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CARTOGRAFIA

EPISTOLAR

Morgana B. G
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem
Universidade Federal do Mato Grosso

V Colóquio de Antropologia
Cuiabá- MT, 2023
Apresentaremos o percurso poético-conceitual da
Cartografia Epistolar como gênero literário, crítica de arte e
método de pesquisa.

Partiremos de uma leitura das Epístolas Profanas como


performances literárias e cênicas, traçando um diálogo
entre nossas experiências artísticas e acadêmicas, que
confluíram na Cartografia Epistolar como método de
pesquisa performativa.

Com esta pesquisa, desejamos colaborar para um debate


interdisciplinar entre processos criativos e epistemologias
contemporâneas, articulando conceitos da literatura, das
artes cênicas e dos estudos da performance.
Epístolas Profanas
cartas como gênero e crítica de arte

Em 2013, iniciamos uma performance literária


que consistia em escrever cartas destinadas a
leitoras, artistas, professoras, alunas,
pesquisadoras, testemunhas, colegas e amigas
interessadas, entre outras destinatárias reais e
fictícias, como cidades e entidades
personificadas, personagens artísticas e
conceituais.
Partindo de uma performance literária para uma

performance cênica, sentamos em uma cadeira,

vestidas com máscaras de bocas e convidamos

as transeuntes dos lugares em que atuamos a


testemunharem os nossos sussurros, de modo

que, frente a frente, performers e testemunhas,

estabelecemos um contato visual e sonoro,

mediado pelo áudio dessas cartas sussurradas.


Cartografia Epistolar
cartas como método da pesquisa performativa

A Cartografia Epistolar como método de pesquisa performativa


partiu de nossas experiências com as performances literárias e
cênicas das Epístolas Profanas, que passaram a nos trazer
algumas questões epistemológicas e metodológicas da pesquisa
em artes, na medida em que nos movimentávamos como artista e
pesquisadora.

Ensaio para uma escrita performativa – ensaio Cadernos GIPE-


CITE/UFBA

Epístolas Profanas: performance dos silêncios manifestos – tese


doutorado UFG/UNB
A cartografia epistolar como método da pesquisa
performativa é um processo teórico cuja
emergência prática traz algumas questões
específicas, além daquelas já reivindicadas pelas
abordagens construtivistas das pesquisas
qualitativas.

Pesquisadoras da performance artística


confluem para a necessidade de formas
específicas para as suas apreensões, quer em
termos de registros, métodos de pesquisas e
escrituras a respeito, devido as suas
características anti-representativas, donde uma
indissociabilidade prático-teórica.
Referências metodológicas

Pesquisa Performativa (Brad Haseman)

Prática Artística como Pesquisa (Ciane


Fernandes)

Trajeto Criativo (Sonia Rangel)

Cartografia (Rolnik, Escóssia, Kastrup,


Passos, Romagnoli, Baremblitt etc).
No ensaio rajeto Criativo, a artista, professora e
pesquisadora brasileira Sonia Rangel, afirma que “a
realização da obra artística deverá então fazer parte
construtiva do corpo da pesquisa e não apenas ser
considerada como anexo ao apêndice dela” (RANGEL,
2015, p. 22).

“Afirmo com meu trabalho ser possível realizar no âmbito da


universidade projetos poéticos, estimulando artistas a
traduzir seus pensamentos, a olhar com os próprios olhos e
encontrar seus caminhos metodológicos em diálogo com os
campos teóricos pertinentes a cada contingência e em
permanente transformação. Nesta perspectiva, compreender
e instaurar os pensamentos ‘das’ e ‘nas’ ações faz toda a
diferença” (Prefácio, RANGEL, 2015).
No Manifesto pela Pesquisa Performativa, o
professor australiano Brad Haseman propõe
uma alternativa aos paradigmas ortodoxos
das pesquisas qualitativas e quantitativas,
influenciado pela noção de performatividade,
do filósofo da linguagem britânico J. L.
Austin (1990) que, por sua vez, define os
atos de fala performativos como enunciados
que não apenas representam o que
nomeiam, mas os realizam em sua própria
enunciação e circunstâncias apropriadas.
Para Haseman, enquanto as pesquisas
qualitativas sobre as práticas a atestam como
um objeto de estudo, as pesquisas performativas
são guiadas através das práticas como método,
vindo à tona quando as pesquisadoras criam
novas formas artísticas para a sua exibição, não
necessariamente iniciadas a partir de questões,
problemas ou teorias fundamentadas mas,
antes, por um mergulho na prática, ou por algo
que só pode tornar-se possível conforme a
permissão de novas tecnologias ou redes.
Outra característica que Haseman aponta na
pesquisa performativa é a sua insistência em
um produto através da linguagem simbólica
e forma de sua prática, diferente das
palavras discursivas como dados
qualitativos, desafiando as formas
tradicionais de representação do
conhecimento, de modo que os interessados
nessas pesquisas também precisam
experimentá-las, de forma direta ou indireta.
Para Haseman, na pesquisa performativa, o
dado simbólico funcionaria
performativamente, não só expressando a
pesquisa como tornando-se a própria
pesquisa. “Quando os resultados da
pesquisa são apresentados como tais
enunciações, eles também encenam uma
ação e são mais apropriadamente chamados
de Pesquisa Performativa. Isto não é
pesquisa qualitativa: isso é ele próprio”
(HASEMAN, 2015).
No Brasil, a pesquisadora do movimento
Ciane Fernandes desenvolve a Abordagem
Somático Performativa, “metodologia da
Prática Artística como Pesquisa, que associa
a performatividade e a somática em
processos integrados de ensino e pesquisa
em criação em artes cênicas, mas que pode
ser aplicado a qualquer campo do
conhecimento” (FERNANDES, 2018, p.
119).
Fernandes esclarece que “o processo de
pesquisa não apenas inclui ou utiliza-se da
prática, mas baseia-se, descobre-se,
constrói-se e se estrutura a partir da prática,
especialmente de práticas somáticas e
performativas, compreendidas sob o viés da
Arte do Movimento” (FERNANDES, 2018, p.
119).
Fernandes reúne conceitos de pesquisa, influências
culturais e técnicas corporais variadas, apresentando
referências da performance artística e da pesquisa
performativa associadas a práticas da Educação
Somática (Thomas Hanna), como o Movimento
Autêntico (Mary Whitehouse), a Análise
Laban/Batenieff em Movimento, a técnica dos
Bartenieff Fundamentals, a dança-teatro (Pina
Bausch), a dança improvisação e a dança clássica
indiana, para a construção da sua abordagem
Somático-Performativa.
No livro Cartografia Sentimental, a pesquisadora brasileira
Suely Rolnik produz figuras a partir da sua experiência
como mulher que atravessa a contracultura no Brasil, a
ditadura militar, o exílio e o processo de redemocratização
do país, apresentando uma teoria conceitual sobre as
políticas de subjetivação, nos referidos contextos. “Pode-se
dizer que o texto é autobiográfico, desde que entendamos
por 'auto', aqui, não a individualidade de uma existência, a
do autor, mas a singularidade do modo como atravessam
seu corpo, as forças de um determinado contexto histórico”
(ROLNIK, 2011).
A cartografia a qual nos referimos, que
Rolnik desenvolveu ao seu modo, é um
dos princípios ou características
aproximativas do conceito de rizoma,
elaborado pelos pensadores pós-
estruturalistas franceses Deleuze &
Guattari, podendo ser compreendida
como um mapa a ser produzido a partir
de uma experimentação ancorada no
real.
O rizoma é um sistema a-centrado, com múltiplas entradas e
saídas, dotado de algumas características aproximativas: Princípio
de conexão e heterogeneidade (qualquer ponto do rizoma pode e
deve ser conectado a qualquer outro); Princípio de multiplicidade
(inexistência de uma unidade no sujeito ou no objeto); Princípio de
ruptura a-significante (um rizoma pode ser rompido e retomado
em qualquer lugar); Princípio de cartografia (do rizoma feito mapa
a ser produzido a partir de uma experimentação ancorada no
real).

“Um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas de


organizações de poder, ocorrências que rementem às artes, às
ciências, às lutas sociais (DELEUZE & GUATTARI, 2007, v. 1, p.
16).
Mulherio das Letras: correspondências

Pretendemos desenvolver algumas questões a


respeito da construção dos sujeitos femininos na
linguagem levantadas em nossa tese de doutorado,
em que propusemos uma escrita de cartas na primeira
pessoa do plural, na busca não apenas de uma voz
autoral, mas também coletiva, tendo em vista as
multiplicidades essenciais às identidades femininas,
bem como às heterogeneidades dessas vozes, dados
os diversos lugares de onde falam, na sociedade
brasileira, além da própria crise identitária dos sujeitos
pós-coloniais, marcados pelo silenciamento cultural.
A questão das identidades nas literaturas
produzidas por mulheres é enfatizada por
Schneider e outras críticas feministas, ainda que
em perspectivas pós-estruturalistas (Butler, 1998,
2010; Spivak, 2010), a partir do estatuto da
autoria que lhes fora, muitas vezes, roubada. “Há
por isso, nas vozes literárias femininas, esforços
no sentido de afirmação de uma de suas
identidades: a autoral”. (SANTIAGO 2012, p.
150). Além disso, Schneider pontua a
impossibilidade de se utilizar o singular ao
produzir o que se costuma chamar de críticas
literárias feministas.
Partindo dos feminismos plurais de
Schneider, bem como da necessidade de
nos inserirmos nas questões de gênero
sem pretender uma análise objetificada,
tal como fizera a androcêntrica (Branco,
2009; Santiago, 2012), seguimos na
busca do “nós”, para além de uma
formalidade discursiva ou de uma
universalidade abstrata.
Propomos um exercício dessas nossas
vozes escritas, tomando como nossas
algumas correspondências epistolares
que buscaremos estabelecer com
escritoras dos coletivos brasileiros
Mulherio das Letras, durante o
desenvolvimento da pesquisa.
O Mulherio das Letras é um coletivo
autônomo de mulheres escritoras, que surgiu
em 2017, no Nordeste brasileiro, com o
objetivo de dar visibilidade às literaturas
femininas contemporâneas, homenageando
suas precursoras.

O primeiro encontro nacional Mulherio das


Letras aconteceu em João Pessoa-PB, tendo
como uma das idealizadoras Maria Valéria
Rezende, contando com a presença de mais
de 500 outras escritoras, artistas e
intelectuais do país.
Atualmente, o Mulherio das Letras nacional
conta com cerca de 7,5 mil participantes,
além de escritoras lusófonas em países como
Estados Unidos, Portugal e Alemanha, entre
outros. O coletivo se descentralizou com
representações nos estados brasileiros, além
da criação do Mulherio das Letras Pretas e
Mulherio das Letras Indígenas, que marcam o
debate interseccional das críticas literárias
feministas, na contemporaneidade.
Os coletivos Mulherio das Letras se
articulam através de grupos virtuais cujas
discussões debatem questões como
representações nas literaturas de
mulheres, mercado editorial, feminismos,
intersecções entre literatura, raça, gênero
e sexualidade, dentre outros temas,
organizando encontros nacionais e
internacionais, demais eventos literários e
lançamentos de coletâneas.
Objetivo geral

Produzir uma leitura crítica sobre a


construção dos sujeitos femininos na
linguagem, estabelecendo uma relação entre
o silenciamento cultural das mulheres e suas
manifestações literárias, a partir das
produções de escritoras dos coletivos
Mulherio das Letras.
Objetivos específicos

Contextualizar o processo de formação dos


coletivos brasileiros Mulherio das Letras.

Produzir uma uma troca de cartas com escritoras


desses coletivos, tratando das questões
emergentes em suas literaturas.

Compor uma Cartografia Epistolar, a partir das


experiências prático-teóricas da pesquisa, para
publicações e apresentações acadêmicas.
Mulherio das Letras Brasília (Feira Literária de
Pirenópolis, 2019)
Mulherio das Letras Portugal (Infinita Lisboa, 2020)
Mulherio das Letras Bahia (Tabuleiro de poesia, 2021)
Mulherio das Letras MT (Maria Taquara, 2023)
Mulherio das Letras Indígenas (Maria Bonita, 2021;
Guerreiras da Ancestralidade, 2022)
VI Encontro Nacional Mulherio das Letras (Rio de
Janeiro, Novembro, 2023)
REFERÊNCIAS

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