em todos os exemplos onde Portanto o humano e o divino estão

-7-
ROMANOS 1: 4-11

em contraste nesses dois versículos. nos faz parte de uma preocupação maior.
Deve-se decidir se a frase pneuma ha- 1: 8-15. Paulo conta a seus leitores o de-
giosynes (Espírito de Santidade, es- seja que tem há muito de visitá-los.
pírito de santidade, Princípio Criati- Tal visita, ele acha, seria boa não só
vo da Divindade), modifica a declaração, aos romanos, mas para ele também.
ou descreve a pessoa de Cristo, ou trans- Roma, com sua população híbrida,
mite a idéia da atividade de Deus no sintetizava os vários tipos de pessoas
mundo. A primeira interpretação, que a quem o apóstolo devia uma obrigação.
certamente parece ser a melhor, pede 8. Dou graças a meu Deus. A fre-
a tradução, "Espírito de Santidade". qüência da ação de graças nos começos
5. Paulo recebeu graça e o seu apos- das epístolas de Paulo é um testemunho
tolado através do Filho. A frase, por amor da intimidade que Paulo tinha com
do seu nome, deveria estar ligada ao Deus, e de seu ponto de vista alegre
apostolado - um apostolado por causa (eukaristeo, "dar graças": Rm. 1: 8; I Co.
do seu nome. 1: 4;Ef. 1: 16; CI. 1: 3; I Ts. 1: 2; 11 Ts.
C. Saudações aos leitores. 1: 6, 7. 1: 3; Fm. 4; karim eko, "sentir-se grato:
Estes versículos esclarecem que os "ro- I Tm. 1: 12; 11 Tm. 1: 3). Observe que
manos" a quem se dirige a carta são gen- tanto as graças como as petições são diri-
tios. Duas vezes Paulo destaca o fato de gidas a Deus mediante Jesus Cristo. O
que foram chamados. Foram chamados objeto da ação de graças foi especifi-
para serem santos. A idéia por trás da camente declarado.
palavra "santo" não é a de alguém com- 9. Observe aqui o destaque dado ao
pletamente separado dos outros, mas de aspecto interior do serviço - a quem
alguém que é consagrado a Deus. O im- sirvo em meu espírito. Deus, que co-
pacto que um grupo de crentes consa- nhece o homem interior, poderia dar
grados ou dedicados a Deus, sobre a testemunho do interesse de Paulo pelos
sociedade, não deve ser desprezado. romanos.
As palavras graça e paz representam 10. Além de mencionar os ramanos
uma fórmula cristã de saudação em freqüentemente em suas orações, o após-
cartas (veja Rm. 1: 7; I Co. 1: 3; 11 Co. tolo também sempre orava sobre a sua
1: 2;Gl.I:3; Ef.1:2; Fp.I:2; CI.1:2; ida até eles. Aqui se vê que, embora
ITs.I: 1;11 Ts.I:2;Tt.I:4;Fm.3;I Pe. Paulo sinceramente orasse para estar
I:2;IIPe. I:2;ITm. 1: 2;11 Tm. 1:2; na vontade de Deus em relação a este
11 Jo. 3). Graça (Káris) foi usada aqui assunto, não tinha certeza, quando
em lugar de uma expressão grega comum, escreveu, se era ou não da vontade de
Kairein, que significa "saudações". Paz Deus que fosse a Roma. Eis aqui suas
tem um paralelo hebraico e aramaico, próprias palavras: Em todas as minhas
shalom, que tem a complexa idéia de orações, suplicando que nalgum tem-
prosperidade, boa saúde e sucesso. Mas po . . . se me ofereça boa ocasião de
estas saudações cristãs destacam o que visitar-vos. Deus não lhe dissera "Não";
Deus fez nas vidas dos crentes. Todavia por isso Paulo continuou orando.
o. estudante deve sempre lembrar que Il. O dom espiritual era o que Paulo
esta é uma fórmula de saudação - não desejava comunicar aos romanos para
uma referência independente à graça fortalecimento deles. Não era algum
e paz. A frase deve ser tomada como dom especial, como aqueles que Paulo
um todo: Graça ... e paz ... de Deus alista em Rm. 12: 6-8, mas antes um
nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. conhecimento crescente das diversas
D. O interesse de Paulo pelos roma- verdades de Deus, que os capacitaria

-8-
ROMANOS 1: 11-17

a serem cristãos melhores. do Evangelho. 1: 16, 17. Nestes versí-


12. Encorajamento ou consolo seria culos encontramos três fatores: 1) A ati-
recebido por Paulo como também por tude de Paulo para com o Evangelho; 2)
seus leitores, se pudesse visitá-los. Mesmo a natureza do Evangelho; e 3) o conteúdo
esse grande evangelista, que talvez jamais do Evangelho. Estes versículos indicam
foi igualado em estatura espiritual, de- que as boas novas da fé cristã, não são
clara francamente que precisava do con- um sistema de filosofia ou código de
solo que vem da comunhão cristã. Por ética.
isso não nos atrevemos subestimar a
16. Contrastando com uma série de
importância da comunhão cristã no
pensamentos abstratos, o Evangelho ou as
crescimento cristão. A fé mútua é o
boas novas são dinâmicas. Paulo não se
fato simples de que tanto Paulo como
envergonha do Evangelho. E a frase de
seus leitores eram cristãos. Observe
Cristo (ERC.) não se encontra nos me-
como os pronomes tomam essa fé pessoal
lhores manuscritos. Paulo não se enver-
- vossa e minha.
13. A última frase deste versículo gonha do Evangelho porque estas boas
deveria ser ligada ao verbo "propor". novas são o poder de Deus, cujo propó-
Eu propus ir ter convosco . . . para sito e alvo são a realização da libertação
ou salvação. Um homem obtém tal sal-
conseguir igualmente entre vós algum
fruto. Os leitores em Roma eram gen- vação quando a sua constante reação
individual diante do Evangelho é a con-
tios, e Paulo esperava ter os mesmos re-
fiança e crença - de todo aquele que
sultados, quando lhes pregasse, que
crê.
tivera ao visitar outros gentios.
A palavra grega pisteuo é uma palavra
14, 15. O apóstolo se considerava
devedor daqueles que falavam o grego e profunda. A crença no conteúdo do
daqueles que não o falavam (bárbaros). Evangelho é apenas parte do seu signifi-
Esta é uma divisão da humanidade em cado. Acima disso, significa confiança
grupos lingüístico-culturaís. O segundo ou entrega pessoal, ao ponto de alguém
par de contrastes de 1: 14 trata da erudi- se entregar a uma outra pessoa. Embora
ção e consecução intelectual. Sábios são a crença envolva a aceitação de uma
os que têm um intelecto educado. Igno- verdade ou uma série de verdades, esta
rantes são aqueles que revelam a sua reação não é meramente concordância
tolice pelo que fazem. Representantes intelectual, mas antes um envolvimento
de todas essas classes encontravam-se sincero na verdade aceita. Crer em Cristo
em Roma. Com todos Paulo se sentia é entregar-se-Lhe. Confiar em Cristo é
impelido a proclamar as boas novas. envolver-se totalmente nas verdades eter-
Por isso ele fala da sua ansiedade em nas ensinadas por Ele e a respeito dEle
anunciar o evangelho ali. É importante no N.T. Tal envolvimento total produz
sinceridade moral, uma dedicação e uma
notar que ele esperava alcançar todas
essas classes pregando aos crentes ro- consagração visível em todos os aspectos
manos - a vós outros em Roma. Vemos, da vida. Observe que embora a salvação
portanto, que embora o Cristianismo aqui mencionada seja aos judeus primeiro,
encontre seu maior número de adeptos os gentios experimentam a mesma sal-
entre os membros das classes mais bai- vação.
xas da sociedade (cons. I Co. 1: 26-29), 17. No Evangelho a justiça está revela-
há uma urgência constrangedora em al- da, a qual Deus concede, produz, imputa.
cançar todas as classes de homens. O restante de Romanos conta-nos mais
E. Resumo da Natureza e Conteúdo sobre o que está envolvido nesta justiça.

-9-
ROMANOS 1: 17-20

Aqui Paulo destaca que a justiça é de fé para o homem se apresentar diante de


em fé. Esta justiça (que Deus cria) vem Deus. 1: 18 - 5: 21. Os homens precisam
ao cristão apenas por causa da fé. Con- da justiça. Esta necessidade se fundamen-
forme o crente vai cada vez mais se tor- ta na natureza e essência de Deus.
nando consciente de tudo quanto signi- 1) O Fracasso do Homem em Obter
fica a justiça de Deus, deve entregar-se Justiça. 1: 18 - 3: 20.
ainda mais, se quer receber a justiça O motivo porque a justiça é tão im-
de Deus. portante está no fato do homem não pos-
A ordem das palavras na última parte suí-la. Primeiro, ele precisa tomar cons-
do versículo é esta: o justo pela fé viverá. ciência de que não a tem. Através dos
Aqui se vê o perigo de se seguir a ordem tempos, têm havido aqueles que senti-
das palavras gregas muito literalmente. ram que Deus tem de ser agradado com
Pode dar a entender, que um homem o caráter deles. Nestes capítulos, Paulo
sendo justo de algum outro modo, continua mostrando a frivolidade de tal
não viveria, mesmo se cumprisse as ponto de vista.
exigências de ser justo! A fé está em a) O Fracasso dos Gentios. 1: 18-32.
primeiro lugar, por causa da ênfase 18. A justiça e a ira de Deus, ambas
em se mostrar que ela é essencial para expressam a atitude divina para com o
o homem ser justo. O grego dikaios, homem. A justiça é a resposta de Deus
justo, também pode ser traduzido para para a fé ou confiança, a ira é a sua reação
reto ou honesto; daí a tradução: o justo contra a impiedade e injustiça. Ambas
(reto, honesto) viverá por fé. Será que manifestam claramente a resposta de
o viver descreve a seqüência temporal Deus. O que faz um homem ímpio ou
da vida imediatamente à frente ou refe- justo? Ele detem ou suprime a verdade
re-se só à vida eterna? Bauer no vocá- (partícipio presente) na esfera da in-
bulo traduzido e editado por Arndt e justiça na qual ele vive. Ele quer evitar
Gingrich afirma que "a linha divisória a verdade sobre o que ele é, e sobre o
entre o presente e o futuro às vezes que está fazendo. Por isso totalmente
não existe, ou pelo menos, não é dis- tenta desvencilhar-se da verdade.
cernível" (Arndt, zao, 2. b. pág. 337). 19. A verdade vem ao homem em
Ele traduziria esta frase assim: aquele sua esfera de injustiça. Porquanto o que
que é justo pela fé terá vida. Como é de Deus se pode conhecer. Aqui está
grandioso o papel da fé para a justifi- a declaração de que Deus é conhecível.
cação do homem, na vida que ora vive Manifesto entre eles. Isto também se
e na vida que está por vir! poderia traduzir da seguinte forma:
manifesta-se-lhes (Arndt, phaneros, pág.
lI. A Justiça - A Chave do Relaciona- 860; en, IV, 4. a, pág. 260) ou manifes-
mento entre o Homem e Deus. 1: 18 ta-se entre eles. O contexto, sem dúvida,
- 8: 39 favorece as duas últimas traduções.
Por que Deus é passível de conhecimen-
Aqui Paulo luta corpo a corpo com os to? Ele age. Deus manifestou ou revelou
grandes temas da vida. Como pode um (mostrou) o que dEle mesmo pode ser
homem ser justo diante de Deus? Como conhecido pelos homens. Esta revelação
um homem é afetado pela atitude de é uma auto-revelação, que Deus pode
Adão e de Cristo? Como deve viver um pôr em prática como Ele deseja.
homem que é justo? Como pode ele 20. Os atributos invisíveis de Deus.
viver desse modo? Esta frase se refere à natureza e atributos
A. A justiça é o "status" necessário invisíveis de Deus. Desde o princípio

-10-

I '
ROMANOS 1: 20-25

do mundo ... claramente se reconhecem. 21-23. Paulo enumera as coisas que


Aqui Paulo faz uma ousada afirmação. os homens colocaram no lugar do Deus
Desde o tempo em que Deus criou o vivo. Que trágica lista de substituições!
mundo, seus atributos invisíveis - as ca- Porquanto, tendo conhecido a Deus. Eis
racterísticas que o declaram ser Deus aí, homens que se deparam face a face
- são claramente percebidas. Por quem com as obras de Deus e com o próprio
e como são claramente percebidas? ... Deus, de modo que o conheceram. Mas
sendo percebido por meio das cousas eles não reagiram a este conhecimento
que foram criadas. Nas é uma tradução como deveriam. Eles não o glorificaram
melhor do que pelas (E.R.C.). Os invisí- (louvaram, honraram, magnificaram) co-
veis atributos de Deus são compreendidos mo Deus; nem lhe deram graças. Este fra-
pelos homens que podem se ocupar de casso mostra qual deveria ser o fim prin-
reflexões e conhecimento racional. Qual cipal do homem: glorificar o Senhor
é a base para o seu conhecimento? Das pelo que Ele é, e dar-Lhe graças pelo
cousas que foram criadas (poiema). A que Ele tem feito.
palavra poiema significa "que está feito", Os pensamentos desses gentios volta-
"obra" ou "criação". Bauer traduz: nas ram-se para coisas sem valor. Obscure-
coisas que foram criadas (Arndt, katho- cendo-lhes o coração insensato. Rejeitar
rao, pág. 393), ou pelas coisas que ele a Deus, afastar-se da luz, produz trevas
criou (Arndt, poiema, pág. 689). O subs- naturalmente. Estas trevas penetram
tantivo está no plural. No grego clássico em seu ser interior - a mente, o racio-
usava-se o plural referindo-se à obras, cínio , as emoções, etc. Na sua idolatria,
poemas, ficção, feitos ou atos - isto é, isto é, em sua criação de substitutos
qualquer coisa feita (LSJ. pág. 1429). A para o ser de Deus, eles realmente pen-
palavra poiema encontra-se trinta vezes savam que eram sábios. Pensamentos
na LXX. Exceto uma vez, traduz a pala- indignos logo produzem objetos indig-
vra hebraica ma'aseh, "feito" ou "obra". nos de adoração.
Na exceção foi traduzida do hebreu 24-25. Os versículos 24, 26, 2& todos
po'al, "ato", "feito" ou "obra". Portan- repetem a mesma frase solene: Deus
to, está claro que as coisas que Deus entregou. O Senhor entrega os homens
criou, diz-se que testificam de sua natu- às conseqüências daquilo que eles esco-
reza invisível. lheram para si mesmos. Quando os ho-
Que aspecto da natureza invisível de mens escolhem um modo maligno de
Deus elas testificam? Paulo é especí- viver, também escolhem as conseqüên-
fico - o seu eterno poder. Na criação, cias que essa maneira de vida produz.
se vê o poder eterno ou perpétuo de Esta é a prova que Deus estabeleceu
Deus. Na mesma proporção em que se um universo moral. Concupiscências
desenvolve a perícia do homem na (desejos) de seus próprios corações (ou,
exploração do espaço e na análise da que seus corações produziram, v. 24).
estrutura do átomo, assim, também, A palavra traduzida para concupiscên-
deveria crescer sua consciência do poder cia, pode se referir a "desejos", tanto
de Deus. A sua própria divindade. O bons como maus. Aqui, obviamente,
Criador que demonstrou tão ilimitado refere-se a desejos maus. A tradução
poder é o Ser supremo com o qual os "concupiscência" dá a idéia de sensua-
homens têm de ajustar contas. Obser- lidade, que se encaixa no contexto
vando suas obras, os homens se con- da impureza. Observe que Deus entrega
frontam com o Deus vivo. Como resul- os homes àquelas coisas que eles desejam.
tado, ficam indesculpáveis. Como resultado seus corpos se desonra-

-11-
ROMANOS 1: 25-32 - 2: 1·4

ram entre si. A idolatria consiste na ado- palavra fornicação (AV, v. 29). Difa-
ração e no culto prestado à criatura madores são aqueles que falam mal dos
(v. 25); na sensualidade o homem adora outros, ou seja os fofoqueiros. Calunia-
e serve a si mesmo. dores são os que procuram arruinar ou
26, 27. A impureza sempre gera difamar o caráter dos outros - difama-
mais impureza. Aqui está um juízo. dores. O homem que arruína a reputação
divino no qual Deus entregou os gentios de outras pessoas, ele mesmo se toma
a paixões infames. As mulheres são acu- repulsivo. Observe a desagradável com-
sadas de perversão sexual no versículo 26 binação apresentada no versículo 31:
e os homens no versículo 27. Paulo usa Insensatos, pérfidos, sem afeição natural.
linguagem direta, para condenar a per- Sem misericórdia não se encontra nos
versão do sexo fora do seu justo lugar, bons e antigos manuscritos. Lembre-se
dentro do relacionamento conjugal. Ele de que as pessoas aqui descritas tive-
considera a união dos sexos no casamento ram oportunidade de conhecer os atri-
como relacionamento natural (modo butos de Deus. Mais ainda, elas sabiam
natural). Mas ali as mulheres trocaram que a morte era a penalidade para o mal.
as relações naturais do sexo, por aquelas Mesmo assim, além de pecarem com
que são contrárias à natureza. Os homens prazer, também aplaudem os outros
fizeram a mesma coisa. Paulo descreve que pecam. Seu pecado alcançou um
a depravação e degradação do homem ponto onde elas recebem uma satisfa-
inflamado com desejo sensual uns pelos ção vicária no pecado dos outros.
outros. A isto se segue a nota do juízo. b) O Fracasso do Homem Que Julga
Recebendo em si mesmos a merecida em Contraste com o Justo Juízo de Deus.
punição do seu erro. Paulo não penetra 2: 1-16. O homem que Paulo considera
nos detalhes sobre qual seria exatamente julgando não foi dito se é judeu ou
a natureza do juízo - as conseqüências gentio. Ao que parece, Paulo tinha o
psicológicas e físicas. Mas a natureza da judeu em mente, uma vez que o homem
penalidade diz-se que corresponde à que julga, experimentou a bondade e a
enormidade do pecado. paciência de Deus de maneira especial.
28-32. Aqueles que não parecem se A recompensa do Senhor para cada
encaixar no conhecimento de Deus, pessoa será de acordo com as obras
Ele os entregou a um sentimento per- dela -- não de acordo com os seus pró-
verso. A palavra grega tem estes signi- prios privilégios. Deus julgará com justi-
ficados: "baixo", "desqualificado", "in- ça, quer um homem viva sob a lei Mo-
digno", "incapaz de ser aprovado" ou saica ou longe dela.
"desaprovado". Eis aí, uma mente que 1-4. A palavra ju1gas (krinon) ocorre
não tem um ponto estável sobre o qual se três vezes no versículo 1 (E.R.C.). Tem
edifica a harmonia interior. Tal mente aqui o significado de fazer juízo desfavo-
pode produzir só aquelas coisas incon- rável, criticando ou censurando. O ho-
venientes, (que não convém) ou aque- mem que é indesculpável é aquele que
las coisas que são indignas. A lista dos tem grande capacidade de crítica, mas
versículos 29-31 mostra que tal mente não autodisciplina. O juízo de Deus é...
está em desarmonia com ela mesma, contra os que praticam tais cousas. Tais
e com os seus próximos. A anarquia cousas. As ações do crítico são idênticas
e o caos vêm de uma mente que retira às ações daqueles que ele critica. O catá-
Deus do seu conhecimento. Em alguns logo de pecados em Romanos 1 é positi-
bons manuscritos não se encontra a vamen te inclusivo. Inveja, murmuração

- 12-
ROMANOS 2: 4 -16

e contenda são consideradas faltas nos sempre o ponto central do quadro neo-
outros, mas o crítico desculpa essas testamentário do juízo. São indicação
coisas nele mesmo, como se fosse "um externa de uma confiança ou entrega
justo senso de necessidade", "uma interior da pessoa. O Senhor, é claro,
simples declaração de fato", ou ''uma olha para ambos, o interior e o exte-
corajosa posição ao lado da verdade". rior. Mas a atividade exterior revela a
Paulo apela para a consciência do ho- convicção interior. É preciso apenas
mem: Pensas que te livrarás do juízo de que se compare a forma do verbo em
Deus? (isto é, à sentença pronunciada 2: 9 - que faz o mal (constantemente)
por Ele?) A tradução desprezas (v. 4) - com a do verbo em 2: 10 - que pra-
pode ser uma tradução forte demais tica o bem (constantemente) para se
para kataphroneo, em relação ao con- ver que as atitudes revelam as convicções
texto. Parece que seria melhor traduzir (ou a falta delas). Isto não significa que
assim: Ou será que alimentas idéias aqueles que fazem o bem constante-
erradas a respeito da (Arndt, pág. 421) mente têm um pleno conhecimento
bondade, paciência e longanimidade de de Deus. Mas sem uma confiança em
Deus? A palavra arrependimento envol- Deus, a qual exige algum conhecimento,
ve muito mais do que o abandono de os homens não serão capazes de execu-
uma prática antiga. Envolve o começo tar constantemente e com determinação
de uma nova vida religiosa e moral (veja aquilo que Deus diz que é bom.
Arndt, págs. 513,514). Uma vez que a
12-16. Uma vez que em Deus não
bondade de Deus não traz castigo ime-
existe parcialidade, como Ele vai lidar
diato, não se deve crer que o Senhor
com aqueles que pecam sem a lei e aque-
seja indiferente ao pecado. Longe disso!
les que pecam debaixo da lei? A resposta
Por causa de sua bondade divina, Ele
se encontra nas frases - perecerão e
quer levar os homens por um novo ca-
serão julgados (v. 12). Tanto os que
minho de vida. Ter idéias erradas a res-
vivem debaixo da lei como aqueles que
peito disso é descansar numa falsa com-
vivem sem a lei foram declarados peca-
placência. O juízo de Deus é certo.
dores. O tempo aoristo aqui (pecaram)
5-11. O Todo-Poderoso examina a acentua uma ação completa. Resume
conduta do homem e o julga de acordo todos os pecados da pessoa cometidos
com ela. Um homem cujo coração é durante a sua vida. Por causa do total
duro e impenitente, armazena a ira de desses pecados, os homens que não ti-
Deus contra ele. A ira ... de Deus arma- veram a oportunidade de viver debaixo
zenada nos céus é o mais trágico estoque da lei mosaica, perecerão. Do mesmo
que um homem poderia acumular para modo, por causa do total dos seus pe-
si. Observe a nota sobre o juízo indivi- cados, aqueles que viveram debaixo da
dual no versículo 6. Qual é a disposi- lei serão julgados. Embora uma lingua-
ção ou perspectiva daqueles que buscam gem diferente fosse usada para descre-
a glória, a honra e a imortalidade? Perse- ver o juízo de Deus, este juízo é certo
verando em fazer o bem (v. 7), caracte- e justamen te dispensado, quer a lei
riza a perspectiva daqueles que buscam mosaica exerça alguma parte no juízo,
os alvos enumerados. O resultado é que quer não. Até onde o juízo está envol-
recebem vida eterna do Juiz. Aqueles vido, o que conta é a situação, não a
que por causa da contenda são desobe- tomada de consciência deste ou daquele
dientes à verdade e obedecem à injustiça, estado. Os que praticam a lei hão de
recebem a ira e o juízo. As obras são ser justificados, isto é, serão absolvidos,

-13-
ROMANOS 2: 16
serão declaradosjustos. reagem diante desse padrão, não ficam
A esta altura surge uma pergunta completamente sem lei. São praticantes
profunda: Os praticantes da Lei se limi- obedientes da lei que Deus coloca em
tam àqueles que conhecem e praticam seus corações. Seria melhor ligar o 2: 16
a lei mosaica? Em 2: 14 Paulo responde ao 2: 13: "Os praticantes da lei serão jus-
"Não" à pergunta e explica a razão. Os tificados ... no dia em que Deus julgar
gentios que não têm a lei mosaica, proce- os segredos dos homens".
dem por natureza de conformidade com Esta passagem dá alguma luz sobre
a lei. A expressão natureza (physei) tem o destino eterno daqueles que nunca
sido interpretada com o significado ouviram o Evangelho. Como Deus lidará
de "seguindo a ordem natural das coisas" com essas pessoas no dia do juízo? Estes
(veja Hans Lietzmann, Der Brief und versículos parecem indicar que Ele
die Romer, também Handbuch zum observará suas ações tal como observará
Neuen Testament. Digressão sobre Rm. as ações daqueles que conhecem a Lei, e
2: 14-16). Mas o contexto aqui não tem aqueles que ouviram o Evangelho, e que
a mesma ênfase de 1: 20. Por isso parece Ele julgará todos de acordo com tais
muito melhor aceitar que natureza sig- observações. Então, a obediência a es-
nifica "instintivamente". O que está te padrão interno não anula o prin-
envolvido neste tipo de resposta? Quando cípio da salvação pela fé? Não. A fé
os gentios praticam instintivamente os é essencial para aqueles que obedecem
requisitos da Lei, eles os fazem de con- ao padrão interno e para aqueles que
formidade com a lei (2:14). Eles exibem obedecem à Lei ou ao Evangelho. Mas
a norma da lei gravada nos seus corações. quão mais rico e mais completo se toma
Esses gentios têm uma norma e padrão o nosso conhecimento de Deus, 'a medida
interior colocada por Deus em seus co- que for revelado através do seu Filho!
rações. Esse padrão interior é a base A busca da glória, honra e incorrupti-
tanto para a reação de suas consciên- bilidade (v. 7) não passariam de egoís-
cias quanto do seu raciocínio. A cons- mo. Mas a busca dessas coisas com a
ciência (v. 15) é uma reação intelectual determinação de fazer o que é bom (v.
automática a um determinado padrão. 7) significa que aquele que busca está
Contrastando, raciocínio envolve refle- cônscio de um padrão de bondade. Se
xão. Os pensamentos resultantes de tal este padrão fosse uma simples abstração,
reflexão, representam um julgamento como seria difícil perseverar na bondade.
ponderado, em contraste à reação inte- Mas se o padrão é o próprio Deus - ainda
lectual e automática da consciência. As que imperfeitamente percebido (e quem
consciências de muitas pessoas associa- de nós percebe Deus perfeitamente?), a
das produzem um testemunho mútuo. fé ou a submissão a Ele estabelecerá
Do mesmo modo os julgamentos de va- as bases para a perseverança constante
lores combinados do grupo são difundi- naquilo que é bom. Por que, então deve-
dos. As decisões resultantes, às vezes ríamos levar impacientemente o Evange-
reprovam as pessoas do grupo, e às lho àqueles que nunca ouviram? Antes de
vezes falam em sua defesa. Embora tudo, porque Deus no-lo ordenou (Mt. 28:
Paulo não descreva todo o conteúdo 19,20; Atos 1: 8). Segundo, é essencial,
desse padrão interior, ele assegura que pois Deus quer que cada pessoa seja
existe. Sabemos que tanto a consciên- confrontada com o conhecimento de
cia quanto a razão podem decidir que Deus (Is. 11: 9; Hc. 2: 14; Is. 45: 5, 6;
certa atitude é ruim e outra atitude é 52: 10; 66: 18, 19; 11 Ts. 1: 8) e tenha
boa. Os gentios, quando corretamente oportunidade de se lhe entregar e de

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ROMANOS 2: 16-29

ampliar o conhecimento dEle (Jo. 14: 7; ras? Roubas os templos? Paulo não diz
17: 3; 11 Co. 2: 14; rr, 1: 16; I Jo. 2: que tipo de resposta espera. Mas ele
3-6; 5: 19,20; Fp. 3: 8-10; 11 Pe. 3: 18). destaca que o judeu, transgredindo
Finalmente, é essencial por causa do que a Lei da qual tanto se orgulha, deson-
Cristo é - o clímax da revelação de ra a Deus - Aquele que deu a Lei. O
Deus (Hb. 1: 1,2). nome de Deus é blasfemado entre os
Uma vez que Cristo é a suprema re- gentios por causa da maneira de agir
velação de Deus, e uma vez que o N.T. dos judeus. A última frase - como está
é o registro que confronta os homens escrito - não se refere a alguma passagem
com Cristo, outros métodos de revelação do V.T. em particular que fala dos pe-
divina devem ser considerados apenas cados dos judeus como causa da blas-
fragmentários. Isto é especialmente ver- fêmia contra o nome de Deus. Antes,
dade no que se refere aos dois métodos Paulo parece ter juntado Is. 52: 5 e Ez.
discutidos em Romanos 1; 2: (1) o tes- 36: 21·23.
temunho das coisas que foram criadas 25-29. Aqui o apóstolo aponta para
(1: 20); 2) o padrão interno colocado o que ele considera um verdadeiro judeu.
nos corações (2: 14, 15). Todavia, eles Ele mostra que o gentio que guarda (a
são canais divinamente escolhidos, cuja palavra ohylasso também pode ser tra-
existência e função Paulo convida seus duzida para observa, ou segue) os pre-
leitores a considerar seriamente. ceitos da lei (v. 26) é um verdadeiro
c) O Fracasso dos Judeus. 2: 17-29. A- judeu. O rito da circuncisão só declara
qui Paulo descreve vividamente as opor- que um homem é judeu se este praticar
tunidades dos judeus, e destaca como a Lei. Para um judeu, tornar-se trans-
até mesmo essas não levaram os judeus gressor da Lei é, realmente, diante de
a uma vida de obediência e comunhão Deus, tornar-se incircunciso. Além de
com Deus. um gentio ser um verdadeiro judeu, se
17-20. O fracasso do judeu tornou-se observar os preceitos da Lei, ele, que
mais conspícuo por causa dos seus privi- é fisicamente incircunciso, se assentará
légios e sua fé. Ele repousava na lei. Ele para julgar o judeu que tem as quali-
se gloriava (orgulhava-se) em Deus. Ele ficações físicas, mas nenhuma obedi-
conhecia a vontade de Deus. Aprovas ência (v. 27). Esta é uma declaração de
~ cousas excelentes (ou aquelas que são Paulo, não uma pergunta. No versículo
essenciais). Ele podia fazer a vontade 27 Paulo destaca que o judeu que será
de Deus porque fora oralmente instruí- julgado pelo gentio, é aquele judeu que
do na Lei. Ouvira os rabinos discutin- é transgressor da Lei, não obstante a
do os pontos cruciais. Por causa de tais letra e a circuncisão (cons. dia, Arndt,
antecedentes, o judeu tinha confiança. Ill, 1, c, pág. 179). Eis aí a tragédia
Ele podia ajudar e instruir os demais, daquele que tem uma lei escrita objetiva,
porque ele tinha certeza de que tinha e o sinal exterior da aliança de Deus
a forma da ciência e da verdade na com o seu povo, mas que no entanto
Lei (v. 20). nunca se apropriou da realidade. Numa
21-24. Paulo insiste na derrota dos última palavra ao judeu, Paulo destaca
judeus, perguntando-lhes se suas atitu- que não é o exterior, mas a condição
des estão de acordo com os seus ensi- interior do coração que torna um homem
namentos (2: 21, 22). Tu, pois, que ensi- verdadeiramente judeu, isto é, filho de
nas a outrem não te ensinas a ti mesmo? Deus (v. 29). A verdadeira circuncisão
(v. 21) Por que, é claro, que o faz. Nas é uma espécie de circuncisão do coração
outras três perguntas: Furtas? Adulte- (cons. Lv. 26: 41; Dt. 10: 16; 30: 6; Jr.

-15 -
ROMANOS 2: 29 - 3: 1-8

4: 4; 9: 26; Atos 7: 51). Esta verdadeira pergunta: E daí? Qual é pois a situação?
circuncisão não está na esfera da legali- Os judeus tinham essas verdades divinas
dade - um código escrito - mas antes vitais. Mas como reagiram? Se alguns
na esfera do espírito, isto é, na área não creram, a incredulidade deles virá
da vontade. desfazer a fidelidade de Deus? De ma-
d) Objeções aos Ensinamentos de neira nenhuma, Paulo responde rapida-
Paulo sobre o Fracasso do Homem. mente (longe disso). A palavra alguns
3: 1-8. Paulo fala principalmente das não significa, necessariamente, uma pe-
objeções oriundas dos judeus. Mas a quena parte. O contraste está entre "par-
idéia de que a justiça de Deus é exal- te" e "todo". Além de Deus ser fiel,
tada pelo pecado do homem, vem de Ele também é verdadeiro. Para reforço
qualquer oponente dos ensinamentos de suas palavras o apóstolo cita SI. 51.4:
paulinos. "De maneira que serás tido por justo
14. Qual é a vantagem do judeu? Qual no teu falar e puro no teu julgar". Deus
a utilidade da circuncisão? Essas pergun- é fiel, verdadeiro e vitorioso, embora
tas parecem extraídas da experiência os judeus na grande maioria, tenham
de Paulo na pregação do Evangelho. se tornado infiéis.
A resposta de Paulo é: "Muita, em toda 5-8. A tradução de synistemi para
maneira" (v. 2). Ele faz seu interrogante recomenda não é satisfatória. A palavra
se lembrar que aos judeus foram con- realmente significa demonstra ou traz
fiados os oráculos de Deus. No grego a lume. Se a nossa injustiça - a do ju-
clássico a palavra logion ("oracle") usa- deu e gentio - demonstra a justiça de
-se principalmente em relação às frases Deus, então que diremos? Porventura
curtas pronunciadas por alguma divin- será Deus injusto por aplicar a sua ira?
dade (Arndt, pág. 477). Em Atos 7: 38 Paulo nos diz que está falando sob o
a palavra é usada falando-se das revela- ponto de vista humano. Então ele re-
ções que vieram a Moisés. Em Hb. 5: 12 plica, De maneira nenhuma (v. 6). Paulo
é usada em relação com os elementos é tão conciso no começo do versículo 6
iniciais pertencentes aos oráculos ou que o peso de sua resposta se perde.
palavras de Deus. A passagem em Hebreus Certo que não, se o Senhor não touxer
refere-se a um todo coletivo. Pedro o castigo da ira, como julgará Deus o
diz que se alguém falar, tendo recebido mundo? O fato de que a justiça divina
graça, deve falar os oráculos. ou pala- brilha fortemente contra as trevas do
vras de Deus (I Pe. 4: 11). Em Rrn. 3: 2 o cenário da injustiça do homem, nada
destaque foi dado às promessas de Deus, tem a ver com a justiça do Senhor no
aos judeus. Em todos os contextos os juízo e na condenação que devem vir.
"oráculos" envolvem proclamação oral, Deus tem de julgar, condenar e punir
e referem-se à voz viva de Deus e às ver- porque é um ser santo. Sendo um ser
dades que Deus falou aos homens. Deus santo tem de lidar com qualquer viola-
confiou essas verdades aos judeus durante ção da santidade. Paulo assegura aqui
longos períodos de tempo. Os judeus as que deve, sem entrar no por quê. No
colecionaram, e elas foram registradas versículo 7 ele coloca a objeção de seu
no V.T. Mas a palavra logion propria- interpelador em uma forma um pouco
mente dita destaca o pronunciamento diferente. E, se por causa da minha men-
particular de Deus. O fato de que todos tira fica em relevo a verdade de Deus
esses pronunciamentos vieram aos judeus para a sua glória (cons. perisseuo, Arndt,
foi certamente para vantagem deles. pág. 656), por que sou eu ainda con-
Paulo começa o versículo 3 com uma denado como pecador? Antes exa-

-16 -
ROMANOS 3: 8-20

minou o argumento de que a justiça gunta então seria: Temos nós, em nós
de Deus sobressai contra o cenário do mesmos, algo que nos proteja contra
pecado humano. Aqui ele ataca o argu- a ira de Deus? Paulo responde: De forma
mento de que a verdade de Deus toma-se nenhuma, pois já temos demonstrado
mais clara, quando em contraste com a que todos, tanto judeus como gregos,
falsidade do homem. A esta altura, Paulo estão debaixo do pecado. O pecador
menciona a caricatura corrente dos seus não tem meios em si mesmo de lidar
ensinamentos referentes à salvação pela com o pecado. Ele está debaixo do pe-
graça: Pratiquemos males, para que ve- cado, isto é, debaixo do poder, governo,
nham bens (v. 8). Para aqueles que comando, controle do pecado. Ele pre-
respondem assim, o único comentário cisa de ajuda de fora. Seus próprios
de Paulo é: A condenação destes é justa. recursos não podem libertá-lo.
Estes dois argumentos falsos baseiam-se 10-18. Nestes versículos Paulo cita
sobre a idéia de que o Senhor precisa um número de passagens do V.T.: 3: lO
do pecado a fim de demonstrar que -12 do SI. 14: 1-3; 3: 13 a, b do SI. 5 : 9;
Ele é Deus. Ele não precisa nada disso. 3: 13 c do SI. 140:3;3: 14 do SI. 10:7;
Sendo Deus, na presença do pecado 3: 15-17 de Is. 59: 7,8; 3: 18 do SI. 36: 1.
demonstrará quem Ele é. Mascomo é mui- O apóstolo não cita do texto hebraico
to mais glorioso ver o que, e quem Ele é mas da versão grega do V.T., a Septua-
na esfera da eterna comunhão com Ele, ginta (LXX). Às vezes ele a cita exata-
do que no banimento de Sua presença, mente; outras, parafraseia ou abrevia;
com todas as conseqüências proveni- ocasionalmente ele se sente bastante
entes. livre para manipular as palavras (veja
e) O Fracasso de Toda a Humanidade Sanday e Head1am, The Epistle to the
Diante de Deus. 3: 9-20. Paulo conclui Romans, ICC, págs. 77-79). Mas o pensa-
que este ensinamento concorda com o mento do V.T. é adequadamente comu-
V.T. e a função da Lei, que é despertar nicado. Todas essas citações são dos
a consciência do pecado. Salmos com exceção de urna passagem
9. Que se conclui? Deveria ser desen- - Is. 59: 7. Em seu contexto original
volvido em: O que devemos, pois, conclu- nem todos esses versículos destacam
ir? Antes de tirar esta conclusão, Paulo a universalidade do pecado. O primeiro
faz mais uma pergunta. Se esta pergun- (SI. 14: 1-3) sim. Os três seguintes (SI.
ta - Temos nós qualquer vantagem? - 5: 9; 140: 3; 10: 7) tratam da condição,
relaciona-se aos judeus com os quais atitude e conduta dos maus. A passagem
Paulo esteve lidando na primeira parte de Isaías (59: 7, 8) trata da injustiça de
do capítulo 3, o verbo proekometha Israel. O Salmo 36: 1 apresenta a falta
tem de ser traduzido: Temos nós (os de respeito do homem mau para com
judeus) qualquer vantagem? Isto é, nós Deus. Essa coleção de citações do V.T.,
os judeus estamos em posição pior do portanto, ilustra as diversas formas do
que os gentios? Ao que Paulo responde, pecado, as indesejáveis características
de forma nenhuma. Mas se a pergunta dos pecadores, o efeito de suas ações
refere-se a todo o argumento começado e a atitude deles para com Deus. É o
em I: 18, então tomando proekometha mesmo quadro que Paulo estivera pin-
na voz média, a tradução seria: Podemos tando.
nós (os leitores) manter algo diante de 19,20. Tudo (todas as coisas) que a
nós para proteção? O verbo proeko lei diz. A palavra lei aqui deve se referir
no meio significa "manter diante de às diversas citações que Paulo acabou
alguém" (veja LSJ, pág. 1479). A per- de fazer. Uma vez que foram extraídas

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ROMANOS 3: 20-23

dos Salmos, com exceção da passagem de injusto é justo. A resposta de Paulo


Isaías, Paulo aqui não se refere à lei mostra a sabedoria e o envolvimento
mosaica. Essas citações vieram dos "Es- de Deus na questão do pecado humano.
critos" e dos "Profetas" - as duas maio- 21. A justiça de Deus. Paulo quer
res divisões do V.T. - indicando que dizer a justiça concedida por Deus.
Paulo chama de lei a todo o V.T. Uma Essa justiça é sem lei no sentido de
vez que o V.T. fala aos que estão debai- que não é uma justiça merecida ou
xo da lei (Arndt, en, 5. d., pág. 259). adquirida pela guarda da Lei. Sem a
Isto inclui tanto judeus como gentios Lei a justiça de Deus se manifestou.
- qualquer um que leva a sério a men- Eis aí a justiça enviada por Deus e re-
sagem do V.T. O ensinamento do V.T. velada por Deus. Embora distinta de
é tal que para que se cale toda boca - não qualquer justiça buscada pela guarda
tem defesa a apresentar - e todo o mun- da Lei, ela é testemunhada pela lei e
do seja culpável perante Deus. No ver- pelos profetas. A última frase significa
sículo 20 Paulo parece retornar ao todo o V.T. (Mt. 5: 17; 7: 12; 11: 13; 22:
conceito mais estreito e mais freqüente 40; Lc. 16: 16; Atos 13: 15; 24: 14; 28:
da lei - a lei mosaica. Pelas obras que a 23). Que Deus possa aceitar a fé por
lei mosaica prescrevia, ninguém será justiça não é pensamento estranho ao
justificado Paulo demonstrou 9 fracasso V.T. (veja Rm. 4).
de ambos, judeu e gentio. Portanto, o 22-24. Se a justiça é concedida,
veredito de não absolvição é uma impor- a quem ela é concedida? Esta justiça
tante parte do quadro. Se a Lei e o é realizada através da causa eficiente - a
que ela prescreve não produz absol- fé, que tem por seu objetivo, Cristo. É
vição, o que é que produz? Pela lei uma justiça sobre todos os que crêem.
vem o pleno conhecimento. (cons. Arndt, O particípio presente toma claro que
epignosis, pág. 291) do pecado. A pala- este é um compromisso com Cristo
vra pecado está no singular. A Lei faz para toda a vida, comprovado na reação
o homem cônscio dos efeitos de sua diária da confiança (veja 1: 16). A única
natureza, caráter ou ser. Em virtude coisa exigida é a confiança e apenas
do que ele é, o homem age como age. confiança. Não há distinção entre judeu
A Lei toma o homem cônscio que ele e gentio no que se refere ao pecado (3:
não é o que deve ser. Levar o homem 23). Pois todos pecaram (veja 2: 12).
a reconhecê-lo é uma grande tarefa. Este pecado refere-se ao envolvimento
Uma vez que Paulo atribui à Lei essa de todos os homens - tanto judeus
tarefa, ele certamente não desmerece como gentios - em transgressão. O
alei. tempo coloca junto as. transgressões
2) A Justificação se Obtém pela Fé pessoais em um todo coletivo.
Não pelas Obras da Lei. 3: 21-31. Todos os homens manifestam seu en-
Se um homem fracassou na obtenção volvimento no afastamento de Adão do
da justificação, e se a justificação é neces- que era justo, carecendo continuamente
sária diante de Deus, então como pode da glória de Deus. Carecem significa
o homem obter essa justificação? Como estar carecendo ou em falta. Do que
Deus pode ser justo quando Ele absolve é que o homem carece ou tem falta? A
um homem e o declara justo? Paulo glória de Deus inclui o esplendor ou
acabou de tomar o problema mais agudo radiância de Deus - a manifestação
provando que todos os homens são peca- externa do que Deus é. Majestade e
dores. Assim, se Deus declara todo ho- Sublimidade também fazem parte da gló-
mem justificado, está declarando que o ria de Deus. Majestade envolve poder.

-18 -

I I
ROMANOS 3: 23-26

Sublimidade envolve uma posiçao su- 25,26. Esta obra é uma transação
perior e elevada - daquele que é supre- objetiva, um ato particular de Deus que
mo. A glória de Deus, todavia, não envolveu a pessoa do Seu Filho. Foi
é apenas para ser vista por aqueles que um ato necessário. A necessidade não
crêem (10. 11: 40), mas é para ser aceita foi imposta a Deus de fora, pois então
ou fazer parte daqueles que crêem (11 Ele não seria Deus. Foi-Lhe imposta
Co. 3: 18) e é o seu destino (I Ts. 2: 12; no Seu interior, em virtude de Sua
11 Ts, 2: 14). Ela não é apenas atribuída própria natureza. A Quem (Cristo Jesus)
a Deus pela grande multidão celeste Deus propôs, no seu sangue, como pro-
por causa de sua vitória sobre o pecado píciação. Aqui Paulo reúne Deus e Cristo,
(Ap. 19: ·1), mas também caracteriza a obra realizada, e a reação do homem
a Cidade Santa, o eterno lugar de habi- diante desta obra. Deus expôs Cristo
tação de Deus com o seu povo (Ap. 21: publicamente como meio de propíci-
11, 23). Os homens estão sempre care- ação em ou pelo Seu sangue. A morte
cendo da glória de Deus porque a prá- de Cristo foi um fato que deve ser obser-
tica contínua do pecado nega tudo o vado por todos. Mas o aspecto propicia-
que a glória de Deus significa. tório - esse que propiciou o pecado - foi
A justiça de Deus que foi revelada, o de desistir de Sua vida. Isto se vê no
e a qual Deus concede a todos aqueles fato de que o Seu sangue foi derramado.
que estão crendo ou confiando significa Esses detalhes não foram apresentados
que eles estão absolvidos ou justificados para despertar simpatia, mas para mos-
gratuitamente (Rm. 3: 24). Como pode trar a realidade desta morte. Deus foi
ser? É por meio da graça de Deus. Deus o ofertante. Cristo foi o sacrifício. O
está favoravelmente disposto a fazê-lo, pecado humano foi coberto, isto é,
não por causa de algum mérito nos apagado para sempre. Todavia para esta
homens, mas porque Ele é gracioso e propiciação se tornar efetiva na vida da
resolveu manifestar a Sua graça para pessoa, é preciso que haja fé. A fé ou
com os homens. Mas pode Deus fazê-lo confiança está em Deus, em primeiro
simplesmente por uma decisão de Sua lugar, mas também envolve o que Ele
vontade, sem qualquer ação objetiva de fez. Ele tomou o pecado em Seu próprio
Sua parte? Paulo responderia "não". ser (11 Co. 5: 21), lidou com ele ali
Portanto, ele acrescenta a frase, redenção objetivamente, e assim fazendo, teve
que há em Cristo Jesus. O homem pode em vista a manifestação da sua justiça.
ser absolvido (justificado) porque Deus Mas será que Deus deixou impunes os
agiu. Ele providenciou a redenção. Ori- pecados anteriormente cometidos, isto
ginalmente a palavra significa tomar a é, antes da morte de Cristo? A morte
comprar um escravo ou cativo, libertan- de Cristo, objetiva e pública no Calvário,
do-o pelo pagamento de um resgate prova que o Senhor não deixou impunes
(Amdt, apolytrosis, pág. 95). Aqui a esses pecadores. Sabemos que Ele esta-
redenção se refere à libertação provi- va ali resolvendo o problema do pecado
denciada por Cristo, libertação do pecado humano - os pecados do passado da
e suas conseqüências. Esta redenção ou humanidade e também os que estavam
libertação é em Cristo Jesus. Estar em sendo praticados no presente, e aqueles
Cristo é pertencer-Lhe e ser uma parte ainda a serem cometidos - porque Ele
de tudo o que Ele tem feito e realizado o declarou através dos Seus apóstolos
por meio de Sua obra redentora. Paulo e profetas. Esses pecados do passado
agora prossegue mostrando exatamente foram cometidos na sua tolerância
o que esta obra envolveu. (Rm. 3: 25). O Senhor não se esque-

-19 -
ROMANOS 3: 26-31 - 4: 1-5

ceu desses pecados, embora não os uma confiança pessoal nEle. Este fato
resolvesse imediatamente. não significa que a Lei seja anulada
A ação de Deus na cruz foi mais do Antes, confirmamos a lei, ou estabele-
que uma autovindicaçâo à vista da cemos. Ela é confirmada no seu papel
história humana do passado. Ela foi de tornar os homens cônscios do pecado
também a manifestação da sua justiça (v. 20). A lei confronta os homens não
no tempo presente (3: 26). O Senhor apenas com o seu próprio pecado, mas
tem de ser justo agora quando declara também com o Doador da Lei. Quando
justificado aquele que crê em Jesus. os homens confiam em Deus, o Doador
Ele não passou uma lei dizendo, que da Lei, estão exatamente no lugar onde
aquele que crê em Jesus, seria decla- a lei tinha a in tenção de colocá-los.
rado justificado simplesmente porque 3) A Justificação pela Fé na Vida de
Ele o disse. Antes, Ele agiu. O Pai, o Abraão. 4: 1-25.
Filho e o Espírito Santo entraram na A argumen tação de Paulo de que
arena do pecado humano. O Todo-Po- somos justificados pela fé, não é algo
deroso colocou a base sobre a qual novo. O objeto da fé para Paulo era
poderia perdoar o pecado, e sobre a qual Cristo. A explícita apresen tação da fé
declara os pecadores justificados, ainda em Cristo como meio de justificação,
assim permanecendo justo. torna a nova aliança uma aliança eterna.
27-31. Agora Paulo prossegue com os Mas a velha aliança já trazia em si o
resultados da obra salvadora de Deus em princípio da justificação pela fé. Quem
Cristo na cruz. Ele sustenta que a jactân- melhor do que Abraão serviria, por
cia está excluída. Como? Por que lei? Por exemplo? Ele foi o pai do povo judeu.
que tipo de sistema, princípio, código, Por isso Paulo examina cuidadosamente
ou norma poderia a jactância ficar ex- a sua vida.
cluída? Das obras? Oh, não. Tal sistema a) Sua Justificação Obtida pela Fé,
engendra o orgulho. Antes, é pela lei não pelas Obras. 4: 1-8. 1. Paulo repre-
da fé. Uma vida centralizada nas obras senta um judeu fazendo a pergunta:
é uma vida centralizada no ego. Mas a Que pois, diremos ter alcançado Abraão,
lei ou código da fé produz uma vida nosso pai segundo a carne? Essas per-
centralizada em Deus. O Cristianismo guntas que Paulo freqüentemente apre-
está sendo considerado aqui corno uma senta, provavelmente lhe eram feitas
nova lei - um código de vida com a fé no nas suas viagens de cidade em cidade.
seu centro. Esta idéia da palavra lei 2. Vamos aceitar por um instante que
se encontra em Rm. 3: 27; 8: 2; Tg. 1: 25; Abraão fosse justificado pelas obras;
2: 8, 9; 2: 12. A essência da lei da fé é ele poderia então jactar-se. Sua jactan-
que o homem é justificado pela fé, cia, entretanto, não seria em Deus, mas
independentemente das obras da lei (Rm. nele mesmo. 3. O testemunho das Es-
3: 28). O Senhor é aquele que declara os crituras é a autoridade final para re-
homens justificados. Ele é o Deus, tanto solver qualquer ponto em discussão.
de judeus como de gentios (v. 29). Ele Abraão cria ou confiava em Deus. A
declara que os judeus são justificados crença ou confiança, isso lhe foi im-
por causa da (ek) fé, e os gentios medi- putado para justiça. (Arndt, dikaiosyne,
ante a (diá) fé. Nos dois exemplos a fé 3, pág. 196; eis 8 b., pág. 229). Aqui
é a causa da declaração de Deus. Assim Paulo está citando Gênesis 15: 6.
ambos, judeu e gentio, encontram acei- 4,5. Ora, ao que trabalha, o salário
tação com Deus da mesma maneira - a- não é considerado como favor, e, sim
través de uma submissão pessoal a Ele, como dívida. Salário vencido não tem li-

-20-
ROMANOS 4: 5-12

gaçãoalguma com doação. Masao que não que Crêem pela Sua Fé Anterior à Cir-
trabalha, porém crê naquele que justi- cuncisão. 4:9-12. Se o caso de Abraão
fica ao ímpio, a sua fé lhe é atribuída é uma ação judicial que põe à prova a
como justiça. Aqui, em poucas palavras, constitucionalidade da lei, como a sua
está resumida a doutrina paulina da fé se relaciona com o rito da circuncisão?
justificação pela fé. Confiança cons- Ele foi o primeiro a participar desse rito,
tante ou entrega a Deus é o primeiro e este se tomou o sinal da aliança de
e único requisito do homem, que é Deus com o Seu povo. Com toda certeza
justificado. Para os judeus isso era um essa pergunta era feita em toda discus-
escândalo de proporções não despre- são que Paulo tivesse com os judeus.
zíveis. Não podiam aceitar que Deus 9,10. O apóstolo insiste que o cré-
pudesse absolver um homem culpado, dito da fé para a justificação teve o seu
ímpio. Duas coisas eram desprezadas lugar antes da circuncisão de Abraão.
pelos judeus que se opunham a isto, Na verdade, a circuncisão é considerada
como se fosse um libelo contra a essência nas Escrituras como o sinal da circun-
de Deus. Primeiro, os judeus rejeitavam cisão como selo da justiça da fé (v. 11).
Jesus como Messias, e, portanto, eles Conclue-se que a circuncisão foi um
menosprezavam a transação redentora sinal dado a Abraão da justificação,
que envolvia Deus e Cristo. Segundo, que Deus lhe concedia por causa de
falharam em compreender o signifi- sua confiança. Uma vez que a fé e a
cado da crença ou confiança da parte concessão da justificação ocorrem antes
daquele que era ímpio. Tal confiança da circuncisão, Abraão é o pai dos gentios
mostra que o homem já não é mais um que crêem, mas que não têm este sím-
indivíduo sem Deus, mas antes uma bolo religioso. A ordem no caso de
pessoa que se entregou a tudo o que Abraão - fé e depois o crédito da justi-
Deus é, a tudo o que Deus fez, e a tudo ficação - toma inequivocamente claro
o que Deus fará. que a justiça pode ser computada aos
6-8. Davi também fala de como é gentios que crêem. O fato da circun-
bem-aventurado (feliz) o homem a cisão ser um sinal de justificação conce-
quem Deus atribui justiça independen- dida a Abraão por causa de sua fé, faz de
temente das obras. Com isto confirma Abraão também o pai dos judeus, os
a afirmação anterior feita sobre Abraão. quais - como ele - receberam a cir-
Na citação de SI. 32: 1, 2, fica claro que cuncisão, exerceram a fé, obtiveram a
a justificação creditada a um homem, justificação concedida por Deus, e con-
é colocada em sua conta. Descreve-se sideram a circuncisão como o sinal
essa mesma pessoa tendo perdoados desta fé e justificação. 12. Observe que
seus feitos ilegais e cobertos os seus Abraão não é o pai (num sentido espi-
pecados. O Senhor não coloca o pecado ritual e vital) daqueles que só têm o
em sua conta. Em lugar de um débito sinal externo; mas, antes, ele é o pai
que jamais conseguiria pagar, ele recebe daqueles que andam na fé, que ele teve
a justificação em sua conta, justificação antes de receber qualquer sinal exterior.
essa que nunca mereceu. Como pode Os judeus deviam andar nas pegadas
um homem ser justificado diante de de Abraão, o homem da fé, não nas
Deus? Deus concede a Sua justiça àque- pegadas de alguém que legalístamente
les que confiam nEle (Fp. 3: 9). O V.T. realizasse um rito que Deus tivesse or-
afirma que Deus o faz. O N.T. mostra denado.
mais claramente como Ele o faz. c) Realização da Promessa Realizada
b) Abraão Feito Pai de Todos Aqueles pela Fé, não pela Lei. 4: 13-16. Paulo

- 21-
ROMANOS 4: 12-17

assevera que a promessa foi dada a sa) provém da fé. A promessa tem sua
Abraão ou sua semente, não por inter- fonte na fé a fim de que todos saibam,
médio da lei. Que promessa Paulo tem em que o conteúdo da promessa é um favor,
mente? É a promessa de que ele, Abraão, não coisa merecida, que venha em retri-
havia de ser herdeiro do mundo. Esta buição de algo. Mais ainda, a promessa
linhagem exata não se encontra no V.T., é garantida para toda a descendência.
mas certamente Paulo fala aqui de Abraão Paulo esclarece que a posteridade não
como o pai de uma grande descendência deve ser restringida àqueles que viveram
(Gn. 15: 5,6; 22: 15-18). A grande quan- sob a Lei. Antes, a posteridade refere-se
tidade da sua semente - como as estre- àqueles que, tal como Abraão, crêem em
las do céu e a areia ao longo da praia Deus - aqueles que participam da fé de
(Gn. 22: 17) - era entendida 'pelos Abraão. Se esta é a definição da palavra
judeus como se referindo apenas aos descendência, então Abraão é realmente
seus descendentes físicos. Mas em Rm. pai de todos nós.
4: 11 Paulo diz que Abraão é o pai da- d) Deus, o Senhor da Morte, o Objeto
queles que crêem entre os gentios - "a- da Fé para Abraão e o Cristão 4: 17-25.
queles que crêem estando na incircun- Nesta parte o leitor vê o Deus em Quem
cisão". Por isso Abraão é o herdeiro Abraão creu. Também fica sabendo que
do mundo, porque ele é o pai dos crentes. obstáculos e dificuldades Abraão venceu
Esta promessa é mediante a justiça da fé. por causa de sua firme confiança. Ambos,
É claro que a fé realmente não concede Abraão e o Cristão, partilham da mesma
a justiça. Deus a concede com base na convicção: Deus dá vida aos mortos.
fé. 14. E se nós presumirmos que aqueles 17. Um ano antes de Isaque nascer,
que são da Lei são herdeiros? Anula-se Deus reapareceu a Abraão, reenfatizando
a fé e cancela-se a promessa. Sempre Sua aliança com ele, dizendo que seria
que a escolha recai sobre a fé ou a lei, o pai de muitas nações, e mudando o
então a escolha da lei (legalismo) como seu nome de Abrão para Abraão (Gn. 17:
base da herança do mundo e maneira 1-5). O apóstolo cita a frase, Por pai de
de agradar a Deus, significa abandonar muitas nações te constituí. Paulo des-
a fé e a promessa que nela se baseia. lS. creve Abraão, no momento em que
A lei suscita a ira. Ela o faz estabelecendo esta declaração foi feita, perante aquele
um padrão divino de conduta. Os homens (Deus) no qual creu. Duas coisas impor-
que ignoram esse padrão e fazem o que tantes foram ditas sobre o Deus em Quem
querem, colocam-se diretamente sob a Abraão creu: 1) Ele vivifica os mortos.
ira de Deus. Mas onde não há lei, também Abraão experimentou este poder no
não' há transgressão. Ninguém normal- nascimento de Isaque (cons. Rm. 4: 19).
mente seria acusado de excesso de ve- Paulo estava pensando no Pai especial-
locidade, se o estado não tiver um limi- mente como Aquele que ressuscitou
te de velocidade, e se não houver sinais Cristo (cons. v. 24). 2) chama à exis-
de limite colocados ao longo da estrada, tência as cousas que não existem. Este
e se não houver nada que pareça irrazo- é o poder do Senhor para criar. Também
ável e impróprio naquele que está diri- poderia ser traduzido assim: Deus cria
gindo. A palavra transgressão (para- o que não existe como se existisse.
basis) refere-se a uma infração, uma vio- Nenhum mortal pode compreender o
lação de ordem específica. O papel da poder criativo de Deus. A criação dos
Lei, então, é o de esclarecer o que Deus objetos animados e inanimados e a sua
exige dos homens. conservação é a atividade de Deus. A
16. Essa é a razão por que (a promes- natureza dos objetos pode ser discutida

-22-
ROMANOS 4: 17-25

- mente, matéria, energia - mas o por- Cristo nosso Senhor. Há uma diferença
quê e como de sua existência, só pode entre Abraão e o Cristão. Abraão creu
ser exatamente conhecido até onde ou confiou em Deus (v. 3). O Cristão
o Senhor revela. 18. Conhecendo Abraão confia no mesmo Deus, mas agora Ele
um Deus assim, ele era capaz de crer, é conhecido como o Deus que ressus-
em esperando contra a esperança. Sua fé citou Jesus Cristo dos mortos (v. 24).
foi dirigida para o propósito e alvo de Nisto o Senhor revelou-se agindo em be-
ser o pai de muitas nações. 19. Havia nefício do homem de um modo todo
dois grandes obstáculos na consecução especial. 25. O centro de sua ação é
do seu alvo. Ele era fisicamente incapaz Cristo, o qual foi entregue por nossas
de gerar um filho. Sua esposa Sara era transgressões. O verbo "entregar" está
fisicamente incapaz de conceber e dar à na voz passiva, significando que foi
luz. Mas ele sem enfraquecer na fé, em- Deus que o entregou (cons. 8: 32). A
bora levasse em conta o seu próprio mesma palavra foi usada com Judas e
corpo (considerando-o) amortecido (v. sua traição. Mas embora Judas fosse
19). Ele não considerou o seu próprio o instrumento humano, que entregou
corpo já morto. Mas esta negativa não Cristo aos soldados, e embora o pecado
é sustentada pelos melhores manuscritos. de Judas fosse muito grande, era propó-
Portanto, Paulo descreve Abraão enfren- sito de Deus que Cristo fosse entregue
tando a dificuldade. Ele tinha cerca de nas mãos dos pecadores. (A palavra
cem anos de idade. Ele considerou "entregou", paradidomi, é usada em
mais a morte do ventre de Sara. 20. diversos contextos interessantes. Para
Não duvidou da promessa de Deus, um estudo dessa palavra veja F. Buchsel,
por incredulidade. A palavra que foi TWNT, 11, 171-175; Karl Barth, Church
traduzida para "duvidou" (diakrino) Dogmatics, VoI. 11, Parte 2, lhe Doctri-
poderia ser também "oscilou". Para o ne of God, págs. 480494). Quando ve-
patriarca, não havia incerteza por causa mos que "nossas" transgressões exigiram
de incredulidade. Em face desses obs- que Cristo fosse condenado à morte,
táculos, Abraão se fortaleceu na fé ou a morte de Jesus aparece numa luz
confiança. Observe aqui os efeitos da diferente. Um observador neutro po-
crença e descrença. A incredulidade põe deria concluir que Cristo morreu e
a pessoa em discordância com ela mesma; ressuscitou. Mas alguém que se entregou
a crença produz força para enfrentar o a Deus diz: "Jesus foi entregue por causa
obstáculo. Abraão deu glória a Deus das minhas transgressões". O pronome
conforme foi fortalecido. 21. Ele esta- plural nossas mostra a identificação de
va convencido de que o que ele (Deus) Paulo com seus leitores romanos. Ressus-
. . . prometera, era capaz de realizar. citou por causa da nossa justificação. O
O verbo "prometer" está no perfeito. verbo está novamente na passiva. Deus
Isto significa que Abraão estava na posse ressuscitou Cristo dos mortos. Aqui se
da promessa, tão grande era sua con- diz que a ressurreição foi essencial para
vicção de que a promessa se realizaria. sermos justificados. A ressurreição assi-
22. Este era o tipo de fé creditado a nalou não somente a vitória de Cristo
Abraão como justiça. 24. O crédito sobre a morte mas também sua vida
da fé como justiça, não foi só para o testífica que Ele completou a obra
benefício de Abraão. O registro deste redentora que foi planejada por Deus
fato foi por nossa causa. A justiça será (a obra para a qual Ele se tornou ho-
computada àqueles que crêem naquele mem), e que Ele vive para rogar pela
que ressuscitou dentre os mortos Jesus causa daqueles que crêem nEle e na

-23 -
ROMANOS 4: 25 - 5: 1-5

Sua obra redentora. à presença de Deus. Prosagoge pode ser


4) A Centralidade da Justificação traduzido por "aproximação", "acesso"
pela Fé nas Vidas Individuais e na Es- ou "introdução" (veja LSJ, pág. 1500).
trutura da História. 5: 1-2i. Mas a idéia de "introdução" vai de mãos
Na primeira parte deste capítulo, dadas com "acesso" ou "aproximação".
Paulo examina o significado da justi- Alguém que vai falar com um rei precisa
ficação pela fé para os crentes. O que de ambas as vias de acesso - o direito
eles têm? O que eles deveriam fazer? de ir e uma introdução - a devida apre-
Como Deus se relaciona com eles e sentação. O direito de acesso é funda-
qual é o seu futuro? Depois ele volta mental, a introdução mais uma questão
para uma comparação dos efeitos do de protocolo. Portanto o destaque aqui
afastamento de Deus, por parte de Adão, tem de ser dado ao acesso. O acesso
com os efeitos da obra reconciliatória é a esta graça na qual estamos firmes.
de Cristo. A importância da justificação Esta graça é o favor não merecido de
na última metade do capítulo foi escla- Deus, que declara justificados aqueles
recida pela repetição do termo em 5: 17, que colocaram a sua confiança em Jesus.
18,19,21. 2b. A tradução gloriemo-nos na espe-
a) Os Efeitos da Justificação pela rança deixa de esclarecer ao leitor que
Fé sobre os Recipientes. 5: 1-11. 1. O o mesmo verbo foi usado aqui, e em
particípio fala da ação que foi realizada. 5: 3 - "nos gloriamos nas tribulações".
Justificados, pois, mediante a fé. Este Portanto 5: 2 realmente significa: E nos
tem sido o tema desde 3: 21 até 4: 25. gloriemo-nos na esperança da glória
Partindo deste tema, seguem-se certas que Deus há de manifestar ou exibir.
condições e reações. As principais for- A esperança exerce parte vital na vida
mas verbais em 5: 1, 2, 3 podem ser dos crentes, pois ela se relaciona com tu-
traduzidas: "Temos paz ... nos gloria- do o que Deus tem prometido fazer
mos . . .". Ou esses verbos podem ser por eles em Cristo.
traduzidos como exortações: "Desfrute- 3,4. Mas esta esperança se toma mais
mos da paz que temos . . .gloriemo-nos clara na pressão que dia à dia exerce na
na esperança . . . gloriemo-nos nas afli- vida. O crente se gloria nas tribulações,
cões. . ." Os verbos estão todos no porque sabe que elas produzirão uma
tempo presente, e expressam atividade visão mais clara do que está à frente
constante. A paz que um crente tem - esperança contendo convicção. A
é a paz com Deus. Este é um estado ordem destes versículos é significativa
objetivo para aquele que é declarado - tribulação, perseverança, experiência,
justificado. Ele é por meio de nosso e então esperança. As provações des-
Senhor Jesus Cristo. A obra redentora pertam a paciência. A paciência pro-
de Cristo forneceu uma expiação, uma duz o caráter. E o resultado disso tudo
cobertura para o pecado daquele que é a esperança. 5. Ora, a esperança não
foi declarado justificado pela fé. Esse confunde. Mesmo se a esperança se cen-
tal foi .reconcílíado com Deus. Portanto traliza na futura ação de Deus (8: 24,
a hostilidade e animosidade entre Deus 25), ela tem uma importante possessão
e os crentes já se foi. Em lugar disso presen te - o amor de Deus é derramado
há uma bendita paz. em nossos corações pelo Espírito Santo,
2a. Há uma comunhão - por inter- que nos foi outorgado. A abundância
médio de quem obtivemos igualmente deste amor no coração dos homens
acesso. A maravilha de ser declarado justificados, e o seu alcance, Cristo
justificado consiste neste acesso aberto diz ser a qualidade distintiva dos cris-

- 24-
ROMANOS 5: 5-11

tãos (Jo. 13: 34, 35). dade, conclui o apóstolo, muito mais
Este amor, derramado em nossos verdade é que seremos salvos pela sua
corações, com a esperança que não vida. Em outro lugar, Paulo destaca
desaponta, tem o seu exemplo supremo que aquele que é ligado ao Senhor é
no amor de Deus por nos (Rm. 5: 6-8). um espírito com Ele (I Co. 6: 17), isto
6. Realmente, quando nós ainda éramos é, participa da vida ressurreta e poder
fracos (fraqueza moral), (Cristo) morreu espiritual de Cristo. Ele também diz:
a seu tempo pelos ímpios. Raros são os "Quando Cristo, que é a nossa vida, se
exemplos de uma pessoa morrendo manifestar, então vós também sereis
por um homem justo. Que alguém possa manifestados com ele, em glória" (CI.
se aventurar a morrer por um homem 3: 4). Seremos salvos pela vida de Cristo
bom, por causa do impacto de sua vida, porque participamos desta vida. Per-
é muito plausível. Mas, que Deus de- tencemos a Cristo. O escritor aos He-
monstraria o seu amor por nós em Cristo, breus destaca que Cristo vive para in-
morrendo por nós enquanto éramos terceder por nós (Hb. 7: 25). A vida
ainda pecadores, não é apenas espantoso, intercessória de Cristo na glória, tem um
mas quase incrível. Quatro vezes nesta desempenho vital na salvação dos cren-
seção ocorre a preposição hyper (vs. tes. Mas o contexto aqui parece desta-
6, 7, 7, 8). Ela tem um sentido tão car a participação dos crentes na morte
amplo que nenhuma palavra pode trans- e vida ressurreta de Cristo. Os crentes
miti-la. Ela realmente envolve em uma serão salvos (fut.) pela sua presente e
só unidade as idéias de "em benefício futura participação na vida de Cristo.
de", "em favor de" e "em lugar de". 11. Jactar-se ou gloriar-se em Deus,
Se estas idéias forem colocadas dentro ato esse por meio do qual o crente a-
da palavra "por", então todo o signifi- firma sua devoção a Deus, é feito atra-
cado da morte de Cristo "por" nós vés do Senhor Jesus Cristo. Através
começa a despontar. dEle acabamos agora de receber a recon-
9. Mas Paulo rapidamente muda o ciliação. Deus é Aquele que age na
cenário do nosso anterior estado de reconciliação (11 Co. 5: 18, 19), e os
pecadores para o agora. Se Deus nos homens diz-se que são reconciliados
amava quando éramos pecadores, se (Rm. 5: 10; 11 Co. 5: 20), isto é, Deus
Cristo morreu por nós então, muito age sobre eles. Assim, os crentes, diz-se,
mais agora, tendo sido declarados jus- recebem reconciliação. São os recipi-
tificados por Seu sangue, seremos sal- entes de um relacionamento de paz e
vos através dEle (Cristo) da futura ira harmonia realizado por Deus.
de Deus. Observe que a base para a jus- b) Os Efeitos da Desobediência de
tificação é o sangue de Cristo. Esta fu- Adão e da Obediência de Cristo. 5: 12-21.
tura salvação é do castigo da ira de Esta é uma das passagens mais difíceis
Deus, do qual se fala em 11 Ts, I: 9, "eter- do livro de Romanos, porque Paulo é
na destruição, banidos da face do Senhor tão conciso. A aparente repetição, é
e da glória do seu poder". 10. Os que apenas por causa de freqüente menção
agora estão justificados, diz-se, que de Adão e Cristo - e aqueles que foram
foram reconciliados com Deus, quando influenciados por suas ações. Na verdade,
inimigos. A base dessa reconciliação Paulo desenvolve seu argumento com to-
ficou explicitamente declarada - me- do o cuidado. Ele usa o argumento a
diante a morte de seu Filho. Fomos fortiori (mais conclusivamente, com ra-
reconciliados por Sua morte enquanto zões mais fortes): Se o pecado de Adão
ainda éramos inimigos. Sendo isto ver- resultou nisso, quanto mais a obra reden-

-25 -
ROMANOS 5: 11-14

tora de Cristo fará. Embora a obra com Acã foi erradicado de Israel. Outro
redentora de Cristo seja muito mais exemplo de solidariedade familiar en-
potente do que a transgressão de Adão, contra-se no incidente de Abraão, pagan-
como mostra o apóstolo, isto não sig- do dízimos a Melquisedeque (Gn. 14:
nifica que todos os homens serão salvos. 18-20). O escritor aos Hebreus diz que
Pois os homens, para reinar em vida, Leví deu dízimos a Melquisedeque,
devem receber a abundância da graça embora não nascesse antes de aproxi-
e a justiça que Deus põe à disposição madamente 200 anos mais tarde. Ele
deles (v. 17). diz que Levi estava ainda nos lombos
12-14. A Universalidade do Pecado e de seu pai, quando este se encontrou
da Morte. 12. Por um só homem entrou com Melquisedeque (7,9, 10). No mesmo
o pecado no mundo, e pelo pecado a sentido, Adão era o indivíduo e a raça.
morte. O homem é Adão. O tempo do Sua posteridade é considerada agindo
verbo indica uma entrada histórica distin- com ele porque é a sua descendência.
ta. Mundo refere-se à humanidade (uso Como filhos de Adão constituem a
comum da palavra em Romanos; cons. raça de Adão.
1: 8; 3: 6; 3: 19; 5: 12, 13). A morte 13. Dos tempos de Adão até os da lei
passou a todos os homens porque todos mosaica, o pecado estava no mundo.
pecaram. A morte física sobreveio a todos Estava presente nos atos dos homens
os homens, mas não porque estivessem e na sua natureza (isto é, no princípio
todos no processo do pecado individual. da rebeldia que se encontrava neles).
Todos os homens pecaram (com exce- Mas o pecado não é levado em conta
ção das criancinhas que morrem na in- quando não há lei. Adão foi acusado
fância) experimentalmente. Mas Paulo do seu pecado e do pecado de sua des-
não está falando sobre isso aqui. O cendência, porque ele quebrou uma
pecado de todos centraliza-se no de ordem explicitamente dada por Deus.
um só homem, Adão. Porque todos Os homens, de Adão até Moisés, sem
pecaram. Paulo declara que todos os tais leis explícitas, não poderiam ser
homens pecaram quando Adão pecou, acusados do pecado na forma em que
mas ele não explica como. Todavia Adão foi. Eles não tinham estatutos
muito se tem escrito sobre a questão definidos e específicos, como os que
do como. O conceito paulino da soli- foram mais tarde dados na lei mosaica.
dariedade racial, parece ser uma uni- 14. Mas esses homens participaram dos
versalização do conceito hebreu da efeitos do pecado de Adão, porque a
solidariedade da família. Uma figura morte reinou de Adão a Moisés, mesmo
trágica da solidariedade familiar vê-se sobre aqueles que não pecaram à seme-
em Josué 7: 16-26, quando Acã foi des- Ihança da transgressão de Adão. Olhando
coberto ser a causa da derrota de Israel para esses homens do ponto de vista
em Aí. Apropriara-se de despojos de da solidariedade humana, Paulo vê os
Jericó, contrariando ordem específica homens de Adão a Moisés, todos en-
do Senhor (Js. 6: 17, 18). Acã não acu- volvidos no pecado inicial de Adão
sou ninguém mais - "Eu vi ... cobicei-os e suas conseqüências. Aqueles, neste
e tomei-os" (Js. 7: 21). Mas na adminis- grupo, que não pecaram quebrando uma
tração do castigo, não foi somente Acã, ordem especificamente dada, também
mas também toda sua propriedade, seus morreram. Adão foi chamado neste
filhos, suas filhas, seus bois, seus jumen- versículo de o qual prefigura aquele
tos, suas ovelhas, sua tenda, foram que havia de vir. Paulo não está dizendo,
destruídos. Tudo o que tinha ligação que não houveram ordens dadas por

-26 -

I ~'
ROMANOS 5: 14-19

Deus conhecidas pelos homens en tre transgressão de um, con trasta com o
Adão e a Lei (cons. Gn. 26: 5). Ele reino da vida - uma parte daqueles
afirma que uma ausência de um código que recebem a abundância da graça
legal - de uma norma divinamente e o dom da justiça. Por meio de um só,
concedida - afeta a maneira como reinou a morte. Adão transgrediu o
o pecado é colocado contra os homens. mandamento de Deus, que dizia, que
15-17. Resultados Contrastantes de não devia comer da árvore do conhe-
Diversas Atitudes. Paulo destaca as di- cimento do bem e do mal (Gn. 2: 17).
ferenças entre Adão e Cristo. Esta ordem foi um teste da obediência
15. A transgressão de um (Adão) do homem a Deus. Com a entrada do
contrasta-se como a graça de Deus e o pecado na experiência do homem, a
dom na esfera da graça que um homem, morte também entrou. A morte passou
Cristo, concede. Morreram muitos por a reinar. Reinava de maneira suprema.
causa da transgressão de Adão. Uma vez A atitude de Adão provocou o reino da
que a morte passou a todos os homens morte. Muito mais. Eis aí novamente a
(v. 12), está claro que a expressão muitos ação de um homem; mas desta vez é a
refere-se a "todos os homens". Muito ação de um homem simplesmente em
mais. A graça de Deus e o dom que está resposta ao que Deus fez. Os que rece-
na esfera da graça, que Cristo concede beram a abundância da graça, e do dom
afluiu para muitos. "Os muitos" é o mes- da justiça. Vemos aqui o homem obri-
mo grupo que foi afetado pela transgres- gado a tomar uma atitude para com a
são de Adão, e conseqüentemente morre- ação de Deus. A abundância da graça
ram. A graça de Deus e o dom na esfera relaciona-se com tudo o que Deus rea-
da graça de Cristo abundou para todos lizou e prometeu fazer em Cristo. O dom
os homens. O dom é a justificação (veja foi definido aqui como a justiça. É a
v. 17). O ato de Adão trouxe a morte. justiça concedida por Deus com base
A graça divina abunda para aqueles que na fé (Rm. 1: 17;3: 21, 22, 26; 5: 17,21;
foram afetados pelo ato de Adão. 9: 30; 10: 3). Aqueles que estão receben-
16. O veredito da condenação pro- do o favor abundante de Deus para com
veniente da transgressão, contrasta com o os que estão em Cristo, e a justificação
dom gracioso que veio à existência por que Ele concede, reinarão em vida por
causa das muitas transgressões. Porque meio de um só, a saber, Jesus Cristo.
o julgamento derivou de uma só ofensa, Por causa da obra de um só homem,
para a condenação. O juízo (veredito) Jesus Cristo, a morte não reina mais,
refere-se à sentença de Deus. A palavra mas os homens reinarão em vida por
condenação envolve idéias de "castigo" meio de um só. Por que não são tantos,
e "ruína". Perguntamos: a quê? A res- os que reinam em vida, quantos os
posta é, ao castigo e à ruína. A seriedade que estavam sob o reino da morte?
desta condenação não pode ser exage- Porque a abundância da graça e o dom
rada. Mas a graça transcorre de muitas da justiça, foram rejeitados por um
ofensas, para a justificação. O resultado número maior do que os que os rece-
da transgressão de Adão foi a condena- beram.
ção. Muitas transgressões produziram a 18,19. Todos os homens foram afe-
operação do gratuito dom de Deus, e tados pela trangressão (de Adão) e o
o seu resultado ou alvo é a absolvição. ato da justiça (a morte expiatória de
Como deve ser poderoso este dom gra- Cristo e a Sua ressurreição). Pois (como
tuito quando dirigido para tal fim! resultado então). Paulo está pronto
17. O reino da morte, por causa da para resumir o seu argumento brevemente.

-27 -
ROMANOS 5: 19- 21

Assim como por uma só ofensa veio o ficado: "apontar" "colocar na catego-
juízo sobre todos os homens. O sujeito ria de ", "constituir", "estabelecer".
aqui, o juízo, tem de ser suprido do Por causa da desobediência de Adão,
versículo 16. O verbo veio é uma tra- os muitos foram apontados por Deus
dução satisfatória do verbo grego ege- como sendo pecadores. Foram coloca-
neto, que deveria ser fornecido. Assim dos na categoria de, e constituídos peca-
também por um só ato de justiça veio a dores. Por causa da obediência de Cristo,
graça sobre todos os homens para justi- os muitos serão apontados como justos.
ficação que dá vida. Em relação a um só O verbo está no futuro porque Paulo
ato de justiça veja Arndt, dikaioma, 2, estava pensando na futura geração de
pág. 197. Romanos 4: 25 dá evidência crentes, que confiando em Cristo seriam
de que Paulo considerava a morte e a declarados justos. Teria o apóstolo mu-
ressurreição de Cristo como um todo dado o alcance dos muitos em cada
unificado. O sujeito, a graça (dom gra- lado desta comparação? Não, porque
tuito), deve ser procurado em 5: 16. Esta ele está mostrando em que categoria
graça vem a todos os homens com o pro- Deus coloca os homens quando ele
pósito de (para) justificação que dá vida os encara em termos do efeito real
(veja Arndt, dikaiosis, pág. 197). Em da desobediência de Adão, e do efeito
ambas as partes deste versículo, ocorre potencial da obediência de Cristo. Paulo
a mesma frase - todos os homens. Por não está ensinando, como em 5: 17,
meio de uma transgressão o veredito que todos os homens serão salvos. Mas
ou sentença de juízo veio sobre todos no versículo 19, ele declara que, a obe-
os homens. Da mesma maneira, por diência de Cristo abrange todos aqueles
meio de um só ato de justiça veio o dom afetados pela desobediência de Adão.
gratuito da redenção (veja Amdt, karis-
20,21. O Reino do Pecado Versos o
ma, 1, pág. 887) sobre todos os homens
Reino da Graça. Aqui Paulo conclui a
com o propósito da absolvição que pro-
argumentação que começou em 5: 12
duz vida. Paulo declara que o efeito do
sobre a pergunta: Qual dos dois é o
ato de justiça de Cristo, estende-se exa-
mais poderoso - o pecado ou a graça?
tamente até onde se estendeu o efeito
20. O escritor nos faz lembrar que
da transgressão de Adão.
19. Como pela desobediência de um embora a justificação pela fé seja o ponto
só homem muitos se tomaram pecadores, central da história humana, a Lei tem
assim também por meio da obediência um lugar importante. A Lei veio para
de um só muitos se tomarão justos. A que avultasse a ofensa (aumentasse,
desobediência de Adão contrasta com multiplicasse). Mas, onde abundou o
a obediência de Cristo. No versículo pecado. As palavras ofensa e pecado
precedente Paulo emprega o vocabulário foram ambas personificadas aqui, fazendo
e a estrutura de um tribunal de justi- do mal um inimigo distinto e não uma
ça - condenação de um lado e absol- mera abstração. Superabundou a graça.
vição de outro. Ele conserva esta lin- Ou, . esteve presente em abundância
guagem legal também neste versículo. O ainda maior. A graça é muito mais po-
verbo kathistemi, traduzido como se derosa que o pecado. Todavia quando
tomarão, faz parte dessa linguagem os crentes vêem o tremendo poder do
legal. Em que sentido os muitos se tor- pecado, esquecem-se desta verdade.
naram pecadores e em que sentido 21. Como o pecado reinou pela
os muitos se tomarão justos? A lin- morte, a graça abundou para que reinas-
guagem legal sugere o seguinte signi- se ... pela justiça. O pecado está relacio-

-28 -
ROMANOS 5: 21 - 6: 1-4

nado com a morte neste versículo, assim da graça libertadora? 2. A resposta de


como no versículo 5: 12. A graça reina a- Paulo é enfática. De modo nenhum. A-
través da justiça que Deus concede. O fa- quele que confia em Cristo identifica-se
to de que ajustiça de Cristo foi concedida com o Senhor Jesus na Sua morte. Nós,
àqueles que crêem, significa que, além os que para ele morremos? O versículo
de serem declarados justos, pertencem 10 esclarece que Paulo, aqui está falando
também ao reino e ao triunfo da graça. da morte de Cristo. Mas ele usa a pri-
Para vida eterna, mediante Jesus Cristo meira pessoa do plural - Nós morremos
nosso Senhor. A graça reina com um para o pecado. É uma experiência do pas-
alvo em vista - a vida eterna. A vida sado. Sendo assim, como poderíamos
eterna é uma qualidade de vida; é viver ainda viver no pecado quando já morre-
segundo a vida de Deus e para Deus. mos para ele?
Os crentes, agora, têm esta vida. Mas 3-5. Tendo dito que o crente morreu
vida eterna significa, além de viver por com Cristo, Paulo refere-se agora à or-
Deus e para Ele, viver em um ambiente denança do batismo. Aqui o apóstolo
que Ele tornou perfeito - livre de todo segue seu familiar padrão de declarar a
pecado. Portanto a vida eterna é o des- verdade e depois ilustrá-la. 3. Todos os
tino do crente, como também a realidade que fornos batizados em Cristo Jesus,
imediata. Como esta vida será alcançada? fomos batizados na sua morte? A frase
Por meio de uma pessoa - mediante "serem batizados em" (baptizein eis)
Jesus Cristo nosso Senhor. também pode ser traduzida para foram
B. A Justiça, Maneira de Vida Cristã batizados com respeito a. É usado no seno
Diante de Deus. 6: 1-8: 39. Até aqui Pau- tido de ser batizado com respeito ao
lo tem destacado que Deus é justo e nome de alguém (cons. At. 8: 16; 19: 5;
reto (cons. 3: 26) e que Ele concede a I Co. 1: 13,15; Mt. 28: 19; veja Arndt,
justiça àqueles que crêem (cons. 3: 22). baptizõ, pág. 131). A ordenança do
Diante da pergunta como os homens batismo está sendo focalizada com
se tomam justos diante de Deus, ele respeito à morte de Cristo - seu signi-
replicou: "Não pelas obras mas pela ficado e resultado. Mas Paulo aqui aponta
confiança em Deus" (cons. 4: 1-8). Mas para as implicações do batismo no que
aquele que tem a justiça, que Deus con- se refere à maneira de viver dos romanos.
cede, deve viver uma vida justa. Paulo 4. Fomos, pois, sepultados com ele na
agora demonstra o que isto significa. morte pelo batismo. "Fomos sepultados
Primeiro, ele elimina algumas idéias junto" destaca a realidade da morte de
erradas sobre o seu ensinamento sobre Cristo. Cristo morreu, e o crente real-
a graça. A seguir, ele demonstra que mente morreu com Ele. Como Cristo
foi ressuscitado dentre os mortos pela
na luta contra o pecado, o crente não
glória do Pai. Esta é uma cláusula com-
deve condenar a lei. Depois ele descreve
parativa. A ressurreição concedeu ao
o pecado como um tirano poderoso, que
Senhor Jesus uma nova maneira de vida.
não pode ser derrotado só pelos esfor-
De modo semelhante nós também deve-
ços humanos. Paulo conclui esta parte
ríamos andar em novidade de vida. Já
apontando como obter a vitória. que fomos idennncauos com Cristo
1) O Sofisma de Que o Pecado Faz na Sua morte, somos identificados com
Abundar a Graça 6: 1-14. Ele na Sua ressurreição. Para o Sal-
1. Já que a graça é tão poderosa, não vador, a ressurreição significou nova
poderia um homem permanecer no pe- maneira de vida. Somos sepultados
cado e ainda assim experimentar o poder com Cristo para que nós, como Ele,

-29 -
ROMANOS 6:4·11

possamos viver em novidade de vida. sículo 2, Paulo aponta o acontecimento


A tradução andar em novidade de vida histórico da morte de Cristo. Nosso
traz em si o viver diário na costumeira velho homem. O homem velho ou não
rotina da vida. S. Se fomos unidos com regenerado, antes de ser renovado, mu-
ele na semelhança da sua morte (MM, dado, transformado. Este homem não
pág. 598), certamente o seremos também regenerado, foi crucificado com Cristo
na semelhança da sua ressurreição. A para que o corpo do pecado seja des-
palavra semelhança foi usada em relação truído. O corpo aqui foi destacado
a duas palavras na tradução deste versf- por causa do papel que exerce na exe-
culo em português - morte e ressurrei- cução dos desejos pecaminosos do ho-
ção. Embora apareça uma única vez no mem. Para que não sirvamos o pecado
texto original, está claro que Paulo como escravos. O pecado aquí foi per-
tinha a intenção de aplicá-la a ambas, sonificado. Como tirano, ele mantém
morte e ressurreíção. Alguns tem desejado os homens presos em abjeta escravidão.
acrescentar "com ele" ao versículo Porquanto quem morreu, justificado
"Se fomos plantados juntamente está do pecado. Uma pessoa morta
com ele na semelhança". Mas sua morte não pode atuar nos acontecimentos
e ressurreição torna claro, não obstante, diários da vida. Alguém que morreu
que Cristo é a figura central do versículo. para o pecado não reage ao padrão
A expressão com ele não se encontra da vida do pecado. 8. Se já morremos
no texto, e sem ela o sentido já é bom. com Cristo. Nosso morrer com Cristo
A ênfase do versículo recai sobre a pala- é a base de nossa crença em que seremos
vra semelhança (homoioma). Pecar na ressuscitados com Ele. 9. A morte de
semelhança da transgressão de Adão Cristo foi em relação ao pecado. Sua
(5: 14) significa pecar do mesmo modo, vitória sobre a morte é permanente.
isto é, desobedecer uma ordem especí- Isto aconteceu uma vez por todas 10.
fica. Não significa pecar o mesmo pecado. Desde o momento de sua morte Ele
Portanto a palavra pode ter os signifi- vive somente para Deus, isto é, para o
cados de "representação", "cópia", "fac- lucro e glória de Deus. E Ele viveu so-
-símile" e "reprodução". (para um exce- mente para Deus antes da Sua morte. Mas
lente exame da palavra e as diversas quando Jesus realizou a Sua obra reden-
interpretações dadas neste contexto,
tora, que se centralizou em Sua morte,
veja Johannes Schneider, TWNT, V, 191-
Sua vida para Deus recebeu uma nova
195). Uma vez que os crentes tiveram
aparência. Ele resolveu a questão do
uma morte como a de Cristo, certamente
pecado de uma vez para sempre. Ele
terão uma ressurreição igual. Isto não
conquistou a morte. Com o pecado
significa que terão uma ressurreição
e a morte derrotados, pôde viver para
idêntica a de Cristo; antes, terão uma res-
Deus tendo estas experiências por trás
surreição como a dEle. No batismo os
dEle.
crentes são ligados à representação de
Sua morte. Ser ligado à semelhança da Tudo isto teve certas conseqüências
ressurreição de Cristo é uma esperança para os crentes (6: 11-14). 11. Devemos
futura da qual eles têm certeza. Ambos nos considerar mortos para o pecado,
os fatos (batismo e ressurreição) apontam mas vivos para Deus. (prosseguir nos
para um modo de vida transformado, considerando). O fato de que devemos
entre estes dois eventos - o andar em prosseguir nos considerando mortos para
novidade de vida. o pecado, mostra que a possibilidade
Nos versículos 6-10, como no ver- do pecado está sempre presente. Mas

-30 -
ROMANOS 6: 11-16.

o nosso considerar é mais do que ne- tolos depois da morte e ressurreição


gativo. Devemos nos reconhecer vivos dEle. a V.T. também ensina as gran-
(constantemente vivendo) para Deus. des verdades cristãs sobre Deus. Paulo
A frase em vosso corpo mortal equi- encarava Cristo e seus ensinamentos
vale ao vos (v. 13). Porque o pecado como sendo a própria lei. "Levai as
não terá domínio sobre vós, isto é, sobre cargas uns dos outros, e assim cumpri-
vossas pessoas, para obedecerdes aos reis a lei de Cristo" (Gl. 6: 2). "Aos sem
seus desejos malignos. Se estamos em lei, (eu me fiz) como se eu mesmo o fosse
Cristo, temos o poder de destronar o sem lei (para os gentios como gentio),
pecado em nossas vidas. Se um crente não estando sem lei para com Deus,
permite que o pecado reine, ele obe- mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar
dece aos desejos malignos que o pecado os que vivem fora do regime da lei.
gera. 13. Nem ofereçais cada um os (os gentios)" (I Co. 9: 21).
membros do seu corpo ao pecado como 2) a Sofisma de que se deve pecar,
instrumentos de iniqüidade. Quando o porque os crentes estão debaixo da gra-
pecado, o tirano, reina nos corações dos ça, e não da lei. 6 :15 ·7: 6.
homens, os pecadores livremente ofere- Quando estamos sob a graça, temos
cem suas mãos, pés, olhos e mente para um novo proprietário. Este fato muda
a causa da injustiça. Em lugar dessa toda a conduta do crente. Nosso "status"
constante dedicação para o mal, Paulo sob a graça é como o de uma mulher
insiste: oferecei-vos a Deus ... e os vos- casada com outro homem depois da
sos membros ... como instrumentos de morte do marido. Envolve toda uma nova
justiça. Por que deveríamos nos apre- maneira de vida. Assim, por analogia,
sentar a Deus? Porque aqueles que estão
Paulo mostra que estar sob a graça,
em Cristo vivem como ressuscitados não permite nunca que o crente seja
dentre os mortos. Nós morremos com indiferente ao pecado.
Cristo. Vemos, portanto, a vida sob uma
a) Fidelidade, Fruto, Destino. 6:
nova perspectiva. Dedicamo-nos a Deus.
15-23. Aqui Paulo apela para o que
a ego, é claro, inclui cada membro seus leitores já conhecem. Ele os faz
ou parte do nosso ser e cada atividade
em que possamos estar ocupados. Tudo lembrar de suas vidas passadas e do
aquilo que forma a personalidade huma- fruto que produziam. Ele lhes fala do
na, ou estará servindo ativamente à resultado de sua nova dedicação. Ele
justiça, ou estará servindo ativamente apresenta o contraste dos resultados
à injustiça. Em qual serviço os nossos eternos das duas diferentes formas
membros estão ocupados? 14. A abun- de fidelidade.
dância da graça é de natureza tal que 15. Poderia um homem cometer
o pecado não terá domínio sobre os um pecado porque não está sob a lei,
crentes. Não estamos debaixo da lei mas sob a graça? Paulo replica: De modo
mas da graça. Aqueles que estão em nenhum. 16. Ele faz seus leitores se
Cristo não estão sob o regime da lei lembrar de que são escravos daquele
mosaica para obtenção da salvação. a quem eles mesmos se entregaram.
Estamos sob a graça de Deus e de Cristo. Se eles se entregam ao pecado, o re-
Todo o V.T. - a Lei, os Profetas e os sultado é a morte. Se eles se tomam
Escritos (os Salmos, por exemplo) - cer- escravos da obediência a Deus, o resul-
tamen te revelam o pecado (Rm. 3: 20; tado é a justiça. A entrega é encarada
5: 20) quando compreendidos à luz aqui como um processo constante de
dos ensinamentos de Cristo, e dos após- submissão.

-31-
ROMANOS 6: 17-23 - 7: 1-2

17. Eram antigamente escravos do morte eterna (veja Amdt, thanatos,


pecado. Houve então um rompimento 2, b, pág. 352; Rm. 1: 32; 6: 16,21,23;
dessa escravidão. Viestes a obedecer de 7: 5; 11 Co. 2: 16; 7: 10; 11 Tm. 1: 10;
coração à forma de doutrina a que Hb. 2: 14b; I Jo. 5: 16; Ap. 2: 11; 20: 6,
fostes entregues. O padrão de ensina- 15;21:8).
mentos é o Cristianismo, é claro. Eles 22. Estar livre do pecado significa
foram entregues para o aprendizado ser escravo de Deus. O fruto imedia-
do seu conteúdo. Eles reagiram obede- tamente produzido é a consagração. O
cendo - uma obediência que vinha das resultado final de se pertencer a Deus é
profundezas do seu ser. Isto provocou a vida eterna. 23. Porque o salário do
mudança decisiva. Foram libertados do pecado (pelos serviços que se lhe pres-
pecado. Tomaram-se escravos da jus- tam) é a morte. Paulo aqui muda ligei-
tiça. Ambos, o pecado e a justiça, foram ramente a sua analogia. O pecado paga
personificados, e esta figura de lingua- salário àqueles que trabalham para ele.
gem - ser escravo do pecado ou da jus- O salário pago é a morte. Mas o dom
tiça - ajuda-nos a compreender exata-
gratuito de Deus é a vida eterna em
mente o que está se discutindo. 19. Fa-
Cristo Jesus nosso Senhor. O dom gra-
lo como homem, por causa da fraqueza
tuito da libertação do pecado oferecido
da vossa carne. Paulo diz que esta analo-
por Deus, a transformação de todo o
gia humana é necessária por causa do dis-
ser do pecador, é a vida eterna. Vida
cernimento deficiente daqueles, que facil-
eterna é um novo tipo de vida. O pe-
mente se tornam instrumentos do pecado.
cador o considera um favor não merecido.
O homem sob o controle do pecado está
Este tipo de vida, esta qualidade de
"na carne". Antigamente os leitores
existência, encontra-se em uma só pes-
de Paulo apresentavam os seus membros
soa - em Jesus Cristo. A última fra-
como escravos da impureza, cometendo
se - nosso Senhor - é a maneira de
um pecado após o outro. Isto compro-
Paulo dizer, que o Senhor nos pertence
vava sua constante devoção à diversas
como nós lhe pertencemos. Nós o fize-
formas de impiedade. Assim oferecei
mos nosso Senhor por ato de entrega.
agora os vossos membros para servirem
Seu senhorio se estende à maneira de
à justiça para a santificação. Com o nosso comportamento.
mesmo abandono com o qual os ho-
mens dedicam-se ao mal, deveriam b) Cancelamento e Novo Alistamento
agora apresentar seus membros como Causado pela Morte. 7: 1-6. 1. A lei, diz
escravos da justiça. O resultado é con- o apóstolo, tem domínio sobre o homem,
sagração ou santificação. Consagração toda a sua vida. Paulo apresenta este
a quem? A Deus. Santidade é o pro- axioma tanto por causa da ilustração
duto da consagração a Deus. 20. Paulo que vai usar, como para mostrar que
afirma, que quando os leitores perten- esta é a natureza da lei. Seus requisitos
ciam ao pecado, eles certamente não permanecem em vigor enquanto alguém
tinham a justiça por senhor. 21. Que vive sob o regime da lei. 2. A mulher
resultados colhestes? Quando vocês eram casada está ligada pela lei ao marido,
escravos do pecado, que fruto vocês enquanto ele vive. No primeiro versí-
produziam? Vocês produziam o tipo culo Paulo diz que ele está falando
de fruto de que agora vos envergonhais. aos que conhecem a lei. Uma vez que
Os pecadores produzem mau fruto (ve- a maioria dos romanos eram gentios,
ja Mt. 7: 16-20). O fim delas é morte a lei aqui não é a lei mosaica em par-
(dessas coisas). Paulo aquí se refere à ticular, mas simplesmente o princf-

-32 -
ROMANOS 7: 2-6
pio legal de que uma mulher casada conspícuas, lembrando aos homens os
está ligada ao seu marido. Tratando des- padrões divinos, operavam constante-
te mandamento em particular, Paulo mente em nossos membros. Dominados
certamente o faz à luz de sua bagagem por essas paixões, os homens produzi-
judia dentro da lei mosaica. Se o mes- am fruto para a morte. A morte aqui
mo morrer, desobrigada ficará da lei está personificada. Significa morte eterna
conjugal. A morte traz a anulação de todo (veja 6: 21). 6. Agora, porém, libertados
o relacionamento anterior do seu ca- da lei. A Lei não tinha poder para remo-
samento. 3. Será considerada adúltera ver as paixões dos pecados. Livres da lei,
se vivendo ainda o marido, unir-se com equivalente aqui a estar livre da carne.
outro homem. A tradução "se for de" Estamos mortos para aquilo a que está-
(cons. Arndt, ginomai, 11, 3, pág. 159) vamos sujeitos (pela Lei). Sob a Lei, o
tem o sentido implícito de se for casa- crente morre com Cristo. Ele morre às
da com. Mas, depois da morte do seu exigências da Lei que reclamam a conde-
marido, ela pode tomar a se casar sem nação. Paulo fala desta morte para a
que seja acusada de adultério. A esposa Lei em Gl. 2: 19. Ficar livre da lei produz
que ficou viúva, está livre para casar-se um novo relacionamento com uma nova
com outro. atitude. O relacionamento é o de ser es-
4. Quando Paulo aplica a ilustração cravo constante de Deus. Isto significa
ao relacionamento de um indivíduo que devemos servir a Deus, completa-
com a Lei e com Cristo, é o indivíduo mente cônscios de que Lhe pertencemos.
que morre (o crente que morre com Ele nos possui porque Ele nos redimíu.
Cristo) e fica livre da Lei e livre para Servimos em novidade de espírito e não
pertencer a Cristo. Vós morrestes rela- na caducidade da letra. Ou melhor,
tivamente à lei, por meio do corpo de em novidade de Espírito que contrasta
Cristo. A expressão por meio do corpo com o velho código legal. Em vez de um
de Cristo refere-se à identificação do legalismo que dá força aos estatutos, há
crente com Cristo em sua morte física. um espírito de amor e dedicação.
Em 6: 6 Paulo já disse que a pessoa não 3) Perguntas que Surgiram por causa
regenerada foi crucificada com Cristo. da Luta Contra o Pecado. 7: 7·25.
Esta morte privou a Lei do seu poder
sobre nós e teve por fim o nosso per- Aqui Paulo desvenda suas próprias
tencer a outro - aquele que ressuscitou lutas íntimas. Ele não o relata como se
dentre os mortos. Eis aí um novo alis- fosse uma parte interessante de sua auto-
tamento. Agora pertencemos a Cristo, biografia, mas porque sabe que seus
para que possamos produzir frutos leitores .têm as mesmas lutas. Paulo
para Deus. Traduzir a frase, eis to genes- controlado pelo pecado fazia coisas
thai humas hetero, para "para que se- que o Paulo controlado por Deus não
jais de (casados com) outro", está abso- queria fazer. Paulo controlado pelo
lutamente certa. Faz parte da analogia pecado "não era o seu verdadeiro ego, mas
de Paulo e concorda com o uso que o falso. Apesar disso, era o mesmo ego.
faz da comparação com o casamento Paulo era culpado quando era controlado
em outra passagem (11 Co. 11: 2; Ef. pelo pecado e santo quando controlado
5: 25,29). por Deus. Na qualidade de judeu ele
conhecia a vontade de Deus (Fp. 3: 6;
5. Estar na carne significa estar sob o Atos 22: 3; 26: 4, 5). Até onde execu-
controle e domínio do pecado. As pai- tava a vontade de Deus, era controlado
xões pecaminosas, as quais a Lei tornou por Deus. Isto não fazia dele um crente

-33-
ROMANOS 7: 7-14

em Cristo ou cristão. Mas tornava-o côns- adulto, como o jovem e rico doutor da
cio da luta entre fazer o que é certo, e lei pode declarar confiantemente: "To-
fazer o que é errado. Quando se tomou das estas coisas tenho guardado (obser-
cristão, a luta se intensificou. Todo o vado) desde a minha mocidade" (Mc.
crente, cônscio da justiça que Deus con- 10: 20;cons. Mt. 19: 20;Lc.18:21).10.
cede, e da justiça como meio de vida Mas houve um dia na vida de Paulo quan-
cristã, pode dizer ao ler esta passagem, do o mandamento específico, "Você
"Esta é a minha experiência". Paulo (sing.) não deve desejar o que está proi-
também se coloca representativamente bido", acertou-o em cheio. Paulo tomou
para aquelas pessoas judias - o povo consciência do pecado, e ficou sabendo
da Lei - que passaram da atitude de que estava espiritualmente morto. Este
complacência sob a Lei, para a condição mandamento específico ("Não cobiça-
de preocupação com as lutas profundas, rás") além de tomar claro que é pecado
que tiveram lugar, e então para a posição desejar o que está proibido, também lhe
de serenidade e vitória em Cristo. disse como deveria viver. Fê-lo lembrar
a) A Lei é pecado? 7: 7-12. 7. Se, ao que não estava vivendo da maneira
se tornar cristão, um homem é libertado certa. 11. O pecado o enganara. Com-
ou isentado da Lei, isso significa que a preendendo o mandamento, a extensão
Lei tem algo de errado? Paulo responde: da mentira do pecado tornou-se-lhe
De modo nenhum. A Lei lhe mostrou (e clara. O mandamento fez Paulo ver
mostra-nos também) exatamente o que o que o pecado operara a sua morte. Pri-
pecado é. Por exemplo, Paulo diz: Eu meiro o pecado engana, depois mata.
não teria conhecido o pecado, senão Esta ordem mostra como o pecado é
por intermédio da lei; pois não teria astuto e qual o seu objetivo - a ruína
eu conhecido a cobiça se a lei não dis- eterna dos indivíduos.
sera: Não cobiçarás. O anseio pelo mal b) Aquilo que é bom é a causa da
toma-se visível quando o mandamento morte? 7: 13, 14. Paulo faz esta per-
declara: Esta coisa má está proibida. gunta a respeito de si mesmo. E respon-
Então o pecador a deseja. 8. O após- de enfaticamente: De modo nenhum.
tolo conta como o pecado conside- Deus colocou as coisas de tal maneira
rou o mandamento, tomando ocasião, que o pecado produz a morte através
despertou nele toda a cuncupiscência daquilo que é bom. O pecado, para re-
(pelo que estava proibido). Sem lei está velar-se como pecado, por meio de uma
morto o pecado. Paulo não diz que sem cousa boa, causou-me a morte; a fim
a lei não se comete pecado. Ele diz de que pelo mandamento se mostrasse
que sem a lei o pecado não nos é aparen- sobremaneira maligno. Sendo o homem
te. É preciso o nível de um carpinteiro pecador, ele não crê que o pecado seja
para nos mostrar como uma tábua é realmente o que é. A Lei lhe mostra
torta. claramente o que é, e o que pretende
fazer.
9. Outrora, sem lei, eu vivia; mas, Tanto os leitores como o escritor
sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, sabiam que a lei é espiritual (cheia do
e eu morri. O apóstolo aqui fala de sua Espírito divino). (Veja Arndt, pneu-
própria consciência do pecado. Quando matikos, pág. 685). A palavra pneu-
era rapaz, o conteúdo da Lei não o al- matikos também pode ser traduzida
cançava. Ele não entendia o verdadeiro para pertence ou corresponde ao Espi-
propósito da lei. Esta falta de entendi- rito (divino). (Ibid.). Eis aí o grande
mento não se limita às crianças. Um tributo de Paulo prestado à Lei. Ela

-34 -
ROMANOS 7: 14-22

é induzida ou cheia do Espírito de ele diz que é o pecado que pratica o


Deus. Paulo condena a lei em um único mal, Paulo não está esquivando-se à
ponto - legalismo. Ele se opõe ao pon- responsabilidade, mas simplesmente re-
to de vista, que considera a lei como conhecendo que é o pecado que toma
um penhor da certeza de que somos falso o seu ego.
de Deus - pelo qual Deus é obrigado
a fazer isto ou aquilo pelo homem (por 18. Eu sei que em mim, isto é, na
exemplo, salvá-lo), só porque o homem minha carne, não habita bem nenhum.
obedeceu a certas regras. Em contraste A frase em mim e na minha carne descre-
com a Lei, a qual está cheia ou é indu- ve Paulo sob o controle do pecado.
zida pelo Espírito de Deus, Paulo se A ausência do bem na esfera da carne
vê pertencente à carne. Ele é aquele é outra maneira de dizer que o óleo
que está vendido à escravidão do pecado. e a água não se misturam. Onde a car-
O apóstolo certamente não quis dizer ne tem poder, a vontade de fazer o bem
que era inteiramente carnal (veja vs. torna-se ineficiente. O querer o bem está
16, 18, 22). Ele quis dizer que sabia o em mim; não, porém, o efetuá-lo. Paulo
que era estar sob o domínio do pecado. quis dizer que estava no processo de que-
A batalha de Paulo não era constituída rer, mas não de fazer. 19. Porque não
de alguns poucos conflitos isolados, faço o bem que prefiro, mas o mal
mas uma guerra contínua. que não quero, esse faço. Paulo sentia
que não fazia progressos na prática
c) Como resolver este conflito inter- do bem. Mas na área do mal ele tinha
no? 7: 15-25. Nesta parte o escritor consciência de suas atividades. 20. Sendo
. pinta vivamente a luta interna de sua isto verdade, novamente ele conclui,
própria alma. Ele usa algumas expressões como no versículo 17, que não é mais
para descrever sua própria pessoa ser- o Eu que o faz, mas o pecado que
vindo ao ego ou ao pecado. Usa outras habita em mim.
para descrevê-lo servindo a Deus. O
confli to surge porque ele quer servir a 21. Por isso o escritor conclui: "ao
Deus, mas descobre-se servindo ao ego fazer o bem, encontro a lei de que o mal
e ao pecado. reside em mim". Seu desejo de fazer o
bem tem um vigoroso oponente que
15. Porque nem mesmo compreendo ele chama de a lei ou o princípio. Aqui
o meu próprio modo de agir. Não sei o pecado é chamado de lei ou princí-
o que está acontecendo comigo. É a de- pio por causa da regularidade de sua
claração de alguém que está desconcer- ação. 22. Para encorajamento Paulo
tado. Mas ele não ignora o que está declara: Tenho prazer (veja Ardnt,
errado. O problema é vencer o erro. synedomai, pág. 797) na lei de Deus,
Pois não faço o que prefiro, e, sim o que no tocante ao homem interior. Eis aí
detesto. 16. Eis aqui uma pessoa que a reação íntima de Paulo diante da lei
tem conhecimento. Ele declara que de Deus, filho de Deus que é. A frase
consente com a lei, que é boa, quando "o homem interior" só aparece três
diz que odeia suas atitudes que são vezes nos escritos paulinos - Rm. 7: 22;
contrárias à lei. Portanto, não é o ver- 11 Co. 4: 16; Ef. 3: 16. Na segunda
dadeiro ego de Paulo que pratica o e terceira destas passagens, Paulo fala
mal, mas o pecado que habita nele da renovação do homem interior e do
(v. 17). Aqui o escritor identifica seu fortalecimento do homem interior. Aqui
verdadeiro ser com o "Eu" (ego). Quando em Rm. 7: 22 encontra-se uma atitude

-35 -
ROMANOS 7: 22-25 - 8: 1

espiritualmente sadia diante da lei de lei de Deus. Mas com a sua carne (o
Deus. ego controlado pelo pecado) ele serve
23. Ao mesmo tempo, Paulo via uma ao princípio do pecado.
outra lei nos seus membros. Seu verda- As expressões seguintes caracterizam
deiro ego, o homem interior, concordava Paulo sob o controle do pecado: "o pe-
com a lei de Deus. Mas outra lei (a lei cado que habita em mim" (vs. 17,20); "a
do pecado) mantinha o "eu" cativo, lei" (v. 21); "nos meus membros outra
como um prisioneiro. Mas antes de lei" (v. 23); "lei do pecado que está
fazer de Paulo um prisioneiro, a lei do nos meus membros" (v. 23); "em mim,
pecado batalha contra a lei do seu en- isto é, na minha carne" (v. 18); "segundo
tendimento. Esta lei do seu entendi- a carne" (v. 25). As expressões seguin-
mento, com o homem interior, repre- tes designam Paulo sob o controle de
sentava o verdadeiro ego de Paulo contro- Deus: "eu" enfático com o pronome
lado pelo ser de Deus. Paulo diz, que o expresso (vs. 17, 20); "ao homem inte-
seu verdadeiro ego foi aprisionado pela rior" (v. 22); "a lei da minha mente"
lei do pecado em seus membros. Se Paulo (v. 23); "com a mente" (v. 25).
parasse aqui, ele estaria discordando 4)Vitória Através do Espírito Rela-
de sua declaração em 6: 14. Mas ele cionada com o Propósito e Ação de
não parou. Ele afirma que o pecado Deus. 8: 1-39.
em seus membros é uma força poderosa Ninguém pode compreender o sig-
(e ninguém deveria tentar negar este nificado da vitória, até que saiba quem
fato). 24. O pensamento de que o é o oponente, e que tipo de luta está
pecado podia mantê-lo prisioneiro le- envolvida. Em Romanos 8 Paulo mostra
vou-o a exclamar: Desventurado homem o que Deus fez para conceder ao cristão
que sou! quem me livrará do corpo a vitória sobre o pecado Ele destaca o
desta morte? O corpo é o cenário desta que Deus está fazendo agora e o que o
luta. O pecado vivo nos membros pro- crente deve fazer. Ele examina o propó-
duz a morte espiritual do corpo, e o sito de Deus e a crise sentida por ambos,
homem se toma cônscio de que precisa a criação e o crente. Ele enfatiza a rela-
de ajuda externa. Paulo grita não por ção do Espírito com o crente e a inter-
libertação do corpo como tal, mas pela -relação do Espírito com Cristo e o Pai.
libertação do corpo caracterizado pela Ele pinta um quadro glorioso do destino
morte espiritual - o fazer daquilo que daqueles que amam a Deus e mostra
é mau em oposição ao seu desejo de fa- que nada pode separá-los do amor de
zer o que é bom. 25. Graças a Deus Deus. Quando um crente se ocupa de
por Jesus Cristo nosso Senhor. Emo- si mesmo, não pode levantar-se acima
cionado demais, o apóstolo não dá uma de Rm. 7: 25. Quando vê o que Deus
resposta direta a sua pergunta. Ele apre- fez e está fazendo por ele, deve reagir
senta Aquele a quem devemos agra- com a linguagem de 8: 37-39.
decer, enfatizando que é o Libertador. a) Livramento do Pecado e Morte
A declaração completa deveria ser: pela Atividade do Pai, do Filho e do
"Graças sejam dadas a Deus; o livra- Espírito. 8: 1-4. 1. Agora, pois, retroce-
mento vem por meio de Jesus Cristo de ao último versículo de 7: 25. Uma vez
nosso Senhor". Em Romanos 8 ele que a libertação vem por meio de Jesus
fala mais de seu livramento. Mas aqui Cristo não existe nenhuma condenação
ele simplesmente resume o argumento (que envolva castigo ou destino eterno)
de 7: 7-25. Com o seu entendimento há para os que estão em Cristo Jesus.
ou mente ele constantemente serve à Aqueles que estão em Cristo não são c on-

-36 -
ROMANOS 8: 1-10

denados, porque Cristo foi condenado ta justiça de Deus conforme expressa


em lugar deles. Não haverá nenhum cas- na Lei. Aqueles que percebem este pro-
tigo para eles, porque Cristo levou esse pósito de Deus vivem de acordo com
castigo. 2. Mas o que dizer desta luta o Espírito, não de acordo com a carne.
com o pecado que Paulo está comentan- b) A Disposição da Carne Versos a
do? Porque a lei, isto é, o Espírito da do Espírito. 8: 5-13. 5. Em 8: 4 o quadro
vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei, é daqueles que vivem segundo a carne
isto é, do pecado e da morte. Tanto o ou o Espírito. Aqui o destaque foi
Espírito como o pecado e a morte são dado àqueles que estão de acordo com
chamados de lei por causa da constân- a carne ou o Espírito. Num grupo estão
cia de sua influência e ação. 3. A Lei aqueles que se ocupam com todos os
aqui refere-se à Lei Mosaica, e o leitor particulares de uma vida pecadora. No
vê que Deus fez o que a Lei não podia outro grupo estão aqueles que se ocupam
fazer. A Lei estava face a face com com tudo o que pertence à vida sob a
uma impossibilidade. Ela receitava um direção e o poder do Espírito. 6. Porque
tipo de vida aos homens que estavam o pendor da carne dá para a morte, mas
na came, o qual não eram capazes de o do Espírito, para a vida e paz. A carne
seguir. Legalistamente, deviam aparentar - o princípio de rebeldia dentro do ho-
que o faziam, mas jamais conseguiriam mem - produz um certo padrão e modo
preencher os termos de tudo o que de pensar. Do mesmo modo, o Espírito
Deus exigia. Deus enviou o seu filho Santo também produz um certo padrão
em semelhança de carne pecaminosa. e modo de pensar. A tradução, pendor,
A palavra semelhança é importante, destaca a direção e o ponto de vista da
pois significa que Cristo veio em carne mente. Morte espiritual equivale à in-
como a nossa, e foi um homem real, mas clinação da carne. Vida e paz equivale
não pecador. Esta é a diferença entre à inclinação do Espírito. 7,8. A incli-
Cristo e aqueles que Ele veio salvar: nação da carne é hostil a Deus, não que-
Ele estava livre do pecado tanto pela rendo se sujeitar à sua lei. Pessoas com
natureza, quanto pela sua ação. Deus tal natureza não podem agradar a Deus.
condenou o pecado na carne. O contex- Nos versículos 9-11 o apóstolo mostra
to favorece a tradução na sua carne, o que faz a diferença entre aqueles que
mas ela pode ser traduzida na carne. estão na carne e os que estão no Espí-
Aqui a palavra carne refere-se à verda- rito. 9. Seus leitores estão "no Espí-
deira humanidade de Cristo. 4. Neste rito". Ele presume que o Espírito de
versículo carne refere-se aos homens que Deus habita neles. O se é de fato dá
estão vivendo sob o controle do pecado. uma falsa impressão. Na verdade, o es-
O pecado como força rebelde contra critor não deixa dúvidas na sua decla-
Deus foi condenado na carne de Cristo. ração. Se alguém não tem o Espírito
Deus pronunciou a condenação do peca- de Cristo, não pertence a Cristo. Aqueles
do na carne de Cristo a fim de que o que pertencem a Cristo têm o Espírito
preceito da lei se cumprisse em nós Santo. O fato do Espírito ser chamado
que não andamos (vivemos) segundo a de Espírito de Deus e depois Espírito
carne, mas segundo o Espírito. A pala- de Cristo, mostra que o Pai e o Filho
vra traduzida para preceito está no sin- estão relacionados com o Espírito da
gular. Significa toda a justiça de Deus. mesma forma. 10. Além de se dizer que
Deus resolveu a questão do pecado na o Espírito habita nos crentes - vós,
morte do seu Filho, para que os que estão Cristo também está neles. Para o crente,
em Cristo, pudessem entender a comple- ter o Espírito de Cristo dentro de si, é

-37-
ROMANOS 8: 10-17

ter o próprio Cristo (cons. 8 :16, 17). Pau- "ses", Uma vez que a morte espiritual
lo fala da realidade de Deus na vida de aqui foi encarada corno o clímax - o
um cristão. Embora cheio de Deus banimento final da presença de Deus
sob este aspecto, ele diz, o corpo na - a vida, à que se refere, deve ser a vida
verdade, está morto por causa do pecado, glorificada que está à espera do crente.
mas o espírito é vida por causa da justiça. c) Orientação e Testemunho do
Aqui o termo corpo significa o homem Espírito. 8: 14-17. 14. Filhos de Deus
sob o controle do pecado - a idéia são definidos como aqueles que são
comumente expressa em "carne". O guiados pelo Espírito de Deus. O Espí-
falso ego está morto ou inútil por causa rito lidera. O verbo está no tempo pre-
do pecado. Este ego não pode produzir sente e na voz passiva - todos os que
algo para Deus. Mas o espírito - o ver- são guiados (conf. Arndt,ago, 3, pág. 14).
dadeiro ego - está vivo por causa da 15. As frases, espírito de escravidão e
justiça que Deus concede. É claro que espírito de adoção são paralelas. Uma
não existem dois egos separados. Quando tradução melhor seria: O estado de es-
o ego se torna falso, age de acordo com pirita que pertence à escravidão e o es-
a carne. Quando o ego é verdadeiro, tado de espirito que pertence à adoção.
age de acordo com o Espírito. O resultado do primeiro é o medo; o
11. A presença do Espírito de Deus resultado do outro é a capacidade de
nos crentes garante que Deus, que ressus- orar e dirigir-se a Deus como Pai. A
citou Cristo dos mortos, revivificará palavra Aba é um termo aramaico colo-
os corpos mortais dos crentes por meio cado em letras gregas e transliterado
do seu Espírito que '" habita neles. O pa- para o português. Significa "Pai". A
pel do Espírito Santo na ressurreição reunião de ambos, judeu e grego (genti-
dos crentes é um tema que tem sido os), em Cristo, vê-se nessas palavras
negligenciado. Um corpo mortal é um introdutórias de vocativo em oração.
corpo sujeito à morte. Um corpo revi- 16. O Espírito Santo dá testemunho
vificado pelo Espírito Santo torna-se com o nosso espírito de que somos
imortal. A transição da mortalidade filhos de Deus. Isto significa na verdade
para a imortalidade é obra do Espírito. que o Espíri to dá testemunho com nosso
12. Os crentes estão no Espírito, e ego (veja I Co. 16: 18; G1. 6: 18; Fp.4:
o Espírito habita neles. Através dEle 23). Este testemunho relaciona-se a cada
receberão corpos glorificados. Estes fatos aspecto de nossa personalidade, que par-
levam a urna certa conclusão. Assim, ticipa da estrutura de nosso ego. O tes-
pois, irmãos, somos devedores, não à temunho do Espírito é para a pessoa. 17.
carne como se constrangidos a viver Observa-se que os crentes são herdeiros
segundo a carne (veja Arndt, opheiletes, de Deus e co-herdeiros de Cristo. Somos
2b, pág. 603). 13. Presumindo que estão herdeiros de tudo que Deus tem para
vivendo de acordo com a carne, Paulo nos oferecer, o que significa que somos
diz aos seus leitores que vão morrer. co-herdeiros em Cristo, a quem o Pai
Esta é uma morte espiritual. Mas presu- entregou todas as coisas. Mas, para
mindo que pelo Espírito condenam sermos co-herdeiros com Cristo, signi-
à morte os feitos maus (cons. C1. 3: 9) fica que temos também de participar
do corpo, viverão. Os dois "ses" em dos sofrimentos de Cristo. O tempo
8: 13 presumem a realidade da coisa está no presente: se com ele sofrermos.
declarada. As conclusões seguem-se logi- O sofrimento é o papel que Deus deu
camente. Sua solenidade corresponde a Cristo para desempenhar (Lc. 24: 26,
à seriedade da ação nas cláusulas com os 46; Atos 17: 3; 26: 23; Hb. 2: 9,10). É

-38 -
ROMANOS 8: 17-25

também uma experiência que Deus tem deterioração e corrupção, será libertada
ordenado aos crentes em Cristo (Mt. dessa condição. Sua nova condição
10: 38; 16: 24; 20: 22; I Ts. 3: 3; 11 Ts. está descrita corno a liberdade da gló-
1: 4, 5; 11 Co. 1: 5; CI. 1: 24; 11 Tm. 3: ria dos filhos de Deus. 22. Como isto
12; I Pe. 1: 6; 4: 12). Aqueles que são é diferente da presente situação - para
participantes com Cristo no sofrimento, ambos, a criação e os filhos de Deus.
também serão participantes da sua A criação geme e agoniza com os homens
herança na glória (Rm. 8: 17). A expe- que habitam a terra. 23. Não apenas a
riência do sofrimento precede a expe- criação, mas também os crentes que têm
riência da glória. as primícias do Espírito gemem dentro
de si mesmos. As primícias aqui podem
d) A Consumação da Redenção
ser as bênçãos e mudanças que o Espí-
Aguardada pela Criação e Crentes Igual-
rito já tem produzido nas vidas dos
mente. 8: 18·25. Como se deve encarar
crentes. Ou pode ser que o próprio
os sofrimentos do presente? Eles devem
Espírito seja considerado as primícias
ser encarados à luz da glória por vir a
(cons. 11 Co. 1: 22; Ef. 1: 14). À luz do
ser revelada em nós, (v. 18). Os sofri-
contexto, a primeira interpretação parece
mentos não devem ser comparados com
a melhor. Os gemidos do crente nada
a vinda da glória, pois não são de modo
tem a ver com murmuração. Antes,
nenhum iguais em intensidade ou valor
é o suspirar de cada um em particular,
19. Além da glória que será revelada
por ter de viver em um mundo pecador.
aos crentes, estes também serão revelados o

A adoção pela qual o crente espera re-


Paulo diz que este acontecimento é ar-
fere-se à redenção do nosso corpo, sua
dente expectativa da criação. Esta pala-
libertação do pecado e da limitação,
vra criação (E.R.C., criatura, no v. 22)
cuja pressão estamos constantemente
que se encontra em 8: 19-22 refere-se
sentindo, enquanto temos nossos corpos
a toda a criação de Deus abaixo do
mortais.
nível humano, personificada aqui. para
24. Porque na esperança fomos salvos.
esclarecer as tensões e deslocamentos
A esperança para a qual Deus nos salvou
encontrados na criação, por causa do
é a libertação do corpo sob a pressão
pecado. O pecado trouxe a distorção
do pecado, e do estado de limitação
não só no relacionamento do homem com
mortal na qual aguardamos o dia quando,
Deus, mas em todo o universo em que
vestidos de imortalidade, veremos a Deus.
ele vive. 20. Pois a criação está sujeita à
O que é esperança? Paulo diz que é a
vaidade (frustração) não voluntariamente,
confiante expectação das bênçãos pro-
mas por causa daquele que a sujeitou.
metidas, ainda não presentes, nem vistas.
Tufões, furacões, terremotos, secas, en-
Esta esperança não é o desejo de ter alo
chentes são apenas algumas evidências
guma coisa boa demais para ser verdade
do desiquil íbrio da natureza. Paulo diz
e improvável de acontecer. O objeto
que a natureza foi reduzida a esse estado
ou a bênção esperada (aqui, a redenção
por Deus.
do corpo) é real e distinto, mas ainda
Embora o Senhor tenha feito assim, não presente. 25. Mas, se esperamos o
Ele o fez na esperança, isto é, com uma que não vemos, com (diá; veja Arndt,
esperança definida num dia futuro quan- I1I, 1, c, pág. 179) paciência (ou for-
do a frustração será removida. 21. A pró- titude) o aguardamos. O corpo redimido
pria criação será redimida do cativeiro será um corpo glorificado, livre de todo
da corrupção. Deus prometeu que essa pecado. Com tal esperança diante dele,
mesma criação que foi escravizada pela o crente aguarda sua realização com

-39 -
ROMANOS 8: 25-29

fortitude. vida terrena de liberdade e santidade


e) Ministério In tercessório do Espí- (Gl. 5: 13;1 TS.4: 7).
rito. 8: 26, 27. 26. Semelhantemente, o 29. Aos que de antemão conheceu.
Espírito ajuda nossa fraqueza. A fraque- Paulo aqui está pensando em um gru-
za mencionada é a nossa incapacidade po - composto de indivíduos certa-
de analizar situações e orar inteligen te- mente - mas, não obstante, um grupo de
mente sobre elas. Sabemos que esta é indivíduos que constituem um todo
a fraqueza mencionada por causa da incorporado. Isto é idêntico ao pro-
frase seguinte. Diz-se que o Espírito cedimento do apóstolo em Ef. 1: 4,
intercede por nós sobremaneira com onde ele diz: Como também nos (plural)
gemidos inexprimíveis (veja alaletos, elegeu nEle (isto é, em Cristo). Cristo
Arndt, pág. 34). Às vezes não conse- é o Eleito ou Escolhido (veja Lc. 9: 35;
guimos orar porque as palavras não po- 23: 35; I Pe. 2: 4,6); e os crentes - aque-
dem expressar a necessidade que senti- les que pertencem a Deus - são eleitos
mos. A ação do Espírito com gemidos ou escolhidos nEle (isto é, em Cristo).
inexprimíveis mostra como Deus pe- A expressão de antemão conheceu tem
netra em nossa experiência através do como seu ingrediente básico o conhe-
Seu Espírito. 27. Deus Pai que investiga cimento. Este grupo de indivíduos, os
os corações (dos homens) sabe qual é membros desse todo incorporado, são
a mente do Espírito. Deus conhece dantes conhecidos, em que sentido? São
toda a reação do Espírito a qualquer dantes conhecidos, tendo lugar distinto
situação ou questão. A intercessão no plano ou propósito de Deus (Rm. 8:
que Ele faz em favor dos santos é segun- 28). Eles têm um papel a executar no
do a vontade de Deus. Estas palavras plano divino. Qual é o seu destino? Aos
certamente declaram que a comuni- que de antemão conheceu, também os
cação do pensamento e conhecimento predestinou para serem conformes à ima-
de cada um é partilhada por dois mem- gem de seu Filho (v. 29). A decisão de
bros da Divindade - Pai e Espírito (isto Deus aqui, é que aqueles que compõem
é, o Espírito Santo). este grupo sejam semelhan tes a Seu Filho
f) Propósito de Deus para Aqueles em forma e aparência. O número não
que O Amam. 8: 28-30.28. Paulo começa é pequeno. Deus decidiu isto dantes para
com um axioma básico: Sabemos. Depois que o Seu Filho pudesse ser o primo-
ele declara esta verdade: Todas as cousas gênito entre muitos irmãos. O termo pri-
cooperam para o bem daqueles que mogênito significa o mais alto em hie-
amam a Deus. Paulo coloca a frase "a- rarquia ou posição. Que Cristo é supremo
queles que amam a Deus" primeiro, para ou primeiro, Paulo esclarece em C1. 1: 18;
que não haja dúvidas sobre os que estão "E eleré a cabeça do corpo, da igreja.
envolvidos nas "causas que cooperam Ele é o princípio, o primogênito de entre
para o bem". Essas coisas são para aqueles os mortos, para em todas as cousas ter
que continuamente expressam amor a a primazia". A supremacia é sobre e
Deus tanto por meio de atitude quanto entre muitos irmãos - aqueles que re-
por atos. Mais adiante eles são definidos cebem a abundância da graça e o dom
como aqueles que são chamados segundo da justiça (Rm. 5: 17) O posto de Cristo
o propósito (plano ou decreto). A cha- como primogênito, mostra que Ele é o
mada e a eleição são colocados lado a cabeça exaltado da nova humanidade
lado em II Ts. 2: 13, 14; II Pe. 1: 10. A - como o segundo Adão (Rm. 5: 12-21;
chamada pode ser focalizada sobre o I Co. 15: 22).
destino eterno (lI Ts. 2: 14) ou sobre a A força desta parte (Rm. 8: 28-30)

-40 -
ROMANOS 8: 29·39 - 9: 1·3

foi colocada sobre a ação de Deus - Seu a vitória por meio dAquele que nos
plano e a realização do Seu plano. 30. amou. Estamos vencendo, não através
Os verbos: chamou, justificou e glori- de nossa própria força ou talento, mas
ficou relacionam-se com o plano (eterno por meio de Cristo. 38,39. Paulo alarga
conselho de Deus) e a execução do Seu as experiências, as personalidades, e as
propósito. Tendo Deus um plano, ou coisas que o crente tem de enfrentar:
propósito -. resumir todas as coisas, morte ou vida, anjos ou principados, a
reuni-las em Cristo, as coisas do céu e altura ou a profundidade, ou qualquer
da terra (Ef. 1: 10, 11), Ele é capaz de outra criatura. Depois declara enfati-
operar conjuntamente para o bem daque- camente que nehuma dessas coisas pode-
les que O amam. A ênfase que Paulo rão nos separar do amor que Deus mani-
dá aqui está no que Deus faz pelos festa, este amor que está em Cristo Jesus,
muitos irmãos. A única resposta. huma- nosso Senhor. O poder do amor de Deus
na mencionada é o amor a Deus. é um tema que nunca poderá ser exauri-
g) O Triunfo dos Crentes sobre Toda do.
Oposição. 8: 31-39. 31,32. Agora Paulo m. Israel e os Gentios no Plano de
começa a destacar as implicações do seu Deus. 9: 1 - 11: 36.
ensinamento. Deus envolveu-se no dilema
do homem, a fim de realizar o Seu plano. Paulo considera o plano de Deus
Ele entregou seu próprio Filho por todos em relação às duas divisões da humani-
nós. Cristo foi entregue para benefício dade, que ele via, na qualidade de ju-
nosso, em nosso favor e em nosso lugar. deu - Israel ou o povo judeu e os gentios.
Deus não podia poupar Seu Filho e exe- A. Preocupação de Paulo para com Seu
cutar o Seu plano de redenção. Por isso Próprio Povo, Israel, 9: l-S.
Ele o entregou à morte para que pudés- 1,2. Este capítulo começa com uma
semos ser redimidos. Paulo tira certas coleção de provas de que Paulo sentia
conclusões dessa ação divina. Com grande tristeza e incessante dor no cora-
Cristo Ele nos dará graciosamente todas ção com referência ao seu próprio povo.
as cousas, embora possamos não tê-las Eis aqui a prova: ele fala a verdade em
todas agora. 33,34. Ninguém pode acu- Cristo; ele não está mentindo; sua cons-
sar os escolhidos ou eleitos de Deus, ciência testifica por ele na presença do
nem condená-los, porque Deus e Cristo Espírito Santo. O apóstolo dizia isso
participaram nesta ação divina da entre- porque sabia como os judeus o difama-
ga de Cristo. vam (veja, por exemplo, Atos 21: 28 -
35,36. Obstáculos formidáveis não um acontecimento depois que ele escre-
podem nos separar do amor que Cristo veu aos romanos, mas que indica como
nos dispensa. Essas dificuldades são: os judeus se sentiam). 3. Paulo sentia
tribulação, angústia, perseguição, fome, tão profundamente por causa do seu
nudez, perigo ou espada (isto é, a morte povo, que aqui ele emprega a linguagem
violenta). ,O apóstolo cita SI. 44: 22 de um desejo inatingível (imperfeito
para mostrar quais as dificuldades que potencial em grego): Eu mesmo dese-
o povo de Deus tem de enfrentar. 37. Sua jaria ser anátema separado de Cristo,
conclusão é que em todas essas dificul- por amor de meus irmãos, meus compa-
dades, somos mais do que vencedores, triotas segundo acame. A linguagem aqui,
por meio daquele que nos amou. O sig- parece a de Moisés, quando ele inter-
nificado aqui é o seguinte: "Estamos no cedeu junto a Deus para que o riscasse
processo de alcançar a vitória". Nas do Seu livro (Ex, 32:31,32).
pressões externas da vida podemos obter Paulo faz agora uma lista das bênçãos

-41-
ROMANOS 9: 4-5

que pertencem aos seus compatriotas. tor responde a um argumento dos seus
4. Eram israelitas possuidores da adoção oponentes judeus que era o seguinte:
- isto é, um povo do próprio Deus "Temos a circuncisão por sinal (cons.
(cons. Is. 43: 20, 21). Eles tinham a gló- Gn. 17: 7-14) de que somos o povo
ria. Esta tanto pode ser a glória de serem eleito de Deus. Membros do povo elei-
o povo de Deus, como a glória de Deus to de Deus não perecerão. Portanto, nós
que aparecia no meio do Seu povo (Êx. não pereceremos". Evidências rabínicas
24: 16, 17). As alianças está no plural, provam que esta era a atitude da maioria
porque Deus falou ao Seu povo sobre a dos judeus no tempo de Paulo. Hermann
Sua"aliança com eles em muitas ocasiões. L. Strack e Paul Billerbeck prepararam
Poderia também ser traduzido para de- um Comentary on the New Testament no
cretos ou penhores. A legislação também qual reuniram paralelos do Talmude e do
lhes pertencia, isto é, a lei de Moisés, e Midrashim que lançam luz sobre o N.T.
o culto, ou a adoração a Deus - o ritual No Vol. IV, Parte 2, devotaram uma
do Tabernáculo e do Templo. Eles dissertação inteira (n? 31) ao assunto do
tinham as promessas divinas, especial- She01 , Geena (lugar de castigo) e ao
mente as promessas messiânicas. 5. Os Jardim Celestial do Éden (Paraíso).
pais - Abraão, Isaque, e Jacó - também As citações abaixo incluem títulos de
lhes pertenciam. Mas a bênção mais tratados de escritos rabínicos, da qual
importante era que Cristo, quanto à foram extraídas as idéias sobre esses
carne, vinha dos compatriotas de Paulo, lugares, como também indicam a loca-
os israelitas. Mas esse (Cristo), que huma- lização no Strack Billerbeck.
namente veio de Israel, foi muito mais O Rabi Levi disse: No futuro (do
do que um israelita; Ele era sobre todos, outro lado - o que os gregos cha-
Deus bendito para todo o sempre. (para mam de mundo dos espíritos) Abraão
prova de que esta última cláusula se está assentado à entrada do Geena e
refere a Cristo, veja Sanday e Headlam, ele não permite que os israelitas cir-
Epistle to the Romans, ICC, págs. 232- cuncidados entrem ali (isto é, no Gee-
238). Conhecendo o lugar exaltado de na). [Midrash Rabba Gênesis, 48 (30a,
Cristo, a aflição de Paulo por causa da ce- 49) SBK, IV, ii, pág. 1066]
gueira de seu povo apenas aumentava. Nesse mesmo contexto faz-se "a per-
Eles tinham recusado esse Messias. gunta: O que acontecerá àqueles que
Essas linhas não são doxologia feita pecam excessivamente? A resposta é:
a Deus, pois isto não se encaixaria na Retornam ao estado da incircuncisão
linha do pensamento. Antes, a expres- quando entram no Geena. A citação
são mostra como Cristo é exaltado, o seguinte trata da questão do que acon-
que se encaixa na linha do pensamento tece depois da morte a um israelita.
perfeitamen te. Quando um Israelita penetra em sua
B. Deus é Livre, Justo e Soberano no casa eterna (sepultura), um anjo está
Seu Trato com Israel e com Todos os assentado do outro lado do jardim
Homens. 9: 6-29. De 9: 6 até o fim do do Éden, que recebe cada filho de
capítulo 11 Paulo discute a profunda Israel que está circuncidado, com o
pergunta: Como rejeitaria Deus o seu propósito de introduzi-lo no jardim
povo eleito? Ele destaca até que ponto celestial do Éden (paraíso). (Mi-
o povo foi rejeitado, porque foi rejeita- drash Tanchum, Sade, waw, 145a ,
do, a existência de um remanescente, e 35; SBK, IV, Parte ü, pág. 1066)
que planos Deus tem para o futuro Novamente surge a pergunta: E os
de Israel, Seu povo. Em 9: 6-29 o escri- israelitas que adoram ídolos? Tal como

-42 -
ROMANOS 9: 5-13

acima a resposta é: Retornarão ao estado Deus. Isaque nasceu por causa da pro-
de incircuncisão no Geena. Eis aqui messa. Deus escolheu abençoar a huma-
uma citação que encara os israelitas nidade através dele.
como um grupo: 2) Deus escolheu Jacó em lugar de
Todos os israelitas circuncidados en- Esaú. 9: 10-130
tram no jardim celestial do Éden
(paraíso). (Midrash Tanchuma, Sade, Os contemporãneos judeus de Paulo
waw, 145 a, 32; SBK, IV, Parte u, devem ter replicado: "Somos filhos de
pág.1067) Isaque; daí podemos ter a certeza de
que Deus não nos rejeitará". 10,11. Mas
Está claro destas citações, que a
Paulo mostra que Deus fez uma escolha
maior parte dos judeus cria e ensinava
entre os dois filhos de Isaque, antes
que todos os israelitas circuncidados,
mesmo deles terem nascido ou feito
que morreram estão no paraíso e que
algo de bom ou mau. Tal escolha foi
não há nenhum circuncidado no Geena.
feita para que o propósito de Deus
Diante da declaração que o Senhor quanto a eleição prevalecesse, não por
não poderia rejeitar o Seu povo eleito, obras, mas por aquele que chama. A
Paulo em primeiro lugar replica enfati- seleção divina não se baseia em obras
zando a liberdade divina, Sua justiça legalistas, mas sobre Si mesmo e sobre o
e soberania. Deus age livremente, age Seu plano para o mundo. 12,13. O que
com justiça, e age soberanamente porque esta seleção envolve? O mais velho será
Ele é livre, justo e soberano no Seu servo do mais moço. Uma vez que esta
ser eterno. seleção aconteceu antes que os gêmeos
I) Deus Escolheu Isaque em lugar nascessem (Gn. 25: 23), Paulo certamente
dos Outros Filhos de Abraão. 9:6-9. pensava aqui em dois indivíduos. Na
6. Não pensemos que a palavra de citação de MI. 1: 2, 3, que volta-se pa-
Deus haja falhado. O presente estado ra a conduta de Deus em relação a Ja-
dos judeus não indica que a promessa có e Esaú, a ênfase cai sobre as nações.
divina tenha sido rescindida. Nem todos O que começou no período da vida dos
os que descendem de Israel são real- fundadores dessas nações, continuou
mente o Israel. As promessas do Senhor entre seus descendentes. A seleção
em qualquer período da história, podem relacionava-se com os papéis que os
envolver ativamente quantos dentre o dois grupos iam desempenhar na his-
Seu povo Ele decidir. 7. No caso dos tória. O Senhor demonstrou o Seu amor
filhos de Abraão, Deus fez uma escolha. por Jacó, fazendo dos descendentes
Em (por meio de) Isaque será chamada do patriarca os canais por meio dos
a tua descendência (cons. Kaleo, Arndt, quais Ele falava Seus oráculos, e torna-
I. a, pág. 400). 8. Aqui se faz uma va conhecida a Sua verdade. Deus abor-
distinção entre os filhos da carne, que receu a Esaú no sentido de que Ele não
nasceram de Hagar e Quetura (Gn. 16: fez dos descendentes de Esaú canais
1-16; 25: 14) e Isaque, nascido segundo de revelação, mas antes, como diz Mala-
a promessa. Isto é, estes filhos de Deus quias: (Deus disse) "Fiz dos seus montes
não são propriamente os da carne, mas uma assolação, e dei a sua herança aos cha-
devem ser considerados como descendên- cais do deserto" (MI. 1: 3). Voltando os
cia os filhos da promessa. Paulo colo- olhos para a história de Esaú, Malaquias
ca a negativa em primeiro lugar, para também usa sua palavra "aborreci" por
esclarecer que os filhos da carne não causa da severidade da atitude de Deus
se tornam automaticamente filhos de com Esaú. A situação histórica de ambos

-43 -
ROMANOS 9: 13-18

os indivíduos e povos certamente afetam de Moisés e Faraó, Paulo conclui: Logo,


seu destino eterno. Mas eleição em tem ele misericórdia de quem quer, e
Rm. 9: 10-13 não é seleção para sal- também endurece a quem lhe aprazo
vação eterna ou condenação. Antes, Deus foi livre e soberano no endureci-
é uma seleção para desempenhar papéis mento do coração de Faraó, mas não
para a qual Deus chamou indivíduos foi arbitrário.
e nações no desenrolar da vida nesta Um estudo em Êxodo mostra que
terra. Faraó endureceu o seu coração antes
que Deus o endurecesse. E mesmo de-
3) A Misericórdia de Deus para com
pois de tê-lo endurecido, Faraó teve o
Israel e o Endurecimento de Faraó, 9:
poder de ainda endurecê-lo mais.
14-18.
O Senhor predisse claramente que ia
14. Que diremos, pois? Há injustiça endurecer o coração de Faraó: "Eu en-
da parte de Deus? De modo nenhum. O durecerei (hazaq, piei, tomar rígido, du-
fato de que a seleção divina não se ba- ro; endurecer") o seu coração" (tx.
seia sobre obras humanas, não toma o 4: 21; cons. 14: 4); "endurecerei (qashah,
Senhor injusto. Ele é livre, justo e sobe- hiphil, "tomar duro, rígido, rebelde") o
rano. 15. Essas qualidades se vêem coração de Faraó" (Êx. 7: 3). Mas só
em Sua atitude para com Moisés e Fa- em 9: 12 o registro de txodo diz que
raó. Sua declaração a Moisés - Terei Deus realmente endureceu o coração
misericórdia de quem me aprouver ter do rei: "O Senhor endureceu o coração
misericórdia, e compadecer-me-ei de de Faraó (hazaq, piei, "tomar rígido,
quem me aprouver ter compaixão. (Êx. duro; endurecer").
33: 19) - veio depois que Israel come- As Escrituras têm muito a dizer
teu o pecado com o bezerro de ouro. sobre o fato do coração de Faraó ter-se
Sob esse especto Israel possivelmente "endurecido", e sobre Faraó "tomar o
não merecia a misericórdia de Deus. seu coração difícil, insensível, indife-
Tal idolatria como a deles só merecia rente", antes mesmo delas declararem
a ira. 16. O "isto" (E.R.C.) refere-se à que Deus endureceu o coração de Fa-
misericórdia ou compaixão. Misericórdia raó. A frase, "o coração de Faraó co-
e compaixão não depende de quem quer, meçou a se endurecer", significa que o
ou de quem corre, mas de usar Deus caráter moral de Faraó (veja BDB, pág.
a sua misericórdia. Isto é, ninguém 525) se endureceu. O caráter moral é
pode reclamar a misericórdia de Deus. o aspecto mais importante de uma pes-
Deus também derrama Sua ira quando soa. Portanto, no sentido real, Faraó
acha que é necessário. 17. O verbo "le- começou a se endurecer como resultado
vantar" foi traduzido melhor neste de sua própria atividade. "O coração de
versículo: Para isto mesmo te levan- Faraó se endureceu [hazaq qal, "tornar-
tei. Deus trouxe Faraó ao cenário da -se firme, rígido, duro"; veja Êx, 7: 13,
história no Egito com o propósito de 22; 8: 19 - (Hb. texto 8: 15)). "O co-
mostrar o Seu poder e provar que o ração de Faraó está obstinado" (kâbed,
Seu nome seria proclamado em toda adj, "difícil", "insensível", "duro"; veja
a terra. Faraó continuaria sendo tei- Êx, 7: 14). O coração de Faraó se endu-
moso se Deus o colocasse em alguma receu (kâbed, qal, "ser difícil, insensí-
obscura povoação ao longo do Nilo. vel, embotado, duro"; veja Êx, 9: 7). Fa-
Mas Deus o colocou sobre o Egito a fim raó ... agravou (E.R.C.) o seu coração
de executar Seus próprios propósitos (ou embotou, tornou-o indiferente; todas
e planos. 18. Recordando os dois casos possíveis traduções de kâbed, hiphil),

-44-
ROMANOS 9: 18-22

[veja ~x. 8: 15 (Hb. texto 8: 11),8: 32 endurece um homem como Faraó e


(texto hebreus 8: 28)]. Depois de toda depois o acusa. Isso não faz sentido". A
essa atividade da parte de Faraó, "o pergunta é: De que se queixa ele ainda?
Senhor endureceu (hazaq, piei, "tomou Pois quem jamais resistiu sua vontade?
â

rígido, duro; endureceu") o coração A resposta de Paulo foi elaborada em


de Faraó" (veja Êx. 9: 12). Mas Faraó termos apropriados ao homem, que
tinha o poder de continuar fazendo faz a objeção e não em termos de aná-
o que fazia: Faraó ... continuou a pecar, lise intelectual do contra-argumento do
e agravou (E.R.C.) (ou embotou, tor- homem. Paulo escreve (v. 20a): Quem
nou-o indiferente; todas possíveis tra- és tu, Ó h omem, para discutires com Deus?
duções de kâbed, hiphi1) o seu coração, Um verdadeiro conhecimento do Deus
ele e os seus servos. Assim o coração de verdadeiro toma tal objeção despropo-
Faraó se endureceu" (hazaq, qal, "tor- sitada. Paulo apela para uma ilustração
nou-se firme, rígido, duro"; veja Êx, (vs. 20b, 21): Porventura pode o objeto
9: 34b, 35a). perguntar a quem o fez: Por que me
Então Jeová completou seu castigo fizeste assim? Ou não tem o oleiro
judicial em Faraó. "O Senhor, porém, direito sobre a massa, para do mesmo
endureceu thazaq, piei, "tomou rígido, barro fazer um vaso para honra e outro
duro"; "endureceu") o coração de Fa- para desonra? Esta ilustração do oleiro
raó" (veja ~x. 10: 20, 27; 11: 10; 14: 8). foi usada com muita eficácia por Jere-
"Depois disse o Senhor a Moisés: Vai ter mias séculos antes (Jr. 18: 4-6). Paulo
com Faraó, porque lhe endureci (embo- destaca o completo controle do oleiro
tado, insensível; todas as possíveis tra- sobre o barro em termos da utilidade
duções de kâbed, hiphil) o seu coração do vaso. Um vaso é honrado ou deson-
e o coração de seus oficiais" (veja Êx, rado dependendo do seu uso. (cons.
10: 1). Arndt, time, 2, b, pág. 825). Um vaso
Assim, a conclusão de que Deus endu- pode servir para se carregar água e outro
rece a quem quer baseia-se na Sua justiça para carregar detritos. O mesmo material
como também na Sua liberdade de pro- foi usado para ambos. Mas foram feitos
cedimento com Faraó. para diferentes. funções, e por isso o
4) Deus controla os Vasos de Ira e de oleiro lhes dá a forma de acordo com a
Misericórdia. 9: 19-24. pretendida função.
Paulo esteve se dirigindo aos judeus, Paulo agora aplica o princípio. Ele
que pensavam que, tendo a circuncisão o faz em uma sentença longa que se
e sendo membros do povo eleito de estende de Rm. 9: 22 a 9: 24. Se um
Deus, o Senhor tinha a obrigação de oleiro pode fazer o que lhe apraz com
lhes garantir prosperidade terrena e seus vasos, certamente Deus pode fazer
bem-aventurança eterna. O apóstolo des- o que quer com os Seus. Embora Paulo
tacou a soberania e liberdade divinas ainda esteja destacando a soberania e
como corretivos desse errado ponto liberdade de Deus, ele evita cuidadosa-
de vista judeu. O Senhor só tem obri- mente de descrever o Senhor como
gações para com o seu próprio ser jus- tendo o mesmo tipo de relacionamento,
to - não para com reivindicações que com os vasos da ira e os vasos da mise-
lhe sejam impostas por aqueles, que ricórdia. Se Deus, querendo mostrar a
entendem mal Seu ser e Sua ação. sua ira, e dar a conhecer o seu poder,
19. A esta altura, Paulo imagina que suportou com muita longanímídade os
um dos seus oponentes diga: "Veja só vasos da ira, preparados para a perdição;
ao que leva sua argumentação. O Senhor (e se ele o fez) a fim de que também

-45 -
ROMANOS 9: 22-28

desse a conhecer (revelar) as riquezas ricórdia para a glória, e também lhes


da sua glória em vasos de misericórdia, revelou as riquezas da Sua glória. Glória
que para glória preparou de antemão refere-se à radiância do ser de Deus. O
os quais somos nós, a quem também derramamento das riquezas de Deus,
chamou, não só dentre os judeus, mas quer dizer aquelas que não foram reve-
também dentre os gentios? [como pode ladas aos recipientes. Quem são esses
você (sing.; cons. v. 19) levantar alguma vasos da misericórdia? Em 9: 24 Paulo
objeção contra a justiça de Deus?] Na define o nós como aqueles a quem Deus
frase que começa com a palavra "que- chamou não só dentre os judeus, mas
rendo", Paulo certamente tem em também dentre os gentios. A liberdade,
mente Faraó e outros iguais a ele. As poder e soberania do Senhor, de um
palavras mostrar a sua ira e dar a conhe- lado, São colocados contra a Sua paci-
cer o seu poder são simplesmente uma ência, Sua revelação das riquezas da Sua
variação da linguagem usada no versí- glória, e a Sua preparação antecipada
culo 17: "para em ti mostrar o Meu dos vasos da misericórdia (vs. 22-24).
poder". Paulo estava muito ansioso O destino daqueles assim preparados
em enfatizar a paciência e longanimi- é a glória (cons. 8: 30).
dade de Deus com os vasos da ira. 22. 5) O Testemunho de Deus em Oséias
Foram descritos como preparados (veja e Isaías quanto à Extensão e Limitação
katartizo, LSJ, 11, pass., pág. 910) para de Sua Obra Salvadora. 9: 25-29.
a perdição. Alguns estudantes da Bíblia, O nós do versículo 24 refere-se àque-
presumindo que o particípio está na les que Deus chamou, não somente
voz média, traduziram: aqueles que têm dentre os judeus, mas também dentre
assumido uma posição de se prepara- os gentios. O escritor volta-se agora
rem para a destruição. Outros conside- para o V.T. para mostrar que ele sus-
ram o particípio passivo e traduziram: tenta essa vocação.
aqueles que têm assumido uma posição de
25,26. Paulo cita em Os. 2: 23; 1: 10,
serem preparados por Deus para a destrui-
passagens originalmente dirigidas às dez
ção. Mas o contexto certamente favorece a
voz passiva sem confinar o agente em um tribos. As palavras não era meu povo e
ser ou coisa. 23. Deus está especifica- não era amada foram pronunciadas às
dez tribos por causa do seu afastamento
mente ligado à preparação antecipada
(voz ativa) dos vasos da misericórdia. do Senhor. Elas se tomaram como
Mas no que se refere aos vasos da ira, o os gentios. Deus prometeu às dez tribos,
estudante encontra essa passiva indefi- que um dia elas seriam chamadas de
fílhos do Deus vivo, exatamente no
nida. O que opera no homem para colo-
mesmo lugar em que foram declaradas
cá-lo nessa posição de ser preparado para
a destruição eterna? A resposta é com- "que não era meu povo". O apóstolo
plexa. Inclui seus próprios atos de peca- extraiu a citação da LXX e aplica aos
do e natureza rebelde. Envolve seu meio gentios.
ambiente, que torna o pecado atraente, 27,28. O escritor volta-se para o
como também os julgamentos judici- testemunho de Isaías sobre Israel e
ários de Deus (cons. 1: 24, 26, 28). Es- cita de Is. 10: 22, 23. Ele usa a LXX,
tes fatores influenciam certos vasos a que em Is. 10: 23 é bastante diferente
se tornarem vasos da ira, isto é, objetos do texto hebreu. Mas no ponto prin-
em posição de serem preparados para cipal, para o qual Paulo citou a passagem,
a destruição. Deus preparou especifica o texto hebreu e a LXX concordam.
e antecipadamente. os vasos da mise- Só um remanescente será salvo (LXX),

~46 -
ROMANOS 9: 28-33 - 10: 1

voltará (texto heb.), retomará (AV), decorre da fé. E Israel que buscava
isto é, para Deus. Paulo desenvolve este lei de justiça não chegou a atingir essa
tema mais detalhadamente em Romanos lei. Paulo aqui é muito conciso. Não
11. Encontraram-se dificuldades na inter- obstante, observe que no versículo
pretação de Rm. 9: 28 por causa da 30 a palavra justiça (E.R.C.) ocorre
linguagem e variação dos textos. As três vezes. Os gentios crentes desco-
palavras "em justiça . . . abreviando-a" briram a chave do relacionamento do
não se encontram nos melhores textos. homem com Deus - a justiça. Eles
Aqui temos dois meios possíveis de tra- encontraram a justiça que Deus con-
duzir e interpretar este versículo (veja cede por causa da fé ou confiança (cons.
Arndt, suntemno, pág. 800) 1) O Senhor 3; 21-26). Israel buscara o princípio da
agirá cumprindo sua palavra pela abre- lei (o código mosaico era a mais apre-
viação ou exclusão. A abreviação pode ciada personificação desse princípio)
ser traduzida como cumprimento das para obter justiça, mas eles nunca al-
promessas em um grau limitado ou cançaram essa justiça.
pela abreviação da nação, ficando o 32. Por que Israel não alcançou a
remanescente. 2) O Senhor agirá con- justiça? Tragicamente vem a resposta:
cluindo e abreviando (o tempo). Isto sig- Porque não decorreu da fé, e sim, como
nifica que Deus não prolongará indefi- que das obras (que eles buscaram a jus-
nidamente o período de Sua longani- tiça). A fé ou confiança é importante
midade, mas que o Seu juízo virá. No por causa do objeto (Cristo) no qual
contexto de Paulo aqui, a segunda inter- se crê e confia. Israel rejeitara o objeto.
pretação parece a melhor. Eles tropeçaram (ou rejeitaram) na
29. Finalmente, completando o qua- pedra de tropeço. Na admoestação
dro do V.T. da ação salvadora de Deus, de Is. 8: 14, Jeová é a pedra de tro-
Paulo cita Is. 1: 9 da LXX. Onde a LXX peço para a maioria daqueles, que fazem
tem "deixou-nos semente", o texto parte de ambas as casas de Israel. No N.T.
hebraico tem "um pequeníssimo rema- é Cristo que é a pedra de tropeço (aqui
nescente". Se Deus não tivesse deixado e em I Pe. 2: 6-8). 33. A maior parte
alguns, a nação de Israel teria sido riscada. da citação de Paulo neste versículo é
C. O Fracasso de Israel e o Sucesso da promessa de Is. 28: 16. Mas o apósto-
dos Gentios. 9: 30-10: 21. lo usa a linguagem da advertência de Is.
Agora Paulo trata do relacionamento 8: 14 - uma pedra de tropeço e rocha
de Israel e dos gentios com a justiça, de ofensa e insere esta advertência no
fé e salvação. Ele mostra que este é um meio do ensino positivo sobre a pedra
assunto crucial porque os judeus criam em Is. 28: 16, e depois completa o
que, estando assinalados pela circun- versículo. A última cláusula de Rm.
cisão, na qualidade de povo eleito de 9: 33 - E aquele que nela crê não será
Deus, o Senhor não poderia rejeitá-los. confundido - introduz um raio de luz
1) Os Gentios Alcançaram o que num quadro, que de outro modo seria
Israel Perdeu. 9: 30-33. muito negro. Tal reação positiva, entre-
30,31. Uma vez que Deus nos chamou, tanto, não foi a de Israel como um
a nós os cristãos (v. 24), dentre judeus e todo, pois Israel tropeçou na pedra
gentios, que diremos pois a respeito dos que Deus colocou em Sião.
gentios e judeus que alcançaram ajustiça? 2) A Ignorância de Israel sobre a Jus-
A resposta: Dizemos ou declaramos que tiça de Deus. 10: 1-3.
os gentios, que não buscavam a justifica- I. Novamente o apóstolo expressa
ção, vieram a alcançá-la, todavia a que sua preocupação com o seu povo. Em

-47 -
ROMANOS 10: 1-8

lugar de por Israel (E.R.C.) os melhores ela (pronome feminino, referindo-se à


textos trazem a favor de. Paulo orava justiça). No texto grego em Lv. 18: 5 o
em favor deles para sua salvação - isto crente judeu recebe a ordem de guardar
é, para que eles se apropriassem dessa todas as ordenanças e juízos. Embora
salvação. 2. Seu zelo por Deus não se aquele que confiava em Deus se esfor-
apoiava no conhecimento - não com çasse ao máximo para cumprir a justiça
(verdadeiro) entendimento (Arndt, epig- exigida pela Lei, tinha também cons-
nosis, pág. 291). 3. Nas mentes dos ciência de seus fracassos. Essa incon-
leitores judeus naturalmente surgiria uma sistência causava tensão. Por isso os
nova pergunta: Por que tantos de Israel que eram fiéis faziam ofertas pelos
rejeitaram, apesar de possuírem o pacto seus pecados e transgressões. Por este
da circuncisão por sinal de que eram motivo, o crente judeu não podia acei-
membros do povo eleito de Deus? Paulo tar Lv. 18: 5 como garantia legalista da
responde: Porquanto, desconhecendo a vida eterna, mas apenas como uma
justiça de Deus, e procurando estabele- promessa de Deus envolvendo a co-
cer a sua própria, não se sujeitaram à munhão do homem com Ele. Ele não
que vem de Deus. Nesse versículo há o aceitava como uma prescrição legalista.
dois contrastes. Primeiro, os israelitas Fazê-lo tornaria a tensão intolerável.
procuraram estabelecer sua própria jus- Cristo quebrou essa tensão. Com a
tiça. Observe a sua autoconfiança. Se- Sua vida e morte revelou a perfeita
gundo, eles não se sujeitariam ao que justiça de Deus, oferecida pelo Pai com
Deus tinha providenciado - suas vonta- base na fé no Filho. Esse era o alvo
des eram inflexíveis. Tendo tropeçado para o qual a Lei apontava. Ele acabou
na pedra de tropeço (Cristo), nada com a tensão produzida pela promessa
sabiam do dom divino da justiça. de vida ao homem, que fizesse o que o
3) Ligação Entre a Justiça da Fé e o homem não podia fazer. Uma vez que
Objeto da Fé. 10: 4-15. o homem não podia viver de acordo
No versículo 4 duas coisas foram com as exigências divinas, a salvação
acentuadas: 1) o que Cristo é; 2) quem sob a Velha Aliança, como também
é beneficiado pelo que Cristo é. Porque sob a Nova Aliança, tinha de ser pela
o fim da lei é Cristo para justiça de todo fé.
aquele que crê. A palavra fim- telas - Em Rm. 10: 6-8 Paulo cita Dt. 30: 12-
parece combinar as idéias de ambos, 14, entremeando com seus próprios
alvo e término (veja Arndt, telas, 1, a. comentários e frases. No V.T., na passa-
b.c., pág. 819). Não podemos dizer sim- gem citada, o pronome oblíquo "o" nas
plesmente que Cristo é o alvo e o tér- perguntas referentes ao subir e descer
mino da Lei. Antes, Ele é o alvo e o para trazê-lo aos homens, refere-se ao
término da Lei no que se refere à justiça. mandamento de "amar O Senhor Deus".
Antes de Cristo vir, os crentes em Deus Foi esse mandamento de Deus que
estavam em tensão. Isto é, eles tinham estava no coração e boca dos israelitas.
a promessa de vida na condição de 6,7. Mas Paulo toma a linguagem de
viver da maneira inatingível. 5. Embora Deuteronômio e a aplica à justiça que
Paulo, ao citar Moisés, modifica um vem da fé. Ele se refere ao subir e des-
pouco Lv. 18: 5, tanto nos textos he- cer de Cristo. 8. A palavra que está na
braico e grego, ele apresenta substanci- boca e no coração é a declaração da fé.
almente o sentido do versículo. O homem Paulo não está dizendo que Moisés,
que praticar a justiça decorrente da lei em Deuteronômio, previsse que a jus-
(da justiça exigida pela lei) viverá por tiça viria pela fé. Antes, ele diz: "A jus-

-48 -
ROMANOS 10: 8-18
,
tiça que é pela fé diz assim" (10: 6). A nome. Isto leva Paulo a indagar sobre a
compatibilidade de ambas as alianças invocação do nome do Senhor. Não
mostra-se pelo fato, de que esta justiça pode haver invocação sem crença ou
se encaixa na linguagem do N.T. confiança. Não pode haver crença ou
9. Confissão com a boca e crença no confiança sem ouvir. Não pode ouvir
coração refere-se às reações interna e sem qne hl!ia pregação. Não haverá
externa do crente. Sua convicção inte- pregação se os pregadores não forem
rior precisa de expressão exterior. Quan- enviados. Observe que a pregação de
do ele confessa que Jesus é o Senhor, Deus aos homens começa pela delegação
ele está declarando a divindade de Cristo dos mensageiros. Então por meio da
e a Sua exaltação, e o fato de que ele, pregação, do ouvir e confiar, os homens
o crente, Lhe pertence. A crença de são levados a invocar o nome do Senhor.
um homem na Ressurreição, prova que A beleza dos pés dos mensageiros refe-
ele sabe que Deus agiu e triunfou na re-se, à presteza deles em levarem as
cruz. Um homem que confessa que boas novas. A citação de Is. 52:7 refe-
Cristo é o Senhor e tem essa crença ou re-se à notícia levada pelos mensageiros,
convicção alcançará a salvação. 10. de que Jeová redimiu Jerusalém. Paulo
Esta confiança ou crença é uma ati- aplica estas palavras às boas novas sobre
vidade constante e refere-se à justiça; a Cristo - o Evangelho.
confissão é também uma atividade 4) As Boas Novas Rejeitadas. 10:
constante e refere-se à salvação. Estas 16-21.
verdades, confessadas e cridas, são con-
16. Embora as boas novas fossem
vicções constantes e duradouras.
proclamadas; isto não significa que os
12. Uma vez que tal confissão e ouvintes obedeçam às boas novas. Paulo
crença são essenciais para a salvação, a cita Isaías perguntando: "Senhor, quem
próxima declaração de Paulo torna-se ouviu a nossa pregação?" (cons. Is. 53:
pertinente e quase auto-evidente. Na 1). 17. O apóstolo tira a conclusão de
questão da consecução da salvação, que a fé vem da pregação (das coisas
não há distinção (diferença) entre judeu ouvidas). E a pregação tem de ser pela
e grego. Cristo é o mesmo Senhor de palavra (ordem, mandamento, direção)
todos, rico (e generoso) para com todos de Cristo. Uma tradução diz Deus, mas
os que o invocam. Os escritores do N.T. os melhores manuscritos trazem Cristo.
fizeram do nome Senhor (kyrios) um 18. Uma vez que Israel teve ambos,
dos seus títulos favoritos ao se referirem os mensageiros que proclamam as boas
a Jesus (veja Arndt, kyrios, 2.,c., págs. novas e as próprias boas novas, por
460, 61; Foerster, TWNT, Ill, 1087 - que os judeus não obedeceram? O após-
94). Paulo toma a citação do V.T. que tolo trata das duas desculpas que possam
fala de Jeová como o Senhor e aplica ser apresentadas. Porventura não ouvi-
o termo a Jesus (cons. vs. 13 e 12). Invo- ram? Sim, ouviram muito bem. Ele cita
car o nome do Senhor significa invocar SI. 19: 4, o qual originalmente tratava
Jesus. Assim, orar a Jesus está explicita- da proclamação universal da glória e
mente recomendado por esta linguagem. poder de Deus pelas obras da natureza.
14,15. A ligação que existe entre a Ele aplica as palavras deste salmo ao
justiça da fé e o objeto da fé é simples. Evangelho - Por toda a terra se fez
A crença no objeto da fé (Cristo) produz ouvir a sua voz, e as suas palavras até
a justiça da fé, no crente. Quando os ho- aos confins do mundo. A segunda des-
mens confiam em Cristo, invocam o Seu culpa trata de uma falha de conhecimen-

-49 -
ROMANOS 10: 19-21 - 11: 1-10

to. 19. Porventura não terá chegado isso 2b-S. Mostrando que havia um Is-
ao conhecimento de Israel? Sim, soube rael remanescente que era fiel, Paulo
muito bem. Moisés foi o primeiro a dizer, prova que Deus não repudiou o Seu
que Deus usaria uma nação ou gente povo. O apóstolo lembra seus leitores,
falta de entendimento para tomar os que havia um remanescente piedoso
judeus ciumentos e irados (cons. Dt. no tempo de Elias, e declara que há
32: 21). Os judeus, além de ouvirem a um remanescente semelhante no seu
mensagem sobre Cristo, sabiam também tempo (Rm. 11: 5). Assim, pois, tam-
que Deus se ocuparia de outras gentes bém agora, no tempo de hoje, sobrevive
além deles mesmos. 20. Paulo cita o um remanescente (veja Arndt, ginomai,
profeta Isaías afirmando isto (Is. 65: 11, 5, pág. 159), segundo a eleição da
1, 2). Na verdade, os dois versículos graça (veja Arndt, ekloge, 1, pãg. 242).
citados de Isaías referem-se ao Israel A graça produz ou provoca esta eleição.
desobediente. Mas em Rm, 10: 20, o 6. Esta verdade toma a ser declarada.
escritor aplica Is. 65: 1 aos gentios. A seleção é pela graça ou favor de Deus
Em Rm. 10: 21 ele aplica Is. 65: 2 a - não pelas obras dos homens. Obras
Israel. Aplicando a linguagem de Is. sugerem legalismo e nulificam a graça.
65: 1 aos gentios é o mesmo que aplicar 7. Que conclusão devemos, pois,
Os. 2: 23 e 1: 10 (cons. Rm. 9: 25, 26) tirar? Temos de concluir que, em Israel,
a eles. O apóstolo representa Deus di- há atualmente um remanescente fiel
zendo aos gentios: Fui achado pelos que e que há uma maioria incrédula. O
não me procuravam, revelei-me aos que que Israel busca isso não conseguiu;
não perguntavam por mim. 21. Em con- mas a eleição o alcançou; e os mais
traste, o Senhor implora a Israel - Ele foram endurecidos. Um intérprete deve
estendeu suas mãos a um povo rebelde perguntar: O que foi que Israel buscou
e contradizente. e não alcançou? Paulo já respondeu
essa pergunta em 9: 32 elO: 3. Israel
D. A Situação de Israel no Tempo
buscou a justiça. Mas em lugar de se
de Paulo. 11: 1-10.
submeter à justiça de Deus, procurou
1. Embora Paulo tivesse acabado de estabelecer a sua própria justiça. Os
descrever a desobediência e obstinação eleitos alcançaram a justiça que Deus
do seu povo, ele declara agora: Terá concede. 8. Os demais foram endure-
Deus, porventura, rejeitado o seu povo? cidos. Eles foram endurecidos porque
De modo nenhum. Sendo ele mesmo, deixaram de se submeter à justiça de
Paulo, um israelita, a idéia de que Deus Deus. Eis aí Deus novamente atuando
pudesse rejeitar Seu povo era-lhe repug- em castigo judicial. Quando um homem
nante. Por seu povo Paulo quer dizer a se confronta com a justiça de Deus,
nação de Israel. 2a. Deus não rejeitou o mas toma a decisão de continuar no
seu povo, a quem de antemão conheceu. seu próprio caminho, o embotamento,
A expressão seu povo enfatiza a ante- a dureza e a cegueira são o resultado.
rior escolha ou seleção divina. A expres- Paulo aplica as palavras do V.T. à sua
são de antemão conheceu indica que o geração. Sua primeira citação foi de
Senhor conheceu de antemão que Israel Dt. 29: 4, com um pouco de Is. 29: 9,
seria desobediente e obstinado (cons. 10 incluído. Ele intensifica esta passa-
10: 21). Deus conhecia de antemão os gem do V.T. para enfatizar o endure-
pecados do Seu povo, mas Ele não cimento judicial. Deus dá um espírito
lhos decretou diretamente (veja Tg. 1: de estupor (cons. Is. 10), olhos que não
13). vêem, ouvidos que não ouvem. 9,10.

- 50-
ROMANOS 11: 10-15
Finalmente, o apóstolo cita SI. 69: 22, para abençoar os gentios. O apóstolo
23 - a tradução da LXX - na qual o argumenta partindo do menor para o
salmista descreve a mesa dos seus ini- maior; podemos ver, assim, que a ação
migos deserta, seus olhos obscurecidos, positiva dos judeus - o cumprimento
e suas costas encurvadas por causa da das exigências de Deus (veja pleroma,
luta. Assim, Paulo diz que, embora a Arndt, 4, pág. 687) - produzirá bênçãos
maioria do povo de Deus está atual- ainda maiores. 13. O escritor 'lembra
mente sob julgamento divino, a exis- aos gentios a bênção que receberam
tência de uma minoria é a prova de - Dirijo-me a vós outros, que sois genti-
que o Todo-Poderoso não repudiou os. Paulo magnífica o fato de seu minis-
o Seu povo. tério ser aos gentios. 14,15. Ele espera,
E. A Perspectiva do Futuro de Israel. com isso, provocar o ciúme dos seus
11: 11-36. irmãos na carne e salvar alguns deles.
Aqui Paulo chega à conclusão do Porque, se o fato de terem sido eles
seu discurso sobre o lugar de Israel e rejeitados trouxe reconciliação ao mun-
dos gentios no plano de Deus. O propó- do, que será o seu restabelecimento (com
sito da ação de Deus na história é que Deus), senão vida dentre os mortos?
Ele quis ter misericórdia de todos - ju- Observe que Paulo continua a argu-
deus e gentios. O papel de Israel é mais mentação partindo do menor para o
impressionante, quer na rejeição, quer maior. A rejeição de Israel envolveu
na aceitação. Harmonizando-se em um a reconciliação do mundo. Ambos,
quadro sublime vemos toda a história, judeus e gentios, foram reconciliados
as atitudes e reações de Israel e dos entre si e com Deus em Cristo. É uma
gentios, e a sabedoria de Deus no inter- realização notável. Mas a aceitação de
Israel por Deus produzirá uma reali-
-relacionamento desses dois grupos. Na
metáfora da oliveira vemos a impres- zação ainda mais significativa - vida
sionante unidade do povo de Deus em dentre os mortos. Isto sem dúvida se
ambos os convênios. refere ao clímax da reconciliação na
volta de Cristo, a ressurreição dos mor-
1) A Extensão da Bênção entre a tos, o libertamento da criação da escra-
Queda e a Plenitude de Israel. 11: 11-15. vidão da deterioração ou corrupção
11. Paulo começa com sua costu- (8: 21), e o glorioso reino de Cristo.
meira pergunta. Porventura tropeçaram 2) Os Gentios Individualmente Care-
para que caíssem? De modo nenhum. cem de Base para se Gloriarem, 11:
Pelo contrário, foi por meio do pecado 16-21.
(transgressão) de Israel, que a salvação Devemos nos lembrar que a carta aos
veio aos gentios com o propósito de romanos foi escrita a um grupo parti-
provocar o ciúme de Israel. 12. Qual cular em Roma. No versículo 13 o
foi esse pecado ou transgressão? O da escritor esclarece: Dirijo-me a vós outros,
incredulidade. Ora se a transgressão que sois gentios. Mas em 11: 17-24 ele
deles redundou em riqueza para o tem em mente o leitor gentio individual.
mundo, e o seu abatimento em riqueza Nestes versículos encontramos oito pro-
para os gentios, quanto mais (será) a nomes e treze verbos na segunda pessoa
sua plenitude (dos judeus). O cumpri- do singular. Embora a maioria dos is-
mento das exigências divinas por parte raelitas tenha sido derrotado e.rejeítado,
dos judeus enriquecerá o mundo. O nenhum gentio deveria se atrever ao
pecado de Israel (a incredulidade) e sua orgulho ou auto-suficiência. Por isso,
derrota foram os meios que Deus usou Paulo torna os gentios, individualmente,

-51 -
ROMANOS 11; 15-22

cônscios de sua posição em relação a Em vez de permanecer orgulhoso sobre


Israel. Então no versículo 25 ele volta um falso senso de segurança, o gentio
ao vós e encara os crentes gentios e Is- individualmente deve temer. Temor
rael como dois grupos. genuíno de Deus e respeito por Ele
16. Encontramos aqui duas metá- constituem a base da verdadeira segu-
foras: as primícias e a massa, e a raiz rança. Deus quebrou os galhos' naturais
com os ramos. As primícias da massa por causa da incredulidade deles (v.
e a raiz referem-se a Abraão e aos outros 20). Se Ele não tolerou a incredulidade
patriarcas, Isaque e Jacó (veja odes· neles, não tolerará tão pouco em você.
taque que Paulo dá aos "pais" em 9: 5 3) A Bondade e a Severidade de Deus
e 11: 28). Toda a massa e os ramos Revelada por Sua Reação, Diante da
referem-se a Israel, o povo de Deus, Crença e da Incredulidade. 11: 22·24.
que descende dos patriarcas. A santi- 22. Pois. O escritor está concluindo
sua extensa metáfora sobre a raiz e os
dade atribuída à parte e ao todo, a
raiz e os ramos: é a da dedicação, con- ramos. Considerai, pois, a bondade e
sagração, separação para Deus. Esta a severidade de Deus: pará com os que
é uma santidade legal, para o grupo caíram, severidade; mas para contigo,
à vista de se constituir o povo escolhido a bondade de Deus, se nela permane-
de Deus. ceres (de Deus); doutra sorte (se tu
não permaneceres na esfera da bondade
17-24. Paulo desenvolve a segunda divina) também tu serás cortado. Paulo
metáfora nos versículos 17·24. Alguns insiste com o gentio individualmente a
dos ramos foram quebrados (v. 17). O permanecer na bondade de Deus. Isto,
gentio individualmente, sendo oliveira é claro, envolve sua continuação na fé
brava, foi enxertado entre os ramos (v. 20), mas Paulo destaca que Deus
da oliveira natural. Assim, este ramo, cuida daqueles que confiam ou crêem
o gentio individualmente, foi feito nEle. Portanto, permanecer na bondade
participante da raiz e da seiva da oli- de Deus expressa bem o pensamento.
veira (v. 17). Mas depois Paulo adverte Essa bondade será a porção do gentio
o gentio individualmente a deixar de se ele permanecer, persistir, perseverar
se vangloriar contra os ramos. Ele não (veja Arndt, epimeno, 2, pág. 296) nessa
tem base para a sua vanglória: não és bondade. Depois vem uma cláusula
tu que sustentas a raiz, mas a raiz a causal que envolve um contraste, doutra
ti (v. 18). O destaque aqui foi dado sorte [epei, veja Arndt, 2, pág. 283. Com
à unidade, que caracteriza o povo de um pois elíptico (se fosse diferente),
Deus de ambos os pactos. O apóstolo pois ... doutra sorte; Rm. 3: 6; 11:6,
passa a tratar então o argumento dos 22 etc.] . Como nos outros contextos
ramos que foram quebrados a fim de de Romanos onde aparece esta palavra
que o gentio pudesse ser enxertado. doutra sorte (gr. epei), o leitor, para
20,21. Bem! pela sua incredulidade entender o significado, tem de inverter
foram quebrados; tu porém, mediante o pensamento precedente e então tirar
a fé estás firme. Não te ensoberbeças, a conclusão. Assim, deveria ser: "De
mas teme. Porque se Deus não poupou outra maneira, se você não continuar
os ramos naturais, também não te pou- na esfera da bondade de Deus, você
pará. A diferença entre os ramos que- também será cortado". Estas palavras
brados e o ramo enxertado consiste solenes do apóstolo fazem nos lembrar
na presença da fé. Incredulidade sigo as palavras de Jesus: "Todo ramo que,
nifica rejeição. A fé significa aceitação. estando em mim, não der fruto, ele o

-52 -
ROMANOS 11 : 22-28

corta" (Jo. 15: 2a); "Se alguém não 11: 25-27.


permanecer em mim, será lançado fora
a semelhança do ramo" (Jo. 15: 6a). 25. O mistério, que Paulo não quer
Para se ter certeza de que esta adver- que os seus leitores sejam ignorantes,
tência é válida, a construção grega mostra é que veio endurecimento em parte a
que Paulo não declara se o indivíduo Israel, até que haia entrado a plenitude
vai ou não continuar: Se permanece- dos gentios (comecem a desfrutar das
res na sua bondade, a benignidade de bênçãos prometidas). Se os seus leito-
Deus será sua. res não o perceberam, poderão se tornar
Isto mesmo Paulo escreveu em Rm presumidos. Em parte. Tipo de cláusula
8: 28-30, que o propósito de Deus para característica de Paulo. A "parte" é
aqueles que o amam começa com o Seu uma parte muito grande, mas está equi-
conhecimento e decreto anterior, e ter- librada pela plenitude dos gentios - a-
mina com a Sua glorificação. Deus não queles que foram conhecidos e chama-
revelou todos os aspectos do Seu propó- dos de antemão por Deus (cons. 8: 28-
sito e tudo que está envolvido na Sua 30).
eleição. O que Ele tornou conhecido
26. E assim todo o Israel será salvo.
centraliza-se no fato de que os crentes
Todo o Israel. A nação de Israel. Com-
são eleitos em Cristo (Ef. 1: 4). Está
pare com o paralelo de Jacó na citação
muito claro que o Senhor agiu "por"
seguinte. Todo. Não necessariamente
e "em" aqueles que estão "em Cristo".
cada indivíduo, mas indivíduos em
Mas, está igualmente claro que aqueles
número suficiente para tornar os crentes
"em Cristo" devem também agir: devem
em Cristo representantes da nação. A
continuar; devem produzir fruto. Sua
expressão e assim está relacionada com
ação, o escritor expõe, é exatamente tão
a citação de Is. 59: 20, 21 eIs. 27: 9.
essencial quanto a ação de Deus em atraí-
A salvação de Israel está diretamente
-los e em colocá-los em Cristo. Se um
relacionada com a ação pessoal do li-
mestre despreza qualquer um destes bertador, Jesus, o Messias. O e (kai) ,
dois aspectos - a ação de Deus e a com o qual começa o versículo 26 é
reação do crente - afastou-se do N.T. uma conjunção coordenativa. Ela su-
Se alguém pensa que compreende intei- gere que a obra do Libertador (Cristo),
ramente o relacionamento entre estes de desviar a impiedade de Jacó e salvar
dois fatores, esqueceu-se que Deus todo o Israel, está de mãos dadas com
deixou algumas coisas a serem reveladas a entrada da plenitude dos gentios nas
nos séculos vindouros (cons. Ef. 2: 7). bênçãos e favor de Deus. Depois desse
23,24. Se aqueles que pertencem a lançar de olhos para o futuro, Paulo
Israel não continuarem nem persistirem retoma aos seus dias.
na incredulidade, serão enxertados. Agora
5) A Misericórdia de Deus para com
Paulo destaca a capacidade de Deus.
Todos, Engrandecida por Sua Ação
Ele é poderoso, forte, grande - capaz de
enxertá.J.os novamente. Uma vez que, na História. 11: 28-32.
na linguagem da metáfora, o Senhor 28. A grande maioria dos israelitas
fez o que era contrário à natureza, po- contemporâneos, no que se referia
de certamente enxertar ramos da oli- às boas novas de Cristo, era hostil
veira natural de volta na oliveira natu- para com os cristãos romanos. Mas,
ral. 24. Quanto mais mostra a confiança sendo os judeus ainda o povo eleito
de Paulo no plano de Deus. de Deus, os cristãos romanos deviam
4) Salvação para o Povo de Israel. considerá.J.os e amã-los por causa de

-53 -
ROMANOS 11: 28-36 - 12: 1
seus pais. Observe aqui um grupo que, desprezam a Sua misericórdia (veja
embora eleito, está afastado de Deus. 2:4).
Os leitores gentios de Paulo tinham um 6) Excelência e Glória de Deus - a
relacionamento de contraste com os Fonte, o Sustentador, e o Alvo de Todas
judeus. Quanto ao Evangelho, são eles as Coisas. 11: 33-36.
inimigos por nossa causa. Tendo rejei- O plano de Deus na história capacita-o
tado o Evangelho, a maior parte do povo a demonstrar misericórdia para com
judeu tomou-se hostil para com os ambos, Israel e os gentios, para que
cristãos. Tendo sido rejeitados por Ele possa ter misericórdia de todos.
Deus que demonstrou misericórdia para E Ele é capaz de fazer a rebeldia dos
com os gentios, eles tratavam os gentios homens servir a um propósito em Seu
como a inimigos. Quanto, porém, à plano. Isto faz Paulo irromper em lou-
eleição (dos judeus por Deus), (eles vores.
são) amados por causa dos patriarcas. 33. Profundidade. As riquezas, sabe-
Isto se refere à eleição de toda a nação doria e ciência de Deus são inexauríveis.
judia e ao fato de que o povo era amado Seus juízos ou decretos estão além da
porque Deus escolhera seus pais. A capacidade humana de sondá-los. Seus
eleição pode envolver toda uma nação, caminhos - o todo de Sua conduta -
como aqui; ela pode envolver um rema- não podem ser acompanhados ou tra-
nescente, como em 11: 5; ela pode çados. Nenhum homem é suficiente-
envolver um grupo menor, tal como mente grande para observar todas as
os Doze (10. 6: 71). Em cada um desses ações de Deus e segui-las uma a uma.
casos, a eleição se referia a uma tarefa As citações do V.T. (Is. 40: 13; 1641:
específica para a qual o grupo foi co- 11) mostram que Deus é independente
missionado por Deus. do homem. 36. Finalmente, em uma
29. Paulo ensina a fidelidade de Deus enorme onda repentina de devoção,
quando diz: os dons e a vocação de Deus Paulo atribui glória a Deus para sempre,
são irrevogáveis. Dons. Os privilégios ao Deus que é a Fonte, o Sustentador, e
desfrutados por Israel (cons. 9: 4, 5). o Alvo de todas as coisas.
Vocação. A declaração divina a Israel IV. A Atitude e a Conduta que se
ou lacó que eles eram o Seu povo (cons. Espera dos Cristãos em Roma. 12: 1-
Is. 48: 12). Os gentios, que foram deso- 15: 13.
bedientes a Deus, obtiveram a miseri-
córdia por causa da, ou por meio da, Evidentemente Paulo estava bem in-
desobediência de Israel. Agora, por formado das necessidades dos crentes
causa da misericórdia experimentada em Roma. Embora a maior parte de
pelos gentios, o povo de Israel deve suas exortações se enquadram em qual-
experimentar a misericórdia. 32. A quer grupo de crentes, muitos deles
conclusão de Paulo é que Deus a todos achavam que o apóstolo pensava em um
encerrou na desobediência, a fim de grupo particular quando escrevia. O al-
usar de misericórdia para com todos. Cada cance dessas exortações é surpreen-
todos deste versículo refere-se a ambos, dente. A vida cristã é simplesmente ser
judeus e gentios. Deus aprisiona os ho- um cristão e agir como um cristão em
mens com o propósito de libertá-los. cada setor da vida.
Com todos ... misericórdia. Não a sal- A. Consagração de Corpo e Mente. 12:
vação de todos. O ensinamento de Paulo 1,2.
sobre aqueles que desprezam a bondade 1. A linguagem aqui é do V.T. e faz-
de Deus, também se aplica àqueles que -nos lembrar que os crentes judeus ofe-

-54-
ROMANOS 12: 1-8

reciam sacrifícios ao Senhor. Mas os tos são membros, enquanto ao mesmo


crentes cristãos, em vez de oferecer tempo são, individualmente, membros
algo fora de si mesmos, devem ofere- uns dos outros, é a Igreja universal,
cer seus próprios corpos a Deus, como constituída de todos os crentes em
sacrifícios vivos, santos e aceitáveis. Cristo. (Veja I Co. 10: 17; 12: 12, 13,28;
Este tipo de sacrifício é um culto espio Ef. 1: 22, 23; 2: 15b, 16; 4: 3-6, 11-13,
ritual que envolve todos os seus pode. 15, 16; 5: 22-30; Cl. 1: 17, 18,24,25).
res racionais. 2. Por causa da declaração O símbolo do corpo descreve a Igreja
envolvida, os crentes não devem se con- como um organismo, com cada membro
formar com este mundo, mas devem recebendo vida de Cristo (veja Cl. 3: 3).
se transformar pela renovação de suas Uma vez que todos os membros rece-
mentes (12: 2). Tal transformação e re- bem sua vida de Cristo, eles todos se
novação se alcança experimentando (a- pertencem mutuamente. Grupos locais
provando ou descobrindo) que a vontade de crentes são a manifestação local do
de Deus é boa, agradável e perfeita. corpo de Cristo, a Igreja. Tal grupo
B. A humildade no Uso dos Dons de local é corpo de Cristo, mas não todo
Deus. 12:3-8. o corpo de Cristo (veja I Co. 12: 27). O
3. Na introdução da questão dos corpo de Cristo consiste da totalidade
dons, Paulo fala da graça que lhe foi dos crentes que estão unidos a Cristo,
dada para capacitá-lo a ser um após- a cabeça da Igreja.
tolo. Depois ele exorta cada um dos 6. A graça de Deus concedida a crentes
seus leitores a que não sejam arrogantes, individualmente, está comprovada nos
isto é, que não pensem bem demais diferentes dons. Paulo faz uma lista
sobre si mesmos. Ele apela para um dos dons e depois diz de que modo
jogo de palavras, usando diversos ter- cada um deve ser usado. Em cada caso
mos gregos que têm a palavra "mente" o leitor, para entender, deve suprir o
ou "pensar" como elemento básico verbo, vamos usá-lo, seguido do dom
- que não pense de si mesmo, além particular. Se profecia, seja (vamos
do que convém (saber), antes, pense usá-la) segundo a proporção da fé, ou
com moderação (com equilibrio na no correto relacionamento com a fé.
avaliação). Devemos fazer uma auto- Fé aqui significa o corpo da fé, da cren-
-avaliação quanto ao que Deus repar- ça ou doutrina (veja Arndt, pistis, 3,
tiu a cada um. Paulo aqui não fala da págs. 669-670). A profecia, que tem a
"fé salvadora" mas antes de "uma fé intenção de exortar, encorajar e con-
que impulsiona uma pessoa na obra fortar (veja I Co. 14: 3), deve ser usada
de Deus". A "fé salvadora" não seria no devido relacionamento com a ver-
o padrão para um auto-exame correto. dade revelada de Deus. 7. A palavra
Só o orgulho poderia dizer: "Veja quanta diakonia, que foi traduzida para minis-
fé salvadora eu tenho". Mas é com tério, pode ser traduzida para serviço
humildade que se diz: "Eis aqui a fé se for tomada no sentido geral. Se o to-
que eu tive na execução desta ou daquela marmos no sentido particular, refere-se
tarefa particular para Deus". Isto ape- ao ofício de um diácono. A ênfase
nas leva à oração, "Senhor, aumenta a aqui é na necessidade de se usar esses
nossa fé" (veja Lc. 17: 6). Na lista dos dons. Aqueles que têm os dons de ensi-
heróis da fé em Hb. 11, vemos que a nar e exortar devem exercitá-los. 8. O que
medida da fé dada, corresponde à tarefa contribui deve fazer com liberdade. A
a ser realizada. palavra proistemi, traduzida para preside,
4,5. O um só corpo do qual os mui- pode significar isso mesmo ou dar ajuda.

-55 -
ROMANOS 12: 8-21 - 13: 1-2

Isto tem de ser feito com alegria. Aque- preocupar com o que é moralmente
le que tem o dom de exercer misericór- bom diante de todos os homens. 18.
dia deve usar o dom com alegria. Os Até onde for possível, os cristãos devem
dons aqui mencionados são - 1) pro- viver em paz com todos os homens. 19.
fecia, 2) ministério (serviço ou ofício de Os crentes não devem procurar a vin-
diácono), 3) ensino, 4) exortação (possi- gança, mas devem dar oportunidade à
velmente conforto, encorajamento), 5) ira de Deus para operar os seus propó-
repartir, 6) presidir ou dar ajuda, 7) exer- sitos (veja Arndt, topos, 2. c, págs.
citar misericórdia. Cada um é um talen- 830-831). O V.T. faz notar que a vin-
to particular para um tipo particular de gança e a recompensa pertencem a Deus.
atividade. 20. Os crentes devem tratar os inimigos
C. Qualidades do Caráter Exempli- que se encontram em dificuldades, como
ficadas. 12: 9-21. tratariam os outros em circunstâncias
semelhantes. Alimentando-os e desseden-
Devemos meditar nesta lista se qui-
tando-os, os crentes amontoam brasas
sermos que o seu impacto nos atinja.
vivas sobre as cabeças deles. Esta figura
9. O amor tem de ser genuíno (ou sin-
parece querer dizer que o inimigo corará
cero, sem hipocrisia). Os crentes têm o
de vergonha ou remorso diante de tão
mandamento de aborrecer o mal cons-
inesperada delicadeza. 21. A última
tantemente e a se apegarem constante-
qualidade de caráter mencionada em
mente ao bem. 10. Devem se devotar
Romanos 12, mostra que Paulo sente
uns aos outros com amor fraternal e
que a vida cristã é como uma competi-
devem se exceder uns aos outros na
ção - Não te deixes vencer do mal, mas
demonstração do respeito recíproco.
vence o mal com o bem.
11. Não devem ser indolentes. Devem ser
fervorosos ( incandescentes), literalmente, D. Submissão às Autoridades do Go-
fervendo, no espírito. Devem servir con- verno Deve Ser Acompanhada por
tinuamente ao Senhor. 12. Os crentes uma Maneira de Vida Amorosa e
devem se regozijar na esperança, isto é, Reta. 13: 1-14.
em tudo o que Deus tem prometido Como o cristão enfrenta suas respon-
fazer por eles em Cristo. Devem supor- sabilidades diante do governo, como ele
tar as aflições e estar sempre em oração. age para com o seu vizinho, e como ele
13. Devem suprir as necessidades dos se comporta na sua vida pessoal, todas
santos (companheiros crentes) e seguir são questões de grande importância.
ou buscar a hospitalidade. 14. Os cren- 1,2. A obediência ao Estado é man-
tes devem abençoar seus perseguidores damento divino. As palavras iniciais:
e deixar de amaldiçoar os patifes. 15. Todo homem esteja sujeito às auto-
Devem se regozijar com os que se rego- ridades superiores definem a obrigação
zijam e chorar com os que estão tristes. do cristão. O restante dos dois primei-
Sentir alegria genuína com o sucesso ros versículos mostra por que ele tem
de outrem é sinal de verdadeira matu- esta obrigação. Não há autoridade que
ridade espiritual. 16. Os crentes devem não proceda de Deus; e as autoridades
viver em harmonia entre si. Em vez de que existem foram por ele instituídas.
lutar na consecução de coisas que estão A fraseologia enfatiza a autoridade e o
altas demais para eles, devem se acomo- cargo que ocupa. Nada se diz aqui sobre
dar às maneiras simples, deixando de forma de governo. A passagem enfatiza
ser convencidos. 17. Não devem retri- o governo propriamente dito e os seus ad-
buir o mal com o mal. Antes, devem se ministradores quando funcionam devida-

-56 -

, [
ROMANOS 13: 2·13

mente. Resistir à autoridade do governo não pode saldar devidamente. 8b. Pois
é resistir ao que Deus determinou. Aque- quem ama ao próximo, tem cumprido a
les que resistem receberão condenação. lei. 9. Paulo mostra que os mandamentos
3,4. Paulo descreve os governantes sobre o adultério, homicídio, roubo,
no devido exercício de suas prerrogati- cobiça e todos os outros mandamentos,
vas. Uma vez que os governantes em que se poderiam mencionar estão con-
suas devidas funções amedrontam os que tidos na ãdmoestação de se amar o pró-
fazem o mal - não o bem, o homem ximo como a si mesmo. 10. De sorte
que não quer temer os governantes, que o cumprimento da lei é o amor. O
deve constantemente praticar o bem. mandamento de se amar o próximo
Paulo descreve o homem que age assim, como a si mesmo foi tirado de Lv. 19: 18.
recebendo louvor das autoridades. Sua Nesta passagem do V.T. encontra-se,
descrição da autoridade governante como quase no fim de uma série de injunções,
sendo um ajudante ou agente de Deus uma descrição de como o indivíduo
parece-nos muito forte. Aquele que deve agir em relação àqueles com os
faz o mal deve temer. A autoridade não quais convive. Enquanto o V.T. sugere
carrega a espada sem um propósito. que o amor é o cumprimento da Lei,
Aqui está claro que Deus autorizou Paulo o toma explicito. O amor de-
a força (a espada) para ser usada pelas monstra claramente a positiva sub-
autoridades humanas, a fim de evitar missão do crente e sua ativa obediên-
a anarquia e a tirania do mal na socie- cia a Deus.
dade humana. Pela segunda vez no ver-
Conduta honesta é essencial por
sículo (13: 4), o governante é chamado
causa da aproximação da salvação com-
de agente de Deus. Então Paulo acres-
pleta (Rm. 13: 11-14). O amor é uma
centa - um vingador que traz a ira (de
qualidade positiva e criativa da perso-
Deus) sobre aquele que faz o mal.
nalidade. Alguns pecados tomam esse
5,7. Duas razões se apresentam para amor impossível e devem ser evitados
a obediência às autoridades constituídas, a todo o custo. 11. A natureza do sé-
e certos resultados se seguemo As ra- culo presente é tal que os crentes de-
zões para a obediência são: 1) A ira de vem despertar do sono. Indiferença
Deus administrada pelo governante cai diante do pecado deve ser substituída
sobre aquele que desobedece; 2) a cons- pela vigilância. A salvação "que agora
ciência cristã declara que o cristão deve está mais perto do que quando os lei-
obedecer aos mandamentos divinos. Sub- tores creram" refere-se a tudo quanto
missão aos governantes é um desses Cristo fará pelos crentes no Seu segundo
mandamentos. Ele envolve o pagamento advento. Certamente Paulo esperava que
dos impostos, pagamento de tarifas al- Cristo voltasse durante a sua vida. 12. O
fandegárias, demonstração de respeito contraste entre a noite e o dia, luz e
para com aqueles que devem ser respei- trevas não é apenas um tema bíblico
tados, e honra aos que devem ser hon- familiar, mas também se encontra nos
rados. Essas são as obrigações dos crentes manuscritos do Mar Morto. O povo de
pára com os governantes. Deus sabe que há uma linha que separa
O amor, diz-se, é o cumprimento o mal da justiça. Mas os lembretes são
da Lei (13: 8-10). 8. A ninguém fiqueis sempre necessários. Deixemos, pois, as
devendo cousa alguma, exceto o amor obras das trevas, revistamo-nos das ar-
com que vos. ameis uns aos outros. O mas da luz. 13. Depois Paulo exorta os
amor é a única dívida que um crente leitores a se comportarem decente-

-57 -
ROMANOS 13: 13-14 - 14: 1-10

mente, como de dia, e faz uma lista certos alimentos, para o Cristão, não
de atividades específicas que devem constitui em si mesmo uma questão mo-
ser evitadas. São elas bebedeiras ou or- ral. É simplesmente uma questão de pre-
gias, atividades sexuais condenadas pela ferência. Presentemente, entretanto, Pau-
lei, indulgência sensual, contendas e lo mostra que pode se transformar em
ciúmes. 14. Finalmente, a vitória exi- uma questão moral. 4. O cristão mais
ge que o crente aja. Ele deve se revestir fraco não deve condenar o servo de ou-
do Senhor Jesus Cristo. Deve deixar de tro homem; essa é prerrogativa do Sen-
fazer provisões (providenciar) para a nhor. Aqui Paulo acrescenta que o Se-
carne, estimulando os desejos, proibidos nhor tem a capacidade de fazê-lo firmar-
por Deus. -se.
E. A Tolerância Necessária para com 5. Depois Paulo começa a discutir a
Aqueles que têm Consciências For- questão dos dias especiais. O cristão mais
tes e Fracas. 14: 1 - 15: 13. fraco faz diferença entre dia e dia. O cris-
Nesta seção Paulo discute as atitudes tão mais forte julga iguais todos os dias. O
que dois tipos de cristãos têm um para apóstolo aqui não toma partido, mas sim-
com o outro. Quanto às questões ceri- plesmente insiste que cada um tenha opi-
moniais - alimentos, guarda de dias - nião bem definida em sua própria mente.
os cristãos mais amadurecidos, no tempo Isto tacitamente dá a entender que cada
de Paulo, compreendiam que tais coisas um deve estabelecer a base de suas opi-
não eram importantes. Os cristãos mais niões.
6. Ambos os grupos, quer observem
fracos, que ainda não tinham um padrão
de consciência firme e "precisavam de um dia ou não, quer comam ou não,
um apoio", sentiam-se grandemente per- devem dar graças a Deus. Para que não
turbados com o modo de agir do irmão haja dúvidas quanto a sua devoção ao
mais forte. Diz-se que a consciência Senhor.
é forte quando tem um padrão de jul- 2) O Julgamento é Feito pelo Se-
nhor, Não pelos Irmãos. 14: 7-12.
gamento sadio, e fraca, se tem um pa-
7. Dando graças ao Senhor, somos
drão inferior.
lembrados que os crentes não podem
1) Diferenças de Opinião sobre Ali-
viver ou morrer para si mesmos. Para
mentos e Dias Especiais. 14: 1-6.
1. Em primeiro lugar, Paulo discute eles, tanto a vida como a morte, estão
se o grupo de cristãos deveria receber focalizadas no Senhor. Em cada expe-
em seu meio, para confraternizar, aque- riência eles são propriedade do Senhor.
le que é fraco no conhecimento quanto, 9. Cristo morreu e ressuscitou para
ao que significa ser cristão e viver uma que Ele tivesse o senhorio sobre os mor-
vida cristã. O apóstolo declara que esse tos e vivos. 10. Se Cristo é o Senhor,
tal deve ser recebido, mas não com o por que então o cristão mais fraco deve
propósito de alimentar contendas sobre condenar seu irmão? Se Cristo é o Se-
dúvidas (veja Amdt, diakrisis, 1, pág. nhor, porque o cristão mais forte deve
184). 2. O cristão mais fraco é aquele desprezar seu irmão? Ambos, o cristão
que acha que só deve comer vegetais. mais forte e o mais fraco - todos (nós)
O cristão mais forte é aquele que crê - compareceremos perante o tribunal
que pode comer tudo. 3. Aquele que de Deus. A (E.R.C.) diz, ante o tribunal
come não deve constantemente despre- de Cristo, mas todos os melhores manus-
zar aquele que não come. Aquele que não critos dizem aqui de Deus. Em 11 Co. 5:
come não deve constantemente condenar 10, Paulo fala do "tribunal de Cristo". A
aquele que come. O comer ou não comer modificação é de pouca importância,

-58 -
ROMANOS 14: 10-23

uma vez que o próprio Jesus nos disse 9) que dá energia ao crente para ser
que o Pai não julga ninguém, mas en- agradável a Deus e aprovado pelos ho-
tregou "ao Filho todo o juízo" (veja mens. Em lugar de entrarem em con-
re. 5: 22, 23, 27, 29). Deus julga os flito, Paulo insiste com os crentes a bus-
homens no sentido de que os julga carem aquilo que proporciona a paz
através do Seu Filho. 11,12. Paulo e a edificação dos outros crentes.
cita Is. 45: 23, da LXX, para mostrar
20,21. Não destruas a obra de Deus
que todos os homens devem compa-
por causa da comida. Embora todas
recer diante de Deus em juízo; depois as coisas sejam puras, mas é mau para
conclui: Todos nós daremos conta de
o homem o comer com escândalo. Com
nós mesmos (a Deus). A Deus não cons-
escândalo para o quê ou para quem?
ta do texto original.
Se for com escândalo para os escrúpulos
3) Remoção de Pedras de Tropeço. de outra pessoa, então a referência do
14: 13-23. comer foi feita ao cristão mais forte.
13. Paulo insiste com seus leitores Se for com referência ao prejuízo pró-
que deixem de se condenarem mutua- prio, então é o cristão mais fraco que
mente, e em vez disso, tornai o propó- está sendo mencionado. O contexto
sito de não pordes tropeço ou escândalo no versículo 21 favorece o primeiro
ao vosso irmão. No versículo 14 o após- caso. Ou se enfraquecer não consta
tolo mostra que ele se põe ao lado dos de muitos e bons manuscritos mais
cristãos mais fortes. Ele sabe que nada antigos.
é impuro em si mesmo. Mas para o 22,23. Fé. Antes, convicção. A fé
homem que acha que algo é impuro, que tens, tem-na para ti mesmo peran-
torna-se impuro. 15. Não obstante, o te Deus. Bem aventurado é aquele que
alimento não deve constituir a causa de não se condena naquilo que aprova.
se ferir os sentimentos de um irmão Mas aquele que tem dúvidas, é conde-
(entristecer). Tais sentimentos de amar- nado se comer, porque o que faz não
gura podem afastar um homem cada provém de fé; e tudo o que não provém
vez mais de Cristo. Por causa da tua de fé é pecado. Aqui está muito claro
comida não faças perecer aquele a fa- que cada um deve ter um padrão de
vor de quem Cristo morreu. Ao dis- conduta. Tendo uma conduta correta,
cutir a palavra "destruir" (apollumi), não haverá escrúpulos de consciência
Arndt coloca Rm. 14: 15 sob o título, quanto ao comer; mas na conduta errada,
"Com referência à destruição eterna" com um padrão que resultou de uma ma-
(apollumi, Arndt, La., alpha, pág. 94). neira de viver do passado, resulta a
Conclui-se que questões amorais podem condenação. Convicção é a certeza de
se tornar morais, caso destruam a co- que um padrão está certo. Sem uma
munhão de alguém com Cristo. 16. base adequada para julgamento o crente
A liberdade cristã está nas boas coisas pode estar convicto do pecado por
da fé cristã. Mas um cristão não deve causa de sua consciêncià, onde o pecado
agir de modo que esse bem seja blas- realmente não está envolvido. É alta-
femado. mente importante que o crente tenha
17-19. Observe que o reino de Deus um padrão correto para a sua consci-
é uma realidade presente. Está definido ência, e que ajude os seus companheiros
como vida cristã: honestidade na con- crentes a alcançarem também esse padrão.
duta, paz ou harmonia, e alegria. Esta Ele deve fugir de tudo que possa impedir
é a esfera do Espírito Santo (cons. 8: o seu companheiro crente de alcançar

-59 -
ROMANOS 14: 23 - 15: 1-13

um padrão correto, e tudo que separe Deus.


seu companheiro crente da comunhão 8,9. Por dois motivos Cristo se tomou
com Cristo. o ministro da circuncisão (isto é, dos
4) Os Fortes Devem Ajudar os Fracos judeus): 1) para provar que às promessas
em Vez de Se Agradarem a Si Mesmos. feitas aos pais são dignas de confiança;
15: 1-3. 2) capacitar os gentios a glorificar a
1. Ter paciência com os escrúpulos Deus pela Sua misericórdia. Ao des-
excessivos - debilidades - dos fracos frutar das promessas feitas a e por meio
(sem maturidade cristã) é a obrigação dos judeus, os gentios glorificaram a
dos que são fortes (na fé). 2. Um crente Deus (cons. Rm.ll:11-36; Ef.3:6
deve agradar seu próximo para o bem e outros). Ao se tornar ministro do povo
do próximo e para sua edificação. 3. O judeu, Cristo se tornou ministro de todos
crente tem o seu exemplo em Cristo, os homens. 9b-12. Então Paulo faz
que não se agradou a Si mesmo. Paulo quatro citações da versão grega do V.T.
aplica as palavras de Davi em SI. 69: (LXX). Estas citações descrevem os
10 a Cristo. Os opróbrios que recaíram gentios ouvindo um testemunho pessoal
sobre Cristo são evidência de que Ele (SI. 18: 49), regozijando-se com o povo
não se agradou a Si mesmo. de Deus (Dt. 32: 4, LXX), sendo exor-
5) Glória Dada a Deus pela Perseve- tados a louvar o Senhor (SI. 117: 1), a
rança, Consolação e Harmonia. 15: 4-6. serem governados pelo Rei messiânico
4. Qual o valor que o V.T. tem para e a terem esperança nEle (Is. 11: 10).
o cristão? Ele tem instruções para os 13. Depois de mostrar o que está
crentes cristãos. Ao ler e aceitar as envolvido na conduta cristã, Paulo con-
Escrituras do V.T., o cristão recebe clui com urna oração pelos seus leitores.
as duas coisas, paciência e consolação. E o Deus da esperança vos encha de todo
Instrução, paciência e consolação são o gozo e paz no vosso crer, para que
todos elementos essenciais para o cristão sejais ricos na esperança no poder do
que tem esperança (v. 4). O V.T. pode Espírito Santo. "Abundando em es-
fazê-lo porque é um livro sobre Deus e perança cristã" deveria ser uma descri-
Seu povo, mais do que sobre idéias. ção exata de cada cristão. O cristão
5. Paulo ora, que o Deus, que dá pa- olha para o futuro com um entusiasmo
ciência e consolação, possa ajudar seus contagiante. Deus o encheu com espe-
leitores a viverem em harmonia entre rança.
si, com Cristo Jesus por padrão. 6.
V. Ítens de Interesse Pessoal e Cuidado
O propósito dessa harmonia é que con-
com os Leitores. 15: 14 - 16: 27.
cordemente e a uma voz glorifiqueis
ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus A conclusão de Paulo é longa porque
Cristo. Observe que a união dos crentes ele queria contar a seus leitores, quais
é essencial se quiserem glorificar a Deus. os alvos que tinha na qualidade de após-
6) O Ministério de Cristo Teve Dois tolo. Ele queria que os seus leitores
Objetivos, o Judeu e o Gentio. 15: 7-13. sentissem, que tinham parte no seu
7. Ao concluir a questão do relacio- ministério. Com suas saudações ele
namento entre os cristãos forte e fraco, dá instruções, admoestações, e ensi-
Paulo insiste que eles se recebam mutua- namentos específicos. Esta seção cer-
mente dentro da sociedade como também tamente esclarece que Romanos é uma
Cristo nos acolheu na Sua comunhão. O carta.
resultado de tal recepção é a glória de A. A Razão de Paulo em Escrever

-60 -
ROMANOS 15: 13-29

Ousadamente a Leitores Amadurecidos. ram pela primeira vez as boas novas


15: 14-16. sobre Cristo.
14,15. Embora o apóstolo se sen- C. Planos de Viagem: Jerusalém, Roma
tisse confiante de que os cristãos e Espanha. 15: 22-29.
romanos estavam cheios de bondade 22. Muitas vezes me senti impedido
e num estado de plenitude quanto ao de visitar-vos. Uma vez que Roma era o
conhecimento cristão, ele escreveu esta passo seguinte - exatamente do outro
carta para lembrá-los de certas verdades lado do Adriático - Paulo esperara mui-
que eles já sabiam. Observe a modés- tas vezes fazer essa viagem. 23. Nestas
tia de Paulo. Sua justificativa para escre- regiões. Antes, nesta oportunidade. No
ver-lhes mais ousadamente sobre alguns território em que Paulo estivera, já não
pontos, surgiu do fato, que ele recebeu tinha mais oportunidade de pregar a
uma graça especial para o seu ofício. Cristo, onde Ele antes era conhecido.
16. Ele encarava o seu apostolado aos 24. Por isso o apóstolo tinha esperanças
gentios como se fosse um ministério sa- de visitar os romanos a caminho da Es-
cerdotal, no qual ele ministrava ou panha. Ele anuncia seu plano de ir ter
servia o evangelho de Deus, como sa- com eles e de ser encaminhado por eles
cerdote. O propósito de seu ministério depois de haver primeiro desfrutado
era que a oferta dos gentios fosse aceitá- um pouco a vossa companhia.
vel, porque ele a consagrara pelo Espí-
rito Santo. 25,26. Mas antes de Paulo poder
B. Confirmação Sobrenatural da Obra ir, tinha de completar seu projeto ime-
Missionária Pioneira de Paulo. 15: 17-21. diato. Recebera contribuições dos crentes
17. Uma vez que Paulo recebeu a da Macedônia e Acaia para os santos
graça de um apóstolo, e uma vez que pobres de Jerusalém. Ele encarava essa
ministrava o evangelho de Deus como coleta como parte da obrigação espi-
sacerdote, ele podia declarar: Tenho, ritual dos gentios. 27. Assim como
pois, motivo de gloriar-me em Cristo participaram das bênçãos espirituais de
Jesus nas cousas concernentes a Deus. Israel, certamente deviam agora minis-
18,19. Mas ele não se gloriava no que trar aos cristãos israelitas com seus bens
tinha feito, mas no que Cristo tinha materiais. 28. O apóstolo tinha esse
realizado através de sua palavra e atos, fundo em conta de sagrado. Havendo-
pelo poder de sinais e maravilhas, pelo -lhes consignado este fruto, passando
poder do Espírito. Seu alvo era obedi- por vós, irei à Espanha (veja Amdt,
ência dos gentios - a qual os gentios já sphragizo, 2.d., pág.804). Paulo men-
estavam prestando. Paulo encarava o seu ciona essa coleta em I Co. 16: 1 e 11
território, até então alcançado, como Co. 8 e 9. 29. Observe a confiança que
compreendido entre Jerusalém e o IH- o escritor tem de que ele iria na pleni-
rico (também chamado Dalmácia, uma tude da bênção de Cristo. A palavra
província romana além da Macedônia, evangelho (E.R.C.) não se encontra nos
estendendo-se desde a costa oriental melhores manuscritos. Paulo iria com
do Adriático - hoje Iugoslávia). 20,21. as bênçãos de Cristo, mas na qualidade
Sua ambição era pregar o Evangelho de prisioneiro. Deus cumpriu o seu
onde Cristo não era mencionado - isto desejo, mas de um modo que ele não
é, não era conhecido. Ele pôs em prá- previu. Ele sabia, entretanto, que o
tica as palavras de Is. 52: 15, as quais caminho à frente seria difícil. Por isso
se referem a reis. Mas Paulo as aplica queria que seus leitores orassem por ele.
aos gentios, que creram quando ouvi- D. Específicos Pedidos de Oração.

-61-
ROMANOS 15:29-33 - 16: 1-5

15: 30-33. a recebam no Senhor, como convém aos


30. Paulo apelou para os seus leito- santos, e que a ajudem em tudo o que
res por nosso Senhor Jesus Cristo e vier a precisar. Ela merecia tal acolhida,
também pelo amor do Espírito que Paulo declara, porque tem sido prote-
orassem por ele. Ele desejava as mais tora de muitos e ao próprio Paulo tam-
fervorosas orações - luteis juntamente bém. Este capítulo refuta a idéia de
comigo nas orações a Deus a meu favor. que Paulo não gostava de ver mulhe-
31. Ele lhes pediu que orassem, em pri- res trabalhando nas igrejas ou entre os
meiro lugar, que ele fosse libertado dos crentes. Seu tributo prestado a Febe
desobedientes judeus da Judéia. Ele é seguido de saudações a várias pessoas
sabia o quanto os judeus incrédulos e grupos. Entre as pessoas saudadas
da Palestina o desprezavam. Pediu tam- estão oito mulheres. Paulo comenta
bém que os cristãos romanos orassem, especificamente o trabalho de cinco
para que a contribuição destinada a dessas mulheres (Maria, v. 6; Priscila,
Jerusalém, fosse bem aceita pelos sano uma cooperadora, v. 3; Trifena e Tri-
tos. Paulo desejava que os cristãos ju- fosa, v. 12; Pérside, v. 12). A mãe de
deus aceitassem este gesto de amor Rufo é tão querida de Paulo que ele
cristão da parte dos cristãos gentios a chama também de mãe (v. 13). Só
- a coleta de todas as igrejas gentias. duas mulheres são mencionadas sem co-
32. Finalmente, eles deviam orar para mentários - Júlia e a irmã de Nereu (v.
que ele, com alegria encontrasse des- 15).
canso entre eles, quando fosse visitá-los F. Saudações Particulares a Indi-
pela vontade de Deus. Quando Paulo víduos e Grupos. 16: 3-16.
chegou a Roma, {e-lo na qualidade A freqüência desses nomes nas ca-
de prisioneiro, sem motivos externos tacumbas e inscrições dos antigos ce-
para se alegrar. Ele não encontrou re- mitérios de Roma e o significado destas
frigério entre os romanos, uma vez informações, são bem comentadas por
que não tinha liberdade de visitá-los, C.H. Dodd, The Epistle to the Romans,
embora eles fossem livres para vir a ele. no The Moffat New Comentary; e por
A vontade de Deus indeferiu alguns William Sanday e Arthur C. Headlam,
dos detalhes do seu pedido, mas o pe- em The Epistle to the Romans, no
dido em si foi atentido. 33. Uma vez The Intemational Criticai Commentary.
que Deus é o único que realmente pode Nesses comentários sobre o livro aos
produzir paz, é natural que Paulo ter- romanos, veja as Introduções como
mine esse pedido de oração com uma também os comentários do texto.
sentença, que é uma oração sua pelos 3. Paulo começa com dois dos seus
leitores: E o Deus de paz seja com todos mais queridos amigos - Priscila e Áqüila.
vós. Amém. Desde que Paulo os conheceu em Co-
E. Recomendações de Febe. 16: 12. rinto na sua segunda viagem missioná-
1. Ao recomendar Febe, Paulo diz ria, eles continuaram trabalhando esfor-
quem ela é e de onde ela vem. Era uma çadamente no serviço de Deus (veja Atos
diaconiza da igreja da Cencréia. Suas 18: 2, 18,26; Rm. 16: 3,4; I Co. 16: 19;
obrigações, como a dos diáconos, eram II Tm. 4: 19). 4. Como exatamente arris-
muito generalizadas. Necessidades mate- caram suas vidas pela vida de Paulo,
riais e também espirituais de outros ele não diz. Mas o fato de que, além
eram atendidas por crentes como Febe de Paulo, todas as igrejas gentias agra-
(cons. Atos 6: 1-6 com Atos 6: 8-15 e 7: deciam por eles, mostra a extensão dos
1-60). 2. Paulo pede aos romanos que seus esforços por amor de Cristo. 5a.

-62-
ROMANOS 16: 5-23

Paulo saúda a igreja em casa deles. Isto em desacordo com a doutrina que apren-
prova que o zelo de ambos por Cristo, destes. A doutrina torna-se padrão.
em Roma, não diferia do que fora em Eis aí a autoridade da mensagem apos-
outros lugares. Igrejas se reunindo em tólica. Os leitores de Paulo deviam
casas de família provavelmente também desviar-se desses que produziam dis-
se encontram em 16: 10, 11,14,15. Se senções e tentações para o pecado.
for assim, então a menção de cinco i- 18. Tais pessoas, em lugar de serem
grejas domésticas, faz-nos entender que escravas de Cristo, eram escravas dos
os cristãos em Roma, eram membros de seus próprios estômagos. Mas suas ma-
pequenos grupos e não de uma só e neiras cativavam os ouvintes. Com sua-
grande assembléia. ves palavras e lisonjas enganam os co-
5b. Epêneto foi saudado como o pri- rações dos incautos. 19. Paulo queria
meiro convertido da Ásia Menor. 7. An- que seus leitores fossem sábios quanto
drônico e Júnias eram conterrâneos ao bem, mas inocentes no que se re-
de Paulo, que estiveram com ele na feria à participação no mal. Eis porque
cadeia em alguma ocasião. Paulo des- fez esta advertência. 20. Depois da
creve-os como pessoas notáveis entre advertência, a promessa: O Deus da paz
os apóstolos e cristãos antes dele pró- em breve esmagará debaixo dos vossos
prio. Isto pode significar que eles já pés a Satanás. Com a vitória final no
eram crentes há cerca de vinte e cinco horizonte, a oração é muito pertínen-
anos. te: A graça de nosso Senhor Jesus Cristo
13. Uma vez que, o que é escolhido seja convosco.
também pode ser considerado destacado H. Saudações dos Companheiros de
ou excelente, Rufo, eleito no Senhor, Paulo em Corinto. 16: 21-23.
também poderia ser traduzido para: "Ru- 21. Parentes. Antes, conterrâneos. Ti-
fo, cristão notável" (Arndt, eklektos, 2, móteo, cooperador de Paulo, é bem
pág.242). conhecido. Dos outros três não temos
identificação positiva. Lúcio pode ser
16. A ordem saudai-vos uns aos ou-
o Lúcio de Cirene (Atos 13: 1). J asom
tros com ósculo santo (cons. I Co. 16: 20;
parece que é o J asom mencionado em
II Co. 13: 12; I Ts. 5: 26) ou com ósculo
Atos 17: 5-9. Sosípatro parece o Sosí-
de amor (I Pe. 5: 14) mostra que uma
patro de Atos 20: 4. 22,23. Tércio, o
fervorosa comunhão cristã era carac-
escriba, a quem Paulo ditou a carta,
terística da igreja primitiva. Seja o que
envia suas próprias saudações. Gaio,
for que, na cultura moderna, seja ca-
que pode ser o Gaio mencionado em
racterística de profunda afeição cristã I Co. 1: 14, diz-se que era hospedeiro
- um beijo no rosto, um sincero aperto
não só de Paulo, mas de toda a igreja.
de mão, um segurar de ambas as mãos,
Isto parece indicar que a igreja se reunia
etc. - é o equivalente da ordem apos-
em sua casa. O fato de que Erasto era
tólica.
o tesoureiro da cidade, mostra que a
G. Caráter Perigoso Daqueles que En-
fé cristã alcançara algumas pessoas da
sinam Falsas Doutrinas. 16: 17-20.
classe mais elevada. Quarto, o irmão,
Paulo não está dizendo que falsos
é o último a enviar saudações.
mestres já estavam presentes entre os
crentes romanos. Mas ele sabia o que L Confirmação Oficial dos Crentes
acontecia em outros lugares. 17. E ro- pelo Deus Soberano da História. 16:
go-vos, irmãos, que noteis bem aqueles 25-27.
que provocam divisões e escândalos, Veja a Introdução do comentário

-63 -
ROMANOS 16: 25-27

às orações finais e à doxologia no que Deus. Bem no final do versículo (v. 27)
se refere a sua localização na epístola. há um pronome relativo, a quem, embora
25. A doxologia centraliza-se na capa- omitido por um bom manuscrito e al-
cidade ou poder de Deus de fortalecer guns outros, parece que faz parte da
os leitores. O fortalecimento divino é maneira original de Paulo escrever. Mas
segundo o evangelho de Paulo e a pre- é muito difícil de c 01 oc a-I o no texto,
gação de Jesus Cristo. Essa pregação simplesmente porque toda esta doxolo-
tem sido levada avante conforme a reve- gia centraliza-se em Deus. Glória seja
lação do mistério ou segredo. Três coi- dada ao único Deus sábio por Jesus
sas são :declaradas sobre o mistério ou Cristo. Esta glória é para todo sempre.
segredo: 1) guardado em silêncio nos
Talvez o sentido do texto possa ser
tempos eternos, ou há muito tempo
entendido melhor se o lêssemos assim:
atrás (v. 25). 2) agora se tomou mani-
Que a glória para todo o sempre (seja
festo, e foi dado a conhecer por meio
dada) ao único Deus sábio, por Jesus
das Escrituras proféticas (isto é, o V.T.),
Cristo, a quem (também) a glória para
segundo o mandamento do Deus eterno
todo o sempre (pertence). Amém. No
(v. 26). 3) para a obediência por fé, entre
texto original a frase a glória para todo
todas as nações (v. 26). Este mistério
o sempre só aparece uma única vez. O
se relaciona com a ação divina de procu-
pronome relativo a quem segue-se a
rar alcançar ambos, judeu e gentio, atra-
Jesus Cristo. À frase glória para todo
vés da redenção que é em Cristo Jesus
o sempre segue-se a quem. Uma vez
(veja Rm. 9; lI;Ef. 3: 1-7;C1.1:26,27;
que a doxologia centraliza-se em Deus
2: 2,3; 4: 3). Na linguagem de Ef. 3: 6,
e esta última cláusula centraliza-se em
o mistério consiste dos gentios serem
Cristo, parece melhor concluir que
co-herdeiros com os crentes judeus,
Paulo atribui a glória eterna a ambos,
pertencendo ao mesmo corpo, e de
Deus e Cristo.
serem participantes da promessa com
eles (cons. Rm. 11: 11·32). Quão bom, é que o livro de Romanos
Um resumo da capacidade e planos termina com o tema "Glória a Deus
divinos precede a atribuição da glória a para todo o sempre!"

-64 -
A PRIMEIRA EPÍSTOLA AOS CORÍNflOS

INTRODUÇÃO
A cidade de Corinto. Corinto era uma pressão externa - a porta aberta
um rico centro comercial, situado sobre na Corinto cosmopolita.
o estreito istmo que liga o território da E finalmente, o caráter moral de
Grécia propriamente dita com o Pelo- Corinto era solo fértil para as gloriosas
poneso. Sua história pode ser conveni- boas novas do Messias. A velha cidade
entemente dividida em duas partes. A possuía o famoso Templo de Afrodite,
cidade, que de acordo com a lenda, onde mil prostitutas sagradas estavam
era o lugar onde a Argo de J asom foi à disposição dos seus devotos. O mesmo
construída, sendo destruída por Lúcio espírito, se não o mesmo templo, pre-
Múmio Acaico, o cônsul romano, em valecia na nova cidade. O provérbio, de
146 a.C. Foi o fim do primeiro capítulo significado sexual, "nem todos podem
de sua história. Era inevitável, entretan- visitar Corinto", era voz corrente (cons.
to, que uma cidade tão favoravelmente MNT, pág. xviii). A palavra grega Korin-
localizada fosse ressuscitada. Por isso, thiazomai, que literalmente significa,
em 46 a.C., a nova cidade foi construí- agir como um corintio, passou a signi-
da por Júlio César, recebendo o "status" ficar "fornicar" (cons. LSJ, pág. 981).
de colônia romana. Rapidamente read- "Todo grego" escreveu Moffat, "sabia o
quiriu sua importância comercial e, que significava a expressão - moça corín-
em aditamento, tomou-se sob diver- tia" (MNT, loco cit.). O popular comenta-
sos aspectos a principal cidade da Gré- dor escocês, William Barc1ay disse: "Ae-
cia. lian, o falecido escritor grego, conta-nos
A importância da cidade deve ter que sempre que um coríntio aparecia no
influenciado o apóstolo Paulo em seus palco, em uma peça grega, aparecia
esforços missionários. Sendo o ponto bêbado" (William Barc1ay, The Letters
central do comércio norte-sul e leste- to the Corinthians, pág. 3). Não é ne-
-oeste e contendo uma população de cessário multiplicar referências e ilus-
caráter misto - romanos, gregos e ori- trações; Corinto era conhecida por tudo
entais - Corinto era um centro estra- o que fosse depravação, dissolução e
tégico. Na verdade, era chamada "o Im- devassidão. Foi providencial que Paulo
pério em miniatura"; - "o Império redu- se encontrasse em Corinto quando es-
zido a um só Estado" (ICC, pág. xiii). creveu a Epístola aos Romanos. De
Uma mensagem proclamada e ouvida nenhuma outra cidade ele teria rece-
em Corinto encontraria o seu caminho, bido tal incentivo, para escrever sobre o
às mais distantes regiões do mundo ha- pecado do homem, e em nenhuma
bitado. Não foi por menos, então, que outra cidade ele teria a oportunidade
Paulo fosse "constrangido pela Palavra" de ver melhor exemplo dele. Contem-
(Atos 18: 5) a testificar em Corinto. plando as pessoas enquanto esteve hos-
Com a pressão interna feita pelo Senhor pedado em casa de Gaio, ele teve ocasião
e pela Palavra, poderia também haver de catalogar os pecados humanos apre-

-65 -
sentados em Romanos 1: 18-32. Com ria naquelas circunstâncias? O lugar
tal cenário por fundo, surgiu a Primeira de reuniões da pequena assembléia fi-
Epístola de Paulo aos Coríntios, a epís- cava ao lado da sinagoga! O Senhor,
tola da santificação. É como se hoje em entretanto, apareceu a Paulo em uma
dia alguém enviasse uma carta sobre visão e o encorajou com a promessa
santidade para um grupo de crentes que Ele tinha "muito povo" em Co-
em Paris ou Singapura. rinto (cons. Atos 18: 9, 10). Esta pro-
Origem da Igreja. A história da orga- messa deve ter constituído um grande
nização da igreja em Corinto foi narrada conforto para o apóstolo nos anos sub-
por Lucas, em Atos 18: 1-17. Paulo che- seqüentes, quando a frouxidão moral
gou à cidade em sua segunda viagem dos crentes devia ter-lhe dado motivos
missionária, em 50 A.D., e logo foi o de duvidar da genuidade do trabalho
primeiro a pregar ali o evangelho. En- ali. Depois de concluir seu ministério
quanto morava e trabalhava com Aqüila em Corínto, Paulo retornou a Jerusalém
e Priscila, começou o seu ministério na e Antioquia.
sinagoga, um ministério que se estendeu Autoria da Carta. As evidências ex-
por dezoito meses. Um notável aspecto ternas e internas da autoria Paulina
do método de pregação do apóstolo da carta são tão fortes, que realmente
encontramos no texto ocidental de torna-se desnecessário dar ao assunto
Atos 18: 4, E entrando na sinagoga mais do que uma atenção superficial.
todos os sábados ele discursava, inter- Clemente de Roma, que escreveu em
calando o nome do Senhor Jesus, e ten- 95 A.D. mais ou menos, refere-se à
tava persuadir não apenas os judeus mas epístola dizendo-a do "bendito Paulo,
também os gregos. Intercalando o nome o apóstolo". Esta é a mais antiga citação
do Senhor Jesus deve se referir à apli- de um escritor do Novo Testamento,
cação das Escrituras do Velho Testamen- identificado pelo nome (ICC. pág. xvii).
to a Cristo. Em outras palavras, ele pre- Inácio, Policarpo e outros fornecem
gava Jesus de Nazaré como cumprimento abundantes evidências externas adicio-
da profecia messiânica. Ele, portanto, nais. As evidências internas - de estilo,
seguia a metodologia do próprio Senhor, vocabulário e conteúdo - harmoni-
o qual, na Estrada de Emaús, com os zam-se com o que sabemos de ambos,
dois discípulos, começou em Moisés e Paulo e Corinto. Este é um genuíno
todos os profetas e lhes expôs todas produto do apóstolo Paulo.
as Escrituras, que lhe diziam respeito Lugar onde foi escrita. Paulo escreveu
(cons. Lc. 24: 27). A reação diante da a carta em Éfeso (cons. I Co. 16: 8), não
pregação de Paulo foi diferente da reação de Filipos.
diante do ensino de Jesus. Na maioria Data quando foi escrita. A data não
das vezes, os corações dos ouvintes pode ser fixada com certeza absoluta,
de Paulo não queimavam com interesse mas parece provável que a epístola foi
pela verdade; queimavam com a oposi- escrita durante a última parte, da pro-
ção à verdade. E Paulo foi obrigado a longada permanência de Paulo em Éfeso
partir (Atos 18: 6). Mudando-se para a (cons. Atos 19: 1- 20: 1). Isto seria em
casa de Tito Justo (possivelmente o cerca de 55 A.D.
Gaio de I Co. 1: 14 e Rm. 16: 23;Wil- Ocasião quando foi escrita. Antes
liam Ramsay, Pictures of the Apostolic de dar uma idéia da ocasião em que
Church, pág. 205), Paulo continuou pre- foi escrita a carta, seria sábio fazer
gando "em fraqueza, temor, e grande um esboço da ordem dos contatos e
tremor" (I Co. 2: 3). E quem não teme- correspondência que Paulo manteve com

-66-
a assembléia de Corinto. Embora quase lugar, vindos da igreja de Corinto, che-
todos os pontos do esboço sejam discu- garam a Éfeso, Estéfanas, Fortunato e
tíveis, a defesa não está dentro do propó- Acaico (cons. 16: 17). O trio trouxe uma
sito desta breve introdução. carta dos crentes na qual havia uma série
1. O primeiro contato de Paulo com de perguntas para Paulo responder.
eles foi o acima mencionado, a visita na As perguntas podem ser encontradas
qual as boas novas foram pela primeira na frase-chave freqüente, "quanto às
vez pregadas aos coríntios. De acordo cousas" (peri de; veja 7: 1,25; 8: 1;
com 2: 1,3: 2 e 11: 2, parece que esta 12: 1; 16: 1, 12). Em terceiro lugar,
foi a única visita antes da composição certos assuntos parecem ser simples-
da canônica I Coríntios. mente "o resultado espontâneo dos
2. Depois dessa visita inicial, Paulo pensamentos preocupados do apóstolo
escreveu uma carta à igreja, a qual se por causa da Igreja de Corinto" (ICC.
perdeu (cons. 5: 9). pág. xxi).
3. Quando notícias perturbadoras che- Principais Características da Carta.
garam sobre os crentes e uma carta pe- Talvez o aspecto principal desta epís-
dia informações, Paulo escreveu 1 Co- tola seja a ênfase dada à vida da igreja lo-
ríntios. cal. A ordem e os problemas da igreja pri-
4. Ao que parece, os problemas na mitiva estão diante do leitor. Se Roma-
igreja não foram resolvidos pela epís- nos pode ser chamada de carta teoló-
tola, pois o apóstolo viu-se forçado a gica, I Coríntios é certamente uma obra
fazer à igreja uma visita apressada e prática. Se em Romanos Paulo parece um
difícil (cons. 11 Co. 2: 1; 12: 14; 13: 1, 2). professor moderno de Teologia Bíblica,
5. Seguindo essa visita penosa, o após- em I Coríntios ele parece um pastor-
tolo escreveu à igreja uma terceira carta -professor, enfrentando o cuidado com
de caráter muito severo, à qual ele se a igreja na linha de frente da guerra
refere em 11 Conn tios 2: 4. cristã.
6. A ansiedade do apóstolo por causa Por outro lado, a carta não é total-
da igreja era tão grande, que não quis mente prática na sua ênfase. O mais
ficar esperando por Tito em Trôade, o importante capítulo do Novo Testa-
portador da carta severa, mas dirigiu-se mento, que fala da ressurreição de Jesus
apressadamente à Macedônia. Ali encon- Cristo, é provavelmente I Coríntios 15,
trou-se com Tito e ficou sabendo que a e certamente a mais importante seção
carta produzira resultados; tudo ia bem do Novo Testamento, sobre os dons
em Corinto. Da Macedônia Paulo escre- espirituais, encontra-se em I Conntíos
veu a canônica 11 Coríntios (cons, 11 Co. 12, 13,14.
2: 13; 7: 6-16). E,· é claro, esta grande carta tem sido
7. Ele, então, seguiu sua última carta conhecida principalmente pelo seu grande
com sua última visita à igreja, da qual lirismo sobre o amor, no capítulo 13.
temos evidência, (cons. Atos 20: 14). Aí se vê até que altura pode um homem
A ocasião em que foi escrita I Corín- subir na obra espiritual, quando des-
tios pode ser descoberta por diversas pertado pelo Espírito Santo de Deus.
indicações. Em primeira lugar, o após- A genialidade do homem Paulo irrompe
tolo recebera de duas fontes notícias aqui com efeito indescritível.
de divisões dentro da igreja (cons. I Co. Finalmente, é interessante mencionar
1: 11; 16: 17). O mais sério dos elemen- que esta é a mais longa epístola de Paulo.
tos alienígenas pode ter sido os judai-
zantes (cons. 1: 12; 9: 1). Em segundo Plano da Carta. A argumentação

-67-
paulina é simples e clara, assunto seguin- visoes claramente demarcadas. O esboço
do assunto, ordenadamente, com as di- abaixo é utilizado na exposição.

ESBOÇO
I.Introdução. 1: 1-9.
A. Saudação. 1: 1-3.
B. Ação de Graças. I: 4-9.
11. As divisões na igreja. 1: 10 - 4: 21.
A. O fato das divisões. 1: 10-17.
B. As causas das divisões. 1: 18 - 4: 5.
1. Causa 1: Má interpretação da mensagem. 1: 18 - 3: 4.
2. Causa 2: Má interpretação do ministério. 3: 5 - 4: 5.
C. Aplicação e conclusão. 4: 6-21.

Ill. As desordens na igreja. 5: 1 - 6: 20.


A. Ausência de disciplina. 5 : 1-13.
B. Os litígios diante dos pagãos. 6: 1-11.
C. A frouxidão moral da igreja. 6: 12-20.

IV. As dificuldades na igreja. 7: 1 - 15: 58.


A. Conselho relativo ao casamento. 7: 1-40.
1. Prólogo. 7: 1·7.
2. Os problemas do casamento. 7: 8-38.
3.0 "postscript". 7:39,40.
B. Conselho relativo às coisas sacrificadas aos ídolos. 8: 1 - 11: 1.
1. Os princípios. 8: 1-13.
2. A ilustração dos princípios. 9: 1-27.
3. Advertência e aplicação aos coríntios. 10: 1 - 11: 1.
C. Conselho referente ao véu usado pelas mulheres nos cultos públicos. 11: 2-16.
1. Razão teológica. 11: 2-6.
2. Razões bíblicas. 11: 7-12.
3. Razões físicas. 11: 13-16.
D. Conselho referente à Ceia do Senhor. 11: 17-34.
1. A indignação de Paulo. 11: 17-22.
2. Revisão de instruções passadas. 11: 23-26.
3. Aplicação aos coríntios. 11: 27-34.
E. Conselho referente aos dons espirituais. 12: 1 - 14: 40.
1. A validade do pronunciamento. 12: 1·3.
2. A unidade dos dons. 12:4-11.
3. A diversidade dos dons. 12: 12-31a.
4. A primazia do amor sobre os dons. 12: 31b - 13: 13.
5. A superioridade da profecia, e o culto público da igreja. 14: 1-36.
6. Conclusão. 14: 3740.
F. Conselho relativo à doutrina da ressurreição. 15: 1-58.
1. A certeza da ressurreição. 15: 1-34.
2. A consideração de certas objeções. 15: 35-57.
3. Apelo final. 15: 58.

-68 -
I coRiNTIOS 1 : 1-3

V. Conclusão: Assuntos práticos e pessoais. 16: 1-24.


A. A coleta para os pobres. 16: 14.
B. A planejada visita de Paulo. 16: 5-9.
C. Recomendações, exortações, saudações e bênção apostólica. 16: 10-24.

COMENTÁRIO

I. Introdução. 1: 1-9. 2) posicional, uma posição perfeita na


santidade, verdadeira para todos os cren-
A. Saudação. 1: 1-3. tes, desde o momento da conversão
A introdução, formada de saudação (cons. Atos 20: 32; 26: 18); 3) pro-
e ação de graças, abre o caminho para gressiva, equivalente ao crescimento diá-
a discussão a seguir e, no verdadeiro es- rio na graça (cons. Jo. 17: 17; Ef. 5: 26;
tilo paulino, contém importantes indi- 11 Co. 7: 1); 4) prospectiva, para fmal
cações quanto à responsabilidade da semelhança com Cristo posicional e pra-
carta. ticamente (cons. I Ts. 5: 23). O uso do
1. Chamado apóstolo (gr. um após- particípio perfeito aqui, refere-se à san-
tolo por vocação, força do adjetivo ver- tificação posicional. Agora os crentes
bal) acentua a iniciativa divina na convo- são santos, não por canonização huma-
cação de Paulo para o ofício. Esta frase, na, mas por operação divina. O alvo de
com o reforço, pela vontade de Deus, tem Paulo na carta era despertar a vida prá-
a intenção de atingir àqueles em Corinto, tica dos coríntios, para uma conformação
que possam ter duvidado do seu direito mais definida com sua posição em Cristo.
de falar com autoridade (cons. 9: 1). Com todos os que em todo o lugar in-
Irmão Sóstenes (lit. o irmão) pode in- vocam o nome de nosso Senhor Jesus
dicar o chefe da sinagoga mencionada Cristo, Senhor deles e nosso. Não esten-
em Atos 18: 17, mas isto não se pode de a saudação a todos os cristãos, mas
provar. O artigo definido pode signifi- previne contra a tendência de confinar
car nada mais que o fato de ser ele um os ensinamentos apenas a Corinto (cons.
cristão muito conhecido. Se, no entanto, I Co. 4: 17; 7: 17; 11: 16; 14: 33,36),
este é o Sóstenes corinto da narrativa uma confirmação adicional da unidade
de Lucas, então o espancamento que do corpo.
recebeu dos gregos foi uma bênção; 3. As já familiares graça e paz refe-
tornou-se cristão! rem-se à graça e paz na vida cristã. Não
2. A igreja é a igreja de Deus, não de se referem à graça, que introduz um
Cefas, ou Apolo, ou mesmo de Paulo homem nesse tipo de vida, nem à paz
(cons. 1: 12). Santificados em Cristo que se lhe segue (cons. lo. 1: 16; 14: 27).
Jesus introduz uma importante doutri- B. Ação de Graças. 1: 4-9.
na, ainda que muito mal-interpretada. O A ação de graças não é irônica, nem
termo grego hagiazo significa "santificar", foi dirigida apenas a uma certa parte
não no sentido de "tomar santo", mas da assembléia. Muito menos é simples-
no sentido de "separar" para posse e 'mente uma tentativa cortês de "ganhar
uso de Deus (cons. Jo. 17: 19). Os cris- amigos e influenciar pessoas", embora
tãos não são sem pecado, ainda que seja verdade que "a censura fica melhor
deveriam pecar menos. A santificação quando vem depois do louvor" (MNT,
bfblica é quádrupla: 1) primária, equi- pãg. 7). É, antes, uma verdadeira estima-
valente à "graça eficaz" da teologia sis- tiva da posição dos coríntios em Cristo,
temática (cons. 11 Ts. 2: 13; I Pe. 1: 2); e forma a base para o apelo que Paulo

-69 -
I CORINflOS 1: 3-12

faz em prol da conformidade prática 11. As Divisões na Igreja. 1: 10 - 4: 21.


com isto. O apóstolo destaca seus dons
de palavra e conhecimento com ênfase A. O Fato das Divisões. 1: 10-17.
especial. A primeira e principal responsabili-
4. Graças a meu Deus. Aquele que é dade da carta, a dissensão na igreja,
o responsável pelos dons espirituais vai ser agora considerada. O apóstolo
mais tarde mencionados. 5. Palavra. Pro- não a abandonará até o momento em
que escrever as palavras, "Que quereis?
vavelmente inclui mais do que o dom de
línguas (cons. 12: 8-10, 28-30). Os co- Irei ter convosco com vara ou com amor
e espírito de mansidão?" (4: 21). Os
ríntios tinham uma grande coleção de
dons da palavra (veja 14: 26). 7. O re- versículos introdutórios da passagem (1:
10-17) declaram os fatos conforme
sultado de seu enriquecimento é que
de maneira que não nos falte nenhum trazidos pelos servos da casa de Cloe.
dom. Enquanto a palavra karisma, tra- 10. Porém (E.R.C.) (adversativa de,
duzida para dom, tem uma grande varie- "mas") que introduz o diagnóstico de
dade de significados, aqui provavelmente Paulo. Suas palavras iniciais são um ape-
se refere aos dons espirituais no sentido lo para o bem da união. Sejais inteira-
técnico (cons. 12: 1 - 14: 40). Aguar- mente unidos, na mesma disposição
dando, uma palavra composta de forte mental. Uma palavra grega versátil, usa-
sentido duplo, significando esperar ar- da com referência ao ajustamento de
dentemente ou ansiosamente (Arndt partes de um instrumento, na colocação
pág. 82), expressa a atitude dos crentes dos ossos no lugar feita por um médico,
quando usam os dons no culto a Deus. no remendar de redes (Me. 1: 19), como
8. Confirmará foi usada no grego também com referência ao preparo de
koiné, como termo legal técnico, refe- um navio para uma viagem. Ajusta-
rindo-se a uma segurança devidamente mento tendo em vista a união é o apelo.
garantida (ibid, pág. 138). Eles tinham 11. Pois. Introduzindo a razão para o
a garantia divina que compareceriam apelo. Contendas. Uma obra da carne
diante dEle na volta de Cristo. Irrepreen- (cons. Gl. 5: 20), revelando a presença
síveis. Literalmente, inacusáveis, ou "in- de divisões.
contestáveis" (Leon Morris, The First 12. Refiro-me ao fato. Antes, o que
Epistle of Paul to the Corinthians, pág. eu quero dizer. O grupo de Apolo pare-
37). "Isto implica não em simples absolvi- ce que era um grupo que preferia um es-
ção, mas na ausência de qualquer gravame tilo mais polido e retórico do talentoso
ou acusação contra uma pessoa" (W .E. Vi- alexandrino. Existem muitos membros
ne, Expository Dictionary of New Testa- modernos desse tipo de facção, tais
ment Words, I, 131; Rm. 8: 33).9, Tudo como a mulher que confessou: "Eu quase
se baseia no fato de que fiel é Deus. Co- choro, sempre que ouço meu pastor pro-
munhão tem como seu primeiro impulso nunciar essa bendita palavra Mesopo-
o conceito de uma participação em algo, e tâmia!" O partido de Cefas ao que pa-
depois de uma participação comum. rece duvidava das credenciais de Paulo,
Assim, todos os crentes têm uma par- preferindo manter o elo com Jerusalém
ticipação em Cristo e, conseqüentemente, através de Pedro. Aqueles que eram
uma participação de uns com os outros. de Cristo desprezavam qualquer liga-
Esse é o ponto principal sobre o qual ção com os outros, formando assim
Paulo ataca o espírito partidário, o clí- um partido isolado. As palavras que
max do ataque sendo alcançado em 3: se seguem dão a entender que Paulo
21- 23. desaprovava este grupo (cons. ICC,

-70 -
I CORÍNTIOS 1: 12-20

pág. 12; 11 Co. 10: 7). amor à falsa sabedoria.


13. As interrogações apelam para a B. As Causas das Divisões. 1: 18- 4:5.
unidade do corpo de Cristo e para a iden- Em primeiro lugar, eles não enten-
tificação dos crentes com ele. Barclay deram a natureza e o caráter da mensa-
comenta sobre a expressão em nome de gem cristã, a verdadeira sabedoria (1 : 18 -
(lit., dentro do nome) assim: "Dar di- 3: 4). Em segundo lugar, seu espírito
nheiro dentro do nome de um homem sectário indica que eles não tinham com-
era pagar algo para seu crédito, para sua preensão real do ministério cristão,
posse pessoal. Vender um escravo dentro sua participação com Deus na propa-
do nome de um homem era entregar gação da verdade (3: 5 - 4: 5).
este escravo à posse absoluta e indis- 1) Causa primeira: Falsa Interpretação
putável dele. Quando um soldado jurava da Mensagem. 1: 18 - 3: 4. Primeiro, o
lealdade dentro do nome de César; ele apóstolo mostra que o Evangelho não
pertencia absolutamente ao Imperador" é uma mensagem para o intelectual
(op. cit., pág. 18). (1: 18-25). Essa verdade foi amplamente
14,16. Paulo dá graças a Deus pela demonstrada pelo fato de que a igreja
providência que o levou a batizar tão em Corinto con tinha poucas pessoas
poucos em Corinto. Está claro que sábias segundo o mundo (1: 26-31), e
aqui ele não pretende depreciar o batis- que Paulo não pregara uma mensagem
mo; ele apenas o coloca em seu devido assim quando estivera em Corinto (2:
lugar, como ato simbólico, que aponta 1-5). Então, o apóstolo expõe a verda-
o fato real da identificação com Cristo deira sabedoria de Deus, destacando
pela fé. Está claro também que Paulo seu caráter espiritual (2: 6-12), e seu
batizava. 17. Porque. A razão que ele alcance espiritual (2: 13-16); e conclui
deu não enfatiza o batismo. Sua tare- com uma declaração franca dizendo,
fa primária foi a de pregar as boas novas. que a carnalidade é o motivo das divi-
Teria Paulo pronunciado estas palavras, sões (3: 14).
se o batismo fosse necessário à salvação? 18. Porque (E.R.C.) introduz o motivo
(cons, 4: 15; 9: 1,22; 15: 1,2). Dificil- porque ele não veio em sabedoria do
mente. Sua incumbência também não mundo. Para os que perecem, a cruz
envolvia embelezamento da verdade com deve sempre parecer uma loucura. Prega-
palavras floreadas da retórica profis- ção (lit. palavra) evidentemente faz
sional (cons. ICC, pág. 15), esvaziando contraste com palavra (v. 17, lit., pala-
assim o Evangelho do seu conteúdo. vra). Paulo considera a cruz como ins-
A tradução sejafeita sem nenhum efeito trumento salvador de Deus. Perdem
deixa muito a desejar. O verbo kenoo e salvos (tempos presentes, mais freqüen-
significa "esvaziar", isto é, despojar tativos do que durativos) descrevem a cor-
de sua substância. O Evangelho não rente de perdidos caindo na eternidade
apela para o intelecto do homem, mas sem Cristo, e o número menor, mas
aos seus sentimentos de culpa do pecado. ainda constante, da corrente dos sal-
A cruz revestida de sabedoria de pala- vos entrando pela porta da comunhão
vras corrompe este apelo. O Evangelho eterna com Cristo. 19,20. Pois está es-
não deve nunca ser apresentado como crito. Um apelo às Escrituras para apoio.
um sistema de filosofia humana; deve Boa prática paulina (cons. Is. 29: 14;
ser pregado como salvação. Sabedoria 19: 12; 33: 18). As palavras são uma de-
de palavra (lit. sabedoria de palavra) núncia divina da política dos "sábios"
marca a transição para a análise de Paulo em Judá, que procuraram uma aliança
da causa da dissenção em Corinto, este com o Egito quando foram ameaçados

-71-
I CORÍNTIOS 1: 20-31 - 2: 1-2

por Senaqueribe. dEle, mas nEle". Jonas estava absolu-


21. Aprouve é a mais do que uma de- tamente certo quando disse "Ao Se-
claração de boa-vontade; refere-se ao ale- nhor pertence a salvação" (Jn. 2: 9;
gre propósito e plano divino (cons. Ef. cons. Jr. 9: 23,24).
1: 5). Pregação refere-se ao conteúdo 30. Mas introduz o bendito contras-
da proclamação não ao método de li- te. DEle e não da sabedoria eram os
vramento (cons. I Co. 2: 4); ela é a men- coríntios, em Cristo Jesus. Eis aí o
sagem (E.R.C., pregação) que salva, a único alicerce sólido para se gloriar.
mensagem destinada àqueles que sim- Devido à construção da sentença grega,
plesmente crêem (crentes). 22-25. Para- está claro que sabedoria é a palavra do-
doxalmente Paulo proclama que os minante, e que as palavras justiça, san-
chamados (cons. v. 2) obtiveram o que tificação e redenção ampliam o significa-
os judeus, que buscavam sinais e os do de sabedoria. A sabedoria, aqui, por-
gregos, que amavam a sabedoria (v. 22), tanto, não é a sabedoria prática, mas
ou os gentios (v. 23; a E.R.C. diz gregos a sabedoria posicional, o plano de Deus
novamente, mas a confirmação é fraca) para nossa completa salvação. A justiça
procuravam, o poder de Deus, e sabe- é argumentativa, a justiça que nos foi
doria de Deus. Cristo crucificado é o dada na justificação, ou aquela que
segredo. Judeus e gregos não reconhe- Paulo expõe em Rm. 1: 1 - 5: 21. A
cem o seu pecado. O Cristo crucificado santificação foi usada em seu sentido
o expõe; portanto, Ele é o poder e a imediato e completo (cons. I Co. 1: 2).
sabedoria de Deus. O uso da palavra A justiça capacita-nos a comparecermos
crucificado sem o artigo, enfatiza for- diante de Deus no tribunal da justiça
temente o caráter no qual Paulo pregou divina, enquanto a santificação equi-
Cristo, como crucificado (cons. 2: 2; pa-nos a servi-Lo no templo do serviço
Gl. 3: 1). Um Cristo sem uma cruz não divino. É o que Paulo esboça em Rm.
salvaria. 6: 1 - 8: 17. A redenção, à vista da or-
26. Porque (E.R.C.) introduz o "argu- dem das palavras, é provavelmente a re-
mentum ad hominem irrespondível" denção final do corpo (cons. Rm. 8: 23),
(ICC, pág. 24). "Pois olhem para suas aquela de que se ocupou o apóstolo em
próprias fileiras, meus irmãos", como tra- Rm. 8: 18-39. 31. Para que. O alvo desta
duziu Moffatt (MNT, pág. 19). Um lan- obra de Deus é o de glorificá-Lo na graça,
çar de olhos para a sua própria igreja um propósito que foi gloriosamente
comprovaria o ponto defendido por Pau- alcançado. Pois os que são sábios de
lo, pois ali não eram muitos os sábios e os conformidade com este mundo foram
poderosos. Vocação continua enfatizando reduzidos a nada, e os chamados que
a iniciativa de Deus na salvação do ho- creram, desfrutam agora de uma sal-
mem. Na tradição paulina encaixam-se vação soberanamente concedida sufi-
as famosas últimas palavras de John ciente para todas as exigências do tempo
Allen do Exército da Salvação: "Eu e da eternidade.
mereço o inferno; eu devia estar no 2: 1-5. O tema continua, apresen-
inferno; mas Deus interferiu!" 27,28. tando agora o escritor seu próprio tes-
O triplo Deus escolheu continua com temunho entre os corfntios. Ele, tam-
a ênfase. 29. O propósito da metodo- bém, não se baseava na sabedoria deste
logia divina foi negativamente apre- mundo, nem a sua mensagem (vs. 1,2),
sentada aqui e positivamente no últi- método (vs. 3, 4) ou motivos (v. 5). Eu
mo versículo do capítulo. Como Bengel faz a ligação.
disse certa vez, "Não se glorie diante 1,2. Testemunho (intrinsecamente pre-

-72-
I CORINTIOS 2: 2-13

ferível à mistério, tradução de muitos introdutórias, Entretanto, expomos sa-


manuscritos antigos). Não há nenhuma bedoria, faz a ligação (sofian, "sabe-
indicação nesta passagem, nem em Atos doria", está em posição de ênfase no
17, que Paulo pregasse a mensagem texto grego).
simples de Cristo crucificado por causa 6. Experimentados, maduros nas coi-
de algum sentimento de fracasso (como sas de Deus (cons. 14: 20; Fp. 3: 15), foi
alguns têm sugerido) em face do modo igualado por Paulo com espiritual (I Co.
filosófico de tratar do assunto em Atenas. 2: 15). A cláusula, Entretanto, expomos
Na realidade, em Atenas, o método de sabedoria entre os experimentados, pode
Paulo não foi basicamente filosófico. O ser uma declaração que resume a seção. A
sermão de Paulo começou com a reve- sabedoria seria o assunto dos versículos
lação bfblica da criação (cons. Atos 6·12, o falar, ou ensiná-la, o assunto do
17: 24) e terminou com a nota da Res- versículo 13 (observe o "falamos"), e os
surreição (Atos 17: 31). Moffat está experimentados, o assunto do restante
certo ao dizer: "Em Atenas ele não da seção (F. Godet, Commentary on
pudera começar com qualquer crença St. Paul's First Epist!e to the Corinthians,
na ressurreição, como podia fazê-lo nu- I, 135). 7-9. Um mistério. Não alguma
ma sinagoga" (MNT, pág. 22; cons. N.B. coisa misteriosa, mas um segredo divino,
Stonehouse, Pau! Before the Aeropagus uma verdade que não se pode descobrir
and Other New Testament Studies, pág. sem a revelação divina.
25-27). 10-12. No-lo (posição enfática no tex-
3,4. Em vez de persuasão humana, o to grego) contrasta os crentes com o
método de Paulo envolvia demonstração mundo. A eles Deus ... revelou sua sabe-
do Espírito e de poder. A palavra de- doria pelo seu Espírito, o qual foi dado
monstração refere-se à produção de para que conheçamos o que por Deus nos
provas em uma argumentação diante foi dado gratuitamente.
de um tribunal (MM, pág. 60,61). A no- 13. Paulo passa de maneira natural
va vida dos coríntios era prova conclusiva para o método de comunicação. Esta
do poder de Deus neles (cons. I Ts. 1: 5). sabedoria, diz ele, falamos ... (palavras)
S. Para que introduz o motivo. A prega- ensinadas pelo Espírito Santo - uma de-
ção simples de Paulo tinha o intuito de claração enfática de que o conhecimento
evitar que os coríntios se apegassem a da verdade divina não pode ser atribuído
uma fé que dependesse de lógica e argu- ao intelecto e capacidade mental, em pri-
mentação filosófica, uma fé à mercê meiro lugar. Paulo busca sua origem
de outros argumentos dessa mesma na- na posse do Espírito de Deus, o Professor
tureza. "O que depende de um argu- perfeito e o Juiz perfeito da doutrina.
mento inteligente, fica à mercê de outro As palavras têm sido usadas para sus-
argumento mais inteligente" (ICC, pág. tentar os proponentes da inspiração
34). Uma fé, entretanto, que se baseia no verbal (a verdadeira doutrina). Mas
poder de Deus tem fundamento sólido e aqui Paulo escreveu falamos e não escre-
duradouro. vemos, referindo-se assim à apresentação
2: 6-12. A esta altura alguém pode oral. A cláusula final apresenta um
deduzir, que Paulo não dava valor à problema de difícil interpretação. Con-
sabedoria e que ele considerava a verda- ferindo pode estar certo, pois a palavra
de cristã fora do reino do intelecto. O significa isto mesmo na única vez em que
apóstolo explica isso mostrando que o aparece em outro lugar do N.T. (11 Co.
Evangelho contém uma sabedoria, mas la: 12). O contexto, entretanto, esta de-
uma sabedoria espiritual. As palavras cididamente contra o significado fora do

-73 -
I CORINTIOS 2: 13-16 - 3: 1-3

comum da palavra. Ela pode também ter tãos constituem verdadeiros enigmas para
o sentido de "interpretando", ou " expli- os que são do mundo, e às vezes enigmas
cando" (cons. Gn.4D:8; Dn.5:15-17, para os cristãos carnais. Muita contro-
LXX). A tradução seria então, explicando vérsia entre os cristãos pode remontar
coisas espirituais a homens espirituais. à origem deste princípio.
Ou teria o significado comum da pa- 3: 14. A aplicação passa a ser feita à
lavra, "combinando", e poderia então tra- condição dos coríntios, indicada pela
duzir para combinando coisas espiritu- mudança da primeira pessoa (2: 6-15)
ais com palavras espirituais (preservan- para a segunda (3: 14). Eu, porém,
do a referência que acabou de ser feita irmãos, não vos pude falar toma fácil
à palavras). Isto parece preferível, e a ligação.
Paulo, por isso, refere-se ao "aliar pa- 1. Por causa da imaturidade deles,
lavras e pensamentos relacionados" (Exp Paulo não pôde alimentá-los com carne
GI, n, 783). O apóstolo recebeu esta em sua primeira visita. A palavra grega
verdade de Deus e revestiu-a na lingua- usada para carnal (de sarkinos) significa
gem dada pelo Espírito Santo. Sua literalmente, feito de carne, sendo equi-
reivindicação é que seus pronuncia- valente da expressão, na carne (A-S, pág.
mentos eram dados por Deus e ori- 402). Por trás de sarkinos está o pensa-
entatos pelo Espírito. mento de fraqueza (cons. Mt. 26: 41),
14. A percepção subjetiva desta conforme a palavra crianças confirma.
verdade toma-se agora o tópico. Ora Na primeira visita de Paulo, os corín-
introduz o contraste com o homem tios eram fracos, pelo simples motivo
natural, o que não é cristão (cons. Judas de que eram recém-convertidos. O após-
19; RID. 8: 9). A palavra grega traduzida tolo não os acusa por causa dessa condi-
para natural significa "dominado pela ção.
alma", o princípio da vida física. Este 2,3. Uma séria acusação de incapaci-
homem dominado pela alma não aceita dade espiritual se encontra em nem
(lit. aceitar bem; cons. Atos 17: 11; I Ts. ainda agora podeis (uma expressão muito
1: 6) as verdades divinas, nem pode forte em grego). O motivo disso é que
entendê-las, pois se discernem espiri- ainda eram carnais. Uma importante
tualmente, (pelo Espírito) (cons. I Co. troca de palavras deve ser observada.
2: 10, 11). Ouvidos humanos não per- Carnais aqui não é sarkinos, mas sarkikos
cebem a alta freqüência das ondas do que significa, literalmente, caracterizado
rádio; homens surdos não são capazes pela carne, sendo equivalente a segundo
de servirem como juízes em concursos a carne (cons. RID. 8: 4). Por trás dela
de música; homens cegos não podem está a idéia de teimosia, e Paulo culpa os
desfrutar da beleza dos cenários, e os que que se encontram nessa condição. Fra-
não são salvos são incompetentes para queza prolongada se transforma em
julgarem as coisas espirituais, as ver- obstinação. A recusa em se aceitar o
dades práticas mais importantes. leite da Palavra, não dá lugar à recepção
15,16. O homem espiritual tem a da carne da Palavra. E dissensões. (E.R.
potencialidade de entender tudo. Ele C.) Divisões (AV) não é uma tradução
mesmo não é julgado por ninguém. genuína, embora o pensamento esteja
Por ninguém (que não seja espiritual), no contexto (I Co. 3: 4).
pois o que não é espiritual não tem o Paulo descreveu quatro tipos de ho-
relacionamento necessário com o Es- mens. O primeiro, o homem natural, é
pírito para julgar o espiritual. Isto ex- o homem sem o Espírito, que precisa
plica porque tão freqüentemente os cris- do novo nascimento (cons. Jo. 3: 1-8).

-74-
I CORlNTIOS 3: 3-14

o segundo é o homem carnal e fraco pode fazer a semente crescer. 8,9. No


(I Co. 3: 1), o menino em Cristo, que trabalho Paulo e Apolo eram um, isto
precisa crescer através da recepção do é, estavam em harmonia. Entretanto,
leite da Palavra. O terceiro tipo é o na questão do galardão, serão feitas
homem carnal e obstinado, mais velho, distinções. De Deus cooperadores pode
mas ainda imaturo, um cristão que pre- significar que eles eram companheiros
cisa da restauração da comunhão, ou de trabalho que pertenciam a Deus, ou
de uma condição sadia de recepção companheiros de trabalho com Deus.
de alimento, pela confissão de sua tei- O contexto favorece o primeiro.
mosia, ou pecado (cons. I 10. 1: 9). O 10. Edifício de Deus (v. 9) leva a uma
quarto é o homem espiritual ou amadu- discussão de sua construção. Deve-se
recido, que aceitou o leite e cresceu enfatizar que Paulo tinha em mente
até chegar à maturidade espiritual, de construtores e obras, e não crentes
modo que é forte e capaz de aceitar a e vida; serviço, e não salvação é o tema.
carne da Palavra (I Co. 2: 15; 3: 2). A graça de Deus é a capacitação
Este é o homem que Deus quer que divina concedida a Paulo, para o esta-
todo cristão seja. Que Paulo iguala o belecimento de igrejas. Deus poderia
homem amadurecido com o homem ter usado anjos, ou mesmo pecadores,
espiritual está evidente na comparação mas usar o "principal" dos pecadores
de 2: 6 com 2: 15 (cons. 3: 1; ele con- (cons. I Tm. 1: 15) era uma maravi-
trasta as crianças com os espirituais. lha sem fim para o amado apóstolo.
Ele também declara que a sabedoria de Pus eu (tempo aoristo, enfatizando o
Deus é para os perfeitos mas ele nunca acontecimento) aponta para a pregação
usa o termo novamente na seção. Em inicial, enquanto outro edifica (tempo
vez disso, ele escreve do homem espi- presente, indicando contínua construção)
rituà (2: 15; 3: 1), que tem capacidade inclui a obra de Apolo (cons. I Co. 3: 6).
ilimitada de julgar todas as coisas. A ana- 11. É preciso ter cuidado, pois lesus
logia da vida física com tudo isto é a Cristo é o único fundamento (cons. 10.
melhor ilustração que possa haver. 8: 12; 10:9; 14:6;Atos4: 12).
2) Causa segunda: Má interpretação 12. Há três tipos de construtores
do Ministério. 3: 5 - 4: 5. O segundo mo- - o homem sábio (vs. 12, 14), o que não
tivo para as divisões, a má interpretação é sábio (v. 15), e o tolo, que prejudica o
do ministério de Cristo, passa agora a edifício (v. 17). Três diferentes resultados
ser discutido. Ministros são simples se seguem. Mesmo entre os trabalhadores
servos; na verdade, é Deus que opera de Deus, dois tipos de trabalhos podem
(3: 5-9). Eles são responsáveis pelo ma- ser feitos, um sólido e duradouro, e outro
terial adequado na construção do tem- perecível e passageiro (o trabalhador
plo de Deus, a Igreja (3: 9-17). Nin- tolo não pertence a Deus; v. 17). 13.
guém deve se gloriar em algum desses A frase, a obra de cada um, aponta
homens, pois todos eles pertencem para a responsabilidade individual. O
a cada crente (3: 18-23) e só serão jul- dia é o dia do tribunal de Cristo (cons.
gados por Deus. 4: 5; 11 Co. 5: 10), diante do qual só
5. Quem. literalmente, o que. Isto os crentes comparecerão. Qual seja
chama a atenção para a função, desvian- indica que a base do julgamento é a
do-a dos homens (Morris, op. cit., pág. qualidade do trabalho, não a quanti-
64). Paulo e Apolo nada mais eram que dade, coisa confortadora para aqueles
servos, ministros de Deus. 6. Paulo que têm poucos dons (cons. I Co. 4: 2).
plantou e Apolo regou, mas SÓ Deus 14. Paulo não explica a natureza da

-75 -
I CORÍNTIOS 3: 14-23 - 4: 1-6

recompensa (cons. 11 Jo. 8). 15. Sofrerá dinação, a palavra originalmente se re-
prejuízo. Prejuízo ou recompensa, não ferindo a alguém que rema na fileira in-
perda de salvação. Não existem dife- ferior de um trireme (cons. Lc. 1: 2). Des-
renças entre as ovelhas do Senhor; podem penseiros são administradores respon-
haver diferenças entre seus servos (cons. sáveis por grandes propriedades; o pen-
Lc. 19: 17). Mas eu mesmo (enfático) samento é de privilégio orientado. 2. Fi-
contrasta a pessoa com a sua obra e cla- delidade é a virtude necessária a todos
ramente sustenta a segurança do crente. os servos e despenseiros, especialmente
Pelo fogo (E.R.C.). Melhor, através do nas coisas de Deus.
fogo. O pensamento é de alguém corren- 3. Paulo repudia o julgamento dos
do através de um incêndio, enquanto o outros, como também o próprio. Tri-
edifício se desmorona (a preposição é bunal humano (lit. dia do homem) pode
local; cons. ICC, pág. 65). estar retrocedendo a 3: 13. Não signi-
16,17. O terceiro tipo de construtor, fica nada a Paulo que o homem tenha o
que prejudica o edifício, é o professo seu dia de julgamento hoje. 4. Porque
que não é cristão, que não é o pro- explica suas razões. De nada me argúi
prietário (cons. Gl. 2: 4; IIPe. 2: 1-22). a consciência (lit. contra mim não há
Corromper ou destruir são as traduções nada) é urna declaração notável. Paulo
da mesma palavra grega, que é muito experimentou comunhão ininterrupta
mais forte do que sofrer dano (I Co. (cons. 1: 9); sua prática harmonizava-se
3: 15). O santuário é a igreja local, mas com a sua posição. Ele não falhara no
certamente a igreja local sendo a mani- cargo de despenseiro. 5. Portanto (a
festação local de um único e verdadeiro conclusão), já que só o Senhor pode
templo de Deus, a Igreja Invisível, com- julgar, é preciso esperar que Ele venha.
posto de todos os crentes verdadeiros No tempo apropriado Ele o fará cabal
em Cristo. e completamente, desmascarando as cou-
18-23. Segue-se uma advertência àque- sas ocultas das trevas. Esse tempo é a
les que pensam que são sábios (vs. 18-20), sua vinda (cons. 1: 7). E - maravilha
e uma exortação a se gloriarem na posse das maravilhas! - cada um (cada crente)
de todas as coisas, incluindo Paulo, receberá o seu louvor da parte de Deus.
Apolo e Cefas (vs. 21-23). Se tem por.
Ou, pensa. Todo crente pertence a C. A Aplicação e Conclusão. 4: 6 -21.
Cristo, não a algum servo humano (re- Agora Paulo apresenta um grupo de
preensão aos seguidores de Paulo, Apolo perguntas iradas para demonstrar o or-
e Cefas) e todos os crentes Lhe perten- gulho dos crentes coríntios (vs. 6-13), e
cem (repreensão ao partido de Cristo; depois conclui com uma nota de deli-
cons. 1: 12). Paulo é o mestre por exce- cadeza, fazendo-os lembrar o relacio-
lência! namento que há entre eles (vs. 14-21).
4: l-S. A análise das causas da divi- Ele era o pai deles, e por isso eles, os
são chega a um fmal aqui. Os ministros fílhos, deviam segui-lo. Caso contrário
de Deus são servos, cuja única respon- teria de usar a vara quando os visitasse
sabilidade é serem fiéis (vs. 1, 2). Seu (v. 21).
julgamento pertence somente ao Senhor 6. Apliquei-as figuradamente é a tra-
(ys. 3,4). Portanto, todo julgamento dução de um verbo que significa "mudar
deve aguardar a Sua vinda (v. 5). Não a aparência externa", a coisa permane-
haverá nenhum tribunal preliminar! cendo a mesma (cons. Frederick Field,
1. Ministros (em grego, diferente Notes on the Translation of the New
da palavra em 3: 5) dá a idéia de subor- Testament, pág. 169). Eu adaptei seria

-76 -
I cORÍNTIos 4: 6-21

boa tradução. As (estas coisas) refere-se 14. Filhos meus amados introduz a
a 3: 5 - 4: 5, não a 1: 10 - 4: 5. Paulo e tema solicitude de um pai pelos filhos
Apolo foram simples ilustrações da si- espirituais. 15. Porque. Paulo explica
tuação dos coríntios. O escritor omite por que ele pode exortá-los como um
os nomes dos verdadeiros acusados para pai. Preceptores (instrutores) eram os
evitar ressentimentos. Não ultrapasseis escravos guardiães dos romanos, res-
o que está escrito é uma boa tradução; ponsáveis pela supervisão geral das
ou, viver de acordo com as Escrituras. crianças, até que atingissem a maio-
O apóstolo desejava que andassem pela ridade e pudessem vestir a -toga virilis
Palavra (cons. R.A. Ward, "Salute to (cons. Gl. 3: 24). Era como se o após-
Translators", Interpretation, 8: 310, July, tolo dissesse que os corfn tios tinham
1954; C.F.D. Moule, An Idiom Book of muitos supervisores em sua vida espi-
New Testament Greek, pág. 64. Um glos- ritual, mas só um que lhes dera a vida.
sário marginal é a sua solução). Gerei introduz uma terceira figura em
7. Pois explica a inutilidade do orgu- seu relacionamento com eles (cons.
lho. Os pronomes estão no singular; I Co. 3: 6, "plantei", e 3: 10, "pus o
Paulo dirige-se ao indivíduo. Agostinho fundamento"). Ele não lhes transmi-
viu a verdade da graça de Deus através tira a vida com bons conselhos, mas
da segunda pergunta deste versículo. por meio das boas novas, pelo evangelho.
8. Já (MNT,pág. 48) volta-se para o antes 16. Paulo era o raro pregador que po-
de tempo (v. 5). A era messiânica, que dia dizer, sejais meus imitadores (lit.).
começará depois do tribunal de Cristo, A maioria dos homens deveria dizer:
já começara para os conntíos, escreveu "Façam o que eu digo, não o que eu
Paulo, reprovando-os. "Alcançaram um faço" (cons. Barelay, op. cito pág.46).
milênio particular só deles" (ICC, pág. 17-20. Timóteo devia lembrá-los. DI.
84). O versículo fornece algumas provas Johnson observou que mais gente precisa
para o conceito paulino do Reino. ser lembrada do que instruída (MNT,
9. Os apóstolos, em agudo contraste, pág. 51). Isto não é bem verdade, mas há
estavam longe de entrarem no Reino. uma grande carência do ministério da
Na verdade, estavam destinados a morrer, lembrança. O reino de Deus (cons. v. 8).
como criminosos condenados, ou pri- O reino dos coríntios era um reino em
sioneiros, que lutavam com feras e ra- palavra, não em poder. 21. Um desafio
ramente sobreviviam até o fim nos fes- conclui. Eles escolherão a vara da dis-
tivais e exibições dos pagãos. Ou, tal- ciplina, ou o amor e espírito de mansi-
vez Paulo tivesse em mente a entrada dão produzidos pela restauração da co-
triunfal de um general romano, ao final munhão? A resposta depende deles. A
da qual vinham os soldados capturados, vara introduz a nota da disciplina, pre-
que eram levados à arena para lutarem dominante na próxima seção da carta.
com feras (cons. 15: 32; 11 Co. 2: 14-17).
Na arena do mundo dos homens e anjos,
os apóstolos condenados eram um espe- Ill. As Desordens na Igreja. 5: 1 - 6: 20.
táculo (a palavra teatro em português A. A Ausência de Disciplina. 5: 1-13.
deriva da palavra grega, fazendo um
quadro vívido). 10-13. Uma série de Diz-se freqüentemente que a única
contrastes cáusticos entre os apóstolos Bfblia que o mundo lerá é a vida diária
e os coríntios, destinados a admoes- do cristão, e do que o mundo precisa
tar os crentes. A nova díspensação é uma versão revisada! Os próximos dois
ainda não chegara para os apóstolos! capítulos foram escritos por Paulo

-77-
I cORÍNTIOS 5: 1-7

com a intenção de produzir uma versão 5. A substância do seu julgamento está


revista coríntia, de modo que a ortodoxia aqui. Entregue a Satanás é de difícil
pudesse ser seguida pela "ortoprática" interpretação (cons. I Tm. 1: 20). Pro-
(cons. Roy L. Laurin, Life Matures, pág. vavelmente se refere ao entregar o homem
103, 104). O capítulo 5 trata de um co- ao mundo como se pertencesse a Sata-
nhecido caso de incesto na igreja. Os nás (cons. I 10. 5: 19). Para destruição
crentes, em vez de lamentar o fato, da carne tem sido aceito no sentido
estavam complacentemente permitindo moral da anulação dos apetites carnais.
que o caso permanecesse sem julgamento, Destruição é forte demais para esse
talvez até mesmo se orgulhando de sua ponto de vista, embora, é claro, a dis-
liberdade (vs. 1, 2; cons. 6: 12). Paulo ciplina tem de ser curativa. Provavel-
expressa sua posição no assunto (5: mente é melhor ver aqui a idéia de
3-5), insiste com a igreja a exercer dis- um castigo corporal, ao qual o pecado
ciplina (vs. 6-8), e conclui com um persistente conduz, de acordo com os
esclarecimento das instruções da carta ensinamentos do N.T., não apenas nesta
anterior (vs. 9-13). Ensoberbecidos (v. 2) carta (cons. I Co. 11: 30), mas também
indica uma leve ligação com o prece- em outros lugares (cons. I 10. 5: 16, 17).
dente (cons. 4: 6, 18, 19), mas a ver- O propósito da ação foi apresentada na
dadeira ligação é com os seguintes (cons. cláusula seguinte.
v. 1; 6: 9, 13-20). Ambos os capítulos tra- 6. O princípio que apóia a necessidade
tam de desordens. A falta de um conecti- de disciplina é este. "Nunca diga, des-
vo em 5: 1 o confirma, e dá também às culpando-se, que afinal de contas este
palavras de introdução uma força explo- caso é único. Um só, mas poderá conta-
siva nos ouvidos dos serenos conntíos, minar a massa toda (xv. 33)" (MNT,
calmamente descansando "à vontade em pág. 57). O pecado sempre se alastra e
Sião" . contamina se não abandonado, exatamen-
1. Geralmente. Seria melhor, na ver- te como o veneno, as ervas daninhas e o
dade (cons. Arndt, pág. 568). A fornica- câncer. 7. Pois (E.R.C.). Uma atitude
ção era incesto, proibido pela Lei (Lv. 18: decisiva torna-se necessária. Como sois
8; Dt. 22: 22). Há (tempo presente) suge- de fato sem fermento expressa a posição
re algum tipo de união permanente (cons. dos crentes, à qual a condição deles
Mt. 14: 4). O destaque dado ao homem deve corresponder. Sua purificação deve
pode indicar que a mulher, sua ma- se manifestar na vida limpa. Pois explica.
drasta, não era cristã. O pai talvez esti- Os antecedentes das observações do após-
vesse morto ou fosse divorciado. Mencio- tolo são as Festas da Páscoa e dos Pães
na. Omitido em vista de fracas confir- Asmos. A Páscoa (cons. lk 12: 1-28)
mações textuais. O pecado era proibido prefigurava o Cristo na qualidade do
pela lei romana. 2. Ensoberbecidos pe- Cordeiro de Deus, que tiraria o pecado
la falsa liberdade, os crentes estavam do mundo através do seu sacrifício no
"inchados". Uma igreja não pode pre- Gólgota (cons. 10. 1: 29). A Festa dos
venir o mal de modo absoluto, mas Pães Asmos (cons. ~x. 12: 15-20; 13:
deve sempre praticar a disciplina. Não 1-10), durante a qual os israelitas não
chegastes a lamentar, para que fosse deviam ter fermento em suas casas (o
tirado refere-se à censura eclesiástica fermento referindo-se tipicamente ao
ou a exclusão. 3,4. Paulo já julgara o pecado, é claro), prosseguia durante a
assunto em espírito. Suas palavras davam semana que se seguia à morte do cordeiro.
a orientação quanto a atitude própria Esta festa prefigurava a vida de santidade
a ser tomada. que devia seguir-se à morte do cordeiro e

-78 -
, ,
I CORINnOS 5: 7-13 - 6: 1-4

conseqüente alimentação dos que parti- aos irmãos, quando falava da negação
cipavam, sendo os sete dias um círculo da verdade. Ele não se preocupava com
de tempo completo. A Páscoa, então, aqueles que estão de fora; estavam em
é típica e ilustrativa da obra de Cristo território divino (cons. A.R.Gausset, em
que morreu pelos seus. Isto aconteceu, JFB V, 297). Os coríntios, entretanto,
escreveu Paulo, foi imolado por nós tinham obrigação de julgar os que estão
(tempo aoristo, encarando o aconteci- dentro 13. O pois deveria ser omitido,
mento como uma coisa feita de uma o qual dá à sentença final da excomu-
vez por todas). A Festa dos Pães Asmos nhão, uma enfática força sumária (cons.
é uma ilustração da vida de santidade Dt. 24: 7).
do crente, uma coisa contínua, e as-
sim Paulo escreve, por isso celebremos B. Os Processos Diante dos Tribunais
a festa (v. 8; tempo presente, ação dura- Pagãos. 6: 1-11.
doura). E exatamente como uma miga- A discussão das desordens continua.
lha de fermento na casa do israelita sig- Embora não haja partícula conectiva
nifica julgamento (cons. Êx, 12: 15), as- em 6: 1, a idéia do juízo liga claramente
sim o pecado na vida do crente significa os dois capítulos. A competência judi-
julgamento. Eis aí a necessidade da dis- cial da igreja para resolver casos entre
ciplina. os seus membros está visível em ambos.
8. A conclusão (por isso) da exortação Godet o expôs muito bem: "Além de
de Paulo encontra-se aqui. A pureza e vocês não julgarem aqueles que vocês
a retidão devem caracterizar o crente, tem obrigação de julgar (os que estão
não a perversidade do homem e da igre- dentro); mas, pior ainda, vocês procu-
ja nesta questão do incesto. Essas virtu- ram ser julgados por aqueles que estão
des divinas deviam ser o alimento da em situação inferior (os que estão de
festa cristã. fora)!" (op. cit., I, 284). A questão
9. Agora o apóstolo esclarece instru- dos processos foi introduzida (v. 1) e
ções dadas em uma carta anterior (veja então solucionada (vs. 2-11). A solução
Introdução), uma carta atualmente per- apresenta a tripla ocorrência do não sa-
dida. 10,11. Um cristão deve ter um beis? ( Gr., ouk oidate, vs. 2, 3, 9).
certo contato com o mundo; caso con- 1. Aventura-se algum de vós (muito
trário teria de sair do mundo, uma im- enfático no texto grego). Que audácia
possibilidade manifesta (pelo menos até dos santos (justificados; embora os gregos
o advento da era espacial!). A chave fossem dados aos litígios) comparece-
para compreensão da ordem do ver- rem diante dos injustos para buscar
sículo 9 é o verbo associar-se (vs. 9, 11), justiça! (cons, v. 11). 2. O primeiro
que significa literalmente misturar-se com ponto da refutação é o fato conhecido
(cons. Arndt, pág. 792). A idéia é da co- que os santos hão de julgar o mundo,
munhão em família. O apóstolo sabia por causa de sua união com o Messias,
que uma certa comunhão com o mundo a quem todo o julgamento está entregue
devia existir nas atividades diárias da (cons. Jo.5:22; Mt.19:28). 3. O se-
vida. Entretanto, ao irmão sob disci- gundo ponto é o fato conhecido que
plina era preciso negar comunhão, e par- havemos de julgar os próprios anjos.
ticularmente os crentes não deviam Quanto mais as COUSlti desta vida. (cons.
com esse tal nem ainda comer, a mais Jo.5:22; Judas 6; I1Pe.2:4,9).
evidente demonstração de comunhão. 4. Entretanto introduz uma inferên-
12. Pois explica que Paulo, na carta cia, um tanto anuviada por um pro-
perdida, não se referia ao mundo, mas blema de tradução. Constituís um tribu-

-79 -
I CORINfIOS 6: 4-13

nal (estabelecer por juiz) pode ser enten- ficados e justificados refletem a nova
dido como imperativo ou como indicati- posição dos coríntios. A menção da san-
vo. Se for indicativo, também pode tificação antes da justificação não consti-
ser declarativo ou interrogativo. Pro- tui problema, uma vez que Paulo tem
vavelmente o indicativo, com força in- em mente a verdade posicional (veja
terrogativa, deve ser o preferido, ficando ICo.1:2,30). Os verbos referem-se
o sentido assim, constituís um tribunal à mesma coisa com ênfases diferentes,
(estabeleceis por juízes) daqueles que uma destacando a purificação do cren-
não têm nenhuma aceitação na igreja! te; a outra, a nova vocação; e a ter-
Uma sugestão muito irônica de que não ceira a nova posição do crente. Jus-
havia nenhum homem sábio entre os tificados vem em último lugar, como o
"sábios" coríntios! devido clímax para a argumentação sobre
7,8. Sugere-se uma atitude melhor. a busca da justiça diante dos injustos
Derrota, indica que recorrer à lei contra (vs.1-8).
um irmão, já constitui uma perda da
causa em si mesmo. C. A Frouxidão Moral na Igreja.
9. O terceiro ponto defendido por 6: 12-20.
Paulo é um apelo aos "princípios mais Paulo volta sua atenção para a frou-
amplos" (ICC, pág. 117). Os não justi- xidão moral que poluía a igreja, ao que
ficados, ou injustos, não estão qualifi- parece causada pela aplicação da verdade
cados para julgar; só os cren tes, os justos, da liberdade cristã ao reino sexual. A
podem julgar. A negativa foi apresentada pergun ta é: Se não há restrições quanto
primeiro (vs. 9, 10), seguida pela afir- à alimentação, um dos apetites do corpo,
mação positiva (v. 11). A ênfase colocada por que deveria haver nas questões se-
sobre reino de Deus repousa sobre a pa- xuais, outro desejo físico? A resposta
lavra Deus; os injustos não têm lugar no de Paulo, a qual ele começa com o
seu reino. A lista de pecados que se princípio da liberdade e o aplica especi-
segue prova que Paulo e Tiago concordam almente à fornicação, novamente apre-
basicamente. Ambos afirmam que a fé senta a tripla ocorrência do não sabeis
genuína produz boas obras (cons. Ef. quê? (vs. 15,16,19).
2: 8-10), e que a ausência das boas obras 12. O princípio da liberdade está
indica falta de fé (cons. Tg. 2: 14-26). declarado, com duas limitações: 1)
A prevalecente frouxidão moral dos prudência (cons. 10:23); 2) autocon-
gregos e romanos pode ter incentivado trole. Lícitas e dominar que têm a mes-
o apóstolo a enfatizar aqui o vício contra ma raiz, formam um jogo proposital
a natureza. Por exemplo, Sócrates, de palavras: "Todas as coisas estão em
além de quatorze dos quinze primeiros meu poder, mas eu não serei colocado
imperadores romanos, era homossexual sob o poder de nenhuma delas". A
(cons. Barclay, op. cito pág. 60). indulgência em um hábito que se apossa
11. O apelo positivo está aqui. Tais de alguém, não é liberdade, mas escra-
fostes alguns de vós aponta para as pro- vidão.
fundezas das quais a graça de Deus em 13. Enquanto os alimentos são para
Cristo os resgatou. Mas vós vos lavastes. o estômago, e o estômago para os ali-
Literalmente, vocês se deixaram lavar mentos (um necessário ao outro), este
(uma voz média permissiva), ou vocês relacionamento não é verdadeiro quanto
se lavaram (voz média direta, acentuando ao corpo e a fornicação. O corpo foi
o lado ativo da fé; cons. Atos 22: 16; criado com a intenção de glorificar o
Gl. 5: 24). Os termos lavastes, santi- Senhor, e o Senhor é necessário ao

-80-
I CORINTIOS 6: 13-20

corpo para que isto aconteça. Paulo do corpo e contra o próprio corpo,
usa a palavra corpo aqui num sentido são difíceis de serem interpretadas.
mais amplo do que simplesmente o Talvez o significado seja que os outros
tabernáculo físico. É quase equiva- pecados, tais como o vício de beber,
lente à personalidade do homem, quase têm seus efeitos sobre o corpo, mas a
como a expressão, alguém, ou todos fornicação é um pecado que se realiza
(cons. MNT, pág. 68, 69, 71-73; Morris, dentro do corpo e envolve uma mons-
op. cit., pág. 100; Moule, op. cit., pág. truosa negação da união com Cristo
196,197). No versículo 19 parece que através da união com uma prostituta.
ele iguala corpo com vós. Isto, é claro, 19. A razão final está no fato de que
não é costume de Paulo (11 Co. 12: 3). o corpo é o santuário do Espírito Santo.
14. Mais outra diferença entre o corpo Vosso corpo. Uma expressão "distri-
e o ventre, e o corpo e a fornicação, butiva", isto é, o corpo de cada um de
está no fato de que o corpo se destina vocês (cons. Charles J. Ellicott, Paul's
à ressurreição, enquanto o ventre para First Epistle to the Corinthians, pág.
ser reduzido a nada (v. 13). A perma- 107). O corpo do crente, individual-
nência do corpo tem mais do que signi- mente, é o templo do Espírito (cons.
ficado teórico. Por exemplo, o que dizer 3: 16). Que coisa incongruente é ouvir
da prática da cremação? os crentes orarem, pela vinda do Espí-
15. Por causa da união do crente rito!
com Cristo (cons. 12: 12-27), a forni- 20. Porque introduz a razão pela
cação rouba do Senhor aquilo que é qual os crentes não pertencem a si mes-
dEle. Tomaria. Seria melhor, levaria. mos. O Espírito ocupa aquilo que Deus
16. A segunda razão está expressa aqui. obteve através da compra. Demons-
Ou não sabeis é a melhor tradução. tra-se o direito de posse, comprando-se
Além do Senhor ser roubado, uma e ocupando-se. Deus fez as duas coisas;
nova união se faz (cons. v.15; Gn. por isso os cristãos já não são de si
2: 24). A prova prática disso é que mesmos, mas pertencem a Deus (cons.
uma nova personalidade pode resul- Jo. 13: 1). Comprados (tempo aoristo)
tar da união. 17. Um espírito com ele. refere-se ao Gólgota, onde o preço foi
Uma das expressões mais fortes sobre a pago. A figura representa a sagrada
união e segurança da Palavra de Deus. manumissão, pela qual um escravo, pa-
Como um autor já o expôs, "As ove- gando o preço de sua liberdade no te-
lhas podem se afastar do pastor, o ramo souro do templo, passava a ser consi-
pode ser cortado da videira; o membro derado, daquele momento em diante,
pode ser separado do corpo ... mas como escravo do deus e não mais es-
quando dois espíritos se unem em um cravo de seu senhor terreno. Glori-
só, quem os separará?" (Arthur T. Pier- ficai a Deus, a conclusão lógica, é tanto
son, Knowing the Scriptures, pág. 146). negativa quanto positiva. Negativamente,
18. Fugi (tempo presente para ação um crente deveria eliminar as coisas que
habitual). Ordem positiva. Morris su- corrompem, tais como a fornicação e
gere: "Habitue-se a fugir" (op. cit., positivamente ele deveria exibir Aquele
pág.102). Alguém já disse: "Ainda que veio habitar nele. O preço terrível
que muitas vezes se declare que a se- do sangue sem preço (cons. I Pe. 1: 18,
gurança está em Números, às vezes há 19) exigia nada menos do que isso.
mais segurança no Êxodo!" A expe- E no vosso espírito, os quais pertencem
riência de José é um exemplo (cons. a Deus (E.R.C.) tem pouco apoio docu-
Gn. 39: 1-12). As frases finais, fora mentário.

- 81-
I CORÍNTIOS 7: 1-14

IV. As Dificuldades dentro da Igreja. ditas por concessão, (permissão E.R.C.)


7: 1-15:58. não por mandamento. O casamento é
uma concessão, não uma obrigação.
A. Conselhos Referentes ao Casamen- A orientação do Senhor, o dom de
to. 7: 1-40. Deus, é a coisa mais importante (cons.
Tendo discutido as coisas que vieram Mt. 19: 10-12).
ao seu conhecimento (cons. 1: 11; 5: 1), 2) Os Problemas relacionados com
o apóstolo volta-se agora para assuntos o Casamento. 7: 8-38. O escritor consi-
que surgiram na correspondência (cons. dera, agora, os problemas específicos
7: 1, peri de; veja Introdução). Os pro- envolvendo os casados e os solteiros.
blemas relacionados com o casamento 8,9. Paulo dirigiu-se primeiro àque-
são os primeiros a serem examinados. les que eram solteiros quando ele escre-
O capítulo, depois de um prólogo que veu, mas que já tinham experiência
trata dos princípios gerais (vs.I-7), sexual. Os solteiros, provavelmente,
contém a discussão de problemas dos viúvos, em oposição às viúvas. Homens
casados (vs.8-24) e dos solteiros (vs. solteiros e virgens são aconselhados em
25-40). outra passagem (vs. 1,2,25,28-38). Per·
1) O Prólogo. 7: 1-7. O apóstolo manecessem (tempo aoristo) é a decisão
apresenta o princípio geral de que, en- final para uma vida inteira. 10, 11. As
quanto o celibato é uma questão de seguintes palavras de Paulo relacionam-
preferência pessoal (vs. 6,7), o casa- -se com a manutenção ou interrupção
mento no entanto é uma obrigação para dos laços do casamento, no caso de
aqueles que não têm o dom da conti- crentes casados (vs. 10, 11) e de um cren-
nência (vs. 1, 2), fornecendo o verda- te com um descrente (vs. 12-16). Para
deiro casamento a devida provisão para os crentes a regra é "não se separem",
a satisfação sexual de cada parceiro sustentada pelo ponto de vista do Senhor,
(vs. 3-5). não eu mas o Senhor (cons. Mc.lO:
1. Quanto ao que me escrevestes. 1-12). No caso de uma separação desa-
O equivalente à nossa fórmula moderna, provada, Paulo destaca duas possibili-
Quanto à sua carta. É impossível que dades. A esposa que não se case, tempo
Paulo tenha sido solicitado a aprovar presente, enfatizando o estado perma-
o celibato como dever de todos. Ele nente. Ou então, que se reconcilie com
aceita que o estado é bom. 2. O casa- seu marido, tempo aoristo, enfatizando
mento, entretanto, é o dever daqueles um acontecimento de uma vez por todas,
para os quais a sociedade pervertida em separações subseqüentes.
e os hábitos daquele tempo pudessem 12. Mas o que dizer das uniões onde
se tornar irresistíveis. Isto não é uma um dos interessados tornou-se cristão?
depreciação do casamento; é uma ma- A lei judia exigia que o incrédulo fosse
neira honesta de encarar os fatos a fim abandonado (cons. Esdras 9: 1 - 10: 44).
de evitar a impureza. Literalmente, Novamente, a regra é "não se separem"
fornicações, o plural se referindo talvez (I Co. 7: 12,13).
aos muitos casos em Corinto (cons. 14. Porque. A primeira razão é que
6: 12-20). 3-5. O verdadeiro casamento, o parceiro incrédulo e os filhos de tal
entretanto, é uma sociedade, uma união união são santos (santificados). Isto
de duas pessoas que se tornam "uma só" não significa que uma criança que nas-
(v. 6: 16), envolvendo obrigações mútuas cer em um lar onde apenas um dos pais
e direitos conjugais. é cristão, nasce "na família de Cristo"
6,7. As palavras precedentes foram (cons. Barclay, op. cit., pág. 71). Paulo

-82 -
I CORINrIOS 7: 14-31

simplesmente quer dizer que o princí- cer no estado em que se encontra, é sim-
pio do V.T. da comunicação da imun- plesmente parte de um princípio geral,
dícia não está em vigor (cons. Ageu 2: que atinge todas as esferas da vida. A
11-13). A união é legal e confere pri- regra para tudo é permanecer como está
vilégios aOS membros (cons. ICC, pág. quando chamado, a não ser que a pro-
142), privilégios tais como a proteção fissão seja imoral. Três vezes Paulo de-
de Deus e a oportunidade de estar em ín- clara o princípio (vs.17,20,24), entre-
timo contato com a família de Deus. meando as declarações de princípios
Isto facilita o caminho para a conver- com duas ilustrações, uma religiosa
são do incrédulo. (cons. Rm. 2: 28, 29) e a outra secular.
15. Uma segunda razão para a preser- A expressão diante de Deus, que conclui
vação da união encontra-se no fato de a seção, enfatiza o fato de que a presen-
que Deus chamou-nos para a paz. Uma ça de Deus toma qualquer trabalho se-
situação curiosamente ambígua, entre- cular, um trabalho com Deus. Num
tanto, existe. Alguns intérpretes acham certo sentido, então, cada cristão está
que Paulo aqui incentiva o crente a con- ocupado em "trabalho cristão de tempo
sentir na separação no interesse da pre- integral". À luz dos ensinamentos de
servação da paz, se o incrédulo deseja Paulo aqui, não seria também uma coisa
separar-se. De outro modo poderia ha- duvidosa forçar os jovens a entrarem para
ver guerra! Por outro lado, a idéia de o serviço de tempo integral na quali-
Paulo pode ser que a separação deve- dade de missionários, pastores, etc.?
ria ser evitada se possível, uma vez A coisa realmente importante para cada
que isso acabaria com a paz da união. crente é estar dentro da vontade de Deus.
O princípio geral do contexto (vs. 10, 11) 25. Ora, quanto (E.R.C.) (peri de)
favorece o segundo ponto de vista, como indica aos leitores que uma resposta, a
também o versículo seguinte. Nada outra parte da carta da igreja é o que
se diz sobre um segundo casamento para se segue. No restante do capítulo Paulo
o crente; de nada adianta colocar pala- trata de três grupos: 1) os jovens sol-
vras na boca de Paulo quando ele silen- teiros (vs. 25-35); 2) os pais (vs. 36-
cia. É verdade que o verbo "apartar-se" 38); 3) as viúvas (vs.39-40). A seção
na voz média (como neste versículo) está demarcada por duas declarações
era quase um termo técnico para o referentes à autoridade do autor (vs.
divórcio nos papiros (MM, pág.695, 25,40). O ponto comentado no pará-
696). Isto, entretanto, nada realmente grafo é o seguinte: O celibato é dese-
prova aqui. jável, mas não exigido.
16. Pois. O terceiro motivo para 26-28. Ser bom para o homem per-
não haver separação é que a salvação manecer assim como está. Antes, é bom
do outro membro pode ser alcançada que uma pessoa fique como está. O pri-
através da preservação da união. Ou- meiro motivo para alguém permanecer
tros entendem que a declaração signi- solteiro está por causa da instante neces-
fica que é melhor concordar com a sidade, uma frase que provavelmente se
separação, uma vez que ninguém sabe refere à pressão exercida sobre a vida
se o outro parceiro se converterá ou cristã pelo mundo hostil (cons. v. 28;
não. O contexto geral favorece o pri- 11 Tm. 3: 12). Se a vida cristã já é di-
meiro ponto de vista. Mas não é fácil fícil em si mesma, por que impor mais
determinar o que Paulo quis dizer. um encargo a alguém através do casa-
17·24. Agora o apóstolo resume, in- mento? 29-31. Uma segunda razão
dicando que este princípio de permane- foi sugerida pela declaração, o tempo

-83 -
I CORINHOS 7: 31-40 - 8: 1

se abrevia (IH. o tempo se encurta). passavam por uma forma de casamento


O apóstolo se refere ao tempo prece- e continuavam, no entanto, a viverem
dendo à vinda do Senhor (cons. Rm. juntas como irmão e irmã (cons. Barclay
13: 11). Toda a vida tem de ser vivida op. cit., pág. 74,75; MNT, pág. 98-100).
à luz desse grande fato. Então a apa- O que está firme, isto é, não acha que
rência deste mundo passará e um novo esteja fazendo o que é impróprio. E
e glorioso dia despontará. assim que introduz o sumário, que na
32-35. Uma terceira razão se encon- realidade é um sumário de todo o capí-
tra nestes versículos. Está expressa nega- tulo. Um faz bem; outro faz melhor.
tivamente nas palavras eu quero é que O celibato não é um estado mais santo
estejais livres de preocupações (v. 32), que o do casamento; o celibato simples-
e positivamente nas palavras facilite o mente é mais útil no serviço do Senhor.
consagrar-vos desimpedidamente ao Se- Mas mesmo no casamento, todas as
nhor (v. 35). Um problema textual coisas, até onde for possível, devem
está profundamente envolvido nas pa- ficar sujeitos aos interesses dEle. A
lavras que ligam os versículos 33 e 34. expressão dáem casamento (v. 38 E.R.C.)
Poderia se encontrar a solução modifi- sempre tem este sentido no N.T. (cons.
cando as palavras, e assim está divi- Mt. 22: 30; 24: 38); nunca quer dizer
dido (v. 34), para "Separadas por uma simplesmente casar-se, o que parece de-
semelhante divisão de interesses estão cidir que a interpretação dada é a ver-
a mulher casada e a solteira" (ICC, pág. dadeira.
150,151). O ponto que o apóstolo 3) O "Postscript". 7: 39-40. A viúva
quer elucidar está claro: O casamento está livre para casar com quem quiser,
é uma coisa perturbadora. Isto ele de- mas somente no Senhor, isto é, com cris-
clara explicitamente no versículo 35. tão. Isto parece indicar claramente que
As palavras facilite o consagrar-vos, Paulo jamais aprovou o casamento
desimpedidarnente, ao Senhor faz lem- misto (casamentos entre crentes e in-
brar a narrativa de Lucas sobre o inci- crédulos), uma verdade que tem uma
dente da visita do Senhor à casa de Maria larga aplicação hoje em dia. Paulo
e Marta em Betânia. Há também diver- retoma novamente ao lado prático,
sas conexões verbais no texto grego todavia, quando escreve será mais fe-
entre a narrativa de Lucas e as palavras liz se permanecer viúva (cons. v.8).
de Paulo (cons. Lc. 10: 38-42). É como As palavras de conclusão parecem in-
se Paulo estivesse tacitamente dizendo dicar que Paulo considerava estas suas
que o casamento transforma Marias palavras divinamente aprovadas (o tam-
em Martas, impedindo assim que façam bém parece apontar para alguém em
a escolha da "boa parte" - ocupar-se Corinto que reivindicava a aprovação
com o Senhor e a Sua Palavra. do Espírito para suas atividades con-
36-38. Aqui os pais estão na pauta. trárias às Escrituras); e o fato de terem
A passagem deve ser compreendida à sido preservadas no Livro Sagrado con-
luz dos costumes daquele tempo. O firma tal ponto de vista.
pai tinha o controle dos arranjos para o
casamento de sua filha. Trata sem de- B. O Conselho Relativo às Coisas
coro refere-se à procrastinação do casa- Sacrificadas aos Idolos. 8: 1 -
mento quando há evidência da falta do 11: 1.
dom da continência. É duvidoso que O peri de (E.R.C., Ora, no tocante)
Paulo aqui tenha em mente "casamen- indica que aqui começa um novo assun-
tos espirituais" nos quais as pessoas to. Cousas sacrificadas à ídolos eram

-84-
I CORINTIOS 8: 1-11

as sobras dos animais sacrificados aos tem ídolos no mundo. Um ídolo não
deuses pagãos. Quer um animal fosse pode realmente ser uma representação
oferecido como sacrifício particular ou de Deus. Corno poderia madeira ou
público, partes da carne sobravam para pedra representar a incorruptibilidade
o ofertante. Se fosse um sacrifício par- de Deus? 5. O apóstolo admite, en-
ticul ar, a carne podia ser usada para um tretanto, que existem aqueles que se
banquete, ao qual eram convidados chamam deuses. 6. Todavia para nós
amigos do ofertante. Se o sacrifício indica um forte contraste. De quem
fosse público, a carne que sobrava, são todas as cousas refere-se à primeira
depois que os magistrados retiravam criação; o Pai é a fonte de tudo (cons.
a sua parte, podia ser vendida aos mer- Gn. 1: 1). E nós também por ele (lit.)
cados para revenda ao povo da cidade. refere-se ao Pai como o alvo da nova
Os problemas, pois, eram estes: 1) Po- criação, li Igreja. A função da Igreja é
dia um cristão participar da carne que glorificá-lO. Pelo qual são todas as cou-
fora oferecido a um falso deus em uma sas aponta para o Senhor Jesus Cristo
festa pagã? 2) Podia um cristão comprar como agente de Deus na criação (cons.
e comer carne oferecida aos ídolos? J o. 1: 3). E nós também por ele apre-
3) Podia um cristão, quando convidado senta-O como o agente responsável pela
à casa de um amigo, comer carne que nova criação (cons. CI. 1: 15-18).
fora oferecida aos ídolos? 7. Daqui até o final do capítulo
1) Os Princípios. 8: 1-13. Primeiro Paulo explica as palavras, O amor edi-
Paulo apresenta princípios generalizados fica (v. 1). Isto é necessário, pois nem
para orientação do crente nesses proble- em todos existe o conhecimento do
mas delicados. único Deus e único Senhor que capa-
1. Reconhecemos que todos somos cita as pessoas a comerem a carne dos
senhores do saber pode ser uma cita- ídolos sem prejuízo. Por efeito da fa-
ção da carta deles. Os cristãos possuem miliaridade até agora com o ídolo.
conhecimento, mas é apenas super- Com consciência do ídolo tem fraca
ficial e incompleto (cons. vs. 2, 7). confirmação. A tradução preferível
Saber, além disso, não é suficiente para seria por estar há muito tempo acos-
a solução de todos os problemas, pois tumado aos ídolos. 8. Paulo faz ver
por si mesmo ensoberbece. 2. Não que a carne em si mesma não aproxima
aprendeu ainda refere-se ao verdadeiro os crentes de Deus. Recomendará. O
conhecimento de Deus. Enquanto sentido é aproxima. "É o coração puro
aqui nesta terra, o conhecimento que e não o alimento puro, que importa;
o homem tem de Deus está sempre in- e o irmão fraco confunde os dois" (ICC,
completo (cons. 13: 12). 3. Ama a Deus pág.170).
produz os dois, conhecimento de Deus 9. Nos poucos versículos seguintes
e um senso de que Deus conhece também Paulo adverte os fortes a tomar cuidado
o indivíduo. Por exemplo, em um pa- para que a sua liberdade (lit., autoridade,
lácio todos conhecem o rei, mas nem o exercício do seu direito) não constitua
todos são conhecidos pelo rei. O se- uma pedra de tropeço para os fracos.
gundo estágio indica intimidade pessoal Em outras palavras, conhecimento não
e conseqüentemente conhecimento de resolve o problema (cons. vs. 1-3). 10.
primeira mão (cons. Godet, op. cit., I, Induzida (lit. edificada) é ironia. Bela
410; G1.4:9). edificação; conduz ao pecado!
4. O ídolo de si mesmo nada é no 11. E (lit. porque) introduz o mo-
mundo provavelmente devia ser não exis- tivo porque o crente forte se torna uma

-85 -
I CORINTIOS 8: 11-13 - 9: 1-3

pedra de tropeço. A sentença devia ter- que Paulo, ao tratar da fornicação e


minar com ponto final, não com ponto da carne sacrificada aos ídolos, não apela
de interrogação. A última cláusula tem para o pronunciamento do Concílio
um grande encanto. Se Cristo amou o de Jerusalém (cons. Atos 15: 19,20).
irmão a ponto de morrer por ele, então Em vez disso, ele apela aos conceitos
o crente forte deve amá-lo a ponto de espirituais mais sublimes, os quais os
desistir do seu direito de comer certas gregossabiam apreciar.
carnes. Parece refere-se à perdição 2) A Ilustração dos Princípios. 9: 1-
física. O irmão fraco, violando persis- 27. Paulo não se afasta aqui do assunto
tentemente sua consciência comendo em pauta. Antes, ele exemplifica os prin-
alguma coisa que ele acha que não de- cípios que acabou de apresentar, recor-
veria comer, peca e torna-se exposto ao rendo a sua própria experiência. Na
pecado mortal (cons. 5: 5; 11: 30; qualidade de apóstolo que também pos-
l Jo. 5: 16, 17). O tempo é o presente; suía liberdade cristã, ele poderia recla-
o processo do perecimento prolonga-se mar sustento financeiro daqueles aos
enquanto ele persiste em comer. 12. A quais pregava (vs.1-14). Na realidade,
pior das conseqüências deste assunto entretanto, ele se recusava exercer seus
é que os crentes fortes pecam contra direitos para merecer uma recompensa
Cristo quando pecam contra os irmãos. (vs. 15-23). Tal decisão exigia disciplina
O argumento baseia-se na unidade do pessoal e implicava em privações (vs.
corpo de Cristo (cons. 12: 12, 13,26). 24-27). Os coríntios, é claro, deviam
13. Por isso introduz a conclusão aplicar a lição da abnegação e discipli-
de Paulo. O amor, não a luz (conheci- na ao problema da carne sacrificada
mento), resolve o problema. Nas ques- aos ídolos.
tões morais, sobre as quais a Palavra
tem falado, a Palavra é suprema. Nas 1. Não sou eu, porventura livre? Nos
questões moralmente insignificantes, co- principais manuscritos esta pergunta
mo por exemplo o comer de came ofe- precede a outra referente ao apostolado.
recida aos ídolos, a liberdade deve ser Nessa ordem há também uma peculia-
regulada pelo amor. Diversas coisas ridade, pois passar dos direitos de cris-
precisam ser conservadas em mente, tão aos direitos de apóstolo fornece um
entretanto. Em primeiro lugar, a pas- clima adequado para a abertura desta
sagem não se refere aos legalistas dese- seção. Não vi a Jesus, nosso Senhor?
josos de imporem seus escrúpulos taca- A base da sua qualificação ao aposto-
nhos sobre os outros. Esses não são lado (cons. Atos 1: 21, 22). Acaso não
irmãos fracos, mas irmãos teimosos sois fruto do meu trabalho no Senhor?
que desejam se gloriar na sujeição de Palavras que têm a intenção de enfatizar
outros aos seus caprichos (cons. Gl. a genuidade do trabalho de Paulo en-
6: 11-13). Isto é tirania, e o Cristianis- tre os coríntios. 2,3. Os coríntios eram
mo deve sempre estar em guarda contra o selo do seu apostolado. Isto é, eles
isso. Em segundo lugar, deve-se notar eram a garantia do fruto espiritual no seu
neste versículo que a decisão de seguir trabalho entre eles, ou, em outras pala-
o caminho do amor compete a Paulo, vras, a prova de que Deus realmente
não ao irmão fraco. O forte deve se lhe dera "o crescimento" (cons. 3: 5-7).
submeter ao apelo do amor volunta- Os que me interpelam. Aqueles que du-
riamente, não porque o fraco o exija vidavam da posição e ofício apostólico
(os legalistas sempre exigem sujeição de Paulo. Esta- volta-se para os versí-
às suas leis). Finalmente, é significativo culos 1-3, não para os seguintes (vs.

-86 -
I coaemos 9: 3-15
4-14). aos homens. Entretanto, o cuidado di-
4. Tendo resolvido a questão do vino pelos animais foi afirmado em
apostolado, o apóstolo prossegue discu- muitas passagens do V.T. (cons. SI.
tindo a autoridade ou direitos ao sus- 104: 14,21,27; Mt. 6: 26). O argu-
tento, os quais derivam do seu ofício. mento de Lutero foi mais ousado do
Compare 8: 9, onde a "liberdade" é a que o de Paulo. Ele disse que a pas-
mesma palavra usada aqui para direito sagem de Deuteronômio foi escrita
(poder). Comer e beber não se refere inteiramente para o nosso bem, uma
às carnes sacrificadas aos ídolos, mas ao vez que os bois não sabem ler! O sen-
alimento comum. tido da palavra certamente aqui, prova-
5,6. Cinco motivos para o direito velmente tem o significado de sem
de sustento podem ser distingüidas. O dúvida (ICC, pág. 184).
primeiro, mencionado aqui, pode ser 11-13. O direito do santo minis-
chamado de exemplo dos outros. Os tério, o quarto motivo, está exposto
irmãos do Senhor, que antes não criam aqui e o argumento torna-se mais va-
nEle,. eram agora missionários (cons. lioso por causa da preponderância do
Jo.7:5; Mt.13:55). A menção da espiritual sobre o material. Coisas car-
esposa de Cefas é interessante. Se Pe- nais (E.R.C.) são as coisas referentes
dro foi o primeiro papa (ele não foi, ao corpo, tendo a palavra carnal aqui
está claro), hão há dúvidas de que foi um sentido neutro. Desse direito é o
um papa casado! (cons. Mt. 8: 14). O privilégio do mestre de participar das
direito de Paulo incluía o sustento de coisas materiais dos crentes. Ao que
sua família. 7. O segundo, o princí- parece alguns mestres tinham exercido
pio do direito comum, foi apresentado este direito sobre os coríntios. Mas
através das bem conhecidas ilustrações Paulo triunfantemente se ufana de não
- o soldado, o agricultor e o pastor. ter usado desse poder. Se ele tivesse
8-10. O terceiro motivo, o ensino aceito a ajuda financeira teria imposto
das Escrituras, vai ser introduzido agora algum obstáculo ao evangelho de Cristo,
(cons. Dt. 25: 4). Paulo declara que o pois haveria aqueles que teriam pen-
V.T. ensina o direito do sustento para sado que ele pregava só por causa disso.
aqueles que pregam a Palavra. O uso Do próprio templo se alimentam faz
que ele faz das Escrituras aqui tem sido alusão aos direitos dos sacerdotes da
muitas vezes impugnado. Tem-se dito antiga aliança (cons. Nrn. 18: 8-24). 14.
que ele demonstrou desdém pelo senti- A ordem do Senhor, o quinto motivo,
do literal do V.T. (cons. MNT, pág. 116, conclui o argumento sobre o sustento
117). Não é verdade. Tudo o que Paulo que a igreja deve dar ao obreiro (cons.
declara é que a passagem em Deuteronô- Mt. 10: 10; Lc. 10: 7).
mio tem um significado mais profundo 15. O apóstolo mostra agora como
do que o sentido literal. Ambos os sen- o amor agiu neste caso, ainda que ele
tidos, o literal e o alegórico (ambos tivesse todo o direito de receber sus-
são sentidos espirituais), encontram-se tento dos coríntios. Assim ele contras-
neste passagem. Acaso é de bois que ta seu sacrifício pessoal com o egoísmo
Deus se preocupa? O sentido literal daqueles que estavam usando a sua li-
da pergunta não deve ser forçado. A berdade, na questão das carnes em de-
construção grega é tal que a resposta trimento dos outros. Porém chama a
"não" é a que se espera. Paulo quer atenção para o contraste, e a mudança
dizer que o cuidado de Deus não se para a primeira pessoa destaca a ilus-
destina primariamente aos animais, mas tração pessoal, a ilustração do conhe-

-87 -
I CORÍNTIOS 9: 15-24

cimento regulado pelo amor. 16. Os foi mobilidade de métodos, não de


leitores são conduzidos ao propósito moral. Depois das palavras para os que
da pregação de Paulo sem pagamento vivem sob o regime da lei, o texto grego
- isto é, ele desejava alcançar uma acrescenta, embora não esteja eu de-
recompensa. Pois sobre mim pesa essa baixo da lei, uma declaração notável
obrigação refere-se à vocação na Estra- que enfatiza quão completamente Paulo
da de Damasco, uma chamada que ele se desprendera da Lei de Moisés. É
não podia deixar de atender. difícil encontrar uma declaração mais
17. Se o faço de livre vontade in- forte deste fato em qualquer outro
troduz uma suposição que jamais po- lugar de seus escritos. 21. Aos sem lei,
deria ser verdadeira em se tratando de refere-se aos gentios. Não estando sem
Paulo, Assim, neste caso não haveria lei para com Deus, mas debaixo da lei
nenaurna recompensa pela pregação, pois de Cristo foi acrescentado para evitar
ele pregava por necessidade. A pista uma má interpretação. Enquanto Paulo
para o argumento de Paulo se encontra não se encontrava debaixo da lei, ele
na expressão, a responsabilidade de des- não se transformara em alguém fora
penseiro que me está confiada (a do da lei, ou sem lei. A lei do amor a Cris-
evangelho). A responsabilidade de to é a mais forte motivação para a jus-
despenseiro (E.R.C" dispensação) era tiça do que o medo dos juízos do Si-
um trabalho confiado a alguém que ti- nai. Aqueles que, embora não estando
vesse um dono. O mordomo, portanto, sob a Lei Mosaica, andam pelo Espí-
pertencia à classe dos escravos (cons. rito de Deus com amor ao Senhor Jesus
Lc. 12: 42, 43). E um escravo não Cristo, cumprirão as justas exigências
recebia recompensa; ele tinha de tra- da Lei (cons. Rm. 8: 3; Gl. 5: 16-23).
balhar (cons. I..c. 17: 10). Paulo, por- 22. Fracos. São os super-escrupu-
tanto, tinha de introduzir a idéia da losos mencionados em 8: 7 e 9-12 Pau-
pregação sem pagamento. Como Moffatt lo não se afasta muito do assunto geral
o expõe: "Seu pagamento era fazê-lo das carnes sacrificadas aos ídolos. Fiz-
sem pagamento" (op. cit., pág. 121). Era -me tudo para com todos expressa o
assim que o apóstolo ganhava a sua seu princípio. (O verbo aqui está no
recompensa. Assim, a luz é regulada tempo perfeito, não no aoristo como
pelo amor. 18. Proponha de graça o no versículo 20, expressando o resulta-
evangelho era o seu alvo e a sua recom- do permanente de sua ação passada).
pensa. Isto, é claro, não é um princípio Não é o fim justificando os meios, mas
que deve ser aplicado a todos os prega- a adaptabilidade por amor dentro da
dores do Evangelho. É a escolha volun- Palavra. Salvar é mais forte do que
tária de alguém que, embora tendo ganhar (v. 19). O fim de (que eu possa)
direito ao sustento, sentia-se compelido salvar alguns não remove a salvação das
a proclamar a verdade através de uma mãos de Deus; simplesmente enfatiza
visão sobrenatural do Salvador ressus- a cooperação humana do servo de Deus
citado. no ministério da verdade.
19. Agora Paulo acrescenta outros 23. Por causa do evangelho não sig-
motivos pelos quais, por amor aos ou- nifica para o progresso do Evangelho,
tros, ele recusava exercer seus direitos. mas por causa da sua preciosidade na
Sendo livre de todos refere-se a sua fal- opinião do apóstolo.
ta de dependência dos outros sob todos 24. A decisão de Paulo exigia dis-
os aspectos (cons. v. 1). ciplina pessoal. Quando um homem
20. O princípio que Paulo esposou se recusa a disciplinar-se, exercendo

-88 -
I CORÍNTIOS 9: 24-27 - 10: 1

sempre a sua liberdade em detrimento Subjugo o meu corpo (E.R.C.) é a tra-


dos fracos, além de injuriar os fracos, dução do texto de alguns manuscritos
também prejudica-se a si mesmo. Essa fracos. A tradução mais autêntica seria
é a responsabilidade dos versículos res- esmurro, ou espanco. A idéia, é claro,
tantes (vs. 24-27). Os antecedentes é o da disciplina pessoal. Andar com
da seção são o grande espetáculo atlé- Deus exige sacrifício pessoal, sacrifício
tico, os Jogos Istmícos, que se realiza- de coisas não necessariamente más,
vam perto de Corinto cada dois anos. mas que prejudicam a devoção total
O prêmio indica que o apóstolo tinha da alma a Deus - tais como os praze-
em mente o serviço e as recompensas, res e interesses mundanos. Numa época
não a salvação e a vida (cons. v. 17, de luxo, como a presente, as palavras
"prêmio"; Fp.3:11-14). 25.Depois têm verdadeiro significado para o servo
da ilustração no versículo 24, segue-se de Cristo compenetrado. Tendo pre-
a aplicação, contendo ambas, uma com- gado a outros. Uma referência ao cos-
paração e um contraste. Em tudo se tume de convocar os competidores à
domina. Pratica o autodomtnio (MNT, corrida por meio de um arauto (keryx,
pág, 125). O que Paulo quer mostrar palavra derivada da mesma raiz da pala-
é que os atletas que esperam vencer vra pregar). Paulo convocara muitos
precisam de treino diligente - uma ver- à corrida da vida cristã através da pre-
dade bem ilustrada pela diligência dos gação do Evangelho. Ele não queria
atletas modernos, quer nas corridas, ficar desqualificado depois disso. A
no futebol ou qualquer outro esporte. palavra não se refere à perda da sal-
Uma coroa corruptível mostra o con- vação. Significa literalmente desquali-
traste. Os atletas disciplinam-se para ficado. Está claro que o apóstolo esta-
ganhar um prêmio insignificante (nos va preocupado em não ser rejeitado
jogos ístrnicos era uma coroa de pi- pelo juiz quando fosse concedido o
nheiro). Quanto mais deveriam fazer prêmio. Ele não tinha receio que o
os cristãos para alcançarem uma coroa arauto barrasse sua participação na
incorruptível (cons. 11 Tm. 4: 8; I Pe. corrida. Todos podiam correr, mas
5: 4; Ap. 2: 10; 3: 11). nem todos recebiam o prêmio. Paulo
26,27. Segue-se a conclusão de Paulo queria alcançar o prêmio.
introduzida por assim. Paulo corria,
mas não sem meta; sabia para onde ia 3) A Admoestação e a Aplicação
(cons. Fp. 3: 14). Ele não era como o feita aos Coríntios. 10: 1 - 11: 1. Pau-
menininho que estava aprendendo a lo conclui seu discurso sobre a carne
andar de bicicleta e gritou cheio de si oferecida aos ídolos com uma admoes-
para sua irmã: "Estou saindo do lugar. tação (vs. 1-13) e a respectiva aplicação
Estou realmente saindo do lugar". A (10: 14 - 11: 1). Na aplicação ele
irmã, observando friamente seu pro- trata da participação nas festas religio-
gresso cambaleante replicou: "É, você sas pagãs (vs. 14-22) com o comer da
está saindo do lugar, mas não está indo carne vendida nos mercados (vs.23-26)
a lugar nenhum!" Como desferindo e com o comer da carne na intimidade
golpes no ar é uma metáfora sobre o de um lar (lO: 27 - 11: 1).
pugilismo. A declaração não se refere 1. Ora. O texto grego diz porque. O
ao treino, um exercício necessário e le- escritor acabou de enfatizar a necessi-
gítimo para o lutador; refere-se às fa- dade da disciplina pessoal e a possi-
lhas durante a luta. Paulo era um luta- bilidade do fracasso no setor das re-
dor certeiro, sempre acertando o alvo. compensas para os que não se disci-

-89 -
I CORINTIOS 10: 1-8

plinaram. Para provar a realidade dessa de obter água (cons. Godet, op. cit.,
possibilidade, ele usa a nação de Israel Il, 56). Na verdade, o apóstolo diz,
como ilustração de fracasso, e com e a pedra era Cristo, isto é, era o meio
essa ilustração ele admoesta os corín- visível de fornecer água, a qual em úl-
tios a "tomarem cuidado" para tam- tima análise vinha de Cristo. Uma vez
bém não fracassarem. Israel foi des- que o povo de Israel obteve água nos
qualificado (9.27). primeiros anos de sua peregrinação no
Mas, antes, Paulo tem de enumerar deserto (Êx. 17: 1-9) e nos últimos
as vantagens dos judeus. Todos, repe- (Nm. 20: 1-13), torna-se natural suben-
tido cinco vezes (E.R.C.), enfatiza a uni- tender que Ele, Cristo, o Supridor da
versalidade da bênção divina em Israel, água, esteve com eles durante todo o
e, quando examinada à luz do fato que caminho. O sentido literal de e a pedra
quase todos (exetuando-se Calebe e era Cristo não precisa ser mais forçado
J osué) pereceram, esta seção se liga do que o sentido literal de "Eu sou a
muito intimamente a 9: 24. Ali Paulo videira verdadeira" (10.15: 1). O era
disse: "Não sabeis vós que os que correm em lugar de é, pode, todavia, apontar
no estádio, todos, na verdade, correm, para a preexistência de Cristo (cons.
mas um só leva o prêmio?" Estiveram nCo.8:9; Gl.4:4). Sustento sobre-
todos sob a nuvem aponta para uma natural foi o quinto privilégio de Israel.
orientação sobrenatural e prolongada O paralelo com as duas ordenanças da
(cons. Êx. 13: 21, 22; 14: 19; Mt. 28: Igreja pode ser a intenção do escritor.
20). Passaram pelo mar aponta para um 5. Pode-se pensar que tais privilé-
livramento sobrenatural, o segundo pri- gios significam sucesso. Entretanto,
vilégio (cons. Êx. 14: 15-22; I Pe. 1: é a palavra que introduz o triste contras-
18-20). 2. Tendo sido todos batizados te. Pessoas privilegiadas podem expe-
... com respeito a Moisés, o terceiro rimentar o desagrado divino. Da maio-
privilégio, refere-se à sua união com o ria deles é uma atenuante da verdade;
seu líder, que abaixo de Deus forne- só Calebe e Josué sobreviveram ao de-
cia-lhes a liderança sobrenatural (cons. sagrado. Prostrados poderia ser tra-
bx.14:31; Rm.6:1-1O). 3.Comeram duzido para espalhados, um quadro
de um só manjar espiritual. O comer vivo de um deserto coberto de corpos
do maná, "alimento de anjos" (SI. 78: saciados com alimento e bebida de
25), foi o quarto privilégio da nação. anjos (cons. Nm. 14: 29).
O povo participou de alimento sobre- 6. Em figura (E.R.C.). Provavel-
natural (cons. Êx. 16: 1-36; I Pe. 2: mente a tradução mais correta da pala-
1-3). Espiritual provavelmen te tem o vra grega typoi fosse como exemplo;
sentido de sobrenatural (cons. ICC, pág. não como tipos no sentido técnico
200). (MNT, pág. 131). A primeira razão
4. Beberam da mesma fonte espi- do fracasso de Israel foi porque eles
ritual, um quinto privilégio, refere-se cobiçaram (cons. Nm. 11: 4), preferin-
aos acontecimentos mencionados em do o alimento do mundo, o Egito, em
bX. 17: 1-9 e Nm. 20: 1-13 (cons. Nm. lugar do Senhor, o maná. 7. Eles tam-
21: 16). As palavras de uma pedra bém se tornaram idólatras, a segunda
espiritual que os seguia não significa razão do fracasso (cons. Êx, 32: 1-14,
que Paulo cresse na lenda rabínica de que 30: 35; I Jo. 5: 21). 8. A terceira ra-
uma rocha material seguiu os israelitas zão, imoralidade, é uma referência ao
através de sua viagem e que Miriã, acima incidente envolvendo Israel e as mu-
de todos os outros, possuía o segredo lheres moabitas (cons. Nm.25:1-9).

-90-
I conrsnos 10: 8-21

A imoralidade é sempre a consequencia como anjos, ou como demônios, mas


natural da idolatria (cons. SI. 115: 8). como homens (vs. 1-11). Mas. Melhor
Vinte e três mil não é um engano, em- seria e; o encorajamento continua. Além
bora Moisés escrevesse o número 24.000. das nossas forças. Não acima do que
Deve-se notar o num só dia de Paulo. você pensa poder! O livramento. Li-
Ele se refere àqueles que foram mortos teralmente a saída, adequada e necessá-
pela praga em um só dia, enquanto Moi- ria, Isto não é escape da tentação, nem
sés dá o número daqueles que morreram simplesmente uma esperança de força
mais tarde devido os efeitos. para vencer no futuro, mas um poder
9. Presunção, a quarta razão, foi atual para suportar a tentação (cons.
mencionada com as palavras não po- Hb. 2: 18), uma gloriosa promessa para
nhamos o Senhor à prova (cons, Nm. os que estão sendo duramente provados.
21:4-9; SI. 78: 19); eles se atreveram 14. Portanto. Dioper, uma conjun-
a duvidar que Deus cumprisse a Sua ção forte, usada no N.T. apenas aqui e
promessa de discipliná-los se duvidas- em 8: 13. Ela introduz a aplicação aos
sem da Sua Palavra. Foi o pecado da leitores. Festas religiosas pagãs foram
"suspeita ingrata" (MNT, pág. 132). 10. examinadas em primeiro lugar (10: 14-
Murmureis apresenta a quinta razão 22). Fugi da idolatria. Este manda-
(cons. Nm. 16: 41-5 O), e esta pode ser mento deve surpreender aqueles que
uma gentil alusão paulina à atitude dos se orgulham de sua liberdade, mas Paulo
corfntios para com os seus próprios ordena que usem imediatamente da
líderes espirituais na questão da carne fuga.
sacrificada aos ídolos (os outros quatro 16. Participar de uma mesa religiosa,
motivos podem ser ligados a este pro- quer cristã (vs. 16, 17), judia (v. 18)
blema). ou pagã (vs. 19-21), envolve a comu-
11. Enquanto os acontecimentos fo- nhão com o ser ao qual a adoração está
ram como exemplos, as narrativas dos sendo dirigida. Portanto, um cristão
acontecimentos foram escritas para adver- não deve participar da carne oferecida
tência nossa. Os fins dos séculos (lit.) aos ídolos em uma festa pagã; aí não
refere-se ao término das dispensações se trata de liberdade. A comunhão
antes da presente. Os crentes desta dis- (lit. comunhão, sem o artigo no texto
pensação devem colher os benefícios grego). Participar é tomar parte, de
das precedentes (cons. ICC, pág.207). acordo com Paulo. 17. O apóstolo
12,13. Duas palavras finais concluem explica por que (Porque ... porque) o
a seção admonitória, uma para os segu- participar significa ter uma parte, ou
ros de si, os fortes que não pensam na união com a divindade. 18. O exemplo
consciência dos fracos (v. 12), e outra de Israel confirma a comunhão dos
para os desanimados, que sentem que adoradores com a divindade.
a vida cristã é difícil demais para que 19-21. O exemplo dos festivais gen-
tentem sobreviver às suas provações tios se seguem. Sacrificam a demônios
(v. 13). Pensa estar em pé. Escrito não significa que afinal de contas o ído-
para o homem forte que usa a sua li- lo é uma divindade. Antes, o escritor
berdade às expensas do fraco (8: 9-13). quis dizer que, enquanto os ídolos e
Caia. Não se refere à salvação, mas à as coisas que lhes são sacrificadas nada
disciplina de Deus, ficando assim repro- são, são contudo usadas por poderes
vado (9: 27). Humana é aquela a que demoníacos para afastarem os homens
o homem está sujeito (humana, também do verdadeiro Deus (cons. Dt. 32: 17,
na Vulgata). Deus não trata os crentes 21).

-91-
I CORlNflOS 10: 22-33 - 11: 1

22. Pretendiam os coríntios provocar v.23). Nosso Senhor também "não


zelos no Senhor (Cristo aqui, Jeová em agradou a si mesmo" (Rm. 15: 3). Com
Deuteronômio), desafiando o seu ciúme isto ele climaticamente conclui a dis-
como fizeram os pais? Podem eles cussão. A atitude correta na questão,
despertar a Sua ira impunemente? (MNT, então, é a liberdade, a liberdade do
pág. 136, 137). amor ao Senhor, à verdade e ao irmão.
23. Agora ele passa a examinar a Nem a legalidade, nem a permissividade
questão da carne vendida nos açougues. servem; liberdade condicionada é o prin-
Paulo repete o princípio geral da li- cípio que se deve seguir.
berdade (cons. 6: 12), sujeitando-a ao
princípio do benefício (conveniência) C. O Conselho Referente ao Uso
e edificação. 24. Este é o esforço que do Véu pelas Mulheres nos Cul-
edifica. 25,26. Dá-se aqui permissão tos Públicos. 11: 2-16.
de comer qualquer carne vendida no Nos capítulos 11 a 14 Paulo volta-se
mercado (açougue). Não se deve per- para discutir assuntos que se relacionam
turbar a consciência perguntando a res- especialmente com o culto público da
peito da carne. igreja. A parte dos dons espirituais (12:
27. Finalmente, o apóstolo consi- I - 14: 40) foi escrita em resposta a
dera o caso de jantares particulares uma pergunta da igreja (cons. 12: 1,
em casa de amigos incrédulos. Os cren- peri de). O capítulo que dá início ao
tes podem comer de tudo, sem nada assunto é o resultado de um relatório
perguntar, por motivo de consciência. pessoal (11: 18). A primeira questão
28. Porém se algum "convidado puri- a ser discutida é o véu, ou cobertura,
tano" (MNT, pág. 144) cutucar o crente da cabeça das mulheres, e Paulo orienta
com o cotovelo dizendo: Isto é cousa que cubram as cabeças durante a reunião.
sacrificada a ídolo, então o crente não Ele considerava a inovação dos corín-
deve comer, por causa daquele que vos tios (ao que parece algumas estavam
advertiu. Em outras palavras, o crente presentes às reuniões com as cabeças
deve voluntariamente respeitar a cons- descobertas) como "irreligiosa mais do
ciência mais fraca. A citação do SI. que indecorosa" (MNT, pág. 15O), mos-
24: 1 não se encontra nos melhores trando assim que suas objeções nada
manuscritos. 29,30. Por que. Paulo tinham a ver com os costumes sociais.
explica a atitude. Que bem resultaria (Alguns comentadores apelaram para o
em se comer se a liberdade do indiví- costume social a fim de se livrarem
duo for acusada? Como se poderia dar da decisão de Paulo.) Aqui só está
graças por aquilo que ofende a um em exame o culto. O apóstolo apre-
irmão? senta diversos motivos para defesa do
31. Portanto introduz o princípio que seu ponto de vista.
resume todo o discurso. A glória de 1) O Motivo Teológico. 11: 2-6. Em
Deus é o alvo principal. 32. O bem dos primeiro lugar Paulo faz ver que, na
outros vem a seguir, quer sejam judeus, ordem divina, a mulher está sob o ho-
gentios ou a igreja de Deus (cons. Rm. mem. Isto, naturalmente, não implica
14: 21). Três grupos separados foram em desigualdade de sexos (cons. Gl.
considerados. 33; 11: 1. Paulo con- 3: 28; Ef. 1: 3). Subordinação nem
clui com o seu próprio exemplo e do sempre envolve desigualdade. A posição
Senhor. Agradável não significa bajular, de cabeça não é o mesmo que a posi-
mas fazer aquilo que é para o interesse ção de Senhor. A pista para a posição
dos homens (mesmo radical de convêm, dos sexos se encontra nas últimas pala-

-92-
I CORÍNflOS 11: 1-16

vras de I Co. 11: 3. O homem é a ca- comum, sinal de autoridade. O véu é


beça da mulher como o Pai é a cabeça o sinal da autoridade do homem. A
do Filho. Há quatro ordens na Palavra palavra anjos na expressão por causa
- pessoal, familiar, eclesiástica e gover- dos anjos não se refere aos anciãos (cons.
namental. É preciso distinguir cuidado- Ap. 2: 1. A mesma palavra refere-se a
samen te a verdade relacionada com anjos em I Co. 4: 9). Também não se
cada uma delas. refere aos anjos do mal (cons. Gn.6:
2. Eu vos louvo. Uma palavra gene- 1-4). Refere-se aos anjos bons que
ralizada de louvor, que prepara o cami- estão presentes nos cultos de adoração,
nho para a consideração dos fracassos uma vez que vivem na presença de Deus
particulares. Tradições (E.R.C., pre- (cons. I Co. 4: 9; Lc. 15: 7,10; Ef.
ceitos). Ensinamentos orais. 3:10; ITm.5:21; SI. 138:l). A in-
3. O homem (é) o cabeça da mulher. subordinação das mulheres na recusa
A base teológica para o uso de uma co- de reconhecerem a autoridade dos seus
bertura. A supremacia do homem re- maridos ofenderia os anjos que, sob a
monta a Gn. 3: 16. 4. O homem, tam- orientação de Deus, guardam o uni-
bém, tem uma ordem a seguir; sua pró- verso criado (cons. CI. 1: 16; Ef.1:21),
pria cabeça não deve ser coberta. Os e não conhecem a insubordinação.
homens não devem pregar com seu 11,12. Aqui Paulo apresenta o outro
chapéu na cabeça! 5. Ora ou profetiza lado da verdade. O homem e a mulher
não significa que Paulo aprovasse essas são necessários, um para o outro, no
atividades exercidas pelas mulheres no Senhor; na verdade, o homem deve
culto público. Antes, ele estava sim- sempre se lembrar que ele existe porque
plesmente se referindo ao que aconte- provém da mulher. E ambos de Deus.
cia em Corinto desautorizadamente (cons. 3) A Razão Física. 11: 13-16. A im-
14: 34, 35). Sua própria cabeça. A ca- propriedade, baseada na própria natureza,
beça física da mulher, não o seu marido. é o argumento em prol da cobertura.
6. Rape o cabelo. Uma desgraça para A palavra decente (E.R.C.) refere-se a
uma mulher. Uma ironia de Paulo uma necessidade baseada na proprie-
para os rebeldes. Ele diz: "Torne a dade Última das coisas (cons. Hb.2:
desonra completa, então". 10; Mt. 3: 15). Seria melhor traduzida
2) Razões Bíblicas. 11: 7-12. Os fatos para próprio.
da criação (vs. 7-9, 12, 13) e li presença 14,15. O cabelo curto para os homens
de anjos no culto (v. 10) são trazidos e o cabelo longo para as mulheres é uma
à baila. sugestão divina dentro da natureza
7. Ele (é) (provavelmente, representa, que o homem e a mulher devem obedecer
como no v. 25) imagem e glória de Deus. na sua maneira de vestir dentro da as-
Isto remonta a Gn.l:26,27. O macho sembléia. As palavras o cabelo lhe foi
revela a autoridade de Deus sobre a terra dado em lugar de mantilha não significa
(cons. MNT, pág. 151). 8,9. As duas que o cabelo da mulher é o seu véu e
preposições da e por revelam o lugar da que ela não precisa de outro, um ponto
mulher. Ela tem sua origem e propósito de vista forçado e vicioso de 11: 2-14.
de vida no homem (cons. Gn. 2: 21-25). A expressão em lugar de deveria ser
Toda mulher que, na cerimônia do ca- traduzido para correspondendo ao (cons,
samento, aceita um novo nome, está Ellicott,op. cit., pág. 208).
tacitamente afirmando o ensinamento 16. Não temos tal costume, isto é,
paulino. 10. Autoridade, ou poderio, o costume das mulheres adorarem sem
significa, por uma metonímia fora do o véu. Alguns dizem que o costume

-93 -
I CORÍNTIOS 11: 16-24

era peculiar a Corinto, mas as palavras tidos. Existiam ao que parece por causa
de Paulo, nem as igrejas de Deus, argu- dos ricos que, contrariando o costume,
mentam contra esse ponto de vista. Há consumiam egoisticamente suas provisões
ainda aqueles que insistem que o costu- mais fartas, antes que chegassem todos
me não deve ser aplicado hoje em dia os pobres, para que não precisassem par-
(cons. Morris, op. cit., pág. 156; Barc1ay, tilhar seu alimento, em visível represen-
op. cit., pág.110). Deve-se notar, en- tação da unidade do corpo. 19.Heresias
tretanto, que cada uma das razões apre- (E.R.C.). Partidos, grupos com opiniões
sentadas para o uso do véu foram ex- próprias, é a ênfase e o significado da
traídas de fatos permanentes, que de- palavra. Eles existiam, Paulo observa
vem durar durante toda a presente eco- um tanto resignadamente, para que os
nomia terrena (cons. Gode, op. cit., aprovados (cons. 9: 27; 11: 28) pu-
lI, 133). Paulo impôs seu ponto de dessem ser reconhecidos.
vista, pois a história da igreja primitiva 20. Era uma ceia, mas não a ceia do
comprova que em Roma, Antioquia e Senhor (o adjetivo é enfático); isto é,
África, esse costume tornou-se a norma. não era verdadeiramente uma imitação
Palavra final: Na análise final, o chapéu, da Última Ceia. 21,22. A indignante
ou o véu, não é a coisa importante, mas pergunta, Não tendes, porventura, casas
a subordinação que eles respresentam. onde comer e beber? foi dirigida àqueles
A presença de ambos seria o ideal. que consideravam os ajuntamentos como
D. Conselho Referente à Ceia do simples banquetes sociais e não como
Senhor. 11: 17-34. refeições de comunhão espiritual.
A Ceia do Senhor, o único ato de 2) Revisão de Instruções Anteriores.
adoração para o qual Cristo deu orien- 11: 23-26. O apóstolo justifica sua re-
tação especial, recebe agora a atenção primenda recapitulando o significado real
de Paulo. Está relacionado com à seção e verdadeiro da ordenança, remontando
anterior pelo fato de que ambos os ao ensinamento do próprio Senhor.
assuntos se referem ao culto público. 23. Paulo não podia elogiá-los porque
Ajudará reconstruir a situação se sou- a conduta deles discordava daquela
bermos que na igreja primitiva a Ceia recebida do Senhor. Ele não esclarece
era geralmente precedida por uma re- se recebeu suas instruções diretamente
feição fraternal chamada Agape, ou do Senhor ou através de outra fonte.
Festa do Amor (cons. Judas 12). De- A última eventualidade é mais prová-
sordens ocorridas no Agape desperta- vel.
ram a indignação do apóstolo (vs.17- 24. As palavras tornai, comei (E.R.C.)
22), uma revisão de ensinamentos an- e a palavra partido (E.R.C.), não apa-
teriores (vs. 23-26), e uma severa aplica- recem nos melhores manuscritos. O
ção da verdade à assembléia coríntia (vs. pão é distribuído primeiro, uma vez que
27-34). represen ta a. encarnação. Depois se-
1) A Indignação de Paulo. 11: 17-22. gue-se o vinho, representando a morte
A refeição fraternal era primariamente e o final da velha aliança e o estabeleci-
religiosa, não social. mas abusos a trans- mento da nova. Uma coisa é certa:
formaram em uma farsa infeliz. nas palavras, isto é o meu corpo, Paulo
17. Nisto, refere-se às instruções que não está ensinando a transubstanciação.
se seguem. Suas reuniões eram para O pão certamente não era o corpo do
pior, porque estavam incorrendo a jul- Senhor no momento em que ele o disse,
gamento como resultado das desordens nem o cálice é o novo testamento lite-
(cons. v.29). 18. Divisões. Antes, par- ralmente (v. 25). A palavra é tem o

-94-

, I
I CORíNTIOS 11: 24-34

sentido comum de "representa" (cons. Culpado de pecado contra o corpo e


v.7; Jo. 8: 12; 10: 9; I Co. 10: 4), o sangue. 28. Pois introduz a alternati-
como no alemão, não "das ist", mas va certa, o auto-exame. É preciso que
"das heiszt" (MNT, pág.168). Por haja preparação antes da participação.
vós enfatiza o aspecto sacrificial. Em 29. Pois. O motivo porque o auto-exame,
memória envolve mais do que simples ou a confissão de pecado, deve pre-
lembrança; a palavra sugere uma con- ceder à participação, é que, caso con-
vocação ativa da mente. E a frase de mim trário, o crente torna-se sujeito ao juízo
é mais ampla do que da minha morte. (o significado de krima). Sem discernir
A pessoa que efetuou a obra é o objeto o corpo significa "não avaliando devi-
da lembrança. O imperativo presente damente" (ICC, pág.252; o verbo se
sugere que a constante freqüência da encontra duas vezes no v.31). Isto é,
Ceia do Senhor é uma ordem divina o crente não reconhece a unidade do
(cons. Atos 20: 7). corpo, a Igreja (cons. 10: 16, 17; 11: 20,
25. O Novo Testamento faz o ou- 21). 30. A condenação já viera sobre
vinte lembrar do velho testamento mo- alguns eis a razão - abuso da Mesa do
saico, que só podia condenar. O grego Senhor. Alguns já tinham cometido
diatheke em contraste com o syntheke, pecado para morte e já dormiam (o ver-
a costumeira palavra do V.T. para "alian- bo koimao, dormir, quando se refere
ça", enfatiza a iniciativa de Deus nela. à morte, refere-se sempre à morte de
A nova aliança forneceu uma eficiente crentes; cons. Jo. 11: 11, 12; Atos 7:
remissão de pecados. No meu sangue 60; ICo.15:6,18,20,51; ITs.4:
aponta para a esfera e base das bênçãos 13,14,15; I1Pe.3:4). Esses crentes
da aliança. A tradução sugestiva de não perderam sua salvação, mas perde-
Barclay é: "Este cálice é a nova aliança ram o privilégio de servir sobre a terra.
e ela custou o meu sangue" (op. cit., 31. O preventivo é se nos julgásse-
pág. 114). A repetição do em memó- mos a nós mesmos devidamente. 32. Mes-
ria de mim destina-se aos coríntios mo o juízo de Deus não é eterno; tem
desordeiros; eles deviam aprender que a intenção da disciplina familiar, disci-
comunhão com Cristo, não alimento, plinados pelo Senhor, para evitar a con-
era a coisa importante na Ceia. denação com o mundo. Aqui Paulo
26. Porque introduz o motivo da usa a forte palavra katakrino, que sig-
Ceia precisar ser continuamente re- nifica condenação eterna. 33. Assim,
petida. Ela é um sermão objetivo, pois pois. Segue-se uma palavra de con-
por meio dela anunciais a morte do clusão, um apelo prático aos coríntios
Senhor (mostrais). A Ceia descortina para que se lembrem da unidade do
dois quadros, passado e futuro, uma vez corpo em sua observância da festa. 34.
que deve ser realizada até que ele venha Condenação (E.R.C.) não está certo.
(cons. Me 26: 29). Leia-se, antes, juízo (a palavra é krima
3) A Aplicação aos Coríntios. 11: 27- novamente, como no v. 29). Quanto
34. Agora Paulo aplica o ensinamento às demais cousas relacionadas com a
aos crentes desordeiros. Ceia do Senhor, diz Paulo, ele as resol-
27. Por isso introduz a aplicação, veria quando de sua visita.
conseqüência da instrução. Indigna-
mente não se refere à pessoa daquele E. Conselho Referente aos Dons Espi-
que participa, mas à maneira pela qual rituais. 12: 1 - 14: 40.
participa. Todos são indignos sempre. Com o familiar peri de, Paulo men-
Réu do corpo e do sangue do Senhor. ciona outra pergunta feita pelos corín-

-95 -
I CORINflOS 12: 1-9

tios. O novo assunto, dons espirituais, Corinthian Letters of Paul, pág.145,


liga-se entretanto, com a seção prece- 146). A palavra dons no versículo 4,
dente por se tratar do culto público. como também as palavras de Paulo em
É importante distinguir dons espirituais 14: 1 (note-se o gênero neutro), forne-
de graças espirituais ou ofícios espiri- cem o complemento da palavra dons.
tuais. Graças espirituais são qualidades 2,3. Por isso, por causa de sua necessi-
do caráter espiritual. Cada crente é dade de instrução, eles deviam compreen-
responsável pelo desenvolvimento de der que ninguém que fala pelo Espí-
todas elas (cons. Gl. 5: 22,23). Ofícios rito de Deus afirma: Anátema Jesus! (o
espirituais são posições dentro da igreja critério negativo), por outro lado, nin-
para a administração dos seus negócios, guém pode dizer: Senhor Jesus! senão
quer seja uma administração espiritual pelo Espírito Santo (o critério positi-
do rebanho (anciãos), quer seja uma vo). O apóstolo, é claro, refere-se à
administração espiritual das coisas tem- pronunciamentos que vêm do coração
porárias (diáconos; cons. I Tm. 3: 1-13). (cons. Mt. 26: 22,25).
Só alguns crentes têm ofícios espiri- 2) A Unidade dos Dons. 12:4-1l.
tuais. Os dons espirituais são capaci- Depois de pequeno comentário, Paulo
tações divinas relacionadas com o culto examina primeiro a unidade dos dons,
na igreja local, oficial e extra-oficial. uma unidade de fonte e propósito.
Cada crente possui um dom espiritual, 4-6. Dons. O grego karismaton com
mas nem todos os crentes possuem o a palavra karis, "graça", tem sido tra-
mesmo dom (cons. I Co. 12: 4-11). A duzido para dons da graça com bastante
igreja em Corinto, certamente não era propriedade. A palavra foi usada aqui
uma igreja morta, estava em perigo de no sentido técnico dos dons espirituais.
abusar dos seus privilégios com uma Do ponto de vista 1) do Espírito, são
super ênfase sobre alguns desses dons dons; 2) do Senhor, serviços ou minis-
espetaculares. O apóstolo apresenta térios prestados à assembléia; 3) do Pai,
primeiro a unidade e a diversidade dos realizações, ou obras sobrenaturais. 7.
dons (12: 1-31a), depois a primazia do Concedida a cada um distingue o dom
amor na procura dos dons (12: 31b - do ofício (cons. I Pe. 4: 10).
13: 13), e finalmente a avaliação e regu- 8-10. Alguns dos dons estão rela-
lamentação no exercício dos dons de cionados logo a seguir. 8. A palavra de
profecia e línguas (14: 1-40). sabedoria, provavelmente um dom tempo-
1) A Validade do Pronunciamento. 12: rário como o apostolado, estava rela-
1-3. Paulo dá à igreja uma palavra de cionado com a comunicação da sabe-
admoestação, em primeiro lugar, para doria espiritual, tal como contida nas
ajudá-la a determinar os pronunciamentos Epístolas. Foi necessária antigamente
genuinamente espirituais. Os antece- quando a igreja não possuía o N.T. A
dentes pagãos dos coríntios não lhes palavra do conhecimento relacionava-se
adiantariam nada nesse assunto. com a verdade de caráter mais prático
1. Dons espiritu ais (li 1. coisas espi- as partes práticas das Epístolas); também
rituais) não se refere aos homens espi- foi um dom temporário. A Palavra de
rituais (cons. F.W. Grosheide, Comen- Deus agora é suficiente. 9. A fé. Não de
tary on the First Epistle to the Corin- ve ser confundida com a fé salvadora,
thians, pág. 278, embora o próprio que todo crente possui. Esta é a fé que
Grosheide não adotasse este ponto se manifesta em situações especiais,
de vista); nem também simplesmente onde a fé torna-se necessária para a rea-
a espirituais (G. Campbell Morgan, The lização de alguma coisa (cons. 13: 2).

-96-
I CORINTIOS 12: 9-24

A fé de George Müller, ou a de Hudson [armando um corpo. Em um só Espí-


Taylor, serviriam de exemplos. Dons rito (lit.; cons. Mt. 3: 11; Lc. 3: 16; Atos
de curar. Não deve ser confundido com 1: 5) expressa a esfera da união efetuada
a obra dos que hoje proclamam curar. pelo batismo. Um corpo é o fim para
O dom de curar fornecia restauração de o qual o ato foi dirigido (cons. ICC,
vida, que está além do poder dos "curan- pág. 272). O tempo aoristo em bati-
deiros divinos" (cons. Atos 9:40; 20: 9). zados claramente indica que a ação é
A Palavra ensina cura divina de acordo um ato passado, verdadeiro para com
com um padrão (cons. Tg. 5: 14, 15); todos os crentes (até mesmo os carnais
ela não apresenta "curandeiros divinos". coríntios; cons. I Co. 3: 1-3), que jamais
1O. A profecia. O dom de predizer e deverá ser repetido. Na verdade, o ba-
proclamar uma nova relação de Deus tismo que une a Cristo não deve ser
também foi temporário, necessário buscado; já foi realizado de uma vez
enquanto o cânon não estava completo. por todas. Como conseqüência dessa
Agora não há mais necessidade de ne- união com Cristo, os crentes todos
nhum acréscimo; a proclamação e o en- beberam de um só Espírito. União
sinamento da revelação completa é ta- com ele envolve necessariamente a ha-
refa da igreja hoje em dia. Discerni- bitação do Espírito.
mento de espíritos hoje é feito pelo 14-20. A ilustração do corpo está
Espírito através da Palavra. Línguas e desenvolvida nestes versículos, com ên-
capacidade para in terpretá-las foram tem- fase sobre a diversidade dos membros,
porários (veja comentário abaixo), rela- por causa dos aparentementes infe-
cionando-se com línguas conhecidas e não riores, que achavam que seus dons não
pronunciamentos estáticos, embora a eram importantes. O pensamento chave
questão do falar em línguas seja dis- é: O corpo não é um só membro, mas
cutível. muitos (v. 14), e os membros foram co-
11. Como lhe aprazo O Espírito é locados no corpo, cada um deles como
o despenseiro soberano dos dons. As lhe aprouve (v. 18). Assim, os aparen-
palavras são uma chave para a seção temente inferiores não deviam invejar
seguinte, mostrando que aqueles que os aparentemente superiores.
aparentemente são mais favorecidos com 21-24. O relacionamento de depen-
os dons não têm nenhum mérito próprio dência dos membros é conspícuo. Mem-
neles, e os que são menos favorecidos bros aparentemente superiores (tendo
não são menos importantes (cons. Godet, os dons mais espetaculares) não deviam
op. cit., 11, 206). desdenhar os aparentemente inferiores.
3) A Diversidade dos Dons. 12: 12- Na verdade, Paulo diz, os membros do
31a. Usando a ilustração do corpo hu- corpo que parecem ser os mais fracos
mano, Paulo descreve o relacionamento merecem mais atenção (pelo uso da
entre os crentes que possuem dons, roupa), e de acordo com esta analogia,
entre si e com Cristo na Igreja, o Seu os aparentemente inferiores podem es-
corpo. perar de Deus essa mesma igualação
12. Porque introduz a explicação da de dignidade dentro do corpo, a Igreja.
unidade na diversidade e da diversidade Na verdade, é justamente o que Deus tem
na unidade dos crentes no corpo. Que feito, pois Ele coordenou o corpo. Coor-
Cristo dá o seu nome ao corpo vê-se denou refere-se à mistura de dois ele-
nas palavras assim também com respeito mentos para transformá-los em um só
a Cristo (lit. o Cristo). 13. Pois dá a composto, tal como o vinho e a água
razão da união, o batismo do Espírito (A-S, pág. 245). O corpo é uma uni-

-97 -
I CORÍNTIOS 12: 25-31 - 13: 1-3

dade. caminho (tropas) no sentido de "manei-


25. Para que. O propósito da uni- ra", e a declaração de 14: 1, indicam
dade é (negativamente) para que não que Paulo está, antes, apontando para
haja divisão (cons. 1: 10; 11: 18), no um tipo de vida superior à vida gasta
corpo; e (positivamente) para que coope- na procura e exibição dos dons espi-
rem os membros , com igual cuidado, rituais. Num certo sentido, então, há
em favor uns dos outros. 26. Os resul- um parêntese no argumento, mas in-
tados naturais da união perfeita dos timamente relacionado com ele. O pen-
membros são sofrimento e o regozijo samento é este: Quando vocês exerci-
mútuo. tarem os dons, tenham a certeza de com-
27. O corpo de Cristo Oito corpo preender o seu devido lugar no esquema
de Cristo, sem artigo definido) não se geral das coisas. O amor é a coisa mais
refere à igreja local de Corinto, pois importante (31 b - 13: 3), contendo no-
não existem muitos corpos, um pen- bres propriedades (vs. 4-7), e ele perma-
samento contrário ao contexto. Antes, nece para sempre (vs.8-13). Ele for-
ele aponta para a qualidade do todo, nece a resposta para a velha pergunta -
o qual cada um deles individualmente O que é o summum bonum?
ajuda a constituir (ICC, pág.277). 28. 1. As línguas dos homens e dos anjos.
Uma lista mais completa dos dons, in- Provavelmente o dom de línguas. Cari-
cluindo alguns que não se encontram dade (E.R.C.). Antes, amor, mas é um
nos versículos 4-11. Primeiramente, amor que inclui caridade! Bronze que
em segundo lugar, e em terceiro refere-se soa (MNT, um gongo barulhento). O que
à hierarquia, mas depois e depois prova- Paulo quer dizer é que o poder da ex-
velmente não. pressão não fica determinado pela dicção,
29,30. As perguntas fazem o leitor fraseologia e estilo; ele fica determinado
voltar a 12: 14,27. E nesses versículos pela profundidade do coração 2. O após-
Paulo dá um golpe mortal na teoria de tolo sobe das línguas para a profecia,
que falar em línguas seja um sinal de ciência e fé (cons. 12: 8-10). O amor
posse do Espírito, pois a resposta "não" é maior do que a fé, porque o fim é
é a que se espera de cada pergunta (cons. maior do que os meios (cons. Lc. 9:
grego). 31. Os melhores dons (lit., os 54). Nada. "Não oudeys, ninguém,
maiores dons) referem-se ao ensino, so- mas um zero absoluto" (A.T. Robertson,
corros, etc. Línguas foram significati- op. cit., IV, 177).
vamente colocadas no final da lista. 3. O pensamento vai dos dons para
Este significado inferior das línguas os atos que parecem ser a expressão do
Paulo vai examinar no capítulo 14. amor, um grande ato de filantropia e
Enquanto isso, ele diz que vai descre- um ato de martírio. Em lugar de ser
ver uma busca que é muito mais im- queimado, muitos dos melhores ma-
portante do que a busca de qualquer nuscritos dizem, para poder me gloriar.
dom espiritual. Mas no todo parece que a nossa versão
4) A Primazia do Amor sobre os tem a tradução genuína. Talvez seja
Dons. 12: 31b - 13: 13. A última cláu- uma alusão ao indiano, Zarmano-chegas,
sula do capítulo 12 tem sido mal inter- que se queimou publicamente sobre
pretada. Muitos acham que Paulo aqui uma pira funerária e tinha esta inscrição
está mostrando como os dons são mi- no seu monumento em Atenas, "Zar-
nistrados, isto é, em amor. Entretanto, mano-chegas, um indiano de Bargosa,
o uso da palavra caminho (hodos) no que de acordo com os costumes tra-
sentido de "uma estrada" em lugar de dicionais da IÍ1dia, tornou-se imortal

-98-
I CORI~TIOS 13: 3-11

e jaz aqui" (Barclay, op. cit., pág.132). está evidente que Moffatt tinha razão
Tal exibicionismo não passa de egoís- ao dizer: "O poema lírico, assim, trans-
mo. O espírito do ego pode ser intro- formou-se em um bisturi". Paulo estava
duzido nos maiores atos humanos. Nada penetrando na ferida aberta do pecado
disso me aproveitará. da igreja de Corinto com esta linda des-
4-7. Uma descrição da natureza do crição da única coisa, o amor, que pode-
amor, com suas nobres propriedades, ria resolver todos os problemas dos cren-
é o que se segue. Pode-se quase dizer tes.
que aqui o amor foi personificado, uma 8-13. Nos versículos restantes expli-
vez que a descrição é praticamente uma ca-se a permanência do amor. O amor,
descrição da vida e caráter de Jesus Cris- diferindo dos dons de profecia, línguas
to. Entretanto, o quadro está direta- e ciência, nunca falha, nem cessa sua
mente relacionado com os coríntios. atividade. O ponto principal do versí-
A observância das verdades deste capí- culo 8 é que virá um tempo quando os
tulo, conforme será notado nos comen- dons mencionados deixarão de existir.
tários seguintes, resolveria seus pro- 9. Porque introduz a explicação do
blemas. O amor é paciente, é benigno por que os dons desaparecerão. Virá
pode ser uma declaração que resume um tempo de ciência e profecia perfei-
toda a seção, com as oito qualidades tas. 10. O que é perfeito não pode ser
seguintes relacionadas com a paciência uma referência à conclusão do cânon
e as quatro seguintes com a benignidade. das Escrituras; nesse caso, nós hoje em
Não arde em ciúmes (MNT, não conhece dia, vivendo na dispensação do cânon
o ciúme) relaciona-se com a atitude completo, entenderíamos com mais cla-
dos irmãos que achavam que seus dons reza do que Paulo (v. 9). Até mesmo o
eram inferiores (12: 14-17). O amor mais convencido e dogmático dos teó-
resolveria este problema. Não se ufana. logos dificilmente admitiria tal coisa.
Literalmente, não é gabola. Isto se rela- A vinda daquilo que é perfeito só pode
ciona com 12: 21-26. Não se ensober- ser uma referência à segunda vinda do
bece aponta claramente para a introdu- Senhor. Esse acontecimento marcará
ção deste livro (1: 10 - 4: 21). o fim do exercício da profecia, das
5. As palavras não se conduz incon- línguas e da ciência. Como se pode
venientemente claramente se relaciona então, falar desses dons como sendo
com diversas partes do livro (cons. temporários? O versículo seguinte res-
7:36; 11:2-16,17-34). Não procura ponderá a pergunta.
os seus interesses seria a resposta ao pro- 11. É extremamente importante para
blema das carnes sacrificadas aos ídolos se compreender o pensamento de Paulo
(cons. 8: 1 - 11: 1). Não se exaspera. que se observa na forma da ilustração
Esta qualidade do amor resolveria o pro- que ele introduz nesta altura. A ilustra-
blema dos processos legais (cons. 6: 1-11). ção tem a intenção de mostrar o caráter
Não se ressente do mal. Ou, não cons- do período entre as duas vindas de Cristo.
pira o mal. 6. Não se alegra com a in- Com referência a esses dons em parti-
justiça sugere o problema da imoralidade cular, ela pode ser comparada ao cres-
e falta de disciplina em 5: 1-13. cimento de uma pessoa, da infância à
7. Tudo crê não inclui credulidade. idade adulta. Os dons especiais e espe-
Quer dizer, antes, que o crente não deve taculares eram necessários nos primór-
ser desconfiado. Se, contudo, o pecado dios do crescimento da verdadeira igreja
está evidente, o crente deve julgá-lo e (cons. Ef. 4: 7-16), com propósitos de au-
discipliná-lo. Desta descrição do amor, tenticação (cons. Hb. 2: 3,4) e edifi-

-99 -
I CORÍNTIOS 13: 11-13

cação (I Co. 14: 3), quando não havia transforma em visao e a esperança em
N.T. para dar luz. Eles eram o "balbu- posse. Essas duas virtudes, portanto,
ciar" da igreja. Conforme a história permanecem para viver incessantemente"
tem comprovado com abundância, com (op. cito Il, 261). O amor é a maior
a vinda da Palavra e o amadurecimento das forças do universo, e a sua fonte
da igreja, deixou de haver necessidade verdadeira e expressão mais definida
desses dons. É duvidoso que hoje em dia é o Gólgota. Sob o impulso desse amor
haja, em algum lugar, o exercício bí- não se pode deixar de cantar, com ado-
blico desses três dons mencionados por ração:
Paulo nesta passagem. (Eu) falava (lit. O mundo inteiro não será
costumava falar) possivelmente se refere Presente digno do Senhor
às línguas especificamente, sentia à pro- Amor tão grande e sem igual,
fecia, e pensava à ciência. Entretanto, Em troca exige o meu amor.
ninguém pode ser dogmático quanto 5) A Superioridade da Profecia e o
a isso. Desisti das cousas próprias de Culto Público na Igreja. 14: 1-36. Ao
menino (lit. eu já acabei, o tempo per- que parece havia uma causa principal
feito enfatizando os resultados da ação) para as desordens na igreja, a qual en-
depende em última análise da vinda volvia o uso inadequado do dom de
daquele que é o perfeito (v. 10). línguas. O apóstolo resolve o assunto
12. Porque. Paulo explica que o neste capítulo. Ele afirma a superio-
tempo presente é o estágio infantil. ridade da profecia sobre as línguas (vs.
Agora pode ser traduzido para no mo- 1-25), depois acrescenta a orientação
mento presente (a palavra arti geralmen- para o exercício dos dons (vs. 26-33)
te se refere ao tempo presente em con- e para a regulamentação da participa-
traste com o passado ou tempo futuro). ção das mulheres nas reuniões das assem-
À luz do fato que os coríntios viam bléias (vs.34-36). Segue-se um resumo
em espelho, obscuramente e em parte e uma conclusão (vs. 37-40).
através do exercício dos dons, por que Ninguém que tenha investigado a na-
deveriam se gloriar tanto naquilo que tureza do dom de línguas poderia ser
era fragmentário? dogmático no assunto. A presente
13. Agora (nuni refere-se ao tempo exposição deste capítulo segue a opi-
generalizadamente sem referência a qual- nião que o dom de línguas era a capa-
quer outro tempo, mas aqui ele pode cidade de falar em línguas conhecidas,
bem ser lógico e não temporal, sendo não uma fala estática. (E.R.C. estranha,
traduzido para deste modo, pois). Perma- não aparece no texto grego, o qual diz
necem a fé, a esperança e o amor. Essas simplesmente lingua.i Muitos comentado-
virtudes sobrevivem aos dons, e con- res modernos adotam a opinião de que o
seqüentemente, devem ser cultivados com dom envolvia a fala estática (cons. MNT,
mais dedicação. Não é verdade que "a pág. 206-225; Morris, op. cit., pág. 172,
fé se desfaz à vista, e a esperança acaba 173,190-198). Há certos fatores, en-
com o deleite", pois ambas permanecem tretanto, que lançam alguma dúvida
eternamente. Como a fé e a esperança sobre a exatidão desta interpretação.
permanecerão? Godet acertou o seu sig- Em primeiro lugar, parece claro que
nificado: "A essência permanente da o falar em línguas registrado em Atos
criatura é que nada possui de próprio, foi em línguas conhecidas (cons. Atos 2:
sendo eternamente desamparada e po- 4,8,11). À vista de que Lucas foi um
bre ... Não é de uma vez, mas conti- companheiro íntimo de Paulo (ele pode
nuamente, na eternidade, que a fé se até mesmo ter estado em Corinto) e ter

-100-
I CORINTIOS 13: 13 - 14: 1-15

escrito o livro de Atos depois da cor- 31b-13:13, com vistas à mudança


respondência com Corinto, deveria lhe de assunto. Segui (lit. buscai) é mais
parecer lógico observar a distinção forte do que desejai. Ao que parece,
entre o fenômeno de Atos e de Corinto, segundo esta declaração, embora os dons
se ela existisse. Em outras palavras, espirituais sejam soberanamente conce-
I Coríntios deveria ser interpretado se- didos, eles não são necessariamente ga-
gundo Atos, o desconhecido pelo conhe- rantidos a cada pessoa no momento da
cido, um bom princípio de hermenêu- conversão. Principalmente aponta para
tica. Além disso, a terminologia de Paulo a avaliação que Paulo faz da profecia
é idêntica a de Lucas em Atos, embora em contraste com as línguas. Falar em
Lucas defina melhor a sua terminologia. línguas não edifica (vs.2-5), não traz
Paulo usa a palavra grega glossa, signifi- benefício sem interpretação (vs.6-15);
cando língua; Lucas usa esta palavra na verdade, apenas inebria (vs.16-19).
e ainda a define melhor como sendo um 2. Outra língua (lit. uma língua). As
dialektos (Atos 1: 19; 2: 6, 8; 21: 40; palavras ninguém o entende refere-se
22: 2; 26: 14), uma palavra que em todos ao falar em línguas sem intérprete.
os casos se refere à Iíngua de uma nação 3-5. A avaliação do apóstolo é explí-
ou região (cons. Amdt pág.184). É cita. A profecia é maior do que as
bastante inverossímel que os fenômenos Iínguas, salvo se as interpretar. No caso
descritos pelos dois escritores em termos de interpretação, o falar em línguas
idênticos, sejam diferentes. assume praticamente o caráter de pro-
Finalmente, a intenção do dom era fecia. (Seria esse o motivo de estarem
que fosse um sinal para os judeus (I Co. geralmente juntos em Atos? Cons. Atos
14: 21, 22), conforme profetizado no 10:46; 19:6.)
V.T. (cons. Is. 28: 11), como também 6-15. A inutilidade das Iínguas sem
uma sugestão referente ao método do interpretação, Paulo as ilustra com fatos
cumprimento da ordem dada em Atos extraídos da vida. Revelação precede
1: 8. No Pentecostes foi inaugurada a a profecia e a ciên~ia precede a doutrina
obra do Espírito, a qual reverteria a mal- (lit. ensinamentos).
dição de Babel (cons. Gn. 11: 1-9), quan- 7. Sons '" distintos são necessários
do aconteceu a confusão das Iínguas na música e no falar; caso contrário
(conhecidas). Assim, o dom tinha dois ninguém entende. 9. Assim vós introduz
gumes. Era um sinal para despertar os a aplicação da ilustração. 10,11. Uma
judeus (em todos os casos da ocorrência outra ilustração no reino das línguas;
do dom, em Atos, os judeus estavam e o ponto de destaque é, "a fala é inú-
presentes; cons. Atos 2:4 e segs.; 8: til ao ouvinte, se ele não a entende"
17,18; 10:46; 19:6), e um sinal da (ICC, pág.31O). 12. Assim também
obra de Deus que reuniria os redimidos vós introduz a conclusão do argumento
sob a bandeira do Rei Messias no seu extraído das ilustrações. A edificação
reino vindouro. Introduzindo línguas é o alvo dos dons espirituais.
estáticas no quadro só introduziríamos 13,14. Aquele que tem o dom de
a confusão sob diversos aspectos. Pon- Iínguas deve orar pedindo o dom da
tos adicionais para sustentar a tese de interpretação. Caso contrário, o meu
que as línguas foram l ínguas conhecidas espírito ora de fato, mas a minha mente
são apresentados na exposição da seção. fica infrutífera. Isto é, não colhe ne-
1. O versículo introdutório, que não nhum fruto da compreensão dos ouvintes.
contém nenhuma partícula conectiva, é 15. Também orarei com a mente significa
uma reafirmação do conteúdo de 12: orar de modo que hl!i a fruto na com-

-101-
I CORÍNTIOS 14: 15·29

preensão dos ouvintes, como indicam os os de fora, indicando a superioridade


versículos seguintes. Falar de maneira da profecia. Não há nenhuma contra-
inteligível é o essencial. 16. O indouto dição nesta passagem com 14: 22, como
provavelmente se refere àquele que não pode parecer à primeira vista (as línguas
tem o dom de línguas ou interpretação, não egudam o incrédulo, quando a pro-
ou talvez àquele que não passa de um fecia parece egudá-lo). No úl rimo ver-
interessado (cons. F.F. Bruce, Comen- sículo, trata-se de indivíduos que ou-
tary on the Book of the Acts, pág. 102; viram e rejeitaram a verdade, conforme
Morris, op. cit., pág. 195,196). Refe- prova a comparação com os israelitas
re-se ao povo em geral. rebeldes, enquanto que nos versículos
18,19. A referência de Paulo é clara. seguintes trata-se de ouvintes que es-
Por mais que ele use línguas fora da as- tão ouvindo a mensagem pela primeira
sembléia (publicamente ou em particu- vez (ICC, pág. 319). A profecia conduz
lar), na igreja (enfático no grego) ele a convicção da condição de pecado
devia falar com en tendimen to para ins- da pessoa, ao julgamento (lit. exami-
truir outros. nado) e à manifestação dos segredos
20-25. Paulo mostrou a superioridade do coração. O resultado é que adorará
da profecia para os de dentro, e agora a Deus, o verdadeiro objetivo de todo
ele discute sua superioridade para os ministério (cons. Mt, 14: 33).
de fora. 26-33. Aqui se dão instruções sobre
21,22. O apóstolo introduz uma cita- o exercício dos dons. A seção é impor-
ção livre da lei (a lei aqui se refere ao tante porque é "a mais íntima visão que
V.T.) para mostrar que as línguas ti- temos dos cultos da igreja primitiva"
nham a intenção de ser um sinal da pre- (Morris, op. cit., pág. 198, 199). Que
sença de Deus com outros além dos contraste encontra-se aqui com os cultos
judeus. Em Is. 28: 11, 12, o lugar da formais e inflexíveis que prevalecem
citação, os assírios são mencionados entre a maior parte do Cristianismo de
como homens de outra língua. Assim, hoje! Barclay, comentando esta liber-
o dom se destina em primeiro lugar dade e informalidade, destaca dois fatos
aos incrédulos. Em Atos este dom foi que emergem aqui. Primeiro, "Está
mencionado quatro vezes (o "vendo" claro que a igreja primitiva não tinha
de Atos 8: 18 parece sugerir que houve ministério profissional" (op. cit., pág.
um sinal exterior em Samaria), e em 149). Segundo, no culto propriamente
todos os casos os judeus estavam presen- dito "não havia nenhuma ordem esta-
tes. Era intenção de Deus indicar a belecida" tibid., pág. 150). Os crentes
este grupo incrédulo que Ele estava com primitivos não iam aos cultos para ouvir
o novo movimento. Está bastante claro um sermão de um homem ou simples-
que línguas conhecidas, tais como foram mente para receber; iam para dar. Muito
faladas em Pentecostes eram os únicos se tem perdido com a renúncia de tais
sinais adequados para os judeus difí- privilégios.
ceis de ser convencidos. A linguagem 26,27. Cada um de vós (E.R.C.)
estática tem muitas explicações natu- aponta para a livre participação, mas
rais, mas nenhuma delas é o fato his- como essa liberdade poderia levar à de-
tórico de que grupos não-cristãos te- sordem, Paulo aconselha, Seja tudo
nham freqüentemente falado assim feito para edificação. O falar deverá
(MNT, pág. 208, 209). ser sucessivamente. 28,29. As línguas
23-25. Paulo descreve os diferentes não deviam ser faladas a não ser que
efeitos das línguas e da profecia sobre um intérprete estivesse presente, e quan-

-102 -
I CORíNTIOS 14: 29-40 - 15: 1-2

do muito só três deviam participar. surreição do corpo. Para eles a ressur-


Ao que parece a orientação para a pro- reição do corpo era coisa inimaginável
fecia era mais amena. 32,33. Os im- devido ao fato de que consideravam o
pulsos proféticos estavam sujeitos aos corpo como a fonte da fraqueza e pe-
próprios profetas, isto é, àqueles que cado humanos. A morte, portanto, era
enunciavam as profecias. O autocon- bem-vinda, uma vez que através dela
trole deve sempre estar presente; caso a alma seria libertada do corpo; mas a
contrário, resultaria em confusão. ressurreição não era bem-vinda, porque
34,35. Uma palavra para as mu- isto constituiria outra descida da alma
lheres foi inserida aqui, possivelmente à sepultura do corpo. Foi esse o ceti-
porque houvesse uma intrusão não cismo que Paulo enfrentou em Atenas
autorizada de algumas nos cultos da (cons. Atos 17: 31, 32) e que o cristão
igreja. Elas deviam ficar caladas (cons. enfrenta no mundo moderno. James
I Tm. 2: 12). Mesmo se, como pensam S. Stewart, Professor do Novo Testa-
alguns, as mulheres tinham permissão mento na Universidade de Edimburgo,
de orar e profetizar na igreja primiti- expôs sucintamente o eterno conflito:
va (cons, 11: 5, embora deva-se lembrar "Há vinte séculos que as risadas do
que a profecia foi um dom temporário), Areópago continuam ecoando".
outra manifestação não era permitida. 1) A Certeza da Ressurreição. 15: 1-
Paulo nada diz sobre as solteironas que 34. O problema de Corinto dentro da
não têm em casa seus próprios mari- igreja cristã. Os crentes tinham aceitado
dos! a ressurreição, pelo menos a de Cristo;
36. O apóstolo dá uma resposta mas sob a influência da filosofia grega,
indignada à sugestão implícita de que alguns duvidavam da ressurreição fí-
Corinto tivesse direito de ser diferente sica dos cristãos. Portanto, o apóstolo
das outras igrejas. Os crentes conntios escreveu combatendo a fraqueza dou-
não eram diferentes em autoridade trinária. Seu método era positivamente
e posição. claro. Primeiro ele examina a certeza
6) A Conclusão. 14: 37-40. Um re- da ressurreição, desenvolvendo a ne-
sumo e uma conclusão, começando com cessária conexão entre a ressurreição
uma forte declaração de autoridade. de Cristo e a dos crentes (vs. 1-34).
38. Será ignorado. O ignorante das Continua depois com um exame de cer-
palavras de Paulo devia ser abandonado tas objeções (vs.35·57). E depois
em sua condição. A tradução correta, conclui com um apelo (v. 58).
entretanto, poderia ser, que seja igno- 1,2. Irmãos (E.R.C.) introduz o novo
rado, isto é, por Deus (com base em uma assunto, a ressurreição, uma parte inte-
diferente tradução de bons manuscri- gral do evangelho. Sois salvos (gr., tem-
tos). 40. Decência pode se referir ao po presen te) pode se referir à salvação
comportamento das mulheres e à ob- contínua do poder do pecado nas vidas
servância da Ceia do Senhor (11: 2-34) dos crentes, ou pode se referir à salvação
e com ordem pode se referir aos dons diária dos habitantes de Corinto con-
espirituais (12: 1 - 14: 40). forme recebiam a mensagem e se filia-
F. O Conselho Referente à Doutrina vam à igreja de Jesus Cristo. Crido em
da Ressurreição. 15: l-58. vão não indica perda de salvação como
Iniciando este capítulo seria melhor possibilidade. O apóstolo quer dizer,
ter um conceito do modo de vida grego. ou, que a fé que não persevera, não
Em geral os gregos criam na imortali- é fé salvadora; ou, que a fé acomodada
dade da alma, mas não aceitavam a res- em uma ressurreição implícita do Mes-

-103 -
I CORÍNTIOS 15: 2-15

sias seria sem base, se a mensagem da tempo (lit.) não se refere às zombarias
ressurreição de Cristo não fosse verda- dos seus inimigos, nem ao fato dele
deira. A última interpretação é pro- ter vindo a Cristo antes de Sua nação,
vavelmente a correta. Se Cristo não Israel, a qual virá a Cristo no futuro
fosse crucificado e ressuscitado, a sal- (cons. Rm. 11: 1-36). O porque do ver-
vação seria impossível. sículo seguinte explica. Paulo se con-
3,4. Antes de tudo (lit. entre as pri- sidera, comparado com os outros após-
meiras coisas) refere-se à importância, tolos, como uma criança abortiva que se-
não ao tempo. A substância da mensa- ria olhada entre crianças perfeitamente
gem de Paulo está contida nos quatro formadas, porque ele foi elevado do seu
ques (E.R.C.) depois da palavra recebi, papel de perseguidor ao de apóstolo.
e eles incluem a morte de Cristo, Seu Os outros responderam ao chamado
sepul tamento, ressurreição e aparições. amoroso do Salvador, mas o chamado
Essas coisas formam o Evangelho. Pelos de Paulo na Estrada de Damasco quase
nossos pecados, segundo as Escrituras teve o elemento da força em si. Portan-
deve ser entendido à luz de passagens to, ele magnifica a graça de Deus que
tais como Isaías 53. A preposição pelos veio a ele (cons. Ef.3:8; ITm.l: 15).
(gr, hyper, que os modernos gramáticos 10. Trabalhei muito mais do que
atualmente reconhecem, pode indicar todos eles tem sentido ambíguo. Pode
substituição) sugere Sua morte em nosso se referir aos outros apóstolos indivi-
lugar. A palavra sepultado, a única dualmente ou coletivamente. O últi-
referência ao Seu sepultamento fora mo deve ser o certo, pois a história pa-
dos Evangelhos, com exceção das Pa- rece apoiá-lo mais neste caso. Sob ne-
lavras de Paulo em Atos 13: 29 (cons. nhuma circunstância o apóstolo enfa-
Atos 2: 29), destrói a fraca teoria da tiza que tenha crédito pessoal por causa
síncope de nosso Senhor. Ele realmen- disso. 11. Assim pregamos liga a Ressur-
te morreu. E naturalmente isso conduz reição com a mensagem apostólica.
à sepultura vazia, uma testemunha da E assim crestes liga os coríntios com a
Ressurreição que jamais foi eficiente- fé na ressurreição de Cristo. Tomando
mente refutada. Ressuscitou, um tempo a fé deles na ressurreição do Senhor co-
perfeito, implica em resultados perma- mo ponto de partida, Paulo prova agora
nentes. (Em relação ao problema de que isto logicamente envolve a fé na
tradução à vista da frase que define o ressurreição física de todos os outros,
tempo, terceiro dia, veja James Hope que estão nele (vs. 12-19).
Moulton's A Grammar of New Testa- 12,13. O fato da ressurreição de
ment Greek, I, 137). Cristo envolve a crença na ressurreição
S. E apareceu introduz uma evi- física. Não há nenhuma necessidade
dência fora das Escrituras do N.T. 6. A de discutir a ressurreição, uma vez que
referência à maioria que sobreviveu tem um já foi ressuscitado. Está óbvio que
um imenso valor apologético. A histó- o argumento de Paulo volta-se para a
ria da ressurreição era inconteste, até humanidade de Cristo (cons. I Tm.
onde sabemos, vinte e cinco anos de- 2: 5, "o homem Cristo Jesus"). 14. Vã.
pois! A aparição pode ser a de Mt. 28: Sem conteúdo (gr. kenos). Se não hou-
16-20. 7. Este Tiago era provavelmente vesse ressurreição, o Evangelho estaria
o irmão do Senhor e esta aparição pode vazio de qualquer conteúdo verdadeiro.
tê-lo feito crer em Cristo (cons. Jo. E a fé dos coríntios não estaria de posse
7: 5; Atos 1: 14). de um fato real; tudo não passaria de
8. Como por um nascimento fora do miragem. IS. Mais ainda, se não hou-

-104 -
I CORINTIOS 15: 15-28

vesse ressurreiçao, os proclamadores do ficados em Cristo, ele não está ensinando


Evangelho seriam falsas testemunhas universalismo (uma heresia), nem res-
diante de Deus. surreição universal (uma verdade, mas
17. Vã, aqui, traduz um outro adje- não apresentada aqui), mas a ressurrei-
tivo, significando "sem alvo ou efeito ção universal em Cristo. Os dois todos
útil" (gr., mataios). Se Cristo não ti- não são idênticos em quantidade, es-
vesse ressuscitado, a fé dos coríntios tando limitados pelas frases preposicio-
teria deixado de atingir o seu fim ou nais em Adão e em Cristo (cons. Rm.
alvo, isto é, a salvação. Não teriam 5: 18). A palavra vivificados nunca
certeza se Ele não morreu pelos Seus foi usada em relação aos injustos no
próprios pecados. A Ressurreição foi N.T. (cons. Jo.5:21; 6:63; Rm.8:
necessária para demonstrar a perfei- 11; GI. 3: 21; I Co. 15:45, o mesmo
ção do caráter do Redentor (cons. Atos contexto). O capítulo contempla a
2: 24) e para demonstrar que o Pai ressurreição só dos crentes.
aceitara a obra do Filho (cons. Rm. 23. A ordem da ressurreição é o que
4: 25). Como alguém já disse, a Ressur- vai ser discutido agora. Cristo é o pri-
reição é o "Amém" de Deus ao "Tudo meiro, seguido dos crentes, os que são
está consumado" de Cristo. Olhamos de Cristo na sua vinda quando vier bus-
para a cruz e vemos a redençãó reali- car a Igreja (cons. I Ts. 4: 13-18).
zada; vemos a Ressurreição e sabemos 24. Então; eita no grego, cobre um
que a redenção foi aceita. 18,19. Sem intervalo, tal como o intimamente rela-
a ressurreição, os crentes que pensaram cionado epeita, o depois do versículo
estar morrendo em Cristo, na especta- precedente, cobre um intervalo longo,
tiva da bênção da ressurreição, estão o intervalo do reino de Cristo na terra.
realmente perdidos (forma enfática). Cada vez que Paulo usa o eita envolve
A amarga conclusão é que a negação da um intervalo. Observe que o espeita
Ressurreição faz dos cristãos. os mais do versículo 23 já cobriu um intervalo
infelizes de todos os homens. Sofrem de pelo menos 1900 anos! O fim re-
aqui e agora por uma fé que não passa fere-se ao fim do reino, como indica o
de uma ficção (cons. Rm. 8: 18). versículo seguinte. 25. Porque dá a razão
20. Paulo, tendo estabelecido o fato dEle não poder abdicar do reino até
de que Cristo ressuscitou e que o reco- que venha o fim. O Filho tem de rei-
nhecimento de Sua ressurreição é in- nar como homem sob o Pai (cons. SI.
consistente com a negação da ressur- 110: 1). Depois desse reino, o reino
reição dos mortos, comenta agora o mediador será incorporado com o reino
fruto e resultado da ressurreição do eterno de Deus triúno. 26. O anula-
Senhor. Desaparece a suposição e os mento da morte acontecerá diante do
fatos são apresentados quando ele diz, Grande Trono Branco, depois do reino
Mas de fato Cristo ressuscitou. A pala- e rebelião final de Satanás (cons. Ap. 20:
vra primícias, que tem sua origem na 7-15). Eis aí a resposta cristã aos filó-
Festa das Primícias em Israel (cons. sofos gregos. Eles diziam que não há
Lv. 23:9-14), dá a idéia de um penhor ressurreição, mas Paulo diz que não há
e um modelo. morte (cons. ExpGT, 11, 928).
21,22. Há um relacionamento inde- 27,28. A declaração de que o pró-
finido entre Adão e a morte e Cristo prio Filho também se sujeitará a Deus
e a vida. O pensamento do apóstolo tem feito alguns pensarem que a digni-
penetra no assunto de Romanos 5. dade do Filho de Deus foi prejudicada,
Quando Paulo escreve todos serão vivi- como também, possivelmente, faz res-

-105 -
I CORfNTIOS 15: 28-36

trições à Sua divindade. A sujeiçao, plicam que a expressão significa "bati-


entretanto, não é a do Filho como Filho, zados com interesse em (a ressurreição
mas como o Filho encarnado. Isto, é de) os mortos", mas foge ao natural por
claro, não envolve a desigualdade da diversos motivos (cons. ICC, pág.359-
essência. O filho de um rei pode estar 360). A segunda e terceira sugestões
oficialmente subordinado e no entanto estão mais de acordo com a teologia
se igualar em natureza ao seu pai (cons. paulina, mas a interpretação continua
Charles Hodge, An Exposition of the difícil.
First Epistle to the Corinthians, pág. 31. Dia após dia morro refere-se aos
333-335). O ponto que Paulo defende perigos externos que Paulo enfrentava.
é este: O Filho 'la qualidade de Filho Seria tolice enfrentá-los se não houvesse
encarnado tem todo o poder agora (cons. ressurreição (cons. II Co. 1: 8,9; 11:
Mt. 28: 18). Quando ele entregar a ad- 23). 32. Lutei em Êfeso com feras
ministração do reino terrestre ao Pai, tem sido geralmente interpretado como
então o Deus triúno reinará como Deus referência figurativa das perseguições
e não mais através do Filho encarnado. humanas que sofreu (cons. 16: 9). Co-
O messiado é uma fase da Filiação do mamos e bebamos expressa o inevitá-
Filho eterno (cons. Moffatt, MNT, pág. vel resultado da negação da vida futura
249). - decadência moral (cons. Is. 22: 13).
29-34. Depois de esboçar os aspectos 33,34. Depois de uma sutil adver-
positivos da ressurreição (vs. 12,28), o tência contra a associação com aqueles
apóstolo volta-se agora para o lado ne- que estavam solapando a fé dos crentes
gativo. 29. Os que se batizam por causa na ressurreição, Paulo diz aos crentes
dos mortos? é uma expressão difícil que vigiem para justiça (lit. tomar a sé-
de entender, que tem recebido muitas rio as determinações de justiça) e não
interpretações, algumas até bizarras e he- pequeis (Iit., parem de pecar). Os ine-
réticas. Por exemplo, alguns proclamam vitáveis resultados morais da doutrina
que Paulo se refere à prática do batismo errada estão claramente expostos aqui.
vicário, tal como praticam os Mórmons, Ele acusa os coríntios, que se orgulha-
ainda que ele mesmo não o aprovasse vam do seu conhecimento, de falta de
(cons. Morris, op. cit., pág. 218-219). conhecimento de Deus. Não foi por
A prática, entretanto, surgiu apenas no menos que ele acrescentou, digo para
segundo século, e apenas entre os heré- vergonha vossa.
ticos. Outros acham que o apóstolo se 2) Exame de Certas Objeções. 15:
referia àqueles que eram batizados com 35-37. O apóstolo trata de objeções
base no testemunho dos que morreram. nesta parte. Duas delas já foram men-
A preposição hyper, traduzida para por cionadas no primeiro versículo. Como
causa, pode significar "com referência ressuscitam os mortos? indaga da possi-
aos", embora este não seja o significado bilidade da ressurreição (não do méto-
normal. Outros ainda acham que Paulo do), e esta objeção é refutada no ver-
se referia ao batismo dos jovens con- sículo 36. E em que corpo vem? rela-
vertidos, que tomavam o lugar dos irmãos ciona-se à natureza do corpo ressur-
mais velhos que morriam na igreja. reto, e este problema é discutido nos
Hyper tem o significado "em lugar dos" versículos 37 a 49. O problema final,
com bastante freqüência, mesmo no que está implícito, é o seguinte: O que
N.T., como 11 Co. 5: 15 e FI. 13 indicam, acontecerá com aqueles que não mor-
embora não seja esse o significado predo- rerem? Paulo trata disso nos versículos
minante. Os expositores do grego ex- restantes da seção (vs.50-57). 35,36.

-106 ~
I CORÍNTIOS 15: 36-53

A simples resposta do apóstolo à pri- concordam com o que ele está dizendo,
meira pergunta, é que o corpo não pois assim está escrito. Os dois Adãos
nasce, (ressuscitado) se primeiro não estampam as características de suas
morrer. A morte, inimiga do corpo, raças. O termo, o último Adão, foi
é na realidade o meio da ressurreição. cunhada por Paulo (cons. MNI, pág.
37-41. Usando uma ilustração ex- 263) para indicar que não haverá um
traída do mundo natural, Paulo trata de terceiro homem representativo, sem pe-
dois erros comuns. Uma é considerar cado e sem pai humano, como foram
o corpo ressurreto igual ao original, ambos, Cristo e Adão. Se o último
apenas reformado; a outra é conside- Adão de Deus falhasse, não haveria ou-
rá-lo um novo corpo sem relação com tro. Vivificante (lit. doador de vida;
o original. O fato é que há continuida- cons. C1. 1: 17; Fp. 3: 20, 21). 47. O
de (v. 36), identidade (v. 38), ainda que Senhor, é do céu prevê Sua vinda. 48,
diversidade (vs.39-4l) entre os dois 49. E, assim como trouxemos é uma
corpos. Não ... o corpo que há de ser promessa retumbante. Muitos manus-
refuta a noção de que o corpo será o critos excelentes trazem vamos trazer,
mesmo corpo na sua aparência física. mas a tradução é provavelmente o re-
38. O seu corpo apropriado. Exata- sultado de uma primitiva corruptela do
mente como no caso da semente, cada texto. A imagem do celestial é a nota
uma preserva sua identidade pessoal. final sobre a natureza do corpo da res-
39,40. Nem toda carne é a mesma. surreição. Será glorioso como o próprio
À luz da teoria da evolução, esta é uma corpo de Cristo (cons. l.c. 24: 29-43;
declaração interessante. Está planejada Fp.3:21; SI. 17: 15).
a preservação do elemento da diver- 50. A próxima pergunta a respon-
sidade entre os corpos da ressurreição der é a que naturalmente se segue. É
dos crentes. Corpos celestiais são o sol, esta: Mas o que vai acontecer com aque-
a lua, as estrelas, etc. 41. A declaração, les que não morrerem? De que forma
porque até entre estrela e estrela há di- eles participarão da ressurreição do
ferenças de esplendor, pode apontar para corpo? O princípio é que deverá ha-
as diferentes recompensas entre os glo- ver uma transformação, pois a carne
rificados (cons. ICC, pág. 371-372). e sangue (ele não diz o corpo) não podem
42. Pois assim também introduz a herdar o reino de Deus.
aplicação paulina ao corpo da ressur- 51. Mistério (cons. 2: 7). Nem to-
reição. Quatro particulares são desta- dos (os crentes) dormiremos (morremos),
cados, conforme o apóstolo luta para mas seremos todos transformados, isto é,
descrever o indescritível e expressar o terão seus corpos transformados. O to-
inexprimível. Primeiro, o corpo ressus- dos na última cláusula nega a doutrina
cita na íncorrupção: não haverá possibi- do arrebatamento parcial da Igreja.
lidade de deterioração (cons. vs. 53,54). 52. Num momento. Do grego atmos,
43. Ressuscita também em glória e em "aquilo que não pode ser dividido",
poder. Não haverá mais nele o prin- do qual se deriva a palavra átomo. Num
cípio do pecado ou a fraqueza física. abrir e fechar de olhos. O pestanejar
44. Finalmente, ressuscita corpo espi- de uma pálpebra. Estas frases enfati-
ritual. Aparentemente uma referência zam a subitaneidade da mudança. O
ao uso do corpo, não à sua substância. soar da trombeta aponta para o tempo
Será formado para ser o órgão do Espí- (cons. I Ts. 4: 16). 53. Os mortos e os
rito. vivos se apresentam aqui ao autor, corrup-
45. Paulo destaca que as Escrituras tíveis referindo-se aos mortos e mortais

-107 -
I coaerrtos 15: 53-58 - 16: 1-4

referindo-se aos vivos. Pessoais. 16: 1-24.


54. Esta gloriosa transformação na A. A Coleta para os Pobres. 16: 1-4.
ressurreição realizará o cumprimento da O último capítulo da carta trata de
palavra que está escrita: Tragada foi a assuntos práticos e pessoais, dos quais
morte pela vitória (uma aplicação livre o primeiro é a coleta para os pobres em
da tradução de Teodósio de Is. 25: 8). Jerusalém. O capítulo apresenta uma
A consumação de Gn. 3: 15 é alcançada. ilustração da operação externa da gran-
55. Exultando pelo triunfo da ressur- de realidade espiritual afirmada em
reição, Paulo ridiculariza a morte. Os 1: 9 - isto é, que os crentes são "cha-
melhores manuscritos têm as cláusulas mados para a comunhão de seu Filho
inversas, com as duas perguntas feitas Jesus Cristo nosso Senhor" (cons. 15:
à morte (Paulo nunca usa hades; cons. 58).
Os. 13: 14). 56. Uma declaração curta
e concisa do relacionamento entre a 1. Quanto introduz o assunto, dando
morte, o pecado e a lei, sugerida pelo a entender que foi mencionado na carta
pensamento da remoção do aguilhão dos coríntios a Paulo. 2. No primeiro
da morte. O aguilhão da morte é o pe- dia da semana, ou no domingo, era o
cado porque é por meio do pecado que dia em que os crentes se reuniam para
a morte tem a sua autoridade sobre o prestar culto. Esta é a mais antiga men-
homem, e é pela lei que o pecado ganha ção do fato (cons. Atos 20: 7). A con-
a sua força. A lei dá ao pecado o cará- tribuição tinha de ser sistemática. Con-
ter de rebeldia, desafio consciente (cons. forme a sua prosperidade estabelece a me-
Rm.4: 15; 7:7-13). A Lei, então, dida da contribuição no N.T. (cons.
despertou o pecado o qual conduziu Atos 11: 29). De parte é provavelmente
à morte. Cristo, penetrando na morte, uma referência ao lar; a contribuição
venceu o pecado, para que os crentes tinha de ser particular. Paulo desejava
pudessem cantar: "Morrendo, matou a que esta coleta fosse levantada antes
morte". de sua chegada, para que não houvesse
57. O apóstolo dirige uma ação de nenhuma pressão (cons. 11 Co. 9: 5).
graças dos redimidos ao Deus que, pela Este sistema revolucionaria os costumes
graça, dá a vitória por intermédio de nos- da igreja atual!
so Senhor Jesus Cristo. Por intermédio 3,4. O cuidado que Paulo tomava
de nosso Senhor Jesus Cristo aponta em questões de dinheiro é de se notar.
para a divina instrumentalidade, a obra Ele nunca pedia dinheiro para si mesmo
de Cristo; e a frase é um pequeno resumo e até não gostava de lidar com o di-
de tudo o que está envolvido nos ver- nheiro dos outros se houvesse a menor
sículos 3-5,20-22. Estas palavras, con- possibilidade de dúvidas a respeito.
cluindo o comentário sobre a ressurrei- Se convier, provavelmente significa, "Se
ção, fazem eco às palavras do apóstolo for suficientemente grande para que
em outro lugar "e assim estaremos valha a pena que eu abandone outro
sempre com o Senhor" (I Ts. 4: 17). trabalho e vá com a oferta" (cons. Rm.
3) O Apelo Final. 15: 58. O portan- 15:25).
to introduz a conclusão. Conforme as
palavras de Robertson e Plummer, "que B. A Planejada Visita de Paulo. 16:
haja menos especulação e mais trabalho" 5-9.
(ICC, pág. 379). O apóstolo desejava passar algum
tempo entre os conntíos. Por isso pla-
V. A Conclusão: Assuntos Práticos e nejou passar pela Macedônia primeiro,

-108 -
1 CORINTIOS 16: 5-24

em vez de ir diretamente a Corinto. de Estéfanas (cons. 1: 16). Que é coo-


Foi uma mudança de planos, pelo que perador e obreiro (lit., que se tem desig-
foi mais tarde criticado por' alguns na nado) refere-se à "uma obrigação assu-
igreja (cons. 11 Co. 1: 15-17). 5,6. Para mida de vontade própria" (ICC, pág.
que me encaminheis nas viagens que 395). 17,18. Estéfanas, Fortunato e A-
eu tenha de fazer não envolve nenhuma caico eram provavelmente os portadores
ajuda financeira (cons. 9: 15). 7. Se o Se- da carta dos coríntios a Paulo (cons.
nhor o permitir. O apóstolo reconhece 7: 1). Ao meu espírito e ao vosso re-
uma vontade acima da sua. Ele não se fere-se ao ânimo de Paulo e deles, que
apegava às rédeas de sua vida. 8,9. Porta. seria revigorado quando ouvissem o
Figurativo de uma oportunidade (cons. relatório dos seus representantes sobre
11 Co. 2: 12; Cl. 4: 3). Muitos adversá- a sua volta e quando lessem a carta.
rios podia ser o motivo de Paulo perma- 19-24. Saudações finais, admoestações
necer em Éfeso (cons. 15: 32; Atos e a bênção. Aqüila e Priscila, tanto em
19: 1-41). rcoma (xm. 16: 3-5) como em Éfeso,
mantinham reuniões dos santos em sua
C. Recomendações, Exortações, Sau- casa. 20. O ósculo santo (cons. Rm.
dações e a Bênção. 16: 10-24. 16:16; ITs.5:26; nCo.13:l2; IPe.
Sua planejada visita fê-lo lembrar-se 5: 14). Era um costume antigo. É uma
de dois cooperadores seus no ministé- exortação implícita para abandonarem
rio em Corinto - Timóteo e Apolo. suas facções.
10,11. Se Timóteo for dá a enten-
der possíveis dificuldades (cons. 4: 17; 21,22. O apóstolo toma a pena da
Atos 19: 22). Timóteo era jovem e ao mão do seu amanuense e escreve as pa-
que parece um tanto tímido (I Tm. lavras finais, cuja primeira declaração
4:12; 5:21-23; IITm.I:6-8; 2:1,3, ecoa como um trovão. Anátema. O
15; 4: 1,2), mas era um obreiro dedi- equivalente grego para o herem hebraico,
cado. É difícil imaginar um elogio maior significando "coisa destinada à destrui-
do que este, trabalha na obra do Senhor, ção, objeto de maldição" (cons. Rm.
como também eu. 12. Embora Paulo pu- 9:3; Gl.l:8,9; ICo.12:3). A pala-
desse ter motivos para invejar Apolo vra devia estar seguida de ponto final.
(cons. 1: 12), ele não tinha ciúmes do A palavra seguinte, Maranata (transli-
atraente e talentoso alexandrino. Como teração grega de uma expressão aramái-
também não exercia autoridade sobre ca) pode significar "Vem, Nosso Senhor",
ele, pois embora Paulo desejasse muito ou "Nosso Senhor veio" (referindo-se
que fosse com os irmãos, Apolo achou à Encarnação), ou ''Nosso Senhor vem"
que não era a hora e não o fez. Von- (Segunda Vinda). O contexto, com sua
tade refere-se a Apolo. nota de advertência, decide pela última
13. Aqui começa uma série de exor- tradução (Vem, Nosso Senhor!) 23,24.
tações à igreja. As quatro primeiras pa- A nota de advertência não é, entretanto,
lavras são palavras militares; na ver- a nota final. Nem mesmo a bênção apos-
dade, portai-vos varonilmente lembra o tólica seria adequada; Paulo tinha de
grito de guerra dos filisteus (cons. 1 Sm. acrescentar com ternura, O meu amor se-
4: 9). Cada um dos imperativos deste ja com todos vós. Suas reprimendas feitas
versículo e um do seguinte estão no com amor, e o seu amor se estende a
tempo presente, expressando ações que todos, até mesmo aos desviados e re-
devem ser contínuas. 15,16. A família beldes.

-109 -
A SEGUNDA EPISTOLA AOS CORINTIOS

INTRODUÇÃO

A Ocasião da Carta. Os assuntos se aglomeram.


principais, que dizem respeito ao rela- Data e Lugar. Poucas dúvidas há de
cionamento de Paulo com a igreja em que esta carta tenha sido escrita na ter-
Corinto foram tratados mais especifica- ceira viagem missionária de Paulo (57
mente na Introdução à I Coríntios do A.D.) - alguns meses ou possivelmente
que aqui. A ocasião propriamente dita um ano ou mais depois de I Coríntios.
que provocou a escrita da 11 Coríntios Foi escrita na Macedônia, provavel-
centraliza-se em certas crises que sur- mente em Filipos.
giram na igreja depois de despachada a A Unidade da Carta. Alguns mestres
primeira carta. Para se expor concisa- modernos defendem que 11 Coríntios
mente os fatos conhecidos, parece que não é um trabalho unificado. 1) Afir-
Paulo enviou Tito a Corinto a fim de mam que 6: 14 - 7: 1 é uma interpo-
corrigir certos abusos e para incentivar os lação, porque interrompe a seqüência
cren tes a completarem sua contribui- do pensamento. Mas os movimentos
ção para os santos em Jerusalém. Paulo, de Paulo nem sempre correspondem às
perturbado, partiu de Éfeso e chegou idéias modernas de desenvolvimento.
a Trôade esperando encontrar Tito. Ainda Um autor tratando de uma certa situa-
mais perturbado por não ter encontrado ção pode ter motivos para uma aparente
Tito em Trôade, partiu apressadamente digressão que pode parecer inteiramente
para a Macedônia. Ali, tendo acabado irreconhecível para um crítico moderno.
de chegar de Corinto, Tito encontrou-se 2) Esses mesmos mestres defendem que
com Paulo, trazendo notícias encora- o capítulo 9 repete em grande parte o
jadoras. Mas as coisas na igreja em ~ que se encontra no capítulo 8. Entre-
Corinto não estavam como deviam es- tanto, se alguém estudar estes capítulos
tar. As notícias encorajadoras foram qua- com cuidado, sem a influência de uma
se dissipadas pelo fato de agoureiros teoria preconcebida, descobrirá que o
prenúncios de tempestade estarem se capítulo 9 é qualquer coisa, menos
acumulando no horizonte da vida da uma repetição do capítulo 8. 3) O que
igreja em Corinto. Paulo tinha de agir é mais importante, esses objetores de-
rapida e severamente. Tinha de fazer fendem que a última parte (10: 1 - 13:
três coisas: 1) apresentar o Evangelho 14) difere tanto no tom e pensamento
mais claramente aos cristãos; 2) pres- das partes anteriores (1: 1 - 9: 15) que
sioná-los quanto à conclusão de sua deve ter pertencido originalmente a
prometida contribuição; 3) pulverizar alguma carta "perdida" ou "severa"
toda a oposição contra seu ministério que Paulo tenha enviado a Corinto.
e autoridade apostólicos com uma de- A objeção fatal a esta popular teoria
fesa sem paralelo. Estes pontos cons- é que não há absolutamente nenhuma
tituem a estrutura sobre a qual todos prova de manuscritos para uma epístola
os pensamentos desta segunda carta assim fragmentária ou truncada. Mais

-110 -
ainda, um estudo mais acurado desta e ela espalha bem longe a sua fragrân-
epístola revelará ao estudante diligente cia espiritual. Nosso esboço tenta mos-
uma unidade que é simplesmente espan- trar esta simetria.
tosa. E obviamente nosso conhecimento Influência. Talvez seja mesquinho
da situação total em Corinto é tão nebu- comparar qualquer uma das cartas de
losa, que nenhum mestre moderno pode Paulo com outra. Cada uma tem suas
afirmar seguramente que qualquer parte características especiais que a toma
desta epístola é discordante do resto grande em seu campo. Mas em 11 Corín-
ou irrelevante quanto à verdadeira situa- tios encontramos certos aspectos que não
ção em Corinto. são tão evidentes em outras cartas de
O Desenvolvimento do Pensamento. Paulo. Conforme o grande evangelista
O progresso do pensamento nesta epís- defende sua autoridade apostólica, contra
tola é como o movimento de um grande os sutis e insidiosos ataques dos "após-
exército avançando sobre terreno irre- tolos do exagero" que tentaram livrar
gular, ainda semeado de grupos de resis- os coríntios de sua influência, ele re-
tência teimosa. Paulo nunca abandona vela a sua própria alma e acrescenta mui-
a sua armadura enquanto tal resistência tos detalhes sobre a sua vida, que de
ao seu ministério ainda existe. Sua carta outra forma ficariam desconhecidos. Mas
é, de fato, um ultimato exigindo submis- esta epístola é um monumento ao fato
são total e incondicional à autoridade de que Paulo, vivaz e inspirado, foi uma
do apóstolo de Cristo. Apesar de sua parada dura para "toda altivez que se
rudeza, esta carta é linda em sua sime- levanta contra o conhecimento de Deus"
tria como uma flor das montanhas - (11 Co. 10: 5).

ESBOÇO

I. A conciliação. 1: 1 - 7: 16.
A. O sofrimento de Paulo é recíproco. 1: 1-7.
1. Saudação. 1: 1,2.
2. Adoração. 1: 3.
3. Tribulação agonizante. 1:4-7.
B. O desespero de Paulo é aliviado. 1: 8-14.
C. A digressão de Paulo é justificada. 1: 15 - 2: 17.
1. O plano é projetado. 1: 15, 16.
2. O plano é criticado. 1: 17.
3. O plano é compreendido. 1: 18-22.
4. O plano é mudado. 1: 23 - 2: 4.
5. O plano é atenuado. 2:5-11.
6. O plano é consumado. 2: 12-17.
D. A superior revelação de Paulo. 3: 1-18.
1. Na documentação. 3: 1-3.
2. No dinamismo. 3:4-6.
3. No grau. 3: 7-9.
4. No destino. 3: 10, 11.
5. Na diagnose. 3: 12-17.
6. No desenlace. 3: 18.
E. O dualismo de Paulo é explicado. 4: 1-18.
1. O escondido e o revelado. 4: 1,2.

-111 -
2. Os cegos e os iluminados. 4: 3, 4.
3. Os escravos e o Senhor. 4: 5.
4. Trevas e luz. 4: 6.
5. Os frágeis e o Poderoso. 4: 7.
6. Provações e vitórias. 4: 8-10.
7. Morte e vida. 4: 11, 12.
8. O escrito e o falado. 4: 13.
9. O passado e o futuro. 4: 14.
10. Graça e ação de graças. 4: 15.
11. O homem exterior e interior. 4: 16.
12. Aflição e glória. 4: 17.
13. O visto e o não visto. 4: 18a.
14. O temporal e o eterno. 4: 18b.
F. A motivação da dedicação de Paulo. 5: 1 - 6: 10.
1. Motivada pelo conhecimento. 5: 1-9.
2. Motivada pelo julgamento. 5: 1-9.
3. Motivada pelo temor. 5: 11.
4. Motivada pelo altruísmo. 5: 12, 13.
5. Motivada pelo amor. 5: 14,15.
6. Motivada pela regeneração. 5: 16, 17.
7. Motivada pela reconciliação. 5: 18-21.
8. Motivada pelo tempo. 6: 1,2.
9. Motivada pelo sofrimento. 6: 3-10.
G. Paulo insiste na dissuasão. 6: 11 - 7: 1.
1. A tese: Mudem de atitude para comigo. 6: 11-13.
2. A antítese: Mudem de atitude para com o mundo. 6: 14-16.
3. A síntese: Obedeçam e vivam. 6: 17 - 7: 1.
H. Exemplo do deleite de Paulo. 7: 2-16.
1. Paulo tem os coríntios em altaestlma. 7: 2-4.
2. Razões dessa alta estima. 7: 5-16.
11. A coleta. 8: 1 - 9: 15.
A. Primeiro motivo para sua conclusão: o exemplo dos macedônios. 8: 1-8.
B. Segundo motivo para sua conclusão: o exemplo de Cristo. 8: 9.
C. Terceiro motivo para sua conclusão: questão de honra. 8 : 10 - 9 : 5.
D. Quarto motivo para sua conclusão: questão de mordomia. 9: 6-15 .
1. Princípios extraídos da natureza. 9: 6.
2. Princípios extraídos da natureza divina. 9: 7-1O.
3. Princípios extraídos da natureza cristã. 9: 11-15.
Ill. As credenciais. 10: 1 - 13: 14.
A. Armadura espiritual. 10: 1-6.
B. Autoridade construtiva. 10: 7-18.
C. Apreensão justificável. 11: 1-6.
D. Razoável abatimento. 11:7-15.
E. Assiduidade bem conhecida. 11: 16-33.
F. Aflição compensatória. 12: 1-10.
G. Confirmação suficiente. 12: 11-13.
H. Associação benéfica. 12: 14-18.
I. Ansiedade justificada. 12: 19-21.

-112 -
11 CORiNfIOS 1: 1-6

J. Aspereza defensíve1. 13: 1-10.


K. Um adeus cristão. 13: 11-14.

COMENTÁRIO
I. A Conciliação. 1: 1 - 7: 16.

A. O sofrimento de Paulo é recípro- trinitariano - Pai de nosso Senhor Jesus


co. 1: 1-7. Cristo; e 3) de acordo com Seus atribu-
1) Saudação. 1: 1,2. 1. O epíteto tos - Pai de misericórdias e Deus de
apóstolo, extensamente usado nas cartas toda consolação. A palavra oiktirmos
de Paulo (cons. Ef. 1: 1; CI. 1: 1; 1 Tm. significa "piedade, misericórdia, com-
1:1; IITm.I:I), epitomiza sucinta paixão"; no N.T. está sempre no plural
e incisivamente o encargo e a missão de (Rm. 12: 1; Fp. 2: 1; C1. 3: 12; Hb.
Paulo (cons. GI. 1: 1). Santos é uma 10: 28) - possivelmente para expressar
descrição paralela da fraternidade cris- a natureza variegada da virtude.
tã (cons. Rm.l:7; ICo.l:2; Ef.I: 3) Tribulação agonizante. 1:4-7. 4.
1; Fp. 1: 1; C1. 1: 1). O termo é sem- Deus consola os crentes. O conforto
pre reminiscente da mudança radical de Deus é: 1) ativo - que na; conforta;
que aconteceu (cons. 11 Co. 5: 17; I Co. 2) extensivo - em toda a nossa tribula-
6: 11). O território que incluía toda a ção; 3) objetivo - para podermos conso-
Acaia continha Atenas (cons. Atos 17: lar; 4) específico - em qualquer angús·
34) e Cencréia (cons. Rm. 16: 1). 2. No tia; 5) reflexivo - com a consolação
protocolo da salvação, reconhecida até com que nós mesmos somos contempla-
mesmo em uma saudação, a graça sempre dos. Tribulação (thlipsis; em outras
precede a paz. A primeira é a base e passagens desta epístola - 1: 8; 2:4;
o fundamento da última; portanto, a 4: 17; 6:4; 7: 4; 8: 2,13). 5. Cristo
ordem não pode ser mudada. Nenhum conforta os crentes. O assim ... como
homem pode ter paz se previamente ... no grego, aqui, compara duas coi-
não experimentar a graça (cons. 8: 9). sas de igual classe ou natureza (como
A divindade de Cristo está enfaticamente em Lc.ll:30; 17:26; Jo.3:14; 14:
afirmada na saudação e na doxologia 31; C1. 3: 13). Pelos sofrimentos de
(13: 14) desta epístola. A simples pre- (o) Cristo devemos entender as aflições
posição da parte (apó) reúne Deus, nos- do Messias, do Ungido (cons, Lc.24:
so Pai e o Senhor Jesus Cnsto numa 26,46; Fp.3:1O; CI.1:24; IPe.l:
indissolúvel união. O título completo 11). O verbo transbordar (são abun-
de Cristo deve ser devidamente consi- dantes, perisseuo) é mais ou menos
derado. típico desta epístola (IICo.3:9; 4:
2) Adoração. 1: 3. O adjetivo verbal 15; 8:2,7,8,12).
bendito (eulogetos), sempre aplicado às
pessoas divinas no N.T. (11:31; Me. 6. Observe os passivos presentes no
14:61; Lc.I:68; Rm.l:25; 9:5; original - estamos sendo atribulados
Ef.l:3; C1.1:3; IPe.l:3), descreve ... estamos sendo consolados. Quer
a felicidade e bem-aventurança infini- atribulados, quer confortados, o resul-
tas que existem na Trindade. Aqui tado é sempre o bem dos filhos de Deus.
Paulo caracteriza Deus 1) de acordo As palavras, o qual se toma eficaz, tra-
com Sua natureza interna - bendito; duzem o particípio médio presente de
2) de acordo com Seu relacionamento energeo. Na forma média sempre está

-113 -
n CORÍNTIOS 1: 6-13
implícito algum tipo de força misteriosa a Lá (IIPe.2:7,9), Paulo (lI Tm.4:
ou sobrenatural (cons. 4: 12; Rm.12: 17) e os crentes (I Ts. 1: 10). Paulo
6,11; Gl.5:6; Ef.3:20; C1.1:29; realmente atravessou e triunfantemente
ITs.2:13; IITs.2:7; Tg.5:16). Na "saiu da " provação aqui descrita (cons.
forma ativa Deus é sempre o sujeito Rm.8:35-39; também SI. 66: 12; 69:
(cons. I Co. 12: 6,11; G1. 2: 8; Ef.1: 14; 144: 7). A descrição tão grande
11,20; Fp. 2: 13). 7. A nossa esperan- (cons. o seu uso em Hb. 2: 3; Tg.3:
ça escatológica (cons. I Ts. 2: 19) baseia- 4; Ap. 16: 18) revela a magnitude ili-
-se diretamente sobre o fato de que a sal- mitada de sua provação. O livramento
vação é firme (bebaios, "digna de con- de Paulo foi 1) uma providência mara-
fiança, segura, certa" - Amdt). Em vilhosa - o qual nos livrou; 2) uma pro-
sabendo que (isto é, já que sabemos) fecia certa - e livrará; 3) uma promes-
Paulo declara a causa objetiva de sua sa feliz - em quem temos esperado que
certeza quanto aos coríntios (cons. ainda continuará a livrar-nos. O futuro
I Ts. 1:4). O como ... assim ... (como livramento foi cumprido em II Tm.
em II Co. 7: 14; Ef. 5: 24) difere só 4: 17.
um pouquinho da construção do ver- 11. Este versículo pode ser traduzido
sículo 5. A palavra por trás de parti- de diversas maneiras. Os pensamentos
cipantes (koinonos) usa-se em relação básicos são os seguintes: 1) a eficácia
ao companheirismo físico (cons. II Co. da oração no livramento de Paulo; 2)
8: 23), participação moral (cons. Mt. a mercê recebida pelo apóstolo; 3) a
23: 30; I Co. 10: 18,20; Hb. 10: 33) conseqüente ação de graças por mui-
e união espiritual (cons. I Pe. 5: 1; II Pe. tas pessoas. Paulo tinha fé na oração
1: 4 ). intercessória (cons. Rm. 15: 30, 31; Fp.
1: 19; C1. 4: 12). A palavra karisma
B. O Desespero de Paulo é Aliviado. significa "um dom (oferecido de graça
1: 8-14. e pela graça), um favor concedido"
8. A natureza da nossa tribulação (Arndt). Não se limita aos dotes minis-
(thlipsis; veja v.4) que sobreveio na teriais (cons. Rm. 1: 11; I Co. 1: 7;
Ásia (isto é, na província romana da IPe.4: 10).
Ásia) tem sido muito debatida. Alguns 12. A palavra glória (kauchesis) é
comentadores pensam na violência da encontrada 4 vezes nesta epístola (7:
turba em Éfeso (cons. Atos 19: 23-41; 4,14; 11: 10, 17), mas somente 5 ve-
ICo.15:32) como sendo esta tribu- zes no restante do Novo Testamento.
lação. Seja o que for - e a linguagem Por temos vivido, Paulo quer dizer,
que foi aqui usada coloca-se entre as que três árbitros determinaram a sua
experiências humanas mais cruciantes - conduta: 1) sua consciência; 2) sano
foi uma dessas provações que Paulo su- tidade e sinceridade de Deus; 3) o mun-
portou por causa do nome de Cristo do e os Coríntios. A espiritualidade irre-
(cons. Atos 9: 16; também SI. 69: 1 conciliável e incompatível é representada
esegs.; Is.43:2). pela sabedoria humana (cf. Tg. 3: 15)
9. Como Isaque (cons. Hb. 11: 17-19), e pela graça divina (cf. I Co. 3: 10; 15:
Paulo tinha uma sentença de morte 10; Ef. 3: 2, 7, 8).
sobre ele; e, como Abraão, ele podia 13. Paulo era um homem consis-
confiar novamente no Deus que ressus- tente, quer lidando com os judeus hostis
cita os mortos (cons. Gn. 22: 1-18). (cons, Atos 26: 22), quer com cristãos
10. O verbo (rhuomai) traduzido para recalcitrantes. O que ele escrevia em
livrou foi também usado em relação suas cartas podia ser lido e inteiramente

-114 -
11 CORíNTIOS 1: 13-22

reconhecido (so epiginosko, aqui tra- vista no grego).


duzido para compreendeis; cons. 1 Co. 3) O Plano é Compreendido. 1: 18-22.
13: 12). A frase grega heos telous pode 18. Como Deus é fiel pode ser tomada
ser traduzida para de todo ou até ao como um juramento ou como uma sim-
fim (E.R.C.). O fato que a palavra usa- ples declaração ("Mas Deus é fiel em
da aqui, usualmente indica "o fim" que a nossa palavra para convosco não
(cons. Mt. 24: 6,14; 1 Co. 15: 24), além foi sim e não"). Paulo freqüentemente
do fato de que no próximo versículo apelava para a fidelidade divina como
refere-se à Segunda Vinda, parece jus- prova da veracidade do Evangelho que
tificar até o fim (E.R.C.) segundo as ele proclamava (cons. 1 Co. 1:9; 1 Ts.
melhores traduções (cons. 1 Co. 1: 8). 14. 5:24; UTs.3:3). 19.Este versículo
A laudação de Paulo sobre os coríntios revela 1) a pessoa, 2) a pregação, 3) os
tornou-se comovente porque a verdadei- pregadores, e 4) a positividade da men-
ra motivação de seu ministério entre sagem: todos unidos em Cristo. A dife-
eles foi "in teiramente reconhecida" (o rença entre foi (aoristo de ginomaii em
mesmo verbo do v. 13) apenas em parte, não foi e o houve (perfeito de ginomait
isto é, por alguns deles (veja a mesma em houve o sim deve ser notada: "não
construção em Rm. 11: 25 ; 1Co. 13: se tornou sim e não, mas ele tornou-se
9). O Segundo Advento é chamado de (e permaneceu) sim" (cons. Jo. 1: 14;
o dia (como em ICo.l:8; 3: 13; 5:5; Ap. 1: 17, 18). 20. O quantas repre-
Fp. 1: 6,10; 1 Ts. 5: 2; 11 Ts. 2: 2). senta corretamente o pronome grego
que foi usado aqui (veja seu uso em Mt.
C. A Digressão de Paulo é Justifica- 14:36; Jo.l:12; Atos 3: 24; Rm.2:
da. 1:15-2:17. 12; Fp. 3: 5). Todas as promessas de
1) O Plano é Projetado. 1: 15, 16. 15. Deus realizam-se e são cumpridas em
A palavra pepoithesis, traduzida aqui Cristo (cons. Rm. 15: 8, 9).
para confiança, foi usada no N.T. apenas 21,22. Não devemos passar por cima
por Paulo (3: 4; 8: 22; 10: 2; Ef. 3: 12; das referências à Trindade em 1: 18-22:
Fp. 3: 4). O segundo benefício (karis) 1) a certeza dada por Deus (v. 18); 2)
abrange a dupla bênção que seria deles a centralidade que se encontra em Cris-
com as suas duas visitas (cons. Rm. 1: 11). to (vs. 18-20); 3) o testemunho esta-
16. O plano projetado por Paulo incluía belecido pelo Espírito (vs. 21, 22). Paulo
quatro estágios: 1) urna viagem direta apela para uma experiência atual (con-
a Corinto; 2) uma viagem por terra de firma tempo presente de bebaioo; cons.
Corinto à Macedônia; 3) uma viagem de seu uso em Me. 16: 20; Rm. 15: 8;
volta a Corínto; 4) uma viagem de Co- ICo.l:6,8; C1.2:7; Hb.2:3; 13:
rinto à Judéia. Freqüentemente Paulo 9), que está confirmada por três atos
discorria sobre seu proposto itinerário simultâneos e decisivos que acontece-
(cons. Rm.l:lO; 15:22; ITs.2:18). ram na regeneração - ungiu ... selou
2) O Plano é Criticado. 1: 17. Paulo ... deu ... ; (todos no tempo aoristo).
responde às acusações que lhe são fei- O verbo (krio) traduzido para ungiu
tas - de vacilar e usar métodos carnais foi usado em relação à unção do Es-
- 1) usando a lógica (porventura; mas pírito Santo (cons. Lc. 4: 18; Atos 4:
no grego, foram usadas ambas, oun e 27; 10:38; Hb.l:9). O nome Cristo
ara); 2) por uma negativa enfática (meti; ("O Ungido") vem da mesma raiz. O
cons. Mt, 7: 16; 26:22,25); 3) pela penhor (arrabon; usado apenas em 11
repetição (sim sim, e não não, E.R.C.); Co.5:5; Ef.l: 14) é o pagamento ini-
4) pela ênfase da ordem (que só pode ser cial de uma compra; uma garantia.

-115 -
11 cORÍNTIOS 1: 23-24 - 2: 1-6

4) O Plano é Mudado. I: 23 - 2:4. dentes do estado espiritual deles.


23. Paulo apresenta uma razão negativa 3. Que carta deve se entender no
(para vos poupar; 1: 23 - 2: 4a) e uma escrevi? Comentadores mais antigos
razão positiva (para que conhecêsseis geralmente assumem que a nossa I Co-
o amor, etc.; 2: 4b) a fim de mudar o ríntios seja mencionada aqui; comen-
projeto do seu plano. Eu, porém, por tadores mais modernos acham que Paulo
minha vida, tomo a Deus por testemu- se referia à "carta severa" (atualmente
nha representa corretamente as pala- perdida ou talvez contida nos capítulos
vras de Paulo (cons. 11:31; Rm.l:9; 10-13 de nossa presente epístola) que
Fp. 1: 8; I Ts. 2: 5,10). A declaração ele escreveu depois de I Coríntios. Es-
não tomei ainda pode ser traduzida ses mesmos comentadores também as-
para "não tenho mais" - estando im- sumem que uma visita não registrada
plícito que Paulo desistira de visitar aconteceu antes da "carta severa". Nin-
Corinto até que certas coisas fossem guém pode ser dogmático sobre as cir-
lá corrigidas (cons. 11 Co. 13: 2, 10). 24. cunstâncias que rodeiam o relacionamen-
Para que as palavras "para vos poupar" to de Paulo com a igreja de Corinto.
não fossem mal interpretadas, Paulo 4. A vida emocional de Paulo foi
faz seus leitores se lembrarem que ele aqui resumida em 1) profundidade -
não está buscando tirania eclesiástica muitos sofrimen tos e angústias de cora-
sobre a fé deles (cons. 4:5; 11:20; ção; 2) sua expressão visível - com
I Pe. 5: 3). A palavra alegria (kara) ocor- muitas lágrimss: 3) seu propósito ne-
re nesta epístola (1:24; 2:3; 7:4,13; gativo - não para que ficásseis entris-
8: 2) com a mesma freqüência de Fili- tecidos; 4) seu propósito positivo -
penses (1:4,25; 2:2,29; 4:1). Pode- para que conhecêsseis o amor que vos
mos ler pela fé ou na fé - o primeiro consagro em grande medida. A últi-
indicando recurso; o último, esfera. ma cláusula dá a razão positiva de Pau-
Firmados, veja também Rm. 5: 2; 11: lo (veja 1: 23) para a mudança do seu
20; I Co. 15: 1; I Pe. 5: 9. plano (cons. 1: 15, 16).
2: 1. A "determinação" de Paulo 5) O Plano é Atenuado. 2: 5-11. 5.
emanava do fato da tristeza poder vir A referência feita a alguém depende da
a caracterizar a sua visita, se o seu plano opinião que se tem das visitas e das
original (cons. 1: 15, 16) fosse execu- cartas de Paulo a Corinto. De acordo
tado. Debates sem fim têm se formado com o ponto de vista mais antigo, a pes-
à volta das palavras não voltar a encon- soa incestuosa de I Co. 5: 1-8 é a que
trar-me convosco. A questão fica extre- foi mencionada aqui. Comentadores
mamente complexa por causa do fato mais modernos defendem que uma
de apenas uma única visita a Corinto pessoa ou partido (cons. 11 Co. 10:
estar registrada em Atos (18: 1-18) 7; J Co. 1: 12) tinha recentemente se
antes desta epístola. Entretanto, em levantado para desafiar a autoridade
11 Co. 12: 14; 13: 1 parece que a pró- apostólica de Paulo. A questão pro-
xima visita do apóstolo seria a terceira. vavelmente nunca será harmonizada até
Alguns mestres afirmam que Paulo fez que tenhamos mais pistas que os fatos
uma segunda visita (não registrada). escassos que temos atualmente. Em
2. O se presume que o fato seja verda- sobrecarregar, E.R.C. (epibareo, "tornar
deiro (como em 2:5,9; 3:7,9,11; 5: mais pesado, onerar" - Amdt) temos
14). Paulo não sente nenhum deleite talvez uma atenuante delicada da preo-
sádico na dor que causa aos seus con- cupação de Paulo (cons. a mesma pala-
vertidos: sua tristeza e alegria são depen- vra em I Ts. 2: 9; 11 Ts. 3: 8). 6. Bas-

-116 -
11 CORINTIOS 2: 6-14

ta-lhe a pumçao, "O castigo foi sufi- 1) um inimigo comum - Satanás; 2) um


cientemente severo" (Arndt). Mas o perigo comum - que não alcance van-
silêncio foi educado (lhe) e sinistro (maio- tagem sobre nós; 3) uma proteção co-
ria) - dando a entender que uma mi- mum - não lhe ignoramos os desígnios.
noria recalcitrante ainda se rebelava O verbo pleonekteo (em outra parte do
contra Paulo. N.T. só em 7: 2; 12: 17, 18; I Ts. 4:
7. Nem o verbo deveis nem o sub- 6) significa "aproveitar-se de, sobrepu-
juntivo seja é exigido pelo grego. Plum- jar em astúcia, defraudar, enganar pela
mer diz assim: "De maneira que pelo astúcia" (Arndt). Podemos ler aqui:
contrário vocês possam, antes, perdoá-lo" "que Satanás não nos sobrepuje em
(A Criticai and Exegetical Commentary astúcia" (Arndt).
on the Second Epistle of St. Paul to the 6) O Plano é Consumado. 2: 12-17.
Corinthians). O verbo perdoar (kari- 12. Daqui até o final do capítulo Paulo
zomai; veja o seu uso em II Co. 1: 10; nos conta como o seu plano modificado
12:13; Rm.8:32; GI.3:18; Ef.4: foi consumado na provação (vs. 12, 13),
32; CI. 2: 13; 3: 13) significa fazer na vitória (vs. 14-16) e no testemunho
um favor livremente ou de graça" (Arndt). (v. 17). Que oportunidade - uma por-
Deve-se notar que foi a atitude de toda ta! Que privilégio - me! Que respon-
a igreja. O uso da expressão para que sabilidade - abriu! Que comunhão -
não seja, que traduz me pos (cons. seu no Senhor! As viagens de Paulo eram
usoemlICo.9:4; 11:3; 12:20; ICo. sempre com propósito e evangelísticas
8: 9; 9: 27) indica que a mencionada - para pregar o Evangelho de Cristo.
ação estava dentro das possibilidades. 13. O espírito perturbado de Paulo
8. Confirmeis (kyroo; em outra parte exigiu que partisse rapidamente de Trôa-
do N.T. só em GI. 3: 15) significa "rea- de. Sua imediata obsessão era obter notí-
firmar" ou "ratificar" (Plummer). A acei- cias da igreja de Corinto; tudo o mais
tação dele como irmão restaurado à co- - incluindo a evangelização de Trôade -
munhão cristã seria a prova pública da era secundário. Quem ou o que levou
"reafírmação" deles. esses dois homens - Paulo e Tito - a
interromper seus planos, não nos foi
9. Paulo indica os três motivos da
revelado. Diremos que almas se perde-
sua carta: 1) prepará-los para sua visita
ram em Trôade por causa do fracasso
(2: 3); 2) manifestar-lhes o seu amor
de alguém? Deus garantiu a Paulo um
(2: 4); 3) testar a obediência deles (2:
ministério ali quando retornou de Corin-
9). A palavra prova (dokime) encon-
to (Atos 20: 6).
tra-se quatro vezes nesta epístola (2: 9;
14. A ordem no grego é enfática:
8:2; 9: 13; 13:3); em outra parte do
"Mas sejam dadas graças a Deus" (cons.
N.T. só em Rm.5:4 e Fp.2:22. Com
8: 16; 9: 15). Este versículo ilustra
em tudo Paulo mostra que obediência
Rm. 8: 28. O verbo thriambeuo deveria
incompleta é intolerável.
ser traduzido para nos conduz em triun-
10. Paulo ratifica a ação da igreja fo.. Este verbo foi usado em outra parte
de Corinto na obrigação unida do "per- do N.T. só em CI. 2: 15. Paulo se consi-
dão" (cons. 10.20: 23). Sobre perdoar, dera como um escravo (cons. Rrn. 1:
veja II Co. 2: 7. Podemos ler a última 1) sendo triunfantemente levado pelo
declaração assim: na pessoa de Cristo, exército conquistador do Messias (cons.
isto é, agindo como seu representante; Ef 4: 8; depois de uma vitoriosa campa-
ou na presença de Cristo, isto é, agindo nha militar era costume os imperadores
com Ele por testemunha. 11. Temos romanos encenarem um "triunfo", duran-

-117 -
11 CORINTIOS 2: 14-17 - 3: 1-6

te a qual desfilavam os prisioneiros pelas 3: 1-18.


ruas de Roma). Observe o sempre (pan- 1) Superior em Documentação. 3:
to te; cons. 11 Co. 4: 10; 5: 6; 9: 8) e 1-3. 1. Paulo denuncia veementemente
em todo o lugar (cons. Atos 1: 8; Rm. aqueles que precisam de cartas de auto-
10: 18; C1. 1: 6,23). O verbo (faneroo) -recomendação (cons. 5: 12; 10: 12, 18;
traduzido para manifesta é bastante 12: 11). Sua missão e ministério não
comum nesta epístola (3:3; 4:10,11; precisam de tal autolouvor presunçoso.
5:10; 7:12; 11:6). Ousodefragrân- 2. Pelo contrário, a carta de Paulo é 1)
cia mostra que Paulo continua apresen- personalizada - nossa carta; 2) perma-
tando o quadro do desfile triunfal. A nente - escrita em nossos corações;
palavra conhecimento (gnosis) foi usada 3) pública - conhecida e lida por todos
vinte e nove vezes no N.T.; Paulo a usa os homens. 3. A autenticidade dos co-
vinte e três vezes. Nesta epístola, em ríntios como a carta de Cristo foi au-
4:6; 6:6; 8:7; 10:5; 11:6. torizada 1) por seu ministério - pro-
15. No N.T., a salvação está descri- duzida pelo nosso ministério; 2) por
ta como 1) passada (tempo aoristo: sua origem sobrenatural - pelo Espí-
II Tm. 1: 9; n. 3: 5); 2) presente (tem- rito do Deus vivente; 3) por seu teste-
po presente: aqui e em ICo.l:18; munho interno - nas tábuas de carne,
15: 2); 3) futura (tempo futuro: Rm. isto é, nos corações (cons. ] r. 24: 7;
5:9,10; ICo.3:5; IlTm.4:18); 4) 31:33; 32:39; Ez.l1:19; 36:26).
consumada (tempo perfeito: Ef. 2: 2) Superior em Dinamismo. 3: 4 -6.
5,8). O verbo perdem (apollumi; cons. 4. Esta confiança (pepoithesis; veja 1: 15)
seu uso em lICo.4:3; JO.3: 16; 10: é por Cristo. O uso do artigo definido
28; 17: 12; 18: 9; II Ts. 2: 10) indica antes de Cristo ("O Cristo"; isto é, "O
destruição e ruína e não aniquilação. Ungido") é bastante comum nesta epís-
16. A mesma fragrância (bom perfume) tola (1:5; 2: 12, 14; 3:4; 4:4; 5: 10,
é espargida entre todos pelos mensa- 14; 9:13; 10:1,5,14; 11:2,3; 12:
geiros do Evangelho. A alguns ela é 9). S. Nossa capacidade (hikanotes, sig-
fatal; para outros confere vida (cons. nificando, "aptidão, habilidade, qualifi-
Jo. 3: 19; 9: 39; 15: 22; 16: 8 e se gs.; cação" - Arndt) é de Deus. O de (ek)
Atos 13: 46 e segs.; 28: 25-28). A tran- indica fonte (como em 4: 7,18; Jo.
sição da morte espiritual (cons. Ef. 2: 10:47; 18:36,37; cons.T Co.Tô i l O).
1) para a morte eterna (cons. Ap. 2: 11; 6. O qual nos fez também capazes
20: 14; 21:8) é provavelmente indi- de ser ministros. A nova aliança; (cons.
cada por de morte para morte. Mt. 26: 28; Hb. 8: 8,13) exige um "no-
17. O testemunho de Paulo é que vo homem" (Ef. 2: 15; 4: 24) que seja
ele não faz, como tantos outros (os fal- uma "nova criatura" (lI Co. 5: 17). Es-
sos mestres mencionados em 11: 4, ta pessoa regenerada tem um "novo
12-15), mercadejando (kapeleuo, signi- nome" (Ap. 2: 17), guarda um "novo
ficando "trocar, vendedor ambulante; mandamento" (I Jo. 2: 7, 8), canta uma
mascatear" - Arndt) a palavra de Deus. "nova canção" (Ap. 14: 3), espera um
A sinceridade de Paulo está evidente "novo céu e nova terra" (lI Pe. 3: 13;
em sua 1) origem - de Deus; 2) ma- Ap. 21: 1) onde a "nova Jerusalém"
nifestação - na presença d~ Deus; 3) (Ap. 21: 2) está e onde todas as coisas
esfera de ação - falamos de Cristo são "novas" (Ap. 21: 5). O contraste
(cons. 13: 3). entre a letra mata e o espírito vivifica
não é um contraste entre o extremo li-
D. A Superior Revelação de Paulo. teralismo e o livre manejo das Escrituras

-118 -
11 CORINflOS 3: 6-13

(como no método alegórico de interpre- prometida concomitantemente ao ad-


tação); antes, o contraste é entre a Lei vento do Messias (cons. Is.51:5-8; 56:
e um sistema de salvação que exige obe- 1; J r. 23: 5, 6). Esta justiça foi cumpri-
diência perfeita (cons. Rm. 3: 19,20; da em Cristo (cons. IICo.5:21; Mt.
7: 1-14; 8: 1-11; Gl. 3: 1-14) e o Evan- 3: 15; Rm. 10: 4) e agora é imputada
gelho como o dom da graça de Deus em a todos os que crêem nEle (cons. 11 Co.
Cristo. Mesmo a Lei, entretanto, pode 5: 21; Rm. 3: 21-31; 4: 1-13).
levar uma alma a Cristo (cons. Gl. 3: 15- 4) Superior em Destino. 3: 10,11.
29); mas o judaísmo degenerado trans- 10. A nova dispensação é superior à
formou-a em uma massa de formas sem velha pelo fato da nova não estar su-
vida (cons. Is. 1: 10-20; Jr. 7:21-26). jeita à diminuição ou demolição. A
A nova era da "graça e verdade" (10. glória da velha não passava de um refle-
1: 17), já antecipada no V.T. (cons, xo da nova; foi uma "cópia e sombra"
Ez. 37: 1-14; 47: 1-12), agora está ple- (Hb. 8: 5; 10: 1) da nova. 11. O que
namente realizada na dinâmica dispen- era (E.R.C.) "está sendo abolido"; a
sação da graça (cons. Jo.4:23; 6:63; nova permanece. Os verbos desvanecia
Rm. 2: 28; 7: 6). e é permanente são particípios presen-
3) Superior em Grau. 3: 7-9. 7. tes no original grego. Cons. Hb. 12:
Leia ~x. 34: 29-35 para compreender 18-28.
os antecedentes. A dispensação da 5) Superior na diagnose. 3: 12-17.
"letra" é inferior à dispensação do 12. O novo excede o velho em alto grau
"espírito" em 1) natureza essencial - na clareza e na perspicuidade. O uso de
morte (cons. Rm.7:5, 10, 11; Gl.3: tal evoca a qualidade inerente da coisa
10,21,22); 2) forma externa - grava- que está sendo aplicada (como em Mt.
do ... em pedras (cons. Êx , 24: 12; 31: 19: 14; Jo. 9: 16; Gl. 5: 21,23; Hb.
18); 3) mérito permanente - da glória 13:16). Paulo usa a palavra esperança
... ainda que desvanecente. O verbo em todas as epístolas com exceção de
(katargeo) na última cláusula significa Filemom. Ousadia no falar (parresia;
"abolir, remover, pôr de lado" (Arndt); cons. 11 Co. 7: 4) descreve literalmente
exceto em dois lugares (Le. 13: 7 e Hb. o modo de falar dos cristãos primitivos
2: 14) ele foi usado exclusivamente por (cons. Atos 2: 29; 4: 13,29,31) e Paulo
Paulo no N.T. (por exemplo, 11 Co. (cons. Ef. 6: 19; Fp. 1: 20) no seu tes-
3: 1, 13, 14; I Co. 15: 24, 26; 11 Tm. temunho contra judeus e gentios. Os
1: 10). crentes não se envergonhavam do Evan-
gelho, porque sabiam que ele tinha um
8. A negativa não (ouki) espera uma poder Último e uma vitalidade que não
forte resposta positiva (como em I Co. podiam ser encontrados em parte alguma
9: 1; 10: 16, 18). O argumento usado (cons. Rm. 1: 16, 17). 13. Temos aqui
aqui é o chamado argumentum a minore a motivação da "grande ousadia" dos
ad ma jus: se a menor de duas coisas é cristãos. Moisés punha véu (o verbo
verdade, quanto mais será verdade a está no tempo imperfeito) sobre a sua
maior. face para que os israelitas não vissem
9. A velha díspensação tinha a sua a terminação do que se desvanecia. Na
glória, é preciso admitir (cons. Rm. inspirada interpretação do V.T., a glória
9: 4, 5); mas a nova dispensação em evanescente que reluzia no rosto de
muito maior proporção será glorioso Moisés depois de sua comunhão com
(cons. Hb. 8: 6 e segs.; 9: 11-15). No Deus torna-se um tipo de glória transi-
V.T. "justiça eterna" (Dn. 9: 24) foi tória da velha dispensação.

-119 -
ncoRÍNTIOS 3: 14-18 - 4: 1

14. Aqui Paulo dá uma aplicação que a alma crê, "então o véu se tirará"
espiritual para o véu físico sobre o rosto - a retirada do véu sincroniza-se com
de Moisés. Esse véu torna-se agora um o ato da fé salvadora (cons. Is.25:7;
véu que não permite aos judeus com- Zc. 12: 10).
preenderem a verdadeira importância 17. O Senhor é o Espírito. Esta
da antiga aliança quando o lêem. A pa- construção no grego, com o artigo de-
lavra noema, aqui traduzida para sen- finido antes de ambos, sujeito e predi-
tidos, foi quase que exclusivamente cado (cons. IJo.3:4), indica identida-
usada nesta epístola (2: 11; 4:4; 10: de de natureza. Por Senhor aqui devemos
5; 11:3; cons. Fp.4:7). O verbo cog- entender Jesus Cristo (quase universal-
nata (noeo) designa "reflexão racional mente nas cartas de Paulo; por exemplo,
ou percepção Última" (Amdt; cons. nCo.5:6,8,11; 8:5; 10:8; 12:1,
seu uso em Jo.12:40; I Tm.l:7; Hb. 8). Aqui Paulo está ensinando que Cris-
11: 3). A forma passiva se embotaram to e o Espírito têm a mesma essência
indica o endurecimento judicial que caiu (cons. Jo.1O:30); suas pessoas perma-
sobre Israel quando a nação rejeitou necem distintas. Conforme anunciado
Cristo (cons. Jo. 12:40; Rm. 11: 7, 25). profeticamente (Is. 61: 1, 2; J oe1 2: 28-
Tal endurecimento ou cegueira pode ser 32), a nova dispensação devia se carac-
devido à ação de Deus (cons, ~. 11: terizar pelo derramamento do Espí-
7,8), Satanás (cons. 11 Co.4:4), ou o rito. O Senhor Jesus enviou o Espí-
próprio homem (cons. Hb. 3: 8). O verbo rito (cons. Jo. 16: 7). Quando e "sem-
é removido (presente passivo de katar- pre que" (11 Co. 3: 16) o Espírito re-
geo; veja II Co. 3: 7b) significa que este genera o coração, há uma verdadeira
véu da cegueira espiritual está sendo re- liberdade (cons. Jo.8:32; G1.5:1,
movido dos corações dos crentes israe- 13).
litas a partir do momento em que eles 6) Superior no desenlace. 3: 18. Aqui
"vêem" Cristo como seu Salvador (cons. está o grande final. Usando Êx.34:
Jo. 9: 40, 41). 29-35 como cenário, Paulo faz um resu-
mo das vantagens possuídas pela nova
15. O Pentateuco era costumeira- dispensação: 1) liberdade - com rosto
mente lido - quando é lido Moisés - desvendado; 2) intimidade - contem-
nas sinagogas (cons. Atos 15: 21). Pau- pIando ... a glória do Senhor (cons.
lo não tinha dúvidas quanto à auto- Êx.33:17-23, IJo.3:1,2); 3) eficá-
ria (cons. Atos 26: 22; 28: 23; Rm. cia - somos transformados ... na sua
10:5,19; ICo.9:9). Foi até mes- própria imagem; 4) perfeição - de gló-
mo necessano que Cristo "abrisse" ria em glória (cons. Is. 66: 11, 12); 5)
as mentes de seus próprios discípu- origem sobrenatural - como pelo Senhor,
los quanto ao significado messiânico do o Espírito. A última declaração, iguala
V.T. (cons. Lc. 24, 25, 26, 32, 44, 45). Cristo e o Espírito na obra coopera-
16. O quando deve ser retido. É a mesma tiva da salvação (cons. 11 Co. 3: 17;
partícula indefinida usada no versículo Jo. 7: 39; 15: 26; 16: 6-14).
15 (mas em nenhum outro lugar do
N.T.). O sujeito de se converte tanto E. O dualismo de Paulo é explicado.
pode ser "o coração" quanto "ele" 4: 1-18.
(isto é, o israelita individualmente). O 1) O Escondido e o Revelado. 4: 1,2.
verbo é epistrepho e costuma indicar 1. Observe três coisas: 1) nossa riqueza
conversão (cons. Lc. 1: 16,17; Atos - tendo este ministério; 2) nosso lem-
3:19; 26:20; ITs.l:9). Sempre brete - segundo a misericórdia que nos

-120 -
fi CORINTIOS 4: 1-12

foi feita (cons. I Tm.1: 13, 16); 3) nos- Rm.1: 1; Gl. 1: 10; Fp.1: 1; n.1: 1).
so recurso - não desfalecemos (cons. Aqui ele usa o terrno para descrever o
o mesmo verbo em 11 Co. 4: 16; Le. seu relacionamento com os seus conver-
18:1; Gl.6:9; Ef.3:13; I1Ts.3: tidos em Corinto.
13). 2. O ato decisivo, rejeitamos, 4) As Trevas e a Luz. 4: 6. Paulo
explica-se por duas negativas concomi- volta-se para a criação (Gn. 1: 3) em
tantes: 1) não andando com astúcia; busca de um protótipo de sua própria
2) nem adulterando a palavra de Deus. conversão (cons. Atos 9: 3 e segs.). O
A vida resultante está descrita de acordo Deus que criou a luz física ilumina nos-
com os seus 1) recursos - pela manifes- sas mentes na nossa re-criação quando
tação da verdade; 2) método - nos nós olhamos na face de Cristo à procura
recomendamos à consciência de todo de salvação.
o homem; 3) medida - na presença de 5) Os Fracos e o Poderoso. 4: 7. Com
Deus. Os cristãos deveriam renunciar este tesouro Paulo nos faz lembrar que
(como aqui), repudiar (cons. 6: 14- o Evangelho é uma jóia de valor (cons.
17) e reprovar (cons. Ef. 5: 11) as cou- Mt.13:44,52) que lhe foi consignada
sas que por vergonhosas se ocultam (cons. Ef. 3: 1,2,7,8). A natureza
(cons. Rm. 6: 21; I Co. 4: 5). humana na sua fraqueza e fragilidade foi
2) Os Cegos e os Iluminados, 4: 3,4. descrita na frase vasos de barro (cons.
3. O se indica a realidade. Nosso evan- Atos 9: 15). A palavra excelência (hy-
gelho. O único evangelho (cons. GI. perbole) significa "excesso, qualidade
1: 6 e segs.). Está encoberto (pelo extraordinária ou caráter extraordinário"
véu). O tempo perfeito retrata o es- (Arndt). A palavra só foi usada por Paulo
tado fixo. O particípio perfeito foi no N.T. (11 Co. 1: 8; 4: 7,17; 12: 17;
corretamente traduzido por os que Rm. 7: 13; I Co.12:31; Gl. 1: 13).
se perdem (cons. 2: 15). O uso de en- 6) Provações e Vitórias. 4: 8-10. Es-
coberto (escondido) toma obscura a re- tes versículos podem ser assim resumi-
ferência implícita a 3: 13-18; o "véu" dos: 1) Todos os verbos em 8-10a são
que "cegou" a mente dos judeus tor- particípios presentes e estão gramatical-
nou-se agora o "véu" que Satanás usa mente relacionados a "nós" em 4: 7.
para "cegar" os que se perdem. 4. Sa- Eles explicam ou ilustram o segredo
do poder de Paulo nos "vasos de barro".
tanás, aqui, foi chamado de o deus deste
século (também no grego; cons. Jo. 2) Esses particípios parece que estão
12:31; 14:30; 16:11; Ef.2:2). A em ordem ascendente - aumentando de
palavra imagem (eikon) foi duas vezes intensidade. 3) São paradoxais e anti-
aplicada a Cristo em outras passagens téticos - contrastando natureza com
(CI. 1: 15; Hb. 1: 3). O verbo resplan- graça. 4) Além disso, embora com
deça (augazo) encontra-se apenas aqui base em 2: 14 e segs.; sobem mais alto
noN.T. na escada que nos leva através de 6:
4-10 até o clímax em 11: 16-23. Le-
3) Os Escravos e o Senhor. 4: 5. vando sempre no corpo o morrer de
Paulo pregava a Cristo Jesus como Se- Jesus (v. 10). Cons. Rm. 8: 36; I Co.
nhor. O Senhorio supremo de Cristo 15: 31; Gl. 6: 17; CI. 1: 24. O grande
era o centro da pregação apostólica desejo de Paulo era que também a sua
(cons. a mesma construção em Rm. vida se manifeste em nosso corpo (cons.
10: 9; Fp. 2: 11). O original de ser- Gl. 2: 20; Fp. 1: 20).
vos é escravos. Paulo se auto denomina 7) Morte e Vida. 4: 11, 12. O pensa-
"escravo" repetidas vezes (doulos; cons. mento do versículo 10 foi repetido,

-121-
11 CORINTIOS 4: 12-18 - 5: 1

com a significativa adição por causa nente" (Hb. 13: 14).


de Jesus (cons. Atos 9: 16; Fp.1:29). 12) Aflição e Glória. 4: 17. Temos
A vida do apóstolo era uma contínua aqui 1) a disparidade, 2) a intenção, e
exposição à morte - somos sempre en- 3) a solução. A disparidade é tripla: 1)
tregues à morte (cons, 11 Tm. 4: 6). em tempo - momentânea contrastando
Sobre opera (energeo), veja IICo.I:6. com eterno; 2) em magnitude - leve
O poder de Deus também operava em contrastando com peso; 3) em caráter
Paulo (cons. Ef. 3: 20; CI. 1: 29). - tribulação contrastando com glória.
8) O Escrito e o Falado. 4: 13. Pau- A intenção se encontra em produz,
lo, citando SI. 116: 10 (LXX), apresenta um verbo (katergazomai), que signifi-
a razão do seu falar. Tendo, porém, ca "realizar, produzir, criar" (Amdt).
"porque nós temos". Este versículo Este verbo se encontra sete vezes nesta
ensina implicitamente que o Espírito epístola (5:5; 7: 10, 11; 9: 11; 12: 12).
Santo é o Autor da fé, das Escrituras A solução aparece em mui excelente,
e do testemunho. O nós é enfático: onde Paulo quase exaure a língua grega
Paulo, tal como Davi, crê e fala; as duas no seu crescendo de superlativos.
dispensações estão ligadas pela fé (cons. 13) O Visto e o Não Visto. 4: 18a.
Hb.ll:39,40). Que se vêem representa o particípio
9) O Passado e o Futuro. 4: 14. A presente de skopeo (um verbo que apa-
ressurreição dos crentes foi aqui apre- rece em outras passagens do N.T. só
sentada com referência ao seu 1) Autor em Lc.ll:35; Rm.16: 17; GI.6: 1;
- que ressuscitou ao Senhor lesus (cons. Fp.2:4; 3: 17). Não se deve "vigiar o
Atos 3: 26); 2) tempo - nos ressusci- que pode ser visto" (Arndt). Consulte
tará (cons. ICo.15:51,52; ITs.4: 13 Hb. 11: 1,7. 13-15,26 que tem o mes-
e segs.); 3) causa - com Jesus (cons. mo pensamento.
ICo.15:20-23); 4)propósito - e nos 14) O Temporal e o Eterno. 4: 18b.
apresentará convosco (cons. Ef, 5: 27; A palavra temporais (proskairos; em
I Ts. 2: 19,20). outra parte do N.T. só em Mt. 13: 21;
10) A Graça e a Ação de Graças. Mc.4: 17; Hb.l1:25) define o efê-
4: 15. A filosofia de Paulo (todas as mero e o evanescente em contraste com
cousas existem por amor de vós) resul- o permanente e eterno. A eternidade
ta num propósito (para que) que en- é o agora que não acaba; vivemos no
contra uma plenitude da graça que leva meio dela, embora não possamos vê-la.
à ações de graça por meio de muitos, No estado glorificado nós a conhecere-
para glória de Deus. Sobre abundar, mos inteiramente (cons. I Co. 13: 12)
veja 1: 5. e a veremos inteiramente (cons. 110.
11) O Homem Exterior e o Homem 3: 2). Agora andamos pela fé.
Interior. 4: 16. Não desanimamos. Ve-
j a 4: 1. Se corrompa ... se renova. O F. A Motivação da Dedicação de
tempo presente em ambos os verbos Paulo. 5: 1 - 6: 10.
indica ação simultânea. O homem ex- 1) Motivado pelo Conhecimento. 5:
terior corresponde aos "vasos de barro" 1-9. 1. Os cristãos podem saber (oida; o
de 4: 7 e à "casa terrestre" de 5: 1. As mesmo verbo usado em 110.2: 21; 3:
sementes da corrupção e da disinte- 1,2) a verdade sobre o mundo invisível
gração estão no corpo desde o nasci- (cons. IICo.4: 17, 18). O se (ean;
mento. Leia Rm. 8: 18-25 como um cons. seu uso em 110.3: 2) sugere uma
comentário ampliado deste versículo. incerteza quanto ao tempo mas não
"Porque não temos aqui cidade perma- quanto ao fato. A casa terrestre (cons.

-122 -
11 CORÍNTIOS 9: 2-13

desde o ano passado), e pelo zelo. O gens do N.T. apenas em 1 Tm. 6: 6 (mas
verbo (erethizo) por trás de estimulado Paulo aplica o adjetivo a si mesmo em
foi usado aqui no bom sentido. Em Fp. 4: 11). Esta palavra, usada pelos
apenas um único outro lugar do N.T. estóicos, descreve "um estado perfeito
(CI. 3: 21) tem um mau sentido - "irri- de vida no qual não há necessidade
tar, exasperar" (Amdt). de auxílio" (Thayer, Lexicon). A pa-
3. Paulo cria inteiramente que os lavra "suficiência" (hikanotes) em 11 Co.
meios eram necessários para se alcançar 3: 5 designa "capacidade ou competên-
o fim. Este versículo tem muitas apli- cia para fazer uma coisa" (Thayer).
cações espirituais (cons. Atos 27: 24, Os dois termos não são idênticos; uma
31). 4. Uma contingência indesejável pessoa pode ter um deles sem ter o ou-
está expressa em caso (me pos; cons. tro.
seu uso em 2:7; 11:3; 12:20). 5.0 9. O apóstolo usa a construção exata
uso triplo de pro, "antes", é significa- como está escrito doze vezes em Roma-
tivo: me precedessem ... preparassem de nos, duas vezes em I Coríntios, e duas
antemão ... já anunciada. Pleonexia vezes nesta epístola (8: 15 e aqui). Não
seria traduzida melhor para "avareza, a usa mais em nenhum outro lugar.
insaciabilidade, ganância, ambição" A citação é de SI. 112: 9 (LXX). A jus-
(Amdt). tiça que permanece refere-se mais à
recompensa do que à salvação (cons.
D. O Quarto Motivo para Sua Con- 11 Tm. 4: 8; Ap. 19: 8; 22: 11). 10.
clusão: Questão de Mordomia. A plenitude na natureza (aquele que
9: 6-15. dá) é uma garantia para a plenitude
1) Princípios Extraídos da Natureza. na graça (também suprirá ... e aumen-
9: 6. A proporção coextensiva entre o tará). Cons. Is. 55: 10; Os. 10: 12.
semear e o colher encontra sua expres- 3) Princípios Extraídos da Natureza
são no reino espiritual: "Aquele que Cristã. 9: 11-15. 11. O primeiro prin-
semeia sobre o princípio das bênçãos, cípio é o enriquecimento espiritual.
sobre o princípio das bênçãos colherá" Literalmente: em todas as coisas sendo
(Plummer; cons. Pv. 11: 24; Lc. 6: 38; enriquecidos para toda liberdade (como
GI. 6: 7,8). em 8: 2) a qual é tal que (relativo qua-
2) Princípios Extraídos da Natureza litativo como em 8: 10) produz (veja
de Deus. 9: 7-10. 7. Podemos resumi- 4: 17) por meio de graças dadas a Deus.
-lo assim: 1) a pessoa - cada um; 2) 12. O segundo princípio é a ação de
a proporção - segundo tiver proposto; graças. Este serviço (leitourgia; cons.
3) o lugar - no coração; 4) a perversão seu uso em Lc.l:23; Fp.2:17,30;
- não com tristeza, ou por necessidade; Hb. 8: 6; 9: 21) enfatiza o aspecto mi-
5) o princípio - porque Deus ama a nisterial da contribuição. O verbo supre
quem dá com alegria. traduz prosanapleroo, que significa "en-
8. Muito literalmente: Deus pode cher acrescentando" (A.T. Robertson).
fazer-nos abundar em toda graça, a Contribuir para as necessidades dos
fim de que, tendo sempre, em tudo, outros multiplica as muitas graças a
ampla suficiência, superabundeis em Deus.
toda boa obra. Observe a repetição de 13. O terceiro princípio é obediên-
tudo e toda. Sobre Deus pode, veja cia. A prova desta ministração produz
Mt.3:9; 10:28; Mc.2:7; Ef.3:20; dois benefícios: 1) Os cristãos em Jeru-
Judas 24. O substantivo suficiência salém glorificam a Deus pela obediên-
(autarkeia) foi usado em outras passa- cia da vossa confissão; 2) e, conseqüen-

-131 -
11 CORINTIOS 9: 13-14 - 10: 1-10

temente, tomarão conhecimento da "sin- mento de Deus será devastadoramente


ceridade de sua comunhão" (Charles destruída. Observe a dupla repetição
Hodge, An Exposition of the Second de toda e todo. Sobre pensamento
Epistle to the Corinthiansi para com (noema) veja 3: 14. Todas as teorias
todos os crentes. que são hostis à palavra de Deus serão
14. O quarto princípio é a oração. reduzidas a nada.
Sobre com grande afeto (epipotheo) , 6. As implicações teológicas de 10: 5
veja 5: 2. Para entender superabun- teriam uma exposição prática. Literal-
dante (huperballo), consulte outras pas- mente: E estando prontos para vingar
sagens onde foi usada (3: 10; Ef, 1: toda desobediência, quando for cumpri-
19; 2: 7; 3: 19). A expressão em vós da a vossa obediência. Uma vez (hotan,
traduz-se melhor por sobre vós (cons. como em 12: 10; 13: 9; I Co. 15: 24,
a mesma preposição, epi, em 12: 9; 27,28) torna indefinido o tempo, não
I Pe. 4: 14). 15. O quinto princípio o ato. Em corinto havia dois partidos:
é o louvor. Temos aqui Paulo "trans- um desobediente, outro procurando obe-
bordando de gratidão pelo dom do seu decer.
Filho" (Hodge, op. cit.). Cons. 10.3:
16; Rm. 6: 23. B. Autoridade Construtiva. 10: 7-18.
7. Evidentemente alguns em Corinto
Ill. As Credenciais. 10: 1 - 13: 14. mediam um homem segundo a aparên-
cia E.R.C. (cons. I Co. 1: 12; 3: 3, 4).
A. Armadura Espiritual. 10: 1-6. O se julga verdadeira a situação (como
1. Observe a ênfase de e eu mesmo, em 11 Co. 5: 17). O verbo confia (se-
Paulo - como se antecipasse a defesa gundo perfeito de peitho, "confiar" -
que agora adota contra aqueles que que- como em 5: 11) estabelece uma persua-
riam impugnar sua autoridade apostó- são interna que resulta em convicção
lica. Sobre quando presente veja 10: externa (cons. seu uso em Fp. 3: 4;
10; I Co. 2: 3, 4. 2. Paulo diz que ele 11 Tm. 1: 5,12). Nenhum grupo pode
pretende tratar com severidade alguns estar mais confiante do que aqueles que
em Corinto que estavam lhe impondo são enganados pelo diabo (cons. 11 Co.
padrões do mundo (cons. 13: 2,10). 4: 3, 4; 11: 13 e segs.). Sobre assim
3. Sobre andando, veja 5: 7; cons. tam- como ... também, veja 1: 5.
bém 12: 18. O apóstolo freqüente- 8. Temos aqui uma oportunidade 1)
mente usava linguagem militar (cons. assentada - se eu me gloriar, 2) pos-
Rm. 13: 12, 13; Ef. 6: 13-17; I Tm. suída - nossa autoridade, 3) recebida
1:18; IITm.2:3,4). - a qual o Senhor nos conferiu, 4) de-
4. Este versículo parentético - com finida - para edificação, e 5) justifi-
possível alusão à queda de lericó (ls. cada - não me envergonharei.
6: 1-27) - descreve a milícia do cristão, 9. Não obstante insinuações sinistras,
tanto positiva quanto negativamente. Paulo não queria intimidar (ekfobeo;
5. Temos aqui um comentário micros- só aqui no N.T.) seus convertidos com
cópico sobre o livro do Apocalipse. A suas cartas. 10. As sutis implicações
terminologia militar faz-nos lembrar Ef. das murmurações em Corinto eram que
2: 2; 6: 12. Subjugação e submissão a presença de Paulo (parousia; veja 7:
são os pensamentos principais. Essa 6) era um tanto menos eficiente que
toda altivez que se levante (presente as suas cartas. Se os habitantes de Lis-
passivo de epairo; cons. huperairo em tra podiam chamar Paulo de Hermes
12:7; IITs.2:4) contra o conheci- (cons. Atos 14: 12), parece que a igno-

-132 -

I I II 'I I 'I
II CORÍNTIOS 10: 10-18 -11: 1·4

mima do desprezível surgiu mais da sempre expressa um relacionamento ín-


animosidade do que da realidade. Cons. timo e místico com Cristo. A frase é
11 Pe. 3: 15, 16. 11. Sobre tal veja 3: 12; mais ou menos uma marca registrada
cons.12:2,3,5. Que o que somos cor- espiritual (por exemplo, Rm. 16: 12, 13,
responde ao grego (hoioismen). As 22; Fp. 4: 1,214,10; Fm.20). Ne-
palavras e obras de Paulo correspondiam nhum outro escritor do N.T. a usa. 18.
- quer ausente quer presente. Que seu Paulo preferia infinitamente mais o mui-
difamador se precavesse! to bem de Cristo (Mt. 25: 21,23) a to-
12. Paulo não se tomaria um mem- dos os aplausos dos mestres auto-reco-
bro da Sociedade dos Mestres Auto-Re- mendados (cons. 11 Co. 10: 12). Sobre
comendados de Corinto. Tais homens Senhor veja 11 Tm. 4: 8, 14, 17, 18,22.
1) se louvam a si mesmos; 2) medin-
do-se consigo mesmos; 3) revelam in-
sensatez (suniemi; cons. seu uso em C. Apreensão Justificável. 11: 1-6.
Mt. 13: 13 e segs.; Atos 7:25, 26; Rm. 1. Literalmente: Oxalá me supor-
3: 11 - não conseguem juntar dois com tásseis um pouco na minha loucura!
dois). O apóstolo não dava valor ao di- Mas vocês realmente me suportaram.
tado - "todos os mestres concordam". A última cláusula pode ser entendida
13. Paulo não se gloriava como seus mais ou menos ironicamente. Oxalá
oponentes (cons. 10: 12). Deus lhe expressa uma forte explosão emocio-
demarcou um território ou província nal (como em Rm. 9: 3). 2. Temos aqui
para evangelizar (cons. Gl. 2: 7; Ef.3: a sua 1) paixão - zelo por vós; 2) posi-
1-9). Nesse território, que incluía Co- ção - visto que vos tenho preparado
rinto, ele se gloriava. para ... um só esposo; 3) propósito
14. Paulo e seus auxiliares não se - para vos apresentar como virgem ...
intrometiam presunçosamente entre os a Cristo. Os falsos mestres em Corinto
coríntios. Eles foram 1) por província estavam procurando persuadir a igreja
- não ultrapassamos os nossos limites; a se afastar de Cristo. O "casamento"
2) por prioridade - posto que já che- aconteceu na conversão; a "apresenta-
gamos até vós; 3) por proclamação - ção" será consumada no Segundo Ad-
com o evangelho de Cristo. Paulo fa- vento (cons. Ef. 5: 26, 27; Ap. 21: 2,
la uniformemente do evangelho de 9; 22: 17).
"o Cristo", isto é, do Ungido (como 3. A perturbação de Paulo foi inten-
em 2: 12; 4:4; 9: 13; Rm. 15: 19; sificada através de um paralelo (assim
Gl.l:7; Fp.l:27; ITs.3:2). 15,16. como a serpente enganou a Eva; cons.
Estes versículos enunciam princípios Gn.3:4, 13), o qual, no caso dos corín-
espirituais, tais como: 1) Um minis- tios, poderia causar idêntica perversão
tro não deve se gloriar nos trabalhos (sejam corrompidos as vossas mentes).
alheios ou no que estava já preparado. O verbo enganou representa uma pa-
(E.R.C.). 2)A fé de uma igreja (cres- lavra composta (exapatao) que carrega
cendo a vossa fé) afeta a atividade de em si a idéia de mentira completa (cons.
um ministro. 3) Pelo crescimento espi- I Tm. 2: 14). Sobre mentes veja 11 Co.
ritual uma igreja capacita um ministro 3: 14. Em grego, a última metade diz
a evangelizar além das vossas fronteiras; assim: Seus pensamentos poderiam se
(cons. Rm. 15: 19-29). corromper afastando-se da simplicida-
17. Cita como Escritura em I Co. de e da pureza que leva a Cristo (PIum-
1:31 (cons. Jr.9:24). Nas epístolas mer).
de Paulo, o no (en) na frase, no Senhor, 4. Pregado ... recebido ... abraçado.

-133 -
11 coarsnos 11: 4-15

Paulo se refere ao tempo de sua con- 15).


versão (cons. ICo.15:1,2). Devería- 12. Este versículo tem sido alvo
mos traduzir um espírito diferente e de variadas traduções e interpretações.
um evangelho diferente (Gl. 1: 6-8). 5. Três coisas estão visíveis: 1) Paulo con-
Parece que por esses tais apóstolos - tinuaria com sua política de não acei-
uma descrição naturalmente sem a in- tar ajuda financeira dos coríntios. 2) Es-
tenção de elogiar - Paulo tem em men- sa política financeira foi motivada pelo
te os falsos apóstolos de 11: 13-15. 6. desejo de solapar os falsos mestres. 3)
O apóstolo admite uma falha (falto no Não tendo nada do que acusar Paulo
falar). Mas ele declara um domínio a esse respeito, os falsos mestres se-
no conhecimen to (cons. I Co. 2: 6-13 ; riam considerados iguais a nós, isto é,
Gl. 1: 11-17; Ef. 3: 1-13) e uma efi- julgados pelos mesmos padrões; sua
ciência em tornar esse conhecimento proclamada superioridade se evaporaria.
"manifesto entre todos os homens no 13. Paulo descreve seus antagonistas as-
meio de vós" (plummer; cons. Rrn. sim: 1) seu caráter - falsos apóstolos;
16:26; Cl.1:26; 4:4; IITm. 1: 10; 2) sua chicanice - obreiros fraudulen-
Tito 1: 1-3). tos; 3) sua camuflagem - transfor-
mando-se em apóstolos de Cristo. So-
D. Humilhação Razoável. 11: 7-15. bre os tais veja 3: 12. O verbo me tas-
7. Cometi eu, porventura, algum pe- kematizo, traduzido para transfonnan-
cado fala da seriedade das acusações fei- do-se, difere do verbo metamorfoo em
tas contra Paulo. Em humildemente 3: 18, como uma mudança externa di-
vemos o ensinamento (Mt, 18:4; 23: fere de uma interna.
12) e o exemplo (Fp. 2: 8) de Jesus. 14. Não é de admirar (thauma; em
A "exaltação" dos coríntios foi das pro- outra passagem do N.T. só em Ap. 17:
fundezas das trevas do paganismo às 6) que Satanás esteja se transformando
alturas da comunhão com Deus (cons. (a prática habitual indicada pelo tempo
Ef. 2: 1 e segs.; I Pe. 2: 9,10). Sobre presente médio) em anjo de luz (cons.
gratuitamente veja 11 Co. 12: 14; Atos Gn. 3: 5; Jó 2: 1; Is. 14: 13 e segs.;
20:33-35; ICo.9:4-18; ITs.2:9. Ez. 28: 1-19; Mt. 4: 8, 9; 11 Ts. 2: 4).
8,9. A justa indignação de Paulo con- 15. Esses ministros satânicos participam
tra as falsas insinuações instigou-o a usar da perversidade de seu pai (cons. J O.
uma forte linguagem em sua defesa. 1) 8: 44), ostentam sua parafernália teo-
De outras igrejas tomou salário. 2) Suas lógica, e perecem em sua perdição pre-
terríveis necessidades em Corinto foram destinada (cons. Mt. 7: 22, 23; 25 :
supridas por alguns macedônios (cons. 41; Ap. 20: 10, 15). Como tais homens,
Fp. 4: 15, 16). 3) Sua política fixa era ainda conosco hoje em dia, se disfar-
de não se tornar pesado aos coríntios. çam em ministros de justiça? 1) Rejei-
10. Este versículo é uma declaração tando a justiça de Deus enquanto insis-
forte, com ênfase sobre o está: "A ver- tem sobre o mérito dajustiça do homem.
dade de Cristo está em mim, esta glória 2) Negando os fatais efeitos do pecado
não me será impedida nas regiões da sobre a original justiça do homem, en-
Acaia". O verbo tirada (jarasso) foi usa- quanto insistem que a natureza do ho-
do em outras passagens do N.T. em mem ainda é basicamente justa. 3)
Rrn.3:19; Hb.ll:33. I1.Paulo in- Nulificando a justiça imputada de Cristo
voca a Deus por testemunha de que ele (cons. 5: 21) enquanto insistem que a
ama os coríntios mesmo quando lhe Sua morte ainda tem algum efeito moral
imputam motivações erradas (cons. 12: sobre a humanidade. 4) Duvidando da

-134 -

II , 'I I "
I I
11 CORiNTIOS 11: 15-33 - 12: 1-4

absoluta justiça de Cristo, enquanto lho humano (cons. Fp, 3: 4 e segs.);


insistem que a Sua vida, embora imper- 3) as perseguições de Paulo (11 Co. 11:
feita, ainda é digna de nossa imitação. 24b, 25) - seus muitos sofrimentos
por amor de Cristo; 4) os perigos en-
E. Assiduidade bem conhecida. 11 : frentados por Paulo (vs. 26,27) - os
16-33. freqüentes perigos enfrentados em suas
16. A palavra insensato (afron) foi viagens; 5) as perturbações de Paulo
traduzida de várias formas (11: 19; 12: (vs. 28, 29) - sua ininterrupta preo-
6,11; Lc.I1:40; 12:20; Rm.2:20; cupação com todas as igrejas; 6) o
ICo.15:36; Ef.5:l7; IPe.2:l5). princípio de Paulo (v. 30) - sua para-
Significa "sem juízo" - agir "sem re- doxal glória na fraqueza; 7) o protes-
flexão ou inteligência" (Thayer). 17. to de Paulo (v. 31) - sua principal de-
Com não o falo segundo o Senhor Paulo ferência para com o conhecimento di-
simplesmente quer dizer que sua glória vino da veracidade do seu registro.
forçada não tem base na vida de Cristo. 32,33. O incidente aqui registrado
18. Com segundo a carne (cons. 5: 16) (o qual, superficialmente, parece um
deve se entender hereditariedade, aqui- anticlímax) harmoniza-se lindamente com
sições intelectuais e honras (cons. Fp. 1) a narrativa de Atos 9: 23-25, 2) os
3: 4). Relutantemente Paulo fez uso fatos conhecidos da história antiga (A-
de métodos usados pelos muitos a fim retas reinou de 9 A.C. até 39 A.D.), e
de salvaguardar a sua obra em Corinto 3) a providência divina. Paulo recor-
de completa ruína. dava-se desse incidente do começo do
19. Litera1mente; Porque de boa seu ministério (cons. Gl. 1: 17) como
mente vocês toleraram os insensatos, sendo o acontecimento dramátíco que
sendo sensatos. A cortante ironia dessas estabeleceu o padrão de sua vida por
palavras seria logo entendida pelos so- todos os anos que se seguiram.
fisticados coríntios (cons. I Co. 4: 8-10).
20. Cinco verbos, em intensidade cres- F. Aflição Compensatória. 12: 1-10.
cente, expressam as indignidades que os 1. Havia uma certa "obrigação moral"
coríntios bajuladores espontaneamente (dei, como em Ef. 6: 20; Cl. 4: 4) na
suportam nas mãos dos falsos profetas. glória de Paulo, ainda que não fosse
Esses homens 1) os degradaram - quem conveniente (sumfero; veja 8: 10; cons.
vos escravize; 2) os destruíram -- quem o mesmo verbo em Jo.l1:50; 16:7;
vos devore; 3) os defraudaram - quem 18: 14; I Co. 6: 12; 10: 23). Este ver-
vos detenha; 4) os ridicularizaram - sículo expressa a compulsão de Paulo
quem se exalte; 5) os difamaram - quem (é necessário que me glorie), a repul-
vos esbofeteie no rosto. Os simplórios são (ainda que não convém), e o im-
vítimas da duplicidade são os mais fe- pulso (passarei, etc.).
rozes defensores daqueles que os cor- 2-4. O apóstolo objetivou-se com
rompem! Cons. Mc. 12: 40; I Pe. 5; o propósito de defender suas visões
2,3; 11 Pe. 2: 10-22; Judas 8-16. e revelações à vista dos falsos êxtases
dos falsos mestres. Sua visão era 1) pes-
21-31. Nestes versículos temos 1) soal - conheço um homem; 2) cristã
a provocação de Paulo (v. 21) - sua relu- - em Cristo (portanto, não pertencen-
tante autodefesa contra calúnias in- te ao judaísmo ou paganismo); 3) his-
justificadas; 2) as pretensões de Paulo tórica - há catorze anos (portanto
(vs. 22-24a) - sua superioridade em com data histórica - não uma ficção);
todas as questões que envolviam orgu- 4) misteriosa - se no corpo ... não

-135 -
11 CORÍNTIOS 12:4-14

sei, etc.; 5) estática - foi arrebatado po perfeito em 10. 19: 28,30; 11 Tm.
até ao terceiro céu (cons. Enoque, Elias, 4: 17) significa está sendo (continua-
Ezequiel); 6) revelatória - ouviu pala- mente) aperfeiçoado (cons. Hb. 5: 9). O
vras inefáveis; 7) indelével - foi-me verbo repouse (episkenoo) aparece ape-
posto um espinho na carne (v. 7). nas aqui no grego b íblico. O verbo
simples skenoo se encontra em 10. 1:
6. As idéias aqui são duas principal-
14; Ap. 7: 15; 21:3. A tradução de
mente: 1) Se Paulo deseja gloriar-se
Plummer, "estenda uma tenda sobre
mais, não seria néscio; pois ele falava
mim", é uma reminiscência da fraseo-
a verdade (aletheia; cons. seu uso em
logia do V.T. (cons. ex. 33: 22; SI.
4: 2; 6: 7; 7: 14; 11: 10; 13: 8). 2)
90:17; 91:4; Is.49:2; 51:16).10.
Ele os poupou tfeidomai, como em 1: 23;
Ninguém pode sentir prazer (eudokeo;
13: 2) de uma exibição mais detalhada
veja 5: 8) nas cinco adversidades men-
de seus privilégios especiais temendo
cionadas aqui, a não ser por amor de
que alguém pudesse estimá-lo acima do
Cristo (cons. 5: 20; Fp. 1: 29; C1. 1:
que visse ou ouvisse dele. Paulo não
24; III 10. 7). Sobre quando (hotan),
tinha desejo de se tornar um "super-
veja 11 Co. 10: 6.
-homem" nem de encorajar uma ado-
ração de homens, ainda que heróis.
7. Uma passagem clássica. A mag- G. Confirmação Suficiente. 12: 11-13.
nitude das revelações de Paulo (sobre l l . Uma súbita compreensão (tenho-
grandeza, veja 4.7) levaram o Senhor a -me tomado insensato) justifica-se I)
lhe dar um estorvo divino (um espinho) pela natureza forçada da autovindica-
para reduzir qualquer tendência de exalo ção do apóstolo; 2) pela superioridade
tação orgulhosa. Paulo precisava de do seu apostolado; e 3) por sua humil-
um lembrete que lhe fizesse ver que, dade essencial (ainda que nada sou;
apesar do seu arrebatamento, ainda cons. 1 Co. 15: 9; Ef. 3: 8; 1 Tm. 1: 15).
era um homem entre os homens. Nos- 12. As credenciais do apostolado pode-
sas in formações são mui to imprecisas riam provavelmen te ser assim resumidos:
(cons. 1: 8) para justificar nossa dogma- 1) uma chamada divina (G1.1: 15, 16);
tização quanto à natureza exata desse 2) um encargo divino (Atos 9: 5, 6,15 e
espinho na carne. Sobre exalte veja segs.); 3) uma vida transformada (I Tm.
10: 5. 8. Paulo orou especificamente 1: 13-16); e 4) milagres comprova-
(por causa disto), encarecidamente (pe- dores (Atos 5: 12-16). Sobre foram
di ao Senhor), e com propósito (que o apresentados, veja 11 Co. 4: 17. Cons.
afastasse de mim). Sobre Senhor veja Atos 2: 22; IITs.2:9; Hb.2:4. 13.
10: 17, 18. Evidentemente os coríntios desenvolve-
ram um "complexo de inferioridade"
9. O tempo perfeito em me disse
pelo fato de Paulo não lhes ter sido
registra a completa aquiescência de
pesado financeiramente. Ele suplicou
Paulo na resposta definitiva de Cristo.
(ironicamente?) que esta injustiça (adi-
Só aqui no N.T. encontramos a minha
kia, significando "injustiça, maldade"
graça (cons. Fp. 1: 7). O verbo (arkeo),
- Arndt) lhe fosse perdoado!
no predicado te basta, indica que a gra-
ça de Cristo está "cheia de força infa- H. Associação Benéfica. 12: 14-18.
lível" (Thayer). Este verbo foi algumas 14. Aqui Paulo apresenta o seu pro-
vezes traduzido para estar satisfeito pósito - ir ter convosco, preparo -
(Lc.3:14; ITm.6:8; Hb.13:5). O pronto, precaução - pois não vou atrás
presente passivo de teleo (cons. o tem- dos vossos bens, mas procuro a vós ou-

-136 -

I I ll i
'I I II
11 coaemos 12: 14-21 -13: 1-S

tros, e preceito - não devem os filhos, eu venha a chorar; a pertinácia do pe-


etc. cons. 13: 1. 15. Literalmente: Mas cado - e não se arrependeram; a de-
eu de muita boa vontade gastarei, e me pravação - impureza, prostituição, e
deixarei gastar pelas vossas almas, ainda lascívia; e prática - que cometeram.
que, amando-vos cada vez mais, seja
menos amado. Paulo foi além do amor J. Aspereza Desculpável. 13: 1-10.
dos pais pelos filhos; mas o seu amor I. Paulo prometeu que, usando o mé-
foi recíproco na proporção inversa de todo escriturístico (cons. Dt. 19: 15; Mt.
sua in tensidade! 18: 16; JO.8: 17), ele investigaria de
16-18. Os detratores do apóstolo modo completo todas as acusações
acusaram-no de ser astuto. A sutil (cons. 11 Co. 13: 1). 2. A dúvida ex-
insinuação parece ter sido que, em- pressa pelo se (ean; veja 5: 1) refere-se
bora Paulo não lhes fosse pesado a ao tempo, não ao fato, de sua visita.
eles como igreja, conseguiu manobrar Paulo os poupara anteriormente (cons.
de tal maneira a coleta que aprovei- 1: 23); agora tinha de julgá-los (cons.
tou-se dela. O apóstolo responde a este I Pe. 4: 17, 18).
ataque indecente 1) mencionando o com- 3. Eis aqui a razão de Paulo não po-
portamento escrupulosamente impecável der poupá-los: eles estavam realmente
dos dois homens que ele enviou a Co- buscando prova (dokime; veja 2: 9)
rinto, e 2) afirmando que o seu padrão de que em mim Cristo fala (também
de conduta era igual ao padrão deles. no grego). Esta passagem é uma afir-
As perguntas exigiam resposta negati- mação definida da inspiração e autori-
va. Sobre sendo (huparko) veja 8: 17. dade do apóstolo. Rejeitá-lo significa
rejeitar a Cristo. Este mesmo Cristo é
poderoso em vós, isto é, entre vós ex-
I. Ansiedade Justificada. 12: 19-21. ternamente (cons. 5: 17). 4. O em indi-
19. Paulo não se defendia diante dos ca fonte (ek; cons. Gl. 3: 8). O contraste
coríntios como se eles fossem juízes é triplo: 1) entre fraqueza e poder de
(cons. I Co. 2: 15). Todo o seu minis- Deus; 2) entre a morte de Cristo (foi
tério era exercido 1) perante Deus, 2) crucificado) e Sua vida ressurreta (con-
em Cristo (cons. 11 Co. 12: 2), e 3) pa- tudo vive); 3) entre a fraqueza humana
ra vossa edificação. de Paulo (nós também somos fracos
20. Aqui o apóstolo revela: 1) seu nele) e o poder apostólico de Paulo
temor subjetivo - a disparidade entre através de Cristo (mas viveremos com
o seu ideal para os coríntios e sua con- ele para vós outros pelo poder de Deus).
dição real; 2) seu temor objetivo - a Com a última declaração devemos enten-
disparidade entre a opinião que tinham der, não a vida ressurreta na glória, mas
dele e a sua real conduta quando esti- antes a eficácia do ministério de Paulo
vesse entre eles; 3) os motivos para como embaixador do Senhor ressusci-
tais temores: a possível existência entre tado. Cons. I Co. 2: 3-5.
eles de oito males - pendência, invejas, 5. Aqui Paulo volta-se para os seus
iras, porfias, detrações, mexericos, or- acusadores e os sujeita a um exame de-
gulhos, tumultos! O silvo da serpente sagradável. 1) Os homens examinados
(cons. 11: 3) ainda podia ser ouvido em - vós (enfático). 2) O método do exame
Corinto! Sobre de alguma maneira - Examinai-vos ... provai-vos. Os impe-
(E.R.C.), veja 2:7; 9:4. 2I.Este ver- rativos presentes expressam ação repe-
sículo ilustra pitorescamente: a pertur- tida ("continuem ... "). 3) O critério
bação causada pelo pecado - que ... do exame. O primeiro é objetivo: estais

-137 -
11 COR1NTIos 13: 5-13

na fé? Vocês realmente pertencem edificação, e não para destruir).


"à família da fé"? (Gl. 6: 10; cons.
Atos 6: 7; 14: 22). O segundo é sub-
jetivo: Jesus Cristo está realmente em K. Um Adeus Cristão. 13: 11-14.
vós? (cons. Rm. 8: 10; Gl. 2: 20; Cl. 11. Os cinco preceitos aqui apre-
1: 27). 4) O possível resultado do exa- sentados estão todos no imperativo pre-
me - Se não é que já estais reprovados. sente ("continuem ... "). Os precei-
Veja versículo seguinte. Este exame tos são: 1) regozíjai-vos, E.R.C. (kairo;
não estava além da sua capacidade, cons. seu uso em 2: 3; 6: 10; 7: 7, 9,
, pois eles deviam "saber perfeitamente" 13, 16; 13: 9); 2) aperfeiçoai-vos (ka-
(epiginosko; veja 11 Co. 1: 13, 14) estas tartizo, significando "restaurar à antiga
coisas. 6. A palavra (adokimos ) por posição" - Amdt; cons. a forma subs-
trás de reprovados indica o oposto de tantiva no v. 9); 3) consolai-vos (para-
"aprovados" (cons. 10: 18; 1: 28; I Co. kaleo; cons. seu uso em 1: 4,6; 2: 7;
9: 27; 11 Tm. 3: 8; Tito 1: 16; Hb. 7: 6, 7,13); 4) sede do mesmo parecer
6: 8). (lit., pensem a mesma coisa - como em
7. Temos aqui 1) a oração (Estamos Rm.12: 16; IS: S; Fp. 2: 2; 4: 2);
orando); 2) o propósito declarado ne- S) vivei em paz (eireneuo; em outro
gativamente (que não façais mal) e po- lugar do N.T. só em Mc. 9: SO; Rm.
sitivamente (que façais o bem); 3) a 12: 18; I Ts. S: 13; Amdt usa aqui man-
possibilidade - declarada negativamente tenham a paz). O amor de Deus (cons.
(não para que simplesmente pareçamos Jo.3:16; IJo.3:1; 4:9,10) e a paz
reprovados) e positivamente (embora se- de Deus (cons. Rm. 16: 20; Fp. 4: 7;
jamos tidos como reprovados). 8. Com Hb. 13: 20) estão unidas em uma ben-
nada podemos Paulo expressa uma im- dita promessa para desfrutar no futuro.
possibilidade moral. O verbo aqui usado 12. O ósculo santo, mais tarde restrin-
(dunamai) foi freqüentemente usado (por gido por causa dos abusos, era um sím-
exemplo, em Rm. 8: 8; I Co. 2: 14; bolo da comunhão cristã entre os crentes
11 Tm. 2: 13; 3: 7; Hb. 3: 9). Sobre primitivos (cons. Rm. 16: 16; I Co.
verdade (aletheia), veja 11 Co. 7: 14; 12: 16: 20; I Ts. S: 26; I Pe. S: 14).
6. 13. Esta carta maravilhosamente hu-
9. O paradoxo de Paulo estar fraco mana termina com a mais sublime de
enquanto os coríntios eram fortes leva todas as doxologias. A epístola começa
o apóstolo a se regozijar; mas ele con- (cons. 1: 2) e termina com uma afirmação
tinua orando pelo aperfeiçoamento (ve- da divindade de Cristo que é reminis-
ja v. 11) deles. 10. O presente propó- cente de Mt. 28: 19. Os genitivos nesta
sito de Paulo escrever (escrevo estas doxologia são provavelmente subjetivos
cousas) antecipa sua iminente visita - a graça que vem do Senhor Jesus
(estando presente); então ele exercerá Cristo; o amor que Deus concede; a co-
o poder que lhe foi delegado (segundo munhão que o Espírito Santo engendra.
a autoridade que o Senhor me conferiu) E assim termina uma epístola maravi-
e suas prerrogativas construtivas (para lhosa!

-138 -

I I il I 'I I 11
A EPfflTOLA AOS GÁLATAS

INTRODUÇÃO

A Ocasião. As igrejas gálatas nasce- 4: 14).


ram como resultado do trabalho rnís- O debate quanto ao destino desta
sionário de Paulo. Por isso o apóstolo epístola não tem fim, e jamais poderá
ficou muito preocupado espiritualmente ser resolvido. Lightfoot esposou a teo-
quando ficou sabendo que agitadores ria da Galácia do Norte. A maior parte
cristãos judeus tinham circulado entre dos comentadores germânicos continua-
os convertidos gentios, procurando lhes ram mantendo esta posição (por exemplo,
impor a circuncisão e as responsabili- Schlatter, Lietzmann, Schlier), embora
dades da lei mosaica como necessárias alguns tenham permanecido neutros. Sir
à salvação (Gl. 1: 7; 4: 17; 5: 10). Es- William Ramsay argumentou fortemente
crevendo sob grande pressão (o que se pela posição da Galácia do Sul, a qual
deduz por causa da omissão da costu- ganhou muitos adeptos entre os mes-
meira ação de graças), ele enfrentou o tres de língua inglesa. Ela tem a van-
assunto diretamente, e assim, na epís- tagem, se for o ponto de vista certo, de
tola aos gálatas, deu à Igreja uma vigo- nos fornecer informações sobre o esta-
rosa polêmica contra o erro judaizante. belecimento dessas igrejas (Atos 13; 14).
Destinatários da Carta. Estas igrejas Por outro lado, Lucas usa o termo "Ga-
eram suficientemente achegadas umas lácia" (lit., região galática) só quando
às outras e bastante parecidas para que descreve o progresso dos míssionãrios
recebessem a carta como um só grupo. além do território da Galácia do Sul
Em 3: 1 Paulo chama seus leitores de (Atos 16: 6; cons. 18: 23). Entretanto,
"gálatas". No meio do primeiro século a circunstância dele não mencionar igre-
cristão o termo Galácia tinha mais de jas no território da Galácia do Norte,
um significado. 1) Indicava a área ao mas apenas discípulos, favorece a teo-
centro-norte da Ásia Menor onde os ria da Galácia do Sul (Veja Atos 18:
gauleses se estabeleceram depois de erni- 23).
grarem da Europa ocidental. Os prin- Data e Lugar. Com base na teoria
cipais centros eram Pessinus, Ancyra e da Galácia do Sul, pode-se concluir
Tavium. 2) Também indicava a pro- que a epístola foi escrita antes do con-
víncia romana da Galácia. Esta, os ro- cílio apostólico descrito em Atos 15
manos estabeleceram em 25 A.C. acres- (quando foi feito um pronunciamento
centando à Galácia do norte um terri- oficial referente ao relacionamento dos
tório do sul. Esta última incluía as cio gentios com a Lei). Uma vez que Paulo
dades de Antioquia, Icônio, Listra e Der- e Barnabé visitaram as igrejas duas ve-
be, que foram visitadas pelo apóstolo zes nesta primeira viagem, os requisi-
em sua primeira viagem missionária. É tos de Gl. 4: 13 podem ser considera-
muito difícil que a epístola tenha sido dos atendidos (ali, primeiro se refere
endereçada aos cristãos de ambas, Ga- à primeira das duas visitas), embora
lácia do Norte e Galácia do Sul (cons. não possamos ter certeza nenhuma que

-139 -
o próprio Paulo considerasse esse re- gostasse de ser tão pessoal, tinha de en-
torno como uma segunda visita. Mui- frentar o desafio, o que ele fez mostran-
tos acham que quando Paulo narra uma do que tinha um apostolado independen-
reunião com certos apóstolos no capí- te, inteiramente no mesmo nível dos
tulo 2, pode não estar se referindo ao apóstolos originais. Ele recebera seu
concílio apostólico, uma vez que dei- evangelho não através de instrução hu-
xou de mencionar o decreto que ali mana mas através de revelação divina,
foi redigido, que teria sido altamente e ele comprovou-se concorde com o
vantajoso para a defesa do seu argumen- dos outros apóstolos.
to na epístola. Este argumento não é Depois Paulo passa a declarar o que
decisivo, uma vez que o propósito do é o Evangelho (caps. 3; 4). É uma men-
decreto não foi o de estabelecer termos sagem da graça que necessita da fé. A
sobre os quais os gentios pudessem lei não produz a fé, mas antes opera
ser admitidos à Igreja, mas antes, para maldição, da qual Cristo tinha de redi-
facilitar o relacionamento entre esses mir os homens.
convertidos gentios e aqueles que eram
Além do ato da aceitação do Evan-
de origem judia. Portanto o decreto
gelho, jaz a necessidade de vivê-lo (caps.
não se relacionava diretamente com a
5; 6). Aqui o poder da cruz e a ener-
argumentação da carta.
gia do Espírito Santo foram apresenta-
Lightfoot enfatizou as semelhanças
dos mais eficazes do que os esforços em
entre Gálatas, Coríntios e Romanos.
se guardar a Lei.
Todos tratam da controvérsia judai-
zante num certo grau. Com base nisto, Influência. Esta carta contém as mais
Gálatas pode ser atribuída ao período enfáticas declarações sobre a salvação
da terceira viagem missionária de Paulo, sem as obras que se encontram nas Es-
tendo Éfeso ou Macedônia como seu crituras. Ela revolucionou o pensamento
ponto de partida. Isto levaria a data de Lutero e teve parte estratégica na
da epístola para 56 A.D. De acordo Reforma. Lutero declarou que ele se
com a opinião alternativa, foi escrita sentia casado com este livro; foi a sua
em 48 ou 49, provavelmente de Antio- Catarina.
quia. Uma data intermediária em cerca No século dezenove F.C. Baur trans-
de 53, logo no começo do ministério formou este livro no pivô de sua teoria
em Éfeso, é a mais atraente. Um inter- que dizia que a controvérsia legalística
valo razoável entre a carta aos gálatas foi tão grave que chegou a abalar os fun-
e as cartas aos coríntios e romanos se damentos da igreja primitiva. De acordo
faz necessário por causa das diferenças com ele, afetou toda a literatura do
de tom e tratamento. Novo Testamento positiva ou negati-
Desenvolvimento das Idéias. Os dois vamente, conforme os homens escreviam
primeiro capítulos foram grandemente no interesse de um ou de outro ponto de
devotados ao estabelecimento da natu- vista, ou quando tentavam ocultar o fato
reza do apostolado de Paulo. Esta ex- da divergência entre a lei e a graça como
plicação era vital ao evangelho do após- meio de salvação. Uma vez que Gálatas
tolo, pois se os seus oponentes pudessem exibe esta controvérsia de maneira ine-
provar que ele não fora chamado e co- quívoca, sua autenticidade deve ser ad-
missionado a pregar a verdade, então mitida. Este veredito permaneceu vir-
seus ouvintes simplesmente duvidariam tualmente imutável desde os dias de
de sua mensagem. Embora Paulo não Baur.

-140 -
I I II
'I I 'I
GÁLATAS 1: 1

ESBOÇO

I. Introdução. 1: 1-9.
A. Saudação. 1: 1-5.
B. O tema da epístola. 1: 6-9.
Il. O apostolado de Paulo defendido. 1: 10 - 2: 21.
A. Um apostolado especial confirmado. 1: 10-17.
B. Falta de contato precoce com os apóstolos em Jerusalém. 1: 18-24.
C. Ausência de contato posterior para inquirir seu apostolado ou acrescentar
algo ao seu evangelho. 2: 1-10.
D. Sua autoridade independente vindicada no encontro com Pedro em Antio-
quia. 2: 11-21.
m. O evangelho de Paulo exposto. 3: 1 - 4: 31.
A. O argumento da experiência (dos gálatas). 3: 1-5.
B. O argumento das Escrituras (o caso de Abraão). 3: 6-9.
C. O argumento da Lei. 3: 10 - 4: 11.
1. A maldição da Lei, da qual Cristo deve libertar. 3: 10-14.
2. A inviolabilidade da aliança da promessa e sua prioridade sobre a Lei.
3: 15-18.
3. O propósito da Lei - temporário em sua permanência e negativo em sua
operação. 3: 19-22.
4. Filiação não é através da Lei mas através da fé. 3: 23 - 4: 7.
5. Um apelo a que não retomem à escravidão. 4: 8-11.
D. O argumento da recepção pessoal pelos gálatas. 4: 12-20.
E. O argumento da aliança da promessa. 4: 21-31.,
IV. O evangelho de Paulo praticado. 5: 1 - 6: 15.
A. O Evangelho praticado em liberdade. 5: 1-12.
B. O Evangelho praticado em amor. 5: 13-15.
C. O Evangelho praticado em Espírito. 5: 16-26.
D. O Evangelho praticado em serviço. 6: 1-10.
E. O Evangelho praticado em separação do mundo. 6: 11-15.
V. Conclusão. 6: 16-18.
A. Oração final. 6: 16.
B. Testemunho final. 6: 17.
C. Bênção. 6: 18.

COMENTÁRIO
I. Introdução. 1: 1-9. 1. Apóstolo. O significado de envia-
do não será suficiente aqui. Todos os
A. Saudação. 1: 1-5. A estrutura con- crentes têm tal encargo. Paulo prosse-
vencional da arte de escrever cartas foi gue defendendo sua autoridade especial
aqui utilizada, mas acima do vulgar, de mestre cristão, organizador de igre-
pois o autor era um apóstolo com au- jas, disciplinador e retificador de falsas
toridade recebida da Deidade, e ele doutrinas. Não da parte de homens,
se dirigia àqueles que pela graça foram nem por intermédio de homem algum.
libertos deste século presente. Eles, tam- O não negativo estabelece o tom da
bém, não eram homens comuns, pois epístola; é uma polêmica, uma denún-
eram cristãos. cia do erro a fim de colocar a verdade

-141 -
GÁLATAS 1: 1-7

em posição mais vantajosa. Se os ju- Sem afirmar a divindade do Filho, o após-


daizantes tinham algum apostolado, era tolo apresenta a verdade dela ligando
humano. O de Paulo não era. Tinha Cristo com o Pai na vocação apostólica,
fonte mais elevada. Não era também no dom da graça e paz e na consecução
por algum homem. Nenhuma pessoa, da salvação.
apóstolo ou outro, fora mediador na
autoridade de Paulo (cons. 1: 12). Em B. O Tema da Epístola. 1: 6-9. Em
vez disso veio pela intervenção de Jesus vez de dar graças a Deus por seus leito-
Cristo em sua vida. O contraste torna res, Paulo expressa seu espanto diante
Cristo mais do que um homem. Por trás da deserção deles. Não enuncia nenhu-
dEle e em igualdade com Ele está Deus ma bênção, mas em lugar disso profere
Pai, apresentado aqui como Aquele com veemência um anátema de adver-
que ressuscitou a Cristo dentre os mor- tência.
tos. O Cristo ressurreto foi quem apa- 6. Estejais passando. Eles mudaram
receu a Paulo, e o fez um apóstolo. de posição, negando assim os próprios
2. A identidade dos irmãos que es- termos da vocação divina para a filia-
tavam com Paulo é desconhecida. Para ção, a qual é na graça de Cristo. Tão
depressa. Provavelmente não uma re-
localização das igrejas da Galácia, veja
Introdução. ferência à conversão recente, pois os
3. Graça ... e paz são dons gêmeos convertidos há pouco tempo são os
concedidos por Deus, nunca invertidos mais propensos a serem influenciados
por falsas doutrinas. Se isto for in-
em sua ordem. O favor divino recebido
torna possível uma vida de plenitude terpretado temporariamente, significa tão
e harmonia com Deus e os crentes em logo depois que os falsos mestres co-
geral. Essas bênçãos vêm do Senhor meçaram a sua obra, ou tão logo após
Jesus Cristo como também de Deus o apóstolo deixar os gálatas. Talvez
Pai. esteja-se falando aqui da maneira - tão
4,5. O qual se entregou a si mesmo. prontamente, com tal submissão e sem
Um ato com finalidade, puramente vo- resistência. O afastamento ainda es-
luntário. Pelos nossos pecados. Pelos tava se processando, e portanto não
(hyper) é geralmente usado em relação tinha se completado. Havia ainda es-
às pessoas beneficiadas pela obra de peranças de inverter a maré. Mas a se-
Cristo (cons. 3: 13). O pecado pessoal riedade da deserção está indicada. Es-
não é a única barreira entre Deus e o tavam se afastando de Deus, que os
homem. O homem precisa ser liberta- chamou à graça, para um outro, isto é,
do de toda sua posição neste mundo um evangelho diferente. Paulo usa
perverso. O Evangelho não é uma men- evangelho a título de concessão. Na
sagem de melhoramentos mas de liber- verdade não há um outro, um segundo
tação. Mundo é uma palavra temporal evangelho que alguém possa escolher
e não se refere à natureza ou ao homem e ainda manter a mensagem divina da
como tais, mas às circunstâncias da vida salvação eterna.
humana, corrompidas como estão pelo 7. Enquanto a responsabilidade da
pecado e dominadas por Satanás, o deus deserção pertencia aos gálatas (estejais
deste século (11 Co. 4: 4). Cristo, em Sua passando), a explicação para isso encon-
obra redentora, agiu em conjunto com tra-se em outra parte, naqueles que os
Deus, de acordo com Sua vontade (cons. perturbavam (cons. Atos 15: 24), isto
11 Co. 5: 19). A Deus pertence a glória, é, os mestres judaizantes que deseja-
o louvor dos santos, para todo o sempre. vam perverter o Evangelho mudando-o

-142 -
II ,
I I
'I I 'I
GÁLATAS 1: 7-14

em algo bem diferente. Mas não lhes outro homem.


pertencia para que o alterassem, pois 12. Uma vez que Paulo penetrara
era O evangelho de Cristo. O privilé- tardiamente nas fileiras apostólicas, os
gio de proclamá-lo não inclui o direito homens poderiam supor que ele recebe-
de mudá-lo. ra o Evangelho dos seus predecessores
8. Mas, diz Paulo, ainda que nós ou que o aprendera através de um curso
(o plural editorial aqui se refere a Paulo, de instrução. Não era assim. Ele o re-
o menos provável na terra de mudá-lo, cebera por revelação de Jesus Cristo.
por causa das circunstâncias de sua cha- Esta era a mais alta autoridade. Como,
mada) ou um anjo vindo do céu (que então, poderia a sua mensagem ser ques-
ainda menos provavelmente alteraria tionada?
qualquer mensagem divina; cons. Mt. 13. Nada menos que uma direta
6: 10), proclamasse ser o Evangelho intervenção na vida de Paulo foi neces-
algo contrário à palavra entregue por sária para abrir o seu coração à verda-
nós na Galácia, devia se tomar anátema, de do Evangelho. Seu modo de vida
amaldiçoado por Deus (cons. I Co. 16: pré-cristão era bem conhecido. A pala-
22). vra proceder (gr. anastrofê) significa
9. Paulo já pronunciara essa adver- "padrão de vida". Tudo no Judaísmo
tência quando estivera entre as igrejas era determinado. Qualquer um que es-
da Galácia. Nesta carta ele o faz de tivesse familiarizado com o Farisaísmo
novo. Ele era um zeloso guardião da poderia predizer qual seria o curso da
pureza do Evangelho. Ao reiterar sua vida de Saulo. Mas no seu caso houve
forte declaração, o apóstolo muda do um elemento especial que se tomou
modo subjuntivo da possibilidade para notório. Ele fora perseguidor dos cris-
o modo indicativo da realidade - se tãos (nem todos os fariseus foram até
algum homem está pregando um evange- esse ponto a fim de exibirem o seu de-
lho diferente (como os judaizantes es- votamento ao Judaísmo). Como o lobo
tão), que seja anátema. voraz de Benjamim, ele estava ocupado
em devastar a igreja, a qual ele depois
11. A Defesa do Apostolado de Paulo. reconheceu ser a verdadeira congregação
1: 10 - 2: 21. de Jeová.
14. Esta determinação fora do co-
A. Um Apostolado Especial Confir- mum e o excesso de fúria granjeou para
mado. 1: 10-17. Saulo uma reputação excepcional no
10. Uma vez que o apóstolo falara Judaísmo. Ele continuou avançando
tão asperamente, ele sentiu que devia na devoção à sua fé e respectivas tradi-
esclarecer agora que não buscava per- ções, ultrapassando os homens de seu
suadir os homens no sentido de con- próprio tempo, e dando prova do seu
ciliá-los ou buscando o favor deles. zelo perseguindo os cristãos. Consi-
Ele se preocupava, antes, em estar agra- derações humanas nada significavam para
dando a Deus. Agradar os homens ajus- ele quando comparadas ao cumprimento
tando a mensagem aos desejos deles de sua vocação em benefício de sua reli-
é atitude inconsistente para o servo de gião. Ele considerava suas atividades as-
Cristo. sassinas como os judeus consideravam o
11. Na qualidade de servo de Cristo, apedrejamento de Estêvão: feito a ser-
o apóstolo só podia proclamar a mensa- viço de Deus (10.16: 2; Atos 26: 9-11).
gem do Evangelho. Embora ele a pre- Claramente, então, Paulo não poderia
gasse, não lhe dera origem, nem qualquer ser influenciado a favor do Evangelho

-143 -
GÁLATAS 1: 14-19.

antes de sua conversão, e ele não po- discutindo a fonte do seu Evangelho.
deria ter recebido sua mensagem dos Ele menciona a Arábia em contraste
homens, conforme os judaizantes ale- com Jerusalém. Nenhum apóstolo se
gavam. encontrava ali. Ali não havia ninguém
15. A conversão de Paulo foi opera- que pudesse informá-lo sobre o Senhor
da em linha com o propósito de Deus. e Sua obra salvadora. É provável que o
a apóstolo, tal como Jeremias (Ir. 1: recém-convertido viajasse para a Arábia
5), fora separado desde o nascimento a fim de ficar a sós com Deus, a fim de
para a obra de sua vida. Sua conversão pensar bem sobre as implicações do
foi como se fosse uma revelação do Evangelho. Não há nenhuma necessi-
Filho de Deus dentro de sua alma. Esta dade de se supor que cada aspecto da
declaração não teve a intenção de des- verdade aparecesse como um raio em sua
pertar especulações quanto à psicolo- mente no momento de sua conversão.
gia da experiência de sua conversão, Da Arábia Paulo retomou a Damasco.
mas antes para estabelecer a realidade Esta referência acidental confirma a in-
e profundidade dessa transformação. formação obtida em Atos 9: 3, que a
Paulo fora cego à divindade do Filho conversão aconteceu perto dessa cida-
de Deus. Seu preconceito contra seus de.
próprios patrícios que consideravam
Jesus o seu Messias, fora devido a sua B. Falta de Contato Anterior com os
crença de que o Nazareno era um im- Apóstolos em Jerusalém. 1: 18-24. Pa-
postor, uma fraude. ra se dizer a verdade, não foi uma au-
16,17.a principal dos propósitos di- sência completa, como Paulo franca-
vinos desta revelação dentro da alma mente admite, mas os contatos foram
do apóstolo foi para que ele, por sua breves, pessoais e quase acidentais.
vez, proclamasse este conhecimento aos 18. Quanto desses três anos per-
outros, especialmente aos gentios. A rea- tencem à Arábia e quantos a Damasco
lidade e suficiência do seu encontro com não sabemos, mas o intervalo fortalece
o Senhor ressuscitado vê-se no fato de a alegação de Paulo. Se ele não tivesse
que ele não consultou a carne e o sangue recebido o Evangelho em sua conver-
(uma expressão indicando humanidade, são, não teria esperado tanto tempo
com ênfase especial sobre a fraqueza e para ser informado sobre ele. Para avis-
insuficiência) quer localmente, em Da- tar-me com Cefas. a verbo avistar (no
masco, quer em Jerusalém, o centro da grego) está em contraste deliberado
vida eclesiástica, onde os apóstolos ti- com consultei (1: 16), pois este último
nham o seu quartel-general. Se Paulo dá a entender uma consulta com a in-
não tivesse certeza quanto à sua mensa- tenção de ser esclarecido sobre algum
gem, uma viagem a um desses centros assunto, enquanto que aquele se refe-
teria sido natural e necessária. Mas ele re a travar conhecimento com uma
era um apóstolo tão verdadeiro quanto pessoa ou coisa. Às vezes tem sido
os Doze, inteiramente de posse da ver- usado em relação à uma excursão para
dade do Evangelho recebido do próprio ver os pontos turísticos de uma loca-
Senhor. lidade. A visita foi breve (quinze dias).
a apóstolo menciona a Arábia não 19. Paulo não se avistou com outro
como um lugar de pregação, porque, apóstolo além de Tiago, o irmão do
ainda que a pregação fosse o motivo da Senhor. Este é o Tiago que se tomou
chamada, não é o assunto que ele está o líder da igreja de Jerusalém (cons.
considerando a esta altura. Paulo está Atos 12: 17).

-144 -

I I II 'I I 11
GÁLATAS 1: 20-24 - 2: 1

20. O apóstolo declara-se desejoso cutir o Evangelho, mais especificamente


de jurar que está dizendo a verdade. a aplicação do Evangelho aos gentios.
Nenhum judeu teria coragem de fazê- Não é fácil de encaixar esta visita dentro
-lo se estivesse para dizer uma mentira, da estrutura da narrativa de Atos. Aque-
pois seria o equivalente a convidar Deus les que favorecem identificá-la com a
a derramar a Sua ira sobre ele. A pro- dita visita por ocasião da fome de Atos
funda solenidade das declarações de 11: 27-30, apontam para o fato de que
Paulo é a medida da desconfiança que os Barnabé acompanhou Paulo nessa oca-
judaizantes semearam nos corações dos sião. Eles se apegam ao fato de que
seus convertidos. Paulo viu-se obrigado a mencionar todos
21. O próximo passo de Paulo, le- os contatos que teve com a igreja de
vado pela oposição à sua pregação em Jerusalém. Mas esta argumentação é
Jerusalém (Atos 9: 29, 30), foi à Síria deficiente. Os únicos contatos que exi-
e Cilícia. Obviamente ele não teve nes- giam participação foram aqueles que po-
sas áreas remotas nenhuma oportuni- deriam ter resultado em uma comuni-
dade de receber alguma instrução dos cação do Evangelho. Uma vez que ape-
apóstolos. nas os anciãos são mencionados relati-
22. Provavelmente o apóstolo men- vamente à recepção da oferta pela igreja
cionou as igrejas da Judéia a fim de for- de Jerusalém, não é provável que Paulo
talecer seu argumento. É provável que tivesse algum contato com os apóstolos
a maioria dos apóstolos se encontras- naquela ocasião. Foi um período de
sem nos distritos adjacentes durante esse perseguição (Atos 12: 1-3), e portanto po-
período, portanto a falta de contato de deriam estar fora de mão para serem
Paulo com as igrejas da Judéia significa- consultados.
va falta de contato com os apóstolos Se a questão da admissão dos gentios
que ali serviam. Os Doze não super- na Igreja foi resolvida na visita por oca-
visionavam o trabalho na Síria; Barna- sião da fome (o que envolve igualar
bé foi enviado para lá (Atos 11: 22-26). Atos 11 com Gl. 2), então parece es-
Durante os anos em que Paulo serviu tranho que uma outra conferência fosse
nessa região, onde ele fora educado, necessária para a resolução desse mes-
esteve inteiramente independente dos mo assunto (Atos 15). Mais ainda, te-
outros apóstolos. Seu outro propósito ria sido altamente descortês da parte
em mencionar as igrejas da Judéia foi o dos apóstolos insistir em que Paulo se
de sublinhar a grandeza da mudança que lembrasse dos pobres (Gl. 2: 10) quando
sua conversão operou nele. Ele agora ele acabara de trazer a oferta da igreja
anunciava a fé que outrora procurava de Antioquia para ajudar os santos na
destruir. A mudança significou paz Cidade Santa. Finalmente, identificar
para os crentes da Palestina (Atos 9: Gálatas 2 com Atos 11 é virtualmente
31). impossível por questão cronológica. A
visita por ocasião da fome aconteceu
C. Ausência de Contato Posterior para mais ou menos quando da morte de He-
Inquirir Seu Apostolado ou Acrescentar rodes, em 44 A.D. Acrescentando qua-
Algo ao Seu Evangelho. 2: 1-10. torze anos (Gl. 2: 1) aos três anos de
1. As diferenças entre sua última 1: 18 e depois subtraindo o total de
visita e a anterior são completamente dezessete de 44, chega-se ao ano 27 co-
visíveis. Dessa vez Paulo não foi sozi- mo sendo a data da conversão de Paulo,
nho mas na companhia de Barnabé, e o que seria cedo demais. Mesmo se os
foi com o propósito deliberado de dis- quatorze anos de Gl. 2: 1 referem-se à

-145 -
GÁLATAS 2: 1-5

conversão e não à primeira visita à Jeru- com a forte ênfase dada ao fator sobrena-
salém, a data da conversão ainda seria tural no capítulo anterior. Esta intima-
cedo demais; não deixa nenhum inter- ção poderia ter vindo, antes da decisão
valo entre a ressurreição de Cristo e a da igreja de Antioquia de enviar Paulo,
conversão de Paulo. ou poderia ter vindo depois, selando a
A identificação de Gálatas 2 com Atos decisão da igreja (Atos 15: 2). Ele e
15 tem a sua força no fato de que o as- Barnabé encontraram-se com os que
sunto da discussão é o mesmo em ambos pareciam de maior influência. Literal-
os casos e no fato de que Pedro e Tiago, mente, aqueles que apareciam, um ter-
como também Paulo e Barnabé, foram mo bastante curioso para designar os
destacados em ambas as passagens. Com apóstolos. A mesma expressão ocorre
certeza há dificuldade nessa identifica- duas vezes em Gl. 2: 6 e novamente
ção. Atos 15 dá a impressão de uma em 2: 9, onde foi acrescentada a pa-
grande reunião pública, enquanto Gála- lavra "colunas". Talvez Paulo sentisse que
tas focaliza uma sessão particular. A har- a igreja estava em perigo de idolatrar aque-
monização se toma possível aceitan- les líderes acatando-os demasiadamente.
do-se que a desavença citada em Atos Será que Paulo realmente tinha receio
15: 5, 6 poderia ter forçado os líderes de que tivesse corrido em vão (no curso
da igreja a dissolver o concílio tempora- do seu serviço cristão) e que tivesse cor-
riamente, passando a uma sessão confi- rido em vão desde a sua conversão, que
dencial tal como a que foi descrita em pudesse talvez estar errado quanto ao
Gálatas 2. Com base no entendimento Evangelho e agora precisasse ser corri-
alcançado, Pedro e Tiago teriam com gido? De modo nenhum. Mas as cir-
toda naturalidade desempenhado um pa- cunstâncias forçaram-no a submeter sua
pel de liderança e teriam um desempe- mensagem à apreciação dos apóstolos,
nho decisivo na fase pública final da pois só dessa maneira tinha esperanças
conferência registrada em Atos 15:7-21. de fechar a boca dos seus detratores,
É poss ível que a palavra lhes (Gl. 2: 2) os judaizantes, e as bocas daqueles que
seja uma referência à igreja como um foram levados pela propaganda deles.
todo contrastando com os apóstolos, 3-5. O motivo de Paulo ter levado
com os quais Paulo e Barnabé tiveram Tito junto (v. 1) toma-se evidente. Ele
uma entrevista particular. Uma outra seria o caso precedente na questão da
dificuldade a ser enfrentada é o fato de recepção dos gentios na Igreja. Se ele
Paulo não mencionar o assim chamado fosse constrangido a circuncidar-se, o rito
decreto apostólico em Gl. 2: 1-10, quan- não poderia ter sido logicamente afas-
do esse decreto recebeu destaque con- tado dos outros crentes gentios. Se
siderável na narrativa de Lucas (Atos ele saísse da conferência incircunciso,
15: 20, 28, 29; 16:4; 21: 25). Entre- todos os outros gentios que tinham co-
tanto, uma vez que Paulo estava preo- locado sua confiança em Cristo poderiam
cupado com o Evangelho em toda esta desfrutar de sua liberdade sem o temor
passagem, e uma vez que o decreto não de um desafio futuro. Parece que Paulo
tratava diretamente do Evangelho mas diz que alguma pressão foi exercida para
simplesmente regia o relacionamento har- que Tito fosse circuncidado na ocasião
monioso entre judeus e gentios crentes, (cons. Atos 15: 5). É altamente impro-
ele não se sentiu na obrigação de incluir vável que essa pressão viesse dos após-
o decreto em sua argumentação. tolos, pois eles se colocaram ao lado de
2. A segunda visita de Paulo a Jeru- Paulo (Atos 15: 19). Os criminosos
salém foi ditada por revelação, de acordo eram os falsos irmãos que tinham sor-

-146 -

I I II 'I I 11
GÁLATAS 2: 5-12

rateiramente entrado nas fileiras dos um significativo endosso da mensagem


crentes. Tinham o nome de cristãos da graça livre àqueles dois que a tinham
mas se opunham à concessão da liber- proclamado entre os gentios. Os após-
dade que o evangelho de Paulo procla- tolos endossaram também a divisão do
mava - liberdade da escravidão da Lei, trabalho, de modo que, enviaram um
incluindo a liberdade da circuncisão. grupo de evangelistas aos gentios e outro
A resistência de Paulo a esses judaizan- aos judeus. Entretanto, pediram aos
tes não foi ditada por teimosia nem por missionários enviados ao mundo gentio
senso de superioridade. Ele viu que a que não se divorciassem dos crentes
questão da circuncisão envolvia a verda- judeus - especialmente dos de Jerusa-
de do evangelho (Gl. 2: 5). Impor a um lém, que eram notoriamente pobres
gentio o sinal da aliança feita com Abraão (Rm.15:26) - a ponto de se esque-
e seus descendentes seria pôr de lado a cerem de suas necessidades. A prova
simplicidade da fé salvadora, introduzin- da boa fé de Paulo em aceitar este pe-
do a necessidade de uma obra particular. dido foi que éle levantou fundos subs-
Se essa obra fosse achada necessária para tanciais entre as igrejas gentias para essa
se tornar membro de igreja, outras obras gente (I Co. 16: 1-4), os quais ele e ou-
também teriam sido achadas necessárias. tros levaram a Jerusalém por ocasião
6-8. Conferenciando com Paulo, os de sua última visita.
apóstolos não encontraram defeito em
seu evangelho. Nada acrescentaram D. Sua Autoridade Independente Vin-
àquilo que ele já tinha recebido por dicada no Encontro com Pedro em An-
revelação do Senhor. Mas eles perce- tioquia. 2: 11-21. Esta é a terceira oca-
beram que ele recebera o evangelho sião na qual Paulo entrou em contato
da incircuncisão. Ele era responsável com Pedro. A primeira vez ele sim-
pelos gentios de maneira especial (Rm. plesmente ficou conhecendo Pedro; na
1: 5). Por esse motivo o Senhor não outra ele descobriu a unidade e igual-
lhe permitiu trabalhar em Jerusalém dade que havia entre eles; desta vez ele
(Atos 22: 17-21). Essa chamada especial foi levado a discordar dele e a repreen-
não excluiu um ministério junto aos dê-lo. Isto confirma o fato de que
judeus quando Paulo pregava nas sina- o propósito de Paulo em toda a epís-
gogas, onde ambos, judeus e gentios tola aos gálatas foi o de demonstrar
(tementes a Deus), se reuniam. Pedro, seu apostolado independente.
encarregado de proclamar esse mesmo 11,12. Ele se opôs a Pedro porque
evangelho da graça, tinha de especiali- a conduta de Pedro dava a falsa im-
zar-se em alcançar a circuncisão, os pressão de que ele estava renunciando
judeus. Seu nome aramaico, Cefas, à posição tomada em Jerusalém. A
foi apropriadamente usado aqui. O ação do concílio na questão do decreto
sucesso dos dois homens nos seus res- (Atos 15: 28, 29) abriu a porta da li-
pectivos setores comprovavam a sua berdade de intercâmbio social entre ju-
chamada divina. deus e gentios na igreja de Antioquia,
9,10. O privilégio de Paulo como uma liberdade que Pedro aceitou com
pregador do Evangelho aos gentios alegria. Chegou até a comer com os gen-
chama-se graça (cons. I Co. 15:.9, 10; tios (cons. Atos 10:28; 11:3). Mas a
Ef. 3: 2). Os líderes de Jerusalém reco- chegada de certos homens enviados por
nheceram esta graça estendendo a mão Tiago, o reconhecido líder da igreja de
direita da comunhão a Paulo e Barnabé. Jerusalém, despertou o temor no coração
Não foi urna mera formalidade, mas de Pedro, pois ele se lembrou que a igreja

-147 -
GÁLATAS 2: 12-21

mãe o repreendera por se associar e co- transformar cristãos gentios em judeus


mer com os gentios na casa de Cornélio ou, pior ainda, forçar a criação de uma
(Atos 11: 1-18). Impossível saber qual igreja gentia ao lado da igreja judia, o
o relacionamento entre esses visitantes que sacrificaria a unidade do corpo de
e Tiago, e qual precisamente foi a missão Cristo. Portanto a verdade do Evange-
deles. Pedro afastou-se (dos irmãos lho estava envolvida.
gentios) gradualmente, conforme sugere 15-18. Paulo fez Pedro compreender
o original, talvez se ausentando em uma que ambos, sendo judeus por nascimento
refeição do dia, em duas no outro, e e tendo desfrutado das vantagens espe-
finalmente excluindo-se inteiramente. ciais do Judaísmo, inclusive a posse
13. O exemplo de Pedro influenciava da Lei, tiveram todavia de se colocar
os outros. O verbo dissimularam (dis- no lugar da simples confiança em Cristo
farçavam) , geralmente traduzido para para salvação, como qualquer um dos
hipocrisia, significa uma falta de corres- pobres gentios. Pedro teve de concor-
pondência entre os atos externos ou o dar por causa de seu próprio compro-
comportamento e o estado do coração. misso com essa posição (Atos 15: 11).
No farisaísmo os atos externos eram bons O V.T. mesmo testifica que a justifi-
mas o estado do coração era geralmente cação não vem por obras da lei (cons.
corrupto. No caso de Pedro, suas convic- SI. 143: 2). Ser justificado significa
ções internas eram perfeitas, pois ele ser declarado e considerado justo diante
endossava a igualdade dos judeus na de Deus, ser vindicado de qualquer acu-
Igreja, mas a sua conduta não correspon- sação de pecado inerente ao fracasso
dia às suas convicções. Eis aqui uma da guarda da santa lei de Deus. A fé em
observação melancólica - ao ponto de Jesus Cristo significa fé em Cristo (gr.
o próprio Barnabé, como se Paulo espe- genitivo objetivo). Esse rebaixamento
rasse mais dele do que dos outros cren- do judeu ao nível do gentio parecia en-
tes judeus. volver Cristo, fazendo dEle ministro do
pecado pelo fato dEle ter libertado o
14. A declaração de que Pedro não es- homem da escravidão da Lei, uma vez
tava agindo de acordo com a verdade do que a fé em Cristo para ambos, judeu
Evangelho precisa de explicação. Ele era e gentio, em termos idênticos, é a condi-
judeu e portanto não era obrigado a viver ção da salvação. Mas Paulo rejeitou a
como os gentios, como o fazia na com- conclusão, pois descansava sobre uma
panhia deles à mesa. Mas, agora, ao falsa premissa, isto é, a imaginária supe-
cortar relações depois de ter ido tão rioridade do judeu sobre o gentio. Aqui
longe, logicamente estava compelindo os Paulo delicadamente toma o que se re-
crentes gentios a viverem como judeus, fere a Pedro e o aplica a si mesmo. O
isto é, a adotarem a circuncisão e as leis verdadeiro transgressor não é Cristo,
dietéticas dos judeus para remover todas mas aquele que, tal como Pedro, edi-
as barreiras que havia entre eles e homens fica novamente uma distinção que já
como Pedro. Mas se os crentes gentios foi de fato destruída. Pedro fazia exa-
o fizessem, sacrificariam a verdade do tamente isso, fugindo à comunhão com
Evangelho, que fora confirmada em Jeru- os gentios, como se os crentes judeus
salém. A igreja decidira que tal respon- fossem uma raça superior.
sabilidade de obediência à lei não seria 19-21. A Lei prestara um serviço a
imposta aos crentes gentios. Estava em Paulo, mesmo se não lhe proporcionou
jogo todo o princípio da graça. O resul- a justificação. Pela Lei ele morreu para
tado lógico da conduta de Pedro era a própria Lei, pois a Lei criara uma cons-

-148 -

I I II 'I I II
GÁLATAS 2: 21 - 3: 1-9

ciência do pecado que o preparara para riam eles se esquecido de sua primeira
aceitar Cristo. Ela também levara Cristo e viva impressão? 2,3. Depois de acei-
à cruz a fim de redimir aqueles que in- tar a Cristo viera o dom do Espírito
fringiram a Lei. Cristo era o represen- (cons. Gl. 4: 4-6; Ef, 1: 13), de modo
tante de Paulo nessa morte para a Lei. nenhum baseado na guarda da lei como
O resultado foi uma vida nova para Deus. um esforço da carne (cons. Gl. 5: 18,
Estou crucificado com Cristo. O tempo 19). 4. Sofrestes provavelmente não
perfeito enfatíza ambos, o acontecimento se refere à perseguição ou ao peso da
passado e seus efeitos contínuos. Essa guarda da lei, mas foi usado no bom
morte produziu vida, embora não a sentido - experimentado. Esta inter-
mesma vida velha na fragilidade do ho- pretação está favorecida pela subseqüen-
mem natural, mas uma vida totalmente te menção do Espírito no versículo se-
nova; não apenas vida divina impessoal- guinte. 5. A obra ativa do Espírito
mente garantida, mas antes o próprio que opera milagres, tal como a sua
Cristo vivo passando a habitar no redimi- vinda aos corações dos gálatas, não de-
do. Nesse arranjo, entretanto, não há pendia de obras mas da pregação da fé,
submersão da personalidade humana. isto é, da aceitação pela fé da mensa-
A nova vida é vivida sobre o princípio gem do Evangelho pregada entre eles.
da fé em Cristo (cons. 2: 16), em lugar
da obediência legal. Esta fé constrói 13. O Argumento das Escrituras (o
sobre o fato do amor pessoal do Salva- Caso de Abraão). 3: 6-9. A menção da
dor por aqueles em cujo benefício Ele fé convida a uma excursão pelo V.T.
morreu (cons. Ef. 5: 2). Não confiar para mostrar que Abraão, o reverencia-
em Cristo desse modo seria aniquilar do patriarca, dependia dela no que se
(pôr de lado) a graça de Deus. Se a jus- referia à justificação. Só aqueles que
tificação podia ser obtida pela lei, a morte tinham uma fé igual a essa eram ver-
de Cristo seria inexplicável; teria sido um dadeiramente abençoados por Deus. Ob-
gesto inútil. serve tratamento idêntico em Rm.4:
9-12.
m. O Evangelho de Paulo Explicado. 6,7. Abraão foi justificado pela fé
3: 1-4:31. (Gn. 15: 6; Rm. 4: 3; Tg. 2: 23). Os
verdadeiros filhos de Abraão não são
A. O Argumento da Experiência (dos seus descendentes naturais (Mt. 3: 9),
Gálatas). 3: l-S. Aqui o apóstolo declara mas aqueles que participam de sua fé.
que a experiência dos seus leitores, co- 8. Isso foi antecipado na própria lín-
meçando com a fé em Cristo crucificado guagem da aliança abraâmica, que ti-
e confirmado pelo dom do Espírito nha todos os povos em vista. As pala-
Santo, fica inteiramente fora da esfera vras em ti engrandecem Abraão como
da Lei. Iriam eles agora renunciar à um exemplo de fé. 9. Ele foi crente
perfeição da provisão divina, ele per- no sentido de ser cheio de fé. Sua jus-
gunta, pela loucura de seus próprios tificação está também à disposição das
esforços?
nações. Esta é a bênção que lhes foi
1. Eles deviam estar fascinados, ví- prometida.
timas de alguma feitiçaria (cons. 1: 7).
À vista de sua dramática pregação do C. O Argumento da Lei, 3: 10 - 4: 11.
Cristo crucificado quando estivera entre 1) A Maldição da Lei, da qual Cristo
eles (cons. I Co. 1: 23; 2: 2), sua mu- Tinha de Libertar. 3: 10-14. Paulo,
dança de atitude parecia estranha. Te- tendo resolvido o caso da confiança

-149 -
GÁLATAS 3: 10-16

dos judeus no seu relacionamento fí- 14. O exemplo de Abraão continua


sico com Abraão para justificação, pros- a fornecer antecedentes para o pensa-
segue agora examinando o outro refú- mento aqui. A morte de Cristo operou
gio do Judaísmo, a posse da Lei. trazendo a bênção de Abraão (justifi-
10. A fé provoca bênçãos, mas a Lei cação) aos gentios. Deus, tendo liber-
produz maldição por causa da exigên- tado seu próprio povo, o povo da alian-
cia que faz, de que é preciso continuar ça (os judeus), da maldição da Lei, es-
obedecendo-lhe fielmente (DL 27: 26). tava livre de qualquer impedimento para
11,12. À impossibilidade prática de ser lidar da mesma maneira, pela graça,
justificado pela lei acrescenta-se agora com os gentios. A pedra de toque para
a verdade que Deus usa outro método, a aceitação com Deus é, o Espírito pro-
afinal de contas - o justo viverá pela metido (cons. 4: 6; Atos 1: 4,5). O nós
fé. Julgando do contexto, o uso que inclui ambos, judeus e gentios.
o apóstolo faz desta citação (Hc. 2: 4), 2) A Inviolabilidade da Aliança da
dá a entender que tem a intenção de Promessa e Sua Prioridade Sobre a Lei.
acentuar a verdade que alguém pode 3: 15-18. Uma aliança é algo estabele-
se tornar justo diante de Deus apenas cido pela sua própria natureza, que não
pela fé. Só nessa base pode-se viver ver- está sujeito à mudança, mesmo quando é
dadeiramente a vida de Deus. Um sen- um arranjo humano. A promessa não
tido semelhante é o que se requer em podia ser posta de lado pela Lei, que
Rm. 1: 17. Sob a lei, é preciso fazer veio muito depois.
para poder viver (Lv. 18: 5). Sob o E- 15. Falo como homem. Esta é uma
vangelho recebe-se vida de Deus pela expressão técnica, uma espécie de pedido
fé, e então se começa a fazer a vontade de desculpas. A imutabilidade dos ar-
de Deus na energia dessa fé. Pode pare- ranjos divinos estariam além de qualquer
cer que o apóstolo exclui todas as bên- debate, mas Paulo acha que é necessário
çãos recebidas por aqueles que viveram discutir o assunto para tornar inteira-
sob a Lei no tempo pré-cristão. E o que mente compreensível aos seus leitores.
dizer do salmo primeiro? 13. A Lei é Mesmo nos arranjos humanos, uma vez
um espelho da vontade de Deus para o confirmados, uma parte do convênio
povo da Sua aliança e um capataz que não pode, por si mesmo, deixá-lo de lado
provoca a maldição. Mas a esta altura como se não mais vigorasse, nem pode
Paulo não está discutindo os aspectos lhe acrescentar algo como nos testa-
mais gloriosos da Lei, pois ele se limita mentos.
a considerar a Lei como meio de conde- 16. Deus fez promessas (a mesma pro-
nação (cons. nCo.3:6-9). A mal- messa foi repetida) a Abraão e ao seu
dição da Lei era real. Ela levou Cristo descendente. Mas o que está incluído
à cruz. A inflexibilidade das exigências na palavra descendente? Nem todos os
da Lei são claramente percebidas no descendentes de Abraão estavam in-
fato de que quando Cristo tomou o lu- cluídos (semente e não sementes), nem
gar do infrator da lei, embora Ele mesmo todas as linhas de descendência estavam
fosse perfeitamente santo, teve de supor- sendo consideradas. Somos ensinados
tar exatamente a mesma penalidade de a pensar em semente (posteridade)
qualquer outro que se colocasse sob como um termo coletivo. Ele inclui
a maldição da Lei. A circunstância de os patriarcas, pois as promessas foram
que Cristo morreu pendurado no ma- feitas a eles. Mas também olha para
deiro do Calvário enfatizava o elemento Cristo e o inclui, conforme comprovado
da maldição (Dt. 21: 23). em 3: 19, onde Ele foi mais uma vez

-150 -

I I II 'I I
GÁLATAS 3: 16·22

chamado de descendente (semente), A- descendente - Cristo, que é "o fim


quele que deu fim à dispensação da lei. da lei para justiça" (Rm. 10:4). A Lei
Este sentido associado do termo Cristo foi promulgada por meio de anjos, pela
encontra-se novamente em I Co. 12: 12. mão de um mediador. Além de ser tem-
17. A promessa feita a Abraão des- porária, até o modo pelo qual foi con-
frutou de prioridade sobre a transmissão cedida indica o seu caráter inferior. Te-
da Lei, uma vez que veio 430 anos antes. ve uma dupla mediação, através. dos
Paulo parece incluir a continuação da anjos (Atos 7: 53; Hb. 2: 2) e através de
promessa aos patriarcas que vieram mais Moisés, o legislador.
tarde, pois o intervalo entre Abraão 20. A própria idéia da mediação tem
e a entrega da Lei foi maior do que dois lados, e isto aconteceu com a doação
isso. A coisa essencial, de acordo com da Lei. Mas Deus é um, e isto foi enfa-
a verdade de 3: 15, é a consideração tizado na aliança feita com Abraão.
de que a Lei não podia deixar de lado Deus agiu soberanamente. Ele não pre-
o arranjo anterior que Deus fizera e con- cisava que alguém ficasse entre Ele e o
firmara. patriarca. O ponto que Paulo apresen-
18. Outro aspecto é apresentado. A ta é que a mediação é um sinal de infe-
Lei não condiciona a promessa à mu- rioridade da Lei. Ela mostra a delibe-
dança de caráter, pois isto violaria a na- rada remoção de Deus de todo o cenário.
tureza incondicional da promessa. A A mediação de Cristo na presente dispen-
herança (o desfrute das bênçãos da alian- sação não recebe, portanto, o rótulo
ça feita com Abraão - que uma jus- de inferior, pois Ele não é uma terceira
tificação como a dele próprio seria es- pessoa entre Deus e os homens. Deus
tendida finalmente a todas as famílias em Cristo reconciliou o mundo.
da terra) nada tem a ver com a lei. As 21,22. A Lei não deve ser conside-
duas coisas, lei e promessa, são funda- rada como oposta às promessas de Deus,
mentalmente diferentes. Se a herança pois ela operou numa esfera diferente.
fosse condicionada à lei, então a pro- A vida não podia vir através da Lei.
messa seria nulificada por causa do bem Aqueles que desfrutaram de vida espi-
conhecido caráter da lei - que ela é ritual na dispensação da Lei, desfru-
um jugo que ninguém consegue supor- taram dela não por causa da Lei, mas
tar. É fato indiscutível que Deus deu por causa da graça de Deus, a qual per-
a herança a Abraão pela promessa. doava os pecados cometidos contra a
Nada pode mudar esta verdade básica. Lei. Tais passagens do V.T. que prome-
3) O Propósito da Lei - Temporá- tem vida em relação à guarda dos man-
ria em Sua Duração e Negativa em Sua damentos de Deus (por exemplo, Dt,
Operação. 3: 19-22. O aparente des- 8: 1), são devidamente interpretadas
prezo do apóstolo pela Lei conduz a como se referindo à vida num sentido
uma pergunta necessária. temporal, o desfrutar dos favores e das
19. Se a Lei não pôs de lado a pro- bênçãos de Deus nesta existência terrena.
messa de Deus e nem mesmo a condi- A justiça (uma posição de justiça diante
ciona, então por que ela foi dada? Foi de Deus) não era mais viável nos termos
adicionada por causa das transgressões, da lei no tempo de Moisés do que no
isto é, dar ao pecado o caráter distinto de Paulo. Além disso, a Lei não podia
de transgressão (cons. Rm.4:l5; 5: se opor às promessas, uma vez que ela
20). Até. A Lei tinha de prosseguir ajuda o cumprimento delas mostrando
até um certo ponto, cumprindo sua aos homens a necessidade que têm da
missão de preparar o caminho para o graça e mostrando-lhes que devem colo-

-151-
GÁLATAS 3: 22-29 - 4: 1-5

car a sua confiança em Cristo (cons. pertencendo-Lhe, faz-nos parte dos des-
Gl. 3: 19). cendentes de Abraão, uma vez que Cris-
4) Filiação não Mediante a Lei mas to é essa descendência, conforme já
Mediante a Fé. 3: 23 - 4: 7. ficou declarado em Gl. 3: 16, 19. Filia-
23. Antes que viesse a fé. A nova dis- ção faz do crente também um herdeiro
pensação da graça livre deu aos homens (cons. Rm. 8: 17).
a primeira oportunidade, historicamente 4: 1-7. A tensão aqui está entre as
falando, de colocarem a sua fé em Cristo. palavras escravo e filho, 1. Digo, isto é,
24. A dispensação da lei foi um período explico. O sujeito não mudou. O her-
de disciplina, a Lei servindo de aio deiro, até que atinja a maturidade, é
(não mestre; na verdade, apenas um tratado como um escravo. 2. Existem
ajudante do mestre, geralmente um aqueles que o dirigem e controlam -
escravo cuja tarefa era a de garantir a os tutores (guardiães) e os curadores
chegada da criança à escola com segu- (administradores) - até que esteja livre
rança). Cristo é o verdadeiro mestre, para possuir sua herança no tempo de-
que nos toma pela mão e nos mostra terminado pelo testamento de seu pai.
o caminho de Deus em termos de graça. 3. A aplicação começa aqui. Os dias
"Uma opinião mesquinha sobre a lei da infância foram o período do controle
leva ao legalismo na religião; uma opi- da Lei, quando estávamos servilmente
nião elevada leva o homem a buscar a sujeitos aos rudimentos do mundo. Ele
graça" (J. Gresham Machen, lhe Origin aqui não se refere aos elementos físicos,
ofPaul's Religion, pág. 179). como em 11 Pe. 3: 10, 12, nem aos
25. A função disciplinar da Lei, no corpos celestes, nem aos espíritos ele-
sentido histórico, cessou com a vinda de mentares que os antigos consideravam
Cristo. Mas a Lei ainda pode operar em associados a esses corpos (jamais Paulo
um indivíduo para despertar o senso do teria concordado que serviria tais espí-
pecado e da necessidade, preparando as- ritos quando vivera sob a Lei). São os
sim o coração para Cristo. elementos rudimentares, porque perten-
26-29. Todos. Tanto os gentios como cem à religião legalista do Judaísmo,
os judeus são bem recebidos na família e não ao Cristianismo, a fé mais adulta
de Deus mediante a fé. E assim eles e mais espiritual. Esta maneira de enca-
alcançam sua posição em Cristo Jesus. rar o assunto está confirmada pelo uso
Batizados em Cristo. O batismo nas da palavra rudimentos em Gl. 4: 9.
águas leva uma pessoa a desfrutar da co- 4,5. A plenitude do tempo corres-
munhão da Igreja, mas por trás desse ponde ao "tempo determinado pelo
rito jaz um aspecto mais significativo pai" (4: 2). Dá a entender que a obra
do batismo - ser separado pelo Espí- disciplinar e preparatória da Lei exigia
rito para viver em união com Cristo e um longo período. Seu Filho. A ma-
o Seu corpo (cons. ICo.12:13).De neira apropriada de trazer muitos filhos
Cristo vos revestistes. O Senhor Jesus à glória. Verdadeira filiação é impossível
se toma o segredo e a esfera da nova até que o Filho por excelência apareça.
vida que é participada com outros cren- Aqui se sugere a pré-existência. Nas-
tes. Sois um em Cristo Jesus. Filiação cido de mulher. Isto não é menção
com Deus envolve fraternidade em Cris- ao nascimento virginal (Mt. 11: 11). A
to. Surge um novo homem nele (cons. argumentação de Paulo exige um des-
Ef. 2: 15). As costumeiras distinções taque à semelhança de Cristo conosco,
e divisões da vida desaparecem neste re- não à dessemelhança. Através do Seu
lacionamento. Estar em Cristo Jesus, nascimento Ele penetrou em nossa hu-

-152 -

I '
II 'I I 'I
GÁLATAS 4: 5·16

manidade. Nascido sob a lei. Circun- ser menos difícil e menos ofensivo que
cidado, apresentado, criado nos termos a circuncisão, a qual os gálatas ainda
exigidos pela Lei, cumprindo toda a jus- não tinham aceito inteiramente (cons.
tiça. Foi necessário que Ele guardasse 5: 2). 11. Paulo temia que se esse apego
a Lei perfeitamente a fim de resgatar ao legalismo continuasse e aumentasse,
Seu povo da escravidão e maldição da resultaria em que o seu trabalho entre
Lei e para Lhe assegurar a adoção de eles fosse em vão.
filhos. O privilégio lhes veio como D. O Argumento da Aceitação pessoal
um dom da graça e não como um resul- dos Gálatas. 4: 12-20. A atitude dessas
tado de um longo período de tutela sob pessoas para com Paulo na ocasião em
a Lei. que escreveu, contrastava inteiramente da
6,7. Esta aceitação foi confirmada apreciação original que tiveram para
pelo testemunho do Espírito, chamado com ele como mensageiro de Deus.
aqui de Espírito de seu Filho, uma vez 12,13. Paulo roga que abandonem o
que sua missão é completar e aplicar a legalismo e sejam como ele, desfrutan-
obra do Filho. Ele gera no crente a do da sua liberdade em Cristo, pois ele
certeza da aceitação divina pelo Seu se lhes tomara semelhante. Isto é, aban-
testemunho no coração. Paulo usa donando suas características de judeu
Aba, a palavra aramaica para pai, se- ele se tomou um gentio (cons. 2: 15-18).
guida pelo equivalente grego (cons. Por mais que sofresse agora, ele se re-
Mt. 14: 36; Rm. 8: 15, 16). A filia- cordava que os gálatas não lhe causaram
ção exclui a servilidade e inclui a posi- nenhum dano no começo, quando pe-
ção de herdeiro. O Espírito Santo é la primeira vez os visitou, mas igno-
a garantia dessas bênçãos futuras (cons. raram sua enfermidade física a qual obri-
Ef. 1: 13, 14). gou-o a permanecer entre eles como
5) Um Apelo a que Não Retomem um homem doente. Ele não se afas-
à Escravidão. 4: 8-11. O apóstolo re- tou deles até que os familiarizou com
trocede novamente para mais uma vez as boas novas do Evangelho. 14. Sua
falar, de maneira direta, sobre os gála- doença constituiu uma tentação para que
tas e sua situação, no que se refere ao o considerassem levianamente e o rejei-
legalismo e à liberdade cristã. tassem. Mas eles não agiram assim;
8. Antes da conversão eles serviram pelo contrário, receberam-no como se
a deuses que por natureza não o são recebe um anjo, ou como se ele fosse
(sendo ídolos). Tal conduta era com- o próprio Cristo.
preensível, porque naquele tempo eles 15,16. Vossa exultação. Eles se con-
não conheciam a Deus. 9,10. Eles O co- gratularam em serem assim favorecidos
nheciam agora porque Ele os conhecera, por um emissário do Senhor. Sua gra-
conforme comprovado pela primeira ofer- tidão não teve limites; teriam até sa-
ta da graça que lhes foi oferecida. É in- crificado seus olhos em favor de Paulo.
crível que gente com tal história retor- Isto não prova necessariamente que o
nasse outra vez aos rudimentos fracos e apóstolo tivesse uma doença dos olhos
pobres (em contraste com o Evangelho), (cons. o grego em Atos 23: 1). Os olhos
dando grande importância a dias espe- foram especialmente mencionados por
ciais. Ao que parece os judaizantes causa de sua preciosidade. Talvez, Pau-
colocaram em destaque primeiramente o lo argumenta que, a frieza atual dos
aspecto mais agradável da obediência gálatas, fosse devido ao fato dele ter
à Lei (os gálatas estavam guardando falado a verdade. Afastados da verdade
esses dias quando Paulo escreveu), por pelo erro judaizante, eles se voltaram

-153 -
GÁLATAS 4: 16-27

contra Paulo como também contra a por Deus. Foi Ismael, nascido de Hagar.
sua mensagem. O outro, Isaque, o filho de Sara, foi
17,18. Em contraste ao hábitode Pau- dado mediante a promessa de Deus.
lo falar a verdade, os adeptos do erro 24,25. Estas cousas são alegóricas.
tinham recorrido à lisonja e à bajulação Isto é, são passíveis de expressarem al-
para ganhar os gálatas. Para que não go mais que ...a simples narrativa histó-
pensassem que o apóstolo escrevia de- rica. Paulo continua expondo os aspec-
vido ao rancor e interesse próprio, ele tos que se enquadram na situação dos
tornou bem claro que não se sentia gálatas. Estas (as duas mulheres) cor-
averso ao fato de outro homem servi- respondem às duas alianças: Agar, aque-
-los em seu lugar, uma vez que o minis- la que foi dada no monte Sinai, o có-
tro fosse do tipo adequado - adepto digo mosaico. Como ela abandonou
da causa da verdade. Como eram dife- o lugar da bênção em Canaã e foi para
rentes aos judaizentes, que excluíam to- essa região descampada (Gn. 21: 21),
dos aqueles que ministravam a Palavra, assim também os gálatas afastaram-se
tentando afastar seus protegidos da pre- da graça de Cristo. Triste é dizer, que ou-
sença do apóstolo e outros arautos tros além dos gálatas foram afetados.
da graça! A Jerusalém daquele tempo estava em
19,20. A dor e a preocupação de escravidão com seus filhos - não a igreja
Paulo eram como os de uma mãe em em Jerusalém, mas o Judaísmo centra-
trabalho de parto. Mas o que ele agoni- lizado nessa cidade.
zantemente buscava não era o novo nas- 26,27. Mas há uma outra Jerusalém,
cimento dos seus amigos Gá eram seus a de cima, que é a mãe de todos os fi-
filhos no Senhor), mas a plena formação lhos da graça. Esta não é uma referên-
da nova vida neles (Ef. 4: 13; cons. Fp. cia à futura Nova Jerusalém do Apoca-
3: 10). Outra visita, ele sentia, seria lipse, mas a uma realidade espiritual
altamente desejável. Resolveria mais atual, o lar dos crentes. Este lar cor-
que a pena. Poderia lhes falar mansa- responde aos "lugares celestiais" de
mente, como uma mãe fala a um filho Ef. 1: 3 e à "cidade do Deus vivo" de
que errou, mas que continua amado, Hb. 12: 22. A esta altura Paulo cita
e assim falar-vos em outro tom de voz, Isaías, prevendo a glória e o triunfo
que agora necessariamente parecia áspera. para Israel com base na obra expiató-
ria do Servo Sofredor, depois da esteri-
E. A Argumento da Aliança da Pro- lidade dos dias do cerco e cativeiro
messa. 4: 21-31. Tendo chamado seus (Is. 54: 1). Essa mudança da sorte foi
leitores de filhos, o apóstolo continua colocada em uma linguagem que re-
contando-lhes uma história, com uma flete a história de Sara, a qual, embora
aplicação moral, na esperança de que estéril no começo e aparentemente
percebam a sua loucura. abandonada a favor de outra, recebeu
21-23. Parecia que desejavam se colo- o que era dela, no tempo determinado
car sob a lei. Pois ia lhes falar da lei por Deus, com uma descendência maior
(a nárrativa do Gênesis era parte da Lei do que a de Agar. A igreja estava des-
no sentido mais amplo, a qual incluía frutando de um rápido desenvolvimento
todo o Pentateuco). Um dos filhos nos dias apostólicos, enquanto o Judaís-
de Abraão nasceu segundo a carne - mo estava em grande parte estático e
na ordem natural das coisas, possivel- até mesmo estava perdendo terreno por
mente sugerindo o expediente humano causa do testemunho dos crentes judeus
que tentou ajudar o plano anunciado da sua fé em Cristo.

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I I
II , 'I I 'I
GÁLATAS 4: 28·31 - 5: 1-10

28-31. Os santos do Novo Testa- vista a justificação como resultado.


mento eram filhos da promessa, como Aceitar a circuncisão significava abando-
Isaque o foi. Tal como Isaque esteve nar o terreno da graça em Cristo (da
sujeito à perseguição de Ismael (cons. graça decaístes) em favor da autojusti-
Gn. 21: 9), eles também estiveram su- ficação que é inferior e impossível. O
jeitos à perseguição dos legalistas. A verdadeiro crente permanece na graça
pressão feita para que Tito fosse cir- (Rl11. 5: 2).
cuncidado foi um exemplo (Gl. 2: 3). 5. Enquanto o legalista se atola na
Mas a provação não durou, pois Deus insegurança - pois ele não sabe quando
ordenou a expulsão da escrava e a seu fez o suficiente para satisfazer o padrão
filho (Gn. 21 : 10). Os judaizantes não da justiça divina - aqueles que estão jus-
tinham a autoridade nem a bênção de tificados pela fé, que têm o Espírito
Deus. Seu trabalho resultaria em nada. como penhor de sua aceitação para com
Deus, esperam confiantemente pela fé
IV. O Evangelho de Paulo Praticado. a consumação (a esperança da justiça) na
5: 1 - 6: 15. glória (cons. Rm. 8: 10, 11).
A. O Evangelho Praticado em Liber- 6. Tendo demonstrado o longo alcan-
dade. 5: 1-12. A recusa de se submeter ce da fé na esperança, o apóstolo indica
à circuncisão foi o primeiro sinal do seu alcance no amor. Em Cristo ninguém
gozo desta liberdade. tem vantagem por possuir a circuncisão;
I. Para a liberdade foi que Cristo nos nem falta alguma coisa a quem não a
libertou é a declaração do fato pelo após- tem. O que conta é o amor, que resume
tolo, acompanhado do apelo a que per- em si tudo o que a Lei exige (Rm. 13:
maneçam nessa liberdade e que não se 9, 10). Justificar a fé não exclui esta
envolvam novamente com a escravidão. consideração importante sobre o amor.
Sob um certo aspecto é mais fácil viver Pelo contrário, a fé, operando através
como escravo do que fazer uso adequado do amor, é apenas o meio viável pelo
da liberdade (por exemplo, Israel no de- qual as exigências da Lei podem ser
serto desejando retomar ao Egito). cumpridas.
2-4. É preciso escolher, diz Paulo, 7-10. O progresso espiritual dos gá-
entre Cristo e a circuncisão. Ele não diz latas fora impedido. Alguém pertur-
isso dos judeus (cons. Atos 21 : 21), bara esses convertidos afastando-os da
mas dos gentios, que não têm antece- verdade. Em outro lugar (1: 7; 5: 12)
den tes relacionados com a circuncisão. fala-se de um grupo de agitadores lega-
No caso destes o rito só poderia signifi- listas; aqui, entretanto, fala-se de um
car uma tentativa deliberada de alcançar indivíduo, presumivelmente o líder. Es-
um mérito pela adoção de uma posição ta propaganda não emanara d'Aquele
legalista, buscando a justificação pelas que os chamara e lhes dera o impulso
obras. No começo, a circuncisão não para a corrida (cons. 1: 6). Os leitores
tinha tal implicação, pois com Abraão tinham sido enganados dando ouvidos
foi um sinal e selo da justificação que a uma falsa doutrina. E que nenhum
ele já tinha obtido pela fé (Rm. 4: 11). deles alegasse que Paulo estava exage-
Mas no decorrer do tempo, ela se trans- rando, que estava fazendo muito alar-
formou em um símbolo de mérito. Sen- de com os problemas na Galácia. Um
do assim, Cristo não poderia benefi- provérbio serviria para enfatizar a lou-
ciar-se do recipiente da circuncisão, cura deles. Um pouco de fermento le-
que na verdade se colocou sob a obri- veda toda a massa. Talvez os que real-
gação de guardar toda a lei, tendo em mente se converteram ao legalismo fos-

-155 -
GÁLATAS 5: 10-15

sem poucos até o presente momento. dá vasão aqui.


Não obstante, os crentes deviam estar
em guarda para que o erro não se es- B. O Evangelho Praticado em Amor.
palhasse. Se fosse honestamente enfren- 5: 13-15.
tado, poderia ser impedido. Paulo tinha 13. Enquanto a liberdade é inerente
confiança em uma resolução feliz da à vocação cristã para a salvação, ela não
dificuldade, não com base nos seus deve ser convertida em licenciosidade.
convertidos ou em seu próprio ministé- Isto é o que acontece quando a liber-
rio, mas no Senhor. Não obstante, uma dade é considerada como uma oportu-
reviravolta favorável nos acontecimentos nidade para a carne satisfazer seus ape-
não aliviaria a responsabilidade daquele tites. A única contra-medida eficiente
que estava desviando o rebanho. Sofre- é servir os outros pelo amor. O pensa-
rá a condenação. mento pode ser parafraseado assim:
11,12. "Alguns poderão argumentar," Vocês professam ser muito zelosos pela
diz Paulo, "que eu sou inconsistente Lei, a qual eu lhes declarei ser escravi-
em falar contra a circuncisão". Era sa- dão. Mas, se vocês realmente estão pro-
bido, por exemplo, que ele circuncidara curando a escravidão, eis aqui um tipo
Timóteo (Atos 16: 3). Mas esse foi um que é inofensiva, até mesmo benefi-
caso especial, pois o jovem era meio ju- ciente. Eu a recomendo a vocês. Sejam
deu, a quem o pai, um grego, não circun- escravos uns dos outros na demonstra-
cidara. Se Timóteo andasse com Paulo ção do amor (cons. Rm. 13: 8). 14. Es-
por aí nessas condições, teria despertado ta é a exigência do V.T. (Lv. 19: 18),
uma oposição desnecessária entre os ju- e no N.T. não tem nada mais elevado.
deus. Nenhum princípio fora violado 15. Havia necessidade terrível de que
nessa circuncisão particular. A prova o amor fosse exercitado nas igrejas gá-
de que Paulo não pregava a circuncisão latas, pois Paulo dá a entender que havia
estava no fato de que continuava per- ali lutas e amarguras entre eles. O forte
seguido (pelos judeus). Se ele circun- antagonismo estava provavelmente entre
cidasse os gentios, esses mesmos judeus aqueles que tinham sucumbido à pro-
olhariam para ele de maneira mais ami- paganda dos legalistas e daqueles que
gável. Mas se ele pregasse a circuncisão, não tinham. A simpatia de Paulo es-
o escândalo da cruz estaria desfeito até tava com este último grupo, mas ele
onde o seu ministério estava envolvido. reconhecia que sem amor eles não po-
A graça envolve a incapacidade do ho- diam vencer aqueles que se lhes opu-
nham. Discussão sem amor resulta em
mem de participar na sua própria sal-
vação. Esta verdade se opõe ao orgulho conflito contínuo.
humano. Paulo não se escandaliza com
a cruz mas com aqueles que vos incitam C. O Evangelho Praticado em Espí-
à rebeldia (E.R.A.) - que vos andam rito. 5: 16-26. Embora não conste, a
inquietando (E.R.C.). Sua indignação liberdade (5: 1, 13) não ficou esqueci-
levou-o a fazer uma forte declaração: da aqui. "O amor é o guarda da liber-
Eu quereria que fossem cortados (E.R. dade cristã. O Espírito Santo é o seu
C.), ou melhor, que se mutilassem. Co- guia" (G. G. Findlay, The Epistle to the
mo um homem emasculado perde o po- Galations in The Expositor's Bible,
der de propagação, assim esses agitadores pág. 347). Esta seção, com seu con-
seriam reduzidos à impotência de pro- traste entre a carne e o Espírito, foi
pagar sua falsa doutrina. Esse é o fer- um tanto antecipada pela declaração
vente desejo ao qual o apóstolo Paulo de 3: 3. A vida no Espírito está sendo

-156 -

I I II i
'I 'I
GÁLATAS 5: 15-23

agora apresentada como o antídoto às obras - "Atentem para as realizações


para as inclinações da carne, o princí- da carne!" Em primeiro lugar vêm os
pio do pecado que persiste nos santos. pecados sensuais. Prostituição é um
Portanto, há uma guerra necessária termo geral para imoralidade sexual.
e legítima, em contraste com aquilo Impureza inclui toda sorte de corrupção
que foi insinuado em 5: 15. sexual. Lascívia indica audácia des-
16,17. Andai no (melhor, pelo) Es- carada nesse tipo de vida. Depois vêm
pírito. Só desse modo os crentes podem os pecados religiosos. Idolatria é a de-
levantar-se acima das limitações da came voção aos ídolos. A palavra grega que
e evitar a realização dos desejos dela. foi traduzida para feitiçarias encaixa-se
A promessa é enfática - e jamais satis- no termo "farmácia" e significa basi-
fareís, Carne e Espírito são opostos, camente a administração de drogas e
travando contínuo combate. Se o cris- poções mágicas, mas passou a repre-
tão está andando no poder de um deles, sentar todo o tipo de prática de feitiça-
não pode estar no controle do outro. ria (cons. Ap. 9: 21; 18: 23). Um ter-
A declaração, são opostos entre si, é ceiro grupo abrange os pecados de tempe-
um tanto parentética, e a conclusão do ramento. Esses passam por toda a escala
versículo depende diretamente da se- desde inimizades, que é algo latente,
gunda das duas declarações precedentes passando pelas porfias, que é algo ope-
do versículo. Por trás da resistência do rante (indicando neste caso disputas
Espírito à carne está o propósito de que devidas ao egoísmo), pelas dissensões
os crentes devem ser guardados de pra- (antes, divisões) e facções, ou exibições
ticarem as coisas que eles (de outro mo- de espíritos partidários (invejas podem
do) fariam. se relacionar às anteriores pois ajudam
18. Na realização da vitória sobre a criar divisões, como também podem
a carne, é preciso que a pessoa se coloque ser associadas com o próximo ítem),
sob a liderança do Espírito. A Lei leva até chegar aos homicídios (E.R.C.),
um homem a Cristo (3: 24). Então o o clímax dos antagonismos impropria-
Espírito assume o controle e dirige o mente acalentados. Na quarta categoria
filho de Deus para a plenitude da vida podemos colocar as bebedices e gluto-
em nosso Senhor. Esta plenitude será narias. A lista poderia ser ampliada -
o resultado inevitável, se o Espírito não e cousas semelhantes. Aqueles que pra-
for limitado pelo pecado no crente (Ef. ticam tais coisas não herdarão o reino
4: 30). Em lugar de dizer, em concor- de Deus (cons. I Co. 6: 9, 10). Um
dância com o primeiro pronunciamento crente pode cair em semelhantes prá-
desta seção, que ser dirigido pelo Espí- ticas do mal se andar de acordo com
rito significa ser libertado da carne, o a carne. Por isso é que se faz a inclusão
apóstolo tira uma conclusão inespera- desta lista na sua presente posição dentro
da. Ser dirigido pelo Espírito demons- desta carta, onde a vida do cristão está
tra liberdade da lei. Apego à lei signifi- sendo revista.
ca multiplicação de transgressões (cons. 22,23. Tudo aqui está em contraste
Gl. 3: 19) em lugar de redução. Eviden- com o precedente: fruto em lugar de
temente existe um laço íntimo entre a obras; o Espírito em lugar de carne; e
lei e a carne (cons. Rm. 8: 3). uma lista de virtudes grandemente atraen-
19-21. As obras da carne podem ser tes e desejáveis em lugar das coisas feias
esperadas prolificando livremente na que acabaram de ser citadas. A pala-
atmosfera do legalismo. Um raio de iro- vra fruto, estando no singular, como se
nia se percebe aqui ao fazer referência apresenta nas cartas de Paulo, tende

-157 -
GÁLATAS 5:23-26 - 6: 1

a enfatizar a unidade e coerência da vida obras do Espírito não existe restrição"


no Espírito oposta à desorganização e (1.R. Lightfoot, Galatians, pág.213). A
instabilidade da vida sob os ditames mesma verdade foi declarada em outra
da carne. É possível, também, que o passagem, Rm. 8: 4.
singular tenha a intenção de apontar 24-26. Aqueles que são verdadeira-
para a pessoa de Cristo, no qual todas mente de Cristo devem ser como Ele
essas coisas são vistas em sua perfeição. na participação da cruz. Eles crucifi-
O Espírito procura produzi-las reprodu- caram a carne. Idealmente, isto aponta
zindo Cristo no crente (cons. 4: 19). para a sua identificação com Cristo na
Passagens tais como Rm. 13; 14 sugerem Sua morte (2: 20). Praticamente, enfa-
que os problemas morais dos homens tiza a necessidade de carregarmos o prin-
redimidos podem ser resolvidos pela cípio da cruz na vida redimida, uma vez
suficiência de Cristo quando apropria- que a carne, com as suas paixões e de-
da pela fé. sejos continua sendo uma realidade sem-
À luz da preferência de Paulo pela pre presente (cons. 5: 16, 17). A mesma
forma singular de fruto, não se toma tensão entre a provisão divina e a apro-
necessário recorrer ao expediente de priação humana se encontra em relação
colocar um travessão depois da palavra ao Espírito. Vivemos no Espírito se-
amor para indicar que todos os outros gundo a disposição divina, por meio do
ítens dependem deste. O amor é deci- dom do Espírito na conversão. Mas an-
sivo (110.4:8; ICo.13: 13; G1.5:6). damos em Espírito por uma questão de
Gozo é o que Cristo concede aos seus vontade pessoal, dando cada passo na
seguidores (10.15: 11) e é pelo Espí- dependência dEle. Se alguém andar
rito (lTs.1:6; Rm.14:17). Paz é assim, não desejará vanglória - cobiça
o dom de Cristo (10. 14: 27) e inclui do ego, frustrado quando não tem suces-
uma reação interior (Fp. 4: 6) e rela- so. "A vanglória desafia a competição,
cionamento harmonioso com os outros à qual os de natureza mais forte rea-
(contraste com Gl. 5: 15,20). Longa- gem na mesma moeda, enquanto que
nimidade relaciona-se com a atitude da os mais fracos são levados à inveja"
pessoa para com os outros e envolve (Hogg e Vine, Galatians, pág. 305).
uma recusa em revidar ou se vingar do
mal recebido. Literalmente é paciên- D. O Evangelho Praticado no Serviço.
cia. Benignidade seria melhor traduzi- 6: 1-10. Os cristãos têm ainda uma lei
da para amabilidade. É a benevolência a cumprir, a lei de Cristo. Só podem
nas atitudes, uma virtude visivelmente cumpri-la no poder do Espírito, quando
social. Bondade é uma probidade da alma se servem mutuamente na comunhão
que aborrece o mal, uma honestidade da Igreja.
definida de motivações e conduta. Fi- 1-5. Alguém. Algum homem com
delidade (se fosse fé, estaria no começo paixões como as de vocês e portanto
da lista). Um caso paralelo é Tito 2: 10, sujeito à queda. For surpreendido,
"lealdade". Mansidão baseia-se na hu- apanhado em flagrante. Falta deveria
mildade e indica uma atitude para com ser uma palavra mais forte (cons. Rm.
os outros, mantendo a devida negação 5: 15). Um santo que cometeu pecado
do ego. Domínio próprio (lit., reprimir necessita de restauração como também
com mão firme], ou controle da vida de perdão divino. Aquele que está qua-
do ego por meio do Espírito. Contra lificado a ajudá-lo é o espiritual, isto é,
estas cousas não há lei. "A Lei existe que possui em um notável grau o fruto
com o propósito de refrear, mas nas do Espírito, especialmente o amor

-158 -

I I II 'I I I
GÁLATAS 6: 2-11

(5: 22) pelo irmão em dificuldade e associação semelhante). 8. Um cristão


também mansidão (5: 23), uma vez que egoísta semeia para a sua própria carne,
ele também pode um dia cair no mesmo gastando seus recursos para gratifica-
pecado e necessitar da mesma disposi- ção de seus próprios desejos pessoais. Ele
ção amorosa. Um verdadeiro espírito só pode esperar ceifar a corrupção. Aqui-
de ~uda também deveria ser predomi- lo que poderia ter produzido recom-
nante em outros assuntos - levai as pensa pelo investimento no trabalho do
cargas uns dos outros (contraste com Senhor não resultará em nada mais que
Lc. 11: 46). A lei de Moisés foi des- uma massa deteriorada, uma perda com-
crita como sendo uma carga (Atos 15: pleta em termos de eternidade. Por outro
10), mas a lei de Cristo não é assim (I lado, correspondendo ao Espírito em
J o. 5: 3). Seu fardo é leve (Mt. 11: 30). amor e bondade, e participando alegre-
Isso deixa livre o discípulo para minis- mente na expansão do Evangelho com o
trar ao seu próximo (Mc. 10: 43-45). sustento de obreiros cristãos, os crentes
A advertência no final de Gl. 6: 1 vai estarão aumentando os lucros ao capi-
até 6:3. A superavaliação do ego leva tal da vida eterna. Esta passagem dá
ao logro. Que um homem examine suas margem a uma aplicação mais ampla,
próprias obras. Se encontrar nelas al- de acordo com o caráter proverbial
guma satisfação, então terá motivo de da declaração do versículo 7. Mas carne
gloriar-se unicamente em si. Seus seno e Espírito são em primeiro lugar apli-
timentos serão de gratificação e satis- cados ao crente (cons. 5: 17,24,25), de
fação e não de orgulho e superiorida- acordo com o contexto imediato. 9.
de sobre seus irmãos. Melhor que ca- O assunto específico da contribuição
da um se avalie imediatamente, pre- leva naturalmente ao exame do tema
parando-se para o julgamento que o Se- mais generalizado da prática do bem,
nhor fará naquele dia quando cada um o que por implicação é uma sementei-
levará o seu próprio fardo. Ele será ra. A pessoa pode esmorecer se espe-
tido responsável pela sua própria vida ra ver a colheita imediatamente. 10.
e obra (Rm. 14: 12). Duas esferas da beneficência cristã
6-10. Aqui o pensamento retoma ao foram sugeridas - a todos e aos da famí-
levar das cargas uns dos outros, mas no lia da fé. O último grupo é obrigação
setor específico da contribuição para especial (principalmente) dos filhos de
o sustento da obra cristã (cons. 11 Co. Deus. Se alguém negligenciar o cui-
11:9; 11 Is. 3:8). 6. Faça participante, dado dos seus (e os crentes são a famí-
isto é, divida com outrem. Aquele que lia de Deus), ele é pior do que um in-
é instruído na palavra reparte os seus crédulo (I Im. 5: 8).
bens materiais com aquele que o ensina.
Desse modo ele participa da obra do E. O Evangelho Praticado em Sepa-
Senhor. Esse é o plano divino. Que ração do Mundo. 6: 11-15. Paulo usa
se tenha o cuidado de não deixá-lo esta seção final para sublinhar alguns
de lado. 7. De Deus não se zomba. dos destaques dados nesta epístola como
A palavra que foi traduzida para zomba é um todo, acentuando a centralidade
levantar o nariz, assumir ares importan- e eficiência da cruz, e a divisão que
tes. Nenhum homem pode com sucesso cria entre os crentes e os homens do
fazer pouco caso de Deus ou fugir dos mundo.
seus decretos, pois "tudo o que o homem 11. Com que letras grandes. O
semear, isso também ceifará" - é a imu- apóstolo está se referindo ao tamanho
tável lei da vida (cons. 11 Co. 9: 6 numa de sua letra quando tomou a pena da

- 1.19-
GÁLATAS 6: 11-18

mão do escriba e escreveu ele mesmo simples cenmorua do mundo quando


as palavras finais, por amor de uma efi- vista à luz da crucificação. O que real-
cácia maior. Ele retoma ao assunto mente importa, ele declara, é a nova
da circuncisão e expõe os motivos da- vida que vem através de estarmos em
queles que estavam perturbando seus Cristo Jesus. (E.R.C.). Isso resulta
leitores. 12. Todos os que querem os- em urna nova criatura. A palavra no-
tentar-se na carne, o único reino da vi- va indica o que é superior ao velho.
da que eles conheciam, uma vez que não
andavam no Espírito. Esses vos cons-
trangem, neste caso, é "procuram for- V. Conclusão. 6: 16-18.
çar" (cons. 2: 3). Pressão estava sendo
exercida. Destacando a circuncisão, A. Oração Final. 6: 16. Para aque-
e impondo-a aos gentios, os judaizan- les que andam de acordo com esta regra
tes esperavam escapar à ira dos judeus ou cânon que ele acabou de expor, isto
incrédulos contra eles por terem espo- é, a cruz de Cristo e a mensagem da graça
sado a causa de Cristo. Tinham medo que ali se centraliza, Paulo pede paz
de serem perseguidos por causa da cruz e a misericordiosa e amorosa benevo-
de Cristo (cons. 5: 11). Homens desse lência que produz a continuidade da graça
tipo são chamados de "a circuncisão" já recebida no Evangelho. Ele deseja a
(partido da circuncisão) em Fp. 3: 2. mesma bênção para o Israel de Deus.
13. Tendo examinado o verdadeiro mo- Uma vez que é impossível que isto se
tivo dos judaizantes, Paulo revela agora refira ao todo da igreja, à vista do e, o
seu motivo professo, que era o zelo pela mais provável é que a referência feita
Lei. Tomavam um único ítem, e uma seja aos judeus cristãos como o próprio
questão externa por sinal, e o faziam Paulo. Esses são o verdadeiro Israel,
representar a observância da Lei como opondo-se àqueles que simplesmente
um todo. Esperavam ganhar crédito levam esse nome (cons. Rm. 2: 29).
trazendo os gentios e colocando-os B. Testemunho Final. 6: 17. Se os
sob a Lei como um sistema, forçan- gálatas tiveram problemas, também Pau-
do-os a aceitarem a circuncisão. Eles lo. Mas se alguém quisesse discutir a
se gloriavam neste sinal da carne de sua devoção a Cristo, devia tomar conhe-
seus convertidos. 14. Paulo se negou cimento das marcas da perseguição que
a gloriar-se na circuncisão ou em havia em seu corpo, cicatrizes sofridas
qualquer outra coisa que não fosse por amor ao Senhor Jesus, que falavam
na cruz pela qual o mundo e todas as mais eloqüentemente do que as marcas
suas motivações covardes foram bani- corporais (a circuncisão) que os judai-
das, crucificadas com ele, inteiramente zantes amavam impor sobre os outros
separadas do seu modo de pensar e como prova do seu zelo.
modo de vida. Paulo não dava impor-
tância ao conforto e à reputação, como C. A Bênção. 6: 18. Esta palavra
os judaizantes (cons. 1: 10). 15. Por [mal, com a ênfase sobre a graça, resume
que o apóstolo aqui despreza a circun- a mensagem da epístola como um todo.
cisão? Porque foi transformada em uma Nada poderia ser mais apropriado.

-160 -

I I II 'I I !
A EPISTOLA AOS EFÉSIOS

INTRODUÇÃO

Autoria, Data, Lugar. Poucos críti- ponto difícil é o fato que uma epístola
cos têm seriamente negado a autoria de escrita em Laodicéia foi mencionada em
Paulo nesta epístola. Mais ataques têm si- C1. 4: 16, mas não se mencionou Éfeso.
do feitos à data e ao lugar da autoria tra- Alguns crêem que esta epístola poderia
dicionalmente aceitos, como também ter sido uma circular endereçada a um
aos destinatários tradicionais (veja abai- grupo de diferentes igrejas (Este é o pon-
xo). to de vista mais amplamente defendido
Efésios está no mesmo grupo crono- hoje em dia. - Ed.). Parece mais pro-
lógico das epístolas de Paulo aos Colos- vável, contudo, que uma congregação
senses, Filemom e Filipenses, chamadas particular estava em vista, e não temos
coletivamente de "As Epístolas da Pri- fortes motivos para rejeitarmos o des-
são" porque foram escritas durante o tino aceito tradicionalmente - Éfeso
primeiro aprisionamento romano de Pau- (veja John W. Burgon, The Last Twelve
lo. Evidentemente Paulo chegou a Ro- Verses of St. Mark, 1959, pág. 169-187).
ma na primavera de 61. Atos fala que Mesmo os manuscritos Aleph e B são
morou dois anos inteiros em casa alu- intitulados aos Efésios (Pros Ephesious).
gada por ele mesmo (Atos 28: 30), o que Paulo permaneceu um tempo compara-
o faz chegar à primavera de 63. Prova- tivamente longo em Éfeso quando fazia
velmente foi liberado antes do incên- a sua terceira viagem missionária (Atos
dio de Roma em 64. Em Filipenses 19: 1 - 20: 1; 20: 31). Sua associação
ele já aguardava esse liberamento (l: com os crentes dali foi muito íntima,
19-26), uma esperança à qual ele se conforme prova sua maneira de se diri-
refere também em Filemom 22. Efé- gir aos anciãos de Éfeso (Atos 20: 17-
sios, Colossenses e Filemom foram des- 38).
pachadas na mesma ocasião pelos mes-
mos mensageiros (Ef. 6: 21, 22; C1. 4: Conteúdo da Epístola. Esta epís-
7-9; Fm. 12,23,24). tola, junto com a de Colossenses, enfa-
Tentativas de colocar estas epísto- tiza a verdade de que a Igreja é o corpo
las em período anterior, como se fossem do qual Cristo é a Cabeça. Embora Pau-
escritas em alguma prisão, tal como Ce- lo tivesse mencionado esta mesma ver-
saréia ou mesmo Éfeso (George S. Dun- dade antes, em Romanos 12 e I Corín-
can, St, Paul's Ephesian Ministry) não tios 12, aqui ele a desenvolve melhor.
têm tido sucesso. Não há bons moti- Não há nenhum outro ponto mais alto
vos para rejeitarmos o lugar tradicional de revelação do que aquele que foi al-
- Roma. Esta epístola, junto com Co- cançado nesta epístola, a qual mostra
lossenses e Filemom, foi provavelmente o crente assentado com Cristo nos lu-
escrita no ano 62. gares celestiais e o exorta a viver de acor-
Destino da Epístola. Por causa das do com sua elevada vocação. Na reali-
palavras em Éfeso (en Epheso) que não dade a epístola pode ser dividida em
aparecem no manuscrito original do duas partes principais, cada uma con-
Códex Sinaiticus (Aleph) e no Códex tendo três capítulos. Em Ef. 1-3 o
Vaticanus (B), dois dos mais antigos apóstolo conta aos crentes o que eles
manuscritos existentes do Novo Testa- são em Cristo. Em Ef. 4-6 ele lhes diz
mento, há quem negue que esta epís- o que devem fazer por estarem em Cris-
tola foi endereçada aos efésios. Outro to. Já se sugeriu muitas vezes que o con-

-161 -
teúdo da epístola pode ser resumido foi feito (4: 1); e este andar é mais am-
em três palavras, assentado, andando plamente apresentado como uma guerra
e firme. Pela posição, o crente está as- na qual ele está empenhado contra Sa-
sentado com Cristo nos lugares celesti- tanás e todas as suas hastes e na qual
ais (2: 6); sua responsabilidade é andar ele é exortado a permanecer firme contra
condignamente ao chamado que lhe as ciladas do diabo (6: 11).

ESBOÇO
I. A posição do crente em Cristo. 1: 1 - 3: 21.
A. Saudações. 1: 1,2.
B. Todas as bênçãos espirituais. 1: 3-14.
1. Escolhidos pelo Pai. 1: 3-6.
2. Redimidos pelo Filho. 1: 7-12.
3. Selados pelo Espírito Santo. 1: 13, 14.
C. A primeira oração de Paulo. 1: 15-23.
D. Salvação pela graça. 2: 1-10.
1. O que fomos no passado. 2: 1-3.
2. O que somos no presente. 2: 4-6.
3. O que seremos no futuro. 2: 7-10.
E. Unidade dos judeus e gentios em Cristo. 2: 11-22.
1. O que os gentios eram sem Cristo. 2: 11 ,12.
2. Um só corpo. 2: 13-18.
3. Um só edifício. 2: 19-22.
F. A revelação do mistério. 3: 1-13.
1. A díspensação da graça de Deus. 3: 1-6.
2. A comunhão do mistério. 3: 7-13.
G. A segunda oração de Paulo. 3: 14-21.
11. A conduta do crente no mundo. 4: 1 - 6: 24.
A. A caminhada digna. 4: 1-16.
1. A unidade do Espírito. 4: 1-6.
2. O dom de Cristo. 4: 7-12.
3. A unidade da fé e do conhecimento. 4: 13-16.
B. A caminhada diferente. 4: 17-32.
1. Descrição da caminhada dos gentios. 4: 17-19.
2. O despojar do velho e o revestir do novo. 4: 20-24.
3. Aplicação prática. 4: 25-32.
C. A caminhada do amor. 5: 1-14.
1. Andando em amor. 5: 1-7.
2. Andando na luz. 5: 8-14.
D. A caminhada sábia. 5: 15 - 6: 9.
1. Sendo circunspectos. 5: 15-1 7 .
2. Sendo cheios do Espírito Santo. 5: 18 - 6: 9.
a. Regozijo e ação de graças. 5: 19, 20.
b. Submissão nos relacionamentos práticos. 5: 21 - 6: 9.
1) Esposas e maridos. 5: 21-23.
2) Filhos e pais. 6: 1-4.
3) Servos e senhores. 6: 5-9.

- 162-

I I II , 'I I I
EFÉSIOS 1: 1-3

E. A caminhada cristã é uma guerra. 6: 10-20.


1. Fortalecidos no Senhor - toda a armadura de Deus. 6: 10·17.
2. Oração por todos os santos e por Paulo. 6: 18-20.
F. Saudações finais. 6: 21-24.

COMENTÁRIO

I. A Posição do Crente em Cristo. ção do não se encontra no original.


1:1-3:21. Aqui está uma conexão muito íntima,
que prova a identidade do Pai com o
A. Saudações. 1: 1,2. As saudações Senhor Jesus Cristo na sua essência.
em todas as epístolas de Paulo são nota-
velmente semelhantes. Embora esta B. Todas as Bênçãos Espirituais. 1:
seja a fórmula epistolar comumente 3-14. O crente é apresentado como o
usada por ele, há uma falta do elemen- recipiente de toda sorte de bênção es-
to pessoal em Efésios mais do que na piritual. Portanto ele não necessita bus-
maioria das cartas de Paulo. car bênçãos adicionais de Deus. Deve,
1. Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, pelo contrário, apropriar-se das que já
por vontade de Deus. Como nas outras foram fornecidas. Todas as três Pes-
epístolas, Paulo enfatiza que ele foi cha- soas da Santa Trindade participam des-
mado por Deus para o especial ofício ta provisão de bênçãos espirituais.
de apóstolo. Aos santos. No N.T., 1) Escolhidos pelo Pai. 1: 3-6. A
os santos são aqueles que foram sepa- obra do Pai está mencionada em pri-
rados, isto é, todos os crentes. Que vi- meiro lugar.
vem em Éfeso. Veja Introdução. E fiéis. 3. Bendito o Deus e Pai de nosso
Os crentes (cons, Gl. 3: 9). A ausência Senhor Jesus Cristo. "Quase todas as
do artigo diante da palavra fiéis no ori- epístolas de Paulo começam com al-
ginal indica que os santos são os cren- guma atribuição de louvor" (Alf). Ob-
tes. Em Cristo Jesus. Uma frase impor- serve o jogo de palavras no uso de ben-
tante nesta epístola. Não importa qual dito. Que nos tem abençoado. Somos
seja a localização geográfica dos santos, convocados a bendizer a Deus, o qual
sua verdadeira posição diante de Deus já nos abençoou a nós. Mas é claro que
é em Cristo Jesus. Foram colocados Deus nos tem abençoado pelo que rea-
em união vital com ele para que possam lizou, enquanto a nossa bênção em
ser identificados com ele (cons. Jo. retribuição é de palavras, isto é, de
14: 20). louvor. Ele é o Deus e Pai de nosso
2. Graça a vós outros e paz. Esta Senhor Jesus Cristo. Isto o identifica
mesma saudação se encontra em todas como o Deus verdadeiro, não alguma
as epístolas de Paulo, embora nas pas- divindade falsa ou imaginária. A úni-
torais fosse acrescentada a palavra mise- ca maneira de conhecê-lo é por inter-
ricórdia. A graça deve sempre preceder médio de Jesus Cristo (cons. Jo. 14: 6).
a paz. A palavra grega para graça, karis, Nas regiões celestiais. Embora o adje-
está relacionada com a saudação comum tivo apareça em outro lugar, esta frase
grega, karein, mas dá â saudação uma só ocorre em Efésios, em todo o N.T.
ênfase visivelmente cristã. Paz é a cos- Aparece aqui cinco vezes - I: 3; 1: 20;
tumeira saudação hebraica. Da parte 2: 6; 3: 10; 6: 12. A palavra regiões
de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus não está no original. Indica aqui as
Cristo. A preposição "de" da contra- esferas ou reinos de nosso relaciona-

-163 -
EFÉSIOS 1: 3-7

mento em Cristo. Ainda não nos en- contra em nós, mas apenas nEle (cons.
contramos no céu, mas nossa vocação Tt.3:5; Ef.2:8-10). A vontade de
é celeste; o poder de nosso viver diá- Deus é o fator determinante.
rio é celeste; a provisão de Deus é ce- 6. Para louvor da glória de sua gra-
leste. Observe a constante repetição da ça. Observe o uso triplo desta expres-
frase, em Cristo, na epístola. Somente são (cons. vs. 12,14). As três ocor-
nEle poderíamos ter recebido estas bên- rências desta frase assinalam a parte
çãos. que as três Pessoas da Deidade desem-
4 Como nos escolheu. Em grego penham na nossa salvação, dando-nos
está na voz média; isto é, Ele nos esco- bênçãos que já recebemos. A mais
lheu para Ele mesmo. As Escrituras importante motivação do universo é
muito têm a dizer sobre o amor ele- a glória de Deus. O "Westminster Short-
tivo de Deus. As Escrituras nunca apre- er Catechísm" expressa isto bem na
sentam a doutrina da eleição como algo resposta à sua primeira pergunta, "Qual
que devamos temer, mas sempre como é o principal objetivo do homem?"
algo pelo que os crentes devem se rego- "O principal objetivo do homem é
zijar. Observe que fomos escolhidos glorificar a Deus, e deleitar-se nEle
nEle, isto é, em Cristo, e que esta esco- eternamente". Sua graça. "A graça é
lha aconteceu antes da fundação do imerecida, sem jus e irrecompensável"
mundo. Os propósitos de Deus são (Chafer). É o favor autodependente
eternos. Para sermos santos e irre- de Deus concedido aos homens peca-
preensíveís perante ele. Esse é o pro- dores, que apenas merecem a Sua ira.
pósito para o qual Deus nos escolheu Que ele nos concedeu gratuitamente,
em Cristo (cons. Rm. 8: 29; Judas no Amado. Mais literalmente, a qual
24, 25). A frase em amor provavel- livremente outorgou-nos. Aqui está
mente pertence ao que vem a seguir um novo jogo de palavras no original
e não ao que o precede; isto é, em amor - "Sua graça, a qual Ele favoreceu".
nos predestinou (Nestle). É difícil expressá-lo em português. Es-
5. Nos predestinou. A escolha que ta concessão é no Amado; isto é, no
Deus fez de nós em Cristo foi para um Senhor Jesus Cristo (cons. CI. 1: 13;
propósito eterno. Para a adoção de Mt.3:17).
filhos. A palavra traduzida para adoção 2) Redimidos pelo Filho. 1: 7-12.
de filhos foi usada cinco vezes no N.T. 7. No qual - isto é, Cristo - temos
(Rm.8:15,23; 9:4; Gl.4:5;eaqui). a redenção. Esta é a nossa possessão
Refere-se, à nossa colocação em posi- presente. Pelo seu sangue. As Escri-
ção de filhos. Não é a idéia moderna turas apresentam o sangue de Cristo
de adoção, mas antes a colocação de como o infinito preço da transação que
uma criança na posição de filho adulto. envolveu a nossa redenção (cons. Atos
O propósito de Deus é que todos os 20: 28; I Co. 6: 20; I Pe. 1: 18-20).
crentes deviam ser filhos adultos em Colossenses 1 : 14 faz paralelo com este
sua farmlía, na qual Cristo é o "primo- versículo. A remissão dos pecados.
gênito" (Rm. 8: 29). Segundo o bene- Os fariseus fizeram a observação (pelo
plácito de sua vontade. Qualquer ten- menos uma vez) de que nenhum homem
tativa de fundamentar a eleição e pre- pode perdoar pecados a não ser Deus
destinação divinas em méritos huma- (Me. 2: 7). O fato do Senhor Jesus
nos, quer antevistos ou quaisquer ou- Cristo perdoar é evidência de que é Deus.
tros, é contrário às Escrituras e fútil. Segundo a riqueza da sua graça. Nova-
O motivo da escolha divina não se en- mente a ênfase sobre a completa au-

-164 -

I I II , 'I I I
EFÉSIOS 1: 7-13

sência de mérito humano (cons. Rm. nossa. Predestinados segundo o propó-


5: 21). Observe a palavra riqueza. Sua sito daquele que faz todas as cousas,
graça não tem limites. conforme o conselho da sua vontade.
8. Que Deus derramou abundante- As palavras predestinados, propósito,
mente sobre nós. Deus abunda sob to- conselho e vontade têm íntima ligação.
dos os aspectos. Ele é o Infinito. A sa- Não há declaração mais clara ou mais
bedoria do Senhor Jesus Cristo é ilimi- sublime em lugar algum das Escrituras
tada, e Ele fez abundar para conosco a referente à soberania de Deus. Corren-
Sua sabedoria que foi posta à nossa dis- do através de toda a Bíblia estão as li-
posição, como indica o versículo seguinte. nhas paralelas da soberania de Deus e
9. Desvendando-nos. A explicação de da responsabilidade do homem. Não
sua abundância. O mistério. No NT. podemos reconciliá-las, mas podemos
a palavra mistério (literalmente, se- crer em ambas porque ambas são ensi-
gredo) indica algo que não foi clara- nadas na Palavra.
mente revelado antes, mas agora escla- 12. A fim de sermos para louvor
recido. Segundo o seu beneplácito, que da sua glória, nós, os que de antemão
propusera em Cristo. Vemos novamente esperamos em Cristo. Alguns crêem
que Deus é completamente autodeter- que "nós" aqui se refere aos judeus,
minante e auto-suficiente. por causa da expressão de antemão
10. Na dispensação da plenitude dos esperamos. Isto parece provável à vista
tempos. A palavra dispensação significa do contraste entre o nós do versículo
"mordomia". Ela é usada no N.T. pa- 12 e o vós do versículo 13. Para louvor
ra se referir às diferentes administra- da sua glória. Isto demarca a segunda
ções das bênçãos de Deus. Evidente- seção nesta grande tríade.
mente a dispensação da plenitude dos 3) Selados pelo Espírito Santo. I:
tempos é a mordomia final confiada 13,14.
aos homens, a qual levará os propó- 13. Em quem também vós. Isto é,
sitos de Deus a serem desfrutados pela os gentios, em contraste aos judeus.
história humana. O propósito mencio- Depois que ouvistes a palavra da ver-
nado resume-se na expressão, de fazer dade. Quando vocês ouviram a palavra
convergir nEle ... todas as cousas. Es- da verdade, ou a palavra que consiste
ta é uma observação literária (Robertson) da verdade. Isto está igualado mais
- "que colocaria todas as coisas de- adiante com o evangelho da vossa sal-
baixo de Cristo" (cons. C1. 1: 8). To- vação - as boas novas que lhes trouxe-
das as cousas inclui toda a criação. ram à salvação. Tendo nele também
Uma vez que Cristo é preeminente crido, fostes selados. Literalmente,
no propósito de Deus dentro do uni- em quem também quando vocês cre-
verso e na Igreja, o indivíduo que não ram, foram selados. Este selar não
tem Cristo preeminente em sua vida aconteceu como algo subseqüente à
está inteiramente em desarmonia com salvação mas foi simultâneo com a
o propósito do Pai. salvação. O ministério da confirma-
11. No qual fomos também feitos ção do Espírito Santo está menciona-
herança. Há uma diferença de opinião do diversas vezes no NT. (cons. 11 Co.
quanto ao grego nesta passagem - se I: 22; Ef. 4: 30). Um selo indica pos-
está na voz ativa ou passiva. Esta úl- se e segurança. O Espírito Santo é o
tima parece a mais provável, e assim próprio selo. Sua presença garante a
poderíamos traduzir como consta. So- nossa salvação. Com o Santo Espí-
mos herança de Cristo, como Ele é a rito da promessa. O próprio Espírito

- 165 ~
EFÉSIOS 1: 13-21

Santo é o objeto ou o conteúdo da Jesus Cristo (cons. v.3), o Pai da gló-


promessa que foi dada. ria. Isto é, o Pai caracterizado pela
14. O qual é o penhor da nossa glória. Vos conceda espírito de sabe-
herança. Isto é, a garantia de que todo doria e de revelação. Provavelmente
o resto virá depois. Até ao resgate da isto é objetivo; isto é, o Espírito Santo
sua propriedade. Jesus Cristo nos com- que dá sabedoria e revelação. No ple-
prou para Si mesmo e deu-nos o Espí- no conhecimento dele. Esta expres-
rito Santo como uma garantia de que são indica pleno conhecimento expe-
a redenção, que tão maravilhosamente rimental. 18. Duminados os olhos do
teve início, será completada. Nova- vosso coração. "O coração nas Escri-
mente encontramos o refrão, em lou- turas é o próprio âmago e centro da vi-
vor da sua glória. A repetição deste da" (Alf). Para saberdes, Só quando
refrão faz-nos lembrar novamente o Deus nos ilumina é que podemos real-
Deus triúno - Pai, Filho e Espírito mente saber o que Ele quer que sai-
Santo - três Pessoas, mas um só Deus. bamos. Qual é a esperança do seu cha-
mamento. Esperança nas Escrituras
C. A Primeira Oração de Paulo. 1: é a certeza absoluta do bem futuro.
15-23. A oração que se segue baseia-se A riqueza da glória da sua herança nos
no parágrafo justamente concluso. Pau- santos. Compare com as "riquezas
lo pode orar dessa maneira porque da sua graça" no versículo 7 (cons.
Deus fez todas essas coisas pelo crente, também D1. 33: 3, 4).
levando-o desde o Seu eterno propó- 19. A suprema grandeza do seu
sito na eternidade do passado até a con- poder. As frases que se seguem acu-
sumação da redenção na eternidade mulam palavras que denotam todo o
futura. Observe que, contrastando com poder de Deus sobre nós. 20. O qual
a maioria das nossas orações, a interces- exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o
são de Paulo foi primeiramente pelo dentre os mortos. No V.T. o padrão
bem-estar espiritual daqueles por quem para o poder de Deus é freqüentemente
ele orava. o livramento do Egito, especialmente
15. Eu também, tendo ouvido a fé a travessia do Mar Vermelho. Mas aqui
que há entre vós no Senhor Jesus, e o está um padrão de poder muito maior.
amor para com todos os santos. Às O próprio poder de Deus que ressusci-
vezes nos esquecemos que, depois de tou Cristo dos mortos está à nossa dis-
salvas as pessoas, deveríamos orar com posição, e podemos experimentá-lo. Fa-
a mesma veemência que oramos pela zendo-o sentar à sua direita. Provavel-
sua salvação. A fé e o amor desses cren- mente as diversas referências a Cristo
tes efésios eram um incentivo para assentado à direita de Deus, no NT.,
Paulo orar pelo seu continuado cres- tem sua origem no Salmo 110. Nos
cimento espiritual. 16. Não cesso de lugares celestiais. Nesta segunda vez,
dar graças por vós. Por vós, isto é, das cinco em que foi usada esta frase,
graças a Deus pelo que Ele fizera pe- o sentido é evidentemente local: o Se-
los efésios. Fazendo menção de vós nhor Jesus está literal e corporalmente
nas minhas orações. Paulo não con- no céu.
siderava a oração como algo vago e in- 21. Acima de todo principado ... e
definido. Ele se lembrava especifica- poder. Todo no sentido de "cada".
mente deles e de suas necessidades Diferentes palavras foram usadas no
diante de Deus. NT. para as diversas categorias e es-
17. Que o Deus de nosso Senhor pécies de seres celestiais, para ambos,

-166 -

I I 11 'I I I
EFÉSIOS 1: 21·23 - 2: 1·3

anjos santos e decaídos. Compare esta mortos em ofensas e pecados, e Deus,


exaltação de Cristo com Fp, 2: 8-11. rico em misericórdia. A morte à qual
No presente século. Uma palavra que o escritor se refere aqui é a espiritual,
se refere a tempo - nesta dispensação. não a física; isto é, separação de Deus.
22. E pôs todas as cousas debaixo dos 2. Nos quais andastes outrora. O
seus pés. Novamente a alusão é ao SI. andar nas Escrituras é usado com refe-
110: 1 (cons. também SI. 8: 6). Isto rência à conduta diária, à maneira de
indica a última vitória completa de vida (cons. as porções finais da et>ísto-
Cristo. E, para ser o cabeça sobre todas la onde se trata da vida cristã). Segundo
(cons. Jo. 3: 16). Esta é a primeira men- o curso deste mundo. É incomum
ção, na epístola de Cristo como a Ca- encontrar a palavra aion, "século", e
beça da Igreja, uma verdade que será a palavra kosmos, "mundo" juntas -
posteriormente desenvolvida de manei- "o século deste sistema do mundo".
ra mais completa (veja Introdução). Ambas as palavras adquiriram um sen-
23. A qual é o seu corpo. Embora tido ético por causa do seu uso no N.T.
falemos disto como urna figura, é mais Segundo o príncipe da potestade do ar.
do que isso. Indica a completa união Isto obviamente se refere a Satanás.
da Igreja com o Senhor Jesus, a abso- Aqui há um paradoxo, pois pessoas
luta identificação dos crentes com ele mortas são representadas andando. Ca·
(cons. I Co.12: 12). A plenitude. Aqui- da um, quando separado de Cristo, está
lo que está cheio. "Ela (a Igreja) é a morto e andando segundo o príncipe
contínua revelação de Sua vida divina das potestades do ar. Satanás é mais
na forma humana" (JFB). Pode-se ver adiante descrito como o espírito que
que a verdadeira oração inclui uma agora atua nos filhos da desobediência;
abundância de louvor. Adoração de isto é, filhos caracterizados pela deso-
nosso maravilhoso Deus deveria ter a bediência. Desde o pecado de Adão,
precedência sobre nossas petições egoís- os homens têm sido filhos desobedien-
ticas e ego-centralizadas. Como nossas tes.
vidas seriam diferentes se orássemos 3. Entre os quais também todos
assim uns pelos outros continuamente! nós andamos outrora. Este nós faz
contraste com o vós de 2: 1. Nossa
D. Salvação pela Graça. 2: 1-10. Nes- carne. O termo carne no N.T. é fre-
te parágrafo o apóstolo fala da nossa qüentemente usado no sentido ético
salvação pela graça de Deus, mostran- para se referir à velha natureza, aquela
do o que éramos no passado, o que so- que herdamos de Adão. Fazendo a von-
mos agora e o que seremos no futuro. tade da carne e dos pensamentos. Ao
1) O Que Fomos no Passado. 2: 1-3. que parece, o corpo e a mente estão
A declaração inicial desta seção lembra ligados, ambos fazendo parte da carne,
os crentes efésios de quão desespera- isto é, da velha natureza. Muitas pes-
damente eles precisaram da graça sal- soas costumam pensar nos pecados da
vadora de Deus. carne como sendo apenas os diversos
1. Ele vos deu vida. A construção tipos de imoralidade, esquecendo que
aqui sofreu interrupção. literalmente também existem os pecados da mente.
é assim, e vós que estáveis mortos em Filhos da ira. Isto é, aqueles que estão
ofensas e pecados. Os versículos 2 sob a ira, cujo destino é a ira, sobre os
e 3, então são parentéticos, e o pen- quais a ira de Deus permanece (cons.
samento principal se resume no versí- Rm. 1: 18; Jo. 3: 36; veja também Hb.
culo 4. O contraste está entre vós, 10: 26, 27).

-- 167 -
EFÉSIOS 2:4-10

2) O Que Somos no Presente. 2: lição objetiva de Sua graça, é espan toso,


4-6. A Palavra de Deus está cheia de porém é verdade.
gritantes contrastes entre a incapaci- 7. Para mostrar nos séculos vindou-
dade do homem e a suficiência do Se- ros. A Igreja servirá de eterna demons-
nhor. tração da graça de Deus. A suprema
4. O escritor agora retoma à decla- riqueza da sua graça (cons. 1: 7) em
ração que foi interrompida no versí- bondade. (cons. Tt. 2: 14; 3:4).
culo 2. Mas Deus. Este é o contraste 8. Porque pela graça sois salvos.
salvador. Sendo rico em misericórdia Isto é, vós fostes salvos. A graça de
(cons. as riquezas da Sua graça e da gló- Deus é a fonte de nossa salvação. Me-
ria, 1: 7,18). Não há limite para a mi- .diante a fé. Paulo não diz nunca por
sericórdia de Deus. Por causa do grande causa da fé, pois a fé não é a causa,
amor com que nos amou. As Escrituras apenas o canal por meio do qual re-
indicam repetidamente que o amor de cebemos a nossa salvação. E isto não
Deus para conosco, e não o nosso amor vem de vós. A palavra isto não se re-
para com Ele, é a coisa mais impor- fere nem à graça nem à fé, mas a todo
tante (cons. I Jo. 4: 9,10). 5. Mortos o ato da salvação - "Essa salvação
em nossos delitos. Isto reverte à decla- não vem de vós mesmos". Dom de
ração de 2: 1. Nos deu vida. Junta- Deus. Cons. Rm. 6: 23. 9. Não de
mente com Cristo. Aqui há um verbo obras. Este é o complemento nega-
composto que está ligado à palavra tivo da afirmação precedente. O Es-
Cristo, para mostrar que o fato de es- pírito Santo tem sido muito cuidadoso
tarmos vivos tem ligação com o fato em resguardar esta preciosa doutrina
dEle estar vivo, isto é, com Sua ressur- da salvação pela graça contra todas as
reição. Pela graça sois salvos, está ex- formas de heresia. Obras nas Escritu-
plicado e desenvolvido mais adiante, ras são o produto ou fruto da salvação,
no versículo 8. não a causa dela. Para que ninguém se
6. E juntamente com ele nos ressus- glorie. No céu ninguém vai se gloriar
citou e nos fez assentar nos lugares ce- porque não haverá ali ninguém que
lestiais, em Cristo Jesus. As Escrituras tenha algum motivo de glória (I Co.
ensinam que fomos identificados com 4: 7).
o Senhor Jesus Cristo, não apenas em 10. Somos feitura dele. O dele é
Sua morte (Rm.6), mas também na enfático no original. Criados em Cristo
Sua ressurreição e na Sua ascensão à Jesus para boas obras. O propósito de
direita do Pai. A palavra assentar é nossa nova criação é que andássemos
uma das grandes palavras desta epís- (nas boas obras). Agora a passagem
tola, indicando a posição que temos completou o seu círculo, pois esse an-
em Cristo, como participantes de uma dar está em contraste direto com o
redenção consumada e concluída e andar descrito no versículo 2.
de uma vitória. Nos lugares celestiais.
A terceira vez que esta expressão foi E. Unidade dos Judeus e Gentios
usada nesta epístola. Por causa de nos- em Cristo. 2: 11-22. Uma das grandes
sa posição em Cristo, já estamos poten- verdades desta epístola é que judeus
cialmente no céu, onde Ele realmente e gentios estão unidos no corpo de
está. Cristo. Esse corpo já foi mencionado
3) O Que Seremos no Futuro. 2: em 1: 23, e a união está descrita aqui
7-10. O fato de Deus ter transformado com mais detalhes no capítulo 3.
pecadores redimidos em uma eterna 1) O Que os Gentios Eram Sem

- 168-

I I II II I I
EFf:SIOS 2: 11-20

Cristo. 2: 11, 12. A linguagem desses Tendo derrubado a parede da separação


versículos pinta um quadro muito ne- pode ser aqui uma alusão à parede que se-
gro da posição dos gentios antes da vinda parava o Pátio dos Gentios e o Pátio
de Cristo. dos Judeus no Templo. Uma inscrição
11. Portanto, lembrai-vos. A maior nessa parede advertia os gentios da pena
parte dos leitores originais de Paulo de morte, se entrassem no Pátio dos
eram gentios. O apóstolo aqui fá-los Judeus. Agora, diante de Deus, não
lembrar de sua posição antes de ouvirem há mais distinção (veja Rm. 1; 2; 3).
o Evangelho. Outrora vós gentios. A inimizade. Talvez em aposição à "pa-
Diante dos homens ainda eram gentios, rede de separação que estava no meio".
mas não diante de Deus. Deus olha 15. Um novo homem. Não um in-
para todos os homens como judeus, divíduo, mas a nova criação da qual
gentios ou a Igreja (I Co. 10: 32). Quan- Cristo é a Cabeça. 16. Ambos. Nova-
do alguém aceita o Senhor Jesus Cris- mente uma referência aos judeus e
to, quer seja judeu ou gentio, já não gentios. Destruindo por ela a inimi-
é mais tal diante de Deus, mas passa zade. Isto é, pela cruz. Os versículos
a ser um membro do corpo de Cristo. 17, 18 desdobram mais esta verdade
Chamados incircuncisão. Esse era um da união do judeu com o gentio em
epíteto insolente aplicado pelos judeus Cristo. Vós outros que estáveis longe. Os
aos gentios. 12. Separados da comu- gentios. Aos que estavam perto. Os
nidade de Israel. No V.T. Deus tinha judeus. 18. Observe a ênfase sobre a
um convênio com a nação de Israel palavra ambos (vs. 14, 16, 18). Ambos
e governava esse estado diretamente. unidos, ambos reconciliados com Deus,
Aqueles que não eram judeus, eram ambos tendo acesso.
estrangeiros ou alienígenos. Não tendo 3) Um Só Edifício. 2: 19-22. A fi-
esperança e sem Deus, só podiam tomar gura da Igreja como um corpo humano
conhecimento do convênio e das pro- transforma-se gradativamente na figura
messas do Senhor através de Israel. da Igreja como um grande edifício.
As expressões descritivas vão se tor- O corpo humano é também descrito
nando cada vez mais sérias. como um edifício em várias passagens
2) Um Só Corpo. 2: 13-18. Judeus (por exemplo, I Co. 6: 19; 11 Co. 5: 1).
e gentios foram unidos em Cristo, e o 19. Assim. A conclusão lógica do
último agora está tão perto dele quanto que foi escrito. Já não sois estrangei-
o primeiro. ros, e peregrinos. A presente posição
13. Mas agora. Isto é enfático. In- desses gentios foi inteiramente rever-
dica um contraste à sua anterior posição. tida da sua condição anterior, descrita
Em Cristo Jesus. Antes estavam no anteriormente neste capítulo. Mas con-
mundo (v. 12). Sua condição era sem cidadãos dos santos. Em Cristo, judeus
esperanças. Agora estão em Cristo, e gentios têm uma nova cidadania (cons.
com todos os privilégios do céu. Ob- Fp. 3: 20, 21).
serve os diversos contrastes nestes ver- 20. Edificados sobre o fundamento.
sículos - no mundo, em Cristo Jesus; A Igreja, que é o corpo de Cristo, está
naquele tempo, agora; separados, apro- sendo apresentada aqui como um gran-
ximados. 14. Ele é a nossa paz. Obser- de edifício, o templo de Deus. Os após-
ve o progresso desta seção: Ele é a nossa tolos. Os homens especialmente desig-
paz (v. 14); fazendo a paz (v. 15); evan- nados pelo Senhor Jesus Cristo no co-
gelizou paz (v. 17; cons. Cl. 1: 20). De meço da Igreja. Eles não tiveram suces-
ambos fez um. Isto é, judeus e gentios. sores. E profetas. Não os profetas do

-169 -
EFÉSIOS 2: 20-22 - 3: 1-5

V.T., mas os profetas cristãos, os pro- a declaração precedente. Eu, Paulo. A


fetas do N.T., alguns dos quais são repetição que o escritor faz do seu no-
mencionados e descritos no livro de me prova a seriedade e a importância
Atos e nas epístolas. Sendo ele mesmo, que ele imputa àquilo que está para
Cristo Jesus, a pedra angular. Passa- escrever. O prisioneiro de Jesus Cristo.
gens como esta e I Pe. 2: 5 ajudam-nos É claro que Paulo era um prisioneiro
a entender o significado de Mt. 16: 18. de Cristo no sentido de que ele fora
Pedro, sendo um apóstolo, foi uma das capturado por Cristo, mas esse não é
pedras fundamentais junto com os de- o principal pensamento aqui. Ele era
mais apóstolos e profetas, mas a estru- um prisioneiro em Roma quando es-
tura como um todo está edificada sobre crevia, e foi por amor a Cristo que era
Cristo. Compare o que Paulo diz em prisioneiro. Por amor de vós, gentios.
I Co. 3: 11. Paulo foi especificamente o apóstolo
21. Todo edifício. "O apóstolo está dos gentios por ordem do Senhor Je-
claramente falando de um só vasto edi- sus (cons. Rm. 15: 16).
fício, o corpo místico de Cristo" (Alf). 2. Da dispensação da graça de Deus.
Esta interpretação está confirmada pela A palavra dispensação significa mordo-
linguagem do que vem a seguir. Israel mia. A mensagem da graça foi um
no V.T. tinha um templo de madeira depósito sagrado entregue a Paulo, a
e pedra. Em contraste com este, a Igre- fim de que ele pudesse revelá-la aos
ja é o templo (cons. ICo.3:16; IPe. gentios. A mim confiada para vós ou-
1: 2-9). Um templo é um lugar da habi- tros. Não foi dada a Paulo para que a
tação de Deus, como diz o versículo 22. guardasse, mas para que a passasse adian-
te, particularmente aos gentios. 3. Pois
F. A Revelação do Mistério. 3:1-13. segundo uma revelação me foi dado co-
O apóstolo Paulo foi escolhido por Deus nhecer o mistério. Paulo sempre insis-
para esclarecer e explicar pelo menos tia na sua recepção direta do Evangelho
duas grandes revelações. A primeira do próprio Senhor Jesus, sem qualquer
delas é o próprio Evangelho - as boas intermediário humano (cons. Gl. 1: 11,
novas da salvação através da morte e 12). O mistério. Veja comentário sobre
ressurreição do Senhor Jesus Cristo. 1: 9. Conforme escrevi há pouco, resumi-
A segunda era a verdade da Igreja como damente. Provavelmente não urna car-
o corpo de Cristo. Nas grandes epís- ta anterior mas algo já mencionado na
tolas evangélicas - Romanos, I e II Co- presente epístola (cons. 1: 9 e segs.).
ríntios e Gálatas - Paulo desenvolve
4. Este versículo e o seguinte lan-
extensamente a primeira revelação. Nas
çam muita luz sobre o uso da palavra
epístolas do presente grupo cronoló-
mistério no N.T. A palavra significa,
gico, as "Epístolas da Prisão", ele trata
não algo místico ou mágico, mas um
em grande parte da segunda dessas re-
segredo sagrado que não foi previa-
velações - a Igreja como o corpo de
mente revelado; quando for revelado,
Cristo. O capítulo 3 forma o clímax
só será compreendido pelos iniciados
da primeira divisão principal da epís-
- aqui, aqueles que são salvos. 5. Co-
tola, que nos dá a nossa posição em
mo agora foi revelado aos seus santos
Cristo. apóstolos e profetas, no Espírito. Exa-
1) A Dispensação da Graça de Deus. tamente como os homens santos de
3: 1-6. Eis aqui o mistério da Igreja Deus foram inspirados pelo Espírito
na qualidade de corpo de Cristo. Santo nos tempos do V.T. (lI Pe.l:
1. Por esta causa. Refere-se a toda 20,2I), assim também o foram os es-

-170 -

I I 'I I I
EFÉSIOS 3: 5-15

critores do N.T. 6. Os gentios. O mis- Igreja o desdobrar da sabedoria de Deus.


tério não consistia em que os gentios Ambos, anjos bons e maus, estão evi-
poderiam ser salvos ~ há muita coisa dentemente admirados com a opera-
no V.T. relacionada com a salvação ção de Deus quando Ele redime homens
dos gentios, particularmente em Isaías e mulheres. 11. Segundo o eterno pro-
- mas que seriam ligados aos judeus pósito. Cons. Rm. 8: 29; Ef. 1: 11.
em um só corpo. 12. Pelo qual. Isto é, em Cristo. Aces-
2) A Comunhão do Mistério. 3: so com confiança. Fora de Cristo não
7-13. podemos nos aproximar. Isso já foi
7. Ministro. Paulo transformou-se demonstrado no capítulo 2. A fé nele.
em servo pelo dom de Deus. Esta é a Genitivo objetivo. Cristo é o objeto de
palavra traduzida para diácono - al- nossa fé.
guém que serve às mesas. Paulo jamais 13. Nas minhas tribulações por vós.
considerou o seu ofício como algo Compare com o que Paulo diz em Atos
elevado que o afastasse dos outros ho- 20: 18-35 sobre sua obra em Éfeso;
mens. Ele sempre falou de si mesmo também em II Co. 1: 8-11.
humildemente.
G. A Segunda Oração de Paulo.
8. O menor de todos os santos. Em
3: 14-21. Esta é a segunda oração de
diversos outros lugares Paulo, lembran-
Paulo pelos efésios, e tal como a ante-
do-se do que fora antes de ser salvo e
rior em Ef. 1, relaciona-se principal-
do que fizera à igreja, fala de si mesmo
mente com seu bem-estar espiritual.
com auto-renúncia (cons. I Co. 15: 9,
Enquanto a primeira oração se cen-
10; I Tm. 1: 15). A expressão tradu-
traliza no conhecimento, esta focaliza
zida para o menor de todos não é uma
o amor.
forma usual - comparativo do super-
lativo. Me foi dada esta graça. A graça 14. Por esta causa. Isto retoma o
de Deus foi dada a Paulo não princi- pensamento começado em 3: 1. Evi-
palmente para seu prazer, mas para que dentemente o pensamento principal des-
a passasse aos outros. De pregar aos te capítulo é a oração, e 3: 2-13 é expla-
gentios. O Senhor Jesus deu esta pala- natório. Me ponho de joelhos, Embora
vra a Ananias referindo-se a Paulo (Atos as Escrituras não indiquem nenhuma po-
9: 15). Das insondáveis riquezas. Aqui sição corporal necessária à oração, o
novamente a palavra riquezas destaca-se pôr-se de joelhos indica sincera reve-
como um adjetivo indicando seu caráter rência. Do Pai. Alguns manuscritos
ilimitado. 9. E manifestar. Jogar luz omitem as palavras de nosso Senhor
sobre o que é a dispensação do mistério. Jesus Cristo. Há um jogo de palavras
Em alguns manuscritos encontramos a com a palavra Pai em 3: 14 e a palavra
palavra mordomia em vez de dispen- traduzida para famtlia (que é paterni-
sação. Desde os séculos oculto em dade) em 3: 15.
Deus. Outra confirmação da defini- 15. Toda a família. Há duas pos-
ção do "mistério" antes citado. Que síveis explicações para isto. Alguns
criou todas as cousas. Tudo o que preferem cada família, com a idéia de
existe, não simplesmente a criação que o conceito de familía ou paterni-
física ou apenas a criação espiritual. dade vem de Deus. Isto é verdade, é
10. Nos lugares celestiais. A quarta claro, embora menos comum. Grama-
ocorrência da frase na epístola. Outra ticalmente a outra explicação parece
indicação de que os seres celestiais encaixar-se melhor no contexto das
estão observando a Igreja e vendo na Escrituras de um modo geral; isto é,

- 171 -
EFÉSIOS 3: 15-21

toda a família. A expressão tanto no de toda a plenitude de Deus. Deus é


céu como sobre a terra parece favo- infinito e nós somos finitos. Isto é
recê-la. Isto é, toda a farmlia dos re- um paradoxo, é claro, mas é uma ten-
dimidos - aqueles que já partiram e tativa de transmitir através da lingua-
aqueles que ainda estão vivos aqui na gem aquilo que significa algo para nós,
terra - têm um só Pai, que é o Pai de a superabundância da graça colocada
nosso Senhor Jesus Cristo. à nossa disposição pelo Pai celestial,
16. Segundo a riqueza. Novamente através de nosso Senhor Jesus Cristo.
a referência à abundância do que temos 20. Esta plenitude torna a ser des-
de Deus (cons. 1: 7; 2:4; Fp. 4: 19). crita na bênção que introduz o final da
Que sejais fortalecidos com poder. primeira grande divisão desta epístola.
Paralelo da outra oração, a qual muito Ora, àquele. É claro que o verbo e o
falou sobre o poder de Deus. Mediante predicado estão no versículo seguinte.
o seu Espírito. O Espírito é o agente Poderoso. Não há limite para o que
da Deidade, aplicando-nos a redenção. Deus pode fazer. Infmitamente mais.
No homem interior. Isto é, nossa parte Os superlativos se amontoam uns sobre
imaterial, a verdadeira personalidade. os outros a fim de nos impressionar
17. E assim habite Cristo. Não me- com esta verdade. Tudo quanto pedi-
ramente viva, mas esteja em sua casa - mos, ou pensamos. Somos geralmente
habite. Disso é que cada cristão pre- limitados em nosso pedir, achando
cisa sempre, não orar que Cristo entre que Deus não fará determinada coisa
pela primeira vez, pois Ele já habita por nós. Ele é capaz de fazer muito
em cada crente, mas, que esteja à von- mais do que pedimos; na verdade, mais
tade no sentido de que o crente já Lhe até do que podemos imaginar. E Ele
entregou toda a sua vida. Estando o faz conforme o seu poder que opera
vós arraigados e alicerçados em amor. em nós. Isto é, fomos fortalecidos pe-
Uma metáfora mista referindo-se àqui- lo Seu Espírito. Conseqüentemente,
lo que foi plantado e àquilo que foi este poder está sendo ativado em nós.
edificado (cons. C1. 2: 2, mais ou menos 21. A ele seja a glória pode ser tomado
paralelo a esta passagem). corno uma declaração - a Ele é a glória;
18. A fim de poderdes compreender, ou como uma sentença imperativa -
com todos os santos. Um conhecimento a ele seja a glória. Na igreja. A glória
que todo crente deve ter. Qual é a lar- de Deus está sendo manifesta por toda
gura, e o comprimento, e a altura, e a a eternidade no corpo que Ele redimiu.
profundidade. Esse tipo de conheci- Por todas as gerações, para todo o sem-
mento deveria crescer continuamente, pre. Literalmente, por todas as gerações,
pois caso contrário jamais poderíamos me- pelo século dos séculos. Uma expressão
dir essas dimensões. 19. Conhecer o amor muito forte para a eternidade. Com es-
de Cristo, que excede todo entendimen- ta oração e bênção Paulo conclui esta
to. Algumas coisas não podemos conhe- porção da epístola, que nos fala sobre
cer inteiramente; freqüentemente temos o que Deus fez por nós e sobre a nossa
experiências que não podemos entender posição em Cristo.
ou explicar. Entretanto, a mesma raiz
foi usada aqui no infinitivo e no subs- lI. A Conduta do Crente no Mundo.
tantivo, e a idéia parece ser de conhecer 4: 1 - 6: 24.
aquilo que é essencialmente impossível
de conhecer - e conhecê-la o suficien- A. A Caminhada Digna. 4: 1-16. Deus
te para nos regozijarmos nEle. Tomados sempre une doutrina com prática, ensi-

-172 -

I '
II ,
'I I !
EFÉSIOS 4: 1-6

namentos e os resultados práticos dos significa gentileza (veja Trench). Lon-


ensinamentos. Em Ef. 1-3 Ele nos fa- gan imidade é a conservação de uma
lou das riquezas da Sua graça e das ri- atitude tranqüila diante da adversida-
quezas da Sua glória por meio de Jesus de e perseguição. 3. Esforçando-nos
Cristo. Agora Ele nos exorta a vivermos diligentemente por preservar. Deus
de maneira digna neste mundo. sabia que isto não seria sempre possí-
1) A Unidade do Espírito. 4: 1-6. vel porque uma pessoa sozinha não
Deus realizou uma unidade maravi- pode manter a união. Observe que
lhosa que os crentes têm a responsa- Paulo não exige que o cristão faça a
bilidade de manter na experiência. unidade, pois só Deus pode criar o
1. Pois. Como geralmente aconte- laço; mas é responsabilidade dos crentes
ce nas epístolas de Paulo, esta exorta- o esforço de resguardá-lo. Esta é a uni-
ção está sendo feita com base nos ensi- dade do Espírito. Isto é, a unidade
namentos que a precederam (cons. Rm. que foi moldada pelo próprio Espí-
12: 1). O prisioneiro no Senhor. Isto rito Santo, e o Seu laço ou ligamento
é, o prisioneiro por amor do Senhor é de paz.
(cons. Ef. 3: 1). Rogo-vos. Esta pa- 4. Somente um corpo. O organismo
lavra, que no original se encontra real- composto do Senhor Jesus Cristo na quali-
mente no começo, para maior ênfase, dade de Cabeça e de todos os crentes
é uma súplica, um encorajamento. Deus, nEle. É a nova criação, o corpo men-
é claro, tem o direito de ordenar e exi- cionado antes na epístola (1: 23). So-
gir, mas Ele, em lugar disso, roga, supli- mente ... um Espírito. O Espírito
ca, porque Ele quer um serviço pres- Santo mesmo é a vida que impregna
tado por submissão, de boa-vontade. cada parte do corpo. 5. Há um só Se-
Que andeis de modo digno. A palavra nhor, uma só fé, um só batismo. Obser-
andeis tem sido usada muitas vezes nas ve a ênfase que foi dada à unidade em
Escrituras em relação à nossa conduta, todo o trecho. O batismo é sem dú-
nosso comportamento, nosso modo de vida o batismo do Espírito Santo - o
vida (cons. Introdução). De modo ministério do Espírito pelo qual fomos
digno. Não para que mereçamos o colocados no corpo de Cristo (I Co.
que Deus fez, mas para andarmos de 12: 13).
modo condizente com o que Ele fez 6. As três Pessoas da Divindade são
por nós. Não nos tornamos cristãos mencionadas nestes versículos na ordem
vivendo a vida cristã; antes, somos exor- inversa da que geralmente é dada: so-
tados a vivermos uma vida cristã porque mente ... um Espírito (v. 4); um só
somos cristãos, para que as nossas vi- Senhor (v. 5), isto é, o Senhor Jesus;
das estejam de acordo com a nossa po- um só Deus e Pai (v. 6). O qual é so-
sição em Cristo (cons. Fp. 1: 27). Voca- bre todos, etc. Temos aqui um rela-
ção. Nossa vocação está descrita como cionamento triplo de um só Deus e Pai
uma vocação celeste e santa (cons. com todos os que são Seus. Ele é sobre
Hb.3:1; IITm.I:9). todos. Isto expressa Sua soberania,
2. Humildade e mansidão. Essas Sua transcendência. Ele age por meio
virtudes só podem ser produzidas pelo de todos, "expressando a presença
Espírito de Deus que habita no crente. permeadora, animadora e controladora
São totalmente estranhas à carne e de- desse um só Deus e Pai" (Salmond).
safortunadamente raras nas vidas de E está em todos. Esta é a constante
muitos cristãos. Humildade implica habitação dEle em Seu povo - todas
na idéia de simplicidade; mansidão as Pessoas do Deus triúno, segundo

- 173-
EFÉSIOS 4: 6-14

diversas passagens das Escrituras, ha- homens (cons. 2: 20). No sentido mais
bitam o crente. restrito do termo, este ofício foi tam-
2) O Dom de Cristo. 4: 7·12. O bém temporário na igreja, pois não
Senhor que subiu ao céu tem dado houve mais profetas no sentido técnico,
dons à Sua Igreja para edificá-la. depois de completado o N.T. Evange-
7. A cada um de nós. Isto se limita listas. Aqueles que proclamam as boas
aos crentes nEle. A graça foi conce- novas - aqueles que pregam o Evan-
dida. Não graça salvadora, mas graça gelho. Pastores e mestres. Esses dois
como um dom concedido aos crentes termos estão juntos. A primeira pa-
- favor de Deus, imerecido e irrecom- lavra significa aquele que cuida das
pensável. Segundo a proporção. Uma ovelhas. Aqueles que são pastores do
medida que é imensurável. rebanho também são doutores (profes-
8. Por isso diz. A citação é do SI. sores). O verdadeiro pastor deve pro-
68: 18. A conexão não está bastante ceder em um ministério de pregação
clara. Mas diz que o Senhor Jesus, na expositiva da Palavra.
Sua ascenção, levou cativo o cativeiro; 12. Ao aperfeiçoamento dos santos,
isto é, Ele capturou aquilo que nos para o desempenho do seu serviço.
tinha capturado, e anulou o seu poder. Esses dons foram dados por Deus à
E concedeu dons. Em algumas passagens Igreja para o aperfeiçoamento dos san-
das Escrituras menciona-se dons que tos, para o desempenho do seu serviço.
o Senhor deu a indivíduos; por exem- Isto é, é do interesse de todos os santos
pio, I Co. 12. Aqui os dons são aque- - não de alguns poucos líderes apenas -
las pessoas com diversas capacidades, executar a obra do ministério. Os lí-
as quais Ele deu à igreja. 9. O apósto- deres têm o propósito de aperfeiçoar
lo, comentando a citação, menciona ou equipar os crentes na execução desta
que o Senhor Jesus desceu primeiro, obra. Muitas igrejas locais, hoje em
antes de subir. Alguns aceitam isto dia, não seguem esta idéia do N.T. É
como uma referência feita à morte de prática comum deixar que o pastor
Cristo e à Sua assim chamada visita ao exerça o ministério. Às vezes o pastor
Hades. Parece mais provável, entre- acha que, temporariamente, é mais fá-
tanto, que é simplesmente uma refe- cil ele mesmo fazer a obra do que trei-
rência à Sua vinda do céu. Ele desceu nar outros para fazê-la. Mas sua tarefa
às regiões inferiores da terra - geni- é treinar obreiros, e a longo prazo seu
tivo de aposição (cons. Jo. 3: 13). 10. ministério será mais eficiente se o fi-
Acima de todos os céus. Cons. Hb. zer.
4: 14. 3) A Unidade da Fé e do Conheci-
11. E ele mesmo concedeu uns. mento. 4: 13-16. A unidade dos cren-
Os diversos tipos mencionados são tes em Cristo tende para uma unidade
dons de Cristo à igreja. Apóstolos. na fé e no conhecimento.
Foi um ofício especial nos primórdios 13. À unidade da fé. A fé em si
da igreja. Os apóstolos não tiveram mesma já é uma porção limitada da
sucessores. Executaram uma obra úni- verdade. Ao considerarmos isto, somos
ca para o Senhor Jesus (cons. 2: 20). conseqüentemente unidos uns aos ou-
Profetas. O profeta era um porta-voz tros. À perfeita varonilidade. Não uma
de Deus. Conforme geralmente usado referência ao crente individual, mas
nas Escrituras, este termo se refere a ao homem composto; isto é, ao corpo
alguém que recebeu uma revelação di- do qual Cristo é a Cabeça.
reta, a qual deve ser transmitida aos 14. Para que não mais sejamos como

-174 -

I I II
'I I I
EFÉSIOS 4: 14-21

meninos. Literalmente, criancinhas. 17. Isto, portanto, digo. A cami-


Levados ao redor. Levados pelo vento, nhada cristã foi descrita de diversos
o qual foi usado aqui de modo figurado, modos nesta passagem. Temos aqui
naturalmente - vento de doutrina. Pe- uma descrição negativa. Testifico.
la artimanha dos homens. A palavra Protesto, exorto, ou imploro. Não
que foi traduzida para artimanha signi- mais andeis. Agora suas vidas têm de
ficava originalmente jogo de dados. ser diferentes. Como andam também
Passou, então, a significar trapaça de os outros gentios. (E.R.C.). Esse an-
todo tipo, por causa das muitas tra- dar foi descrito em 2: 2. A maior parte
paças usadas para se roubar no jogo dos efésios tinham antecedentes gentios.
dos dados. A única maneira de estarmos Alguns manuscritos não trazem a pa-
atentos para perceber o erro é pelo lavra outros. Portanto, que não mais
conhecimento da verdade; por isso de- andeis como também andam os gen-
vemos chegar ao conhecimento do tios. Diante de Deus, os crentes no
Filho de Deus, à maturidade cristã. Senhor Jesus Cristo já não são mais
Uma pessoa não precisa estudar cada nem judeus, nem gentios (cons. I Co.
nota falsificada a fim de reconhecer 10: 32). Na vaidade dos seus próprios
que uma determinada nota está falsi- pensamentos. A palavra que foi usada
ficada. Só precisa conhecer o artigo para vaidade parece significar perversi-
genuíno. dade ou depravação nesta instância.
15. Seguindo a verdade em amor. 18. Obscurecidos de entendimento. Cons.
É possível seguir a verdade e não fa- II Co. 4: 4. Alheios à vida de Deus.
zê-lo em amor. Literalmente, apegan- Cons. 2: 12. Dureza dos seus corações.
do-se à verdade. Cresçamos em tudo Literalmente, percepção obtusa (cons.
naquele. Deus quer que sejamos ma- Mc.3:5).
duros ou adultos. Temos uma Cabeça 19. Tomado insensíveis. Cons. I Tm.
absolutamente perfeita, o próprio Cris- 4: 2. Impureza. Não apenas indul-
to. gência com a impureza, mas também
16. Observe a perfeição do corpo. um desejo cúpido de prosseguir nela.
Como o corpo humano foi intricada- Uma declaração pitoresca da natureza
mente ajustado! Por isso é uma ilus- insaciável do desejo pecaminoso.
tração adequada do corpo de Cristo. 2) O Despojar do Velho e o Reves-
Houve quem dissesse que nem todos tir do Novo. 4: 20-24. A Vida Cristã
podem ser os membros maiores, mas é comparada com o tirar de uma roupa
as juntas também são muito impor- para vestir outra. Não é uma referência
tantes. Todas as partes trabalham jun- à nossa posição em Cristo, mas à nos-
tas (cons. I Co. 12; Rm. 12). sa experiência. É possível ser um novo
homem em Cristo Jesus e continuar
B. A Caminhada Diferente. 4: 17-32. vivendo como o "homem velho"; isto
As Escrituras, tanto no Velho como no é, continuar usando a roupa do "ho-
Novo Testamento, enfatizam que o mem velho".
povo de Deus tem de ser diferente do 20. Mas. Um contraste com o pre-
povo do mundo. cedente. Não foi assim que aprendes-
1) Descrição da Caminhada dos Gen- tes a Cristo. Essa é a mais importante
tios. 4: 17 -19. Os gentios são "ovelhas de todas as matérias que alguém pode
desgarradas" (I Pe. 2: 25; cons. IS.53: estudar. 21. Se é que de fato o tendes
6). Os crentes têm um grande e bom ouvido, e nele fostes instruídos, se-
Pastor para seguirem. gundo é a verdade em Jesus. Aquilo

-175 -
EFÉSIOS 4: 21-32

que eles aprenderam depois de ouvi- familia. As Escrituras recomendam


rem sobre o Senhor Jesus Cristo deve- o trabalho honesto (cons. I Ts. 4: 11,
ria tê-los feito melhorar suas vidas, pois 12). Na verdade, o apóstolo afirma que
cristãos devem agir como cristãos, não aquele que não quiser trabalhar não
como os pagãos que não são cristãos. deve comer (11 Ts. 3: 10). Acudir ao
22. Quanto ao trato passado. Do necessitado. Eis aí a base da genuína
velho homem. Isto é, a natureza adâ- caridade cristã.
mica, aquilo que somos em nós mes- 29. Nenhuma palavra torpe. A pa-
mos. Que se corrompe segundo as con- lavra traduzida para torpe significava
cupiscências do engano. As Escrituras originalmente podre ou pútrido. Ve-
ensinam que na velha natureza não mos novamente a enfatização do posi-
existe nada de bom (cons. Rm. 7: 18). tivo - unicamente a que for boa.
23. E vos renoveis. Cons. Rm. 12: 2. 30. E não entristeçais o Espírito
24. E vos revistais do novo homem. de Deus. Aquilo que entristece o Es-
Relacionado com o precedente, o pro- pírito Santo é pecado. O remédio é
duto do novo nascimento. Com re- a confissão (cons. I Jo. I: 9). Embora
ferência ao conflito entre a natureza o Espírito Santo possa ser entristecido,
velha e a nova, veja Rm.7 e Gl. 5: 16, Ele jamais abandona o crente. Ele é
17. Segundo Deus. De acordo com o nosso selo. Fomos selados por Ele
Deus. Deus é o Criador do novo ho- para o dia da redenção (cons. Ef. I :
mem. 13). Ele é a garantia de que a nossa
3) Aplicação Prática. 4: 25-32. Em redenção será completada. 31. Alguns
Sua Palavra, Deus nunca ensina a ver- dos pecados que entristecem o Espí-
dade de maneira abstrata, mas sempre rito Santo são agora particularizados.
faz uma aplicação concreta. Embora alguns cristãos só classifica-
25. Por isso. Com base no prece- riam de pecados aquelas iniqüidades "
dente; isto é, nossa posição em Cristo. grosseiras que até mesmo 'o mundo
Deixando a mentira. Observe o nega- reconhece como erro. Deus mencio-
tivo e o positivo. Não basta simples- na coisas da mente e do espírito, além
mente nos abstermos da mentira; é daquelas relacionadas com o corpo.
preciso também contar a verdade (cons. 32. O tema do despojar e do reves-
Zc. 8: 16). Somos membros. Não ape- tir destaca-se através de toda a seção.
nas membros de Cristo, mas uns dos Viver a vida cristã não é simplesmente
outros (Rm.12: 5). 26. Irai-vos, e não obedecer a uma lista de proibições;
pequeis. Há uma coisa chamada de é cultivar virtudes positivas. Sede uns
ira justa, embora o termo tenha sido para com os outros benignos. O verbo
muito abusado. O apóstolo diz que aqui significa continuar revelando-se
se você está irado, certifique-se de que benigno. Compassivos. A tradução
é o tipo de ira que não é pecaminoso. inglesa é muito boa (de coração com-
Não se ponha o sol sobre a vossa ira. passivo). A palavra no original tem sido
"Até mesmo a ira justa quando sofre muito mal interpretada, conforme se vê
tolerância excessiva transforma-se mui- de sua freqüente tradução, noutras
to facilmente em pecado" (Salmond). passagens, como entranhas. "Coração"
27. Não deis lugar ao diabo. Cons. é o certo. No grego clássico essa pa-
11 Co. 2: 10, 11; Ef. 6: 10 e segs. lavra se refere aos órgãos da parte supe-
28. Antes trabalhe. O cristão, além rior da cavidade do corpo; especifica-
de não dever roubar, deve também mente o coração, pulmões e fígado,
trabalhar pelo bem-estar seu e de sua distinguindo-se dos órgãos da cavidade

- 176-

I ; II 'I I ,
EFÉSIOS 4: 32 - 5: l-l l

inferior (veja léxico). Perdoando-vos torpe, nem palavras vãs, ou chocarrices.


uns aos outros. A única maneira de Essas palavras não impedem a espontâ-
sermos capacitados a perdoar é através nea alegria cristã e o senso de humor,
do perdão que nós mesmos já recebemos mas indicam que os cristãos não devem
por amor a Cristo. Assim como o amor participar de frivolidades. No grego
de Deus produz o nosso amor, a nossa dão a entender o tipo de anedotas que
tomada de consciência do perdão de são vulgares e grosseiras. O antídoto
Deus produz o nosso perdão aos outros para o cristão é a ação de graças.
(cons. 110.4: 19). 5. Sabei, pois. Cons. I Co. 6: 9,10.
Ou avarento. É interessante notar que
C. A Caminhada do Amor. 5: 1-14. este tipo de pecador foi incluído na
A vida cristã não envolve apenas o an- mesma classificação ao lado do imoral
dar digno da nossa vocação e o andar e do devasso. A maneira de Deus clas-
de maneira diferente dos gentios, mas sificar os pecados não é igual à nossa.
também o andar em amor. Diante dEle todos os pecados são odio-
1) Andando em Amor. 5:1-7. Sen- sos. Devemos aprender a encarar os
do os crentes os "filhos amados" de pecados como Ele o faz. 6. Com pa-
Deus e tendo experimentado Seu amor, lavras vãs. Isto é, palavras vazias, pa-
eles têm um padrão a preservar, um lavras sem significado. Os filhos da
caminho a seguir. desobediência (cons. 2: 2, onde a mes-
1. Sede pois. Literalmente, trans- ma expressão foi usada).
formem-se pois ou provem que são. 7. Portanto não sejais participantes
Imitadores. Como filhos amados. Exa- com eles. O uso do imperativo presen-
tamente como as criancinhas aprendem te com esta forma do negativo (me)
imitando seus pais, assim devemos ser indica a proibição de algo já em pro-
imitadores de Deus. 2. E andai em amor. gresso; literalmente, parem de ser com-
Isto descreve todo o nosso modo de panheiros deles.
viver. Como também Cristo vos amou, 2) Andando na Luz. 5: 8-14. O amor
e se entregou a si mesmo por nós. Isto e a santidade (muitas vezes simbolizados
é, Ele se entregou por causa de nós pela luz nas Escrituras) não devem ficar
(cons. Gl. 2: 20). Como oferta e sacri- separados, explica o apóstolo. O andar
fício a Deus. Cons. SI. 40: 7, que foi no amor é também andar na santidade.
citado em Hb. 10: 7. Em aroma suave. 8. Pois outrora éreis trevas. Uma
Reminiscência das ofertas de cheiro sua- linda expressão do contraste entre o
ve do livro de Levítico, que prefigu- nosso passado e o nosso presente (cons.
ravam o auto-sacrifício voluntário de o mesmo tipo de contraste em I Co.
Cristo a Deus. 6:9-11; ITs.5:5). Andai como fi-
3. Mas a impudicícia. Termo gene- lhos da luz. Deus sempre coloca o fato
ralizado para a imoralidade sexual. Nem de nossa posição diante de nós como
sequer se nomeie entre vós. A ligação base para o nosso procedimento. 9. O
com o precedente está clara. O amor fruto do Espírito. (E.R.C.). Alguns ma-
não comenta os pecados dos outros nuscritos rezam o fruto da luz (E.R.A.)
(cons. I Co. 13: 4-8). Há o perigo de (cons. Gl. 5: 22, 23). 10. Provando sem-
alguém experimentar satisfação mórbi- pre o que é agradável. Isto é, fazendo
da na discussão dos pecados dos outros. um teste. O critério é aquilo que agrada
Como convém a santos. Devemos saber ao Senhor (cons. nCo.5:9, onde foi
o que é próprio e conveniente à nossa usada a mesma expressão).
elevada posição. 4. Nem conversação 11. E não sejais cúmplices. Nova-

-177 -
EFÊSIOS 5: 11-20

mente, parem de ser companheiros de serem cheios do Espírito. Portanto,


deles (lit.). Antes, porém, reprovai-as. há uma responsabilidade individual; há
Se um cristão está em comunhão com condições a serem cumpridas se qui-
o seu Senhor, sua própria vida será sermos experimentar o controle do
uma censura ao mundo. 12. O só re- Espírito em nossas vidas.
ferir é vergonha (cons. v. 3 acima). O Dr. 18. E não vos embriagueis com
A. C. Gaebelein chamava a discussão vinho. As Escrituras advertem repeti-
pública dos pecados secretos de "co- das vezes contra o álcool (cons. Pv.
munhão dos pecadores", em contraste 23: 31). Mas enchei-vos do Espírito.
com a comunhão bíblica dos santos. Como na maior parte dos contrastes,
13. Quando reprovados pela luz. Cons. há alguns pontos de comparação. Uma
Jo.3:19-21; 110.1:5-7. 14. Pelo pessoa intoxicada com vinho age de ma-
que diz. A citação que se segue é di- neira fora do natural no que é mau;
fícil de ser identificada. É possível uma pessoa cheia do Espírito Santo
que seja uma combinação de diversas age de maneira fora do natural no que
e diferentes referências (cons. IS.26: é bom. Compare com o que se disse
19; 60: 1). dos apóstolos no dia de Pentecostes
(Atos 2: 13). Enchei-vos do Espírito.
D. A Caminhada Sábia. 5: 15 - 6: 9. Continuem se enchendo; encham-se do
A seguir o apóstolo descreve como a Espírito continuamente. Um crente
vida do crente deve ser circunspecta. não pode obter mais do Espírito Santo,
Ele prescreve aos efésios que se encham porque Ele já habita a vida do crente
do Espírito Santo e mostra-lhes o re- em toda a Sua plenitude. Mas o Espí-
sultado disso nos relacionamentos prá- rito Santo pode obter mais do crente;
ticos da vida. isto é, Ele pode exercer completo con-
1) Sendo Circunspectos. 5: 15-17. Uma trole da vida que Lhe é submissa.
caminhada cuidadosa depende de sa- a) Regozijo e Ação de Graças. 5:
bedoria, a qual só pode vir do conhe- 19,20. Uma das evidências da pleni-
cimento da vontade do Senhor. tude do Espírito Santo é aquela vida
15. Portanto, vede. Isto é, consi- exuberante que exibe regozijo e contí-
derem isto à luz do que acabamos de nua ação de graças a Deus.
falar. Como andais, diligentemente, 19. Falando entre vós. O resultado
cuidadosamente. 16. Remindo o tem- da plenitude do Espírito é o louvor
po. Aproveitando as oportunidades. e a ação de graças, como também, a sub-
Porque os dias são maus. Cons. Gl. missão nos relacionamentos comuns da
1: 4. 17. Não vos torneis insensatos. vida (vs.19-21). Salmos. Esta palavra
Novamente a ordem de se interromper costuma indicar hinos com acompanha-
o que já está em progresso - parem de mento instrumental, como também o
ser tolos. Mas. Forte adversativa no particípio traduzido para entoando (psal-
grego (alla). lontes). De coração ao Senhor. Algumas
2) Sendo Cheios do Espírito Santo. pessoas não têm a capacidade de cantar
5: 18 - 6: 9. Nenhum crente em Cris- audivelmente. Mas mesmo essas, se
to jamais recebeu ordem de dar habi- estiverem cheias do Espírito, estarão
tação ao Espírito. A habitação dEle cantando com seus corações. 20. Dando
é certa e permanente (10.14: 16,17). sempre graças. Sem limite de tempo
Nenhum crente tem ordem de ser bati- (cons. I Is. 5: 18). Por tudo. Sem li-
zado com o Espírito. Isso já foi feito mite de extensão. Alguns o restringem
(I Co. 12: 13). Mas os crentes têm ordem às bênçãos mencionadas na epístola,

-178 -

II I 'I I I
EFÊSIOS 5: 20-30

mas parece-nos melhor aceitá-lo num As obrigações não são simplesmente uni-
sentido mais amplo (cons. Rm. 8: 28). laterais. A responsabilidade do marido
b) Submissão nos Relacionamentos é tão constrangedora quanto a da esposa.
Práticos. 5: 21 - 6: 9. Outro resultado Esta não é uma referência ao amor nor-
da plenitude do Espírito, além do lou- mal do marido, que não necessitaria
vor e da ação de graças, é a submissão. ser ordenado, mas ao amor volitivo
Esta é uma declaração sobre o que de- que brota de Deus e assemelha-se ao
vemos fazer em nossos relacionamentos Seu próprio amor. Em contraste com
terrenos. "Em contraste com o egoís- o desejo sexual normal, que por sua na-
mo e agressividade dos pagãos" (Sal- tureza é egoísta, este amor é altruísta.
mond; cons. I Pe. 5: 5). Como também Cristo amou a igreja.
Embora os maridos humanos jamais
1) Esposas e Maridos. 5: 21-33. O possam alcançar esse grau de amor
primeiro relacionamento humano men- que Cristo manifestou, são exortados
cionado, também o mais íntimo, no a demonstrarem o mesmo tipo de amor,
qual a plenitude do Espírito Santo de- que assim se prova, a si mesmo se entre-
ve ser manifesta, é o relacionamento gou por ela.
conjugal.
21. Uns aos outros. Observe a mu- 25. Para que a santificasse, tendo-a
tualidade desta submissão. No temor purificado. Esse foi o seu propósito
de Cristo. O N.T., como também o quando se entregou para morrer pela
V.T., falam do temor de Deus - isto Igreja. Por meio da lavagem de água,
é, uma reverência para com Ele que pela palavra. Provavelmente água e pa-
faz a pessoa temer desagradá-lO (cons. lavra foram usadas como sinônimos.
11 Co. 5: 11). Certamente não pode ser uma referên-
22. Agora o apóstolo mostra o resul- cia ao batismo ou à regeneração ba-
tado dessa submissão mútua nos três tismal. Assim como a água lava o corpo,
relacionamentos mais comuns da vida a Palavra de Deus lava o coração (cons.
- casamento, família e emprego. As Ez. 36: 27). 27. Para a apresentar. O
mulheres sejam submissas a seus pró- principal objetivo porque Cristo Se en-
prios maridos. Esta passagem é uma tregou. A palavra santificasse mostra
expressão do ideal divino para o casa- o objetivo imediato (cons. 11 Co. 11: 2).
mento. O relacionamento do casamento Igreja gloriosa. O adjetivo é predicativo
foi idealizado por Ele como símbolo e não atributivo; isto é, para que Ele
do relacionamento espiritual entre Cris- pudesse apresentar a igreja como glo-
to e a Igreja. O apóstolo destaca isso riosa. Sem mácula. Explicação mais
no versículo 32. ampla da palavra gloriosa na descrição
23. Porque o marido é o cabeça. da "noiva" de Cristo.
O motivo dessa sujeição da esposa en- 28. Assim também os maridos de-
contra-se nesse relacionamento que Deus vem amar as suas mulheres como a seus
ordenou. 24. Como, porém, a igreja próprios corpos. Isto é, como se fos-
está sujeita a Cristo. Mesmo havendo sem seus próprios corpos. Amor natu-
uma diferença entre a posição do mari- ral, não simplesmente senso de dever.
do para com a esposa e de Cristo para Deus disse. "Tomando-se os dois uma
com a Igreja, isto não vem afetar a só carne" (Gn. 2: 24). 29. Porque nin-
posição de cabeça que o marido tem para guém jamais. O motivo da declaração
com a esposa. anterior.
25. Maridos, amai vossas mulheres. 30. Porque somos membros do seu

-179-
EFÉSIOS 5: 30-33 - 6: 1-8

corpo. O pensamento muda de lugar uma continuação da citação da Lei e


constantemente entre o relacionamento não se aplica diretamente ao crente
conjugal e o relacionamento entre Cristo na presente dispensação. Embora o
e a Igreja. 31. Eis por que. Uma livre princípio continue sendo verdadeiro,
citação de Gn. 2: 24. Estipula a base a próxima vinda do Senhor, mais do
bíblica para o casamento como natural que uma vida longa, é a bendita espe-
resultado da criação da mulher. Os rança do cristão.
laços matrimoniais são mais fortes do 4. E vós, pais. Como antes, há um
que os existentes entre pais e filhos, outro lado da responsabilidade. Pri-
estabelecendo o relacionamento íntimo meiro ela foi declarada negativamente
que as Escrituras chamam de unidade e, então, afirmativamente. Mas criai-os.
- melhor do que união. 32. Grande Cons. Dt. 6: 7. Passagem paralela é C1.
é este mistério. Isto é, embora a expli- 3: 20, 21.
cação do significado do relacionamento 3) Servos e Senhores. 6: 5-9. Um
conjugal fosse insinuado no V.T. (cons. terceiro conjunto de relacionamento
Cantares de Salomão), não foi clara- está sendo agora discutido - o de senho-
mente revelado até que o N.T. foi dado. res e servos. A escravidão existia como
Paulo dirige nossos pensamentos levan- instituição no tempo do N.T. Não era
do-os da união do casamento propria- função do Evangelho derrubar a escra-
mente dita, para aquilo que ela sim- vidão, embora a abolição gradual dessa
boliza. instituição tenha sido um produto de-
33. Resumo da submissão mútua rivado do Cristianismo.
que Deus espera no relacionamento 5. Vós ... servos. literalmente, es-
como resultado normal da plenitude cravos. Entretanto, os princípios se
do Espírito Santo. aplicam a qualquer tipo de empregados
2)Filhos e Pais. 6:1-4. O após- e empregadores. Na sinceridade do vosso
tolo prossegue com outro relaciona- coração. De verdade e com sincerida-
mento específico, o de pais e filhos, de - não com hipocrisia. Como a Cris-
com obrigações impostas a ambos os to. Cons. IPe.2:l8; C1.3:22-25. 6.
lados. Não servindo à vista, como para agradar
1. Filhos, obedecei a vossos pais a homens. Uma amplificação do que
no Senhor. Obediência é um termo já foi dito. A palavra traduzida para
mais forte do que submissão, que foi agradar a homens aparece na Septua-
apresentada como a obrigação da es- ginta, mas, no N.T., só se encontra aqui
posa. No Senhor. "A esfera na qual e em C1. 3: 22. Fazendo de coração a
ela deve se movimentar, pois a obediên- vontade de Deus. literalmente, da alma
cia cristã é completa na comunhão com - isto é, com todo o ser. 7. Servindo
Cristo" (SaImond). Pois isto é justo. de boa vontade. Um cristão que é um
Aqui está se mostrando que este é um servo contratado deve reconhecer que sua
princípio eterno de Deus. primeira responsabilidade é com o Se-
2. Honra a teu pai e a tua mãe. Pau- nhor Jesus Cristo. Quando ele executa
lo mostra que a Lei tem a mesma in- o trabalho que se espera dele e o faz
junção. Todos os Dez Mandamentos, bem, está agradando ao Senhor. 8.
exceto o quarto, foram reformulados Certos de que. Este é um conectivo
e aplicados sob a graça. É o primeiro causal - porque nós temos certeza
mandamento com promessa. Isto é, que há uma recompensa para a fideli-
uma promessa foi dada à obediência. dade no serviço prestado a Cristo. Quer
3. Para que te vá bem. Isto deve ser seja servo, quer livre. A posição de uma

- 180-

II 'I I ,
EFÉSIOS 6: 8-13

pessoa neste mundo nada tem a ver vra para poder - na força do seu poder.
com a sua fidelidade e com a recompen- 11. Revesti-vos de toda a armadura
sa pela sua fidelidade. de Deus. Ainda que Deus a tenha provi-
9. E vós, senhores. Aqui se enfa- denciado, o indivíduo cristão tem a res-
tizam as obrigações dos empregadores. ponsabilidade de vesti-la; isto é, ele deve
De igual modo procedei para com eles. conscientemente se apropriar do poder
O lado positivo, mostrando a mutuali- que o Senhor Jesus Cristo põe â sua
dade da obrigação. Deixando as amea- disposição. Toda a armadura de Deus.
ças. O que os senhores não devem fazer. A armadura está descrita em detalhes,
Sabendo. Isto é, porque vocês sabem. como também os inimigos que o cren-
Que o Senhor tanto deles como vosso. te tem de enfrentar. Para poderdes
Esses senhores também têm um Senhor. ficar firmes. Sem esta armadura de
Este é o Senhor (Kurios). Ele não faz Deus, o cristão não tem capacidade de
acepção de pessoas (cons. Cl. 4: 1). permanecer firme. Aquele que está
Todos esses relacionamentos práticos assentado com Cristo nos lugares ce-
fluem da plenitude do Espírito Santo, lestiais e andando neste mundo tem
prescrita em Ef. 5: 18. também de tomar agora uma posição
contra as ciladas - os métodos ou es-
E. A Caminhada Cristã como uma tratagemas - do diabo.
Guerra. 6: 10-20. Em toda esta divisão 12. Porque a nossa luta não é. O mo-
da epístola muito se disse sobre a vida tivo porque precisamos de toda a arma-
cristã prática. Neste parágrafo o andar dura de Deus. Contra o sangue e a carne.
do cristão foi descrito como uma batalha, Os israelitas sob o comando de Josué
um conflito mortal no qual ele está alis- tiveram de lutar contra a carne e o
tado contra o poder de Satanás e suas sangue a fim de conquistar a terra de
hostes. Canaã. A nossa guerra é espiritual e
1) Sendo Fortes no Senhor - a Ar- não física. E, sim, contra os princi-
madura Completa de Deus. 6: 10-17. pados. Não uma comparação, mas uma
Sendo esta caminhada uma guerra, co- negação absoluta. Nas hostes de Sa-
mo foi aqui descrita, o cristão deve tanás encontramos diferentes catego-
estar preparado e equipado. Esta passa- rias. Não é possível fazer separações
gem que trata de toda a armadura de distintas entre os diversos tipos de ini-
Deus mostra que provisão maravilhosa migos aqui mencionados. Contra os
Deus fez para os seus guerreiros. dominadores deste mundo tenebroso.
10. Quanto ao mais. Aqui estão Literalmente, os principes do mundo
as exortações gerais que concluem a destas trevas. Contra as forças espi-
epístola. Irmãos meus (E.R.C.). Paulo rituais do mal, nas regiões celestes.
faz seus leitores se lembrarem do seu Esta é a última das cinco vezes em que
relacionamento com eles no Senhor. en tois epouraniois, "nas regiões ce-
Sede fortalecidos no Senhor. O Senhor lestiais", ocorre na epístola.
Jesus disse, "Sem mim, nada podeis 13. Portanto. Sendo os nossos uu-
fazer" (Jo. 15: 5; cons. também Fp. migos exatamente como foram descri-
4: 13). E na força do seu poder. Três tos. Tornai toda a armadura. Nova-
palavras foram usadas no versículo mente a responsabilidade humana enfa-
para o termo força. Primeiro, foi usa- tizada. Para que possais resistir. Obser-
do o verbo no imperativo, sede forta- ve que a passagem fala de ambos, resis-
lecidos ou capacitai-vos; depois a pa- tir e estar firme. O primeiro é a capa-
lavra para força e, finalmente, a pala- cidade de vencer a luta, manter a posi-

-181 -
EFÉSIOS 6: 13-24

ção; o último mostra o resultado do con- ofensiva, além de defensiva.


flito. 2) Oração por Todos os Santos e
14. Estai, pois, firmes. Neste e nos por Paulo. 6: 18-20.
versículos seguintes a armadura está 18. Orando em todo tempo. A pa-
descrita em detalhes. Todas essas coi- nóplia de Deus deve sempre ser usada
sas falam num certo sentido do próprio em conexão com a oração da fé (cons.
Senhor Jesus Cristo, que é a nossa de- I Ts. 5: 17; CI. 4: 2). Oração e súplica.
fesa. Cingindo-nos com a verdade. A primeira palavra é usada para orações
Aquele que tem os lombos cingidos em geral, e a última para pedidos. No
está preparado para a atividade (cons. Espírito. O mesmo Espírito Santo
I Pe. 1: 13). Da couraça da justiça. que brande a espada da Palavra, tam-
Cons. Is. 59: 17. 15. Calçai os pés. bém deve estar ativo em nossos cora-
Grande parte da linguagem desta se- ções. Por todos os santos. Paulo não
ção foi tirada de diversas passagens do restringiria as orações deles especifica-
V.T. (cons. Is. 52: 7). A preparação. mente a seu favor, embora mencione
Isto é, aquilo que nos prepara. Isto a sua pessoa no versículo seguinte. 19.
pode corresponder aos calçados ou E também por mim. Isto é, por mim
botas. Do evangelho da paz. As boas em particular; isto devido às circuns-
novas caracterizadas pela paz ou resul- tâncias de Paulo no momento. Para
tando na paz. que me seja dada ... a palavra com
16. Embraçando sempre o escudo intrepidez. Mesmo na cadeia Paulo
da fé. Genitivo de aposição; isto é, o não estava pensando primeiramente em
escudo que consiste da fé ou é a fé. seu bem-estar, mas no seu testemunho
Os dardos inflamados do maligno. A para o Senhor Jesus Cristo. Lemos em
palavra maligno está no singular e sem Atos 28: 30, 31 que Paulo falava a
dúvida no masculino, não no neutro todos que vinham visitá-lo, enquanto
- portanto o maligno - isto é, o pró- esteve prisioneiro em casa alugada por
prio Satanás. Toda a vestimenta de um ele mesmo, em Roma. Para ... fazer
soldado romano foi apresentada nesta conhecido o mistério do evangelho.
passagem, e as diversas partes foram Não que o Evangelho seja ainda um se-
aplicadas espiritualmente. 17. Tornai gredo para aqueles que o venham a re-
também o capacete da salvação. Nova- ceber.
mente, o capacete que é a salvação.
A espada do Espírito. Não o mesmo F. Saudações Finais. 6: 21-24.
tipo de genitivo como o anterior; talvez 21. E para que saibais também a meu
um ablativo de fonte ou origem. Isto respeito. Uma das poucas referências
é, a espada fornecida pelo Espirito. pessoais nesta epístola. Tíquico. Evi-
Que é a palavra de Deus. A palavra dentemente o portador da carta (cons.
de Deus é uma espada penetrante. Aqui CI. 4: 7). 22. Vo-lo enviei. Tempo
foi usado hrêma, "palavra" com o signi- aoristo epistolar. Paulo o envia, mas
ficado de pronunciamento. Em passa- quando eles estivessem lendo a carta,
gem semelhante, em Hb. 4: 12, foi já teria sido enviado. Como quando
usado lagos. "palavra" com o signi- escreveu aos filipenses, Paulo quer que
ficado de conceito ou idéia. As Escri- saibam como está passando, e quer sa-
turas são ambos, hrêma e lagos. Todas ber a respeito deles.
as partes da armadura mencionadas 23. Paz seja com os irmãos, e amor
acima, até agora são partes defensivas. com fé. Só Deus pode dar essas quali-
A espada do Espírito é a única arma dades. 24. A graça, literalmente; isto

-182 -

I I II 'I I I
é, a graça além da qual não existe ne- sinceramente a nosso Senhor Jesus
nhuma outra. Com todos os que amam Cristo. Isto é, os crentes.

-183 -
A EPfsTOLA AOS FILIPENSES

INTRODUÇÃO

Organização da Igreja. Em resposta é um outro assunto. Se presumimos


ao chamado da Macedônia, Paulo e seus que Lucas menciona todas as prisões
companheiros atravessaram o Mar Egeu de Paulo, então Roma é a resposta mais
de Trôade a Neápolis e seguiram pela provável. (Filipos está fora de cogi-
renomada Via Ignaciana, aproximada- tação, e a expectativa de Paulo de uma
mente oito a dez milhas acima e pas- iminente libertação solapa seriamente
sando por cima da cadeia litorânea a hipótese cesariana.)
de montanhas foram até a cidade de Entretanto, recentemente tem-se de-
Filipos. Filipos (que recebeu o nome fendido a teoria de sua origem em efeso,
de Filipe da Mecedônia, o pai de Ale: teoria que tem ganho considerável ter-
xandre, o Grande) era famosa por suas reno. O argumento tem muitos aspectos,
minas de ouro e sua estratégica loca- sendo estes os mais importantes:
lização, constituindo o portão de en- 1) A plausibilidade de um aprisio-
trada da Europa. Era uma Roma em namento em Éfeso (I Co. 15: 30-32; 11
miniatura, uma orgulhosa colônia ro- Co. 1: 8-10).
mana, isenta de impostos e modelada 2) Evidência, encontrada em inscri-
segundo a capital do mundo. Com a ções, da presença de um destacamento
conversão de Lídia, a moça escrava e da "guarda pretoriana" como também
o carcereiro (Atos 16), veio a ser o de membros da "casa de César" em
"berço do Cristianismo europeu". Logo Éfeso (A. H. McNeile, St. Paul, pág.
Paulo partiu para Tessalônica, deixan- 229, observações I e 2) - anteriormen-
do Lucas cuidando do seu rebanho te explicada como prova irrefutável de
que ocupava um lugar tão especial nos origem romana.
seus afetos. 3) A afinidade de Filipenses com
Autoria. A não ser por F. C. Baur cartas anteriores de Paulo, isto é, Ro-
e diversos outros críticos alemães, a au- manos e I Coríntios.
toria paulina nunca foi seriamente posta 4) A maior facilidade com a qual
em dúvida. Evidências externas são as freqüentes comunicações implícitas
fortes e antigas. Alguns encontram em Filipenses poderiam ter sido trans-
alusões que lhe foram feitas na carta mitidas (de efeso a Filipos era uma
de Clemente de Roma aos coríntios viagem de sete a dez dias, enquanto
(cerca de 96 A.D.). Lá pelos meados que de Roma a Filipos envolvia uma
do segundo século, Policarpo escreveu viagem por terra, totalizando umas
aos filipenses, dizendo: "Paulo ... es- oitocentas milhas, mais uma travessia
tando ausente, escreveu-lhes cartas" por mar que deveria ser suspensa no
(I1I.2). inverno: cons. Atos 27: 12).
Lugar. Que Filipenses foi escrita 5) O declarado propósito de Paulo
na prisão é perfeitamente visível. Exa- de prosseguir para o oeste, o que, se a
tamente onde se encontrava essa prisão prisão foi em Roma, teria sido contra-

-184 -

il I
'I I I
riado por seus planos de tomar a VISI- daizantes e (especialmente) a sombra
tar Filipos (1:25; 2:24) depois de re- da desunião que estava começando a
cuperar a liberdade. (para uma concisa assolar a igreja. Embora essas tendên-
apresentação desta posição, veja a in- cias ainda não fossem pronunciadas,
trodução a The Epistle of Paul to the se ficassem irreprimidas poderiam den-
Philippians, de J. H. Michael, no The tro em breve solapar a causa de Cristo
Moffatt New Testament Commentary. em Filipos.
Cons. também G. S. Duncan, St. Paul's
Capítulo 3 - Interrupção ou Inter-
Ephesian Ministry. Para uma impor-
polação? Por causa da inesperada e
tante discussão que fornece argumen-
abrupta mudança de tom e assunto
tos para a origem romana e que trata
principal em 3: 2, muitos têm sugeri-
a evidência da origem efésia como in-
do que Filipenses foi composta de duas
conclusiva, veja C. H. Dodd, New Tes-
ou mais cartas de Paulo. A fatal debi-
tament Studies, pág. 85-128).
lidade da teoria da divisão e a irremediá-
Felizmente a interpretação da epís-
vel diferença de opinião entre os crí-
tola não depende do seu lugar de origem. ticos quanto ao lugar onde a interpo-
Ainda que a hipótese efésía recomen-
lação termina (3: 19? 4: 9? 4: 20? etc.).
da-se a si mesma com maior força, pouca
Uma interpretação muitíssimo mais na-
diferença faz para nossa compreensão
tural é a de que Paulo fosse interrom-
desta notável carta escrita em prisão.
pido ao escrever a carta (talvez por
Presumindo uma origem efésia, a da-
alguma notícia deprimente da ativi-
ta da composição seria em cerca de
dade dos judaizantes), e ao retomar
54 A. D. (Uma origem romana ·daria
a pena, começou o novo assunto sem
uma data entre 61 e 62.)
transição.
Ocasião. O popular ponto de vista
de que Filipenses foi principalmente Características. Filipenses é a carta
uma carta de agradecimentos não é acei- mais pessoal de Paulo. Ela tem um ar
tável. Teria Paulo esperado até o úl- de confiança e fortes traços pessoais.
timo momento (4: 10-20) para expres- Há uma ausência marcada de doutrina
sar sua apreciação pelo presente rece- formal. Até mesmo o grande hino crís-
bido dos crentes em Filipos? O pro- tológico no capítulo 2 foi introduzido
pósito imediato foi o de enviar uma indiretamente para reforçar uma exor-
nota de recomendação e explicação tação à humildade. A nota dominante
com Epafrodito, a fim de evitar que da carta é a alegria. Ela revela o após-
alguma crítica fosse feita, insinuando tolo Paulo como "radiante no meio das
que ele voltava prematuramente de sua tempestades e tensões da vida".
incumbência. Isto, em troca, deu a Paulo Esboço. Uma vez que Filipenses
a oportunidade de assegurar à igreja a é uma carta extremamente pessoal,
sua grata apreciação pelo presente e cor- ela resiste a todas as tentativas de for-
rigir pequenas desordens na igreja, tais çá-la dentro de um esboço lógico. O
como o pessimismo pela continuada fluxo dos pensamentos é natural e es-
prisão de Paulo, timidez diante da hos- pontâneo. Uma análise descritiva po-
tilidade dos pagãos, a ameaça dos ju- deria ser a seguinte:

ESBOÇO

I. Saudações. 1: 1,2.
11. Ação de graças e oração. 1: 3-11.

-185 -
FILIPENSES 1: 1-3

111. O Evangelho indestrutível. 1: 12-14.


IV. Pregação inescrupulosa. 1: 15-18.
V. Vida ou morte? 1: 19-26.
VI. Exortação à firmeza. 1: 27-30.
VII. Um Apelo à experiência cristã. 2: 1-4.
VIII. O supremo exemplo da auto-renúncia. 2: 5-11.
IX. A exortação prossegue. 2: 12-18.
X. Planos para o reencontro. 2: 19-30.
XI. Uma conclusão interrompida. 3: 1-11.
XII. A reta da chegada. 3: 12-16.
XIII. Uma comunidade cristã. 3: 17-21.
XIV. Conselho apostólico. 4: 1-9.
XV. Apreciação pelo presente. 4: 10-20.
XVI. Recomendações e bênção. 4: 21-23.

COMENTÁRIO

I. Saudações. 1: 1,2. J. B. Lightfoot, St. Paul's Epistle to


the Philippians, pág.96 e segs.), e uma
Cartas antigas costumavam começar vez que havia diversos "bispos" (ob-
assim: "De A para B, Saudações". serve o plural) em Filipos, não seria
Embora seguindo o padrão convencio- sábio defender um episcopado no pri-
nal, Paulo não pôde deixar de trans- meiro século com base neste versículo.
formar essa vaga expressão de boa von- 2. Graça e paz a vós. A versão cris-
tade em uma significativa bênção cristã. tã de Paulo das saudações grega e he-
1. Paulo, o único autor, gentilmente braica combinadas. Não kairein, "sau-
acrescentou o nome de Timóteo (que dações", mas karis, "graça" - a bon-
estava com ele no momento de escre- dade espontânea, imerecida e amorosa
ver a carta e poderia ter exercido o de Deus para com os homens. Paz é
papel de seu secretário). Juntos eles mais do que tranqüilidade íntima; tem
eram servos de Cristo Jesus. Douloi implicações teológicas que falam da
significa literalmente escravos, mas não comunhão restaurada entre o homem
há aqui uma idéia de submissão servil. e Deus com base na obra de reconci-
Com alegre disposição eles se entregaram liação de Cristo. Estas bênçãos espiri-
ao serviço daquele a Quem pertenciam. tuais encontram sua fonte principal
O termo santos não designa um nível em Deus nosso Pai e ... Senhor Jesus
de realizações éticas, mas pessoas que Cristo.
em Cristo Jesus foram separadas para
a nova vida. Exatamente por que foi
acrescentado inclusive bispos e diáco- 11. Ação de Graças e Oração. 1: 3-11.
nos não está claro. Talvez fosse uma
reflexão posterior, chamando a atenção Paulo eleva o seu coração em gratidão
para aqueles que supervisionaram (epis- e oração pela participação dos cristãos
copos traduz-se melhor por "superin- fílípenses na obra do Evangelho e ex-
tendente") a coleta enviada a Paulo pressa seus profundos anseios em que
como presente pessoal (4: 10-19). Uma continuem a crescer no amor e no dis-
vez que os termos "bispo" e "presbí- cernimento.
tero" são virtualmente sinônimos (cons. 3. Ação de graças com alegria é

-186 -

I I II
'I I !
FILIPENSES I: 3-9

uma corrente oculta que permeia todas muito mais profunda pela propagação
as cartas de Paulo. (Só em Gálatas do Evangelho. O desejo de partilhar
ela foi momentaneamente eclipsada pe- fora característica dos filipenses desde
la seriedade da ameaça judaizante.) o primeiro dia. Um presente alcançou
Em nenhum outro lugar ela explode Paulo quando ele mal chegou a Tessalô-
à superfície mais expressivamente do nica (4: 16). 6. A confiança de Paulo
que em Filipenses. Mesmo na prisão em que a participação deles no Evan-
os pensamentos de Paulo se dirigiam gelho continuaria dependendo da fide-
para os outros. Em sua contínua lem- lidade divina que, tendo começado
brança deles, ele dá graças a Deus. O uma boa obra, não deixaria de com-
singular meu Deus exibe um relaciona- pletá-la. Para o convertido que vinha
mento profundo e íntimo. do paganismo, os termos semi-técnicos
4. Este versículo é parentético. Sem- começou e completá-la trariam à lem-
pre ... em todas as minhas súplicas brança a iniciação e o alvo principal
combina melhor com o que vem a se- das religiões pagãs. Boa obra. Essa
guir do que com o versículo 3 (cons. ação total da graça divina em seu meio.
I. J. Muller, The Epistles of Paul to O dia de Cristo Jesus. O equivalente
the Philippians and to Philemon, pág. do N.T. para o "dia do Senhor" do
40, n.4). Para Paulo, lembrar-se era V.T.
orar. A natureza de sua intercessão
7. Paulo podia pensar deles desse
foi colocada em destaque pela esco-
modo porque os tinha no seu coração.
lha da deêsis (uma oração petitória)
Esse laço de afeição torna-se evidente
em lugar da mais comum proseuchê.
pela participação deles nas algemas de
A estudada repetição da palavra todas
Paulo como também na defesa diante
(1:4,7,8,25; 2:17,26; 4:4) é o
da corte. (Descobertas feitas em pa-
delicado lembrete de Paulo de que piros mostram que tanto apologia, de-
não há lugar para sectarismo na comu- fesa, como bebaiôsis, confirmação, são
nidade cristã. A intercessão não é um termos jurídicos.) Eram participantes
fardo a ser carregado mas um exercício
dele na graça, e não da sua graça. So-
da alma a ser praticado com alegria. frer por Cristo é um favor especial de
S. O motivo da ação de graças é a Deus. 8. Da saudade que tenho de to-
"simpática cooperação" dos fílípenses dos vós revela um profundo sentimento
"na propagação do evangelho". Koi- de afeição familiar cristã. Splagchnos
nonia foi pobremente traduzida pela (lit., coração, pulmões, fígado, etc.;
palavra cooperação. Vem de um verbo não intestinos) refere-se metaforicamente
que significa "ter em comum" e pode aos sentimentos de amor e ternura que
ser definido, no N.T., como "aquela se cria brotarem das entranhas. A afei-
vida cristã cooperativa e mútuo rela- ção de Paulo tinha origem divina; na
cionamento que brota da participação verdade, era o próprio Cristo que habi-
comum de Cristo e seus benefícios" tava nele, que amava por intermédio
(C. E. Símcox, They Met at Philippi, dele (cons. Gl. 2: 20).
pág.28). Embora a referência imediata 9. Paulo não amesquinhava o entu-
talvez fosse ao presente em dinheiro siasmo da afeição deles mas orava para
(koinonia tem sido assim empregado que o seu amor abundasse mais e mais
nos papiros), a expressão não fica exau- em pleno conhecimento (epignôsis) e
rida nesse ato único. O presente é ape- percepção moral (aisthêsis). O amor
nas um símbolo de uma preocupação tem de compreender com exatidão e

-187 -
FILIPENSES 1: 9-15

aplicar a verdade com discriminação espiritual. As circunstâncias (ta kat'emei


e bom senso ético. Toda percepção. que rodearam Paulo inesperadamente
Discernimento para todo tipo de si- provaram servir para o progresso ativo
tuações. 10. Para aprovardes as cousas do Evangelho. Prokopê (progresso
excelentes (interpretando ta diaferonta ou avanço) vem de um verbo usado
como "coisas que transcendem") é dar originalmente em relação ao pioneiro
todo o apoio àquilo que depois de tes- que abre caminho no mato (Souter,
tado comprovou-se ser essencial e vital. Pocket Lexicon, pág.216). 13. O pro-
O resultado do amor inteligente é um gresso fora em duas fronteiras: o Evan-
senso justo de valores. Isto, por sua gelho fora anunciado à Guarda Preto-
vez, capacita a pessoa a ser sincera (uma riana (v. 13), e os cristãos foram des-
derivação de eilikrineis sugere o signifi- pertados para testemunhar mais deste-
cado de "sem jaça quando testado con- midamente (v. 14). Praitôrio refe-
tra a luz") sem ofender os outros (to- re-se aqui não à residência oficial do
mando aproskopoi como transitivo). governador, mas à guarda imperial.
Isto se transforma em preocupação vi- (Cons. Lightfoot, observação famosa na
tal â vista da vinda do dia de Cristo. op. cit., pág. 99-104). Até mesmo os
11. Cheios do fruto de justiça. O amor guardas profissionais não podiam dei-
que discerne também resultará em uma xar de falar desse notável prisioneiro
colheita abundante (observe o sing. e dos motivos de sua prisão. Logo
karpos - fruto) de justiça. Mas mes- toda a cidade (de todos os demais) sa-
mo isso depende da justiça pela fé - bia que Paulo estava preso por causa
aquela que vem através de Jesus Cristo. de Cristo.
O alvo de toda atividade cristã é reco- 14. E a maioria dos irmãos foram
nhecer e homenagear (epainos) a per- "contaminados com o heroísmo de
feição divina (doxa) de um Deus re- Paulo" (Rainey em ExpB, pág.52).
dentor. É melhor aceitar o no Senhor (E.R.A.)
como representando a esfera da con-
m. O Evangelho Indestrutível. 1: fiança deles, do que considerá-lo modi-
12-14. ficando os irmãos. (E.R.C.). O motivo
Os filipenses estavam grandemente da confiança foi as algemas de Paulo.
angustiados diante da notícia da prisão O resultado final foi que tiveram mais
de Paulo. O que aconteceria à causa ousadia do que nunca, de falar (laleô
de Cristo agora que o principal dos indica o som produzido) a palavra de
apóstolos se encontrava em cadeias? Deus.
Paulo escreveu encorajando-os, dizen-
do-lhes que aquilo que poderia parecer IV. Pregação Inescrupulosa. 1: 15-18.
um contratempo, era na realidade um
Nem todos pregavam movidos por
progresso importante. Além de toda
motivos puros; mas, se Cristo era pre-
a guarda pretoriana ter ouvido de Cris-
gado, Paulo se regozijava.
to, a igreja local também fora encora-
15. A identidade desses alguns que
jada a proclamar o Evangelho aberta
pregavam Cristo movidos por motivos
e destemidamente.
impuros não pode ser estabelecida com
12. Seis vezes nesta carta Paulo certeza. Entretanto, não eram do par-
dirige-se aos destinatários chamando-os tido judaizante (como Lightfoot e Mou-
de irmãos. O termo indica um forte le sustentam), porque eles pregavam
sentimento de unidade e camaradagem Cristo, não "outro evangelho" (cons.

-188 -

I I II ,
'I I I
FILIPENSES 1: 15-20

Gl. 1: 6-9). Seria próprio de Paulo to- ainda era "o poder de Deus para sal-
lerar agora o que ele repudiara comple- vação". Michael subestima o apóstolo
tamente antes? Não era também a mi- quando diz que "o espírito de Paulo
noria implícita em Fp. 1: 14, porque estava agitado quando escreveu" e que
não eram de modo nenhum reticentes 1: 18 foi "uma tentativa deliberada ...
no que pregavam. Mais provavelmente de controlar seu espírito" (op. cit.,
os antagonistas eram um grupo dentro pág.45). Sim, sempre me regozijarei
da igreja que, invejando a influência não pertence ao versículo 18 como ex-
de Paulo (na prisão ou fora dela) e in- pressão de uma forte determinação de
citados por um espírito de rixa, aumen- não escorregar para a irritação diante
taram sua atividade missionária no de- da decepcionante conduta de seus ad-
sejo de aumentar as contrariedades do versários, mas introduz os próximos
apóstolo preso. A boa vontade dos motivos de regozijo dados nos versí-
outros refere-se aos motivos de sua culos 19,20.
pregação.
16. O Texto Recebido, seguindo do- V. Vida ou Morte? 1: 19-26.
cumentação inferior, inverteu os versí-
culos 16 e 17 para fugir à suposta irre- Enquanto o desejo pessoal do após-
gularidade no trato com os dois grupos tolo era de partir para estar com Cristo,
do versículo 15 em ordem oposta. Por a necessidade da igreja o convencia de
amor refere-se tanto à preocupação de- que ele cedo seria libertado e continua-
les pelo progresso do Evangelho quanto ria trabalhando para o progresso dela
ao seu apego pessoal à pessoa de Paulo. na fé.
Keimai, estou incumbido (aqui), é a fi- 19. Paulo cria que a presente opo-
gura de uma sentinela no seu posto sição resultaria no bem porque os cris-
cumprindo a obrigação. No presente tãos estavam orando. Como resultado,
contexto pode ter um significado mais o Espírito de Jesus Cristo (o Espírito
metafórico de estar destinado à defe- Santo, não um espírito cristão) con-
sa do evangelho. 17. A pregação do cederia um suprimento abundante da-
segundo grupo partiu de um espírito quilo que fosse necessário para a emer-
de discórdia (eritheia foi usado por gência existente. Sôtêria seria melhor
Aristóteles para indicar "uma busca se tomada como libertação da prisão,
egoísta de uma posição política por embora muitos comentadores entendem-
meios desonestos" , Arndt, pág. 309). -na num sentido mais amplo. Alguns
Seu verdadeiro interesse era ganhar de julgam perceber uma citação de Jó
Paulo e, no processo, aborrecê-lo na 13: 16 (LXX), e interpretam a espe-
prisão. Thlipsis, tribulação, significa rança de vindicação de Paulo como des-
literalmente fricção. "Despertar fricção cansando sobre a consciência que tinha
pelas cadeias" é um modo pitoresco de sua integridade (cons. Michael, in loc.)
de descrever a consternação de uma 20. Apokaradokia, ardente expectativa,
pessoa que não pode acertar uma si- é uma palavra extraordinária, talvez
tuação por causa de alguma limitação cunhada pelo próprio Paulo. Literal-
que lhe foi imposta. mente significa olhar intensamente à
18. Mas qual foi a reação de Paulo? distância com a cabeça estendida. A ex-
Quaisquer que fossem os motivos, se pectativa do apóstolo era dupla: para
Cristo era pregado, ele se regozijava. que ele não fosse envergonhado (isto é,
Ainda que o Evangelho fosse usado co- desapontado com o fracasso do auxí-
mo camuflagem para lucros pessoais, lio divino), e que Cristo fosse engrande-

-189 -
FILIPENSES 1: 20-27

cido (observe a substituição sensível camente do acampamento; é um eufe-


da terceira pessoa passiva pela primei- mismo para "morrer") e estar com
ra pessoa ativa) no seu corpo (a esfera Cristo. Isto seria incomparavelmente
natural para a expressão externa do melhor - um comparativo duplamen-
homem interior). A ênfase colocada te reforçado ("uma ousada acumula-
sobre agora implica na proximidade ção", Moule, op. cit.,) , expressando
da hora da crise. Quer pela vida, quer a excelência superior de se estar com
pela morte, não reflete indiferença da Cristo. 24. Mas a obrigação maior é
parte de Paulo sobre seu destino, mas continuar prosseguindo na presente vida.
a preocupação de que, em qualquer A preposição composta com o verbo
dos casos, Cristo seja honrado. simples - epi-menô, dá-lhe o pensa-
21. A vida do próprio Paulo foi mento especial de persistência. De-
tão completamente absorvida pela pes- sejo pessoal dá lugar à necessidade es-
soa e programa do seu Senhor que ele piritual.
podia dizer, Porquanto para mim o 25. E, convencido disto (isto é, tudo
viver é Cristo. Cristo era o resultado o que foi dito nos vs. 19-24), Paulo sabe
total de sua existência. O morrer é lu- (convicção pessoal, não visão profé-
cro porque na ausência das limitações tica) que ele permanecerá com todos
da vida, a união com Cristo seria com- vós para o vosso progresso. O resul-
pletamente realizada. Nenhum sentido tado será o gozo da fé (os dois subs-
de cansaço do mundo deve ser enten- tantivos dificilmente podem ser sepa-
dido nessas palavras. 22. A falta de rados). Da fé (objetivamente - o credo,
continuidade do versículo 22 reflete e subjetivamente - a apropriação do
a perplexidade de Paulo. Das diversas crente). 26. Afim de que assinala um
possibilidades, a construção elítica - propósito específico - dando-lhes um
Se entretanto, (for-me concedido) o abundante motivo de glória. Em Cristo
viver na carne, isto (resultará em) tra- é a esfera de sua glória. Quanto a mim
balho frutífero para mim - é a pre- é o motivo, explicado pela frase se-
ferível. A escolha de carne em lugar guinte, pela minha presença de novo con-
de "corpo" enfatiza a natureza fraca vosco.
e transitória da vida física. Paulo não
se aventura a decidir entre as duas al- VI. Exortação à Firmeza. 1: 27-30.
ternativas (neste contexto gnôrizâ sig-
nifica "tornar conhecidas as decisões Para que a jactância deles não os le-
de alguém"), mas prefere deixar a es- vasse ao descuido no conflito contra
colha com o Senhor. o paganismo, Paulo os adverte. Com
23. Ora, de um e outro lado estou unidade e firmeza deviam prosseguir
constrangido. Synekomai (estou em lutando pela fé.
apuros) é uma expressão mais forte 27. Deviam viver de modo digno,
significando "estar ligado". Com a como cidadãos do céu. O uso que Pau-
adição de um e outro lado significa lo faz de politeuomai, "viver como ci-
"tolhido e pressionado de ambos os dadãos", "cumprindo deveres comuns",
lados". Contemplando a possibilidade em vez do seu usual peripateô, "andar",
da libertação ou da espada, Paulo sen- seria notado e apreciado numa colônia
te-se tolhido de tomar qualquer uma romana como Filipos. A palavra en-
das direções. Seu desejo pessoal é par- fatiza o efeito de uma comunidade
tir (analyô descreve um navio levantando cristã em uma sociedade pagã. Indo ...
a âncora ou um soldado saindo brus- estando ausente não indica dúvidas quan-

-190 -

I I II I 'I I I
FILIPENSES 1: 27-30 - 2: 1-4

to ao futuro mas uma tentativa de des- como verdadeira, e o se costuma ser


prendê-los de uma indevida dependên- traduzido para desde que. Exortação
cia dele. A idéia do combate de gladia- em Cristo. O fundamento do apelo é
dores passa por todos estes versículos: estarem em Cristo. Consolação de amor.
Eles deviam estar firmes (stêkô), lutan- O incentivo que o laço de amor for-
do juntos (synathleô) , e não deviam se nece. Comunhão do Espírito. A preo-
espantar (ptyreomai, v. 28). Em um cupação mútua despertada pelo Espí-
só espírito indica uma ofensiva unifi- rito de Deus. Entranhados afetos e mi-
cada; uma só alma (sede das afeições) sericórdias (unindo os dois substanti-
indica que a unidade deve estender à vos). Um apelo à bondade humana. 2.
disposição interior. A alegria de Paulo seria completa se os
28. O verbo, espantar-se, descreve filipenses continuassem (observem o tem-
cavalos assustados prontos a debandar. po presente) pensando a mesma cousa,
Os oponentes não eram os judaizantes tendo o mesmo amor, sendo unidos de
mas membros de um elemento violen- alma, tendo o mesmo sentimento. A sin-
tamente hostil em Filipos. O destemor ceridade do apóstolo se vê em sua ex-
dos cristãos era uma prova evidente de pansão quase redundante - tendo o mes-
perdição para os adversários, pois suas mo amor e unidos de alma (simpsikê) ,
tentativas de frustrar o Evangelho eram tendo o mesmo sentimento.
fúteis, causando apenas a própria des- 3. Partidarismo (cons. 1: 17) e van-
truição. Também lhes revelava que glória (kenodoxia combina as duas
Deus estava do outro lado (da vossa palavras "vazio" e "opinião") eram os
salvação e não para vós de salvação). inimigos teimosos e traiçoeiros da vida
29. Vos foi concedida poderia ser mais da igreja. Deviam ceder lugar à humíl-
literalmente traduzido para vos foi gra- dade (os gregos defendiam tanto os
ciosamente concedida (karizomai é a seus próprios direitos que uma nova
forma verbal de karis, "graça"). "O palavra precisou ser cunhada) e consi-
privilégio de sofrer por Cristo é o pri- derando cada um (estimando) os outros
vilégio de fazer o tipo de serviço que é superiores a si mesmo (não necessaria-
bastante importante para merecer o con- mente como se fosse essencialmente
tra-ataque do mundo" (Simcox, op. superior, mas como merecedor de tra-
cit., pág.6l). Sofrer por Cristo (no tamento preferencial). Muller descreve
interesse de Sua causa) é um favor só a humildade como sendo "a visão inte-
concedido àqueles que crêem nEle. rior da própria insignificância" (op. cit.,
30. Ligar com o versículo 28a. Os pág. 75). 4. Assim como a humildade
filipenses estavam envolvidos no mes- (v.3a) é a antítese da vanglória, a con-
mo tipo de conflito (agôn; cons. nossa sideração pelos outros (v.4) é a antí-
palavra agonia) em que Paulo estive- tese da contenda (ambições egoístas).
ra (Atos 16: 19 e segs.) e ainda estava.
VII. Um Apelo à Experiência Cris- VIII. O Supremo Exemplo da Auto-
tã. 2: 1-4. -renúncia. 2: 5-11.

Em quatro compactas cláusulas condi- Paulo cita um hino da igreja primi-


cionais, Paulo apresenta a motivação tiva, o qual descreve eloqüentemente
poderosa da harmonia na comunidade a divina condescendência de Cristo em
cristã. Sua encarnação e morte, a fim de refor-
1. A primeira categoria das cláusu- çar seu apelo por uma vida altruísta
las condicionais (se) aceita a premissa e sacrificial. (para um exame atual e

-191 -
FILIPENSES 2: 4-10

excelente dessa muito discutida pas- de servo), tomando-se em semelhança


sagem, cons. V. Taylor, The Person of de homens. Ao contrário do primeiro
Christ, pág. 62-79). A interpretação Adão, que fez uma tentativa frenética
que se segue apresenta um contraste de alcançar posição de igualdade com
básico entre os dois Adões, e compreen- Deus (Gn. 3: 5), Jesus, o último Adão
de o "auto-esvaziamento" de Jesus em (I Co. 15: 47), humilhou-se e obediente-
termos do Servo Sofredor (cons. A. M. mente aceitou o papel de Servo Sofre-
Hunter, Paul and His Predecessors, dor (cons. a contribuição de R. Martin
pág. 45·51, para ver uma apresentação em ExpT, Março de 59,pág.183 e segs.).
competente deste modo de encarar o 8. O ato da humilhação voluntária não
assunto). Se nos lembrarmos que a lin- parou na Encarnação, mas continuou
guagem de 2: 5-11 é poética, não de até as profundezas ignominiosas da mor-
teologia formal, muitos dos problemas te pela crucificação. A omissão do ar-
que surgiram por causa das especulações tigo diante de staurou, cruz, enfatiza
kenóticas (lit. esvaziar-se), ficarão devi- a natureza vergonhosa da morte - e
damente dentro do prisma da irrele- morte de cruz. (Com relação à opi-
vância quanto aos ensinamentos essen- mao dos romanos quanto à crucifica-
ciais da passagem. ção, cons. Cícero In Verrem 5.66).
5. O mesmo sentimento. Melhor, A si mesmo se humilhou. Ele pôs de
Mantenham essa intima disposição uns lado todos os direitos pessoais e Seus
para com os outros que foi exemplifi- interesses a fim de assegurar o bem-es-
cada (o verbo tem de ser suprido) em tar dos outros.
Cristo Jesus. 6. Subsistindo em forma 9. Como conseqüência, Deus o exal-
de Deus. Melhor, Embora no seu estado tou sobremaneira (a Ascensão e Sua gló-
pré-encarnado possuisse as qualidades ria concomitante), e lhe deu o nome
essenciais de Deus, ele não considerou que está acima de todo nome (ou deve
o seu status de divina igualdade um prê- ser SENHOR, kurios, o nome no V.T.
mio a ser egoisticamente entesourado usado para Deus; ou deve ser entendido
(tomando harpagmos passivamente). Mor- no sentido hebraico, indicando posição
fê, forma, nos versículos 6 e 7 denota e dignidade). Os versículos 9-11 cor-
uma expressão permanente de atributos respondem aos versículos 6-8, e são os
essenciais, enquanto skêma, forma (v. que melhor se encaixam, no presente
8), refere-se à aparência externa que contexto (a exortação interrompida con-
está sujeita à mudança. tinua em 2: 12), como o final do hino
7. Antes a si mesmo se esvaziou. Eke- originalmente citado por causa da força
nôsen não tem a intenção de falar do sen- de sua primeira estrofe. 10. Baseando-se
tido metafísico (isto é, que ele tenha em Is. 45: 23, onde o Senhor profetiza
se despojado de seus atributos divinos), que uma adoração universal lhe será
mas é uma "expressão pitoresca da to- dada um dia, o autor escreve que no
talidade de Sua auto-renúncia" (M.R. nome de Jesus (não ao, o que poderia
Vincent, A Criticai and Exegetical Com- sugerir genuflexão mecânica à men-
mentary on the Epistles to the Philip- ção do nome, mas em relação a tudo
pians and to Philemon, pág. 59). Ob- o que o nome representa) a totalidade
serve a alusão feita a Is.53:12, "por- dos seres racionais criados lhe pres-
quanto derramou a sua alma na morte". tarão a devida homenagem. Nos céus,
Cristo esvaziou-se assumindo a forma na terra e debaixo da terra é uma ex-
de servo (o uso de morfé, forma, a- pressão de universalidade e não deve
qui, indica a veracidade de sua posição ser forçada a apoiar elaboradas teorias

-192 -

I I II I
'I I I
FIUPENSES 2: 10-18

de classificação. 11. O verbo composto conscientemente comparando-se com


traduzido para confesse (exomologeô) Moisés quando ele pronunciou suas úl-
pode significar "confessar com ação de timas injunções é mais imaginativo que
graças" - embora isto poderia parecer provável.) 15. Não murmurando, eles
estranho se toda a língua inclui os per- se tomariam (ginomai) irrepreensíveis
didos além dos salvos. Jesus Cristo é (diante dos outros) e sinceros iakeraios,
Senhor é o mais antigo credo da igreja lit. autênticos - exibindo simplicidade
primitiva (cons. Rm. 10: 9; I Co. 12: 3). de caráter). Inculpáveis, amâmos, na
O Senhorio de Cristo é o âmago do Cris- LXX, foi quase que invariavelmente
tianismo. usado para os sacrifícios de animais.
Uma geração pervertida e corrupta
IX. A Exortação Prossegue. 2: 12-18. (uma adaptação de Dt. 32: 5) é o re-
sultado da distorção moral e intelec-
O grande exemplo de auto-renúncia tual. Neste mundo de trevas os cris-
de Cristo levou Paulo a advertir mais tãos devem brilhar como astros (cons.
seus irmãos filipenses. Mt. 5: 16).
12. Amados meus. Uma expressão 16. Se Paulo está continuando a mes-
favorita (ocorre duas vezes em 4: 1) ma metáfora, epikontes, etc. será tra-
que revela um profundo amor pelos duzido para ofereçam (como uma tocha
seus convertidos. Ele insiste com eles, que se segura com a mão estendida) a
desenvolvei a vossa salvação, especial- palavra (que produz) vida; mas se a
mente em sua ausência. A passagem cláusula final do versículo 15 é paren-
se relaciona antes à comunidade do tética (Lightfoot) e o apóstolo está
que os indivíduos (cons. Michae1, op. contrastando os cristãos com a geração
cit., pág.98 e segs.). A salvação co- perversa, será traduzido para apeguem-se
letiva está envolvida. Os filipenses de- (retende). Corri reflete a atividade do
viam levar a cabo (katergazomai, conti- estádio. Esforcei. Deissmann vê aqui
nuar desenvolvendo, é um presente con- a frustração de se ter tecido um pedaço
tínuo) o livramento da igreja até que de pano só para vê-lo rejeitado (LAE,
esta alcançasse o estado da maturidade pág.317). Talvez Herklotz esteja certo
cristã. Com temor e tremor parece ser em se referir a Paulo como "o mestre
uma expressão idiomática para um es- das metáforas confusas" (H. G. G. Herk-
tado de espírito humilde (cons. I Co. lotz, Epistle of St. Paul to the Philip-
2:3; IICo.7:15; Ef.6:5). 13. Hu- pians, pág. 74).
mildade com referência ao seu livramento 17. Uma metáfora elaborada sobre o
estava no devido lugar porque, apesar ritual sacrificial. A fé dos fílípenses
de sua cooperação, era Deus (observe (e tudo o que envolve em termos de
a posição enfática) que criara neles tan- vida e atividade) era seu sacrifício e
to a vontade como o poder (ele "ener- serviço. A energia vital de Paulo seria
giza" - energeo) de fazer a sua vontade uma libação derramada sobre suas ofer-
(ou, promover sua boa vontade, isto é, tas. Se era isto o que o futuro reser-
a harmonia na igreja filipense). vava, então até nisso Paulo se regozija-
14. A exortação contra murmurações va. Ele se regozijava com todos (sig-
e contendas (dialogismos foi usado em kairô) porque um sacrifício duplo propor-
papiros para indicar litígios) reflete co- cionava a oportunidade para futura co-
mo um antecedente as murmurações munhão. 18. Eles deviam adotar o mes-
dos israelitas em sua peregrinação pelo mo ponto de vista e se lhe juntar no
deserto. (Entretanto, colocar Paulo regozijo.

-193 -
FILIPENSES 2: 19-29

X. Planos para o Reencontro. 2: 19- 25. Epafrodito (encantador) é um


30. dos heróis mais atraentes do N.T. Ele
fora encarregado de levar o presente
Paulo tinha esperanças de enviar em dinheiro (4: 18) e de servir Paulo
Timóteo dentro de pouco tempo com no interesse dos filipenses. Paulo o cha-
as notícias da decisão da corte e então ma de irmão (enfatizando o laço do
ele mesmo ir o mais cedo possível. En- amor familiar cristão), cooperador (um
quanto isso não acontecesse, enviaria termo emprestado da oficina, que des-
Epafrodito de volta - mensageiro deles taca o espírito de companheirismo),
a Paulo em sua angústia - para aliviar e companheiro de lutas (sistratiôtês
a preocupação dos filipenses e para representa os cristãos lutando lado a
restaurar a alegria deles. lado contra os furiosos ataques do pa-
19. Embora o apóstolo insistisse com ganismo. Phillips traduz companheiro
eles a que cuidassem de seus próprios de armas). Julguei. Na correspondên-
negócios (v. 12), ele não os deixaria cia de antigamente era costume o es-
sem orientação. O propósito de enviar
critor adotar a perspectiva do leitor
Timóteo era que Paulo poderia ficar (cons. também mandá-lo, v.28). 26.
animado (eupsikeô, lit., ser encora-
A intensa saudade que Epafrodito sen-
jado) se recebesse notícias deles, e vice-
tia dos cristãos lá em Filipos transfor-
-versa (implícito em eu ... também).
mara-se em desespero quando soube que
20. Ninguém. Não uma impetuosa con-
a notícia de sua doença já chegara até
denação dos seus cooperadores. Mas
eles. O verbo traduzido para estava
entre aqueles que estavam ali à dispo- angustiado normalmente deriva de ade-
sição não havia ninguém que, como mos, "não à vontade", isto é, "não à
Timóteo, estivesse sinceramente (gnê- vontade intimamente"; portanto angus-
sios, lit., nascido do matrimônio; por- tiado, fora de si. Foi usado, por exemplo,
tanto, "como um irma-o") preocupado para descrever a profunda consternação
pelo bem-estar deles. 21. Paulo se sen- do Getsêmane (Me. 14: 33). 27. O após-
tia mais ou menos como o "abandonado" tolo afirma a seriedade da crise. A con-
Elias. 22. O caráter provado de Timó- dição de Epafrodito fora muito séria
teo idokimê, "aprovação obtida por meio (tomando paraplesion, mortalmente,
de teste") era bem conhecida dos filí- como advérbio). Mas Deus tivera mise-
penses, porque eles já o tinham observado ricórdia de ambos. Epafrodito se recu-
(Atos 16) quando serviu a Paulo como perou, e esta aflição não fora acres-
'Filho ao pai, no (interesse do) evangelho. centada às outras preocupações de
23. É o próprio Timóteo (observe Paulo. Tristeza sobre tristeza signi-
a posição enfática de touton) que Paulo fica "onda sobre onda de circunstân-
esperava (seus planos ainda estavam um cias angustiantes". 28. Vos alegreis
tanto indefinidos) enviar tão logo tives- ... novamente. Lightfoot (pág. 124)
se uma perspectiva definida (aforaô, traduz, possa recuperar vossa alegria.
"ver", significa lit. olhar de) do resul- O alívio da ansiedade deles diminuiria
tado de sua prisão. 24. Entretanto, a de Paulo. Assim, ele enviou Epafro-
ele estava persuadido que logo (takeôs dito de volta mais depressa (ou spou-
é um termo razoavelmente flexível) daiateros pode indicar "com grande
ele, também, iria ter com eles. No ansiedade") do que deveria tê-lo feito.
Senhor. Todos os planos de Paulo 29. Alguns comentadores vêem uma
estavam condicionados por esse rela- nota de apreensão na "carta de recomen-
cionamento com Cristo. dação" de Paulo. Não haveria em Fili-

-194 -
I I II 'I I j
FILIPENSES 2: 29-30 - 3: 1-3

pos aqueles que julgariam que, tendo ou à correspondência anterior da qual


retornado prematuramente, Epafrodito não temos nenhuma informação. A
teria desertado de suas obrigações? En- teoria de que uma tal carta tenha sido
tretanto, o versículo não precisa ser encaixada no texto, explicando a mu-
tomado como um apelo. Moule su- dança abrupta no estilo e assunto em
gere, "Aceitem-no como presente meu 3: 2 (ou 3: 1b?), não é de modo ne-
para vocês" (pág.54). 30. Ele era digno nhum necessária para explicar o que não
de honra porque. no cumprimento de passa de apenas uma "divagação curiosa"
suas obrigações, quase morreu. Às por- (plummer, pág.66. Cons. "Lost Epis-
tas da morte reflete uma atitude igual tles to the Philippians", Lightfoot, pág.
a de Cristo (cons. mesma frase em 2: 8). 138-142; Vincent, xxxi f.)
E isso aconteceu a fim de completar a 2. A advertência não é contra três
tarefa que eles lhe ímpuzeram de servir tipos de pessoas (por exemplo, pagãos,
a Paulo. O contexto mostra que a con- mestres cristãos egoístas e judeus), mas
dição crítica de Epafrodito foi devida contra um tipo visto sob três ângulos:
a esforço excessivo, mais do que à per- seu caráter (cães), conduta (maus obrei-
seguição ou aos riscos da viagem. Se ros) e credo (circuncisão. Cons. Ro-
dispôs a dar a. própria vida. De para- bertson em Abingdon Bible Commentary,
bolos, "ousado, arrojado". Em Ale- pág. 1246). De acordo com a lei mo-
xandria surgiu uma associação de ho- saica o cão era um animal impuro
mens conhecidos como os Parabolani. (Dt. 23: 18). Nas cidades orientais ele
Entre as arrojadas obrigações desse era um animal necrófago e geralmente
"esquadrão suicida" estava incluido o doente - "uma criatura desprezada,
cuidado dos doentes durante as epi- descarada e miserável" (SBK, I, 722).
demias. Paulo inverte este termo de desrespei-
to que há muito era aplicado pelos
judeus aos gentios (cons. Mt. 15: 27)
XI. Uma Conclusão Interrompida. 3:
e diz que são os cristãos que se delei-
1-11.
tam junto à mesa do banquete espiri-
Quando Paulo começa a concluir tual, enquanto os judeus são aqueles
sua carta, alguma interrupção quebrou que comem as "sobras das ordenanças
o fio de seus pensamentos. Quando carnais" (Lightfoot). Os cães são ou
ele retoma aditar, divaga advertindo os os judaizantes extremistas ou os ju-
filipenses contra os judaizantes e contra deus que se opunham ao evangelho (a
o antinominianismo autocomplacente. linha demarcatória é bastante estrei-
À altura do 4: 4 (ou 4: 8) ele já retoma ta). Com um amargo jogo de palavras,
ao seu tema original. Paulo os chama de falsa circuncisão
1. Quanto ao mais (finalmente). W. S. (katatome) em lugar de circuncisão
Tindal é citado dizendo que Paulo é "o (peritome). Eles são "aqueles que mu-
pai de todos os pregadores que usam tilam a carne". O verbo foi usado na
'finalmente, meus irmãos' como indi- LXX referindo-se às mutilações proi-
cação de que recuperaram o seu fôlego" bidas pela lei mosaica.
(Herklotz, op. cit., pág.16). As mes- 3. Não eles, mas nós é que somos a
mas cousas. Aquelas verdades centrais circuncisão verdadeira. O novo Israel
da vida e doutrina às quais Paulo faz é composto, primeiro, daqueles que
repetidas referências. No presente con- adoram a Deus no espírito. Que a igre-
texto podem se referir ao seu ministério ja primitiva fazia essa asserção está cer-
doutrinário enquanto estivera com eles tamente implícito no versículo. Nova-

-195 -
FILIPENSES 3: 3-11

mente, o verdadeiro Israel se compõe pedirnento - porque tinham de ser es-


daqueles que se gloriam em Cristo Je- quecidos. 8. Aqui o escritor expande
sus. Gloriar-se é uma expressão favo- o pensamento precedente e o protege
rita de Paulo. Ele a usa trinta vezes da má interpretação. Ele diz que con-
em suas epístolas, embora apareça ape- sidera (o tempo presente indica que o
nas duas vezes em outros lugares do v. 7 não foi um ato isolado e impul-
. N.T. Aqui o significado é "gloriar-se" sivo do passado) todas as cousas (não
ou "exultar". Terceiro, o novo Israel apenas as suas antigas razões de con-
é composto daqueles que não confiam fiança) como perda em comparação com
na carne, isto é, nos privilégios exter- o valor extraordinário do "conheci-
nos. mento experimental de Deus" (o pen-
4. O escritor, por um momento, samento chave dos vs.8-l1). Além de
coloca-se no mesmo terreno dos seus considerá-las como perda, foram na
adversários para mostrar que mesmo realidade rejeitadas. A E.R.C. consi-
de acordo com os padrões deles, ele dera skybalon como aquilo que é re-
tinha mais direito de confiar na carne jeitado pelo corpo, isto é, esterco. Light-
(tomando pepoithesis objetivamente). 5. foot favorece uma derivação de es kunas,
Paulo apresenta suas credenciais. Cir- "aquilo que se joga aos cães", refugo
cuncidado ao oitavo dia. Era um ver- (E.R.A.). A motivação sem preceden-
dadeiro israelita desde o nascimento tes dessa reviravolta foi ganhar a Cristo.
(os ismaelitas, cujo sangue judeu foi 9. Paulo desprezava todas as aquisi-
misturado com o egípcio, não eram ções pessoais para poder ser encontrado
circuncidados a não ser quando com- em Cristo. As cláusulas paralelas con-
pletavam 13 anos). Ele não era prosé- trastam a justiça das obras, que se baseia
lito, mas da linhagem de Israel. Na ver- na lei, com a justiça da fé, que é con-
dade, pertencia a honorável tribo de cedida por Deus. Aqui está a mais con-
Benjamim, que deu a Israel o seu pri- cisa das declarações de Paulo sobre a
meiro rei. Em contraste com os ju- justificação pela fé. 10. A apaixonada
deus que falavam o grego (helenistas), expressão dos mais profundos anseios
ele vinha de uma família que retivera de Paulo. O conhecer é experimentar o
os costumes hebreus e falava o hebreu poder que flui da união com o Cristo
(ou aramaico). Além desses privilé- ressurreto e penetrar na comunhão de
gios herdados, havia questões que envol- seus sofrimentos (todas as dificuldades
viam escolha pessoal. No seu relaciona- a serem enfrentadas por causa de Cristo;
mento com a Lei ele era fariseu - um cons. Atos 9: 16). Que estes são dois
"apaixonado adepto da mais estrita aspectos da mesma experiência está
tradição religiosa entre os judeus" indicado pelo artigo singular no grego.
(Muller, pág. 110). 6. Quanto à jus- Conformando-me com ele (part. pre-
tiça que há na lei. "Justiça" que con- sente) na sua morte define melhor a
siste em obediência às ordens externas. experiência como a morte contínua do
Irrepreensível. Uma declaração notá- eu. 11. Para de algum modo. Uma ex-
vel quando se considera a minuciosa le- pressão de humildade, não de incerteza.
gislação farisaica.. A ressurreição dentre (ek, "fora de")
7. Seja qual for o lucro (plural) que os mortos é a ressurreição dos crentes,
Paulo possa ter tido (os privilégios men- não uma ressurreição geral.
cionados nos vs. 5, 6), ele os conside-
rava como perda (sing). Eles não ti- XII. A Reta da Chegada. 3: 12-16.
nham valor algum - eram até um im- Para não dar a impressão de que ele

-196 -
I I II
'I I !
FILIPENSES 3: 11·16

já tivesse chegado, Paulo indica cuidado- que apela para todas as forças que ainda
samente que ele ainda estava muito en- lhe restam e inclina-se na direção do al-
volvido na corrida da vida. Essa adver- vo (assim, nossa reta de chegada). 14.
tência contra a má intrepretação foi O alvo (skopos, de skopeo, "olhar fi-
causada pela influência dos perfeicio- xamente para"). Aquilo em que os
nistas complacentes que se propagava olhos estiveram fixos. Distração seria
grandemente na igreja. fatal. (Alguns sugerem que a metáfora
se refere a uma corrida de carros.) Se
12. Aquilo que Paulo não tinha ainda
a perfeição final é o alvo do corredor
recebido era a experiência do conhe-
(aquilo que evita que se desvie do seu
cimento final e completo do seu Senhor
curso), é também o seu prêmio. O
(vs. 8-11). Perfeição define melhor o
prêmio pertence àqueles que corres-
seu alvo. A perfeição aqui seria o pleno
pondem de todo o coração à soberana
conhecimento e a conformidade per-
vocação de Deus (afastando-se do ego
feita. O versículo l2b pode ser assim
na direção de novas alturas de realiza-
parafraseado, "mas eu prossigo esforça-
ções espirituais) em Cristo Jesus.
damente para ver se de algum modo
15. Sermos perfeitos. Sermos ama-
poderei conquistar e tomar a posse (ka-
durecidos. Nas religiões pagãs indica-
talambano é usado nos papiros tratan-
va aqueles que estavam de posse dos mis-
do-se de colonizadores tomando posse
térios opondo-se aos noviços. Não há
de terras) daquilo para o que fui con-
aqui nenhuma indicação de "ironia
quistado (o mesmo verbo acima) por
reprovada" (de acordo com Lightfoot).
Cristo Jesus na estrada de Damasco".
Tenhamos este sentimento. Tenhamos
Deus tinha um propósito na conversão
esta atitude básica de disposição, isto é,
de Paulo, e Paulo desejava intensamente
os sucessos do passado não devem remo-
que esse propósito pudesse ser inteira-
ver a necessidade de lutas futuras. Se
mente realizado em sua experiência.
porventura pensais doutro modo, Paulo
Muitos comentadores consideram eph 'ho
acrescenta a título de encorajamento.
como significando "porque", o que
"Se vocês não se sentem suficiente-
acentuaria então o motivo (não o alvo)
mente convencidos que este ponto de
do esforço de Paulo (cons. C.F.D. Moule,
vista deve ser aplicado a todos os setores
Idiom Book, pág. 132).
da vida, Deus há de revelar isto tam-
13. Os versículos 13, 14 alargam o bém". 16. Embora o significado pre-
pensamento de 3: 12. O estado do "não ciso deste versículo resumido seja duvi-
ainda" da perfeição cristã destrói a com- doso, a idéia geral é bastante clara: "Não
placência e exige uma busca esforçada. nos desviemos destes princípios gerais
Quanto a mim pode implicar em um que nos conduziram em segurança até
contraste com a auto-apreciação dos o presente estágio da maturidade cris-
outros. A metáfora é sobre uma corri- tã" . A condição para iluminação fu-
da. A expressão concisa, mas uma" cou- tura é andar de acordo com a presente
sa, expressa "singeleza de propósito luz.
e concentração de esforços" (Michael,
pág. 160). Esquecendo-me das cousas XIII. Uma Comunidade Cristã. 3: 17-
que para trás ficam. As realizações do 21.
passado de sua carreira cristã, que po- A presença daqueles cujo modo sen-
deriam provocar a auto-satisfação e uma sual de vida estava solapando a eficácia
redução no ritmo da marcha. Avançan- do Evangelho levou Paulo a exortar os
do descreve pitorescamente o corredor filipenses a imitá-lo e a outros que tam-

-197 -
FILIPENSES 3: 16-21 - 4: 1-3

bém viviam como cidadãos do céu. a metáfora precedente e reflete a atitude


17. Deviam se juntar uns aos outros da igreja primitiva para com a volta de
na imitação de Paulo e os outros que, Cristo.
depois de acurado exame (skopeo; 21. Quando Cristo aparecer, ele trans-
veja v. 14), provassem estar vivendo no formará (metaskematizo) nosso corpo
mesmo nível elevado. Typos (modelo) de humilhação, o corpo que agora re-
era originalmente o sinal deixado por veste nosso humilde estado de existên-
um golpe, depois veio significar "pa- cia mortal. Para ser igual (symmorfon;
drão" ou "molde". 18. Estes aqui em relação a skêma e morfê, cons. 2:
descritos não são os judaizantes (v. 2 6) ao corpo da sua glória, o corpo
e segs.), nem pagãos (isto teria provo- no qual Cristo está revestido em Seu
cado uma reação diferente do que o estado glorificado. Esta transformação
termo chorando expressa), mas liber- exige um ato de poder sobrenatural,
tinos antinominianos que de certo aquele mesmo poder necessário ao
modo estavam ligados à igreja. Eles domínio universal. Energia gr. (eficácia
interpretavam mal a liberdade cristã, de poder) só é usada por Paulo e quase
considerando-a liberdade de toda res- sempre indica Deus em ação.
trição moral. Eles são (não "vivem
como") inimigos da cruz. Eles esta- XlV. Conselho Apostólico. 4: 1-9.
vam em inimizade com tudo o que a
cruz representa. 19. O destino deles O apóstolo adverte duas mulheres
é a perdição, a antítese da salvação. a que se reconciliem, mostra que a ora-
Seu deus, o objeto supremo de sua ção é a cura para a ansiedade, e insiste
preocupação, era o ventre. A referên- em que haja um ambiente mais nobre
cia não foi feita apenas à glutonaria, mas para a vida e a mente.
a toda indulgência sensual. Sua suposta 1. Portanto. À vista de sua cidadania
liberdade era realmente escravidão à ver- celeste e das gloriosas transformações
gonhosa concupiscência, e eles se seno envolvidas. A exortação, permanecei,
tiam dispostos a debater estes assun- deste modo firmes, tanto é uma conclu-
tos sórdidos e terrenos. são ao capítulo 3 quanto uma intro-
20. Em contraste com estes licen- dução ao que se segue. Observe os seis
ciosos e devassos, os cristãos amadure- termos de afeto neste único versículo.
cidos viviam como uma colônia de ci- Stefanos, coroa, era uma grinalda con-
dadãos celestiais cuja habitação tempo- ferida ao atleta vencedor. Era também
rária era a terra. Enquanto politeuma usada com referência à grinalda colo-
(a única ocorrência no N.T.) pode indi- cada sobre a cabeça dos convidados
car o padrão de vida seguido por um em um banquete. Portanto significava
cidadão, aqui ele significa o estado ao triunfo e também festividade.
qual o cidadão pertence (pátria). Os 2. Evódia e Síntique eram duas mu-
cidadãos romanos vivendo na colônia lheres de destaque na igreja de Filipos
de Filipos logo perceberiam o que o após- que tinham uma desavença. O rogo
tolo queria dizer. Apekdekometha tra- repetido indica a imparcialidade de
duzido para aguardamos (E.R.A.) e es- Paulo. Pensem concordemente no Se-
peramos (E.R.C.) indica uma especta- nhor. Harmonia de pensamento e dispo-
tiva ansiosa. Inscrições mostram que sição cultivada (cons. 2: 2). 3. Para
soter, salvador, era largamente usado ajudar a efetuar a reconciliação Paulo
no mundo greco-romano para designar apela para Syzygos, o qual, de confor-
reis e imperadores. Aqui ele amplia midade com o seu nome, era um fiel

-198 -

I I il I
'I I I
FILIPENSES 4: 3-9

companheiro. Syzygos é melhor com- todo o entendimento, costuma ser to-


preendido se aceito como nome próprio mada como indicação da completa
recebido por algum convertido no ba- incapacidade da mente do homem de
tismo. Se é apenas um epíteto, as con- esquadrinhar a paz de Deus. Mais pro-
jecturas sobre a quem se refere, vão des- vavelmente significa que a paz de Deus
de Silas até a esposa de Paulo - Lídia? ultrapassa todo nosso cuidadoso pla-
Synethlesan. Se esforçaram comigo nejamento e idéias inteligentes sobre
(lutaram lado a lado) é uma metáfora como poderemos acabar com as nossas
extraída da arena (cons. 1: 27). A men- próprias ansiedades. Guardará. Frou-
ção de Gemente pode ser acrescentada reo, "guardar", é um termo militar
para recordar uma determinada ocasião. significando "montar guarda ou defen-
A referência ao livro da vida, no qual der" . Com uma metáfora extraordiná-
estão anotados os nomes dos membros ria Paulo aqui descreve a paz de Deus
da comunidade celeste, dá a idéia de como uma sentinela montando guarda
que Clemente e os outros deram suas à cidadela da vida interior do homem -
vidas nessa ocasião. mente, vontade e afetos.
4. Kairete era expressão comum de 8. Neste "parágrafo da saúde men-
adeus. A adição de sempre indica que tal" (Simcox) Paulo apresenta uma
Paulo tinha em mente seu significado lista de virtudes que poderiam muito
mais profundo, alegrai-vos. A repetição bem ter saído da pena de um mora-
sugere que as condições em Filipos eram lista grego. Duas das oito não apflre-
tais que faziam essa exortação parecer cem em nenhum outro lugar do N.T.,
irracional. Os cristãos podem receber e de todas as cartas de Paulo uma só
a ordem de se regozijarem, porque a ocorre aqui. Verdadeiro. Pertencente
base do seu regozijo não está nas cir- à natureza da realidade. Respeitável.
cunstâncias mas no Senhor. 5. O termo Digno de respeito, augusto. Justo. De
mais ou menos evasivo, epieikes, mode- acordo com o mais elevado conceito do
ração, (E.R.C., eqüidade), indica pronti- que é certo (Michael). Puro. Não mis-
dão em dar ouvidos à razão, uma doei- turado com elementos que possam re-
lidade que não revida. O motivo para baixar a alma. Amável. Aquilo que ins-
esta "doce moderação" é a iminente pira amor. De boa fama. Melhor do que
volta de Cristo. Perto está o Senhor. esta tradução, mais ou menos fraca,
A palavra de alerta da igreja primitiva é aquilo que tem boa repercussão (Mí-
(cons. o aramaico equivalente, maran chael). Se algum louvor existe. Light-
atha, em I Co. 16: 22). foot parafraseia, "Seja qual for a avalia-
6. A hostilidade do paganismo (cons. ção existente em seu antigo conceito
1: 28) poderia produzir ansiedade. Esta pagão de virtude" (pág.162), para
devia ser dispersada pela oração. "Ter destacar a preocupação de Paulo em não
cuidado é uma virtude, mas fomentar omitir qualquer possível fonte de atração.
os cuidados é pecado". (Muller, op. Deviam se ocupar (logizomai) com estas
cit., pág.141). Em tudo. Qualquer virtudes da moralidade pagã. 9. Em adita-
coisa que cause ansiedade se não orar- mento deviam continuar praticando (pra-
mos a respeito. Com ações de graça. ticai; o imperativo prassete está no
Gratidão pelo que Deus já fez é o espí- tempo presente) tudo aquilo que per-
rito próprio para se fazer novos pedidos. tencia à ética e moral notadamente
7. A paz de Deus é a tranqüilidade cristãs conforme aprenderam com a vida
de espírito que Deus aprova e que só e doutrina do apóstolo. Não apenas a
Ele pode conceder. A frase, que execede "paz de Deus " (v. 7) mas também o

-199 -
FILIPENSES 4: 9-19

Deus da paz estaria com eles. estóicos está em que eles se conside-
ravam auto-suficientes, enquanto a su-
XV. Apreciação pelo Presente. 4: 10- ficiência de Paulo estava em Outro -
20. Aquele que o fortalecia.
Emprestando a expressão de Paulo, 14. Não obstante, quando os fili-
agora, uma vez mais, ele lhes agradece penses se uniram para ajudá-lo em suas
formalmente o presente. Embora não dificuldades, fizeram algo nobre (kalos;
dependesse da oferta, e nem mesmo a ho kalos é o renomado conceito grego
procurasse, ele se alegra com tal sacri- de "beleza").
fício que agrada a Deus e beneficia quem 15. No início do evangelho. Quando
recebeu. o Evangelho foi proclamado pela pri-
10. Se Filipenses fosse realmente uma meira vez na Macedônia. Quando parti
carta de agradecimentos, as palavras provavelmente se refere à oferta feita
de apreciação deveriam ter vindo mui- por ocasião da partida (cons. Atos 17:
to antes. O fato de aparecerem quase 14), e não posteriormente (cons. 11 Co.
como um pós-escrito, empresta plau- 11: 9). A dar e receber. A primeira
sibilidade à conjetura de Michael que das diversas alusões feitas a transações
diz que Paulo já tinha feito seus agra- financeiras. Talvez fosse um gentil lem-
decimentos e agora estava apenas escla- brete de que o pagamento em troca de
recendo algumas declarações, que eviden- bens espirituais não era de todo des-
temente causaram ressentimentos (pág. cabido (cons. I Co. 9: 11). 16. Quase
xxi f; pág. 209 e segs.). Anathalo, "tor- imediatamente após a partida dele (es-
nar a brotar novamente", descreve uma tando ainda em Tessalônica; cons. Atos
árvore cheia de brotos na primavera. 17), não somente uma vez, mas duas
Alguns, para fugir ao que parece ser o ajudaram.
uma branda reprimenda, entendem reno- 17. Novamente ele demonstra ansie-
vastes como indicando a recuperação dade em não deixar a impressão de que
de um período de terrível pobreza. cobiçava a ajuda financeira deles. O que
A falta de oportunidade poderia então realmente desejava era "os lucros que
ser uma falta de meios. Entretanto, se acumulariam desse modo ao seu
provavelmente significa que não havia (deles) crédito divino" (Moffatt). Ou,
ninguém disponível para a viagem. menos tecnicamente, o fruto pode ser
11. Paulo rapidamente corrige qual- essa "maior capacidade de simpatia hu-
quer falsa impressão de que ele esteja mana" (Scott em IB, XI, 126) que é o
se queixando de necessidade. Autar- resultado inevitável da vida sacrificial.
kes. Contente. Melhor, ter sustento 18. Apeko. Possivelmente, "plenamen-
próprio. Termo favorito dos estóicos te liquidado" (assim usado nos papiros,
que imaginavam o homem possuidor MM, pág. 57), ou "eu tenho tudo o que
de intrínseca capacidade de resistir a poderia desejar" - na realidade, ele con-
todas as pressões externas. 12. De tudo tinua, mais do que o necessário. Osme
e em todas as circunstâncias (não impor- euodias, aroma suave, foi freqüente-
ta quão desesperadoras as circunstân- mente usado na LXX com referência
cias poderiam ser, ou quão grande a so- às ofertas agradáveis a Deus (cons. Gn.
ma delas todas) Paulo já tinha experiên- 8: 21).
cia (um termo técnico nas religiões pa- 19. Assim como vocês atenderam às
gãs) no segredo de enfrentar a ambas, minhas necessidades, Deus ... há de su-
a falta de recursos e a abundância. 13. prir ... cada uma de vossas. Um arranjo
A profunda diferença entre Paulo e os "toma-lá-dá-cá" que oferece pouco con-

-200-

I I II I
'I I I
FILIPENSES4: 19-23

forto aos cristãos "pão-duros". Em gló- Cristianismo é essencialmente um negó-


ria. Tanto "de maneira gloriosa", quanto cio comunitário. Aqueles a quem Paulo
escatologicamente, "no glorioso século ordena que transmitam as saudações
futuro". Segundo a sua riqueza. Em são provavelmente os anciãos da igreja,
escala proporcional a sua riqueza. Em que leriam a carta em voz alta à congre-
Cristo Jesus. Em união com Aquele gação.
que é o mediador das bênçãos de Deus 22. Os companheiros pessoais de Pau-
ao homem. 20. A nosso Deus e Pai. lo (irmãos, v.21) e toda a igreja (todos
Melhor, a Deus, que também é nosso os santos) enviam suas saudações. Os da
Pai! É o pensamento do cuidado pa- casa de César. Não (como se pensava
terno de Deus que dá origem à doxolo- antigamente) a família imperial, mas
gia. Para todo o sempre (E.R.C.). Lite- todos aqueles que estavam empregados
ralmente, pelos séculos dos séculos a serviço do governo. Como estes não
(E.R.A.) - uma intenninável sucessão se limitavam aos habitantes de Roma,
de períodos indefinidos. a expressão não defende uma origem
romana para a epístola. Synge perce-
XVI. Saudações e Bênção. 4: 21-25. be um toque de humor: o eufemismo
21. Provavelmentefoi acrescentado de inglês usado em relação a um prisionei-
próprio punho por Paulo mesmo (cons. ro é "hóspede de sua majestade" (Torch
G1.6:11). Santo (s). Só aqui no N.T. Series, pág. 49).
a palavra hagios aparece no singular 23. A graça ... seja com o vosso espí-
(cinqüenta e sete vezes no plural), e mes- rito. (Observe o singular). Mesmo na
mo aqui está prefaciada por todo (s) bênção, o tema central da harmonia
(cada santo) - um forte lembrete que o reaparece.

-201-
A EPISTOLA AOS COLOSSENSES

INTRODUÇÃO

A Ocasião. No século primeiro, Co- básicos já eram conhecidos no século


lossos, um antigo mas decadente centro primeiro, não apenas na igreja cristã
comercial a aproximadamente cem mi- mas também no Judaísmo da Diáspora
lhas à leste de Éfeso, estava localizada (cons. R.McL. Wilson, The Gnostic Prob-
na rota das caravanas que passava pelo lem; C. H. Dodd, The Interpretation
Vale Licus, perto das cidades de Lao- of the Fourth Cospel, pág. 97 e segs.;
dicéia e Hierápolis (cons. C1. 4: 13). Em- Rudolf Bultmann, "Gnosis", Bible Key-
bora uma evangelização anterior (pelos words, 11). Esse Gnosticismo incipiente
cristãos gálatas?) não possa ser excluí- foi mais uma atitude religiosa-filosófica
da, os colossenses devem ter ouvido a e mais uma tendência que um sistema,
mensagem cristã pela primeira vez du- que podia se adaptar aos grupos judeu,
rante o ministério de Paulo em Éfeso cristão ou pagão, conforme a ocasião.
(cerca de 53-56 D. C.; cons. Atos 19: Não obstante, certas idéias parecem
10). constituir a característica geral da mente
Paulo possivelmente passou por Colos- gnóstica: dualismo metafísico, seres me-
sos a caminho de Éfeso, mas não conhe- diadores, redenção mediante o conhe-
cia pessoalmente os cristãos de lá (cons. cimento ou gnosis. Todas as religiões,
C1. 2: 1). Seu cooperador Epafras, que defendiam os gnósticos, que são mani-
servia nessa igreja, visitou o apóstolo festações de uma verdade oculta, bus-
e falou-lhe do progresso dos crentes e cam dar ao homem o conhecimento da
da doutrina errada que os subvertia. verdade. Este conhecimento ou gnosis
Os judeus residiam nesta província não é a compreensão intelectual mas a
da Frígia já por dois séculos (Josefos iluminação que deriva da experiência
Antiquities 12. 147). Evidentemente mística. Estando o homem preso neste
sendo pouco ortodoxos, receberam este mundo da matéria má, só pode se apro-
comentário no Talmude: "O vinho e os ximar de Deus através de seres angélicos
banhos da Frígia separaram as dez tribos mediadores. Com a ajuda desses pode-
dos seus irmãos" (Shabbath, 147b). A res e através de interpretações alegóri-
acomodação às práticas gentias deixou cas e místicas das Escrituras Sagradas,
sua marca nos judeus que abraçaram o a iluminação espiritual pode ser alcan-
cristianismo. Na província limítrofe çada e a redenção do mundo do pecado
da Galácia, a fé nascente foi ameaçada e da matéria podem ser garantidas.
pelo legalismo, uma heresia judaizante; Naturalmente e talvez inevitavelmente
aqui, como em Éfeso (cons. Atos 19: alguns na igreja primitiva buscaram en-
14,18), o perigo jazia no sincretismo riquecer ou acomodar sua fé às idéias
religioso judio-helenístico. Para resol- religiosas correntes; convertidos com
ver o primeiro caso Paulo escreveu an- uma percepção imperfeita do Cristia-
teriormente aos gálatas; para enfrentar nismo poderiam inconscientemente fun-
o igualmente grave perigo em Colos- dir suas crenças anteriores com concei-
sos ele escreveu a presente carta. tos cristãos. Essa poderia muito bem
A Heresia em Colossos. Na igreja ter sido a origem da influência gnóstica
do segundo século apareceu um movi- que apareceu em algumas das igrejas
mento herético conhecido como Gnos- paulinas. Em Corinto, por exemplo,
ticismo. Alguns dos seus princípios o desejo da sabedoria especulatíva (I Co.

- 202-
II i
'I I I
1: 7 e segs.) e o desprezo do corpo (que so (cerca de 55-56 A.D.) oferece uma
se refletia na negação da ressurreição, ocasião muito mais provável para as
no ascetismo e na licença sexual; cons. cartas. Cesaréia tem poucos defenso-
I Co. 15: 5, 7), representam uma atitude res hoje em dia, mas a teoria da prisão
gnóstica. em Éfeso tem atraído atenção consi-
A heresia colossense combinou ele- derável. Mais recentemente, G. S. Dun-
mentos judeus e helenistas. Observân- can (8t. Paul's Ephesian Ministry) tem
cias dietéticas e a guarda do sábado, o argumentado o seguinte: 1) Segunda
rito da circuncisão, e provavelmente Coríntios (6: 5; 11: 23), escrita no fím
a função mediatória dos anjos são re- do ministério efésio, indica que Paulo
miniscências da prática e crença judias esteve na prisão mais vezes do que o
(Cl.2:11,16,18); a ênfase dada à "sa- mencionado em Atos; se I Co. 15: 32 for
bedoria" e "conhecimento", o pleroma interpretado literalmente, o que parece
dos poderes cósmicos, e o aviltamento razoável, pelo menos uma dessas pri-
do corpo refletem a filosofia grega sões aconteceu em Éfeso. 2) A visita
(2: 3, 8: 23). Alguns convertidos ju- de Epafras (Cl. 1: 7; 4: 12) e a presen-
deus provavelmente trouxeram esta mis- ça de Onésimo, o escravo fugitivo, en-
tura de um Judaísmo heterodoxo e o caixa-se melhor no cenário efésio do
desenvolveram mais depois que se tor- que na distante Roma. 3) Paulo pla-
naram cristãos. neja uma visita ao Vale Licus depois
Com uma estratégia já usada, Paulo de sua libertação (Filemom 22), mas
usa a terminologia dos enganadores de acordo com a tradição, Paulo seguiu
para atacar seus ensinamentos e, no pro- na direção oeste, para a Espanha, depois
cesso, desenvolve a doutrina do "Cristo da prisão romana (cons. Rm.15: 24).
cósmico". Em Cristo, o único mediador, Os argumentos de Duncan têm sido mais
habita toda a sabedoria e conhecimento; persuasivos na questão de Filipenses, mas
na Sua morte e ressurreição todos os a questão permanece em aberto também
poderes do cosmos são derrotados e por para as outras Epístolas da Prisão. Aque-
Ele subjugados (2: 3, 9,10,15). Qual- les que continuam a favor da origem
quer ensinamento que se desvia da cen- romana consideram inconc1usivos os ar-
tralidade de Cristo sob a pretensão de gumentos a favor das outras cidades
levar os homens à maturidade e perfei- mencionadas acima, e apontam para o
ção é uma perversão que ameaça a pró- peso da antiga tradição e para uma teo-
pria essência da fé. Assim o apóstolo logia mais desenvolvida (especialmente)
identifica e denúncia a raiz do erro em em Colossenses e Efésios. Poderia ter
Colossos. sido apresentada em data tão precoce
Origem e Data. Colossenses, tal como como a do ministério efésio?
Efésios, Filipenses e Filemom, foi escri- Autoria. A autoria paulina continua
ta na prisão e foi entregue por Tíquico sendo negada em alguns grupos, mas a
e Onésimo (4: 3, 7·9; Filemom 12; opinião da maioria vai na outra direção.
Ef. 6: 12) junto com a epístola a Fi- Uns poucos estudiosos, influenciados
lemom e (possivelmente) Efésios, A tra- pelo fato de que um quarto de Colos-
dição fixa a sua origem em Roma du- senses se encontra em Efésios, têm con-
rante a prisão de Atos 28 (cerca de 61- siderado a primeira como uma versão
63 A.D.). Embora esse ponto de vista ampliada da genuína correspondência
permaneça predominante, um grupo paulina. A relação entre as duas cartas,
sugere que uma prisão anterior em Ce- entretanto, explica-se adequada e fa-
saréia (cerca de 58-60 A.D.) ou em Efé- cilmente pela - consciente ou iconscien-

-203 -
te - operação da mente do próprio Importante nesse sentido é o con-
apóstolo ao escrever sobre temas simi- ceito do "Corpo de Cristo", com o
lares. qual os colossenses sem dúvida esta-
As principais objeções à autoria pau- vam familiarizados (l: 18, 24; 2: 17;
lina têm sido estas: 1) O pensamento 3: 15). Esse relacionamento único e
e a ênfase da carta não se harmonizam misterioso, que exclui todos os outros,
com as de Romanos, Coríntios e Gá- torna anátema qualquer crença ou prá-
latas; 2) A heresia colossense não po- tica que descentraliza Jesus como Re-
deria ter-se desenvolvido tão rapida- dentor e Aperfeiçoador do Seu povo.
mente. É um erro, entretanto, acer- O "Corpo de Cristo" é um motivo pro-
car-se de Paulo como se a sua mente fundamente incrustado na subestrutura
estivesse em uma camisa de força; mu- da teologia do Novo Testamento. Al-
dança de circunstâncias oferecem uma guns têm buscado sua origem na filoso-
resposta satisfatória à mudança de tema fia de Paulo, mas provavelmente suas
e vocabulário. Investigações recentes raízes jazem nos ensinamentos do pró-
têm mostrado de maneira inteiramente prio Senhor (cons. Mc. 14: 58; Jo.2:
conclusiva que o Gnosticismo, pelo 19-22; E. E. Ellis, Paul's Use of the Old
menos na forma incipiente com que Testament, pág. 92). Membros de uma
apareceu em Colossenses, já era uma comunidade considerados como partes
poderosa força no primeiro século. A de um corpo era uma metáfora conhe-
voz unânime da tradição da igreja jun- cida pelo mundo grego. Entre os estói-
ta-se à maioria dos mestres modernos cos, por exemplo. O uso que Paulo faz
para afirmar a genuinidade da carta; da figura, entretanto, vai além da sim-
pode-se confiar consideravelmente neste ples metáfora e deve ser compreendida
veredito. na estrutura do conceito hebreu antigo
e realista da solidariedade comunitária
Temas e Desenvolvimento das Idéias. (veja R. P. Shedd, Man in Community).
A estrutura da epístola segue o padrão Em I Co. 12: 12-21 o "corpo" (de
familiar de Paulo, na qual uma seção Cristo) foi descrito incluindo a "cabeça".
doutrinária (o que crer) é seguida de Por isso um cristão pode ser descrito
uma exortação (como agir). Opondo-se como sendo um olho, ou um ouvido,
à falsa doutrina, Paulo enfatiza a natu- ou uma mão. Em Colossenses e Efé-
reza exaltada do senhorio de Jesus Cris- sios, onde Cristo foi descrito como a
to e sua significação para aqueles que "cabeça" do corpo, a imagem, a princí-
Lhe foram unidos. Como Senhor da pio, parece estar substancialmente alte-
criação, Jesus encorpora a plenitude da rada. Nesse caso, a imagem retórica
divindade; como cabeça da Igreja e multiforme é uma acomodação ao de-
reconciliado r do Seu povo, Ele é o sejo do apóstolo de enfatizar nessas
eficiente mediador que, na Sua pessoa, epístolas o relacionamento íntimo de
relaciona redentivamente o homem a Cristo com o Seu povo, e não simples-
Deus (C1. I: 15-22; 2: 9). Para esta- mente um desenvolvimento prolongado
belecer a suficiência exclusiva de Jesus de seu conceito primitivo. No complexo
como Senhor e Redentor (em oposição das imagens que Paulo usa, cada uma
à substituição dos gnósticos de disci- deve ser entendida dentro de sua pró-
plinas redentoras e um pleroma, ou ple- pria estrutura e "uma simples e global
nitude, de poderes mediadores), Paulo análise conceitual será tão útil para a
destaca ambos os aspectos do caráter interpretação das cartas do apóstolo
de Cristo. quanto um trator para a cultivação de

-204-
I I II ,
'I I I
um jardim de paisagem em miniatura" 14). O significado dessas duas diferen-
(A. Farrar, The Glass of Vision, pág. 45). tes perspectivas cronológicas, e sua
É provável, entretanto, que a Cabeça .conexão, é de importância central para
divina não seja de modo nenhum uma nossa compreensão do mundo dos pen-
imagem variante do "Corpo", mas antes samentos de Paulo (cons. E. E. Ellis,
uma imagem complementar. O con- Paul's and His Recent Interpreters, pág.
ceito de Cristo como a cabeça (kefale) 37-40). Voltanto atrás, podemos su-
da Igreja é análoga a de I Co. 11: 3: gerir que o conceito do "Corpo de
"Cristo é a cabeça de todo o varão". Cristo" fornece uma pista para o signi-
Mais especificamente: "Porque o marido ficado deles. Quando Paulo fala de
é a cabeça da mulher, como também cristãos que morreram e ressuscitaram
Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele para a nova vida, ele fala de uma reali-
próprio o salvador do corpo" (Ef. 5: 23). dade comunitária experimentada por
A imagem retórica da "cabeça", no que Jesus Cristo individualmente no ano
se refere a Cristo e à Igreja, deve ser 30 D. C., mas transmitida ao cristão
entendida em termos de analogia mari- comunitariamente pelo Espírito Santo
do-esposa. Ela expressa a união de que habita nele. Tendo sido incorpo-
Cristo com a Igreja, pois o marido e a rado ao corpo de Cristo e estando des-
esposa são "uma só carne". Mas, o que tinado a ser conformado individual-
é mais importante, apresenta a superio- mente à imagem de Cristo, o cristão
ridade de Cristo, Sua autoridade sobre, deve agora efetivar em sua vida indivi-
e a redenção do Seu corpo, a Igreja (cons. dual a vida "em Cristo" na qual foi in-
C1. 2: 10). A definição de Igreja como troduzido. Embora sabendo que o ego
extensão da Encarnação não reflete em sua mortalidade será "revestido de
suficientemente este aspecto da figura imortalidade" só por ocasião da pa-
de retórica paulina. rousia, a volta do Senhor (I Co. 15:
Nas cartas de Paulo, o relaciona- 51-54), o ego em suas expressões ética
mento do cristão com a nova dispen- e psicológica começa a efetivar as rea-
sação é considerado um acontecimento lidades da nova geração na presente
passado e uma esperança futura. No vida: "Se morrestes com Cristo ... por
passado, os cristãos foram crucificados que ... vos sujeitais a ordenanças?" "Se
com Cristo, ressuscitados para uma fostes ressuscitados juntamente com
nova vida, transportados para o Seu Cristo, buscai as cousas lá do alto".
reino, glorificados, e feitos assentar "Uma vez que vos despistes do velho
com Ele nos céus (Ef. 2: 5-7; C1. 1: 13; homem ... e vos revestistes do novo .
2: 11-13; Rm.8:30). Paulo, entre- Revesti-vos, pois, ... de bondade "
tanto, ao se aproximar o fim de sua (C1.2:20; 3:1,9,10,12). O caráter
vida, expressou seu anseio "para o co- e a mente de Cristo e, na ressurreição,
nhecer e o poder da sua ressurreição, e na Sua vida imortal, devem ser compreen-
a comunhão dos seus sofrimentos; con- didos no Seu Corpo. Dentro desta
formando-me com ele na sua morte; estrutura a "exortação" de Paulo está
para de algum modo alcançar a ressur- intimamente relacionada com seus ensi-
reição dentre os mortos" (Fp. 3: 10- namentos teológicos.

ESBOÇO

I. Introdução. 1: 1,2.

- 205-
COWSSENSES 1: 1

11. A natureza do senhorio de Cristo. 1: 3 - 2: 7.


A. Ação de graças pela fé dos colossenses em Cristo. 1: 3-8.
B. Oração por seu crescimento em Cristo. 1: 9-14.
C. Cristo como Senhor. 1: 15-19.
1. Senhor da criação. 1: 15-17.
2. Senhor da nova criação. 1: 18, 19.
D. Cristo como o reconciliador divino. 1: 20-23.
1. Reconciliador de todas as coisas. 1: 20.
2. Reconciliador dos cristãos colossenses. 1: 21-23.
E. Paulo: ministro da reconciliação de Cristo. 1: 24-29.
1. Participante dos sofrimentos de Cristo. 1: 24.
2. Proclamador do mistério cristão. 1: 25-27.
3. Instrutor dos santos. 1:28,29.
F. A preocupação de Paulo pelos cristãos do Vale de Licus. 2: 1-7.
Ill. O Senhorio de Cristo e a falsa doutrina em Colossos. 2: 8 - 3: 4.
A. A suficiência exclusiva de Cristo. 2: 8-15.
1. Cristo: Senhor de todo o poder e autoridade. 2: 8-10.
2. Cristo: Fonte da nova vida do cristão. 2: 11-14.
3. Cristo: Vencedor de todos os poderes cósmicos. 2: 15.
B. As práticas dos colossenses negam o senhorio de Cristo. 2: 16-19.
1. Fixação nos rituais, um recuo para a velha dispensação. 2: 16, 17.
2. Subserviência aos poderes angélicos, um afastamento de Cristo. 2: 18,19.
C. A prática dos colossenses é uma contradição de sua vida comunitária em Cris-
to. 2:20-3:4.
1. Morte com Cristo significa morte aos regulamentos da velha dispensação.
2: 20-23.
2. Ressurreição com Cristo exige um mundo e uma perspectiva de vida de
acordo com a nova dispensação. 3: 1-4.
IV. O senhorio de Cristo na vida cristã. 3: 5 - 4: 6.
A. O imperativo cristão: Tornar verídico, individualmente, a realidade do estar
"em Cristo". 3: 5-17.
1. O caráter da velha dispensação deve ser abandonado. 3: 5-9.
2. O caráter da nova dispensação deve ser assimilado. 3: 10-17.
B. Preceitos especiais. 3: 18 - 4: 6.
1. O lar cristão. 3: 18 - 4: 1.
2. Oração. 4: 2-4.
3. Relacionamento com os não cristãos. 4: 5,6.
V. Conclusão. 4: 7-18.
A. Recomendações dos portadores da carta. 4: 7-9.
B. Saudações dos cooperadores de Paulo. 4: 10-14.
C. As saudações e bênçãos do apóstolo. 4: 15-18.

COMENTÁRIO

I. Introdução. 1: 1, 2. nicenses, Filemon - Paulo associa-se a


Timóteo em sua saudação aos colos-
1. Como em muitas outras cartas senses, mas reserva-se o título de após-
11 Coríntios, Filipenses, I e 11 Tessalo- tolo. Este termo transmite a idéia de

-206 -

II 'I I I
COWSSENSES 1: 1-8

missao, autorização e responsabilidade. Separis que, estando eu em perigo no


E o seu significado no N.T. provavel- mar, ele me salvou imediatamente ...
mente se deriva da palavra hebraica (Deíss, LAE, pág. 169).
sheilah, "enviar". (Veja J. B. Líghtfoot, Na abertura de suas cartas (exceto
St. Paul's Epistle to the Galatians, pág. Gálatas), quando Paulo dá graças, ele
92 e segs.; R. H. Rengsdorf, "Apos- segue este costume literário, mas signi-
tleship", Bible Keywords n, ed. J. R. ficativamente altera o seu conteúdo.
Coates.) O substantivo sheilah, um 3-6. Paulo dá graças pela tríade de
equivalente virtual da palavra "após- bênçãos existente entre os colossenses.
tolo" no N.T., não é pouco comum Sua fé em Cristo (e na "esfera cristã"),
nas obras rabínicas. Foi primeiramen- que ficou no passado, e seu amor para
te um termo jurídico, que significava com os homens, manifesto no presen-
representação autorizada. Conforme o te, tinham por fundamento a esperança
conceito moderno das procurações, o que seria efetivada no futuro. Por espe-
enviado é considerado equivalente ao rança, o próprio Cristo pode ser o indi-
próprio representado. Desrespeitar o cado (cons. 1: 27). Os três vão juntos:
embaixador do rei era desrespeitar o Se temos fé apenas nesta vida, somos
próprio rei (Il Sm. 10; cons. I Sm. 25: dignos de dó (I Co. 15: 19), mas se' a
5-10, 39-42). Embora o termo, após- nossa esperança reside nos céus, onde
tolo de Cristo Jesus, tenha outros usos a nova dispensação está atuando na
secundários (Fp. 2: 25; 11 Co. 8: 23), pessoa de Cristo, ela será manifesta em
parece aplicar-se em primeiro lugar àque- amor e frutificará no presente mundo
les diretamente comissionados como (cons, CI. 1: 13; 3: 14; Ef. 6: 12; Mc.
apóstolos pelo Senhor ressuscitado (cons. 4: 20).
ICo.9:1; 15:8-10). Assim Paulo 7. Só aqui Paulo chama um coope-
exercia a função de apóstolo por von- rador de conservo (gr. sundoulos) de
tade de Deus. Cristo; este também pode ser o signifi-
2. Todos os cristãos são santos em cado de prisioneiro comigo em 4: 10.
virtude do seu relacionamento com Deus Epafras ... fiel ministro ou diácono (dia-
em Cristo; o uso da designação para uma kanos) dos colossenses poderia ter sido
pessoa particularmente devota aconte- o organizador da igreja do Vale de Licus.
ceu mais tarde. Paulo usa a antiga sau- Sem dúvida o apóstolo ficara sabendo
dação hebraica, paz, mas altera o cos- por meio dele dos erros que ameaça-
tumeiro kaire grego, "salve", para karis, ram os cristãos de lá, como também do
graça, dando à frase um tom distinta- amor que tinham por Paulo no Espí-
mente cristão. rito. Esta última expressão provavel-
mente refere-se ao Espírito da nova
dispensação, embora, possa ser traduzi-
11. A Natureza do Senhorio de Cris-
da também amor espiritual e amor no
to. 1: 3 - 2: 7.
Espirito (cons. Rm. 8: 9; Ef. 1: 3).
A. Ação de Graças pela Fé dos Colos-
senses em Cristo. 1: 3-8. B. Oração pelo Seu Crescimento em
Uma antiga carta grega começa assim: Cristo. 1: 9-14.
Apion para Epimacho seu Pai e Se- As orações de Paulo, além de reve-
nhor, muitas saudações (kairein). Antes larem a fé do apóstolo, oferecem tam-
de mais nada rogo que estejas com saú- bém valiosas lições de tudo o que se
de, e que prosperes e que passes bem refere ao significado da oração cristã.
continuamente. . .. Agradeço ao Senhor Quando comparadas com o "Pai Nos-

-207-
COLOSSENSES 1: 8-14

so", elas oferecem um índice quanto com alegria. Este é o distintivo do cris-
ao modo como a instrução de Cristo, tão! O gozo que não estiver enraizado
"vós orareis assim" (Mt. 6: 9), foi apli- no solo do sofrimento é superficial (C. F.
cada na igreja primitiva. Depois da ação D. Moule, The Epistle of Paul the Apostle
de graças introdutória, Paulo começa to the Colossians and to Philemon).
uma oração que se funde em outra 12-14. O poder de Deus nos fez idô-
ação de graças, conforme a oração toma neos, isto é, qualificados para partici-
a forma de uma peã de louvor ao Cristo par, isto é, deu-nos o poder (M.M.) e
exaltado. tornou-nos dignos. Luz e trevas são ter-
9,10. Orar. Veja 4: 2. C. Masson mos teológicos comuns usados em muitas
(L' Epftre de Saint Paul aux Colossiens) religiões, e encontrados recentemente nos
sugere que pleno conhecimento (epig- Manuscritos do Mar Morto. Aqui parece
nosis) deveria ser compreendido como que Paulo está pondo em contraste o
"amadurecido quanto ao conhecimento". reino ou a esfera da nova dispensação
Aqui há provavelmente uin contraste - luz, com o do presente século, a es-
sutil com o conhecimento (gnosis) dos fera do mal ou a autoridade iexousia)
advogados gnósticos: Paulo não enfa- das trevas. Em outro lugar esta esfera
tiza nem um intelectualismo abstrato do mal foi igualada com o poder de
nem uma experiência oculta dos "po- Satanás (cons. 2: 15; Lc. 22: 53; Atos
deres", mas um conhecimento comple- 26: 18; Ef. 2: 2).
to (epignosis) da vontade de Deus de
acordo com a sabedoria (sofia; cons. Estes versículos, que situam uma
I Co. 1: 24-30) e percepção. Embora, libertação passada e a transferem para
usando estes termos, o apóstolo possa o reino de Cristo e apresentam a reden-
ter-se influenciado pelo vocabulário dos ção que os cristãos têm como possessão
seus oponentes, ele volta o significado presente, são os sinetes da "escatologia
das palavras contra os falsos mestres. compreendida", isto é, que a nova dis-
Ele ora para que os colossenses possam pensação chegou com a ressurreição
passar pela terapia psiquiátrica de Deus, de Cristo e que os cristãos entram nela
a qual transformaria seu mundo e vi- no momento da conversão. A relação
são da vida (cons. Rm.12: 1,2). Uma entre o reino realizado e o reino futuro
transformação mental é o requisito tem sido muito debatida e diversamen-
prévio e a base de uma renovação ética; te compreendida. São eles conceitos
em troca, conforme fossem frutifican- mutuamente exclusivos representando
do em toda boa obra, seu conhecimento estágios de desenvolvimento doutriná-
de Deus seria depois aumentado. rio nas mentes dos escritores do N.T.?
11. Para intensificar um conceito, Uma vez que todo ostratum da litera-
o apóstolo reitera: Fortalecidos ... po- tura do N.T. contém ambos os concei-
der ... força. O que opera no cristão tos, esta solução parece ser forçada.
não é nada menos que o poder do pró- Seria o presente aspecto do reino uma
prio Deus Todo-Poderoso, não para compreensão parcial da consumação
exaltar no presente, mas para dar perse- futura? Parece que Paulo considera
verança, fortitude e resistência. Os fi- os cristãos inteiramente dentro da es-
lósofos estóicos também estimavam es- fera da nova dispensação no seu estado
sas virtudes, mas, como o tradicional cooperativo em Cristo, o qual é trans-
índio "cara-de-pau", eles aceitavam com ferido para os indivíduos pelo Espírito
uma atitude de completa indiferença. Santo; a esfera do ser da nova dispen-
Paulo quer dizer esperança e sofrimento sação, entretanto, será inteiramente efeti-

-208-
I , ., I I I
COLOSSENSES 1: 14-19

vada no indivíduo somente por ocasiao encarnar-se como homem e na Sua hu-
da parousia, isto é, a volta de Cristo. manidade exibir a glória do Deus invi-
(Veja Introdução.) sível" (Bruce em The Epistles to the
Mais tarde, o Gnosticismo fez uma Ephesians and the Colossians por E. K.
distinção entre o perdão, como está- Simpson e F. F. Bruce). Primogênito
gio inicial, e a redenção, como a fuga (prototokos) foi interpretado pelos aria-
da alma para os reinos da imortalidade. nos como significando "o primeiro de
Aqui Paulo fala de redenção que efetua uma raça", isto é, Cristo era a primeira
o perdão dos pecados. (Veja Leon Mor- criatura. A palavra pode ter este signi-
ris, The Apostolic Preachingof the Ooss, ficado (cons. Rm. 8: 29); mas tal tra-
pág.43.) dução não é consistente com o tema
de Paulo, que aqui destaca a prioridade
C. Cristo como Senhor. 1: 15-19. messiânica e primazia de Cristo (cons.
O aspecto surpreendente das atribu- SI. 89: 27): Cristo é o "chefe" porque
lações nesta passagem é a sua aplicação nele - a esfera do Seu domínio ou tal-
a um jovem judeu que foi executado vez através de Sua instrumentalidade -
como criminoso apenas trinta anos antes. a ordem criada veio â vida (cons. Jo.
Jesus Cristo foi descrito em frases que 1: 3; Hb, 1: 2), e por meio dele ela
fazem lembrar a divina Sabedoria no existe. Sejam quais forem os poderes
V.T. (cons. Pv. 8: 22-30; SI. 33: 6), na que existem, nada têm a oferecer ou
literatura inter-Testamentária, e em pas- negar ao cristão; em Cristo ele tem
sagens semelhantes do N.T. (cons. Jo. todas as coisas (cons. Rm. 8: 38; Ef.
1:1; I Co. 1:30; Hb.l:lesegs.). 1: 10).
Aqui Jesus não só é o mediador da cria-
18. Os termos cabeça, princípio, pri-
ção mas também é o alvo de toda a or-
mogênito, expressam a preeminência de
dem criada. A majestade desse contras-
Cristo na nova criação, a qual nasceu
te completo foi percebido por alguém
na Sua ressurreição (I Co. 15: 22; Ap. 1:
que escreveu:
5; 3: 14). Embora a cabeça na quali-
Quem é Ele, naquela árvore,
dade de locus de controle do corpo não
Morrendo em tristeza e agonia?
fosse conceito desconhecido aos escri-
É o Senhor! Oh maravilhosa história!
tores médicos do primeiro século, o
É o Senhor, o Rei da glória!
significado que o V.T. dá a "chefe"
Aos Seus pés humildemente caimos;
ou "origem" é o sentido da palavra aqui.
Coroai-O! Coroai o Senhor de todos!
Como corpo de Cristo (não o "corpo
15-17. Imagem do Deus reflete a ti-
dos cristãos") a igreja não é meramente
pologia Adão-Cristo (cons. Gn. 1: 27;
uma "sociedade" mas está definida em
SI. 8; Hb. 2: 5-18), na qual Cristo é con-
termos de sua comunhão orgânica com
siderado o primeiro homem verdadeiro
Cristo (veja Introdução).
que cumpre o desígnio de Deus na cria-
ção. Assim, ser a imagem de Cristo é o al- 19. Assim como o presente cosmos
vo de todos os cristãos (cons. Rm. 8: 28; foi criado em e através de Cristo, assim
ICo.ll:7; 15:49; IICo.3:18; 4:4; também e a nova criação. Ambos in-
C1. 3: 10). O Filho divino, entretanto, cluem, na mente de Paulo, muito mais
é o arquitipo, a efluência da glória de que a humanidade (cons. Rm, 8: 22,
Deus e não, como os outros homens, 23). Mas a plenitude (pleroma) de tudo
Seu reflexo (Hb. 1: 3). Foi porque o habita em Cristo. Já se sugeriu que
homem é a "imagem do seu criador pleroma aqui significa, como no antigo
que foi possível para o Filho de Deus glossário gnóstico, a totalidade dos po-

-209-
COWSSENSES 1: 19-24

deres cósmicos que servem de media- 22,23. No corpo da sua carne e apre-
neiros para a redenção dos homens; sentar-vos tem conotações sacrificiais
todos esses, diz Paulo, em oposição (cons. Rm. 12: 1, 2) e acentua a iden-
ao ensino gnóstico, pertencem e resi- tidade do crente com Cristo na sua mor-
dem em Cristo. Diante do uso da pa- te. Se ... permaneceis. Eis aí a prova.
lavra grega na LXX e em outras cartas Paulo se- dirige aos seus interlocutores
de Paulo, entretanto, este significado chamando-os de cristãos mas sempre
técnico é pouco prováve1. A interpre- reconhece os fatores "existenciais" que
tação mais própria é a indicada em C1. impede qualquer complacência até mes-
2: 9, onde p/eroma só pode significar mo para si (cons. I Co. 9: 27; 11 Co.
a plenitude dos poderes e atributos de 13: 5). Para o apóstolo, a certeza sem-
Deus. Neste livro Cristo é considerado pre tem de estar no tempo presente.
o receptáculo e representante de tudo E, embora a eleição de Deus não seja
o que Deus é. Além disso, plenitude, vacilante, pode-se afirmar só em termos
como "imagem" (cons. 1: 15), em outra de profissão (cons. Rm. 10: 9), conduta
passagem é predicado dos cristãos à (cons. I Co. 6: 9) e o testemunho do
vista de seu final estado glorificado em Espírito (cons. Rm. 8: 9). A toda cria-
Cristo (Ef. 3: 19; 4: 12, 13; cons. Jo. tura (ktisis) pode ser uma referência,
17: 22,23). como o contexto admitiria, ao escopo
cósmico da proclamação (cons. 11 Pe.
D. Cristo como o Reconciliador de 3: 9). Se Paulo está aqui falando de
Deus. 1: 20-23. cidadania romana, pode-se-lhe permitir
20. Em Ef. 2: 14-18 Paulo vê a paz uma hipérbole inevitável em um evange-
efetivada pelo sacrifício do sangue lista "nato".
de Cristo, encampando e unificando
judeus e gregos. Aqui está se conside- E. Paulo: Ministro da Reconcilia-
rando em primeiro lugar a humanidade ção de Cristo. 1: 24-29.
e todas as cousas no cosmos (cons. Is. 24. Antes Paulo orou que os colos-
11: 6-9; Rm. 8: 19-23). O fato de que senses pudessem sofrer com alegria (1:
Deus por meio de Cristo reconciliou o 11); agora ele afirma que essa é a sua
universo foi equiparado por Orígenes própria experiência. O notável concei-
(falando sobre Jo. 1: 35) com a reden- to de que os padecimentos (pathema) ,
ção universa1. Não temos certeza (cons. sofridos em benefício dos colossenses,
Arndt) se o significado aqui é "reconci- completam o que falta nas aflições de
liou com Deus" ou (mais provavelmente) Cristo (th/ipsis), não se limita a esta
"reconciliou com Cristo", isto é, criou passagem (cons. 11 Co. 1:5-7; 4: 12;
uma unidade que tem o seu alvo em 13:4; Fp. 3: 10; I Pe. 4: 13; 5:9;
Cristo. Mas o ensino de Orígenes não Ap. 1: 9). Esta idéia deve ser compreen-
faz muita justiça ao ensino paulino dida do ponto de vista do conceito
(e do N.T. em geral) no que se refere hebreu da personalidade comunitária
ao juízo de Deus. Os colossenses foram ilustrada na pitoresca declaração de
reconciliados através da redenção, mas Jesus em relação a Sua igreja, "Por
C1. 2: 15 sugere que outros seres maus que me persegues?" (Atos 9: 4). E
e poderes são "reconciliados" por meio alguns interpretam C1. 1: 24 como signi-
da derrota e destruição (cons. I Co. 15: ficando que no propósito de Deus o
24-28). Para alguns a cruz é "um sal- Cristo comunitário, a comunidade mes-
vador da morte para morte" (11 Co. siânica, está destinado a sofrer uma quota
2: 16). das "dores de parto" na introdução da

-210 -

I I i I I 'I I I
COWSSENSES 1: 24-29 - 2: 1-7

dispensação messianica. Provavelmente 28,29. O "doutor das almas" tinha


mais central é a idéia de que a união um ministério que exercia advertindo
com Cristo envolve ipso facto união e ensinando, não-egocentralízado, mas
com os sofrimentos de Cristo: "Se com centralizado no paciente. O alvo de
ele sofrermos, para que também com Paulo era apresentar todo homem per-
ele sejamos glorificados" (Rm. 8: 17). feito (teleios) ou amadurecido em Cris-
A realidade da comunidade "em Cristo" to, sempre combatendo mas também
(Gl. 2: 20) tem de ser efetivada nos reconhecendo que o poder é dAquele
cristãos individualmente; assim Paulo que opera eficientemente em mim (Fp.
pode falar até mesmo de sua morte como 2: 12,13).
um sacrifício (Fp.2:17; IITm.4:6).
Deve-se notar, entretanto, que neste F. A Preocupação de Paulo pelos
contexto, como também em outras Cristãos do Vale de Licus. 2: 1-7.
passagens, que a exclusiva suficiência Como teleios acima, diversas pala-
redentora está em Cristo e na sua ex- vras aqui - mistério, sabedoria, conhe-
piação. Os cristãos participam dos so- cimento, cabeça (v. 10), preciosas aos
frimentos de Cristo porque foram redi- gnósticos, foram transformados em efi-
midos, não como complemento de sua cientes instrumentos da verdade cristã.
redenção. (Assim, na imitação de Cristo, Esta seção de transição vai de uma apre-
distintivo dos anabatistas, "a coroa de sentação do Senhorio de Cristo até um
espinhos está em cima da coroa de gló- ataque contra as insidiosas doutrinas
ria". Veja Robert Friedmann, "Con- que estavam pondo em perigo esse Se-
cepção dos Anabatistas", Church His- nhorio na igreja de Colossos.
tory, IX (1940), pág. 358; cons. Walther 1-3. A luta. A figura sugerida pelo
von Loewenich, Luthers Theologia Cru- grego foi extraída de uma competição
eis; Dietrich Bonhoeffer, The Cost of atlética. A palavra, primariamente, des-
Diseipleship; Elisabeth Elliot, Through creve, como o versículo acima, a guerra
Gates ofSplendor). espiritual do apóstolo em oração con-
25-27. A revelação ou tarefa dada tra os principados e potestades (cons.
a Paulo no plano redentor de Deus era, Ef. 6: 12). Paulo não ordena que desça
especificamente, tornar a salvação co- fogo do céu como juízo (Lc. 9: 54),
nhecida dos gentios. No mundo do mas, positivamente, orou para que os
primeiro século, mistério (mystérion) colossenses e laodicenses, que ao que
significa 1) uma coisa misteriosa, 2) um parece estavam ameaçados pela mesma
rito de iniciação a uma religião, 3) um heresia, fossem confortados (v. 2), isto
segredo apenas conhecido através de é, fortalecidos, pela exortação, pela
revelação divina (Dn. 2: 28-30, 47). O renovação ética (amor) e percepção
amplo uso que Paulo faz da palavra espiritual (compreenderem). A ortodo-
encaixa-se na última categoria (cons. xia sem o amor é estéril, e o amor sem
ICo.15:5l; Ef.5:32; IITs.2:7). a verdade "vira papa"; mas juntos re-
Mas em relação ao plano redentor de sultam em percepção espiritual, conhe-
Deus, o mistério é a união comunitá- cimento do mistério de Deus. Se há
ria com Cristo, Cristo em vós, pela qual algum segredo, diz Paulo, Cristo é esse
Deus concede justiça e salvação. Em segredo - Cristo, a encarnação da sabe-
Efésios (3: 6) o ponto central está na doria de Deus (Moule, op. eit.), Cristo
inclusão dos gentios no Corpo, e esse como o exclusivo mediador do dom de
aspecto do mistério não está ausente Deus aos homens (cons. Pv. 2: 3-9).
aqui. 4-7. Como membro do corpo de

-211-
COWSSENSES 2: 7-12

Cristo, presente com eles em espírito, (por exemplo, Rm. 6: 17; I Co. 11: 2,
Paulo esclarece agora o propósito dos 23; 15:3; Fp.4:9) - a essência da
comentários precedentes. Ele teme que qual jaz em sua apostolicidade (veja
raciocínios falazes, isto é, raciocínio CI. 1: 1). Tradição apostólica tem o
persuasivo (pithanologia) , viessem alte- status da revelação, pois nela o próprio
rar a ordem e a firmeza deles. Essas Cristo exaltado fala através de seus re-
palavras emparelhadas são termos mili- presentantes autorizados (cons. Oscar
tares traduzindo o pensamento de um Cullmann, "Tradition", The Early Church,
inimigo abrindo uma brecha em uma pág. 59-99).
antes sólida formação de tropas. O ape- 9,10. A palavra grega para divinda-
lo dos enganadores para a filosofia e de ou deidade é o nome abstrato de Deus
sabedoria (cons. 2: 8, 23), é uma via (Arndt) e inclui, além dos atributos
de acesso não de todo desconhecida divinos, também a natureza divina (Beng).
atualmente. Paulo não respondia aos Opondo-se à idéia docética de que a ma-
falsos raciocínios com obscurantismo, téria é má, está a afirmação b íblica de
nem com uma ordem a que os crentes que a própria divindade manifestou-se
fechassem seus ouvidos, mas com um corporalmente (somatikos) ou em rea-
pedido razoável a que retomassem a lidade material (Lightfoot; cons. Jo. 1 :
sua positiva tradição cristocêntrica pela 14). Outros (Moule, por exemplo) in-
qual receberam o Evangelho (cons. 2: terpretam somatikos com o significado
8). Desse ponto de partida a vacuidade de: 1) um organismo de Cristo em con-
do raciocínio gnóstico tornar-se-Ihes-ía traste com o pleroma múltiplo de pode-
aparente. res cósmicos; ou, menos provavelmente,
2) o Corpo de Cristo, isto é, a Igreja.
III. O Senhorio de Cristo e a Falsa A plenitude (pleroma; cons. nota sobre
Doutrina em Colossos. 2: 8 - 3: 4. 1: 19) que é inerente a Cristo, impregna
aqueles que estão em união com Ele pa-
A. A Suficiência Exclusiva de Cris- ra aperfeiçoá-los (pepleromenoi) ou dar-
to. 2:8-15. lhes a plenitude (cons. Ef. 1: 23). União
O apóstolo começa seu argumento com Cristo somente é suficiente, pois
com uma reafirmação da raridade de Ele é o cabeça de todas as outras auto-
Cristo e do relacionamento do crente ridades; elas nada podem acrescentar à
com Ele. Como cabeça e dominador santidade ou à redenção.
de toda autoridade e como a própria 11,12. No N.T. não por intermé-
esfera da existência da nova dispensa- dio de mãos é um termo quase técnico
ção do cristão, o lugar de Cristo na vida usado em relação às realidades da nova
cristã é todo-inclusiva, e exclusiva de dispensação comunitária em contraste
todos os outros. às instituições e rituais da antiga aliança.
8. A heresia colossense era uma "fi- Refere-se com muita freqüência à Igreja
losofia" conforme a tradição (parodosis) na qualidade do verdadeiro templo de
dos homens e rudimentos do cosmos Deus dado à luz na morte e ressurreição
(cons. 2: 20). Paulo não condena a tra- de Cristo (Mc. 14: 58; Jo. 2: 19,22;
dição em si mesma mas antes estabelece Atos7:48; IICo.5:1; Hb.9:11,24).
um contraste com esta heresia e a tra- Aqui identifica a morte e ressurreição
dição segundo Cristo, que os colossen- de Cristo como sendo a verdadeira cir-
ses receberam (2: 7). Há então uma cuncisão (cons. Fp. 3: 3), na qual os
tradição própria - à qual o apóstolo cristãos, na qualidade de Corpo de
expressa gratidão em outras passagens Cristo, participaram. Ambos os con-

- 212-

I I I I
'I I I
COLOSSENSES 2: 12-15

ceitos são, para Paulo, expressões da No tempo do V.T. os prisioneiros


realidade comunitária implícita na fé eram despidos de quase toda a roupa.
dos cristãos - união com a morte e res- Esse ato veio a simbolizar a derrota, e
surreição do Salvador (veja Introdução). para os profetas significa o juízo de
No despojamento do corpo da carne. Deus (cons. Ez.16:39; 23:26). No
Veja comentário sobre 2: 15. Batismo N.T. esta idéia entra no reino das "úl-
pode se referir primeiramente ao ba- timas coisas" quando os justos serão
tismo da morte de Cristo (cons. Me, vestidos, em contraste com os injustos,
10: 38; Lc. 12: 50), embora o batis- que ficarão despidos e nus sob o juízo
mo cristão não deve ser excluído (cons. de Deus (cons. Mt.22:11; Ap.3:17,
Rm.6:4). Não há uma analogia direta 18; 16: 15; IICo.5:3,4). O presente
entre o batismo cristão e o rito da cir- versículo, descrevendo Cristo como "des-
cuncisão da "velha dispensação". Cir- pindo" principados e as potestades
cuncisão aqui é a morte de Cristo, pela através de Sua morte e ressurreição,
qual Ele operou o rompimento da velha provavelmente se refere, de um lado,
dispensação, purificando do pecado e re- aos poderes angélicos (através dos quais
conciliando com Deus (cons. Dt.30: a cédula das ordenanças foi dada, Gl.
6; Ir. 4: 4; 9: 25, 26). É com isso que 3: 19) que controlam os governadores
o batismo cristão tem de ser relacionado. humanos e, de outro lado, a males per-
13. Para os gentios a morte de Cris- sonificados, tais como a morte. Cristo
to como figura da circuncisão tinha morreu, "para que pela morte aniqui-
significado especial: sua antiga aliena- lasse o que tinha o império da morte,
ção do povo de Deus estava simboliza- isto é, o diabo; e livrasse todos os que,
da pela incircuncisão literal (cons. Ef. com medo da morte, estavam por toda
2: 11). Entretanto, o uso aqui de carne, a vida sujeitos à servidão" (Hb. 2: 14,
isto é, o homem sob o pecado, para 15). Para o indivíduo, a morte ainda
indicar uma incircuncisão moral é pos- tem de ser destruída (I Co. 15: 25, 26);
sível. A ressurreição, vista como ação "em Cristo" sua destruição aconteceu
comunitária juntamente com ele, en- quando, na Sua triunfante ascensão, o
contra a sua realização através do gra- Salvador 1evou-a cativa com todos os
cioso perdão de Deus (cons. Ef. 2: l-l O). outros poderes (Ef. 4: 8). Semelhante-
14. O escrito é um certificado de dé- mente, despindo ou despojando (apek-
bito (Deiss, BS, pág.247) e presumi- diomaiy o corpo da carne (Cl. 2: 11),
velmente se refere à lei escrita de Moi- pode se referir ao julgamento comuni-
sés. Para os gentios ela também pode tário sobre a cruz do corpo da carne
incluir a lei com a qual suas consciên- adâmico, isto é, o homem todo sob o
cias concordavam (cons. Rm. 2: 14, 15; pecado, sob o juízo, sob a morte. Nes-
Êx. 24: 3; Ef. 2: 15). Esta obrigação te caso, esta frase contrasta com o "cor-
que, não estando quitada, permanecia po de Cristo" (cons. I Co. 15: 22; Robín-
contra nós foi paga na cruz. son, The Body, pág.31). O perdão
15. Despojando, ou melhor, despin- gracioso de Deus (C1. 2: 13) tem de ser
do (apekdyomai) é uma palavra com- compreendido à luz do significado da
posta, não essencialmente diferente de cruz: nela o débito do homem está can-
outra expressão paulina, ekdyo.Esta celado e os poderes que mantém o ho-
última, usada na LXX (e no grego clás- mem cativo são eles mesmos publica-
sico) em se tratando de "desnudar" iní- mente derrotados e feitos prisioneiros.
migos de guerra, fornece a pista para o Tomando consciência disso, toma-se apa-
significado aqui. rente o absurdo que há em se voltar,

- 213-
COLOSSENSES 2: 15-22

buscando um complemento para a re- está obstada pela habitação de Cristo.


denção, do Cristo triunfante para os Para Paulo, os anjos ainda podiam ter
poderes subjugados. alguma função ministerial (I Co. 11 : 10;
cons. Mt. 18: 10; Hb. 1: 14; 11 Pe.
B. As Práticas Colossenses Negavam o 2: 11; Judas 8, 9), mas a doutrina heré-
Senhorio de Cristo. 2: 16 - 3 : 4. tica parecia ter ido além da reverência
16,17. Pois. Paulo bate com força do V.T. e dos judeus para com os anjos
na mesa e tira as conclusões a partir de - mais além até do que as extravagantes
seu argumento. As práticas censuráveis, especulações rabínicas - dedicando-se
que evidentemente foram impostas pelos a um culto que, tal como a devoção ho-
falsos mestres, além de se invalidarem dierna dos católicos romanos à Virgem
diante da liberdade cristã (cons. Rm. 14; Maria, deslocavam a centralidade de
Gl. 5), também, como acontecia entre Cristo. Ernst Percy (Die Probleme der
os gálatas (3: 1-12; 4: 9, 10) ameaçava Kolosser und Epheserbriefe, pág. 168,
afastá-los de Cristo, levando-os de volta 169), destacando a identidade virtual
às trevas da antiga dispensação (cons. do culto dos anjos com humildade (cons.
Hb. 10: l-lO). Paulo aponta que os CI. 2: 23), vê Paulo a dizer: "Suas práti-
simbolismos ilusórios e as proibições cas legalistas chegam até à adoração de
se desvaneceram diante de Cristo, à luz anjos" . Mas algo mais do que isto es-
da realidade. Impor tais leis (hoje nós tava envolvido (cons. Bruce).
a chamamos por nomes diferentes) a A base do erro é a mente egoísta
outros como testes de sua maturidade ou carnal (veja coment. sobre 2: 15)
espiritual é o mais evidente sinal de que passa o tempo elucidando visões
imaturidade cristã e erro. Corpo é ge- que teve. (Uma cláusula difícil. Veja
ralmente interpretado como "realida- Bruce, Moule.) Tal mente deixa de se
de" ou "substância", em contraste com apegar a Cristo, a Cabeça, da qual o
o "tipo" do V.T. (Lightfoot), mas cor- corpo, isto é, a Igreja, se nutre para
po de Cristo não pode se limitar a isso. crescimento verdadeiro e piedoso. Em
"Substância", "Igreja" e "último sacri- contraste com o uso anterior, cabeça
fício perfeito", todas podem ser idéias aqui reflete não tanto autoridade quanto
que se amontoaram na mente do es- origem ou fonte da saúde e vida da Igre-
critor ... " (Moule). ja.
18,19. A descrição reflete uma com-
petição atlética na qual o competidor C. As Práticas Colossenses Contra-
é desqualificado ou impedido de rece- dizem Sua Vida Comunitária em Cristo.
ber o prêmio (cons. I Co. 9: 24; GI. 2: 20 - 3:4.
5:7; Fp.3:14; IITm.4:7). Osfalsos 20-22. Os rudimentos (stoicheia) ou
mestres ou 1) impediam os colossenses esptritos elementares são identificados
em sua carreira cristã, ou 2) os intimi- I) com poderes demoníacos aos quais
davam, declarando-os desqualificados se foi delegada autoridade no cosmos e,
não seguissem a orientação prescrita. portanto, sobre os homens (cons. 2: 15),
Humildade, a qual em Cl. 3: 12 é uma ou 2) com poderes angélicos que geral-
virtude, foi aqui condenada por causa mente eram os intermediários da lei
do objeto para o qual essa atitude sub- e exerciam na velha díspensação uma
missa e atividade foi dirigida. Adoração certa soberania sobre os homens. (O
dos anjos (ton aggelon). Seja qual for a leitor deve consultar a cuidadosa disser-
função mediadora que os anjos tiveram na tação de E. D. Burton, em Galatians,
velha dispensação (cons. Gl. 3: 19), agora pág.510-518 Ed.) Alguns poucos co-

-214-

I I , I ,
'I I I
COLOSSENSES 2: 22-23 - 3: 1-4

mentadores (Moule, por exemplo) tra- "aqui" (ou da terra) nas cartas de Pau-
duzem a frase para ensinamento ele- lo e João nem sempre indicam contras-
mentar, isto é, um ritualismo judeu ou tes espaciais, embora esse tipo de ex-
pagão que se coloca contra a liberdade pressão naturalmente esteja envolvendo
do espírito. No Calvário o cristão mor- uma referência a Cristo e aos céus. Os
reu com Cristo para a velha dispensa- termos expressam um contraste crucial
ção, e portanto ele não deve viver como no relacionamento temporal - a velha
se o mundo (kosmos) ou suas ordenan- dispensação e a nova. No ano 30 A.D.
ças ainda tivessem algum direito sobre a nova dispensação surgiu inesperada-
ele (cons. Rm.6). Submeter-se às coi- mente na história da ressurreição de
sas que se destroem é admitir que per- Cristo. Mas Cristo, em quem a nova dis-
tence à velha dispensação perecente, pensação atualmente inere, está em cima,
à mortal raça adâmica (cons. I Co. 15: enquanto o mundo continua nas pro-
45-50); e é uma negação da vida da nova fundezas da velha dispensação. Os cris-
dispensação à qual, no corpo ressusci- tãos atualmente existem "lá no alto",
tado de Cristo, o cristão foi incorporado. isto é, na nova dispensação, apenas "em
23. Aperfeiçoamento do caráter cris- Cristo" e através da habitação do Espí-
tão através de regras é a doutrina dos rito Santo neles. Mas sua existência co-
homens (cons. Cl. 2: 8). Embora a ob- munitária em Cristo não é menos real
servância de tabus dê ao homem a repu- que a sua existência individual. A cida-
tação de sabedoria espiritual e humil- dania de um cristão está na "Jerusalém
dade sacrificial, tais tabus na prática que é de cima" (Gl. 4: 26), e isto exige
"honram, não a Deus, mas ao orgulho do uma transformação contínua da sua
próprio homem" (tradução de Phillips). mente e vontade em relação a esta rea-
Phillips, provavelmente com razão, en- lidade. Conformar-se ao ritual, ao ce-
tende que sensualidade é "o velho ho- rimonial, aos "poderes" medianeiros da
mem", o homem em sua rebeldia do pe- velha dispensação é negar a vida comu-
cado, e não simplesmente um termo nitária ressurreta com Cristo.
sensual (cons. 2: 18). Em contraste, 4. No sentido de que Cristo ... é
disciplina do corpo (E.R.C.) deve ser lite- a nossa vida, um cristão "percebe" mes-
ralmente entendida como prática ascética. mo agora a consumação de sua união
3: 1-3. O cristão não só morreu com Cristo. Mas na parousia, isto é,
mas também ressuscitou com Cristo. quando Cristo vier novamente, o cristão
Em sua experiência real ele reside "nos estará com ele não meramente no sentido
lugares celestiais" (Ef. 2: 6). A velha comunitário, mas cheio de glória indivi-
dispensação ainda se manifesta no cris- dualmente (cons. Rm. 8: 18; 11 Co. 3:
tão individual - ele peca, fica doente, 18). Este é o aspecto "futurista" do en-
morre; a nova dispensação permanece sino escatológico de Paulo. Manifestar
oculta, apenas realizada no corpo do (faneroo), embora não seja tão comum
Salvador. Não obstante, no ano 30 D.C. quanto parousia, tem sido usado em di-
sua existência na velha dispensação mor- versas passagens para indicar o segundo
reu, crucificada com Cristo (cons. 11 Co. advento de Cristo (11 Ts. 2: 8; 11 Co.
5: 14; Gl. 2: 20). Isto exige que o cris- 5:10; ITm.6:14; IITm.4:1,8; cons.
tão busque (na inclinação de sua von- IPe.5:4; 110.2:28; 3:2).
tade) e dirija sua afeição (froneite, na
inclinação de sua mente) para a reali- IV. O Senhorio de Cristo na Vida do
dade da nova dispensação lá do alto Cristão. 3: 5 - 4: 6.
(cons. Rm.12: 1,2). "Lá do alto" e No padrão paulino (cons. Rm. 12: 1;

-215 -
COLOSSENSES 3: 4-10

Ef. 4: 1), uma transição do modo indi- mor de Deus (Hb. 10: 31; Tg. 4: 12;
cativo doutrinário para o imperativo Mt. 10: 28); e não deve ser compreendida
ético aparece agora. Não há, é claro, como uma emoção momentânea mas
uma absoluta dicotomia na seqüência como uma disposição assentada, um
doutrina-ética. Se Paulo diz alguma princípio de retribuição (Rm. 1: 18; 3: 5;
coisa nesta forma literária, é por que a 9: 22; cons. Jo. 3: 36; Hb. 3: 11), não
doutrina é a· base da ética: O que um diferente da de um governador terreno
homem crê determina substancialmente (Rm. 13: 4, 5; cons. Hb. 11: 27). Costu-
como ele age. ma ser associada ao dia do juízo (Rm.
2:5; ITs.1: 10). Longe de negar o
A. O Imperativo Cristão: Pôr em amor de Deus, Sua ira a confirma. Pois
Prática Individualmente a Realidade do sem justiça, a misericórdia perde seu
Viver "em Cristo". 3: 5-17. significado. (Cons. R. V. G. Tasker,
5. Membros ... sobre a terra (E.R.C.) The Biblical Doctrine of The Wrath of
provavelmente não se refere aos órgãos God.)
literalmente corporais usados para a imo- 7,8. Cons. 2: 6. Do vosso falar pode
ralidade (Moule; cons. I Co. 6: 15) mas se referir a todos os pecados relaciona-
às atitudes e ações corporais que expres- dos. O pecado expresso em palavras
sam "o velho homem" (Bruce ; cons. é contagioso, e o controle da expressão
Rm. 7: 23; 8: 13). Incluído nisto (como do pecado é um grande passo para a li-
também na fornicação) está o pecado da bertação.
avareza: desejo aquisitivo ou egoísmo. 9,10. Despistes (apekdysamenoi), refe-
Talvez, o moderno e materialista Cris- rindo-se ao momento da conversão,
tianismo, precise muito de um voto de transmite a idéia de desvestir, como
nada possuir e de uma oração para li- se fosse uma roupa, e de declarar uma
bertação das coisas e da ambição. (O sentença contra o velho homem, isto é,
pensamento é de A. W. Tozer.) Chamar a pela identificação com Cristo na Sua
avareza de idolatria não é forte demais morte (veja 2: 15). Neon (novo), ou, co-'
se percebermos que, quando nós dese- mo está em outra passagem, kainos (por
jamos fortemente possuir uma coisa, exemplo, Ef. 4: 24) interpreta-se pelo
ela passa na realidade a possuir parte que vem a seguir, que se refaz. Isto é,
de nós. a existência comunitária "em Cristo"
6. Ira. (orge; cons. TWNT, V, espe- está se desenvolvendo no cristão indi-
cialmente pág. 419-448) está freqüen- vidualmente (cons. 11 Co. 3: 18; veja In-
temente associada com indignação (thy- trodução). Assim, a imagem de Deus,
mos), quando ocasionalmente atribuídas que o primeiro Adão deixou de perce-
a Deus (Rm. 2: 8; cons. Ap. 16: 19; 19: ber, está para se cumprir nos filhos do
15). Para o homem, a ira não está proi- segundo Adão (cons, Gn. 1: 26; Hb.
bida de maneira absoluta, como na dou- 2:5 e segs.; Rm.8:29; ICo.15:45
trina dos estóicos da apatheia (veja Ef. e segs.). Isto significa que os crentes
4: 26; cons. I Co.14: 20; Jo. 2: 13- não vestem simplesmente os novos atri-
17; Tg. 1: 19,20). Não obstante, Paulo butos, mas passam por uma transforma-
não a descreve como característica do ção psicológica que, por ocasião da
"velho homem" (Ef. 4: 31 ; C1. 3: 8; .parousia de Cristo, isto é, Sua segunda
cons. Rm. 12: 19). vinda, serão vistos em seu caráter radi-
O conceito da ira de Deus não é res- cal e compreensivo (Rm. 12: 2; I Co.
quício de uma primitiva ideologia do 15: 53). Os cristãos, conforme expres-
V.T. A ira de Deus é a base para o te- sa a Epístola de Diogneto escrita no

- 216-

I I , I I 'I I I
COLOSSENSES 3: 10-17

segundo século, pertencem a uma "nova sinamentos, exerce uma influência trans-
raça". Conhecimento. Veja 1: 9. formadora na vida do crente.
11. Cita. O mais baixo tipo de es- Cristãos dos tempos passados tem
cravo bárbaro. Em Cristo todas as dis- dado o seu testemunho dizendo que
tinções são transcendentes; aos pés da "Cristo colocou uma canção em meu
cruz o chão é plano. Não é, entretanto, coração". E não é exagero dizer que
o nivelamento da moderna ética socia- cânticos têm ensinado mais teologia
lista, que apenas pode produzir a "nova aos novos convertidos do que os livros
classe" de Djilas. Não é uma uniformi- de texto. Na igreja paulina os pronun-
dade de status no presente mundo, mas ciamentos orais às vezes aconteciam na
uma mudança de atitude pela qual o forma de um hino (I Co. 14: 15), e al-
estigma de ser diferente desaparece por gumas passagens do N.T. refletem que
causa do amor. É "uma unidade na di- tiveram origem em um hino (cons. Fp. 2:
versidade, uma unidade que transcende 5-11; Ef. 5: 14; E. G. Selwyn, The First
as diferenças e as tarefas dentro delas, Epistle of Peter, pág.273 e segs.). Gra-
mas nunca uma unidade que ignora ou tidão. A graça de Deus (Lightfoot) ou
nega as diferenças ou que necessaria- a atitude grata do cristão (Moule).
mente as procure aniquilar" (E. E. Ellis, 17. Viver em nome do Senhor Jesus
"Segregation and the Kingdom of God", exclui a necessidade de regras; motiva-
Christianity Today, I, 12. Março 18, ção interior substitui normas externas.
1957, pág.8). Assim o apóstolo, que Assim o Senhorio de Cristo se expressa
declarou que em Cristo "não há macho no todo da vida. Seu Senhorio implica
nem fêmea" e "não há judeu nem gre- não apenas em um modo de conduta
go", ao mesmo tempo instruiu as mu- mas numa atitude para com a vida: re-
lheres a ficarem em silêncio nas igrejas fletindo conscientemente a vontade de
e observava ritos judeus que tinha proi- Cristo, as atitudes da pessoa se trans-
bido aos gentios (Gl. 3: 28; I Co. 11 : 3 formam em um ato de ação de graças
e segs.; 14: 34; Atos 16: 3; 18: 18; Rm. a Cristo. Regras externas, mesmo quan-
14; G1.5:2,3). Veja 3: 18 e segs. do boas, não são adequadas para todas
12-14. À Igreja, ao verdadeiro Israel, as situações: a "regra" do Cristo que ha-
pertencem os títulos dados ao Israel bita o crente é a única orientação su-
do VT: eleitos, santos, amados (cons. ficiente (cons. I Co. 10: 31; Gl. 5: 18).
Rm.2:29; 9:6; G1.3:29; 6:16; Fp.
3 : 3). As virtudes aqui relacionadas, B. Preceitos Especiais. 3: 18 - 4: 6.
que enfatizam o relacionamento dos A presente seção ilustra como os prin-
cristãos numa situação cheia de desin- cípios da "vida em Cristo" podem ser
teligência, refletem o caráter de Cristo, expressas nos negócios quotidianos. Além
cujo exemplo é citado (cons. 11 Co. 8: de ver aqui como funciona um lar cris-
9; Mt. 6: 12). A virtude que resume tu- tão, há quem veja também como era
do, dá significado e cimenta o resto é a primitiva sociedade cristã. A igreja
o amor (Rm. 13:9, 10). primitiva incluía pessoas ricas além
15,16. A paz de Cristo. Aquela paz do número muito maior de pobres, se-
que Cristo concede àqueles em união nhores e também escravos (3: 18 - 4:
com Ele (cons. Jo. 14: 27; Rm. 5: 1). 1). Além de destacar a natureza do lar
O domine é no sentido de arbitrar dife- cristão, Paulo dá atenção particular
renças que possam surgir no corpo (Bru- a importância central da oração (4:
ce). Semelhantemente, a palavra de Cris- 2-4) e ao relacionamento do cristão
to que habita no crente, isto é, seus en- com o não-cristão (4: 4 -6).

- 217-
COWSSENSES 3: 18-25

A conduta do lar era um assunto um indivíduo abjeto. O "não" aqui,


muito discutido tanto pelos escritos como na ética cristã generalizada (cons.
judeus quanto pelos pagãos (por exem- C1. 3: 21), deve-se subordinar a uma
plo, o Eclesiástico apócrifo, 30: 1-13; "disciplina e instrução do Senhor" po-
42: 5 e segs.). E parece que era um ítem sitivas (Ef. 6: 4).
regular nos ensinamentos paulinos (cons. 22,23. Servos - hoje, empregados -
Ef. 5: 22·33; I Tm. 6: 1-8; ri. 2: 1-10). devem trabalhar não só quando o chefe
Contrastando com os ensinamentos ju- está olhando, e devido a motivação que
deus e pagãos, Paulo enfatiza a mutua- esse olhar fornece, mas devem traba-
lidade dos direitos e responsabilidades. lhar com singeleza de coração, isto é,
Uma segunda característica cristã é a com dedicação honesta. Todo o servi-
motivação recomendada ao leitor. Uma ço, para o cristão, é primariamente pres-
vez que a unidade em Cristo não nega a tado ao Senhor, que julga com toda
diversidade de função e status no mundo imparcialidade e justiça.
(veja C1. 3: 11), o cristão, tal como o
24. O "escravo" fiel de Cristo rece-
pagão, deve se preocupar com os de-
be porção de filho - a herança. Galar-
vidos costumes e ordem sociais. O
dão (E.R.C.) (recompensa (E.R.A.) exata,
cristão, entretanto, é motivado pelo
Lightfoot) não é, como os críticos usam
seu relacionamento com Cristo e sua
o termo, algo a ser recebido lá no céu.
responsabilidade diante de Deus (por
Antes, é o sorvete reservado para a me-
exemplo, 3: 18,20,22-25).
nininha que, aconchegando-se nos bra-
18,19. A submissão das esposas deve
ços do papai, exclama, "Viu, papai, eu
ser retribuída pelo amor dos maridos.
arrumei o meu quarto como você mano
Conforme Ef. 5: 28 torna explícito, o
dou". A verdadeira recompensa é a apro-
amor aqui não indica mera afeição mas
vação do pai; o sorvete é apenas um en-
uma preocupação expansiva por toda
feite - mas um enfeite bem recebido. O
a pessoa da esposa.
hino-oração que pede que "possamos
20,21. Em tudo. A criança fica co-
festejar no paraíso com eles" não é
nhecendo a vontade de Deus através do
espiritual só para um platonista. Mas
conselho de seus pais. Em uma famí-
é preciso que haja motivação; a mente
lia cristã não é próprio sugerir conflito
mercenária exclui a possibilidade da
entre o dever para com os pais e o dever
recompensa cristã (cons. Atos 8: 18 e
para com Deus (T.K. Abbott, The Epistles
segs.).
to the Ephesians and to the Colossians.)
Fazê-lo é grato diante do Senhor pro- 25. Receberá. Isto é, na presente
vavelmente se refere à obediência mo- vida ou no dia do juízo. Deus aqui
tivada pelo amor a Cristo; ela não limi- é tido como Aquele que garante a jus-
ta a responsabilidade da criança para tiça (cons. Rm.12: 19; 11 Co. 5: 10.
com os pais cristãos. Embora, em um Sobre o "justo merecimento" como
caso extremo, um jovem possa precisar medida adequada de punição criminal,
escolher entre a vontade de Cristo em compare C. S. Lewis, "The Humani-
oposição à dos pais que não são cristãos tarian Theory of Punishment", Res
(cons. Lc. 14: 26), essa atitude só de- Judicate, VI, 1953-54, pág. 224-230.
veria ser tomada depois de sóbria refle- Veja também comentário sobre C1. 3:
xão e aconselhamento cristão. "Não cor- 6). Não há acepção de pessoas refere-se
rija em excesso os seus filhos" (Phillips). tanto ao escravo quanto ao senhor, e
O propósito da disciplina é desenvol- fornece uma transição para a próxima
ver o homem cristão, não produzir seção (cons. Ef. 6: 9; Lv. 19: 15).

- 218-
I I I I
'I I I
COLOSSENSES 4: 1-16

4: 1. A admoestação traz à mente o quaisquer perguntas que surgissem. Oné-


ensinamento do Sermão do Monte: simo, assunto da correspondência com
"Perdoa-nos as nossas dívidas assim Filemon, tem sido indicado como o co-
como nós temos perdoado aos nossos lecionador das cartas paulinas (cons.
devedores"; "com a medida com que J ohn Knox, Philemon Among the Letters
tiverdes medido vos medirão também" of Paul, pág. 98 e segs.). A recomenda-
(Mt. 6: 12; 7: 2; veja CI. 3: 11). ção que Paulo faz dele aqui serviu para
2-4. A oração cristã (proseuche; facilitar a volta desse escravo fugido e
cons. Trench) poderia ser caracteriza- para lembrar os leitores que agora ele
da pelo espírito de gratidão (veja 1: 11). era um irmão em Cristo.
Vigiando (gregoreo, "vigilante") acres-
centa a idéia de percepção e prontidão B. Saudações dos Cooperadores de
(cons. Mc.14:37,38). A oração cristã Paulo. 4: 10-14.
deve ser marcada pela solicitude e sobrie- Epafras. Veja 1: 7. Dos outros com-
dade e não pelo estupor cerimonial panheiros, Marcos e Aristarco são conhe-
nem pela verbosidade intoxicante (cons. cidosdeAtos(15:36-39; 19:29; 20:4;
1 Pe. 5: 8). Vigiar (gregoreo) tem sido 27: 2). O primeiro, depois de sua falta
freqüentemente usado com referência na primeira viagem missionária de Paulo
à atitude do cristão para com a volta (Atos 15: 36-39), foi restaurado no favor
de Cristo (por exemplo, Me. 13: 33 e do apóstolo. Apesar das dúvidas de
segs.; 1 Ts. 5: 6; Ap. 16: 15). A porta F. C. Grant (The Earliest Gospel, pág.
à palavra. Uma oportunidade ou, mais 52, 53), pode-se identificar Marcos, qua-
provavelmente, uma capacidade de falar se sem margem de erro, como o com-
do mistério com clareza (cons. 1: 26; panheiro de Pedro (I Pe. 5: 13) e autor
Ef. 6: 19,20). do Segundo Evangelho. Lucas, então,
5,6. Sabedoria inclui não somente a tem um relacionamento pessoal como
apropriação e capacidade de comunicar também literário com Marcos. Uma vez
o mistério (1: 9) mas também a capaci- que Lucas não está incluído entre os da
dade de comunicá-lo com sucesso. Só circuncisão, costuma-se deduzir que ele
assim o propósito redentor deste tempo, era gentio - o único escritor do N.T.
que Deus designou de "tempo oportuno" assim identificado. Sua identidade de
(kairos; cons. O. Cullmann, Christ and médico encontra confirmação no voca-
Time, pág. 39 e segs., 225) será eficien- bulário de Lucas e Atos. Demas. 11 Tm.
temente aplicado. Uma maneira ofensiva 4: 10, 11.
ou insípida não pode realizar muito. C. As Saudações e Bênçãos do Após-
Portanto, na vida e no fazer a testemu- tolo. 4: 15-18.
nha cristã deveria ser apetitosa - não 15. A "igreja ... casa" era coisa co-
aos outros cristãos mas para com os mum nas congregações paulinas e em
não-cristãos. geral (Atos 12: 12; 16: 15,40; Rm.16:
5,23; ICo.16:19; Fm.2).
V. Conclusão. 4: 7-18. 16. A "Carta de Paulo aos Laodicen-
A. Recomendação dos Portadores da ses" tem sido assunto de muita especula-
Carta. 4: 7-9. ção. No segundo século uma carta apó-
crifa foi composta para preencher a lacu-
Os portadores da carta, Tíquico e na; recentemente a carta foi identificada
Onésimo, transmitiriam informações não como a de Efésios (por exemplo, Líght-
contidas nela e sem dúvida a interpreta- foot; também Marcion, 140 A.D.) ou
riam aos destinatários, respondendo Filemom (por exemplo, Goodspeed).

- 219-
COWSSENSES 4: 17-18

17. A observação pessoal feita a Ar- não espirituais são sufocados, deforma-
quipo, que talvez fosse filho de Filemom dos e incumpridos.
(Fm.2), faz lembrar o desafio feito pe-
lo apóstolo a Timóteo (11 Tm. 1: 6). 18. Depois de ditar a carta, Paulo
No Senhor identifica o ministério de confirmou sua autenticidade, como era
Arquipo como um "dom espiritual" costume seu (cons. ICo.16:2l; Gl.
e não uma mera função de organização 6:11; IITs.3:17; Fm.19),comuma
(cons. Rm. 12: 6-8; I Co. 12: 5; Ef. saudação de próprio punho (cons. Deiss,
4: 12). A preocupação que Paulo enun- LAE, pág. 171, 172). Referindo-se às
cia está sempre presente na vida da suas algemas, Paulo lembra seus leitores
igreja: o perigo não está na falta de de que "aquele que sofre por amor de
dons espirituais mas por causa de dons Cristo tem o direito de falar em favor
espirituais que, devido a pecado pessoal, de Cristo" (Lightfoot). Com esta nota
pressões da organização ou influências comovente o apóstolo termina sua carta.

-220-
I I I I I
'I I I
A PRIMEIRA EPÍSTOLA AOS TESSAWNICENSES

INTRODUÇÃO

Ocasião em que foi escrita. A igreja te chegou em Corinto no começo do


em Tessalônica era fruto da segunda ano 50 A.D. Não muito tempo depois
viagem missionária de Paulo (Atos 17: disso, Silas e Timóteo voltaram da Ma-
1-9). Milagrosamente libertado da ca- cedônia com a notícia que Paulo men-
deia de Filipos, Paulo e seus companhei- ciona escrevendo I Tessalonicenses (Atos
ros, Silas e Timóteo, seguiram lenta- 18: 5; I Ts. 3: 1-6), provavelmente em
mente. para o sul e então para o oeste meados do ano 50 A.D. Alguns meses
ao longo da grande estrada romana até mais tarde seguiu-se 11 Tessalonicenses,
Tessalônica, centro comercial e capital em resposta à notícia de que alguns pro-
da Macedônia. Ali, apesar da oposição blemas não tinham sido ainda resolvi-
pertinaz, organizaram a segunda igreja dos.
européia. Importunado pelos judeus Desenvolvimento das Idéias. Os três
em Tessalônica e Beréia (Atos 17: 10- primeiros capítulos são pessoais e refle-
15), Paulo fugiu para Atenas, onde a xivos. Paulo se lembra da calorosa aco-
preocupação com o bem-estar espiritual lhida que os crentes macedônios deram
dos crentes de Tessalônica, instigaram-no, ao Evangelho e os faz lembrar das difí-
com algum sacrifício pessoal, a enviar ceis circunstâncias nas quais ele lhes
Timóteo para sustentar a igreja nas levou a palavra de Deus. Sua preocupa-
ondas de perseguição (I Ts. 3: 1-3). Ti- ção vital foi evidenciada pela prontidão
móteo juntou-se novamente a Paulo em separar-se de Timóteo, seu compa-
em Corinto com a boa notícia de que nheiro necessário, a fim de fortalecer
a semente do Evangelho caíra em boa a igreja oprimida.
terra. Então Paulo escreveu I Tessalo- O relatório positivo de Timóteo ali-
nicenses para elogiar seus fiéis irmãos viou o peso no coração do apóstolo e
pela sua inabalável dedicação a Cristo despertou uma série de exortações prá-
e de uns para com os outros e para en- ticas. Cônscio das tentações que esprei-
corajá-los a progredirem mais no amor tavam os crentes em meio a uma cultura
e na santidade. pagã, o apóstolo os advertiu sobre a
Data e Lugar. Graças à inclinação ameaça da impureza sexual e os perigos
de Lucas pelos detalhes históricos, as das discórdias e rixas.
datas destas cartas podem ser fixadas Os ensinamentos de Paulo sobre a
com razoável certeza. A referência que volta de Cristo, enquanto estivera em
Lucas faz a Gálio, procônsul da Acáia, Tessalônica, gerara dois problemas es-
em relação à viagem de Paulo a Corinto pecíficos: falta de trabalho sistemático
(Atos 18: 12), foi esclarecida pela des- à vista da iminente vinda de Cristo e
coberta em Delfos de uma inscrição que medo que os crentes mortos fossem pri-
data do proconsulado de Gália dentro vados dos direitos da participação nas
do reino do imperador Cláudio. A ins- glórias desse grande evento. Comcarac-
crição parece indicar que Gália tomou terística integridade Paulo enfrenta esses
posse do seu posto no verão de 51 A.D. problemas, admoestando à diligência
Uma vez que Lucas parece sugerir que e fazendo uma dramática descrição
Paulo ficou em Corinto cerca de dezoito dos papéis dos santos vivos e mortos
meses antes de Gália subir ao poder na vinda de Cristo. O livro termina (cap.
(Atos 18: 11), o apóstolo provavelmen- 5) com um desafio a que estejam aler-

- 221-
tas e com alguns conselhos práticos tornou-se audível. Ele se compara a
relativos às atitudes cristãs e dons es- uma meiga pajem (I Ts. 2: 7), a um pai
pirituais. severo (2: 11) e a um órfão sem lar (no
Importância. A data precoce destas grego de 2: 17). Ele se mostra dispos-
epístolas permite-nos dar uma olhada to a gastar e a ser gasto pela expansão
na estrutura não complicada da igreja do Evangelho. É Paulo, o homem,
primitiva. Não havia nenhuma organi- que se nos apresenta, meigo em sua for-
zação complexa; a cola que mantinha ça, amoroso em suas exortações, intré-
os crentes unidos era a fé comum, o pido em sua coragem, sincero em suas
amor e a esperança. Uma liderança não motivações - um homem (como Carl
oficial surgira dentro da igreja, mas Sandburg disse de Abraham Lincoln)
os cristãos sentiam-se desesperadamen- "de aço e veludo, duro como a rocha
te dependentes do círculo apostólico. e macio como o nevoeiro que se esvai".
Em poucos livros do Novo Testamento Os ensinamentos escatológicos des-
encontra-se mais forte testemunho desse tas cartas realçam sua importância. Em
poder do Evangelho que levou os pagãos nenhum outro lugar o apóstolo trata
a se aproximarem de Deus, afastando-os tão detalhadamente a seqüência dos
dos ídolos, manteve seu amor desperto acontecimentos da segunda vinda de
em meio às lutas, e os ancorou na espe- Cristo e o papel que os crentes vão de-
rança apesar dos incessantes assaltos sempenhar no advento. Mais ainda, só
da perseguição. em 11 Tessalonicenses 2 Paulo faz alu-
Nestas cartas Paulo revela a sua alma são à encarnação do mal que se apre-
mais do que o seu assunto. Aqui o pul- sentará como Deus no fim da história
sar do amoroso coração do apóstolo - o Anticristo.

ESBOÇO

I. Introdução. 1: 1.
A. Autor.
B. Destinatários.
C. Bênção.
11. Reflexões pessoais. 1: 2 - 3: 13.
A. Paulo elogia a igreja. 1: 2-10.
1. Pela recepção que deu ao Evangelho. 1: 2-5a.
2. Pelo testemunho que deu ao mundo. 1: 5b-IO.
B. Como Paulo organizou a igreja. 2:1-16.
1. Pureza dos motivos do apóstolo. 2: 1-6.
2. Extensão do sacrifício do apóstolo. 2: 7, 8.
3. Integridade da conduta do apóstolo. 2: 9-12.
4. Fidedignidade da mensagem do apóstolo. 2: 13.
5. Resultado da mensagem do apóstolo: perseguição. 2: 14-16.
C. Timóteo encoraja a igreja. 2: 17 - 3: 13.
1. A preocupação de Paulo. 2: 17 - 3: 5.
2. O bom relatório de Timóteo. 3: 6-10.
3. A oração de Paulo. 3: 11-13.
III. Exortações práticas. 4: 1 - 5: 22.
A. Abstenham-se da imoralidade. 4: 1-8.
B. Amem-se uns aos outros. 4: 9,10.

-222 -

I I , I I
'I I I
ITESSAWNICENSES 1: 1-3

C. Cuidem de seus próprios negócios. 4: 11, 12.


D. Confortem-se mutuamente com a esperança da Segunda Vinda. 4: 13-18.
E. Vivam como filhos do dia. 5: 1-11.
F. Abstenham-se do mal; adotem o bem. 5: 12-22.
1. Em relação aos outros. 5: 12·15.
2. Nas atitudes básicas. 5: 16-22.
IV. Conclusão. 5: 23-28.
A. Oração final. 5: 23,24.
B. Pedido de oração. 5: 25.
C. Saudação final. 5: 26.
D. Ordem para leitura da carta. 5: 27.
E. Bênção. 5: 28.

COMENTÁRIO

I. Introdução. 1: 1. ato do favor não merecido de Deus em


Cristo (graça) traz na sua esteira com-
A. Autor. Paulo não precisava de- pleto bem-estar espiritual (paz).
fender seu apostolado, tão firme era
sua amizade com as igrejas da Macedô-
nia. Silvano (Silas), que substituira Bar- 11. Reflexões Pessoais. 1: 2 - 3: 13.
nabé na segunda viagem missionária A. Paulo Elogia a Igreja. 1: 2-10. A
(Atos 15: 39,40), e Timóteo, que se narrativa da recepção que os tessaloni-
juntara ao grupo em Listra (Atos 16: censes deram ao Evangelho evoca uma
1-3), são mencionados porque eram oração de gratidão do apóstolo. O Es-
seus companheiros na organização da pírito que comprovou a eleição de Deus
igreja (Atos 17: 1-9) e estavam em Co- pelo seu poder convincente, também ca-
rinto por ocasião da composição da pacitou os tessalonicenses a enfrentarem
epístola. Timóteo, embora subordinado a aflição com tal firmeza e alegria que
aos outros, era provavelmente especial- a notícia de sua dinâmica conversão,
mente querido dos tessalonicenses por sua robustez no serviço e esperança
causa de sua missão (I Ts. 3: 1-10). A vibrante tinham-se espalhado rapidamen-
menção dos companheiros de Paulo te por toda a área do Mediterrâneo.
serve mais para apoiar a autoridade do 1) Pela Recepção que Deu ao Evan-
apóstolo do que para dividi-la. gelho. 1: 2-5a. 2. Damos ... graças.
B. Destinatários. A maneira de se O nós oculto é provavelmente editorial,
dirigir à igreja, etc., é sem paralelos (to- referindo-se apenas a Paulo, como em
3: 1. Sempre. Sempre que orava, agra-
davia cons. Gl. 1: 2). A ênfase parece
decia a Deus por todos eles. Não havia
dada à assembléia local mais do que
nenhum grupo desleal pelo qual não
à igreja universal, pois está localizada
em qualquer lugar. De Deus nosso Pai pudesse dar graças.
(E.R.C.) mostra o novo relacionamen- 3. Sem cessar provavelmente pertence
a mencionando-vos em 1: 2. Aqui, co-
to entre os crentes e Deus.
mo em 5: 17, a palavra adialeiptos sig-
C. Bênção. A característica sauda- nifica "sem cessar". Em um papiro não
ção de Paulo, graça e paz, combina b íblico, descreve a persistência incômo-
as saudações grega e hebraica enrique- da de uma tosse. O primeiro motivo
cidas com significado teológico. O para a constante ação de graças de Pau-

- 223-
I TESSALONICENSES 1: 3-9

lo é a lembrança da fé, amor, e espe- Mundo. 1: 5b-l0. 5b. Nosso procedi-


rança dos tessalonicenses. Esta é a pri- mento. Os apóstolos praticavam o que
meira menção que Paulo faz destas três pregavam. O Espírito Santo mudara
graças (cons. 5: 8; Rm. 5: 2-5; e especial- suas vidas; suas vidas reforçavam sua
mente I Co. 13: 13). A ordem é lógica mensagem. 6. Imitadores. Aceitando o
e cronológica: a fé se relaciona com o Evangelho apesar da muita tribulação,
passado; o amor, com o presente; a es- os novos crentes seguiram a trilha dos
perança, com o futuro. Operosidade apóstolos e seu Mestre. Tribulação não
da vossa fé - a fé tem produzido boas pode amortecer a verdadeira alegria do
obras; abnegação do vosso amor - o Espírito (Jo. 16: 33; Atos 16: 23-25;
amor os levou a se afadigarem uns pe- Gl. 5: 22; Hb. 12: 2; I Pe. 2: 19-21).
los outros; firmeza da vossa esperança Tribulação, se refere as incessantes pres-
- esperança na segunda vinda de Cristo sões às quais um crente pode ser expos-
produz uma atitude corajosa, mesmo to em um mundo que se opõe a Cristo.
na perseguição. Diante do nosso Deus 7. Desse modo, esta igreja se tomou
e Pai poderia possivelmente se limitar um modelo (o singular é preferido ao
à última frase, firmeza da vossa esperan- plura1), um padrão ou exemplo para os
ça, mas pode também se referir às ou- crentes na Macedônia e Acaia, as pro-
tras qualidades da igreja, a qual estava víncias do norte e sul, representando
cônscia e sentia a presença de Deus toda a Grécia. 8. Repercutiu. Como
(cons. 2: 19; 3: 9,13). uma trombeta ou o ribombar de um
4. Um segundo motivo para ação trovão. Palavra do Senhor tem mo
de graças é a certeza que o apóstolo sabor profético do V.T. e aponta para
tinha na eleição dos tessalonicenses. a autoridade divina por trás da mensa-
A unidade de Paulo com esta igreja gen- gem. Por toda parte. Provavelmente
tia está comprovada na freqüente repe- uma hipérbole, mas a localização es-
tição da palavra irmãos, A eleição brota tratégica de Tessalônica facilitava as
do amor de Deus (cons. Ef. 1: 4,5). Os notícias se espalharem ampla e rapida-
crentes são chamados de amados de mente. Possivelmente Priscila e Áqüila
Deus; a frase de Deus pertencendo mais trouxeram essas notícias de Roma a
a amados do que à eleição, como na Corinto (Atos 18: 2). Vossa fé, isto é,
E.R.C. Observe os antecedentes no a notícia de vossa fé. Esta sentença
V.T.: os gentios se juntaram a Israel deveria terminar depois de por toda
como objetos do amor eletivo de Deus. parte, mas Paulo avança rapidamente
Sa. A prova de sua eleição era o fato para sublinhar sua declaração. Ele se
de que o Espírito introduziu o Evan- deleitou em espalhar a notícia, pois os
gelho nos seus corações. Nosso evan- tessalonicenses eram sua alegria (2: 19).
gelho revela o compromisso pessoal Mas onde quer que fosse, as notícias
de Paulo com o seu evangelho. Não já o tinham precedido.
meras palavras, ele contém seu pró- 9. Eles mesmos. Provavelmente pes-
prio poder divinamente concedido (cons. soas em geral, onde quer que Paulo fos-
Rm.l: 16; I Co. 2: 4). Pregado pelos se. Nosso ingresso. Tanto a recepção
homens, ele é ratificado pelo Espírito de boas vindas concedida aos apóstolos
Santo. Esta divina unção fazia o Evan- quanto o sucesso de sua missão. Como
gelho ser recebido em plena convicção, deixando os ídolos, vos convertestes
isto é, com toda certeza de que era a a Deus indica como a conversão deles
palavra de Deus. foi completa e a natureza predominan-
2) Pelo Testemunho que Deu ao temente gentia da igreja. Para servirdes,

-224 -

I I I I 'I I I
I TESSALONICENSES 1: 9-10 - 2: 1-4

em completa sujeição como escravos, o 10 ainda estavam em efeito. Ele usa


Deus vivo (não ídolos sem vida) e ver- uma declaração sem muita ênfase. Sua
dadeiro (não deuses falsos, que eram missão foi tudo, menos infrutífera. 2.
imitações). Mas. A palavra em grego é forte, su-
10. E para aguardardes (anamenein) blinhando o sucesso da visita apesar
implica em espera paciente e confiante dos maus tratos físicos (maltratados) e
pela vinda. Seu Filho. A única referên- mentais (ultrajados) sofridos em Fili-
cia direta à filiação de Cristo em I e 11 pos (Atos 16: 19.40). Tivemos ousa-
Tessalonicenses, que destacam mais Seu da. Este verbo no N.T. quase sempre
Senhorio. A Ressurreição era o prelú- refere-se à pregação aberta e destemida
dio da volta de Cristo, e a garantia do (por exemplo, Atos 13: 46; 18: 26).
poder de Deus para libertar aqueles A confiança dos evangelistas estava en-
que são Seus e julgar aqueles que não raizada em nosso Deus, a fonte de sua
são (Atos 17:31). Livra, tempo presen- coragem, poder e mensagem. A opo-
te, estando o particípio (ruomenon) sição perseguia o rastro deles, de modo
aqui no infinito - salvando. Ira. A ira que em Tessalônica, como em Filipos,
de Deus como em I Ts. 2: 16 e Rm. o Evangelho foi pregado em meio de
3: 5; 5: 9; 9: 22; 13: 5. Aguardardes muita luta. Esta expressão faz pensar
e vindoura indicam claramente que em competições atléticas onde o com-
Paulo se referia ao juízo final de Deus. bate competitivo (luta) precedia cada
Essa ira é a retribuição de Deus ao peca- prêmio.
do. Embora o período final da tribulação 3. A nossa exortação sugere a IOS1S-
seja um período de ira, a ira de Deus não tência da pregação de Paulo. Engano.
será então exaurida; pois a própria vinda Falsos mestres são enganadores e en-
de Cristo será uma exibição da ira contra ganados (11 Tm. 3: 13), mas Paulo não
as nações perversas e incrédulas (Mt. era nenhum dos dois. Em um mundo
24:30; Ap. 19: 11-15). onde a religião era freqüentemente
B. Como Paulo Organizou a Igreja. colocada ao lado da imoralidade, ele
2: 1-16. Paulo relembra as dificulda- se manteve livre da impureza. Assim
des por ocasião de sua visita e a integri- como o Mestre foi sincero (I Pe. 2: 22),
dade de suas motivações e conduta. Sem também o servo não faria uso de uma
dúvida ele foi deliberadamente refutan- atmosfera de falsidade (em contraste
do as acusações dos judeus, que usavam com o engano) para engodar seguido-
qualquer alavanca emocional possível res incautos. 4. Aprovados por Deus.
para forçar os recém-convertidos a des- Testado e aprovado por Deus. A since-
cerem da rocha de sua confissão cristã. ridade de Paulo (Mt. 6: 22) baseava-se
1) A Pureza dos Motivos do Após- na premissa dupla de que era comis-
tolo. 2: 1-6. 1. Vós, irmãos. Paulo ape- sionado por Deus e que somente Deus
la para a inquestionável realidade de poderia provar o seu coração e exami-
sua própria (deles) experiência e para nar seus motivos mais íntimos (I Co.
a intimidade do seu relacionamento 4: 4). Corações na linguagem bfblica
com eles. Estada (eisodos) é a mesma é a sede não tanto das emoções, mas
palavra de 1: 9. Paulo convoca os cren- sim da vontade e do intelecto, o centro
tes a afirmarem pessoalmente o que da decisão moral. Paulo refuta a acusa-
outros tinham dito a respeito deles. ção dos judeus de que ele estivesse pre-
Não se tomou infrutífera. O tempo gando uma mensagem "fácil", para
perfeito do verbo grego tomou mostra agradar aos homens, removendo-lhes o
que os resultados do ministério de Pau- jugo da Lei (veja Gl. 1: 10).

- 225-
I TESSALONICENSES 2: 5-12

5. Linguagem de bajulação, equipa- Apóstolo. 2: 9-12. 9. Labor e fadiga


mento padrão dos demagogos em todos encontram seus pares em 11 Ts. 3: 8 e
os setores, não encontrava lugar no ar- 11 Co. 11 : 27. Noite e dia. Provavel-
senal de Paulo. Como também ele não mente Paulo começava a fazer tendas
escondia intuitos gananciosos sob o man- (Atos 18: 3) antes do raiar do dia a fim
to do falso altruísmo. Seus ouvintes de que lhe sobrasse tempo para pregar.
podiam dar testemunho da ausência Pesados (E.R.C.) a mesma palavra de
de bajulação e Deus disto é testemu- 2: 6, onerosos. Tanto os tessalonicen-
nha que a avareza não estava escondi- ses, que podiam julgar as atitudes de
da sob o manto do altruísmo. 6. Paulo Paulo, e Deus, que podia testar seus
não ambicionava nem o ganho mate- motivos (2: 4), eram testemunhas da
rial nem a glória ou louvor dos homens, conduta sem jaça do apóstolo. Piedosa,
mesmo embora sendo um apóstolo, en- e justa destaca as qualidades positivas
viado em suas missões por Cristo, ele da vida de Paulo diante de Deus e os
tinha direito tanto à ajuda financeira homens. A primeira (hosios) prova-
quanto ao respeito pessoal (I Co. 9: velmente se refere à pureza religiosa;
1-14; Gl. 6: 6; e outras). Pesados (E.R. a última (dikaios) à integridade moral.
C.), isto é, insistindo em ser susten- Irrepreensivelmente declara a mesma
tado pela igreja. coisa negativamente. Que credes. Só
2) A Extensão do Sacrifício do Após- os fiéis podem julgar os fiéis. O vere-
tolo. 2: 7,8. 7. Todavia. Um notável dito dos incrédulos freqüentemente é
contraste. Dóceis (epioi). Muitos e ex- demasiado tendencioso para ser levado
celentes manuscritos rezam criancinhas em conta.
(nepioi) , a idéia sendo que Paulo, lon- 11. Em outra analogia extraordiná-
ge de ser arrogante, tornou-se realmen- ria (cons. 2: 7) Paulo se compara a um
te uma criança, falando em linguagem pai, encarregado não de acalentar seus
infantil para se comunicar com a igreja filhos, mas de educá-los. Três verbos
infante. Seja qual for a tradução pre- resumem este ministério: exortávamos
ferida, Paulo, em lugar de ser um peso, (E.R.C.) (cons. 2: 3), convocando-os à
colocou-se à disposição deles. Qual ação decisiva; consolávamos (E.R.C)
ama. Antes, uma mãe que acalenta. (cons.5:14; Jo.11:19,31) - Paulo
Acaricia, amorosa e meigamente, os era compassivamente compreensivo de
seus próprios filhos. Paulo mantinha suas dificuldades; instruiamos, lembran-
um relacionamento duplo com seus do-os da solene natureza da obrigação
convertidos: diante de Deus eles eram cristã (cons. "testificar" em Ef. 4: 17).
irmãos (I Ts. 1: 4; 2: 1; e outras); eram, 12. Este conselho paternal tinha um
entretanto, seus filhos (cons. 2: 11), alvo: encorajar os tessalonicenses a vi-
os quais ele tinha introduzido na vida verem (vos conduzísseis, E.R.C.) dig-
da fé e dos quais sentia-se obrigado a namente diante de Deus (cons. Ef, 4: 1).
cuidar. 8. Querendo-vos muito. Uma Os melhores manuscritos dão que vos
palavra que só foi usada aqui em todo chama em vez de que vos chamou. O
o N.T., indicando calorosa afeição e sau- chamado de Deus, confronta os homens
dade. Os apóstolos estavam prontos a continuamente. O reino tem aspectos
(bem que gostariam de) partilhar suas presente e futuro. É a soberania ativa
próprias vidas, por causa do amor que de Deus sobre aqueles que se Lhe sub-
sentiam pelos recém-convertidos (cons. metem; essa submissão, entretanto, não
I Jo. 3: 16). é tão completa nem tão extensiva quanto
3) A Integridade na Conduta do será no futuro. O tom escatológico da

-226-

I I i I I
'I I I
I TESSALONICENSES 2: 12-17

epístola e a íntima ligação entre reino ordem das palavras em grego dão des-
e glória (ligados, em grego, por um taque aos dois nomes; cons. Atos 2:
artigo definido) indicam o aspecto 36); eles mataram ou perseguiram os
futuro (como em I Co. 6: 9; 15: 50; profetas (profetas pode ser aceito como
GI.5:21; IITs.I:5; IITm.4:1,18) o objeto de qualquer um dos verbos,
mais do que o presente (como em Rm. mas parece que de preferência ele se
14: 17; I Co. 4: 20; CI. 1: 13). Gló- liga mais com perseguido; cons. Mt.
ria e futuro (cons. Rrn. 5: 2; 8: 18), 5: 12); eles perseguiram ou expulsa-
referindo-se à plena revelação do cará- ram os apóstolos (nós). Talvez Paulo
ter majestoso de Deus. estivesse se lembrando da parábola de
4) A Integridade da Mensagem do Mc. 12: 1 e segs. Não agradam a Deus.
Apóstolo. 2: 13. Ação de graças se- Uma vigorosa declaração ~ignificando
melhante veja em I: 2. Duas palavras "desagradar". (Cons. I Ts. 3: 2). Ad-
foram traduzidas para recebido: a pri- versários de todos os homens. Opon-
meira (paralambano) significa aceitar do-se ao Evangelho os judeus trabalha-
formal e externamente; a última (de- vam contra o bem da humanidade, que
chamai), receber de boa vontade e in- precisa de salvação tão desesperadamen-
ternamente, dar boas vindas. A men- te. 16. Enchendo, etc., refere-se ao pro-
sagem do apóstolo era a palavra de pósito soberano de Deus que operou
Deus (repetida por causa da ênfase) nas vidas dos perseguidores judeus. Per-
não de homens. Compare com o des- severando em sua rejeição de Cristo e
taque dado a evangelho de Deus (2: 2, aumentando a sua oposição, eles amon-
8,9). A qual, com efeito está operando toaram pecado sobre pecado. As pa-
eficazmente em vós. O verbo provavel- lavras lembram Gn. 15: 16. Especial-
mente deveria ser entendido na voz mente pertinentes são as palavras de
passiva - posto a operar. Deus é a Cristo em Mt. 23:31,32. Ira. Veja no-
fonte do poder; a palavra é o seu ins- ta sobre I Ts. 1: 10. Sobreveio enfatiza
trumento (cons. Rm. 1: 16; Hb. 4: 12; a totalidade e certeza do juízo. A ira
Tg. 1: 21; I Pe. 1: 23). para eles era inescapável. (Cons. Rm.
5) O Resultado da Mensagem do 1: 24, 26, 28).
Apóstolo: Perseguição. 2: 14-16. 14. C. Timóteo Encoraja a Igreja. 2: 17
Imitadores, como em 1: 6. As igrejas - 3: 13. Paulo explica sua ausência
de Deus estavam geograficamente na involuntária e os motivos da missão
Judéia e espiritualmente em Jesus Cris- de Timóteo. Grato pelo relatório de
to. A imitação consistia em eles sofre- Timóteo, ele ora a Deus que faça a igre-
rem o mesmo (as mesmas cousas) de ja continuar florescendo.
seus vizinhos como os judeus cristãos
sofriam dos seus. vizinhos. Patrícios 1) A Preocupação de Paulo. 2: 17 -
(membros da mesma tribo) foi usado 3: 5. 17. Orfanados por breve tempo
aqui mais no sentido local do que no de vossa presença. Literalmente, órfão,
sentido étnico; provavelmente pagãos destituído, refletindo o laço amoroso
e judeus perseguiram a igreja em Tes- que existia entre Paulo e a igreja. Com-
salônica. pare com 11 Co. 11: 28, onde o escri-
15. Paulo culpa seus patrícios com tor enumera entre suas preocupações
um vigor incomum em suas cartas; eles a preocupação com todas as igrejas.
mataram Aquele que era o Senhor, Com tanto mais empenho diligencia-
soberano da criação e da história, e Je- mos e com grande desejo são fortes
sus, o Salvador humano, seu igual (a tentativas de Paulo de dar a entender

-227 -
I TESSALONICENSES 2: 17-20 - 3: 1-4

seus fortes anseios de comunhão. Ele é enfático; só vós.


até usa a pitoresca palavra desejo, epi- 3: 1. Não podendo suportar mais.
thymia, a qual no N.T. dá a idéia de Ele não suportava mais a tensão da se·
sensualidade e cobiça. 18. Eu, Paulo paração. Embora Paulo use nós aqui,
destaca sua preocupação pessoal. Não como através de ambas as epístolas,
somente uma vez, mas duas é, literal- parece provável que o nós é editorial.
mente, tanto na primeira como na se- Vós parece confirmá-lo. 2. Nosso ir-
gunda vez, significando "repetidamen- mão. Timóteo era filho de Paulo na
te". Satanás nos barrou. Este título fé (I Tm. 1: 2); mas por causa desta
destaca o papel do diabo como adver- missão, Paulo destaca sua colaboração,
sário de Deus e Seu povo. Como Paulo não dependência (cons. 11 Co. 1: 1; CI.
foi impedido? Por doença (11 Co. 12: 1: 1; Fm. 1: 1). Provas documentais
7; GI. 4: 13) ou pela oposição em Ate- indicam que ministro de Deus, e nosso
nas que tornou impossível a sua parti- cooperador (E.R.C.) é uma expansão
da (I Ts. 3: I)? Alguns acham que o de uma declaração original: ministro de
impedimento foi a promessa extorqui- Deus ou cooperador de Deus. A pri-
da de J asom e outros que Paulo não meira tem um pouco mais de aceita-
retornaria (Atos 17: 9). Crendo flrrne- ção, enquanto a última é mais surpreen-
mente na soberania de Deus, o apósto- dente (embora encontrada em I Co.
lo nunca desprezou a realidade do mal, 3: 9) e é menos passível de ser uma cor-
especialmente na pessoa de Satanás reção feita por algum escriba. Em ambos
(lTs.3:5; nCo.4:4; Ef.2:2; 6:12). os casos Paulo destaca a idoneidade para
19. A ligação emocional de Paulo realizar a sua missão.
com os tessalonicenses era quase exube- A preocupação através destas epís-
rante. Não sois vós? Isto parece ser um tolas é o bem-estar espiritual mais do
parêntesis dentro da pergunta principal: que o físico dos crentes. O propósito
"Qual é a nossa esperança ... diante de Timóteo era confirmar (fortalecer)
de ... ?" Coroa. Uma alusão à coroa e exortar (encorajar) em benefício de
de louros concedida aos vitoriosos nos (como Milligan observa, para promoção
jogos ou aos servidores públicos que se de) vossa fé, a qual aqui é ativa - a ex-
distinguiam. A esperança de Paulo, a periência dos crentes.
sua alegria, e a única razão de glória 3. O propósito de Timóteo foi ex-
era o pensamento das almas que pode- plicado melhor: evitar que fossem se-
ria apresentar a Cristo (cons. 11 Co. duzidos pelos judeus, que poderiam
1:14; 11:2; Fp.2:16). Vinda (parou- aproveitar-se da oportunidade oferecida
sia) originalmente significa "presença" pela aflição, para tentar seduzir os cren-
ou "chegada", mas mais tarde tomou tes, afastando-os de sua fé. Inquiete
um sentido técnico referindo-se à vi- (sainesthai'[ provavelmente retém algo
sita de um rei ou autoridade. Os escri- do seu significado original, ou seja, aba-
tores do Novo Testamento freqüente- nar o rabo, e, portanto, "enganar" ou
mente usam a palavra em relação à se- "adular". (Arndt, entretanto, prefere
gunda vinda de Cristo (I Ts. 2: 19; 3: 13; comover.) Aflições fazem parte da
4:15; IITs.2:1; Tg.5:7,8; IIPe.l: experiência cristã (Jo~ 16:33; Atos 14:
16; I Jo. 2: 28; e outras). 20. O escri- 22). Observe o nós. Paulo, que sofreu
tor assevera duplamente que os tessalo- mais do que devia, incluiu-se aqui com
nicenses sabem a resposta de sua per- os crentes sofredores. 4. Um elemento
gunta. Realmente tem um sentido con- essencial da mensagem do apóstolo aos
firmatório - "verdadeiramente". Vós tessalonicenses foi o sofrimento reden-

-228 -

I I , I I
'I I I
I TESSALONICENSES 3: 4-12

tor de Cristo (Atos 17: 3). A igreja nas- em Filipos, Tessalônica e Beréia fora
ceu do sofrimento (Atos 17: 6). Paulo seguida de solidão e indiferença em
trazia as marcas do vergonhoso trata- Atenas (3: 1; Atos 17: 32-34). Em
mento que lhe impuzeram em Filipos Corinto recebera uma oposição tão
quando evangelizou os tessalonicenses. obstinada que precisou ser divinamen-
Por isso, o sofrimento não devia apa- te confortado (Atos 18: 6-10). Não
nhá-los de surpresa. Predissemos. O foi por menos que fala de aflição (E.R.C.)
tempo imperfeito indica que Paulo os (pressões asfixiantes) e tribulação (so-
lembrava repetidamente. frimento sobre-humano. 8. Vivemos.
5. Compare 3: 1. Indagar. Desco- Nova vitalidade entrara no seu corpo
brir. Fé. Veja observação sobre 3: 2. descaído por causa das boas novas sobre
Tentador mostra o aspecto sedutor da a fé dos tessalonicenses e o sustentou
obra de Satanás. O diabo tentou usar enquanto escrevia (agora). Isto dimi-
as dificuldades físicas de Cristo para nuiria, entretanto, de intensidade se os
derrotá-lO espiritualmente (Mt. 4: 3), e crentes tessalonicenses não permaneces-
ele fazia o mesmo com os tessalonicen- sem firmados no seu relacionamento
ses. O verbo provasse está no indicativo com o Senhor. A forma verbal parece
aoristo e mostra que o tentador já está indicar que Paulo esperava confiante-
operando, enquanto o verbo ser está mente que permanecessem firmes.
no subjuntivo, jogando dúvidas sobre 9. Paulo não se atribuía o mérito
o sucesso de Satanás. pela ortodoxia ou crescimento da igreja.
2) O Bom Relatório de Timóteo. Fora Deus que dera o crescimento (I Co.
3: 6-10. Depois de recapitular a an- 3: 7). Ele não se sentia vaidoso mas
gústia que a igreja tinha passado, Paulo grato (cons. I Ts. 1: 2 e segs.; 2: 13 e
expressa seu completo alívio diante da segs.), regozijando-se (cons. 5: 18) dian-
chegada de Timóteo. te do nosso Deus, por ter Ele tomado
6. Agora, porém, com o regresso possível essa alegria. 10. As notícias
expõe o contraste entre a passada preo- que Timóteo trouxe aliviaram a preocu-
cupação de Paulo e sua atual confiança, pação de Paulo mas não diminuíram o
e indica que Timóteo acabou de chegar desejo de vê-los (cons. 2: 17, 18; 3: 6),
(cons. Atos 18: 5). Boas notícias. A um desejo provocado pelos fortes laços
raiz grega significa "evangelizar" e su- emocionais (vos ver pessoalmente) e pe-
gere que o relatório de Timóteo foi la necessidade de preencher as lacunas
virtualmente um "evangelho" para a na fé deles. Reparar as deficiências
alma ansiosa de Paulo. As boas novas (katartizo) significa preparar uma coisa
eram três: 1) a fé estava firme - fora a para o seu uso pleno e próprio.
principal preocupação de Paulo (I Ts. 3) A Oração de Paulo. 3: 11-13. 11.
3: 5, 7); 2) o amor era constante - ape- O mesmo. O destino de Paulo estava
sar das provações que poderiam ter controlado por Deus. O título comple-
desgastado a disposição deles; 3) a to de Cristo acentua a Sua majestade.
lembrança que tinham dos apóstolos Ele está intimamente associado a Deus
era sempre boa - apesar da reprovação como o recipiente da oração e como o
e perseguição que a visita dos evange- co-sujeito do verbo dirijam, a forma sin-
listas produzira. gular do qual (kateuthynai) junge os
7. Consolados, isto é, encorajados dois sujeitos Deus e Jesus intimamen-
(cons. 3: 2). O quinhão de Paulo não te.
fora fácil, mesmo enquanto aguardava 12. O Senhor, isto é, Cristo. Faça
notícias da Macedônia. A perseguição crescer ... no amor. Cons. Fp. 1: 9. O

-229 -
I TESSALONICENSES 3: 12-13 - 4: 1-3

amor tem a capacidade de crescer inde- toral nem à sua preocupação paternal
finidamente. Ele aumenta de intensi- se não aproveitasse cada oportunidade
dade para com um indivíduo e expande- para dar instrução espiritual. Para cum-
-se para abraçar os outros. O amor cris- prir a lei do amor ele tinha de dizer
tão é em primeiro lugar dirigido aos coisas indispensáveis. O relatório de
crentes (uns para com os outros) e de- Timóteo foi principalmente encoraja-
pois estende-se como o amor de Deus dor, mas sem dúvida incluía certas per-
para com todos. Este amor só pode guntas que Paulo apressou-se a esclare-
ser produzido pelo Espírito de Deus cer.
(CI. 1: 8; Gl. 5: 22). Mais do que sen-
timentalismo ou sentimentos afetuosos. A. Abstenha-se da Imoralidade. 4: 1-8.
O amor cristão é o desejo altruísta de Nenhuma tentação enfrentada pela igreja
proporcionar o bem-estar total dos primitiva era mais vexativa do que a da
outros. Como também o fazemos. O imoralidade. A proclamação do Con-
amor de Deus já se refletira nas palavras cilio de Jerusalém alistou a fornicação
e atos de bondade do apóstolo. entre as proibições cerimoniais feitas
13. Observe a conexão entre amor aos crentes gentios, tão amplamente
e santidade. Se o amor é a lei cristã aceita era esta prática entre os pagãos
(GI. 5: 14), então a santidade (separa- (Atos 15: 29). Paulo apresenta suas
ção para Deus) pode ser medida prin- razões da maneira mais vigorosa pos-
cipalmente pelo amor. O egoísmo cor- sível fundamentando a moralidade na
rompe esta santidade; por isso Paulo vontade e vocação de Deus e na nature-
ora no sentido dos tessalonicenses po- za do Espírito Santo que habita os cren-
derem viver em amor e serem imacu- tes.
lados (isentos de culpa) na santidade 1. Finalmente. A palavra marca uma
transição importante no assunto e suge-
diante da presença de nosso Deus, O
qual, sendo completamente santo, é o re que a conclusão da carta se aproxima.
único juiz adequado para a santidade. Vos rogamos. Pedimos. Exortamos é
Deus julga não como um crítico brutal, forte (cons. 2: 11 e 3: 2). Andar igua-
mas como Pai amoroso. O tempo do la-se a viver, como em 2: 12. A essência
acerto de contas é a vinda (parousia; da ordem de Paulo é que os tessaloni-
cons. I Ts. 2: 19) de Cristo. Santos, censes deviam continuar fazendo o que
literalmente. Provavelmente inclui os faziam, mas mais intensamente. Pro-
santos anjos e também os crentes mortos gredindo. Veja 3: 12 e 4: 10, "crescer",
revestidos de corpos "não feitos por com referência a outros usos de peris-
mãos" (11 Co. 5: 1), a espera da ressur- seuo. 2. O ministério de Paulo incluía
reição de seus corpos terrestres. Em re- instruções éticas como também evange-
lação a outras figuras pitorescas da vin- lismo. Instruções (ordens militares)
da de Cristo com todo o seu séquito que estavam selados com a autoridade
celestial veja (Mt. 24: 30, 31 e Ap. 19: de Jesus que é o Senhor, o exaltado so-
11-14). Os antecedentes no V.T. se en- berano de toda a vida.
contram em Zc. 14: 5. De acordo com 3. Depois de uma palavra geral de
Ap. 19-20 esta gloriosa vinda prepara estímulo, na qual ele também estabele-
o caminho para o reino milenial. ce sua autoridade, o apóstolo ataca o
problema que tem âfrente - prosti-
m. Exortações Práticas. 4: 1 - 5: 22. tuição. Ele começa positivamente: Deus
ordena e capacita a vossa santificação.
Paulo não seria fiel à sua vocação pas- Em contraste com 3: 13, onde a santi-

-230 -

I I I I 'I I I
I TESSALONICENSES 4: 3-8

dade (hagiosyne) foi considerada como guém se aproveite do seu irmão. Não
um estado, aqui a santificação (hagias- apenas seu irmão em Cristo mas seu pró-
mos) é considerada um processo - o ximo também. Esta matéria. No negó-
ato de ser santificado, separado para o cio ou neste negócio. O artigo definido
serviço de Deus. Que vos abstenhais. no grego liga esta declaração com o su-
Mantenham-se completamente separados jeito deste parágrafo - pureza sexual.
da. 4. Amplificação de abstenhais, etc. Neste versículo Paulo dá uma ilustração
O significado de vaso (E.R.C.) é difícil prática tanto da lei do amor quanto da
de entender. Muitos comentadores e conexão existente entre o amor e a san-
tradutores (Moffatt, por exemplo) inter- tidade que foi destacada em 3: 12, 13.
pretam vaso (E.R.C.) como "esposa", O dia do juízo lança sua extensa som-
apelando para certo costume judeu, bra sobre toda a vida. O Senhor ... é
de acordo com o qual uma esposa é o vingador, que providenciará que toda
comparada a um vaso. Milligan, Mor- a justiça seja feita.
ris, Phillips, e outros entendem que vaso 7. A ênfase está sobre chamou (cons.
(E.R.C.) é "corpo", segundo a analogia 2: 12). A salvação tem propósito, e a
de II Co. 4: 7. Esta tradução parece a impureza, poluição moral, não é o seu
preferível porque evita o baixo concei- propósito. Paulo aqui reitera o pensa-
to do papel da mulher no casamento, mento de 4: 3. A vontade de Deus es-
implícito na primeira interpretação. Se tabelece que o crente deveria viver em
vaso significa "corpo", ktasthai pode santificação (hagiasmos). Este é o pro-
significar possuir (como a E.R.A e cer- cesso (cons. 4: 3) mais do que o estado
tos papiros dão) mais do que o freqüen- de estar santificado (cons. 3: 13). 8. Re-
te adquirir. jeita (desprezar, tratar como indigno)
5. A santificação e a honra com a a ordem de buscar a pureza é infringir
qual o crente se controla contrasta di- uma lei divina; pois Deus colocou o Es-
retamente com a lascívia, etc. Em I Co. pírito Santo dentro do crente para fa-
7: 2, 3, 9 Paulo mostra que o casamento zê-lo santo. A ênfase está sobre santo:
dá oportunidade ao controle das paixões "Não foi por nada que o Espírito que
e não a sua vazão desenfreada. Desejo Deus nos deu é chamado de Espírito
de lascívia. Implica no desejo proposi- Santo" (Phillips). Aqueles a quem Ele
tado de se entregar aos baixos instin- habita são convocados a refletir a Sua
tos sexuais. A definição de gentios fei- santidade. Que nos deu (E.R.C.) de-
ta por Paulo é clássica - que não conhe- veria ser que ... vos dá (E.R.A.), de
cem a Deus. Não é um autocontrole acordo com os melhores manuscritos.
superior que separa o cristão do pagão, A declaração é claramente pessoal.
mas uma amizade íntima com Deus
B. Amem-se Uns aos Outros. 4: 9,
(cons. SI. 79: 6; Jr. 10: 25). Oséias e
Jeremias, ambos destacam a essenciali- 10. Uma segunda tentação acossava
dade do conhecimento de Deus (Os. a igreja primitiva - partidarismo e rixas
mesquinhas. A situação em Corinto
4': 6; 6: 6; Jr. 4: 22), envolvendo amor
exemplifica a luta dos crentes primiti-
e obediência. É a essência da salvação
(10.17:3). vos contra seu ambiente pagão (I Co.
3: 1 e segs.). O cristianismo brotou em
6. O significado social da castidade. uma terra e cultura onde os laços tri-
Ninguém ofenda nem defraude, isto é, bais eram fortes e a sociedade era mais
ninguém ultrapasse os limites de decên- comunitária que individualista. O mes-
cia humana e regulamentos sociais. Nin- mo não acontecia com a cultura gre-

- 231-
I TESSALONICENSES 4: 8-13

co-romana; por isso a constante ênfase o homem pode executar as mais servis
que Paulo dá ao amor. tarefas tendo consciência que está em
9. Amor fraternal (philadelphia) é o contato com o trabalho manual de
amor tribal, o amor entre os membros Deus; conseqüentemente, pode execu-
de uma família, Para os crentes primi- tá-las para a glória de Deus.
tivos, aceitar Cristo muitas vezes signifi- 12. O propósito duplo do trabalho
cava cortar laços familiares. Mas os diligente: viver apropriada e decorosa-
cristãos se ligavam a uma nova famflia, mente (dignidade) diante dos não-cris-
pois passavam a ser filhos de Deus, e tãos (para com os de fora, aqueles que
irmãos de todos os crentes. Por Deus estão fora dos limites da salvação); des-
instruídos. Pelo exemplo bondoso de frutar da liberdade que a independên-
Deus (10.3: 16) e pelo Espírito, que cia financeira pessoal concede. Sua di-
derrama o amor de Deus em nossos co- ligência realçaria seu testemunho junto
rações (Rm.5:5). 10. Os extensivos aos de fora; sua "honrada independên-
(todos os irmãos por toda Macedônia) cia" (Phillips) ajudá-los-ia a cumprir a
atos de amor (cons. 1: 3) dos tessalo- lei do amor, não vivendo às custas de
nicenses eram prova de que tinham a- outros crentes.
prendido bem a lição do amor de Deus.
Mas não havia lugar para a complacên- D. Confortem-se Mutuamente com a
cia. Paulo insiste com ternura (irmãos) Esperança da Segunda Vinda. 4: 13-18.
a que aumentem cada vez mais o seu Entre os problemas trazidos por Timóteo
amor (cons. 3: 12; 4: 9,10). que despertaram a atenção de Paulo
estava o papel dos crentes mortos no
C. Cuidem de Seus Próprios Negó- segundo advento de Cristo. Nos co-
cios. 4: 11, 12. Esta seção deveria ser mentários de Paulo, a ênfase parece
intimamente ligada com a anterior, ter sido sobre a iminência da volta. Mas
pois diligência altruísta é uma mani- a perseguição e as aflições ao que parece
festação do amor fratemal cristão. ceifaram algumas vidas. O que seria
11. Diligenciardes. Philotimeomai o- desses? Os mortos seriam privados de
riginalmente significa ser ambicioso. mas participar desse Grande Evento? Pelo
no N.T. (cons. Rm.15:20; IICo.5:9) contrário, diz Paulo, eles participarão
significa "lutar avidamente", "aspirar". plenamente das glórias daquele dia. A
A cláusula é pitoresca: lutai avidamente morte e ressurreição de Cristo são a ga-
para viverdes quietos. Deviam lutar rantia disso. Essas confortadoras pala-
por mais dois alvos: cuidar, etc. (cui- vras de Paulo não tinham a intenção de
dar de sua própria vida) e trabalhar, dar um quadro sistemático dos últimos
etc. Ao que parece alguns crentes eram acontecimentos, mas foram provocadas
intrometidos e preguiçosos. A esperan- pelo problema imediato.
ça da iminente Segunda Vinda trans- 13. Não queremos, etc. Compare
formara-se em desculpa para a ociosi- com Rm.l: 13; 11: 25; I Co. 10: 1; 12:
dade (cons. 11 Ts. 3: 11). Os gregos des- 1; 11 Co. 1: 8, onde, como aqui, a decla-
prezavam o trabalho manual, e Paulo ração introduz um novo e importante
ensinara aos tessalonicenses por pala- assunto. Em cada exemplo usou-se o
vra (o Senhor fora carpinteiro) e por vocativo irmãos para acrescentar uma
exemplo (o apóstolo era fazedor de nota de ternura. Dormem. Estar "mor-
tendas) que a doutrina cristã da criação to em Cristo" (4: 16) é estar dormindo,
implica na doutrina cristã da vocação: pois Cristo com a Sua morte e ressurrei-
Deus fez todas as coisas boas; portanto, ção (4: 14) arrancou o aguilhão da morte.

-232 -

I I I I ,
'I I I
I TESSAWNlCENSES 4: 13-17

Nenhuma alusão ao "sono das almas" essa possibilidade (cons. I Co. 15: 51 e
está envolvido. Paulo tinha em mente segs.). De modo algum precederemos.
os corpos dos crentes mortos. Os demais, De modo nenhum não iremos primeiro.
os que estão fora de Cristo (cons. 4: 12). 16. O fato muito importante é que
Não têm esperança. Este poderia muito o Segundo Advento centraliza-se na ati-
bem ser o epitáfio dos incrédulos. Espe- vidade do Senhor mesmo. As frases
rança refere-se à Segunda Vinda, com concisas desenvolvem o seguinte drama:
todas as bênçãos inerentes. Tristeza e 1) com alarido (E.R.C.), uma convoca-
solidão são os companheiros inescapá- ção como a de um oficial aos seus sol-
veis da morte, mas dor amarga e deses- dados, provavelmente dada pelo Senhor;
pero não tinham lugar nas emoções 2) ouvida a voz do arcanjo, pode ser
de um crente enlutado, porque ele sabe uma explicação do alarido; tanto voz
de antemão o capítulo final do enredo como arcanjo são indefinidos no grego,
da história. e a idéia é provavelmente de uma voz
14. Se cremos. "E nós realmente como a de um arcanjo, conforme sugere
cremos" é a idéia transmitida pela cons- Milligan; 3) ressoada a trombeta de
trução grega. Jesus morreu. "Dormiu" Deus, uma trombeta dedicada ao ser-
não vai bem aqui. Cristo tomou o cá- viço de Deus (Milligan); em I Co. 15:
lice da morte até o fim para que pudes- 52 Paulo menciona duas vezes uma trom-
se triunfar sobre ela (Hb. 2: 14, 15). beta em conexão com a Segunda Vinda
E ressuscitou. Seu triunfo assegura o (cons. Joel2: 1; Is. 27: 13; Zc. 9: 14
nosso (cons. I Ts. 1: 10). Deus aqui no V.T.). Estas três frases transmitem
é enfático. Ele que ressuscitou Jesus o esplendor da cena e a majestosa auto-
é o Avalista e Agente de nossa ressur- ridade do Senhor. Os mortos em Cris-
reição. Os que dormem são os que dor- to. Os corpos dos crentes mortos. Pri-
mem por causade Jesus, pois a idéia é que meiro. Os crentes mortos precederão
através dEle a morte transformou-se em os vivos.
sono. Em sua companhia. Paulo res- 17. Nós os vivos, os que ficarmos.
ponde a pergunta principal: Os crentes Veja 4: 15. Seremos arrebatados. Leva-
mortos não perderão a parousia; Deus dos para cima súbita e poderosamente.
providenciará que acompanhem Cristo Juntamente com eles. Os membros do
na Sua volta triunfal (3: 13). corpo de Cristo serão reunidos uns com
15. Por palavra, etc., dá autoridade os outros e à Sua magna Cabeça. Entre
às declarações de Paulo (cons. I Co. 7: nuvens aumenta o mistério e o drama
10). A fonte da palavra não é certa. do acontecimento (cons. Mt. 24: 30;Atos
Entre as possíveis: 1) Mt. 24: 30,31 e 1: 9; Ap. 1: 7). Nos ares. A preemi-
passagens paralelas; 2) algum pronun- nência absoluta de Cristo está subli-
ciamento de Cristo que não foi registra- nhada pelo uso que faz da habitação dos
do (cons. Atos 20: 35); 3) uma revela- espíritos do mal (Ef. 2: 2; 6: 12) para
ção especial do Senhor (cons. 11 Co. este encontro. Com o Senhor. O cen-
12:1; G1.1:12,16; 2:2). Nós os vi- tro da passagem - comunhão sem fim
vos. Paulo destaca freqüentemente a com Cristo. Onde? Todo o séquito su-
iminência da volta de Cristo (I Co. 7: birá ao céu ou voltará à terra? Qualquer
29; Fp. 4: 5). Como todos os crentes, resposta dada dependerá da total inter-
ele esperava viver para participar do pretação da escatologia do N.T. que for
acontecimento (I Co. 16: 22; Ap. 22: adotada. Os pré-tribulacionistas situam
20). Sem declarar que Cristo viria du- a ascensão com a subseqüente volta à
rante a sua vida, parece que ele aceitava terra. Os pós-tribu1acionistas defendem

-233 -
I TESSALONICENSES 4: 18 - 5: 1-5

que a descida à terra se seguirá a esta 14 e segs. O dia é o tempo da justa in-
reunião. tervenção de Deus na história, quando
18. Para uma igreja que lutava por Ele cobrará a justa dívida da humanida-
manter-se dentro de uma sociedade que, de. Em II Ts. 2: 2 e segs. esse dia está
na melhor das hipóteses, era incauta, relacionado com a grande apostasia e a
e na pior, hostil, estas palavras eram revelação do Anticristo, isto é, o perío-
realmente confortadoras. Devemos notar do da Tribulação. Ladrão, etc. faz lem-
que Paulo não discute aqui a relação do brar Mt.24:43 e Lc.12:39. A figura
Arrebatamento com a Tribulação. descreve a qualidade inesperada do acon-
tecimento.
E. Vivam como Filhos do Dia. 5: 1-11. 3. O fato de pois não se encontrar nos
A discussão dos participantes da parou- melhores manuscritos indica que este
sia leva a perguntas sobre o tempo e os versículo deve ser intimamente ligado
sinais da parousia. Em resposta Paulo ao precedente. (Eles) andarem dizendo,
alerta os crentes a estarem constante- isto é, os incrédulos. Paz e segurança
mente preparados. Vigilância e sobrie- faz vir à mente passagens do V.T. tais
dade são as atitudes próprias, enquanto como Amós 5: 18, 19; Mq. 3: 5-11; Ez.
a fé, o amor e a esperança são o arsenal 13: 10, as quais descrevem um falso
do cristão. sentimento de paz e segurança. Des-
1. Paulo sem dúvida transmitiu pes- truição. Ser objeto da justa ira de Deus
soahnente estas importantes palavras é ser completa e irremediavehnente des-
de Cristo aos tessalonicenses: "Mas aque- truído, talvez pela separação de Deus
le dia e hora ninguém sabe ... " (Me, (lI Ts. 1: 9). Como vem a dor do parto.
13: 32, 33). Nada necessita ou precisa Esta comparação é freqüente no V.T.
ser dito sobre o tempo da Segunda Vin- (Is. 13: 8; Os. 13: 13; Jr. 4: 31) e nos
da. Tempos (kronon, período de tempo) Evangelhos (Mt. 24: 8; Mc. 13: 8). Não
significa os períodos cronológicos que é dor, mas a subitaneidade e inexora-
vão se passar antes da Segunda Vinda; bilidade do dia que Paulo está desta-
enquanto épocas (kairon, tipo ou quali- cando. Uma vez começado o trabalho
dade de tempo) refere-se aos aconteci- de parto, não há meios de fazê-lo parar.
mentos significativos, as ricas oportu- 4. Mas, vós, irmãos, enfatiza o forte
nidades que transpiram durante essas contraste entre os crentes e os incré-
épocas (cons. Atos 1: 7). dulos. Trevas é mais do que ignorância;
2. Vós mesmos estais inteirados com é a separação moral e espiritual do in-
precisão. Paulo cuidadosamente infor- crédulo de Deus (cons. Jo. 3: 19,20;
mara os crentes que preparo constante lICo.6:l4; Ef.5:8; C1.1:l2,13).
era obrigação do cristão. O dia do Se- 5. Tendo declarado o que os crentes não
nhor deve ser visto em comparação com são, Paulo volta-se para o que eles são,
o seu antecedente do V.T. O termo era e acrescenta todos para tornar a decla-
corrente em Israel antes do período de ração mais inclusiva. Ser filho da luz
Amós, mas era aplicado apenas ao juízo é ser caracterizado pela luz. Lucas 16:
de Deus contra os gentios. Numa passa- 8 e Ef. 5: 8 contém exemplos desta ex-
gem pitoresca, não diferente de I Ts. pressão idiomática semita. Deus, a fonte
5: 2-4, Amós corrige esta interpretação da luz, é chamado de "o Pai das luzes"
errônea, fazendo ver que um Deus justo (Tg. 1: 17). Filhos do dia, além de tor-
julga o pecado onde quer que o encontre nar a enfatizar a frase precedente, faz
- até mesmo em Israel (Amós 5: 18-20). também lembrar o dia do Senhor. Os
Cons. J 0011: 15; 2: 1, 2, 31 , 32; Sf. 1: crentes são filhos desse dia porque par-

-234-

I I I I I
'I I I
I TESSAWNICENSES 5: 5-12

ticipam da Sua glória e triunfo. são de vida e promessa de comunhão


6. Pois. Uma vez que somos filhos do eterna. O custo desse legado não deve
dia. Durmamos. Não fisicamente mas ser aceito sem a devida consideração,
moral e espiritualmente, como em Mc. como nos faz lembrar o que morreu por
13: 36; Ef. 5: 14. Os demais. Cons. nós. Vigiemos e durmamos são figuras
I Ts. 4: 13. Vigiemos faz lembrar as de "viver" e "morrer". A morte triun-
injunções de Cristo acerca de Sua vinda fante de Cristo perfurou a linha antes
em Mt.24:42; 25:13, etc. Desper- espessa entre a vida e a morte (4: 14,
tamento físico e mental é o que está 15; cons. também a promessa de Cristo
implícito. Sejamos sóbrios (cons. 11 Tm. em Jo. 11: 25, 26).
4:5; IPe.1: 13; 4:7; 5:8) fala não 11. Edificai-vos, uma expressão fa-
tanto da ausência de bebedeiras como vorita de Paulo para a "promoção do cres-
da rígida disciplina de toda uma vida cimento e maturidade espirituais" (cons.
bem equilibrada. 7. Dormir e beber I Co. 3: 9 e segs.; 14: 4; Ef. 2: 21 e segs.).
são hábitos que geralmente se executam Esta metáfora e a da armadura (I Ts. 5 :
â noite. Portanto, não têm lugar na 8) são lembretes de que Paulo, um ci-
vida dos filhos do dia. Não há nenhuma dadão de "uma cidade que não é me-
necessidade de interpretarmos esta pas- díocre", extraía suas figuras de lin-
sagem figuradamente. 8. Nós, porém, ... guagem principalmente do cenário ur-
(em contraste com os "demais") seja- bano e não do rural. Como também
mos sóbrios. A sobriedade deve ser um estais fazendo. O tato de Paulo com-
hábito para o crente, uma vez que ele binou uma vigorosa exortação com um
pertence ao dia. Freqüentemente Paulo fervoroso elogio.
fala de equipamento espiritual em ter-
mos de armadura (cons. 11 Co. 6: 7; F. Abstenham-se do Mal; Adotem o
10:4; Ef. 6: 13 e segs.; no V.T., IS.59: Bem. 5: 12-22. Paulo termina sua car-
17). A trindade das virtudes (cons. ta com breves exortações sobre atitu-
I Ts, 1: 3) protege o crente da compla- des sociais, pessoais e espirituais.
cência e desespero que caracterizam os 1) Em Relação aos Outros. 5: 12-15.
filhos da noite. Esperança da salvação A seguir, o apóstolo apresenta alguns
é a expectativa ansiosa de ser libertado poucos princípios em relação a seus lí-
da ira final de Deus (1: 10) e ser desti- deres espirituais, outros cristãos, os
nado â glória e à comunhão com Deus fracos e desamparados, e todos os ho-
-eternamente. mens.
9. O motivo dessa esperança (5: 8) é 12. Acateis aqui deve significar "re-
que Deus destinou os crentes para isso conheçais o valor de", "aprecieis". Tra-
e não para a ira (cons. 1: 10). Desti- balham. Cons. 1: 3; 2: 9. Dirigir uma
nou (etheto), embora sem a limitação igreja aflita, que luta, poucas vezes tem-'
de "predestinou" (Rm. 8: 29 e segs.), -se comprovado ser fácil. Entre vós. O
atribui contudo a salvação ao "propó- termo que foi usado aqui, ao que parece,
sito direto e à ação de Deus" (Milligan). não é técnico, mas refere-se a um tipo,
Alcançar implica em que o crente deve geral e informal de liderança. Entre-
reagir ativamente. A salvação está â tanto, é provável que os anciãos (pres-
disposição mediante (por meio de) nos- bíteros) sejam os referidos (cons. Atos
so Senhor Jesus Cristo. O título com- 20:17; 21:18; ITm.5:17,19). No
pleto transmite a majestade de Jesus, o Senhor mostra que Paulo está falando
Messias. 10. A salvação inclui, além do de autoridade espiritual, a qual envol-
livramento da ira (1: 10; 5: 9), conces- ve admoestação ou advertência, especial-

-235 -
I TESSALONICENSES 5: 12-20

mente onde esteja envolvida conduta raizada no relacionamento inexpugnã-


repreensível (cons. ITs.5:14; IITs. vel da pessoa com Deus (cons. Fp. 2: 18;
3: 15). 13. Amor fornece a estrutura 3: I; 4: 4). Na verdade, a alegria pros-
e o contexto para essa alta estima; por pera na tribulação quando um crente
causa do trabalho que realizam fornece discerne o propósito glorioso de Deus
o motivo. A tarefa de sustentar e for- (Rm. 5: 3-5; Tg. 1: 2 e segs.). Essa ale-
talecer os crentes é digna de respeito gria não é gerada pelo ego mas é fruto
em si mesma. Vivei em paz. Aviltar do Espírito (Gl. 5: 22). 17. A oração
a liderança ou criticar a autoridade é é tanto atitude como atividade. A ati-
semear a discórdia. O bem-estar da co- tude de devoção a Deus pode ser sem
munidade cristã (uns com os outros) cessar (cons, comento sobre 1: 3), mes-
depende da cooperação cordial dos se- mo que a atividade não for sem cessar.
guidores com os líderes. Paulo exemplifica a ordem dada, pois
14. Dirigida aos líderes da igreja e suas cartas são perfumadas com a fragrân-
aos espiritualmente amadurecidos. Ad- cia da oração. 18. Em tudo. Todas as
moesteis. Cons. "admoestam" em 5: 12. circunstâncias, até mesmo as dificul-
Insubmissos. Fora de ordem. Uma pa- dades e aflições. Esta, embora singular,
lavra militar descrevendo soldados que parece encampar os três mandamentos
desertam das fileiras. Essa desordem de 5: 16, 17,18. A vontade de Deus
provavelmente se refere à negligência inclui alegria constante, oração sem ces-
proposital dos deveres cristãos, incluin- sar e ação de graças ilimitada, atitudes
do o dever de trabalhar (4: 11 , 12; 11 que são necessárias e possíveis em Cris-
Ts. 3: 6-15). Os desanimados. Timi- to Jesus.
dos, isto é, os que se desesperam dian- 19. A construção em grego sugere
te das circunstâncias adversas. Ampa- a seguinte tradução: Parem de extin-
reis os fracos. Dar uma ajuda àqueles guir o Espirito. Apagueis descreve apro-
que são espiritualmente frágeis (cons. priadamente o impedimento do Espí-
Rm. 14: 1; I Co. 8: 9,11). Sejais lon- rito, cuja natureza tem sido comparada
gânimos para com todos. Isto resume ao fogo (Mt.3:11; Atos2:3,4). À luz
a atitude básica que deve prevalecer de 5: 20, este versículo parece indicar
quando alguém procura ajudar os desor- que alguns crentes precavidos puzeram
deiros, os de pouco ânimo e os irmãos em dúvida o uso dos dons espirituais
fracos (cons. Ef. 4: 2), e assim reflete na igreja. Esta situação seria oposta a
a prória atitude de Deus (Rm. 2: 4; 9: de I Co. 12-14, onde encontramos um
22; I Pe. 3: 20). 15. Caráter vingativo zelo não gracioso em superar uns aos
e represália não deve se alojar dentro outros no exercício dos dons espirituais.
da morada da fé, pois o Mestre o proí- É possível, entretanto, que a declara-
be claramente (Mt. 5: 43 e segs.). Segui. ção de Paulo aqui seja generalizada, proi-
Persegui, ide após. O bem. No sentido bindo-os de interromper a operação re-
bom, útil, proveitoso. Para com todos finadora e convincente do Espírito em
inclui os incrédulos (cons. IPe. 2: 17). suas vidas (cons. Ef. 4: 30). 20. Em I Co.
2) Em, Relação às Atitudes Básicas. 14: 1 os crentes são instados a buscar
5: 16·22. Por meio de declarações em o dom da profecia, pronunciamentos
"staccato" , Paulo aplica suas exorta- públicos de profundas verdades orienta-
ções fmais. dos pelo Espírito. Este dom pode ter
16. A alegria cristã não é amorte- sido abusado; mas o abuso não impede
cida por aflições ou quaisquer outras o uso. O elemento preditivo nas profe-
circunstâncias adversas, porque está en- cias bfblícas jamais deveria ser superen-

-236-

I I I I
'I I I
I TESSALONICENSES 5: 20-27

fatizado ou desprezado. A tarefa do vras são usadas para indicar o ser com-
profeta é contar o que Deus lhe disse, pleto, "seja o lado imortal, pessoal
inclusive o que vai acontecer. Com re- ou físico" de uma pessoa (Milligan).
ferência ao ministério profético no N.T., Paulo ora para que sejam conservados
veja ICo.12:28 e Ef.2:20; 3:5; 4: 11. (guardados) do juízo à vinda de Cristo.
21. Julgai todas as cousas refere-se 24. Fiel é o que só pode se referir a
em primeiro lugar aos pronunciamen- Deus (cons. 1 Co.1:9;. 10: 13; 11 Co.
tos que pretendem ser profecias. Não 1: 18; 11 Ts. 3: 3; 11 Tm. 2: 13; Hb.
devem ser aceitas com credulidade mas 10: 23; 11: 11). A única garantia que
devem ser testadas por revelações mais qualquer crente terá de um relatório
objetivas e especialmente pelas pedras-de- digno no juízo fma1 é a fidelidade divi-
-toque do Senhorio de Cristo (I Co. 12: 3) na. Sua chamada carrega em si o com-
e da encarnação (I Jo. 4: 1-3). Que é bom, plemento bem sucedido dos seus pro-
isto é, coisa genuína, não falsificada. pósitos (Rm. 8: 30; Fp. 1: 6).
22. A ordem negativa de Paulo é
esta na realidade: Abstenham-se de toda B. Pedido de Oração. 5: 25.
espécie de mal. Eidos (forma) foi fre- Um meigo pedido revelando que
qüentemente usado nos papiros no pe- Paulo dependia dos seus irmãos em Cris-
ríodo greco-romano para indicar "clas- to (cons. Rm. 15: 30; Ef. 6: 19; C1.
se", "sorte", "tipo". Tem-se observado 4: 3 e segs.; 11 Ts. 3: 1 e segs.
muitas vezes que, enquanto "o bem" C. Saudação Final. 5: 26.
no versículo 21 está no singular, o mal, Uma conclusão adequada para uma
segundo o texto, tem muitas e diferentes carta cheia de expressões de afeição.
formas. O fraseado lembra Jó 1: 1,8; Paulo inclui todos os irmãos, até mes-
2:3. mo aqueles que causaram problemas.
Ósculo santo. Seu caráter era com-
IV. Conclusão. 5: 23-28. pletamente divorciado do aspecto sen-
sual. Uma pura prova de profunda
A. Oração Final. 5: 23,24. Paulo emoção de amor cristão, esse tipo de
envolve todas as suas exortações em beijo permaneceu um costume cris-
uma oração pela santificação, e asse- tão até que o abuso e a má interpre-
gura os crentes que um Deus fiel aten- tação dos pagãos levou a sua prática
dê-la-á. ao fim. Para outras referências do N.T.
23. O mesmo Deus da paz é o pró- ao ósculo santo, veja Rm. 16: 16; 1 Co.
prio Deus, único concessor da paz, um 16: 20; 11 Co.13: 12; também 1 Pe. 5:
título divino caracteristicamente pauli-
14 ("beijo de amor").
no (cons. Rm. 15: 33; 16: 20; 11 Co.
13: 11; Fp. 4: 9; 11 Ts. 3: 16). Embo- D. Ordem para Leitura da Carta. 5:
ra a submissão e obediência humanas 27.
sejám necessárias, a santificação é uma (Eu) Conjuro-vos. Eu lhes suplico,
operação essencialmente divina (cons. sob juramento. Paulo queria certifi-
Rm.15: 16; Ef. 5: 26). Tudo (holo- car-se de que a carta seria lida diante
teleis) implica que nenhuma parte está de todos os irmãos (santos não se en-
faltando; o todo da pessoa deve ser con- contra nos melhores manuscritos). A
servado irrepreensível. Espírito, alma, linguagem é firme, e muda do eu para
e corpo não deveria provavelmente ser nós, reforçando a ordem. Paulo talvez
interpretado como uma análise final antecipasse algum faccionismo que po-
da natureza do homem. As três pala- deria usar fraudulentamente a sua carta

-237 -
I TESSALONICENSES 5: 27-28

(cons. 11 rs. 2: 2). Mas parece mais contínuo favor de Cristo. Observe que
provável que a sua urgente necessida- o apóstolo enfatiza a majestade de Cris-
de de comunhão forçou-o a certificar-se to, mencionando seu título completo
de que ninguém ficaria de fora. - Senhor Jesus Cristo. O amém (E.R.C.)
e a subscrição mencionando Atenas
E. Bênção. 5: 28. como se fosse o local onde escreveu a
Paulo termina como começou - com carta, foram omitidos nos melhores
uma oração invocando a graça, isto é, o manuscritos.

-238-

I i i I I 'I I I
A SEGUNDA EPISTOLA AOS TESSAWNICENSES

INTRODUçAO

Desenvolvimento das Idéias. Sentin- o destino dos crentes é diferente por-


do-se grato pela fé, amor e paciência que Deus os chamou para a salvação.
dos crentes na perseguição, Paulo expli- Este senso de chamada, ao lado do mi-
ca o propósito dessa perseguição, a qual nistério do Espírito, há de mantê-los
refina os crentes para a glória futura e firmes nos momentos de tribulação.
sela o destino dos inimigos de Deus. Paulo, também, enfrenta oposição em
A vinda de Cristo reverterá a presente seu ministério e conforta-se a si mesmo
situação, trazendo descanso aos aflitos e aos seus amigos com o lembrete da
e a separação de Deus para os seus pertur- amorosa fidelidade de Deus e a pacien-
badores. te constância de Cristo [cap. 3).
Apesar das notícias adversas, o Dia
do Senhor não chegara ainda (cap.2). A diligência, não a preguiça, é o ca-
A rebeldia e o homem da iniqüidade rimbo da conduta cristã, conforme Paulo
terá de aparecer primeiro. Todas as ensinou por meio de instrução e exem-
formas de adoração, verdadeiras ou fal- plo. Onde prevalecesse a má interpre-
sas, serão substituídas pela adoração a tação da iminência do advento de Cristo,
esse iníquo. Seu tempo será curto ape- ou orgulho espiritual que desdenha o
sar de seus ilusórios poderes satânicos. trabalho manual, seria necessário apli-
À vinda de Cristo, quando as trevas car firme mas carinhosa compulsão so-
forem dissolvidas pela luz, ele será mor- bre os desordeiros. (Com relação à data,
to e seus iludidos seguidores também ocasião, etc. veja a Introdução ã I Tes-
serão julgados. salonicenses.)

ESBOÇO

I. Introdução. I: 1,2.
A. Autores, 1: la.
B. Destinatários. 1: 1b.
C. Bênção. 1: 2.
11. Encorajamento na perseguição. 1: 3-12.
A. Elogio pela constância. 1: 3, 4.
B. Explicação dos propósitos da perseguição. 1: 5-10.
C. Intercessão por um contínuo crescimento espiritual. 1: 11, 12.
Ill. Instruções quanto ao Dia do Senhor. 2: 1-12.
A. Por vir no futuro. 2: 1,2.
B. Será precedido por sinais definidos. 2: 3-12.
IV. Ação de graças e exortações. 2: 13-17.
A. Louvor pela chamada deles. 2: 13-15.
B. Oração por conforto e estabilidade para eles. 2: 16, 17.
V. Declaração de confiança. 3: 1-5.
A. Pedido de oração. 3: 1,2.
B. Lembrete da fidelidade divina. 3: 3-5.
VI. Ordem para trabalhar. 3: 6-15.
A. Esquivem-se dos ociosos. 3: 6.

-239 -
11 TESSAWNICENSES 1: 1-5

B. Imitem-nos. 3: 7-9.
C. Trabalhem ou não comam. 3: 10.
D. Exortem os ociosos. 3: 11-13.
E. Advirtam e disciplinem os desobedientes. 3: 14, 1S.
VII. Conclusão. 3: 16-18.
A. Bênção. 3: 16.
B. Assinatura de Paulo. 3: 17.
C. Bênção Apostólica. 3: 18.

COMENTÁRIO

I. Introdução. 1: 1,2. Cristo (I Ts. 2: 19), gloriando-se dos tes-


salonicenses entre as igrejas onde tra-
Esta carta começa tal como I Tessa- balhava. Constância, isto é, paciência,
lonicenses. A única adição é a menção como em I Ts. 1: 3. Fé, pistis, às vezes
de Deus nosso Pai e Senhor Jesus Cristo tem o significado de "fidelidade" (Rm.
como os doadores da graça e paz (1: 2). 3: 3; Gl. 5: 22, por exemplo). Embora
11. Encorajamento na Perseguição. 1: esse significado se encaixe bem aqui,
3-12. é mais provável que fé se refira ao ato
de confiar, como em 11 Ts. 1: 3 e nos
A. Elogio pela Constância. 1: 3, 4. demais lugares onde se encontra nestas
O fio da gratidão de Paulo não ficou epístolas. Perseguições (diogmois) é
embotado desde quando escreveu a pri- um termo específico, referindo-se aos
meira epístola. Sinceramente elogia ataques dos oponentes do Evangelho
os crentes por sua fé, amor e estabi- (cons. Atos 8: 1; 13: 50), enquanto que
lidade no meio de desapiedada perse- tribulações (th/ipsesin) são pressões mais
guição. generalizadas (cons. Mt, 13: 21 e Me,
3. Cumpre-nos dar sempre transmi- 4: 17). O tempo presente de que supor-
te o senso da dívida pessoal de Paulo tais sugere que esta amarga oposição era
para com Deus por causa do cresci- uma realidade presente.
mento dos tessalonicenses. Como é jus-
to. Isto é, "Sua conduta merece tal
ação de graças". A vossa fé cresce so- B. Explicação dos Propósitos da Per-
bremaneira. Preocupado na primeira seguição. 1: 5-10. Confiança e estabi-
carta por causa da fé deles (I Ts, 3: 5, lidade na perseguição são evidências do
10), aqui o apóstolo se regozija por justo juízo de Deus, que está preparan-
causa de seu excepcional desenvolvi- do os sofredores justificados para o Seu
mento. Tendo os encorajado a desen- Reino e os Seus oponentes para Sua ira.
volverem o seu amor (I Ts. 3: 12), aqui 5. Sinal evidente refere-se não tanto
ele observa que o amor ... vai aumentan- à perseguição mas à fé e firmeza deles
do entre eles. Em I Ts. 1: 3 ele os elogia na perseguição. Essa atitude de firmeza
pela firmeza da ... esperança. Aqui, é evidência clara ou explúcita indicação
esta declaração estaria ausente porque que o reto juízo de Deus será favorável
o problema central desta carta é a má no caso deles (cons. 11 Co. 4: 16 e segs.
interpretação da esperança? e Fp. 1: 28). Embora este justo juízo
4. Nós mesmos nos gloriamos de culmine com o fim, já está em opera-
vós. Nós nos jactamos a seu respeito. ção (10.3: 19). O juízo tem um pro-
Ele antecipou sua jactância à vinda de pósito definido nas vidas dos crentes:

-240 -

I I I I
'I I I
11 TESSAWNICENSES 1: 5-11

para que sejais considerados dignos. antes, ruína total, a perda de tudo o que
"Faz parte do reto juízo de Deus usar tem valor. Especificamente, é a sepa-
as tribulações para aperfeiçoamento do ração da presença (face) do Senhor, a
Seu próprio povo" (Morris). Reino. Ve- verdadeira fonte de todas as coisas
ja observação em I Ts. 2: 12. Pelo qual, boas. As descrições que o Novo Tes-
isto é, por causa do qual. Cons. As bea- tamento faz dos sofrimentos do infer-
titudes de Cristo em Mt. 5: 10-12. 6. O no são numerosas: "fornalha de fogo"
juízo final trará uma justa inversão das (Mt. 13: 42); "lago de fogo e enxofre"
atuais circunstâncias: os perseguidores (Ap. 20: 10); "trevas exteriores" (Mt.
serão os perseguidos, enquanto suas ví- 25: 30), etc. Mas nenhuma é mais des-
timas descansarão. Se de fato, isto é, critiva que esta figura de exclusão com-
uma vez que realmente. É justo. A jus- pleta e eterna da presença dAquele que
tiça de Deus seria prejudicada se esse é vida, luz e amor. Da glória do seu
tipo de oposição maligna tivesse per- poder. A "visível manifestação da gran-
missão de florescer permanentemente. deza de Deus" (Morris).
Atribulam, isto é, atormentam. 10. Quando (hotan) é indefinido.
7. Alívio. Um abrandamento das Nos seus santos. Os crentes são a es-
tensões. Conosco, os apóstolos que fera na qual Cristo será glorificado
não desconhecem a tribulação nem o quando vier. "Ele será glorificado neles,
desejo do alívio. Quando ... se mani- exatamente como o sol é refletido em
festar (cons. I Co. 1: 7 e especialmen- um espelho" (Alf). Este é o ponto cul-
te Lc. 17: 30). Anjos do seu poder é, minante de um processo já começado
literalmente, como está. Isto é, anjos (10. 17: 10; 11 Co. 3: 18). E ser admi-
que são símbolos e ministros do seu po- rado. Esta revelação da glória de Cristo
der. Veja observação sobre I Ts. 3: 13. nos crentes será espantosa e maravilho-
As parábolas do reino contadas por sa para todos os que participarem dela.
Cristo (cons. Mt.13:4l,49; 25:31, Naquele dia deve ser ligado com e ser
32) também relacionam os anjos com admirado. A cláusula final é parenté-
o Juízo. 8. Com chama de fogo. Para tica e de difícil relacionamento dentro
antecedentes no V.T. veja Is, 66: 15 do versículo. Talvez a melhor inter-
e Dn. 7: 10, 11. O sujeito de tomando pretação seja que é uma expressão con-
(proporcionando) vingança (castigo com- densada, devendo ser traduzida conforme
pleto) é o Senhor Jesus de 11 Ts. 1: 7. Phillips sugere: "em todos os que crêem
O Pai confiou-lhe todo o julgamento - inclusive vocês, pois vocês creram na
(Jo. 5: 22,27). Os objetos da ira de mensagem que lhes transmitimos".
Cristo são os que não conhecem a Deus
e não obedecem ao evangelho. Alguns C. Intercessão por um Contínuo Cres-
sugerem que são dois os grupos indica- cimento Espiritual. 1: 11,12. Tendo
dos - gentios (cons. I Ts. 4: 5) e judeus. esclarecido aos tessalonicenses os sobe-
É mais provável que seja uma referên- ranos propósitos divinos na perseguição
cia coletiva a todos aqueles que se re- que estavam experimentando e seus
cusam a agir com base naquilo que sa- gloriosos resultados, o apóstolo reafir-
bem a respeito de Deus e aqueles, que ma sua preocupação constante, em ora-
mais especificamente, rejeitam a reve- ção, de que a dedicação dos crentes
lação em Cristo. completa os desígnios de Deus.
9. A natureza da vingança: sofrerão 11. Por isso. Com este propósito,
penalidade de eterna destruição. Ani- relacionando-se a todo o trecho de 1: 5-
quilação não é o pensamento aqui, mas, 10. Vocação geralmente se refere à

-241-
fi TESSAWNICENSES 1: 11-12 - 2: 1-3

chamada inicial de Deus à salvação, espírito - notícia de alguma revelação


mas a idéia aqui provavelmente inclui especial recebida por Paulo; 2) palavra
o ponto culminante desse ato inicial - notícia de algum sermão pregado por
(cons. I Ts. 2: 12). Todo propósito de Paulo; 3) epístola - uma epístola falsa.
bondade (sua não se encontra no texto Como se procedesse de nós, dando a
grego) refere-se aos tessalonicenses, não entender que partiu de nós, provavel-
a Deus. Paulo ora que Deus cumpra mente se aplica a todos os três. A subs-
(execute até o fim) todo o propósito tância dessas falsas notícias era que o
de bondade. Agathosyne (bondade), dia do Senhor (Cristo, E.R.C. não é apoia-
no N.T. não é nunca aplicado a Deus do pelos melhores manuscritos) já che-
(cons. Rm.15:14; GI.5:22; Ef.5:9). gara. O verbo (enesteken) significa "es-
Benevolência combina com justiça em tar presente" (cons. Rm. 8: 38; I Co.
bondade. Obra de fé descreve a manei- 3: 22; Hb. 9: 9), não perto (E.R.C.).
ra na qual Deus pode cumprir essas duas Dia do Senhor. Veja observação sobre
petições. I Ts. 5: 2.
12. O pedido final faz lembrar 1: 10.
Nome é a revelação de toda a persona- B. Será Precedido por Sinais Defi-
lidade, de acordo com o uso bfblico e nidos. 2: 3-12. O dia começará com
semítico em geral. Os crentes devem re- uma explosão de rebeldia e com a reve-
fletir continuamente aquela glória que lação do homem da iniqüidade. A van-
será inteiramente revelada neles na vin- guarda do exército satânico está em
da de Cristo. E vós nele aponta para a movimento, mas o terrível e já condena-
intimidade da união entre Cristo e a Sua do líder ainda não está à vista.
Igreja. Uma vez que Cristo revela a Sua 3. Ninguém ... vos engane. Veja Mt.
glória na Igreja, a única glória que a Igre- 24: 4 e segs. De nenhum modo. Aque-
ja pode reivindicar está nEle. O fato les de 11 Ts. 2: 2 ou outros. Não acon-
de que tal participação da glória vai tecerá não se encontra no texto grego,
acontecer deve-se (segundo a) à graça mas algo parecido deve ser acrescenta-
divina. do. A apostasia literalmente. O signi-
ficado da palavra era conhecido dos
III. Instruções Quanto ao Dia do Se- leitores de Paulo, mas nós não temos
nhor. 2: 1-12. essa felicidade. Apostasia geralmente
significa "rebelião", quer no sentido
A. Por Vir no Futuro. 2: 1,2. Paulo político quer no religioso. A referên-
mergulha no problema que provocou a cia aqui é provavelmente ao avanço dos
carta - a notícia de que as aflições su- poderes do mal contra o povo e os pro-
portadas pelos crentes eram sinais se- pósitos de Deus. Cristo e Paulo, ambos
guros de que o Dia do Senhor já che- advertiram contra essa fínal conspiração
gara. Paulo o nega categoricamente. do mal (por exemplo, Mt. 24: 10 e segs.;
1. No que diz respeito (hyper) à vin- ITm.4:1-3; IITm.3:1-9; 4:3esegs.).
da tparousta; veja observação sobre I Ts. Ao que parece será de um escopo e in-
2: 9) pode ser traduzido para quanto tensidade suficientes para se distin-
à vinda (Milligan). Assim também à güír do espírito da geral oposição a
nossa reunião com ele (cons. Me, 13: Deus (mistério da iniqüidade, 11 Ts. 2:
27; I Ts. 4: 17). 2. Perturbeis. O tempo 7) a qual caracteriza a atitude do mundo.
presente sugere "estar mantido em um O clímax da rebelião será a revelação
estado de agitação ou pânico". Três do homem da iniqüidade. E seja reve-
meios de perturbar são apresentados: 1) lado sugere que ele está aguardando

-242 -

I I i I I I
'I I I
11 TESSALONICENSES 2: 3-6

por trás do pano, até que o tempo de lino (v. 7) sugere que o embargante po.
seu aparecimento público esteja ama- de ser tratado como uma coisa ou pes-
durecido. No N.T. só João usa o termo soa. 3) A influência restritora será re-
"anticristo" (I Jo. 2: 18,22; 4: 3; 11 Jo. movida em ocasião própria (de Deus),
7), mas não pode haver dúvidas quanto e o Anticristo será revelado. Os intér-
a quem Paulo tem em mente. O filho pretes dispensacionalistas (C.1. Scofield,
da perdição (cons. Jo. 17: 12) aponta L.S. Chafer e J. Walvoord, por exemplo)
para a natureza e para o destino desse interpretaram o embargante como o
homem. Suas ações serão o selo de seu Espírito Santo, um ponto de vista sus-
destino. Com referência a filho de, tentado pelo fato de que o Espírito po-
veja comento sobre I Ts. 5: 5. de ser descrito de ambos os modos, no
4. A Operação do Anticristo. O qual gênero neutro e masculino. A retirada
se opõe. Na qualidade de ministro de do Espírito terá lugar quando a Igreja,
Satanás, o Antricristo executará o tra- o Seu templo, será arrebatada (I Ts. 4:
balho do seu mestre (I Tm. 5: 14). Tu- 13-17). Entretanto, por que Paulo fa-
do que se chama Deus. O verdadeiro laria do Espírito em tais termos vela-
Deus vivo (I Ts. 1: 9) e os deuses falsos. dos? Mais ainda, como poderia a reve-
Ou objeto de culto, isto é, tudo o que lação do Anticristo ser um sinal de que
é considerado sagrado - templos, reli- a igreja já está pronta para o arrebata-
cários, etc. O Anticristo tomará lugar mento? Muitos comentadores bfblicos
no santuário de Deus, ... como se fosse desde Tertuliano (cerca de 200 D.C.)
o próprio Deus, provavelmente no tem- têm identificado o embargante como
plo em Jerusalém, como a íntima cone- sendo o Império Romano. O particí-
xão desta passagem com a descrição de pio neutro poderia se referir ao estado;
Antíoco Epifânio (Dn. 11: 36 e segs.) o masculino, ao imperador. Este pon-
sugere (cons. também Me. 13: 14, onde to de vista descansa sobre a atitude be-
o particípio masculino pode indicar nevolente de Paulo para com o governo
uma pessoa mais do que uma imagem). como o meio de manter a lei e dispor
Apocalipse 13: 4-15 descreve o culto das coisas para que a igreja pudesse con-
ao Anticristo. Ostentando-se; melhor tinuar fazendo a sua obra (cons. Rm.
proclamando-se, de acordo com o sig- 13:1-7; Tt.3:1; IPe.2: 13,14, 17).
nificado helenístico de apodeiknymi. Mas o Império Romano já se desvane-
5. Eu costumava dizer-vos estas cou- ceu há muito, e o homem do pecado
sas? O tempo imperfeito indica que ainda não foi revelado. Assim parece
Paulo discutiu esses acontecimentos mais provável que a influência restritora re-
de uma vez. fere-se ao princípio do governo huma-
6. O que o detém e o relacionado no manifesto no estado romano. As ins-
aquele que agora o detém (v.7; "im- tituições humanas são parte do pro-
pede") são especialmente difíceis de grama divino da graça comum, por
interpretar sem medo de errar, por cau- meio do qual Ele controla as forças do
sa das poucas palavras de Paulo. Saber mal para fornecer o ambiente devido
que os tessalonicenses sabiam o que ele para a revelação de Sua graça especial
queria dizer, pouco nos ajuda. Certas redentora. Extremamente totalitário
observações podem ser feitas: 1) O tem- (cons. Ap. 13: 15-17), o governo do
po presente de ambos os particípios Anticristo é tão diabólico em sua natu-
mostra que a força ou pessoa embar- reza e tão cruel em sua prática que des-
gante já está em operação. 2) A mu- qualifica-se completamente como insti-
dança do neutro (v.6) para o mascu- tuição ordenada por Deus. Em ocasião

-243 -
11 TESSALONICENSES 2: 6-13

própria mostra que Deus está, em úl- Deus lhes manda indica a soberania de
tima análise, no controle. Deus, controlando os destinos não ape-
7. Mistério indica que o princípio nas dos seus filhos mas também dos
espiritual maligno já estava operando seus inimigos. Luz rejeitada resulta em
e fora revelado aos crentes (cons. o uso trevas maiores, como Mt. 13: 10 e segs.
de mysterion em Mc.4: 11; Rm.16:25, e Rm. 1: 24-32 demonstram. Eficien-
etc.), Injustiça, iniqüidade. Mateus 24: temente enganados, eles confiam na
24 e I Jo. 2: 8 mencionam os precurso- mentira, não na verdade (2: 10, 12).
res do Anticristo, que são personifica- A mentira de Satanás consiste em con-
ções deste princípio de iniqüidade. Aque- seguir que os homens creiam nele em vez
le que agora o detém. Veja comento so- de Deus (cons. Gn.3:1 e segs.;Jo.8:
bre 2: 6. Que seja afastado. Provavel- 44). 12. Julgados. O veredito de cul-
mente por Deus, embora não esteja de- pa está implícito, não expresso. Delei-
clarado. 8. Iníquo. Literalmente, sem taram-se com a injustiça. Não vítimas
lei - a característica básica do Anti- desamparadas, ficaram deliberadamente
cristo, "homem da iniqüidade" e "mis- do lado de Satanás, contra Deus, e par-
tério da iniqüidade" (vs. 3,7, RSV). ticiparão do destino de seu capitão (Jo.
Tão logo se menciona a sua revelação 16: 11).
(revelado), o seu destino é descrito. Des-
fará (E.R.C.). Os melhores manuscri- N. Ação de Graças e Exortação. 2:
tos dão matará (E.R.A.). Sopro de sua 13-17.
boca. Veja em Is, 11: 4 os antecedentes
do V.T. Destruirá. Tornar inútil, sem A. Louvor pela Chamada deles. 2: B-
poder. Esplendor (E.R.C.) (epiphaneia) IS. Em contraste marcante com o negro
ou manifestação (E.R.A.) fala do bri- quadro do Anticristo e seus seguidores,
lhante aparecimento do poder de Cristo apresenta-se a auspiciosa perspectiva da-
à Sua vinda (cons. 11 Ts. 1: 7,8; Ap. 19: queles a quem Deus chamou.
11-21). 13. Devemos sempre dar graças. Veja
9. O Anticristo tem a sua vinda co- observação sobre 1: 3. Amados. Veja
mo Cristo tem a Sua. A eficácia de Sa- observação sobre I Ts. 1: 4. Desde o
tanás (poder em operação) é a dinâmica princípio parece refletir o ponto de
do Anticristo (cons. Ap. 13: 2). Sua vista paulino de uma eleição antes da
vinda se revela em todo poder (de operar criação (Ef. 1: 4). Alguns manuscritos
milagres) e sinais (milagres significativos) dão primtcias em vez de desde o prin-
e prodígios (para espanto de seus obser- cípio. Esta tradução, adotada por al-
vadores). No grego, da mentira parece guns editores (Nestle, Moffatt, por exem-
aplicar-se a todos os três: os milagres plo), seria adequada porque os tessalo-
estão embebidos de falsidade. Cons. nicenses contavam entre os primeiros
Atos 2: 22; Rm. 15: 19, etc., para exa- convertidos europeus de Paulo. Esco-
me das três palavras descrevendo mila- lheu (heilato; cons. LXX, Dt. 26: 18)
gres. 10. Engano de injustiça. O engano faz-nos lembrar que os crentes foram
brotando da injustiça. Aos que perecem. acrescentados à Israel na qualidade de
O particípio presente (apollymenois) su- povo eleito de Deus (cons. I Pe. 2: 9,
gere que o processo já está em opera- 10). Santificação (cons. I Ts. 4: 3, 7)
ção (cons. I Co. 1: 18). Acolheram. Dar do Espírito destaca o papel do Espí-
boas-vindas. Verdade, isto é, o Evange- rito na separação dos crentes tirando-os
lho. da esfera do controle de Satanás para
11. É por este motivo, pois, que o de Deus (I Pe. 1: 2). Fé na verdade

-244-
I I i i I I 'I I I
11 TESSAWNICENSES 2: 13-17 - 3: 1·5

enfatiza a reação humana da fé na ver- 1. Se propague é literalmente possa


dade do Evangelho (Rm. 10: 17). 14. correr, enfatizando a natureza vital e
Para o que refere-se ao ato divino da ativa da palavra do Senhor (isto é, a pa-
salvação descrito em 2: 13. Chamou. lavra de Cristo) e a urgência com a qual
Cons. I Ts. 2: 12; 5: 24. Nosso evange- os apóstolos gostariam de espalhá-la
lho. Cons. I Ts. 1: 5. Alcançar (cons. (cons. SI. 147: 15). Seja glorificada.
I Ts, 5: 9) a glória é uma descrição adi- Sendo aceita e obedecida (cons. Atos
cional do significado da salvação. Veja 13: 48; rt. 2: 10). Entre vós. Veja I Ts.
observação sobre 1: 10. 1: 6; 2: 13 para ver qual foi a acolhida
15. Tradições. Quase nada do N.T. entusiasta que deram ao Evangelho. 2.
existia na forma escrita. A base da ins- Sejamos livres. Veja coment. sobre I Ts.
trução estava na autoridade da palavra 1: 10. Dissolutos (E.R.C.). Perversos
falada sobre os acontecimentos do Evan- (E.R.A.), impróprios. Maus, em um seno
gelho e a sua interpretação (cons. I Co. tido ativo e deliberadamente nocivo.
11: 2, 23; 15: 3). Epístola provavelmen- Veja Atos 16: 6,12 para ter uma idéia
te se refere a I Tessalonicenses. O con- desta oposição judia. Porque a fé não
teúdo da tradição percebe-se nos ser- é de todos. Uma atenuante da verdade;
mões de Atos (2: 14 e segs.; 7: 2 e segs.; esses homens, além de recusarem-se a
13: 16 e segs., etc.) e as declarações do crer, também ameaçavam os que o fa-
credo incrustadas nas epístolas (I Co. ziam.
15: 3 e segs.; I Ts. 1: 9,10, etc.).
B. Lembrete da Fidelidade Divina.
B. Oração por Conforto e Estabili- 3: 3-5. Esta oposição foi marcada pelo
dade para Eles. 2: 16, 17. Paulo, como fracasso porque um Deus fiel é mais
era do seu costume, sela sua exortação forte que os homens infiéis.
com uma oração. 3. Veja I Ts. 5: 24. Confinnará. Cons.
16. Compare com o fraseado muito I Ts. 3: 2; 11 Ts. 2: 17. Guardará, isto é,
parecido de I Ts, 3: 11. Observe a honra protegerá. Do maligno. De Satanás
dada a Cristo pela posição que Lhe foi (cons. Mt. 6: 13). 4. No Senhor. A fi-
concedida neste versículo. Consolação delidade divina ajuda a garantir a obe-
(paraklesia) inclui força além de con- diente reação dos tessalonicenses tanto
forto. Boa esperança fala do caráter no presente (não só estais praticando)
digno da expectativa confiante dos cren- como no futuro (como continuareis).
tes como também do resultado cheio As cousas que vos ordenamos parece
de alegria (cons. I Ts. 1: 3). Pela graça referir-se às instruções que vêm a se-
faz-nos lembrar que essas e todas as guir (3: 6 e segs.).
bênçãos divinas são imerecidas, e isto 5. Paulo faz uma pausa para pronun-
abala o orgulho (cons. 1: 11, 12). 17. ciar uma de suas mais comoventes ora-
Console ... confirme. Cons. I Ts. 3: 2. ções. O Senhor, isto é, Cristo. Condu-
Em toda boa obra e boa palavra. Qual- za (kateuthymai; como em I Ts. 3: 11)
quer coisa que vocês façam ou digam. significa "limpar o caminho dos obstá-
V. Declaração de Confiança. 3: 1-5. culos", "abrir um caminho direto". Co-
rações. Veja comento sobre I Ts. 2: 4.
A. Pedido de oração. 3: 1, 2. O pedi- Amor de Deus. O amor de Deus é uma
do de I Ts. 5: 25 está sendo repetido, fonte tremenda da estabilidade e segu-
com o acréscimo de uma nota de ur- rança (Rm. 8: 37-39). À constância de
gência devido à oposição militante de. Cristo. Na firmeza de Cristo. O exem-
homens infiéis. plo de constância infatigável de Cristo

-245 -
11 TESSAWNICENSES 3: 5-15

é uma fonte de grande inspiração para interpretação judia de Gn. 3: 19.


os crentes aflitos (Hb. 12: 1,2).
D. Exortem os Ociosos. 3: 11-13.
VI. Ordem para Trabalhar. 3: 6-15. 11. Estamos informados. Tristes no-
tícias espalharam-se tão rapidamente
Com autoridade apostólica Paulo ata- quanto a notícia da fé dos crentes (I Ts.
ca o problema da preguiça que estava 1: 8, 9). Desordenadamente. Cons. 11
enfestando a igreja tessalonicense. Fa- Ts, 3: 6, 7. A força do interessante tro-
zendo seus amigos se lembrarem de sua cadilho foi posto em relevo por Ellicott
própria diligência, ele ordena que os pre- (citado em Milligan): "não trabalhando,
guiçosos sejam disciplinados com fir- mas dando trabalho". 12. Paulo se di-
meza, embora com amor. rige aos criadores de problemas. Deter-
A. Esquivem-se dos Ociosos. 3: 6. minamos. Cons. 3: 6, 10 onde há seme-
Vos ordenamos, como um oficial lhante tom de autoridade. Exortamos
às suas tropas. Irmãos. A severidade (cons. I Ts. 2: 11) acrescenta uma nota
de Paulo não suprime sua afeição. O após- de ternura, mas retém a urgência. No
tolo recebia sua autoridade do Senhor. Senhor, etc. Paulo se coloca na posi-
Desordenadamente. Contrariando a dis- ção de porta-voz de Cristo. Tranqili-
ciplina; cons. "desordeiros" em I Ts. lamente. Em contraste com a desor-
5: 14. Tradição (cons. 11 Ts. 2: 15) in- dem freqüentemente observada (3: 6,
clui o exemplo pessoal de Paulo e suas 7,11). Comam. Cons. 3: 8.
instruções escritas (I Ts. 4: 11,12). 13. E vós. Toda a igreja. Apesar
da conduta do indolente, não vos can-
B. Imitem-nos. 3: 7-9. seis, isto é, não desanimem ou nem se
7. Imitar-nos. Seguir, emular (Arndt). tomem relaxados. O tempo aoristo
Visto que nunca nos portamos desorde- sugere que eles ainda não começaram a
nadamente é uma atenuante da verda- agir assim. Fazer o que é certo (fazer
de. O exemplo da diligência de Paulo o bem) nem sempre é fácil, mas toma-se
não foi apenas imaculada, foi brilhante. extremamente difícil sob circunstâncias
8. Comemos pão significa ganhar a vida irritantes como aquelas.
(cons. 11 Sm. 9: 7; Amos 7: 12). De
graça. Sem retribuição. Este versículo
parece o de I Ts. 2: 9, mas destacá o E. Advirtam e Disciplinem os Deso-
exemplo de Paulo na diligência mais do bedientes. 3: 14,15.
que na integridade de propósito. 9. Di- 14. Esta epístola é a última palavra
reito, isto é, autoridade apostólica para de Paulo sobre a questão da preguiça.
receber seu sustento vindo dos seus Qualquer um que a desobedeça deve ser
ouvintes (cons. 11 Ts. 2: 6). Exemplo, considerado um "homem marcado" (no-
padrão (cons. I Ts. 1: 7). Para nos imi- tai-o) com o qual os crentes não devem
tardes. Cons. 11 Ts. 3: 7. se misturar. O propósito deste ostra-
cismo não era punitivo mas corretivo.
C. Trabalhe ou não coma. 3: 10. Paulo tinha esperança que o senso da
O tempo imperfeito de vos ordena- vergonha poria o ofensor na linha. Tal
mos mostra que mais de uma vez Paulo pressão social é especialmente eficiente
insistiu com eles a serem diligentes, usan- em uma sociedade muito restrita e fe-
do as palavras: Se alguém não quer tra- chada, tal como este grupo de crentes.
balhar, também não coma. Não quer 15. O amor deve prevalecer. O folga-
indica que esta é uma inatividade propo- zão preguiçoso não deve ser conside-
sital. Este ditado pode ter sua base na rado como um inimigo, mas irmão. Ad-

-246 -

I I I I I ,
'I I I
11 TESSALONICENSES 3: 15-18

verti-o. Cons. I Ts. 5: 12, 14. B. A Assinatura de Paulo. 3: 17.

VII. Conclusão. 3: 16-18.


Sinal. A caligrafia de Paulo no final
A. Bênção. 3: 16. de suas cartas era o sinal da autoridade
delas (cons. I Co. 16: 21; GI. 6: 11; CI.
Os esforços humanos por si mesmos 4: 18). Assim é que eu assino. Cha-
não podem produzir o bem-estar espi- mando a atenção deles para o estilo de
ritual (paz). Ele é um dom de Cristo, sua caligrafia, uma precaução necessá-
que prometeu paz a seus discípulos ria (cons. 11 Ts. 2: 2).
(10. 14: 27; 16: 33) e aqui é chamado
de o Senhor da paz (cons. coment. so-
C. Bênção Apostólica. 3: 18.
bre I Ts. 5: 23). Sempre ... de toda ma-
neira. Continuamente em todo tipo de Veja observação sobre I Ts. 5: 28. To-
circunstâncias. Com todos vós. Até mes- dos. Isto inclui até mesmo os criadores
mo com os preguiçosos. de problemas.

-247-
PRIMEIRA EPÍSTOLA A TIMÓTEO

INTRODUÇÃO

Autoria. A autoria paulina das Pasto- morte no final de sua umca prisão em
rais (I, 11 Timóteo e Tito) é controver- Roma, conforme registrado em Atos,
tida. Entretanto, as evidências prima concluindo-se daí que Paulo não pode
facie das cartas por si mesmas indicam ser o autor das Pastorais; 4) organiza-
que Paulo é o escritor, uma vez que seu ção eclesiástica adiantada, além do
nome aparece na saudação de cada uma, tempo de Paulo, refletida nas Pastorais.
e as observações autobiográficas se en- Estes argumentos não se sobrepõem
caixam na vida de Paulo conforme re- às evidências positivas: l) O argumento
gistradas em outros lugares. Como, ligüístico é inconclusivo porque é psico-
por exemplo, I Tm. 1: 12, 13; 11 Tm. logicamente absurdo, além de difícil,
3: 10, 11; 4: 10, 11, 19,20. se possível, de provar. Poderia um fal-
A regra básica da prova da autenti- sificador, procurando ter o seu livro
cidade de documentos foi há muito de- aceito como obra de Paulo, introdu-
clarada por Simon Greenleaf: "Cada do- zir um vocabulário que não fosse pau-
cumento, aparentemente antigo, vindo do lino numa base de dezessete palavras
devido repositório ou custódia, e não por página de texto grego, e referir-se
trazendo aparentemente nenhuma evi- a incidentes que não se encaixam na
dência de falsificação, a lei presume parte conhecida da vida de Paulo? A
ser genuíno, e devolve à parte oponen- resoluta e unânime recepção dos livros
te a responsabilidade de provar o con- pelas igrejas antigas, sob tais condições,
trário (An Examination of the Testimo- seria impossível de explicar. Na verda-
ny of the Four Evangelists, London, de, essa aceitação resoluta é uma evi-
1847, pág. 7). dência muito boa de que as epístolas
Os antigos livros pastorais procede- eram bem conhecidas como genuínas.
ram da custódia devida, a igreja. A igre- Os elementos lingüísticos podem con-
ja sempre os aceitou como paulinos; cebivelmente apontar para uma au-
não houve vozes discordantes até os toria conjunta de Lucas e Paulo (Moffatt,
tempos modernos. O que então a críti- Introduction to the Literature of the
ca oferece para se opor às evidências New Testament, 3~ ed., pág. 414), mas
prima facie e a voz unânime da tradição? é bom lembrar que, na melhor das hi-
Os alegados sinais de falta de autenti- póteses, aceitar a autoria conjunta, li-
cidade ou de falsificação são quatro: mitando a linguagem e o estilo de um
1) linguagem e estilo que não são de escritor, é apenas conjectura. Os leito-
Paulo; 2) a oposição das Pastorais ao res das Epístolas Pastorais de Paulo eram
Gnosticismo do segundo século; 3) dis- diferentes daqueles de quaisquer ou-
crepâncias entre as Pastorais e Atos - tras epístolas. Timóteo e Tito foram
presume-se que Paulo foi condenado à intimamente ligados à vida e idéias de

-248-

I I I I
'I I I
Paulo durante quinze a vinte anos. Não ser provado, isto é, que o livro não
deveríamos, portanto, ficar surpresos poderia ser inspirado e conhecido co-
se Paulo preferisse falar em linguagem mo inspirado no tempo em que foi es-
e estilo diferentes daqueles que usou crito e recebido.
dirigindo-se às igrejas. Paulo estava en- Respostas mais detalhadas a estes
corajando e exortando seus filhos na argumentos foram desenvolvidas nos co-
fé, não corrigindo igrejas briguentas e mentários conservadores padronizados e
instáveis. nas introduções. Veja especialmente
2) A adoção desta objeção defende Hendriksen,New Testament Commentary:
que se as Pastorais refutam o Gnosti- Exposition of the Pastoral Epistles, pág.
cismo do segundo século, devem ser 4-32.
documentos do segundo século. Apre- Data. A primeira carta a Timóteo e
sentadas as claras evidências prima fade a de Tito foram escritas durante o perío-
da autoria paulina, se há declarações do de viagem e trabalho missionário
que atacam o Gnosticismo posterior entre as duas prisões de Paulo em Roma.
às cartas, a inferência é que Paulo pre- Uma data entre 61 e 63 A.D. não pode
viu tal desenvolvimento, o que não é estar muito errada. A segunda epístola
impossível mesmo do ponto de vista a Timóteo contém as últimas palavras
da mera sagacidade humana. Entretan- encontradas escritas pelo apóstolo; fo-
to, Paulo declarou, em outras epístolas, ram escritas na prisão um pouco antes
por inspiração, possuir a capacidade do seu martírio (4: 6-8). Podemos con-
de ver e predizer o futuro. Negar que siderá-las, como Calvino o expressou,
ele podia fazê-lo é negar a existência "escritas não com tinta mas com o
da possibilidade da revelação sobrena- próprio sangue de Paulo". A data da
tural. Mais ainda, Paulo talvez não morte do apóstolo é geralmente colo-
atacasse nestas epístolas um Gnosti- cada em algum ponto entre 65 e 68 A.D.
cismo tão avançado como alguns têm Ocasião e Mensagem. Assim como
argumentado. Moisés passou a responsabilidade a Jo-
3) Que os homens, lugares e inci- sué, e o Senhor aos seus apóstolos, Pau-
dentes mencionados nas Pastorais não lo passou a responsabilidade a Timóteo
podem se encaixar no esboço de Atos, e Tito. Do mesmo modo, assim como
é uma razão muito boa para estender- Moisés terminou com uma exortação
mos a vida de Paulo além da narrativa a todo Israel, e Cristo a toda a Igreja,
de Atos. As Pastorais, então seriam o Paulo concluiu seu desafio com a bên-
produto da quarta viagem missionária ção, "A graça seja convosco"; (I Tm.
de Paulo e uma segunda prisão. 6: 21; 11 Tm. 4: 22) e "A graça seja
4) Os elementos da organização ecle- com todos vós" (Tt. 3: 15). A ocasião
siástica encontrados nas Pastorais en- para escrever as epístolas surgiu, nada
contram-se em outros lugares do Novo mais nada menos, pela necessidade de
Testamento. Há quem pense que citar manter a fé e garantir a continuidade
o Evangelho de Lucas como Escritura da Igreja de Jesus Cristo. O solene de-
(I Tm. 5: 18) é uma indicação de data safio - "Guarda o bom depósito pelo
tardia. "Quando o autor das pastorais Espírito Santo que habita em nós" (11
escrevia, o evangelho de Lucas e algu- Tm. 1: 14) - é o coração das Epístolas
mas coleções evangélicas contendo Lu- Pastorais. Aqui Timóteo e Tito, [untos
cas 10: 7 eram reconhecidas como gra- com toda a Igreja, são desafiados a guar-
phé" (Ibid., pág.401 e segs.). Este ar- dar "a fé", "o depósito", a palavra es-
gumento também presume o ponto a crita, pela obra do Espírito Santo. O

-249 -
resultado desse desafio não foi apenas versículo 16b. Novamente as mesmas
a manutenção da fé através das boas proporções foram preservadas: a pri-
obras e comportamento condizente na meira é uma seção mais longa (6: 3-16a)
casa de Deus, mas também na resis- com uma recapitulação dos temas prin-
tência ao que é falso. A necessidade cipais da epístola; a porção mais curta
mais urgente para as suas primeiras epís- (6: 17-21) conclui com um apelo pro-
tolas - I Timóteo e Tito - está, sem fundamente comovente, "6 Timóteo,
dúvida, no fato de que muitas coisas guarda o depósito".
em Éfeso e Creta precisavam de ajus- Da mesma maneira, a porção maior
tamentos. Paulo, entretanto, tendo a da epístola (2: 1 -- 6: 2) está sub-divi-
intenção de aconselhar seus filhos na dida por um parágrafo transícional (3:
fé, determinou aconselhar os outros 14 - 4: 5), no centro do qual estão as
na mesma ocasião. linhas do antigo hino cristão do qual
Estrutura e Tema. I Timóteo. Esta Paulo é provavelmente o autor (3: 16).
primeira das Epístolas Pastorais encai- A primeira parte desta porção maior
xa-se em um padrão literário que pro- trata dos aspectos oficiais ou públicos
vavelmente não é acidental. Resumindo, da Igreja, a Casa de Deus, culminando
poderia ser assim exposto: a) Desafio, com as memoráveis linhas do hino. Na
b) Louvor, a) Desafio. Em outras pa- segunda porção, estão destacados aspec-
lavras, seria: a) Prosa, b) Poesia, a) Pro- tos individuais e pessoais, em paralelo
sa. Este simples padrão de um solene notável com os temas apresentados na
desafio em duas partes, ligadas entre primeira seção. Por exemplo, a refe-
si por uma doxologia ou hino de lou- rência às mulheres na primeira parte
vor, repete-se três vezes - na introdu- apresenta o princípio da liderança mas-
ção, no corpo e na conclusão. A epís- culina na Igreja; enquanto que a refe-
tola resumida de acordo com este pa- rência às mulheres na segunda parte,
drão oferece uma unidade maior do que trata com o problema individual e pes-
geralmente se lhe atribui. Na introdu- soal das viúvas dependentes. Parece
ção, seguindo-se â saudação, encontra- que uma seção tem a intenção de contra-
mos o desafio feito a Timóteo, com balançar a outra. Mas o mais impor-
uma porção explanatória mais longa tante é que toda a estrutura da epís-
(1: 3-16) e uma palavra de conclusão tola tem a intenção de colocar em des-
mais resumida (1: 18-20). Estas duas taque o grande hino de louvor nn centro,
partes são ligadas entre si pela doxolo- o qual apresenta sucintamente e linda-
gia concisa mas grave do versículo 17. mente a pessoa e obra de Cristo.
A parte inicial que conduz à doxologia 11 Timóteo. Na segunda epístola de
inclui um esboço - apenas resumida- Paulo "ao seu amado filho", ele parece
mente sugerido - dos principais tópi- seguir essencialmente o mesmo padrão
cos da epístola. Tudo está tão jeitosa- literário da primeira. Desta vez apare-
mente entrelaçado que os muitos temas ce em sua forma mais simples possível,
apresentados só servem para focalizar isto é, um solene desafio em duas partes,
a atenção sobre o desafio que Paulo ligadas entre si por um hino. Tudo está
faz a Timóteo. Então se segue a doxo- prefaciado por uma saudação e ação de
logia, que dá um peso solene à parte graças, e foi concluído com observa-
final do desafio. ções pessoais e uma oração. Novamen-
Concluindo a epístola, surge um ou- te toda a estrutura tem a intenção de
tro desafio, novamente duplo, com suas realçar o grande hino de verdade dou-
partes entreligadas pela doxologia do trinária que aparece no centro (2: 11-13).

-250-

I I
'I I I
o ponto principal sobre o qual a estru- passagens de confronto, 2: 11-15 e 3:4-8.
tura se move é a apresentação que Paulo Numa das passagens a graça aparece,
faz do Evangelho como um depósito na outra, a benignidade e o amor. Am-
a ser preservado, guardado com carinho bas destacam a bendita esperança (2:
e confiado a homens fiéis. Suas pala- 13; 3: 7b); ambas terminam com a ên-
vras ganham solenidade e peso peculiar fase sobre as boas obras.
porque foram as últimas a saírem da sua
pena; ele escreveu sabendo que sua Observação sobre o Comentário. No
"partida" estava "próxima". comentário a seguir fez-se um esforço
Tito. O tema desta epístola é pare- de se apresentar, além de palavras mera-
cido com o de todas as Pastorais, enfa- mente explanatórias sobre determinado
tizando a conexão da doutrina, confia- texto, também, o que é muito mais
da aos homens fiéis, com a santidade importante, a citação de textos para-
de vida. Nesta carta, Paulo liga de ma- lelos, os quais, se pacientemente veri-
neira memorável a graça, como a grande ficados, darão o seu próprio comentá-
doutrina da salvação, às boas obras nas rio bíblico.

ESBOÇO

I. Saudação e introdução. 1: 1-20.


A. Saudação, com observações especiais sobre autoridade e esperança. 1: 1,2.
B. Desafio a Timóteo, apresentando os tópicos principais da epístola. 1: 3-16.
1. Doutrina sadia versus doutrina falsa. 1: 3,4.
2. O propósito da doutrina sadia. 1: 5-7.
3. A verdadeira doutrina da Lei. 1: 8-11.
4. O testemunho e o evangelho de Paulo. 1: 12-16.
C. Doxologia.l:17.
D. Exortação e estímulo a Timóteo. 1: 18-20.
11. Exortações e instruções à Igreja do Deus vivo. 2: 1 - 6: 2.
A. À igreja que dá testemunho. 2: 1 - 3: 13.
1. Oração pública relacionada com o propósito missionário da igreja. 2: 1-8.
2. Conduta das mulheres relacionada com o testemunho da igreja. 2: 9-15.
3. Qualificações dos oficiais da igreja. 3: 1-13.
B. À igreja que é coluna e fundamento da verdade. 3: 14 - 4: 5.
1. Sua exaltada posição como instrumento da doutrina do Evangelho. 3:
14,15.
2. Hino de louvor: Declaração-poética sobre a verdadeira doutrina. 3: 16.
3. Advertência profética sobre a falsa doutrina. 4: 1-5.
C. Ao testemunho individual. 4: 6 - 6: 2.
1. A Timóteo, o bom ministro. 4: 6-16.
2. Aos homens. 5: 1.
3. Às mulheres, especialmente viúvas. 5: 2-16.
4. Aos anciãos. 5: 17-25.
5. Aosservos. 6: 1,2.
Ill. Conclusão. 6: 2d-21.
A. Desafio solene. 6: 2d-15a.
1. Advertências contra os falsos mestres. 6: 3-5.
2. Atitudes corretas dos verdadeiros mestres. 6: 6-10.

-251 -
I TIMÓTEO 1: 1-4

3. Os motivos do homem de Deus. 6: II-I5a.


B. Doxologia. 6: l5b, 16.
C. Retorno ao solene desafio. 6: 17-21.
1. Uso correto das propriedades. 6: 17-19.
2. Apelo final: Um resumo. 6: 20, 21.

COMENTÃRIO

I. Saudação e Introdução. 1: 1-20. examina primeiro a questão da sã dou-


trina. Paulo não necessita expor a dou-
A. Saudação, com Observações Espe- trina em detalhes para Timóteo, mas
ciais Sobre Autoridade e Esperança. 1: era necessário lembrá-lo da importân-
1,2. 1. A autoridade apostólica de Paulo cia estratégica da doutrina da vida, e
baseava-se na divindade e ordem de Cris- correlacionando, a necessidade de obe-
to. Compare Gl. 1: 1: " ... não da decer a doutrina. Isto leva à discussão
parte dos homens, nem por homem al- de um lado da doutrina da Lei, a sua
gum, mas por Jesus Cristo, e por Deus relação com os casos de rebeldia, vício
Pai". A autorização divina foi ainda flagrante aqui mencionado. O escritor
enfatizada 1) pela palavra mandato: rapidamente resume o relacionamento
sugere uma ordem real que tem de ser da Lei com o crente, em uma frase,
obedecida; e 2) pelo fato de ser ordem "Ora o fim do mandamento é o amor"
proveniente de ambos, Deus Pai e Cris- (v. 5). Paulo então incentiva Timóteo
to Jesus. Ligando assim em pé de igual- com um testemunho e doxologia so-
dade os nomes do Pai e de Cristo, co- berbas, e lhe faz um solene desafio,
mo no versículo 2, Paulo não deixa mar- ilustrando os resultados de não se ter
gem às dúvidas quanto à inteira divin- uma boa consciência.
dade de Cristo (veja Warfield, Biblical
and Theological Studies, Ch. I1I). Deus 1) Doutrina Sadia Versos Doutrina
é caracterizado pelo nome Salvador, Falsa. 1: 3, 4. A doutrina herética e
um exaltado título que faz lembrar Is. a atenção dada aos mitos e genealogias
45: 21 e passagens semelhantes. Jesus intermináveis produziram especulações
é distinguido pelo título, nossa esperan- e controvérsias inúteis em lugar de pie-
ça, modo sucinto de ligar toda a escato- dade evangélica. Os versículos 3, 4 for-
logia à pessoa de Cristo, para estímulo mam a cláusula dependente de uma sen-
de Timóteo. 2. Também para incenti- tença principal da qual são os versículos
vo de Timóteo, sem dúvida, o apósto- 5-7. A relação pode ser observada 1) omi-
lo acrescenta a palavra misericórdia à tindo-se assim o faço agora (E.R.C.),
fórmula comum, graça e paz. Só nas que foi acrescentado pelo tradutor, 2)
Pastorais Paulo se afasta assim do seu pontuando-se uma vírgula em lugar do
costume. ponto e vírgula, depois de fé, 3) omitin-
do-se ora do versículo 5. O pensamento
B. Paulo Desafia Timóteo, Apresen- então seria: "Exatamente como eu o exor-
tando os Tópicos Principais da Epísto- tei ... o fim (propósito) do meu desafio
la. 1: 3-16. O método de Paulo, ao que é o amor ... ". Veja comentário sobre
parece, é apresentar os problemas e os 11 Tm. 1: 3. 4. Os mitos e as genealo-
tópicos que ele deseja discutir, e então gias eram provavelmente ensinamentos
voltar a esses tópicos mais tarde a fim gnósticos ou proto-gnósticos. O Gnos-
de acrescentar detalhes. Por isso ele ticismo tinha dois extremos: ascetismo,

- 252-

I I i! I I 'I I I
I TIMÓTEO 1: 4-13

como em 4: 3, e licensiosidade antino- 9,10. Não se promulga a lei para


miniana, como o texto insinua. Comen- quem é justo. "A Lei não condena um
tários errados sobre a lei, e especulações homem justo". A expressão é uma ne-
gnósticas deixavam assuntos de imo- gativa relativa, para ser compreendida
ralidade declarada sem correção. O ser- dentro do contexto. Não significa que
viço de Deus (edificação de Deus, E.R.C.) a Lei não tenha relação com o justo;
é o assunto próprio da doutrina sadia, para ele, é uma regra justa à qual obe-
e portanto faz um paralelo com o "amor" dece alegremente, no Espírito. O catá-
do versículo 5, e o "bom combate" do logo de pecados aqui apresentados não
versículo 18. O amor é o resumo das é a mesma lista dada em outra passagem.
obrigações religiosas e éticas (Rm. 13: Provavelmente esta se referia a proble-
10; Gl. 5: 6). A doutrina sadia produz mas especiais em Éfeso. 11. Com a
ordenamento divino ou superintendência menção do Evangelho, Paulo faz exul-
divina da vida. tante transição para o seu testemunho
2) O Propósito da Doutrina Sadia. do que o Evangelho fez em seu caso,
1: 5-7. Estes versículos são a cláusula enfatizando as coisas que encorajariam
principal da sentença acima mencionada. Timóteo.
5. Admoestação. (E.R.C.). A palavra 4) O Testemunho e o Evangelho de
é o substantivo cognato do verbo ad- Paulo. 1: 12-16. O testemunho do es-
moestares no versículo 3. Fé está sen- critor está em duas partes: 1) 12-14;
do usada no sentido de "a fé", sã dou- 2) 15, 16. Estas partes correm para-
trina. A admoestação relaciona-se com lelas, visto que destaca-se a condição
a fonte do amor: um coração puro, uma de Paulo antes da conversão; e em cada
boa consciência e sã doutrina. 6. Destas seção também o ponto crítico e o con-
cousas. Uma forma plural referindo-se ao traste vêm com as palavras, "Mas obtive
coração, consciência e fé que se acabou misericórdia". A sincera doxologia da
de mencionar. É quando esses orienta- Introdução do livro (v. 17) aparece co-
dores da vida moral e ética são prejudi- mo um clímax apropriado do testemu-
cados pela falsa doutrina ou desobediên- nho de Paulo.
cia, que o povo se volta para as vãs 12. É assombroso que em todas as
discusões. 7. Mestres da lei. Uma só palavras de Paulo, que foram registradas,
palavra. Usada com referência a Gamaliel só aqui ele dê graças diretamente a Cris-
(Atos 5: 34) e eminentes mestres (Lc. 5: to, e somente aqui ele use a eloqüente
17). Paulo parece se referir ao orgulho linguagem apropriada à profunda gra-
ambicioso dos falsos mestres, e denuncia tidão que sente ao se lembrar de sua
sua completa incompetência. própria salvação e vocação. Fiel (cons.
3) A Verdadeira Doutrina da Lei. I Co. 7: 25). A base para Cristo ter
1: 8-11. O apóstolo dedica-se agora ao Paulo por fiel estava na Sua misericór-
relacionamento da Lei com os perdidos. dia. Paulo ficou fiel àquilo que lhe foi
Novamente, estes versículos constituem encarregado (I Tm. 1: 11).
uma sentença. A conexão é: "Sabemos 13. Insolente. Uma pessoa violenta,
que a Lei é boa, se alguém a usa legiti- orgulhosa e opressora; o "injuriador"
mamente . . . conforme o evangelho". (E.R.C.) de Rm. 1: 30. Paulo caracte-
Paulo discute esta função da Lei em de- riza sua condição de perdido nas três
talhes em Rm. 7: 7-25. "Ela dá o conhe- terríveis palavras: blasfemo, perseguidor
cimento do pecado e toma o pecado ex- e insolente. Contra essa autocondena-
tremamente maligno, tudo com a finali- ção, em dramático contraste, levanta-se
dade de levar o homem a Cristo". a simples expressão, "mas alcancei mi-

-253 -
I TIMÓTEO 1: 13-19

sericórdia". Embora Paulo perseguisse falsos ensinamentos. Paulo, na verda-


a igreja na ignorância, pensando que de, diz: "Se o Senhor me salvou, que
executava o trabalho de Deus (Atos 26: sou pior do que qualquer outro, nin-
9), ele não desvalorizava o seu pecado. guém precisa se desesperar; e você pode
Mesmo os pecados da ignorância pre- ter certeza de que meu Senhor também
cisam expiação (Hb. 9: 7; Lv. 5: 15-19). capacitará você".
A menção da ignorância enfatiza a de-
plorável e culposa cegueira do pecado C. Doxologia. 1: 17. Para o duplo
(Ef. 4: 18; I Pe. 1: 14). "Paulo se sentia testemunho que acabou de ser apresen-
profundamente penitente por ter per- tado, a doxologia de louvor vem como
seguido a igreja de Deus, mas aparente- o clímax e a fonte da profunda adoração
mente ele não tomava sobre si o negro e gratidão de Paulo. Deus Pai não foi
pecado de ter continuado na persegui- mencionado no contexto, portanto esta
ção diante de uma convicção mais es- doxologia dirigida a Deus possivelmente
clarecida" (J. Gresham Machen, Origin pode ser aceita como dirigida a Cristo
ofPaul's Religion, pág. 61). ou ao Deus Triúno.
14. Não uma sentença separada, mas
D. Exortação e Estímulo a Timóteo.
o final e o clímax da declaração come-
çada no versículo 12. No seu pecado, 1: 18·20. A exortação é com referên-
cia â total responsabilidade do minis-
Paulo encontrou a misericórdia, graça,
tério do Evangelho, de acordo com pro-
fé, amor, em Cristo; e esta graça trans-
nunciamentos proféticos dados por oca-
bordou e superabundou. 15. Palavra.
sião da ordenação de Timóteo. Os de-
"Fiel é a mensagem e digna de toda a
talhes da exortação são apresentados
aceitação" . A mensagem não consis-
no restante da epístola e resumidos
tia de meras palavras, mas fundamenta-
novamente em 6: 13, 14.
va-se nas palavras de Cristo (Lc, 19: 10),
18. Firmado nelas. Pelas profecias,
e é equivalente verdade do Evangelho.
â
pelo lembrete da responsabilidade e con-
Aparece nesta forma aqui e em I Tm. fiança depositadas nele, Timóteo podia
4: 9. Nas simples palavras, fiel é a pa- ser desafiado e incentivado a permane-
lavra (em 3:1; IITm.2:11; Tt.3:8, cer frutífero na sua difícil tarefa. Veja
como aqui no versículo 15), Paulo su- comento sobre IITm.1:4,5. 19.Man-
blinha sua condição de perdido. Dos tendo fé e boa consciência. Toda a men-
quais eu sou o principal. É um parale- sagem do Evangelho encampa a dou-
lo de blasfemo, perseguidor, insolente; trina e a conseqüente obediência. A
e é o clímax. fé é o que cremos a respeito de Cristo;
16. Me foi concedida misericórdia. a boa consciência é a proibição da cons-
Novamente Paulo apresenta o contras- ciência de ser profanada pela prática
te dramático entre sua indignidade e de pecados contrários doutrina. Veja
â

a misericórdia de Cristo, acrescentan- comento sobre 11 Tm. 1: 3. A qual


do aqui, mas, por esta mesma razão, (E.R.C.). Refere-se â boa consciência.
que leva ao para que explicativo que se Se a doutrina da verdade não for obe-
segue: para que em mim, o principal, decida, ela será na verdade negada e se
evidenciasse Jesus Cristo a sua, comple- transformará em uma "fé morta" e os
ta longanimidade. Paulo propunha o homens passam a ser um naufrágio.
seu testemunho como um encorajamen- Reformando sua doutrina para se adap-
to a Timóteo, que enfrentava, na igreja, tar ao seu trajeto maligno, eles passam
o pecado mencionado acima, mais os a ensinar uma falsa doutrina. Por isso

-254 -
I I I ,
'I I I
I TIMóTEO 1: 19-20 - 2: 1·3

as palavras: "Há o perigo da fé afundar parágrafo, em 4: 6, vem uma divisão


em uma consciência má, como se fosse natural. Até esta divisão, Paulo parece
tragada por redemoinho em um mar discutir aspectos do testemunho de toda
tempestuoso" (Calvin). a Igreja. Depois dela, ele fala aos indi-
20. Paulo cita dois exemplos espe- víduos e a classes de indivíduos em par-
cíficos de naufrágio. Alexandre é pro- ticular, selecionando suas exortações com
vavelmente o Alexandre de 11 Tm. 4: 14, referência ao testemunho.
que se opôs ao ensino apostólico (veja
o comentário detalhado de Zahn em A. A Igreja que Dá Testemunho. 2:
Introduction to the New Testament, 1 - 3: 13. De um modo geral, o ponto
11, 108-110). Himeneu foi mencionado de vista aqui é a igreja em seus aspectos
em 11 Tm. 2: 17 e a heresia especificada. público e comunitário: adoração e ofi-
Entreguei a Satanás. Isto tem sido in- ciais.
terpretado por alguns como significan- 1) Oração Pública Relacionada com
do a imposição apostólica de algum o Propósito Missionário da Igreja. 2: 1-8.
castigo fora do comum (Atos5:5; 13: O primeiro tópico de Paulo é a oração
11; Jó 2: 6 - embora a entrega que por todos, e todos os que têm autori-
Deus fez de Jó a Satanás não seja aná- dade. A ênfase universal está clara por
loga ao procedimento de Paulo em re- causa do todos nos versículos 1, 2, 3, 4,
lação a um fomicador e herético). En- 6 e da nota apostólica, missionária, no
-tretanto, uma comparação com I Co. versículo 7. Paulo aqui não faz uma dis-
5: 3-5 toma a excomunhão como o sig- cussão completa do relacionamento do
nificado mais provável. Aquele que cristão com a autoridade civil, mas
não pertence â Igreja, o corpo de Cris- apenas exorta que se façam orações
to, está sob o domínio de Satanás. Blas- por aqueles que estão em autoridade,
fêmia é qualquer violação do terceiro que os crentes vivam uma vida quieta
mandamento, qualquer emprego leviano e sossegada. Isto conduz ao propósito
e mau do nome de Deus (veja Westmins- mais amplo de levar a salvação aos ho-
ter Larger Catechism, Perguntas 112, mens.
113). 1. Súplicas, orações, intercessões e
ações de graças. Estas palavras referin-
lI. Exortações e Instruções â Igreja do-se à oração são as mesmas encon-
do Deus Vivo. 2: 1 - 6: 2. tradas em Fp, 4: 6 e freqüentemente
usadas no N.T., com exceção de inter-
Os tópicos que Paulo comenta nesta cessões, que aparece apenas aqui e em
seção são facilmente perceptíveis, con- I Tm. 4: 5 (o verbo cognato aparece
forme indicado no esboço geral. Não em Atos 25:24; Rm. 8: 27, 34; 11:
tão facilmente perceptível é o ponto 2; Hb. 7: 25).
de vista que governa a escolha desses 3. Isto. Refere-se primeiramente à
tópicos e sua ordem. A idéia chave da oração, mas deve incluir o resultado
epístola é a preservação da fé e do tes- pretendido também. Cada uma tem
temunho. Não causa surpresa, então, o seu lugar na transmissão da mensa-
que no próprio centro da carta esteja gem aos homens. Salvador. Repete o
o parágrafo que apresenta a Igreja como a tema da salvação (1: 1) e enfatiza a
coluna e baluarte da verdade, o agente bondade e o amor de Deus por todos.
que defende e propaga a mensagem do A ênfase nesta passagem é sobre a su-
Evangelho (veja Introdução, Tema e Es- ficiência, aplicabilidade e oferta uni-
trutura. I Timóteo). Seguindo este versais do Evangelho. Paulo demons-

-255 -
I TIMÓTEO 2: 3-12

tra este fato, caracterizando a entrega do Evangelho foram aqui combinados


de Cristo como testemunho, e destaca em uma só palavra. (Veja coment. so-
sua própria posição de confiança na bre I Tm. 2: 3 para esclarecimento de
qualidade de pregador, apóstolo e pro- resgate por todos.) Testemunho que
fessor dos gentios. Os versículos 3-7 se deve prestar em tempos oportunos.
formam a expansão de um importante Cristo, sendo Deus e homem no senti-
pensamento anterior na exortação do do verdadeiro das palavras, deu-se a
apóstolo à oração. O pedido de oração Si mesmo como resgate por todos, como
do escritor tem por alvo missões. ~ testemunho no momento apropriado.
oportuno que missões fossem coloca- Na plenitude dos tempos Deus enviou
das sobre a sua base mais profunda: a o seu Filho.
genuinidade da oferta para todos, sua 7. Para isto fui designado pregador,
aplicabilidade e sua suficiência, confor- etc. "Para o qual (testemunho) fui cons-
me se percebe na obra de Cristo. Nossa tituído pregador e apóstolo ... ". A en-
oração é boa e aceitável diante de Deus fática e sincera exaltação que Paulo faz
porque é uma oração por todos os ho- de seu cargo mostra a direção do seu
mens e aqueles que exercem autorida- pensamento: por causa desse testemu-
de, com o propósito da Igreja poder dar nho do Evangelho de Cristo, e pelo su-
o seu testemunho eficientemente. Deus cesso dele, Paulo ordena a oração.
deseja que através deste testemunho 8. Aqui Paulo completa o parágrafo
todos os homens possam ser salvos e sobre oração. Fervoroso levantar de
venham ao conhecimento da verdade. mãos, no sentido literal ou figurado,
4. O qual deseja. Quer que (E.R.C.). significa súplica fervorosa (SI. 28: 2; 68:
Não deve ser interpretado Significando 31 ; 134: 2 ; 143: 6 ; Pv. 1: 24). Sem
"decreto", uma vez que nem todos os ira e sem animosidade. Sem ira nem
homens são salvos. contenda (E.R.C.); isto é, em união
5. Um versículo anterior (1: 1) fala (cons. Mt.18: 19).
de "Deus, nosso Salvador". Aqui Paulo 2) Conduta das Mulheres Relaciona-
usa a sucinta fórmula, "Há um só Deus, da com o Testemunho da Igreja. 2: 9-15.
e um só Mediador entre Deus e os ho- O da mesma sorte provavelmente trans-
mens, Jesus Cristo homem". Em Mt. mite às mulheres o que já foi dito sobre
19: 17 a ordem das palavras e idéias os homens, isto é, que suas vidastambém
é a mesma. "Bom, só existe um". A de- devem se caracterizar pela oração e
claração de bom, e Deus, e mediador devoção ao Evangelho.
é exclusiva e só pode ser feita em refe- 9,10. As observações quanto à roupa
rência a uma pessoa. Aqui está a afir- das mulheres são paralelas a I Pe, 3: 3-5.
mação mais penetrante e inequívoca O estilo condensado aumenta o con-
da divindade e humanidade de Cristo. traste entre o dedicar-se à ostentação
Está também envolvida a idéia de um no vestir e o dedicar-se às boas obras.
só mediador verdadeiro e perfeito que A implicação está em que o oposto ao
deve ser Deus (cons. Hb. 7: 22; 8: 6; primeiro é o uso da vestimenta mo-
9: 15; 12: 24). Este um se entregou desta e apropriada - uma espécie de
como um substituto-redentor por todos. "boas obras", o devido acompanha-
6. Resgate. Aparece só aqui no N.T., mento para a verdadeira confissão de
mas combina os dois elementos da de- piedade.
claração de Cristo sobre resgate em Mt. 11,12. O restante do capítulo dis-
20:28 e Mc.l0:45. A preposição por cute as relações oficiais das mulheres
e o substantivo resgate na declaração dentro da igreja. Estes dois versículos

-256-

I I I I I I
'I I I
I TIMÓTEO 2: 12-15 - 3: 1-3

devem ser tomados juntos; as mulheres Charles Hodge, Church Polity, Index,
não devem ocupar cargo de liderança "Ancião"; D.D. Bannerman, The Scrip-
ou de ensino na igreja. 13. Para ilustrar ture Doctrine of the Church, Parte VI,
o princípio da liderança masculina, Pau- capo ív; e também o ensaio de Lightfoot,
lo cita a ordem da criação, estabelecen- "The Christian Ministry", Commentary
do a chefia natural do homem (I Co. on Philippians, pág. 181-269).
11: 8, 9). 14. Adão não foi iludido. 1. Ao episcopado. Uma só palavra;
Isto deve ser aceito relativamente; Adão aparece também em Lc, 19: 44, Atos
foi enganado, mas não tão completa. 1:20 e IPe.2:12. O verbo cognato
mente quanto a mulher. A mesma pa- aparece em Hb. 12: 15, sugerindo que
lavra grega foi usada em relação à mulher, a função básica é a responsabilidade
mas em forma intensificada. Adão con- de cada crente. A palavra bispo apa-
cordou com ela deliberadamente em vez rece em Atos 20: 28; Fp. 1: 1; Tt.1:
de assumir a liderança repelindo as su- 7; I Pe. 2: 25. O cargo de ancião e
gestões do tentador. bispo é o mesmo; em Tt. 1: 5, 7 ambas
15. Será preservada através de sua as palavras são usadas referindo-se à
missão de mãe. A linguagem de Paulo mesma pessoa em versículos sucessivos.
aqui é um eco da tradução de Gênesis Em Atos 20: 28 é os anciãos que o Es-
2 e 3 da LXX; e aqui ele pode estar pírito Santo estabeleceu como bispos
fazendo um trocadilho com Gn. 3: 15, na Igreja. Se alguém aspira ao episcopa-
16, apontando para a encarnação de do ... almeja, etc. Duas palavras gre-
Cristo. Através disso (de sua missão gas foram usadas para aspirar aqui. A
de mãe) a mulher que crê e continua primeira só é usada aqui, em 6: 10 e em
na piedade será salva. Hb, 11: 16. O ardente desejo de um
3) Qualificações dos Oficiais da Igreja. homem pelo cargo seria como o dese-
3: 1·13. 1a. As palavras de abertura jo de Abraão pelo lar celestial. A outra
desta seção provavelmente pertencem ao palavra é usada com mais freqüência,
último pensamento do capítulo 2. Todas mas também expressa desejo intenso
as outras vezes em que esta frase aparece (Hb.6:11; IPe.l:12; Lc.22:15).
(ITm.l:15; 4:9; IITm.2:11; Tt. 2. Irrepreensível. Impecável; a mes-
3: 8) parece seguir ou preceder decla- ma palavra grega usada em 5: 7 e 6: 14.
rações importantes da doutrina do Vigilante (E.R.C.). Temperante. Origi-
Evangelho. Aqui acontece o mesmo nalmente significa "moderado no uso
se o de sua missão de mãe de 2: 15 for do vinho", mas aqui deve ser tomado
aceito como referência ao nascimento figurativamente, uma vez que o versí-
do Salvador. Esta parece a interpreta- culo seguinte proíbe a intemperança.
ção preferível. O verbo cognato significa ter autocon-
Então Paulo começa a considerar trole ou domínio próprio. Sóbrio. Equi-
as qualificações dos anciãos, as quais librado; veja também Tt. 1: 8; 2: 2, 5.
ele examina de um jeito ordenado: pes- Modesto. Ordeiro; usado em relação
soalmente (vs. 2,3), quanto à famtlía às roupas das mulheres em 2: 9. Hospi-
(vs. 4,5), quanto à igreja (vs. 5,6) e taleiro. Usado em Tt. 1: 8; I Pe. 4: 9.
quanto ao mundo pagão (v. 7). Na se- Uma palavra semelhante foi usada em
gunda metade desta seção o apóstolo Rm. 12: 13; Hb. 13: 2. Apto para en-
trata de diáconos e diaconizas (vs. 8-13), sinar. Usado apenas aqui e em 11 Tm.
cujas qualificações são paralelas às dos 2: 24; num lugar, tratando-se do ancião,
anciãos. (Para um comentário clássico em outro do ministro.
das funções e cargos dos anciãos, veja 3. Não dado ao vinho. Que não seja

-257 -
I TIMÓTEO 3: 3-10

briguento; rixento quando bebe; que em Rm.12: 16b. Opróbrio. Isto é um


não seja beberrão. Não violento. Não paralelo à condenação pronunciada con-
espancador (E.R.C.). Que não seja beli- tra Satanás por causa do orgulho (veja
coso ou valentão. Usado só aqui e em Is. 14: 12-15). Condenação. Usado em
Tt. 1: 7. Não cobiçoso de torpe ganân- I Tm. 6: 9 e 11 Tm. 2: 26. Orgulho foi
cia (E.R.C.). Não pertence ao texto a causa da queda de Satanás e é o laço
porque não aparece nos melhores manus- que ele arma para os homens (I Jo. 2:
critos. Obviamente repete o não ava- 16).
rento do fmal do versículo. Talvez fosse 8. Semelhantemente. Do mesmo mo-
extraído da lista de virtudes semelhan- do. O pensamento principal parece ser
te de Tt. I: 7. Cordato. Moderado que deveria haver o mesmo tipo e grau
(E.R.C.). Tolerante ou conciliador (Fp. de dons e qualificações para os diáco-
4:5; n.3:2; Tg.3:17; IPe.2:18). nos, segundo o padrão dos anciãos. Res-
Inimigo de contendas, como em Tt. 3: peitáveis. Honrados, dignos de respeito.
2. Não avarento. Não amante do di- De uma só palavra. Que falem a verdade.
nheiro. Usado apenas aqui e em Hb. Não inclinados a muito vinho. O teste-
13: 5. munho da Bíblia é consistentemente
4,5. Que Governe. Estar na dire- contra o uso de bebida forte. A apli-
ção de. Liderança e orientação são cação prática do princípio na sociedade
coisas de destaque nesta palavra, con- moderna é de total abstinência. Sórdi-
forme indica a cláusula seguinte e 3: 5. da ganância. Usado também em Tt,
O verbo em 3: 5 (usado, fora desta pas- 1: 7; e o advérbio em I Pe. 5: 2. Uma
sagem, apenas em Lc. 10: 34, 35) ex- palavra composta, cujos dois compo-
plica o governe do versículo 4, com nentes são usados separadamente em
crescente ênfase sobre o terno cuidado Tt. 1: 11. Em I Pe. 5: 2 a palavra se
implícito. 6. Não seja neófito. Não um opõe a voluntariamente. O assunto dos
recém-convertido. Aparece só aqui motivos econômicos, Paulo os discute
no N.T. "Mas, em lugar de ser um mais detalhadamente em I Tm. 6: 5·10;
neophytos, alguém de cujo compor- 17-19 (veja abaixo). A verdade gri-
tamento na nova fé pouco se sabe, ele tante defende: não dinheiro, mas o
deve também dar um bom testemunho amor ao dinheiro é raiz de todo o tipo
(não apenas àqueles que são da igreja, de males. A advertência é particular-
mas) aos de fora" (C']. Ellicott, ed., A mente relevante ao tipo de responsa-
Bible Commentary for English Readers, bilidades que o diácono tem.
VaI. VII). Se ensoberbeça. Ficando 9. Fé. Aqui novamente está a união
cheio de si por causa do rápido progres- dos aspectos doutrinários e práticos do
so. Condenação. Veja 3. 7. Cristianismo: a fé deve ser guardada em
7. É necessário que ele tenha bom uma consciência obediente, não profa-
testemunho dos de fora. Veja a pará- nada pela desobediência. A expressão
frase de Ellicott acima (v. 6). O mes- o mistério da fé não significa que haja
mo pensamento se encontra em Rm. 12: algum segredo esotérico conhecido ape-
17b, que é uma citação de Provérbios, nas dos iniciados. O emprego que Paulo
"Não te desamparem a benignidade e faz da expressão parte do aparecimento
a fidelidade ... E acharás graça e boa de Cristo na carne, como no versículo
compreensão diante de Deus e dos ho- 16 abaixo. O mistério não é um segredo
mens" (pv. 3: 3, 4). Observe a adver- a ser guardado, mas uma mensagem a
tência contra o orgulho no mesmo con- ser proclamada (Rm.16:25; C1.4:3).
texto do V.T. (Pv. 3: 7), também citada 10. Experimentados. Não necessa-

- 258-
I i I i I I
'I I I
I TIMóTEO 3: 10-16

riamente por meio de um teste formal, para si um bom fundamento e base de


mas pela aprovação da igreja. O se é muita confiança na fé (plenitude), que
significativo: parece querer dizer que os há em Cristo Jesus. Os que desempe-
candidatos devem ser aprovados antes nharem bem. Provavelmente se refere
de ocuparem o cargo, servindo depois; não somente aos diáconos mas também
não experimentados no cargo. aos anciãos.
11. A mulheres. O contexto faz que
a referência pareça mais naturalmente B. À Igreja que é Coluna e Fundamen-
estar indicando as mulheres que desem- to da Verdade. 3: 14 - 4: 5.
penham o cargo de diáconos, ou diaco- 1) Sua Exaltada Posição Como Instru-
nizas. O apóstolo imediatamente retor- mento da Doutrina do Evangelho. 3: 14,
na ao assunto dos diáconos em geral e 15. Paulo esclarece por que ele achava
completa suas observações referentes importante escrever a Timóteo mesmo
aos mesmos. A palavra respeitáveis e se pretendia encontrar-se com ele logo.
palavras relacionadas aparecem freqüen- Um dos principais destaques da epís-
temente nas Pastorais. A mesma virtude tola é a conduta honrada para testemu-
é exigidados diáconos (v. 8) e dos anciãos nho da verdade. Assim o comportamento
(Tg. 2: 2). Maldizentes. A palavra grega dos cristãos no governo da Igreja é de
para "maldizente" é diabolos (diabo), primordial importância, pois a Igreja
o nome dado a Satanás no N.T.; ele é é o sustento da firmeza da verdade;
o caluniador por excelência. Aqui, em isto é, na sua esfera de testemunho dian-
IITm.3:3, e em n.2:3, a palavra se te do mundo. Cristo, a própria verdade,
aplica a homens. Temperantes. Como é o fundamento da Igreja (I Co. 3: 11).
em I Tm. 3: 2 e ri, 2: 2. Fiéis. Crentes Em Hb. 3: 6; 10: 21, a Igreja é chamada
ou (dignos de toda aceitação) fidedignos. de "casa" de Cristo ou "de Deus"; tam-
O substantivo correspondente, fé, foi bém cons. Ef. 2: 19,20. A verdade. A
citado no fruto do Espírito em G1. 5 : maior parte das ocorrências desta palavra
22. O substantivo, como o adjetivo, no N.T. se encontram nas cartas de Paulo
pode significar a fé no sentido ativo, e João. O termo é muitas vezes equi-
"crente", ou essa "fidelidade" que pro- valente ao "evangelho" ou "mensagem"
duz confiança da parte dos outros e (Rm.2:2, 16; C1.1:5; G1.2:14), co-
pode ajudar a inspirar fé. 12. Veja os mo neste contexto, onde claramente
versículos 4,5 acima; as mesmas pala- é um paralelo do versículo seguinte,
vras foram usadas. o qual dá a substância do Evangelho.
13. Paulo termina esta seção como 2) Hino de Louvor: Declaração Poé-
a começou no versículo 1, com um ar- tica da Verdadeira Doutrina. 3: 16. Mis-
gumento destinado a encorajar o aspi- tério. Veja o versículo 9 acima. Piedade.
rante a líder da igreja. Aqueles que Esta significativa palavra nas Pastorais
servem bem adquirem ou ganham para e neste período da história da igreja
si uma justa preeminência. A expres- encontra-se em ITm.2:2; 3:16; 4:7,
são muita intrepidez aqui provavel- 8; 6:3,5,6,11; IITm.3:5; n.l:l;
mente significa "alicerce de" ou "moti- IIPe. I: 3, 6, 7; 3: 11; Atos 3: 12; (o
vo para" muita confiança. Assim pode verbo) Atos 17:23; ITm.5:4; (o ad-
ser um paralelo, e explicação, do justa jetivo) Atos 10:2,7; IIPe.2:9; (oad-
preeminência procedente (que literal- vérbio) 11 Tm. 3: 12; ri. 2: 12. Sua
mente é um passo ou base sobre a qual área de significado enfatiza a conduta
alguém está). Aquele que serve bem piedosa, sugerindo reverência e leal-
descobre que o Senhor é fiel; adquire dade. Isto destaca devidamente a prin-

-259 -
I TIMÓTEO 3: 16 - 4: 1-6

cipal ênfase que Paulo dá às Pastorais: da pregação. Recebido. Refere-se par-


sã doutrina e vida fiel. O contexto tor- ticularmente à Ascensão, mas inclui
na claro que Paulo se refere a Cristo toda a subseqüente exibição de Sua
quando diz: Aquele que foi manifesta- glória. Isto fica sugerido pelo progres-
do na carne. Começando aqui e no res- so histórico e lógico do poema: o todo
tante do versículo, as linhas estão dentro da obra messiânica de Cristo ficou nEle
de um padrão regular, tal como uma poe- resumido.
sia ou hino se apresentariam. Serviu 3) Advertência Profética Sobre a Falsa
bem aos propósitos de Paulo de ligar Doutrina. 4: 1-5. O Gnosticismo, uma
seus pensamentos a algo bem conhecido de cujas características era o ascetismo
e atual, uma vez que a mensagem então aqui descrito, inundou a igreja no segun-
seria melhor lembrada. Muitas das re- do século, e sem dúvida já se evidenciava
ferências a cânticos no N.T. estão em quando Paulo escreveu.
conexão com Paulo (Ef. 5: 19; Cl. 3: 1. Da fé. A verdadeira doutrina de
16; Atos 16: 25; I Co. 14: 15). Por- Cristo que se opõe à doutrina de Sata-
tanto, não é difícil crer que o próprio nás. Mais detalhes sobre o caráter e mé-
Paulo escrevesse este hino cristão pri- todos dos falsos mestres encontram-se
mitivo, se aceitarmos, é claro, que estas em 11 Pe. 2 e em Judas. 2,3a. Carac-
linhas (e Ef. 5: 14 também) foram ex- terísticas dos falsos mestres também se
traídas de um hino. Todas as palavras encontram na hipocrisia, cauterizada ...
dominantes aparecem em outras cartas consciência e falsas atitudes para com
de Paulo. Carne. Paulo freqüentemente o sustento e as bênçãos desta vida: ca-
enfatiza a humanidade de Cristo com samento e alimentação.
o uso desta palavra (Rm.1:3; 8:3; 9: 3b-S. Os princípios que governam o
5; Ef.5:15; Cl.l:22; Hb.5:7; 10: justo uso do sustento desta vida são:
20), como aqui, ao falar sobre a encar- a) Deus é o Criador e a Sua criação é
nação, em harmonia com a doutrina do boa; b) Ele criou o alimento para o ho-
Nascimento Virginal. Justificado. No mem, e aqueles que crêem e conhecem
sentido de ser declarado justo, vindi- a verdade sobre a salvação eterna terão
cado (Rm. 3: 4; Lc. 7: 29, 35). Pela a atitude certa para com as necessida-
presença do Espírito no ministério de des desta vida, e não endeusarão a coisa
Cristo Ele foi vindicado e comprovado criada nem a degradarão ou desprezarão,
ser verdadeiro em todas as Suas decla- aceitando-a com ação de graças pois
rações (Rm. 1: 4; Lc. 4: 18, 19; 10: 21; é sábia provisão do Pai (cons. Mt. 6: 31-
Mt. 12: 18,28; e especialmente Rm.8: 33). Santificado. As coisas que Deus
10, 11). Contemplado. Traduzido para providenciou através de Sua palavra
"apareceu" em outros lugares, portanto criadora foram separadas por meio de
aqui o significado é "apareceu aos anjos". orientação para o seu uso (Gn. 1: 29-
A última vindicação que o Espírito fez 31; 2: 4,5), e foram depois santificadas
de Cristo foi a Sua ressurreição: a men- como testemunho da fidelidade e cuida-
ção da justificação no Espírito conduz do do Pai celestial, quando recebidas
assim ao Seu aparecimento aos anjos na com ação de graças, gratidão e compreen-
ressurreição, ascensão e entrada no céu são (cons. I Tm. 6: 17).
(I Pe. 3: 22). Pregado entre os gentios.
Pregado entre as nações: a expressão C. À Testemunha Individual. 4: 6 -
é um resumo de toda a presente era de 6:2.
trabalho missionário (Rm. 16: 26; Cl. 1) A Timóteo, o Bom Ministro. 4: 6-
1: 6). Crido. Um resumo dos resultados 16.

-260 -
I i I ,I I
'I I I
I TIMÓTEO 4: 6·14

6. Expondo estas cousas aos irmãos. gação do Evangelho. Lutamos (E.R.C.);


Implica em imposição, ensino e demons- o servo de Deus está proibido de "lutar"
tração: inclui o que é mais detalhada- no sentido de 11 Tm. 2: 24, onde foi
mente declarado no versículo 11, or- usada uma palavra diferente, signifi-
dena e ensina. Através de toda a seção cando "contender". Aqui, como em
(vs.6-16), o efeito do Evangelho sobre Judas 3, ela significa "lutar com todas
ambos, Timóteo e o seu povo, está vi· as forças". Salvador (Gr. Soter). Usado
sível. Timóteo mesmo tem de se nutrir no sentido de "libertador"; a palavra
das palavras da fé e da boa doutrina. pode ter um sentido mais amplo e mais
Da fé. É o todo do corpo da verdade estreito. Soter era um epíteto conce-
e conhecimento de Deus. 7. Em con- dido às divindades guardiãs, especial-
traste com a revelação de Deus estão mente Zeus; os homens lhes ofereciam
as fábulas profanas e de velhas (lit., mi- sacrifícios depois de uma viagem, etc.
tos) que dominam e confundem as men- O conceito que Paulo tem de Deus é
tes e a conduta dos homens. Rejeita. tal que todas as bênçãos, livramentos
As mesmas palavras usadas em 11 Tm. e bondosa providência que os homens
2: 23. Exercita-te. Isto provavelmente experimentam devem ser atribuídos so-
deve ser tomado em um sentido amplo mente a Ele (Mt. 5: 45). Em um sentido
de se desprender todos os esforços no especial e mais alto, Ele é o libertador
progresso do Evangelho. Aplica-se ao daqueles que crêem na salvação eterna.
exercício físico no versículo seguinte, 11. Ordena ... e ensina. Aqui Paulo
e a todo esforço no versículo 10. retoma e enfatiza o seu expondo estas
8. Pouco. A referência à vida pre- cousas aos irmãos do versículo 6, e avan-
sente e à vida futura sugere significar ça para a conclusão enfática de todo o
"pouco tempo", em outras palavras, parágrafo no versículo 16. A forma dos
nesta vida. Piedade. Esta palavra só verbos enfatiza a natureza progressiva
foi usada por Paulo e Pedro no N.T. e e contínua da obra.
é uma palavra de sentido amplo, refe- 12. Portanto, longe de considerar a
rindo-se à obediência ao Evangelho em mocidade dele como impedimento, Ti-
todos os setores da vida. Implica em móteo devia ser um exemplo aos crentes
uma base de sã doutrina (Tt. 1: 1). Ve- na palavra (no falar), no procedimento
ja ITm.3:16. Vida ... que há de ser. (modo de viver), no amor, na fé (na fi-
Esta e expressões semelhantes são bã- delidade), na pureza (restritamente, "cas-
sicas na teologia e escatologia de Paulo. tidade"; mas aqui no sentido de "proprie-
9. Palavra. Mensagem do Evangelho. dade" ou "cumprimento cuidadoso das
Como em 3: 1, aqui a expressão resume obrigações religiosas"). No espírito
o que foi discutido. "Palavra" no sen- (E.R.C.) não se encontra nos melhores
tido aceito pela língua inglesa é "um textos.
pronunciamento que implica na fé ou 13. Aqui se enfatiza as coisas que
autoridade da pessoa que a pronuncia" exigem atenção especial entre as pessoas:
(Webster's New International Dictionary, leitura (leitura pública das Escrituras),
segunda edição). exortação (confortar, incentivar, adrnoes-
10. Esperamos (E.R.C.). Colocamos tar, exortar, abrangendo toda a área do
nossas esperanças em. Colocar as espe- ministério que hoje seria chamado de
ranças no Deus vivo, que é capaz de aconselhamento, mas aqui o contexto
realizar Suas promessas nesta vida e na favorece o ministério da pregação com
próxima, é uma grande motivação para exposição das Escrituras), ensino. 14. O
uma vida de luta e conflito na propa- dom. Ensinar e exortar foram meneio-

-261-
I TIMÓTEO 4: 14 -16 - 5: 1-11

nados junto (Rm.12: 7, 8); o dom de e ser cuidada por ela (cons. Lc. 2: 36,
ensinar está entre os dons do Espírito 37). 6. Se entrega aos prazeres. Este
à Igreja (I Co.12: 28); pastores e dou- é o contraste das viúvas inaceitáveis;
tores são mencionados como unidade mais detalhes são acrescentados mais
(Ef. 4: 11). Esta palavra que significa tarde. Esta expressão aparece só aqui
"dom da graça" pode ser aplicada a qual- e em Tg. 5: 5 e significa vida de volúpia
quer dom de Deus através do Espírito. e indulgência carnal, sinal de estado de
Aqui ele parece implicar em uma res- morte espiritual.
ponsabilidade concedida na ordenação. 7. Prescreve. Paulo está profunda-
Paulo a reitera e faz Timóteo se lembrar mente cônscio do efeito do testemunho
dela aqui e em 1: 18. Presbítero (usado falido dentro do lar. Por isso estas coi-
só em Lc. 22: 66, Atos 22: 5 e aqui) sas deviam ser ordenadas (mesmo verbo
refere-se a um grupo de líderes represen- de 4: 11), como o próprio Paulo solene-
tativos espirituais, escolhidos e aprova- mente responsabiliza Timóteo (6: 13).
dos. 8. Deixar de cuidar é negar a fé. Des-
15. Medita. Pratica, cultiva, ou es- crente. Incrédulo.
mera-te; só usado aqui e em Atos 4: 25. 9. Aqui e no versículo seguinte são
Aproveitamento (E.R.C.). Progresso. dados detalhes específicos sobre as qua-
(E.RA.). 16. De ti mesmo. O minis- lificações da viúva na igreja que deve
tro precisa que Ihe lembrem suas pró- ser sustentada. Ao menos sessenta anos.
prias necessidades em conexão com Calvino apresenta duas razões por que
a doutrina; ao alimentar os outros, ele Paulo não quer que se admita alguma
também precisa encontrar uma bên- abaixo dos sessenta anos de idade. Pri-
ção. Continua. Esta é uma das pala- meiro, "ao ser sustentada às expensas
vras básicas usadas para descrever a ca- públicas, seria próprio que já tivesse
minhada firme do cristão (G1. 3: 10; alcançado idade avançada". Segundo,
Hb.8:9; Tg.l: 25; Atos 14: 22; C1. havia uma obrigação mútua entre a igre-
1: 23). Basicamente é o mesmo que ja e essas viúvas: a igreja aliviaria sua po-
"habita" em João 15 e I João. Salva- breza e elas se consagrariam ao ministé-
rás foi usado no sentido de "desen- rio da igreja, "que se tornaria intolerá-
volver a sua própria salvação" de Fp. vel, se ainda houvesse probabilidade de
2: 12. se casarem". Tenha sido esposa de
2) Aos Homens. 5: 1. Não repreen- um só marido. ''Pode ser considerado
das. A repreensão violenta ou o ataque como uma espécie de prova de conti-
é proibido. nência ou castidade, se uma mulher
3) Às Mulheres, Especialmente Viú- chega a essa idade, satisfeita por ter
vas. 5: 2-16. tido apenas um marido. Não que (Pau-
2. Pureza. Propriedade. lo) desaprove um segundo casamento,
3. Verdadeiramente (cons. vs. 5, 16). ou que afixe um sinal de ignomínia so-
Aquelas que são viúvas e desamparadas bre aquelas que se casaram duas vezes;
- sem ninguém no mundo - devem ser (pois, pelo contrário, ele aconselha as
cuidadas pela igreja. Toda a discussão viúvas mais jovens a se casarem); mas
deve ser considerada à luz dos ensina- porque ele queria ter o cuidado de evi-
mentos do V.T., onde o cuidado às tar que qualquer mulher ficasse obri-
viúvas foi enfatizado (também cons. gada a não se casar novamente, sentindo
Tg. 1: 27). necessidade de ter marido" (Calvino).
5. Aqui está uma descrição da ver- 11. Levianas. Só aparece aqui e em
dadeira viúva, que pode servir à igreja Ap. 18: 7. Tal conduta é incompatível

-262 -

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'I I I
I TIMÓTEO 5: 11-17

com a salvação e dá a impressão de que cípio que acabou de ser citado.


Paulo não as considera "verdadeiramente 16. Se alguma crente. Até mesmo
viúvas". A idéia de viuvez pode ter uma uma mulher, poderia ocupar uma posi-
aplicação mais ampla do que apenas a ção na qual seria sua responsabilidade
perda do marido pela morte; pode sig- cuidar de uma viúva em lugar de jogar
nificar separação do marido. Para ante- a responsabilidade sobre a igreja, a qual
cedentes no V.T., veja 11 Sm. 20: 3 eIs. deve cuidar daquelas que não têm am-
54: 4-6. Israel é rejeitada, esposa adúl- paro. (sozinhas, v. 5). O princípio go-
tera e viúva por causa da separação, vernante encontra-se no versículo 8.
não por causa da morte do marido. Por 4) Aos anciãos. 5: 17-25. Paulo já
isso essas mulheres, que são mais adian- discutiu algumas das obrigações oficiais
te descritas como culpadas de terem dei- dos anciãos no capítulo 3. Aqui ele
xado de lado suas primeiras promessas trata mais detalhadamente as obriga-
(fé, promessa, I Tm. 5: 12) e de terem ções individuais, e o seu estilo está mar-
se voltado para Satanás (v. 15) podem cado por freqüentes imperativos e exor-
ser esposas infiéis que se divorciaram. tações pessoais a Timóteo. Esta é a ma-
12. Condenáveis. Novo casamento em neira usual de Paulo manejar a doutrina
caso de separação por infidelidade traria em suas epístolas: primeiro discussão
a condenação do Senhor (Lc.16: 18). de princípios, depois aplicação prá-
Primeiro compromisso. Primeira pro- tica, com uma eloqüente exortação em
messa. Assim, deixar o "primeiro amor" prol de uma vida piedosa. Assim, na
(Ap. 2: 4) pode ser paralelo e equiva- presente seção, Paulo retoma ao assun-
lente à infidelidade espiritual. to dos anciãos para dar mais conselhos,
14. As viúvas mais novas. Estas são 17. Presidem bem. Importante qua-
provavelmente as viúvas mais moças lificação para o ancião (3: 4,5) é que
que são qualificadas, a não ser pela ida- ele governe (dirija ou supervisione) de-
de, não as que foram descritas no versí- vidamente. Isto se encontra nos dons
culo 12. Sejam boas donas de casa. Es- básicos para o bem-estar da igreja (Rm.
te verbo só foi usado aqui em todo o 12: 8; I Ts. 5: 12). Dobrados honorá-
N.T. A alta estima da posição da mulher rios. Honorários tem dois significados:
e sua capacidade encontra-se em Pv. 31: "Honra" e "honorários" ou "compen-
10-31. Não dêem ... ocasião. "Pretex- sação". Ambos significados estão aqui
to" ou "oportunidade". "Que elas, a sem dúvida. No caso daqueles que tra-
fim de fechar a boca dos maledizentes, balham pregando e ensinando, devotan-
escolham um modo de vida que seja me- do assim todo o seu tempo, merecem
nos sujeito às suspeitas" (Calvino). O remuneração da igreja (veja I Tm. 5: 18).
adversário é Satanás, mencionado logo A palavra dobrados parece argumentar
a seguir. De maledicência. Ou o com- a favor de uma recompensa suficiente
portamento indigno é uma injúria à ou apropriada, e não de uma quantia
verdade, imposta por aquelas que assim dupla. Na LXX, em Is, 40: 2, a mesma
vivem, dando ocasião a Satanás de preju- palavra foi usada, e no contexto trans-
dicar mais a Igreja; ou tal comportamen- mite a idéia de "plenamente equivalen-
to dá a Satanás uma oportunidade de te". Observe também o uso paralelo
injuriar e conseqüentemente prejudicar de honra que Paulo faz em 6: 1, onde
o testemunho da igreja. 15. Esta não é "toda" ou "completa honra". (Veja
é uma sentença separada na pontuação William Hendricksen, New Testament
do Greek New Testament de Nestle, Commentary: Exposttion of the Pas-
mas é um exemplo específico do prin- toralEpistles, pág. 180, 181).

-263 -
I TIMÓTEO 5: 18-25

18. Aqui há duas citações: Dt. 25: 4 ria, nem, por outro lado, de indevida
e Lc. 10: 7. Não amordaces o boi. O clemência, a ponto de participar dos
conteúdo em Deuteronômio 25 trata do seus pecados. Puro. Esta e palavras re-
relacionamento equitativo entre homens; lacionadas são aquelas que foram geral-
o versículo é um aforismo citado por mente traduzidas para "santo", "santi-
Moisés para provar um princípio, e as- ficado" . Às vezes tem o significado es-
sim foi entendido por Paulo, que discute pecífico de castidade, mas geralmente
o mesmo princípio em Rm. 13: 7 e I Co. parece referir-se à conduta honesta da
9: 7-11, e cita a mesma passagem de vida cristã. O paralelo mais achegado
Deuteronômio. Trabalhador. A forma a puro, de acordo com o uso aqui é "lim-
original exata da citação só se encontra po", conforme foi empregado em 11 Co.
em Lucas. A citação aqui, a Escritura 7: 11. Por isso aqui, talvez, deveria ser:
declara, mostra que o Evangelho de Lu- "Mantenha-se limpo (dos pecados dos
cas já existia e era considerado Escri- outros homens)". Esta discussão dos
tura. pecados dos outros foi resumida e con-
19. Duas ou três testemunhas. A re- cluída nos versículos 24, 25.
gra para o depoimento dada por Moisés 23. Não continues a beber somente
(Dt. 19: 15), e usada pelo Senhor (Mt. água. As proibições de Paulo são in-
18: 16). 20. Aos que vivem no pecado terpretadas no contexto e às vezes não
(o grego dá a entender "aqueles que são absolutas. Ser um "bebedor de água"
persistem em pecar") repreende-os na na linguagem comum parece implicar
presença de todos, como o próprio Pau- em excessiva severidade e auto-renún-
lo repreendeu Pedro (Gl. 2: 14). Um cia. O princípio antiascético foi exposto
homem piedoso quando assim adverti- em 4: 3-5. Àquela altura Paulo rapida-
do publicamente aceitará a corrigenda mente passou do princípio generalizado
de coração (Pv. 9: 8). para o conselho específico e prático
21. Aqui Paulo usa um desafio solene, dirigido a Timóteo (sobre exercício cor-
uma súplica, para reforçar a importân- poral, v. 8). Aqui também, ao falar do
cia da ordem contra a parcialidade. O princípio geral da abstinência, torna-se
mesmo verbo foi usado em 11 Tm. 4: 1 oportuno advertir contra a excessiva
e novamente em 11 Tm. 2: 14, quando o frugalidade e severidade. Vinho é usado
próprio Timóteo recebeu ordem de su- para uma larga variedade de produtos
plicar aos outros com a mesma veemên- da uva; qualidades medicinais estão
cia. implícitas (Lc. 10: 34). A receita de
22. Imponhas precipitadamente as Paulo para a doença de Timóteo não
mãos. Isto costuma ser entendido como é uma regra geral para o "uso modera-
proibição para ordenação apressada. En- do" para todo o mundo. Regras bfbli-
tretanto, qualificações e ordenação foram cas gerais continuam em vigor (Hc. 2:
discutidas antes. Locke sugere (ICC, 5,15; Pv.20: 1; 23:31).
pág.64) que se refere à precipitada re- 24. Este e o versículo seguinte devem
cepção de um ofensor de volta à comu- ser entendidos no contexto de não te
nhão. Mãos (plural) pode também signi- tomes cúmplice de pecados de outrem
ficar "medidas violentas", "força". Aqui (v. 22) e isto em relação ao cargo de
poderia ser outra advertência referindo-se ancião. O princípio é: "Pelos seus fru-
a Timóteo quando tratasse com homens tos os conhecereis". Ligue isto com a
que foram repreendidos. Ele não deveria advertência feita contra a atitude apres-
usar de parcialidade, nem de medidas sada (v. 22). Os pecados de alguns ho-
violentas ou de severidade desnecessá- mens são declarados e exigem uma de-

-264-

I I I I 'I I I
I TIMÓTEO 5: 25 - 6: 1-10

cisao apropriada; no caso de outros, Origin of Paul's Religion, pág. 147-152).


as evidências se manifestarão com o 4. É enfatuado. Usado três vezes
tempo. no N.T., todas as três nas Pastorais (I
5) Aos Servos. 6: 1,2. O contexto Tm.3:6; 6:4; 11 Tm.3:4). A palavra
e a comparação com I Pe. 2: 18 sugerem combina as idéias de convencimento e
que duas categorias de senhores são os tolice. A rejeição do testemunho do
considerados aqui: os crentes e os incré- Evangelho está enraizado no orgulho e
dulos. Paulo não discute a questão fi- é a mais rematada tolice. Nada entende.
nal da justiça ou injustiça da escravidão, Esta é a única vez em que Paulo usa
mas destaca as obrigações que repousam esta palavra significando "compreender".
sobre o escravo, e a oportunidade mesmo Mania. A palavra é literalmente "doen-
em tal situação de "ornamentar a dou- te", "enfermo"; tendo um anseio mór-
trina" (Tg. 2: 10). O caráter de Deus bido pela controvérsia e pela disputa
e os ensinamentos do Evangelho serão sobre as palavras. Suspeitas. Conjetu-
prejudicados pela conduta errada. E aque- ras, suposições. 5. Supondo que a pie-
les que têm senhores crentes não' devem dade é fonte de lucro. Aparta-te dos
deixar de conceder todo o respeito, tais. (E.R.C.). Omitido, como na E.R.A.
mas devem servi-los o melhor que pu- 2) Atitudes Corretas dos Verdadeiros
derem, uma vez que é um irmão cristão Mestres. 6: 6·10. 6. Grande fonte de
que está se devotando (ou benefician- lucro. Esta palavra parece ter o signi-
do-se) ao bom serviço. ficado uniforme de "causa de ganho",
"meio de vida", o que lhe dá um sen-
Ill. Conclusão. 6: 2d-21. tido melhor aqui. Paulo quer dizer: "A
fé cristã com suficiência nesta vida é
A. Um Solene Desafio. 6: 2d-15a. um grandioso meio de vida". Ele já
Ensina e recomenda estas cousas. Este disse (em 4: 8, que é paralela e um bom
é o tema básico das Pastorais, que apa- comentário) que a piedade é proveitosa
rece em 4: 11 como também aqui. En- sob todos os aspectos, dando a promes-
sinar corretamente foi o motivo princi- sa não apenas para esta vida mas também
pal de deixar Timóteo em Éfeso (l: 3). para a vida futura. É esta ênfase escato-
1) Advertências Contra os Falsos Mes- lógica que Paulo pretende destacar no
tres. 6: 3-5. As sãs palavras. Sãs porque restante da epístola. Nos versículos
promovem a saúde. Esta expressão é 7, 8 o apóstolo mostra a loucura de se
peculiar às Pastorais, enfatizando o de- colocar as esperanças e os desejos neste
sejo de Paulo que seja pregada a sã dou- mundo, que é temporário. É preciso
trina. Palavras de nosso Senhor Jesus contentar-se com o alimento e abrigo.
Cristo. Esta é outra indicação (veja Nos versículos 9, 10 ele desenvolve a
5: 18) que as narrativas do Evangelho idéia da loucura de se concentrar na
escrito eram bem conhecidas e estavam acumulação de riqueza como um fim
em circulação. E com o ensino. Este em si mesmo. A tradução de Hendriksen
e seria melhor traduzido para até, uma (op. cit.) parece a preferível: Porque a
vez que as palavras de Cristo são a base raiz de todos os males é o amor ao
e substância da doutrina que concorda dinheiro. Nessa cobiça (referindo-se ao
com a piedade (praticamente um sinô- dinheiro) alguns se desviaram da fé.
nimo para "Cristianismo"; veja obser- Amor ao dinheiro é idolatria (C1. 3: 5 ;
vações sobre 3: 16). Com relação à im- Ef. 5: 5; I 10.2: 15) e afasta da ver-
portância, nas cartas de Paulo, dos en- dadeira esperança o cristão.
sinamentos e vida de Jesus, veja Machen, 3) Os Motivos do Homem de Deus.

- 265-
I TIMÓTEO 6: 11-16

6: 11-15a. Paulo prossegue fazendo um 32).


esboço das coisas que um cristão deve- 13. Exorto-te. A ordem solene que
ria acalentar. O âmago é a vida futura vai através da doxologia dos versículos
e a volta de Cristo. 15 e 16. Ela caracteriza Deus como A-
11. Segue. Persiga, continue indo quele que dá vida a todas as coisas (cons.
atrás. Vigor e intensidade são sugeridas Rm. 4: 17 onde há a mesma ênfase so-
na fuga das coisas que afastam da fé bre o poder soberano de Deus e Seus
e na perseguição daquelas pertinentes propósitos na salvação). Paulo acabou
â fé. Paulo tem uma espantosa quanti- de falar na vida eterna na sentença pre-
dade dessas sugestivas listas de virtudes, cedente; aqui ele enfatiza que Deus é
nenhuma igual outra e nenhuma exau-
â Aquele que a dá por meio de uma cha-
rindo as possibilidades dos "assuntos mada eficaz. Cristo é caracterizado como
mais graves da lei". Justiça pode ser Aquele que fez uma boa confissão diante
imaginada como um nome que abrange de Pilatos. Tal como Timóteo foi cha-
todo o fruto do Espírito. Piedade signi- mado â vida e fez uma boa confissão,
fica "fé piedosa", "verdadeira religião". Paulo se refere primeiro ao Doador de
Em Paulo, esta expressão só se encontra toda a vida e então Àquele que fez a
nas Pastorais (veja observação sobre 3: boa confissão diante de Pilatos. A boa
16). Fé pode significar "crença" ou confissão é confessar Jesus como o Se-
"fidelidade". Uma plena realização do nhor (Rm. 10: 9); essa foi a declaração
amor significa a experiência do amor do Senhor diante de Pilatos e outros.
de Deus por nós, como também o nos- Deus e Cristo são as testemunhas do de-
so amor por Ele e pelos outros. Cons- safio que Paulo faz a Timóteo.
tância significa "capacidade de supor- 14. Que guardes o mandamento. Man-
tar", e mansidão parece volver aos ensi- damento parece estar sendo usado aqui
namentos e exemplo do Senhor (Mt. como uma palavra ampla que abrange
5: 5; 11: 29). o Evangelho, como Cristo a usou em
12. Combate. Compare o uso do Jo. 12: 50 (veja também I Jo. 3: 23; 11
mesmo verbo com um prefixo intensi- Jo.6). Guardar os mandamentos sem
ficador em Judas 3. As últimas epís- mácula e sem repreensão significa en·
tolas de Paulo e outras tinham como sinar e viver acima de qualquer repro-
um de seus propósitos informar e pre- vação. Até à manifestação de nosso
parar os cristãos para a maré de oposi- Senhor Jesus Cristo. Aqui está o pon-
ção e perseguição que estava por se le- to alto da ênfase escatológica de Paulo
vantar nos séculos imediatamente subse- acima mencionada (v. 6; cons. também
qüentes. O bom combate envolve o 11 Tm. 4: 1, coment.). O apóstolo a usa
apegar-se à fé e a sua transmissão aos como o clímax de seu solene desafio
outros. Neste contexto ela se relaciona a Timóteo e como transição para o
intimamente com apegar-se e tomar pos- grande hino de louvor ao Deus trino.
se da vida eterna. A mesma palavra Em suas épocas. Esta expressão é idên-
traduzida para combate foi usada pelo tica à de 2: 6 e Tt. 1: 3; no devido tempo,
Senhor em Lc, 13: 24 como "porfiai" na plenitude dos tempos conhecidos por
em contexto paralelo. Chamado. Chamar Deus.
é obra da graça do Espírito, levando-nos
fé em Cristo. Confissão. A mesma pa-
ã B. Doxologia. 6: 15b, 16. O Deus
lavra também traduzida para "confessar" trino é Aquele que revelará a apançao
(Rm. 10: 9). Esta é uma doutrina básica de Cristo (cons. I Co. 15: 28). Deus es-
dos ensinamentos do Senhor (Mt. 10: tá caracterizado aqui por uma acumula-

- 266-
I i I I I I 'I I I
I TIMÓTEO 6: 16-21

ção de títulos e atribuições de majestade tro vezes em I Tm. das seis vezes que
e poder dignos de nota até mesmo em Paulo o usou, e enfatiza a verdade e a
Paulo e, na verdade, em toda a Escritu- existência real.
ra. As idéias são paralelas ai: 17 mas
melhor expressas. O pensamento de 2) Apelo Final: Um Resumo. 6: 20,
Paulo vai das manifestações de Deus 21. Com profunda emoção e apelo pes-
aos homens como Potentado e Rei, soal Paulo começa sua exortação final:
através de Suas prerrogativas soberanas Ó Timóteo (a interjeição é especialmen-
de imortalidade, recuando para o Seu te freqüente nas epístolas de Paulo; veja
ser misterioso e inescrutável, e conduz Rm. 2: 1,3; 9: 20; GI. 3: 1). Então
à final atribuição de honra, eterno e ele rapidamente reitera os temas princi-
onipotente domínio. pais de toda a epístola: a) Guarda o de-
pósito da verdade. Toda a frase é a tra-
C. Retorno ao Solene Desafio. 6: 17- dução das três palavras: guarda o depó-
21. sito (E.R.C.). Esta é a mensagem cen-
1) Uso Correto das Propriedades. 6: tral das Pastorais: Guarda a tradição do
17-21. Do presente século. O horizon- Evangelho com a vida e os sãos ensina-
te escatológico -de Paulo tem em vista mentos, b) evitando a falsa doutrina.
o século vindouro, os novos céus e a Aqui estão duas formas de ensinamen-
nova terra. Altivos (E.R.C.). Orgulho- tos que obscurecem o Evangelho: 1)
sos (E.R.A.). A expressão é um verbo falatórios inúteis e profanos (implica
simples no grego, combinando dois ele- em profanação blasfema de coisas san-
mentos encontrados em Rm. 11: 20 e 12: tas), consistindo de palavras vazias e
16. Depositem a sua esperança na. Apra- altissonantes e especulações usadas com
zimento. Deus deu tudo quanto criou o propósito da ostentação; e 2) contra-
para bênção e prazer, o qual se realiza dições do saber (lít., conhecimento).
só quando as propriedades são colocadas Paulo esclarece que ele sabe distinguir
no devido relacionamento com Ele; são o fato e o ensinamento sólido, e as es-
sujeitasã mordomia. Duas partes de peculações sem evidência, meros mitos
declarações se seguem (v. 18), indicando e fantasias, a qual professando-o (lít.,
como usar a riqueza. Que pratiquem o prometendo) se desviaram. "Alguns,
bem e sejam ricos de boas obras são prometendo estas ficções como verda-
paralelos; generosos em dar e prontos a de e realidade, abandonaram o sinal
repartir (liberais ou repartidores) tam- e a promessa de Deus, que é a fé" (cons.
bém são paralelos. Assim encarando e II Pe. 2: 19). A graça seja 'contigo (E.
usando a riqueza, a pessoa entesoura R.C.). Esta é a conclusão caracterís-
para si um bom fundamento e alcança tica de todas as epístolas de Paulo (II
a vida eterna. Que acumulem para si Ts. 3: 17, 18; a forma mais resumida se
mesmos tesouros, sólido fundamento pa- encontra aqui e em CI. 4: 18). O texto
ra o futuro é um comentário e paralelo melhor está no plural convosco, o que
a Mt, 6: 19-21. Vida eterna (E.R.C.). insinua que o conteúdo era destinado
"A vida que é realmente vida". O ad- a todas as igrejas em Éfeso, e não só
vérbio "verdadeiramente" foi usado qua- para Timóteo.

-267-
11 TIMÓTEO 1: 1

A SEGUNDA EPISTOLA A TIMÓTEO

ESBOÇO

(para a introdução geral a esta epístola, veja Introdução a I Timóteo.)

I. Saudação e introdução. 1: 1-18.


A. Saudação de autoridade e afeição especiais. 1: 1,2.
B. Ação de Graças pela fé de Timóteo. 1: 3-5.
C. Lembrete da responsabilidade do Evangelho. 1: 6-18.
1. O dom de Deus. 1: 6, 7.
2. Desafio a suportar as aflições incidentes ao ministério. 1: 8-12.
3. Desafio a que se apegue ao modelo das palavras sãs. 1: 13, 14.
4. Ilustrações pessoais de lealdade e oposição. 1: 15-18.
11. O Evangelho: Um depósito que requer fidelidade. 2: 1 - 3: 17.
A. A ser diligentemente entregue aos outros. 2: 1-7.
1. Como um soldado. 2: 3, 4.
2. Como um atleta. 2: 5.
3. Como um lavrador. 2: 6.
B. A ser firmemente guardado e acalentado. 2: 8-26.
1. A verdade central do Evangelho. 2: 8.
2. O exemplo da fidelidade de Paulo. 2: 9,10.
3. A verdade personificada numa "palavra fiel". 2: 11-13.
4. A verdade bem manejada. 2: 14-19.
5. A verdade aplicada à vida. 2: 20-26.
C. A ser reconhecido como um baluarte. 3: 1-17.
1. Contra a apostasia. 3: 1-9.
2. Na defesa dos fiéis. 3: 10-12.
3. As Escrituras inspiradas: Nossa confiança. 3: 13-17.
Ill. Desafio a Timóteo, e conclusão. 4: 1-22.
A. O Solene desafio. 4: l-S.
1. Deus e Cristo: Testemunhas da Responsabilidade de Timóteo. 4: 1.
2. Cinco imperativos: Pregar, Instar, Corrigir, Repreender, Exortar. 4: 2.
3. O afastar-se da verdade; o voltar-se para os mitos. 4: 3, 4.
4. Quatro imperativos: Vigiar,Suportar, Evangelizar, Cumprir. 4: 5.
B. O testemunho final de Paulo. 4: 6-8.
1. Paulo enfrenta a morte calmamente. 4: 6.
2. O testemunho de alguém que cumpriu sua tarefa. 4: 7.
3. A bendita esperança que não ficou obscurecida. 4: 8.
C. Conclusão: Observações finais de amor e zelo. 4: 9-22.

COMENTÁRIO
I. Saudação e Introdução. 1: 1-18. tes: 1) O apostolado de Paulo oriundo
em Cristo Jesus; 2) que isto aconteceu
A. Saudação de Autoridade e Afeição através da vontade de Deus; 3) que o
Especiais. 1: 1,2. seu apostolado foi de acordo com a pro-
l. Os assuntos especiais apresentados messa divina de vida em Cristo Jesus.
com brevidade e concisão são os seguin- Em I Tm. 1: 1 encontramos a expressão,

-268 -
I I I
I i i
'I I I
11 TIMÓTEO 1: 1-8

''Senhor Jesus Cristo, esperança nossa". os pecados são habitualmente reconhe-


Aqui ela é a promessa de vida que está cidos como tais e apresentados a Deus
em Cristo Jesus. Em Tito as idéias são (110. 1: 9). Dou graças a Deus. A coisa
expressas mais elaboradamente (Tt. 1: 2). que Paulo agradece é a fé sincera de Ti-
A evidência sobrenatural e confirmação móteo, sua mãe e avó. As cláusulas in-
no apostolado de Paulo corresponde termediárias apresentam as demais cir-
ao fato da promessa nas Escrituras. 2. cunstâncias que deram lugar à gratidão
Deus Pai e Cristo Jesus nosso Senhor de Paulo. A frase transborde de alegria
são a única fonte da graça, misericórdia foi colocada por Paulo entre a idéia das
e paz. Misericórdia foi acrescentada só lágrimas de Timóteo e da idéia de sua fé
nas Epístolas Pastorais, ao que parece sincera. As lágrimas foram lágrimas de
para encorajar o amado filho de Paulo, amor e lealdade a Paulo e ao Senhor, e
Timóteo, e seu "verdadeiro filho, se- por isso constituíram motivo de alegria
gundo a fé comum", Tito (veja Tt. 1: 4 que levou o apóstolo a render profundas
e coment. sobre I Tm.l: 1,2). graças a Deus pela fé genuína expressa
nas lágrimas.
B. Ação de Graças pela Fé de Timó-
teo. 1: 3-5. Só em Gálatas e Tito é que C. Lembrete da Responsabilidade do
Paulo omite a ação de graças formal ou Evangelho. 1:6-18.
o elogio. 1) O Dom de Deus. 1: 6, 7. A se-
3. Deus, a quem, desde os meus an- qüência dos pensamentos no versículo
tepassados sirvo. Paulo conhecia pelo 5 no que se refere à fé, e a menção fei-
menos duas gerações anteriores que ta ao espírito no versículo 7 indicam
foram intensamente leais à fé, em para- que o dom do versículo 6 é o Espírito
lelo à menção subseqüente de duas ge- Santo, ou algum aspecto especial de Seu
rações de antepassados piedosos no caso trabalho. Isto explicaria a referência
de Timóteo (v. 5). É um encorajamento de Paulo ao conferimento do dom pela
saber que não seguimos a fábulas; a fé imposição de suas mãos. O Espírito San-
permaneceu e deu seus frutos. Com cons- to em manifestações especiais era dado
ciência pura. Veja observações sobre pela imposição das mãos dos apóstolos
ITm.l:5,19; 3:9; 4:2. Apalavra (Atos 8: 17; 19:6). Reavives. Use o
grega é um complemento exato do la- dom, desenvolvendo a atividade apro-
tim, consciência, "saber com", um co- priada dentro do ministério. Covardia.
nhecimento partilhado. É a consciên- Romanos 8: 15 é o comentário sobre
cia que temos de nós mesmos em todos este pensamento (cons. Hb. 2: 15; I Pe.
os relacionamentos da vida, especial- 3: 14; I Jo. 4: 18). Moderação. Esta e
mente relacionamentos éticos. Temos palavras relacionadas são especialmente
idéia do que é certo e errado; e quando freqüentes nas Pastorais (ITm.2:9, 15;
percebemos essa realidade e seus direi- 3: 2; Tt. 2: 2,4-6,12) e são muito ache-
tos sobre nós, e não obedecemos, nos- gadas à "inclinação" do Espírito de
sas almas estão em guerra consigo e Rm. 8: 5, 6, 9.
com a lei de Deus, conforme descrito em 2) Desafio a Suportar as Aflições
Romanos 7. Ter uma consciência boa Incidentes ao Ministério. 1: 8-12. No
ou pura não significa que nunca peca- texto grego estes versículos são um mo-
mos ou que não cometemos pecado ne- vimento contínuo de pensamentos em
nhum. Antes, significa que a orientação uma sentença. Os quatro imperativos
e motivação fundamental da vida é obe- neste e no próximo desafio contêm o
decer e agradar a Deus, de modo que ponto principal do lembrete de Paulo a

-269-
11 TIMÓTEO 1: 8-18 - 2: 1-5

Timóteo: Não se envergonhe (v. 8); Se- 2,4, na LXX. O Espírito guardará o
ja participante (v. 8); Mantém (v. 13); depósito. A conexão íntima da obra
Guarde o depósito (v. 14). A exposi- de Cristo e a do Espírito está evidente
ção do Evangelho nos versículos 9-12 aqui como em outros pontos das cartas
dá a base para estas exortações. O tes- de Paulo (Rm. 8: 9-11; 11 Co. 3: 17,18).
temunho de nosso Senhor é o Evangelho 4) Ilustrações Pessoais de Lealdade e
que Ele deu à Sua Igreja. Os sofrimentos Oposição. 1: 15-18. Aqui estão exem-
que a propagação do Evangelho acarre- plos daqueles que ajudaram e daqueles
ta devem ser suportadas no poder de que se opuzeram ao grande apóstolo.
Deus. 9. Salvar e chamar são atividades Servem de advertência e estímulo a
paralelas do Espírito Santo. Que nos Timóteo. O método de Paulo foi igual
foi dada. Aqui, como sempre, a refe- em I Tm.1: 19,20.
rência de Paulo à predestinação tem a
intenção de fortalecer e confortar. Os 11. O Evangelho: Um Depósito que
eternos propósitos de Deus não falharão. Requer Fidelidade. 2: 1 - 3: 17.
10. Manifestada. É a Sua graça (o dom
da vida) que é nossa no seu propósito A. A Ser Diligentemente Entregue aos
desde a eternidade, e a qual agora se Outros. 2: 1-7. Um detalhe muitíssimo
manifestou na obra salvadora de Cristo. importante na guarda do depósito é en-
A mesma palavra, que implica em "fi- sinar aplicadamente aos outros, que por
car inteiramente revelada", foi usada sua vez se capacitarão a ensinar.
em Rm. 3: 21 e 16: 26. 11. Para o qual 1. Para tanto, diz Paulo, o mestre
refere-se ao Evangelho, do qual Paulo cristão tem de ser forte. Fortifica-te.
era um apóstolo encarregado. 12. Por is- Em todos os outros exemplos do N.T.
so. Por causa da incumbência do Senhor. esta palavra está em conexão com Pau-
Estas cousas. Prisão e cadeias. Podemos, lo ou é usada por ele (Atos 9: 22; Rm.
sem nos envergonhar, suportar quaisquer 4:20; Ef.6:1O; Fp.4:13; ITm.1:
circunstâncias injustas e adversas se sou- 12; 11 Tm. 4: 17). Graça é uma palavra
bermos que em todas elas o Senhor está de significado amplo, abrangendo o po-
guardando o nosso depósito: isto é, o der e os dons do Espírito (veja Charles
Evangelho que Ele nos confiou. Estou Hodge, Systematic Theology, 11, 654,
certo. Esta passagem é um paralelo ín- 655).
timo com a exposição que Paulo faz da As três famosas metáforas sobre o
experiência de Abraão em Rm. 4: 21. relacionamento do ensino cristão com
3) Desafio a que se Apegue ao Modelo a fé foram apresentadas nesta passagem.
das Palavras Sãs. 1: 13, 14. Paulo reite- 1) O Mestre é um Soldado (vs. 3,4).
ra a necessidade de colocar o esboço bá- Participa dos meus sofrimentos. Satis-
sico da doutrina em uma forma concreta, fazer é uma palavra quase que inteira-
facilmente lembrável (cons. Rm. 6: 17). mente paulina no N.T.; veja a força da
Mantém o padrão das sãs palavras, ou o palavra cognata em C1. 1: 10. 2) O Mes-
esboço da doutrina. A confissão da fé tre é um Atleta (v. 5). Lutar segundo
era característica da Igreja desde os as normas. Isto implica em ambos, o
tempos mais remotos, e logo foi elabora- treinamento para a competição e as re-
da no Credo Apostólico. Em Cristo e gras que governam esta. Coroado só
no seu Espírito estão a fé (plenitude) e foi usado aqui e em Hb. 2: 7, 9 em todo
o amor que garantem a manutenção da o N.T.; o substantivo foi usado em 11
fé. 14. Bom depósito. A mesma pala- Tm. 4: 8. A coroa foi definida em ou-
vra usada no versículo 12 e em Lv. 6: tras passagens como "incorruptível"

-270 -

I I I I I I
'I I I
11 TIMÓTEO 2: 6-11

(I Co. 9: 25), "de justiça" (11 Tm. 4: 8), em ressuscitou de entre os mortos. Des-
"da vida" (Tg. 1: 12; Ap. 2: 10), "im- cendente de Davi. O apóstolo se refere
perecível" (I Pe. 5: 4). 3) O Mestre é a Cristo deste modo, aqui, em Rm. 1 :
um Lavrador (v. 6). Este princípio 3 e em Atos 13: 23. Este termo tem a
(mais detalhadamente discutido em I Co. vantagem tripla de destacar a verdadeira
9: 1-14 e ITm.5: 17, 18) pode ser apli- humanidade de Jesus, Sua linhagem mes-
cado incluindo a remuneração e o sus- siânica e Sua autoridade soberana. So-
tento, mas aqui destaca-se o benefício bre este último ponto, observe especial-
espiritual auferido pelo próprio Timóteo. mente Ap. 3: 7; 5: 5; 22: 16. A pala-
Ele deveria conhecer as bênçãos da men- vra que Paulo costuma usar para esta
sagem que ele está dando aos outros idéia é "Senhor". Pedro liga estas idéias
(cons. I Tm. 4: 15, 16). em Atos 2: 30, 36. Paulo usa meu evan-
7. Pondera o que acabo de dizer. Ou, gelho como usou meu depósito em 11
tome nota, pense nisso, porque o Senhor Tm. 1: 12. A força disso é que o depó-
te dará compreensão é o correto. sito confiado a Paulo é o Evangelho,
pelo qual ele era responsável e do qual
B. A Ser Firmemente Guardado e Aca- ele foi uma testemunha ocular compe-
lentado. 2: 8-26. tente. Paulo rejeita originalidade: esses
1) A Verdade Central do Evangelho. eram os fatos conhecidos dele e daque-
2: 8. Lembra-te destaca a continuidade les de quem ele os recebeu (cons. I Co.
da ação: Esteja continuamente lembran- 15:3,11; veja B.B. Warfield,ThePerson
do. Jesus Cristo. Nos Evangelhos esta and Work of Christ, pág. 535-546).
é uma rara, mas direta e solene designa- 2) O Exemplo da Fidelidade de Pau-
ção de Jesus, aparecendo em Mt. 1: 18; lo. 2: 9, 10. Pelo que sofro trabalhos.
Mc. 1: 1; Jo. 1: 17; 17: 3. Esta última (E.R.C.). Os aborrecimentos, a oposi-
passagem é especialmente significativa ção e a prisão que Paulo experimentou
porque o Senhor a usou pessoalmente. brotaram diretamente do seu testemunho
Esta é a base do uso em Atos e na igreja firme sobre a Ressurreição (veja J.O.
primitiva. Paulo está enfatizando a men- Buswell, Behold Him! pág. 42-49). As
sagem apostólica de Jesus Cristo ressus- duas cláusulas do versículo 10 são para-
citado (veja B.B. Warfield, Lord ofGlory, lelas às duas cláusulas correspondentes
pág. 184-186). Ressuscitado sublinha o do versículo 9: sofro trabalhos corres-
fato de que Ele ressuscitou e agora vive. ponde a tudo suporto, com o pensa-
A palavra foi usada com muita freqüên- mento acrescentado por causa dos elei-
cia nos ensinamentos do próprio Senhor tos. A palavra de Deus não está algema-
e nas narrativas de Sua ressurreição nos da corresponde a para que também eles
Evangelhos. O uso que Paulo faz da pa- obtenham a salvação.
lavra aqui, em ICo.15:4,12 e em ou- 3) A Verdade Personificada numa
tras passagens, devolve o testemunho "Palavra Fiel". 2: 11-13.
desta palavra, exatamente, à sua forma 11a. Paulo usou a palavra fiel para
mais primitiva. De entre os, devidamente introduzir assuntos de grande importân-
traduzido. Mortos não foi usado figura- cia (veja comento sobre I Tm. 3: 1). Aqui
damente, mas literalmente, significando ele a usa para introduzir palavras extraí-
pessoas mortas. Todos os mortos estão das, muito provavelmente, de um hino
subentendidos; Jesus ressuscitou como familiar (veja observação sobre I Tm.
as primícias, dentre eles. Paulo pregava 3: 16). Este é o âmago do que Paulo
que Cristo morreu e foi sepultado, eli- queria dizer, por isso ele o apresenta de
minando qualquer interpretação figurada maneira memorável. O poema tem uma

-271-
11 TIMÓTEO 2: 11-20

estrutura equilibrada. A primeira cláu- ser feito perante Deus, que então teste-
sula e a última recebem a ênfase atra- munharia da grave responsabilidade con-
vés da conjunção que aqui foi traduzida ferida. Evitem contendas de palavras
por verdadeiramente e pois: é uma só palavra no texto grego; o subs-
Se verdadeiramente morremos com tantivo correspondente foi usado em
Ele, também com Ele viveremos; I Tm. 6: 4. Ambas as formas parecem
Se perseveramos, também com Ele implicar em cavilações sobre palavras e
reinaremos; não na busca da verdade. 1S. Procura
Se O negarmos, também Ele nos ne- apresentar-te a Deus aprovado. Que ma-
gará; neja bem, como um mestre no seu ofício
Se formos infiéis, Ele permanece fiel, manejaria a sua ferramenta. 16. Falató-
Pois não pode negar-se a Si mesmo. rios inúteis e profanos. Esta é mais uma
11b. Se já morremos. Nossa justi- característica da discussão sobre pala-
ficação e perdão é a morte para o pecado vras. hnpiedade. Desviando a atenção
e a maldição da Lei. Viveremos com ele da verdade sólida dariam lugar ao erro
aponta para o alvo final - a vida eterna, de conduta. 17. A linguagem deles pa-
embora inclua a nossa presente caminha- rece referir-seâ doutrina daqueles que
da. 12. Se perseveramos significa se su- se ocupam em tais discussões. Câncer,
portamos; o pensamento é paralelo ao uma ferida que não sara. Himeneu está
de Rm. 8: 16, 17. Reinaremos amplia associado a Alexandre em I Tm. 1: 20,
o significado do que está envolvido no onde o motivo de seu afastamento da
viver com Cristo. Negamos é uma clara fé jazia no fracasso em manter uma cons-
referência a Mt. 10: 33. Há um incen- ciência pura. Fileto não é mencionado
tivo duplo para permanecermos fiéis: em qualquer outro lugar; nada mais se
a esperança de reinar com Ele, e a cer- sabe a respeito dele. 18. A ressurreição.
teza de que se O negarmos, Ele nos negará. Os gnósticos imaginavam a ressurreição
13. Se somos infiéis. Esta última sen- alegoricamente, como que se referindo
tença parece sugerir que se o cristão a um conhecimento da verdade, que
pecar, Sua (de Cristo) fidelidade é a úl- acontecia por ocasião do batismo.
tima esperança, pois Ele não pode negar 19. Fundamento parece implicar em
a Si mesmo; a ênfase não foi colocada ambos, no fundamento e no templo, a
sobre o Seu negar se nós o negarmos. O igreja, como em I Tm. 3: 15; Ef. 2: 20;
pensamento é semelhante ao de I Jo. Mt. 16: 18. Selo. Um sinal de posse e
2: 1, envolvendo a confissão e o perdão autenticação. Conhece. Esta citação
do pecado (veja todo o sermão "Comu- foi extraída da LXX, em Nm.16:5,
nhão com Cristo", de Warfield, Faith com alusões aos versículos 26, 27 da mes-
and Li/e, pág. 415-427). ma passagem (cons. Mt. 7: 23; Jo.lO:
4) A Verdade Bem Manejada. 2: 14- 14). Aquele que professa o nome signi-
19. Conversas vazias desorientariam os fica qualquer um que profere o nome
ouvintes; mas Timóteo devia proceder de Cristo como seu Senhor. Nenhuma
de acordo com a Palavra, fugindo âs fu- passagem especial foi citada aqui, mas
tilidades, lembrando-se dos sinais do o sentido de muitas passagens está nela
verdadeiro fundamento, e procurando, condensado.
através de uma conduta reta, ser útil 5) A Verdade Aplicada Vida. 2: 20·
ã

ao Senhor. 14. Timóteo devia transmi- 26. A verdade da separação do mal


tir aos outros o mesmo desafio que Paulo aplica-se de modo equilibrado e positivo
lhe fazia (4: 1). A mesma palavra foi no restante do capítulo.
usada - testemunho solene. Isto devia 20. A grande casa. Provavelmente

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'I I I
11 TIMÓTEO 2: 20-26 - 3: 1-3

a igreja no seu aspecto visível conforme versículo anterior.


vista pelo mundo (cons. I Tm. 3: 15).
A conexão de pensamento parece ser C. A Ser Reconhecida como um Ba-
que na igreja visível há falsa profissão, luarte. 3: 1-17. Enquanto o escritor
da qual é necessário purificar-se. Honra compara verdade e erro, devoção ao
é paralelo â expressão em Rm, 9: 21. Senhor de um lado, e obediência ao
21. Destes erros. Os vasos da desonra pecado e Satanás do outro, conduz seus
como também suas doutrinas e práticas. pensamentos a um clímax na detalhada
Purificar está intimamente relacionado descrição dos pecados que caracteriza-
com a palavra usada pelo Senhor em Jo. rão um futuro afastamento da fé. Com
15: 2, 3 e dá a idéia da mesma doutrina. isto ele contrasta o exemplo de sua pró-
Santificado implica em continuidade do pria experiência e a grande fortaleza dos
estado de ser separado. Possuidor. Dés- fiéis, as Escrituras. A fim de que Timõ-
pota. Um expressivo título divino usado teo fosse mais incentivado a lutar, ele
em Lc. 2: 29; Atos 4: 24; 11 Pe. 2: 1; lhe esclarece (v.9) que a verdade de
Judas 4; Ap. 6: 10. Está intimamente Deus prevalecerá.
relacionado com "pai de família" em Mt. 1) Contra a Apostasia. 3: 1-9. É dig-
10: 25; Lc.13: 25; 14: 21; e especial- no de se notar que a oposição mais in-
mente em Mt. 13: 27, 28. Significa se- tensa deve vir daqueles que têm uma for-
nhor absoluto. ma da piedade (v. 5). 1. Nos últimos
22. Coração puro é uma expressão dias provavelmente não se limita aqui
muito semelhante à que se encontra nas ao fim dos tempos escatológicos, mas
beatitudes em Mt. 5 : 8 e repete o pensa- inclui o ataque gnóstico sobre a Igreja
mento de purificar (11 Tm. 2: 21). Invo- que então se desenvolvia. 2. Egoístas
cam o Senhor é paralelo a "que profere é uma só palavra no grego, usada apenas
o nome" (v. 19). O versículo anterior aqui em todo o N.T. É significativo que
exige separação das más companhias; os homens deviam ser caracterizados
este versículo exige comunhão com o como amantes de si mesmos no começo
povo do Senhor e a procura das graças desta passagem. Segue-se então (até o
do Espírito. v.5) uma lista dos pecados que fluem
23,24. Novamente a menção da dou- dos corações corrompidos que amam o
trina falsa e das discussões sem proveito, ego mais do que a Deus. A maior parte
como nos versículos 14,16-18. Conten- dos adjetivos que se seguem são compos-
der. Uma palavra diferente da que foi tos de duas partes, de modo que cada
usada no versículo 5. Aqui é o verbo um dá o efeito de uma sentença resumi-
correspondente às "contendas" do versí- da, combinando sujeito e predicado.
culo anterior e foi usado no seu mau Avarentos. A palavra que foi usada
sentido. Servo refere-se ainda à figura para os fariseus (Lc. 16: 14). Jactancio-
da grande casa e os servos que trabalham sos só foi usada aqui e em Rm. 1: 30, em
nela. Brando. Paciente. 25,26. Esta ver- todo o N.T. Arrogantes também se
dade harmoniza com a verdade da sepa- encontra em Rm. 1: 30, Tg. 4: 6, e I Pe.
ração ensinada acima: ainda deveria ha- 5: 5. Blasfemadores foi usada por Paulo
ver a paciente tentativa de instruir, na a respeito de si mesmo em I Tm. 1: 13.
esperança de que Deus lhes desse arre- Desobedientes aos pais como em Rm.
pendimento, embora estivessem no mo- 1:30 (cons. n.l: 16; 3:3; Atos 26:
mento nos laços de Satanás (ITm.6:4; 19). Ingratos só aparece aqui e em Lc,
3: 6). O retorno ã sensatez. "Criar juí- 6: 35, mas a idéia foi expressa de outro
zo"; paralelo ao "arrependimento" do modo em Rm. 1: 21. 3. Desafeiçoados,

-273 -
11 TIMOTEO 3: 3-12

como em Rm. I : 31. Irreconciliáveis extrema corrupção das pessoas aqui


(E.R.C.) significa implacáveis (E.R.A.), descritas, como também da operação
como em Rm. 1: 31. Caluniadores cos- de maravilhas satânicas, sugere um pa-
tuma ser usado falando-se de Satanás ralelo com II Ts. 2: 9-12. Estes (II Tm.
como diabolos (cons. Ap. 12: 10; tarn- 3: 8) não são as mulheres do versículo
bémITm.I:IO; Tt.2:3). Semdomí- 7, mas aqueles falsos mestres que as
nio de si é sem autocontrole. Inimigos seduzem, que deliberadamente se opõem
do bem. 4. Atrevidos. Cabeçudos. En- à verdade. Réprobos parece claramente
fatuados. Cheiosdesi(ITm.3:6; 6:4). implicar em uma condição de perdido
Isto resume os pecados que fluem do (cons. IICo.13:5; Hb.6:8: Tt.l:16).
amor ao ego e que estão em agudo con- A fé representa o Evangelho. 9. A en-
traste aos amigos de Deus. corajadora mensagem de Paulo é que,
5. O terrível fato é que essas pessoas tal como a verdade de Deus prevaleceu
professam serem cristãs, que provavel- contra os truques dos mágicos do Egito,
mente desejam ser consideradas religio- também o Evangelho triunfará contra
sas e santas. Elas tem, contudo, apenas todo o tipo de erro que possa levan-
forma de piedade, apenas a aparência tar-se.
externa de seguidores da doutrina e prá- 2) Na Defesa dos Fiéis. 3: 10-12. O
tica do Evangelho; o poder lhes falta. desmascaramento completo da oposição
Só o Espírito santo toma a religião ver- insensata à verdade será completado
dadeira; a fé sem obras e sem o fruto do na volta de Cristo. 10. Mas Paulo usa
Espírito é morta. Negando-lhe, uma pa- a si mesmo como exemplo da capaci-
lavra forte, implica em conhecer e no dade de Deus de libertar mesmo agora
entanto rejeitar decisivamente a verdade. (cons. 4: 17). 11. Ele encoraja Timó-
Foge também destes. A expressão pode teo relembrando acontecimentos da pri-
significar "repele-os" como um bom sol- meira viagem missionária. Timóteo é
dado repele o inimigo. mencionado pela primeira vez na segunda
6·9. Seu verdadeiro caráter está com- viagem a Listra, mas as observações de
provado pelos seus pecados. 6. Os que Paulo referem-se à visita anterior. Timó-
penetram sorrateiramente nas casas. En- teo ficaria mais impressionado com as
tram nas familias e nos lares. 7. Que observações porque ele vira o trabalho
aprendem sempre refere-se às mulheres. em Listra prosperar e persistir apesar
Conhecimento da verdade inclui conhe- da oposição. 12. Piedosamente é o ad-
cimento do pecado (Rm. 3: 20) de um vérbio relacionado com "piedade" (3:
lado, como também o conhecimento 5; Tt. I: 1, e freqüentemente em I Tm.).
da verdade, de acordo com a piedade, Parece que Paulo quer dizer que quantos
do outro (Tt. I: 1); implica em não querem viver piedosamente devem dar
alcançar a salvação (Hb. 10: 26). A imo o testemunho do tipo agressivo de lis-
plicação aqui pode ser que essas pes- tra, o qual ele deu, que despertou a
soas não chegam ao conhecimento da oposição além de ganhar almas.
sua condição de pecado mesmo sob o 3) As Escrituras Inspiradas: Nossa
testemunho da igreja. 8. Janes e Jam- Confiança. 3: 13-17. Conforme a opo-
bres são nomes de dois mágicos mencio- sição aumenta, as Escrituras se tomam
nados em Êx, 7: 11,22. Havia provavel- mais necessárias ao crente; são o seu
mente mais, e a menção destes é sim- baluarte. A descrição que Paulo fez
plesmente uma maneira de designar deste século com o desenvolvimento da
os mágicos do Egito. A menção de Sa- impiedade, está de acordo com o quadro
tanás anteriormente (II Tm. 2: 26) e a dado pelo Senhor, no Sermão pregado

-274-

I i I I I I
'I I I
11 TIMÓTEO 3: 12-17 - 4: 1

no Monte das Oliveiras. 13. Imposto- reção carrega a idéia de melhoramento.


res. Usado no sentido de "macumbei- Educação na justiça indica treinamento
ro" e também "trapaceiro" ou "escro- ou educação que se encontra no cami-
que". Neste contexto a ênfase está sobre nho da justiça, ou na "fé" (a instrução
a fraude. 14. Em agudo contraste a es- que há na justiça). A palavra traduzida
ta oposição do mundo e sua fraude, para educação encontra-se somente em
Timóteo devia continuar com a dou- Paulo; foi traduzida para "disciplina"
trina sadia das Escrituras, dependendo em Ef.6:4. Em Hb.12:5,7,8,11 foi
de Deus. Um importante elemento da traduzido para "correção" e "discipli-
perseverança é continuar naquilo que na". 17. Homem de Deus. Paulo tinha
aprendeste. O caráter do mestre e da em mente especialmente Timóteo (cons.
testemunha é importante para estabele- I Tm. 6: 11). É uma frase do V.T. sig-
cimento da verdade do Evangelho. Paulo nificando profeta (Dt. 33: 1; 13: 1). Per-
poderia ter-se incluído e também aos feito e perfeitamente habilitado (equi-
pais de Timóteo, mas o de quem do tex- pado) têm a mesma raiz.
to original também poderia se referir
âs Escrituras como a prova mais alta m. Desafio a Timóteo, e Conclu-
da verdade das doutrinas. 15. Timóteo são. 4: 1-22.
conhecia as Escrituras desde a sua in- A. O Desafio Solene. 4: 1-5.
fância, e assim o poder delas foi demons- 1) Deus e Cristo: Testemunhas da
trado na sua vida. Responsabilidade de Timóteo. 4: 1. A
Depois Paulo apresenta a razão dessa idéia de encarregar ou ordenar a trans-
eficácia das Escrituras: é de origem di- missão do testemunho está enfatizada
vina. 16. Inspirada significa, expirada em importantes passagens das Escri-
por Deus. Ele tem plena autoridade turas: Moisés desafiou Israel (Dt. 29: 1,
divina porque é inteiramente a verdade 10; 30: 11, 16); Moisés desafiou Josué
e, portanto, é útil. As traduções alter- (Dt. 31: 7,8,23); Josué desafiou Israel
nantes do original como toda Escritura (Js. 23: 2, 6; 24: 1,26,27); Samuel desa-
ou cada Escritura ambas são possíveis fiou Israel (I Sm.12: 1-25); Davi desa-
e implicam na mesma coisa: Se cada fiou Salomão (I Reis 2: 1-9; I Cr. 28 :
Escritura é inspirada, então toda também 2-10,20); Esdras desafiou Israel (Ne.
é. A sentença em grego não tem o verbo 8-10); Jesus desafiou os apóstolos (Ia.
expresso. Deveria o adjetivo "inspirada 13: 34; 14-17). Julgar. O direito e a
por Deus" ficar com o sujeito, ou seria capacidade de julgar todos os homens
uma parte do predicado do sujeito? A pertence a Deus somente; Cristo procla-
E.R.A. é mais exata do que a E.R.C. nes- mou explicitamente ter esse direito (Mt.
te ponto, uma vez que a E.R.C. parece 7:21,22; Jo. 5: 25-30). Pela sua mani-
admitir a possibilidade. absurda no caso festação. A sanção do desafio é a vinda
de Paulo, que poderia haver Escritura de Cristo. A E.RA. traduz corretamen-
que não fosse inspirada. A paráfrase te: pela sua manifestação e pelo seu
de Warfield suaviza a ambigüidade: "Ca- reino. Deus e Cristo são as testemunhas
da Escritura, visto ser emitida por Deus, divinas; a vinda e o reino são os incenti-
é proveitosa ... " ("Inspiration", ISBE, vos mais soneles para a fidelidade. Vinda
m, 1474a). Ensino, enfatizado nas Epís- (E.R.C.) significa "manifestação" e usa-se
tolas Pastorais. Repreensão está inti- para ambos, a primeira vinda (11 Tm.
mamente ligado com "convencer" de 1:10) e a segunda (4:1,8; Tt.2:13).
JO.16:8. A Escritura é o instrumento Reino tem diferentes fases: julgamento
que o Espírito usa para convencer. Cor- (Mt. 25: 31, 34, 40); reino milenial (I Co.

-275 -
11 TIMÓTEO 4: 1-5

15: 24, 25); eternidade nos novos céus te" (Os. 4: 9; Jr. 5: 30, 31). Cercar-se-ão
e nova terra (Ap. 22: 3). significa multiplicar, ter uma abundân-
2) Cinco Imperativos. 4: 2. Estes cia de falsos mestres. 4. Verdade. Muito
cinco concisos imperativos, que se empa- linda é a constante orientação da Bí-
relham a outros quatro no versículo 5, blia à verdade, uma palavra de amplo
resumem a tarefa do ministério: 1) Prega. significado para a revelação de Deus,
É a primeira e grande tarefa básica da centralizada em Jesus Cristo. Fábulas.
transmissão da mensagem fundamental, Abandonando a única base da vida, suas
como fazia o próprio Paulo (I Co. 15: esperanças e conduta serão edificadas
1-11) e Jesus (Lc. 5: 1; 8: 11,21). 2) sobre a areia e os mitos (veja coment.
Insta. Estar pronto, preparado, quando sobre I Tm. 4: 7). Em 11 Pe. 1: 16 os
for conveniente e quando não for. 3) mitos estão em contraste com a verdade
Corrige, intimamente relacionado com escrita de Deus. Portanto, mais urgen-
a idéia de "convencer" (3: 16; veja co- te se toma a necessidade de intensificar
ment.), é a mesma palavra que foi usada a sã doutrina.
em ri. 1: 9 ("exortar"), 13 ("repreen-
der"); 2: 15 ("exortar"); I Tm. 5: 20 4) Quatro Imperativos. 4: 5. Estes
("repreender"). 4) Repreende foi tra- concluem as ordens dadas por Paulo a
duzido para advertir em Mt.12: 16; Timóteo. 1) Sê sóbrio. Literalmente,
advertir em Me, 8: 30; repreender em abster-se de bebidas intoxicantes, mas
Mc. 10: 48; e advertir em Lc. 9: 21. Sig- em todo o N.T., onde aparece, traz a
nifica cobrar uma responsabilidade não idéia de vigilância e prontidão. As ex-
cumprida. A idéia essencial é, freqüen- pressões paralelas que lhe são ligadas
temente, a exigência implícita da res- são auto-explanatórias: "vigiemos, e se-
tituição quando apontado o erro. 5) jamos sóbrios" (I Ts. 5: 6); "sede, por-
Exorta costuma ser traduzido para con- tanto, criteriosos e sóbrios" (I Pe. 4: 7);
fortar ou suplicar. É uma ansiosa súpli- "Sede sóbrios e vigilantes" (I Pe. 5: 8).
ca em qualquer circunstância da vida, 2) Suporta as aflições. Todos os três
possível por causa da presença do Confor- usos paulinos desta palavra encontram-se
tador, cujo nome é uma forma diferente em 11 Tm.: "Participa ... sofrimentos"
da mesma palavra. A frase, com toda (2: 3); "sofrendo algemas" (2: 9). Ob-
a longanimidade e doutrina (ensinamen- serve também a mesma palavra com a
tos), não deve ser tomada só com o úl- preposição com em 1: 8, "participa dos
timo dos imperativos, mas deve acompa- sofrimentos". 3) Faze o trabalho de
nhar todos os cinco mandamentos. Pa- evangelista. Se isto significa um cargo
ciente transmissão de ensinamentos é a especial (Atos 21: 8), a lista em Ef. 4:
mais sólida das bases para um sucesso 11 é digna de nota, pois é mais comple-
final no ministério (cons. 2: 25). ta que a lista paralela em I Co. 12: 28 :
3) Afastando-se da Verdade; Apegan- profetas, evangelistas, pastores, douto-
do-se aos Mitos. 4: 3, 4. 3. A insistên- res são mencionados em comparação
cia na fidelidade e sã doutrina toma-se com os profetas, e doutores. Provavel-
mais necessária por causa do perigo da mente estas funções coincidiam; o evan-
apostasia nas igrejas. Coceira nos ouvi- gelista podia muito bem estar entre o
dos. As pessoas terão vontade de ouvir profeta e o pastor-doutor. A vida de Ti-
o que satisfaz a seus desejos pecaminosos. móteo incluía muito evangelismo iti-
Isaías caracteriza poderosamente a ati- nerante, além de atividades pastorais
tude em 30: 9-11. Mestres. O princí- e de doutrinamento. 4) Cumpre cabal-
pio é de Oséias: "tal povo, tal sacerdo- mente o teu ministério ou "cumpre

-276 -

I I I I
'I I I
11 TIMÓTEO 4: 5-8

perfeitamente o teu ministério" dá o to se encaixa bem na figura de Paulo,


pensamento certo. É a ordem de ensi- e acrescenta ironia: embora pareça que
nar e evangelizar dada pelo Senhor, e foi derrotado e prestes a morrer como
como tal ela está na posição do impe- um criminoso, ele era vitorioso, pois
rativo que constitui o clímax e abrange completou a carreira que Jesus coloca-
toda a série (cons. o grande texto de ra à sua frente; guardara a fé transmitín-
Paulo, Atos 20: 24). do-a fielmente aos homens e organizando
igrejas. Todos aqueles que morrem
B. Testemunho Final de Paulo. 4: 6- na fé (Hb, 11: 13) receberão no final
8. Este eloqüente e confiante testemu- a promessa e levarão o prêmio (I Pe,
nho toca nos principais pontos do que 1:9; 5:4; Hb.1O:30). Carreira, no
Paulo pretendia dizer a Timóteo: confian- N.T. só foi usado por Paulo (Atos 13:
ça na graça de Cristo; fiel transmissão 25; 20: 24). A palavra pode significar
da fé aos outros; firme confiança na uma volta na pista de corrida. Paulo
bendita esperança. talvez pensasse na transmissão da fé
1) Paulo Enfrenta a Morte Calma- através dos séculos como numa corri-
mente. 4: 6. Estou sendo já oferecido da de revezamento: ele terminou a sua
por libação (lít. estou sendo derramado). carreira com sucesso e passou a fé aos
Este verbo, só aparece aqui e em Fp. outros. A figura da corrida de reveza-
2: 17, e foi usado por Paulo no sentido mento parece encaixar-se bem no ver-
figurado. Literalmente é usado em co- sículo seguinte, pois o prêmio é de toda
nexão com uma libação ou oferta de a "equipe", não de Paulo somente. Guar-
bebida (Gn. 35: 14). Mas Paulo pensa- dei. Guardar não significa somente "pre-
va em sua morte iminente como uma servar", mas também "observar e pra-
oferta de serviço prestado aos cristãos ticar" . Para o crente perseverar e ser
e à sua fé. Toda a sua vida consistia fiel até a morte é um triunfo da graça
em um sacrifício (Rm. 12: 1), e agora (Ap. 2: 10). A fé é o testemunho com-
sua morte completaria sua vida com pleto do Evangelho, retrocedendo às
uma oferta de libação. O tempo da palavras de Jesus aos seus discípulos
minha partida é chegado é uma decla- (Rm. 10: 17; Hb. 2: 3, 4; Ap. 14: 12).
ração paralela à aproximação de sua 3) A Bendita Esperança que não Fi-
morte, em uma linguagem diferente. cou Obscurecida. 4: 8. Em lugar de
Ele usa a mesma metáfora de Fp. 1: 23, ficar deprimido, Paulo está apenas mais
onde foi usado o verbo com a mesma confiante. Quanto maior a provação,
raiz. Cristo (Lc. 9: 31) e Pedro (11 Pe. mais reluz a promessa. A coroa que é
1: 15) falaram da morte em linguagem o prêmio está descrita de diversas ma-
semelhante, usando a palavra "êxodo". neiras: é uma coroa de "justiça", "vi-
2) O Testemunho Daquele que Cum- da" (Ap. 2: 10), "gozo" (I Ts. 2: 19);
priu a Sua Tarefa. 4: 7. Combate foi "glória" (I Pe. 5: 4). Reto juiz talvez
traduzido para "carreira" (Hb. 12: 1), queira dizer que muitas das decisões
"combate" (I Tm. 6: 12; Fp. 1: 30), e que Paulo sofreu nesta vida foram in-
"luta" (C1. 2: 1; I Ts. 2: 2). Para Paulo justas, mas o Senhor é o juiz que não
foi mais do que uma batalha feroz e pode cometer enganos. Não somente
momentosa; foi uma competição, uma a mim. O pensamento de Paulo não
corrida que exigiu todo o entusiasmo se confina a sua pessoa, mas extende-se
de um espírito fervoroso e consagrado a todos os redimidos. Amam. "Os que
(cons. Atos 20: 24). Combater o bom colocarem o seu amor sobre". A forma
combate implica em tê-lo ganhado. Is- verbal implica em firme colocação do

-277 -
11 TIMÓTEO 4: 8-20

amor na vinda de Cristo. oposiçao ao Evangelho. O desejo de


Paulo, então, não é uma expressão de
C. Conclusão. Observações Finais de vingança pessoal (em 11 Tm. 4: 16 ele de-
Amor e Zelo. 4: 9-22. Cuidar do bem- monstra compaixão por aqueles que o
-estar dos indivíduos é característica de abandonaram); mas, como os salmos
Paulo (veja Rm.16). 9. Depressa. Paulo imprecatórios, é uma oração pedindo
confia na lealdade de Timóteo. 10. De- justiça para aqueles que rejeitaram o
mas, (C1. 4: 14; Fm.24) tendo amado Evangelho. 15. Guarda-te também dele.
o presente século. A força da bendita Paulo ordena a Timóteo que evite Ale-
esperança faz-se perceptível quando o xandre, pois ele atacou a verdade aberta-
apóstolo tristemente menciona alguém mente.
tão tolo a ponto de colocar seus afetos
Zahn argumenta convincentemente
sobre as coisas deste mundo. Crescente
(Introduction to NT., 11, 12-14) que os
Só foi mencionado aqui. Tito juntara-se
versículos 16,17 contêm uma remi-
a Paulo depois de receber a epístola
niscência do julgamento anterior em
que lhe fora endereçada e prosseguira
Roma também mencionado em Fili-
até a Dalmácia, também conhecida como
penses. Paulo foi libertado da boca
Ilírico (hoje Iugoslávia; cons. Rm.15:
do leão e retomou seu trabalho, para
19). Parece que Paulo enviou Tito a um
que a pregação pudesse ser concluída.
novo território, além dos já visitados
18. Agora, entretanto, diante da morte
por ele. 11. Marcos estabelecera-se
iminente, Paulo estava confiando na úl-
na estima de Paulo desde o tempo quan-
tima vitória - não que escapasse à morte,
do, há uns vinte anos atrás, o apóstolo
mas que Deus o mantivesse fi~l para o
se recusara a levá-lo consigo em sua se-
seu reino celestial. Este é um termo
gunda viagem (Atos 15:37-39). 12. Pro-
generalizado para todas as fases do fu-
vavelmente Paulo queria dizer que Tíqui-
turo governo de Deus nesta terra, e na
co substituiria a Timóteo, o qual pro-
nova terra. Amém. Depois de decla-
vavelmente ainda se encontrava em Éfe-
rar a glória de Deus, segue-se o selo da
so, para que Timóteo pudesse ir ao en-
sinceridade e do fervor; serve como si-
contro do apóstolo em Roma. Isto dá a
nal característico de toda a vida de Pau-
impressão de que Tíquico era o portador
lo: a sincera e consistente devoção à
da carta (veja coment. sobre Tt. 3: 12).
vontade de Deus.
13. Capa. Um espesso agasalho. Tal-
vez Paulo tivesse passado por lá no ve- Paulo termina com alguns poucos
rão, não precisando dela, mas agora o assuntos pessoais, a bênção e o amém.
inverno se aproximava. Carpo só é men- 19. Prisca e Áqüila foram os compa-
cionado aqui. Os livros. Provavelmente nheiros que Paulo encontrou pela vez
cópias de papiros contendo as Escrituras primeira em Corinto depois que foram
ou porções delas. Os pergaminhos. Tal- expulsos de Roma (Atos 18: 18, 19,26).
vez um códice em velino, a mais antiga Eles estavam em Éfeso quando I Corín-
forma de livros. 14. Alexandre. Prova- tios foi escrita (I Co. 16: 19) e em Roma
velmente o mesmo já mencionado em quando Romanos foi escrita (Rm. 16: 3).
I Tm. 1: 20 (veja coment.). Causou-me. Agora tinha regressado a Éfeso. 20. Eras-
De uma palavra grega, em outro lugar to é mencionado em Rm. 16: 23 como
I traduzida para mostrou (veja Tt. 2: 10; tesoureiro da cidade de Corinto. Tró-
3: 2; Hb. 6: 11). Alexandre "mostrou- fímo não foi deixado em Míleto na via-
-se" mau para com Paulo no sentido de gem de Atos 20: 4, pois mais tarde nós
ter-lhe revelado um coração mau em sua o encontramos em Jerusalém (Atos 21:

-278 -
I I
'I I I
11 TIMÓTEO4: 20·22

29). Paulo está se referindo a uma oca- Jesus Cristo (E.R.C.) poderia ser Senhor
sião posterior. Inverno explica o pedido (E.R.A.) apenas. Teu espírito é para
da capa de 11 Tm. 4: 13. As pessoas que Timóteo, em primeiro lugar, e o con-
enviam saudações são mencionadas ape- vosco (plural) é para todos os leitores
nas nesta passagem do N.T. 22. Senhor de Paulo, os cristãos em Éfeso.

- 279-·
TITO 1: 1-4

A EPfsTOLA A TITO

ESBOÇO

(Para a introdução geral a esta epístola, veja a Introdução a I Timóteo.)

I. Saudação. 1: 1-4.
11. A missão de Tito: Pôr algumas coisas em ordem. 1: 5 - 3: 11.
A. A tarefa e a necessidade de anciãos que ensinam. 1:5-16.
1. Qualificações dos anciãos. 1: 5-9.
2. Necessidade de anciãos para combater o erro. 1: 10-16.
B. O trabalho pastoral dos anciãos que ensinam. 2: 1 - 3: 11.
1. Aplicação da sã doutrina a casos particulares. 2: 1-10.
2. Proclamação da sã doutrina: A graça de Deus. 2: 11-15.
3. Demonstração da sã doutrina: A raiz e o fruto. 3: 1-11.
Ill. Conclusão, enfatizando as boas obras. 3: 12-15.

COMENTÁRIO

I. Saudação. 1: 1-4. pois Jesus disse, "Eu sou ... a verdade".


Isto é, segundo a piedade, uma palavra
Os primeiros pronunciamentos de Pau- muitas vezes encontrada nas Epístolas
lo em suas epístolas revelam o seu ponto Pastorais (I Tm. 3: 16, coment.).
de vista e a sua atitude. 1. Servo de Deus
está à frente, mas ao seu lado está a auto- 2. Esperança está em conexão do
ridade do apostolado. Em Romanos, serviço e apostolado de Paulo; ele foi
em 11 Timóteo e aqui, o apóstolo decla- um apóstolo da esperança, a esperança
ra dois aspectos do seu cargo ao mesmo da vida eterna, a qual Deus ... prome-
tempo (Rm. 1: 1, 5; 11 Tm. 1: 1-3). Em teu antes dos tempos eternos, a nosso
outras passagens ele usa um ou outro. Salvador Jesus Cristo (11 Tm. 1: 9), para
Aos filipenses ele foi um servo; aos gá- nos ser entregue mediante a mensagem.
latas e coríntios, que precisavam de 3. Em tempos devidos. Cons. I Tm.
repreensão e instrução autoritária, ele 2: 6. Os eternos propósitos começa-
foi um apóstolo. Para Tito, que preci- ram a ser desfrutados pela história deste
sava especialmente de ser investido da mundo através da pregação (a mensa-
autoridade de Paulo diante dos cretenses, gem, coisa pregada). Mandato. Cons.
ele é as duas coisas, servo de Deus e após- I Tm. 1: 1. Paulo foi um apóstolo por
tolo de Jesus Cristo. A fé que é dos elei- mandamento; por mandamento ele re-
tos de Deus é o corpo da verdade reve- cebeu sua mensagem. Palavra é equi-
lada e a promessa que o povo de Deus valente à promessa do versículo anterior.
tem acalentado através dos séculos. Co- A idéia é que Deus cumpriu Sua promes-
nhecimento. A idéia é paralela à fé que sa; Ele cumpriu a Sua palavra no Evan-
acabou de ser mencionada; ambas as gelho. Salvador é a grande palavra de
idéias são governadas pelo segundo. Am- amplo significado para Libertador; am-
bas, a fé e o conhecimento, tem a sua bos, Deus e Cristo, foram assim cha-
base em uma mensagem real que pode mados. 4. Filho. Um termo afetivo usa-
ser conhecida e crida. Verdade traz a do por Paulo falando de Timóteo, Tito
implicação de "fiel revelação de Deus", e Onésimo. A fé comum era partilhada

-280 -

I I I I
'I I I
TITO 1:4-13

por Paulo, Tito e todos os cristãos. O pelo reto ensino, como para conven-
apóstolo pode estar usando a analogia cer (como em Jo. 16: 8) os que contra-
da herança: a fé é um patrimônio ou um dizem.
fideicomisso que pertence a todos; Tito 2) Necessidade de Anciãos para Com-
está sendo encarregado de administrá-lo. bater o Erro. 1: 10·16. Como sugere
Misericórdia só foi acrescentada nas o versículo 9, a doutrina tem aplicação
Epístolas Pastorais (veja I Tm. 1: 2, co- dupla: exortação e convicção - instruir
ment.). Da parte de rege ambos, Deus os crentes e convencer os contradizentes.
e Senhor: juntos constituem a única 10. Insubordinados. Usado aqui, em 1:
fonte divina de todas as bênçãos. A 6 e em I Tm. 1: 9. A idéia é de incredu-
E.R.A. omite corretamente Senhor: Cris- lidade deliberada e rejeição da verdade.
to Jesus nosso Salvador. Palradores e enganadores (cons. verbo
relacionado em Gl. 6: 3). Única ocor-
11. A Missão de Tito: Pôr Algumas rência no N.T. Circuncisão. O Judaís-
Coisas em Ordem. 1: 5 - 3: 11. mo incrédulo parecia aprofundar-se cada
vez mais na completa rejeição da verdade.
A. A Tarefa e a Necessidade de An- Um pouco depois João falou dos judeus
ciãos que Ensinam. 1:5-16. chamando-os de "sinagoga de Satanás"
1) Qualificações dos anciãos. 1: 5-9. (Ap.2:9; 3:9). 11.É preciso fazê-los
S. Para a possível ordem dos aconteci- calar. A razão principal de se argumen-
mentos mencionados, veja 3: 12. Paulo tar a favor da fé (apologética) é exortar
deixou Tito em Creta e talvez seguisse e convencer. As evidências devem ser
para Nícópolis, em Épiro, perto da Dal- tão claramente apresentadas que os re-
mácia (lI Tm. 4: 10), onde mais tarde jeitadores deverão pelo menos ser dei-
Tito o encontrou, e ambos foram para xados sem desculpa ou resposta. Em
a Dalmácia. As cousas restantes dá a Creta a situação foi agravada pelos ju-
entender as coisas que ficaram por fa- daizantes avarentos e outros falsos mes-
zer. Em cada cidade sugere uma evange- tres, que subverteram casas inteiras no
lização extensa mas rápida da ilha, dei- seu desejo de ganhar favor e ganho fi-
xando a questão da organização para nanceiro.
mais tarde. Presbíteros ou anciãos aqui 12. A observação é severa, mas vem
são os anciãos que ensinam ou os pas- das próprias fileiras dos cretenses. Paulo
tores, a julgar pelo contexto. Esta mis- não se opunha a usar fragmentos de
são em Creta não conferia a Tito poder verdade colhidos entre os autores pagãos
ditatorial para nomear ministros. Antes, (Atos 17:28; ICo.15:33). Ventres
como Paulo e Barnabé ordenaram an- preguiçosos é o mesmo que glutões ocio-
ciãos (Atos 14: 23) que foram escolhi- sos. 13. Tal testemunho é exato. Presu-
dos pelo povo, assim também Tito devia mivelmente Paulo estivera na ilha por
fazer, tendo em mente as devidas quali- algum tempo e podia confirmar a decla-
ficações. Paulo dá três qualificações ração. Uma vez que os cretenses eram
generalizadas (v. 6), uma lista de qua- mentirosos, e estavam rejeitando a ver-
lificações negativas (v. 7) e outra de po- dade, sua mensagem devia ser refutada.
sitivas (vs. 8. 9). Toda a seção está em Mas Tito também devia repreender seve-
íntimo paralelo com I Tm. 3: 2-4. 9. A ramente (a mesma palavra "convencer"
E.R.A. é a preferível pela escolha nas no v. 9) aqueles que se professavam
palavras e na ordem: apegado à palavra crentes e lhes davam ouvidos. Isto es-
fiel, que é segundo a doutrina, de modo clarece que Paulo aqui desvia sua aten-
que tenha poder, assim para exortar ção dos incrédulos para os crentes pro-

-281 -
TITO 1: 14-16 - 2: 1-12

fessos. 14. Fábulas. Mitos. Mandamen- de Pv. 31: 10-31. Honrar a Palavra de
tos de homens, reminiscência de Mt. Deus é a sanção suprema para a conduta
15: 9, e sua fonte está em Is. 29: 13. correta.
Falsa autoridade e. temor aos homens 4) Para os moços (vs.6-8) a virtude
estão envolvidos na rejeição à verdade fundamental destaca-se pela ênfase dada
de Deus. à sobriedade e à díscreção, como no
15. Aqui o ensinamento é paralelo caso das mulheres jovens (v. 5). A mes-
ao de I Tm. 4: 2-5. Todas as cousas ma ênfase se encontra nas exortações
deve ser tomado no contexto como aos jovens em Provérbios (I: 4; 2: 11 ;
equivalente a "cada criatura de Deus" 3: 21; 5: 2). Para Tito o apóstolo faz
(I Tm. 4: 3, 4). Para aqueles que rejei- uma admoestação apropriada para um
tam a soberania de Deus, e adoram a jovem e ministro (Tt. 2: 7, 8). A res-
criatura, todas as coisas são impuras, ponsabilidade constante de instruir de-
até mesmo suas mentes e consciências. vidamente os incrédulos está incluí-
16. Professam (cons. 11 Tm. 3: 5). As da. 5) Aos servos (vs. 9,10) duas fal-
obras são-a prova decisiva da condição tas comuns são destacadas: não sejam
do coração (Mt. 7: 20; 110.4: 20). respondões, responder ou discutir; e
Reprovados. Inaptos para qualquer não furtem, roubar (usado apenas em re-
boa obra. lação a Ananias e Safira em Atos 5 :
2,3). Fidelidade é a palavra freqüen-
B. O Trabalho Pastoral dos Anciãos temente usada para a fé no N.T.
que Ensinam. 2: 1 - 3: 11. Paulo epitomiza toda a seção, a bem
1) Aplicação da Sã Doutrina aos dizer toda a epístola, quando destaca
Casos Particulares. 2: 1-10. As instru- que as boas obras são a ruo de ornarem,
ções deste capítulo estão endereçadas em todas as cousas, a doutrina de Deus,
a Tito diretamente nos versículos 1, 7, nosso Salvador. Tiago disse que a fé
8,15; mas, por intermédio de Tito, (doutrina) sem as (boas) obras é morta,
Paulo estava instruindo toda a igreja de exatamente como o corpo sem o espí-
Creta. Seu tema central é a sã doutri- rito também está morto. É dignífí-
na aplicada, resultando em boas obras. cante esse pensamento de que as nossas
1) Para Tito (v. 1) a responsabilidade boas obras adornam o testemunho de
primária era pregar e ensinar a verdade, nosso Deus (Mt. 5 : 16).
aquela que estivesse de acordo com a 2) Proclamação da Sã Doutrina: A
sã doutrina (sadios; veja 1: 9, 13; 2: 1; Graça de Deus. 2: 11-15. Graça (Pas-
e o adjetivo em 2: 8). O uso desta pa- torais: I Tm. 1: 14; 11 Tm. 1: 9; 2: 1;
lavra nas Pastorais, sempre em conexão Tt. 3: 7) é sempre a grande palavra cha-
com a doutrina, mostra a ênfase que ve da salvação. Salvadora é uma palavra
Paulo dá ao ensino correto. 2) Para os só, que significa "salvando". A todos os
homens idosos (v. 2), que já eram mes- homens dá a nota universal e evangelís-
tres ou em potencial, a vida e a doutrina tica tão proeminente nas Pastorais. Ela
tinham de andar juntas. Esta é uma im- se manifestou em Jesus Cristo (11 Tm.
portante consideração em relação a cada 1: 10). Todas as promessas de Deus e Sua
uma destas categorias de pessoas. Con- obra salvadora desde o começo da raça
selhos adicionais encontram-se em I Tm. revelaram a Sua graça; todas as Suas
5: 1. 3) Para as mulheres idosas e as bênçãos e dons foram planejados para
jovens recém-casadas (vs. 3-5) enfatizou- levar os homens ao arrependimento (Rm.
-se consideravelmente o estabelecimento 2:4).
do lar. Os detalhes são reminiscências 12. Educando. A graça salva, mas

-282 -

I , I I 'I I I
TITO 2: 12-15 - 3: 1-5

também ensina e educa para uma vida de Deus. Que o nosso ministério não
sóbria e piedosa. Renegados. A mesma seja tal que dê aos homens motivos para
forte e decisiva rejeição que se opõe nos desprezarem.
à graça (I Tm. 5: 8; 11 Tm. 2: 12; 3: 5; 3) Demonstração da Sã Doutrina: A
Tt. 1: 16). Sensata, justa e piedosa- Raiz e o Fruto. 3: 1-11. Aqui Paulo in-
mente. Estas três palavras reiteram ha- troduz um novo parágrafo discutindo
bilmente o tema de todas as Pastorais. a vida piedosa, a qual, ele declara, de-
Presente século. Usada uma vez em cada veria ser inspirada no exemplo de nossa
Pastoral (veja 1 Tm. 6: 17; 11 Tm. 4: 10). própria indignidade que foi tratada por
Estas palavras indicam a orientação bá- Deus com bondade e amor. Ele escla-
sica do pensamento de Paulo - a vida rece (v.8) que a intenção da doutrina
consiste deste mundo, como também cristã é que os crentes demonstrem as
do mundo vindouro. boas obras. A graça de Deus é a raiz;
13. Paulo expressa o restante do pen- as boas obras são o fruto. Não causa
samento com o grande acontecimento admiração, portanto, que encontremos
do mundo por vir: a vinda de Cristo. aqui outro notável resumo doutrinário
Esperança ... manifestação é um só con- (fazendo paralelo com o do capítulo
ceito, como na E.R.A.: a bendita espe- anterior sobre a graça de Deus). Esta
rança e a manifestação. Deus ... Sal- gema, esta brilhante descrição da bon-
vador está corretamente traduzido: "nos- dade de Deus para conosco (vs.4-7),
so grande Deus e Salvador Cristo Jesus". está engastada na responsabilidade do
Novamente duas idéias formam um só crente de demonstrar as boas obras dian-
'conceito, como acontece com os no- te dos homens.
mes divinos compostos do V.T. 14. O Em primeiro lugar Paulo enfatiza as
qual a si mesmo se deu por nós. A ex- virtudes e obrigações públicas. Aqui está
piação inclui ambas, a referência parti- também uma pequena observação adi-
cular aos eleitos e a referência univer- cional sobre o governo da igreja (vs.9-
sal a todos (veja comento sobre 1 Tm. 11) que sup1ementa 1: 5-16. 1. Aos que
2: 6). Remir. Resgate ou livramento governam. Antes, principados (E.R.C.).
pelo pagamento de um preço (usado em Autoridades. Potestades (E.R.C.). Sejam
Lc. 24: 21; 1 Pe. 1: 18; e aqui). A com- obedientes. O mesmo verbo foi usado
pra está destacada na expiação (cons. em Atos 5: 29, 32. 2. As virtudes rela-
Gl. 3: 13; Ap. 5: 9). O livramento cionadas são iguais às que foram orde-
da culpa e da condenação não é o prin- nadas anteriormente, mas aqui estão
cipal aqui, mas antes o livramento da vida dirigidas ao mundo incrédulo. 3. Nós
iníqua. Assim o sinal peculiar do povo também. Paulo jamais se esqueceu do
de Deus aparece - seu zelo pelas boas que foi antes, e isto o levava a ter com-
obras. Exclusivamente foi usado na paixão dos perdidos. 4. Benignidade e
LXX em Êx, 19: 5. Esta é a palavra amor só foram usados aqui e em Atos
traduzida para "eleito" em 1 Pe. 2: 9, 28: 2. Piedade também está implícita
ambas implicam na posse ou na com- no contexto. Estas graças foram supre-
pra. As boas obras são o fruto do Es- mamente manifestadas em Cristo, embo-
pírito, o selo da propriedade de Deus. ra sejam manifestas em todas as naturais
15. Dize estas cousas. A graça de benevolências de Deus (Atos 14: 17).
Deus é a base das boas obras, mas é es- Toda esta passagem forma um equili-
sencial que o ministro proclame con- brado complemento de Tt. 2: 11-14. 5.
tinuamente esta graça, exortando e re- Obras de justiça. A E.R.C. traduz cor-
provando, com a autoridade da Palavra retamente: Não por obras de justiça

-283 -
TITO 3: 5-15

praticadas por nós. Isto elimina toda evitadas, como também os indivíduos
e qualquer obra; não só as que foram que, tendo sido advertidos pela igreja,
praticadas pela justiça própria dos ho- ainda perversamente se lhes apegam.
mens perdidos, como também as obras 10. Faccioso está sendo usado ou no
praticadas em verdadeira justiça. Con- sentido restrito ou com a idéia de cau-
trapondo-se a todas as obras está a mi- sar divisões. Admoestação é o aspecto
sericórdia livre de Deus, exibida na obra mais importante da disciplina da igreja.
do Espírito. Lavar ... renovador. O Es- O substantivo foi usado aqui, em I Co.
pírito Santo nos renova em regeneração. 10: 11 e em Ef. 6: 4; o verbo em Atos
Estas duas idéias estão intimamente li- 20:31; Rm.15:14; ICo.4:14; Cl.
gadas entre si como a expressão dupla 1:28; 3:16; ITs.5:12,14; IITs.3:
de uma só obra do Espírito. 6. Der- 15. 11. Pervertida tem o sentido do
ramou sobre nós. O simbolismo da água "permanentemente transtomado", "en-
tem sido freqüentemente usado em re- volvido num caminho errado". Pecan-
lação ao Espírito. O Espírito é dado do implica em pecado determinado, co-
através de Jesus (Jo.4: 10; 7:37). Abun- mo em Hb. 10: 26. Por si mesma está
dantemente (E.R.C.). Ricamente (E.R. condenada. Esse tal, que já recebeu o
A.). O Espírito é verdadeira riqueza, conhecimento da verdade e teimosa-
visto que é o penhor de nossa herança, mente a rejeita, é sua própria testemu-
a fonte e o criador de todas as bênçãos. nha de que duas vezes rejeitou uma sin-
7. A fim de que dá o resultado do dom cera explicação e um apelo.
do Espírito: "para que, sendo justifi-
cados pela sua graça, sejamos feitos m. Conclusão, Enfatizando as Boas
herdeiros segundo a esperança da vida Obras. 3: 12-15.
eterna".
8a. Fiel é a palavra. Esta é uma Depois de algumas poucas observa-
das observações dignas de nota das Pas- ções pessoais, Paulo apresenta a reite-
torais (I Tm. 1: 15; 3: 1; 4: 9; 11 Tm. ração final da responsabilidade princi-
2: 11, coment.), Além de enfatizar pal de sua carta - que os crentes deve-
bastante a declaração doutrinária que riam tomar o cuidado de perseverar
acabou de ser enunciada (vs.4-7), tam- nas boas obras. 12. Ártemas não é men-
bém chama a atenção para a declara- cionado em nenhum outro lugar; Ti-
ção sucinta e poderosa da mensagem de quico aparece em Atos 20: 4; Ef. 6: 21;
toda a epístola que se segue. Faças Cl. 4: 7; 11 Tm. 4: 12. Nicópolis fica
afirmações confiadamente é um verbo em Épiro. Tito recebeu a instrução de
enfático que apenas foi usado em I Tm. se juntar ao apóstolo lá (11 Tm. 4: 10,
1: 7 e aqui. A verdade persuasiva do coment.). 13. Zenas aparece só aqui.
Evangelho requer paciente repetição. Apolo era um alexandrino; é possível
Os que têm crido ... sejam solícitos que a viagem mencionada fosse à Ale-
na prática de boas obras. A graça de xandria via Creta. 14. Distíngüir-se
Deus, produzindo fé, vem em primeiro pode significar "estar preocupado com",
lugar; boas obras deveriam vir a seguir; mas de acordo com o seu uso nas Pas-
primeiro a raiz, depois o fruto. 8b,9. torais, significa "orientar". A suges-
Excelentes e proveitosas do versículo 8 tão é que os cristãos sejam os líderes
contrasta com não têm utilidade e são na prática das boas obras. 15. Graça.
fúteis do versículo 9, onde o apóstolo Esta é a conclusão característica de to-
faz uma lista das coisas que distraem das as epístolas de Paulo (veja comentá-
a atenção da verdade. Essas devem ser rio sobre I Tm. 6: 21).

-284-

I I 'I I I
FILEMOM 1: 1-5

EPfsTOLA A FILEMOM

INTRODUÇÃO

Ocasião e Tema. Paulo escreveu esta toda a igreja, não apenas para Filemom
carta em favor de Onésimo, escravo de pessoalmente. (Filemom não era o úni-
Filemom, que, depois de fugir do seu se- co senhor de escravos na igreja colossen-
nhor, converteu-se sob o ministério de se; cons. Kyrioi, Cl. 4: 1). Fazendo vol-
Paulo. Recentes conjeturas de John tar o escravo que, depois de fugir, to r-
Knox, o notável escritor contemporâ- nou-se cristão e servo de Paulo, o após-
neo (Philemom Among the Letters of tolo não só nos instruiu em relação aos
Paul) faz de Arquipo o proprietário do princípios que regem o relacionamento
escravo (e principal destinatário da car- entre os irmãos cristãos, como faz-nos
ta) e Filemom, um simples superinten- lembrar também que estes princípios
dente das igrejas do Vale de Lícus. O não devem ser "por força, mas volun-
ponto de vista tradicional, entretanto, tários" (Fm.14). Em Cristo há uma
que considera Arquipo o filho de File- estrutura de referência completamente
mom e Áfia, continua sendo o mais diferente que transforma todos os rela-
convincente. cionamentos terrestres; a fraternidade
Na providência divina, diversos fato- é o ponto central sobre o qual todos os
res são importantes para o reconheci- outros relacionamentos devem ser a'v'a-
mento desta carta pela igreja, não como liados. Paulo não faz polêmica contra
simples correspondência particular de a escravidão, mas no decorrer dos sé-
Paulo, mas como um ensino apostólico culos, a fé cristã chegou a compreender
a ser aceito nas Escrituras: 1) "A igreja" que a prática da escravidão é incompa-
está incluída entre os destinatários. 2) tível com os princípios aqui enuncia-
O relacionamento senhor-escravo apre- dos por Paulo. Para origem e data desta
sentou um importante problema para carta, veja Introdução aos Colossenses.

ESBOÇO

I. Introdução. Fm.1-3.
lI. Ação de Graças. Fm. 4-7.
UI. Paulo Intercede por Onésimo. Fm.8-21.
IV. Conclusão. Fm.22-25.

COMENTÁRIO

I. Introdução. Fm. 1-3. casa deles. Era costume, e às vezes se


tomava necessidade, que as igrejas locais
1. Contrastando com "apóstolo", o
se reunissem na casa de um dos mem-
termo mais costumeiro, a designação que bros (cons, Atos 18: 7).
Paulo dá a si mesmo, prisioneiro de Cris-
to Jesus (cons. v. 13), tem uma ligação
11. Ação de Graças. Fm.4-7.
direta com o tema da carta (veja coment.
de Cl. 4: 18). 2,3. Os destinatários não 4,5. Nas orações de Paulo a menção
eram apenas os membros de uma famí- de Filemom (sou) sempre trazia aos lá-
lia cristã, mas a igreja que se reunia na bios do apóstolo uma palavra de grati-

-285 -
FILEMOM 1: 5-14

dão. Filemom se caracterizava pelo refere ao seu convertido dizendo tê-lo


amor e fé; essas atitudes eram primei- gerado. Embora fosse escravo em uma
ramente dirigidas a (pros) Cristo mas famflia cristã, presumivelmente Onésimo
encontravam sua expressão na (eis) igre- não abraçou a fé cristã até que fugiu
ja (cons. J.B. Líghtfoot, St. Paiâ's Epis- e se colocou sob a influência de Paulo.
tles to the Colossians and to Philemon). Na qualidade de cristão, Onésimo, isto
6,7. Para que seja eficiente, a comunhão é, Útil (um nome bastante comum para
ou participação da fé deve ser no pleno um escravo naquele tempo e região),
conhecimento (epignosis; veja coment. que antes fora inútil, agora vivia à altura
sobre CI. 1: 9; 2: 1-3); isto é, um cren- do seu nome. Jolm Knox especula que
te deve ter a devida percepção do bem Paulo poderia ter dado o nome de "0-
que ele tem em Cristo. O versículo é nésimo" ao escravo diante de sua con-
de difícil interpretação; compare co- versão (cons. Is.62:2; Gn.17:5,15;
mentário de Moule (C.F.D. Moule, The 32:28; Atos 13:9). O costume de
Epistles to Colossians and Philemon). O dar um novo nome no momento da
ministério de Filemom era ativado pela conversão, existe ainda hoje entre cren-
percepção que tinha do amor e verdade tes em civilizações não-cristãs.
cristãs. Paulo se regozija nisto e deseja 12. O verbo traduzido para envio
que esta motivação possa influenciar de volta pode ter o significado técnico
a atitude de Filemom para com seu jurídico de "transferir ocaso", isto é,
escravo fugitivo. Coração (splagchna; deixar que Filemom mesmo julgue a
cons. vs. 12,20). Sentimentos mais questão da liberdade de Onésimo (cons.
íntimos, "o âmago do ser" (Moule). Lc.23:7,11; Atos 25:21). Mas o sig-
nificado mais comum é o mais pro-
III. Paulo Intercede por Onésimo. vável aqui. Paulo compara o enviar do
Fm.8-21. escravo como se enviasse o seu pro-
prio coração.
8,9. Paulo evita invocar sua autori-
dade apostólica para ordenar Filemom 13,14. Onésimo foi de considerável
fazer o que convém, isto é, a coisa certa. ajuda a Paulo em suas algemas ... por
Antes, ele apela para o seu amigo em causa do evangelho. O apóstolo queria
nome do amor, como alguém que tem continuar fazendo uso dos seus présti-
direito de ser ouvido: ele é Paulo, "um mos - préstimos que Fílemom teria ale-
embaixador" (presbytes) e agora um gremente aprovado. Mas Paulo, sendo
prisioneiro de Jesus Cristo. Embora pres- sensível à ética da situação, recusou-se
bytes signifique estritamente velho ou a tomar liberdades com a estima de Fi-
idoso, aqui a variante na ortografia e lemom. Ele queria que seu amigo agisse
no significado provavelmente está cor- segundo o seu próprio consentimento e
reta (cons. Ef. 6: 20). Se o apóstolo voluntariamente, sem se sentir forçado
está fazendo distinção entre a autori- ou acuado. Quando um homem presta
dade apostólica e o tipo de autoridade um "serviço cristão" porque os amigos
exercida pelos outros líderes cristãos fizeram com que a situação se tornasse
não o sabemos com certeza. Em qual- difícil para dizer não, seu serviço deixa
quer dos casos, ele dá o exemplo de de ser genuinamente cristão. Será que
como a verdadeira liderança cristã po- Filemorn libertou Onésimo e o enviou
de funcionar de maneira mais eficiente. de volta a Paulo? Será que o antigo
10,11. Como em outras passagens escravo tornou-se um ministro e, mais
(lCo.4:l5; cons. G1.4:l9) Paulo se tarde, bispo da igreja em Éfeso? (Cons.

-286-

I , I I 'I I I
FILEMOM 1: 14-25

a carta de Inácio aos efésios, 1). Knox mas parece que foi mais do que sim-
(in loc.) e Harrison (P.N. Harrison, "0- plesmente fugir. A oferta de Paulo de
nesimus and Philemon", AThR, XXXIII, pagar algum dano sugere que há algum
Oct., 1953) pensam assim. Ainda que dinheiro envolvido - roubo, desfalque,
uma resposta certa não possa ser dada ou talvez simplesmente um imprudente
a estas perguntas, a suposição por elas emprego de fundos. A ti mesmo. Ao
despertada é tentadora. que parece Filemom também era um con-
15,16. Temporariamente. Literalmen- vertido do apóstolo. Este delicado lem-
te, por uma hora. Uma perda insignifi- brete tinha a intenção de aquietar qual-
cante resultou em um ganho imensu- quer exigência de "justiça" e para reapro-
rável. Para sempre. Permanentemente. ximar os dois, Filemom e Onésimo; eles
O termo é reminiscência da provisão fei- tinham o mesmo pai espiritual.
ta para a escravidão voluntária em ih. 20,21. Demonstrando amor cristão a
21:6 (cons. SBK, IV, 746; Lv. 25:46). Onésimo, Filemom reanimaria e ale-
Mas o relacionamento não devia mais graria o próprio Paulo. Com base nisto
ser encarado em termos de senhor e ser- o apóstolo faz o seu apelo, certo de uma
vo. Ser cristão é ser innão dos outros boa reação. Mais do que estou pedindo.
.crentes. E este é o fator determinante Isto pode se referir a I) devolver a Oné-
em todos os outros relacionamentos símo a sua liberdade ou 2) devolvê-lo
humanos, quer sejam na carne, isto é, a Paulo (cons. VS. 13, 14).
no plano natural, quer no Senhor, isto
é, no plano espiritual, na esfera da "no- N. Conclusão. Fm.22-25.
va geração" (veja Introdução a Co10s-
senses). Entretanto, os relacionamentos 22. A confiança de Paulo de que se-
de ambos os planos devem ser desen- ria solto de sua prisão faz eco aos seus
volvidos simultaneamente. Filemom sentimentos em Fp.1: 25, 26 (veja In-
era irmão e senhor; Onésimo era irmão trodução a Colossenses). Por vossas
e escravo. Tal relacionamento duplo fa- orações. É digno de nota que o após-
zia surgir problemas difíceis na igreja tolo, sendo tão insistente sobre a sobe-
primitiva. E tais problemas ainda com- rania de Deus (cons. Gl. 1 : 15, 16; Rm.
plicam o relacionamento econômico e 8: 29), esteja igualmente convencido de
social dos cristãos hoje em dia (I Tm. que Deus realiza Seus propósitos atra-
6: 2; veja comento sobre Cl. 3: 11). vés de instrumentos humanos. O após-
17. Tendo narrado a história e tendo tolo não pede orações; ele tem por certo
gentilmente reformulado alguns princí- que o seu "companheiro" (Fm. 17)
pios cristãos, agora Paulo faz um apelo lembra-se dele em suas orações.
direto: "Recebe Onésimo como se rece- 23,24. Veja comento sobre C1. 4: 10-
besses a mim mesmo (cons. Mt.25:40; 14,15-17.
Atos 9: 4); por amor a ti eu o manteria 25. Vosso (hymon) espírito (cons.
comigo em teu lugar (Fm.13), mas em Gl. 6: 18; 11 Tm. 4: 22). O plural indica
vez disso eu o envio a ti em meu lugar". que a referência foi feita a todo o grupo
Companheiro (koinonon). Não apenas incluído na saudação (vs. 1,2). Espí-
um companheiro Cristão, mas alguém rito parece ser um termo empregado com
com quem muitas experiências foram referência ao todo do homem - no esta-
partilhadas. do ou na aparência de sua "nova gera-
18,19. Paulo não menciona a ver- ção" (cons. I Pe. 4: 6; 11 Co. 2: 13; 7: 5;
dadeira ofensa praticada por Onésimo, I Co. 2: 11-16, Phillips),

-287 -
EPÍSTOLA AOS HEBREUS

INTRODUÇÃO

Declaração Introdutória. O estudan- aos destinatários da epístola e seu pro-


te desta epístola deve compreender sua pósito.
singularidade. Ela não é igual a nenhuma Tem-se dito que a Epístola aos He-
outra epístola do Novo Testamento, e breus é a menos conhecida de todas
apresenta problemas que são peculia- as epístolas do Novo Testamento. O ra-
res em si mesmos. Na forma de cons- ciocínio limitado, a terminologia sacri-
trução, no estilo, na argumentação e ficial e sacerdotal, e o idealismo reinan-
em relação aos outros livros da Bíblia, te no autor são apresentados como ra-
Hebreus se destaca. zões (Purdy e Cotton, Epistle to the
Sua história tem sido cheia de con- Hebrews, VoI. XI, IR). Pode ser, mas
trovérsias. Ela tem sido ignorada, sua uma coisa parece mais certa. A Epís-
autoridade tem sido desafiada, duvida- tola aos Hebreus é mais fácil de com-
ram de sua canonicidade, e foi impla- preender quando há familiaridade com os
cavelmente estudada para determinar-se cinco livros de Moisés. O laço insepa-
quem é seu autor. Há pouco tempo, aná- rável do raciocínio limitado ao sistema
lises críticas levantaram dúvidas quanto levítico, liga o Pentateuco â carta aos
a certas porções da epístola, principal- hebreus.
mente do capítulo 13. Se este capítulo Os problemas apresentados pelo livro
foi acrescentado como um todo ou em são desafiadores. Em suma, eles envol-
parte, ou se já fazia parte da carta origi- vem sua autoria, destinatários, leitores,
nal, é um problema atualmente sob es- data, motivos e relacionamento com o
tudos. Cristianismo, Judaísmo e cultura he-
O aumento do interesse pelo perío- lênica do primeiro século.
do helenístico em relação à história da Ocasião - Por quê? A apresentação
civilização também influenciou o estudo clássica dos motivos da epístola é a que
da Epístola aos Hebreus. Alguns dos se segue. Os judeus cristãos, de simples
mistérios da epístola estão sendo agora congregações ou em grupos maiores,
comparadas à cultura helênica do mun- geograficamente mais espalhados, esta-
do mediterrâneo oriental pós-alexandri- vam em perigo de apostatar de Cristo,
no. Alguns mestres acham que as pes- retomando a Moisés. Esta condição de
soas para as quais a Epístola aos Hebreus apostasia era um perigo imediato (2: 1),
foi escrita foram diretamente influencia- com base na incredulidade (3: 12). A
das pela cultura helênica, e talvez fossem conduta insinuava uma possível apos-
inteiramente helenizados. Tal ponto tasia (5: 13, 14). A negligência dos
de vista tende a sugerir possíveis revi- cultos públicos (lO: 25), a fraqueza na
sões de antigos pontos de vista quanto oração (l2: 12), uma certa instabilida-

-288 -

II I I I I
'I I I
de doutrinária (13: 9), a recusa em en- uma conjetura. Ele apresenta nove
sinar os outros, que é dever do crente razões contra a opinião tradicional e
maturo (5: 12), e a negligência das Es- então escreve, "Concluindo, Hebreus é
crituras (2: 1) eram outros sintomas de um argumento da finalidade do Cris-
fraqueza espiritual. O perigo estava em tianismo que repousa sobre a prefigu-
que aqueles que eram "santos irmãos, par- ração da instituição sacrificial no Velho
ticipantes da vocação celestial" (3: 1) Testamento, como necessidade funda-
pudessem "cair" (6: 6). mental do acesso a Deus, a qual foi re-
Para impedir tal desenvolvimento, velada a todos os homens, judeus e gre-
o autor de Hebreus destaca a superiori- gos igualmente, no sacrifício de Cristo".
dade de Cristo em uma série de contras- De acordo com Purdy, a notável marca
tes com os anjos, Moisés, Arão, Melqui- judia de Hebreus pertence mais à forma
sedeque, e o sistema levítico. O objetivo do que ao verdadeiro conteúdo de idéias.
de tais contrastes foi mostrar a inferio- Ele prossegue, então, argumentando que
ridade do Judaísmo e a superioridade o autor de Hebreus lutava contra uma
de Cristo. forma de Gnosticismo e helenismo ju-
Conforme o escritor desenvolve seus deu-cristão, mais do que contra o J udaís-
pensamentos, ele entretece três conceitos. mo propriamente dito, mas reconhece
O primeiro é a exortação (13: 22); o se- que a sua opinião continua sendo hipo-
gundo é uma série de advertências, cinco tética.
em número (2:1-4; 3:7-19; 6:4-12; Se concordarmos com Purdy que o
10: 26-31; 12: 15-17); e o terceiro é a autor de Hebreus escrevia contra o
consolação ou a garantia, reunidos à Gnosticismo judeu-cristão centralizado
volta do pensamento apresentado pela numa cultura helênica, permanece o fato
palavra "considerai" (3: 1), que chega de que os temas principais do livro têm
ao seu ponto culminante na frase "con- um caráter e argumentação judeus. Na
siderai, pois, atentamente aquele que realidade, Hebreus liga o Velho e o No-
suportou ... " (12: 3). Com base nes- vo Testamento na pessoa e obra de Jesus
tes conceitos, o escritor argumenta con- Cristo. Poderia se dizer que Hebreus
tra a tendência à apostasia. é a extensão lógica de João 17, visto
A linha do raciocínio desenvolvida que relaciona a oração sacerdotal de
pelos leitores-ouvintes era atraente. Se Cristo com o Seu ministério de Sumo-
seguir a Cristo produzia perseguição, e -Sacerdote. Assim como a oração de
o antigo caminho da prática judia não, João 17 registra a preocupação de nos-
por que não retornar ao Judaísmo, reter so Senhor em que os crentes sejam atuan-
uma religião e ao mesmo tempo ficar tes neste mundo, também registra o pe-
livre da perseguição? Opção atraente, dido, " ... que os livres do mal" (Jo. 17:
é verdade. A resposta a tudo isto foi 15). A Epístola aos Hebreus fala desse
apresentada na Epístola aos Hebreus, livramento, sob as tensões e pressões
conforme a superioridade de Cristo foi da perseguição e da tentação da apos-
comprovada, passo a passo, contra as tasia. Para demonstrar esse livramento,
reivindicações do Judaísmo. o autor de Hebreus equilibrou a dou-
Há pouco tempo, esta opinião clás- trina com a exortação, o pastoral com
sica sobre os Hebreus foi posta em dú- o prático, a palavra de consolação com
vida. Alexander C. Purdy, no seu co- a palavra de encorajamento.
mentário introdutório a Epistle to the O Judaísmo, um "berço de conve-
Hebrews (IB, XI, 591, 592), argumenta niência" para os cristãos de nacionali-
que esta opinião tradicional é apenas dade judia, que estavam sendo perse-

- 289-
guidos, foi assim exposto pelo contras- Nada foi mencionado sobre o conflito,
te. O escritor determinou ajudar esses o Templo, ou a destruição de Jerusalém.
cristãos primitivos a enfrentarem as Por causa desse silêncio, a carta pode ter
opções com conhecimento da diferença sido escrita antes de 68 ou depois de 80.
existente entre o Judaísmo e a obra de A primeira data é a preferível, mas deve
Cristo pelo crente e no crente. Tudo ser considerada em relação à menção
isto tinha a intenção de convencer da de Timóteo (13: 23) e da expressão "os
superioridade de Jesus Cristo os que es- da Itália" (13: 24). Além disso, o co-
tavam sendo provados. nhecimento de Hebreus demonstrado
Ao mesmo tempo, esta carta de en- pela Epístola de Clemente de Roma aos
corajamento aos crentes do primeiro Coríntios (95 AD.) tem alguma influên-
século contém auxílio para os dias de cia sobre a data de Hebreus e talvez
hoje. Nenhuma outra epístola do Novo sobre o seu destino.
Testamento responde tão claramente ao O argumento para datá-la tardiamente
"por que" do sacrifício de Cristo, e da foi melhor exposto no IH, Introduction,
redenção oferecida através deste sacri- XI, pág. 593, 594. Combinando argu-
fício. Nenhuma outra epístola do Novo mentos justificados pelo uso de I Cle-
Testamento liga tão claramente o duplo mente como ponto de referência, o IH
ministério de Cristo na qualidade de generaliza a data colocando-a em algum
Filho de Deus eterno e Filho do Homem lugar entre os últimos anos da década
sofredor. Pecado, culpa, expiação e per- de setenta e os primeiros da década de
dão são melhor compreendidos através noventa, mas conclui depois que a data
da Epístola aos Hebreus. Esta carta verdadeira é incerta.
também ajuda os leitores a alcançarem Em contraste, Canon Farrar, Cam-
uma compreensão melhor das verdades bridge Greek Testament (daqui em dian-
e incidentes do Velho Testamento. Tam- te indicado como CGT), representando
bém, a diferença entre o Judaísmo e o as opiniões do século dezenove, e Glea-
Cristianismo torna-se compreensível nos son L. Archer, em The Epistle to the
ensinamentos da Epístola aos Hebreus. Hebrews, A Study Manual, ambos ar-
Johannes Schneider escreveu: "He- gumentam em favor de uma data entre
breus é muito simples na estimativa que 64 AD. e 68 A.D. O último escritor
faz da vida real das igrejas. Ela conhece estreita então este período de tempo
os perigos que ameaçam o povo de Deus para a data real de 65 ou 66 como sendo
na terra. Por isso ela admoesta a que se a mais razoável, de acordo com as evi-
apeguem à fé e a que não sejam desleais dências internas e externas. Todas as
a Cristo" (The Letter to the Hebrews, opiniões quanto à data da epístola des-
pág.8). Com a ênfase que dá ao minis- tacam a importância do silêncio da carta
tério sacerdotal de Cristo, os privilégios no que se refere aos acontecimentos
do crente em relação a Cristo, e suas em Jerusalém na sexta década do pri-
fortes advertências a que se desenvolva meiro século.
uma fé viril, Hebreus continua falando Quanto ao destino, três teorias prin-
nos dias de hoje. cipais têm prevalecido, cada uma delas
Data e Destino - Para Quem Foi Es- apontando para uma cidade grande. do
crita. Um número de fatores regula a mundo romano e mediterrâneo. Alguns
data da Epístola aos Hebreus. O mais acrescentam uma quarta opinião, que
importante desses fatores parece ser o na realidade é uma modificação de uma
conflito judeu-romano depois de 68 A.D. das teorias principais.
e a destruição do Templo em 70 AD. 1) Os judeus cristãos em Jerusalém

-290-

I i I I I I li I I
e à volta dela, foram os destinatários ridículo e ódio declarado dos outros
da carta. judeus. Mas essas condições poderiam
2) Ela foi enviada aos cristãos judeus ter prevalecido em qualquer parte do
que moravam em Alexandria. Esta opi- mundo romano no primeiro século.
nião costuma ser defendida por aqueles O fato é que todos os argumentos
que apóiam o argumento de um forte sa- e teorias têm ingredientes de possibili-
bor alexandrino na carta aos hebreus. dade e impossibilidade em medidas qua-
3) Era destinada a uma congrega- se iguais. A discussão do problema do
ção de cristãos judeus que se reuniam destino pode ser examinado detalhada-
na cidade de Roma, os quais estavam mente em Farrar, CGT; A.B. Davidson,
enfrentando urna severa provação e The Epistle to the Hebrews; Archer,
perseguição. A teoria da "igreja em The Epistle to the Hebrews, A Study
Roma" tende também a defender a teo- Manual; William Manson, The Epistle
ria da "congregação única", onde os to the Hebrews, An Historical and Theo-
destinatários originais da carta seriam logical Reinterpretation; e IB, XI. Quan-
membros de uma "pequena congrega- to ao peso da opinião, a teoria de "Je-
ção" ou uma "igreja reunida na casa rusalém" é a que tem sido melhor
de alguém" em Roma. defendida por William Leonard, Au-
4) Uma modificação da terceira. A thorship of the Epistle to the Hebrews:
congregação destinatária de Hebreus era Criticai Problem and Use of the Old Tes-
pequena, mas poderia estar em qualquer tament. As teorias de "Roma" e "con-
parte do Império Romano, e não neces- gregação única" são melhor defendidas
sariamente em Roma. por William Manson (op. cit.), que suge-
Argumentação irrefutável tem sido re que os arquivos de correspondência
apresentada por todas as opiniões; todas de uma congregação romana foram os
elas estão cercadas de dificuldades sig- primeiros a guardarem esta carta de
nificativas. As evidências internas da exortação e advertência, Mas mesmo
carta por si mesmas pouco contribuem esta declaração é uma conjetura.
para a resolução dos problemas entre Autoria - Por Quem Foi Escrita.
as diversas teorias. Jerusalém foi men- Quem escreveu a Epístola aos Hebreus
cionada por implicação (13: 12) devido ainda continua sendo o grande e único
a um modo de escrever que seria com- problema do estudante deste livro. Os
preendido de todos os hebreus, A re- autores sugeridos são muitos, e as opi-
ferência à Itália (13: 24) é geral e dá niões que favorecem um possível autor
portanto pouca ajuda real na questão em detrimento de outro são muitas
do destino. também. O apóstolo Paulo, Apolo, Bar-
Uma coisa está clara. Aqueles a quem nabé, Lucas, Timóteo, Áqüila e Prisci-
a epístola foi escrita eram hebreus por la, Silas, Ariston e Filipe, o Diácono,
identidade nacional e cristãos por profis- todos têm sido propostos como autores,
são de fé. Como Downer sugeriu, os com argumentação comprovante. O
hebreus eram os destinatários, e o ponto exame da tradição da igreja primitiva
de vista hebreu prevalece (Arthur Cle- e dos pais da igreja, tanto do Oriente
veland Downer, The Principies of Inter- como do Ocidente, S0 têm comprova-
pretation of the Epistle of the Hebrews, do que as opiniões variam.
pág. 8). Esses cristãos hebreus tinham A epístola por si não dá o nome do
sofrido perdas, experimentaram muitas autor, nem mesmo veladamente. Duas
provações e dificuldades, sofreram opró- opiniões principais têm predominado no
brios, perd« ·-le privilégios, perseguição, estabelecimento da autoria. 1) Autoria

- 291 -
paulina. o argumento que sustenta esta linas; 2) o uso de linguagem que é supe-
opinião também foi desenvolvido para rior às normas de construção, uso e es-
incluir um possível escritor desconhe- tilo de Paulo; e 3) desenvolvimento ló-
cido que foi instruído e influenciado pe- gico do argumento, que não é caracte-
lo apóstolo Paulo, dando assim a He- risticamente paulino. O ritmo de Hebreus
breus um cunho distintamente paulino. é retórico e helênico, e o estilo, de modo
2) A tradição e influência alexandrinas, geral, é mais calmo e razoável do que o
com base no uso do Velho Testamento, estilo do apóstolo costumeiramente.
principalmente na questão tipológica. Quanto às diferenças doutrinárias,
O raciocínio aqui traça a origem de cer- evidenciam-se em 1) o tratamento da
tas analogias de Hebreus em analogias fé, 2) a visão escatológica do capítulo
idênticas de Filo de Alexandria. Esta 12, 3) o uso aplicado do código mo-
é uma opinião defendida por poucos saico, e 4) o conceito do santuário. Leo-
atualmente. Conforme registrado em nardo até destaca que o hábito de con-
SHERK, 11, 877, a influência de Filo siderar as Escrituras do Velho Testamento
sobre o autor de Hebreus tem sido des- como um "arsenal de tipos" (op. cit., pág.
prezada pela maioria dos mestres, en- 19), não é característico da literatura
quanto que, 30 mesmo tempo, sua in- paulina.
fluência sobre os Pais de Alexandria Mas o que se sabe do autor? Ele era
tem sido reconhecida geralmente. um homem de consideráveis conheci-
O argumento da autoria paulina re- mentos das Escrituras, um teólogo bí-
blico que pensava em termos da história
pousa fortemente sobre o último capí-
tulo (l3) da epístola. A qualidade pes- da redenção, e uma pessoa familiariza-
da com o Velho Testamento grego
soal deste capítulo é típica do apóstolo
Paulo, como também o estilo epistolar. (LXX). Embora judeu, estava inteira-
As referências a Timóteo e à Itália (13: mente familiarizado com a cultura he-
23,24) também são laços que parecem lênica, como também com as tradições
ligar diretamente ao apóstolo. Além judias. Era um pensador independente
disso, há uma semelhança marcada en- que poderia ter sido influenciado pelo
apóstolo Paulo e pelos pensadores ale-
tre a linguagem deste livro e das cartas
xandrinos. Ele deu origem a uma forma
reconhecidamente paulinas (por exem-
literária única, inteiramente diferente das
pio, 1:4; 2:2; 7: 18; 12:22); e a ar-
outras do Novo Testamento.
gumentação cristológica é igual a de
Devotou-se completamente à sua ta-
Paulo em outros lugares. Grande parte
refa de explicar o relacionamento do
dessa argumentação é deduzível, e as
Judaísmo com o Cristianismo, argumen-
mesmas similaridades poderiam ser no-
tando constantemente pela absoluta supe-
tadas em qualquer mestre cristão dos
rioridade deste último. Talvez fosse um
primórdios do Cristianismo. No apoio
mestre-pregador, familiarizado com o re-
à autoria paulina talvez nenhuma outra
lacionamento orador-ouvinte e portanto
obra ultrapasse o trabalho definido de
empenhado no estilo exortação-explica-
William Leonard em seu Authorship of
ção-admoestação que usou com tanta
the Epistle to the Hebrews: Critical
eficácia. No uso que fez deste mét'odo
Problem and Use of the Old Testament.
ele exibe mais do que um conhecimento
Contra a autoria paulina apresentam-se passageiro das idéias do apóstolo Paulo.
estas considerações: 1) o livro não men- Apesar de tudo isto, a verdadeira
ciona o apóstolo Paulo especificamente, identidade do autor continua desconhe-
como as epístolas reconhecidamente pau- cida. Concluindo, Orígenes (terceiro

- 292-

I , I I 'I I I
século), conforme citado por Eusébio Orígenes comentaram a epístola e a dis-
(quarto século), talvez dificilmente po- cutiram detalhadamente. O título "Aos
deria ser superado quanto a sua decla- Hebreus" apareceu no fim do século
ração sobre o problema: segundo, e passou a ser usado desde
então.
O estilo da Epístola com o título Desde o início Hebreus tem sido acei-
"Aos Hebreus", não tem aquele popu- ta como fazendo parte do cãnon. Ne-
lar estilo que pertence ao apóstolo, o nhuma autoridade antiga, com exce-
qual admite que ele é comum no fa- ção de Tertuliano, deixou de incluir
lar, isto é, em sua fraseologia. Mas esta epístola no cânon do Novo Tes-
que esta epístola é de um grego mais tamento.
puro na composição das frases, qual- No fim do quarto século o Ocidente
quer um que for capaz de discernir começou a se interessar mais nesta epís-
a diferença de estilo terá de confes- tola, com Jerônimo em sua Epístola
sar. Repito, será óbvio que as idéias
129 declarando explicitamente que ele
da epístola são admiráveis, e não são
aceitava inquestionavelmente a carta aos
inferiores a qualquer dos livros reco-
Hebreus como parte do cãnon do Novo
nhecidamente apostólicos. Qualquer
Testamento. Esta opinião foi consis-
um terá de admiti-lo, se ler com aten-
tentemente defendida pelos medievistas
çãoas cartas doapóstolo.
e pela escola humanista. Erasmo, o mes-
Então Eusébio acrescenta, ou inclui: tre humanista, e Lutero, o Reformador,
Mas eu diria que os pensamentos são ambos aceitaram Hebreus como parte
do apóstolo, mas a enunciação e fra- do Novo Testamento, embora discor-
seologia pertencem a alguém que re- dassem quanto à identidade do autor.
gistrou o que o apóstolo disse, como Os mestres de após a Reforma não de-
alguém que tivesse anotado despreo- safiaram a canonicidade de Hebreus
cupadamente o que o mestre ditava. com sucesso, mas ocuparam-se mais
Se portanto, qualquer igreja conside- com a questão da autoria.
ra esta epístola como escrita por Pau- A Argumentação da Epístola - O
lo, que seja elogiada por isso, pois Tema do Escritor. A tese do escritor
não foi sem motivo que aqueles ho- de Hebreus parece estar contida em duas
mens da antigüidade a transmitiram. idéias principais, que são explicadas e
Mas quem realmente escreveu a epís- ilustradas na lógica da argumentação.
tola, só Deus sabe (Eusébio, Eccle- A primeira idéia está expressa na pa-
siastical History). lavra "considerai", usada em 3: 1 e 12:
Tradição e Igreja Primitiva - Aceita- 3. Em cada um dos exemplos a adver-
ção do que foi Escrito. A primeira tência é para se considerar a Cristo.
menção da Epístola aos Hebreus fora Em 3: 1, Ele deve ser considerado o
do Novo Testamento aparece na Epís- "Apóstolo e Sumo Sacerdote de nossa
tola aos Coríntios escrita por Clemente confissão", e em 12: 3 Ele deve ser con-
de Roma. Hebreus era conhecida de siderado como Aquele que sofreu, como
ambas as igrejas, a Oriental e a Ociden- o exemplo máximo da vida na fé. Com
tal, mas parece que era menos conhecida o termo "considerai" o escritor quer
no Ocidente até o quarto século. Os dizer refletir, estudar, examinar atenta-
Pais de Alexandria estavam ativamente mente, pensar com cuidado. Observe
interessados nos problemas dos hebreus, que os crentes são lembrados a consi-
e tanto Clemente de Alexandria como derar o próprio Cristo, e não as simples

-293 -
razões lógicas por que Ele deveria ser As Idéias e Conceitos do Autor: Fon-
considerado, conforme apresentadas na tes e Emprego. Forma e estilo distin-
carta aos Hebreus. tos (veja seção seguinte desta Introdu-
Através do raciocínio da epístola, ção) destacam a Carta aos Hebreus den-
os leitores são levados a "considerá-Lo" tre as outras epístolas do Novo Testa-
no Seu sacerdócio e sacrifício. O con- mento. O autor emprega método, orga-
traste traçado através de toda a carta nização e técnica diferentes de qualquer
estabelece conclusivamente a superiori- outro escritor do Novo Testamento.
dade de Cristo sobre os anjos, Moisés, Ele também expressa idéias e associa-
Arão, Melquisedeque e o sistema leví- ções de pensamentos e acontecimentos
tico, e finalmente até mesmo sobre os que lhe são peculiares. Uma vez que a
maiores exemplos de vida de fé do re- investida principal da epístola é prática,
gistro do Velho Testamento (cons. Hb. atingir coisas práticas, ele coloca todos
11). Como sacerdote de Deus e como os seus conceitos teológicos dentro des-
o sacrifício aceitável diante dEle, Cristo ta estrutura especial de referência de
fala agora de dentro do santuário, ga- exortação, advertência e conforto. Ele
rantindo a cada crente uma entrada na se concentra sobre aquelas idéias teoló-
presença do, próprio Deus, e uma au- gicas e conceitos que ele considera signi-
diência imediata para orações e pedidos ficativos. Seu raciocínio em prol dos
(4: 14-16). seus leitores é que isto, é o que esta co-
munidade de crentes precisa acima de
A segunda idéia se encontra na pala- tudo o mais, para fortalecê-los na fé.
vra exortação (paraklesis) , com seu ver-
bo companheiro, "eu exorto" (13: 22). Ele ataca essas idéias como um ora-
Este tem sido chamado de título infor- dor deveria fazê-lo, edificando uma ver-
mal da carta aos Hebreus. Farrar (CBSC) dade sobre a outra para apoio da argu-
sugere que todas as informações dadas mentação principal. Entremeadas encon-
na epístola são para o propósito de exor- tram-se as advertências, que parecem
tar os leitores. A perseguição, as pro- particularmente destinadas a impressio-
vações e dificuldades seriam ameniza- nar os ouvintes (leitores) com as conse-
das se esses cristãos, que também eram qüências da falta de compreensão da
judeus, "considerassem-no" (12: 3) e verdade relativa a Cristo.
suportassem "a palavra desta exortação" O autor demonstra considerável pe-
(13 : 22). O argumento que apóia este rícia literária. Evidentemente seus an-
tema duplo está então desenvolvido pelo tecedentes lhe deram um senso de pro-
argumento "o Cristianismo é superior porção na composição literária. Seu
ao Judaísmo", para o qual a exortação grego é talvez o melhor de todo o Novo
está sendo dirigida. Testamento, comparável ao de Lucas.
Todo o propósito desta carta era Profundidade cultural e familiaridade
informar cristãos desanimados e tam- também estão evidentes. O escritor
bém encorajá-los, e para apoiar as duas parece perceber e refletir a influência
vias de acesso através de inumeráveis do modo de vida grego (helenização)
exemplos, tanto de Cristo como daque- sobre o Judaísmo e sobre o mundo me-
les que viveram com sucesso pela fé. diterrâneo.
No meio de tudo, o escritor colocou Em idéias positivas emitidas, o es-
a eternidade (portanto a imutabilidade) critor baseia sua discussão teológica
do sacerdócio de Cristo "segundo a or- sobre as Escrituras e a desenvolve colo-
dem de Melquisedeque" (cap. 7). cando o tenebroso reino da terra contra

-294-

I I 'I I I
o reino da realidade, ou o céu. A fonte 18). Ele abriu o caminho à presença
do Velho Testamento ou das Escrituras de Deus (10: 19,20), e tomou o "Santo
que ele usou foi a versão grega ou LXX. dos Santos" e o "trono da graça" (4:
Em alguns exemplos a palavra usada na 14-16) acessíveis. Ele se tomou o sa-
LXX nem sequer aparece no texto he- crifício perfeito e definitivo (10: 18).
braico como nós o temos. Para provar Por causa do ministério sacerdotal de
que o reino celestial é o reino da reali- Cristo, o crente tem força na fé e o pri-
dade, o autor aplica todas as passagens vilégio da adoração. Talvez nenhum
possíveis a Cristo. Todo o Velho Testa- livro do Novo Testamento apresente
mento, como o escritor de Hebreus o melhor a comunhão com Deus através
usa, é uma exposição contínua revelante da adoração como o faz Hebreus.
da pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo. A cristologia de Hebreus é rica, mas
O acesso ao reino celeste também está foi principalmente apresentada no mi-
em Cristo. nistério e função de Cristo como sacer-
O autor de Hebreus é o único escritor dote. Primeiro Cristo é apresentado co-
do Novo Testamento que discute alguns mo o revelador de Deus (1 : 1) e o agente
dos assuntos que apresenta. Nenhum da criação (1: 1-4). O significado da
outro escritor, por exemplo, discute palavra karakter, expressão exata, em
o significado de Melquisedeque (7: 1-14). 1: 3 não deve ser ignorado. Depois des-
Uma nova avaliação dos patriarcas tam- sa declaração preliminar ou prólogo, a
bem é fornecida pelo capítulo 11. Al- cristologia flue rapidamente para o ar-
guns aspectos da vida de Moisés são des- gumento principal do ministério sacer-
tacados em Hebreus, os quais não foram dotal de Cristo.
mencionados em nenhum outro lugar. Os ensinamentos éticos de Hebreus
A questão do arrependimento é enca- são do mais alto padrão e inteiramente
rada de maneira diferente (12: 17), co- cristãos, ainda que generalizados dentro
mo também a questão do pecado deli- do corpo principal da argumentação.
berado (10: 26). Muitos dos conceitos Só no capítulo 13 o ensino ético se tor-
individuais do autor criaram problemas na específico e evidente. Amor frater-
de interpretação para as gerações fu- nal (13: 1), bondade para com os es-
turas. trangeiros (13: 2), bondade para com
A idéia mais altamente desenvolvi- os menos afortunados (13: 3), relacio-
da entre todas na Epístola aos Hebreus namento conjugal honroso (13:4), uma
é a do sacerdócio de Cristo. Singular atitude correta para com as riquezas
dentro da epístola, é o mais importante materiais (13:5), respeito pelos supe-
conceito a ser assimilado. Ao apresen- rintendentes (13: 7, 17), a prática do
tar este conceito, três "fontes" são apa- bem (13: 16), estão ali positivamente
rentes: 1) A instituição do Velho Tes- ordenados. Nisso o cristão não tem
tamento do sacerdócio e sacrifício, ou escolha. Grande parte das injunções
o sistema levítico; 2) o Judaísmo; e 3) éticas anteriores na epístola encontram-
o Cristianismo primitivo ou apostólico. -se na analogia sacerdotal, e por isso
Quaisquer outras influências que pos- não são imediatamente aparentes como
sam ter havido, estas três são predomi- nos Sinóticos ou na literatura paulina.
nantes. Quanto ao valor prático, Hebreus
Como sacerdote, Cristo foi divina- repousa solidamente sobre a inquestio-
mente vocacionado, e possui humani- nável premissa de que Cristo supre as
dade (2: 14-18; 4: 15, 16; 5: 1-3). Ele necessidades de todos os homens a toda
supre as necessidades do povo (2: 17, hora (incluindo a do homem moderno).

-295 -
Os homens vêm a Deus por meio de lestiais e terreno, o "ilusório" e o real,
Cristo em todos os séculos. Neste con- ou o reino celestial e o verdadeiro, pen-
ceito está expressa a unidade da histó- sam alguns, que seja uma técnica "empres-
ria como linear e redentora, com Deus tada" de Filo de Alexandria. O IB cha-
através de Cristo operando no destino ma isto de uma visão da realidade em
do homem de acordo com o Seu plano "dupla argumentação" que controla todo
e vontade. Hebreus não apresenta uma o pensamento de Hebreus (XI, 583).
filosofia da história diferente daquela Outras opiniões expressas são as se-
dos outros livros do Novo Testamento. guintes: 1) que a influência de Filo é
insignificante, ou 2) que a teoria que
Forma e Estilo: A Organização e Mé- tenha influenciado o escritor é uma
todos do Autor. Só o trecho compreen- premissa inteiramente falsa. Manson
dido entre 13: 17 e 13: 25 classifica inclina-se a despresar a influência de
Hebreus como epístola. Mas o gênero Filo (William Manson, The Epistle to
literário do livro constitui um problema. the Hebrews, An Historical and Theo-
Começa como um tratado, continua logical Reinterpretation), A.H. Davidson,
como um sermão e termina como uma referindo-se ao autor de Hebreus (op.
carta. O atual começo é o começo que cit.), fala de traços de influência da
o livro sempre teve. Não há nele sauda- "cultura alexandrina ... na sua lingua-
ções ou quaisquer referências pessoais. gem", mas não apresenta nenhum argu-
Dentro da forma literária, alguns hábi- mento favorecendo esta técnica filônica.
tos são constantes. Usando o Velho Sob um certo aspecto, então, a origem
Testamento, o escritor pode empregar da forma de Hebreus permanece uma
uma referência literal, histórica ou ti- questão em aberto. 3) Spicq, entretanto
pologicamente. Sua consistência está (L 'épitre aux Hébreux) , percebe evi-
somente em que o uso que faz do texto dências consideráveis que ele considera
do Velho Testamento sustenta seu ar- indicativas de antecedentes filônicos.
gumento principal no ponto em que
é introduzido. O que está claro, entretanto, é que
J á se tem sugerido que as exortações o escritor sistematicamente estabeleceu
e advertências em Hebreus classificam um conjunto básico de idéias, sobre as
o livro como sendo de natureza po- quais ele começa apresentar as passagens
lêmica, com o final epistolar acrescen- e argumentos do Velho Testamento.
tado a fim de concluir a polêmica. Se Obter aceitação dessas idéias básicas
isto for verdade, então o autor é espan- não é o seu objetivo, mas antes levar
tosamente capaz em evitar qualquer os crentes a compreendê-las inteira-
referência pessoal na polêmica. Refe- mente e depois agir de acordo. William
rências autobiográficas não existem, e as Leonard (op. cit., pág. 221) identifica
metáforas empregadas fortalecem a po- sete dessas idéias: 1) a Filiação de Cris-
lêmica sem revelar uma única pista to; 2) o sacerdócio de Cristo, base da
quanto ao polemista. purificação do pecado; 3) o sacerdote
Já se expressou a opinião de que a ã direita de Deus, base da esperança
forma literária básica de Hebreus segue cristã; 4) a promessa feita a Abraão;
o padrão alexandrino indicado por Filo 5) a permanência do prometido "re-
(veja J. Herkless, 00., Hebrews and the pouso do sábado"; 6) as conseqüên-
Epistles General of Peter, James and cias da apostasia; e 7) as exortações
John; também IB). O modo pelo qual o para que se viva virtuosamente luz â

autor faz contraste entre os reinos ce- do futuro. O IB (loc. cit.) faz uma lista

-296 -

I I I I I
'I I I
de treze dessas idéias básicas, que in- acrescentou o final atual quando encami-
cluem as sete acima, mas incluem adi- nhou-a para outro grupo; 4) Que o fi-
ções tais como a promessa da volta de nal foi acrescentado por outra pessoa
Cristo, a derrota de Satanás, a vitória para sustentar o conceito da origem
sobre a morte, e o prometido livramen- paulina de toda a carta. Dessas teorias,
to dos crentes da escravidão. Essas idéias a primeira e a quarta são as mais razoá-
são as constantes; e, tanto na forma veis e plausíveis.
como no estilo da apresentação, tudo se Certos hábitos de estilo também são
refere a uma ou mais delas. evidentes. O escritor transforma em prá-
tica introduzir citações do Velho Testa-
No meio dessas idéias básicas está mento dizendo "Deus disse" (veja 4: 3;
o conceito de Cristo como o sacerdote 5: 5,6; 8: 10) e "como diz o Espírito"
perfeito de Deus, estabelecendo a nova (3: 7). Ele também introduz partes de
aliança tanto pela Sua obra sacerdotal sua argumentação algum tempo antes
quanto por Sua morte sacrificial. Não de proceder ao desenvolvimento com-
há dúvidas quanto superior cristologia
ã pleto da mesma. E assim cada argumen-
da Epístola de Hebreus. Mas apesar de to mais extenso da epístola tem a sua
tanta informação extraída do Velho declaração preliminar. Em todos os pon-
Testamento para sustentar a Cristolo- tos ele faz referência ao ritual da lei mais
gia e outras idéias centrais epístola, o
à do que lei moral ou à força social ou
â

enigma da forma epistolar do final de visual da Lei, como no caso dos dias
13: 17 em diante permanece. Quatro de festa. Caracteristicamente ele em-
possíveis soluções para o enigma são prega o nome "Jesus" e não o título
apresentadas: 1) Que o autor escreveu completo usado pelo apóstolo Paulo.
para um grupo específico e desde o co- Mais ainda, ao apresentar "Jesus" como
meço tinha tal final em mente; 2) Que o "novo e vivo caminho", o escritor
a carta original foi enviada a uma se- não se afasta do pensamento nem deixa
gunda platéia, e que o novo final foi o argumento incompleto. Ele parece
acrescentado para acomodar-se a este ter completo domínio de si mesmo, e
grupo; 3) Que uma pessoa, não o autor, das técnicas que ele emprega.

ESBOÇO

I. Prólogo. 1: 1-4.
A. Cristo é superior aos profetas. 1: 1, 2.
B. Cristo, "imagem" de Deus. 1: 3,4.
11. Os argumentos principais são apresentados e explicados. 1: 5 - 10: 18.
A. Cristo "maior que"; o argumento da superioridade. 1: 5 - 7: 28.
1. Superior aos anjos. 1: 5-14.
2. A tão grande salvação, e uma advertência contra a negligência. 2: 1-4.
3. Cristo como o homem perfeito. 2: 5-18.
4. Cristo superior a Moisés. 3: 1-6.
5. A superioridade do repouso de Cristo contra o repouso de Israel sob a
liderança de Moisés e Josué. 3: 7 - 4: 13.
6. Cristo, como sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque é supe-
riora Arão. 4: 14 - 5: 10.
7. Repreensão por falta de entendimento e imaturidade. 5: 11 - 6: 20.
8. O sacerdócio de Melquisedeque. 7: 1-28.

-297-
HEBREUS 1: 1-3

B. Cristo, o ministro e sumo sacerdote da nova aliança. 8: 1 - 10: 18.


1. A nova aliança em relação à velha. 8: 1-9.
2. Explicação da aliança que é melhor. 8: 10-13.
3. O novo santuário e o sacrifício perfeito. 9: 1-28.
4. A nova aliança completa, perfeita e operando. 10: 1-18.
Ill. Os elementos da vida da fé. 10: 19 - 13: 17.
A. A descrição da vida da fé. 10: 19-25.
B. Uma descrição daqueles que desprezam este "caminho novo e vivo". 10:
26-39.
C. Exemplos da vida da fé. 11:1-40.
D. Cristo, o supremo exemplo da vida da fé. 12: 1-4.
E. O amor do Pai revelado pelo castigo. 12: 5-11.
F. A conduta do cristão sob a nova aliança. 12: 12-29.
G. A vida cristã na prática diária. 13: 1-17.
N. Epílogo. 13: 18-25.

COMENTÁRIO

I. Prólogo. 1: 1-4. conosco através de Um que tem com


Ele o relacionamento de um filho e com-
O escritor contraria o padrão das car- pleta autoridade como porta-voz. Neste
tas geralmente identificadas como cartas relacionamento, Cristo é especial e as-
do N.T., não fazendo nenhuma saudação sim está descrito aqui no sentido clás-
nem sentenças introdutórias (veja In- sico, sob compromisso divino porque
trod.), Ele avança imediatamente para é um Filho, Ele é ambos, herdeiro e
o assunto, que é a pessoa e obra do Se- agente da criação. O universo. O grego
nhor Jesus Cristo em relação ao sistema aiones, "eternidade", incluindo o mundo
levítico e a velha aliança. espacial. (cons. 11: 3).
A. Cristo é Superior aos Profetas. B. Cristo, "Imagem" de Deus. 1: 3, 4.
1: 1, 2. A pergunta implícita que está 3. Resplendor da glória ou esplendor.
sendo respondida é: Quem foi o último O resplendor que o mundo recebe do
e o mais autorizado porta-voz de Deus? próprio caráter de Deus em Jesus Cris-
1. Muitas vezes (polymeros), ou passo to. Ele é o ser essencial de Deus. Do
a passo, fragmentariamente, e de muitas mesmo modo expressão exata foi usado
maneiras (polytropos) , de muitos e va- tal como em Mt. 22: 20, onde se refere
riados modos, Deus (Jeová) falou no à imagem que havia sobre o dinheiro
tempo do V.T. através dos profetas, romano. Cristo é a estampa ou a im-
muitos dos quais contaram em seus pressão de Deus (karakter); a essência
escritos por meio de qual método ele de Deus. Toda a força das duas pri-
se comunicou com eles. Prophetais meiras cláusulas deste versículo des-
é uma palavra de significado amplo que taca este único conceito.
inclui todos aqueles que Deus usou nos Ele é também criador, tanto a "Pa-
dias do V.T. 2. Nestes últimos dias. lavra criadora" (CGT, pág.31) quanto
No fim destes dias é a tradução literal o Sustentador - Aquele que está susten-
de uma expressão hebraica comum tando todas as cousas, Criação e pre-
encontrada em Nm. 24: 14, possuindo servação são realizadas por Deus em Je-
tonalidades messiânicas. Deus falou sus Cristo, e pela palavra do seu poder.

-298 -

I I 'i I I
HEBREUS 1: 3-7

A palavra do Filho é o poder de pre- Sua reputação ficou estabelecida, pois


servar e sustentar, mas este poder cria- é um nome poderoso.
tivo canaliza-se para um ministério maior
de redenção. Ao fazer a purificação 11. Os Argumentos Principais São
dos pecados, Cristo purificou a grande Apresentados e Explicados. 1: 5 - 10: 18.
massa dos pecados acumulados do mun-
do e todas suas impurezas, as quais A. Cristo "Maior que"; O Argumento
Deus vê. Em Cristo a penalidade do da Superioridade. 1: 5 - 7: 28.
pecado foi completamente removida O pensamento introduzido em 1: 4
e a purificação foi fornecida. A idéia estende-se agora através de uma série
se encontra nas palavras do hino de de sete citações do V.T. Destas, cinco
Cowper: provam a superioridade de Cristo.
Acheia fonte Carmezim, 1) Superior aos Anjos. 1: 5-14.
Que meu Jesus abriu; 5. O pensamento apresentado é um
Na cruz morrendo ali por mim, argumento que provém do silêncio e o
Minha alma redimiu. ele (oculto) é Deus. Nunca Deus cha-
mou algum anjo de Seu filho, mas so-
Tendo este poder e autoridade como mente a Cristo e com referência a Cristo,
Criador e como Aquele que assume o que Ele disse aquilo (veja SI. 2: 7; 11
pecado, Cristo ocupa o lugar de autori- Sm. 7: 14). Em ambas as passagens
dade â direita de Deus. Na qualidade o significado imediato recebeu um sigo
de ambos, sumo sacerdote e substituto, nificado nobre e mais elevado, que trans-
Ele pode apresentar uma redenção con- mite a estas passagens (e outras a se-
sumada. Sua obra está completa, e Ele guir) um sentido tipológico. No SI.
pode, portanto, assentar-se. Como Fí- 2: 7 a celebração de um aniversário de
lho do homem Ele ocupa este lugar por nascimento (Hb. 1: 5 e segs.) é aplica-
ato de Deus Pai. Esse não é um lugar da a Cristo. E as palavras pronunciadas
de repouso, mas de atividade para o dí- por Salomão em 11 Sm. 7: 14 são apli-
vino mediador, sumo sacerdote e inter- cadas a Jesus, o Filho, como sendo ainda
cessor. Em cumprimento do SI. 110: 1, mais verdadeiras quando se Lhe referem.
Ele é o Senhor de todos. Neste sentido a típologia é correta; pois
4. O primeiro contraste que exibe Cristo é o antítipo, um fato que é ver-
a superioridade de Cristo foi assim in- dadeiro através de Hebreus, na interpre-
troduzido. A idéia de contraste no peno tação típológíca do escritor.
samento de tão superior (kreiton, "su- 6. Ambas as passagens, Dt. 32: 43
perior", "tornando-se superior") foi USa· (LXX) e SI. 97: 7 falam de anjos ado-
da treze vezes. Os anjos eram importan- rando Cristo, o Filho. E o salmista
tes na transmissão da mensagem divina também fala de uma demonstração
aos homens. Desde a doação da Lei no de glória (97: 6), que corresponde ao
Sinai até a assistência angélica concedida resplendor de Hb. 1: 3. 7. Dois con-
a Daniel e os últimos profetas, estes ceitos são apresentados: 1) que os an-
mensageiros de Deus serviram a Deus, jos são seres inferiores ou seres criados
mas como seus subordinados. Cristo é - Aquele que ... faz; e 2) que os anjos
superior aos anjos em Sua pessoa, nome, são servos, tal como os ventos e o fogo.
função, poder e dignidade. Quanto ao A idéia está assim re-enfatízada que os
Seu nome, só Ele pode salvaros perdidos anjos adoram o Filho porque lhe são
(Atos 4: 12), e é o nome acima de todo subordinados. Salmo 104: 4 está assim
nome (Fp. 2: 10). Através do Seu nome, apresentado como prova da subordina-

-299 -
HEBREUS 1: 8-14 - 2: 1-2

ção angélica. 14. Os anjos servem, conforme está


8,9. Cristo é chamado de Deus e rei, indicado pelo todos de sentido amplo;
ou soberano. Conforme prometido no mas seu serviço é sagrado ou "litúrgi-
pacto davídico, aqui está o grande Filho co" (leitourgikai, e fazem um serviço
de Davi reinando, e o Seu governo é aos homens (diakonian). Os anjos são
eterno. As qualidades de Sua realeza portanto espíritos ministradores que ser-
são justiça, eqüidade e ódio à iniqüi- vem àqueles que hão de herdar a salva-
dade - qualidades que só podem carac- ção, ou as pessoas piedosas. Este mi-
terizar .um reino justo. Nesta posição nistério dos anjos, está implícito que
Cristo está em posição superior a todos, ainda continua. A palavra salvação
e particularmente aos anjos. Para esta (soterian) está reservada pelo autor pa-
posição exaltada e honrada Cristo foi ra um desenvolvimento posterior.
mais ungido do que comissionado, e 2) A Tão Grande Salvação e Uma
esta unção é a unção do Christus Vic- Advertência Contra a Negligência. 2:
tor - o vitorioso que reina eternamente. 1-4.
10-12. Do SI. 102: 25-27. Fala de
Cristo Filho, que na qualidade de Cria- A premissa já foi declarada em refe-
dor fez o mundo e que é Aquele que não rência à salvação (1: 14). Esta salvação
muda no meio das coisas que vão mudar. é por Cristo, o Filho exaltado e ungido.
Isto também retrata um agudo contras- Por isso torna-se infinitamente mais
te entre Cristo e os anjos. Eles são ma- importante dar atenção à revelação de
téria criada, e servem no mundo como Deus às verdades ouvidas (akousthesin)
mensageiros de Deus. Cristo é eterno, ou o Evangelho. É uma solene adver-
acima do mundo, sendo antes dele e tência, maior do que a de Dt. 4: 9.
depois dele. Este argumento foi extraí- 1. Por esta razão relaciona-se com o
do de um salmo da tradução da LXX não Filho e também com a salvação que Ele
considerado messiânico pelos intérpre- concede. Às verdades ouvidas. O Evan-
tes rabínicos. Usado desta maneira pe- gelho, que fornece um ponto fixo ao
lo autor, ilustra melhor a superioridade qual os crentes podem recorrer. Só aqui
de Cristo. E os teus anos jamais terão existe um lugar seguro. Nada deve ter
fim. Não terão fim nem serão inter- a permissão de fazer que nos desviemos
rompidos. (pararyomen) desse ponto fixo de segu-
rança. Nenhuma calamidade, influência,
13. Em contraste com os anjos, que força ou circunstância deveria ser tole-
jamais receberam permissão de se assen- rada se enfraquece a nossa esperança
tarem à direita de Deus, Cristo está as- de salvação. Um barco sem piloto lan-
sentado lá agora e governa como rei, çado no meio de um rio desvia-se do
o Deus-homem, o Messias imutável e seu ponto de atracamento sendo levado
eterno. Vai ficar assim assentado até para a margem oposta pela correnteza
o Seu triunfo final, quando Seus inimi- que opera. Assim as correntezas da
gos serão transformados em estrado vida operam contra nós se não nos ape-
dos seus pés. Este conceito retrocede gar (mos). Esta é uma advertência diri-
a Josué, que colocou o seu pé sobre o gida especificamente àqueles por causa
pescoço dos reis subjugados como sinal de quem a epístola foi escrita, signifi-
fmal de vitória. Assim a passagem trans- cando que a advertência foi necessária.
mite a esperança a todos os crentes de 2. Se, pois, se . .. Argumentação no
todos os tempos de que Cristo triun- estilo rabínico, do menor para o maior;
fará sobre a injustiça. da concessão da Lei por intermédio dos

-300 -
I I 'I I I
HEBREUS 2: 2-11

anjos para uma concessão maior do E- de Cristo, centralizadas na frase "Fi-


vangelho por intermédio de Cristo. A zeste-o por um pouco, menor que anjos"
Lei foi vindicada por intermédio de (v. 7).
severos juízos (Lv. lO: 1-7; Nm.16; Js. 5. O mundo que há de vir (oikou-
7). Tinha as suas penalidades que eram menen ten mellousan). A terra habitada
fielmente cumpridas. 3. Se a mensagem do futuro; o mundo futuro para a geração
da Lei foi tão zelosamente guardada, que recebeu esta epístola e também fu-
quanto mais estritamente deveria a men- turo para nós. Este mundo não será
sagem do Evangelho ser guardada. Foi sujeito aos anjos, mas a Cristo em sua
pronunciada pelo Senhor Jesus Cristo totalidade e também aos redimidos. Pre-
e foi confirmada por aqueles que O ou- valecerá uma condição inteiramente nova
viram, os quais serviram de testemunhas quando Cristo, com os santos, governará
de primeira mão. E assim esta mensa- em uma harmonia até agora desconhe-
gem do Evangelho se tomou firme, Sen- cida.
do este o caso, como escaparemos nós 6-9. Uma citação do SI. 8: 5-7 intro-
se negligenciarmos esta salvação? A fuga duzida pela frase indefinida alguém ...
é impossível porque a mensagem é de em certo lugar. Esta citação é a prova
excelência transcendente e importância da declaração referente ao "mundo fu-
eterna. Uma mensagem maior implica turo" . A citação estabelece a humani-
em juízo maior. dade do Filho, que foi feito por um
4. O próprio Deus alia-se ao teste- pouco, menor do que os anjos para que
munho por meio de sinais (semeia), pro- provasse a morte por todo homem.
dígios (terata) e milagres (poderes, dy- Agora Ele está sendo exaltado e coroa-
nameis). Estas são as evidências confir- do com glória e com honra porque em
mantes que de modo nenhum não devem Sua humanidade Ele sofreu a humilhação
ser desconsideradas na avaliação do Evan- da morte (Fp. 2: 5-8). Agora está sendo
gelho. Estas evidências foram ainda mais exaltado porque sofreu. Está sendo
ampliadas pela concessão de distribui- agora coroado com glória porque tem-
ções aos crentes por intermédio do Es- porariamente se sujeitou às limitações
pírito Santo. Tais sinais, maravilhas, po- da humanidade.
deres e dons foram fielmente registrados 10. Isto significava sofrimento e Ele
nos quatro Evangelhos e no registro de sofreu. Através deste sofrimento Sua
Atos. Os dons são mencionados em Rm. experiência humana se tornou completa.
12; 13; I Co. 7: 7; I Co. 12. Nem a mais Ele provou o todo da vida humana, do
fnfima parte do testemunho corroboran- nascimento à morte. Assim Cristo foi
te foi constituída pela união dos cren- aperfeiçoado através do sofrimento e
tes de todas as bagagens raciais e nacio- portanto Ele pode identificar-se com
nais. A implicação está transparente. as necessidades de todos os homens.
Deus estava em Cristo e no Evangelho, Tendo sofrido, Ele agora está inteira-
e portanto esta mensagem de salvação mente qualificado para servir como Au-
devia ser levada a sério. Deixar de llie tor (archegos, "líder", 12:2) da salva-
dar atenção era incorrer na ameaça de ção do homem.
juízo. O mesmo acontece hoje. 11. Na qualidade de Fílho de Deus
3) Cristo como o Homem Perfeito. enviado pelo Pai para a humanidade,
2: 5-18. Cristo não hesitou em identificar-se
Tendo proferido a advertência, o es- com os Seus. Nós somos Seus irmãos.
critor volta ao seu argumento teológico. Jesus Cristo, que santifica, e os crentes,
O assunto é a humanidade e humilhação que são santificados, são um só. 12,13.

-301-
HEBREUS 2: 12-18 - 3: 1-5

Uma ilustração mais perfeita da unida- Para com os homens Cristo é miseri-
de do Salvador e os salvos. Isto está cordioso e para com Deus Ele é fiel.
apresentado em passagens pertinentes Na verdade, a misericórdia e a verdade
do V.T., tais como SI. 22:22; Is.8:17, encontraram-se nEle. Sua fidelidade
18. Elas "provam" que o Senhor Jesus percebe-se em Sua firmeza na tentação,
Cristo e os cristãos são irmãos. Ele não a qual foi parte do Seu sofrimento.
se envergonha de lhes chamar irmãos Agora Ele é capaz de vir ajudar todos os
(v. 11). Ambas as passagens citadas em que são tentados porque Ele passou
Is. são tipologicamente aplicadas. pelos mesmos testes e emergiu vitorio-
14,15. A derrota de Satanás e da so, e como Homem Ele conhece nossas
morte testifica que a obra expiatória necessidades. Propiciação pelos nossos
de Cristo foi eficaz. Mas não houve só pecados. Veja 110.2: 2; 4: 10; Rm.
derrota; também houve libertação. Em- 3: 25; e CGT, pág. 55.
bora o medo possa escravizar, e o medo 4) Cristo é Superior a Moisés. 3: 1-6.
de morrer há muito que persegue a hu- Uma comparação de duas demons-
manidade, Cristo resolveu o problema trações de fidelidade está sendo agora
com a Sua própria morte e ressurreição. introduzida, e pela primeira vez os lei-
Ele morreu como homem. Ele parti- tores são diretamente aparteados na
cipou da carne e do sangue e assim frase santos irmãos. Os paralelos na
morreu, mas pela Sua morte veio o estrutura entre os capítulos 1, 2 e capí-
livramento. Portanto, o poder de Sa- tulos 3, 4 são evidentes (CGT, pág. 56).
tanás foi tornado inoperante (katar- 1,2. A chave para a compreensão de
geo), e Cristo fez uma expiação pelo Hebreus pode estar na idéia do consi-
pecado inteiramente satisfatória diante derai atentamente... Jesus. De kata-
de Deus (ls.53:11). Que grande vitó- noesate, "observar atentamente, fixar
ria é a dEle! E que grande vitória todos os pensamentos, prestar atenção". Este
os crentes têm nEle! Satanás e a morte mesmo pensamento aparece novamente
estão derrotados e o temor da morte de- em 12: 3. Em 3: 1,2 a ênfase está so-
sapareceu! O homem que é livre em bre Cristo sendo fiel; em 12: 3 é sobre
Cristo é na realidade o mais livre de Ele ter suportado. Aqui os irmãos são
todos os homens. encorajados a olhar para Jesus como
16-18. Aqui está a primeira men- Apóstolo ("mensageiro"; só aqui este
ção do assunto que ocupa o lugar cen- título foi usado referindo-se a Cristo
tral no argumento da epístola - o minis- no N.T.) e Sumo Sacerdote, uma fun-
tério de Cristo como sumo sacerdote. ção que é mais e mais detalhadamente
Nesse ofício a humanidade de Jesus explicada aos leitores. Confissão (ho-
está novamente à vista, mas aqui só se mologias) se relaciona com os crentes
deu uma pista quanto ao significado confessando que Cristo é o seu sumo
completo de Cristo como sumo sacer- sacerdote.
dote.
3-5. A metáfora da casa é simples.
Por enquanto Ele ministra e socorre Que diferença? Cristo edificou a casa;
os homens tomando-os pela mão. Isto Moisés serviu na casa. Como em Jo, I:
Ele pode fazer como o Irmão mais velho 17, a justaposição de Moisés e Cristo
e como o capitão de sua salvação. Duas foi apresentada claramente. Do mesmo
palavras indicam a qualidade auxiliadora modo a justaposição da velha aliança
da função do sumo sacerdócio. São e da nova aliança foi insinuada. A ên-
misericordioso (e/eemon) e fiel (pistos). fase está, entretanto, sobre a fidelida-

-302 -
I I 'I I I
HEBREUS 3: 5-19

de. Incomparável em posiçao, Cristo uma pessoa a tropeçar e apostatar de


é fiel como Filho, sobre a sua casa (v. 6). Deus. Esta advertência foi feita, indivi-
6. A qual casa somos nós refere-se dual e pessoalmente, para encorajar um
aos crentes, o grupo dos redimidos de auto-exame. Sugere-se um contraste
Deus, cuja fé é uma fé contínua. Sua entre a fidelidade de Cristo é a infide-
fé está manifesta na alegre ousadia (par- lidade dos apóstatas. A apostasia é um
resian, "discurso livre, franqueza"; e afastamento do Deus vivo (theou zontos),
assim ousadia franca ou alegre) que se o qual executa Seus juízos; portanto a
transforma em uma exultação da espe- advertência é ainda mais evidente. 13-19.
rança no Filho. Cristo é o objetivo co- Para se fugir de ambos, a apostasia e
mo também o alicerce de sua confiança conseqüente julgamento, toma-se neces-
e sua esperança. Até ao fim (mechri sária a exortação diária. Os crentes
telous). Até que a esperança se trans- devem advertir e admoestar uns aos
forme na realidade. outros na esperança e confiança em Cris-
5) A Superioridade do Descanso de to. A advertência posterior contra o
Cristo contra o Descanso de Israel sob abandono da congregação aproxima-se
a Liderança de Moisés e Josué. 3: 7 - do mesmo assunto (lO: 25). Tal con-
4: 13. gregamento inclui a oportunidade para
O princípio do descanso é a fé. Foi a exortação. Fortalecimento mútuo
verdade para os israelitas quando entra- vem por meio de tal exortação, a qual
ram em Canaã, e é verdade para os crentes é uma eficaz contramedida para os co-
hoje em dia. O descanso da fé tem am- rações endurecidos e para o pecado.
bos, um significado presente e um sig- Esta é uma responsabilidade específi-
nificado futuro. Salmo 95: 7-11 foi ca que os crentes devem exercitar até
usado para mostrar como ambas, adver- a vinda de Cristo.
tência e promessa, foram relacionadas Exortando uns aos outros e enco-
com o descanso de Israel em Canaã. A en- rajando a fé e a obediência, os cristãos
trada na terra prometida estava condicio- demonstram serem participantes de Cris-
nada à obediência. to nas bênçãos do descanso prometido.
7-11. A geração do deserto sofreu O teste para um coração cheio de fé
as conseqüências da advertência feita é guardar firme até ao fim a confiança.
por Deus. Não foi por acidente que A geração do deserto não entrou no
pereceu no deserto (veja Nm. 14 e 21). descanso de Canaã (v. 19) por causa da
Conforme este salmo indica, os filhos incredulidade (di'apistian). Poderia a ad-
de Israel desafiaram a autoridade sobe- vertência ser mais explícita?
rana de Deus através de sua rebeldia Observe que os filhos de Israel que
no deserto (Nm. 20). A lição é óbvia. pereceram no deserto deixaram apenas
A verdadeira obediência do coração dois porta-vozes, apenas dois represen-
vai além da mera recepção de instruções. tantes de sua geração incrédula e por-
Uma geração de israelitas pereceu porque tanto silenciosa - Calebe e Josué, E
rebelou-se e desobedeceu premeditada- foi a fé destes dois que os protegeu e
mente, e isto apesar da ampla revelação fala aos nossos corações até o dia de
no Monte Sinai. hoje.
12. Aqui a verdade do SI. 95: 7-11
recebe uma aplicação atual (para os lei- A geração que pereceu fracassou em
tores originais) e pertinente. Negligência dois setores - 1) dureza de coração, e
e desobediência premeditadas, perverso 2) incredulidade. Isto a levou ao erro
coração de incredulidade, podem levar e fmalmente ao juízo. Sua increduli-

-303 -
HEBREUS 3: 19 - 4: 1-13

dade era manifesta em atitudes que con- fé limita a entrada neste descanso. Esta
tinuam comuns. Eles murmuraram e é a aplicação direta das advertências
se queixaram; eles estabeleceram pla- contra a incredulidade nas declarações
nos alterados e buscaram outra lideran- anteriores. A nós foram anunciadas
ça; rebelaram-se declaradamente contra as boas-novas parece urna declaração
Deus; expressaram insatisfação com a pro- difícil por causa das traduções variantes,
visão divina; e, finalmente, aceitaram mas não é difícil de entender. A fé do
de má vontade o seu lugar nos planos crente exercitada em relação à promes-
de Deus. O registro detalhado em Nm. sa de Deus garante o descanso. (Para
14-21 e o comentário no Salmo 95 ser- urna discussão das traduções variantes
viram bem para o escritor de Hebreus de sugkekerasmenous te pistei tois akou-
em suas repetidas advertências contra sasin, veja Alf e AxpGT sobre Hb. 4. 2b).
a dureza e incredulidade que foram 3,4. Downer sugere um repouso du-
evidentes na geração que pereceu (3: plo (Principles of Interpretation). Aqui
12,13,18,19; 4: 6, 7,11). o escritor discute o descanso espiritual
4: l-lO. Não há nenhuma brecha en- para os crentes perseguidos e atormen-
tre os capítulos 3 e 4. O exemplo da tados aos quais a carta foi dirigida. Es-
experiência do deserto aplica-se imedia- ta é urna experiência pessoal presente
tamente às vidas dos crentes. A atitude - Nós, porém, que cremos, entramos
do coração dos leitores passa a ser dis- no descanso (eiserchometha, "entramos
cutida em relação ao "descanso da fé", no"). Esta é a palavra de encorajamento
uma frase geralmente usada em relação aos cristãos perturbados. A segunda, ou
a esta passagem das Escrituras. Duas o descanso sabático, introduz-se então
opiniões básicas prevalecem quanto ao com a cláusula, E descansou Deus no
prometido descanso. A primeira coloca sétimo dia, de todas as obras que fizera.
o descanso no futuro como sendo o des- Este é o sabbatismos do versículo 9, o
canso celestial, ou entrada no Reino de descanso sabático.
Deus (veja Gleason L. Archer, Jr., The
Epistle to the Hebrews: A Study Manual, S-10. Deus providenciou um descanso,
pág. 28, 29; Charles R. Erdrnan, The Epis- e este descanso deve ser ocupado ou
tle to the Hebrews, pág. 49, 50). A se- possuído. A incredulidade bloqueia
gunda opinião coloca mais ênfase sobre a entrada no descanso de Deus enquanto
o descanso presente do que sobre o pro- a fé abre largamente a porta; e assim
metido descanso do futuro, embora este descanso só está à disposição de
este último não seja desprezado. Este verdadeiros cristãos. J osué não deu
"descanso da fé" é chamado de "plena este descanso apenas a sua geração;
submissão", a qual é considerada como portanto o descanso prometido con-
uma experiência singular (Erdman, Ibid.). tinua à disposição. Portanto resta um
Esta segunda posição enfatiza a presen- repouso para o povo de Deus destinado
te realidade do "descanso da fé" como para os crentes de hoje. É um repouso
um cessar das nossas obras, o que colo- presente e também futuro que não de-
ca o crente em um relacionamento mais pende de "obras", mas da fé dos crentes.
íntimo com Cristo. 11. Aqui está a "palavra de exortação"
referente à entrada no repouso de Deus
1, 2. O prometido descanso conti- (veja 13: 22) mediante a busca (lit. "pro-
nua à disposição. A promessa de Deus curar diligentemente").
não foi esgotada pela geração do deserto. 12,13. A oferta do descanso foi re-
Só o fracasso em permanecer firme na forçada pela referência à palavra de Deus,

-304-
I , I I 'I I I
HEBREUS 4: 13-16 - 5: 1-2

isto é, referência a Cristo como a Palavra Ele assumiu o nosso pecado no Calvário.
viva e à revelação, ou a palavra escrita. Agora, estando na presença de Deus,
Cinco afirmações foram feitas em rela- podemos nos aproximar de Deus com
ção à palavra de Deus (lagos tou theou): ousadia. O trono da graça, foi transfor-
1) ela é viva; 2) ela é a palavra do poder, mado de tribunal, em trono de rniseri-
ou da energia criadora; 3) ela penetra, c6rdia, porque o sangue de Jesus foi
fazendo separação até entre os relacio- nele "aspergido". O simbolismo foi
namentos mais íntimos; 4) ela é o juiz extraído da arca da aliança no Taber-
dos pensamentos mais íntimos; e 5) ela náculo e do Dia da Expiação (Lv. 16).
é o agente pelo qual Deus trata direta- Este simbolismo e a substituição da
mente com a criatura. Desse modo a prática do V.T. passam a ser explicadas
palavra de Deus revela o homem todo, ponto por ponto na subseqüente argu-
particularmente em relação às atitudes mentação do escritor. Por um instante,
do coração, e sua fé, essa fé que o capa- o autor destaca a verdade do auxílio
citará a entrar no repouso. A palavra para o fraco, misericórdia para o des-
de Deus examina, julga e adverte o cris- graçado, e força (graça) a fim de sermos
tão a que viva santamente e creia. ajudados (E.R.C.), porque Cristo, nosso
6) Cristo é o Sumo Sacerdote Segun- sumo sacerdote, que se encontra junto
do a Ordem de Melquisedeque, Superior ao trono de Deus, supre todas as nossas
a Arão. 4: 14 - 5: 10. necessidades. Esta ajuda contínua está
Agora, o tema que já foi sugerido em à disposição imediata de cada cristão,
2: 17 e 3: 1 toma a ser introduzido para sem formalidades, exceto "invocar o
uma discussão mais extensa. Aqui se nome do Senhor". Talvez poucas pas-
faz a declaração preliminar referente a sagens no N.T. sejam tão ricas como
Cristo no seu santuário. O que vem a esta promessa de ajuda e conforto para
seguir será um contraste constante entre os cristãos. Se devidamente compreen-
o santuário terrestre ou tabernáculo dida, esta é uma das. verdades mais su-
e o "verdadeiro" santuário celeste, e blimes na Escritura em. relação a Cristo
entre o sacerdócio araônico ou levítico e aos crentes. Note-se aqui que tudo que
e o sacerdócio eterno de Cristo "segun- se relaciona com Cristo como sumo sa-
do a ordem de Melquisedeque". A esta cerdote está mais detalhadamente ex-
altura explica-se o lugar e o ministério plicado nas passagens seguintes, até Hb.
de Cristo. 10: 18; a esta altura conclui-se a com-
14-16. Ele está no santuário como paração com Moisés.
nosso sumo sacerdote. Sua morte (in- 5: 1-10. A seguir apresentam-se as
clusive o derramamento de sangue) e qualificações para o ofício de sumo sa-
ressurreição garantiram-Lhe o direito cerdote. Arão serve de modelo, uma
desta posição. Ele penetrou os céus vez que ele foi o primeiro a servir no ofí-
na presença de Deus. Ele está lá não cio de sumo sacerdote.
apenas como o Filho de Deus, mas 1, 2. Tomando dentre os homens pa-
também como o Filho do homem. Em ra representar o homem diante de Deus.
Sua humanidade perfeita Ele está familia- A humanidade do sumo sacerdote é
rizado com as nossas necessidades, cui- básica e essencial. Ele também é cons-
dados, tentações e problemas, porque tituído, ou separado, para ministrar
ele foi tentado sem sucumbir à ten- diante de Deus e para os homens. Sen-
tação. Ele sabe tudo sobre o pecado do homem, ele pode compreender a fra-
sem ter cometido pecado. Seu conhe- queza humana e ministrar ao transviado
cimento final com o pecado veio quando e ignorante. O sumo sacerdote deve

-305 -
HEBREUS 5: 2-14

lidar com os pecadores como também cer, o que de outro modo não apren-
representar os pecadores. Ele deve tam- deria. Literalmente, Ele aprendeu das
bém oferecer sacrifício pelos seus pró- coisas que sofreu (v. 8), que é um jogo
prios pecados como também pelos do de palavras extraído do provérbio grego
povo. O quadro é de alguém totalmente emathen - epathen.
envolvido como homem nas necessida- Agora perfeitamente qualificado como
des do homem. 3. As necessidades pes- sumo sacerdote, Cristo fornece a salva-
soais, entretanto, do sumo sacerdote ção eterna (soterias aioniou, v. 9), cujo
constituído não foram esquecidas. Ao aspecto eterno relaciona-se com o sa-
oferecer sacrifício pelo povo, ele tam- cerdócio de Melquisedeque. Contras-
bém oferecia por si mesmo, apresen- tando com Arão, Melquisedeque é um
tando suas próprias necessidades a Deus sacerdote de Deus para sempre, assunto
através do sangue do sacrifício. inteiramente desenvolvido no capítulo 7.
4. Arão, o primeiro sumo sacerdote, 7) Uma Repreensão pela Falta de
foi chamado por Deus para este ofício. Entendimento e pela Imaturidade. 5: 11
Ele não o procurou nem o mereceu. -6:20.
Foi constituído por Deus. O destino Antes de desenvolver sua argumen-
daqueles que procuraram servir neste tação extraída do sacerdócio de Mel-
ofício fora da constituição divina foi quisedeque, o escritor toma a fazer
devidamente ilustrado por Coré (Nm. uma pausa para introduzir uma exor-
16:40). 5,6. Assim Cristo foi cons- tação e advertência, incluindo a repreen-
tituído sumo sacerdote. O escritor cita são.
o SI. 2: 7 com este sentido, "Hoje eu 11-14. Esta é uma repreensão forte.
te constituí para o ofício de sacerdote". O escritor declara explicitamente que
Ele era plenamente qualificado a exer- seus leitores não têm condições de re-
cer o ofício e não o buscou para Si. Ele ceber o ensinamento que ele se sente
foi constituído a esta posição de glória obrigado a dar. Ele os chama de imatu-
(edoxasen) por Deus Pai. ros, retrógradas, indoutos e tardios em
7-10. A experiência humana de Cris- ouvir. Por causa desta condição, a ti-
to é a que está descrita aqui. Foi uma pologia relativa a Melquisedeque pode-
experiência de aprendizado e limita- ria ficar além da sua compreensão. J ona-
ções. Esta humilhação (Fp. 2: 7) foi than Edwards pregou certa vez um ser-
a Sua hora de aprender a obedecer dentro mão sobre Hb. 5: 12 intitulado: "A Im-
da esfera do homem. Com isto Ele tor- portância e Vantagem de um Conheci-
nou-se completo. Foi a Sua hora de es- mento Completo da Verdade Divina".
tar na carne. A referência específica Ele observou que a repreensão na passa-
em Hb. 5: 7,8 é às horas de agonia no gem parece incluir todos os leitores da
Getsêmane. A passagem descreve angús- epístola, que aqueles crentes não tinham
tia nas palavras forte clamor e lágrimas, feito nenhum progresso doutrinário ou
orações e súplicas. O inimigo que Ele experimental, que eles não compreen-
enfrentava era a morte - tanto a física diam Melquisedeque, e mais ainda, que
como a espiritual, porque Ele foi o subs- não sabiam o que deveriam saber (The
tituto que assumiu toda a ira de Deus Works of President Edwards, IV, 1-15).
reservada para os pecadores. Seu pedido A conclusão do escritor de que es-
de livramento foi plenamente garantido tavam desqualificados para ensinarem
na ressurreição, com Sua proclamação aos outros é auto-evidente. Prosseguin-
de vitória sobre a morte. Por meio des- do, eles na verdade só tinham qualifi-
ta experiência Cristo aprendeu a obede- cações para receber a elementar verdade

-306-

I I 'I I I
HEBREUS 5: 14 - 6: 1-12

ou leite. Como meninos (nepios, "lac- ou juntar-se aos Seus traidores e assas-
tentes"), não podiam receber alimento sinos. As palavras usadas são termos
mais forte; além disso, não só careciam fortes. Hapax photisthentas significa
do conhecimento da verdade, mas tam- de uma vez para sempre iluminados.
bém da experiência da verdade. Mas Provaram foi traduzido para conhece-
aqueles que são perfeitos (E.R.C.) ou ram nos léxicos mais recentes. Partici-
adultos (E.R.A.) ttetoi, "matures") eram pantes, do grego metochous, significa
como atletas exercitados (gegymnasme- participantes reais (Alf. IV, 109). Todos
na), prontos para a competição porque estes termos indicam uma grande porção
estavam espiritualmente disciplinados. de conhecimento e participação da par-
Aqueles que assim foram treinados eram te daqueles que foram iluminados. Até
espiritualmente sensíveis e capazes de os milagres eram familiares àqueles que
discernir entre a verdade e o erro quando agora se mostravam hostis a Cristo.
instruídos. (Através de toda a passagem Um ponto de vista um tanto diferen-
as figuras de linguagem se misturam; te é possível no que se refere à passagem.
veja Alf, IV, 103.) Pode ser traduzido assim: se recaíram.
6: 1-3. A exortação prossegue. Tendo Neste caso o escritor não está pensando
já aprendido os princípios básicos refe- de exemplos específicos de apostasia,
rentes a Cristo, não deviam parar com pelo menos não entre os leitores (v. 9),
eles mas prosseguir para alcançar a per- mas está advertindo que a recusa em
feição e maturidade, para exibir cresci- progredir na vida cristã leva logicamente
mento espiritual completo. Deviam con- ao retrocesso, cujo fim pode ser a apos-
tinuar discernindo entre verdades vivas tasia. Se alguém pode chegar ao extremo
e formas sem vida, como aquelas que de recair depois de experimentar o dom
haviam nas ablusões, batismos e rituais celestial, sua recaída não pode ser clas-
do Judaísmo. No versículo 3 o escritor sificada como pecado ordinário, pois
se identifica com os seus leitores e revela ela envolve o repúdio da provisão de
sua própria dependência de Deus. Deus em Cristo (torna a crucificar o Fi-
4-8. Alguns alcançaram a maturidade; lho de Deus). Portanto, para ele, a es-
outros caíram. Estes estão sendo men- perança da renovação desaparece, pois
cionados agora para reforçar a adver- Deus não tem nenhuma outra cura para
tência feita há pouco - prosseguir para o pecado quando o Calvário é rejeitado.
a maturidade. Esta passagem deveria Ao escolher a rejeição de Cristo, o
ser propriamente interpretada não se- apóstata parece-se mais com um campo
gundo um sistema teológico, mas dentro que só produz espinhos e abrolhos, em-
do seu próprio contexto. O assunto são bora a chuva que cai sobre ele e o lavra-
os princípios rudimentares aprendidos. dor que o lavra, têm a intenção de produ-
Agora o escritor fala daqueles que, ten- zir colheitas. Não pode haver nenhum
do recebido tal instrução de princípios engano quanto a advertência forte e dí-
preliminares, afastaram-se de Cristo. São reta dos leitores tentados a afastar-se
agora inimigos de Cristo e da Salvação de Cristo. Na verdade, o que era verda-
que está nEle. deiro para aqueles crentes do primeiro
Era propósito do escritor descrever século continua sendo verdadeiro para
o perigo extremo para que os tentados os crentes de hoje.
à apostasia pudessem ter o mais forte 9-12. Mas tudo isso não se aplica aos
exemplo possível. As questões eram destinatários, o escritor explica. Esta
simples: Cristo ou não, fé salvadora é a conclusão do assunto no que diz res-
ou incredulidade, sofrer Seu opróbrio peito aos seus leitores. Embora ele aca-

-307 -
HEBREUS 6: 12-20 - 7: 1

basse de falar com severas palavras de Melquisedeque encontra-se em duas pas-


advertência (houtos laloumen), ele diz sagens do V.T. - Gn. 14: 17-20 e SI.
que está convencido de cousas que são 110: 4. Nos dois exemplos sua posição
melhores (ta kreissona) a respeito deles. de sacerdote de Deus é transparente.
Deus não se esqueceria (epitathesthai) Também a história da sua vida foi toda
de tudo o que tinham feito por pala- narrada na passagem de Gênesis. Nada
vras e atos que foram ministrados aos mais se sabe sobre ele, e não está bem
seus irmãos cristãos, nem se eles con- claro se a referência feita a Salem deve
tinuassem ministrando. Era um sinal ser interpretada como feita a Jerusalém
da sua sinceridade; eles deviam manter (Alf', IV, 125). Entretanto, não há ne-
esse mesmo espírito e atitude de sin- nhum engano em se aceitar Melquise-
ceridade por toda a vida (v. 11). Eles deque como um tipo do sacerdócio eter-
deviam manter diante deles o esplêndido no de Cristo. Este pensamento serve
exemplo de todos aqueles que perseve- para abrir caminho ã discussão do sis-
raram tão sinceramente (v. 12), e eles tema levítico.
desfrutariam das promessas divinas cum- Leonard indica 7: 1 - 10: 18 como
pridas. Eles deviam copiar a fé e a prá- o âmago da epístola. Ele fala dela consi-
tica daqueles que foram robustos na fé. derando-a uma seção incomparável, ha-
13-20. Eles tinham a firme garantia vendo poucos paralelos seus, se é que
da aliança feita com Abraão, por pe- há, no N.T., uma vez que desenvolve a
nhor. A esta altura Abraão foi introdu- avaliação comparativa dos mediadores
zido como um exemplo de perseveran- sacerdotais das duas alianças (op. cit.,
ça. E Abraão perseverou porque Deus pág.32).
garantiu-lhe pelo Seu próprio nome a A importância de Melquisedeque e o
aliança que fez com ele. Tendo jurado significado da comparação de Melquise-
pelo Seu próprio nome, Deus não poderia deque e Cristo tem sido assunto de muita
ter mentido a Abraão, porque ambas, discussão. Opiniões sobre estas conside-
Sua autoridade e Sua integridade estavam rações variam grandemente. Cotton e
em jogo. Deus é imutável, e nós temos Purdy (IB, XI, 660,661) falam da "es-
o mesmo forte incentivo que Abraão peculação de Melquisedeque" e do "mé-
teve no seu tempo. Nossa garantia está todo alexandrino de interpretação ale-
em Jesus, que já se encontra no santuá- górica", a qual significa, dizem eles, "uma
rio celestial. Por juramento e por promes- falta de sinceridade com o fato histó-
sa, aqueles cuja esperança repousa em rico". E ainda o comentário deles sobre
Cristo, como a âncora da alma, verão a passagem prossegue destacando clara-
realizada sua esperança de passar atra- mente que Melquisedeque estabelece a
vés do véu (simbólico, véu do Taber- "validade e a dignidade do sacerdócio de
náculo) porque Jesus já entrou por nós. Cristo" e que Melquisedeque é "o pro-
Como eterno sumo sacerdote no san- tótipo do Filho ... Ele (o escritor de
tuário, Cristo preenche o tipo sacerdotal Hebreus) apresentou provas que Jesus
de Melquisedeque, e o escritor retoma é o Filho; ele tinha agora de mostrar
ao tema interrompido sobre a pessoa que Ele é Sacerdote".
de Cristo segundo a ordem de ou exata- A.B. Davidson, em seu The Epistle
mente como, Melquisedeque. to the Hebrews (pág. 129, 146 e segs.)
8) O Sacerdócio de Melquisedeque. discute todo o assunto do sacerdócio
7: 1-28. de Cristo, incluindo a questão de Mel-
Melquisedeque é um tipo definido quisedeque. Ele estabelece corretamen-
de Cristo. Tudo o que sabemos sobre te o princípio básico. Com Melquise-

-308 -

I I 'I I I
HEBREUS 7: 1-28

deque, a função do sacerdócio nao Im- é abençoado pelo superior, isto é, Mel-
plica em discussão, mas sim as pessoas quisedeque. As implicações todas têm
envolvidas no sacerdócio. Para todos os a intenção de demonstrar a superiori-
sacerdotes o ministério é essencialmente dade e eternidade do sacerdócio deste
o mesmo, sendo apenas ampliado para último, que funcionou como sacerdote
o sumo sacerdote em relação ao Dia da quando abençoou Abraão e (figurada-
Expiação. Assim o escritor relaciona mente) Arão e os levitas.
Cristo com Melquisedeque a fim de en- Nesta seqüência discute-se a relação
fatizar que Cristo é um sacerdote eterno. do sacerdócio levítico com Cristo (vs.
1-3. O incidente histórico registrado 11-14). Jesus não era de Levi mas de
em Gn. 14: 17-20 volta à tona. O escri- Judá, Isto O exclui da ordem dos sacer-
tor indica que Melquisedeque era um rei dotes sob a Lei. Sua humanidade O
e por isso recebeu tributo de Abraão; relacionava com a tribo de J udá, e por-
mas, o que é mais importante, ele foi tanto (v. 13) Ele não era qualificado no
sacerdote do Deus Altíssimo, e portanto plano humano para servir no altar como
recebeu os dízimos de Abraão. Mais sacerdote, pois Moisés não pronunciou
adiante ele logra o seu intento com re- nenhuma palavra concedendo autoridade
ferência ao fato de Melquisedeque ser ou função sacerdotal aJudá.
um sacerdote de Deus antes do sacer- 15-28. A pergunta técnica se Cristo
dócio levítico ser estabelecido. (vs. 4-6). era / é um sacerdote responde-se por si
Na porção parentética dos versículos 2,
mesma porque Ele é de outra ordem sa-
3, nota-se o fato que Melquisedeque não cerdotal. Esta ordem adjudiciou-se supe-
tem registro de genealogia ou sucessão. rior em todos os pontos ao sacerdócio
Também não se menciona o seu nasci- levítico, e esta ordem é eterna. 16. O
mento nem a sua morte foi registrada. poder de vida indissolúvel (akatalytos)
Sua história é de alguém que não tinha não aparece em nenhum outro lugar do
princípio de dias nem fim de existência, N.T.
mas foi feito semelhante ao Filho de
Deus. Esta falta de informação a respeito 18-20. A Lei de Moisés menciona-
do nascimento fortalece a tipologia de da na frase se revoga a anterior orde-
Melquisedeque em relação a Cristo. Assim nança foi ab-rogada ou posta de lado
o SI. 11o: 4 enfatiza a etemidade do sa- porque Cristo é o sacerdote de Deus
cerdócio de Melquisedeque, eis to die- selado com um juramento (SI. 110: 4).
nekes, perpetuamente, continuamente, 22. Cristo é o fiador (engyos) de que
para sempre (Hb. 7: 3). o juramento divino será cumprido nas
4-14. O que significa toda esta dis- promessas e garantias da nova aliança.
cussão sobre Melquisedeque espiritual- 23-28. Cristo continua para sempre
mente? Considerai, ou contemplai ttheo- e não está sujeito à morte. A sepultura
reite) a grandeza daquele a quem Abraão foi derrotada. Ele pode portanto salvar
reconheceu ser superior dando-lhe dízi- totalmente, completamente e até o fim,
mos. A verdade importante é que o sa- isto é, eternamente, qualquer um que
cerdócio de Melquisedeque era maior invocá-Lo. Do mesmo modo Sua inter-
do que o sacerdócio de Arão e dos le- cessão pelos Seus não tem fim. Estes
vitas porque (figuradamente) este últi- ministérios são garantidos pelo Seu pró-
mo sacerdócio oferecia dízimos a Deus prio caráter (santo, inculpável, sem má-
através do primeiro sacerdócio ou de cula, separado dos pecadores), Suas
Melquisedeque na pessoa de Abraão. funções (como sacrifício expiador), e
Deste modo o menor, isto é, os levitas, Seu relacionamento.

-309 -
HEBREUS 8: 1-13 - 9: 1

B. Cristo, o Ministro e Sumo Sacer- epístola foi escrita antes da queda de


dote da Nova Aliança. 8: 1 - 10: 18. Jerusalém em 70 A.D., devido ao pen-
A nova aliança, o sistema levítico da samento que os sacerdotes ainda servem
velha aliança e o ministério sacerdotal e oferecem dons segundo a lei. Estes
de Cristo são agora reunidos nas decla- servem apenas como figura e sombra
rações conclusivas sobre o argumento dados a Moisés, que viu o verdadeiro
principal da epístola. Em resumo, fez-se ou real (celestial) santuário no Monte
referência ao tabernáculo no deserto Sinai (Ex. 25: 40).
para que o contraste com o santuário 6-9. O contraste toma-se mais agudo
celestial pudesse ser introduzido. Cristo (v. 6). Um serviço melhor, ou um minis-
está no santuário celestial, Sua presença tério tanto mais excelente ... uma supe-
ali já foi anteriormente descrita (4: 13- rior aliança; e tudo baseado em superio-
16). Ele está lá na qualidade de sumo res promessas. Se a velha aliança fosse
sacerdote realizando serviço sacerdotal satisfatória, Deus não teria encontrado
com base no sacrifício, sendo Ele tam- defeito nela nem teria falado em substi-
bém o sacrifício. Três conceitos estão tuí-la como falou por intermédio de J e-
assim combinados, a saber, sacrifício remias, o profeta (Jr.3l:3l e segs.). O
expiador, serviço sacerdotal e santuário profeta falou da concessão da velha alian-
celestial. ça, do fracasso de Israel em cumpri-Ia,
1) A Nova Aliança em Relação à e da decisão de substituí-Ia em algum
Velha Aliança. 8: 1-9. tempo futuro para Jeremias.
Jeremias mencionou a nova aliança 2) O Melhor Concerto Explicado. 8:
séculos antes desta discussão sobre sua 10-13.
importância (Jr.3l:31 esegs.). EmHb. O escritor se apropria da profecia de
8: 8, ambos, Israel e Judá são chamados Jeremias para explicar a natureza e as
de recipientes de bênção e divino auxilio provisões da nova aliança. Sob a nova
na prometida nova aliança. A nova alian- aliança: 1) Deus coloca novas leis nos
ça contrasta claramente com a velha corações e mentes do povo (o que foi
aliança (vs. 8, 9). Comprova-se ser in- realizado por Cristo através do novo
clusiva, como também é uma superior nascimento, estabelecendo assim a nova
aliança porque está garantida por supe- aliança como uma aliança de relaciona-
riores promessas (v. 6). menta). 2) Ele estabelece um novo rela-
l-S. A nova aliança foi estabelecida cionamento com eles - E eu serei o seu
por Cristo, que é seu ministro (leitour- Deus, e eles serão o meu povo. 3) O
gos). Ele ministra no santuário e no povo tem uma nova função - ensina-
verdadeiro tabernáculo que foi edifi- rá ... cada um ao seu próximo... Co-
cado pelo Senhor ikyrios, evidentemen- nhece ao Senhor (v. 11). 4) E a verdade
te o Pai, Alf). Aqui Cristo ministra como de Deus tem um novo alcance - todos
sumo sacerdote, tendo plena autoridade me conhecerão. 5) Uma nova purífl-
(vs. 1,2). Sua posição no santuário ce- cação é providenciada, com o perdão
lestial está em perfeita ordem. Ele ofe- dos pecados e iniqüidades por meio de
receu ao Pai sacrifícios e serviço. Ele Cristo, o sacrifício e a garantia da nova
ofereceu-se a Si mesmo como o sacri- aliança (v. 12). O velho é substituído
fício aceitável (uma idéia desenvolvida pelo novo, e o velho está no ponto de
melhor nos caps. 9,10), e o Seu serviço desaparecer completamente (v. 13).
é o do sumo sacerdote diante de Deus, 3) O Novo Santuário e o Sacrifício
servindo no santuário. No versículo 4 Perfeito. 9: 1-28.
há uma possível indicação de que esta A familiaridade com as funções do

-310 -

I " I I 'I I I
HEBREUS 9: 1-14

sacerdócio araonico conforme descrito foram ordenanças da carne (Hb. 9: 10),


na última metade de Êxodo e em Leví- porque o Tabernáculo terreno, seu mo-
tico ajuda grandemente a compreensão biliário e seu serviço, eram imperfeitos.
destes versículos. O serviço do sumo O véu ficava entre as duas salas do san-
sacerdote no Tabernáculo foi descrito à tuário do Tabernáculo dando testemunho
moda de um sumário em relação às di- perpétuo de que o caminho direto a Deus
versas peças do mobiliário e suas fun- ainda não estava aberto (veja 4: 13-16).
ções. Como no capítulo anterior, o pro- Este fato o Espírito Santo testemunha-
pósito é novamente esclarecer o con- va (9: 8). Havia também um limite de
traste entre o serviço superior de Cristo tempo específico sobre a duração do
como sumo sacerdote no santuário ce- sacerdócio levítico e o Tabernáculo
lestial e o de Arão como sumo sacerdote terrestre (v. 10). Tinha de haver um
na terra. tempo oportuno de reforma.
1-10. As velhas práticas são expli- 11-14. Cristo inaugurou este tempo
cadas como ordenanças de um santuá- de correção entrando como sumo sa-
rio terrestre. O escritor torna o cuida- cerdote no tabernáculo celestial, ou no
do de não deixar que seus leitores se maior e mais perfeito tabernáculo, apre-
enganem com" a localização do serviço sentando o seu próprio sangue sobre o
sacerdotal levítico. Ele cita os ítens propiciatório celestial como expiação.
do mobiliário no Tabernáculo e os iden- Uma eterna redenção foi de uma vez
tifica posicionalmente por Santo Lugar, para sempre realizada pelo sacrifício
santuário, E.R.A., E.R.C. (hagia); e San- eterno do Filho de Deus. A repetição
to dos Santos, (hagia, hagioni, O pri- desse ato não é necessária nem possí-
meiro era a primeira dependência no vel. O contraste entre o sangue de bodes
Tabernáculo terrestre, e o último era e bezerros anualmente oferecidos e os
a segunda ou a dependência interior. outros símbolos cerimoniais do sistema
Esta cuidadosa descrição é importante levítico e a morte expiatória de Cristo
para uma compreensão das atividades torna a ser explicado. De muito maior
dos sacerdotes levíticos e do sumo sacer- importância é o sangue de Cristo que
dote em relação às duas dependências. pelo Espírito eterno Se ofereceu a Si
O ministério dos sacerdotes era natural- mesmo (dia pneumatos aioniou). Pelo
mente mais importante do que o mobi- Espírito eterno provavelmente significa
liário, conforme indica a frase, dessas Seu eterno Espírito, e refere-se ao con-
cousas, todavia, não falaremos agora sentimento de Sua própria vontade em
pormenorizadamente, ou individualmente Se oferecer em relação a Sua posição na
(v. 5). Divindade. Deste modo Seu sacrifício
Os sacerdotes levíticos ministravam foi eterno e não temporal. A interpre-
diariamente no Lugar Santo, mas não tação exata de Espírito eterno é difícil
atravessavam o véu que dava para o San- de determinar (cons, Davidson, Epistle
to dos Santos. Quando os sacerdotes to the Hebrews, pág.178; CGT, pág.
ministravam diariamente no altar do 119).
incenso no Lugar Santo o povo recebia Esta obra redentora e expiatória de
purificação cerimonial. Expiação ou Cristo satisfaz ambos, as exigências le-
perdão só se obtinha uma vez por ano, gais sob a Lei e as exigências pessoais
no Dia da Expiação (veja Lv. 16), quando de uma consciência purificada. Fornece
o sumo sacerdote passava pelo véu e pureza interna como também livramento
se aproximava do propiciatório carre- externo e eterno. Este era um argumento
gando o sangue do sacrifício. Mas essas particularmente importante à luz da

-311-
HEBREUS 9: 14-28 - 10: 1

tentação de apostatar da parte de pelo mento de sangue não há remissão (cons.


menos alguns dos leitores desta epístola. ~x. 24: 3-8).
Como pecadores libertados e purificados, 23-28. Aqui a finalidade da obra ex-
eles, eram especialmente obrigados a pres- piatória de Cristo está mais detalhada-
tar culto a Deus e não retornar às obras mente explicada. 23. Novamente, sa-
mortas do Judaísmo. crifícios ... superiores é a chave. O céu
15-28. O caminho para o santuário está livre da mancha do pecado humano
celestial é mediante a morte expiatória. porque o sangue de Cristo foi derramado
Este é o significado funcional de Media- (cons. MoU em J.P. Lange's Commentary
dor da nova aliança. Isto é verdade por- on the Holy Scriptures; ou Ex, 24: 3-
que a morte interviu, a morte de Jesus 8).
Cristo sobre a cruz. Uma transação foi 24-26. Finalmente. Cristo está no
efetuada ali a qual satisfaz inteiramente Santo Lugar ou santuário celestial, apa-
todas as exigências redentoras, e isto recendo lá em nosso benefício (v. 24).
resulta em perdão e eterna herança. Ele não entra e sai anualmente, pois o
16. Esta nova aliança pode ser consi- Seu sacrifício é completo (v. 25). Ele
derada como um testamento selado com sofreu uma única vez; Seu sangue foi
a morte dAquele que o fez. Nos tempos derramado uma só vez; e no Seu sofri-
do V.I. o sangue do sacrifício animal mento e morte, o pecado foi derrotado
selava uma aliança entre os pactuantes. de uma vez para sempre. Este aconteci-
A morte de Cristo selou a nova aliança. mento está identificado com a consu-
17. Acrescentou-se aqui um argumento mação dos séculos, (E.R.C.), ou ao se
para fortalecer o fato sob consideração. cumprirem os tempos (E.R.A.). Esta
A ênfase foi posta sobre testamento (dia- indicação de tempo e a quase imediata
thêkê; cons. Alf) selado pelo sangue e referência à Segunda Vinda (v. 28) su-
pelo derramamento de sangue. Este é gere que o povo de Deus nas gerações
o único caminho no qual uma aliança imediatas a Cristo ligavam a morte do
pode entrar em vigor. E esta é uma alian- Senhor com a Sua volta como aconteci-
ça melhor. Ao longo de todos esses mentos intimamente relacionados em im-
versículos o ponto alto é que a morte portância, a não ser no tempo.
é necessária. 27,28. Uma morte física precede jul-
18-22. O sangue dos sacrifícios ani- gamento. Cristo sofreu essa morte, e
mais era inseparavelmente ligado ao fazendo assim Ele morreu de uma vez
Tabernáculo terreno ou primeiro Ta- por todas. Nisto tomou sobre Si - os
bernáculo. Depois que Deus deu as pro- pecados de muitos (v. 28). E Ele virá
messas e instruções a Moisés, então Moi- uma segunda vez não para assumir o pe-
sés tomou o sangue dos sacrifícios e o cado, mas para se encontrar com os
aspergiu simbolicamente sobre tudo o que pecadores cujos pecados foram lavados
envolvia o primeiro testamento. Por em Seu sangue expiador. Estes são os
isso passou a ser chamado o sangue da redimidos de Deus que o aguardam. En-
aliança. Por meio desse ato essas coisas tão os crentes experimentarão a salva-
terrenas foram purificadas e então man- ção total e a verdadeira presença de
tidas puras e identificadas com Deus e Deus. Aqueles que conhecem a alegria
Sua aliança com Israel. Isto foi necessá- da salvação deveriam também conhecer
rio porque não há remissão sem o san- a esperança da vinda do Senhor.
gue do sacrifício. A verdade fundamental 4) A Nova Aliança é Completa, Per-
sobre a qual muitos tropeçam é a decla- feita e Operante. 10: 1-18.
ração do versículo 22 que sem derrama- Como os pecados podem ser remo-

-312 -
I, I I 'I I I
HEBREUS 10: 1-19

vidos? A velha aliança oferecia um meio dois aspectos do ministério de Cristo


para o perdão dos pecados. Era satis- continuamente mantido diante dos que
fatório? O método funcionava? Estas eram tentados a apostatar voltando ao
perguntas formam o alicerce da fase Judaísmo, ao mero legalismo e ao ritua-
fmal do argumento. lismo. O Reino de Cristo tornar-se-á
1-4. A velha aliança falhou. Foi sim- verídico. Enquanto isso, Ele paciente-
ples sombra (skia) das coisas melhores mente aguarda o momento de Seus ini-
por vir, uma imagem (eikon) do real. migos serem subjugados. Então não
Por causa disto, era fútil, em última haverá mais oposição a Cristo ou ao
análise, pois nunca deu a ninguém ma- Seu governo.
turidade na fé e confiança. Se tivesse 14-18. A aliança profetizada por Je-
produzido crentes perfeitos, não teria remias foi cumprida. Os crentes em Cris-
sido substituída. O problema do pecado to estão agora aperfeiçoados, purificados,
teria sido resolvido. O fato claramente aptos para a comunhão perpétua com
apresentado é que as ofertas anuais e o Deus. A palavra aperfeiçoou iteteleto-
sangue dos sacrifícios dos animais não ken) significa "completou". Isto é, foi
podiam tirar o pecado. A palavra vital alcançado o fim que estava em vista; o
no versículo 4 é impossível (adynaton). crente está preparado para entrar no san-
Esta é uma declaração forte, conclusiva tuário, e sua esperança terrena está as-
e verdadeira. segurada (cons. ExpGT). Isto significa
5-10. O Salmo 40: 7-9 foi usado aqui crescimento e também o gozo dos pri-
tipologicamente. Davi foi citado como vilégios.
tendo falado do Messias e Sua entrada O escritor toma a citar Jr. 31: 33
no mundo em forma humana. A vontade e segs., para indicar como o coração de
de Deus para o Messias foi realizar uma um crente está mudado pela fé em Cris-
completa expiação do pecado. Isto exigia to, e como a sua própria natureza se
sacrifício e derramamento de sangue e transforma. Jeremias predisse que o
portanto um corpo preparado de modo Espírito Santo falaria através dele. A
que pudesse sofrer. No sofrimento e remissão dos pecados agora é completa,
morte a vontade de Deus foi inteiramen- e o que Jeremias falou em profecia agora
te realizada e a segunda ou a melhor é uma realidade. Os pecados já não são
aliança foi plenamente estabelecida. Co- mais lembrados e as vidas são inteira-
mo resultado, os crentes foram mudados mente transformadas por tudo o que
porque foram purificados e santificados Cristo realizou na morte expiatória. A
mediante a oferta do corpo de Jesus obra foi realizada.
Cristo, uma vez por todas (v. 10). Por
meio desta oferta, foi feita a expiação, m. Os Elementos da Vida da Fé.
o que agradou perfeitamente a um Deus 10: 19 -13: 17.
santo. Agora uma exortação conclui os últi-
11-13. O triunfo fmal do Messias mos pensamentos do escritor. Esta seção
vê-se no fato de que Ele não vem repe- fmal é uma composição exortat6ria
tidamente, nem representa uma reden- com todas as idéias centralizadas na
ção incompleta; mas ao oferecer-se a palavra - fé. A exortação tem em vista
Si mesmo, Cristo assentou-se à destra a constância da fé, com advertências
de Deus. Novamente se faz referência colaterais sobre os resultados que devem
à posição ocupada por Cristo, o lugar ser esperados quando a vida da fé é
de autoridade e Seu serviço sacerdotal. rejeitada ou desprezada. O pensamento
Para os crentes, Ele governa e intercede, da fé completa-se com o epílogo pes-

- 313-
HEBREUS 10: 19-25

soal com o qual a epístola finalmente entre Deus e os homens também foi
termina. O pensamento de uma vida rasgado, dando acesso imediato a Deus.
de fé ativa é um ponto importante, E Cristo é o grande sacerdote, ou grande
à volta do qual o escritor ajunta seus sumo sacerdote, como em 4: 14, reali-
argumentos e advertências finais. O zando o trabalho de um grande sacer-
pensamento introduzido com aproxi- dote no santuário.
memo-nos com sincero coração, em 22. Aproximemo-nos, implica na idéia
plena certeza de fé permeia tudo o que de aproximação de Deus freqüente,
vem a seguir. Por meio de descrições, franca, íntima, sem hesitação, mas sem-
advertências, exemplos e outros meios pre com um coração purificado, sincero
que lhe parecem vir à mente, o escri- coração; corações purificados e uma cer-
tor expõe o caso claramente em uma teza perfeita de que o caminho a Deus
frase, em plena certeza de fé. está aberto para nós. O coração puri-
ficado e a fé perfeita são as idéias pre-
A. Descrição da Vida da Fé. 10: 19· dominantes; uma ênfase secundária recai
25. sobre a tríade: coração, corpo e cons-
A vida da fé precisa em primeiro lu- ciência purificados. 23. Confissão da
gar ser compreendida. Se um mestre esperança. Uma confissão inabalável
descobre que a fé de um crente é fraca, de fé no Cristo vivo. Deus envolve nossa
então deve falar mais de uma fé ousada esperança com Suas próprias promessas,
que toma os crentes fortes e confiantes. pois quem fez a promessa é fiel. Isto fala,
Esta ousadia se encontra na garantia então, de mais uma afirmação baseada
eterna de que Cristo entrou no santuá- sobre fé na fidelidade de Deus.
rio e na presença de Deus, tomando tam- 24. Com a certeza vem a preocupa-
bém possível a cada crente entrar no ção com os outros. Isto se manifesta
santuário e na presença de Deus. Se na prontidão dos crentes em se reuni-
este é o privilégio dos crentes, e é, então rem (v. 25) e também em sua disposição
os crentes devem aproveitar-se desse de dar e receber exortação e instrução
privilégio. Devem exercitar a prerroga· úteis. Estimular. Estimular, provocando
tiva de se aproximarem, porque Cristo, e encorajando (paroxysmos, paroxysm).
o Filho que está sobre a casa de Deus Amor e boas obras devem ser desper-
e é o sumo sacerdote na geração eterna tadas para com os demais crentes. 25.
(de Melquisedeque) que tornou-a possível. Assembléia e comunhão são duas evi-
Nesta expansão de 4: 13-16, o escritor dências da fé vital. Quando o zelo des-
nos incentiva a sermos ousados. cai e a fé vacila, o desejo de manter co-
19. Intrepidez, ou confiança. Por munhão com outros crentes também
causa de tudo quanto o Senhor Jesus enfraquece. O estímulo do versículo
Cristo realizou, temos ousadia. Temos 24 se toma possível através da congre-
livre acesso pelo sangue de Jesus; o ca- gação. Quando os cristãos se reúnem,
minho já foi aberto. 20,21. Aqui estão eles se exortam mutuamente ao serviço
os meios de acesso, pelo novo (pros- frutífero e à comunhão ininterrupta.
phaton) e vivo caminho que ele nos con- O perigo da apostasia está emboscado
sagrou. O véu já não bloqueia mais o na falha dos crentes em se reunirem e
acesso a Deus, nem a natureza humana, se ajudarem mutuamente tparakalountes,
simbolizada pela referência à carne (sarx). "encorajamento mútuo").
O sofrimento de Cristo na carne remo- O dia. A mais curta das referências
veu esta barreira para sempre. Quando à vinda do Senhor Jesus Cristo. Uma
o Seu corpo foi rasgado na cruz, o véu referência direta à Segunda Vinda. A

-314 -
I , I I
'I I I
HEBREUS 10: 25-37

urgencia da passagem no que se refere crifício expiador foi rejeitado.


à exortação deve-se à iminência deste Segue-se uma acusação tripla: 1) Des-
Dia de Cristo. Neste ponto, surgem respeito a Cristo, implícito no calcou
algumas dificuldades em relação à queda aos pés o Filho de Deus; 2) rejeição da
de Jerusalém. A primeira referência aliança comprada com sangue, consi-
desta declaração pode ser ao juízo de derando-a sem valor e profana; 3) despre-
Jerusalém que era iminente. Mas é evi- zo da pessoa e obra do Espírito Santo.
dente que a queda de Jerusalém não 30,31. De tal extrema condição não
poderia cumprir esta promessa intei- há remédio nem escapatória. Tais pes-
ramente. Assim a declaração parece soas só terão a vingança a sua espera,
pressupor um outro juízo final tam- declara o inspirado escritor, citando
bém. DL 32: 35, 36 como prova. Esta apos-
tasia sem esperança e rejeição extrema
B. Uma Descrição Daqueles que Des- e irrevogável só conduz ao mais Severo
prezam Este "Caminho Novo e Vivo". juízo de Deus. O Salmo 135: 14 tam-
10: 26-39. bém é citado como prova destas decla-
A exortação à constância continua rações.
com uma aplícação ou advertência ne- 32-34. Novamente, o escritor traça
gativa. Alternativas são descritas em um contraste. Continuando a exorta-
agudo contraste, como por exemplo, ção, ele descreve a fé e a paciência vigo-
fé ou incredulidade, fé e prática ou rosa nas provações e dificuldades. Ele
terrível juízo, aceitação ou rejeição à faz os crentes se lembrarem de sua fé
luz do Calvário. primitiva e da primeira bênção quando
26. Se vivermos deliberadamente em conheceram Cristo. Na alegria dessa
pecado (harmartanonton, "enquanto es- recém-descoberta fé eles enfrentaram
tivermos pecando voluntariamente") e os sofrimentos, tentações (athlesis, como
conhecimento iepignosis, "pleno conhe- as lutas de um atleta), vitupérios (E.R.C)
cimento") governam esta passagem. Nes- e tribulações. O tipo de luta - quer
te caso não há falta de compreensão da simpatizando com outros sob provação
verdade, como no caso dos falsos mes- ou sofrendo perda pessoal por Cristo -
tres mencionados em 11 Pe. 2: 20, 21, faz pouca diferença. A fé era forte; a
onde a mesma e forte palavra foi duas aflição era bem recebida, e a confiança
vezes usadas para conhecimento. O pen- em Cristo era firme e constante. Em
samento básico nesta passagem onde espetáculo. Eles foram transformados
o ponto alto é a advertência, é o mes- em teatro, colocados em um palco tthea-
mo de Hb. 6: 4-6. Uma rejeição deli- trizomenoi) para que fossem olhados
berada da cruz por alguém que conhe- por todos; mas não vacilaram. Enco-
ce o caminho, deixa Deus sem alterna- rajando assim os crentes para que se
tiva. Quando a misericórdia é rejeitada, lembrassem dos dias anteriores, o escri-
o juízo deve cair. tor personaliza sua exortação.
27-29. O julgamento é o que vem a 35-37. Paciência, ou confiança, luz
ã

seguir. A prática sob a lei mosaica foi das coisas relembradas, não deve ser
citada para estabelecer o contraste. Es- agora esquecida, nem rejeitada; pois
te julgamento virá sobre os adversários esta é uma confiança baseada na certeza,
de Deus, e a rejeição do versículo 26 uma ousadia oriunda da fé vital, uma
coloca os rejeitadores aparentemente vitória assegurada. E esta paciência
sobre aqueles adversários. Será um jul- é a maior das necessidades. Em vez de
gamento horrível, terrível, porque o sa- retroceder a um caminho mais fácil,

- 315-
HEBREUS 10:37-39 -11: 1-7

os crentes devem manter a fé e a espe- pois podemos conhecer pela fé o que


rança em alto grau, com paciência fir- não podemos ver com os olhos. Aque-
me, pois a recompensa é certa. Fazer les a quem o escritor dirigia seus peno
a vontade de Deus deve ser o desejo que samentos teriam agora a assistência do
governa seus anseios na terra, para que registro dos heróis do V.T. que viveram
sua recompensa celeste possa ser mais confiando no que não viram, ou pela
abençoada (cons. Mt. 7: 21). Eles de- fé. A fé é a extrema certeza e mais forte
vem ser pacientes, levando o fardo, evidência de que os fatos que se não
não se desfazendo dele (hypomenes). vêem são realidades (pragmata). A con-
E devem se lembrar das palavras de tinuidade dos homens que creram em
Hc, 2: 3, aquele que vem virá, e não fatos que se não vêem, os heróis da fé,
tardará. não foi interrompida.
38·39. A fé é a nota principal des- Pelo ato da fé, os filhos de Deus sa-
ta passagem. Aqueles que vivem pela bem que o Senhor fez os mundos atra-
fé e morrem na fé, finalmente se rego- vés da Sua palavra. Os grandes do V.r.
zijarão na salvação final que está garan- viveram pela fé. Abel, Enoque, e Noé
tida em Cristo. Como Habacuque adver- são mencionados como exemplos pre-
te, os homens não devem retroceder, cisos de homens agindo pela fé. Tam-
pois nesse caso Deus está obrigado a bém a geração que recebia a exortação
agir conforme descrito em Hb. 10: 26- devia viver pela fé. E cada geração sub-
31. Verdadeiros crentes não serão acu- seqüente também devia viver pelas cou-
sados desse recuar. Sua fé é daqueles sas que se esperam até a vinda de Cris-
que crêem para a conservação da alma. to.
Na sua descrição da fé do verdadeiro Abel ofereceu um sacrifício aceitá-
crente, o escritor introduziu de manei- vel, que foi um sacrifício sangrento. E
ra calma a fase seguinte de sua exor- esta oferta estabeleceu tipologicamente o
tação. sacrifício com sangue como base para
a entrada na vida da fé. A vida da fé
C. Exemplos da Vida da Fé. 11: 1-40. só se transforma em vida pela expiação
Tendo introduzido a vida da fé como consumada. Abel continua falando.
assunto de sua última exortação, e ten- Enoque viveu uma vida piedosa. Seu
do descrito a mesma sob os dois aspec- alvo foi agradar a Deus a qualquer custo,
tos, quanto a seus elementos e quanto e ele o conseguiu; antes da sua trasla-
a seus oponentes, o escritor apresenta dação ... de haver agradado a Deus.
agora o exemplo de numerosas pessoas Este deveria continuar sendo o alvo de
que viveram essa vida da fé. É como se cada crente verdadeiro, e é impossível
alguém que tivesse acompanhado todo agradar a Deus sem a fé. Abel ofereceu
o cuidadoso raciocínio do autor, solí- sacrifício aceitável e Enoque viveu uma
citasse agora evidências ou provas para vida de comunhão ininterrupta. Noé
consubstanciar as declarações feitas. Al· creu que Deus julgaria a terra, e isto
guém já viveu desse modo? Certamente! se transformou em um incentivo para
Quem foi? Hb. 11: 1 - 12: 4 é a res- a sua vida da fé. Ele construiu a arca
posta do escritor. como evidência de sua fé. Ele colocou
1-7. Primeiro ele explica a nature- a sua fé em atividade à luz do juízo.
za da verdadeira fé, dando não tanto Noé viveu para ver sua fé e prática
uma definição mas uma descrição. A vindicadas. De um lado, ele compro-
fé é a confiança naquilo que não se vê. vou a sua fé construindo a arca; por
Não é confiança no que se desconhece, outro lado, ele viu a sua fé vindicada

-316 -

I , I I
'I I I
HEBREUS 11: 7-25

sendo livrado do Dilúvio. Assim ele 2) exigiu-se que ele oferecesse a Deus o
juntou-se a esse glorioso grupo dos jus- filho da promessa. O futuro de Abraão
tos que viveram pela fé através da justi- só estava assegurado mediante Isaque.
ça que vem da fé. Se lsaque tivesse de morrer, o que seria
8-13. Os outros patriarcas também da promessa de Deus a Abraão? Ao fa-
deram o mesmo testemunho. Abraão, zer a sua oferta, Abraão demonstrou
Sara, Isaque, Jacó, José e Moisés dão de modo prático sua confiança em
exemplos da vida da fé. Abraão e Moi- que a morte não era problema para
sés servem como exemplos melhores Deus. A morte não pode ser uma bar-
porque desempenharam um papel tão reira nem impedimento para Deus cum-
importante nos propósitos de Deus na prir a promessa da aliança - Deus era
terra. Abraão exemplifica a obediência poderoso até para ressuscitá-lo dentre
na vida da fé. Quando Deus o chamou os mortos. Figuradamente. Em pará-
de Ur dos Caldeus, ele passou a viver bola, semelhança, como se Isaque ti-
em tendas, como um turista, um pere- vesse realmente retornado dos mortos;
grino espiritual, com seus olhos fixos uma ressurreição.
sobre a cidade que ainda não estava â 20. Isaque abençoou Jacó e Esaú
vista. na promessa da aliança feita a Abraão,
Mais tarde prontamente ofereceu lsa- mas ainda futura para Isaque, relacio-
que a Deus, inteiramente persuadido nando-se assim acerca das cousas que
que a semente de Abraão, através de ainda estavam para vir (veja Gn. 27).
Isaque, predestinada a abençoar o mun- 21,22. Pela fé Jacó ... Pela fé José.
do, não ficaria sob nenhum perigo se Evidência da fé dos patriarcas na pro-
Isaque morresse. Fiel a Sua promessa messa feita a Abraão. Jacó, abençoan-
feita na aliança de que haveria uma se- do os filhos de José, perpetuou a pro-
mente, Deus poderia ressuscitá-lo. Até messa e deu provas de fé e submissão
o nascimento de lsaque, o filho da pro- quando adorava. José demonstrou sua
messa, foi uma evidência de fé da parte fé na promessa da aliança feita a Abraão
de Abraão e Sara. Pois seu filho nasceu quando pediu que o seu corpo (ossos)
quando eles estavam fisicamente velhos fosse sepultado na terra prometida (Gn.
demais para tal acontecimento. 48: 50).
13-16. Para os crentes verdadeiros, 23-29. De muitos modos Moisés exem-
viver pela fé é morrer na fé. A vida da plificou a vida da fé. Pela fé seus pais
fé é uma peregrinação. O céu é o único o esconderam desafiando uma ordem
lar dos crentes fiéis. É a pátria superior real específica (ex. 1: 16-22). Ele era
para a qual aqueles que vivem pela fé uma criança formosa, portanto pres-
estão plenamente destinados. E porque ságio de futuras bênçãos de Deus. Mais
se entregaram a Deus, Deus também tarde, o próprio Moisés, pela fé, fez
não se envergonha deles, e Ele o prova escolhas adequadas. Filho da filha de
providenciando-lhes uma cidade ou lu- Faraó. Uma frase simbólica indicando
gar para a habitação dos Seus (Jo. 14: que ele ocupava a posição de príncipe.
1,2). Moisés escolheu o povo de Deus e' as
17-19. De Gênesis 22 vemos a fé de promessas de Deus mesmo que isto síg-
Abraão quando ofereceu lsaque no Mon- nillcasse aflição e adversidade. Nisto,
te Moriá. A fé de Abraão foi posta à Moisés tornou-se o libertador de um
prova em pelo menos dois modos: 1) exi- povo sem esperanças (Ex. 2). Ele pre-
giu-se que ele oferecesse a Deus a melhor feriu também não desfrutar dos praze-
e a mais querida de suas possessões; e res transitórios do pecado. (Alf., pág.

- 317-
HEBREUS 11: 26-40

224). O opróbrio de Cristo. Ao que pa- os tipos de expenencia que aqueles que
rece Moisés compreendia a verdade mes- viveram pela fé são chamados a experi-
siânica; por isso sua escolha de fé no mentar. Toda a história de Israel foi
Messias. Este opróbrio foi sofrido por encarnpada nestas poucas e breves sen-
Cristo, e é do mesmo modo sofrido por tenças. Numa cuidadosa pesquisa do
aqueles que o servem fielmente. Esta V.T. pode-se descobrir muitos dos aconte-
passagem sugere que Moisés tinha Cris- Cimentos mencionados.
to em vista. 39,40. Mas apesar de todas essas
Moisés também escolheu deixar o evidências de homens e mulheres do
Egito. Novamente, com Cristo em vis- V.T. que viveram vidas de fé, permane-
ta, ele desprezou as riquezas da terra ce o fato de que eles não conheceram
do seu nascimento e o poder e o pres- as bênçãos completas do perdão dos
tígio do seu Faraó, ou rei. Esta decla- pecados e da comunhão com Deus atra-
ração se refere ao êxodo de Israel do vés das provisões do Calvário. Eles vi-
Egito com Moisés por líder. Moisés veram em antecipação da nova aliança,
deu ainda mais evidências de sua fé co- mas sem suas plenas provisões. Eles
memorando a Páscoa como prova de deram um testemunho positivo e eficaz,
que o livramento é pelo derramamento um testemunho por sua fé, ou como
de sangue (:tx.12). Observe a referên- está na CCT, foram feitos testemunhas
cia à fiel continuidade - permaneceu mediante sua fé, uma confirmação do
firme - um pensamento melhor desen- próprio Deus.
volvido em Hb. 12: 1-4. Mais adiante, Deus revelou um plano melhor, ou
Moisés e o povo juntos pela fé teste- pelo menos um plano mais completo,
munharam o milagre do Mar Vermelho nas gerações depois dos patriarcas e par-
- livramento para Israel, juízo para os ticularmente nas gerações desde o Cal-
egípcios. vário. A perfeição aguardou essas ge-
30,31. Jericó caiu vítima da fé de rações, para que eles sem nós, não fos-
Josué e dos filhos de Israel, e Raabe sem aperfeiçoados (teletohosin, teleioo,
participou das bênçãos de Israel por "tomar perfeito ou completo"). O to-
causa de sua fé. O memorial à fé de do da redenção realizada está sendo
Raabe lê-se em Mt. 1 : 5, onde ela foi considerado.
incluída na genealogia de Cristo. Cada uma das pessoas mencionadas
32-38. O escritor agora passa a acu- neste capítulo exemplifica alguma fase
mular os exemplos, por causa da impos- ou aspecto da vida da fé - obediência,
sibilidade de examinar cada caso sepa- ação com base nas promessas das coisas
radamente. A lista é impressionante, por acontecer, separação do sistema
incluindo alguns dos Juízes; Davi, o do mundo (Moisés), ou qualquer outra
maior dos reis de Israel; e um dos seus coisa. Mas o escritor ainda não com-
maiores profetas, Samuel. pletou seu argumento quanto à superio-
A lista dos feitos é igualmente im- ridade da vida da fé sobre a prática do
pressionante. Em alguns casos os in- legalismo mosaico. Um exemplo per-
cidentes mencionados são bem conhe- manece, o Senhor Jesus Cristo. A fase
cidos; em outros são mais obscuros. final do argumento apresentado pelos
Em cada exemplo, entretanto, alguma exemplos culmina em "considerai pois
coisa especial daqueles que viveram pela aquele" de Hb. 12: 3. Tendo conside-
fé foi apresentada. A vida da fé toma rado todas aquelas outras testemunhas,
possíveis tais fatos de valor, grandeza, os leitores deviam agora "considerar
coragem ou perseverança. E esses são aquele que suportou ... para que não

- 318-
I I 'I I I
HEBREUS 12: 1-9

enfraqueçais, desfalecendo em vossos no, de sumo sacerdote, e advogado, em-


ânimos". bora alcançasse esse lugar mediante
sofrimento e paciência, isto é, o cami-
D. Cristo, o Exemplo Supremo da nho da cruz.
Vida da Fé. 12:1-4. 3,4. Considerai ianalogizomai, "com-
1,2. A exortação toma a ser renovada parem-se com", "reflitam") aquele que
com vigor por causa dos exemplos apre- suportou. Uma ampliação do versículo
sentados no capítulo anterior. Portanto 2. Oposição (antilogia) é um argumento
inclui todos os heróis do capítulo 11 contrário. Cristo foi literalmente uma
que, junto conosco, serão aperfeiçoados. contradição para os seus inimigos, que
Eles são as testemunhas, que, como os expressaram-se em ódio declarado e hos-
espectadores de uma grande arena, ob- tilidade. Para que não vos fatigueis, des-
servam o nosso progresso na carreira maiando em vossas "almas, a melhor tra-
da vida da fé. Corramos com perseve- dução do texto. (Veja CGT, pág.154).
rança (Davidson, Epistle to the Hebrews, A primeira classe sugere um súbito co-
pág. 232) une as exortações à corrida lapso na paciência, e a segunda um rela-
e à perseverança, à luz do exemplo da- xamento mais gradual da vigilância.
queles que já correram esta corrida fiel- Ainda não tendes resistido até ao
mente. De todo peso. O supérfluo e sangue. Eles ainda não tinham expe-
desnecessário que poderia atrapalhar rimentado toda a extensão da luta. Ain-
deve ser deixado de lado. Cada indiví- da não houvera martírio; nenhuma me-
duo deve decidir o que é supérfluo. Mas dida extrema, tal como indiscriminada
o que é pecado declarado não dá lugar tomada de vida, fora usada contra eles.
à escolha individual; deve ser deixado Finalmente, deviam se lembrar que o
de lado imediatamente após reconhecido, pecado é o antagonista. Deviam conti-
quando sai do seu esconderijo para agar- nuar lutando contra o pecado, parti-
rar (euperistatos, "emboscar, rodear, cularmente o pecado da incredulidade,
apanhar na armadilha") os incautos. que destrói a fé.
Este tipo de pecado impediria a nossa
carreira, ou nos faria correr mais deva- E. O Amor do Pai Revelado Atra-
gar; portanto, fora com ele. vés do Castigo. 12: 5-11.
Olhando firmemente para ... Jesus. 5-9. O escritor usa Pv. 3: 11 e segs.
Uma referência ao exemplo supremo para lembrar os leitores-ouvintes de
ou extremo à nossa disposição. O que que o castigo é uma parte do relacio-
Ele fez? Suportou. Nisto Ele é o lider namento que implica em amor, e ele
ou autor, e aperfeiçoador ou consuma- também descreve este relacionamento
dor da fé. Nas passagens seguintes am- por meio da analogia do pai e do filho.
plia-se este conceito. Nelas se apresen- A exortação começa no fim da citação.
ta o exemplo da firmeza paciente à qual Filhos que são dignos da sua filiação
cada crente é convocado - a do PIÓpriO devem suportar o castigo. Às vezes
Cristo (12: 1). A recompensa da pa- não compreendemos o castigo, mas ainda
ciência de Cristo é a posição de auto- assim temos de aceitá-lo e suportá-lo
ridade e Sua ocupação ali. Nesta posi- como parte de nossa educação. Por
ção Sua alegria é completa, e assim meio dele somos reconhecidos como
também a nossa alegria será completa filhos verdadeiros, e não filhos espú-
quando estivermos em Sua presença rios (v. 8) ou bastardos (nothos).
diante de Deus. À direita de Deus, Uma vez que um pai terreno, quando
Cristo realiza todas as funções de gover- é digno, corrige seus filhos, os filhos es-

-319 -
HEBREUS 12: 9-17

pirituais de Deus não deveriam ficar melhoram quando se compreende a na-


surpreendidos quando seu Pai celestial tureza da adversidade. Segui a paz com
os castiga. Tal conhecimento ajudará todos. Corno alguém que busca a har-
os crentes a ficarem em sujeição ou sub- monia, como alguém que tem um es-
missos como verdadeiros filhos. pírito pacífico, e como alguém que
10,11. A ilustração provoca um con- deseja a união e a comunhão entre os
traste. Eles ... Deus. Os pais terrenos justos. E a santificação. O termo que
exercem sua prerrogativa paterna só cobre ou abrange tudo (hagiasmon,
por um pouco tempo e para fins imedia- "santificação"). Senhor (kyrion) é mais
tos, mas Deus tem em vista vidas santas provável Deus e não Cristo. Certamente
e fins eternos. uma das provas essenciais da vida nova
Nem na esfera terrena nem na ce- em Cristo está no modo pelo qual os
lestial o castigo é coisa agradável no crentes vivem uns com os outros.
momento em que é recebido, mas os A antítese segue-se. Aqui está al-
resultados finais mais do que justificam guém que é carente, que fracassa por-
a disciplina. No reino celestial ou espi- que dentro dele profundamente enrai-
ritual ela produz fruto pacífico da jus- zada está a raiz de amargura que enve-
tiça. Portanto, a adversidade e o castigo nena tudo e todos - muitos sejam con-
são uma forma de educação. taminados. Esta raiz de amargura é
como uma infecção que se espalha por
F. A Conduta Cristã sob a Nova toda a comunidade (hoi polloi) dos
Aliança. 12: 12-29. crentes. Observe, isto descreve uma
A primeira coisa que os crentes devem interrupção nas relações humanas en-
fazer é deixar de lado a falta de coragem tre os crentes porque um crente se
e os queixumes nas circunstâncias ad- tornou amargo.
versas. A vida da fé não é fácil, nem 16,17. Esaú serve de exemplo da de-
fica por isso mais fácil. sesperança de tal condição. Por sua
12,13. Eles devem aceitar a disci- própria escolha tornou-se profano, ou
plina da adversidade e serem fortale- amante das coisas terrenas e sensuais,
cidos através dela. Restabelecei as de modo que perdeu as duas coisas, o
mãos descaídas. Ou, endireitar, for- direito da primogenitura e a sensibili-
talecer, como alguém que se torna forte dade espiritual. Esta última condição,
através da dificuldade. Mãos relaxadas particularmente, é a antítese do padrão
e joelhos trôpegos, ou vacilantes, não apresentado no versículo 14. Esaú tro-
são a descrição da firme paciência exigi- cou a paz e a santidade pelos prazeres
da para terminar a carreira. Fortale- terrenos imediatos.
cendo assim as mãos e os joelhos, qual- Quando Esaú tentou mudar sua con-
quer defeito provocado pelo desuso dição, descobriu que era impossível.
será curado. Aqui há uma possível su- Ainda que a bênção de Deus ou o arre-
gestão de que as juntas que não estão pendimento fosse o objeto de suas lá-
firmemente mantidas no lugar e os mús- grimas, foi tarde demais. Esaú foi cul-
culos que não estão devidamente tensos pado de pecado deliberado, de cujas con-
podem acabar sofrendo deslocamento, seqüências ele não encontrou libertação.
ou distenção (ektrape). A verdadeira Esta é a lição apresentada aos hebreus
fortaleza de caráter demonstra-se quan- que estavam contemplando a possibili-
do a pessoa concentra suas energias no dade de praticar um ato de pecado
tempo da adversidade. premeditado na forma da apostasia ou
14,15. Os relacionamentos humanos volta tradição de Moisés. Para o escri-
ã

-320 -

I '. I I 'I I I
HEBREUS 12: 18-29 - 13: 1-3

tor a ilustração-advertência parecia óbvia. que advirá àqueles que recusam ou re-
18-24. A exortação continua com o jeitam o mensageiro de Deus, o seu
que Davidson chama de "um grande próprio Filho (1: 2). Esta recusa é pa-
final ao esforço ... de manter firme recida com aquela dos homens que fo-
sua confissão". O Sinai e o Monte Sião ram convidados para a "grande ceia"
foram colocados em contraste entre de Lucas 14: 16 onde "todos ... come-
si. O cenário para a concessão da Lei çaram a escusar-se" (paraiteomai). Veja
foi 1) um monte aceso em fogo (E. Lc. 14: 18, onde foi usada a mesma
R.C.), envolto em escuridão, trevas, palavra (Arndt).
tempestade, e 2) Ao clangor da trom- Passa-se então a descrever o juízo,
beta e ao som de palavras. Neste ce- talvez o último. A terra será sacudida,
nário Moisés foi tão tomado pela pre- e a vontade transitória se desvanecerá
sença de Deus que temeu e tremeu com ela; só permanecerá o que é eterno
grandemente (cons. Ex, 19: 12 e segs. e permanente - um reino inabalável.
e Dt. 9: 19). Este reino será dado por Deus, não
Mas (vós) tendes chegado introduz concebido pelo homem. Participação
todas as benditas realidades e persona- nele por meio da fé em Cristo deverá
gens da nova aliança. O céu foi colo- resultar em serviço prazenteiro e ado-
cado contra a terra, o fenômeno contra ração reverente da parte de todos.
o extra-terreno, a glória de Sinai contra A palavra final é novamente de ad-
a glória infinitamente maior do caminho vertência. Porque o nosso Deus é fogo
aspergido pelo sangue. Sião ... à cidade consumidor (cons. Dt. 4: 24). O fogo
do Deus vivo, a Jerusalém celestial ... é a forma final de julgamento (Ap. 20:
incontáveis hostes de anjos ... e igreja 10,14).
dos primogênitos Deus, o Juiz ... jus-
tos aperfeiçoados Jesus, o Mediador G. A Vida Cristã na Prática Diária.
de Nova Aliança - tudo isto constitui 13: 1·17.
uma lista propositadamente impressio- A vida cristã esboçada quanto ao
nante por causa dos contrastes pretendi- relacionamento do crente com outras
dos. Novamente, o pensamento está pessoas.
transparente. Certamente estas mara- 1-6. Em primeiro lugar foram men-
vilhas e bênçãos ultrapassam de longe o cionadas as situações normais. Como
alívio temporário a ser ganho mediante na epístola de I João, o amor fraternal,
o retomo ao Judaísmo para escapar ou seu afeto fraternal (CGT) deve per-
à perseguição. Homens de fé têm esta manecer. Uma das constantes evídên-
resplendente esperança sob a nova alian- cias de uma vida cristã sadia é a manei-
ça. Homens de fé já entraram na alegre ra pela qual os irmãos cristãos se dão
companhia dos primogênitos e dos jus- uns com os outros. Por causa da falta
tos aperfeiçoados (prototokon e tete- de lugares públicos de hospedagem,
leiomenon, "primogênitos e aperfeiçoa- a hospitalidade também é recomendada,
dos", segundo Alf e Arndt. Veja tam- particularmente com referência aos estra-
bém Davidson, Epistle to the Hebrews, nhos que conhecem Cristo. Mateus
pág.245-250). 25: 35-40 oferece o mais íntimo para-
25-29. Prestem atenção a Cristo. Não lelo de sem o saber acolheram anjos (ela-
recusem a voz de Cristo falando atra- thon, "inconscientemente").
vés do Evangelho. Se incorreram em Estas obrigações sociais ou relaciona-
perigo aqueles que recusaram a voz de mento humano passa a ser mais expan-
Deus no Sinai, quanto maior o perigo dido para incluir pessoas na cadeia -

-321 -
HEBREUS 13: 3-11

encarcerados. A expressão como se car o seu conforto na presença e pro-


presos com eles inclui o pensamento visão do próprio Deus, pois Ele não os
duplo de simpatia e identificação. Os abandona nem falha. Assim, afirmemos
crentes devem partilhar o que têm com confiantemente: ... não temerei; que me
os presos como se eles mesmos estives- poderá fazer o homem? A última cláu-
sem presos. O uso moderno de "iden- sula é realmente uma pergunta. Josué
tificar-se" abrange a idéia. Uma vez 23: 14 e Salmo 118: 6 testificam da fi-
que os crentes estão confinados ao cor- delidade de Deus.
po terreno, é possível que cada um sofra 7-9. Na Igreja, especialmente, todas
adversidade ou prisão. Por isso, devem as graças cristãs deveriam ser encontra-
simpatizar. das. Lembrem-se do exemplo, diz o au-
Então, é claro que o mais íntimo tor, daqueles que foram os primeiros a
relacionamento humano deveria exibir lhes ensinar a verdade cristã. Eles eram
todas as graças da vida cristã. Se estes notados pela apresentação de uma men-
hebreus se encontrassem em Roma ou sagem verdadeira e um exemplo piedo-
em alguma outra das mais conhecidas so. Eles falavam a palavra de Deus e
cidades do leste do Mediterrâneo, es- viviam vidas santas até o fim de suas
tariam vivendo no meio de uma socie- vidas na terra. Imitai a fé que tiveram.
dade na qual a castidade e a honra no O exemplo seu e deles, ele continua,
casamento eram geralmente despreza- é a pessoa imutável do Senhor Jesus
das. Por outro lado, alguns grupos ou Cristo. Ele é o mesmo; seus propósi-
seitas religiosas ensinavam o celibato e tos são os mesmos; seus alvos são imu-
o ascetismo. O celibato não é uma pro- táveis. Jesus Cristo ontem e hoje é o
teção contra a imoralidade; mas antes mesmo, e o será para sempre, susten-
o casamento honrado é que constitui tando e apoiando assim as declarações
o tipo de vida mais sadio. A castidade do versículo 7. Devoção a Cristo, que
dentro dos laços matrimoniais cons- é imutável, deverá resultar em clareza
titui um forte testemunho cristão. Pes- de doutrina. Então ninguém será levado
soas devassas e libertinas terão de um dia em redor, ou desviado por estranhos
enfrentar seus pecados e práticas diante ensinamentos ou práticas estranhas em
de Deus. nome do Evangelho. As contradições
Quanto ao dinheiro, o escritor ad- dos mestres humanos, o externalismo
verte: Seja a vossa vida sem avareza (Li- e a prática embriônica da justificação
bertai-vos do amor ao dinheiro). Aphi- pelas obras que incluía a abstinência
largyros significa "sem amor ao dinhei- de certos alimentos deveriam ser evita-
ro" e não sem avareza. O modo de vida das.
(vossos costumes) ou disposição a ser 10-17. Não temos nenhum sacrifício
cultivada é a satisfação com aquilo que a fazer; em Cristo já foi feito um sacri-
se tem, ou as cousas que tendes. Se as fício por nós; por isso possuímos um
torrentes de maus tratos que eram lan- altar. As o rdenanças do V.T. conforme
çadas contra estes cristãos judeus por aqui descritas já não têm mais valor.
outros mais prósperos incluiam refe- Quando Cristo sofreu a morte fora do
rências a sua falta de prosperidade, isto arraial sobre a cruz, uma das coisas rea-
acontecia por conta de um muito prã- lizadas foi o descartar-se dos costumes
tico e inteiramente neotestamentárío levíticos. Agora eles são supérfluos. A
aviso. E ainda continua tendo efeito. identificação do crente é com Cristo
Em lugar de procurar o conforto dos fora do arraial. Isto significa rejeição
bens materiais, os cristãos devem bus- do Judaísmo de um lado e rejeição pe-

-322 -
I, 1 I II I I
HEBREUS 13: 11-25

los judeus do outro. Para esses cristãos àqueles que ouviriam ou leriam a carta.
hebreus, esse era o vitupério que tinham Fala de:
de levar. 1) Conforto para enfrentar, durante
Tendo Cristo morrido como oferta e sob as perseguições; para que tivessem
pelos pecados, os crentes deviam de- acesso e comunhão com o Deus da paz.
monstrar, por meio de Jesus, uma con- 2) Esperança no Cristo ressurreto;
duta adequada aos redimidos (vs. 14-17). literalmente, o que Deus tomou a tra-
1) Deviam fixar sua experança não nas zer dentre os mortos.
ordenanças do V.T., mas na cidade ce- 3) Cuidado pessoal e pastoral a Jesus
lestial e na perspectiva celestial; 2) de- nosso Senhor, o grande Pastor das ove-
viam louvar e agradecer a Deus, uma lhas.
vez que o fruto dos lábios devia ser 4) Doutrina e teologia. Todo o confor-
o transbordamento de um coração cheio; to, esperança e cuidado pastoral está
3) deviam mostrar benevolência de todo selado e garantido pelo sangue da eterna
o tipo, pois Deus não se esquece disto; aliança.
e 4) deviam ser obedientes e submissos.
Agradar a Deus poderia fmalmente ser Seguem-se certos pedidos e desejos
reduzido a três práticas ou atitudes fun- pessoais:
damentais, todas mencionadas nesta pas- 1) Que vos aperfeiçoe em todo bem
sagem - louvor, obediência e submissão. (v. 21), ou mais corretamente, que Deus
Isto, pouco comentário exige à luz da realize em vocês o que ainda está fal-
verdade neotestamentária. A benevo- tando. Este pedido transmite o desejo
lência é o que se segue naturalmente. do autor de que os crentes pudessem
No versículo 17 a submissão se relacio- se encaixar adequadamente em suas
na praticamente à atitude dos crentes tarefas, sem fraqueza, faltas ou falhas.
para com os seus próprios líderes. Com Os crentes precisam ser aperfeiçoados
estas palavras de responsabilidade colo- (katartizo).
cada sobre ambos, discípulos e líderes, 2) Conhecer e fazer toda a vontade
o escritor encerra a composição prá- de Deus. Já que Deus opera em nós,
tica e exortatória que começou com nós desejamos trabalhar para Ele em
10: 19. O restante é pessoal. submissão e obediência devotadas.
3) Agradar a Deus através de Jesus
IV. Epflogo Pessoal. 13: 18-25. Cristo. Só o Filho que habita em nós
e opera em nós através do Espírito
Com alguns poucos pedidos pessoais, Santo e da Palavra de Deus pode nos
uma subscrição e saudações, e uma breve levar a agradar a Deus. Que este pedido
bênção, o escritor conclui. seja o clamor dos nossos corações.
18,19. Orai por nós. Um pedido pes- 22-25. Talvez aqui tenhamos o ver-
soal. O escritor pede que seja lembrado sículo-chave da epístola (veja Introd.,
quanto 1) à sua vida, testemunho e ser- A Argumentação da Epístola) quando o
viço pessoais; e 2) seu desejo de logo se escritor implora a seus leitores que acei-
encontrar entre eles. Este é um pedido tem esta exortação. Ele expressa a es-
de oração específico. perança de que ele e Timóteo logo es-
20,21. Ele promete que, em troca, tariam aptos a visitá-los. Envia uma
vai orar por eles, especialmente no que saudação cristã generalizada a todos,
se refere à obediência à vontade de Deus. e acrescenta o indefinido os da Itália
Esta subscrição em forma de oração de- vos saúdam, ou aqueles que são da Itá-
veria constituir uma bênção particular lia vos saúdam, uma declaração genera-

-323 -
lizada indicando que os amigos da Itália As palavras finais são uma bênção
revelaram ao escritor que queriam ser em forma de breve oração, a graça seja
incluídos na saudação cristã. com todos vós.

-324-
I I li I I
A EPÍSTOLADE TIAGO

INTRODUÇÃO

Autoria. O prefácio indica que o autor cia1mente a separação aguda existente


da Epístola de Tiago foi Tiago, servo de entre os ricos e os pobres, sugere uma
Deus,. e do Senhor Jesus Cristo. Mas data antes da destruição de Jerusalém.
quem era esse Tiago? Dos inúmeros A escatologia revelada também aponta
indivíduos que tinham esse nome no para uma data precoce. A expectativa
Novo Testamento, só dois foram apre- da volta do Senhor aumenta de inten-
sentados como possíveis autores desta sidade com o que foi encontrado em
epístola - Tiago, filho de Zebedeu, e I e 11 Tessalonicenses. Não há nenhuma
Tiago, o irmão do Senhor. O primeiro sugestão de uma crença em uma volta
é um candidato improvável. Sofreu o ainda distante, tal como encontramos
martírio em 44 A.D., e não há nenhuma nos últimos livros do Novo Testamento;
evidência de que ocupasse posição de e não há nenhuma visão apocalíptica
liderança na igreja, que lhe desse a auto- ou evoluções semelhantes, como as que
ridade de escrever esta carta geral. Em- encontramos na literatura apocalíptica
bora Isidoro de Sevilha e Dante achas- mais tardia. Os leitores de Tiago viviam
sem que ele foi o autor do livro, esta na expectativa ativa e poderosa da imi-
identidade não tem sido largamente nente volta de Cristo. Nada existe na li-
aceita em nenhum período da igreja. teratura cristã do segundo século que pos-
A opinião tradicional identifica o autor sa se igualar aos ensinamentos escatoló-
como sendo Tiago, o irmão do Senhor. gicos simples e poderosos desta epísto-
A semelhança da linguagem da epís- la.
tola com as palavras de Tiago em Atos A passagem mais difícil para datar
15, a forte dependência do escritor da o livro é a famosa passagem que fala
tradição judia, e a consistência do con- da fé e das obras (Tg. 2: 14-26). Para
teúdo de sua carta com as notícias his- entender estes versículos o leitor deve
tóricas que o Novo Testamento dá em se familiarizar com certas fórmulas pau-
relação a Tiago, o irmão do Senhor, tudo linas; por isso é difícil crer que o autor
tende a apoiar a autoria tradicional. de 2: 14-26 estivesse refutando Paulo.
Isto envolveria uma quase inconcebível
Data e Lugar. Muitas são as opiniões má interpretação da doutrina paulina
prevalecentes sobre a data de Tiago. da justificação pela fé. A passagem se
Aqueles que aceitam a autoria tradicio- explica melhor como ocasionada por
nal costumam datá-la entre o meio dos uma má interpretação de Paulo, não
anos quarenta e o começo de sessenta da parte do autor da epístola, mas da
(exatamente antes da morte de Tiago). parte dos seus leitores. Tal má interpre-
Já foi datada tardiamente, como 150 tação teria mais provavelmente surgido
A.D., por aqueles que defendem a teo- bem no início do ministério de pregação
ria do "Tiago desconhecido" ou de um pública de Paulo. De acordo com o livro
pseudônimo. de Atos, a primeira pregação pública
Embora não possamos ser dogmá- mais extensa de Paulo aconteceu em
ticos a respeito da época em que foi Antioquia (Atos 11: 26). O ministério
escrita, um número de fatores apontam de um ano aconteceu antes da visita por
para uma data mais precoce. As condi- ocasião da fome em Jerusalém em cerca
ções sociais reveladas na epístola, espe- de 46 (cons. Atos 11:27-29; Gl.2:1-

-325 -
10) e a perseguiçao herodiana em 44. considerada como o Novo Israel (cons.
Quanto tempo se passou até que a má G1.3:7-9; 6:16; Fp.3:3), dispersa
interpretação e a aplicação errônea da por um mundo estranho e hostil (cons.
doutrina da justificação pela fé apresen- IPe.1:1,17; 2:11; Fp.3:2ü; Gl.
tada por Paulo chamasse a atenção de 4: 26; Hb. 12: 22; 13: 14). São entre-
Tiago, não sabemos. À vista do fato tanto, muitas as indicações na epístola
dos judeus, cristãos e não cristãos, de de que foi dirigida primeiramente aos
todo o mundo mediterrâneo, estarem judeus que eram cristãos. Isto pode
constantemente se movimentando para constituir mais uma indicação de sua
Jerusalém e fora dela, provavelmente data precoce, uma vez que a única oca-
não foi muito tempo depois. Uma data sião na história da igreja quando alguém
em cerca de 44 para a epístola, durante podia se dirigir a toda a igreja falando
ou imediatamente a perseguição hero- quase que exclusivamente a judeus, foi
diana, se encaixaria melhor em todos antes da primeira missão de Paulo aos
os fatores conhecidos. gentios - o que aconteceu em cerca de
Embora um número de sugestões 47.
opostas tenham sido apresentadas de
vez em quando, poucas são as dúvidas Conteúdo. A Epístola de Tiago é
de que Tiago a escreveu na Palestina. um pedido em prol do cristianismo vi-
Especialmente pelo colorido sugerido, tal. Herder captou o teor deste livro
o escritor indica que ele é um palesti- quando escreveu: "Que nobre é o ho-
niano (cons. 1:10,11; 3:11,12; 5: mem que fala nesta Epístola! Que in-
7). cansável paciência no sofrimento! Que
grandeza na pobreza! Que alegria na
Os Destinatários da Carta. A única
tristeza! Simplicidade, sinceridade, con-
indicação direta no livro que possivel-
fiança direta na oração! Como ele quer
mente sugere quem foram os leitores
ação! Ação, não palavras ... não uma
encontra-se no prefácio: Tiago, servo
fé morta!" (citado por F.W. Farrar em
de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, às
The Early Days of Christianity, pág.
doze tribos que se encontram na dis-
324).
persão, saudações. Tradicionalmente
a frase, às doze tribos, era usada para No verdadeiro espírito dá literatura da
indicar toda a nação judia (cons. o Ecle- Sabedoria, Tiago maneja muitos e diferen-
siástico extra canônico 44: 23; A Assun- tes assuntos. Seus parágrafos curtos e
ção de Moisés 2: 4,5; Baruque 1: 2; abruptos já foram comparados a um colar
62:5; 63:3; 64:3; 77:2; 78:4; 84: de pérolas - cada um é uma entidade se-
3; também veja Atos 26: 7). Mas consi- parada em si mesmo. Há algumas tran-
derando que toda a nação judia, por sições lógicas, mas em grande parte as
mais espalhada que estivesse na Diáspo- transições são abruptas ou nem existem.
ra, não poderia ser considerada como Este fenômeno toma impossível um es-
existindo fora da Palestina, parece indicar boço no sentido usual. Aqui está, entre-
que o significado da frase é simbólico. tanto, uma lista dos assuntos tratados na
Tiago estava escrevendo a toda a igreja, ordem de sua ocorrência na epístola.

ESBOÇO

I. Saudação. 1: 1.

-326 -

I I
'I I I
TIAGO 1: 1-8

11. Provações. 1: 2-8.


111. Pobreza e riqueza. 1: 12-18.
IV. Provação e tentação. 1: 12-18.
V. Recepção da Palavra. 1: 19-25.
VI. Verdadeira religião. 1: 26, 27.
VII. Distinções sociais e "a lei real". 2: 1-13.
VIII. Fé e obras. 2: 14-26.
IX. A língua. 3: 1-12.
X. As duas sabedorias. 3: 13-18.
XI. O mundo e Deus. 4: 1-10.
XII. Julgando. 4: 11, 12.
XIII. Autoconfiança proveniente do pecado. 4:13-17.
XIV. Julgamento do rico inescrupuloso. 5: 1-6.
XV. Paciência até a volta de Cristo. 5: 7-11.
XVI. Juramentos. 5: 12.
XVII. Oração. 5: 13-18.
XVIII. Reabilitando o irmão pecador. 5: 19, 20.

COMENTÁRIO

I. Saudação. 1: 1. melhor seria, quando vos enfrentardes


com várias provações. A palavra pei-
Tiago chama-se simplesmente de ser- rasmos ("provação") tem dois signifi-
vo de Deus, e do Senhor Jesus Cristo. cados. Aqui significa "adversidades ex-
Seus leitores são as doze tribos que se ternas", quando nos versículos 13, 14
encontram na Dispersão, uma designa- ela significa "impulso íntimo para o
ção simbólica para a igreja cristã consi- mal", "tentação".
derada como o Novo Israel, com seus 3. O cristão deve se alegrar na pro-
membros espalhados pelo mundo, em vação e não por causa da provação. Ha-
um ambiente estranho e hostil. Assim via uma grande necessidade nos tempos
Tiago não tem em mente uma simples primitivos da igreja receber o ensina-
congregação mas a igreja toda espalha-
mento ao longo destas linhas, por causa
da pelo mundo mediterrâneo. Sua sau-
das sucessivas ondas de perseguição. O fru-
dação (kairein) é a saudação típica en- to da perseguição é a perseverança (hy-
contrada nas cartas gregas e a mesma que pomone) , ou melhor, resistência. James
foi usada na carta enviada da igreja de Moffatt (The General Epistles, pág. 9)
Jerusalém que Tiago presidia (Atos 15: chama-o de "o poder para suportar a
23). vida". 4. Esta resistência deve ter li-
11. Provações. 1: 2-8. berdade de ação (ação completa). É
um processo que se desenvolve na vida
2. Tiago freqüentemente (pelo menos do cristão, sendo a perfeição o seu alvo
dezesseis vezes) dirigiu-se aos seus leito- (teleios traduz-se melhor por maturi-
res chamando-os de irmãos. Ele e seus dade). O escritor deveria ter em mente
leitores sentiam-se ligados por uma leal- as palavras de nosso Senhor registradas
dade comum a Jesus Cristo. Sua primei- emMt. 5:48.
ra palavra é de encorajamento - tende 5-8. Parece haver uma ligação entre
por motivo de toda a alegria o passar- este parágrafo e o precedente. Tiago
des por várias provações. Uma tradução falava sobre o propósito da provação.

-327 -
TIAGO 1: 8-15

Ele antecipa que alguns dos seus leito- serto que sopra através da Palestina vin-
res dirão que não conseguem descobrir do do leste (cons. 1. Schneider, TWNT,
qualquer propósito divino em suas di- m,644).
ficuldades. Neste caso, diz ele, devem
pedir a Deus que lhes dê sabedoria, isto IV. Provação e Tentação. 1:12-18.
é, visão prática da vida (não conheci-
mento teórico), e Deus atenderá tal pe- 12. A recompensa para a fiel firmeza
dido liberalmente, (generosamente), e não nas provações foi declarada em termos
os censurará nem os reprovará. Há, en- do presente e do futuro. O homem que
tretanto, uma condição estabelecida. O se mantém firme é verdadeiramente
pedido deve ser feito com fé, em nada feliz agora; mas também receberá a co-
duvidando. O homem que vai a Deus roa da vida, a qual o Senhor prometeu
com o seu pedido deve estar certo de que aos que o amam. O genitivo (da vida)
quer o que pede. Tiago compara um está em aposição à coroa. A coroa con-
homem que duvida com a onda do mar, siste em vida, um dom para todos aque-
impelida e agitada pelo vento. Tal ho- les que amam a Deus. Tasker (op. cit.,
mem "não pode esperar nada de Deus" pág. 45) comenta incisivamente que em-
(Phillips). Ele é um homem de ânimo bora nem a nossa fé nem o nosso amor
dobre, isto é, um homem de fidelidade ganhe para nós a vida eterna, é entre-
dividida. Ele faz reservas mentais sobre tanto "um axioma bfblico que Deus
a oração em si mesma e sobre o que tenha abundantes bênçãos reservadas
pede de Deus. para aqueles que O amam, que guardam
os Seus mandamentos e que O servem
fielmente a qualquer custo (cons. Mt.
1lI. Pobreza e Riqueza. 1: 9-11.
19:28; ICo.2:9)".
9. Este parágrafo brota do comentá- 13. Agora Tiago faz a transição para
rio que Tiago faz sobre a provação. A as provações internas, isto é, as tenta-
pobreza é uma adversidade externa. O ções. A palavra tentação (E.R.C.) (v.
cristão pobre deve se regozijar em seu 12) carrega a idéia de seduzir ao pecado.
novo estado em Jesus Cristo. Este re- Tiago provavelmente tinha em mente
lacionamento deu-lhe verdadeira riqueza. a doutrina judia do Yetzer ha ra', "im-
Ele é um herdeiro de Deus e um co-her- pulso do mal". Alguns judeus arrazoa-
deiro com Jesus Cristo! vam que tendo Deus criado tudo, devia
10,11. Um cristão rico, por outro também ter criado o impulso do mal.
lado, deve se regozijar "porque em Cris- E considerando que é o impulso do mal
to foi rebaixado a um nível onde 'os que tenta o homem ao pecado, em úl-
enganos das riquezas' (Me. 4: 19) e a tima análise é Deus, que o criou, O res-
ansiedade de amontoá-las e retê-las já ponsável pelo mal. Tiago aqui refuta
não está mais em primeiro lugar e nem a idéia. Deus não pode ser tentado pe-
mesmo é alvo de considerações relevan- lo mal, e ele mesmo a ninguém tenta.
tes" (R.V.G. Tasker, The General Epis- 14. Em vez de acusar Deus pelo mal,
tle of James, pág.43). Mais ainda, as o homem deve assumir a responsabili-
riquezas são temporárias. São como a dade pessoal dos seus pecados. É a sua
relva verde e suas flores, que logo ama- própria cobiça que o atrai e seduz. Es-
relecem sob o calor do sol da Palestina. tas são, no seu sentido primário, pala-
Kauson (ardente calor) foi aqui usado vras usadas na caça e na pesca que foram
simplesmente falando do calor do sol empregadas aqui metaforicamente. 15.
e não do siroco, o quente vento do de- Quando o desejo do mal se levanta na

-328 -

I , I I 'I I I
TIAGO 1: 15-24

mente, não pára aí. A cobiça dá à luz tinham feito contra Deus. Ou talvez seja
o pecado, e o pecado produz a morte. simplesmente uma declaração generali-
"A morte é assim o produto amadure- zada sobre o ouvir e falar. 20. Quando
cido ou terminado do pecado" (Moffatt, um cristão dá evasão à ira, fica incapaz
op. cit., pág. 19). A morte aqui é a mor- de agir com justiça; e além disso, ele
te espiritual em contraste com a vida não deixa lugar, ou pelo menos atrapa-
que Deus dá àqueles que o amam (1: 12). lha, à vindicação da justiça divina no
16,17. O ponto que o escritor quer mundo.
explicar é que Deus, em vez de ser a fon- 21. Despojando-vos de toda impureza.
te da tentação, como alguns estavam de- Considerando que a Palavra é uma semen-
fendendo, é a fonte de todo o bem na te, deve ter um bom solo onde possa
experiência dos homens. Tiago estava se desenvolver. "Acabem, então", diz
especialmente desejoso de que seus lei- Tiago, "com a impureza e toda sorte
tores o percebessem, e por isso diri- de males" (Phillips). Acúmulo de mal-
giu-se-lhes com ternura, meus amados dade talvez seja uma sugestão de que
irmãos. Pai das luzes é uma referência apenas o excesso do mal deve ser aban-
à atividade criadora de Deus. Um tí- donado. Entretanto, Tasker considera
tulo desses concedido a Deus não era que acúmulo significa "resto". "Cada
desconhecido ao pensamento judeu (cons. cristão convertido traz consigo para
SBK, ur, 752). Embora haja conside- sua nova vida, muita coisa que é incon-
ráveis dúvidas quanto à tradução correta sistente com ela. Isto tem de ser aban-
da última parte do versículo 17, o signi- donado, para que possa entregar-se mais
ficado é bastante claro: Deus é inteira- completamente à obra positiva da recep-
mente consistente; Ele não muda. ção com mansidão a palavra em vós
Em Tiago 1: 18 o escritor chega ao enxertada, E.R.C. (Mais corretamente
clímax de sua refutação à idéia de que implantada, E.R.A.) (op. cit., pág.51).
Deus é o autor da tentação. Ele já de- Esta palavra é poderosa para salvar as
monstrou que tal acusação é contrária vossas almas. 22. O Cristianismo é uma
â natureza de Deus (1: 13) e à Sua con- religião de ação. Por mais importante
sistente bondade (1: 17). Agora ele apela que seja o ouvir (cons. 1: 19), não se
para a experiência que seus leitores tem deve parar por aí. O fazer deve seguir-se
no Evangelho. J. B. Mayor (The Epis- ao ouvir. Ser apenas ouvinte é uma for-
tle of St. James, pág. 62) expõe habil- ma de engano próprio.
mente o ponto alto deste versículo: 23,24. O homem que ouve mas não faz
"No que se refere a Deus nos tentando é como uma pessoa que vê o reflexo de
para o mal, Sua vontade é a causa de seu próprio rosto no espelho. "Ele se vê,
nossa regeneração". Esses cristãos pri- é verdade, mas continua fazendo o que
mitivos foram chamados de primícias fazia sem a menor lembrança do tipo
porque foram a garantia de muitos ou- de pessoa que viu no espelho" (Phíllíps),
tros que viriam. Os tempos deste versículo são inte-
ressantes: contempla (aoristo), se retira
V. Recepção da Palavra. 1: 19-25. (perfeito), esquece (aoristo). "Com o ao-
19. Há uma conexão possível entre risto ele (Tiago) mostra que a impressão
este parágrafo e o precedente. A forte foi momentânea, e o esquecimento ins-
admoestação para que todo o homem, tantâneo; o imperfeito implica em con-
pois, seja pronto para ouvir, tardio para dição contínua de ausência do espelho"
falar, tardio para se irar pode ser uma (H. Maynard Smith, The Epistle of St.
referência à acusação que os leitores James, pág. 85).

-329 -
TIAGO 1: 25-27 - 2: 1

25. O espelho, que revela as imper- pág. 182). Urna vez que os órfãos e viúvas
feições do homem exterior, foi colocado não tinham assistência na sociedade
agora em contraste com a lei perfeita, antiga, eram exemplos típicos daqueles
a lei da liberdade, que reflete o homem que precisavam de ajuda. Além da cari-
interior. Esta é a primeira referência à dade amplificada, a manutenção da pu-
lei na epístola (cons. 2: 8-12; 4: 11). reza pessoal é outro meio pelo qual a
Tiago usa o termo para indicar o lado verdadeira religião se expressa. O mun-
ético do Cristianismo, o didake, "ensi- do aqui e em 4: 4 refere-se à sociedade
namentos". Aqui ele chama a lei de pagã que se opunha, ou pelo menos
perfeita. Compare SI. 19: 7: "A lei do ignorava, a Deus.
Senhor é perfeita, e restaura a alma".
Tiago, na qualidade de judeu, escre- VII. Distinções Sociais e "A Lei
vendo a judeus, está deliberadamente Real". 2: 1-13.
atribuindo a didake os atributos da lei.
Para Tiago ela é perfeita porque Jesus 1. A ênfase colocada sobre a impor-
Cristo a tornou perfeita. Lei da liber- tância da conduta continua neste pará-
dade provavelmente significa que é uma grafo. Aqui se aplica à parcialidade.
lei que se aplica àqueles que têm o sta- Meus irmãos marca a transição para um
tus da liberdade, não da lei, mas do pe- novo assunto (cons. 1:2,19; 2: 14; 3:
cado e do ego, pela palavra da verdade. 1; 5: 1). A E.R.A. e E.R.C. traduz cor-
O homem que olha para esta lei e adquire retamente o verbo no imperativo (a
o hábito de fazer assim (parameinas) outra possibilidade é o indicativo) com-
transforma-se em operoso praticante e binando com a maneira direta de Tiago
encontra a verdadeira felicidade (será escrever. Não se sabe ao certo como o
bem-aventurado no que realizar). genitivo Senhor Jesus Cristo qualifica
fé. G. Rendall sugere a possibilidade
VI. Verdadeira Religião. 1: 26, 27. de considerarmos o genitivo como qua-
litativo, "como se definisse o caráter
26. O autor agora vai do "não ouvir particular da sua fé em Deus. 'A fé em
mas fazer" mais generalizado, para o Deus que tem por apoio e conteúdo
"não simplesmente adorar mas fazer" nosso Senhor Jesus Cristo' , que é o tipo
mais específico. A palavra religioso cristão da fé em Deus" (The Epistle of
(threskos) significa "dado às observân- St. James and Judaic Christianity, pág.
cias religiosas". Neste contexto ela se 46). Entretanto, provavelmente é mais
refere à freqüência aos cultos e a outras fácil considerar o genitivo como obje-
observâncias religiosas, tais como a ora- tivo - "sua fé em nosso Senhor Jesus
ção, esmolas e jejum. Um homem que é Cristo". Seja como for, a fé é fé dinâ-
escrupuloso nestas observâncias, mas fra- mica, confiança dirigida para o Senhor
cassa no controle de sua fala na vida diá- Jesus Cristo. Nada tem a ver com a
ria engana-se a si mesmo, e a sua religião idéia posterior de fé como um corpo de
é vã (Moffatt, fútil). doutrinas a serem cridas. A última
27. "Esta não é uma definição de reli- parte do versículo diz Senhor da, o que
gião, mas uma declaração . . . do que é não aparece no original. Jesus foi sim-
melhor do que os atos de adoração exteri- plesmente chamado de "a glória", uma
ores. Tiago não pretendia reduzir a reli- referência óbvia ao Shekinah (cons. Jo.
gião à uma pureza negativade conduta su- 1:14; I1Co.4:6; Hb.l:3). O ponto
plementada por visitas de caridade" (Ja- principal deste versículo é que toma-se
mes H. Ropes, The Eplstie of St. James, inconsistente apegar-se à fé cristã e ao

-330 -

I I 'I I I
TIAGO 2: I-lO

mesmo tempo demonstrar parcialidade. aos que o amam. 6. Outro motivo por-
2. Agora o escritor cita uma ilustra- que é inconsistência mostrar favor espe-
ção para reforçar a idéia. Um homem cial aos ricos é que foram justamente
rico com anéis de ouro e muito bem eles que perseguiram os cristãos. Tri-
vestido e um homem pobre andrajoso bunais é uma referência às cortes judias
(maltrapilho) entram na assembléia (sy- que eram autorizadas e reconhecidas
nagoge). O uso desta palavra para o lugar pela lei romana. 7. O ponto alto do
de reunião dos cristãos tem dado lugar argumento de Tiago contra o favoreci-
a muitas conjeturas sobre o autor e mento dos ricos é que blasfemam o
leitores da epístola; mas como diz Black- bom nome. Não é o nome de "cristão"
man, "deve-se lembrar que as duas pa- que eles blasfemam mas o nome de Je-
lavras synagoge e ekklesia são sinônimos sus Cristo, o bom nome que sobre vós
aproximados, e pode-se imaginar que foi invocado.
synagoge e não ekk/esia é que deve ter 8. A lei régia está ligada à declaração
se transformado no termo regular para de 2: 5, onde Tiago lembra seus leitores
a igreja propriamente dita. Assim é pos- de que Deus escolheu os pobres para
sível que a palavra fosse usada por Tiago serem os herdeiros do reino. A lei ré-
aqui como sobrevivência dos tempos gia, então, é para os que pertencem ao
quando o seu uso era normal" (The reino de Deus. Traduzindo o particí-
Epist/e of James, pág.77). O autor pio grego mentoi para "re almente ",
usa ekklesia em 5: 14. 3. O homem ri- destaca exatamente que Tiago acna que
co recebe tratamento preferencial. Re- os seus leitores, demonstrando parcia-
cebe o melhor lugar (ka/os). Há uma lidade para com os ricos, não estão
possibilidade de que ka/os possa ser cumprindo esta lei. 9. Pois o amor não
traduzido para "por favor". Em qual- faz acepção de pessoas. Na verdade,
quer um dos casos o rico recebe trata- a parcialidade é pecado. A lei aqui não
mento especial, enquanto o pobre recebe é a lei do V.T. (embora Lv. 19: 15 trate
ordem abrupta para ficar de pé, ou na da parcialidade), mas o didake, todo o
melhor das hipóteses, assentar-se no espírito daquilo que é contrário à par-
chão abaixo do estrado, isto é, em um cialidade.
lugar humilde. 10. A idéia da solidariedade da lei
4. O verbo traduzido, não fizestes encontra-se nos escritos rabínicos (cons.
distinção ... ? está na voz passiva e de- SBK, Ill, 755). Tiago adota esta idéia
veria ser traduzido, "vocês não estão imo mas a batiza em Cristo. A. Cadoux
pondo linhas divisórias?" A divisão es- escreve: ''Tiago olha para a lei, não
tá "entre a profissão e a prática, entre como se fosse um número de injunções,
a profissão da igualdade cristã e a defe- mas como um relacionamento pessoal...
rência prestada à posição e à riqueza" não como um exame, onde nove res-
(Richard Knowling, The Epist/e of St. postas certas garantem a aprovação, ape-
James, pág. 44). Por meio de tal atitu- sar da errada, mas como uma amizade,
de revelam-se juízes tomados (não de) onde cem atos de lealdade não podem
de perversos pensamentos, isto é, juí- ser colocados contra uma traição" (The
zes com falsos valores. Thought of St. James, pág.72). Esta
5. Aqueles que concedem tratamen- idéia está intimamente associada com
to especial ao rico deixam de considerar o conceito cristão da comunhão com
que escolheu Deus os que para o mundo Cristo. Transgressão de um preceito da
são pobres, para serem ricos em fé, e regra cristã de fé é uma brecha no todo,
herdeiros do reino que ele prometeu porque interrompe a comunhão com o

- 331-
TIAGO 2: 11-18

objeto da fé. a fé em discussão é a fé nominal ou es-


11. A ordem dos dois mandamentos púria. Isto fica claro através de 1) a de-
citados (o sétimo antes do sexto) deve-se claração, se alguém disser que tem fé,
provavelmente à ordem da LXX no CÓ- e 2) o uso do artigo definido com a pa-
dex Alexandrino. Se este é o motivo, lavra fé na última cláusula (Pode, acaso,
então interpretações sútis deste versí- semelhante fé salvá-lo?). É apenas uma
culo ficam excluídas. Ele simplesmente falsa fé que não resulta em obras e que
reforça com exemplo específico o que o é incapaz de salvar. Por obras Tiago
autor disse através de um princípio ge- não tem em mente a doutrina judia das
ral no versículo anterior. obras como meio de salvação, mas antes
12. Agora Tiago chega ao resumo de obras da fé, o resultado ético da verda-
sua exortação. Os crentes devem falar deira piedade e especialmente a "obra
e agir (com referência especial ao com- do amor" (cons. 2: 8).
portamento em relação aos pobres) co- 15,16. Cita-se agora um exemplo.
mo aqueles que hão de ser julgados pela O "mal-vestido" e o faminto é um ir-
lei da liberdade. Há um juízo para o mão ou irmã, isto é, um membro da
cristão, e será com base no seu relacio- comunidade cristã. O irmão necessita-
namento com o padrão ético cristão, do é despedido com estas palavras vazias,
a lei que liberta os homens, aceita sem Ide em paz, aquecei-vos, e fartai-vos, sem
compulsão (cons. Rm. 14: 10; 11 Co. 5: ao menos levantar a mão para atender às
10). 13. Este versículo é uma advertên- suas urgentes necessidades. Tiago per-
cia que Deus não mostra misericórdia gunta com indignação: "De que adianta
para com aqueles que não são miseri- isso?" (Phillips). O movimento do sin-
cordiosos (cons. Mt. 18: 21-35). E, gular para o plural (vós) pode indicar
inversamente, a misericórdia triunfa so- que "Tiago considera todos os membros
bre o juízo, isto é, o juízo de Deus é da irmandade responsáveis por essas
impedido por meio de atos de mise- observações insensíveis ainda que uma
ricórdia. só pessoa as tenha pronunciado" (Tasker,
op. cit., pág. 64). 17. A fé sob discussão,
VIII. Fé e Obras. 2: 14-26. que não é fé afinal de contas, além de ser
inútil e inaceitável, é morta. A fé que
Esta é a mais conhecida e mais debati- não se preocupa, através de participação
da passagem da epístola. Estes versículos, ativa, com as necessidades dos outros
mais do que quaisquer outros, levaram não é fé nenhuma.
Martinho Lutero a descrever este livro 18. As dificuldades neste versículo
como "uma epístola que não passa de surgem do fato de o manuscrito gre-
palha". A maior parte das dificuldades go antigo não conter sinais de pon-
na interpretação de 2: 14-26 surgiram tuação. Apresenta-se o objetante com
por não se entender que: 1) Tiago não mas alguém dirá, uma forma muitas
estava refutando a doutrina paulina da vezes encontrada em sermões pregados
justificação pela fé, mas antes uma per- nas antigas sinagogas (cons. A. Marmors-
versão dela. 2) Paulo e Tiago usaram as tein, "The Background of the Haggadah"
palavras obras e justificação em senti- Hebrew Union College Annual, VI
dos diferentes. Estes serão discutidos (1929), pãg. 192). Quantas palavras do
no comentário. versículo devem ser consideradas como
14. A resposta que as duas pergun- parte da objeção fica em aberto, mas
tas deste versículo aguardam é um "não!" provavelmente é melhor apenas incluir,
sonoro. É importante que se note que Tu tens fé e eu tenho obras. Tiago re-

-332-
I " I ! 'I I I
TIAGO 2: 18-26 - 3: 1

futa esta tentativa de separar a fé e as de separar a fé das obras, ou vice-versa


obras com o desafio: Mostra-me essa (cons. 2: 18). No seu caso as duas an-
tua fé sem as obras. Certamente ele dam de mãos dadas. As obras produzem
crê que isto é impossível. o aperfeiçoamento da fé. 23. No ato
19. Crença na unidade de Deus (que de obediência de Abraão se cumpriu
Deus é um só) era artigo fundamental a Escritura (Gn.15: 6). Amigo de Deus
do credo dos judeus. Tiago assegura era um título geralmente aplicado a
que tal crença é boa. Entretanto, se tal Abraão (cons. Is. 41: 8; 11 Cr. 20: 7;
crença estiver carente de feitos, não ul- também o extra-canônico dos Jubileus
trapassa a fé dos demônios. Eles, tam- 19: 9; 30: 20; Testamento de Abraão,
bém, são monoteístas, mas isto apenas diversos lugares). 24. Este versículo
os faz estremecer (tremem), presumi- é a resposta conclusiva à pergunta do ver-
velmente à vista do juízo de Deus (cons. sículo 14. Uma fé estéril, improdutiva,
Mc.5:7; Mt.8:29). não pode salvar um homem. A verda-
20. Tiago atinge um novo ponto deira fé há de se demonstrar nas obras,
em sua argumentação com as palavras, e só uma fé assim produz justificação.
Queres ... ficar certo. Agora ele está 25. O segundo exemplo escriturís-
pronto a acrescentar argumentos escri- tico de Tiago contrasta notavelmente
turísticos para apoiar seu exemplo de com Abraão. Raabe era mulher, gentia
fé operante. Moffatt traduz ó homem e prostituta. Foi escolhida para mos-
vão (E.R.C.) mais incisivamente, Você, trar que o argumento de Tiago abrangia
sujeito insensato. A E.R.A. segue a tra- uma vasta escala de possibilidades (por
dução inoperante em vez de morta da E. isso o uso de kai com he porne, "mesmo
R.C., e com razão, porque a última é o sendo prostituta"). Ela, tal como Abra-
resultado da harmonização com 2: 26. ão, evidenciou sua justificação através
Arge (inoperante) neste contexto, pro- da ação (cons. Js. 2: 1-21).
vavelmente seria melhor compreendida 26. A declaração que conclui os en-
como significando "que não produz sinamentos de 2: 14·26 mostra que a
salvação" . relação entre a fé e as obras é tão ínti-
21. O exemplo escriturístico apresen- ma quanto a do corpo com o espírito.
tado é o nosso pai Abraão. Que ele foi A vida é o resultado da união em ambos
considerado o antepassado de todos os exemplos. Quando os dois elementos
os cristãos verdadeiros está claro em Gl. estão separados, resulta a morte. "A
3: 6-29. O uso da palavra justificado fé falsa é virtualmente um cadáver" (F.
aqui não deve ser confundido com o J. A. Hort, The Epistle of St. James,
uso que Paulo faz do termo em relação pág.45).
a Abraão (cons. Rm. 4: 1-5). Paulo apon-
ta para a justificação inicial de Abraão
IX. A Língua. 3: 1-12.
quando ele "creu em Deus, e isto lhe
foi imputado por justiça" (cons. Gn. 1. A questão do falar é um dos assun-
15: 6). Tiago está se referindo a um acon- tos de mais destaque neste livro (cons.
tecimento que teve lugar muitos anos 1:19,26; 4:11,12; 5:12). Esta,en-
mais tarde, quando Abraão foi instruí- tretanto, é a passagem clássica, e está
do a oferecer o seu filho Isaque. Atra- endereçada aos mestres. Primeiro Tiago
vés desse ato ele demonstra a realidade adverte seus leitores de que não devem
da experiência de Gênesis 15. ficar muito ansiosos para ensinarem,
22. A vida de Abraão assim exem- por causa da responsabilidade que en-
plifica notavelmente a impossibilidade 'volve.

-333 -
TIAGO 3: 2-13

2. Considerando que o mestre usa ficando "toda a existência humana".


palavras constantemente, esta é uma Este tremendo poder para o mal pos-
área especialmente perigosa para ele. suído pela língua vem diretamente do
Tropeçamos em muitas cousas, mas inferno (Gehenna).
os erros mais difíceis de evitarmos são 7,8. A ordem de Deus ao homem
aqueles que envolvem a língua. Assim, (Gn. 1: 26) para dominar os peixes do
o homem que consegue controlar a sua mar, etc. tem sido executada com suces-
língua é cognominado de perfeito varão. so, a língua porém, nenhum dos homens
Tendo domado o membro mais rebelde, é capaz de domar. Mas é claro que
ele é capaz de refrear também todo o Deus pode domá-la! É um mal incon-
seu corpo. tido. Embora carregado de veneno mor-
3. "O mesmo acontece com os ho- tífero o Senhor a tem controlado nas
mens e os cavalos: controle-se suas bocas vidas de muitos, resultando em gran-
e vocês serão senhores de toda sua ação" des bênçãos para a humanidade. 9,10.
(Ropes, op. cit., pág. 229). Davi, no SI. A língua também é inconsistente. Ela
39: 1, usa a figura de um freio em rela- é usada para realizar seus mais altos
ção ao controle da fala. 4. Esta outra propósitos, isto é, para bendizer a Deus,
ilustração aponta para o poder da lín- mas também é usada para maldizer os
gua. Ela é como um pequeno leme que homens. Tal inconsistência, especial-
controla um grande navio. O que a mente no caso dos cristãos (meus ir-
frase, e batidos de rijos ventos, quer mãos), não é conveniente que estas cou-
dizer não está muito claro a não ser sas sejam assim. 11,12. As ilustrações
que o e seja interpretado como "mes- da fonte e da figueira mostram que
mo quando". Então o significado seria "tal incongruência de comportamento
que o leme vira o navio mesmo duran- é uma revolta contra a natureza, onde
te as tempestades ferozes. tudo prossegue ordenadamente no seu
5. Do poder de govemar ou contro- curso para o bem ou para o mal" (B.S.
lar a língua, o autor agora passa para o Easton, lhe Epistle of James, pág. 48).
seu poder destrutivo. Ela pode ser um
X. As Duas Sabedorias. 3: 13-18.
pequeno órgão, mas vangloria-se de
grandes cousas. E a sua glória tem razão 13. Embora toda a Epístola de Tiago
de ser! Uma pequena fagulha pode in- seja uma literatura sobre a Sabedoria,
cendiar toda uma floresta. 6. Tasker esta (sophia) só foi expressamente men-
(op. cit., pág. 76) considera mundo de cionada nesta passagem e em I: 5. É
iniqüidade como significando "todas as importante que a idéia judia (nlIo grega)
características más de um mundo de- sobre a sabedoria seja mantida em men-
caído, sua cobiça, sua idolatria, sua te. Hort define a sabedoria em Tiago
blasfêmia, súa concupiscência e sua ava- como "a capacitação do coração e men-
reza voraz". Tudo isto encontra expres- te necessária para uma conduta justa"
são através da língua, e conseqüente- (op. cit., pág. 7). Sábio (sophos) é o
mente contamina o corpo inteiro. termo técnico para mestre, e entendido
A língua também põe em chamas (epistemon) para o conhecimento espe-
toda a carreira da existência humana. cial. Através do condigno proceder o
Hort diz que esta é uma das mais difí- sábio deve demonstrar em mansidão de
ceis frases da Bíblia. Embora a frase sabedoria suas obras ... O orgulho do
provavelmente seja técnica, com sua conhecimento sempre tem sido o peca-
origem fora da Palestina, Tiago a usa do costumeiro dos mestres profissio-
aqui em um sentido não técnico, signi- nais.

-334-

I " I I 'I I I
TIAGO 3: 14-18 - 4: 1-4

14. O orgulho do conhecimento no ta última é adquirida pelos pacificadores


caso dos leitores de Tiago deu vazão à que semeiam a paz.
inveja amargurada e ambição egoista,
XI. O Mundo e Deus. 4: 1-10.
que resultou na vanglória (nem vos glo-
rieis), sendo assim contra a verdade. O 1. Guerras e contendas foram suge-
autor não quer dizer aqui que os mes- ridas em contraste com a paz do versí-
tres estivessem se apartando da dou- culo precedente. Tiago tinha em mente
trina ortodoxa, mas antes que pela sua não as guerras entre as nações mas as dis-
vida inconsistente eles estavam mentin- cussões e divisões entre os cristãos. A
do contra a verdade do Evangelho. fonte destas encontra-se em vossos de-
15. Esta "falsa" sabedoria está carac- leites (hédonõn, que realmente signi-
terizada não como a sabedoria que desce fica prazeres E.R.A.) que nos vossos
lá do alto, isto é, não tem a sua origem membros guerreiam (E.R.C.).
em Deus (cons. 1: 5). Pelo contrário 2. Vocês querem e não têm; então
é terrena, animal e demoníaca. "Es- vocês matam E vocês cobiçam e não
tas três palavras ... descrevem a falsa conseguem obter; então vocês lutam e tra-
sabedoria, que não tem origem divina, vam guerras. Não é necessário amenizar
numa seqüência crescente - pertence ou corrigir a tradução matais. Ropes
à terra, não ao mundo de cima; mera
â tem razão quando diz: "Tiago não está
natureza, não ao espírito; e aos espíri- descrevendo a condição de alguma co-
tos hostis do mal e não de Deus" (Ropes, munidade em especial, mas está anali-
op. cit., pág. 248). 16. A conjunção zando o resultado da escolha dos pra-
pois indica que o que vem a seguir é a zeres em lugar de Deus" (op. cit., pág.
prova do que se acabou de dizer. Falsa 255). Assim a força é quase condicio-
sabedoria produz confusão (perturbação, nal, "Se vocês desejam ... Se vocês co-
E.R.C.) - provavelmente uma referên- biçam ..."
cia a discussões na igreja - e toda espé- Um dos motivos porque seus dese-
cie de cousas ruins. Deus não é um Deus jos (neste caso, os legítimos) não esta-
de confusão (I Co. 14: 33), nem simpa- vam se realizando era porque não pediam
tizante do mal (I Jo. 1: 5). Portanto, a Deus, que é o único que pode satisfa-
uma "sabedoria" que provoca uma si- zer os desejos humanos. 3. O segundo
tuação como essa não pode vir de Deus. motivo se encontra na motivação ina-
17. Em contraste fica a sabedoria lá ceitável daqueles que pedem - para es-
do alto. E o dom de Deus; é sabedoria banjardes em vossos prazeres. A condi-
prática, sabedoria que preserva a uni- ção essencial de toda oração se encontra
dade e a paz. Por causa dos seus atri- em IJo. 5: 14: "Se pedirmos alguma
butos - pura, pacífica, indulgente, tra- coisa, segundo a sua vontade, ele nos
tável, plena de misericórdia e de bons ouve".
frutos, imparcial, sem fingimento - al- 4. Adúlteros da E.R.C. não se encon-
guns comentadores concluíram que a sa- tra nos melhores manuscritos e por isso
bedoria aqui é na realidade Cristo. À deve ser omitido. O fato de Tiago se
luz da antiga identificação de Cristo dirigir a seus leitores chamando-os de
com a Sabedoria de Deus, não parece adúlteras (E.R.C.), â moda dos profetas
ser impossível. 18. O fruto da justiça do V.T. que falavam de Israel como
provavelmente significa "o fruto que sendo a esposa de Jeová (cons, Is.54:
é a justiça". A declaração então faz 5; Jr. 3: 20; Ez. 16: 23; Os. 9: 1, etc.),
um contraste com 1: 20: A ira do ho- é forte evidência de que o autor era ju-
mem não produz a justiça de Deus. Es- deu e os leitores também. Manter a ami-

-335 -
TIAGO 4:4·13

zade com o mundo é "ter boas relações camente comprovado pelos imperativos
com pessoas, poderes e coisas que são seguintes: Purificai as mãos, uma referên-
pelo menos indiferentes para com Deus, cia à conduta visível; limpai o coração,
caso não sejam abertamente hostis" uma referência às motivações do íntimo.
(Ropes, op. cit., pág.260), e assim Um homem de ânimo dobre se caracte-
é estar em inimizade contra Deus. riza pela lealdade dividida. E de acordo
5. Uma outra razão porque um cris- com esta passagem, o mundanismo é,
tão não pode ser amigo do mundo está basicamente, lealdade dividida. O fa-
nas Escrituras. Há um grupo de possí- moso ensaio de Kierkegaard, "Pureza
veis traduções para as palavras que se de Coração é Desejar uma Só Coisa",
seguem, mas acompanhando o contexto teve origem neste versículo.
de uma determinada tradução, Deus e 9. Aqui está um chamado ao arre-
não o Espírito é o sujeito do verbo: pendimento diante do pecado grave. Afli-
Ele se enternece com ciúmes pelo Es- gi-vos, isto é, "sintam-se miseráveis" (cons.
ptrito que colocou em nós para habi- Rm. 7: 24), lamentai e chorai. Estas
tar. Deus é um Deus zeloso (cons.Ex. atitudes são mais condizentes do que
20: 5 ; 34: 14; Dt. 32: 16; Zc. 8 : 2 ; o riso e a alegria (isto é, frivolidade e a
I Co. 10: 22), e portanto não há de to- leviandade do mundo) à vista das cir-
lerar uma fidelidade dividida. Nenhuma cunstâncias. Tristeza (melancolia) "é
passagem específica do V.T. contém a expressão abatida e mansa daqueles
as palavras deste versículo, mas muitas que estão envergonhados e arrepen-
passagens expressam sentimento seme- didos" (Moffatt, op. cit., pág.64). 10.
lhante. Tiago retoma à sua exortação inicial
6. As dificuldades em se viver para na série (4: 7) com as palavras, humi-
Deus dedicadamente num mundo mau lhai-vos. A promessa se emparelha
são muitas, mas Ele dá maior graça, a com elas, e ele vos exaltará.
qual aqui parece significar "ajuda gra-
tuita". E essa ajuda gratuita Deus põe XII. Julgando. 4: 11, 12.
à disposição, como diz Pv. 3: 34, não
para os soberbos, pessoas auto-suficien- 11. Novamente o autor volta ao as-
tes, mas para os humildes, homens de- sunto do abuso da linguagem. Nesta
pendentes. passagem parece que os interesses do
7. A chamada sujeitai-vos, portanto, irmão e da lei se identificam. Falar mal
a Deus (o primeiro dos oito imperativos do irmão ou julgá-lo é falar contra a lei
imediatos) segue-se logicamente à promes- e tornar-se juiz da lei. 12. Superiori-
sa da graça para os humildes. Calvino dade à lei pertence a Deus somente. Ele
observa inteligentemente: "Submissão é o Legislador e Juiz, e nas mãos dEle
é mais do que obediência; ela envolve estão as questões da vida e morte. À
humildade". O diabo, inimigo de Deus, vista disto, Tiago pergunta, quem és,
deve ser enfrentado com resistência e, que julgas ao próximo?
então, ele fugirá de vós (cons, Mt. 4: XIII. Autoconfiança pecaminosa. 4:
1-11). Estes são dois importantes passos 13·17.
na fuga ao pecado do mundanismo.
8. Os imperativos continuam com 13. A atitude dos negociantes aqui
chegai-vos a Deus. Comunhão íntima descritos é outra expressão do munda-
com Deus assegura Sua amizade (e ele ni~mo que produz o afastamento de
se chegará a vós) e aparta do mundo. Deus. Os mascates mencionados eram
Que o mundanismo é pecado está pitares- judeus que tinham um comércio lucra-

-336 -

I' 1 1 'I I I
TIAGO 4: 13-17 - 5: 1-6

tivo por todo o mundo mediterrâneo. e eterno" (op. cit., pág.284). A rique-
São descritos fazendo planos cuidado- za deve ser usada para bons propósitos,
sos para suas empreitadas comerciais não entesourada.
e declarando: Hoje, ou amanhã, ire- 3. A ferrugem da riqueza acumu-
mos para a cidade tal, etc. 14. Nada há lada será uma testemunha contra os
de mau em tal planejamento propria- ricos, porque Deus quer que a riqueza
mente dito. Entretanto, os planejadores seja usada para o bem da humanidade.
ignoravam dois pontos. O primeiro é Ela também destruirá os próprios ri-
a limitação dos seres humanos, o que cos - há de devorar, como fogo, as vos-
limita seu conhecimento - não sabeis sas carnes. A frase, para os últimos
o que sucederá amanhã. O segundo é dias (E.R.C.) provavelmente deveria ser
a incerteza da vida, a qual Tiago com- mudada para nos últimos dias (ERA.).
para à neblina, ou à fumaça. Ela aponta para o fato que, embora os
15. Um homem cristão, ao fazer ricos não o percebam, os últimos dias
os seus planos, deve reconhecer a sua já chegaram.
dependência de Deus e dizer, Deo valen- 4. Outro pecado dos homens ricos
te, se o Senhor quiser. 16. Mas o reco- era o defraudar cruel dos pobres lavra-
nhecimento da dependência de Deus dores. Esta atitude era particularmente
não era o caso entre os leitores de Tiago. séria porque era explicitamente contrá-
Antes, eles se gloriavam presunçosamente ria à lei de Moisés (cons. Dt. 24: 14, 15).
(vos jactais das vossas arrogantes preten- Deus, que aqui é chamado de Senhor
sões). Tiago denuncia a gabolice como dos exércitos, um título que sugere Sua
um mal. 17. Uma advertência final onipotência soberana, não ficava desa-
para os negociantes autoconfiantes. Eram tento diante desta injustiça. Seus ouvidos
cristãos. Portanto sabiam que a humil- estavam abertos aos gritos dos pobres
dade e dependência de Deus são essen- trabalhadores.
ciais na vida cristã. Saber e não fazer, é 5. O terceiro pecado dos ricos era
pecado. o Seu luxo e prazeres. Vida extravagan-
te não passava de uma engorda para o
XIV. Julgamento dos Ricos Inescru- dia de matança. Esta frase foi extraída
pulosos. 5: 1-6. de Jeremias (12: 3). No período inter-
1. Os ricos aqui mencionados não testamentário (cons, I Enoque 94:9) as-
são cristãos, mas, apesar disso, a adver- sumiu um significado escatológico, e nes-
tência se aplica a todos os homens, in- ta passagem foi usado com referência
clusive cristãos. Tiago é consistente ao dia do juízo.
com os ensinamentos do N.T. em geral 6. O homem justo não é Jesus mas o
em atacar os ricos não apenas porque pobre (generalizadamente), que foi tra-
são ricos, mas porque fracassaram em tado sem míserícórdía pelos ricos. Mof-
sua mordomia, O chorar e prantear fatt (op. cit., pág.70) indica que a pala-
não são sinais de arrependimento mas vra matado tinha um significado mais
expressões de remorso em face do juízo. amplo, na ética judia, do que tem agora.
2. Ambos os verbos deste versículo Particularmente relevantes são as decla-
e o primeiro verbo do versículo seguinte rações do Eclesiástico apócrifo 34: 21,
estão no tempo perfeito. Ropes os des- 22: "O pão do necessitado é a vida do
creve habilmente como "declarações pi- pobre; qualquer um que os priva dele
torescas e figurativas da verdadeira inu- é um homem de sangue. Privar o pró-
tilidade desta riqueza à vista daquele que ximo do seu ganha-pão é assassiná-lo;
conhece o valor do que é permanente deixar de pagar o salário a um empre-

-337 -
TlAGO 5: 6-15

gado é derramar sangue". Aqui a refe- exemplo de perseverança. Este é o único


rência em Tiago foi feita provavelmente lugar do N.T. onde Já foi mencionado. O
aos "homicidas judiciais", uma vez que ponto principal da ilustração de J6 é que
a declaração começa dizendo conde- "a paciente perseverança mantém-se sobre
nado. Pessoas pobres são arrastadas a convicção de que as dificuldades não
para os tribunais (cons. Tg. 2: 6) e nada são sem significado, mas que Deus tem al-
podem fazer para se defender. Ficam guma finalidade e propósito nelas, o que
completamente à mercê dos ricos ines- Ele há de realizar ... " (Moffatt, op.
crupulosos. Apesar de todos esses maus cit., pág. 74).
tratos, o pobre não resiste.
XVI. Juramentos. 5: 12.
XV. Paciência até a Volta de Cristo.
5: 7-11. Duvidamos que este versículo tenha
alguma ligação com o precedente. Acima
7. Tiago agora deixa de lado o rico
de tudo é, provavelmente, uma hipérbole
mau e passa a aconselhar o pobre opri-
para o bem da ênfase. O assunto em dis-
mido. Suas instruções são no sentido
cussão não é a irreverência, mas a hones-
do pobre suportar com paciência sua
tidade. Easton faz uma paráfrase do
situação econômica e social à vista da
versículo: "Abstenham-se de todos os
iminente volta. do Senhor. Não há ne-
juramentos, pois eles enfraquecem o sen-
nhuma sugestão aqui de subversão. Co-
so de obrigação do homem de falar a
mo exemplo de alguém que deve exer-
verdade em todas as ocasiões; habituem-
citar a paciência, Tiago cita o caso do
-se a um simples "sim" ou "não" (op.
lavrador que espera o precioso fruto da
cit., pág. 69).
terra. Na Palestina, as primeiras ... chu-
vas (outubro/novembro) vinha depois
da semeadura e as últimas chuvas (abril/ XVII. Oração. 5: 13-18.
maio) quando os campos já estavam
amadurecendo. Ambas eram de suma 13. Sofrendo (sujeito a calamidade de
importância para o sucesso da colheita. qualquer tipo). A aflição exige oração;
um coração alegre, louvor. Cante lou-
8. Do mesmo modo o cristão, diz vores. A tradução salmos é demasiado
Tiago, não deve perder a paciência dian- limitada para psalleto.
te das adversidades, mas deve estabele- 14. Em caso de séria enfermidade,
cer firmemente o seu coração à vista do Tiago aconselha, que os presbíteros
fato de que a vinda do Senhor está pro- (uma referência a oficiais definidos) da
xima. 9. As adversidades causam ten- igreja deveriam ser chamados. Suas ora-
sões, e estas se expressam nos relaciona- ções deveriam ser acompanhadas da
mentos humanos. Por isso Tiago adverte, unção com óleo em nome do Senhor.
não vos queixeis uns dos outros. Tal Em alguns casos o azeite tem valor te-
atitude os coloca em perigo de julgamen- rapêutico, mas na maioria dos casos
to, e o juiz está às portas dos pobres. o seu uso deve ser antes compreendido
10,11. Além dos lavradores, também, como um socorro à fé. 15. Está claro
os profetas são citados como exemplos de neste versículo que não é o azeite que
sofrimento e paciência. É estranho que o cura o doente, mas antes o Senhor é
exemplo de Cristo não fosse aqui citado que o levanta em resposta da oração
como em I Pé. 2: 21-23. J ó era tradicio- da fé. Isto não é uma sugestão de que
nalmente considerado um profeta, e aqui Deus sempre atende a oração do cren-
foi explicitamente citado como um te. Toda oração, inclusive a oração pela

-338 -

I I 'I I I
TIAGO 5: 15-20

cura, fica sujeita à vontade de Deus. por três anos e meio também não se
Às vezes, é claro que não é sempre, a encontra no V,']'.
doença é o resultado do pecado pessoal.
XVIII. Regenerando o Irmão Peca-
Talvez isto é o que se quis dizer com
dor. 5: 19,20.
se houver cometido pecados. De qual-
quer maneira, o doente tem a certeza A declaração, Meus irmãos, se algum
do perdão dos pecados. entre vós se desviar da verdade, e as duas
16. A oração, para ser mais eficaz, referências a sua regeneração, parecem
deve ser inteligente. Por isso encontra- indicar claramente que o homem em
mos a exortação, confessai, pois, os vos- questão é um cristão. Converte não é
sos pecados uns aos outros. Isto não o termo exato. Se um cristão vê que o
quer dizer que os cristãos devem entre- seu irmão abandonou as doutrinas da fé
gar-se a confissões públicas indiscrimi- cristã e as responsabilidades morais que
nadas ou mesmo particulares. E certa- delas brotam, e tem a possibilidade
mente a passagem nada tem a ver com de trazê-lo de volta para a comunhão
as confissões secretas feitas a um sacer- com Cristo e Sua Igreja, as conseqüên-
dote. Os crentes devem confessar suas cias são duplas: 1) salvará da morte a
faltas apenas para que possam orar uns alma dele (a do pecador), e 2) cobrirá
pelos outros. Não tem havido unani- multidão de pecados. Uma vez que o
midade quanto â tradução da última N.T. ensina a segurança do crente em
parte deste versículo, mas o significado Cristo, é melhor aceitar a referência
é claro: um homem bom tem grande feita â morte como sendo a morte fí-
poder em suas orações. sica. A igreja primitiva cria e ensinava
17. O exemplo é Elias, homem se- que a persistência no pecado pode cau-
melhante a nós, sujeito aos mesmos sar a morte física prematura (cons. I Co.
sentimentos. Suas orações provoca- 11: 30)0 Os pecados cobertos não são os
ram a seca e acabaram com ela. Tiago do reconciliador (isto sugere a doutrina
parece ter extraído o exemplo de alguma judia que as boas obras contrabalançam
outra fonte que não o V.T", uma vez as más) mas do desviado. Eles ficam
que as orações de Elias quanto à seca cobertos diante de Deus, que é apenas
e o seu fim não são mencionadas na outra maneira de dizer que foram per-
narrativa do V,']', A duração da seca doados.

-339 -
PRIMEIRA EPÍSTOLA DE PEDRO

INTRODUÇÃO

O Escritor. Esta carta pretende ser são dos seus autores humanos (I Pe. 1:
escrita pelo apóstolo Pedro (1: 1). O au- 10-12).
tor também se intitula um ancião e teste- I Pedro declara explicitamente que foi
munha dos sofrimentos de Cristo (5: 1). escrita pelo apóstolo Pedro, e parece que
Ele escreve com a ajuda de um Silvano não houve considerações sobre o conteú-
(5: 12) e fala de um Marcos que está do ou estilo que possam refutar tal reivin-
com ele (5: 13). dicação. Na verdade, ela contém decla-
Ao tratar com qualquer manuscrito rações aqui e acolá que fortemente fa-
antigo, presume-se de início que o es- zem lembrar expressões de Pedro confor-
critor é inteligente e honesto. Suas me registradas em Atos. A referência
declarações sobre assuntos aparentemen- que o escritor faz ao Pai como juiz que
te dentro do seu âmbito de conhecimen- julga "sem acepção de pessoas" (1: 17)
to, e particularmente qualquer afirma- faz lembrar as palavras de Pedro a Cor-
ção sobre si mesmo e suas atividades, nélio e ao grupo de gentios na casa dele
são consideradas dignas de crédito. A (Atos 10: 34). A alusão a Deus como
dita obra literária é estudada então em tendo ressuscitado Cristo dos mortos
busca de consistência interna, e as obras (I Pe. 1: 21, e outras) faz lembrar que
de autores contemporâneos e posterio- o apóstolo foi uma das testemunhas
res são esquadrinhadas em busca de características da ressurreição em Atos
referências diretas a este autor ou à sua (2: 32; 3: 15; 10:40). E a proclama-
obra e de possíveis alusões à mesma, ção de Cristo como a "principal pedra
citações dela, ou quaisquer outras evi- de esquina" profeticamente vista por
dências de conhecê-la. A pressuposição Isaías, em I Pe. 2: 7;8, assemelha-se mui-
original de autenticidade e exatidão não to às palavras de Pedro ao Sinédrio em
se altera até que estes estudos adicio- Atos 4: 11.
nais revelem qualquer evidência que force Mestres têm apontado para a seme-
o contrário. lhança com as obras paulinas (Harnack
Com referência às Escrituras Sagra- achava que I Pedro era demasiadamente
das, há para os mestres cristãos um imbuída do espírito do Cristianismo
outro fator importante que opera em paulino para ser obra de Pedro), a rela-
seus estudos. A igreja histórica sempre ção da epístola com Tiago e sua indu-
tem crido firmemente que as obras canô- bitável afinidade com Hebreus. Mas
nicas, além de serem o resultado do re- outros mestres, principalmente DI. Char-
gistro cuidadoso de homens honestos, les Bigg (St. Peter and St. Jude, no /n-
também personificam o elemento do ternational Criticai Commentary), argu-
milagre divino; elas são "inspiradas por mentam que tais semelhanças podem
Deus" (Il Tm. 3: 16), e algumas vezes ser interpretadas como reflexo de Pedro
até chegam a transcender a compreen- nesses outros escritos tanto quanto o

-340 -

I I 'I I I
inverso, que podem muito bem ser con- pelo Sinédrio judeu, mas que os roma-
sideradas como pontos de vista e modo nos logo perceberam que ali estava um
de falar comuns entre os cristãos dos tipo de vida incompatível com o paga-
tempos apostólicos, e que nada existe nismo, o qual, do seu ponto de vista,
no fato que lance dúvidas sobre a indi- tinha de ser impedido. A perseguição
vidualidade do escritor de I Pedro ou de Paulo e Sílas em Filipos parece que
que indique que este escritor não seja foi nesta base e sem instigação judia.
o apóstolo Pedro, conforme indica o Os missionários prejudicaram organha-
primeiro versículo da epístola. -pão dos adivinhos pagãos. E a lei romana
As referências perseguição e sofri-
â protegia o direito de cada homem de ga-
mento, tão destacadas em I Pedro, fo- nhar o seu pão sem interferência.
ram estudadas mais detalhadamente pelos Dr. Bigg sente que I Pedro pertence
mestres para verificar como correspon- a este estágio precoce da oposição pagã,
dem ao que se conhece da história das antedatando até mesmo a perseguição
perseguições dos cristãos primitivos. Dr. de Nero que se seguiu ao incêndio de
S. J. Case ("Peter, Epistles of", em Roma (64 A.D.), do qual Nero acusou
HDAC) destaca três ondas principais os cristãos. Certamente esta data pre-
nas perseguições primitivas: durante os coce não é impossível nem irracional,
reinados de Nero (54-68 A.D.), Domi- e .harmoniza-se melhor com a reivindi-
ciano (81-96 A.D.) e Trajano (98-117 cação da autoria de Pedro para a epís-
A.D.). Ele segue os mestres que consi- tola. Isto não significa, é claro, que as
deram I Pedro refletindo não apenas um cartas de Plínio a Trajano não conte-
estágio avançado e severo de persegui- nham ítens que nos ajudem grandemen-
ção, mas uma perseguição que se espa- te em nosso estudo da perseguição con-
lhou às províncias da Ásia Menor men- forme vista em I Pedro.
cionada em I Pe, 1: 1. Evidências externas apóiam fortemen-
Referindo-se ã correspondência de te a autenticidade desta epístola. Embo-
Plínio com o imperador Trajano, a qual ra Irineu (130-216 mais ou menos) fosse
versava sobre o castigo imposto aos o primeiro que conhecemos a citar Pe-
cristãos durante o domínio de Plínio dro pelo nome, os mestres do Novo Tes-
(que começou em 111 A.D.) sobre Pon- tamento encontraram alusões a I Pedro
to e Bitínia, duas das províncias às quais e seus paralelos na Epístola de Barnabé
I Pedro foi dirigida, Case a considera (cerca de 80 A.D.), na obra de Clemente
como o cenário que melhor correspon- de Roma (95-97 AD.), no Pastor de Her-
de às declarações de I Pedro sobre perse- mas (começo do segundo século) e nas
guição. Para seguir esta linha de racio- posteriores obras patrísticas. Policarpo,
cínio até a conclusão, colocando a ori- que sofreu o martírio em 155 AD.,
gem desta epístola durante o reinado cita I Pedro, embora sem mencionar o
de Trajano, seria tarde demais para nome do seu autor.
ser obra de S. Pedro. O próprio Dr. Ca- Eusébio (cerca de 324 A.D.) diz que
se, à vista das outras linhas de evidência, Papias (que escreveu em cerca de 130-
não adota esta conclusão. 140 A.D.) "usou o testemunho da pri-
Outros mestres interpretam I Pedro meira epístola de João e semelhante-
como uma advertência antecipada con- mente de Pedro" (Ecc1esiastical Bis-
tra a perseguição que se aproximava, para tory, 3.39.17). Ele coloca IPedro en-
a qual as coisas já estavam se movimen- tre os livros aceitos sem dúvidas por
tando. Bigg destaca que as perseguições toda a igreja. Mais ainda, I Pedro en-
primitivas foram grandemente inspiradas contra-se na versão siríaca da Bíblia

-341-
chamada Peshito, e nas versões cóptica, referência à Roma. Para os destinatá-
etíope, armênia e árabe. Suas confir- rios de I Pedro, que deveriam saber ime-
mações externas são realmente fortes diatamente, através do remetente, de
e corroboram a reivindicação desta epís- onde vinha a carta, não haveria proble-
tola ser da autoria do apóstolo Pedro. mas sobre esta discretamente velada
Época e Lugar. A época e o lugar referência à Roma.
quando e onde I Pedro foi escrita, admi- A chegada de Pedro a Roma foi cal-
tindo sua autoria petrina, estão intima- culada por Chase (op. cit.) em cerca do
mente relacionadas. 5: 13 dá a impres- fim do ano 63 A.D. Líghtfoot a coloca
são de que a epístola foi escrita na "Ba- no começo do ano 64 A.D. A chegada
bilônia". Havia uma colônia de refu- de Paulo Roma como prisioneiro ocor-
â

giados assírios com este nome no Egito, reu mais cedo, em 61 ou 62 A.D. A tra-
no lugar onde está hoje localizada a mo- dição diz que Paulo foi libertado depois
derna Cairo. Mas durante o primeiro de dois anos em Roma, e que 11 Timó-
século não passava de um posto militar, teo foi escrita um pouco antes de sua
e a tradição não apóia que Pedro tenha execução, mais tarde, fora de Roma, que
morado ali. assim fica datada de 67 ou 68 A.D. Esta
Sabe-se que a Babilônia sobre o Eu- segunda prisão é discutida, entretanto, e
frates abrigou uma congregação judia em aqueles que a contestam colocam 11 Ti-
36 A.D., e durante o Pentecostes havia móteo em cerca de dois anos depois da
judeus da Babilônia em Jerusalém. É chegada de Paulo a Roma e estipulam-lhe
bem possível que tenha havido ali uma a data de 63 ou 64 A.D. Isto seria um
igreja cristã subseqüentemente. Mas pouco antes do martírio de Paulo, e por
lá pelo fim do reinado de Calígula (41 ocasião da pretendida chegada de Pedro
A.D.) a colônia judia da Babilônia foi à Roma. É interessante notar que Mar-
dispersa por violenta perseguição e massa- cos, que foi chamado à Roma por Paulo
cre. Parece bastante improvável que esta (11 Tm.4: 11), estava com Pedro quando
epístola fosse escrita de lá. esta primeira epístola foi escrita, como
Há uma antiga e forte tradição que também Silas, o amigo de Paulo e seu
defende a residência de Pedro em Roma ex-companheiro de viagem (I Pe. 5: 12,
durante a última parte de sua vida. Esta 13).
idéia era generalizadamente defendida A epístola, então, poderia muito
por toda a igreja antes da Reforma. Não bem ter sido escrita de Roma em mais
é impossível, entretanto, que os refor- ou menos na ocasião do início da perse-
madores, quando insistiram na Babilô- guição de Nero em 64 A.D. Colocá-la
nia Assíria ao interpretar a referência logo após o começo desta perseguição
de Pedro em IPe.5:13, fossem motiva- parece receber o apoio da clara referên-
dos parcialmente pela sua oposição às cia da epístola ao ardente cadinho do so-
declarações de que o papado romano frimento
descendia de Pedro. Mas o uso simbó- A Mensagem da Epístola. Escrita aos
lico dos nomes do V.T. para cidades co- cristãos das cinco províncias da Ásia Me-
nhecidas era bem próprio dos tempos nor, a epístola foi endereçada aos leito-
apostólicos. Paulo comparava J erusa- res dirigindo-se a eles como se fossem
lém com Hagar e o Monte Sinai (Gl. viajantes dispersos e estrangeiros, uma
4: 25). Em Ap. 11: 8 Jerusalém é cha- figura muito familiar à Israel e tiraniza-
mada de "Sodoma e Egito", e em Ap. da, mas também inteiramente aplicável
17: 18 está claro que a senhora de escar- aos muitos leitores cristãos gentios de
late denominada "Babilônia" é uma Pedro. Que ele tinha estes cristãos gen-

-342-

I I 'I I I
tios em mente está absolutamente visí- 22: 32), e novamente, "Amas-me? ..
vel na carta. Ele lhes lembra que, em- Apascenta os meus cordeiros" (10.21:
bora antigamente "não éreis povo", 15-17). "Quando te converteres", real-
eram agora o povo de Deus (2: 10). mente! Pois o Pedro anterior ao Pente-
Ele descreve sua vida passada vivida costes, longe de ser uma rocha espiritual,
na concupiscência dos gentios (4: 3,4). era um composto vacilante de lealdade
E por que este interesse da parte de humana a Cristo e interesses próprios
Pedro? Muitas daquelas províncias da traiçoeiros. "Não a cruz!" fora o seu con-
Ásia ouviram seu sermão no Pentecos- selho ao seu Senhor (Mt. 16: 22). E quan-
tes (Atos 2: 9), e muitos sem dúvida do Jesus caminhava na direção desse
voltaram para casa como colonizadores instrumento de dor, na vontade de Seu
espirituais. Mais tarde Paulo desenvol- Pai, Ele o fez sem a companhia de Pedro.
veu trabalho evangelístico na Ásia, mas Mas o Pentecostes, com a poderosa
de maneira limitada, tendo sido proibi- plenitude do Espírito, operou mudança
do pelo Espírito Santo de trabalhar in- radical. E agora Pedro, que já sofrera
tensivamente (Atos 16: 6-8) naquela re- espancamento e enfrentara a morte nas
gião. Talvez por causa do esplêndido mãos de Herodes, adianta-se para enco-
começo já feito pelo Evangelho nessas rajar e fortalecer seus queridos irmãos
localidades. da Ásia a enfrentarem o iminente Calvá-
Pedro podia bem se lembrar das in- rio que ele - talvez já envolvido nas
junções do seu Senhor, "Quando te con- cruéis perseguições de Nero - estaria
verteres, confirma teus irmãos" (Lc. vendo se aproximar deles.

ESBOÇO

Tema: O sofrimento na vida do crente.


Versículo chave: I Pedro 4: 1.
I. Conforto e ânimo no sofrimento. 1: 1-25.
A. Saudação. 1: 1,2.
B. Conforto nos fatos compreendidos pelo evangelho de Cristo. 1: 3-12.
C. Conforto na santidade de vida divinamente adquirida. 1: 13-25.
11. A réplica disciplinada da santidade prática. 2: 1 - 3: 22.
A. As bases negativa e positiva da santidade. 2: 1-3.
B. A participação dos leitores em uma santa comunidade, a Igreja. 2: 4-10.
C. Vida irrepreensível, resposta à perseguição. 2: 11 - 3 : 13.
1. Deferência para com estatutos, autoridades, concidadãos. 2: 11-17.
2. Submissão dos servos, mesmo diante da injustiça. 2: 18-25.
3. Deferência das esposas para com os maridos. 3: 1-6.
4. Consideração para com as esposas. 3: 7.
5. Amor divino entre os santos. 3: 8-13.
D. Vitória no meio do sofrimento injusto. 3: 14-22.
1. Bem-aventurança básica, libertação do terror. 3: 14, 15a.
2. Apologética deferente apoiada em probidade de vida. 3: 15b-17.
3. Cristo, o exemplo do crente. 3:18-21.
4. Cristo, o conforto do crente. 3: 22.
111. O significado espiritual do sofrimento. 4: 1-19.
A. Sofrimento físico, um tipo da morte da vida na carne. 4: 1-6.
1. A morte de Cristo, o exemplo e o recebimento do poder. 4: 1a.

-343 -
I PEDRO 1: 1-3

2. Morrer para a natureza do pecado; viver para Deus. 4: lb-6.


B. A "vida crucificada" caracterizada pelo amor divino. 4: 7-11.
C. A purificação através do fogo da perseguição. 4: 12-19.
N. Amor divino como guia na vida da igreja. 5: 1·11.
A. Os anciãos devem governar com amor. 5: 1-7.
B. O diabo deve ser enfrentado com graça divina. 5: 8-11.
V. Saudações finais e bênção apostólica. 5: 12-14.

COMENTÁRIO

I. Conforto e Ânimo no Sofrimento. tiam cada vez mais sozinhos. Eles eram,
1: 1-25. na verdade, aqueles que foram escolhidos
e preferidos por Aquele cujo favor é
A. Saudação. 1: 1,2. todo-importante. Como em outras
1. Pedro, apóstolo de Jesus Cristo. passagens do N.T., a doutrina da elei-
Humanamente falando, esta é uma pro- ção foi colocada em compatibilidade
clamação direta da autoria da epístola. com a responsabilidade pessoal, con-
Só uma única pessoa poderia se identi- forme qualificada pela presciência de
ficar assim, o apóstolo Pedro. Negar Deus (veja Rm. 8: 29), e operando na
essa reivindicação é caracterizar a epís- vida real através de santidade concedida
tola como "fraude sagrada" e levantar (santificação do Espírito, 11 Ts. 2: 13).
sérias dúvidas sobre como uma carta O resultado é obediência a Deus e puri-
assim escrita poderia ser usada para ficação de corrupção incidental através
orientação ética e espiritual. Aos ...fo- da contínua aspersão do sangue de Jesus
rasteiros da Dispersão. O grego pode- Cristo (Hb. 12: 24). Aos seus queridos
ria ser assim traduzido, aos estrangei- irmãos assim saudados, Pedro deseja
ros residentes na dispersão. Eles não graça (a palavra grega sugere a saudação
eram pessoas estranhas a Pedro, mas gentia Kairei "Alegre-se!") e paz (remi-
temporariamente residentes nas provín- niscência da saudação oriental Shalom!
cias da Ásia Menor mencionada por Pe- "Paz!"). Observe, também, a inclusão
dro. Sua verdadeira cidadania estava no de referência a todas as três pessoas
céu (cons. Fp. 3: 20, gr.). O apóstolo, da Trindade nesta saudação.
escrevendo especialmente para conforto B. Conforto nos Fatos Compreendi-
desses peregrinos, alguns dos quais sem dos pelo Evangelho de Cristo. 1: 3-12.
dúvida convertidos em resultado do seu 3. Bendito o Deus e Pai de nosso
sermão no Pentecostes, tomou imedia- Senhor Jesus Cristo. Começando ade-
tamente conhecimento da separação e quadamente com esta atribuição de
até mesmo do ostracismo que os marcava louvor e crédito a Deus, a fonte de to-
entre seus vizinhos. A expressão "dis- do benefício, Pedro começa a esboçar
persão" estava cheia de significado puno um quadro de riqueza espiritual para
gente para os judeus dispersos. Pedro a- os seus leitores, uma riqueza que per-
dapta esta figura aos seus leitores gentios. manece firme â disposição deles apesar
2. Eleitos, segundo a presciência de de todas as provações e indignidades.
Deus Pai. O Espírito Santo ajudou Pedro, Primeiro vem o fato do novo nascimen-
até em suas palavras introdutórias, a ante- to, visto que Deus nos regenerou (gr.) ,
cipar um firme fundamento para o confor- segundo a sua muita misericórdia, com
to que ia dar a esses cristãos que se sen- a resultante posse de uma viva esperança,

-344-

I I 'I I I
I PEDRO 1: 3-11

esta esperança e certeza centralizando-se Alegria é um elemento do fruto do


no fato inteiramente comprovado e mui- Espírito (G1. 5: 22). Por várias prova-
tas vezes proclamado da ressurreição ções ou tentações (gr., peirasmos). Eram
de Cristo. mais do que as vicissitudes comuns à
4. O resultado de um novo nascimen- vida. Aqui está uma referência ao peso
to é uma nova herança, que foi descrita das perseguições, além das que já esta-
como incorruptível (indestrutível), sem vam sendo experimentadas pelos cris-
mácula (sem mancha), imarcescível (fres- tãos.
ca) e reservada (vigiada) nos céus para 7. O valor da vossa fé. Esta palavra
vós outros. Para os leitores de Pedro, usada para valor está intimamente rela-
que já tinham renunciado à sua parte na cionada com a idéia de aprovação. O
herança terrena de Israel, a prometida resultado final, não o processo, está
terra dos antepassados, e que também em foco. Esta demonstração da quali-
tinham de passar pela proscrição e pri- dade eterna da sua fé demonstrada bri-
vação dos bens terrenos (veja Hb.lO: lhantemente como resultado das pro-
34), este pensamento da verdadeira he- vações, excede de longe o brilho do
rança daria conforto e equilíbrio. Como ouro que passou pelo fogo, em sua na-
isto nos faz lembrar as advertências de tureza perecível, e será achada em lou-
nosso Senhor aos seus discípulos para vor, glória e honra na (ou pela) revela-
que convertessem suas propriedades ter- ção de Jesus Cristo. Há um significado
renas em verdadeiras riquezas! (por exem- duplo aqui. Além desta provação da
plo, tc. 12: 33,34). 5. Que sois guar- fé ser achada compensadora para os
dados pelo poder de Deus. Esta herança cristãos na vinda de Cristo, ela presen-
guardada é "para vós que estais guarda- temente é para a glória de Cristo por
dos" (isto é, por uma guarnição militar). causa de Sua revelação (gr., apocalypsis)
A palavra para guardados é a mesma pa- no sofrimento deles (cons. Paulo em G1.
lavra grega usada por Paulo em Fp.4: 3: 1). Compare estas referências à segun-
7 - "E a paz de Deus ... guardará os da vinda de Cristo nos versículos 5 e 7
vossos corações e os vossos sentimentos" . com aquelas do sermão de Pedro no
Mediante a fé. Esta é a resposta do cris- Templo (Atos 3: 20, 21) e em sua men-
tão diante da provisão de Deus (cons. sagem na casa de Comélio (Atos 10: 42).
Hb. 10: 38, 39). Para salvação prepa- 8. A quem ... amais; no qual ... e-
rada, para revelar-se no último tempo. xultais. Cristo pessoalmente, apropriado
pela fé, é a alegria inefável do crente
Aqui está uma salvação já desfrutada,
(veja também C1. 1: 27). 9. Obtendo o
o significado pleno daquilo que aguarda
fim da vossa fé, a salvação. Esta não é
uma revelação final (gr. apocalypsei. uma referência ao futuro mas ao pre-
6. Nisso exultais, embora, no presen- sente. No seu amor e fé em Cristo, eles
te por breve tempo ... contristados. Aqui tinham Aquele que é a salvação e a ale-
está a alegria do cristão, independente gria (10. 17: 3).
das circunstâncias, paradoxal para o mun- 10. A respeito desta que os profe-
do. Esta é a razão por que Paulo e SUas tas indagaram. Literalmente, eles bus-
podiam cantar com as costas laceradas. caram e investigaram. Eles estavam in-
Deveria se enfatizar que esta alegria trigados com o plano da salvação de
não é simplesmente uma antecipação Deus. 11. Investigando ... os sofrimen-
intelectual das possessões futuras mas tos referentes a Cristo, e sobre as glórias.
uma apropriação presente da riqueza A idéia de salvação accessível através
de Deus mediante o Espírito Santo. de um Messias sofredor era um misté-

-345 -
I PEDRO 1: 11-21

rio para a totalidade dos judeus (C1. antiga ignorância" (cons. Ef. 2: 3). Os
1: 26, 27). A introdução de Pedro desejos da vida cristã foram mudados;
às profecias da glória mediante o sofrí- mas se o cristão não vigiar, ele pode
mento deviam ter grandemente enco- ainda ser "atraído e engodado pela sua
rajado seus leitores. Era o caminho própria concupíscêncía" (Tg. 1: 14). 15,
profetizado nas Escrituras, o caminho 16. Segundo é santo aquele que vos cha-
trilhado pelo seu Senhor, e o caminho mou. A iminente volta de Cristo, a pre-
que eles mesmos estavam sendo convo- ciosa esperança do crente, também é um
cados a percorrer. 12. Não para si mes- forte incentivo à santidade (I Jo. 3: 3).
mos, (os profetas) mas para vós outros Pois Cristo é santo. Lembre-se da emba-
ministravam. Um importante princí- raçosa conscientização de Pedro de seu
pio na inspiração. Deus tem, às vezes, próprio pecado e atrazo quando subita-
revelado através das Escrituras Sagra- mente fo i confrontado com o Cristo res-
das mistérios além da compreensão dos surreto quando estava pescando no Mar
escritores (cons. Dn. 12: 8, 9). Aqui, da Galiléia uma certa manhã (10.21:
então, está um evangelho que foi dado 7). Isto faz pensar em uma situação
pelos profetas, proclamado pelos pre- semelhante quando pela vez primeira
gadores investidos com o Espírito Santo, foi chamado pelo Senhor (Lc, 5: 8).
objeto da admiração dos anjos. Procedimento, comportamento. Sede sano
tos. Este era um mandamento muito
C. Conforto na Santidade de Vida bem conhecido de todos quantos conhe-
Divinamente Adquirida. 1: 13-25. ciam ol)entateuco (Lv. 11: 44; 19: 2;
13. Por isso, cingindo o vosso enten- 20: 7; cons. 5: 48).
dimento. Ele os exorta a se sentirem 17. SI:: invocais como Pai. Pedro está
encorajados na tomada de consciência falando com pessoas que oram e clamam
do amor de Deus (cons. Hb. 12: 12, 13). a Deus por livramento da injusta per-
Sede sóbrios. Uma injunção para consi- seguição, mas que deveriam perceber que
derar os fatos sensatamente, sem ex- o próprio Deus é um juiz. Com temor.
cesso de emoção e pânico (repetido em Esta percepção produzirá um cuidado
4: 7; 5: 8). Esperai inteiramente (per- santo. O sábio se conhece pelo que é
feitamente, com maturidade). A pa- e a quem ele teme (Mt. 10: 28).
ciência cristã tem uma qualidade espi- 18,19. Não foi mediante cousas cor-
ritual. É a "paciência da esperança em ruptíveis ' .. que fostes resgatados. Aque-
nosso Senhor Jesus Cristo, diante de las eram pessoas simples e pobres. Pela
nosso Deus e Pai" (I Ts. 1: 3) .. Na graça segunda vez (cons. v.7) Pedro se refere
que vos está sendo trazida (gr., que está desdenhosamente à riqueza temporal
sendo efetuada). Sem dúvida não po- quando comparada com a herança da
demos compreender isto inteiramente. salvação que não tem preço. Do vosso
Certamente inclui a redenção do corpo fútil procedimento que vossos pais vos
(Fp. 3: 21; Rm. 8: 23). Compare com a legaram. Pelo precioso sangue ... de
declaração do versículo 5 acima. Pode Cristo. A palavra precioso (gr., timios)
ser uma referência à graça ministrada é peculiaridade de Pedro. A ausência
divinamente aos mártires na hora da de pecado no Cordeiro, ou Seu sofri-
morte. mento vícãrío, forneceram a base para
14. Como filhos obedientes (E.R.C.). uma nova e celestial escala de valores.
Literalmente, filhos da obediência (E.R. 20, 21. Conhecido, com efeito, antes
A.). Não vos amoldeis (cons. Rm. 12: 2) da fundação do mundo ... manifestado.
"com os fortes desejos que tínheis na O sofrimento de Cristo não foi uma emer-

-346-

I I 'I I I
I PEDRO 1: 20-25 - 2: 1-5

gencia. Foi o melhor dos planos de Deus lavras gregas sugerem a fome impaciente
à vista do pecado do homem. Isto seria e voraz da criancinha na hora da sua re-
um pensamento confortador para os feição. Pedro falou da palavra de Deus
santos que estavam, agora eles mesmos, operando na regeneração deles (1: 23-
sob grande pressão. De vós. Melhor, 25). Agora ele insiste que os recém-nas-
através de vós. Cristo realmente foi ma- cidos cultivem um apetite sadio por esta
nifesto através deles quando confiaram palavra, a qual, embora poderosa, é sim-
e esperaram no mesmo Deus que O res- ples ou autêntica (na tradução, genuí-
suscitou dos mortos. no) e elementar, como o leite. Deste
22. Tendo purificado as vossas almas. modo seus leitores crescerão "para a
Pedro apela para a autenticidade da con- salvação". Estas últimas palavras, encon-
versão deles, uma realidade bem perce- tradas em alguns dos melhores manus-
bida pelos seus leitores. Eles já tinham critos, referem-se ao livramento final
sido purificados. Essa mudança de co- do crente (cons. 1: 5, 13). 3. Se é que
ração produzira "o amor fraternal, não já tendes a experiência. Eis aqui outro
fingido" (gr., philadelphiai. Ele os exor- lembrete da graça que eles já experi-
ta a seguir e praticar o mesmo princípio: mentaram (cons. SI. 34: 8).
amai-vos de coração WIS aos outros ar-
dentemente. 23-25. Fostes regenerados B. A Participação dos Leitores em uma
... mediante a palavra de Deus. Como Santa Comunidade, a Igreja. 2: 4-10.
a regeneração parece frágil à mente hu- 4. Chegando-vos para ele, a pedra que
mana, quando repousa, como o faz, ape- vive. Agora Pedro está se ocupando da
nas na palavra de Deus. Mas Pedro cita grande e confortadora garantia de que
a grande afirmação de Isaías de que esta os seus leitores, que estão sendo despre-
aparentemente frágil e invisível enti- zados e ostracizados como gente sem
dade - a Palavra de Deus - sobrevi- origem e sem importância (cons. "es-
verá a todos os fenômenos naturais (Is. trangeiros", 1: 1) pelos seus vizinhos,
40: 6-8). E esta é a palavra que dá sig- são membros de uma comunidade santa
nificado à fé deles e a eles próprios. e gloriosa, a Igreja. Ele começa devida-
mente pela questão do relacionamento
11. A Réplica Disciplinada da Santi- pessoal com Cristo, Ele mesmo rejeitado
dade Prática. 2: 1 - 3: 22. como eles, mas como eles eleito (elei-
tos, cons. 1: 1) de Deus e precioso (pe-
A. As Bases Negativa e Positiva da
dra ... para com Deus eleita e preciosa).
Santidade. 2: 1-3.
Novamente esta palavra "precioso"; cons.
1. Despojando-vos, portanto, de toda 1: 19 e abaixo.
maldade. Há uma fase negativa e puri- 5. Também vós mesmos, como pedras
ficadora na santidade (Ef. 4: 22 e segs.; que vivem. Aqui está uma identificação
CI. 3: 9 e segs.). Eis aqui os desagradá- na natureza com Cristo. As mesmas pa-
veis defeitos centralizados no amor pró- lavras são usadas com referência aos
prio: maldade, ou, mais exatamente, crentes e ao Senhor. A passagem faz
espirito de maldade; dolo, que esconde claramente lembrar as palavras do Se-
o motivo indigno que procura alcançar; nhor a Pedro, "Tu serás chamado Cefas
hipocrisias, que aparenta uma honesti- (pedra)" (Jo. 1: 42); e novamente, "Tu
dade que não existe; maledicências, que és Pedro (uma pedra), e sobre esta pedra
prejudicam os outros para o seu próprio (formação rochosa) edificarei" (Mt. 16:
bem. 18). Observe que na presente passagem
2. Desejai ... como crianças. As pa- Pedro destaca o seu Senhor, não a si

-347 -
I PEDRO 2: 5-11

mesmo, no santo edifício que é a Igreja. que também foram postos (gr., condi-
Sois edificados casa espiritual. Compare cionados). O mesmo divino propósito
Ef. 2: 19-22. Considera-se que a Igreja que, com base na presciência de Deus,
transcende a glória do Templo judeu. escolheu os leitores de Pedro por Seus
O argumento nesta parte do capítulo, próprios filhos, tristemente ordenou os
até I Pe. 2: 10, pode dar a entender que desobedientes para sua única alterna-
as indignidades e pressões experimen- tiva.
tadas pelos crentes eram instigadas pe- 9,10. Vós, porém, sois raça eleita
los judeus, embora aceitas também pelos (gr. genos, "raça, classe"). Isto se asse-
gentios, e que só iriam ocorrer nos pri- melha muito aos ensinamentos do pró-
meiros dias da igreja. Sacerdócio santo, prio Cristo. Sua referência à pedra de
a fim de oferecerdes sacrifícios espiri- esquina rejeitada estava em conexão com
tuais, agradáveis a Deus por intermédio sua parábola sobre os lavradores rebeldes
de Jesus Cristo. Considera-se que a ofer- que mataram o Filho do proprietário
ta de Cristo abriu o Santo dos Santos da vinha. Ao mesmo tempo e junto com
a todos os crentes e suplantou os sacri- a sua referência à pedra rejeitada, ele
fícios judeus. Por meio de Cristo, o ho- disse aos líderes judeus, "O reino de
mem antes pecador pode agora fazer Deus vos será tirado, e será dado a uma
uma oferta aceitável a um Deus santo nação que dê os seus frutos" (Mt. 21:
(cons. Rm.12: 1,2). 43). Agora Pedro está escrevendo a esta
6. Pois isso está na Escritura. Agora "nação", cuja evidente realeza e valor
Pedro cita sua fonte, Is. 28: 16. É inte- imediatamente a distingue como os fi-
ressante observar que neste versículo lhos do Rei e reflete o crédito sobre
de Isaías a ênfase foi colocada sobre a Aquele que os chamou das trevas do
função da pedra como "o fundamento mundo para a Sua luz. As palavras tra-
infalível" (cons. I Co. 3: ll ). Sem dú- duzidas para povo de propriedade exclu-
vida o gosto de Pedro por esta figura siva é literalmente um povo para lucro
vem do uso que nosso Senhor fez dela (gr., peripoiesis). Às vezes a palavra
(Mt. 21 :42), segundo as palavras de SI. indica a garantia de uma propriedade
118: 22, 23. O próprio Pedro usou-a desejada ("adquirirão para si", I Tm.
diante do Sinédrio: "Ele é a pedra que 3: 13; "ele resgatou com seu próprio
foi rejeitada por vós, os edificadores" sangue", Atos 20: 28). Às vezes signifi-
(Atos 4: 11). ca uma preservação ou salvação. Em
7,8. Para vós outros, portanto, os que Hb. 10: 39 foi traduzido para "con-
credes (gr), é a preciosidade; mas para os servação" e contrasta com "perdição".
descrentes ... pedra de tropeço. Aqui É uma tremenda palavra de encoraja-
foi usada a forma nominal de "precio- mento. Este é um povo grandemente
so"; literalmente, uma honra, uma coisa estimado, um povo a ser salvo, um povo
estimada. Aqui está uma simples repre- a ser possuído. Pedro finaliza esta dou-
sentação de Cristo como o Salvador e trina com as palavras de Oséias (l: 6,
Juiz. Misericórdia rejeitada transforma- 9; 2: 23). Os que antigamente não
-se em condenação. Isto, novamente, (eram) povo - muito provavelmente
era doutrina de Cristo (Mt. 21: 44; Jo. uma referência aos seus antepassados
12: 48). Na presente passagem os cren- gentios - agora são povo de Deus.
tes são colocados em contraste com os
descrentes. A fé, então, aparece como C. Vida Irrepreensível, Resposta à Per-
obediência ou disposição básica (cons. seguição. 2: 11 - 3: 13.
"obedientes à fé", Atos 6: 7). Para o 11. Peregrinos e forasteiros . . . vos

-348-

I I
'I I I
I PEDRO 2: 11-20

absterdes, Pedro remove rapidamente o 15. Pela prática do bem, façais emude-
quadro da realeza deles, vira a página, e cer a ignorância dos insensatos. Plínio,
os chama novamente de peregrinos. no seu relatório a Trajano sobre os cris-
Apanha novamente o pensamento de tãos do Ponto e Bitínia, duas das pro-
2: 11 e os adverte a que se "mantenham víncias mencionadas em 1: 1, fala dos
afastados" dos seus desejos carnais que "crimes aliados ao nome" dos cristãos.
fazem guerra contra a alma. A figura Embora acontecesse em uma época con-
de linguagem "combatem contra" não sideravelmente posterior (112 AD. mais
é de uma luta corpo-a-corpo, mas de ou menos), é uma ilustração da maneira
uma expedição planejada contra um ignorante e injusta pela qual as pessoas
objetivo militar. Devemos compará-la de um grupo podem ser consideradas
com a fria atitude de exploração de criminosas. A resposta de uma vida
Dalila para com os apetites de Sansão digna seria a melhor das respostas.
a ruo de destruí-lo. 12. Mantendo exem- 16. Como livres. Auto-controle im-
plar o vosso procedimento (a mesma pelido pelo Espírito é a única base du-
palavra foi usada em "boas obras" mais radoura para a liberdade: "Se sois guia-
adiante no versículo). Embora uma ra- dos pelo Espírito, não estais debaixo da
ça escolhida, viviam entre os gentios, que lei" (Gl. 5: 18). Mas vivendo como
estavam inclinados a falar deles como de servos (escravos) de Deus. O homem in-
malfeitores. O Cristianismo pela sua teiramente controlado por Deus é ver-
própria essência opunha-se às vaidades dadeiramente livre. Nesse Deus opera o
do paganismo em tudo. Portanto era querer e o fazer da Sua boa vontade. É
em si mesmo um crime "que em toda este amor, pela Sua vontade, implantado
parte se fala contra" (Atos 28: 22). por Deus que torna leve o jugo de Cristo,
Como o justo Noé, "condenava o mun- e o Seu fardo suave.
do" (Hb. 11: 7). Esta foi a explicação
17. Honrai ... Amai ... Temei. Aqui
básica para a prontidão dos pagãos em
está o auto-sacrifício e o desejo de con-
perceber e perseguir este povo insigni-
ceder a cada um aquilo que merece. A
ficante. E Pedro sabia que a melhor
palavra honrai está ligada à palavra "pre-
resposta era a integridade de vida, doada
cioso" e sugere a alta estima do cristão
por Deus e capaz de arrancar louvor
pela personalidade humana. A palavra
ainda que relutante dos próprios inimi-
amai indica o agape divinamente conce-
gos da cruz (cons. ensinamentos de Je-
sus em Mt. 5: 16). No dia da visitação dido de I Co. 13. Este é o amor com o
ficaria melhor traduzido para o dia da qual Cristo duas vezes desafiou Pedro
observação (inspeção ou reconhecimen- em Jo. 21: 15, 16, um desafio do qual
to oficial). o honesto Pedro desviou-se com a respos-
13,14. Sujeitai-vos a toda institui- ta, "Eu te amo" (gr. philo, "amar hu-
ção ... ao rei ... como soberano. Um manamente") .
cristão é respeitador da lei, meticuloso 18-20. Servos, sede submissos ... tam-
e autodisciplinado. Esta doutrina com- bém aos perversos. O homem cheio do
para-se a de Paulo em Rm. 13: 1-7 e Tt. Espírito é capaz de cumprir ordens ir-
3: 1,2. Ela não deve ser entendida, na- racionais, sim, inteiramente impossíveis
turalmente, como aquiescência forçada em qualquer outra base. "Amai os vos-
com o mal. As palavras do próprio Pe- sos inimigos", "oferece a outra face"
dro ao Sinédrio foram estas: "Julgai vós - só podem ser obedecidas mediante
se é justo, diante de Deus, ouvir-vos a completa submissão Àquele que orou
antes a vós do que a Deus" (Atos 4: 19). pelos seus crucificadores, "Pai, perdoa-

-349-
I PEDRO 2: 20-25 - 3: 1-7

-lhes". Isto é grato. A recompensa co- Ele ordenou (Lc. 14: 27, etc.), deviam
meça onde o racional termina. Aquele segui-lo, tomando a cruz. Mas eles já
que serve a Deus sem o trascendente tinham dado o primeiro passo na parti-
amor divino, edifíca com madeira, palha cipação da cruz; antes ovelhas desgar-
e restolho. Que glória há ... ? Compare radas, foram convertidos ao Pastor e
com as perguntas de Jesus em Lc. 6: 32- Bispo (administrador) de suas almas.
36. Grato a Deus. A palavra grato é 3: 1-6. Mulheres, sede vós, igualmen-
o grego karis, que tem uma linda força te. Deixando as implicações da santida-
dupla de "graça" e "favor". Pode ser de para os escravos, Pedro se dirige às
assim entendido, "Quando vocês fazem mulheres casadas. A estas ele aconselha,
o bem, e sofrem com paciência, isto al- sede ... submissas a vossos próprios ma-
cança a graça de Deus" ou "o favor de ridos (cons. Ef. 5: 22; Cl. 3: 18). A re-
Deus". gra do amor divino continua como pano
21-23. Também Cristo sofreu. Aqui, de fundo. O marido é reconhecido o
é claro, está a personificação do amor líder dentro do lar, e o honesto compor-
divino. Aqui está o nosso modelo. O tamento das mulheres, sua conduta pru-
qual não cometeu pecado. Portanto dente e controlada dentro do lar, levará
todo o castigo e indignidade para com alguns a Cristo. Ela não deve chamar a
Ele foram sem motivos. Pois ele ... não atenção pela artificialidade do penteado,
revidava com ultraje ... mas entregava-se. das jóias, ou roupas aparatosas, mas
Aqui está o cumprimento perfeito do deve se distinguir pelo espírito manso
princípio de Rm. 12: 19,20: "Minha é e tranqüilo tão raro no mundo e tão es-
a vingança ... diz o Senhor. Portanto, timado por Deus. As esposas dos pa-
se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de triarcas são apontadas como exemplo
comer". Eis aqui o amor perfeito para de comportamento (v. 5). Ao que pa-
com Deus e o homem. 24. Carregando rece os enfeites espalhafatosos e chama-
ele mesmo em seu corpo, sobre o ma- tívos são considerados contrários ao
deiro, os nossos pecados. Pedro faz espírito de' modéstia diante dos maridos.
seus leitores se lembrarem que isto foi A mesma implicação parece existir em
feito por eles. Para que nós, mortos aos I Tm. 2: 9-12. A modéstia nas roupas
pecados, vivamos para a justiça. Ele dá de uma mulher está associada com a
a entender que a morte de Cristo foi devida modéstia de comportamento. Ao
mais do que um exemplo. Participando que parece, a fé cristã implica em um
da Sua cruz eles participarão de Sua vida padrão diferente de roupas e enfeites
triunfante. Por suas chagas ... Selwyn que o mundo usa. Sara foi respeitadora
(The First Epistle of St. Peter, pág. 95) da liderança de Abraão, chamando-lhe
chama a atenção para três linhas no pen- senhor (Gn. 18: 12). O versículo 6 lem-
samento de S. Pedro no que se refere bra àquelas mulheres cristãs que são
à expiação: o cordeiro pascal "imacu- filhas adotivas de Sara: "Cujas filhas
lado e incontarninado" (1: 19), o servo vocês se tornaram, fazendo o bem e es-
sofredor de Is. 53, "pelas suas feridas tando sujeitas em absoluto temor".
fostes sarados", e o bode expiatório, 7. Maridos, vós, igualmente. Passan-
"levando ele mesmo em seu corpo os do agora às implicações da santidade no
nossos pecados sobre o madeiro". 25. marido, Pedro prescreve que o relacio-
Porque estáveis desgarrados como ove- namento conjugal deve existir em ter-
lhas ... porém. . . Pedro esteve insis- mos de consideração mútua com dis-
tindo com seus leitores a que partilhas- cernimento. Eis aí o oposto do egoís-
sem dos sofrimentos de Cristo. Tal como mo. Tendo consideração para com a

-350-

I I
'I II
I PEDRO 3: 7-18

vossa mulher. A palavra tendo (gr. apo- 3: 14-22.


nemô) indica uma tarefa deliberada, uma 14,15a. Mas, ainda que venhais a so-
propositada canalização de honra (rela- frer por causa da justiça, bem-aventura-
cionada com "precioso") concedida à dos sois (benditos). Esta beatitude, é
esposa, que diante da graça de Deus é claro, faz-nos lembrar das bem-aventu-
co-herdeira. Para que não se interrom- ranças de nosso Senhor em Mt. 5: 11, 12.
pam as vossas orações. Ressentimentos Pedro cita então as palavras de Deus a
que se originaram da conduta egoísta Isaías (8: 12, 13), toda a passagem con-
no lar toma impossível a oração eficaz. sistindo em "não temais o que ele teme,
A oração eficaz tem de ser "sem ira" nem torneis isso por temível. Ao Senhor
(I Tm. 2: 8). dos Exércitos, a Ele santificai; seja Ele o
vosso temor, seja Ele o vosso espanto".
8,9. Sede todos de igual ânimo. Isto Estas palavras tornam a trazer a nossa
faz lembrar o "comum acordo" do Pen- mente a advertência de Cristo sobre
tecostes, ou as injunções de Paulo aos quem devemos temer (Mt. 10: 28). Havia
filipenses a que fossem de "um mesmo um perigo real de deserção em face da
espírito" (Fp. 1: 27) e "o mesmo amor, morte. Plínio descreve como era sumá-
o mesmo ânimo, sentindo uma mesma
ria a alternativa concedida aos cristãos
coisa" (Fp. 2: 2), seguindo de perto seu
- amaldiçoar Cristo ou morrer, e não
apego à mente de Cristo. O catálogo de eram poucos os que retrocediam. A ati-
Pedro das graças conseqüentes parece
tude de Pedro aqui não é tão rápida e
ter os aspectos graciosos e modestos
confiante como quando ele disse ao
do fruto do Espírito (Gl. 5: 22, 23)
seu Senhor, "Ainda que todos se escan-
ou da "sabedoria que do alto vem" dalizem de ti, eu nunca me escandali-
(Tg. 3: 17).
zarei" (Mt. 26: 33).
10-12. Pois quem quer amar a vida. 15b,16. Estando sempre preparados
O apóstolo cita SI. 34: 12-16 para con- para responder. A atitude descrita é
substanciar sua doutrina de que este de mansidão e temor, ainda que de pron-
tidão. Esta também é uma qualidade
esvaziamento do ego orientado pelo
concedida pelo Espírito. Faz lembrar
Espírito e com o seu poder é na reali-
a advertência de Cristo, "o que vos for da-
dade uma vida de bênção, cujos resul-
do naquela hora, isso falai, porque não so-
tados são guardados pelo Senhor, cujos
is vós os que falais, mas o Espírito Santo"
olhos ... repousam sobre os justos, e ...
(Me. 13: 11). Lembra a apologética ir-
ouvidos estão abertos às suas súplicas.
respondível de Estêvão (Atos 6: 10) e
13. Ora, quem é que vos há de màltra-
Paulo (Atos 24: 25; 26: 24-28). Com
tar ... ? Isto nos faz lembrar da nota
boa consciência. Como vimos acima, a
que Paulo acrescentou a sua descrição
probidade de vida é a base da defesa. 17,
do fruto do Espírito - "contra estas
18. É melhor ... Pois também Cristo
coisas não há lei" (Gl. 5: 23). Como
morreu, uma única vez, pelos pecados,
princípio generalizado, admitindo as ex-
o justo pelos injustos. Está se conside-
ceções ocasionadas pela ira do adversá-
rando o sofrimento que Deus permite
rio, as pessoas não são punidas pelo bem
para realização do bem. Novamente
que fazem. Este princípio é justamente
Cristo é apresentado como o exemplo
a confirmação de que o sofrimento ime-
(cons. 2: 24), cujos sofrimentos resul-
recido não perdurará.
taram na reconciliação dos homens per-
didos com Deus, além de Sua própria
D. Vitória no Sofrimento Injusto. vindicação através de Sua ressurreição

- 351-
I PEDRO 3: 19-22 - 4: 1

pelo poder do Espírito Santo. começo desta sentença. Lemos, então,


19,20. No qual (isto é, o Espírito) "pelo qual (água) batismo, como uma
também foi, e pregou. Segue-se uma figura, salva-nos agora - não no despo-
digressão cuja interpretação é obscura. jamento da imundícia da carne, mas da
Alguns mestres, dos quais Lange é um indagação" (melhor do que "a respos-
representante, defende que a única in- ta") "de uma boa consciência para com
ferência franca e natural aqui é admitir Deus". Compare Hb.l0:22. O signifi-
que Cristo, depois de Sua crucificação, cado parece ser que o batismo da água
desceu ao Hades e "proclamou a estes simboliza a purificação espiritual. A co-
espíritos em prisão no Hades o começo nexão entre o batismo da água e o ba-
de uma nova época de graça" (1. P. Lan- tismo do Espírito com a purificação
ge, Commentary on the Holy Scripture está visível em toda a Escritura, relaciona-
IX, pág. 64). Ele assevera que sem dúvida da com a participação na morte de Cris-
muitos foram salvos por causa desta se- to e no poder de Sua ressurreição. Aque-
gunda oportunidade. Esta opinião dá lu- les que crêem na regeneração batismal
gar à questão difícil de por que, dentre talvez se sintam inclinados a interpretar
todos os incrédulos, os antidiluvianos fo- o verbo salvar aqui de maneira diferente.
ram os recebedores deste adiamento de Outros asseverarão que se refere à puri-
sentença e dá lugar a possibilidade (que ficação dO coração que salva, não à ce-
contraria o ensinamento explícito do rimônia exterior. 22. Depois de ir para
N.T.) de que outros pecadores não ar- o céu. Retomando o tema da ressurrei-
rependidos teriam uma oportunidade pos- ção de Cristo, abandonado depois do
terior de crer em Cristo. Alguns acham versículo 18, Pedro menciona o atual
que a pregação de Cristo no Hades foi triunfo de nosso Senhor e o seu reconhe-
condenatória, mas esta não é a implicação cimento como forte encorajamento para
costumeira da palavra grega, que signi- aqueles que seguem o seu Mestre no so-
fica, proclamar, anunciar, e costuma frimento. Selwyn faz questão de afirmar
ser usada em relação ao Evangelho. John que os cristãos primitivos costumavam
Owen, o tradutor e editor de Calvino realizar batismos por ocasião da Páscoa.
(João Calvino, Commentaries on the Ele acha que a referência ao batismo no
Catholic Epistles, pág. 116, observação), versículo 21, como também as diversas
cita a explicação adotada por Beza, Dod- alusões aos sofrimentos de Cristo, res-
dridge, Macknight, e Scott, de que o surreição e segunda vinda, indicam que
tempo de ação era no ministério de Noé, I Pedro foi escrita como epístola pascal
quando Cristo pelo Espírito ("no qual") (op. cit., pág. 62).
pregou através de Noé aos ímpios que,
no tempo em que Pedro escreveu a carta, m. O Significado Espiritual do So-
eram espíritos no Hades. E tudo isso frimento. 4: 1-19.
aconteceu enquanto a longanimídade de
Deus retardou o dilúvio. A referência A. O Sofrimento Físico como Tipo
feita ao tempo gasto na construção da de Morte da Vida na Carne. 4: }-6.
arca parece corroborar esta interpreta- la. Ora, tendo Cristo sofrido ... ar-
ção. Referência feita ao pequeno nú- mai-vos ... do mesmo pensamento. Fi-
mero daqueles que se salvaram encora- lipenses 2: 5 usa a forma verbal de "pen-
jaria o "pequeno rebanho" na Ásia. samento" e insiste, "pensem o mesmo".
21. O batismo, agora também vos A idéia aqui é muito parecida. Uma pa-
salva. A variação pelo qual (gr., ho), is- lavra grega diferente foi usada, sugerindo
to é, "pela água", é a preferida para o a individualidade de ambos, Pedro e Pau-

-352 -
I I 'I I I
I PEDRO 4: 1-11

lo. Cristo foi visto como o exemplo do tações. Nós achamos que a sugestão de
crente e canal de poder para enfrentar- Scott, modificada por John Owen, é
mos o sofrimento. 1b,2. Aquele que so- digna de mérito, com o seguinte senti-
freu na carne deixou o pecado. Agora do: "Tendo em vista este fim (isto é,
Pedro está enfrentando a morte tal como o juízo final há pouco mencionado) o
ela se depara ao homem (cons. Rm. 7: evangelho foi pregado também àqueles
1-4), libertando-o de todo o desejo e (mártires) agora mortos, para que eles
submissão ao pecado. Imediatamente pudessem ser (como foram) julgados
ele faz o paralelo espiritual. Aquele que na carne (e condenados ao martírio)
participou da cruz de Cristo já não está segundo o padrão dos homens, mas
mais vivo para a influência do pecado pudessem viver no Espírito de acordo
através dos comuns desejos humanos, com Deus". Aqui, então, está o ensi-
mas está vivo apenas para a influência namento que, à vista do juízo final, os
da vontade de Deus (Gl. 6: 14). mortos martirizados estão em situação
3,4. Porque basta o tempo decorri- muito melhor do que os gentios incré-
do. Literalmente, basta que no tempo dulos do versículo 3.
passado fizéssemos a vontade dos gen-
tios. Segue-se então um catálogo dos B. A "Vida Crucificada" Caracteriza-
feios pecados observáveis fora da graça da pelo Amor Divino. 4: 7·11.
de Deus. Faz-nos lembrar uma das lis- 7. Ora, o fim, de todas as cousas está
tas de Paulo das obras da carne em Gl. próximo. Ainda focalizando o Juízo,
5: 19-21. Por isso, difamando-vos, es- o apóstolo impõe uma atitude de auto-
tranham. As vidas transformadas dos controle (sede, portanto, criteriosos) e
crentes fazem deles pessoas estranhas, calma (melhor do que vigiai, E.R.C.),
quase "estrangeiros", dando lugar à con- recorrendo às orações. 8. Tende ardente,
denação dos gentios e uma difamação (E.R.C.) (intenso, E.R.A.) amor. Aqui
autodefensiva e insolente dos cristãos. está novamente o amor divino (gr., aga-
5. Os quais hão de prestar contas. Mas pe) como em I Coríntios 13, o amor que
é a Deus e não aos homens que terão perdoa os pecados e erros dos outros.
de responder. E o juízo de Deus se 9. Aqui está um amor que usa de hospi-
aplicará a ambos, aos que ainda estão talidade sem murmuração. Literalmen-
vivos e aos que já morreram. Dependen- te, amor aos hóspedes sem murmura-
do da interpretação que se dá ao versí- ções. É colocar-se a si e aos seus recur-
culo 6, este julgamento pode ser consi- sos alegremente à disposição dos outros.
derado tanto uma vindicação dos crentes 10. Servi ... cada um conforme ...
como uma condenação dos pecadores que recebeu. O "dom" recebido é um
não arrependidos. No V.T., particular- karisma, uma graça, que torna seus pos-
mente nos Salmos, o juízo costuma ser suidores despenseiros da multiforme
considerado uma vindicação pelos justos. graça de Deus. Esta graça deve ser ad-
6. Pois, para este fim foi o evangelho ministrada (gr., diakoneo; cons. "diá-
pregado também a mortos. Alguns re- cono") aos outros, o melhor método tam-
lacionam este versículo com 3: 19,20. bém para continuar sendo desfrutado
Lange acha que os dois versfculos se re- pelo possuidor original. Aqui está nova-
ferem a uma evangelização pós-cruci- mente a participação dedicada de bênçãos
ficação dos antidiluvianos incrédulos por espirituais. 11. Se alguém fala. O a-
Cristo, mais uma oferta de salvação que póstolo estende a idéia da mordomia
sem dúvida foi aceita por muitos deles. introduzida no versículo 10. Aquele
Há muitas outras gradações de interpre- que fala na igreja deve tomar o cuida-

-353 -
I PEDRO 4: 11-19 - 5: 1-4

do de apresentar o que Deus diz (gr., lifica o testemunho do sofrimento. 16.


logia), e não suas próprias palavras. O Se ... como cristão. Plínio, escrevendo
administrador (serve, gr., diacono) deve mais tarde, fala de um castigo por causa
servir com o poder que Deus lhe dá abun- do "nome propriamente dito" (isto é,
dantemente. Sempre deve-se ter em "você é cristão?"). Sob tais circuns-
vista que em todas as cousas seja Deus tâncias, Pedro reitera, não se envergo-
glorificado, por meio de Jesus Cristo. nhe disso; antes glorifique a Deus com
Aqui Pedro insere uma bênção, dando esse nome.
glória a Deus pelo que acabou de dizer. 17,18. A ocasião de começar o juízo
pela casa de Deus é chegada. Fazendo
C. A Purificação Através do Fogo da alusão talvez a Ez, 9: 6, o apóstolo en-
Perseguição. 4: 12-19. cara estas perseguições como divinamen-
12. Não estranheis o fogo ardente te permitidas para purificação dos cren-
que surge no meio de vós. Pedro ad- tes sofredores, e como um prenúncio
verte seus leitores para que não sejam de destino terrível dos ímpios (cons.
tomados de surpresa, aparentemente Lc.23:28 e segs.). 19. Os que sofrem
indicando uma provação mais severa ... encomendem. Que entreguem o seu
do que qualquer outra que tivessem caso ao seu Criador, como Cristo o fez
experimentado. Este versículo apli- (2: 23). Ao fazê-lo, anunciam a calma
ca-se bem â perseguição de Nero, quan- deste amor divinamente implantado que
do os cristãos foram queimados à noite lança fora o temor (cons. I Jo. 4: 18).
como lanternas nos jardins do impera-
IV. O Amor Divino Orientando a Vi-
dor. Pedro, em Roma, temia que esta
dana Igreja. 5: 1-14.
virulência logo se espalharia às provín-
cias. 13. Alegrai-vos ... co-participan- A. Os Anciãos Devem Governar com
tes dos sofrimentos de Cristo. Aqui Amor. 5: 1-7.
está a participação física da cruz de 1. Mas esta graça, na agonia, também
Cristo para a qual a participação espi- é um maravilhoso princípio de vida. Pe-
ritual (2: 24) foi um preparativo ade- dro se dirige aos presbíteros. Ele mesmo
quado. A advertência para que se ale- se intitula presbítero e testemunha (gr.,
grem faz lembrar as palavras de Jesus martys, "mártir") dos sofrimentos de
em Mt. 5: 12. Na revelação de sua gló- Cristo, e participante da glória futura.
ria. Ou, no tirar do véu (gr., apocalyp- 2-4. Pastoreai o rebanho. Não nos fa-
sis) da sua glória. Uma "ressurreição zem pensar nas palavras de Cristo a Pe-
melhor" (Hb. 11: 35) estava diante de- dro, "Apascenta as minhas ovelhas?"
les. (10.21: 15-17). Talvez a designação mi-
14. Pelo nome de Cristo sois inju- nisterial "pastor", conforme aplicada aos
riados, bem-aventurados. Eis outra "presbíteros" tenha sua origem aqui.
bem-aventurança. Sobre vós repousa Não por constrangidos, mas esponta-
o Espírito ... de Deus. Deus fica ao neamente (com consentimento) como
lado dos Seus mártires. O Espírito San- Deus quer (acrescentado por certos
to ministra graça especial. Lembre-se bons MSS); nem por sórdida ganância,
de Estêvão morrendo radiante (Atos 6: mas de boa vontade; nem como domina-
15; 7: 55). Enquanto os homens rangem dores dos que vos foram confiados, an-
os dentes e blasfemam, a serenidade dos tes tornando-vos modelos (tipo) do re-
mártires glorifica a Deus. 15. Não sofra, banho. Ora, logo que o Supremo Pastor
porém, nenhum ... como assassino. Pe- se manifestar. Faz lembrar o discurso
dro adverte contra o pecado, o qual nu- de nosso Senhor sobre o bom pastor

-354-
I I 'I I I
I PEDRO 5:4-14

(Jo. 10: 1·16), sem dúvida ouvido por tores (1: 2). Esta glória, novamente,
Pedro. Cristo concederá aos seus vice- deve ser depois de terdes sofrido por
-pastores a imarcescível coroa da glória. um pouco. Os verbos que vêm a seguir
5-7. Semelhantemente vós jovens, sede são futuros simples: ... nos há de aper-
sujeitos. O espírito dos anciãos deve feiçoar (ou fará que sejam aquilo que
ser carinhoso e respeitoso, um exemplo devem ser), firmar (a palavra que Cristo
fácil e natural para os mais jovens segui- usou dirigindo-se a Pedro, "Confirma
rem. Todos devem estar revestidos (en- teus irmãos", Lc. 22: 32), fortificar e fun-
volvidos em) de humildade, merecendo damentar.
assim a graça de Deus que é tanto a causa 11. A Ele seja o domínio, pelos sécu-
como o resultado da humildade. Pedro los dos séculos. Pedro termina sua men-
cita Pv. 3: 34 (LXX) para apoio de sua sagem com uma bênção.
doutrina (cons. Tg. 4: 6) e reforça sua
admoestação (cons. Tg. 4: 10). Aquele v. Saudações Finais e Bênção. 5: 12·
que é humilde pela graça, pode descan- 14.
sar, lançando sobre ele toda a vossa ansie-
12. Por meio de Silvano ... vos escre-
dade, porque ele tem cuidado de vós
vo. Há quem ache que Silvano foi ape-
(ele se preocupa convosco).
nas o mensageiro, mas esta declaração
B. O Diabo Deve Ser Enfrentado parece ser bastante ampla para encaixar
com Graça Divina. 5: 8-11. a probabilidade de que Silvano - geral-
8,9. Sede sóbrios (calmos) e vigilan- mente aceito como o Silas da segunda
tes . . . vosso adversário (oponente em viagem missionária de Paulo - serviu
uma ação judicial) ... anda em derre- realmente de secretário quando I Pedro
dor, como leão que ruge procurando foi escrita. Esta é a genuína graça de
alguém para devorar. Esta passagem Deus; nela estai firmes. Aqui Pedro
pode ser uma velada referência a Nero transmite saudações da eleita (gênero
ou ao seu anfiteatro com os leões. Re- feminino) em Babilônia. Há quem ache
sumindo, é um diabo pessoal. Resisti-lhe. que sejam saudações da esposa de Pedro,
Compare Tg. 4: 7. A determinação cris- uma pessoa nobre que acompanhou
tã provoca a ajuda divina. E o conhe- Pedro em suas viagens e que, segundo
cimento do que a irmandade espalhada a tradição, sofreu o martírio antes do seu
pelo mundo sofre as mesmas aflições marido. Ela devia conhecer bem os lei-
tende a tomar os cristãos em dificul- tores de Pedro. Meu Filho Marcos. Sem
dades mais firmes na fé. dúvida uma indicação de que João Mar-
10. Ora, o Deus de toda a graça. Pedro .cos estava com Pedro na ocasião.
insistiu com eles a que exibam as graças 14. Saudai-vos uns aos outros com
consistentes com a sua vocação. Agora ósculo de amor (gr., agape, "divino a-
ele os entrega ao Deus de toda a graça mor"). Paz a todos vós que vos achais
que em Cristo vos chamou à sua eterna em Cristo. A carta termina com a tôni-
glória. Esta menção final da vocação ca do amor divino e a paz em Cristo,
de Deus faz-nos lembrar seu pensamento superior a todas as forças oponentes
introdutório relativo à vocação dos lei- e considerações.

-355 -
A SEGUNDA EPÍSTOLA DEPEDRO

INTRODUÇÃO

O Escritor. O começo desta epístola, ticidade de 11 Pedro. Jerônimo (346-


com palavras um pouco diferentes das 420 AD.), o tradutor da Vulgata, embora
que foram usadas em I Pedro, declara aceitasse 11 Pedro ao lado das outras
ser ela da autoria de Simão (Simão é seis epístolas "católicas" ou gerais (Epis-
o que se encontra em alguns dos me- tle to Pauliniusi, reconhecia ao mesmo
lhores manuscritos; a E.R.C. e E.R.A. tempo que alguns mestres tinham duvida-
diz Simão Pedro; cons. Atos 15: 14), do de sua autenticidade por causa desta
"servo e apóstolo de Jesus Cristo" (11 variação de estilo (Cata/ogus Scriptorum
Pe. 1: 1). Simples e sem afetação, o es- Ecclesiasticorum). Em outro lugar (Epis-
critor novamente se identifica com os t/e do Hedibia, 120) ele explica esta di-
apóstolos (3: 2). Ele está familiarizado ferença como o resultado natural do uso
com as cartas paulinas e está de pleno que Pedro fez de intérpretes diferentes
acordo com o seu "amado irmão Pau- para as duas epístolas.
lo" (3: 15, 16). Refere-se à transfigu- No mesmo contexto ele menciona
ração de Cristo com a sossegada certe- Tito como intérprete de Paulo e que Pe-
za de uma testemunha ocular. Chama dro tenha ditado a Marcos o material
esta carta de "segunda carta" (3: 1). do Evangelho que leva o nome deste
Declara que a morte violenta profetiza- último. Para "alguns que têm um concei-
da para ele por seu Senhor (lo. 21: 18) to muito literalístico da inspiração, a
está próxima (IIPe.l:13,14). Aqui idéia de tal função editorial de Silas
está, ao que parece, uma reivindicação (IPe.5:12) prejudica a inspiração e au-
de autoria idêntica a de I Pedro, e cer- toridade da carta, apesar de que seja
tamente uma declaração de identifica- notório que escribas estavam geralmente
ção com S. Pedro, o apóstolo do Senhor. à disposição dos escritores inspirados
Existem dificuldades internas que pos- (Jr. 36: 2, 4; Rm. 16: 22; e as observa-
sam compelir o leitor honesto a consi- ções tradicionais que se seguem a I e 11
derar estas reivindicações como espú- Co., Ef., Fp., O. e Fm.). Outros acham
rias? Desde os tempos mais remotos os que não há aqui nenhuma dificuldade;
críticos têm chamado a atenção para o Espírito Santo ajudou Silas a escrever
uma divergência no estilo desta epís- como Ele ajudou Pedro a ditar. A grande
tola e I Pedro. Em 11 Pedro há uma maioria da igreja histórica assumiu esta
falta de simplicidade e naturalidade de última atitude.
expressão que caracterizam I Pedro. O Outra questão interna que tem sido
escritor de I Pedro não era, ao que pa- premida contra a autoridade petrina
rece, um grego (por exemplo, ele não desta epístola é a declarada familiari-
usa a partícula an), mas tinha sem dú- dade do seu escritor com as epístolas
vida um gosto pela linguagem correta. paulinas, a qual ao lado da referência
O estilo de 11 Pedro não evidencia esta à autoridade das cartas de Paulo (11
mesma familiaridade com a língua em- Pe. 3: 15, 16), é considerada como in-
pregada. Ela contém um menor número dicação de que o cânon do N.T. já estava
de particípios do que em I Pedro e não bastante estabelecido por ocasião da
usa a partícula men. Esta diferença de composição de 11 Pedro, parecendo assim
estilo levou alguns dos antigos e alguns aos que defendem este ponto de vista
dos reformadores a duvidarem da auten- que esta epístola foi muito tardia para

-356 -
I I 'I I I
ter sido obra do apóstolo. pus (contada por Eusébio) de que dois
Tal linha de raciocínio parece real- netos de Judas foram levados diante
mente gratuito, pois se Pedro chegou a de Domiciano, que reinou entre 81 e
Roma exatamente dois ou três anos de- 96 A.D., sendo descritos como homens
pois da chegada de Paulo como pri- adultos, lavradores de mãos calejadas,
sioneiro, certamente teria uma opor- naquela ocasíão. Lembre-se de que
tunidade natural de ficar conhecendo Judas foi irmão de nosso Senhor. As
as epístolas de Paulo e poderia conce- semelhanças entre 11 Pedro e Judas não
bivelmente ter comungado com o pró- parecem exigir uma data pós-petrina pa-
prio Paulo. De qualquer maneira, pare- ra a primeira.
ce que as evidências de que as cartas de O que dizer, então, do testemunho
Paulo foram copiadas e circularam de externo? Esta epístola não foi direta-
igreja em igreja imediatamente após mente citada pelos Pais da Igreja antes
serem recebidas, são razoáveis (veja Cl. do começo do terceiro século, embora
4: 16). haja possíveis alusões em alguma das
Mais uma questão interna deveria ser obras mais antigas. Eusébio (Ecclesias-
considerada, isto é, a semelhança de cer- tical History 6.14.1), escrevendo em cer-
tas declarações de 11 Pedro com declara- ca de 324 AD. diz que Clemente de Ale-
ções de Judas. Três dos paralelos mais xandria (que morreu em cerca de 213
importantes são os que se seguem: 1) 11 AD.) em seu Hypotyposes compilou
Pedro 2: 4 e Judas 6 referem-se ao casti- sumários de todas as Escrituras inspi-
go dos anjos decaídos, uma alusão à uma radas, incluindo aquelas cuja autenti-
declaração feita no livro apócrifo de cidade era contestada, entre estas as
Enoque. 2) 11 Pedro 2: 11 e Judas 9 fa- epístolas "católicas" ou gerais.
lam da relutância dos anjos em fazer Orígenes, que morreu em 253 A.D.,
acusações contra Satanás, acrescentando embora reconhecesse o problema rela-
a declaração de Judas, ao que parece, cionado com 11 Pedro, aceitava o livro
uma alusão à obra apócrifa Assunção como genuíno. Firmiliano, o amigo e
de Moisés, onde Satanás é representado aluno de Orígenes, Bispo de Cesaréia
reclamando o corpo de Moisés. 3) 11 na Capadócia em 256 AD., corrobora
Pedro3:3,4 e Judas17,18 fala da fortemente a autoria petrina de 11 Pedro
vinda de escarnecedores nos últimos quando em uma carta a Cipriano ele
tempos. 11 Pedro se refere a eles no fala de um Estêvão que "contestava
futuro. Judas se lhes refere como uma os benditos apóstolos Pedro e Paulo ...
realidade presente, já profetizada pelos os quais em suas epístolas pronuncia-
apóstolos, de quem Pedro era um, é ram uma maldição contra os heréticos
claro. e advertiu que os evitássemos" (Cipria-
O Dr. Charles Bigg (St. Peter e St. no, Letters, n? 75). B em 11 Pedro, não
Jude, pág. 216, 217), que aceita a au- em I Pedro, que os heréticos são men-
toria petrina desta epístola, argumenta cionados.
convincentemente pela prioridade de O próprio Eusébio, comissionado pe-
11 Pedro. B bom ter em mente também lo imperador Constantino a fim de pre-
que há considerações plausíveis que parar cinqüenta cópias das Sagradas
apóiam uma data precoce da própria Escrituras, refere-se a Tiago, Judas e
epístola de Judas. Confere-se-lhe uma 11 Pedro como impugnadas embora mui-
data precoce tal como 65 AD., e aque- to bem conhecidas da maioria dos cris-
les que a colocam em 80 ou 90 A.D. de- tãos.
vem contar com a narrativa de Hegesíp- Jerônimo (cerca de 346-420 A.D.),

-357 -
comentando a questão da autenticidade cristãos da igreja sina, que eram parti-
das epístolas, diz que a dúvida surge cularmente alérgicos aos extremos da an-
por causa da diferença entre o seu esti- gelologia judia refletida em alguns dos
lo e o de 1 Pedro, e ele oferece a expli- livros apócrifos.
cação já citada. Ele mesmo aceitava 11 Talvez devamos mencionar os argu-
Pedro e a incluiu em sua versão da Vulga- mentos do mestre britânico Joseph B.
ta. Ela foi reconhecida pelo Concílio Mayor (The Epistle of St. Jude and the
de Laodicéia (cerca de 372), e foi for- Second Epistle of St. Peter), que consi-
malmente reconhecida como pertencen- dera 1Pedro como a obra do apóstolo
do ao cânon pelo Concílio de Cartago cujo nome leva, mas afirma que 11 Pedro
(397). é espúria.
Esta epístola não se encontra no Ele baseia sua opinião sobre evidên-
fragmento muratoriano, uma lista das cias internas e não externas. Depois
obras do N.T. que data de cerca do fim de fazer críticas às evidências externas,
do segundo século. Esta lista se encontra com suas referências admitindo os prós
mais ou menos mutilada. Conforme a te- e os contras à aceitação da epístola como
mos atualmente, não faz referência a He- genuína, Mayor resume dizendo, "Se
breus, 'I ou 11 Pedro, Tiago, ou III João. nada mais tivéssemos para decidirmos
Aceita-se que alguns ou todos esses pos- a questão da autenticidade de 11 Pedro,
sam estar incluídos nas partes que estão exceto as evidências externas, estaría-
faltando; mas, faltando estes, está claro mos inclinados a pensar que temos nes-
da história do desenvolvimento do câ- sas citações, terreno para considerarmos
non que a lista muratoriana não era que Eusébio estava justificado em sua
aceita pela igreja como final e decisiva. declaração de que a nossa epístola "ten-
11 Pedro também não se encontra do parecido útil a muitos, foi aceita ao
na Bíblia Siríaca chamada Peshito. O lado de outras escrituras" (op. cit., pág.
Velho Testamento da Peshito foi tradu- cxxiv; nossa tradução).
zido muito cedo. O Novo Testamento Mayor apresenta um minucioso estudo
é provavelmente o trabalho de Rábula, das diferenças de vocabulário e faz uma
bispo de Edessa na Síria, de 411 a 435. lista de 369 palavras usadas em 1Pedro
Esta versão omite 11 Pedro, 11 e III João, e não em 11 Pedro, e 230 palavras usadas
Judas e o Apocalipse. É inteiramente em 11 Pedro e não em 1Pedro. Ele en-
possível que o Novo Testamento an- contra palavras mais ou menos sólidas
terior da igreja siríaca omitisse todas (praticamente só substantivos e verbos)
as sete epístolas "católicas". usadas em ambas as epístolas. Então
Alguns consideram a possibilidade ele, surpreendentemente, parece estabe-
de que por causa da ênfase prática e dis- lecer um argumento contra a autoria
ciplinária dessas epístolas gerais, elas comum, dizendo que "o número de con-
tenham sido consideradas como "a-pau- cordâncias é de 100 se opondo a 599
linas" numa região onde o nome de discordâncias, isto é, seis vezes o pri-
Paulo era tido em alta estima por causa meiro" (op. cit., pág.lxxiv).
de sua participação pessoal na igreja de Como poderia alguém esperar a pos-
Antioquia, e por causa de sua luta para sibilidade de uma coincidência maior
libertar os crentes gentios das leis judias de vocabulário em duas curtas epísto-
no concílio de Jerusalém. Outros supõem las, escritas com intervalo de diversos
que a inclusão de referências ã obras anos, com temas diferentes, situações e
apócrifas em algumas das epístolas ge- circunstâncias distintos? É o raciocí-
rais pode ter causado sua rejeição pelos nio do silêncio em um grau muito pre-

-358 -

I ,
'I I I
cárie. Certamente duas curtas epístolas à qual ele diz, "falta esta intensa sim-
como estas não poderiam limitar o vo- patia, aquela chama de amor, que des-
cabulário de um homem inteligente. tacam I Pedro" .
O próprio fato de que um sexto das Mayor continua com esse mesmo
palavras são usadas em ambas as epís- tipo de crítica nas referências das duas
tolas certamente inclinarão muitas pes- epístolas à Segunda Vinda e ao dilúvio
soas a argumentar a favor, e não contra, de Noé. Mas não seria de esperar tudo
a autoria comum. isso à vista dos diferentes propósitos
Ele faz um exame muito erudito da das duas epístolas? I Pedro conforta
gramática e estilo das duas epístolas, aqueles que estão sofrendo; 11 Pedro
um setor no qual a divergência tem sido adverte os crentes sobre os perigos
um assunto digno de nota deste os tem- espirituais e exorta-os à santidade. Na-
pos antigos, e sobre o qual já comenta- turalmente o tom da primeira é terno;
mos. A conclusão de Mayor é medío- da última, pressionante. O que causa
cre: "Não existe entre elas o abismo que admiração é que tais diferentes objetivos
alguns tentam abrir" (op. cit.,pág. civ). prendem-se aos mesmos fatos básicos
Novamente, "A diferença de estilo é - a centralidade de Cristo e a certeza de
menos marcada do que a diferença no Sua segunda vinda. Deste grande acon-
vocabulário, e menos marcada do que tecimento futuro o crente sofredor re-
a diferença em substância, enquanto que cebe esperança, e o apóstata em poten-
acima de tudo paira a grande diferença cial, advertência.
em pensamento, gosto e caráter, resu- Quanto à menção do dilúvio de Noé
mindo, em personalidade". Poderia se em I Pedro (3: 20) com ênfase sobre a
apartear que diferenças na substância misericórdia de Deus e em 11 Pedro (2:
do assunto, pensamento e gosto nem 5; 3: 6) com ênfase sobre o juízo de
sempre refletem diferença de persona- Deus (embora 11 Pedro 2: 5 também diga
lidade. A mesma personalidade, com di- que Deus "guardou a Noé"), isto tam-
ferentes propósitos, pode escrever com bém se encaixa admiravelmente nos di-
grande variação de disposição e substân- ferentes propósitos acima mencionados.
cia. E o fato de que a mesma ilustração ser-
Mayor parece, então,colocar o peso viu em suas diferentes facetas tende a
decisivo do seu julgamento na diferença confirmar a identificação da autoria das
de sentimentos entre as duas epístolas duas epístolas, em vez do contrário.
-coísa muito precária, uma vez que os Mayor é muito honesto em apresen-
sentimentos de um homem podem va- tar o quadro inteiro. Ele prossegue ob-
riar grandemente de uma ocasião para servando, sem qualquer comentário des-
outra, tendo em vista um grande número prezivo, a concordância entre I e 11 Pe-
de motivos. Começando à página lxxví dro referente à palavra profética falada
da sua Introdução, ele trata da questão e escrita, fazendo ver que nisto elas
das reminiscências da vida de Cristo que concordam intimamente com as pala-
devem ser notadas em I e 11 Pedro. Ele vras de Pedro em Atos 3: 18-21 e de Pau-
observa que 11 Pedro as tem em número lo em Atos 26: 22, 23. Ele dá atenção
menor e que são "de uma natureza ín- também à íntima relação de I e 11 Pedro
tima muito menos intensa do que as na sua idéia sobre o crescimento cristão
encontradas em (I) Pedro" (op. cit., (I Pedro 2: 2; 11 Pedro 3: 18). Termina-
pág. lxxvii). Então ele prossegue discu- -se o comentário de Mayor sobre a auto-
tindo generalizadamente o espírito meigo ria de I e 11 Pedro com o sentimento de
de I Pedro que contrasta com 11 Pedro, que este mestre corroborou mais do que

- 359-
enfraqueceu a reivindicação de 11 Pedro parece razoável considerar que 11 Pedro
quanto a sua autoria apostólica. foi escrita em Roma lá pelo fim do rei-
Por que, então, Mayor rejeita esta rei- nado de Nero, digamos em 67 AD.
vindicação? Não se pode fugir à impres-
são de que a sua posição foi ditada em A Mensagem da Epístola. A preocu-
larga escala pelo consenso crítico dos pação específica do coração de Pedro
mestres do Novo Testamento e especial- nesta ocasião parece que era o desenvol-
mente pela conclusão do DI. F. H. Chase, vimento de um espírito de anarquia e
que ele conhecia pessoalmente e citava antinominianismo nas igrejas, e também
com freqüência, e cujos artigos sobre uma atitude de ceticismo quanto à se-
Pedro e Judas no HDB ele intitula de gunda vinda de Cristo. Há quem ache
"consideravelmente a melhor introdução que os falsos mestres descritos na epís-
que conheço sobre as duas epístolas tola eram representantes da heresia
aqui tratadas" (op. cit., pág. vii), gnóstica nos seus primeiros estágios.
Basta dizer que nestas considerações, Mas ainda que grandemente preocu-
parece não existir motivos fortes para pado com a ameaça desses falsos mes-
não aceitarmos a reivindicação de 11 tres, e embora dando certa ênfase a este
Pedro ser da autoria do apóstolo, cujo assunto, o apóstolo percebia que a ne-
nome leva. cessidade básica dos seus leitores era
a edificação espiritual e o poder que os
o Tempo e o Lugar em que Foi Es- tornaria superiores diante de tais peri-
crita. Muito possivelmente a epístola foi gos. Ele, portanto, começa e termina
escrita aos cristãos da Ásia Menor (3: 1) a sua carta estimulando a conquista es-
enquanto ainda tinham I Pedro em suas piritual, inserindo suas advertências con-
mentes. Se aceitarmos que I Pedro foi tra os falsos mestres no capítulo do meio
escrita em Roma em cerca de 64 A.D., entre os três.

ESBOÇO

Tema: A urgência da conquista espiritual.


Versículo-chave: 11 Pedro 3: 18.
I. Pedro insiste com seus leitores a que avancem pela graça. 1: 1-21.
A. Saudações e oração pelo seu avanço espiritual. 1: 1,2.
B. Lembrete da realidade presente de sua herança espiritual. 1: 3, 4.
C. Desafio a que insistam nas amplas implicações de sua herança. 1: 5-11.
D. Pedro sente a responsabilidade de desafiá-los assim. 1: 12-21.
1. Porque necessitam de motivação intensificada. 1: 12.
2. Por causa da iminência de sua partida. 1: 13-15.
3. Por causa da completa autenticidade do Evangelho. 1: 16-21.
11. Pedro adverte contra os perigos dos falsos mestres. 2: 1-22.
A. A inevitabilidade dos falsos mestres. 2: 1-3a.
B. O julgamento dos falsos mestres. 2: 3b-9.
C. As características dos falsos mestres. 2: 10-22.
1. Sua auto-indulgência e impudência carnal. 2: 10-12.
2. Sua perversão da sociabilidade cristã. 2: 13.
3. Sua instabilidade moral. 2: 14.
4. Suas motivações grosseiramente egoístas. 2: 15, 16.
5. Sua esterilidade e pestilência espiritual. 2: 17-19.

-360 -

I I 'I 1\
11 PEDRO 1: 1-2

6. Sua apostasia básica. 2: 20-22.


111. A segunda vinda de Cristo é um imperativo na conquista espiritual. 3: 1-18.
A. A vinda de Cristo em glória anteriormente mencionada aos leitores. 3: 1,2.
B. A Segunda Vinda, um objeto de ceticismo. 3: 3-9.
C. A Segunda Vinda será catastrófica. 3: 10.
D. Um incentivo à vida santa. 3: 11-18a.
IV. A bênção apostólica. 3: 18b.

COMENTÁRIO

I. Pedro Insiste com Seus Leitores a te, é por meio desta fé, cada vez mais
que Avancem Pela Graça. 1: 1-21. exercitada, que a justiça de Deus se re-
vela (Rm. 1: 17).
A. Saudação e Oração Pelo Seu Avan-
ço Espiritual. 1: 1, 2. 2. Graça e paz vos sejam multipli-
cadas. A mesma saudação usada em
1. Simão (Symeon) Pedro, servo (es- I Pedro, uma saudação caracteristica-
cravo) e apóstolo de Jesus Cristo. Esta mente cristã (veja comentário sobre I
epístola apresenta claramente que foi Pedro I: 2). No pleno conhecimento
escrita pelo apóstolo Pedro. O título, de Deus e de Jesus nosso Senhor. O uso
servo e apóstolo, ilustra bem a regra aqui da palavra grega epignosis ("conhe-
de Cristo: "O maior de entre vós será cimento preciso e correto" - Thayer)
vosso servo" (Mt. 23: 11). Aos que co- é interessante. Esta epi.tola contém
nosco obtiveram fé igualmente preciosa. forte advertência contra os falsos mes-
A expressão igualmente preciosa (no tres. Alguns concluem que tenham sido
original uma só palavra significa exata- os gnósticos, e usam este argumento
mente isso) faz-nos imediatamente lem- para colocar 11 Pedro em uma data pós-
brar das palavras relacionadas que foram -apostólica, isto, durante o segundo sé-
usadas em I Pedro com o significado de culo, quando a controvérsia gnóstíca
"precioso", "em honra", "preciosidade estava no seu auge. Outros, tais como
ou honra" - exatamente uma das indi- Bigg, não encontram na epístola indica-
cações da continuidade entre as duas ção certa da apologética antignóstica.
epístolas. Hamack, embora negando a Talvez seja um razoável meio termo.
autoria petrina de ambas as epístolas, Certamente o gnosticismo constituiu um
I e 11 Pedro, defende que a pessoa que verdadeiro problema nos tempos apos-
escreveu 11 Pedro também escreveu o co- tólicos na Ásia Menor, conforme teste-
meço e o final de I Pedro. O apóstolo munha a carta de Paulo aos colossen-
aqui confere grande valor à fé, e por que ses, dirigida grandemente a esta insi-
não? Ela é "a moeda do reino" de Deus. piente heresia. A palavra chave de Co-
O escritor encontra a base da fé e a sua lossenses é o grego epignosis, "conhe-
obtenção pelos homens na justiça do cimento preciso e correto", geralmente
nosso Deus e Salvador Jesus Cristo. relacionado com Deus ou Cristo (C1.
É claro que isto constitui o fundamento 1: 9,10; 2: 2; 3: 10). Os gnósticos
de todo o universo ético. Não é uma jus- defendiam um sistema de doutrina al-
tiça teórica e jurídica apenas, mas uma tamente intricado e extra-escritural, dan-
justiça afável, amorosa e providencial do atenção aos anjos e práticas ascéti-
que encampa todo o plano redentor de cas, tendendo a aviltar a divindade de
Deus. É apenas "na justiça de Deus" Cristo, e também admitindo que seus ini-
que a fé se toma possível. E, novamen- ciados possuíam sabedoria superior. A

- 361-
11 PEDRO 1: 2-7

carta aos colossenses desde o começo "dar", mas uma palavra mais rica e mu-
exalta Cristo, o centro de "toda sabe- nificente, "dotar", "suprir com uma he-
doria e conhecimento", inteiramente iden- rança". Preciosas e mui grandes. Lite-
tificada com Deus. Esta apologética foi ralmente, as preciosas e maiores. Obser-
sem dúvida partilhada pelos outros após- ve novamente a palavra "precioso", tão
tolos, e pode bem refletir-se aqui (como proeminente em I Pedro. Promessas.
em 11 Pe. 1: 3, 8; 2: 20). Não o termo usual indicando uma sosse-
gada aquiescência particular, mas uma
B. Lembrete da Realidade Presente palavra heráldica implicando em uma
de Sua Herança Espiritual. 1: 3, 4. proclamação enfática e pública - uma
3. Visto como pelo seu divino poder palavra muito confortadora para aque-
nos tem sido doadas todas as cousas. les a quem se refere. Co-participantes
Exatamente como Pedro começou sua da natureza divina, livrando-vos da cor-
primeira carta, cujo alvo era encorajar rupção, das paixões que há no mundo.
os cristãos em seus sofrimentos, lem- Com base nestes publicamente decla-
brando-os de sua grande riqueza espi- rados compromissos divinos, o crente
ritual, seu interesse em permanecerem se torna um participante do mais rico
firmes, ele também começa a presente de todos os tesouros, a natureza e vida
epístola, pretendendo prepará-los con- de Deus. "Se alguém não tem o Espí-
tra plausível falsa doutrina. Aqueles rito de Cristo, esse tal não é dele" (Rm.
que são espiritualmente ricos têm mui- 8: 9). Esta nova vida do Espírito não
to a perder através da revolução ou é nada além de "Cristo em ti". Exige
deserção. Pelo conhecimento comple- submissão, obediência, vida (Gl. 5: 25).
to daquele. Para um cristão, conhecer Esta nova vida liberta-nos da morte-vida
Cristo é vida em si (cons. 10. 17: 3). da escravidão aos desejos carnais (Rm.
Que nos chamou. Novamente, como 8: 11-13).
em I Pedro (por exemplo, 1: 2) o após-
tolo lembra seus leitores de que são um C. Desafio a que Insistam nas Amplas
povo escolhido. Para a própria glória Implicações de Sua Herança. 1: 5-11.
e virtude (significando geralmente exce- 5-7. Por isso mesmo, vós ... associai.
lência). O original aqui parece exigir Pedro insiste com esses jovens crentes
o significado de por sua própria glória a que prossigam passo a passo na graça
e virtude. Ambas as traduções são pos- divina. Ele lhes diz que coloquem toda
síveis e significativas. É pela glória e diligência no seu andar na graça. Asso-
excelência de Cristo que somos atraídos, ciai com a vossa fé a virtude. "Em vossa
e são novamente o produto final da vi- fé adquiram um amplo suprimento de
da cristã. excelência (cristã) básica". Esta exce-
4. Pelas quais (através das quais, is- lência é a qualidade de alguém que dili-
to é, através da glória e virtude). A gló- gentemente pratica os rudimentos bá-
ria e excelência de Cristo, reproduzidas sicos e as implicações de sua chamada.
no caráter dos santos, e assim ofereci- Ele insiste com os cristãos a que acres-
das Àquele de quem são, constituem o centem conhecimento à virtude. Aqui
alvo todo inclusivo da vida cristã. Nos- está o crescimento em conhecimento
so alvo se refere ao caráter: "Seremos através do estudo e da experiência. A
semelhantes a ele" (I 10. 3: 2). E neste seguir vem o domínio próprio (auto-con-
alvo estão incluídas todas as coisas dig- trole). Esta é a disciplina do soldado
nas (cons. Mt. 6: 33). Nos têm sido cristão com a ajuda do Espírito. Então
doadas. Não a palavra costumeira para vem a perseverança, a capacidade de um

-362 -
I I 'I I \
11 PEDRO 1: 7-15

veterano de ver através das pressões duzíndo mais fruto (Jo. 15: 8). No pleno
atuais à vista dos recursos conhecidos. conhecimento de nosso Senhor. Antes
À perseverança o cristão acrescenta pie- para o conhecimento precioso e correto
dade (gr., eusebeia), um espírito de re- de nosso Senhor. Esta é uma declara-
verência e deferência para com Deus em ção da direção na qual a conquista do
todos os assuntos. À reverência ele cristão se dirige. Então menciona-se
acrescenta a fraternidade (gr., philadel- a alternativa. e. cegueira e miopia espi-
phia). Deferência para com Deus e re- ritual, e um senso enfraquecido de rea-
vestimento do Seu amor é a única base lidade e vida espirituais.
para a genuína bondade altruísta com 10. Procurai (ocupem-se em) com
referência ao próximo. Após a fraterni- diligência cada vez maior, confirmar
dade o amor (gr., agape, "amor divino", a vossa vocação e eleição. Eis aqui
como em I Co. 13) é a busca do cristão. uma responsabilidade pessoal com re-
Seria incorreto colocar essas lindas gra- ferência à vocação e escolha que Deus
ças em compartimentos que só pudessem fez deles. Procedendo assim (contí-
ser atingidos nesta ordem. Não, sua nuadamente), não tropeçareis em tempo
apresentação aqui parece observar uma algum. A obediência não é opcional
ordem do mais elementar para o mais sob qualquer aspecto ligado à segurança
avançado, mas todas elas são facetas do cristão. 11. Pois, desta maneira é
da operação do Espírito na vida de um que vos será amplamente (ricamente)
crente, aspectos da glória do Cristo que suprida a entrada. Aqui está uma insi-
habita no crente, Seu caráter exibido no nuação de que a sociedade celestial não
caráter do cristão. será desprovida de classes. A boa mordo-
8/J. Porque estas cousas existindo em mia das riquezas de Cristo produzirá
vós e em vós aumentando. A palavra juros eternos. O cristão, recebendo ri-
traduzida para existindo significa "fi- quezas através da provisão de Cristo,
car debaixo como fundamento ou ba- investe e acumula riquezas futuras (cons.
se". Isto está implícito na regeneração, I Tm. 6: 19).
na presença do Espírito no coração.
Mas a questão do "abundar" implica D. Pedro Sente a Responsabilidade de
em crescimento cristão e plenitude do Desafiá-los. 1: 12,21.
Espírito ou controle completo confor- 12. Sempre estarei pronto para tra-
me experimentado pelos crentes no Pen- zer-vos lembrados embora estejais cer-
tecostes e desde então. Inativos, nem tos da verdade e nela confirmados.
infrutíferos. O fruto do Espírito, se O sentido no grego é o seguinte, "Eu
compreendermos devidamente, é o cará- tenciono relembrá-los sempre". Mesmo
ter de Cristo realizado no cristão. Na onde existem o conhecimento e a deter-
descrição deste fruto em Gl. 5: 22, 23, minação, há necessidade de motivação
o amor divino (agape) foi mencionado e exortação. 13-15. Enquanto estou
em primeiro lugar; e as outras graças, neste tabernáculo. Cristo, na incum-
sete ao todo, ficaram: subordinadas a bência que deu a Pedro depois da res-
ele. Estão intimamente relacionadas surreição, deu a entender que o apósto-
em espírito e caráter à lista que Pedro lo morreria como mártir (Jo. 21: 18).
fez acima. Em C1. 3: 14 Paulo mencio- Provavelmente é a isto que Pedro se
na o amor divino em último lugar como refere no versículo 14. Um senso da
um resumo que abrange todas as graças, brevidade do seu mandato aumenta o
mais ou menos como fez Pedro. O Pai peso do seu senso de responsabilidade
é glorificado conforme o crente vai pro- diante de seus leitores. Depois da minha

-363 -
11 PEDRO 1: 15-21 - 2: 1-4

partida. As epístolas de Pedro serviriam dos Falsos Mestres. 2: 1-22.


para alongar seu cuidado e seus conse-
lhos em benefício dos seus irmãos. A. A Inevitabilidade dos Falsos Mes-
tres. 2: 1-3a.
16-18. Não vos demos a conhecer ... 1-3a. Assim também haverá entre vós
fábulas engenhosamente inventadas, mas falsos mestres. Tendo acabado de men-
nós mesmos fomos testemunhas ocula- cionar os profetas que falaram da parte
res da sua majestade. A autenticidade de Deus, Pedro se refere ao fato de que
do testemunho apostólico instiga esta estes enfrentaram a oposição dos falsos
reiteração. Pedro fala aqui de um minis- profetas. Ele adverte os crentes (mais
tério anterior junto a essas pessoas. Po- ou menos como em Atos 20: 29,3'0;
de ser uma referência ao seu sermão no I Tm.4: 1-6; 11 Tm. 3: 1-5 - ainda que
Pentecostes, quando algumas estavam o erro aqui parece que era no setor da
presentes, ou pode se referir ao seu tra- vida e não de doutrina - I Jo. 2: 18-20;
balho entre elas na Ásia Menor. Este é e Judas 3 e segs.) contra os falsos mestres
o meu Filho amado. Esta referência que talvez o apóstolo já soubesse ope-
à cena da Transfiguração pode muito rando em certos setores da igreja. Estes
bem significar uma reprimenda aos fal- negariam o soberano Senhor que os res-
sos mestres que, se Colossenses descreve gatou; alcançariam seguidores e lança-
uma situação paralela, inclinavam-se à riam uma sombra sobre o caminho da
adoração dos anjos, reduzindo assim a verdade. Seu propósito seria merce-
preeminência de Cristo. Uma vez que nário; seriam motivados por avareza.
só Pedro, Tiago e João estavam presen-
tes com Cristo no monte, isto também B. O Julgamento dos Falsos Mestres.
constitui um reforço da reivindicação 2: 3b-9.
à autoria petrina para a epístola. 3b. Para eles ... o juízo ... não tar-
19-21. E temos assim tanto mais da. Aqui parece haver uma intimação
confirmada a palavra profética. Colo- de que os deliberados e obstinados he-
cado ao lado do que foi dito no versí- réticos ultrapassaram o período proba-
culo 21, a referência destes versículos tório do possível arrependimento. Seu
parece ser às &crituras do V.T. É um destino agora era inexorável.
espantoso tributo à validade das Escri- 4. Se Deus não poupou a anjos quan-
turas Sagradas, que Pedro declare, que do pecaram. Pedro, bem no início de
sejam mais dignas de crédito do que suas considerações sobre os falsos mes-
uma voz do céu ouvida com os ouvidos tres, apresenta um quadro do Deus do
naturais. Por implicação, aqui está uma juízo. Serve como encorajamento aos
censura àqueles mestres que indo além fiéis e também de advertência a qual-
das Escrituras criam artificialmente teo- quer um que esteja inclinado à apostasia
rias místicas. Homens (santos) falaram (cons. vs.7-9 abaixo). As cadeias da
da parte de Deus movidos pelo Espí- escuridão (E.R.C.). A tradução. abis-
rito Santo, ou falaram da parte de Deus, mos das trevas (E.R.A.) (gr., sirois ou
sendo sustentados pelo Espirito Santo. seirois em vez de seirais) parece a melhor.
Esta passagem lembra muito o comen- Embora pareça que Pedro esteja se refe-
tário sobre inspiração profética regis- rindo ao apócrifo Livro de Enoque, com
trado em I Pe. 1: 10-12, .. outro laço sua elaborada discussão sobre o pecado
entre as duas epístolas. dos anjos caídos, o juízo que Ihes está
reservado, e finalmente o próprio juízo
11. Pedro Adverte Contra o Perigo (este versículo parece refletir Enoque

-364-
I I 'I I I
11 PEDRO 2: 4-16

21), continua ausente, entretanto, essa vras precipitadas e autoconfiantes, mes-


teorização bastante louca e questioná- mo quando relacionadas com os pode-
vel, e intromissão de conceitos não es- res do mal. Sua referência aos anjos
pirituais que está evidente, até para o é paralela a de Judas 9, que parece re-
leitor desavisado, no livro de Enoque. fletir uma luta entre Miguel e o diabo,
5. E não poupou o mundo antigo, mas narrada na Assunção de Moisés, uma
preservou a Noé. Outra referência à obra apócrifa conhecida entre os judeus.
severidade, como também à bondade A referência de Pedro é discreta, levan-
de Deus. 6-8. Reduzindo a cinzas as ci- do alguns mestres da crítica a pensarem
dades de Sodoma e Gomorra, ordenou-as que 11 Pedro seguiu-se à referência mais
à ruína completa ... e livrou o justo específica em Judas. Bigg acha o con-
Ló. Ainda outra ilustração da judica- trário, sentindo que a declaração de Pe-
tura de Deus sobre a Sua criação. Esta dro foi suficiente para o seu propósito,
referência à infelicidade de Ló com os e que a de Judas veio um pouco depois,
acontecimentos relacionados com a sua particularizando-a. Falando mal daquilo
escolha de Sodoma por residência, por em que são ignorantes. Sua auto-sufi-
causa de sua lealdade básica a Deus, ciência emparelhava com a sua ignorân-
quer seja considerada como um reflexo cia. Isto faz lembrar a referência de
da tradição antiga, quer seja revelatória, CI. 2: 18. A característica dos mestres
é um interessante suplemento ao quadro da crítica liberal moderna, que mais
que o V.T. dá desse patriarca. espanto causa, é a confiança absoluta
9. O Senhor sabe livrar ... e reser- que têm em suas próprias conclusões,
var sob castigo. Enquanto nos exemplos com base em evidências triviais e en-
usados, Pedro demonstra mais interesse volvendo desvios tremendamente im-
pela condenação divina dos maus do que portantes dos princípios mantidos du-
pela sua vindicação dos justos (isto por rante séculos pela igreja histórica.
causa de sua preocupação com os falsos 13. Eles se regalam nas suas pró-
mestres), nesta recapitulação final ele prias mistificações. Pedro fala de um
acrescenta em primeiro lugar a miseri- abuso da sociabilidade cristã. Sempre
córdia divina para com os seus, para con- ávidos de um bom jantar, eles transfor-
forto dos leitores. A epístola de Judas mam essas ocasiões em oportunidade
é um paralelo muito achegado à presen- para uma alegria imprópria e persisten-
te discussão dos falsos mestres e seu caso tes ensinamentos falsos. A referência
tigo. Pedro fala de suas atividades como que Judas faz às refeições em comum
coisa iminente ("haverá também falsos que os cristãos realizavam nas "festas
doutores", 2: 1); Judas trata do assunto de amor" (lít., "vosso amor" ou "oca-
como coisa presente ("porque se intro- siões de amor", Judas 12) apresenta um
duziram alguns", Judas 4). padrão completamente diferente.
14-16. Tendo olhos cheios de adul-
C. As Características dos Falsos Mes- tério. Aqui está um quadro da insta-
tres. 2: 10-22. bilidade moral que encontra na igreja
10-12. Aqueles que seguindo a carne, de hoje uma enorme constatação. Ten-
andam ... menosprezam qualquer gover- do coração -exercitado na avareza ...
no. O quadro é de auto-indulgência e seguindo pelo caminho de Balaão. É
impudência carnais. Não temendo di- coisa sabida que a avidez pela remune-
famar autoridades superiores, ao passo ração financeira e o desejo de dirigir
que ... anjos ... não proferem contra uma igreja grande e popular tem levado
elas juízo. Pedro adverte contra pala- muitos profetas modernos a abandonar

- 365-
11 PEDRO 2: 16-22 - 3: 1-2

o caminho direito e a seguir o caminho do crime e da delinqüência que proli-


de Balaão. E mesmo nos círculos evan- fera. Os falsos mestres descritos por
gélicos, uma preocupação excessiva pelo Pedro, foram eles mesmos exemplos da
lucro financeiro, ou falta de cuidado no servidão espiritual (cons. Jo. 8: 34).
uso dos fundos, tem invalidado a obra 20-22. Melhor lhes fora nunca tives-
de alguns príncipes do púlpito cujas sem conhecido. Este é um solene tri-
palavras eram irresistivelmente podero- buto da terrível responsabilidade da apos-
sas. Um mudo animal de carga ... tasia, e constitui uma advertência implí-
refreou a insensatez. À luz dos resul- cita aos crentes para permanecerem
tados eternos, o triste desatino de tal firmes.
perversão de propósito provoca o des-
prezo até dos mais simples. Lembre-se 111. Segunda Vinda de Cristo, um
de que o jumento teve a permissão de Imperativo na Conquista Espiritual. 3:
ver aquilo que fugia à visão míope de 1-18.
Balaão, "o vidente" (Nm. 22: 25).
17-19. Fonte sem :ígua. A conde- A. A Vinda de Cristo em Glória An-
nação básica da falsa doutrina é sua teriormente Mencionada aos Leitores.
completa esterilidade espiritual. É es- 3: 1,2.
te aspecto do movimento conhecido 1. A segunda epístola. Muito natu-
por "liberalismo religioso" que tem le- ralmente considerada uma referência ã

vado grande número de pessoas espiri- I Pedro. Procuro despertar com lem-
tualmente famintas a abandonarem igre- branças a vossa mente esclarecida. Lite-
jas friamente formais. Finalmente tam- ralmente, com um lembrete eu desper-
bém deu lugar à deserção do "liberalis- to vossas mentes puras. A palavra pura
mo" até pelos intelectuais e eruditos. (gr., eilicrines), embora de discutida ori-
Esta deserção, conhecida como a "neo- gem, provavelmente significa "[ulgada
-ortodoxia", é um movimento reacio- pelo sol", como um vaso que, quando
nário que, triste é dizer, continua ne- colocado contra o sol, não revela falhas
gando a plena autoridade das Escritu- escondidas. Como. tais falhas costu-
ras. Prometendo-lhes liberdade ... es- mavam ser escondidas por meio de há-
cravos da corrupção. Os teólogos de beis remendos com cera, a palavra foi em
meio século atrás bebiam sedentamen- outro lugar (Fp. 1: 10) traduzida para
te do intoxicante vinho da liberdade da "sincero" (1at., sine cera, "sem cera").
autoridade das Escrituras e até mesmo Alguns, pelo contrário, acham que a
de Deus. Dizia o Prof. Walter Raus- palavra se refere ao peneiramento, como
chenbusch, "A pior coisa que poderia o de grãos.
existir para Deus seria Ele permanecer 2. Santos profetas ... vossos apósto-
um autocrata quando o mundo se diri- los. Pedro declara uma continuidade
ge para a democracia. Ele seria destro- e congruência com o testemunho das
nado com os demais" (Theology of the Escrituras do V.T., a principal autenti-
Social Gospel, pág. 178). Dizia o Prof. cação para a genuína pregação cristã na
Hugh Hartshorne, "Nós já não seguimos era apostólica, e também com o teste-
os padrões éticos que emanam de autori- munho de seus companheiros, os após-
dades estabelecidas, quer da igreja, do tolos. Esta declaração natural e inci-
estado, da família, das convenções soci- dental - como se o escritor já soubes-
ais, ou sistema filosófico" (Jour. of Ed. se que é do conhecimento de todos os
Soc., Dec., 1930, pág. 202). Atualmente seus leitores - é uma forte confirma-
a nação enfrenta uma tremenda colheita ção da autoria petrina desta carta. A

-366-
I , I' 'I I
11 PEDRO 3: 2-10

Segunda Vinda era um assunto grande- da Sua vinda. Isto já foi insinuado quan-
mente apreciado pelo apóstolo. Ele su- do se referiu ao dilúvio do tempo de
blinha a exortação e o encorajamento Noé. O dilúvio também levou muito
de sua primeira carta (por exemplo, I tempo para chegar, e sua plausibilidade
Pe. 1:5,7, 10·13; 4:7,13; 5:1,4). foi subestimada pelo povo daquele tem-
Ele sabia que os seus leitores estavam fa- po; mas ele veio, exatamente como Deus
miliarizados com esta verdade. disse que viria. Esta é a terceira refe-
rência que Pedro faz a Noé (I Pe. 3: 20;
B. A Segunda Vinda, Objeto de Ce- 11 Pe. 2: 5), outra indicação excelente da
ticismo. 3: 3-9. unidade entre I e 11 Pedro. Os comentá-
3,4. Virão escarnecedores ... Onde es- rios de Pedro sobre a equivalência de um
tá a promessa da sua vinda? Pode-se de- dia e mil anos para Deus, é uma linda
bater sobre se esta é mais uma referên- declaração da eternidade de Deus, Sua
cia aos falsos mestres do capítulo 2, ou superioridade às limitações do tempo e
simplesmente uma declaração de que a espaço (cons. SI. 90: 4). E é excitante
demora da volta de Cristo levaria mui- pensar em como esse conceito reduz o
tos a se afastarem e até mesmo a zom- período da espera de Sua volta. Os anos
barem da gloriosa esperança da Igreja. de nossa peregrinação aqui passam rapi-
5,6. Deliberadamente esquecem. Lite- damente. Mas, então, quando "estamos
ralmente, isto deixou de ser percebido com o Senhor" e livres das limitações
deliberadamente. Um caso de cegueira de tempo e espaço, não passa de um ou
judicial. Eles não queriam que a coisa dois dias - mesmo calculados a partir
fosse verdade. Pela palavra de Deus. dos tempos apostólicos - até que o Seu
Pedro retoma à segurança e estabilida- reino venha com todas as suas alegrias.
de da palavra de Deus conforme com- Que todos cheguem ao arrependimento.
provada na criação. Literalmente, ela A delonga de Deus tem um propósito
consistia na (ou pela) palavra de Deus. redentor; Sua vontade básica é que to-
Pelas quais (gr., coisas através das quais, dos abandonem os seus pecados e se
isto é, através da palavra de Deus e do voltem para Ele.
dilúvio) veio a perecer o mundo daquele
tempo. A palavra do juízo divino, como C. A Segunda Vinda Será Catastró-
a Sua palavra criativa, foi final. 7. Ora, fica. 3: 10.
os céus que agora existem, e a terra, 10. Virá, entretanto, como ladrão, o
pela mesma palavra têm sido entesou- dia do Senhor. Apesar de toda a aparente
rados. A promessa do juízo abrasador delonga, a palavra de Deus será nova-
de Deus sobre os pecadores e sobre o mente comprovada válida. Aquele dia
mundo deve ser aceita com respeito. há de vir. A visita súbita, jamais espe-
As obras apócrifas anteriores à era cris- rada do arrombador noturno é o sími-
tã entraram em consideráveis detalhes le favorito de Cristo, adotado pelos seus
sobre este assunto. Nosso Senhor, quan- apóstolos. Os elementos se desfarão
do estava na terra, falou de um destino abrasados; também a terra, e as obras
terrível para o pecador (por ex. Lc. 16: que nela existem serão atingidas. Aqui
24). pode haver uma outra alusão ao Livro
8,9. Que, para o Senhor, um dia. Ago- de Enoque, com sua descrição das "mon-
ra Pedro chega ao ponto que tinha em tanhas dos sete metais" e sua destrui-
mente, isto é, que a demora da volta ção. Parece que os judeus religiosos
de Cristo, mencionada pelos céticos, de um modo geral aguardavam que
não é base adequada para se duvidar houvesse uma final e abrasadora puri-

-367 -
11 PEDRO 3: 10-18

ficação da terra. É claro que isto vai vação a longanimidade de nosso Senhor.
além das referências bíblicas ao Milê- Paulo insiste com seus leitores sobre a
nio. razoabilidade da delonga divina, um
tema já mencionado antes, no versí-
D. Um Incentivo à Vida Santa. 3: 11- culo 9. Deus aguarda poder conceder
18a. a Sua graça.
11,12. Deveis ser tais como. Exata- Como igualmente o nosso amado
mente como em sua primeira epístola irmão Paulo vos escreveu. Pedro conhe-
(1: 14-16), Pedro usa aqui o tema da cia as cartas paulinas, embora fossem
esperança apocalíptica do cristão como contemporâneas das suas. Não há ra-
poderoso incentivo à santidade. Espe- zão para se interpretar esta declara-
rando e apressando a vinda do dia de ção como indicação de que o cânon
Deus. Que quadro para "todos quantos do N.T. já estivesse começando a se for-
amam a sua vinda"! (cons. 11 Tm. 4: 8). malizar quando isto foi escrito. A frase
Não como aqueles que têm pavor desse nosso amado irmão parece naturalmente
dia, aqueles que, quando forem tomados se referir a um contemporâneo. 16. Que
de surpresa, pedirão às rochas e aos os ignorantes e instáveis deturpam, como
montes que os escondam (Ap. 6: 15-17), também deturpam as demais Escrituras.
o cristão o aguarda com ansiedade. As Pedro se refere àqueles que fazem cavi-
palavras apressando a vinda do dia de lações sobre a autoridade das obras pau-
Deus também são passíveis desta tradu- linas, considerando-as espiritualmente
ção, apressando a vinda . . . Aqueles que sem fundamento e indignas de crédito. O
ajudam a expandir a obra redentora de apóstolo concede às cartas deste homem
Deus podem com toda razão achar que que foi seu contemporâneo e que já o cri-
são cooperadores em seu desfecho. ticou, um lugar entre as demais obras sa-
13. Esperamos novos céus e nova gradas. Compare com as declarações
terra, nos quais habita justiça. Este tem do próprio Paulo de que suas injunções
sido o tema dos profetas (por ex., Is. quando foram escritas eram mandamen-
2:4; 11:6-9; Mq.4:1-5);istoésegun- tos divinos (ICo.14:37; ITm.6:3).
do a sua promessa. Foi uma esperança
e uma visão partilhada por Abraão e 17. Acautelai-vos; não suceda que ...
os patriarcas (Hb. 11: 10). É o que trans- descaiais da vossa própria firmeza. Uma
forma os cristãos de todos os tempos repetida e final advertência à fidelidade.
em "peregrinos e estrangeiros". Com- Seu conhecimento antecipado deu-lhes
pare com a menção que Paulo faz disto uma vantagem. Saber de antemão é
em Rm. 8: 19,25. Como Ló em Sodoma, prevenir-se (cons. I Ts. 5: 4). Mas havia
o cristão só pode gemer diante do pecado perigo real em serem envolvidos e arras-
que prevalece e os seus resultados. O no- tados pelo erro desses insubordinados.
me concedido a Jeová pelo Israel mile- 18a. Antes, crescei na graça. A vida não
nial era Jeová-Tsidkenu "O Senhor, Jus- é estática. Temos de avançar para não
tiça nossa". retroceder. Pedro termina com a mes-
14. Por essa razão ... esperando estas ma nota do começo desta epístola (1:
cousas, Uma insistência repetida da es- 5-11), isto é, um desafio à conquista
perança do cristão como motivação pa- espiritual através do conhecimento de
ra uma vida cuidadosa e santa. Empe- noSSO Senhor e Salvador, Jesus Cristo.
nhai-vos pode ser traduzido para ocu- Conhecê-lO é viver; crescer nessa amiza-
pem-se. Paz e santidade estão associa- de é crescer no Espírito (cons. Fp. 3:
dos em Hb , 12: 14. 15. E tende por sal- 10).

-368 -

I I 'I I I.
IV. A Bênção Apostólica. 3: 18b. como no dia eterno. Cristo, o começo,
o processo, e o cumprimento de nossa
18b. A ele seja a glória, tanto agora grande salvação, recebe eterno louvor.

-369 -
A PRIMEIRA EPISTOLA DE JOÃO

INTRODUÇÃO (1,11, III João)

A Vida de João. A vida do apóstolo tir (Dialogue wtth Trypho, LXXXI), Iri-
divide-se em dois períodos. O primeiro neu (Euséb io, Ecclesiastical History V,
conclui com a sua partida de Jerusalém xx. 4,5), Polícrates (Ibid. V. xxiv. 3),
algum tempo depois da ascensão de Cris- e a forte inferência de que O Apocalipse
to, e o segundo prossegue desde então foi escrito por um líder eclesiástico na
até a sua morte. João era evidentemen- Ásia Menor, todos atestam este fato.
te muito mais jovem do que Jesus. Ele Li teratura extrabíblica está repleta de
deve ter nascido em Betsaida (10. 1: 44). histórias das atividades de João durante
Filho de Zebedeu e Salomé, vinha, ao este período, sendo a mais famosa sobre
que parece, de uma família abastada; Cerinto no banho e um jovem rapaz
pois tinha servos (Me. 1: 20), sua mãe (um dos convertidos do apóstolo) que
ajudou no sustento financeiro de Cristo se tomou um bandido e foi mais tarde
(Mc.15:40,4l), e João conhecia o su- reconciliado com a igreja (cons. A. Plum-
mo-sacerdote, que era escolhido entre mer, The Gospel According to S. John,
a elite (Jo. 18: 15). Seu irmão mais mo- Cambridge Greek Testament, pág. xvii,
ço era Tiago. Embora João não tenha xviii).
provavelmente freqüentado as escolas João é mais conhecido como "o após-
rabínicas (Atos 4: 13), sua educação tolo do amor", mas ele foi também um
religiosa em seu lar judeu deve ter sido homem severo que até os seus últimos
completa. anos de vida foi intolerante com a here-
Os galileus eram homens de ação, sia. Ambos estes aspectos do seu cará-
duros e trabalhadores, e João não era ter, a severidade e o amor, estão desta-
uma exceção. Embora os artistas o te- cadamente exibidos em sua Primeira
nham pintado como pessoa efeminada, Epístola. Intenso é a simples palavra
a Bíblia o descreve de maneira muito que melhor descreve este homem. Nos
diferente. Era conhecido como um dos atos, no amor aos irmãos, na condena-
"filhos do trovão" (Mc.3:17), que em ção da heresia, João foi um apóstolo
diversas ocasiões agira com intolerância intenso.
(Mc. 9: 38; Lc. 9: 49), caráter vingativo
(Lc. 9: 54), e espírito de intrigas (Mt. A Cidade de Éfeso. Éfeso, o lar de
20:20,21; cons. Mc.1O:35). Foi o po- João durante a última parte de sua vida,
der de Cristo que transformou este ga- está localizada em uma planície fértil
lileu típico em "o apóstolo do amor". perto da desembocadura do Rio Caister.
Quanto tempo João ficou em J em- No tempo de Paulo era um centro co-
salém depois do Pentecostes não é certo. mercial, da região oriental do Egeu e
Evidentemente não estava lá quando daqueles que passavam por Éfeso vin-
Paulo visitou a cidade pela primeira vez dos do Oriente. Sendo a cidade a capi-
(Gl. 1: 18,19), embora possa ter estado tal da província da Ásia Menor, o pro-
mais tarde como um dos membros do cônsul romano residia ali. Assembléias
concílío (Atos 15: 6). A evidência de democráticas eram permitidas aos habi-
que passou a última parte de sua vida tantes de Éfeso (Atos 19: 39). O Cris-
na Ásia Menor, e principalmente em tianismo entrou na cidade em cerca de
Éfeso, é forte demais para ser abalada 55 através do ministério de Paulo, e ele
com outras conjeturas. Justino Már- escreveu uma carta circular a Éfeso e

-370-

I I
'I I I
outras igrejas cerca de oito anos mais sé e Maria, sobre o qual Cristo veio no
tarde. Antes de João chegar cidade,
â momento do batismo. Ambas as for-
muitos trabalharam ali pela causa de mas da heresia foram atacadas por João
Cristo (Áqüila e Priscila, Atos 18: 19; na Primeira Epístola (2: 22; 4: 2, 3; 5:
Paulo, Atos 19: 3-10; Trófimo, Atos 21: 5,6). Alguns gnósticos praticavam o
29; a família de Onesíforo, 11 Tm. 1: 16- ascetismo porque criam que toda a ma-
18; 4: 19; e Timóteo, I Tm. 1: 3). téria era má. O antinominianismo, ou
A moralidade em Éfeso era baixa. O a anarquia religiosa, era a conduta dos
magnificente templo de Diana, com suas outros, uma vez que consideravam o
127 colunas de 19,80ms. de altura à vol- conhecimento superior â virtude (cons.
ta de uma área de 140 por 72ms., era 1: 8; 4: 20). A principal resposta de
como um ímã que atraía o povo à po- João a estes erros gnósticos foi enfati-
cilga de Éfeso. Era uma casa de prosti- zar a Encarnação e o poder ético do
'tuíção em nome da religião. E apesar exemplo da vida de Cristo.
da idolatria iníqua que havia nesse lu-
gar, era a Meca ou a Roma dos religio- A Autoria das Epístolas. A questão
sos, e o seu povo deliciava-se em intitu- levantada quanto â autoria de Primeira
lar-se de "guardadores do templo" da João é se o João que escreveu o Evan-
grande Diana (Atos 19: 35). gelho e a Epístola foi realmente João,
o filho de Zebedeu, ou João, o ancião.
Gnosticismo. O Gnosticismo, a filo- A literatura menciona um presbítero
sofia da essência, em sua forma primitiva João em Éfeso, e alguns têm sido le-
fez incursões na igreja da Ásia Menor vados a concluir que João, o filho de
nos dias de João. Ele envolvia especula- Zebedeu, foi uma outra pessoa, e não
ções relativas à origem da matéria e so- o João de Éfeso, e que foi este último
bre como os seres humanos podem fi- que escreveu estes livros (Irineu em Eu-
car livres da matéria. O nome é grego, sébio, op. cit., V. viu e xx; Papías em
mas seus elementos principais eram gre- Ibid., Ill, xxxix; Polícrates em Ibid.,
gos e orientais; aspectos judeus e cris- V. xxiv; O Cânon de Muratori).
tãos foram acrescentados à mistura. O O argumento padrão para a autoria
Gnosticismo defendia, particularmente, joanina do Evangelho baseia-se em evi-
que o conhecimento é superior virtude,
ã dências internas. Este argumento se
que o verdadeiro significado das Escritu- encontra na natureza de três círculos
ras está no sentido não literal e que só concêntricos. 1) O círculo maior pro-
podem ser compreendidas por alguns va que o autor era um judeu da Pales-
poucos seletos, que o mal no mundo tina. Isto está comprovado pelo uso
impossibilita que Deus seja o criador, que faz do Velho Testamento (cons.
que a Encarnação é coisa incrível por- 6: 45; 13: 18; 19: 37), e por seu co-
que a divindade não pode se ligar a nada nhecimento do pensamento judeu, tra-
que seja material - tal como o corpo, dições, expectativas (cons. Jo. 1: 19-49;
e que não existe a ressurreição da car- 2:6,13; 3:25; 4:25; 5:1; 6:14,15;
ne. Esta doutrina resultou no Doce- 7:26 e segs.; 10:22; 11:55; 12:13;
tismo, ascetismo e antinominianismo. 13: 1; 18:28; 19:31,42), e por seu
O Docetismo extremo defendia que Je- conhecimento da Palestina (Jo. 1: 44, 46;
sus não era humano sob qualquer aspec- 2: 1; 4:47; 5:2; 9:7; 10:23; 11:54).
to, mas uma teofania meramente esten- 2) O círculo médio prova que o autor
dida, enquanto o Docetismo moderado foi testemunha ocular. Isto está com-
considerava Jesus o filho natural de Jo- provado pela exatidão dos detalhes de

- 371-
tempo, espaço e incidentes dados no pre significa "ignorante"; 2) não se de-
Evangelho (cons. Jo.l:29,35,43; 2:6; ve julgar que todos os pescadores fossem
4:40,43; 5:5; 12:1,6,12; 13:26; de origem inferior; 3) o apóstolo Pedro
19: 14,20,23,34,39; 20: 7; 21: 6), também se intitulou ancião (I Pe. 5: 1),
e pelo esboço dos caráteres (por exem- então por que não poderia João usar o
plo, André, Filipe, Tomé, Natanael, mesmo título? 4) Mateus, um apósto-
a mulher de Samaria, Nicodemos) pecu- 10, usou Marcos como fonte, de acordo
liaridade deste Evangelho. 3) O terceiro com os críticos, mas isto não se usa
círculo conclui que o autor foi João. geralmente como argumento contra a
O método seguido é, em primeiro lu- autoria de Mateus no Primeiro Evange-
gar, eliminar todos os outros que per- lho. Além disso, se João, o presbítero,
tençam ao círculo íntimo dos discípu- é o autor do Quarto Evangelho e o mes-
los e então citar evidências confirmantes mo discípulo amado, torna-se muito
que provam que só João poderia ter difícil explicar por que uma pessoa tão
sido o autor. importante quanto João, filho de Zebe-
Os argumentos para a autoria comum deu, nunca foi mencionado nesse Evan-
do Evangelho e da Epístola são conclusi- gelho. As evidências apontam claramen-
vos. Esta evidência firma-se sobre passa- te para o escritor do Evangelho e das
gens paralelas (por exemplo, Jo. 1: 1 e Epístolas, João, o apóstolo, filho de
I Jo. 1: 1), frases comuns (por exemplo, Zebedeu, que é o mesmo João presbí-
"filho unigênito", "nascido de Deus"), tero que passou os últimos anos de sua
construções comuns (o uso de conjun- vida em Éfeso.
ções em lugar de cláusulas subordinadas) Datas e Lugar. As datas das epísto-
e temas comuns (agape, "amor"; phos, las relacionam-se com a data indicada
"luz"; zoe, "vida"; meno, "habitar"). para o Evangelho. Aqueles que indicam
Assim permanece a questão básica: O uma data entre os anos 110 e 165 para o
autor de ambas as obras foi João, o após- Evangelho e acham que João não foi
tolo, ou João, o presbítero? o autor, deparam-se com um dilema.
Alguns dos motivos para se fazer uma Se o Evangelho foi publicado tão tar-
distinção entre João, o apóstolo e João, de assim, alegadamente mas não real-
o presbítero, favorecendo assim a auto- mente escrito por João, por que as cen-
ria destes livros pelo último, são: 1) um tenas de cristãos vivos, que conheceram
homem inculto (Atos 4: 13) não pode- João durante seus últimos anos de vida,
ria ter escrito nada tão profundo quanto não denunciaram a fraude? Ou, pelo
o Quarto Evangelho; 2) o filho de um menos, por que alguém não mencionou
pescador certamente não poderia co- que não foi escrita pelo próprio? Se ele
nhecer o sumo sacerdote; 3) um após- não foi publicado antes de 140/165 co-
tolo não se intitularia presbítero; 4) uma mo poderia ser universalmente aceito
vez que o escritor do Evangelho usou em 170, como foi? O fato dos fragmen-
Marcos como fonte, esse escritor não tos de Rylands, referente a João, encon-
poderia ter sido João, uma vez que um trados no Egito datarem de 140 ou antes,
apóstolo não usaria a obra de alguém requer que a data da composição do livro
que não fosse apóstolo. Contra estes seja colocada no fim do primeiro século
argumentos, as respostas que defendem ou antes. O Evangelho evidencia que o au-
a autoria de João, o apóstolo, não são tor está voltando seus olhos para trás
difíceis de se dar. 1) Iletrado pode ser (Jo. 7: 39; 21: 19), o que significa que,
aquele que não teve uma educação for- sendo João o autor, o Evangelho deve
mal nas escolas dos rabinos e nem sem- ter sido publicado entre 85 e 90 (embo-

-372 -

I I
ra tenha sido escrito antes). Sem dü- há nenhuma menção de perseguição sob
vida foi produzido por insistência dos Domiciano em 95, a Primeira Epístola foi
anciãos das igrejas da Ásia Menor, que provavelmente escrita em cerca de 90 A.D.
queriam que ele anotasse, antes de mor- Segunda e Terceira João também podem
rer, as coisas que lhes ensinara oralmente. ser datadas do mesmo ano da Primeira E-
Uma vez que a mensagem de I João pa- pístola, isto é, cerca de 90. Todas as Epís-
rece indicar um conhecimento do con- tolas foram escritas de Éfeso, de acordo
teúdo do Evangelho, e uma vez que não com a tradição digna de confiança.

ESBOÇO
Introdução. 1: 1-4.
A. A pessoa. 1: I, 2.
B. O propósito. I: 3, 4.
I. Condições de comunhão. I: 5·10.
A. Conformidade com um padrão. 1: 5·7.
B. Confissão de pecado. I: 8-10.
1. Confissão do princípio do pecado. 1: 8.
2. Confissão de pecados particulares. 1: 9.
3. Confissão de pecados pessoais. 1: 10.
11. Conduta na comunhão. 2: 1·29.
A. O caráter de nossa conduta: imitação. 2: 1·11.
1. O princípio da imitação. 2: 1, 2.
2. O padrão da imitação. 2: 3-6.
3. Aprova de nossa imitação. 2:7-11.
B. O mandamento que rege nossa conduta: separação. 2:12·17.
1. A quem se dirige o mandamento. 2: 12-14.
2. O apelo do mandamento. 2: 15-17.
C. O credo para nossa conduta: afirmação. 2: 18·29.
1. A necessidade de um credo. 2: 18-21.
2. A natureza do credo. 2: 22-29.
III. Características da comunhão. 3: 1-24.
A. Em relação à nossa perspectiva - pureza. 3: 1-3.
1. Motivos de pureza. 3: 1·3a.
2. Significado da pureza. 3: 3b.
B. Em relação à nossa posição - justiça e amor. 3: 4 -18.
1. Justiça. 3: 4·9.
2. Amor. 3: 10-18.
C. Em relação às nossas orações - respostas. 3: 19·24.
1. Dependem de confiança. 3: 19·21.
2. Dependem de obediência. 3: 22-24.

-373 -
IJOÃO 1: 1-3

IV. Prudência na comunhão. 4: 1-21.


A. Prudência quanto aos espíritos mentirosos: falsos profetas. 4: 1-6.
1. A existência dos espíritos mentirosos. 4: 1.
2. O exame dos espíritos mentirosos. 4: 2-6.
B. Prudência quanto ao espírito de amor: falsa profissão. 4: 7-21.
1. Base para o amor. 4: 7-10.
2. As glórias do amor. 4: 11-21.
V. A causa da comunhão. 5: 1-21.
A. Fé em Cristo comprovada pela nossa conduta. 5: l-S.
B. Fé em Cristo comprovada pelas nossas credenciais. 5: 6-12.
1. A evidência das credenciais. 5: 6-8.
2. O efeito das credenciais. 5: 9-12.
C. Fé em Cristo comprovada pela nossa confiança. 5: 13-21.
1. Confiança na oração. 5: 13-17.
2. Confiança em conhecimento. 5: 18-21.
COMENTÁRIO

Introdução. 1: 1-4. dado para o aoristo e indica uma mani-


festação especial de Cristo. Apalparam
Diferindo da maior parte das epísto- é a mesma palavra usada por Cristo em
las do N.T., esta não tem saudação no co- uma de Suas aparições depois da ressur-
meço e nem bênção no final. Estes qua- reição (Lc. 24: 39). Evidentemente João
tro versículos da introdução correspon- se refere a esse incidente. Verbo da vi-
dem aos dezoito versículos introdutórios da. Verbo é um nome e não simples-
do Evangelho e três versículos do Apo- mente a idéia da revelação, e vida indi-
calipse. Falam-nos do assunto do escri- ca operação e não um nome para Cris-
tor, isto é, a Palavra, que é vida. to (embora no v.2 seja praticamente
A. A Pessoa. 1: 1,2. Isto é o que um nome).
o apóstolo tem a declarar. 2. A vida que Cristo manifestou fui
1. Era. Não "veio a existir" mas era, a vida eterna porque Cristo estava com
já existia (en). Desde o princípio. A au- o Pai. A frase mostra a personalidade
sência do artigo é idiomática. O signifi- independente de Cristo, que é a vida;
cado sempre é determinado pelo con- e a preposição com mostra a igualdade
texto. Neste exemplo a frase significa de Cristo com o Pai, como em Jo. 1: 2.
um princípio anterior à criação, e o sig- B. O Propósito. 1: 3, 4. Isto é por
nificado é determinado por estava com que o apóstolo apresenta esta mensa-
o Pai no versículo 2. Esta é uma decla- gem.
ração impetuosa da eternidade de Cristo. 3. Visto e ouvido. A Encarnação é
O que temos ouvido. Tempo perfeito, a base da comunhão. Para que vós igual-
indicando resultado permanente de uma mente mantenhais. Aqueles que não
ação passada. Temos visto com os nos- viram nem ouviram. Comunhão. Este
sos próprios olhos. João queria que sou- é o propósito (hina, "a fim de que") da
béssemos que o ver não foi figura de mensagem de João e é o tema da epís-
linguagem, mas fato literal. Contempla- tola. A palavra é principalmente usada
mos e . . . apalparam. O tempo foi mu- por Paulo no N.T., exceto neste capítu-

-374-

I I I' 'I I !
IJOÃO 1:3-8

lo. Ela é divina - com Deus, e humana 7. Se, porém, andarmos ... como ele
- conosco. Ela se comprova pela de- na luz está. Deus é luz; nós andamos
monstração da alegria (v. 4) e pela gene- nela. A exigência para a comunhão é
rosidade (Atos 2: 45; Rm. 15: 26; 11 Co. deixar a luz revelar o certo e o errado
8: 4; 9: 13; I Tm. 6: 18). A comunhão e então viver sob a sua orientação conti-
melhor se descreve com a Ceia do Senhor nuamente. O cristão jamais se transfor-
(I Co. 10: 16). Com o Pai, e com seu mará em luz até que o seu corpo seja
Filho Jesus Cristo. "Assim, duas ver- mudado, mas ele deve andar em respos-
dades fundamentais, as quais as here- ta à luz enquanto está aqui na terra.
sias filosóficas da época queriam obscu- Duas conseqüências seguem-&e - pri-
recer e negar, foram claramente estabe- meiro, comunhão; depois, purificação.
lecidas desde o começo: 1) a indepen- Comunhão uns com os outros. A re-
dência da personalidade e a igualdade de ferência é aos nossos irmãos e não a Deus,
dignidade entre o Pai e o Filho; 2) a iden- como em 3:11,23; 4:7,12; IIJo.5.
tidade do eterno Filho de Deus com a E. A purificação do cristão é uma conse-
pessoa histórica Jesus Cristo" (Plummer, qüência do andar na luz; a cláusula é
op. cit., pág. 20). coordenada e indica um segundo resul-
4. Para que a nossa alegria seja com- tado do andar na luz. Sangue de Jesus.
pleta. A comunhão é a base da alegria. Tanto no V.T. como no N.T. o sangue
A alegria dos leitores dependia dela e significa morte - geralmente violenta.
também o apóstolo. (É difícil estabe- Nos purifica. Andar na luz expõe nos-
lecer uma opinião positiva quanto a sos pecados e fraquezas; assim precisa-
tradução, entre nossa alegria e vossa mos de constante purificação e isto se
alegria.) obtém. com base na morte de Cristo. O
I. Condições de Comunhão. 1: 5-10. verbo está no tempo presente e se refere
à purificação em santificação. De todo
A. Conformidade com um Padrão. o pecado. Pecado está no singular, in-
1: 5-7. Esta seção contradiz díretamen- dicando o princípio do pecado, mas a
te a doutrina gnóstica de que a conduta adição de todo (ou cada) mostra que ele
moral é indiferente ao iluminado. tem muitas formas.
5. Dele. De Cristo. Deus é luz. Nin-
guém nos fala tanto de Deus quanto B. Confissão de Pecado. 1: 8-10. A
João. Ele é espírito (Jo.4:24); Ele é menção da purificação do pecado no
luz (I Jo. 1: 5); e Ele é amor (I Jo. 4: 8). versículo 7 leva ao pensamento desta
Estas declarações se referem ao que Deus seção.
é, não ao que Ele faz. Assim, a luz é
a Sua natureza. Santidade é a idéia prin- 1) Confissão do Princípio do Pecado.
cipal, e o seu uso aqui no começo da 1: 8.
epístola estabelece a base para a ética Se dissermos. A segunda das três
cristã da carta. profissões falsas neste capítulo (cons.
6. Se dissermos. Condicional grego de vs. 6, 10). Não temos pecado. A frase
terceira categoria, mas incluindo o es- ter pecado é peculiar a João no N.T.
critor - um modo muito delicado de (cons. Jo.9:41; 15:22,24; 19:11).
declarar a possibilidade. Andarmos nas Refere-se à natureza, princípio, ou raiz
trevas. Fora da vontade de Deus, que de pecado, e não ao ato. As conseqüên-
é luz. Não praticamos a verdade. A cias de não confessar que temos pe-
verdade não é apenas o que se diz mas cado são duas: 1) a nós mesmos nos
também o que se faz. enganamos, literalmente, desviamo-nos

-375 -
I JOÃO 1: 8-10 - 2: 1-2

do caminho, fazendo conosco o que 11. Conduta na comunhão. 2: 1-29.


Satanás se esforça em fazer; 2) a verda-
de não está em nós; apagamos a luz e O escritor trata agora da conduta do
passamos a morar em uma atmosfera crente que anda na luz. Não há inter-
de trevas criadas por nós mesmos. rupção de pensamento entre os capítu-
los.
2) Confissão de Pecados Particulares. A. O Caráter de Nossa Conduta: Imi-
1: 9. tação. 2: 1-11.
Para admitir a verdade do versículo 8
pode não ser difícil, mas fazer o que se 1) O princípio da Imitação - "Para
exige no versículo 9, é difícil. Confes- que não pequeis". 2:1,2. A certeza
sarmos. Literalmente, dizer a mesma do perdão dos pecados (I : 9) e as decla-
coisa. "Ter a mesma visão que Deus rações de sua universalidade (1: 8, 10)
tem" (Candlish, pág.49). Mas não é pode levar alguns a considerar o pecado
uma simples concordância externa; antes, levianamente. Portanto, João mostra
inclui o abandono, pois essa é a atitude o padrão da conduta e a natureza do
que Deus quer que tomemos em relação remédio para o pecado, a fim de que seus
ao pecado. A confissão é a Deus. Fiel leitores não cometessem pecado.
e justo. Deus cumpre a Sua palavra e 1. Filhinhos meus. Um termo de cari-
é justo em todos os Seus atos, incluindo nho, não de indicação de idade. Para que
a maneira dEle perdoar os pecados, que não pequeis. O aoristo não pode signifi-
é com base na morte do Seu Filho. Per- car "que não continuem em pecado",
doar ... purificar. O perdão é a absolvi- mas antes "que absolutamente não pe-
ção do castigo merecido pelo pecado, quem". Embora isto não possa ser ver-
e a purificação é a remissão da poluição dade absoluta até que O vejamos (3: 2),
do pecado. deve sempre ser o nosso alvo. Se, toda-
via, alguém pecar. O aoristo indica no-
vamente que é um ato particular de pe-
3) Confissão de Pecados Pessoais. 1: cado. Temos. João também se inclui.
10. Advogado. Literalmente, alguém con-
Pode-se admitir as verdades dos ver- vocado para ficar ao lado, especialmente
sículos 8 e 9 abstratamente mas nunca para ajudar - um patrono. A palavra
admitir que se está pessoalmente envol- foi usada no N.T. apenas por, João (10.
vido no pecado. Se dissermos. Esta é a 14: 16,26; 15:26; 16:7; e aqui). O
terceira falsa profissão. Não temos co- advogado defende a causa do crente
metido pecado refere-se ao ato do peca- contra Satanás, seu acusador (Ap. 12:
do, não ao estado, como em 1: 8. Faze- 10). Ele é Jesus Cristo, o justo. Justo
mo-lo mentiroso. Porque Deus diz que indica a característica particular de nos-
o homem pecou. A sua palavra não está so Senhor que lhe concede eficácia em
em nós. A palavra de Deus, tanto no V.T. Sua advocacia (cons. Hb. 7: 26). Sendo
como no N.T. justo Ele pode interceder junto ao Pai
Então, a comunhão depende em res- que é justo.
ponder ao padrão de luz e reconhecer 2. Ele. Ele mesmo, pronome pes-
nosso estado pecaminoso. A vida vito- soal enfático. Propiciação. Esta é a base
riosa cristã é uma vida de pecados con- de sua advocacia, e embora esta última
fessados; a confissão genuína inclui seja apenas para os crentes, a propicia-
abandonar o pecado, e somente assim ção é para todos os homens. Propicia-
se produz o crescimento espiritual. ção significa satisfação (usada aqui e

-376-

I ,
'I I I
I JOÃO 2:2-9

em 4: 10 somente). Cristo mesmo é ERA.). Uma das palavras favoritas de


a satisfação (observe o tempo presente). João, definida em 3: 24 como a comu-
"Diz-se que Cristo é a 'propiciação" e nhão habitual mantida quando se guar-
não simplesmente o 'pripiciador' (como da os mandamentos. Deve. Tem a obri-
é chamado "Salvador" 4: 14), a fim de gação representada por um débito (cons.
enfatizar o pensamento de que Ele mes- Lc. 17: 10). Como. Kathos, não sim-
mo é a oferta propiciatória além do sa- plesmente .hos, indicando que a imita-
cerdote (comp. Rm. 3: 25). Um propi- ção deve ser exata em todas as coisas.
ciador devia usar meios de propiciação, O padrão de Cristo conforme apresen-
além de si mesmo" (B. F. Westcott, The tado no N.T. é humilhação e auto-sa-
Epistles of St. John, pág.44). Pelos crifício. Este deveria ser o ponto cen-
nossos pecados. Pelos (peri). Referente, tral da imitação do cristão (cons. Mt.
não "em benefício de ". Mas ainda pe- 11:29; Jo. 13:15; Rm.15:2; Fp.2:5
los do mundo inteiro. Não há limita- e segs.; Hb, 12: 2; I Pe. 2: 21).
ção na satisfação que Cristo é em rela-
ção ao pecado. Mundo. Kosmos nes- 3) A Prova da Imitação - Amor. 2: 7-
te caso, como em Jo. 3: 16, significa a 11.
raça humana. A vida de Cristo foi amor auto-sacri-
ficante; portanto, a prova de que O imi-
tamos está na demonstração do amor. O
2) O Padrão para Imitação - "Como
amor é aquilo que busca o bem supremo
Ele andou". 2:3-6.
daquele que é amado; e uma vez que o
a) A Palavra de Cristo. 2: 3-5. Imita-
bem supremo é a vontade de Deus, o
ção envolve a guarda dos Seus manda-
amor faz a vontade de Deus.
mentos.
3. Por isto, isto é, se guardamos os 7. Irmãos (E.R.C.). Melhor, amados
seus mandamentos. Sabemos. Perce- (E.R.A.). Primeira ocorrência da pala-
bemos. Que o conhecemos. Opondo-se vra nesta epístola. Mandamento. Andar
como Ele andou (v. 6) e amar os irmãos
ao gnosticismo, que se preocupava com
os predicados intelectuais, o Cristianis- (vs.9-11). São coisas essencialmente
iguais. Desde o princípio. Esta frase pode
mo exige conduta moral. 4. É mentiroso.
significar o início da raça ou o começo
Todo o seu caráter é falso. A verdade
da Lei (Lv. 19: 18) ou melhor, o início
como um princípio não se encontra nes-
da vida cristã. 8. Aquilo que é verdadei-
se homem e por isso não pode regular o
ro. A tradução melhor parece ser esta,
todo de sua vida. 5. Este versículo é
Um novo mandamento eu lhes escrevo,
oposto a 2: 4 como 2: 4 é oposto a 2: 3.
isto é, aquele que é verdadeiro. Antigo.
Palavra. Mais amplo do que mandamen-
Antes, que se extingue (tempo presen-
tos, incluindo toda a revelação da von-
te). Porque as trevas estão se extinguin-
tade de Deus. Amor de Deus. Prova-
do e a verdadeira luz está brilhando, João
velmente o amor do homem para com
aconselha seus leitores a andarem como
Deus (genitivo objetivo), como em 2: 15;
fílhos da luz. A verdadeira luz. A revela-
4:12; 5:3. O oposto (o amor de Deus
ção de Deus em Cristo.
para com o homem, genitivo subjetivo)
9. Aquele que diz. Esta é a quinta
vê-se em 4: 9.
vez que João destaca a possibilidade de
b) O Andar de Cristo. 2: 6. inconsistência entre profissão e conduta
6. Aquele que diz. Declarar-se ao lado (1: 6, 8, 10; 2: 4; cons. 4: 20). Irmão.
de Cristo resulta na implicação moral Companheiro cristão, não próximo (em-
de imitá-Lo. Está, E.R.C. (permanece, bora algumas vezes no N.T. "irmão"

-377 -
I JOÃO 2: 9·14

significa próximo, como em Mt. 5: 22; que é a característica da juventude, é


Lc. 6: 41). Está nas trevas. Esta falsa essencial à vitória nas batalhas espiri-
profissão envolve a existência do es- tuais. O maligno. ,A forma pode ser
tado exatamente oposto ao que está masculina (o maligno, isto é, o diabo)
sendo declarado. 10. Aquele que ama. ou neutro (o mal). Uma vez que o tra-
Isto não é simples profissão, como no tamento dado aos jovens é pessoal, é
versículo 9, mas a verdade real. Nele muito provável que a referência aqui
não há nenhum tropeço. Nele não há também é ao diabo pessoalmente. "A
nada que possa levar os outros a trope- rudeza com a qual 'o maligno' é apre-
çarem. Isto segue o significado geral sentado mostra que era assunto fami-
de skandalon no N.T., ocasião de tro- liar" (Westcott, pág. 60). Filhos (E.R.C.).
peço, pois se usa em relação à ofensa O mesmo grupo de 2: 12, embora a pa-
causada a outros. "Falta dé amor é a lavra aqui seja paidia e a ênfase esteja
fonte mais prolífica de ofensas" (West- sobre a subordinação mais do que sobre
cott, pág.56). 11. Está nas trevas, e o relacionamento, como em teknia do
anda nas trevas, e não sabe. As trevas versículo 12. A distinção de idades não
são o lar e a esfera da atividade daquele está aparente nestas palavras como em
que odeia seu irmão e ? agente de sua "pais" e "mancebos"; portanto a refe-
cegueira. rência é a todo o grupo. Escrevi. lite-
ralmente, mudando aqui e no versícu-
B. O Mandamento para a Nossa Con- lo 14 dos tempos presentes de 2: 12, 13a
duta: Separação. 2: 12-17. para o aoristo. A mudança tem sido di-
versamente explicada. É provável que
1) Os Destinatários do Mandamento. seja devida a uma mudança de perspec-
2: 12-14. tiva de João enquanto escrevia. Atra-
O fundamento para o apelo à sepa- vés de 13a ele via a carta ainda incom-
ração que se segue em 2: 15-17 encon- pleta, e de 13b ele a via terminada, por
tra-se no caráter e posição daqueles isso empregou estes aoristos epistola-
a quem se dirige nestes versículos. res. Conhecestes o Pai (E.R.C.). O uso
12. Filhinhos. João se dirige a todos de Pai ao se dirigir aos filhos (E.R.C.)
os seus leitores, mas com ênfase espe- reforça a idéia de subordinação. O ter-
cial nesta palavra, aqueles que têm afini- mo Pai (E.R.C.) ocorre mais freqüen-
dade uns com os outros por causa do per- temente nas cartas de João do que nos
dão dos seus pecados. Por causa do seu três Evangelhos Sinóticos juntos.
nome. Crendo no nome de Cristo (e as- 14. Palavra de Deus. A razão porque
sim a pessoa que o nome representa) os jovens podiam vencer o maligno con-
experimentaram o perdão. . sistia em que a palavra de Deus perma-
13. Pais. Agora ele se dirige aos mais necia neles. Eles faziam a vontade de
velhos da congregação e aqueles que se Deus conforme revelada em Sua palavra.
distinguem por sua posição. Conheceis
(conhecesseis). Vocês ficaram conhe- 2) O Apelo do Mandamento. 2: 15-17.
cendo através da permanência nos man- a) A Natureza do Apelo. 2: 15a.
damentos da vida cristã. Aquele que Em 2: 12-14 João lembra aos seus
existe desde o princípio, isto é, Cris- leitores os seus privilégios de cristãos.
to (cons. Jo. 1: 1-14). Jovens. Os mais Seus pecados foram perdoados, eles co-
jovens do grupo. Tendes vencido. Tem- nheciam Aquele que é a verdade, e ex-
po perfeito, expressando o resultado perimentaram vitória espiritual. Nes-
permanente da ação passada. Força, tes versículos ele exorta-os a andarem

-378 -

I I 'I 11,
1 JOÃO 2: 14-17

de acordo com esta sublime vocação, usado com concupíscência. Assim o


não amando o mundo e as coisas que significado não é a concupiscência pelas
nele há. Amar a Deus é incompatível coisas da carne, mas a concupiscência
com amor ao mundo. que é proveniente da carne, ou aquela
15. Não ameis. A ordem é para to- concupiscência que se baseia na carne.
dos (não a um grupo em particular) e Carne está sendo usada no sentido ético
aparece abruptamente no texto. O mun- (opondo-se ao sentido material, que sig-
do (kosmos, o oposto a kaos). O mundo nifica corpo), é a velha natureza do ho-
é este sistema organizado que age como mem, ou sua capacidade de fazer aqui-
rival de Deus. É aquilo "que encontra lo que desagrada a Deus. Concupiscên-
sua esfera e realização próprias em urna cia dos olhos. Os olhos são a porta do
ordem finita e sem Deus" (Westcott, mundo para a carne. Na frase, concu-
pág.63). Embora Deus ame o mundo piscência da carne, o pensamento é o
dos homens (Jo. 3: 16), não devemos do prazer físico; enquanto na concupis-
amar aquilo que os organiza contra Deus. cência dos olhos, a idéia é prazer mental,
Um homem verdadeiramente religioso físico ou estético. Soberba da vida. A
mantém-se afastado do mundo (Tg. 1: palavra soberba só ocorre também em
27), uma vez que a amizade com ele é Tg. 4: 16, onde foi traduzida para "pre-
inimizade com Deus (Tg. 4: 4). O mun- sunções". A idéia implícita na palavra
do está no colo do maligno (I Jo. 5: é a ostentação pretensa que resulta de
19), e João usa o mundo como símbo- não se ver o vazio real que há nas coi-
lo das trevas (Jo. 3: 19). O mandamen- sas do mundo. Vida. Rios, não zoe.
to não é, "não o amem demasiadamente", Este último significa o princípio vital
mas "não o amem de modo nenhum". de vida, enquanto o primeiro significa
Nem as cousas que há no mundo, Não posses. Assim a "soberba da vida" é o
amem nada que esteja na esfera do kos- orgulho ostensivo da posse dos bens ma-
mos. Temos de usar as coisas que estão teriais. Não procede do Pai. Do, ek, "ori-
no mundo, mas quando as amamos em gem" . Nenhuma dessas coisas se ori-
lugar de Deus, estamos abusando (I Co. gina no Pai, mas antes no mundo.
7: 31). 17. O terceiro motivo para não se
b) Os Motivos do Apelo. 2: 15b-17. amar o mundo é que ele é transitório.
15b. Este pensamento de suplantar Passa. Tempo presente, um processo
Deus em nossos afetos com as coisas do que está em andamento. A sua concu-
mundo foi apresentado na última frase piscência. À concupiscência que per-
do versículo. Se alguém amar o mun- tence ao mundo e é por ele estimulada.
do. É o princípio de não servir a dois Se tudo isto está passando, que tolice
senhores (Mt. 6: 24; Tg.4:4). Uma vez fixar a atenção naquilo que' esta em
que o mundo é o mesmo que trevas, processo de dissolução. Aquele, porém,
deve excluir Deus, que é luz. Este é o que faz. O cristão não se perturba. Faz.
primeiro motivo para não se amar o mun- não diz, ou ama, mas faz. A vontade
do. de Deus. O oposto de tudo aquilo que
16. O segundo motivo para não se está no mundo. Eternamente. Fazer
amar o mundo é que as coisas do mundo a vontade de Deus fornece a posse da
não são do Pai. Porque. O versículo 16 vida eterna, que significa permanência
dá razões detalhadas para a declaração eterna.
de 2: 15b. A concupiscência da carne.
O genitívo, carne, é subjetivo aqui, con- C. O Credo de Nossa Conduta: Afir-
forme nonna1mente acontece quando mação. 2: 18-29.

-379 -
I JOÃO 2: 18-22

1) A Necessidade de urn Credo. 2: e o erro por causa da unção. A unção


18-21. designa algo de uso sagrado. As pala-
a) A Última Hora. 2: 18a. vras Cristo e unção tem a mesma raiz;
Filhinhos. João se dirige a todos os portanto, João parece traçar um con-
seus leitores, sem considerar a idade de- traste entre o Anticristo e os seus anti-
les, na qualidade de quem tem a autori- cristos de um lado e Cristo e seus crís-
dade da idade e da experiência. Já é a tos (ungidos) do outro. Todos tendes
última hora. A declaração surge da idéia conhecimento. Particularmente a di-
precedente do mundo que passa. Lite- ferença entre a verdade e os ensinamen-
ralmente, última hora. A hora desta tos falsos.
presente dispensação que se tomará mais 21. Não vos escrevi. Aoristo epis-
perturbadora no período que precede tolar, referindo-se a esta Epístola (não
o segundo advento de Cristo. Um perío- ao Evangelho) e particularmente a esta
do de perturbação e perseguição. seção referente aos anticristos. João de-
b) Os Muitos Anticristos. 2: 18b-21. clara dois motivos para escrever: porque
18b. Anticristo . . . anticristos. Só seus leitores conheciam a verdade e por-
João usa o termo (aqui; 2:22; 4:3;11 que mentira alguma jamais procede da
Jo.7). Só neste versículo João afirma verdade. Estas razões estabelecem um
a existência de muitos anticristos no seu laço de simpatia e um ponto de contato
tempo e antecipa a vinda do Anticristo entre o escritor e os leitores. Porque a
no futuro (conforme descrito por ele sabeis. João apela para o conhecimento
em Ap. 13: l-lO). Anti significa "opos- que já possuem. Mentira alguma jamais
to" a Cristo. Assim, um anticristo é procede da verdade. Toda mentira tem a
aquele que se opõe a Cristo sob o dis- sua origem no diabo e portanto é alheia ã

farce de Cristo. Esses tais recebem o po- verdade que os leitores conhecem.
der das forças satânicas sobrenaturais; 2) A Natureza do Credo. 2: 22-29.
aparentemente podem fazer parte da 22. Quem é o mentiroso? Abrupta-
assembléia dos cristãos; e ensinam dou- mente introduzido sem qualquer partí-
trinas falsas (2: 19; 11 Jo. 7). A presença cula conectiva. Aquele que nega que Je-
de anticristos no mundo são a prova de sus é o Cristo. Os antecedentes dessa
que a última hora já chegou. Embora negação vêm do Gnosticismo, não do
estivessem presentes no tempo de João Judaísmo. Se fosse do Judaísmo, seria
e durante toda a história da igreja, a "úl- semelhante àquela contra a qual os após-
tima hora" deve ser todo o período com- tolos pregaram no princípio (Atos 5: 42,
preendido entre o primeiro e segundo etc.) - isto é, que Jesus de Nazaré não
adventos de Cristo. era o Cristo do N.T. Mas a heresia gnós-
19. Saíram de nosso meio. Nunca tica contra a qual João escreve aqui, era
organicamente unidos ao corpo. Teriam de que Cristo veio sobre Jesus no mo-
permanecido conosco. A sua separação mento do Seu batismo e saiu dEle antes
do grupo cristão é a prova de sua falsa de Sua morte. Era a mentira de que Je-
profissão, e o seu afastamento denun- sus não foi verdadeiramente o Deus-ho-
ciou-os como anticristos. A apostasia mem. Este é o ensinamento do anticristo.
é possível para aqueles que nunca real- O que nega o Pai e o Filho. O Gnosti-
mente aceitaram Cristo como seu Sal- cismo considerava Cristo e Jesus como
vador. 20. Unção. Mesmo se esses anti- duas entidades distintas. Assim, negar
cristos não se tivessem separado, os que Jesus é o Cristo, é negar o Filho, o
crentes tinham em si o poder de desco- Deus-homem. E negar o Filho é negar
bri-los, isto é, discernir entre a verdade o Pai, porque o Filho é a revelação do

-380 -

I ,
'I I I,
I JOÃO 2: 22·29

Pai sem o qual o Pai não pode ser conhe- guardar Seus mandamentos (3: 24). Ouan-
cido (Mt. 11: 27). do. Os melhores textos dão se (ean).
23. Agora se enfatiza a declaração Esse se não lança dúvida sobre o fato
anterior. Não tem o Pai. No versículo da Sua vinda mas apenas levanta pergun-
22 João diz que negar o Filho é negar o tas quanto a certas circunstâncias envol-
Pai. Aqui ele diz que negar o Filho é vidas em Sua vinda; por exemplo, o tem-
não ter o Pai; negar o Filho é ficar priva- po. Resultados permanentes em 1) ter
do de se tomar filho de Deus (Jo. 1: 12) confiança e 2) em não serem envergonha-
e de ter no Pai um amigo vivo. Aqui es- dos. Confiança. Ousadia (parresiav; li-
tá em vista um relacionamento vivo, não terahnente, liberdade para falar ou pron-
simplesmente um consentimento de pro- tidão para dizer qualquer coisa. Na sua
fissão de fé. Aquele que confessa. A de- vinda. Devemos ser capazes de nos ex-
claração positiva da mesma verdade. pressar sem reservas quando prestarmos
24. Permaneça em vós o que. No contas de nossa mordomia. Dele nos
grego a sentença começa com ênfase no afastemos envergonhados. Literalmen-
vós - "Quanto a vós ... ", e contrasta te, não acovardar-se com vergonha dEle
os verdadeiros crentes com os falsos mes- como alguém que é culpado, quando
tres. O que ouvistes desde o princípio. da Sua vinda. Vinda. Parousia. A única
Isto é, as verdades fundamentais do Evan- ocorrência da palavra nas obras de João.
gelho. Permanecer nelas produz a per- Muitas vezes usada em conexão com o
manência no Filho e no Pai. 25. Esta juízo que acompanha a Sua volta (Mt.
refere-se vida eterna, que é a promessa.
â 24:3,27,37; ICo.15:23; ITs.2:19;
Mas é o mesmo que o permanecer nEle 3: 13; 5:23; Tg.5:7,8).
do versículo precedente. 29. Ele é justo. O versículo prece-
26. Isto refere-se aos falsos mestres. dente fala de Cristo; assim parece lógi-
Enganar. Desviam do caminho; parti- co relacionar o ele deste versículo com
cípio presente, indicando esforço habi- Cristo. Justo. Compare 2:1; 3:7. To-
tual. 27. Quanto a vós. Posição enfáti- do aquele que pratica a justiça. O verbo
ca do pronome, como no versículo 24. está no presente - pratica habitualmen-
Unção. O dom do Espírito Santo que os te. É nascido dele. Será que isto signi-
crentes receberam quando se converte- fica nascido de Cristo, como seria o caso,
ram (cons. v.20). Dele. Fonte do dom se as referências feitas nos versículos 28
do Espírito. Não tendes necessidade e 29 são a Cristo? Neste caso, esta é a
de que alguém vos ensine. Porque esta única referência â obra da geração de
é a obra do Espírito (Jo. 16: 13 e segs.). Cristo (embora gerado de Deus e do
Como a sua unção vos ensina a respeito Espírito são idéias bfblicas ; cons. Jo.
de todas as cousas, Uma repetição da 1: 13; 3: 6, 8). "A verdadeira solução
ênfase da declaração precedente. Ensi- da dificuldade parece ser que, quando
na. Presente, continuado ensinamento S. João pensa em Deus em relação aos
da verdade. Permanecei. O verbo pode- homens, nunca pensa nele separadamen-
ria ser indicativo ou imperativo (como te de Cristo (comp. v. 20). E ainda mais,
em Jo. 5: 39; 12: 19; 14: 1; 15: 18,27). ele nunca pensa de Cristo em Sua natu-
Se for indicativo, João está simplesmen- reza humana sem acrescentar a idéia de
te aceitando a verdade das declarações Sua natureza divina. Assim uma rápida
que ele fez referente aos seus leitores. transição é possível de um aspecto da
Se imperativo, está ordenando-lhe a que Pessoa divino-humana do Senhor para
experimentem estas coisas. o outro" (Westcott, pág. 83).
28. Permanecei. Uma ordem para m. Características da Comunhão. 3:

- 381-
(JOÃO 3: 1-3

1-24. mos são aplicáveis para expressar 000·'


ção (Io. 1: 12; Rm. 8: 14-17). Depois
A. Em Relação a Nossa Perspectiva das palavras filhos de Deus, deveriam ser
- Pureza. 3: 1-3. O pensamento de 2: inseridas as palavras e nós somos. Por
29 - nascido dele - vai ser agora desen- essa razão, por esta causa; portanto) -
volvido. "Nascido dele! Isto é o que des- porque somos filhos de Deus - o mun-
perta a grata surpresa de João e provoca do não nos conhece. O mundo não sabe
sua exclamação, 'Vede quão grande a- por experiência que tipo de pessoas são
mor!' Seu discurso agora é uma expan- os filhos de Deus. O mundo não pode
são desse pensamento" (Robert S. Can- ter esse conhecimento experimental por-
dlish, The First Epistle of John, pág. que não conhece Cristo como Salvador
227). (cons. I Co. 2: 14).

1) Razões de Pureza. 3: 1-3a. João 2. Agora somos ... e. "Os dois pen-
declara dois motivos por que o cristão samentos da condição presente e futura
deve ser puro. Um se relaciona com uma dos filhos de Deus estão colocados lado
obra passada de Deus e o segundo a uma a lado com a simples conjunção e, como
obra futura. partes de um só pensamento". A condi-
I. Vede. A palavra está no plural - ção do cristão, agora e eternamente, cen-
"todos vós vede o que eu acabei de per- traliza-se no fato de ser filho de Deus.
ceber", (2: 28). Alguns acham que que "Neste fato jaz o germe de todas as pos-
grande implica em algo estranho; isto é, sibilidades da vida eterna" (M.R. Vin-
"que tipo de estranho ou extraterreno cent, Word Studies in the New Testament,
amor" (cons. Kenneth S. Wuest,In These 11, pág. 344). Semelhantes a ele. A se-
Last Days, pág. 142). Outros não vêem melhança de toda a reflexão da gló-
tal significado na palavras conforme usa- ria de Deus no crente. Isto inclui a mu-
da no N.T. (A. Plummer, The Epistles dança física para um corpo ressurreto
of S. John, Cambridge Greek Testament, como também a completa mudança es-
pág.71). A palavra implica em espan- piritual, a qual inclui pureza (v. 3), au-
to e admiração (cons. Mt.8:27; Mc. sência de pecado (v. 5) e justiça (v. 7).
13:1; Lc.I:29; IIPe.3:11, os úni- O motivo desta mudança é que o ve-
cos exemplos de outros usos no N.T.). remos no arrebatamento da igreja. "A
Tem concedido. Literalmente, tem dado. visão de Deus nos glorificará" (Plummer,
O tempo perfeito indica ainda mais, que Epistles of S. John, pág.74). 3. Nele
o dom é uma propriedade permanente tem esta esperança. Literalmente, sobre
do filho de Deus. Filhos. Literalmente, (epi) Ele, isto é, esperança que descansa
nascidos ou prole. Huios, filho adulto, sobre Ele. Nele refere-se a Cristo. Se pu-
apresenta o lado legal da filiação (e só rifica. Tempo presente, "purifica-se cons-
foi usado por Paulo em se tratando de tantemente". É necessário que haja um
crentes). Esta palavra (teknon) enfati- esforço pessoal, mas deve ser com base
za o lado natural, nascimento na famí- no descanso de nossa esperança (cons.
lia de Deus. No entanto ambos os ter- Jo. 15: 5).

1. Justiça. 3:4-9.

Características Conseq üências

3) Não peca. a) Não está sem lei (4).

-382 -

I, 'I I I
I JOÃO 3:3-6

Não reduz a nada a missão de Cristo


(5).
b) Não peca como hábito prevalescente b) Prova a permanência e conhecimento
(6). dele (6).
c) Pratica a justiça (7). c) Bjusto e imita Cristo (7).
d) Não comete pecado (8). d) Não é do maligno e já tomou posse
da vitória que Cristo dá (8).
e) Não pratica o pecado (9). e) É nascido de Deus (9).
f) Não pode pecar (9). f) Prova ser nascido de Deus (9).

2. Amor. 3: 10-18.

Características Conseqüências

a) Amor fraternal (10). a) Originário de Deus (10).


b) Não como Caim (11,12). b) Não conduzirá ao homicídio (11,12).
c) Odiado pelo mundo (13). c) Não deve causar surpresa (13).
d) Amorfraternal (14). d) Prova de ter passado da morte para a
vida (14).
e) Sem ódio (15). e) Não um homicida e tem vida (15).
f) Dá a vida pelos irmãos (16). f) Conhece o amor em sua essência (16).
g) Partilha os bens (17, 18). g) O amor de Deus habita nele (17,18).

2) O Significado da Pureza. 3: 3b. 4. Comete pecado (E.R.C.). Literal-


O pensamento por trás da pureza é mente, pratica o pecado (E.R.A.). A idéia
de purificação cerimonial exigida antes é de pecar continuamente e tão comple-
de comparecer diante de Deus (cons. tamente quanto possível. Porque o pe-
Jo.l1: 55; Hb.l0: 19 e segs.; Éx.19: cado é a transgressão da lei. Literalmen-
10). Mas a idéia na palavra não é só te, o pecado é a ausência da lei. Os
de purificação exterior mas também de termos são intercambiáveis (por causa
purificação interna (cons. Tg. 4: 8; I Pe, do uso do artigo com ambas as palavras).
1: 18, 19). Assim, isto significa que o O pecado é ausência de lei e ausência de
cristão esperançoso pode se tomar com- lei é pecado. Lei está sendo usado aqui
pletamente puro, como Cristo foi intei- em seu conceito mais amplo e inclui a
ramente puro. Ele é o padrão que João lei natural (Rm. 2: 14), a lei mosaica e
coloca diante do crente (cons. I Jo. 2: 6). a lei de Cristo (Rm. 8: 2; I Co. 9: 21).
6. Permanece ... não vive pecando. Am-
B. Em Relação a Nossa Posição - bas as palavras estão no tempo presen-
Justiça e Amor. 3:4-18. Nossa posi- te e indicam o caráter habitual da pes-
ção exige uma certa prática, e João pros- soa. A pessoa que permanece em Cristo
segue enfatizando as características desta não é capaz de pecar habitualmente. O
prática em duas idéias- justiça e amor. pecado pode fazer parte de sua expe-
O versículo 3 explica-se assim pela ex- riência, mas é a exceção e não a regra.
pansão e contraste em 3:4-18, e talvez Se o pecado é o princípio regente de uma
a melhor maneira de seguir o pensamen- vida, esta pessoa não foi redimida (Rm.
to do escritor é apresentar um quadro 6); assim a pessoa salva não pode pecar
destes versículos. Veja ao pé da pág. 382. como hábito em sua vida. Quando um

-383 -
IJOÃO 3: 6-17

cristão peca, ele confessa (I lo. 1: 9) e tas duas frases estão lado a lado (cons,
persevera em sua purificação (3: 3). O Atos 13: 10; Ef. 2: 3). Toda a humani-
pecador contínuo não conhece a Deus dade pertence, ao que parece, a uma des-
e portanto é uma pessoa não regenera- tas duas famílias; e até que alguém acei-
da. te Cristo, ele é filho do diabo (Ef. 2: 3 e
7. Filhinhos. "A ternura do chama- aqui). Não ama a seu irmão. "Esta cláu-
mento destaca-se pelo perigo da situação" sula não é uma simples explicação do que
(Westcott, pág.105). Enganar. Literal- a precede, mas a expressão dela na mais
mente, desvie do caminho. Pratica. Tem- alta forma cristã" (Westcott, pág. 109).
po presente; "pratica habitualmente". É 12. Amor pelo irmão sugere o ódio
justo. Atos de justiça brotam de um de um irmão e por isso o exemplo de
caráter justo e são a prova da regenera- Caim foi citado. Diz-se que ele perten-
ção. Assim como. Cristo, como sempre, cia à farmlia do maligno. Assassinou.
é o exemplo. 8. Pratica. Tempo pre- Originalmente a palavra grega (usada
sente; "aquele que está continuamente aqui e em Ap. 5: 6, 9,12; 6: 4, 9; 13: 3,
cometendo pecado". É o seu hábito 8; 18: 24 apenas) significava "cortar a
de vida, não simplesmente um ato. Pro- garganta" e depois, "matar violentamen-
cede do diabo. Satanás é a fonte desses te". 13. Não vos maravilheis. Literal-
desejos de pecado. "Ações habituais são mente, parem de se maravilhar. Os lei-
novamente o index do caráter, e aqui, tores de João evidentemente não podiam
da fonte" (Wuest, pág. 148, 149). Filho entender por que o mundo os odiaria.
de Deus. Esta é a primeira vez que João 14. Amor significa vida, e ódio significa
usa este título na epístola, e ele expres- morte. O teste de ter nascido de novo
sa particularmente dignidade e autorida- não é o ódio do mundo contra nós, mas
de. Destruir. Literalmente, desamarrar. porque amamos os irmãos. 15. Assassi-
Cristo na Sua morte desfez os laços com no. Isto não deve ser entendido figura-
os quais as obras do diabo se manti- tivamente, como se fosse um homicida
nham unidas. Satanás já não pode apre- da alma ou do caráter, mas literalmente,
sentar uma fronteira sólida em seus por causa do versículo 12. Deus olha
ataques contra os cristãos. para o coração, e o coração que está
9. É nascido. Particípio perfeito - cheio de ódio é potencialmente capaz
ação passada que resulta em continui- de homicídio. Compare com os ensina-
dade no presente - "foi nascido e con- mentos do Senhor em Mt. 5: 21, 22.
tinua nascido" (cons. 2: 29; 4: 7; 5: 1, "Aquele que cai em estado lamentável,
4,18). Não vive na prática de pecado cai sob os resultados normais desse es-
... não pode viver pecando. Tempos tado posto em prática até as conseqüên-
presentes, indicando novamente pecado cias" (Alford, The Greek Testament,
habitual. Semente. O princípio da vida IV, 474). Surgindo a ocasião, a pessoa
divina concedida ao que é nascido de que habitualmente odeia seu próximo
Deus (10.1: 13; 11 Pe.l :4). Isto im- agirá exatamente como Caim. Tal pessoa
possibilita o cristão de viver habitual- não está salva.
mente no pecado. 10. Nisto volta-se 16. Cons. 2: 6. Amor auto-sacrifi-
para os versículos precedentes, embora cante é uma exigência para o crente. 17.
o mesmo ensino seja reiterado na últi- Não são muitos os chamados para dar a
ma parte do versículo 10; isto é, "nesta sua vida pelos outros, mas todos podem
vida de vitória sobre o pecado ... " Os seguir as instruções deste versículo. João
filhos de Deus ... os filhos do diabo. sugere "que há um perigo na auto-indul-
Este é o único lugar no N.T. onde es- gência das opiniões sublimes que estão

-384-

I , I I I
,; 'I I I
I JOÃO 3: 17-24 - 4: 1

fora do âmbito da experiência comum. 89). Não nos acusar. Não perfeição
Podemos, portanto, experimentarmo-nos sem pecado, mas nenhum pecado não
através de um teste bem mais despre- confessado em nossa vida. Confiança.
tencioso. A questão geralmente não é Literahnente, ousadia ou liberdade para
morrer por alguém, mas partilhar com falar.
ele os meios de vida materiais" (Westcott,
pág. 114). Recursos. Posses materiais. 2) A Resposta Depende da Obediên-
Entranhas (E.R.C.). A sede dos afetos; cia. 3: 22-24.
melhor traduzir para coração (E.R.A.). 22. Oração respondida está agora con-
dicionada na habitual guarda dos manda-
mentos e na prática das coisas que lhe
C. Em Relação as Nossas Orações
agradam. Guardamos e fazemos estão
- Respostas. 3: 19-24. O ensinamento
ambos no tempo presente. 23. O man-
precedente poderia naturahnente causar
damento é crer e amar (creiamos ... ame-
apreensão em algumas mentes. Por isso
mos). A fé é uma obra, como em Jo.
João apressa-se em acrescentar que o
6: 29. Creiamos em o nome. Literal-
fruto do amor é confiança, e a confian-
mente, creiamos o nome. Signiftca crer
ça expressa-se na oração, e a oração con-
em tudo o que Cristo é, conforme re-
fíante recebe resposta.
presentado por Seu nome. Uma vez que
o escritor se dirige a cristãos, é uma
1) A Resposta Depende da Confian-
ça. 3: 19-21. exortação a que creiamos nEle com re-
19. E nisto, isto é, no amor aos ir- ferência a tudo quanto Ele nos dá na
mãos. Asseguraremos (E.R.C.). Lite- vida cristã. 24. A obediência também
rahnente, persuadiremos ou tranqüiliza- resulta em permanência. Permanece
remos (E.R.A.). Persuadir nossos cora- (habita). Esta palavra foi traduzida para
ções do quê? Que ele não precisa nos "permanece" em Jo. 15. Assim, a sen-
condenar. Assim o assegurar é uma tra- tença é uma definição de permanência.
dução interpretativa correta. Perante Permanecer é guardar os seus mandamen-
ele. É na presença de Deus que vem a tos. E o Espírito Santo dá o testemunho
segurança. 20. Se, isto é, "seja como do fato de que Cristo habita em nós.
for", equilibrando todas as cousas da úl- IV. Cuidados com a Comunhão. 4:
tima parte do versículo. Nas coisas em 1-21.
que nossos corações nos condenam,
Deus é maior... Ao examinarmos nos- A. Precaução Quanto aos Espíritos
sa vida de amor fraternal, nossos cora- Mentirosos: Falsos Profetas. 4: 1-6.
ções podem ser muito rigorosos ou de- 1) A Existência dos Espíritos Men-
masiado lenientes. Mas Deus é maior tirosos. 4: 1.
e conhece todas as coisas; portanto, A menção do Espírito Santo em 3: 24
apelamos a Ele quanto à verdade a nosso leva à definição dos espíritos mentiro-
respeito, e nos lembramos que Ele é to- sos. Este é um outro exemplo do méto-
do compaixão. Isto resulta emjulgamen- do de João de usar antíteses. Amados.
to correto e confiança para nossos cora- O vocativo cheio de ternura lembra no-
ções. 21. Um argumento a fortíori: "Se vamente ao leitor de que o assunto é
diante de Deus podemos persuadir a cons- importante. Não deis crédito. Lite-
ciência a nos absolver, quando ela nos rahnente, deixem de crer. Evidente-
censura, muito mais segurança temos mente alguns dos seus leitores estavam
diante dEle, quando isto não acontece" sendo levados pelos ensinamentos gnós-
(Plummer, The Epistles of S. John, pág. ticos. Provai. Dokimazo, que signifi-

-385 -
I JOÃO 4: 1-8

ca fazer passar por um teste com o pro- b) Seu Povo Deve Ser Examinado.
pósito de se aprovar. Esta palavra ge- 4:4-6.
ralmente implica em fazer o teste na 4. (Vós) sois. Em contraste aos fal-
esperança de que a coisa experimentada sos mestres. Os. Os próprios falsos pro-
seja aprovada, enquanto peirazo ("pro- fetas, não os espíritos que estão por trás
var" ou "tentar") geralmente significa deles. Aquele que está em vós. Inde-
fazer o teste com o propósito de que a finido quanto à qual pessoa da Deidade
coisa experimentada seja achada em falta. em particular João se referia, embora a
O motivo do teste é simples - muitos menção do Espírito em 3: 24 poderia
falsos profetas já se encontram no mun- indicar que o Espírito Santo que habita
do. Falsos profetas são falsos mestres o crente é o mencionado. Aquele que
(11 Pe. 2: 1) e operadores de milagres está no mundo. Satanás, o príncipe do
(Mt. 24: 24; Atos 13:6; Ap. 19:20). A mundo e a força que dá energia aos pro-
prova se refere à origem, se procedem fetas e espíritos falsos (10.12: 31). 5.
de Deus. Eles procedem. Os falsos profetas. Fa-
lam da parte do mundo. O mundo é a
2) O Exame dos Espíritos Mentíro- sua fonte de linguagem, não o seu assun-
sos.4:2-6. to. O sistema mundial encabeçado por
a) Seu Credo Deve Ser Examinado. Satanás é a fonte de toda heresia. 6. Nós.
4:2,3. Intensivo - "Quanto a nós ... " Conhe-
2.~e um mestre confessa que Jesus ce ... ouve. Os dois verbos estão no
Cristo veio em carne, é um profeta ver- presente, indicando progressividade. A-
dadeiro. Deve francamente reconhecer quele que está se desenvolvendo no co-
(o significado de confessa) a pessoa do nhecimento de Deus continua a nos ou-
Salvador encarnado. Isto envolve o mo- vir. Nisto. Isto é, os apóstolos falam a
do de Sua vinda (em carne) e a permanên- verdade porque o povo de Deus os ou-
cia da encarnação (tempo perfeito de ve, enquanto que os falsos profetas fá-
veio). Se ele não tomou um corpo hu- Iam o erro porque o mundo os ouve.
mano, jamais poderia ter morrido e ser
o Salvador. Deste versículo não deve- B. Precaução Quanto ao Espírito do
mos supor que este é o único teste da Amor: Falsa Profissão. 4: 7·21.
ortodoxia, mas é um dos principais e 1) O Fundamento do Amor. 4: 7-10.
foi o mais necessário contra os erros a) O amor é de Deus. 4: 7,8.
do tempo de João. 7. "A transição parece abrupta, como
3. Declaração negativa da verdade do se o apóstolo tivesse acabado sumaria-
versículo 2. Não. A posição do negati- mente com um assunto desagradável"
vo seguindo-se ao pronome relativo exi- (Plummer, The Epistles, pág.99). Esta
ge esta tradução: "Cada espírito que for é a terceira seção sobre o amor (cons.
do tipo que não confessa". Espírito 2:7·11; 3: 10-18). O amor procede
do anticristo. A E.R.A. acrescenta de- de Deus. A origem. Nascido. Tempo
vidamente a palavra espírito, embora perfeito - "nasceu e continua sendo seu
a omissão dela no grego indique uma lar- filho". 8. Não ama. Particípio presen-
gueza de pensamento. Tal falso profeta te - "não ama habitualmente". Deus
está influenciado por muitas forças e é amor. A terceira das três grandes de-
espíritos, incluindo as demoníacas e to- clarações de João quanto à natureza
das essas revelam a ação do anticristo, de Deus (10.4: 24; I Jo. 1: 5). A au-
Forças sobrenaturais estão por trás des- sência do artigo (Deus é o amor) indica
ses falsos mestres. que o amor não é simplesmente uma

-386 -

I , 'I I I
I JOÃO 4: 8-19

qualidade que Deus possui, mas o amor za que é aperfeiçoado (ou atinge o seu
é aquilo que Ele é por Sua própria natu- propósito) enquanto os crentes amam
reza. Mais ainda, sendo Deus amor, o uns aos outros.
amor que Ele demonstra brota dEle b) Leva-nos a conhecer o Deus que
mesmo e não externamente. A palavra habita em nós. 4: 13·16.
Deus está precedida por um artigo, que 13. Uma vez que não podemos ver
significa que a declaração não é reversí- a Deus, Ele nos deu evidências de Sua
vel; não se pode ler, "O amor é Deus". presença em nós por meio do Seu Espí-
b) O amor é de Cristo. 4: 9,10. rito, o qual habita em nós. Do seu Espí-
9. A manifestação do amor de Deus rito. Não que nós recebamos parte da
em nosso caso (em nós) está na oferta Terceira Pessoa da Trindade, mas que
do Seu Filho. Filho unigênito. Deus, recebemos alguns dos muitos dons do
além de enviar o Seu Filho, enviou o Seu Espírito. 15. Confessar. Dizer a mesma
Filho unigênito. Cristo é o único Filho coisa; isto é, concordar com alguma au-
nascido no sentido de que não tem ir- toridade fora de si mesmo. Filho de
mãos (cons. Hb. 11: 17). Para viver- Deus. "Esta confissão da divindade de
mos. O propósito da vinda de Cristo. Jesus Cristo implica em submissão e tam-
10. Nisto consiste o amor. Literalmen- bém obediência, não mero serviço de
te, o amor; isto é, o amor que é a natu- lábios" (A. T. Robertson, World Studies
reza de Deus. E tal amor não se rela- in the New Testament, VI, 234).
ciona a qualquer coisa que os seres huma- 16. O amor que Deus nos tem (lite-
nos possam fazer, mas expressa-se no ralmente, em nós). O amor se torna uma
dom de Cristo. Propiciação. Satisfação. força trabalhando em nós.
2) As Glórias do Amor. 4: 11-21. c) Dá-nos ousadia no dia do juízo.
a) Leva-nos a amar os outros. 4: 11, 4: 17.
12. O amor para conosco, literalmente.
11. De tal maneira. Se Deus nos a- É o amor que Deus, que é amor, produ-
mou até o ponto de dar o Seu único Fi- ziu em nós, gerando-nos e colocando o
lho, devemos (obrigação moral) amar WlS Seu Espírito em nós. No dia do juízo
aos outros. Os falsos mestres não esta- mantenhamos confiança. O crente que
vam preocupados em ensinar qualquer tem o perfeito amor de Deus em sua
obrigação moral. 12. Deus está em po- vida terrena pode enfrentar o tribunal
sição enfática. Tradução: Deus ninguém de Cristo sem vexame. Tal segurança
jamais viu. A conexão entre este pensa- não é presunção, porque, segundo ele é,
mento e o contexto parece ser este: Uma também nós somos neste mundo. A ba-
vez que nunca ninguém viu a Deus, a se para a ousadia é a nossa atual seme-
única maneira de se ver Aquele que é lhança com Cristo nesta vida, e particu-
amor, é através do amor de Seus filhos larmente, de acordo com este contexto,
entre si, comprovando assim a semelhan- nossa semelhança em amor.
ça familiar. Seu amor poderia se refe- d) Lança fora o medo. 4: 18.
rir ao Seu amor por nós ou ao nosso A idéia da ousadia traz à mente o seu
amor por Ele (PIummer, pág.l03) ou antônimo, o medo. Uma vez que o amor
à Sua natureza (Westcott, pág.152; busca o mais alto bem para o outro, o
Wuest, pág. 166). . Provavelmente não medo, que é esquivar-se do outro, não
é o Seu amor por nós. Se é o nosso pode ser uma parte do amor.
amor por Ele, este amor é aperfeiçoado e) Comprova a realidade de nossa pro-
(amadurecido) enquanto nós amamos os fissão. 4: 19-21.
irmãos. Se é o amor que é a Sua nature- 19. Nós o amamos (E.R.C.). A pala-

-387 -
IJoAo 4: 19-21 - 5: 1-7
vra o não se encontra nos melhores tex- contínua. Vitória que vence. Aqui o
tos, e o verbo está no subjuntivo. Portan- verbo está no aoristo, indicando a cer-
to, a tradução é: Vamos amar, porque teza da vitória. A vitória que venceu o
ele nos amou primeiro. 20,21. Nosso mundo é a nossa fé. S. Nossa fé está so-
amor aos irmãos, uma coisa visível, com- bre o fato de que Jesus é o Filho de Deus.
prova o nosso amor a Deus, uma entida- É a crença na divindade total (Filho de
de invisível. É fácil dizer piedosamente, Deus) e na verdadeira humanidade (Je-
"eu amo a Deus"; João diz que a ver- sus) do Deus-homem. "Nosso credo é
dadeira piedade se comprova no amor a nossa espada e escudo" (Plummer,
fraternal. Mais ainda, ele insiste na idéia The Epistles ofSt. John, pág. 112).
declarando no versículo 21 que este é
um mandamento de Cristo (10.13: B. Fé em Cristo Comprovada pelas
34). Nossas Credenciais. 5: 6-12.
1) A Evidência das Credenciais. 5:
V. Causa de Comunhão. 5: 1-21. 6-8.
Crer em Cristo é a base de nossa co- 6. Água e sangue. Têm sido interpre-
munhão. A palavra crê só apareceu três tados como significando 1) o batismo e
vezes até este ponto da epístola, mas a morte de Cristo; 2) a água e o sangue
aparece seis vezes em 5: 1-13. "Agora que escorreram do lado de Cristo na cruz;
S. João traça as bases para o parentesco 3) a purificação e a redenção; e 4) os sa-
espiritual" (Westcott, pág. 176). O fato cramentos do batismo e a Ceia do Senhor.
do cristão ter exercitado a fé em Cristo As duas últimas interpretações são sim-
comprova-se de três maneiras, de acordo bólicas; e não há lugar para tais interpre-
com o ensinamento deste capítulo. tações aqui porque veio está no aoristo,
referindo-se ao acontecimento real. As
A. Fé em Cristo Comprovada pela duas primeiras fazem a frase referir-se
Nossa Conduta. 5: 1-5. a acontecimentos reais na vida do Se-
1) Como nascidos de Deus, amamos nhor. A segunda não deve ser a prefe-
os irmãos. 5: 1-3. rida porque a ordem das palavras está
1. Os gnósticos negavam que Jesus inversa (cons. Jo. 19: 34). A primeira
de Nazaré fosse o Cristo. João torna é a que mais satisfaz. Cristo veio por
a fé nesta verdade em teste essencial (dia, "por intermédio de") meio de um
do nascido de Deus. Que o gerou é batismo que O destacou e associou O
Deus. Que dele é nascido é o crente. 2. Seu ministério com a justiça; e por meio
Aqui se declara o inverso de 4: 20, 21. do sangue, Sua morte, a qual pagou a
Também se pode dizer que aquele que penalidade devida pelos pecados do mun-
ama a Deus ama os Seus filhos, e que do. Seu ministério também foi exercido
aquele que ama os filhos de Deus ama na (o primeiro, segundo e terceiro com
a Deus. Quando. Literalmente, sempre do versículo) esfera daquilo para o que
quando. 3. Penosos, um fardo opressivo o Seu batismo e Sua morte representa-
e exaustivo. Amor transforma os manda- vam. O Espírito Santo continua dando
mentos de Deus em luz. testemunho desta verdade. O batismo
2) Na qualidade de crentes vivemos e a morte foram dois fins do ministé-
vitoriosamente. 5: 4, 5. rio de nosso Senhor.
4. Guardar o mandamento de amar 7. O texto deste versículo deveria
os irmãos é possível por causa da vitória ser, Pois há três que dão testemunho.
que o cristão tem sobre o mundo. Vence. O restante do versículo é espúrio. Ne-
Tempo presente, implica em batalha nhum manuscrito contém a adição trini-

-388-

I , 'I I I
I JOÃO 5: 7-16

.tária antes do século catorze, e o versícu- constitui o melhor para os Seus filhos.
lo jamais foi citado nas controvérsias so- A promessa é que Deus nos ouve e isto
bre a Trindade nos 450 primeiros anos da inclui a idéia de que Ele também garan-
existência da igreja. 8. As três testemu- te a resposta (cons. Jo.9:31; 11:41,
nhas são o Espírito, a água e o sangue; 42). 15. Quanto ao que lhe pedimos
e os três são unânimes num só propósi- é sinônimo de segundo a sua vontade
to. "A trindade das testemunhas forne- do versículo 14. O crente que está em
ce um só testemunho" (Plummer, The comunhão com Deus não pedirá nada
Epistles, pág. 116), isto é, que Jesus que seja contrário à vontade de Deus.
Cristo veio na carne para morrer pelo 16. A oração está limitada não so-
pecado para que os homens pudessem mente pela vontade de Deus mas também
viver. pelas ações dos outros. "A vontade do
2) O Efeito das Credenciais. 5: 9-12. homem foi dotada por Deus com tal e
9. Um testemunho triplo é tudo o tão régia liberdade, que nem mesmo a
que os homens precisam (cons. Dt. 19: Sua vontade a coage. Muito menos,
15; Mt. 18: 16; Jo. 8: 17). Deus nos portanto, pode a oração de um irmão
deu três testemunhos no Espírito, na coagi-la. Se a vontade humana delibe-
água e no sangue, os quais devemos re- rada e obstinadamente resistiu a Deus,
ceber. 10. Em si. O testemunho não e persiste em fazê-lo, somos privados
é só externo mas também interno. "A- de nOSSa garantia usual. Contra a vontade
quilo que para os outros é externo, para rebelde até mesmo a oração da fé de acor-
o crente é experimental" (Westcott, do com a vontade de Deus (pois é claro
pág. 186). O faz mentiroso. O incré- que Deus deseja a submissão do rebelde)
dulo faz de Deus um mentiroso no que será feita em vão" (Plummer, The Epis-
se refere a todo o Seu plano da redenção. tles of S. John, pág. 121). Cometer ...
11. Testemunho. O conteúdo do teste- pecado. Literalmente, pecando um pe-
munho externo e interno é que Deus cado. O suposto caso é aquele no qual
deu o Seu divino Filho para que os ho- o irmão é apanhado no ato do pecado.
mens pudessem ter vida eterna. 12. Uma Deus lhe dará vida, aos que não pecam
dedução do versículo 11. Se o Filho para morte. Os pronomes são ambíguos.
tem vida, então aquele que tem o Filho A sentença pode significar que Deus
também tem vida. Vida. Literalmente, dará vida ao intercessor, ou pode ser
a vida. considerado significando que o interces-
sor dará vida ao pecador através de suas
C. Fé em Cristo Comprovada pela orações (semelhante a Tg. 5: 20). É di-
Nossa Confiança. 5: 13-21. fícil decidir qual preferir, pois ambas
1) Confiança em Oração. 5: 13-17. as idéias são bíblicas.
13. Estas cousas, Toda a epístola. Pecado para morte. A tradução, um
A fim de saberdes. O conhecimento pecado é muito definida. Há pecado pa-
consciente da posse da vida eterna é a ra morte, o qual implica não em um
base para a alegria da comunhão, a qual simples ato, mas atos que têm o caráter
é o tema da epístola (1: 4). do pecado para a morte. Talvez nem
14. Confiança. Esta é a quarta vez sempre sejam exteriores para poderem
que é mencionada (cons, 2: 28; 4: 17 ser reconhecidos e sabidos, uma vez que
em conexão com o juízo; e 3: 21, 22 e João diz que não sabemos como orar.
aqui em conexão com a oração). Se- O pecado para morte também não é a
gundo a sua vontade. A limitação é be- rejeição de Cristo, pois o contexto está
névola porque a Sua vontade sempre lidando com cristãos. Deve ser semelhan-

-389 -
I JOÃO 5: 16-21

te aos casos citados em I Co. 5 e 11: 30. 17, e não significa um simples toque su-
Quanto à oração por tal irmão, João é perficial mas um agarramento. Satanás
muito reservado nas suas recomendações. não pode agarrar e manter preso aquele
Ele não proíbe a intercessão nem a de- que é nascido de Deus. 19. O segundo
sencoraja. Comunhão individual de- fato em nosso conhecimento. O mundo
terminará o devido curso de ação. 17. inteiro. A ordem das palavras indicam
Toda injustiça é pecado. João adverte que o mundo com os seus pensamentos,
contra o pensamento relaxado de que caminhos, métodos, etc., é o que o es-
alguns pecados são permissíveis e outros critor tinha em mente. 20. Terceiro fato.
(para morte) não são. É vindo. O verbo (hekei mais do que
2) Confiança no Conhecimento. 5: erkomai) inclui as idéias de Sua vinda
18-21. na encarnação e Sua presença agora nos
18. Sabemos. Com conhecimento cer- crentes. Para reconhecermos. Conhe-
to e positivo. Não vive em pecado. Tem- cer experimentalmente por intermédio
po presente; pecado habitual. "O poder da apropriação do conhecimento.
da intercessão para vencer as conseqüên- 21. Guardai-vos. Uma palavra dife-
cias do pecado poderiam parecer um rente (fylasso) da que foi usada em
encorajamento para uma certa indife- 5: 18 (temi). Significa guardar como
rença ao pecado" (Westcott, pág.193). o faz uma guarnição militar. Idolos,
"A condição da filiação divina é incom- "Um 'ídolo' é qualquer coisa que ocupa
patível, não simplesmente com o pe- o lugar que é de Deus" (Westcott, pág.
cado para morte, mas com o pecado de 197). Éfeso abundava com ídolos e prá-
qualquer aspecto" (Plummer, pág. 125). ticas idólatras; por isso a advertência
Toca. Aparece em João só em Jo. 20: era muito apropriada.

-390-

I I i I ,
'I I I
11 JOÃO 1

A SEGUNDA EPÍSTOLA DE JOÃO

INTRODUÇÃO

Nem alI nem a III João contêm qual- quanto a ternura do seu tom caracteri-
quer indicação de tempo ou do lugar za-a como comunicação pessoal" (David
em que foram escritas. À vista deste si- Smith, ExpGT, IV, 162). Outros defen-
lêncio e na falta de qualquer evidência dem que a carta foi dirigida a uma senho-
ao contrário, parece provável que as ra individualmente e a sua família. Se
circunstâncias foram as mesmas da Pri- o seu nome era Kyria é uma questão em
meira Epístola. O destino da Segunda aberto (cons. construções alternadas em
Epístola é enigmático. Alguns acham Ill Jo. 1 e I Pe. 1: 1). Seja qual for o
que a frase senhora eleita (v. 1) é uma seu nome, evidentemente morava perto
maneira figurada de designar toda a de Éfeso e era bem conhecida na comu-
igreja, ou pelo menos algum grupo em nidade (talvez o seu lar fosse local de
particular. Tal uso metafórico encon- reunião para a igreja local). Uma irmã
tra o paralelo em Ef. 5: 22-23 e em Ap. sua, presumivelmente falecida, tinha fa-
21: 9. Aceitando tal ponto de vista, a mília residente em :efeso e estava ligada
irmã eleita (v. 13) se referiria a congre- ã congregação de João. Ao que parece
gação do próprio João. Entretanto, "a diversos filhos da "senhora eleita" visi-
simplicidade da pequena carta impossi- taram seus primos em :efeso. Tendo fei-
bilita uma alegoria tão elaborada, en- to amizade com eles, João escreveu uma
carta à mãe deles.
ESBOÇO

I. Introdução. 1-3.
A. Autor. 1.
B. Destinatários. 1.
C. Saudação. 2,3.
11. Advertência contra a heresia. 4-11.
A. Conteúdo da heresia. 4-6.
B. A Causa da heresia. 7.
I. A vinda dos enganadores. 7.
2. O credo dos enganadores. 7.
C. As conseqüências da heresia. 8-11.
1. Exame do ego. 8.
2. Exame dos outros. 9-11.
a. Critério para o exame. 9.
b. Conseqüências do exame. 10, 11.
m. Conclusão. 12, 13.

COMENTÁRIO
I. Introdução. 1-3. íntimo de ancião (E.R.C.) em lugar de
"apóstolo" ajude a defender o ponto de
A. Autor. 1. vista de que a carta foi dirigida a uma
O ancião (E.R.C.). Veja introdução pessoa em particular e não a uma igre-
â l João. Talvez o uso informal e mais ja. Sobre a palavra ancião (E.R.C.) usa-

-391-
11 JOÃO 1-6

da com referência à idade, veja I Tm. aos outros.


5: 1,2; IPe. 5:5; e com referência à
posiçao, veja Atos 11:30; 14:23; 15: A. O Conteúdo da Heresia. 4-6.
4,6,23; 16:4; 20:17; ITm.5:17, 4. Alegre. Aoristo, talvez epistolar
19; ri, 1:5; Tg. 5: 14; I Pe. 5: 1. - "regozijo"; ou melhor, expressando o
ato inicial de alegria. Ter encontrado.
B. Destinatários. 1. Tempo perfeito; o que João achou con-
Senhora eleita. Veja Introdução. A tinuou sendo verdade. Andam. Peripa-
quem refere-se à mãe e filhos. A ver- teo, incluindo todas as atividades da vida
dade. Antes, "em toda sinceridade cris- (cons. IJo. 1: 7). Na verdade. Todo o
tã". Todos ... Todos os cristãos ama- caráter e conduta de suas vidas basea-
riam a familia se tivessem com ela o vam-se na verdade; isto conformava-se
mesmo relacionamento que João tinha. ao todo do Cristianismo. Alguns, cer-
tamente, não andam na verdade, e esta
C. Saudação. 2,3. era a heresia.
2. Por causa da verdade. Cons. 15: 5. E agora. Isto introduz uma exor-
6; 16: 6. A Verdade (ou Cristo) e o tação prática baseada no versículo 4. "Eu
Espírito tomaram possível o amor pela me alegro diante da vida cristã de alguns
senhora eleita e sua família. A Verdade dos seus filhos, e me preocupo com os
é o fundamento do amor por todos os outros, o que me leva a exortá-los"
crentes. Em nós. Posição enfática na (P1ummer, pág. 135). Peço-te. Erotao,
cláusula. um pedido pessoal, mais do que para-
3. Traduzir: Haverá graça ... conosco. kaleo, um pedido geral (palavra que
Modo de saudar fora do comum, prova- nunca foi usada por João). Que nos
velmente sugerido pelo em nós no versí- amemos uns aos outros. Estas palavras
culo precedente, É a confiante certeza provavelmente dependem de peço-te,
da bênção. Graça. O favor de Deus para sendo parentética a cláusula interme-
com os pecadores. A palavra ocorre em diária.
outro lugar de João apenas em Jo. 1: 14, 6. E o amor é este. O amor a que
16,17; III Jo. 4; Ap.1:4; 22:21. Mi- João se refere consiste nisto. No ver-
sericórdia é a compaixão de Deus por sículo 5 o mandamento é o amor; no
nós em nossa miséria. João usa esta pa- versículo 6, amar é obedecer aos Seus
lavra apenas aqui. Paz é o estado resul- mandamentos. "Este não é um círcu-
tante de integridade quando o pecado lo vicioso lógico, mas uma conexão mo-
e a miséria são removidos. De Deus ... e ral sadia ... O amor divorciado do de-
... de Jesus Cristo. A repetição do de ver torna-se desenfreado, e o dever di-
(para) enfatiza a independência das vorciado do amor acaba morrendo de
pessoas do Pai e do Filho. O Filho do inanição" (P!ummer, pág. 135, 136) . O
Pai. Uma expressão única aparentemen- amor não é simplesmente uma questão
te relacionada com a revelação do Pai de sentimentos; é a ação de se fazer a
junto com o Filho. vontade de Deus. Esta palavra deveria
11. Advertência Contra a Heresia. 11 ser particularmente necessária ao es-
João 4-11. crever-se para uma mulher, que por na-
tureza é mais emocional. Nesse. No
A verdade e o amor mencionados no amor, o qual é Seu mandamento.
versículo 3 são agora desenvolvidos. Elo-
gia-se o andar na verdade dos filhos da B. A Causa da Heresia. 7.
senhora e recomenda-se o amarem-se uns Alguns estavam espalhando heresias

-392 -

I' li I I
11 JOÃO 6-11

em vez de andarem na verdade. A heresia galardão. Nada faltando na recompen-


consistia na negação da verdade dos man- sa do povo de Deus no futuro.
damentos do Cristo encarnado, e devia-se 2) Exame dos Outros. 9-11.
à negação da Encarnação. Se Cristo não 9. Outros deviam ser examinados com
foi verdadeiramente humano, então não base na sua permanência nos ensinamen-
existe nenhuma base para a ética cristã tos de Cristo. Ultrapassa. Melhor, pros-
(cons. I Jo. 2: 6). E certamente não há segue, isto é, na profissão do Cristianis-
exemplo de amor auto-renunciante se mo sem a realidade da permanência na
for mero fantasma ou teofania. doutrina de Cristo. Doutrina de Cris-
7. Enganadores. Aqueles que levam to. O que Ele ensinou quando veio.
por um caminho errado. Não confessam. Esse tem assim o Pai, como o Filho. A
Não afirmar é o mesmo que negar. Veio expressão mais completa da parte posi-
(E.R.C.). Literalmente, vindo, E.R.A. tiva do versículo prova que, na decla-
(um particípio). A ênfase não é sim- ração negativa que a precede, não ter
plesmente sobre o fato passado da vinda Deus é não ter Cristo também.
de Cristo na carne, mas também na con- 10. Se alguém vem. O se presume
tinuação de Sua humanidade e até mes- o caso, não expressa simplesmente a
mo sobre a futura manifestação do Se- possibilidade. Em outras palavras, tais
nhor. Nunca se disse que Cristo veio no pessoas entravam nos lares cristãos sob
interior d11 carne, mas em carne; o pri- um disfarce amistoso (cons. Didache
meiro caso daria lugar a que se dissesse 11). Convosco. À senhora eleita e seus
que a divindade uniu-se a Jesus algum filhos. Não o recebais ... nem lhe deis
tempo depois do Seu nascimento. O an- as boas vindas. Imperativos presentes,
ticristo. Aquele sobre quem já tinham proibindo a continuação do que era
ouvido. Veja observações em I Jo. 2: costumeiro. A injunção é recusar aos
28. tais a hospitalidade cristã. Esta é urna
medida severa, particularmente quando
C. As Conseqüências da Heresia. 8-11. lembramos que a hospitalidade é de modo
A presença de ensinamentos heréti- geral incentivada no N.T. Nem lhe deis
cos exige exame. as boas-vindas. Não lhes digam palavra
1) Exame do Ego. 8. de saudação e simpatia. Boas-vindas é
O perigo era pessoal além de externo; uma boa tradução (Não, lhes desejem
portanto, pede-se um auto-exame, além boas-vindas) da ampla idéia contida na
do exame dos heréticos. palavra karein (cons. Atos 15: 23; 23:
Acautelai-vos. Cons. Mc. 13: 9. Para 26; Tg. 1: 1). 11. Faz-se cúmplice. Al-
que não percamos (E.R.C.). Melhor o guém que comunga. Aquele que deseja
para não perderdes da E.R.A. Aquilo boa sorte, na verdade comunga na obra
que temos realizado; isto é, os apósto- do anticristo. Obras más. Literalmen-
los. Recebamos (E.R.C.). Melhor rece- te, suas obras, suas mds obras. A ênfa-
berdes da E.R.A. Assim, a sentença fi- se está sobre o caráter mau de suas obras.
caria: para não perderdes aquilo que te-
mos realizado com esforço, mas para III. Conclusão. 11 João 12, 13.
receberdes completo galardão. Os leito-
res são advertidos a tomarem cuidado A conclusão é muito parecida com a
para que os enganadores não desfizes- da Terceira Epístola e evidentemente
sem a obra que os apóstolos e evangelis- indica que as duas cartas foram escri-
tas tinham realizado, a fim de que rece- tas ao mesmo tempo. João tratou do
bessem plena recompensa. Completo assunto principal da carta e reserva ou-

-393 -
11 JOÃO 11-13

tros assuntos para uma entrevista pessoal. Irmã eleita. Veja Introdução a 11 João.
12. Muitas. Talvez os mesmos assun- O adjetivo eleita foi usado por João ape-
tos discutidos na Primeira Epístola. 13. nas aqui, no versículo 1 e em Ap. 17: 14.

-394-

I , I' 'I I I
m JOÃO 1-2
A TERCEIRA EPISTOLA DE JOÃO

(Veja Introdução à II João)

ESBOÇO

I. Introdução. 1-4.
A. Saudação Pessoal. 1.
B. Sentimentos Pessoais. 2-4.
n. O dever da hospitalidade. 5-8.
A. A recompensa da hospitalidade. 5.
B. Os comentários sobre a hospitalidade. 6.
C. Os motivos para a hospitalidade. 7,8.
m. O perigo da arrogância. 9-12.
A. A arrogância exemplificada. 9.
B. A arrogância condenada. 10.
C. A arrogância contrastada. 11,12.
IV. Conclusão. 13,14.

COMENTÁRIO

Introdução. 1-4. impossível identificá-lo com qualquer


outro Gaio mencionado no N.T. (cons.
A epístola apresenta dentro do Novo Atos 19: 29; 20: 4; Rm. 16: 23; I Co.
Testamento, um dos reflexos mais níti- 1: 14). Amado expressa o sentimento
dos de uma igreja no primeiro século. Os comum que outros partilliavam para
caracteres, Gaio, Diótrefes e Demétrio, com Gaio. A quem eu amo na verdade,
são esboçados com fortes traços da pe- expressa os sentimentos pessoais de João.
na do apóstolo. Características da vida O eu é enfático, como se implicasse na
da igreja também se vislumbram clara- existência de outros que lhe eram hostis.
mente na epístola. A independência
dos crentes é notável, e suas personali-
dades, como também seus problemas B. Sentimentos Pessoais. 2-4.
doutrinários, são patentes. Esta curta 2. Acima de tudo. Tal significado
e muíte pessoal carta destrói a noção para peri panton não se encontra em
de que o estado de coisas era ideal, ou outras passagens do N.T. ou na LXX.
quase, no primeiro século. Por outro Refere-se à sentença em geral. Faço
lado, revela os problemas de uma fé votos. Só aqui, em Rm.1: 10 e em I Co.
vigorosamente crescente. 16: 2. Saúde. Às vezes Paulo usa esta
palavra metaforicamente falando da sã
A. Saudação Pessoal. 1. doutrina, mas aqui o sentido é de boa
A saudação é breve em contraste saúde física, como em Lc. 5: 31; 7: 10;
com as saudações de outras cartas pes- 15: 27. Talvez indique que Gaio estio
soais do N.T. Presbítero. Veja 11 Jo. 1. vera doente. A frase, assim como é pros-
Era evidentemente a maneira costumei- pera a tua alma prova que "que te vá
ra de João designar-se. O amado Gaio. bem" e "que tenhas saúde" refere-se
Uma vez que Gaio era um dos nomes a bênçãos temporais, e este versículo
mais comuns daquele tempo, torna-se dá-nos a autoridade de as pedirmos para

-395 -
III JOÃO 3-9

nossos amigos. continuar Sua boa obra. Encaminhan-


3. Vinda. Tempo presente; não numa do-os em sua jornada por modo digno.
única ocasião, mas em várias. Da tua Veja Atos 15: 3; rr. 3: 13, onde a idéia
verdade, como tu andas. .. Os irmãos de fornecimento de provisões para a
testemunharam repetidas vezes do Cris- viagem está incluída.
tianismo de Gaio, conforme comprovada
por sua doutrina e maneira de viver. C. Os Motivos para a Hospitalidade.
O versículo também pode implicar em 7,8.
que Gaio tenha resistido a alguma dou- 7. Três são os motivos apresentados
para a hospitalidade. Primeiro, esses
trina falsa. 4. A ordem literal é ousada.
irmãos saíram por amor ao Nome, isto
Maior alegria do que esta (de receber
é, Jesus Cristo (cons. Atos 5:41; Tg.
essas notícias sobre a sua firmeza) não
2: 7). Segundo, não aceitaram nada dos
tenho. Alguns manuscritos trazem graça
gentios não convertidos. O particípio
em lugar de alegria. O resultado de tais
é presente, indicando que era seu cos-
notícias foi que João ficou sabendo que
tume nada aceitar. 8. Terceiro, por meio
os seus filhos estavam andando (como
da hospitalidade os cristãos podem se
hábito de suas vidas) na verdade.
tomar cooperadores da verdade. Deve-
mos. Somos obrigados, como em I Jo,
11. O Dever da Hospitalidade. 5-8. 2:6.
Ao que parece, Gaio fora censurado m. O Perigo da Arrogância. 9·12.
por alguns por causa de hospitalidade
dispensada a irmãos desconhecidos. João A. A Arrogância Exemplificada. 9.
aprova sua atitude e insiste que tal hos- A E.R.A. traz, escrevi alguma cousa
pitalidade é dever cristão. à igreja, isto é, algumas poucas palavras.
Ti, (alguma coisa) indica que João não
A. A Recompensa da Hospitalidade. dava muita importância sua carta. Ela,
â

5. é claro, não foi preservada. À igreja. À


igreja qual Gaio pertencia. Mas o pro-
â

Amado destaca um novo trecho. Pro- pósito da carta não foi alcançado. Que
cedes fielmente tpiston poieis). Literal- gosta de exercer a primazia entre eles.
mente, fazes uma coisa fiel, ou não dei- A palavra não ocorre em nenhuma outra
xas de fazer. Isto é, qualquer benefício passagem do N.T. Implica não em aban-
feito aos irmãos será certamente recom- dono de doutrina (cons. 11 Jo. 9), mas
pensado (cons. Mt. 26: 10; Ap. 14: 13). antes em arrogante ambição e desejo
A hospitalidade tem a sua recompensa. de promover a autoridade pessoal. Plum-
Mesmo quando são estrangeiros. A adi- mer faz interessante sugestão: "Talvez
ção desta frase indicaria que este era o o significado seja que Diótrefes queria
ponto particular pelo qual Gaio fora tomar sua Igreja independente; até en-
reprovado. tão fora governada por S. João que se
encontrava em Efeso, mas Diótrefes que-
B. Os Comentários Sobre a Hospi- ria torná-la autônoma para sua própria
talidade. 6. glorificação" (Plummer, pág. 149). Não
Testemunho. Aqueles que experi- nos dá acolhida. Isto é, Diótrefes não par-
mentaram a hospitalidade de Gaio deram tilhava da opinião de João quanto a hos-
testemunho dela diante da igreja, prova- pitalidade. A improbabilidade de que
vehnente em Efeso, onde estava João. qualquer cristão se opuzesse autori-
â

Bem farás. João insiste com Gaio a dade do apóstolo é um dos argumentos

-396 -

I I I I I I
illJOÃO 9-15

internos usados contra a autoria joanina bito de uma vida.


da carta. Pensa-se que é coisa inconce- 12. Do mau Diótrefes, João muda o
bível que um cristão ignorasse as ordens assunto para o bom Demétrio. Tudo o
de um apóstolo genuíno, caso ele fosse que sabemos a respeito dele é o que en-
o autor. Entretanto, a autoridade apos- contramos nesta curta porção. É con-
tólica de Paulo foi muitas vezes desa- jectura de que ele seja o mesmo Demé-
fiada. trio, porém, agora convertido, de Atos
19: 24. O bom testemunho de Demé-
B. A Arrogância Condenada. 10.
trio foi verificado por meio de três fon-
Se eu for. Sem dúvida por causa do
tes: (1) todos os homens, (2) a verdade,
versículo 14 (cons. I Jo. 2: 28 com cons-
isto é, o padrão do cristianismo, e (3)
trução semelhante). Far-lhe-ei lembra- João e aqueles que estavam juntamente
das. Lembrar essas coisas a ele e aos com ele.
outros. Proferindo. Só aqui, embora a
forma adjetiva ocorra em I Tm. 5: 13. IV. Conclusão. 13, 14.
Literalmente, falando bobagens. Pala-
vras maliciosas. A conversa de Diótre- A semelhança da conclusão de 11
fes era sem sentido e maldosa. Suas ati- João sustenta a opinião de que ambas
tudes incluíam a falta de hospitalidade, foram escritas na mesma ocasião.
proibindo a que outros a exercessem 13. Tinha. Imperfeito, referindo-se ao
a ponto de excluí-los da igreja. Eviden- tempo quando começou a escrever a
temente tinha autoridade suficiente na carta. Pena. Literalmente, junco. 14.
congregação para efetuar tal excomun- Veja versículo 10.
gação, ou seja lá o que era. 15. A paz seja contigo. Uma bên-
ção comumente adequada para sauda-
C. A Arrogância Contrastada. 11,12. ção e despedida. Amigos. Não se sabe
11. Amado indica, novamente, uma se João se referia aos seus amigos ou os
transição. Sigas, E.R.C. Literalmente, de Gaio. Nome por nome. A frase ocor-
imites, E.R.A. Mau. Kakos, "o mal". re apenas em Jo. 10: 3. A saudação de-
Raramente usado por João. Procede via ser dada a cada um em separado,
de Deus. Cons. I Jo. 3: 6. A questão "8. João, na qualidade de pastor das
da hospitalidade já não é mais o único Igrejas da Ásia, imitaria o Bom Pastor
assunto específico em vista, mas o fazer e conheceria todas as suas ovelhas pelo
o bem ou mal de modo geral, como há- nome" (Plummer, pág. 153).

- 397-
JUDAS

INTRODUÇÁO

Autoria e Data. A Epístola de Judas, geral aos cristãos do primeiro século,


a última das epístolas "gerais" ou "cató- a Epístola de Judas adverte contra a
licas", diz que foi escrita por Judas, servo incipiente heresia do Gnosticismo, uma
de Jesus Cristo, e irmão de Tiago. A dis- filosofia que fazia pronunciada distinção
puta sobre a autenticidade dessa reivin- entre a matéria, inerentemente má, e
dicação é tão antiga quanto Eusébio, o o espírito, bom. Tal sistema de pensa-
qual colocou esta carta, ao lado de He- mento tinha sérias implicações para a
breus por considerá-la suspeita. Entre- vida e doutrina cristãs. Desafiava a dou-
tanto, as evidências internas historica- trina bíblica da criação. E dava lugar
mente sadias apóiam a veracidade do tex- à idéia de que o corpo de Cristo foi ape-
to. Mateus 13: 55 e Marcos 6: 3 citam nas aparente, não real, pois se Cristo ti-
Judas e Tiago como irmãos de Jesus. vesse um corpo real, teria sido mau. Nos
Já que Tiago foi identificado de manei- seús efeitos sobre a ética cristã, o Gnosti-
ra tão simples nesta epístola, é uma evi- cismo provocou dois resultados inteira-
dência de que era irmão de Jesus. Alguns mente diferentes: de um lado, o antino-
mestres alegam que "Judas" era apelido minianismo, a crença de que não há obri-
ou pseudônimo literário, mas isto é uma gação de se obedecer à lei moral, e de
questão em aberto. Além de ser o autor outro, uma fonna de abuso do corpo
desta carta, Judas não tinha reputação para promoção da espiritualidade. As
especial ou autoridade dentro da igreja Escrituras se opõem à ambas. Pode-se
primitiva; portanto poucas razões exis- deduzir da epístola que os leitores eram
tiriam para se falsificar uma carta usando culpados, em diversos graus, de rebeldia
o nome de Judas. Embora a data da com- contra autoridade, irreverência, conversa
posição não possa ser fixada com certeza, presunçosa e um espírito libertino. O
não seria inexato se a colocássemos na tom de Judas é polêmico, pois ele re-
última parte do primeiro século. Está preende os falsos mestres que enganam
no Cânon Muratoríano (segundo século) crentes instáveis e corrompem a mesa
e foi mencionada por Tertuliano, Cle- do Senhor.
mente e Orígenes (terceiro século). Em- Enquanto nenhum esboço possa ser
bora sofresse de um status diminuído definitivo, esta epístola divide-se facil-
por causa de suas citações dos livros não mente em quatro seções:
canônicos, Enoque e Assunção de Moisés, I. Identificação, saudação e propósito.
seus direitos e inclusão no cânon foram Judas 1-4.
universalmente reconhecidos em 350 11. Advertências contra os falsos mes-
A.D. tres. Judas 5-16.
m. Exortação aos cristãos. Judas 17-23.
Propósito. Ao que parece uma carta IV. Bênção. Judas 24, 25.

-398 -

I I I , I I' 'I I I
JUDAS 1-9

COMENTÁRIO

I. Identificação, Saudação e Propó- si a idéia de devassidão sexual.


sito. Judas 1-4.
n. Advertência contra os Falsos Mes-
1. Judas identifica-se como o escritor, tres. Judas 5-16.
descreve o seu relacionamento com Cristo
e Tiago, e define seus leitores, tudo em 5. Novamente foi usado o advérbio
uma só curta sentença. Judas é um no- hapax (cons. v. 3); aqui se refere ao co-
me popular na tradição hebraica. Uma nhecimento que os leitores têm do Evan-
palavra freqüentemente empregada por gelho. O argumento de Judas é que a
Paulo - servo ou escravo - foi usada profissão de fé de um homem não colo-
e fala da devoção de Judas a Cristo. O ca-o em posição de justo diante de Deus.
relacionamento consangüíneo do escri- A possibilidade de escorregar está ilus-
tor com Jesus é de importância secun- trada pelo exemplo dos israelitas incré-
dária. A soberania de Deus e a centrali- dulos que foram salvos do Egito mas
zação em Cristo são expressas na eleição subseqüentemente destruídos.
e preservação dos leitores. O verbo que 6. A ilustração seguinte é a queda
foi traduzido para guardados aponta dos anjos rebeldes, que se desviaram de
para a volta de Cristo. sua vocação exaltando-se. A linguagem
2. A trilogia de Judas, misericórdia, de Judas aqui talvez reflita a influência
paz, e o amor, é notadamente semítica, do livro de Enoque, o qual contém uma
e corresponde rigorosamente à "graça, descrição elaborada dos anjos desobe-
misericórdia e paz" de Paulo (11 Tm. I: dientes. Gênesís 6: 1-4 fornece a narra-
2). tiva bíblica original.
3. O propósito da carta está expli- 7. Finalmente, Judas cita a história
citamente declarado, e o ponto de vista de Sodoma e Gomorra para reforçar sua
discutido está indicado. Judas não or- imagem. Essas cidades, através das Es-
dena asperamente mas apela com amor crituras, são simbólicas do juízo divino
a que esses cristãos se lembrem da co- executado pelo fogo. Assim o seu desti-
mum salvação. O advérbio grego hapax, no foi uma figura do destino dos crentes
uma vez (por todas, Hb. 6: 4; 10: 2; I Pe. professes que não perseveram na justiça.
3: 18), afirma a finalidade da revelação 8. A irreverência é o pecado principal
de Deus em Cristo na história redentora. dos homens ímpios do versículo 4. O
É o ponto fixo, não repetível, de nossa sentido da palavra autoridades, ou os
fé. Esta revelação alcançou o seu alvo, gloriosos não está claro; pode se referir
pois foi entregue aos santos. aos líderes cristãos.
4. O motivo da carta foi a penetra- 9. Judas reforça o seu pedido de re-
ção de pessoas ímpias na comunhão da verência citando a história apócrifa de
igreja. Esses heréticos estão sujeitos a Miguel e o diabo, extraída da pseudoe-
quatro acusações: entraram secretamente; pigráfica Assunção de Moisés. Embora
já estavam destinados à condenação; Judas citasse este livro e o de Enoque,
são ímpios, isto é, irreverentes; e negam não se pode apoiar a inferência de que ele
a Cristo como Mestre e Senhor. Negar lhe concedesse o status canônico ou his-
é positivamente descrer do que Cristo toricidade. A moral que Judas aponta
testemunhou a Seu respeito. O antino- é que Miguel mostrou reservas até mesmo
minianismo gnóstico implicava em dissi- em seu relacionamento com o diabo,
mulação (lascívia), palavra que traz em enquanto os falsos mestres não exibiam

-399 -
JUDAS 10-17

reverência por qualquer autoridade. vidas, além de produzirem condenação


10. Faltando a percepção espiritual futura, são também motivo presente
para reconhecer "os gloriosos", estes de vergonha e ignomínia. Por último,
homens ímpios os escarneceram. Com Judas descreve os heréticos como es-
ironia Judas destrói a afirmação gnóstica trelas errantes. Ele dá a entender que
de superioridade espiritual professada por sua existência é sem alvo e sem utili-
eles, dizendo que eles possuem somente dade, a qual terminará em eterno esque-
instintos de animais irracionais. O co- cimento. Enoque 18: 12-16 pode ter
nhecimento adquirido exclusivamente influenciado o pensamento de Judas
através dos sentidos naturais, e a depen- aqui.
dência no mesmo, conduz sem dúvida 14,15. Nestes versículos surge um pro-
alguma à destruição. blema por causa das citações de Enoque.
11. Judas pronuncia um ai!, empre- Judas diz: Enoque, o sétimo depois de
gando novamente uma tríade de exem- Adão. A dificuldade é que Judas, ao que
plos históricos - Caim, Balaão e Coré. parece, atribui esta profecia do Enoque
Caim é tipo de injustiça, Balaão do espí- apócrifo ao Enoque de Gênesis 5. Uma
rito da mentira e cobiça (cons. Nm.22- vez que não há citação bfblica de nenhu-
24) e Coré, da rebelião dos descontentes ma profecia de Enoque, ou Judas consi-
contra autoridades devidamente consti- derava canônico o Enoque apócrifo, ou
tuídas (cons. Nm. 16). Esses tipos de pe- cometeu um erro óbvio. Contudo, a
cados solapam a saúde espiritual de toda solução do problema pode se encontrar
a igreja e destróem aqueles que os prati- no fato de que esta alegada profecia se-
cam. ja uma citação não de uma simples pas-
12. O autor intensifica a condenação sagem de Enoque, mas de diversas, e é
dos falsos mestres voltando-se das analo- provável que Judas também citasse a
gias b fhlicas para as naturais, das quais frase "o sétimo depois de Adão" de
apresenta cinco. Festas de fraternidade Enoque 60: 8. Assim Judas não estaria
eram refeições feitas em conexão com se referindo ao Enoque de Gênesis 5,
os cultos de adoração ou a Eucaristia, mas referindo-se inteiramente, até mes-
e sua. intenção era aumentar a comu- mo na linha introdutória, às palavras
nhão cristã dos crentes, fortalecendo encontradas no Enoque apócrifo. Embo-
seu senso de união com Cristo. Ao que ra a profecia não tenha status canônico,
parece os heréticos gnósticos corrom- suas predições estão em paralelo com e
peram tais festas em orgias vorazes, per- apoiadas por numerosas passagens bí-
vertendo assim seu propósito. Eles se blicas, tais como Mt. 25: 31-46.
alimentavam sem se preocupar com o 16. Depois de afirmar o destino dos
bem-estar espiritual da Igreja. Nuvens falsos mestres, Judas descreve o caráter
sem água descreve especialmente esses deles de três maneiras. São resmungado-
homens; não tinham preocupação espi- res, isto é, lamurientos furtivos; são des-
ritual, e eram carregados pelo vento co- contentes, cujo único guia é a sua paixão ;
mo se não tivessem peso. O outono é e são dados à exibição barulhenta, tendo
a estação dos frutos. Mas os falsos mes- em vista o seu próprio lucro. A lingua-
tres não produzem fruto, e tais árvores, gem reflete o pensamento da Assunção
estando duplamente mortas, estão des- de Moisés 5: 5.
tinadas à destruição.
13. As vidas dos ímpios são como III. Exortação aos Cristãos. Judas 17-
as inquietas ondas bravias do mar, as 23.
quais sujam de detritos as praias. Tais 17. Embora esta carta fosse escrita

-400-

I i I I, 'I I I
JUDAS 17-25
a cristãos, nos versículos 5-16 Judas de- (19), mas aqueles que oram no Espírito
finiu os erros dos falsos mestres. Agora Santo.
volta sua atenção para seus leitores em 21. Amdt usa a seguinte paráfrase:
uma exortação direta. Eles evitarão o "guarde-se do perigo do mal, permitindo
erro lembrando-se das palavras profe- Deus demonstrar o Seu amor para você
ridas pelos apóstolos de que os falsos no futuro também". O meio ambiente
mestres apareceriam logo dentro da atual do crente é o amor de Deus e a
própria igreja. Com isso poderão de- expectativa futura é a garantia de vida
vidamente "batalhar pela fé" (v. 3). eterna com Cristo Jesus.
18. 11 Pedro 3: 3 usa linguagem qua- 22. O texto grego é de difícil inter-
se idêntica. Ambas as passagens pare- pretação em Judas 22, 23. No v.22 o
cem referir-se a uma tradição oral cor- verbo de maior evidência é eleeo, "so-
rente sobre os ensinamentos apostóli- correr", "mostrar compaixão". O obje-
cos. No último tempo estabelece a ato to da compaixão é aquele que duvida.
mosfera e destaca que no final da dis- Assim, nesta passagem, Judas insiste
pensação as pessoas se caracterizarão com os cristãos a atender às dúvidas in-
por uma desesperada falta de espiritua- telectuais e morais dos afetados pelos
lidade. Escarnecer é ter atitudes ímpias falsos mestres. O fim em vista não é
para com as coisas santas, e escamecedo- a expulsão e condenação dos duvidosos
res (zombadores) não obedecem à lei mas sua restauração à comunhão.
do Espírito, mas seguem à lei da paixão 23. Zacarias 3: 2-4 pode ter influen-
da carne. ciado os pensamentos de Judas aqui,
19. Judas continua sua acusação con- pois ele escreve sobre arrebatá-los do
tra os falsos mestres, enquadrando-os fogo. Fogo sugere paixão sensual, mas
em dois grupos: são divisivos e sem o é mais plausível que seja uma alusão ao
Espírito de Deus. O verbo grego, promo- juízo eterno. É difícil saber se o escri-
vem divisões, sugere um estabelecimen- tor pretendia traçar uma nítida distin-
to de linhas demarcatórias que dão lugar ção entre as duas classes de pessoas com
a um espírito faccioso. Além disso, o duplo uso de alguns, ou simplesmente
revela um senso de superioridade da usou a expressão no sentido enumerativo.
parte destes falsos mestres. Com sutil Seja como forem entendidas as palavras,
ironia Judas acusa os gnósticos, que se a atitude do cristão deve ser de mise-
consideravam espirituais, de não ter o ricórdia para com o pecado, acoplada
Espírito. Ele afirma que a espirituali- com ódio pelos pecados dele.
dade é uma qualidade de vida produzida
pelo Espírito de Deus, e não pelo exer- N. Bênção. Judas 24, 25.
cício religioso só conhecido pelos pou-
cos iniciados. 24,25. Uma das maiores e mais su-
20. Mais uma vez um desafio direto blimes bênçãos do N.T. é esta que se
é feito aos leitores. A pureza de vida co- encontra no final desta curta epístola.
meça com a sã doutrina, isto é, a "fé Duas outras bênçãos paulinas compará-
que uma vez por todas foi entregue aos veis são a de Rm. 16: 25 e I Tm. 6: 14.
santos" (3). A chave para o significado 16. Vital a todas as exortações feitas
de edificando-vos se acha na frase seguin- aos crentes é o lembrete dos recursos
te, orando no Espírito Santo. A forte infinitos do próprio Deus, único que
implicação é que os homens verdadeira- tem competência para nos guardar de
mente espirituais não são justos aos seus tropeçarmos nesta vida e atraí-los a Ele
próprios olhos nem desprezam os outros próprio no último dia. Ele aperfeiçoará

-401-
a obra da santificação para que os crentes chamado sete vezes de Salvador no N.T.
sejam irrepreensíveis, ou imaculados. Esta Aqui o Seu poder salvador está compro-
palavra faz lembrar a descrição dos ani- vado na Pessoa do Seu Filho, o qual a
mais sacrificados no V.T. Judas 25 en- Igreja reconhece como "Senhor", isto
sina as duas coisas, a singularidade de é, Deus. A última atribuição de glória,
Deus e a igualdade de Jesus Cristo com majestade, domínio e autoridade é o
Deus Pai. Assim ele milita contra a idéia testemunho de Judas do benevolente
de que a divindade de Cristo foi uma in- caráter de Deus, o qual operou a nossa
venção da igreja pós-apostólica. Deus é salvação por meio de Cristo.

-402-

I i I I, L I I' 'I I I
APOCALIPSE

INTRODUÇÃO

Observação. Ao iniciarmos este breve critos. Lutero fugiu aos seus ensinamen-
comentário sobre o inexaurívellivro final tos durante anos. Ao mesmo tempo, o
do Cânon do Novo Testamento, prova- livro tem compelido homens a prolon-
velmente devemos apresentar dois aspec- gados estudos de suas profecias, voltan-
tos do mesmo que serão observados na do muitas e muitas vezes para uma re-
leitura do mesmo. Em primeiro lugar, consideração dos seus temas e para uma
guardadas as proporções, foi dedicado nova compreensão de suas revelações.
mais espaço às questões introdutórias Um só testemunho será suficiente, de
do que normalmente se concede em um alguém que geralmente é reconhecido
comentário, quer seja longo quer breve, ter sido o mais talentoso expositor do
deste livro. Isto se fez porque o escritor primeiro quarto de nosso século, G.
crê que o estudo do livro do Apocalipse Campbell Morgan: "Não há nenhum li-
exige mais considerações preliminares vro na Bfblia que tenho lido com tanta
do que qualquer outro livro da Bíblia. freqüência, nenhum ao qual tenho ten-
Quanto mais o leitor fixar na mente tado dedicar atenção mais paciente e
certos princípios fundamentais de in- persistente ... Não há nenhum livro na
terpretação, mais rapidamente compreen- Bíblia ao qual eu me volte mais ansiosa-
derá estes francamente difíceis capítu- mente nas horas de depressão, do que
los. Em segundo lugar, incorporamos este, com todo o seu mistério, todos os
nestas páginas uma grande porção de seus detalhes que não compreendo"
material dos mais importantes comen- (Westminster Bible Record, VoI. 3 [1912]
tários sobre o Apocalipse escritos duran- 105,109).
te o último século, algumas das soberba- A Importância do Livro. 1) As Escri-
mente concisas e penetrantes declarações turas do Novo Testamento seriam incom-
dos grandes mestres da igreja cristã rela- pletas, deixariam os leitores em um esta-
cionadas com assuntos mencionados no do de ânimo mais ou menos depressivo,
livro. se este livro não fosse escrito e incluído
Há algo quase paradoxal a respeito no Cânon. Ele não é somente o último
do livro do Apocalipse. É um volume livro no arranjo canônico de nossa Bí-
de reconhecida dificuldade, e no entan- blia, mas é necessariamente a conclusão
to através dos séculos tem sido como das revelações divinas ao homem. Esta
um ímã, atraindo irresistivelmente para verdade foi brilhantemente apresentada
o seu estudo cristãos de todas as escolas por T. D. Bernard em suas famosas Bamp-
de pensamento, leigos, clérigos e profes- ton Lectures for 1864, The Progress
sores. R. H. Charles está certo quando of Doctrine in the New Testament. "Não
começou as suas Lectures on the Apoc- sei como algum homem, terminando as
alypse com esta declaração: "Desde a era Epístolas, poderia esperar descobrir a his-
mais remota da Igreja, tem se admitido tória subseqüente da Igreja essencialmen-
universalmente que o Apocalipse é o li- te diferente do que ela é. Naquelas obras
vro mais difícil de toda a Bíblia" (pág. 1). nos parece, como é na realidade, que
Calvino recusou-se a escrever um comen- não testemunhamos algumas tempesta-
tário sobre o Apocalipse, e deu-lhe muito des passageiras que desanuviam a atmos-
pouca importância em seus maciços es- fera, mas sentimos o todo da atmosfera

-403 -
carregado com os elementos da futura palavra tem representado uma era de sub-
tempestade e morte. Cada momento as levação, as condições do mundo cheias
forças do mal se mostram mais claramen- de terríveis conseqüências, o desenca-
te. Elas são enfrentadas, mas não dissi- deamento de grandes poderes que o ho-
padas ... As últimas palavras de S. Paulo mem sozinho parece incapaz de contro-
na segunda Epístola a Timóteo, e as de lar. Martin Kiddle, o autor do livro so-
S. Pedro em sua segunda Epístola, com bre o Apocalipse, no Comentário de
as Epístolas de S. João e S. Judas, têm Moffatt, refere-se à "notável relevân-
a linguagem de um tempo no qual as cia" da mensagem deste livro "para a
tendências daquela história expuseram-se igreja nestes nossos dias". É apenas mais
distintamente; e nesse sentido essas car- um exemplo da sanção divina, e do signi-
tas formam um prelúdio e uma passagem ficado eterno das visões de João. Sem-
para o Apocalipse. pre que há uma crise mundial, sempre
Assim, chegamos a este livro com que o Estado se exalta e exige uma sub-
lacunas que ele pretende preencher; missão que os cristãos sabem que não
aproximamo-nos dele como homens, que lhe podem dar sem renunciar as suas
além de estarmos pessoalmente em Cris- próprias almas, sempre que a Igreja fi-
to, sabemos o que temos nEle como indi- ca ameaçada de destruição, a fé bruxu-
víduos, também, na qualidade de mem- leia e os corações são frios, o Apocalipse
bros do Seu corpo, participamos de uma adverte e exorta, edifica e encoraja to-
vida incorporada, no aperfeiçoamento dos aqueles que dão atenção a sua men-
da qual somos aperfeiçoados, e em cuja sagem" (pãg. xlix).
glória o nosso Senhor está glorificado. Por 3) Este é supremamente o livro de
este aperfeiçoamento e glória esperamos um mundo, e certamente agora, no meio
em vão, entre as confusões do mundo, deste século vinte, estamos nos aproxi-
e as formas do mal sempre ativas e mu- mando dessa condição de um mundo só.
tantes. Qual é o significado deste cenário Freqüentemente no Apocalipse encon-
selvagem? Qual será o seu resultado? E tramos frases tais como estas, "muitos
qual a perspectiva que há na realização povos, nações, línguas e reis" (10: 11;
daquilo que desejamos? Para um estado 11: 9; 17: 15), que sugerem o escopo
mental como este, e para as lacunas que universal da visão. Quando os reis silo
envolve, é que esta última parte dos en- apresentados, são "reis do mundo in-
sinamentos de Deus foram dirigidos, de teiro" (16: 14; 17:2,18; 18:9; 19:19).
acordo com aquele sistema de doutrina De Satanás diz-se que ele é o enganador
progressiva que tenho me esforçado em de "todo o mundo" (12:9). Todas as
ilustrar, em que cada estágio de progres- nações fornicaram com a meretriz (18:
so resulta numa seqüência natural do 3, 23). O boicote econômico imposto
efeito daquele que o precede". pela besta cobre toda a humanidade
2) De todos os livros da Bíblia, este (13: 16, 17). Na verdade, a besta do mar
é aquele que certamente deve ser consi- recebeu "autoridade sobre cada tribo,
derado como o livro do fim dos séculos. povo, língua e nação" (13: 7); e diz-se
E poderia parecer que nestes últimos dela, "adorá-le-ão todos os que habitam
trinta anos, o mundo Ocidental, incluin- sobre a terra" (13: 8). Há um grande
do seus estadistas, cientistas, economis- significado no fato de que quando chega
tas e ensaístas, o têm, consciente ou o momento de Cristo assumir o Seu lu-
inconscientemente, reconhecido. Isto é gar de direito como Rei dos reis e Se-
especialmente verdadeiro no que se re- nhor dos senhores, a palavra usada para
fere ao uso da palavra apocalipse. Esta o governo deste mundo está no singu-

- 404·-

I , I I' 'I I I
lar, "o reino do mundo" (11: 15). mas dúvidas têm sido lançadas sobre a
4) Este livro é notavelmente um li- autenticidade deste livro. Neste co-
vro para uma era de perturbação, para mentário não há espaço para a exposi-
um século no qual as trevas se espessa- ção dos argumentos levantados contra
rão, o medo se espalhará por toda a hu- a autoria joanina, mas temos de consi-
manidade, e poderes monstruosos, ím- derar os fatos que atestam que o Após-
pios e maus, aparecerão no palco da his- tolo João é o autor: 1) Quatro vezes nes-
tória (como aparecem neste livro). Mas te livro o nome do autor foi inserido
encontramos nele conforto e estímulo: (l: 1,4,9; 22: 8). 2) Até a primeira
Deus sabe todas as coisas desde o co- metade do século 11, era convicção da
meço, até mesmo as tribulações do Igreja de que João era o autor. Justíno
Seu próprio povo. Contudo, o final Mártir declara francamente: "E conos-
deste conflito, a perseguição, a tribula- co um homem chamado João, um dos
ção, o martírio, será determinado por apóstolos de Cristo, que na revelação
Cristo, quando Ele, finalmente for vi- que lhe foi dada ... " (Dialogue with
torioso. O pecado e Satanás e toda a Trypho the Jew, cap.81). O grande
corte de Satanás serão derrotados para historiador Eusébio repetidamente atri-
sempre; e os crentes estarão com o Fi- buiu o livro a João (Ecclesiastical History
lho de Deus na glória para sempre. Ill, xxiv, xxxix); do mesmo modo Tertu-
liano (Contra Marcion 3: 14,24).
5) Mesmo se todas essas coisas não
fossem verdadeiras, e especialmente ver- 3) Sejam quais forem as peculiari-
dadeiras para o nosso século, não deve- dades gramaticaisdeste livro, existem inu-
ríamos nos esquecer de que é o único meráveis semelhanças entre o vocabu-
livro da Bíblia que enuncia uma bem- lário do Evangelho de João e o do Apo-
-aventurança para o que ouve, lê e obe- calipse. "Um elo importante que une
dece as suas palavras: "Bem-aventurados estas obras", destaca Gloag, "é a apli-
aqueles que lêem, e aqueles que ouvem cação do termo Logos a Jesus Cristo.
as palavras da profecia e guardam as cou- Este termo é sem dúvida joanino; não
sasnela escritas" (l: 3; 22: 7). foi empregado em nenhum outro lugar
6) Finalmente, é neste livro que al- das Escrituras, e contudo aparece no
guns dos maiores temas da revelação Apocalipse: 'Está vestido com um manto
divina são concluídos dramaticamente. tinto de sangue; e o seu nome se chama
Aqui as profecias referentes a Cristo, o o verbo de Deus' (Ap. 19: 13). Da mes-
Rei dos reis, são desdobradas em sua ple- ma forma a palavra 'o Cordeiro', não
nitude, e se cumprem. Aqui, palavras simplesmente como emblema ou sím-
tais como tabernáculo, templo, paraíso, bolo de Cristo, mas o próprio Cristo,
Babilônia, etc., assumem sua conotação é peculiar a João; como quando no E-
espiritual suprema. Aqui todas as pro- vangelho se diz 'Eis o Cordeiro de Deus',
messas de uma vida em glória concen- e no Apocalipse, 'Então vi, no meio do
tram-se no quadro maravilhoso da Cidade trono e dos seres viventes e entre os an-
Santa. Temos aqui o destino final de ciãos, de pé, um Cordeiro como tinha
Satanás, do Anticristo, os falsos profe- sido morto' (5: 6). É verdade que a pa-
tas e todos os inimigos de Deus. Aqui lavra grega é diferente, ho amnos usado
os reis rebeldes do Salmo 2 encontram- no Evangelho e to amion no Apocalipse,
-se finalmente sob os pés do Cordeiro mas a idéia de que Jesus Cristo é o Cor-
de Deus. deiro é comum a ambos. A palavra ale-
O Autor. Através dos séculos algu- thinos, 'aquilo que é verdadeiro', foi

-405 -
usada dez vezes no Apocalipse, nove cilmente existiria em data tão precoce
vezes no Quarto Evangelho, quatro ve- com 65 A.D. Além disso, não temos
zes na Epístola, e apenas uma vez nas evidência nenhuma de que o apóstolo
Epístolas paulinas. Da mesma forma, exercesse qualquer autoridade sobre as
'aquele que vence' (nikos) , uma expres- igrejas da Ásia antes da destruição de Je-
são favorita na Epístola, aparece mui- rusalém. Com tal ponto de vista concor-
tas vezes no Apocalipse, como por exem- dam escritores tais como Lange, Alford,
plo na conclusão das cartas às sete igrejas Elliott, Godet, Lee, Milligan e outros.
e em outras passagens da obra: 'O vence- Título do Livro. A palavra Revela-
dor herdará estas causas' (21: 7). O verbo ção deriva do latim revelatio (de reve-
skênoõ, 'tabernacular', que só se encontra lare, "revelar ou tirar o véu daquilo que
nas obras joaninas, foi usado no Evange- estivera previamente escondido"). Este
lho, com evidente referência ao Shequiná, era o título conferido ao livro na Vul-
do Lagos tabernaculando entre os ho- gata Latina. O título grego é Apocalipse,
mens (1: 14), e foi quatro vezes empre- extraído diretamente da primeira pala-
gado no Apocalipse com referência a vra do texto grego, apocalypsis. Nesta
Deus. 'Eis o tabernáculo de Deus com forma substantiva a palavra não se encon-
os ,homens, Deus habitará com eles (ta- tra em nenhuma outra obra da literatura
bernaculará)' (21: 3)" (P.J. Gloag: In- grega, mas como verbo foi continuamen-
troduction to the Johannine Writings, te usada nos Evangelhos e nas Epístolas,
pág. 306, 307). de maneiras variadas, especialmente com
referência a algumas formas da revelação
A Data da Composição. São duas divina ao homem (como o Filho do Ho-
as grandes opiniões relativas à ocasião mem, em Lc. 17: 30). Foi usada por
em que este livro foi escrito. Alguns a Paulo referindo-se ao mesmo evento fu-
colocaram no reinado de Nero, na sétima turo(Rrn.8:18; ICo.l:7; IITs.1:7),
década do primeiro século. Mas devido e freqüentemente em I Pedro (1: 7, 13;
a muitas razões, parece-nos que é dema- 4: 13; 5: 1). No texto grego de Daniel
siado cedo. O veredito unânime da igreja esta palavra encontra-se muitas vezes
primitiva era que o apóstolo João foi com referência à revelação de segredos,
banido para a Ilha de Patmos pelo impe- ou interpretação de sonhos, ou revelação
rador Domiciano (81 a 96 A.D.), colo- de Deus (v~a Dn.2:l9,22,28,29,30,
cando alguns escritores o exilio no ano 47; 10:1; 11:35).
décimo quarto do seu reinado, 95 A.D. O Tema. O Apocalipse é um livro
(Uma evidência antiga para isto encon- profético. Na sua revelação do futuro,
tra-se em Revere F. Weidner, Annota- enfatiza particularmente as repetidas e
tions on the Revelation 01 St. John the crescentes tentativas violentas e mun-
Divine, pág. xiv-xvii). diais de personalidades e pessoas terrenas,
O Apocalipse revela claramente que ativadas e dirigidas por poderes demonía-
foi escrito em uma ocasião de grande cos e lideradas por Satanás, de se opo-
perseguição. A perseguição sob Nero rem e evitarem a execução da declarada
foi mais ou menos limitada a Roma, intenção de Cristo de estabelecer o Seu
mas sob Domiciano alcançou outras reino sobre a terra. Está claro que este
partes do império romano. Domicia- conflito certamente acabará com a der-
no baniu homens a diversos locais de rocada dessas forças do mal e o estabele-
exílio, mas Nero não o fez. Mais ainda, cimento do reino eterno de Cristo. Es-
as sete igrejas da Ásia aqui demonstram te conflito secular, envolvendo na guerra
um desenvolvimento maturo, que difi- até os céus, compõe-se de uma série

-406-

I; q II
de ardis da parte dos inimigos de Cristo plenitude dispensacional. Todos os
para derrotar o Rei dos reis. Cada ten- leitores sabem que são quatro os gru-
tativa resulta em fracasso, seguido por pos de sete que cobrem uma considerá-
terrível juízo divino. E o longo con- vel seção do livro. Há as sete mensagens
flito terminará no juízo diante do Gran- às sete igrejas (caps. 2,3). A visão dos
de Trono Branco, com o aparecimento sete selos, que abrange 6-8: 1 (com um
da Nova Jerusalém, e o começo da eter- episódio entre o sexto e o sétimo da
nidade. série, a saber vii). A visão das sete trom-
Um Livro de Visões. O livro do Apo- betas, 8: 2-11, 16 (com um episódio
calipse, acima de todos os outros livros entre a sexta e a sétima, 10-11: 13). A
da Bíblia, é um registro do que foi re- visão das sete taças, 15: 5-16. Assim
velado em visões ao autor. Todos nós quase metade do livro pertence a esta
sabemos como às vezes se torna difícil série quádrupla ... Penetra em passagens
registrar o que vimos, especialmente onde não é mencionada diretamente.
quando a visão é espetacular. Como po- Assim, em 5: 12, os sete atributos de
deria alguém descrever adequadamente louvor são conferidos ao Cordeiro que
um pôr-de-sol glorioso, ou a majestade foi morto; o grupo vestido de branco em
dos Alpes? Os muitos e diferentes ver- 7: 12 adora a Deus com o mesmo núme-
bos gregos significando "ver", "obser- ro de atribuições. O capítulo 14: 1-20
var", ou "perceber", aparecem 140 vezes consiste de sete partes, isto é, o Cordeiro
neste livro, começando com "o que com o seu glorioso grupo no monte Sião;
vês, escreve em livro" (1: 11). Imedia- o evangelho eterno; a queda de Babilô-
tamente após João diz: "Voltei-me para nia; a solene ameaça contra qualquer
ver quem falava comigo, e voltado, vi", comunhão com a Besta; porção feliz
etc. (v. 12). No começo do capítulo 4, daqueles que morrem no Senhor dora-
ouve-se uma voz do céu dizendo a João, vante; a colheita; a vindima. Além disso,
"Sobe para aqui, e te mostrarei o que o capítulo menciona seis anjos, e Um
deve acontecer depois destas cousas" como o Filho do Homem - três anjos
(4: 1). Deste ponto para frente, há inú- de cada um de seus lados, e Ele está no
meros parágrafos, até o final do livro, meio, presidindo sobre os grandes acon-
que começam com "e vi". tecimentos. O clímax da série está no
número quatro, onde Ele está assentado
Não somente temos aqui uma sene sobre a Nuvem branca. Os 'sete Espí-
de visões, mas o livro está saturado de ritos que se acham diante do seu trono'
linguagem simbólica, e estes símbolos (1: 4) expressam a perfeição infinita do
devem receber consideração especial. Espírito Santo. As 'sete estrelas' na mão
Especialmente isto acontece em rela- direita de Cristo (1: 16) indicam a autori-
ção aos números. Em primeiro lugar, dade completa que Ele tem sobre as igre-
há uma constante repetição do número jas. O Cordeiro tem 'sete chifres e sete
sete. Quanto ao simbolismo dos nú- olhos' (5: 6), que indicam todo o poder,
meros no livro, inserimos aqui os con- a inteligência suprema e a onisciência
cisos e compreensíveis resumos de Moore- perfeita com a qual Ele está dotado"
head e Weidner: "Este número (sete) (Wm. G. Moorehead, Studies in the Book
não foi empregado apenas para indicar ofRevelation, pág. 30-32).
muitos objetivos individuais", explica "A metade de sete, no Velho Testa-
Moorehead, "mas penetra grandemente mento", diz Weidner, "indica tempo de
em todo o plano do livro. Sete é o nú- tribulação. Aparece de várias maneiras,
mero da inteireza, da perfeição, e da tanto no Velho como no Novo Testa-

-407 -
mento. A fome no tempo de Elias du- ções da Aliança. Doze são as tribos de
rou três anos e meio (I Reis 17: 1; Lc, 4: Israel: havia duas vezes doze grupos de
25; Tg. 5: 17); o mesmo período é o sacerdotes; quatro vezes doze cidades
'um tempo, dois tempos e metade dum dos levitas; doze é o número dos após-
tempo' de Dn. 7: 25 e Dn. 12: 7; 'a me- tolos; duas vezes doze é o número dos
tade da semana' mencionada em Dn. anciãos que representaram a Igreja Re-
9: 27. Este mesmo período de tempo dimida; a mulher de Ap. 21: 1 tinha uma
aparece no Apocalipse sob a forma de coroa de doze estrelas em sua cabeça;
quarenta e dois meses (Ap. 11: 2; 13: 5) a Nova Jerusalém tem doze portões
ou 1.260 dias (Ap. 11:3; 12:6), ou (Ap. 21: 12), o muro da cidade tem do-
'um tempo, e tempos, e metade de um ze fundamentos (21: 14) e a árvore da
tempo' (Ap. 12: 14). As duas testemu- vida produz doze nomes de frutos (22:
nhas também permaneceram mortas 'por 2)" (Weidner, op. cit., pág. xxxix, xl).
três dias e meio' (Ap. 11: 9,11). Este No simbolismo das cores, branco é
número imperfeito é, portanto, um sím- destacadamente a cor da inocência, pu-
bolo de grande significado, e tem sido reza e justiça, como também da idade
aceito como a 'assinatura' da aliança espiritual, maturidade e perfeição; o pre-
violada ou do sofrimento e desastre ... to indica fome, desespero, sofrimento;
Dez é a representação simbólica da per- o vermelho, cor de sangue, pode indicar,
feição absoluta e desenvolvimento com- como o próprio sangue, a guerra, o ho-
pleto, tanto referindo-se a Deus quanto micídio ou a morte sacrificial; o roxo
ao mundo. É a 'assinatura' de um todo é a cor da realeza ou do ócio voluptuo-
completo e perfeito. Dez é o número so; e o amarelo é a cor da vida que se
dos Mandamentos; o Santo dos Santos esvai e do reino da morte (6:8). (Veja
era um cubo de 10 cúbitos de cada lado; o excelente exame do simbolismo das
dez vezes dez, ou 100, é o número do cores em John Peter Lange, The Rev-
Rebanho de Deus (Le. 15: 4, 7); e o cubo elation of St. John, pág. 16-18).
de dez, ou 1.000, é a duração do reinado
dos santos (Ap. 20: 4). A décima geração Vocabulário. Há 916 diferentes pa-
significa 'para sempre' (Compare Dt. lavras no texto grego do Apocalipse;
23: 3 comNe. 13: 1). Dez é também o dessas, 416 são também encontradas no
número da perfeição do mundo, simbo- Quarto Evangelho; 98 aparecem só uma
lizando o poder perfeito. As dez pragas vez em outras passagens do Novo Tes-
do Egito simbolizavam o derramamento tamento; enquanto há 108 palavras que
completo da ira divina; a quarta besta não se encontram em nenhuma outra
de Daniel tinha dez chifres (Dn. 7: 7, passagem do Novo Testamento. Aqui
24); o Dragão Vermelho do Apocalipse há muitas palavras que falam de autori-
tem dez chifres (Ap. 12:3), como tam- dade. Por exemplo, a palavra para trono
bém a Primeira Besta ou o Anticristo ocorre 44 vezes; rei, reino e governo, 37
(Ap. 13: 1). vezes; autoridade e poder, 40 vezes. As
Doze é, enfaticamente, o número muitas palavras traduzidas para ver, per-
que se refere ao reino de Deus, a 'assina- ceber, etc., aparecem perto de 150 vezes.
tura' de Deus (três) multiplicada pela As palavras que significam escrever, e
'assinatura' do mundo (quatro). Lee o resultado da escrita, isto é, um livro,
acha que enquanto sete é o número sa- são encontradas 60 vezes.
grado das Escrituras, doze é o número
do Povo da Aliança em cujo meio Deus o Uso do Velho Testamento no Apo-
habita, e com quem Ele travou as rela- calipse. Este último livro da Bíblia forma

-408 -
I, ,I I, ,I II
um mosaico espantoso, como se vê, de tram seus originais no Velho Testamento:
temas do Velho e Novo Testamento. "o Todo-Poderoso" de 1: 8, etc. em Gn.
No apêndice ao Greek New Testament, 17: 1; "o Alfa e o Õmega", ídem. (Um
de Westcott e Hort (pág. 184-188), es- bom capítulo sobre este assunto encon-
tima-se que dos 404 versículos deste tra-se em Merrill C. Tenney, Interpreting
livro, 265 contenham linhas que abran- Revelation, pág. 101-116).
gem aproximadamente 550 referências
de passagens do Velho Testamento; há A Relação do Apocalipse com o Dis-
13 referências 8 Gênesis, 27 a Êxodo, 79 curso no Jardim das Oliveiras. Todos
a Isaías, 53 a Daníel, etc. Muitos concor- concordariam que são muitas as linhas
dariam com o falecido Professor Briggs de pensamento no Apocalipse que têm
que "o discurso escatológico de Jesus forte semelhança com os assuntos men-
(Mt.24:25; Mc.13; Lc.21)é,segun- cionados no Discurso que Nosso Senhor
do o nosso pensar, a chave do Apocalipse. fez no Jardim das Oliveiras. Alguns o
Este livro é a obra de um judeu saturado têm levado longe demais, é o que me
das profecias do Velho Testamento, parece, e têm forçado o Apocalipse den-
sob a orientação da palavra de Jesus e tro de um molde construído com a di-
a inspiração de Deus. É o clímax da pro- visão tripla do Discurso das Oliveiras.
fecia do Velho e Novo Testamentos". Os acontecimentos do Discurso podem
Esta extensa incorporação do material ser divididos cronologicamente em três
do Velho Testamento vê-se em grandes períodos - pré-Tribulação, Tribulação e
seções, versículos separados e frases in- pós-Tribulação. Seria difícil formar um
dividuais. Assim, a descrição da Babilô- esboço semelhante para o livro do Apo-
nia, no capítulo 18, tem paralelos incon- calipse. Entretanto, há muitas passa-
táveis com Jeremias 51. As duas bestas gens paralelas, particularmente aquelas
do capítulo 13, com seus dez chifres que descrevem as perturbações físicas
que são dez reis, derivamdiretamente das e econômicas que terão lugar ao se apro-
visões da besta de Dn. 7, 8. A visão das ximar o fim dos tempos, como por exem-
duas oliveiras e dos dois castiçais (cap. plo Lc. 21: 9-11. Guerra, fome, pestes
11) é uma reconstrução da visão de Za- e terremotos aparecerão nos quatro pri-
carias (Zc. 4). Os períodos de tempo meiros juízos dos selos; guerras, freqüen-
no livro do Apocalipse derivam de Da- temente, de Ap. 16: 12 até o fim do
niel, como o tempo, dois tempos e a capítulo 19, e terremotos em 16: 18 e
metade de um tempo (12: 14, de Dn, 18: 8. A questão do martírio, confor-
12: 7). Muitos dos juízos das trombe- me Lc, 21: 12-16, aparece freqüentemen-
tas são espantosamente paralelos às pra- te no livro, como em Ap. 6: 9-11; l l : 7-
gas do Egito, as quais vamos considerar 10; 13:7,15; 16:6; 17:6; 18:24. A
em alguns detalhes na exposição da pas- Grande Tribulação é mencionada em 7:
sagem. Até mesmo no primeiro capí- 14. Os falsos cristos e falsos profetas apa-
tulo, o versículo 6 refere-se a Êx, 19: 6; recem em sua forma fmal no capítulo 13.
versículo 7 a Dn. 7: 13 e Zc. 12: 10, 12; Os distúrbios celestesde Lc. 21: 25-28 es-
o versículo 14 consiste de duas passagens tão em Ap. 6: 12-14 e segs. A vinda do Fi-
extraídas de Dn. 7:9,13; 10:5. O ver- lho do Homem é anunciada em Ap. 1: 7
sículo 15 deriva de Dn.1O:6; Ez.1:24; e é consumada quando a Palavra de Deus
o versículo 16 de Is.11:4; 49:2; o ver- desce do céu por ocasião da batalha do
sículo 17 de Is. 44: 6; 48: 12; e o versí- Arrnagedon. (Para exame deste assunto,
culo 18 de Is. 38: 10. Muitos dos títulos veja meu livro, A Treasury of Books for
da divindade usados neste livro encon- Bible Study, pág.235-242. Há alguns

-409 -
anos atrás Henry W. Fost escreveu todo (2: 27); e isto é exatamente o que se diz
um livro sobre este assunto, Matthew da batalha do Armagedon (19: 15). A
Twenty-Four and the Revelation, Nova promessa da "estrela da manhã" àqueles
Yorque, 1924.) que são fiéis (2: 28) reaparece em 22:
16. A idéia de andar com Cristo "de
o Princípio da Antecipação. Atra- branco" não apresentada apenas aos
vés de todo este livro, muitas e muitas fiéis de Sardes e Laodicéia, mas tam-
vezes, o autor usa aquilo que é conhe- bém aos crentes no fim dos tempos
cido por prolepse; isto é, logo no co- (3:4,5,18; 19: 14). O "livro da vida"
meço do livro ele usa uma frase que rea- (3: 5) reaparece quatro vezes, come-
parece mais tarde, e geralmente mais çando com o período da tribulação (13:
desenvolvida. Assim, por exemplo, 8; 17:8; 20:12,15; 21:27). À cidade
Cristo é chamado de "a fiel testemunha" de Filadélfia foi feita uma promessa
no começo (1: 5), mas reaparece como quádrupla (3: 12), cada frase da qual
a Testemunha Fiel em 3: 14; 17: 6; 20: reaparece no final do livro: "Ao ven-
4. Inicialmente recebe o título de "so- cedor, fá-lo-eí coluna no santuário do
berano dos reis da terra" (1: 5). Mas meu Deus ... gravarei também sobre ele
quando nos aproximamos" do final dos o nome do meu Deus (22: 4), o nome
séculos, quando as prerrogativas deste da cidade do meu Deus (21: 2, 10), a
título vão ser realmente exercidas, en- nova Jerusalém ... (21: 2, 10), e o meu
contramo-Lo novamente assim designado novo nome". Finalmente, a promessa
(17: 14; 19: 16). No começo anuncia-se aos vencedores de Laodicéia, que se
(1: 6) que Cristo nos fez reis e sacerdotes; assentarão com Cristo no Seu trono,
mas isto volta a aparecer no final do li- reaparece no começo da descrição da
vro (20: 6). Do mesmo modo o título, Nova Jerusalém (20: 4).
"o Alfa e o Õmega", que se encontra
no começo (1: 8) e no final (21: 6; 22: Alternando Cenas do Céu e Cenas da
13), como também o título, "o Todo-Po- Terra. Um fator fundamental deste li·
deroso" (1:8; 19:6,15; 21:22). A or- vro, muitas vezes ignorado pelos comen-
dem de guardar as palavras desta profecia tadores, é de grande ajuda na compreen-
foi dada na introdução, mas essa é exa- são destes capítulos quando reconhecido.
tamente a ordem que encontramos re- Isto é, muitas cenas deste livro estão lo-
petidamente no final do livro (22: 7,10, calizadas no céu, enquanto os juízos
18). propriamente ditos têm lugar na terra;
As promessas feitas aos crentes nas e as cenas no céu sempre precedem os
sete epístolas dos capítulos 2 e 3 reapa- acontecimentos terrenos aos quais estão
recem com espantosa reiteração quando relacionados. Assim, as mensagens às
as grandes lutas sobre a terra terminam, sete igrejas são precedidas por uma visão
e os filhos de Deus estão na glória da do Senhor que ascendeu ao céu. A aber-
ressurreição da Nova Jerusalém. Assim, tura dos seis selos no capítulo 6 é pre-
a promessa da "árvore da vida" (2: 7) cedida pela visão do Cordeiro no céu,
encontra-se novamente bem no final do digno de abrir o livro (caps. 4, 5). Os juí-
livro (22: 2, 14). Livramento da segunda zos que acompanham o tocar das sete
morte está prometido aos fiéis de Es- trombetas são precedidos por uma cena
mima (2: 11) e torna a ser citado no celeste que se extende de 7: 1 a 8: 5. Os
Último Juízo (20: 6, 14). "O Espírito" terríveis acontecimentos dos capítulos
declara, na quarta epístola, que Cristo 11; 12; 13 são novamente precedidos
governará as nações "com vara de ferro" por uma cena celestial de instruções

-410 -

I, I j
para João. As devastações que acompa- lhantes a latão reluzente", de cuja boca
nham as sete pragas (caps. 15; 16) são "saía uma aguda espada de dois fios".
precedidas por avisos dos anjos e a exi- As passagens seguintes tratam especial-
bição do "templo ... no céu". E, de- mente deste tema do juízo: 6: 16, 17;
pois do juízo final do capítulo 20, o li- 11:17,18; 14:7,10; 16:5,7; 18:8,
vro conclui com um quadro do lar celes- 10,20; 19: 2 e 20: 11-15.
tial dos redimidos.
Sempre senti que existem duas gran- Canonicidade. A Igreja Ocidental
des verdades a serem extraídas deste desde logo creu que o livro do Apoca-
fenômeno. Primeiro, o que vai aconte- lipse devia ser incluído entre os livros
cer na terra, embora desconhecido pelo canônicos do Novo Testamento, e ele
homem e inesperado para ele, é inteira- era publicamente lido nas igrejas. Mas
mente conhecido àqueles que estão no a Igreja Oriental parecia relutante em
céu - o Senhor que ascendeu ao céu, adotar a mesma posição, e não concor-
os anjos, os vinte e quatro anciãos, as dou com a canonicidade do Apocalipse
criaturas viventes e os outros. Em se- até o século IV. O Cânon Muratoriano,
gundo lugar, o que vai acontecer na compilado em cerca de 200, inclui o
terra está sob completo controle e dire- livro em sua lista. Pelos meados do sé-
ção do céu, de modo que podemos dizer culo I1I, o Bispo de Alexandria aceitou
com segurança, a julgar deste livro, como o livro como canônico. Foi omitido
também de outros livros proféticos das na Versão da Vulgata Sírfaca, O Ter-
Escrituras, que tudo que acontece na ceiro Concílio de Cartago (397) aceitou
terra apenas cumpre a Palavra de Deus. o livro como canônico, e todo o volume
Este princípio é notavelmente apresen- aparece nos manuscritos primitivos, no
tado nos avisos preliminares referentes Códex Sinaitico, no Códex do Vaticano
aos reis da terra que fazem guerra contra e no Códex Alexandrino. Lutero errou
o Cordeiro. Embora leiamos a respeito grandemente em colocar o livro do Apo-
de dez reis satanicamente inspirados, calipse junto às epístolas de Tíago, Judas
tendo uma só mente e concedendo seu e Hebreus, em um apêndice. Há séculos
poder e autoridade à besta (17: 12, 13), a Igreja Protestante universal e as Igrejas
não obstante, é Deus que "tem posto Oriental e Ocidental concordaram que é
em seus corações, que cumpram o seu uma obra canônica. (Todo este assunto
intento, e tenham uma mesma idéia, foi examinado com grande minuciosi-
e que dêem à besta o seu reino, até que dade no volume de Ned B. Stonehouse,
se cumpram as palavras de Deus" (17: The Apocalypse in the Ancient Church,
17). Goes, Holland, 1929.)

o livro do Juízo. Desde o começo As Quatro Principais Escolas de In-


deste livro até quase o fim, devemos terpretação. O livro do Apocalipse é
sempre ter em mente o fato de que o a única grande porção da Palavra de
livro de Apocalipse é um livro de juízo, Deus em relação à qual desenvolve-
portanto, um livro envolvendo destrui- ram-se quatro diferentes sistemas básicos
ção, devastação, morte, dor, tribulação. de interpretação. O sistema de interpre-
A própria descrição do Senhor Jesus tação que um estudante da Bíblia adota
quando Ele está para enviar mensagens fará uma grandíssima diferença naquilo
às igrejas contém alguns fatores que que crê que o livro ensina.
indubitavelmente falam de juízo - olhos 1) O Esquema Espiritual de Inter-
"como chama de fogo", pés "seme- pretação. Desde os dias de Agostinho,

-411 -
sempre existiram alguns mestres da Bí- pecialmente aproximando-se do fim do
blia que têm insistido que o propósito primeiro século. Este é um ponto de
deste livro não é instruir a igreja quanto vista principalmente desenvolvido no sé-
ao futuro, não é predizer acontecimen- culo XVII, por Alcazar, um mestre je-
tos específicos, mas simplesmente en- suíta, numa tentativa de replicar aos ar-
sinar princípios espirituais fundamentais. gumentos da Reforma, que insistiam
Este é o ponto de vista repetidas vezes que o livro predizia a corrupção e declí-
expresso por Milligan (W. Milligan, Lec- nio da Igreja Católica Romana, especial-
tures on the Apocalypse) , embora às mente nos dois capítulos dedicados à
vezes ele se contradiga. Ele diz em um Babilônia. A opinião de Alcazar foi
lugar: "O Apocalipse trata de maneira adotada por um bom número de escri-
distinta e enfática da Segunda Vinda do tores modernos - Moses Stuart, A. S.
Senhor". Gloag insiste sobre o mesmo Peake, Moffatt, Sir William Ramsay,
ponto de vista: "O livro tem a intenção Simcox e outros. Estes homens defen-
de nos ensinar a história espiritual da dem que o governante cuja ferida mortal
Igreja de Cristo, advertir-nos dos peri- foi curada é Nero, e que Domiciano foi
gos espirituais aos quais estamos expos- a besta do capítulo 13. É verdade que
tos, informar-nos das tentações espiri- a opinião preterista deve ser aplicada
tuais às quais estamos sujeitos, descre- em nossa interpretação das sete igrejas.
ver a controvérsia com o mal, e confor- Mas dizer que o restante do livro refe-
tar-nos com a certeza da vitória final re-se apenas a acontecimentos do pri-
de Cristo sobre os poderes das trevas". meiro século é na verdade negar o seu
Bem, tudo isto é verdade. O livro en- caráter profético, forçando muitas de
sina princípios e princípios espirituais; suas declarações dentro de um molde
ele transmite uma mensagem de con- pequeno demais para contê-las. Con-
forto na sua certeza da vitória final de forme Mílligan disse: "Toda a atmosfera
Cristo. Mas tudo no livro contradiz o do livro leva à conclusão oposta. Trata
ponto de vista de que não apresenta o de muita coisa que vai acontecer até
futuro profético. O próprio livro pro- o fim dos tempos, até a hora do clímax
clama-se profecia genuína. "O mal", da luta da Igreja, da consecução total
conforme diz Moorehead, "sempre pro- de sua vitória e do total alcance do seu
cura se concentrar em uma pessoa ou repouso. O Apocalipse revela distinta-
sistema; assim também o bem. O Apo- mente que está preocupado com a histó-
calipse nos mostra o mal centralizado ria da Igreja até que ela entre na posse
na besta e no falso profeta". Certamen- de sua herança celestial" (op. cit., pág.
te a volta de Cristo está neste livro, e 41).
esta é uma profecia de um acontecimento 3) O Esquema Historicista de Inter-
futuro; do mesmo modo, a ressurreição pretação. Na história da interpretação
dos crentes e o julgamento diante do do Apocalipse, provavelmente maior é
Grande Trono Branco. (Este é o ponto o número de nomes ligados a este esque-
de vista mantido pela maioria dos comen- ma do que a qualquer outro ponto de
tadores da fé reformada, Peters e outros.) vista, com exceção do futurista. De
2) O Esquema Preterista de Interpre- acordo com este conceito, o livro do
tação. Este sistema de interpretação do Apocalipse, especialmente na profecia
Apocalipse insiste em que o autor só dos selos, das trombetas e das taças,
descreve acontecimentos que acontece- apresenta eventos particulares da his-
ram na terra, dentro do Império Ro- tória do mundo que se relacionam com
mano, durante os seus dias de vida, es- o bem-estar da Igreja desde o primeiro

- 412 --
, I
I· I I I'
século até os tempos modernos. A maior teis ao grande corpo da Igreja Cristã,
das obras baseadas nesta teoria é o es- mesmo depois de cumpridas, e seu cum-
tudo em quatro volumes feito por Elliott primento reconhecido por alguns poucos
(E. B. E1liott, Horae Apocalypticae) , pesquizadores competentes. Os pobres
que pode ser considerada como uma e os iletrados sempre souberam, e pro-
ilustração deste esquema. Ele diz que vavelmente sempre saberão, pouca coisa
os juízos das trombetas cobrem o perío- dos acontecimentos históricos suposta-
do de 395 a 1453, que a primeira trom- mente aludidos no livro. Faria parte
beta se refere à invasão dos godos, a ter- do plano divino tornar a compreensão
ceira dos hunos sob o comando de Áti- de uma revelação tão insistentemente
la, a quinta das hordas maometanas que recomendada dependente de um conhe-
se derramaram pelo Ocidente no sexto cimento da história eclesiástica e política
e sétimo século, etc. Temos outra ilus- do mundo nas centenas de anos passa-
tração na famosa obra de Mede que diz dos? A própria suposição é absurda.
que o sexto selo prediz a derrocada do É inconsistente com a primeira promes-
paganismo sob Constantino, que a se- sa do livro, "Bem-aventurados aqueles
gunda taça se refere a Lutero, que a ter- que lêem e aqueles que ouvem as pala-
ceira se relaciona com os acontecimentos vras da profecia!"... A seleção dos
do reinado da Rainha Elizabeth I, etc. acontecimentos históricos feita pelo sis-
Muitos daqueles que pertencem a esta tema é altamente arbitrária, e não se
escola insistem que o terremoto mencio- pode dizer que corresponda ao grau
nado em 11: 19 refere-se à Revolução de importância que os tais aconteci-
Francesa; outros encontram Napoleão mentos tenham vindicado para si mes-
Bonaparte no livro do Apocalipse, etc., mos no decorrer da história" (op. cit.,
etc. pág.131).
Agora, deixando de lado todas as 4) O Esquema Futurista de Interpre-
outras objeções a este esquema, temos tação. Dificilmente poderia se duvidar
de admitir que ele não oferece nenhum de que o Apocalipse é um livro de pro-
princípio ou critério fundamental pelo fecias preditivas. Negá-lo seria ignorar
qual sejamos capazes de determinar o estilo, o tema e os acontecimentos
quais são exatamente os acontecimentos futuros do Apocalipse. Certamente o
históricos mencionados em determinada Segundo Advento, o conflito final de
passagem. E isto tem levado a um vasto Cristo com as forças do mal, o Milênio,
pântano de confusão e contradição en- o juízo final, são ainda acontecimentos
tre os que defendem este ponto de vista. futuros. O esquema futurista de inter-
Milligan, numa forte crítica a todo pretação insiste que, na grande maioria,
esse esquema, diz: ''Podemos realmente as visões deste livro se realizarão no final
admitir que os acontecimentos nele en- desta dispensação. A escola futurista
contrados pelo intérprete histórico te- foi há muito, excelentemente definida,
riam sido instrutivos ou consoladores como o esquema que "aguarda o cumpri-
para o cristão primitivo, se ele fosse mento dessas predições, não nos primei-
capaz de compreendê-los inteiramente. ros acontecimentos e heresias da igreja,
Mas a verdadeira dificuldade está nisto, nem na longa série dos séculos desde as
que tal compreensão era impossível na- primeiras pregações do Evangelho até
quele tempo... Enquanto inúteis aos agora, mas nos acontecimentos que pre-
homens que as receberam de primeira cederão de perto, acompanharão e se
mão, as visões do Apocalipse teriam sido, seguirão ao Segundo Advento de nosso
dentro deste sistema, igualmente inú- Senhor e Salvador" (Lectures on the

-413 -
Apocalypse, pág. 68). que desde os tempos primitivos elas
É estranho encontrar Gloag (em 1891) apontam para o seu cumprimento no
dizendo que "este sistema não tem mui- final dos tempos. Não é o que acontece
tos adeptos" (op. cit., pág.372). O fato com a primeira profecia da Bíblia - "Po-
é que tem muitos adeptos entre os quais rei inimizade entre ti e a mulher, entre a
se encontram destacados expositores bí- tua descendência e o seu descendente.
blicos dos tempos modernos e alguns dos Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás
mais notáveis estudantes das profecias. o calcanhar" (Gn. 3: 15)? Não é esta
Entre eles estão Todd, Benjamin Wills uma profecia da vitória messiânica que
Newton, Seiss, William Kelly, Peters, pra- ainda aguarda seu cumprimento final?
ticamente todos aqueles que escreveram A extensa profecia de Jacó em Gênesis
dentro da atmosfera dos Irmãos de Ply- 49 refere-se aos "últimos dias" conforme
mouth, como, por exemplo, S. P. Tre- diz. Repetidas vezes no Livro de Daniel,
gelles, Nathaniel West, A. C. Gaebelein, somos informados de que suas profecias
Scofield, Moorehead, Walter Scott, Al- se referem ao "fim" (7:26; 9:26,27;
ford e outros. Theodor Zahn, no seu 11: 13,27; 12: 8,13). O discurso que
notável comentário sobre o Apocalipse nosso Senhor fez nas Oliveiras não apon-
(ainda não traduzido para o inglês), ta diretamente para o fim dos tempos
assume a posição futurista, e Zahn é e a futura Segunda Vinda de Cristo?
reconhecido como o maior dos mes- (Mt. 24: 3,14; também suas parábolas
tres conservadores do Novo Testamento proféticas, como, por exemplo, Mt. 13:
da Europa no final do século XIX. Sim- 39,40). O mesmo acontece com Paulo
cox, que não é futurista, admite franca- falando aos tessalonicenses com refe-
mente que "desde o tempo de Tertuliano rência ao homem do pecado; a narrati-
e Hipólito - sem falar de Justino e Iri- va de Pedro sobre a apostasia dos últi-
neu - temos uma consistente expecta- mos dias; a grande profecia escatológica
tiva no curso dos acontecimentos que de Paulo em 11 Timóteo 3, e todo o cor-
precederão o juízo final" (G. A. Simcox, po das profecias no conhecido capítulo
The Revelation oi St. John the Divine, da ressurreição, I Coríntios 15. Todas
em CBSC, pág. xliv). estas passagens requerem interpretação
futurista. Não seria nada irracional que
Existe, é claro, um futurismo ex- a Bíblía concluísse com um livro de pro-
tremo que deve ser enfaticamente rejei- fecias, as quais, na sua maioria, fossem
tado. Alguns futuristas vão ao ponto de cumpridas na grande e final consumação
dizer que as sete igrejas da Ásia se reor- desta dispensação - o fim da revolta
ganizarão e se reestabelecerão no final contra Deus, e o começo de uma era de
dos tempos, quando então as predições justiça pela qual todos os homens justos
que lhe dizem respeito serão cumpri- anseiam.
das - um modo totalmente desneces- É claro que em cada um destes siste-
sário e irracional de ver as coisas. mas de interpretação existe um pouco
A objeção tantas vezes ouvida, que de verdade. Os três primeiros capítulos
é estranho termos em nosso Novo Tes- devem ser interpretados historicamente.
tamento um livro que, na maior parte, Há grandes princípios espirituais apresen-
contém assuntos relacionados ao final tados nos juízos, nas promessas, nas pro-
dos tempos, não se mantém de pé quan- fecias e nas vitórias messiânicas deste
do se recorda o fator fundamental re- livro. Na maioria, entretanto, o Apoca-
lacionado com as profecias básicas de lipse será mais corretamente interpretado
longo alcance das Escrituras, a saber, se for adotado o esquema futurista.

-414 -

I I I ~i I j I' 'I II
o Apocalipse e a Literatura Apocalíp- ferido mas algo que será dado àqueles
tica. Quando o dom da verdadeira pro- que trazem sobre si os sinais dos verda-
fecia cessou com Malaquias no Velho deiros filhos de Deus (G. E. Ladd: "Apo-
Testamento, cerca de 400 A.C., desen- calyptic, Apocalypse", no Baker's Dic-
volveu-se dentro da comunidade judia tionary of Theology, 1960, pág. 50-54).
uma literatura da qual uma parte é cha-
mada de apocalíptica. Esta literatura É Necessário um Estudo Prolongado
foi escrita em linguagem simbólica e para se Entender este livro. Por causa
descritiva. Foi composta, na maioria, do seu simbolismo, sua saturação com
em tempos de perseguição, especialmen- as passagens e temas do Velho Testamen-
te nos dias de Antíoco Epifânio, no to, os vários esquemas de interpretação
segundo século, antes de Cristo, como que se desenvolveram em relação a este
também no primeiro século desta era, livro através dos séculos, e a profundi-
quando o povo hebreu viu a destruição dade e vastidão dos assuntos que nela
de sua santa cidade. A literatura apo- são revelados, eu creio que o Apocalipse,
calíptica é, principalmente, escatológica. mais do que qualquer outro livro da Bí-
Ela se concentra naqueles acontecimen- blia, revelará seu significado só àqueles
tos futuros quando os inimigos de Is· que lhe dedicarem estudo prolongado
rael e do Senhor serão destruídos, e Is- e cuidadoso. O Professor William Milli-
rael mesma será restaurada à sua glória gan desafia-nos com estas palavras: "O
antiga. livro está aqui e, ou nós o excluímos
O Apocalipse do Novo Testamento do N.T., ou a Igreja deve continuar lu-
é inteiramente diferente, em seu todo, tando por compreendê-lo até que tenha
da literatura apocalíptica precedente. sucesso. Observação: 1. Em primeiro
Como George Ladd destacou bem: 1) lugar, partamos da suposição - uma su-
O autor designou o seu livro como uma posição que não é negada por nenhum
profecia (1:3; 22: 7; etc.), e o livro é daqueles aos quais estas palestras são
portanto o produto do espírito profé- dirigidas - que a Revelação de S. João é
tico. 2) João não toma o nome de al- parte da Palavra de Deus. Esta conside-
gum grande profeta do passado de Israel, ração resolve todo o problema. O simples
mas usa o seu próprio nome. 3) João fato de um livro ter sido dado pelo Todo-
não narra a história passada sob o dis- -Poderoso ao homem constitui em obriga-
farce de profecia, mas olha profetica- ção para o homem esforçar-se em com-
mente dentro do próprio futuro. 4) O preendê-lo. Pode ser difícil fazê-lo. Po-
livro de João, embora cheio de passa- demos ser derrotados por muito tempo.
gens negras e agourentas, não transmite Nem por isso vamos nos esforçar menos;
um espírito de pessimismo, como mui- usando de todos os instrumentos que
tos dos livros apocalípticos fazem, mas estão a nossa disposição, e vigiando, se
de otimismo, pois o vidente constante- ainda nos sentimos nas trevas, pelos
mente reitera a grande verdade de que primeiros sintomas de luz. Nada é mais
Cristo conquistará todos os inimigos, certo do que isso, se não fosse obrigação
e que os reinos deste mundo se trans- nossa que usássemos este livro, o exal-
formarão no reino de nosso Senhor e tado Redentor não o teria dado por
Salvador Jesus Cristo. 5) Finalmente, revelação ao Seu servo João" (Lectures
o Apocalipse insiste com seus leitores On the Apoca/ypse, pág. 4).
sobre as grandes exigências éticas. Aqui Muitos estudantes, antes e a partir
há uma grande urgência moral. A salva- de Lange, expressaram a mesma esperan-
ção não é algo automaticamente con- ça pronunciada em 1870: "Sem dúvida,

-415 -
APOCALIPSE 1: 1-4

no futuro, a importância e a influência Ill. Os juízos anunciados pelas sete


deste Livro vai constantemente aumentar trombetas. 7: 1 - 9: 21.
com o aumento da confusão e desalento IV. A hora mais negra da história uni-
dos tempos, com o aumento do perigo versal. 10: 1 -13: 18.
que oferecem à fé sadia e sóbria (Rev- V. As sete taças do juízo. 14: 1 - 16:
elation, pág. 63). 21.
VI. Babilônia e Armagedom. 17: 1 -
O Esboço do livro. Muitos e dife- 19:21.
rentes esquemas têm sido apresentados VII.O Milênio; o Juízo Final; a Nova
para o arranjo ou classificação dos vin- Jerusalém e a Eternidade. 20: 1 -
te e dois capítulos do Apocalipse, al- 22:5.
guns inteiramente fantásticos. É de
Observe que esta divisão se encaixa
minha opinião que tais esquemas que
na seguinte seqüência de grupos de ca-
tantam estabelecer um esboço com base
pítulos - 3 - 3 - 3 - 4 - 3 - 3 - 3.
nos sete setes deste livro são forçados
e artificiais. Assim, por exemplo, é o O Texto. Os tradutores do passado
esboço de Benjamin Warfield: as sete responsáveis pela Versão "King J ames"
igrejas (1:1 - 3:22); os sete selos (4: 1 (Authorized Version of the New Tes-
- 8: 1); as sete trombetas (8: 2 - 11: 19); tament) tomaram por base o texto grego
as sete figuras místicas (12: 1 - 14:20); conforme idealizado por Erasmo. Para
as sete taças (15: 1 - 16: 21); o juízo o Apocalipse, Erasmo só tinha um ma-
sétuplo da maretriz (17: 1 - 19: 10), e nuscrito grego, um cursivo do século
a trombeta sétupla (19: 11 - 22: 5). XIII, e até mesmo este era de qualidade
Todos concordariam que quatro dessas inferior. Por esse motivo há muitas
divisões são inescapáveis: as sete igrejas, palavras e passagens na A.V. que não
o livro dos sete selos, as sete trombetas, repousam sobre manuscritos mais ano
e as sete taças do juízo. Mas o conceito tigos e mais dignos de crédito. Desde
do sete não se encontra nas outras se- então os grandes manuscritos gregos
ções. Depois de estudar este volume du- do Novo Testamento, tais como o Si-
rante anos, finalmente eu me apercebi naiticus, o Alexandrino, etc., têm se
de um esboço, o qual, creio eu, não é tornado conhecidos e foram devidamen-
forçado, e no entanto é fácil de recordar. te estudados. Conseqüentemente, para
Deixando de lado o prólogo (1: 1-8) e todos os propósitos de estudos sérios
o epílogo (22:6-21), o livro pode ser do Apocalipse, deve-se usar a R.V. de
logicamente dividido assim: 1891, ou alguma versão posterior. (O
I. As cartas às sete igrejas da Ásia. grande valor do atualmente famoso Pa-
1:9-3:22. piro Chester Beatty do Apocalipse, pro-
11. O livro com os sete selos e os acon- vavelmente do começo do terceiro sé-
tecimentos terrenos que ele anuncia. culo, não requer considerações em nosso
4: 1-6: 17. necessariamente breve comentário).

COMENTÁRIO

I. As Cartas às Sete Igrejas. 1: 1 - mente no capítulo 1, no versículo 4 te-


3:22. mos a frase, João, às sete igrejas que se
encontram na Ásia, e mais adiante (v.
1 : 1· 8. Embora a idéia exata de car- 11) João recebe a ordem de escrever o
tas às sete igrejas não se encontre real- que ele vê e enviá-lo às sete igrejas. A

-416 -

1,·1 i I' 'I I I


APOCALIPSE 1:4-19
localização das sete igrejas é examinada instruções a que enviasse a transcrição
no comentário do capítulo 2. quando terminada. Não há nenhuma dú-
O capítulo 1 contém uma revelação vida de que o dia do Senhor aqui (v. 10)
rica, quase ofuscante do próprio Jesus refere-se ao dia que conhecemos por do-
Cristo. Os versículos 4-8 apresentam mingo.
três descrições básicas de Cristo. Parece 12-19. Nesta descrição do Senhor que
que João descreve o Cristo que ele co- ascendeu ao céu, o Cristo que João viu
nhece, pois não há nenhuma indicação estava andando no meio dos sete can-
de que ele recebesse aqui alguma reve- deeiros de ouro, os quais representam
lação especial. Este é o Cristo do passa- simbolicamente as sete igrejas (veja v.
do, do presente e do futuro, conforme 20). Aqui como em Dn. 7: 13, nosso
apresentado na frase, daquele que é, Senhor é chamado de filho de homem
que era, e que há de vir (v. 4). No pas- (Ap. 1: 13), um título que só se encon-
sado, Cristo foi a fiel testemunha e o tra em mais uma passagem deste livro
primogênito dos mortos; no presente, (14: 14). As diversas frases usadas na
Ele é àquele que nos ama e nos libertou descrição do Cristo são extraídas prin-
dos nossos pecados (v. 5); no futuro, cipalmente de Dn.7:9,13; 10:5,6;Ez.
vem com as nuvens e todo olho o verá 1: 24. Toda a descrição nos dá em pri-
... e todas as tribos da terra se lamen- meiro lugar uma esmagadora impressão
tarão sobre ele (v. 7). A declaração de de onipotência, e então certos símbolos
que Cristo nos constituiu reino, sacer- nos levam a pensar no juízo, como a
dotes para o seu Deus (v. 6) é a decla- chama de fogo, o latão reluzente e a
ração básica de ~x. 19: 6, séculos mais espada de dois fios.
tarde citada por Pedro (I Pe. 2: 5, 9). Cristo identifica-se com o título o
A passagem referindo-se ao futuro tem primeiro e o último (Ap. 1: 17), um tí-
dupla referência no V.T.: em Dn. 7: 13 tulo usado com referência ao próprio
o Filho do homem é descrito vindo com Deus em Is. 44: 6; 48: 12. Observe que
as nuvens, e o fato de que todos o verão Cristo apresenta as razões por que aque-
está em Zc. 12: 10, 12. A palavra aqui les que são seus não devem temer: 1) Ele
traduzida para traspassaram aparece em é o Primeiro e o Último, e aquele que
outra passagem do N.T. apenas em Jo. vive; 2) Ele estava morto, mas viveu no-
19: 37 (cons. Zc. 12: 10). vamente; e 3) Ele tem as chaves da morte
Sempre achei que a frase, o soberano e do Hades (vs. 17,18). Se Ele é o Pri-
dos reis da terra (1: 5), é o título-chave meiro e o Último, então Ele é o Cristo
para Cristo no livro do Apocalipse. Mui- da criação no passado, e Aquele que vai
tos outros reis são mencionados neste levar todas as coisas à divinamente orde-
livro: reis de nações que saíram para nada consumação no fim. Ele permane-
lutar contra o Cordeiro, o rei do abis- cerá quando todos os Seus inimigos já ti-
mo, etc. Não há nenhuma indicação verem sido derrotados, e Satanás e toda
até o final do livro de que os reis da ter- a sua corte estiver derrotada para sem-
ra reconheçam Cristo como o Rei dos pre. O fato de ter estado morto,iden-
reis. Na verdade, o livro do Apocalipse tifica Cristo com a mais trágica de todas
é quase um registro do cumprimento as experiências humanas. Nenhum sim-
deste título de Cristo com a final pree- ples ser humano pode vencer a morte
minência para a qual o título aponta. - mas Cristo pôde. Assim como Ele
9-11. Temos aqui as palavras que esteve morto mas agora vive, nós, que
Cristo falou ao apóstolo, uma breve somos Seus, embora morramos, estare-
ordem a que registrasse o que veria, e mos para sempre vivos com Ele. O fato

-417 -
APOCALIPSE 1: 19-20
dEle ter as chaves da morte e do inferno redor dessas cidades não teria um raio
certamente implica em que o destino superior a sessenta milhas. Que essas
das almas humanas está sob a jurisdição cartas do Senhor ressuscitado deveriam
de Jesus Cristo. se dirigir às igrejas na Ásia não é difícil
O versículo 19 foi interpretado por de entender, uma vez que foi lá que. João
muitos como indicando uma divisão morou durante muitos anos, e sem dú-
tripla. do livro do Apocalipse, na qual vida era bem conhecido pelas igrejas
as cousas que viste referem-se ao capí- desta área. Por que estas igrejas em par-
tulo 1, e as que são, às sete igrejas nos ticular foram escolhidas, não temos
capítulos 2 e 3 e as que hão de acontecer certeza. Paulo passou um longo perío-
depois destas, ao restante do livro. Na do em Éfeso na sua terceira viagem mis-
verdade, esta classificação não ajuda mui- sionária (Atos 19; 20: 16, 17); Lídia
to na interpretação. Deve-se lembrar, era de Tiatira (Atos 16: 14); e Epafras
entretanto, que as palavras aqui tradu- trabalhava em Laodicéia (CI. 2: 1; 4:
zidas para depois destas, meta tauta, 12-16). Contudo, nada sabemos do tra-
aparecem nove vezes no livro do Apo- balho de Paulo em seis dessas sete ci-
calipse (4: 1; 7: 1; 7: 9; 9: 12; 15: 5 ; dades, e quatro delas não aparecem em
18: 1; 19: 1; 20: 3). nenhuma outra passagem do N.T. Mais
20. Não estamos absolutamente se- ainda, sabemos que existiam igrejas, no
guros do que João quis dizer com a de- fim do primeiro século, em algumas
claração as sete estrelas são os anjos das cidades da Ásia que nunca foram men-
sete igrejas. Esta palavra traduzida para cionadas no N.T. Antes que Paulo com-
anjo aparece setenta e seis vezes no Apo- pletasse sua terceira viagem missionária,
calipse. Fundamentalmente, a palavra ''todos os que habitavam na Ásia ouvi-
significa mensageiro. Alguns crêem que ram a palavra do Senhor Jesus, assim
simplesmente se refere a alguma pessoa judeus como gregos" (Atos 19: 10, 26).
de liderança em cada igreja; outros dizem Todas estas cartas seguem a mesma
que implica em que cada igreja tem o seqüência. Cada uma começa com uma
seu anjo representante no céu. Estes frase descritiva do Cristo exaltado, que
"anjos" são pelo menos aqueles através se dirige às igrejas; e cada frase descri-
dos quais estas mensagens deveriam ser tiva se encontra no capítulo precedente
enviadas às sete igrejas. na narrativa que João faz de sua visão
O termo Ásia, E.R.C., (v. 11) tem do Cristo ressuscitado. Em cada carta,
tido diversos significados através dos com exceção das que se dirigem a Lao-
séculos. No N.T., Ásia, E.R.C., era o dicéia e Sardes, as primeiras palavras
nome da província romana localizada de Cristo são de recomendação. Esta
no extremo oriente do que hoje se chama recomendação sempre se segue de alguns
de Ásia Menor. Era a maior e a mais im- detalhes relacionados com a condição
portante de todas as províncias romanas da igreja, resultando em alguma repri-
desta área, abrangendo os distritos da menda ou advertência - com exceção
Cãria, Lídia e Mísia. As sete igrejas men- de Filadélfia e Esmirna, que não rece-
cionadas nas cartas estavam todas loca- bem reprimendas. Cada carta conclui
lizadas no centro-oeste desta província. com uma promessa àqueles crentes que
Começando por Éfeso no sudoeste e vencem.
dirigindo-se para o noroeste, chegamos Observe as muitas referências às coi-
a Esmima e Pérgamo; voltando-se para sas de Satanás: duas vezes lemos "a sina-
o leste e sul, chegamos a Tiatira, Sardes, goga de Satanás" (2:9; 3:9); em Pér-
Filadélfia e Laodicéia. Um círculo ao gamo estava "o trono de Satanás" (2;

-418 -

I, ,I I I'
APOCALIPSE 1: 20 - 2: 1-17

13); na carta a Tiatira menciona-se "as não aconteça, que tal como a serpente
profundezas de Satanás" (2: 24); em envolveu Eva em sua malícia, suas men-
relação a Esmima, adverte-se que o dia- tes se corrompam afastando-se da sim-
bo lançaria alguns deles na prisão. Além plicidade e pureza que há em Cristo ...
disso, encontramos referências à maldi- Os elementos do primeiro amor são,
ção dos nicolaítas, a presença dos perni- então, a simplicidade e a pureza ... O
ciosos ensinamentos de Balaão (2: 14), amor da Igreja por Cristo está exempli-
e a repreensão feita a Tiatira por supor- ficado pelo amor da esposa ao marido.
tar a presença de alguém chamada Jeza- Qual é então o amor de Cristo pela Igre-
bel (2: 20). ja? Amor altruísta, amor no qual não há
Por três motivos abstenho-me, neste o menor lugar para o ego. Qual é então
rápido exame do Apocalipse, de um es- o amor da Igreja por Cristo? A resposta
tudo detalhado de cada uma dessas car- do amor ao mistério do amor, a submis-
tas: Em primeiro lugar, estes dois capí- são do amor ao amor perfeito. Primeiro
tulos não apresentam maiores proble- amor é o amor do casamento. Suas carac-
mas escatológicos, enquanto que o sig- terísticas são a simplicidade, pureza,
nificado exato de algumas das promes- amor conjugal, reação do amor ao amor,
sas que aqui se encontram, Se fossem a sujeição de um grande amor ao grande
examinadas, exigiram comentários ex- amor, a submissão de um amor auto-re-
tensos. Em segundo lugar, estas cartas nunciante a um amor que nega o próprio
são muito mais usadas em mensagens ego. O primeiro amor é o abandono de
expositórias do que qualquer outra tudo por um amor que também abando-
parte deste livro, e são mais ou menos nou tudo" (A First Century Message
conhecidas da maioria dos estudantes to Twentieth Century Christians pág.
da Bfblia, Em terceiro lugar, para dis- 40-42).
cutir os elementos históricos relevantes 8-11. A palavra Esmima relaciona-se
de cada uma destas cidades, eu me obri- com a palavra mirra, que por sua vez
garia a abreviar a exposição posterior é símbolo de morte. A história de Es-
dos problemas básicos da interpretação mima tem sido uma sucessão de saques,
profética. incêndios, destruições. Policarpo, um
2: 1-7. Éfeso era a maior cidade da dos mais famosos mártires da antigüi-
Ásia. É a única destas sete que ocupa dade, foi Bispo de Esmima. Esta cidade
um lugar triplo na literatura do N.T.: é a única das sete que ainda está em con-
recebe bastante destaque em Atos (18: dições de desenvolvimento.
18 - 19:41); a esta igreja Paulo escre- 12-17. De Pérgamo um antigo escri-
veu uma de suas epístolas; e a ela o Se- tor disse que "entregou-se à idolatria mais
nhor que ascendeu ao céu enviou uma do que toda a Ásia". A elevada monta-
carta. Depois de elogiar a igreja pelo nha que ficava por trás dela era adornada
seu trabalho, paciência e intolerância com numerosos templos, entre os quais
para com os pseudo-apóstolos, o Senhor se encontrava o grande templo de Zeus,
refere-se a uma trágica deficiência - ela que era chamado Soter Theos, o Deus
perdera o seu primeiro amor (v. 4). Salvador. Pérgamo foi a primeira cidade
G. Campbell Morgan relaciona esta na Ásia a erigir um templo em honra
passagem com as palavras de advertên- de Augusto. Ficou famosa por suas
cia de Paulo â igreja de Corinto: "Pois escolas de medicina; e Asclépio, deus
eu a dei por esposa a um marido, para da saúde, simbolizado por uma serpen-
que a pudesse apresentar como virgem te, era ali adorado. Ramsay diz: "Além de
pura a Cristo. Mas temo, e espero que todas as cidades da Ásia Menor, ela dá

-419 -
APOCALIPSE 2: 17-29 - 3: 1-22 - 4: 1

ao viajante a impressão de ser a sede da em sua casa, etc. (v. 20).


autoridade". Como é apropriado então Através dos séculos, os estudantes
que lá fosse, segundo se diz, o trono de têm defendido quatro diferentes pontos
Satanás. Muito se tem discutido sobre de vista sobre as mais profundas impli-
o que exatamente eram os nicolaitas cações desta série de sete cartas. Pri-
(aqui e em 2: 6). De algum modo eles meiro, há a interpretação histórica - que
encorajavam alguns na igreja a retoma- estas igrejas existiram quando João es-
rem à frouxidão pagã dos costumes. creveu e tinham as características aqui
18-29. Em Tiatira, a menor destas descritas. Segundo, há a opinião - sem
sete cidades, a igreja permitira que uma dúvida correta - de que estas igrejas,
falsa profetiza a instruísse, levando seus além de serem históricas, são represen-
membros à prática da imoralidade e ido- tantes dos diferentes tipos de igrejas
latria. Por este motivo o Cristo que se através dos séculos. De acordo, mani-
lhe dirigia está descrito como Aquele festam as boas e as trágicas caracterís-
que executa juízo. Aos vencedores des- ticas nas igrejas, século após século.
ta cidade Cristo promete privilégios se- As advertências e as promessas, então,
melhantes aos que Ele mesmo possuía são para todas as épocas. Há uma ter-
(veja 12:5; 19: 15; 22: 16). ceira e um tanto fantástica opinião de
3: 1-6. No tempo de João, Sardes, que estas profecias devem ser interpre-
antes capital do antigo reino de Lídia, tadas futuristicamente; isto é, que todas
era comparativamente insignificante. Até essas cidades serão restauradas no final
a igreja participava dessa humilhação - dos tempos, e então as predições serão
tens nome de que vives, e estás morto inteiramente cumpridas. Um quarto pon-
(v. 1). to de vista, defendido por muitos, é o
7-13. Só a carta à igreja de Filadélfia de que estas sete igrejas representam sete
não contém nenhuma palavra de repreen- períodos sucessivos da história da igreja,
são. Até os dias de hoje esta cidade asiá- desde o primeiro século até o fim dos
tica tem um grupo de cristãos. Embora tempos. Eu pessoalmente não sigo esta
tão digna, esta igreja, não obstante, estava interpretação, e o estudo das obras de
para conhecer um período de provação. seus proponentes revelam confusão sobre
Observe atenciosamente que a palavra confusão. Virtringa, por exemplo identi-
aqui é provação não tribulação. Mas na fica a sexta igreja com o primeiro sécu-
tentação os crentes seriam divinamente lo da Reforma, e a sétima com a igreja
guardados (vejaJo. 17: 15). Reformada do seu tempo. Geralmente,
3: 14-22. A última carta é à Laodi- os escritores que aceitam este ponto de
céia, que não recebe nenhum elogio. vista proclamam que estão no período
As condições desfavoráveis desta igreja de Laodicéia. Parece que a momidão e
eram de momidão: os membros não a indiferença marcará a igreja do final
eram nem frios nem quentes (v. 15). dos tempos, particularmente a indife-
A pessoa morna não se perturba muito rença quanto às grandes doutrinas da fé
quando ouve ensinamentos heréticos, e e a falta de vontade de defendê-las.
não é vigorosa na defesa da verdade. Es- 11. O Livro dos Sete Selos e os Acon-
te espírito de indiferença é a coisa mais tecimentos Terrestres que Anuncia. 4: 1
trágica que pode acontecer a uma igreja. - 6: 17.
O final desta carta é diferente da con-
clusão das outras seis pelo fato de fazer Embora hajam alguns elementos es-
uma aplicação individual: se alguém ou- catológicos no retrato de Cristo no pri-
vir a minha voz, e abrir a porta, entrarei meiro capítulo, e alguns elementos pre-

-420 -

I· ,I I , I I'
APOCALIPSE 4: 1-7
ditivos nas cartas às sete igrejas, mas tado: vinte e quatro anciãos assentados
não se estendendo ao fim dos tempos, sobre vinte e quatro tronos situados à
a porção verdadeiramente profética do volta do trono de Deus (veja também
Apocalipse começa com a seção que 11: 16), vestidos de vestes brancas e usan-
vamos agora examinar. Conforme obser- do coroas (stefanoi) de ouro. Stefa-
vamos na Introdução, a parte maior desta noi eram coroas concedidas aos vence-
seção é de natureza introdutória, pois a dores. Tem-se identificado estes anciãos
cena registrada nos capítulos 4 e 5 é celes- de muitas maneiras, mas a maioria con-
te. Na verdade, predições sobre aconteci- corda com Govett de que são "conselhei-
mentos futuros distantes não começam ros reais, conhecedores dos propósitos
até o capítulo 6. João vê agora uma do rei, e capazes de transmitir inteligên-
porta abrindo-se no céu, e ouve uma voz cia a João, o servo de Deus" (Robert
dizendo: "Sobe aqui, e mostrar-te-ei as Govett, Lectures on the Apocalypse,
coisas que depois destas devem aconte- in loco). Vinte e quatro como número
cer" . (Para outras ocasiões em que o simbólico só se encontra no Apocalipse,
céu se abriu, veja Ez. 1: 1; Me, 1: 10; e só em relação a estes anciãos (5:8; 11:
Jo. 1: 51). Muitos comentadores colo- 16; 19: 4). (para uma discussão deta-
cam o "arrebatamento" da Igreja entre lhada da identidade dos anciãos, veja
os capítulos 3 e 4 deste livro, mas visto G.H. Lang, The Revelation of Jesus
que o texto propriamente dito silencia Christ, pág. 124-136). Do trono par-
sobre o assunto, pergunta-se se seria tiam relâmpagos, vozes e trovões, e,
sábio discutir o assunto a esta altura. além disso, João viu sete lâmpadas de
4: 1-3. Exatamente como o livro do fogo, que ele identifica como símbo-
Apocalipse começa com uma referência los dos sete espíritos de Deus. O concei-
ao trono de Deus, e a carta a última das to dos sete espíritos de Deus certamente
sete igrejas termina com uma referência se refere à perfeição e plenitude das
ao trono de Cristo, aqui, a primeira gran- atividades da Terceira Pessoa da Deidade.
de visão profética começa com a decla- 6,7. Diante do trono havia um mar
ração, e eis armado no céu um trono de vidro (cons. Êx, 24: 10), indicando,
(Dn. 7: 9). Um trono é o símbolo do go- ao que parece, de que tudo o que o mar
verno e poder. João tenta registrar uma antes representava - tempestades e on-
visão de Deus semelhante aque foi vista das traiçoeiras, simbólicas da agitação
por Moisés (Êx. 19: 9, 19), por Isaías entre os povos da terra - estava agora
(6: 5), e por Ezequiel (1: 26-28). O vi- subjugado. Outro grupo, quatro seres
dente compara o que viu a três pedras: viventes, é apresentado - um semelhante
jaspe, uma pedra transparente como vi- a um leão, um semelhante a um bezerro,
dro ou cristal de rocha; a sardônica, um com o rosto de homem, e um seme-
vermelha; e a esmeralda, verde. No pei- lhante a uma águia voando (parecidos
toral do sumo sacerdote a primeira e com os de Ez.1:5-14,15-22; 10:20-
a última pedras eram a sardônica e jaspe 22). Swete, com característica concisão,
(Êx. 28: 17,20). Sugeriu-se que estas diz acertadamente, "As quatro formas
pedras representam santidade, ira e mi- sugerem o que há de mais nobre, mais
sericórdia. À volta do trono havia um forte, mais sábio e mais rápido na natu-
arco-íris, o qual fala de graça, ou, como reza animada. A natureza, incluindo o
diz Hengstenberg, "da graça que retoma homem, está representada diante do
depois da ira". trono tomando parte no cumprimento da
4,5. O primeiro grande grupo celes- vontade divina e na adoração da majesta-
tial deste livro está sendo agora apresen- de divina" (H.B. Swete, The Apocalypse

-421-
APOCALIPSE 4: 7-11 - 5: 1-14

of St, John, in loco). Eles reaparecem em e todo o poder do mal; e, em segundo


Ap. 6: 7; 7: 11; 14: 3; 15: 7; 19: 4. lugar, pela Sua obra redentora comprou-
8-11. Com a apresentação das quatro -nos para Deus, com o Seu sangue (Ap.
criaturas viventes, temos o primeiro dos 5: 9). Observe a universalidade dos
vinte hinos, como poderiam ser chama- redimidos no versículo 9.
dos, cantados pelos diversos grupos ce- 6,7. Não é sem grande significação
lestes através do livro do Apocalipse. que a obra redentora de Cristo está re-
Cinco deles estão nestes dois capítulos velada como de importância preeminen-
prefaciando a abertura dos selos. Os te no pensamento destas criaturas celes-
dois primeiros são hinos a Deus: um é tiais e no programa de Deus a ser consu-
cantado pelas criaturas viventes atribuin- mado neste livro. A palavra que aqui
do santidade a Deus (4: 8) e o outro foi traduzida para morto (v. 6) só aparece
pelos vinte e quatro anciãos reconhe- aqui, nos versículos 9, 12 e em 13: 8. "É
cendo Deus como Criador. As palavras o 'sangue' mais do que a 'morte' que dá
iniciais do primeiro hino fazem-nos lem- a idéia do sacrifício; pois pode-se morrer
brar de Is. 6: 3, tecnicamente conhecido sem ser morto e ser morto sem que seja
na antiga hinologia como o Trisagion. feito um sacrifício" (R.C.H. Lenski, The
O terceiro e quarto são hinos ao Cor- s
Interpretation of St. John Revelation,
deiro, cantados pelos dois grupos que in loco).
acabamos de mencionar, reconhecendo 8-14. Aqui a harpa é mencionada
que o Cordeiro é digno de abrir o livro pela primeira vez (reaparecendo em 14:
(Ap. 5: 9,10; 5: 11,12). O quinto hino 2 e 15: 2). Esta idéia de um novo cân-
é cantado a ambos, Deus e o Cordeiro, tico se encontra freqüentemente no V.T.,
por "toda criatura que há no céu e so- como em S1.33:3; 40:3; 96:1; 98:1;
bre a terra, e debaixo da terra' (v. 13), 149: 1. Apocalipse 5: 10 é praticamente
atribuindo-lhes bênçãos, honra, glória uma reafirmação da verdade expressa
e domínio. em 1: 6. Aqui eu penso, pela primeira
5: 1-5. João acrescenta alguns deta- vez temos o conceito do reino dos santos
lhes com referência Àquele que está as- e de um reino. Observe cuidadosamente
sentado sobre o trono, do qual se diz que a declaração, eles reinarão sobre a terra.
tem em Sua mão direita um livro escrito Estamos agora preparados para a aber-
por dentro e por fora, de todo selado tura dos selos propriamente ditos, mas
com sete selos. Se este livro é um 00- antes de começarmos o estudo do capí-
dice igual aos livros de hoje, com os tulo 6, observe - um ponto muitas vezes
sete selos distribuídos mais ou menos passado despercebido - que, enquanto
igualmente sobre os lados, a parte de os selos são abertos, o livro mesmo ja-
cima e de baixo, ou um pergaminho com mais é aberto. Isto, é claro, leva a muitas
os sete selos em linha contínua, não sugestões quanto ao conteúdo do livro.
sabemos. Ouve-se novamente uma voz, Símcox diz, certamente errando, que
arde um forte anjo, perguntando quem é o Livro da Vida. Irineu insiste que con-
é digno de abrir este livro (v. 2). A tinha "as coisas de Cristo". Swete tem
resposta é que ninguém no universo é segurança ao dizer que o seu conteúdo
digno. Então um dos anciãos (v. 5) anun- abrange o futuro desconhecido, e assim
cia que o Leão da tribo de Judá (Gn. ele o intitula de "o livro do destino".
49: 9), a Raiz de Davi (Is. 11: 1, 10), Milligan diz que contém "todo o con-
é digno de abrir este livro, por dois mo- selho de Deus". Só cinco selos são aber-
tivos: primeiro, Ele venceu, o que parece tos neste capítulo; o sétimo não é aberto
se referir a derrota, na terra, de Satanás até que os juízos vão ser anunciados pe-

-422 -

I, ,I I I I I' 'i I I
APOCALIPSE 5: 14 - 6: 1-11
las trombetas (8: 1). Destes seis selos, a todo o mal que se baseia no bem e
os quatro primeiros formam um grupo; a tudo o que a maldade espiritual con-
o quinto e o sexto ficam à parte. Cada quista emprestando da Fé Cristã" (Tho-
um dos quatro primeiros é apresentado mas F. Torrance, The Apocalypse Today,
por um cavaleiro, donde surgiu a famosa pág.44).
frase, "os quatro cavaleiros do Apoca- Observe que nestas quatro primeiras ce-
lipse". nas não há nomes de indivíduos, humanos
6: 1-8. A identidade do primeiro cava- ou sobre-humanos, nem termos geográ-
lo será em grande parte determinado ficos, nem acontecimentos específicos.
pela identificação dos três seguintes. O Os juízos são, como se vê, de natureza
segundo cavalo com o seu cavaleiro, geral: guerras têm acontecido com fre-
foi-lhe dado tirar a paz da terra, e isto, qüência sobre a terra, e são freqüente-
com as palavras matar e espada, indica mente acompanhadas de pestes e falta
guerra. O terceiro cavalo com o seu ca- de alimentos, se não de fomes. Parece,
valeiro certamente representa falta de então, que é apenas uma fase preliminar
alimento, embora não propriamente uma de juízos mais terríveis que vêm a seguir.
fome. (A moeda romana denarius, era 9-11. A abertura dos quatro primeiros
equivalente ao salário de um dia de ser- selos forma uma unidade. Na abertura do
viço. Uma medida de trigo ou cevada quinto selo temos o que eu chamaria
era a média da porção diária dos traba- de primeiro, verdadeiramente difícil pro-
lhadores.) O quarto cavalo com o seu ca- blema no livro do Apocalipse. Aqui es-
valeiro, mais terrível do que qualquer um tão as almas dos homens que foram mor-
dos outros, leva o nome de Morte. A eles tos por causa da palavra de Deus, e por
foi dada autoridade sobre um quarto causa do testemunho que sustentavam.
da terra, para matar à espada, pela fome, Em outras palavras, os mártires, que
com a mortandade e por meio das feras perguntavam ao Senhor ressuscitado,
da terra. Até quando ... não julgas nem vingas
À luz do significado do segundo, ter- o nosso sangue dos que habitam sobre
ceiro e quarto cavaleiros, parece-nos a terra? A resposta é dupla. Primeiro,
que seria irracional identificar o primeiro cada um recebe uma longa veste branca
cavaleiro com o Senhor Jesus Cristo, (v. 11), símbolo dos atos de justiça dos
que é o cavaleiro sobre o cavalo branco santos (cons. 19: 8), de modo que, mes-
em Apocalipse 19. Quando Cristo vier, mo antes do fim, estes mártires recebem
"conquistando e para conquistar", não de algum modo uma antecipação da
haverá juízos subseqüentes, tais como glória por vir. São informados que de-
o segundo, terceiro e quarto cavalos re- vem permanecer como estão até que
presentam. Swete está certo em dizer também se completasse o número de
do primeiro cavalo que "uma visão do seus conservos e seus irmãos, que ti-
Cristo vitorioso seria inadequada no co- nham de ser mortos. Embora não se diga
meço de nma série que simboliza derra- especificamente em que período de
mamento de sangue, fome, pestilência". tempo estes mártires devem ser colo-
Até mesmo Torrance o disceme, embora cados, o sexto selo certamente fala de
adote um esquema de interpretação es- tremendas aberrações celestiais que ja-
tritamente espiritual: "Pode haver alguma mais tiveram lugar, mas que acontecerão
dúvida de que isto é uma visão do anti- no fim desta dispensação. Conseqüente-
cristo? Parece-se tanto com o Cristo ver- mente, eu acho que são os que sofreram
dadeiro que engana as pessoas, até muitos o martírio nos dias imediatamente pre-
leitores desta passagem! ... Ele se aplica cedentes à Tribulação. Moorehead pode

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APOCALIPSE 6: 11-17 - 7: 1-8

estar certo ao dizer, "Tanto faz o que senta na passagem que está diante de nós,
as pessoas dizem em oposição a este. ar- por ocasião da abertura do sexto selo.
gumento, na verdade eles foram mortos Mas esse tipo de fenômeno ocorre qua-
por ordem destes cavaleiros". O cornen- tro vezes durante o juízo das trombe-
tário de Torrance aqui é excelente: "De- tas, no primeiro, terceiro, quarto e quin-
pois das terríveis calamidades que os po- to (8: 8 - 9: 2). Durante o derrama-
deres do mundo desencadearam sobre mento da quarta taça, parece que o sol
si mesmos, eles tentam negar o fato de será afetado (16: 8), e durante o derra-
que são a causa de todo o mal e comoção, mamento da sétima, grandes pedras
e por isso voltam-se contra o povo de cairão do céu sobre os homens (16:
Deus e descarregam sua raiva contra ele, 17-21).
o bode expiatório" (op. cit., pág.46). Um estudo cuidadoso destas passa-
12-17. Acontecimentos que se re- gens parece revelar que não devemos
velam na abertura do sexto selo devem pensar, com significado profético, em
ser colocados no final desta dispensação. nenhuma aberração celeste fora do co-
Este é talvez o lugar certo para os fenô- mum, antes do período da Tribulação.
menos celestes, tão freqüentemente men- Isto se aplica especialmente aos inventos
cionados nas Escrituras do V.T. e N.T. dos homens, importantes como são; pois
em passagens relacionadas com o fim as manifestações celestiais mencionadas
dos tempos. Com o advento do Sputnik, nas passagens proféticas serão resultantes
um certo número de artigos foi publi- da interferência direta do próprio Deus.
cado sobre este assunto, alguns dos quais Em duas ocasiões no passado, os homens
contêm declarações bastante tolas. O experimentaram juízo divino na forma
assunto dos distúrbios celestes foi apre- de grandes trevas: por ocasião da nona
sentado pela primeira vez por Joel, em praga no Egito (Êx.Tü: 21·23); e duran-
textos que claramente apontam para "o te as últimas três horas de nosso Senhor
dia do Senhor" (1: 15; 2: 1-11,30,31). sobre a cruz (Mt. 27: 45 e paralelos).
Uma passagem de Joel (2: 28-32a) foi
citada por Pedro em seu grande sermão m. Os Juízos das Sete Trombetas.
no dia de Pentecostes (Atos 2: 16-21). 7: 1 - 9: 21.
Até aquele tempo não houve nenhum 7: 1-8. A segunda série de juízos é
distúrbio celeste, o quanto sabemos. muitíssimo mais severa e extensa do que
Essas predições foram reiteradas por aquela que foi apresentada pela abertura
Isaías, também, em relação ao "dia do dos selos. Antes que os sete anjos façam
Senhor" (13: 6-10; 24: 21-23). Nosso soar as sete trombetas, duas grandes mul-
Senhor colocou muita ênfase sobre tidões são apresentadas, uma na terra
este aspecto da escatologia, em parti- (7: 1-8) e outra certamente no céu, em
cular, no Seu Discurso nas Oliveiras (Mt. pé diante do trono e diante do Cordeiro
24:29,31; Mc.13:24-26; Lc.21:11, (7: 9-17). O primeiro grupo está identi-
25). Todas estas declarações referem-se ficado como os 144.000 selados ... de
ao período "depois da tribulação" (Mt. todas as tribos dos filhos de Israel (v. 4).
24: 29), com exceção de Lc. 21 : 11, Não se diz que são mártires. O sinal dá
que dão a entender que haverão alguns a entender que este grupo particular
distúrbios celestes antes mesmo que a será divinamente protegido nas tribula-
Tribulação se estabeleça. Entretanto, ções que estão para se desencadear sobre
é principalmente no Apocalipse que es- a terra.
ses distúrbios foram registrados como Tem havido muita discordância quanto
acontecendo. O primeiro se nos apre- â identidade dessas pessoas, resultando

-424 -

1;;1 i i I I' ,I I I
APOCAUPSE 7: 8-17 - 8: 1-6
em quatro interpretações principais da dade no Apocalipse.
passagem. Uma diz que deveriam ser 9-17. A outra multidão é de natu-
consideradas de modo geral como "re- reza universal - certamente não confi-
presentantes de um processo contínuo nada a Israel, mas de todas as tribos e
de preservação sob as provações e afli- povos agora na glória - cantando o gran-
ções de todos os tempos através dos sé- de hino a Deus e ao Cordeiro, junto com
culos até o fim". Nada há no texto que os anjos, os anciãos, e os quatro seres
pareça justificar tal designação indefi- viventes. Estes, João foi informado,
nida desses grupos tribais. Outra opi- são aqueles que vêm da grande tribula-
nião, mais ou menos parecida, identifi- ção, lavaram suas vestiduras, e as al-
ca-as como os cristãos, a Igreja - e são vejaram no sangue do Cordeiro (v. 14).
pessoas de autoridade que o declaram, A grande tribulação não pode ser nenhu-
tais como Bengel, Alford, Lenski, David ma outra a não ser aquela mencionada no
Brown, Milligan, etc. Entre as interpre- Discurso das Oliveiras (Mt. 24: 9, 21, 29).
tações de menos importância encon- Toda a cena é celestial: O Cordeiro é
tra-se a opinião ridícula de Albert Bames apresentado como seu pastor e guia;
de que se refere às dez divisões da Igreja faz-se a promessa de que Ele os guiará
Cristã. Algumas seitas têm procurado até as fontes das águas da vida; e, ante-
se identificar com estes grupos, tais co- cipando à posterior descrição detalhada
mo os jezreelitas de gerações passadas. da Cidade Santa, eles são informados
Finalmente, há a interpretação lite- de que Deus enxugará toda lágrima de
ral, de que é uma profecia relativa aos seus olhos (Ap. 21: 4).
filhos de Israel no final dos tempos. O 8: 1-6. Os juízos das trombetas são
grande mestre profético do século de- revelados nos capítulos 8 e 9, e tal como
zenove, J.H. Todd, resume a sua opinião, aconteceu com os sete selos, os quatro
dizendo: "Restringindo-se estritamente primeiros vão juntos. Antes que uma
ao fato revelado em muitas profecias, trombeta seja tocada por um dos anjos,
isto nos revela que no período mencio- temos declarações referentes às orações
nado na visão, o povo judeu estará exis- dos santos (vs. 3,4). Talvez Todd este-
tindo como nação, e a maioria se encon- ja certo em pensar que podemos deduzir
trará ainda em incredulidade". Este pon- disto "que os juízos preditos nesta pro-
to de vista é defendido por Godet, Faus- fecia serão a conseqüência, de algum mo-
set, Nathaniel West e Weidner. do notável, das orações dos santos cla-
Fausset acrescenta: "Dessas tribos mando a Deus a que complete rapida-
um remanescente crente será preservado mente o número dos Seus eleitos e que
do juízo que destruirá a Confederação apresse a vinda do Seu reino" (op. cit.,
anticristã (JFB). É significativo que a pág.131). Não há nenhuma referência
tribo de Dã seja omitida - para o que aqui à doutrina católico-romana da in-
muitos motivos têm sido apresentados tercessão pelos anjos ou santos. O tro-
- e que Levi seja incluída. "Uma vez vão, as vozes, os relâmpagos e os terremo-
que as cerimônias levíticas foram aban- tos são os precursores simbólicos dos juí-
donadas, Levi encontra-se novamente zos divinos que estão por vir sobre a
em situação de igualdade com seus ir- terra.
mãos" (Albert Bengel, Introduction to Antes de examinarmos os juízos pro-
the Exposition of the Apocalypse, in priamente ditos, fazemos bem em recor-
loco). Em lugar de Efraim, foi usado a dar o significado das trombetas nas Sa-
de José. Esta, na minha opinião, é a gradas Escrituras. Todos estes fenômenos
segunda passagem de especial dificul- (com exceção do terremoto) encontram-

-425 -
APOCALIPSE 8: 6-13 - 9: 1-10

-se na narrativa de Deus descendo ao uma águia voando e gritando pelo meio
Monte Sinai para se encontrar com Moi- do céu, Ai, ai, ai, dos que moram na ter-
s~oií;ie- temos a primeira referência ra. Esta é a primeira vez que a palavra
feita à trombetas na Bíblía (~x.i9: 16). traduzida para ai! aparece no Apocalipse.
O tocar das trombetas convoca os israe- 9: 1,2. Ao juízo da ~!1ta trombeta,
litas a receberem instruções (Nm. 10: 3, que é chamado de o priII1eiro ai! (v. 12),
4) ou dando sinal de partida (Nm. 10: João dedica mais espaço do que a todos
3-7); também os reunia para a guerra os juízos precedentes juntos. Talvez
(Jr. 4: 19; 42: 14, etc.), e também para seja porque, além da identificação exata
o retorno da dispersão (Is. 27: 13); anun- da Babilônia nos capítulos 17 e 18, o sig-
ciava a libertação no ano do jubileu (Lv. nificado dos dois juízos neste capítulo
25: 8-10), e ~~.an\!ncia o juízo. Os apresente o mais difícil de todos os pro-
juízos das tromb.e1as são bastante seI!!e- blemas do Apocalipse. Provavelmente
1!!l!!!!~~_ .~s. pragas que Deus enVÍQ]1ao. a estrela caindo do céu, à qual foi en-
Egito por ocasião da libertação de Israel, tregue a chave do poço do abismo, é,
embora não aconteçam na mesma ordem. como diz Weidner, "um anjo mau, o
7-13. O resultado do tocar da primei- instrumento da execução do propósito
li' ra tromb~a é a consumação pelo fogo divino com referência ao mundo ímpio"
da terça parte da flora da terra. Ao to- (pág. 114; também Alford e outros). O
car a segunda tromh.eJª.' uma terça parte ,3bismo..nªºé o inJemo, mas a habitação
do mar se transformou em sangue, um atual do diabo e seus anjos, incluindo o
terço das criaturas do mar morreram, Hades, onde estão as almas dos mortos
e uma terça parte dos navios foi des- ímpios a espera do último juízo. Tão
truída (cons. a primeira praga, Ex. 7: densa é a fumaça que sobe do abismo
20-24). Com o tocar da terceiratrom- que obscurece o sol e o ar (veja 6: 12;
beta, uma grande estrela, ardendo como 8: 12).
uma tocha, cai sobre os rios e fontes 3-10. Também ~~_a-º.!sI}:!o saem cria-
da terra, transformando-os em absinto turas chamadas gafanhotos (v. 3), com
e causando morte em larga escala. Os grande poder, que recebem permissão
dois primeiros juízos afetaram a nature- de atormentar os homens (embora não
za, e o homem apenas indiretamente, matá-los) por um período de cinco me-
mas a terceira provocou a morte de mui- ses (v. 5). Tão intenso será o sofrimento
j, tos. O tocar da q!m!.tª!~mb~.a provoca dos homens que buscarão a morte em
distúrbios celestes, de modo que a terça vão (v. 6). Os gafanhotos são usados na
parte do sol, lua e estrelas foi ferida, e famosa profecia do livro de Joel como
sua luz diminuída (cons. com a nona símbolo dos exércitos invasores. Em
praga, ~x. 10: 21-23). Este milagroso Jz. 6: 5; J r. 46: 23; etc. os homens fo-
eclipse do sol, da lua e das estrelas foi ram comparados a gafanhotos e nas
predito por Amós como um sinal da.vín- passagens proféticas são símbolo do
da do dia do juízo (Arn~.2; veja tam- juízo divino (Dt. 28: 38,42; Naum 3: 15,
bém Joe12: 2,10). Observe que todos 17; Amós 7: 1-3, etc.). Não é possível
estes quatro juízos relacionam-se com que examinemos aqui cada frase descri-
algum desastre incidindo sobre a natu- tiva, mas podemos chegar a alguma con-
reza. (Weidner, op. cit., tem um exce- clusão sobre o que essas criaturas repre-
lente resumo das diversas interpretações sentam. Eu pessoalmente acho que não
fantásticas desses quatro juízos das trom- poderia ser mais específico do que Milli-
betas, pág. 343-345). Antes dos juízos gan, que disse - e certamente todos
das duas trombetas seguintes, ouve-se concordarão com isto - que o juízo se

-426-

, I
1i·1 i I'
APOCALIPSE 9: 10-21-10: 1-11-11: 1

sobreviere~
refere a "um grande derramamento de retomo a Deus, durante este período, en::)
.:L perversidade espiritual que agravará o so- quanto estes terríveis juízos
frimento do mundo, fazendo-o perceber aos homens.
como a escravatura de Satanás é amarga, IV. A Hora Mais Negra da História
: e ensinando-o que mesmo no meio do pra- Universal. 10: 1-13, 18.
L zer seria melhor morrer do que viver". O Anjo com o Uvrinh9. 10: 1-11.
11. A descrição conclui com a pa- O capítulo dez apresenta um agra-
lavra de que sobre essas criaturas governa dável interlúdio. Outro anjo forte desce
o anjo do abismo, chamado de Abadom do céu tendo um livrinho na mão, e
em hebraico, e em grego de Apoliom, quando João pretende registrar o que
este último com o significado de "des- viu, ouve uma voz dos céus dizendo, guar-
truidor". Na Septuaginta a palavra tem da em segredo as cousas que os sete tro-
este mesmo sentido em J6 26: 2; 28: 22; vões falaram, e não as escrevas (v. 4;
Pv. 15: 11, etc.; outra forma é a palavra cons. Dn. 12: 9). Ao que parece ele ja-
traduzida para "perdição" em Mt. 7: 13 mais chegou a registrá-lo, e portanto
e "destruirá" em 11 Ts. 2: 8. não sabemos o que os trovões disseram.
13-21. O tocar da sexta trombeta es- OJUio enuncia uma declaração famosa
tá identificado com 0- se~;~-;i!--(11: e mais ou menos enigmática - dizendo
14). Somos agora transportados aO uma que já não haverá demora. ou, como diz
área geográfica conhecida nesta terra, o comentário à margem, n.i:o haverá mais
ao rio Eufrates (v. 14), que aqui prova- ~mPQ:.. Swete traduz assim, Não hav-eid
velmente deve ser entendido literalmente. mais nenhum intervalo, nenhuma delon-
Quatro anj()~presos em algum lugar aO ga. Esta declaração, ao lado da que se
longo deste rio são agora soltos, para lhe segue imediatamente, que cump_rir-
que matassem a terça parte dos homens ~-!-_~tão!...2-mis~ºº.~~~eus (v. 7),
(v. 15). Esta terrível destruição será convence-nos de que o propósito des-
realizada através de exércitos de cavala- ta visão, e especialmente destas declara-
ria. Certamente chegamos aqui aos dias ções, é preparar-nos para o derramamento
do começo do Anticristo. Todd disse, final dos juízos divinos, ao aproximar-se
e Weidner e outros concordam, que "de- o final dos tempos, e a destruição dos ini-
vemos provavelmente encarar esta região migos do Cordeiro. O livrinho (v. 8)
como o cenário deste grande juízo, o que João devia comer (cons. Ez. 3: 1-3;
que está em exata conformidade com as SI. 19: 10, 11; Jr.15: 16) nunca foi aber-
inferências às quais somos levados pe- to e por isso sua natureza exata tem de
las profecias de Daniel, onde estes paí- ser assunto controvertido. Mas Düster-
ses na região do Eufrates, uma vez palco dieck está bastante certo, eu acho, quan-
de poderosos impérios, estão destinados do diz que "parece ser uma instrução e
a se tomarem o cenário da última grande interpretação pessoais dadas ao vidente
luta entre os príncipes do mundo e o po- em relação às visões ainda pendentes, que
vo de Deus". deveriam continuar até o final. Quanto
O resultado de tudo isto não será mais crescem em importância os assuntos
uma volta a Deus, ou arrependimento, das profecias que vêm a seguir, mais na-
mas uma insistência teimosa nos pecados tural parece a nova e especial preparação
. que provocaram este juízo, a adoração do profeta" (pág. 308).
de demônios, idolatria, homicídio, feiti- As Duas Testemunhas em Jerusalém.
çarias, fornicação, e roubos. Na verdade, 11: 1-12. O décimo primeiro capítulo
não posso descobrir nenhuma evidência do Apocalipse sempre tem sido para
no Apocalipse de que haverá um grande mim de enorme interesse. A cena cer-

-427 -
APOCALIPSE 11: 1-12
tamente acontece ~I!!..l~D!S..a.1Wl., a qual inimigos, pass,a4os.t!§s dias e meio, Deus
embora chamada espiritualmente Sodoma os levant~' e os chanlã'p~~=ig1ória, e
e Egito (v. 8; cons. Is, 1: 9, 10) é espe- eles sobem para os céus em uma nuvem
cificamente chamada de lugar onde tam- (vs. 11, 12).
bém o seu Senhor foi crucificado. Os A pergunta é, q~.Jã.Q...ç.~s~,duas
acontecimentos aqui registrados ainda testemunhas? As respostas têm sido'
não aconteceram, mas acontecerão lite- muitas-:--U-texto !.1~0 permite de modo
ralmente na "cidade santa" no final dos nenhum, creio eu categoricamente, uma
tempos. interpretação referindo-se a um movi-
1,2. João recebe a ordem de pegar mento, ou, como Langeinsiste, ao estado
uma cana para medir o santuário de cristão e à Igreja Cristã (pois onde en-
Deus, o seu altar, e os que naquele ado- contrar um estado cristão atualmente"),
ram (v. 1), o que certamente imp.~.f!!..~e ou ao V.T. e ao N.T., ou à Palavra e ao
qu~ .!!l!Y.l?~A_~llIIla. espécitl.~e. teglp!o Espírito, ou aos cristãos fiéis, como
em Jerusalém nessa ocasião. Faz-se a crêem Milligan ê Swete. Eu acho que
declãraçãõdê'que--ã'-cid~cie santa será estas testemunhas ~. se!__~0!lside­
pisada por quarenta e dois meses (v. 2), radas como indivíduos. Muitos afir-
um período de tempo também encon- mâiri-'queSã()Moisés e Elias (Simcox,
trado em 13; 5, idêntico aos 1.260 dias etc.), outros que são Enoque e Elias
de 11; 3 e 12: 6. Eu o entendo como (Seiss, Lang, Govett). Mas com referên-
sendo a primeira metade do .período. de cia a tais opiniões eu concordo com a
sete anos da nossa dispensação, ocorren- posição de Moorehead: "~extrema­
do a Grande tribulação na segunda me- mente improvável que aqueles santos,
tade, quando o Anticristo exercerá poder depois de séculos de bem-aventurança
universal.. no céu, sejam enviados para a terra para
3-12.I)l@!...j:~~m.unhas aparecem a- dar testemunho aos judeus e gentíos",
gora, !l.nYiad~,_pºr '" D~Y$ a profet!z..ªr (op. cit., pág.86). Francamente, acho
nesta cidade, embora não sejamos infor- que nada ganhamos em prolongarmos
mados da natureza de sua, mensagem. debates em relação à identidade delas.
Elas são comparadas às duas oliveiras São duas testemunhas enviadas por Deus
e castiçais (v. 4) descritas em Zacarias e revestidas por Ele de grande poder.
4. Recebem poder sobrenatural, tal Embora o comentário de Govett
como Elias e Moisés (I Reis 17; 1), pa- sobre esses povos, tribos e nações que
ra matar seus inimigos, provocar seca, olham para aqueles corpos mortos (vs.
transformar água em sangue, e ferir a 9,10) fosse escrito em 1864, continua
terra com pragas a seu bel-prazer (vs. 5, digno da nossa atenção: "A palavra
6). Quando elas terminarem a obra de blepo, isto é, olhar para, não indica que
que Deus as encarregou, a besta que sur- as nações simplesmente os verão, mas
ge ~o pelejará contE!.- elas, eas dirigirão seus olhos para esta grande vi-
vencerá, e matará (v. 7). Os ~r'p?s são e arregalarão seus olhos diante dela.
desses dois profetas são colo.cil~nà 'Mas ~o', pergunta-se, 'os h0!I!ens
prasª desta cidade, e hOIIl~~.. ~e toda de toda a terra poderão se regozijar com
à terra yi!~o.._ olhá-los durante três dias a notícia quando apenas um intervalo
e meio, e participarão de um regozijo de três dias e meio se colocará entre a
quase que universal por causa da morte morte e a ressurreição deles? .. ' Não
desses homens que os atormentaram e é perfeitamente concebível se o telé-
que agora, pensam eles, estão destruí- grafo elétrico tiver se expandido com a
dos (vs.8-1O). Para espanto dos seus rapidez dos últimos anos?" (op. cit.)

-428 -

I ,
i, ,j ;
I'
APOCALIPSE 11: 12-19 - 12: 1-5
pág. 243, 246, 247). Atualmente, com ~eino de Deus através de _ç!!§!º-~~!!
a televisão à disposição de todos, pode- .P~~, recebemos um resumo pito-
mos entender melhor esta passagem. resco (v. 18) dos acontecimentos qu~
As palavras de Lenski em relação a vão se suceder: 1) as nações estão ira-
esses inimigos de Deus alegrando-se com das; isto é, haverá uma tentativa de agres-
a morte dos dois profetas (v. 10) pro- são contra Cristo e os Seus; 2) a ira de
vocam especiais cogitações: "O mundo Deus está para se desencadear; 3) os
perverso não pode esquecê-los e simples- mortos serão julgados; 4) os crentes,
mente continua em sua obstinação. Mes- aqui se dividem em três grupos - os
mo quando estão final e completamente profetas, os santos, e os que temem o
silenciados, o mundo obstinado não con- Seu nome, serão recompensados; e 5)
segue deixar de lado seu testemunho di- os destruidores estão para serem des- I
vino. Precisam falar nele, levar toda gen- truídos. A partir disto pode-se concluir"
te a olhar para aqueles lábios que já não com certeza que conforme se aproxima,
falam mais. Aqueles que desprezam a o tempo de Cristo assumir Sua autoridade \
Palavra não conseguem nunca livrar-se real sobre esta terra, o ódio das nações '
dela. Até mesmo o seu regozijo com o da terra contra o povo de Deus vai se
silêncio dela faz com que se ocupem da intensificar, e a oposição ao Evangelho
Palavra" (op. cit., pág. 346). vai aumentar.
~14. Com a !!sce!!.~~ojas duas tes- 11: 19. A maioria dos estudantes con-
t~rnun}1as, Jerusalém experimenta um cordará que 11: 19 deve ser considerado
grande terremoto, resultando na morte, como a introdução ao que está para ser
de sete lllJl pessoas, ao passo que as ou- revelado no capítulo 12. Aqui nova-
tras ficaram sobremodo aterrorizadas, mente, como no começo das passagens
e deram glória ao Deus do céu (v. 13). dos sete selos (4: 5) e das sete trombe-
P~ãO encontramos convicção de pecado tas (8: 5), relâmpagos, vozes, trovões
i neste temor, apenas um sentimento de e um terremoto. O que João vê agora
\ medo que logo passa. no céu - um templo de Deus e a arca
L.. A Sétima Trombeta e a Cena no Céu. da aliança - apresenta um problema
11: 15-18. Tal como na abertura do sé- de interpretação. Esta não poderia ser
timo selo, quando o sétimo anjo faz soar realmente a arca do concerto que este-
a sétima trombeta, nenhum aconteci- ve no meio de Israel durante sua viagem
mento imediato se segue e nenhum juí- pelo deserto (como alguns insistem);
zo imediato é anunciado. Antes, com pois ela já não existia mais no tempo
o soar desta trombeta, temos uma cena de Cristo. A palavra aqui traduzida para
no céu, e faz-se uma das maiores decla- templo (E.R.C.), naos, significa "san-
rações de toda a Bíblia referentes a Cris- tuário" (E.R.A.), a parte interior do
to: "O reino do mundo se tomou de templo. Quando a Cidade Santa des-
nosso Senhor e do seu Cristo, e ele rei- cer do céu, diz-se explicitamente que
nará pelos séculos dos séculos" (v. 15). não haverá templo nela (21: 22).
O mundo inteiro aparece agora sob um A Mulher com o Menino. 12: 1-17.
só poderoso governo universal. l-S. O capítulo 12 apresenta QI.Ú1Q.,
Esta declaração é seguida por um hino p.!2Wema dejdentíâcação - a ~er i
de louvor oferecido pelos vinte e quatro vista no céu ... com dores de parto que
anciãos a Deus Todo-Poderoso. Esta deu à luz, (vs. 1,2). Uma coisa parece
é a única ocasião em que os anciãos certa - que esta ~tia.uça "que há de re-
são descritos prostrando-se diante de ger todas as nações com vara de ferro"
Deus. Com o anunciamento de que o (v. 5) d_eve~.!_º_.~enhor Jesus Cristo

-429 -
APOCALIPSE 12: 5-17 - 13: 1-10

(veja SI. 2: 9; Is. 66: 7; Ap. 19: 15). Mui- 10: 13,21; Judas 9), que parece ser o
tas !~~I!tificações têm sido sugeridas líder da hierarquia angélica. ~ª!ªº-ªs.
para a mulher. No período dos Pais da é }!1!lçado fora dos céus. Talvez seja
, Igreja, Victorino dizia que era "a antiga uma referência a algumas palavras de
igreja dos pais, e profetas, e santos, e nosso Senhor relativamente ã queda de
apóstolos" (Ante-Nicene Fathers, VII, Satanás (Jo.12:31), embora eu esteja
355). Muitos escritores dizem que é convencido de que a cena se desenrola
Israel, de quem Cristo veio; enquanto no final desta dispensação. Observe
'óutro, como Auberlen, Lenski, etc.,
interpretam-na mais compreensivelmente
como o Israel de ambos os Testamentos.
Eu penso que podemos afirmar que seja
Israel. A Igreja Católica Romana, é cla-
_ __
que Satanás não é lançado no abismo,
m~s foi atirado para a terra (Ap. 12: 9),
exatamente
•.. antes
..- ..- .que
-.-o Anticristo as-
suma seu reino t~rriveLe temporário.
10-12. Nenhum detalhe se tôma ne-
ro, insiste que é a Virgem..Maria, mas cessário aqui sobre o subseqüente hino
a Igreja Romana também diz que Maria de regozijo. A ênfase está sobre o poder
deu
â luz sem dores, entrando em con- de Deus e a autoridade de Cristo. Os
'. tradição com este versículo (veja Is. 66: irmãos venceram Satanás por causa do
-7). Diante da mulher está o grande ini- sangue do Cordeiro e por causa da pala-
migo de Deus, o dragão (Ap. 12:4), vra do testemunho que deram (v. 11).
que espera destruir Cristo. Mas fracas- São vitoriosos porque deram um teste-
sará no seu intento. munho fiel até mesmo enfrentando a
6. Eu, pessoalmente, creio como Weid- morte.
ner, Walter Scott e muitos outros, que 13-17. O que foi mencionado em
este versículo é antecipatório e aponta antecipação no versículo 6 está decla-
para o tempo da tribulação de Israel no rado aqui com mais detalhes. O perío-
final dos tempos. Foi colocado aqui do de tempo designado um tempo, tem-
para enfatizar o fato de que Satanás, pos, e metade de um tempo (v. 14), se-
que odeia Cristo, e portanto o Seu po- melhante aos 1.260 dias no versículo
vo, vai perseguir Israel de maneira espe- 6, é o período da mais negra tribulação.
cial conforme o tempo do fim estiver A terra ajudando a mulher (v. 16) pode
se aproximando. representar, como diz Walter Scott, os
7-9. Agora somos introduzidos ao governos da terra tendo amizade com
que Swete designa corretamente de "a os judeus "e providencialmente (como,
suprema tentativa da parte do dragão não sabemos) frustando os esforços da
-<re-desi!Q!iiit.'O'Filho da Mulher, res- serpente" (Exposition oi the Revela-
tabelecendo-se ele próprio na presença tion oi Jesus Christ, in loco). A refe-
de Deus", São vários os termos desig- rência à mulher e sua descendência (v.
nativos de Satanás neste parágrafo (v. 9), 17) faz lembrar a primeira profecia mes-
mais do que em qualquer outra simples siânica (Gn. 3: 15).
passagem da Palavra de Deus: o grande O Aparecimento das Duas Bestas. 13:
dragão, a antiga serpente ... diabo, e 1-18.
Satanás, e - uma das mais terríveis fra- 1-10. Dois governantes terríveis en-
ses nas Escrituras - não algo de que Sa- tram em cena no capítulo 13, um a emer-
tanás se glorie, mas algo que o céu reco- gir do mar, e o outro a emergir da terra.
nhece - sedutor de todo o mundo (ve- O mar aqui indubitavelmente é ''um sím-
ja 11 Tm. 3: 13; IIJo.7). Aqui ele não bolo da superfície agitada da humanidade
é enfrentado por Cristo, mas por Mi- não regenerada, e especialmente da cal-
guel e seus anjos (Ap. 12: 7; veja Dn. deira fervente da vida nacional e social

-430-

li ,I I ,
i
I'
APOCALIPSE 13: 10-18

da qual os grandes movimentos histó- pítulo, no qual o número da besta é


ricos do mundo se levantam" (Swete). revelado como 666, tem dado lugar a
A primeira besta, cujos chifres e diade- uma multidão de interpretações, e a
mas representam poder, recebe sua ener- vasta literatura. Livros inteiros têm si-
gia de Satanás (v. 2). É quase inacre- do escritos sobre este único texto. Lute-
ditável que toda a terra venha a adorar ro errou em pensar que fosse uma decla-
o dragão e a besta (vs. 3,4). Haverá mui- ração cronológica. Acrescentando 666
ta religião na terra, mas será sem Deus ao ano 1000 ele abteve naturalmente,
e blasfema. A primeira besta se opõe como resultado 1666 A.D., ano em que
a Deus (vs. 5,6); recebe sua energia de nada de significância profética aconte-
Satanás (v. 2); é militarmente suprema ceu. Muitos têm tentado identificar
(v. 4); possui poder de extensão mundial esta pessoa descobrindo nomes cuja
(v. 7); e persegue os santos de Deus (v. soma numérica das letras perfaz 666.
7). Quem se atreveria a negar que o ce- Em nossa língua por exemplo, X é igual
nário da história universal está sendo a 10, L igual a 50 e C igual a 100. Há
rapidamente preparado por tendências equivalentes semelhantes para as letras
que conduzirão finalmente ao governo no hebraico, grego e latim. Alguns têm
e adoração de um tal monstro? Todos crido, então, que este número assim
aqueles que não pertencem ao Cordeiro traduzido refere-se a Nero, o César do
de Deus adorarão a besta. primeiro século; outros como Lateinos,
11-15. Enquanto a primeira besta é significando, "o Latino". Acho que não
sem dúvida um poder mundial político, precisamos ir mais adiante do que reco-
a segunda (v. 11), como disse Lee, "é nhecer que seis é o número do homem
um poder mundial espiritual, o poder decaído e portanto o número da imper-
da ciência e do conhecimento, das idéias, feição, e que 666 é a trindade do seis.
do cultivo intelectual. Ambas são infe- Até mesmo nesta passagem há uma trin-
riores, ambas são bestas, e portanto es- dade demoníaca - Satanás, a besta a
tão em íntima aliança. A sabedoria an- emergir da terra (Anticristo, v. 11) e
ticristã secular está a serviço do poder a besta a emergir do mar (o falso pro-
anti cristão mundano" (pág. 671). A feta, v. 1). (Para uma comparação das
segunda besta reforça as ordens da pri- diversas interpretações dessas duas bes-
meira, e acompanha sua obra perversa tas, veja Charles Maitland: The Apos-
com várias formas de manifestações mi- tles' School of Prophetic Interpretation
lagrosas (vs. 12, 13). O período do [Londres, 1849Jpág. 329.)
"tempo dos gentios" começou com a Torrance diz acertadamente: "Não ve-
adoração imposta de uma imagem por mos hoje em dia que esta imagem já
um poderoso governante (por Nabuco- está sendo edificada, em nação após
donozor, em Daniel 3); e este período nação na terra, pelo poder da propa-
terminará com uma semelhante adora- ganda e com mentiras? .. Já não ou-
ção imposta, desta vez em escala uni- vimos a voz rouca da besta clamando e
versal. gritando no rádio? não temos lido suas
16,17. O capítulo conclui com uma vanglórias e ameaças nas páginas da im-
profecia do que poderia ser chamado de prensa mundial? .. Tudo o que pode
ditadura econômica. O texto não diz ser feito sem Jesus Cristo é um caminho
que os homens não poderão comer se para a incredulidade, é dar forma mal-
â

não tiverem a marca ... da besta, mas dade, ao orgulho e ao egoísmo huma-
não poderão negociar sem esse sinal. nos ... O tempo todo o mal latente no
18. O versículo que conclui este ca- mundo está estabelecendo sua imagem

-431 -
APOCALIPSE 13: 18 - 14: 1-7
e deixando suas impressões sobre as representa o céu uruca referência a
pessoas e mentes e atos dos homens" Sião no Apocalipse. Somos apresenta-
(op. cit., pág. 86-89). dos a um grande grupo de 144.000,
Observe que estes dois governantes com características que os destaca de
mundiais são designados bestas. Nicho- maneira fora do comum: 1) nas suas
las Berdyaev, o filósofo russo, escrevendo testas trazem os nomes do Cordeiro
sobre a bestialidade do homem moderno, e do Pai - o que acontecerá com to-
diz: "O movimento em prol da super-hu- dos os redimidos por toda a eternida-
manidade, do super-homem, e dos po- de (22: 4); 2) só eles são capazes de
deres sobre-humanos, com muita fre- compreender o novo cântico cantado
qüência nada mais são que a bestiali- diante do trono pelos harpistas; 3) não
zação do homem. O moderno anti-hu- se contaminaram com mulheres, pois
manismo toma a forma do bestialismo. são virgens - uma declaração mais tar-
Usa o trágico e infeliz Nietzsche como de examinada neste estudo; 4) seguem
uma espécie superior de justificação o Cordeiro por toda parte; 5) são as
para a desumanização e bestíalízaçao . . . primícias de Deus; 6) são irrepreensí-
Uma crueldade bestial para com o homem veis. Sem dúvida é um grupo selecio-
é a característica de nosso século, e tor- nado de santos de Deus, dos quais nada
na-se mais estarrecedor por se exibir mais sabemos.
no cume do refinamento humano, onde O único verdadeiro problema aqui
os conceitos modernos de simpatia, ao encontra-se no versículo 4. Muitos têm
que parece, tornaram impossíveis as insistido que deve ser entendido literal-
antigas formas bárbaras da crueldade. mente, como afirma Govett, o qual de-
O bestialismo é algo inteiramente dife- dica cinco páginas ao versículo. Em
rente do barbarismo antigo, natural e nenhum lugar das Escrituras a virgin-
sadio; é o barbarismo dentro de uma dade, ou o celibato, é mencionado como
civilização refinada. Aqui os instintos sinônimo de santidade, ou como se tor-
atávicos e bárbaros são filtrados através nasse alguém particularmente apto para
do prisma da civilização e portanto têm o serviço divino. A família é uma ins-
um caráter patológico. O bestialismo tituição divina desde o começo das Es-
é um fenômeno do mundo humano, mas crituras. Portanto, isto deve ter signifi-
já civilizado" (The Fate of Man in the cado simbólico, semelhante ao uso que
Modem World, pág.26-29. Para uma Paulo faz desses termos em 11 Co. 11: 2,
discussão completa deste capítulo, veja 3. O casamento não é desonroso (Hb.
meu livro, This Atomic Age and the 13:4).
Word of God, pág. 193-221). 6,7. Temos agora uma descrição de
três mensagens sucessivas por três dife-
V. Os Juízos das Sete Taças. 14: 1 rentes anjos. O primeiro tem um evan-
-16: 21. gelho eterno, proclamado a todos os
Assim como há os capítulos introdu- habitantes da terra, consistindo da se-
tórios que precedem os juízos apresen- guinte advertência: Temei a Deus e
tados pela abertura dos sete selos e pelo dai-lhe glória; porque é chegada a hora
tocar das sete trombetas, aqui tam- do seu juízo; e adorai aquele que fez o
bém, precedendo a última série dos céu, etc. Concordo plenamente com
juízos, temos um capítulo introdutó- Swete que esta proclamação "não con-
rio. tém referência à esperança cristã; a base
14: 1-5. O capítulo começa com uma do apelo é teísmo puro. É um apelo
cena no monte Sião, o qual sem dúvida à consciência do paganismo inculto,

-432 -

I •
I' ·1 I I
APOCALIPSE 14: 7-20 - 15: 1-8
incapaz ainda de compreender qualquer grafos antecipatórios. Govett resume
outra coisa". Não há aqui nenhuma in- esta passagem corretamente ao dizer,
dicação de que esta mensagem fosse "A semente da Mulher fornece a Co-
aceita ou de que, através dela, alguém lheita, enquanto a semente do Dragão
fosse redimido. fornece a Vindima". Veja também Joe1
8-13. O segundo anjo anuncia a que- 3: 13.
da da Babilônia, a qual é detalhadamente 15: 1-4. O capítulo 15 continua cheio
descrita nos capítulos 17 e 18. O ter- de material introdutório e uma cena
ceiro anjo pronuncia um juízo sobre do céu. Apresenta um dos grandes hi-
todos aqueles que adoraram a besta e nos do livro, cantado desta vez, ao que
a sua imagem, com uma declaração an- parece, por aqueles que triunfaram so-
tecipatória sobre o castigo eterno daque- bre as forças do mal nos últimos dias,
les que usam o sinal da besta. Um sécu- que foram os vencedores da besta, da
lo atrás os Adventistas do Sétimo Dia sua imagem e do número do seu nome
apegaram-se a estes versículos como (v. 2). Este é chamado de cântico de
cumprimento de suas convicções parti- Moisés, servo de Deus, e ... do Cor-
culares em relação à igreja. Eles con- deiro (v. 3; sobre os antecedentes veja
sideraram o primitivo movimento Mille- ~x.14:31; 15; Nm.12:7; Dt.32). "O
rita como uma advertência à igreja de cântico pelo qual Moisés celebrou o li-
que ela era a Babilônia. Por isso, os vramento do Egito está sendo agora
crentes deviam sair da cristandade orga- renovado e recebe o seu final perfeito
nizada - e a mensagem do terceiro anjo quando o povo de Deus está finalmente
se lhe seguiria imediatamente. Os adven- libertado pelo Cordeiro" (Lee). O cân-
tistas insistem que esta é uma promessa tico é um mosaico de material extraí-
de que nos útlimos dias só serão aceitos do de Êxodo, Salmos (86: 9; 111: 2;
por Deus aqueles que guardam os man- 145: 17), e de Isaías (2:2-4; 66:23,
damentos de Deus e a fé em Jesus (v. 12), etc.),
e que isto é "um chamado a que os ho- 5-8. João diz que viu no céu o san-
mens honrem o verdadeiro sábado de tuário do tabernáculo do testemunho
Deus, o sétimo dia do Decálogo" (Fran- ... no céu (v. 5). Esta é a última vez
cis D. Nichol: The Midnight Oy, pág. que a palavra aparece traduzida para
462). Por que eles particularizam o man- santuário neste livro (cons. 11: 19).
damento referente ao sétimo dia, nem Desse santíssimo lugar saíram cinco an-
sequer levemente aludido aqui, e não jos, com as sete pragas que estão para
incorporam neste esquema os outros serem derramadas sobre a terra, taças ...
nove do Decálogo, eu não sei. cheias da cólera de Deus (v. 7). Exa-
14-20. O capítulo conclui com duas tamente antes desta série ter início, so-
cenas que só podem acontecer no fim mos informados de que o santuário es-
dos tempos. A primeira (vs. 14-16) re- tá cheio de fumaça, procedente da gló-
presenta uma colheita de almas e ao que ria de Deus e do seu poder (v. 8), o que
parece um ajuntamento dos redimidos, !lOS faz lembrar a inacessibilidade di-
ao qual nosso Senhor se refere em Mt. vina no Sinai (~x. 19: 21), e a visão de
13:30,39; 24:30,31. Tem havido Isaías (6: 4,5). John Albert Bengel, o
alguma discordância sobre estas duas grande exegeta do século passado, co-
cenas, mas parece-me que a segunda, mentou esta passagem: "Quando Deus
que é uma vindima e não uma colhei- derrama Sua fúria seria bom que até
ta, deve descrever o ajuntamento dos mesmo aqueles que estão em paz com
incrédulos e ímpios da terra. São pará- Ele se afastem um pouco, em atitude

-433 -
APOCALIPSE 15: 8 - 16: 1-16
de profunda reverência até que pouco gedom (v. 16), para a peleja do grande
a pouco o céu se desanuvie novamente" dia do Deus Todo-poderoso (v. 14).
(Introduction to the Exposttton o[ the Este é o único lugar em que o Armage-
Apocalypse, in loco). dom é nominalmente mencionado no
livro do Apocalipse. A batalha propria-
16: 1,2. Estamos agora prontos a
mente dita é descrita na última parte
examinar as sete taças da ira de Deus.
do capítulo 19. Moorehead escreveu,
A primeira, comparável à sexta praga
antes mesmo da Primeira Grande Guerra
do Egito, resultou no tormento dos ho-
e o despertamento atual da Ásia, que
mens que tinham o sinal da besta com
"as grandes hordas da Ásia serão en-
úlceras malignas e perniciosas, não es-
volvidas na batalha decisiva e esmaga-
pecificamente identificada. Quando a
dora do grande dia de Deus". O Extre-
segunda taça foi derramada (cons. com
mo Oriente tem tido profundo signifi-
a primeira praga do Egito), o mar toma
cado para a civilização Ocidental apenas
a aparência de sangue como de um mor-
neste último século, e o mesmo aconte-
to, e toda a vida que há nele morre (v.
ce com o Oriente Próximo desde o tér-
3). Weidner dirige a atenção para a se-
mino das Cruzadas. Que enorme dife-
melhança e diferença entre esta praga
rença entre a poderosa China de hoje,
e a da segunda trombeta (8: 8,9): "Os
em seu regime comunista e ateu, e o
juízos de Deus vão se tomando cada
império comparavelmente fraco que co-
vez mais terríveis conforme a maldade
nhecemos no começo deste século! O
aumenta e o fim se aproxima".
secamento do rio Eufrates (v. 12), pre-
4-11. A terceira taça da ira tam- parando caminho para a chegada des-
bém afeta os rios e as fontes das águas, tes exércitos do Oriente, pode ser tomado
levando o anjo das águas a reconhecer simbolicamente ou não; mas certamente
a justiça e a santidade de Deus, e a não pode se referir ao enfraquecimento
justificação de tais terríveis manifes- do Império Otomano, nem ao rio Missis-
tações da justiça divina (vs.5,6). A sipe, como pretendem alguns. Hengsten-
quarta taça, envolvendo o sol, aumen- berg comentou acertadamente: "O Eu-
ta de algum modo a intensidade do ca- frates foi mencionado aqui, apenas no que
lor que a terra recebe do sol; e os homens se refere ao impedimento que represen-
foram queimados com ele, o que resul- ta para a marcha do poder ímpio do
tou em blasfêmias contra Deus (vs.8, mundo na direção da Terra Santa". Es-
9). A quinta taça da ira é semelhante ses reis não são judeus vindo à Palestina
ao juízo da quarta trombeta e à nona em busca de bênçãos mas reis pagãos
praga do Egito, em sua manifestação de vindo a Megido para a batalha. Esta
trevas, exceto que nesta ocasião é o reino passagem abrange uma das mais terrí-
da besta que é coberto pelas trevas (vs. veis declarações da Bíblia, isto é, que
10, 11). Deus está agora começando a espíritos imundos (v. 13), espíritos de
atingir o trono do Seu grande inimigo, demônios operando milagres, irão ao
que tem sido a causa vital do engano encontro dos reis do mundo inteiro,
dos homens, seus crimes horríveis e o com o fim de ajuntá-los para a peleja
seu ódio contra Deus. (v. 14). Isto pode significar nada mais
12-16. No derramamento da sexta que no final dos tempos os governantes
taça sobre o rio Eufrates, João vê os reis da terra serão endemoninhados. E so-
que vêm do lado do nascimento do sol mos quase compelidos a crer, pelos acon-
impelidos, como foram, pelo poder sa- tecimentos dos últimos quarenta anos,
tânico a que marchassem para o Arma- que alguns governantes já têm sido pos-

-434-

h ,I I I I
I' " -I I I
APOCALIPSE 16: 17-21
suídos por demônios. citadas aqui, Babilônia e a grande cida-
17-21. Embora o sétimo selo não de, sendo esta última, de acordo com
venha logo após a abertura do sexto, Milligan, Simcox, Weidner e muitos
e o tocar da sétima trombeta ficasse outros, a própria Jerusalém.
adiada por algum tempo, neste capí- Alguns comentadores têm defendido
tulo o derramamento da sétima taça que estas três sucessivas séries setená-
segue-se imediatamente ao derramamen- rias de três juízos são a recapitulação
to da sexta. Aqui a ira de Deus está dos mesmos eventos. Isto é, as trom-
dirigida contra o ar, e a declaração do betas recapitulam o que os selos ante-
juízo se segue, como os outros, por riormente apresentaram, mas com maior
relâmpagos, e vozes, e trovões, e ocor- intensidade; e as taças recapitulam os
reu grande terremoto (vs. 18, 19). Não mesmos acontecimentos, caracterizando-
posso deixar de pensar que o ar aqui -os com ainda maior severidade. Eu
tem o mesmo significado que na frase não tenho conseguido aceitar esta opi-
de Paulo referindo-se ao "príncipe das nião. O motivo é que a seqüência de
potestades do ar" (Ef. 2: 2). (Para dis- cada série é completamente diferente,
cussão mais detalhada do assunto, ve- e só isto, ao que parece, toma o con-
ja meu livro, This Atomic Age and the ceito da recapitulação impossível. No
Word of God, pág. 222-248). Os dis- quadro abaixo apresento a seqüência
túrbios nos ares culminam com a queda das séries dos juízos, usando o juízo das
de grandes pedras de gelo (Ap. 16: 21), taças por guia. Abaixo da linha, sob
pesando cerca de um talento cada (vin- as trombetas e os selos, encontram-se
te e seis ou quarenta e quatro quilos); os fenômenos que não aparecem nos
e outra vez os homens blasfemaram con- juízos das taças. Nenhum esforço foi
tra Deus. A declaração de que nesta feito para colocar os ítens abaixo da
ocasião caíram as cidades das nações linha em alguma ordem cronológica,
(v. 19), ou, como alguns traduzem, as nem mesmo o de fazer um paralelo
cidades dos gentios, pode ser, como entre os selos e as trombetas; antes,
Weidner sugere, uma referência a Mq. foram colocados em posições opostas
5: 10-15. Duas outras cidades foram para economizar espaço.

Pragas do
Taças Trombetas Selos Egito, Êx.
Número do Juízo capo 16 cap.8/9 cap.6 7-10, 12: 29-33.

Chqas. . . . . . . . . . . . . . I. 2 V, VI. 9: 1-12


O mar em sangue....... 11. 3 11. 8:8,9 I. 7: 20-24
As águas em sangue ..... III. 4-7 11. 8:8,9 I. 7: 20-24
Grande calor. ......... IV. 8,9 I. 8:7
Trevas: Dores ......... V. 10,11 IV. 8: 12 IX. 10: 21-23
Reis endemoninhados.... VI. 12-16
Relâmpagos, Vozes ..... VII. 17-21 I. 8: 7 (saraiva)
Trovões, Terremotos .... VII. 9: 22-35
Grandes pedras . . . . . . . . VI. 12-17

Falsa paz ............ I. 1,2


Gafanhotos .......... V. 9: 1-12 VIII. 10: 12-20
Guerra.............. VI. 9: 13-21 11. 3,4

-435 -
APOCALIPSE 17: 1-12

Falta de alimentos . IlI.5,6


Morte . IV. 7,8 X.12:29·33
Ãguas amargas . III.8:1O,1l
Mártires . V. 9-11

VI. Babilônia e Annagedom. 17: 1 - e aqueles que são chamados de muitas


19: 21. águas mais tarde denominados de "po-
vos, e multidões, e nações, e línguas"
Juízo sobre a Babilônia. 17: 1 - 18: (v. 15). Os dez chifres, somos depois
24. A oitava parte de todo o livro do informados, são dez reis (v. 12), certa-
Apocalipse, cerca de cinqüenta versí- mente contemporâneos; e as sete ca-
culos, foi dedicada ao julgamento da beças são sete montes (vs. 9,10), que
Babilônia (14: 8-10; 16: 17-19: 5). Con- também representam reinos. Não de-
tudo, a interpretação da Babilônia no vemos nunca nos esquecer que qual-
Apocalipse tem dado lugar a mais di- quer confederação de reis no V.T., e
ferença de opiniões do que qualquer aqui, está sempre em oposição a Deus
outra passagem deste livro. No V.T. o e ao povo de Deus (Gn.15: 18-21; Dn.
nome Babilônia tem a sua origem em 2:41,42; 7:7,20,24; SI. 2: 1-3; 83:
Babel, a qual é claro sempre simboli- 1-8; Ap. 12:3; 13:1; 16:12-16). Es-
zou revolta contra Deus, e confusão ta mulher, chamada de MÃE DAS PROS-
(Gn.1O:8-12; 11:1-9). Babilônia foi TITUIÇÕES (17: 5), prostituiu-se com
a conquistadora do reino de Judá, a teo- os reis da terra (v. 2), e durante algum
cracia (11 Reis 24; 25, etc.). Com Nabu- tempo os dominou.
codonozor, o rei da Babilônia, começou
"o tempo dos gentios" (Jr.27:1-11; A quem ou a que se refere esta mu-
Dn. 2: 37,38). A Babilônia ocupa um lher? A maior parte dos comentadores,
grande lugar nas profecias das nações desde o tempo da Reforma, identifi-
no V.T. (Is. 13; 14;47;Jr. 50: 51). cam-na com o papado, tal como o fi-
A Babilônia está diante de nós nestes zeram Lutero, Tyndale, Knox, Calvino
dois capítulos sob dois diferentes as- (Institutes, IV, 2. 12), Alford, Elliott,
pectos. No capítulo 17, ela está iden- Lange, e muitos outros. A Igreja Ca-
tificada com a grande prostituta, uma tólica Romana identifica esta mulher
mulher que não aparece no capítulo 18. com Roma - mas com a Roma pagã,
A besta com as sete cabeças e os dez é claro, já no passado. Ela é definida-
chifres está confinada ao capítulo 17, mente algum vasto sistema espiritual
único lugar onde encontramos os reis que persegue os santos de Deus, traindo
da terra avançando para fazer guerra aquilo para o que foi chamada. Ela
contra o Cordeiro. No capítulo 18 a entra em relações com os governos des-
Babilônia parece ser alguma cidade ao ta terra, e por algum tempo os governa.
longo do grande rio, apinhada de navios Eu acho que o mais perto que possamos
mercantes de toda a terra, detalhes que chegar a uma identificação é compreen-
não aparecem no capítulo 17. Talvez der que esta prostituta é um símbolo
devamos examinar o texto propriamente de um grande poder espiritual que se
dito e depois discutir interpretações. levantará no fim dos tempos, o qual
17: 1-12. Três são os grupos a serem estabelecerá uma aliança com o mundo
identificados neste parágrafo inicial; a e assumirá compromissos com as forças
besta, que tem sete cabeças e dez chi- do mundo. Em vez de ser espiritual-
fres; a meretriz assentada sobre a besta; mente verdadeira, ela é espiritualmente

-436 -

1';1 , I , I' ~. I
APOCALIPSE 17: 12-18 -18: 1-24 -19: 1·2

falsa, e assim exerce uma influência muito mais a Londres do que a Roma,
maligna em nome da religião. em qualquer período de sua história"
13-18. Agora, os reis da terra, tendo (pág.7l8). Uma coisa não se pode ne-
uma só mente, confederados, conceden- gar: o barrento rio Tigre, que corre atra-
do sua autoridade a este grande inimigo vés da cidade de Roma, não poderia
de Deus, a besta, saem para fazer guer- transportar o enorme tráfego maríti-
ra contra o Cordeiro (vs. 13, 14). Quan- mo descrito no capítulo 18; mais ainda,
do esta hora chegar, a besta, com o po- Roma pagã jamais foi famosa como cen-
der dos reis da terra, vira-se contra a tro de câmbio ou venda de mercadorias.
prostituta, sua força pseudo-espiritual, Alguns têm defendido que esta profecia
e a destrói (v. 16). A declaração do ver- só poderá ser cumprida quando a cidade
sículo 17 é muito confortadora - "Deus de Babilônia for restaurada. A "Scofield
tem posto em seus corações, que cum- Bible" repudia isto especificamente, mas
pram o seu intento, e tenham uma mes- muitos dos seus editores crêem pessoal-
ma idéia ... até que se cumpram as mente que isto é verdade, tais como
palavras de Deus". Gray e Moorehead; também Seiss, Go-
O capítulo 18 parece ter uma defi- vett, Pember, G.R. Lang e muitos outros.
nição geográfica, a qual não encontra- Aqueles que adotam a interpretação
mos no capítulo 17. Aqui nós temos eclesiástica, como já observamos, acham
a declaração que a Babilônia se tomou que Babilônia representa o papado, e
morada de demônios, covil de toda espé- grande é o apoio que tem sua opinião.
cie de espírito imundo (v. 2). A maior Entretanto, eu acho que aqui tem mais
parte do capítulo está ocupada com a coisas implicadas do que o papado so-
descrição da riqueza da cidade, a mer- mente. Esta é a Cristandade apóstata,
cadoria trazida para ser vendida, a tris- uma religião mundana que traiu o Cris-
teza dos mercadores que enriqueceram tianismo e está entrelaçada com os go-
com o seu comércio, quando olham pa- vernos pagãos e ímpios do mundo. Mui-
ra a cidade agora desolada pelo fogo. tos crêem - e eu concordo - que há
Nos versículos 4-8 anuncia-se o juízo; de vir o dia quando a própria Igreja Ro-
nos versículos 9-20 temos a lamentação mana, de alguma maneira misteriosa,
dos reis da terra; e em 21-24 conta-se vai assumir um compromisso com o Co-
o destino final da Babilônia. munismo ateu. (Uma pesquisa sobre
Agora temos de retomar ao proble- este assunto encontra-se em The Anti-
ma da interpretação. Alguns insistem christ, Babylon, and the Coming of the
aqui em uma identificação geográfica. Kingdom, de G.R. Pember, 1886).
Aqueles que adotaram o esquema histó- A Batalha do Armagedom. 19: 1-21.
rico de interpretação fazem Babilônia 19: 1-8. Enquanto o capítulo 19 des-
se referir geralmente â Roma pagã. te livro recebe generalizadamente o tí-
Alguns, tais como Weidner, Kiddle, etc., tulo, "A Batalha do Armagedom", na
têm afirmado que Babilônia aqui deve verdade a primeira metade do capítulo
significar Jerusalém, mas isto parece se ocupa com uma cena no céu, onde
ser inteiramente impossível. Tenho temos os três últimos hinos do Apoca-
lido livros que defendem que esta cida- lipse. Primeiro, uma grande multidão
de é Londres ou Paris. Até Alford dis- se ouve cantando, Aleluia! A salvação,
se uma vez, embora admitisse que sentia e a glória, e o poder, por causa do juí-
que a dificuldade continuava "sem so- zo sobre a grande prostituta que foi
lução", que "certamente os detalhes fmalmente executado (vs. 1,2). Aleluia
desta lamentação comercial aplicam-se foi extraído diretamente do hebraico

-437 -
APOCALIPSE 19: 2·16

e é formado de duas palavras, hallel, na primeira referência a Deus como o


significando "louvor", e jah, palavra juiz de toda a terra (Gn. 18: 25; veja
básica para Deus. Aleluias aparecem no também SI.9:4,8; 98:9; Is.11:4;
começo dos Salmos 111 e 112, e no etc.). Justiça, diz Cremer, uma auto-
começo e fim dos Salmos 146 a 150, ridade léxica, é "aquele padrão divino
etc. Este hino repete-se uma segunda que se exibe em comportamento har-
vez. Então os vinte e quatro anciãos mônico com Deus ... o qual correspon-
e as quatro criaturas viventes caem dian- de norma divina". Nosso Senhor mesmo
â

te de Deus, também gritando Amém, disse: "O meu juízo é justo, porque
Aleluia (v. 4). não busco a minha vontade, mas a von-
Finalmente, João ouve vozes, as quais tade do Pai que me enviou" (Jo. 5: 30).
ele não identifica especificamente (v. 6), A descrição de Cristo aqui (Ap. 19:
cantando o último dos cânticos, come- 12,13), com olhos de chama de fogo
çando com Aleluia, desta vez não por e um manto tinto de sangue, leva-nos
causa do julgamento da Babilônia, mas de volta ao começo do livro (1: 14; 2:
por causa das bodas do Cordeiro, cuja 18). A frase, tinto de sangue, foi ex-
esposa a si mesma já se ataviou (vs. 6-8). traída de Is. 63: 3.
Com isto, João recebe ordem de anotar Agora Cristo recebe um grande tí-
a última bem-aventurança deste livro, tulo, o Verbo de Deus (Ap. 19: 13).
na qual anuncia-se que a ceia das bodas Como a Palavra de Deus, Ele fez os
do Cordeiro está para se realizar (v. 7). mundos. Foi pela rejeição da Palavra
O relacionamento de Deus e Cristo com que o pecado entrou no mundo. Pela
os redimidos conforme expresso em ter- Palavra de Deus, a salvação foi ofere-
mos de casamento é freqüentemente cida aos homens. O pecado e a anar-
encontrado em ambos os Testamentos quia, impiedade e rebelião, são de uma
(Os. 2: 19-21; Ez. 16: 1 e segs.; SI. 45; forma ou de outra o repúdio da Palavra
Mc.2:19; lCo.6:15-17; Ef.5:25-27). de Deus. Essa Palavra, Eterna e Onipo-
As vestes da noiva são notavelmente tente, desce agora do céu para cumprir
diferentes das vestes da grande pros- a profecia, para destruir os inimigos de
tituta, pois a santa noiva só usa linho Deus, para revelar ao universo, de uma
puro e resplandescente (Ap. 19: 8), sím- vez para sempre, a tolice de se resistir
bolo dos atos de justiça dos santos. Tu- a Cristo e a indiscutível preeminência
do o que o N.T. fala em se tratando de do Rei dos Reis, e Senhor dos Senhores
Cristo como o esposo e a Igreja como (v. 16). Somos agora introduzidos em
a esposa, agora está consumado. uma cena terrena na qual os reis da
11·16. Este parágrafo sempre me pa- terra desempenham papel proeminente.
receu esmagadoramente glorioso demais Como é estranha e trágica esta situa-
para uma exposição. Vê-se agora Cristo ção que descortinamos agora, na qual
cavalgando um cavalo branco, descendo parece que os governantes do mundo
dos céus para "julgar e pelejar". Aqui inteiro se unem em um terrível esfor-
Ele recebe o título de Fiel e Verdadeiro, ço de destruir o ungido de Deus. Como
o qual Lhe foi conferido no começo des- isto contraria os sonhos da humanidade,
te livro (1: 5; 3: 7,14). A frase, com as tolas declarações dos seus falsos pro-
justiça, é importante. Juízo, em toda fetas, e de sua injustificada crença de que
a Bíblia, está sempre identificado com a sociedade humana está sempre progre-
justiça. Esta foi exatamente a frase dindo nos setores da paz, da bondade,
usada pelo Apóstolo Paulo em Atos 17: da camaradagem e bem-estar social.
31. Na verdade, esta é a palavra usada Veremos o cumprimento do Salmo 2.

-438 -

11·1 I I , I' ;, ',I I I


APOCALIPSE 19: 17·21

17-21. Não posso deixar de crer que rotas - sobre ela o pânico desceu mis-
esta batalha se realizará literalmente, teriosamente sobre os exércitos mais
e por isso exige atenção cuidadosa, ainda bem equipados e mais capazes, mas
que rápida. A planície de Megido, em os humildes obtiveram a vitória na hora
outro lugar chamada de planície de Jez- de sua fraqueza - sobre ela falsas re-
reel, ou Esdrelom, ficou famosa na his- ligiões, como também os falsos defen-
tória de Israel, por suas derrotas e vitó- sores da verdadeira fé, têm sido des-
rias. Aqui se deu a vitória de Baraque mascarados e dispersos - sobre ela,
sobre os cananeus, quando os próprios desde o tempo de Saul, a obstinação e
astros lutaram contra Sísera (Jz. 4: 5); a superstição, embora amparadas por
a vitória de Gideão contra os midianitas todas as qualidades humanas, foram re-
(Jz.7); e do mesmo modo a derrota e duzidas a nada, e desde o tempo de Josias
morte do Rei Saul e seus três filhos sob a mais pura piedade não tem sido subs-
as mãos dos filisteus (I Sm. 4). Aqui tituída por zelo impetuoso e equívoco"
aconteceu a grande tragédia da derrota (Historieal Geography of the Holy Land,
e morte do Rei Josias sob as mãos dos pág.409).
egípcios (11 Reis 23: 29, 30). Mais tarde Profecias que provavelmente se refe-
na história, as cruzadas foram aqui der- rem a esta batalha futura são encontra-
rotadas, na batalha de Horns de Hattin, das desde 800 A.C. (JoeI3:9-15; veja
em 1187 A.D. Aqui o General Allem- também Jr. 51: 27-36; Sf. 3: 8; e Ap.
by, em 1917, obteve a grande vitória 14: 14-20; 16: 13-16; 17: 14).
sobre os turcos, pelo que foi honrado A batalha termina quase que ime-
mais tarde com o título de Lord Allem- diatamente após ter começado. Dois
by de Megido. Esta grande planície, grandes inimigos de Deus são presos,
com cerca de doze milhas de largura, a besta e o falso profeta (cuja obra foi
situada no meio da Palestina, vai das destacada no capítulo 13), e são lan-
praias do Mediterrâneo até o Vale do çados vivos dentro do lago do fogo que
Jordão. Nesta planície, diz uma grande arde com enxofre (v. 20). (para um
autoridade, tivemos "a primeira batalha exame mais detalhado sobre este as-
da história na qual podemos estudar, sunto consulte: George Adam Smith,
sob todos os ângulos, a disposição das op. cit., págs. 379-410; William Miller,
tropas, e assim, ela forma o ponto de The Least of All Lands, 1888, págs. 152-
partida para a história da ciência mili- 212; e artigos em várias enciclopédias;
tar". Esta batalha se deu em maio de como também minha obra, World Cri-
1479 A.C., entre as forças sírias e egíp- ses in the Light of Prophetie Scriptures,
cias sob o comando de Tutmoses 111 págs.96-119).
(veja Harold H. Nelson, The Battle of A palavra Annagedom faz parte hoje
Megido, págs. 1,63). da língua inglesa, e está corretamente
Sobre este campo de batalha, Geor- definida no Oxford English Dietionary
ge Adam Smith escreveu certa vez: "Que como "o lugar da última batalha de-
planície! Sobre ela, não só os maiores cisiva". Swete, escrevendo antes da
impérios, raças e religiões do Oriente e do Primeira Grande Guerra, disse acerta-
Ocidente, têm contendido uns contra os damente, "aqueles que observam as
outros, mas cada qual tem sido julgado têndências da civilização moderna não
- sobre ela, desde o princípio, com todo acharão impossível imaginar que virá
o seu esplendor de batalha humana, os um tempo quando através de toda a Cris-
homens sentiram que lutavam contra tandade, o espírito do Anticristo irá,
o céu e, que as estrelas lutavam em suas com o apoio do Estado, tomar firme

-439 -
APOCALIPSE 20: 1-6

posição contra o Cristianismo leal à nas uma condição espiritual dos redi-
pessoa e ensinamentos de Cristo". midos e que não deve receber nenhuma
interpretação cronológica, sendo a idéia
vn. O Milênio; o Juízo Final; a No- do mil simbólica de plenitude e intei-
va Jerusalém e a Eternidade. 20: 1 - 22: reza. 2) Alguns defendem a estranha
50. opinião de que o Milênio já aconteceu,
O Milênio. 20: 1-6. Aproximamo-nos muitos assinalando o seu começo na
agora de uma das passagens mais discu- conversão de Constantino. Mas se o
tidas da Palavra de Deus. Através dos período chamado Idade das Trevas po-
séculos esta passagem tem sido geral- de ser chamado de Milênio, então as
mente aceita como determinando um profecias bíblicas referentes a tal perío-
período milenial durante o qual Cristo do jamais se cumprirão. 3) Alguns di-
reinará nesta terra. Todos nós concor- zem que já nos encontramos no Milê-
daríamos com C.l. Vaughan quando ele nio, mas insistimos novamente que se
diz: "Jamais precisamos mais da ajuda este século acossado pela guerra, de
de Deus do que ao penetrarmos na in- anarquia e Comunismo ateu, é o Milê-
terpretação deste capítulo que ora se nio, então as esperanças criadas pela
nos apresenta". Só nesta passagem das Palavra de Deus para esta terra devem
Escrituras temos a frase, "os mil anos", ser abandonadas. 4) Finalmente, mui-
fator cronológico mencionado seis ve- tos crêem que é uma profecia real de
zes em seis versículos. A palavra milê- um período de mil anos, seguindo-se
nio (millennium) é uma palavra latina ao Armagedom, quando Cristo reinará
composta de mil/e, "mil", e annum, sobre a terra como o Rei dos reis. A
"ano"; assim, mil anos, seja o que for igreja primitiva era unânime na defesa
que esta passagem particular das Es- deste ponto de vista. Charles (op. cit.,)
crituras quer dizer. A passagem começa que não aceita o Milênio sob nenhum
informando-nos que durante este tempo aspecto, admite contudo que "a profe-
Satanás será lançado no abismo, onde cia do milênio no capítulo 20 deve ser
permanecerá amarrado por mil anos. aceita literalmente".
Este abismo não é o inferno. Parece Encontramos uma declaração famosa
que Satanás não tem poder de resistir sobre esta passagem no New Testament
a este ato do anjo que o amarra. João for English Readers de Alford que tem
vê agora uma multidão dos que não sido citada em muitas obras posteriores,
adoraram a besta, assentados sobre tro- mas sinto-me compelido a citá-la no-
nos, e reinando com Cristo por mil anos. vamente: "Há muito que já foi perce-
Este hão é o lugar apropriado para dis- bido pelos leitores deste Comentário,
cutirmos o Milênio. O que nos parece que eu não posso consentir na distorção
claro, no entanto, é que o V.T., muitas de palavras do seu sentido simples e da
e muitas vezes, refere-se a um tempo sua colocação cronológica na profecia,
grande e glorioso no futuro quando a por causa de qualquer dificuldade ou
paz prevalecerá sobre a terra, quando risco de abuso que a doutrina do milê-
o Messias reinará com justiça, e quando nio possa provocar. Aqueles que vive-
a natureza será restaurada à sua beleza ram perto da época dos apóstolos, e toda
original (veja, por exemplo, Is. 9: 6, 7; a Igreja durante 300 anos, aceitaram-nas
11: 1; 30: 15-33; também capo 35; 44; em seu sentido simples e natural; e é
e 49; 65: 17- 66: 14, Jr. 23: 5, 6, etc.). coisa estranha ver, atualmente, exposi-
Há quatro opiniões com referência tores que estão entre os primeiros no
ao Milênio. 1) Alguns dizem que é ape- respeito à antigüidade, deixando de lado

-440 -

I; ,I , I ,
I' " 'I II
APOCALIPSE 20: 6·14
complacentemente o mais irrefutável a destruição dos inimigos de Deus, Sa-
exemplo de consenso que a antigüidade tanás é amarrado e lançado no inferno,
primitiva apresenta. No que se refere onde permanecera para sempre. A bes-
ao texto propriamente dito, nenhum ta e o falso profeta já foram confinados
tratamento legítimo extorquirá o que a este lugar de horrível destino.
é conhecido como a interpretação espi- Muitas vezes se faz a pergunta, "Por
ritual atualmente em moda". que esta última rebelião depois do be-
Muita discussão tem surgido por néfico reino milenial de Cristo?" Por
causa da curta frase, Esta é a primeira um só motivo, revelar que mil anos de
ressurreição (Ap. 20: 5). A teoria de que prisão não altera o caráter mau do mal.
a primeira ressurreição se refere conver-
â Mais ainda, os homens não regenerados
são, uma passagem da morte para a vida, não mudam, e embora toda a terra es-
isto é, uma ressurreição espiritual, parece teja sob o governo de Cristo, grandes
completamente fora de propósito em multidões Lhe obedecem por medo e não
uma passagem como esta. A segunda por amor.
ressurreição, embora não seja assim O Juízo Final. 20: 11·14. Mais um
chamaáa, certamente é aquela que se
â grande acontecimento universal deve
referem os versículos 11-15 deste mes- ter lugar antes que haja paz e justiça
mo capítulo. Não é necessário limitar eternas, a saber, o juízo dos mortos im-
aqueles que participaram da primeira penitentes. Isto está apresentado no
ressurreição aos grupos enumerados no último parágrafo deste capítulo crono-
versículo 4. A primeira ressurreição po- logicamente tão apinhado. Um dia de
de facilmente ser aceita em estágios - julgamento, por vezes chamado de "O
os mortos em Cristo, depois nós os que Último Dia", foi mais mencionado por
estamos vivos, e então, após um breve nosso Senhor do que por todos os após-
intervalo, os mártires e fiéis do período tolos e suas obras juntas (veja Mt. 10:
da Tribulação. 15; 11:22,24; 12:36; Jo.5:28,29;
7-10. No final do Milênio, temos a 6:39·54; 11:24; Hb.9:27; 10:27).
inserção de um episódio estranho, cuja Em todas as passagens Cristo é iden-
fonte só pode ser de inspiração divina, tificado como o juiz (veja Atos 17: 31;
isto é, que Satanás será solto de sua Jo. 5: 22·27; 11 Tm. 4: 1; especialmente).
prisão, e sairá novamente a enganar O Bispo Gore falou em nome de toda a
as nações, reunindo-as para a guerra Igreja quando disse: "Parece-me que ca-
(vs. 7, 8) e um ataque contra o acam- da crente no Deus dos profetas, e de
pamento dos santos e a cidade querida nosso Senhor, deve crer com eles em
(v. 9). Isto provavelmente se refere â um Dia de Deus, que provocará o clí-
cidade terrestre de Jerusalém, embora max da presente dispensação da história
alguns a tenham feito se referir â Ci- humana" (Belief in Christ, pág. 149).
dade Santa, o que nos parece ser mais Da justiça feita ao crime, exercida
irracional. Scott tem uma opinião in- pelo Estado, milhares escapam todos
teressante a respeito: "Nenhuma men- os anos; na verdade, muitos crimes
ção se faz de como Cristo e o Seu povo nem chegam a ser conhecidos pelas
enfrentará esta última tentativa louca autoridades. Mas ninguém poderá es-
de Satanás. Tudo é silêncio no arraial capar a este julgamento. Os mortos
e na cidade. As nações apóstatas mar- serão chamados de suas sepulturas, e
charão para os braços da morte. Seu do mar, e do próprio Hades (v. 13);
julgamento é súbito, rápido, esmaga- e aqueles cujos nomes não foram en-
dor e final (op. cit., pág.388). Com contrados no Livro da Vida serão lan-

-441-
APOCALIPSE 20: 14-15 - 21: 1-2

çados no lago de fogo, que é a segunda bolos pode ser o simples fato de que não
morte (v. 14). O registro de cada vida há outro meio de criar em nossas mentes
humana nesta imensa assembléia será qualquer justo conceito de realidade"
então exibido. A própria morte, ao que (op. cit., pág. 369).
parece, não será abolida até que o Gran-
de Trono Branco seja estabelecido, e o A Origem e Natureza da Cidade. 21:
destino humano seja resolvido. Se cre- 1-8.
mos e aceitamos com alegria as promes- 1. Esta famosa descrição, igual à qual
sas da glória eterna que se encontram não se encontra em nenhuma outra li-
neste livro, temos também de crer com teratura do mundo antigo, começa com
igual convicção que este destino terrf- a declaração de João de que ele viu um
vel dos mortos não arrependidos é igual- novo céu, e uma nova terra. São duas
mente verdadeiro. (para um comentá- as palavras gregas traduzidas para novo
rio sobre toda a questão do juízo, veja no N.T., neos e a que foi usada aqui,
meu livro, Therefore Stand, na seção kainos, sugerindo "vida nova brotando
intitulada, "Um Justo Juízo por Vir", do velho mundo corrupto e destroça-
págs. 438-466). do" (Swete). Portanto, esta passagem
não ensina que os céus e a terra estão
A Santa Cidade. 21: 1 - 22: 5. sendo agora criados como da primeira
Chegamos agora à revelação final vez, mas que possuem um novo caráter.
que nos é dada nas Sagradas Escritu- (para outros usos da palavra veja Mt.
ras, um clímax glorioso para tudo quan- 27: 60; 11 Co. 5: 17, etc., e algumas
to Deus inspirou os homens a escreve- excelentes observações sobre estas duas
rem para a edificação do Seu povo palavras gregas em Synonyms of the
através dos séculos. Nesta passagem pas- New Testament, de R.C. Trench, págs,
samos do tempo para a eternidade. O 219-225).
pecado, a morte e todas as forças an- Quanto à declaração de que não exis-
tagônicas a Deus foram para sempre ani- tirá mais o mar, ninguém interpretou
quiladas. Muitos estudantes da Palavra esta afirmação de maneira mais sensa-
estão convencidos de que aquilo que ta do que o próprio Swete: "O mar
temos nesta última seção (não me re- pertencia à ordem do que já passou.
firo aqui ao epílogo) é uma descrição Desapareceu porque, na mente do es-
do lar eterno dos redimidos em Cristo. critor, está associado com idéias que
É provável que não se identifique com discordam com o caráter da Nova Cria-
o céu, mas certamente deve ser o que ção. Pois esse elemento de inquietação,
as Escrituras apontaram antecipadamen- esta causa frutífera de destruição e mor-
te - a Cidade de Deus, a Nova Jerusalém, te, este divisor de nações e igrejas, não
a Sião que é de cima. Ninguém deve teria mais lugar em um mundo de vida
ser dogmático aqui quanto ao que deve sem morte e paz ininterrupta".
ser interpretado simbolicamente e o que 2. Agora João descortina a cidade
deve ser aceito literalmente. Diferentes santa ... que descia do céu, da parte
mestres, com igual devoção à divina au- de Deus. Tal como a Jerusalém de anti-
toridade das Escrituras, têm diferentes gamente era chamada "a cidade santa",
opiniões quanto a hermenêutica desta a nova Jerusalém também foi assim de-
grande passagem. Até mesmo Lang, signada; só que desta vez a palavra des-
normalmente um literalista, insiste sobre creve realmente o verdadeiro caráter
o forte simbolismo da passagem e decla- da habitação dos redimidos. A santi-
ra que "o motivo do emprego dos sfrn- dade, grande atributo divino, tem sido

-442-

li ,I i I , I' .; ·1 I I
APOCALIPSE 21: 2-4

o alvo divinamente estipulado para o Que a Cidade Santa descia do céu


povo de Deus desde o princípio. É sigo parece implicar que não é idêntica ao
nificativo que nossa habitação eterna céu. Aqui há uma frase que tem sido
seja chamada de cidade, mesmo no V.T. desprezada com muita freqüência - ata-
(SI. 48: 1,8; Hb. 11: 16). viada como noiva adornada para o seu
C. Anderson Scott, em um notável esposo. Uma vez na vida a mulher tem
capítulo sobre este aspecto da habi- o direito de ser extravagante, uma vez
tação dos bem-aventurados, disse com ela se prepara com o máximo cuidado
acerto: "Uma cidade é em primeiro lu- e se veste tão elegante, linda e atraen-
gar a ambição e depois o desespero do temente quanto pode - no dia do seu
homem. .. Os homens se orgulham de casamento. Até as jovens que não são
uma cidade; chamam-se segundo o seu particularmente belas ouvem o que se
nome; esquecem-se no seu poder e es- diz delas, quando caminham pela nave
plendor, e contudo nas mãos dos ho- da igreja em direção do altar para a ce-
mens, a cidade se transforma em um rimônia nupcial: "Como está linda!"
monstro que devora seus filhos. Mal Assim como a noiva se enfeita para o
nos atrevemos a olhar para os montes seu marido, Deus vai adornar e embe-
dos despojos da humanidade desgasta- lezar esta cidade para os Seus amados.
da cuja riqueza tem sido extraída, para Todas as coisas lindas que Deus tem
a miséria e o vício em cima do qual a criado neste mundo - pôres-de-sol,
maior parte do seu conforto e esplendor montanhas, lagos, rosas, lindas árvores,
repousam. Todo o nosso esforço, legis- flocos de neve, nuvens e quedas de água!
lação, filantropia e religião, parecem Qual não será a cidade construída pelo
falhar lamentavelmente na tentativa de Arquiteto Divino! (Veja também Jo.
resolver os males inseparavelmente rela- 14: 2.) A cidade santa será a cidade
cionados com uma grande cidade. No en- onde nenhuma mentira será pronun-
tanto Deus prepara uma cidade para nós. ciada em centenas de milhares de anos,
O instinto de buscar uma vida em co- nenhuma palavra torpe será dita, nenhum
mum, de formar uma teia complicada negócio escuso não será nem sequer
de simpatia e dependência mútuas, que discutido, nenhuma figura imunda, ja-
uma cidade representa, é afinal uma coi- mais será vista, nenhuma espécie de
sa verídica, e a oportunidade de se corrupção jamais será manifestada. Se-
exercitar aquilo que é essencial tanto rá santa porque todos os seus habitantes
à verdadeira felicidade do homem quan- serão santos.
to ao pleno desenvolvimento dos seus 3,4. Como em muitas outras passa-
poderes. 'Não é bom que o homem gens do livro do Apocalipse, temos no
esteja só'; também não é bom que uma versículo 3 a consumação e conclusão
família esteja só, nem um grupo de fa- perfeitas do grande tema divino - taber-
mílias; e esta visão nos mostra 'um even- naculando entre os homens. A palavra
to divino no longínquo futuro' realizado grega que aqui foi traduzida para taber-
na vida corporativa da humanidade, a
náculo é mesma da tradução grega das
em uma sociedade tão grande que ne- passagens do V.T. descrevendo o Taber-
nhum dos filhos de Deus fica de fora, náculo, onde também somos informados
e no entanto tão compacta que poderia de que no Santo dos Santos Deus se en-
melhor ser descrita como a sociedade contraria com o Seu povo (Lv. 26: 11
daqueles que habitam em uma única cio e segs.). Esta é a palavra em sua forma
dade" (The Book of Revelation, págs. verbal que foi usada por João em sua
308.310). inicial descrição da Encarnação: "E o

-443 -
APOCALIPSE 21 : 4-21

Verbo se fez came, e habitou entre nós, cias. Lang chama a atenção para a frase,
e vimos a sua glória, como a glória do "sua parte", comentando que "o cora-
unigênito do Pai, cheio de graça e de ção pode desejar que a visão termine
verdade" (Jo. 1: 14). Desta vez o ta- nas radiosas alturas, mas, em vez disso,
bernáculo permanece; desta vez não ela mergulha nas profundezas".
haverá separação entre Deus e o Seu
povo, um fato que parece que vai ser Uma Descrição da Cidade Santa. 21:
imediatamente introduzido (Ap. 21 : 3). 9·23.
Aqui, também, está a certeza da elimi- 12-21. A Cidade tem doze portas,
nação dos cinco aspectos trágicos da com o nome de uma das doze tribos
vida humana: lágrimas, morte, pranto, de Israel em cada uma delas, sendo ca-
clamor e dor (v. 4). A Bfblia não nega da porta guardada por um anjo. A pa-
a realidade da dor e da morte, mas rede repousa sobre doze fundamentos,
nos dá a certeza de que virá o dia, pela o que parece indicar doze seções nos
graça de Deus, quando, para o crente, alicerces, e sobre cada uma delas o no-
essas coisas não existirão mais. me de um dos doze apóstolos. O com-
5. Alguns têm sugerido que neste primento, largura e altura da cidade é
versículo, pela primeira vez no Apoca- de doze mil estádios ou seja, cerca de
lipse, quem fala é o próprio Deus. Há 2.400 quilômetros. Isto pareceria, à
certamente grande significado no fato primeira vista, o formato de um cubo,
de que neste livro, mais do que em mas eu prefiro seguir a Simcox e muitos
todos os outros do N.I., a verdade do outros, crendo que a estrutura era pira-
que foi revelado aqui está sendo enfa- midal. A palavra traduzida para rua, pla-
tizada. "Deus autentica Sua própria téia, significa literalmente um lugar es-
declaração magnífica. Ele exige nossa paçoso; dessa palavra deriva a nossa pra-
atenção, e requer nossos corações e nos- ça. Os muros são feitos de jaspe, a cidade
sa aquiescência incondicional" (Walter é de ouro, as portas são pérolas, e os ali-
Scott, op. cit., pág.404). Fiel e Ver- cerces são doze pedras preciosas. (Para
dadeiro, além de caracterizar a Palavra um estudo da possível população de uma
escrita (e falada), também caracteriza cidade deste tamanho, veja o notável
a Palavra Encarnada (19:9; 21:5). ensaio de F.W. Boreham, Wisps os wild-
6,7. Novamente temos o título de fire, págs. 202·212).
Cristo, o Alfa e o Õmega, que são a pri- J.N. Darby raramente dizia que não
meira e a última letra do alfabeto grego, sabia o significado de uma passagem das
indicando que Cristo já era antes do Escrituras, mas em relação a estas pedras,
universo que foi criado por Ele, e será ele escreveu uma vez: "A diferença das
até o fim dos séculos, pois todas as coi- pedras contém detalhes que estão acima
sas se consumarão nEle. do meu conhecimento" (Collected Writ·
8. Chegamos agora a algo que real- ings, Volume V, pág. 154). "Se com-
mente não esperávamos encontrar na pararmos as cores das pedras dos alicer-
descrição da Cidade Santa, isto é, uma ces com as do arco-íris", diz Govett (op.
indicação das categorias de pecadores cit., in loco), "descobriremos, creio eu,
que não estarão ali, mas antes se encon- uma semelhança esquematizada, embora,
trarão no lago que arde com fogo e en- por causa da nossa ignorância em relação
xofre. São palavras terríveis. Se acei- às pedras preciosas, não possamos chegar
tamos com entusiasmo e ação de graças a nenhuma conclusão aproximada ou sa-
as promessas deste livro, temos tam- tisfatória. As pedras, então, com as suas
bém de crer em suas solenes advertên- cores, e os matizes do arco-íris, são os

-444-

li ,I I I ,
APOCALIPSE 21: 21-27

seguintes: 1. Jaspe, verde? ja não precisa mais ser buscada; é co-


amarelo? nhecida; é sentida, universal e impreg-
2. Safira, azul ce- nando tudo como a luz do dia" (C. An-
leste. derson Scott, op. cit., in loco). Nosso
3. Calcedônia, tal- texto não diz que não haverá solou luz
vez verde e azul. na eternidade, mas que não precisare-
4. Esmeralda, ver- mos da luz do sol e da lua, pois a pró-
o Arco-íris: de. pria glória de Deus vai iluminar a cidade.
1. Vermelho 5. Sárdio, verme- Assim como precisamos de uma vela
lha. de noite, mas não ao meio-dia, quando
2. Laranja 6. Sardônica, ver- o sol está brilhando, assim precisamos
melha e branca. do sol e da lua em nosso atual estado
3. Amarelo 7. Crisólito, amare- de existência, mas não precisaremos mais
lo. deles na presença de Deus, que é a ver-
4. Verde 8. Berilo, verde- dadeira luz.
-mar. Aqueles Que Entrarão na Cidade.
5. Azul 9. Topázio, amare- 21: 24·27.
lo. 24-26. O parágrafo que abrange estes
6. Roxo 10. Crisópraso, ver- três versículos é extremamente difícil
de-dourado. de interpretar. Quem são estas nações
7. Violeta (laca) 11. Jacinto, violeta. que andarão à luz da Cidade Santa, e
12. Ametista, roxa. quem são os reis da terra que trarão sua
glória para ela? Govett provavelmente
22,23. João prossegue dizendo que a está certo ao dizer: "Por 'reis da terra'
cidade não tem templo, e que é tão brio entendamos os reis das nações. Assim
lhantemente iluminada pela glória de como as nações foram agora transferi-
Deus que não tem necessidade da luz das para o novo mundo, também têm
do solou da lua, embora eles permane- reis. Subordinação à hierarquia é uma
çam brilhando. "Uma vez que os ho- parte do esquema permanente de Deus
mens aqui habitam sob as condições para a etemidade. Eles são chamados
da vida terrena, não podem passar sem de 'reis da terra' para distingui-los dos
templos, o lugar, a hora, os pensamentos reis da cidade. Pois há duas categorias
demarcados para Deus, o lugar onde de reis: aqueles que foram feitos reis
aprendemos o segredo da percepção de e sacerdotes diante de Deus mediante
Sua presença na vida, o tempo quando o sangue de Jesus, que ressuscitaram
reclamamos e proclamamos a comunhão dos mortos e habitam com Deus; e aque-
com Ele, os pensamentos que, com de- les que são homens na carne, e vivem
terminação, dirigimos para a manifes- entre as nações fora da metrópole. Os
tação do Seu amor em Cristo, e da Sua cidadãos são reis dos reis e 'reinarão
vontade no dever. Mas ali não haverá para todo o sempre' (22: 5). Os reis
templo; pelo simples motivo de que não das nações, então, sentindo a sua infe-
é necessário. Aquilo que agora precisa rioridade, e desejosos de comparecer
ser separado do mundo e reservado para à presença de Deus e Seus servos ressus-
Deus - sim, e mantido com determina- citados, trazem presentes".
ção e força de vontade contra as hostes 27. Aqui está uma das declarações
invasoras - expandiu-se ali até cobrir mais tranqüilizadoras , confortadoras e
todos os setores da experiência e ati- cheias de esperança de toda a Bíblia:
vidade humanas. A presença de Deus entrarão na cidade aqueles cujos nomes

-445 -
APOCALIPSE 21: 27 - 22: 1-10

estão inscritos no livro da vida do Cor- Seu nome estará em nossas testas (v. 4);
deiro. Dois fatores terríveis, inescapá- reinaremos com Ele para todo o sempre
veis, não permitem que homem algum (v. 5). Aqui estas promessas, como as
entre na Cidade Santa - o pecado e a que se encontram em Mt. 5: 8; I Jo. 3:
morte. É o Cordeiro de Deus que tira 2; I Co. 15:49, etc., tornar-se-ão a ex-
o pecado do mundo e é o Filho de Deus periência eterna dos crentes. Em outras
que nos dá a vida em vez da morte. Es- palavras teremos o caráter do Senhor,
tar inscrito no Livro da Vida do Cordei- serviremos o Senhor, reinaremos com
ro é estar redimido pelo Cordeiro de o Senhor, e nos regozijaremos satisfa-
Deus. zendo-nos eternamente com a visão de
O Estado de Bem-aventurança Predo- Sua gloriosa face. (Um dos exames
minante na Cidade Santa. 22: 1-5. É mais profundos e satisfatórios da Ci-
estranho que no capítulo 21 não haja dade Santa se encontra na obra de Go-
nenhum detalhe descritivo de fenôme- vett, págs. 549-610).
nos naturais, árvores, rios, etc., tais como Todos os gloriosos propósitos de
encontramos na descrição do paraíso Deus, ordenados desde a fundação do
original no Gênesis 2. Esses detalhes mundo, agora são atingidos. A rebe-
nos são apresentados agora, fazendo-nos lião dos anjos e da humanidade está
lembrar não só daquele capítulo, mas fmalmente subjugada, e o Rei dos reis
também de Ez. 47: 1-12. "O pecado assume a soberania a que tem direito.
expulsou o homem de um jardim. A Santidade absoluta e imutável carac-
graça leva o homem ao Paraíso eterno". teriza todo o universal Reino de Deus.
Aqui temos a beleza, vida em plena Os redimidos, assim transformados pelo
abundância, a soberania de Deus, saúde sangue do Cordeiro, estão na ressur-
para as nações da terra, ausência de to- reição e glória eterna. A vida está por
da maldição; nunca mais ... maldição toda a parte - e a morte não se intro-
(v. 3), sobre o homem ou sobre a terra meterá nunca mais. A terra e os céus,
onde ele vive ou na cidade de sua habi- ambos foram renovados. Luz, beleza,
tação, nem sobre qualquer relaciona- santidade, alegria, a presença de Deus,
mento que prevalece entre os homens a adoração a Deus, o serviço prestado
- Cristo removeu a maldição e todas a Cristo, a semelhança com Cristo -
as suas conseqüências. Aqui está tam- tudo agora são realidades permanen-
bém um quadro do culto prestado, a tes. O vocabulário do homem, adequa-
visão perfeita, que é ver a face de nosso do para esta vida, é incapaz de descrever
Senhor, e Seu nome gravado em nossas verdadeira e corretamente o que Deus
testas. Aqui estão mais dois cancela- preparou para aqueles que O amam.
mentos ou eliminações finais das coi- O Epílogo. 22: 6-20. Para os versí-
sas que perturbavam ou preocupavam culos finais do Apocalipse, não é ne-
o homem: a remoção de toda maldição, cessário dar uma interpretação extensa.
e a eliminação da noite para sempre. A maior parte destas declarações, co-
Não são, porém, os aspectos negativos mo o final de quase todas as epístolas
desta passagem que mais deleitam nossos do N.T., são exortativas.
corações, mas suas afirmações positivas. 6-10. A primeira declaração é quase
Aqui as bênçãos que Deus nos tem de- idêntica à declaração da abertura do
sejado através dos séculos e das quais Apocalipse (1: 1,2), exceto que lá foi
tem feito provisão, atingem um clímax mencionado um "servo", João, e aqui
da perfeição: no céu estaremos servindo são servos. "Os 'espíritos dos profetas'
o Senhor (v.3b); veremos o Seu rosto; são as faculdades naturais dos profetas,

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APOCALIPSE 22: 10-21
despertadas e avivadas pelo Espírito que a palavra igreja (ekklesia) apareceu
Santo" (Swete). Do mesmo modo no desde as cartas às sete igrejas. Então
versículo 7 somos levados de volta ai: 3. Ele atribui a Si mesmo um título duplo:
Esta ordem de guardar as palavras da pro- Ele é a raiz e a geração de Davi, confor-
fecia deste livro (veja 3: 8,16; 14: 12, me foi há muito profetizado pelos pro-
12: 17) enfatiza uma verdade que esta- fetas (ls.4:3; 11:1,2; 55:1-5; Amós
mos prontos demais a esquecer, isto é, 9: 11, 12); e Ele é a brilhante estrela
que as Escrituras proféticas têm impli- da manhã (cons. Ap. 2: 28). A estrela
cações éticas. Profecias e mandamentos da manhã precede o perfeito brilho da
estão aqui interligados. luz do sol.
11-15. No versículo 11 temos uma
verdade solene, às vezes chamada de 17. O convite triplo, tão cheio de
"permanência de caráter". Devo mais graça, é enunciado 1) pelo Espírito, 2)
uma vez, a esta altura, apresentar aos pela Esposa, e 3) pelos que ouviram.
meus leitores as concisas e solenes li- Segue-se uma designação dual especí-
nhas de Swete: "Além de ser verdade", fica daqueles a quem o convite foi par-
diz ele, "que as perturbações dos últi- ticularmente enviado - aqueles que
mos dias terão a tendência de fixar o têm sede (Jo. 7: 37) e aqueles que que-
caráter de cada indivíduo segundo os rem.
hábitos que ele já tenha formado, ha- 18,19. O livro, com exceção da sau-
verá um tempo em que uma mudança dação, termina com mais uma solene
será impossível - quando não haverá advertência contra o acrescentar ou ti-
mais oportunidade de arrependimento rar alguma coisa às palavras da profe-
de um lado ou de apostasia do outro". cia deste livro. Não conheço ninguém
A vinda de Cristo é o tema preemi- que tenha comentado isto de maneira
nente de ambos, o Prólogo e o Epílogo mais aceitável do que Lang: "A revela-
(1: 7; 22: 7,12,20). Com sem demora ção da verdade está completa, pois nada
(v. 12) não está se dizendo que o Segun- pode estar além do estado eterno. En-
do Advento ocorreria logo após João quanto na letra estrita, a ameaça desta
completasse a escrita deste livro. Antes, terrível advertência se aplica ao Apo-
significa que os acontecimentos da Se- calipse, visto no entanto, que esta por-
gunda Vinda acontecerão tão depressa, ção do Livro de Deus está enraizada
numa rápida sucessão, que alguns serão em, interligada com e é o final de toda
tomados de surpresa. O versículo 13 a Palavra de Deus, torna-se impossível
repete o título de Cristo (1: 11; 21: 6), falsificar este livro final, sem maltratar
que também é concedido a Deus (1: 8). o que Deus concedeu antes" (op. cit.,
As categorias relacionadas aqui, daqueles págs. 384, 385).
que terão barrada a entrada na Cidade 20,21. As três últimas palavras são
Santa, cada um apresentado com o ar- as 1) de Cristo: Certamente venho sem
tigo os são substancialmente as mesmas demora; 2) da Igreja: Amém. Vem,
de 21: 8. Estes versículos certamente Senhor Jesus; e 3)de João: A graça
não querem dizer que naquela ocasião do Senhor Jesus seja com todos. Em-
ainda haverá grupos de homens na terra bora esta fórmula de despedida seja se-
cometendo tais pecados. melhante ao que freqüentemente en-
16. Agora o próprio Cristo fala, pri- contramos na conclusão das epístolas
meiro simplesmente declarando que foi do N.T. (Rm. 16: 20, 24; I Co. 16: 23;
Ele quem deu origem às revelações que Ef.6:24; I1Tm.4:22; Hb.13:25; I
João registrou. Esta é a primeira vez Pe.5:12; etc.), nesta forma exata só

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se encontra aqui. Conforme esta dís- ríveis consequencias da rejeição da Pa-
pensação vai chegando ao fim, e nós lavra de Deus, estas três palavras finais
vemos que vai tomando posição, de tornam-se cada vez mais preciosas e ví-
maneira preliminar, algumas das ter- tais.

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