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Liberdade

e vida social

e Sociais Aplicadas
Ciências Humanas
Leandro Gomes / Natália Salan Marpica
Priscila Manfrinati / Sabina Maura Silva

Ciências Humanas
e Sociais Aplicadas MANUAL DO

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Liberdade e vida social

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Leandro Gomes / Natália Salan Marpica
Priscila Manfrinati / Sabina Maura Silva

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ÃO

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M

ISBN 978-85-10-08381-2

TCHT1_capa_LM_pnld_21_O2_divulgacao.indd 1 20/04/21 11:20


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
Liberdade e
vida social
Ciências Humanas
e Sociais Aplicadas

Leandro Gomes
Bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP).
Foi professor e coordenador em cursinhos populares e assessor pedagógico
especialista.

Natália Salan Marpica


Doutora em Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP).
Mestra em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Professora de Sociologia no Instituto Federal de São Paulo (IFSP).

Priscila Manfrinati
Mestra em Ciências, área de concentração Humanidades, Direitos e Outras
Legitimidades pela Universidade de São Paulo (USP).
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Bacharel em História pela Universidade de São Paulo (USP).
Foi professora de História em cursos pré-vestibulares.
DA EDITORA DO BRASIL
Sabina Maura Silva
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mestra e licenciada em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Docente do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação
em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de
Minas Gerais (Cefet-MG).

1a edição
São Paulo, 2020
© Editora do Brasil S.A., 2020 Concepção, desenvolvimento e produção:
Todos os direitos reservados Triolet Editorial & Publicações
Direção executiva: Angélica Pizzutto Pozzani
Direção geral: Vicente Tortamano Avanso Coordenação editorial: Denise Pizzutto
Edição de texto: Guilherme Gaspar, Thais Ogassawara,
Direção editorial: Felipe Ramos Poletti Frank de Oliveira, Olívia Pavani Naveira
Gerência editorial: Erika Caldin Elaboração de conteúdo: Adriano Rogério Mastroléa, Ana Maria
Supervisão de arte: Andrea Melo Macarini, Ângelo Costa dos Santos, André Castilho Pinto, Bianca
Supervisão de editoração: Abdonildo José de Lima Santos Briguglio, Bianca Zucchi, Charles Ireno dos Santos, Fabiana Machado
Supervisão de revisão: Dora Helena Feres Leal, Júlia Bittencourt, Larissa Soares de Araujo, Marcelo Vasconcelos,
Supervisão de iconografia: Léo Burgos Paulo Victor de Figueredo Nogueira, Renata Cristina Pereira, Simone
Affonso da Silva, Tatiana Martins Venancio, Thaís Fucilli Chassot
Supervisão de digital: Ethel Shuña Queiroz
Preparação e revisão de texto: Alexander Barutti, Ana Paula
Supervisão de controle de processos editoriais: Roseli Said
Chabaribery, Arali Gomes, Brenda Moraes, Daniela Pita, Erika Finati,
Supervisão de direitos autorais: Marilisa Bertolone Mendes Glória Cunha, Helaine Albuquerque, Janaína Mello, Lara Milani,
Licenciamentos de textos: Cinthya Utiyama, Jennifer Xavier, Paula Malvina Tomaz, Marcia Leme, Miriam Santos, Patrícia Cordeiro,
Tozaki e Renata Garbellini Renata Tavares, Simone Soares
Controle de processos editoriais: Bruna Alves, Carlos Nunes, Assistência editorial: Carmen Lucia Ferrari, Gabriela Wilde, Janaína Felix
Rita Poliane, Terezinha de Fátima Oliveira e Valéria Alves Coordenação de arte e produção: Daniela Fogaça Salvador
Edição de arte: Ana Onofri, Christof Gunkel, Julia Nakano, Suzana Massini
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Assistente de arte: Lucas Boniceli
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Projeto gráfico (miolo e capa): Caronte Design
Ilustrações: All Maps, Daniel das Neves
Conexão mundo : ciências humanas e sociais Iconografia: Daniela Baraúna, Pamela Rosa
aplicadas : liberdade e vida social / Leandro Imagem de capa: Lionel Bonaventure/AFP
Gomes... [et al]. -- 1. ed. -- São Paulo :
Editora do Brasil, 2020. -- (Conexão mundo)

Outros autores: Natália Salan Marpica, Priscila


Manfrinati, Sabina Maura Silva
ISBN 978-85-10-08380-5 (aluno)
ISBN 978-85-10-08381-2 (professor)

1. Ciências humanas (Ensino médio) 2. Ciências


sociais (Ensino médio) I. Gomes, Leandro.
II. Marpica, Natália Salan. III. Manfrinati,
Priscila. IV. Silva, Sabina Maura. V. Série.

20-41410 CDD-373.19

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Índice para catálogo sistemático:
DA EDITORA DO BRASIL
1. Ensino integrado : Livro-texto : Ensino médio
373.19
Cibele Maria Dias – Bibliotecária – CRB-8/9427

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei n. 9.610,


de 19 de fevereiro de 1998.
Todos os direitos reservados

1a edição / 2020

Rua Conselheiro Nébias, 887


São Paulo, SP – CEP 01203-001
Fone: +55 11 3226-0211
www.editoradobrasil.com.br
Apresentação

Caro estudante,

Vivemos em uma sociedade múltipla. Uma sociedade formada pela


multiplicidade de identidades, pensamentos e vivências. Em diversos
aspectos, como nas formas de comunicação e no mundo do trabalho, essa
sociedade é transformada por tecnologias digitais que nos impõem novos
desafios todos os dias. Ao ingressar no Ensino Médio, rumo à fase final dos
seus estudos na Educação Básica, é natural que você se questione sobre seu
papel e seus planos para o futuro nessa sociedade em constante transformação.
Pensando nisso, elaboramos uma obra que auxilie você e seus colegas
não a decorar conceitos e acumular conteúdos, mas a desenvolver atitudes,
valores, habilidades e competências que os preparem para agir neste mundo
tão dinâmico e diverso. Nosso objetivo é estimulá-lo a aplicar seus
conhecimentos com confiança, autonomia e, também, responsabilidade. Ao
compreender que você é o protagonista da sua própria história, o sujeito que
pode e deve empregar as competências adquiridas para construir o seu próprio
projeto de vida, esperamos levá-lo a se reconhecer como agente de
transformação habilitado a fazer boas escolhas e tomar decisões capazes de
transformar sua realidade presente e futura.
Neste percurso, o diálogo multidisciplinar será nosso guia, fornecendo
diferentes ferramentas conceituais e metodológicas para a apreensão do
mundo social em suas diferentes dimensões. Você perceberá que diferentes
temas contemporâneos serão problematizados por meio de práticas de
pesquisa que têm o objetivo de debater, analisar e solucionar problemas e
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
questões presentes no cotidiano, seja no âmbito individual, seja no coletivo.
DA EDITORA DO BRASIL
E como não poderia deixar de ser, você verá que a pluralidade de ideias é
um valor fundamental para esta coleção. Diferentes propostas de vivências
e atividades levarão você a se conectar com os múltiplos pensamentos e
conceitos que fazem parte de qualquer debate científico e também com
distintas realidade e culturas, valorizando diferentes formas de produzir
conhecimento.
Esperamos, assim, que você aproveite ao máximo este livro. Desejamos
que seu percurso com ele seja produtivo e que nossa proposta contribua para
que você se conecte com o mundo, tornando-se um cidadão consciente, ético,
respeitoso e participativo na construção de uma sociedade mais justa,
democrática e igualitária.
Bons estudos!
Conheça seu livro
Mapa do
aprendizado
Um conjunto abrangente de conteúdos multimodais, imagens, atividades,
Temas Contemporâneos Transversais trabalhados
• Ciência e tecnologia • Educação ambiental
• Diversidade cultural • Educação em direitos humanos

boxes e seções especiais mobiliza habilidades e competências,


Para começar o percurso de aprendizagem com este livro, leia quais são os objetivos
UNIDADE 2 uma das unidades do volume, assim como suas respectivas justificativas. Conheça
de cada
também as competências, as habilidades e os Temas Contemporâneos Transversais que
OBJETIVO
serão mobilizados ao longo do percurso.
O objetivo da unidade é refletir sobre a noção do “outro” de acordo com diferentes matrizes conceituais
do pensamento ocidental e discutir quais foram os cerceamentos de liberdade impostos a distintos grupos
sociais emUNIDADE 1
razão de concepções etnocêntricas, evolucionistas e racistas. Com isso, alinhado à BNCC, preten-

desenvolvendo aprendizagens relacionadas a diferentes categorias da área


de-se identificar,
OBJETIVOanalisar, contextualizar e criticar essas matrizes conceituais, assim como avaliar as conse-
quências da propagação de pensamentos dicotômicos. Os conceitos de cultura e de patrimônio cultural
O objetivo da unidade é analisar o conceito de liberdade individual em diferentes con-
também são abordados, com o objetivo de promover a discussão sobre a análise dos vestígios (materiais ou
textos históricos, territoriais, políticos, sociais, econômicos e culturais. Assim, você poderá
imateriais) de diferentes sociedades.
entender de que maneira esse conceito foi compreendido por diferentes escolas de pen-
samento, como influenciou a mentalidade ocidental, principalmente durante a Idade
JUSTIFICATIVAS

de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, integrada pelos componentes


Moderna e na contemporaneidade, e de que modo se manifesta no mundo globalizado,
De acordo com a BNCC,
sobretudo a discussão
em relação dos contextos
aos migrantes e aos erefugiados.
das ideias Será
que foram
tambémfavoráveis aoadesenvolvimento
discutida impor-
de matrizes conceituais
tância dicotômicas,
da liberdade como civilização/barbárie
de pensamento e nomadismo/sedentarismo,
para o desenvolvimento das ciências. são fundamen-
tais para identificar o seu caráter redutor da realidade. Com base nessa discussão, você vai entender como o
etnocentrismo, o evolucionismo e o racismo foram construídos e de que maneira afetam a realidade; construir
JUSTIFICATIVAS
argumentações que promovam os direitos humanos e o respeito ao outro; valorizar distintos saberes e vivên-
A proposta da unidade permite que você identifique, analise e compare diferentes nar-
cias culturais por meio do trabalho com o conceito de patrimônio cultural, compreendendo-se como parte

curriculares Filosofia, História, Sociologia e Geografia.


rativas e fontes, por meio do trabalho com linguagens gráficas e iconográficas (fotografias,
dessa diversidade humana.
obras de arte etc.), para compreender o desenvolvimento de distintos processos históricos
A BASE eNACIONAL
geográficos, assim
COMUM comoCURRICULAR
debater ideias e conceitos
NESTA filosóficos
UNIDADE e sociológicos. Também
amplia sua capacidade de sistematização de informações de diversos tipos para a com-
Competênciaspreensãogerais
dos processos sociais, econômicos, políticos, culturais e epistemológicos que
influenciaram as múltiplas construções da concepção de liberdade individual.
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e
digital A
para entender
BASE e explicar a
NACIONAL realidade, CURRICULAR
COMUM continuar aprendendoNESTAe colaborar
UNIDADEpara a construção de uma
sociedade justa, democrática e inclusiva.
Competências
6. Valorizar a diversidade degeraissaberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências
Valorizar e utilizar
que lhe1.possibilitem entender os as
conhecimentos historicamente
relações próprias do mundoconstruídos
do trabalhosobre o mundo
e fazer escolhasfísico,
alinhadas ao
exercício dasocial, cultural
cidadania e digital
e ao para entender
seu projeto e explicar
de vida, com a realidade,
liberdade, continuar
autonomia, aprendendo
consciência críticaee respon-
sabilidade.colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
3. Valorizar
7. Argumentar com base e fruir
em as diversas
fatos, dadosmanifestações
e informaçõesartísticas
confiáveis,e culturais, das locais
para formular, às mundiais,
negociar e defender ideias,
e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência
6. Valorizar
socioambiental e oaconsumo
diversidade de saberesem
responsável e vivências culturais
âmbito local, e apropriar-se
regional e global, de
comconhecimentos
posicionamento ético
e experiências que lhe possibilitem entender
em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. as relações próprias do mundo do
trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida,
8. Conhecer-se,comapreciar-se
liberdade, e cuidar de consciência
autonomia, sua saúde física
críticaeeemocional, compreendendo-se na diversidade
responsabilidade.

Linguagem gráfica atraente, com seleção de textos e


humana 7. e Argumentar
reconhecendo com suas emoções
base e as
em fatos, dos outros,
dados com autocrítica
e informações e capacidade
confiáveis, paranego-
para formular, lidar com elas.
9. Exercitar a ciar
empatia, o diálogo,
e defender a resolução
ideias, pontos dedevista
conflitos e a cooperação,
e decisões comuns que fazendo-se
respeitemrespeitar e promovendo
e promovam
o respeito os
aodireitos
outro e humanos, a consciência
aos direitos humanos, comsocioambiental
acolhimento e oeconsumo
valorizaçãoresponsável em âmbito
da diversidade de indivíduos
e de gruposlocal, regional
sociais, seusesaberes,
global, com posicionamento
identidades, culturasético em relação ao cuidado
e potencialidades, de si mesmo,
sem preconceitos de qualquer

imagens em diálogo com a realidade das culturas


natureza. dos outros e do planeta.
9. Exercitar
10. Agir pessoal a empatia,
e coletivamente como diálogo, a resolução
autonomia, de conflitos
responsabilidade, e a cooperação,
flexibilidade, fazendo-se
resiliência e determinação,
respeitarcom
tomando decisões e promovendo o respeitoéticos,
base em princípios ao outro e aos direitos
democráticos, humanos,sustentáveis
inclusivos, com acolhimento
e solidários.
e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identi-
Competências dades, culturas e potencialidades,
específicas e habilidades sem
das preconceitos
Ciências de qualquer natureza.
Humanas e Sociais Aplicadas

juvenis. Baseada em Sticker Art, modalidade de arte


10. Agir
Competência pessoal 1
específica e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência
e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos,
EM13CHS102inclusivos,
EM13CHS104 EM13CHS105
sustentáveis EM13CHS106
e solidários.

urbana que utiliza etiquetas adesivas.


Competências específicas e habilidades das Ciências Humanas
Temas Contemporâneos Transversais trabalhados
e Sociais Aplicadas
• Diversidade cultural • Educação para a valorização do multiculturalismo
Competência específica 1 – Analisar processos políticos, econômicos,
nas matrizes sociais,
históricas ambientais
e culturais e
brasileiras
• Educação em direitos
culturais humanos
nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da
pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a com-
Não escreva no livro.
preender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de
Não escreva no livro. 9
vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.
EM13CHS101 EM13CHS103 EM13CHS106

8 Não escreva no livro. Não escreva no livro.

MAPA DO APRENDIZADO
É apresentado um panorama do
que se pretende atingir com o
INTRODUÇÃO
estudo de cada unidade: o

Grupo Poro
Momento de valorização de INTRODUÇÃO objetivo que se quer alcançar e
conhecimentos prévios. as justificativas para o trabalho
Promove a participação coletiva proposto, além das
da turma, visando à ampliação O que é liberdade? Quais são seus limites? Quem é livre?
Esses são questionamentos que podem ter as mais diversas competências gerais e
de seu repertório de
respostas, pois o conceito de liberdade se transforma em dife-
rentes tempos e espaços.
A palavra liberdade originou-se do termo grego eleutheria específicas, das habilidades e
experiências e o trabalho com que significava “o poder de se movimentar sem limitações e
coações”. Portanto, inicialmente, os gregos antigos enten-
diam a liberdade como algo físico e relativo à consciência e dos Temas Contemporâneos
uma manifestação artística que ao espírito.
Veja a imagem da intervenção urbana Desenhando no vento,
Transversais (TCTs) abordados.
se relaciona ao tema debatido.
realizada pelo grupo mineiro Poro, em 2005. Nela, tiras de
papel foram arremessadas de partes altas da cidade de Belo
Horizonte, em Minas Gerais. Dessa maneira, as fitas ganha-
vam formas variadas de acordo com o movimento do vento.
Estariam as fitas, portanto, se movimentando livremente? Ou
existiria uma coação do vento sobre elas?
Para refletir sobre perguntas como essas e também para
compreender o que a liberdade pode significar em contextos
distintos, é necessário investigar indivíduos, culturas, institui-
ções políticas e sistemas socioeconômicos variados. Também
é preciso realizar uma reflexão sobre os cerceamentos impos-
tos a algumas liberdades.
Essas discussões serão aprofundadas ao longo deste livro.

Começo de conversa favorece o


Ao final, você e os colegas poderão aplicar seus conhecimen-
tos em um projeto de pesquisa.
Mas, para iniciar o processo de investigação, discutam em

diálogo aberto e coletivo, sala de aula os questionamentos a seguir.

A imagem inicial traz uma


trabalhando a oralidade e a Começo de conversa
manifestação artística que se
participação ativa no debate ao 1. Para você, o que é ser livre? Você conside- 3. Você acredita que todas as pessoas pos-

relaciona ao tema principal,


Intervenção urbana Desenhando
ra a si mesmo e seus colegas livres? Por suem oportunidades iguais para desfrutar no vento, do grupo Poro. Belo

relacionar o tema do livro com


quê? da liberdade? Explique. Horizonte, MG, 2005.

estabelecendo novas
2. A liberdade que você exerce individual- 4. A imagem da intervenção do grupo Poro re-
mente é a mesma de quando está em gru- mete você à noção de liberdade? Quais ima-

vivências cotidianas. po? Justifique sua resposta. gens e/ou ideias podem ser relacionadas com

relações para apoiar o debate


a concepção de ser livre? Comente.

12 Não escreva no livro. Não escreva no livro. 13

e a reflexão.

UNIDADES
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Apresenta conceitos e definições
DA EDITORA
Textos, imagens, boxes, atividades DO que
e seções especiais BRASIL
mobilizam habilidades e
importantes para o entendimento
competências para que sejam desenvolvidas aprendizagens relacionadas a diferentes
de contextos de aplicação do
conteúdos da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
conhecimento.

3
UNIDADE
Liberdade e participação OUTRO PONTO DE VISTA Em resposta à omissão das mulheres
desses documentos, a dramaturga fran-
política Para os iluministas, a liberdade se desdobra em dois conceitos, ao contrário do que se obser-
Marcha do Orgulho Crespo
cesa Olympe de Gouges (1748-1793)
escreveu a Declaração dos Direitos da
A visão etnocêntrica europeia estabeleceu um padrão de beleza para o mundo. Esse padrão valorizava o cabelo
vava na Antiguidade. Uma das formulações iluministas afirma que a liberdade se relaciona à Mulher e da Cidadã, em 1791, em que
liso em detrimento do cabelo crespo ou cacheado. Na contemporaneidade, esse padrão ainda tem adeptos. Por isso,
humanidade natural de cada indivíduo e é puramente filosófica. A outra se refere à vida em reivindicava a garantia, às mulheres, dos
movimentos e ações como a Macha do empoderamento crespo visam descontruir essa concepção, isto é, mostrar
comum dos indivíduos e à forma política que a liberdade deve assumir para o bem de cada um. que não existe superioridade entre tipos de cabelo e identidades culturais, e celebrar a diversidade de corpos, ros- mesmos direitos dos homens, como a
Esses dois conceitos se conectam, e o segundo, principalmente, deve ser de algum modo tos, costumes, crenças etc. propriedade, a resistência à opressão,
POLÍTICA E LIBERALISMO pensado em função do primeiro. Essa corrente de pensamento, que tem a liberdade dos “Eu, mulher negra, resisto” foi um dos gritos que
a segurança e a liberdade. Já a filósofa
seres humanos como seu assunto principal, ficou conhecida como liberalismo. ecoaram pelas ruas de São Paulo [...] durante a inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797),
Do Renascimento às três primeiras décadas do século XIX, foi elaborado um modo moderno
Archive Pics/Alamy/Fotoarena

O liberalismo tem por objeto central as questões e os elementos que delimitam a liber- 3a Marcha do Orgulho Crespo [em 2017]. em sua obra Reinvindicação dos direitos
de pensar e de viver em sociedade. Entre os componentes próprios da modernidade estão a da mulher, comentava que a dependên-
dade no contexto da vida social e de suas expressões políticas e jurídicas. Parte, portanto, O movimento independente debate, entre outros
definição da individualidade humana como natural, a compreensão da liberdade como algo cia financeira e a impossibilidade de
da definição de liberdade política como aquela referente às relações que o indivíduo tem temas, a cultura afro e a representatividade negra,
inato e o entendimento da razão como elemento da natureza humana. Com base nessas for- estendendo-se pelas madeixas crespas e cacheadas, acesso à educação eram os fatores que
com seus semelhantes. Essas relações são reguladas e determinadas por leis jurídicas e
mulações, os pensadores do período acreditavam que a vida social e sua organização política pelos traços e a cor da pele presentes em pelo me- levavam a uma situação de submissão
morais e pelos costumes da comunidade. Assim, a principal questão do liberalismo é refletir Sufragistas reivindicando o direito de votar. Londres, Reino Unido, c. 1912.
no Estado deviam ser pautadas pela natureza inata dos indivíduos – seres livres e dotados nos 54% da população brasileira. [...] da mulher em relação ao homem.
sobre como é possível realizar, ou ao menos conciliar racionalmente, a liberdade de cada um
de faculdades racionais e de um impulso natural à felicidade. Criado em julho de 2015 pelo projeto Hot Pente e
diante das ações e demandas impostas pela vida social. No século XIX, o movimento sufragista deu continuidade à luta feminina
Coleção particular. Fotografia: Granger/Fotoarena

Como foi estudado na Unidade 1, esse processo de transformações sociais e sua pelo Blog das Cabeludas – Crespas e Cacheadas,
No terreno do liberalismo político iluminista, chegaram a ser desenvolvi- o movimento nacional de valorização da estética por cidadania política, reivindicando o direito ao voto e à eleição de mulhe-
expressão no pensamento chegou ao ápice no século XVIII, com o Iluminismo. Durante das duas formas de pensar a liberdade, as quais foram herdadas por autores afro-brasileira reúne pessoas em oito estados brasi- res para cargos públicos. Chegar ao reconhecimento legal desse direito
Walmor Carvalho/Fotoarena

esse período, diversas correntes filosóficas se basearam em duas premissas principais: que ainda hoje discutem temas relativos aos conceitos de liberdade e Estado. leiros e, segundo os próprios [organizadores], “ex- exigiu intensos movimentos de reivindicação, em que as sufragistas, em
existe apenas o que é natural, e a razão humana é uma potência dada naturalmente a A primeira dessas concepções é uma definição negativa de liberdade. Ela- pande suas origens para o debate racial, com o vários lugares do mundo, tiveram de enfrentar resistências de várias ordens,
todos os indivíduos. borada com base no pensamento de John Locke (1632-1704), ela busca intuito de transcender o campo da beleza e eviden-
inclusive violência policial. Somente no começo do século XX esse direito
Certamente, os autores iluministas buscaram compreender o novo contexto da vida humana ciar o cabelo crespo/cacheado como símbolo de re-
garantir o aumento da liberdade de cada pessoa limitando quanto o Estado foi conquistado pela primeira vez, em 1928, no Reino Unido.
sistência aos padrões historicamente difundidos e A rapper e compositora Karol Conka (1987-) na Primeira
de forma distinta do que faziam os pensadores da Antiguidade e da Idade Média. Suas ideias pode avançar ao definir leis. O objetivo é garantir que as leis deixem aos indi-
de afirmação de identidade e autoestima, especial- Marcha do Orgulho Crespo. São Paulo, SP, 2015. A entrada das mulheres no mercado de trabalho, de acordo com Engels,
afirmavam a liberdade das pessoas, concebidas simultaneamente como indivíduos diferen- víduos um espaço amplo, para que decidam por si mesmos os rumos de sua mente de mulheres negras”. [...] foi uma forma contraditória de libertação feminina: a mulher teria se livrado
tes e como membros de uma sociedade. De acordo com esses pensadores, regras, normas, vida e suas atividades. Desse modo, as leis criadas não podem delimitar as Sobre o racismo em si, [a influenciadora digital Beatrice Oliveira afirma] “Para nós, como coletivo, temos a visão do domínio patriarcal familiar e se submetido à dominação econômica bur-
leis e maneiras de organizar as relações e o poder do Estado deveriam ser pautadas pela escolhas individuais, a não ser de maneira geral e em número muito pequeno. do racismo ser educacional. A gente gosta de tratá-lo com educação, sem discurso de ódio. Estamos aqui para ensi- guesa. Dentro dos próprios movimentos trabalhistas, a desigualdade entre
racionalidade. Assim, a liberdade negativa quer estender ao máximo possível o âmbito das nar. Se a gente vai com “pé no peito”, não há mudança. Quando você mostra, explica, ensina, pelo menos sob a nos- homens e mulheres podia ser observada. A diferença dos salários pagos às
decisões privadas. Alguns de seus principais formuladores foram, além de sa experiência com nossos vídeos, de fala racista, de comportamento racista, a pessoa reconhece certas atitudes
mulheres e crianças, muito mais baixos em comparação aos pagos a homens
Castelo de Malmaison, Rueil-Malmaison

Locke, Montesquieu (1689-1755), Adam Smith (1723-1790) e Benjamin e se transforma.” [...]


Robert Graves. Adam Smith, adultos, levou a intensos embates entre homens e mulheres da classe dos
Constant (1767-1830). NUNES, Brunella. Quem são e o que pensam as mulheres da 3a Marcha do Orgulho
séc. XIX. Gravura. Crespo de São Paulo. Razões para acreditar, 8 ago. 2017. Disponível em: https://razoesparaacreditar.com/
assalariados. A inserção da força de trabalho feminina foi vista pelos traba-
mulheres-marcha-orgulho-crespo. Acesso em: 16 maio 2020. lhadores homens como uma ameaça a seus empregos.
1. A desconstrução de uma concepção social exige a investigação do desenvolvimento histórico, filosófico, geo- O feminismo se organizou para combater a desigualdade entre homens
Bem comum gráfico e sociológico de discursos. Em grupo, busquem desconstruir uma concepção social por meio de um O que é patriarcado? e mulheres. Trata-se de um conjunto de movimentos filosóficos, sociais,
Em sua obra Dois tratados sobre o governo, John Locke discute quais seriam os limites do poder do Estado diante podcast. Para isso, sigam o procedimento. Patriarcado é a organização políticos e ideológicos que buscam a igualdade entre os gêneros por meio
das liberdades individuais e do bem comum. • Escolham uma concepção social que desejam desconstruir, podendo ser relativa a expressões cultu- social em que os homens têm da extinção ou reorganização das instituições e dos comportamentos que
domínio sobre diferentes sustentam o patriarcado. Na cena social, o feminismo se expressou tam-
Contudo, embora quando entrem em sociedade os homens entreguem a igualdade, a liberdade e o poder executivo rais, padrões de beleza, organizações sociais, expectativas de gênero etc. Após fazer a escolha, pes-
esferas da sociedade,
que possuíam no estado de natureza nas mãos da sociedade, para que deles disponha o legislativo segundo o exija o quisem e reflitam sobre estes itens: subjugando a liberdade de bém pelo reconhecimento e pelo incentivo da produção intelectual das
bem da sociedade, contudo, como cada qual o faz apenas com a intenção de melhor conservar a si mesmo, a sua liber- outros grupos. mulheres na Filosofia, nas Ciências e nas Artes.
dade e propriedade – pois não se pode supor que uma criatura racional mude propositadamente sua condição para
– contexto histórico da criação da concepção, com a discussão sobre as teorias que a embasaram;
pior –, o poder da sociedade ou o legislativo por esta constituído jamais pode supor-se estenda-se para além do bem comum. – grupos e movimentos sociais que se opuseram e resistiram a essa concepção; Além dos trabalhadores e das mulheres, também os negros tiveram de
Ao contrário, ele é obrigado a assegurar a propriedade de cada um [...]. Assim, todo aquele que detenha o poder legis- – teóricos e teorias que desconstroem essa concepção; lutar contra as desigualdades e por direitos sociais e políticos. Os africanos
lativo, ou supremo, de qualquer sociedade política está obrigado a governá-la segundo as leis vigentes promulgadas – depoimentos de pessoas que tiveram a vida afetadas por essa concepção e como conseguiram lidar com ela. escravizados sempre procuraram resistir ao sistema escravocrata instau-
pelo povo, e de conhecimento deste, e não por meio de decretos extemporâneos; por juízes imparciais e probos, a quem
• Com base na pesquisa, cada grupo deve roteirizar um episódio de podcast de dez minutos. Decidam qual será rado nas colônias americanas entre os séculos XVI e XIX. A resistência da
cabe solucionar as controvérsias segundo tais leis; e a empregar a força da comunidade, no solo pátrio, apenas na exe-
cução de tais leis, e externamente, para evitar ou reprimir injúrias estrangeiras e garantir a comunidade contra incursões o título, de que maneira vão introduzir o tema e como as informações serão comunicadas. população negra escravizada se deu, sobretudo, por meio de insurreições
ou invasões. E tudo isso não deve estar dirigido a outro fim a não ser a paz, a segurança e o bem público do povo. • Chegou o momento da gravação. O áudio pode ser gravado com aplicativos de telefones celulares. Quilombagem: formação de e, no Brasil, pela quilombagem. Como visto na Unidade 3, alguns pensa-
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 499-500. comunidades que abrigavam dores iluministas tinham visões negativas sobre a escravidão. Os abolicio-
• Editem o arquivo de áudio gravado, cortando falas repetidas, momentos de longos silêncios e sons não com- escravizados fugitivos.
preensíveis. Se quiserem, insiram uma música de fundo e façam uma vinheta de abertura do podcast. Existem nistas se embasaram nessas concepções iluministas para guiar suas ações,
• Com base na leitura do texto, responda às perguntas a seguir no caderno.
programas gratuitos de edição de som disponíveis para uso. que visavam à libertação e ao término do tráfico de escravizados. Porém,
a) Segundo Locke, quais são as obrigações dos governantes ao conduzir o poder? a emancipação e o fim desse sistema não garantiram aos libertos e seus
Anicet-Charles Lemonnier. O salão de Madame Geoffrin, 1812. Óleo sobre tela, 129,5 cm × 196 cm. A obra • Apresentem o podcast à turma e contem como foi todo o processo de sua produção.
representa a leitura pública de uma peça teatral do filósofo iluminista Voltaire (1694-1778) no salão literário de b) De que maneira o bem comum e os interesses individuais devem conviver? descendentes a mesma liberdade experienciada pelos brancos.
Marie-Thérèse Rodet Geoffrin (1699-1777), em Paris, França.
120 Não escreva no livro.
64 Não escreva no livro.
86 Não escreva no livro. Não escreva no livro. 87

OUTRO PONTO DE VISTA Esclarece o significado de


Esse boxe traz informações
palavras e expressões.
complementares ao conteúdo do texto Apresenta diferentes perspectivas
principal. Também apresenta textos de sobre determinado tema, tratando
estudiosos e pesquisadores da área, do pluralismo de ideias necessário
problematizando a construção do ao debate científico.
conhecimento filosófico, histórico,
sociológico e geográfico.
Atividades
b) Quais áreas da cidade foram afetadas por esse projeto e de que forma?
c) Esse processo beneficiou igualmente as parcelas da população ou provocou desi-
gualdades no espaço urbano? Explique. PENSAMENTO COMPUTACIONAL CONEXÕES
1. Em novembro de 1918, a Revolta da Vacina foi contida,
d) É possível porém,
observar de acordo
os impactos com
desse o his-na cidade ainda hoje? De que maneiras?
projeto

Integra o conhecimento específico das Ciências Humanas


toriador brasileiro Nicolau Sevcenko (1952-2014), o fim da revolta não acabou com a
perseguição policial voltada à população dos morros:
Um dos aspectos que mais chamam a atenção no contexto
Pensamento da Revolta da Vacina é o caráter
computacional Propõe a solução de um problema a
e Sociais Aplicadas a outras áreas de conhecimento,
particularmente drástico, embora muito significativo, da repressão que ela desencadeou sobre

partir da estratégia do pensamento


4. O tombamento
as vastas camadas indigentes da população da cidade. do prédio da Companhia Inglesa, em Senador Pompeu, em 2019, foi uma
[...]
forma de preservar a memória dos campos de migrantes que existiam em Fortaleza nas
primeiras décadas do século XX. O prédio é o único vestígio material desse momento da

sobretudo Ciências da Natureza e suas Tecnologias,


Essa repressão brutal e indiscriminada não se restringiu aos dias que se sucederam ime-
história da cidade e dessas pessoas.

computacional, como a criação de


diatamente ao término do motim. Segundo denúncia de Barbosa Lima na Câmara, ela se ar-
Reúna-se com quatro colegas para selecionar um elemento material ou imaterial que
rastou tragicamente “por dias, por meses”. [...]
vocês desejam preservar/tombar na cidade onde vivem. Para isso, vocês vão decompor

relacionando-as a um Tema Contemporâneo Transversal


A violência policial se distingue não só pela sua intensidade e amplitude, mas sobretudo pelo
o problema, ou seja, dividir essa tarefa em partes menores, construindo soluções espe-

algoritmos, a decomposição de
seu caráter difuso. Não importava definir culpas, investigar suspeitas ou conduzir os acusados aos
cíficas para cada uma dessas partes por meio de algoritmos, processos que descrevem
tribunais. O objetivo parecia ser mais amplo: eliminar da cidade todo o excedente humano poten-
a solução detalhada de um problema ou tarefa passo a passo.
cialmente turbulento, fator permanente de desassossego para as autoridades. [...]

(TCT). Apresentações, pesquisas, elaboração de relatórios


Para resolver esse problema, vocês vão precisar:
SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2018. E-book.

problemas e o reconhecimento de
• fazer um levantamento de bens materiais e imateriais da cidade onde vivem e que
a) Segundo Sevcenko, qual foi o objetivotenham
da repressão policial
relevância paranesse cenário?
vocês;
• estabelecerde
b) De que maneira essa repressão e o cerceamento liberdades
para se relacionavam
de umcom

são algumas das propostas de atividades.


critérios a seleção desses elementos;

padrões.
• selecionar
o projeto de reforma urbana da cidade do Rio deum
Janeiro?
elemento.
Vejaaos
2. Analise as imagens a seguir e relacione-as o passo a passo
conceitos de de cada
êxodo um desses
rural, políticaitens:
desen-
volvimentista e milagre econômico. Etapa 1: Levantamento
• Cada membro do grupo deve citar um bem material e um bem imaterial da cidade que
1958 julgue importantes para a história/memória do local.
• Um dos membros do grupo anota cada um dos elementos citados em uma folha de
https://www.geoportal.com.br/memoriapaulista/

papel sulfite.
• Embaixo de cada elemento, o grupo deve citar e registrar duas razões da importância
dele para a cidade.
Etapa 2: Estabelecimento de critérios
• Façam uma lista de itens que o elemento deve cumprir para ser selecionado. Por Conexões
exemplo:
— Não é tombado.
— Representa a memória de um grupo marginalizado na história da cidade.
2020
— Possui valor artístico e/ou arquitetônico.
— Precisa da proteção do tombamento para se manter preservado.
• Para chegar a essa lista, consultem o site do Iphan, disponível em http://portal.iphan.
Caso essa emissão não seja contida efetivamente, as consequências climáticas e huma-
gov.br/pagina/detalhes/126 (acesso em: 8 jun. 2020), para entender as diferentes REFUGIADOS AMBIENTAIS nitárias serão alarmantes, levando ao desaparecimento de vilas e cidades, ao comprome-
categorias de tombamento e os detalhes desse processo.
Muitas pessoas, por vezes, perdem sua liberdade individual ao se verem forçadas a se timento da atividade pesqueira, ao aumento de tufões, ciclones, entre outros desastres
Etapa 3: Seleção
Imagens de satélite, de 1958 deslocar, sendo obrigadas a deixar seu local de origem, suas raízes ou suas bases culturais, naturais.
• Com a lista de critérios
e 2020, edaocomunidade
levantamentode de bens em mãos, o grupo deve verificar quais
que são responsáveis pela formação de sua subjetividade. Além de conflitos políticos e
Google Earth

dos elementos atende ao maior


Paraisópolis, número
localizada na de critérios. Porém, embora esta seja uma das principais causas de deslocamento forçado, os refugia-
• Em caso de empate,periferia de São Paulo,
o grupo podeSP.dar peso aos diferentes critérios da lista, ou seja, desigualdades sociais, mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global e do efeito dos ambientais ou climáticos ainda encontram resistência ao procurar asilo em outros países.
verificarrealizada
3. Nesta unidade, você estudou a reforma urbana quais são
no osRiomais importantes
de Janeiro e, com base nessa classificação, fazer a
no começo estufa levam milhões de pessoas a abandonar suas terras natais. Em 2018, segundo o Um exemplo é o caso de Ioane Teitiota, originário das ilhas de Quiribati, localizadas no Pací-
do século XX. Faça, agora, uma pesquisa seleção.
na biblioteca da escola e na internet sobre Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos da Organização das Nações Unidas fico norte, que, após o vencimento de seu visto de permanência na Nova Zelândia, pediu asilo,
reformas urbanas no século XX em outras cidades do país, como Manaus, Belém, (ONU), 17,2 milhões de pessoas tiveram de deixar suas casas em razão de desastres como refugiado climático, para ele e sua família.
Porto Alegre, Curitiba e Recife. Para isso, escolha uma cidade e procure responder às ambientais relacionados a fenômenos climáticos, entre os quais podemos citar a intensi-
seguintes perguntas: Uma das principais formas de acesso à água potável em Quiribati é por meio de aquíferos
ficação de secas, furacões, desertificações, inundações, tempestades etc. que correm o risco de desaparecer por causa do aumento de volume do Oceano Pacífico.
a) Qual era o projeto de reforma urbana e quem
Não escreva foram seus idealizadores?
no livro. 137
De acordo com relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais Esse avanço do oceano ameaça a própria existência do local, que pode ser engolido pelas
pessoas se deslocaram internamente até 2018, mais por causa de desastres ambientais águas em 10 anos. Em decisão inédita, no ano de 2020, a ONU reconheceu, em favor de
136 do que por conflitos e violência, como é apresentado no gráfico a seguir. Ioane, que desastres ambientais e mudanças climáticas podem ferir os direitos humanos, e
Não escreva no livro.
os governos têm responsabilidade de abrigar os deslocados atingidos por elas.

Gráfico: DAE
NOVOS DESLOCAMENTOS INTERNOS EM RAZÃO DE CONFLITOS E DESASTRES (2008-2018)
ATIVIDADES
45

Gráfico: DAE
1. Com base no caso de Ioane Teitiota, PROJEÇÃO DE CRESCIMENTO POPULACIONAL EM RELAÇÃO

ATIVIDADES
40
explique de que forma uma crise À VULNERABILIDADE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Deslocamentos em milhões
35
ambiental pode ferir a liberdade in-
30
dividual das pessoas afetadas por ela. África Ásia América Europa Oceania
25 6%
2. De acordo com o Painel Intergover-

Porcentagem de crescimento populacional (projeção)


Individuais ou coletivas, trabalham diferentes
20 Kinshasa (República
namental sobre Mudanças Climáti- Democrática do Congo)
15

Mídia
cas, 280 milhões de pessoas serão
10
forçadas a se deslocar, até 2100, por

processos cognitivos; resolução de problemas;


5
causa do aumento do nível do mar. 4%
0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Com base nessa informação e na Lagos
(Nigéria)

análise, compreensão e produção de diferentes


Novos deslocamentos motivados por conflitos análise do gráfico, responda: Por
Novos deslocamentos motivados por desastres ambientais que as cidades destacadas no grá-
fico são as mais ameaçadas pelo 2%

tipos de texto, verbais e imagéticos; pesquisas


Fonte: ORGANIZAÇÃO Internacional para as Migrações (OIM). Relatório mundial sobre imigração (2020).
aquecimento global?
O DEBATE SOBRE O RACISMO NAS MÍDIAS ANÁLISE

Time Inc.
Disponível em: https://publications.iom.int/system/files/pdf/wmr_2020.pdf. Acesso em: 13 jun. 2020.
3. Pesquise na internet o que preco-
As tempestades foram responsáveis pelo deslocamento interno de 9,3 milhões Conforme
de pes-os protestos de 2020 motivados pela morte de George Floyd
TRADICIONAIS E NAS soas,
REDES SOCIAIS DIGITAIS nizam as diretrizes dos protocolos

e debates.
as inundações, por 5,4 milhões, e as secas, por 1,3 milhão. As mudanças climáticas
foram se alastrando e tomando maiores proporções nas ruas e redes sociais crescimento
internacionais pela redução de emis- 0%
que causam esses desastres estão relacionadas ao descontrole da emissão de gases poluen-
digitais, a mídia tradicional (rádio, televisão,
CONTEXTO sãojornal, revista
de gases etc.) passou
(Protocolo a
de Kyoto menos vulnerável mais vulnerável
tes, sobretudo de dióxido de carbono (CO2). Essa emissão é decorrente, pordedicar exemplo, da considerável à cobertura e discussão do racismo. Observe,
espaço e Acordo de Paris) e liste algumas Fonte: AQUECIMENTO global: 7 gráficos que mostram em que ponto estamos. BBC, 17
Em 25 de maio de 2020, na cidade de Minneapolis,
queima denos Estados Unidos,
combustíveis fósseis George Floyd, um de florestas, prática empregada
e da queimada ao lado,para a
um exemplar da revista Time, publicação estadunidense de grande
das medidas que devem ser provi- jan. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-46424720.
homem negro de 46 anos, foi assassinado por Derek de
criação Chauvin,
pastosum policial prévia
e limpeza branco.para
Grande parte agropecuária.
a produção circulação no país. A foto da capa é de um protesto que ocorreu
Acesso em: 13 jun. 2020.
denciadas pelo Brasil ena cidade
pelos países
da ação do policial foi filmada por uma testemunha. No dia
Para conter seguinte,
essas mudanças, apósaoalongo
publicação e a décadas, diversos tratados internacionais,
das últimas de Baltimore, nos Estados Unidos, contra asignatários
violência policial.
de cada acordo.
ampla divulgação do vídeo nas redes sociais, teveoinício
como uma de
Protocolo onda de protestos
Kyoto, que55
ratificado por sepaíses
espa-em 1999, e, mais recentemente, o Acordo
lhou por diversas cidades dos Estados Unidos e do mundo.
de Paris, assinadoAsemprincipais
2015 por pautas desses
195 países, pro-
foram O contexto
firmados com a intenção de fazer com que os estudado mostra a influência das redes sociais digitais nas
4. Produza um texto acerca de algumas medidas que estão ao alcance da população para
testos foram a luta contra a violência policialsignatários
e contra o se
racismo estrutural. a diminuir a emissão de gases poluentes na mídias tradicionais e vice-versa. Agora, vocêcontribuir com aadiminuição
vai comparar maneira com da emissão de gases poluentes.
comprometessem atmosfera.
O combate às mudanças que um mesmo assunto é tratado nas redes5. Comsociais
basedigitais e emeveículos
na pesquisa nas respostas dadas aos itens anteriores, reúnam-se em grupos
Nos protestos de rua, os manifestantes tinham em seus cartazesclimáticas também eé frases
slogans, palavras um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Susten-
que correspondiam às hashtags utilizadas nas tável da ONU.
redes sociais. Hashtag é uma palavra relacio- da mídia tradicional. Para isso, reúnam-se em grupos e panfletos
e produzam sigam as etapas.
de conscientização sobre a emissão de gases poluentes.
nada a assuntos que podem ser buscados, nas redes, pela inserção do símbolo do sustenido Etapa 1
46
(#) em frente ao termo, permitindo que todas as publicações relacionadas ao tema sejam mais Não escreva no livro. Não escreva no livro. 47
facilmente encontradas. • Escolham uma rede social digital – pode ser a mais usada entre os
membros do grupo – e investiguem quais foram os assuntos mais co- Capa da revista estadunidense Time,
A hashtag #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam), amplamente utilizada durante publicada em 22 de junho de 2020,
mentados nela durante o dia. com a manchete “O despertar tão
a onda de protestos em 2020, foi criada no ano de 2013 em resposta à absolvição do acusado
aguardado”.
do assassinato do jovem negro Trayvon Martin. O gráfico a seguir permite a visualização do Etapa 2
aumento do uso da hashtag de janeiro de 2013 a maio de 2018. Perceba que são as mesmas • Selecionem um post da rede social e investiguem como o assunto ali discutido foi aborda-
palavras usadas nos cartazes dos protestos de 2020; note também a semelhança entre os do por uma mídia tradicional.
eventos que provocam o aumento do uso da hashtag: a maioria deles é relacionada direta- • Respondam aos seguintes questionamentos:
mente com a morte de homens negros pelas forças policiais, o que indica a persistência desse
a) Quais são os nomes da rede social e do veículo de mídia tradicional selecionados?
sintoma do racismo estrutural na sociedade estadunidense.
b) Quais recursos textuais, auditivos e visuais foram utilizados por cada um?
c) Quais foram as formas de expressão de cada um desses recursos utilizados? Por exem-
USO DA HASHTAG #BLACKLIVESMATTER EM REDE SOCIAL ENTRE JANEIRO DE 2013 E MAIO DE 2018 plo, se for um texto escrito, indique se há trechos em diferentes cores ou sublinhados.
7 de julho de 2016 22 de setembro de 2017
Se for um vídeo, repare na posição do enunciador (sentado, de pé, se permanece parado
Cinco policiais são mortos O presidente dos Estados Unidos
ou não) e verifique se ele interage com recursos visuais e com outras pessoas. Se for um
Número de posts com a hashtag #blacklivesmatter

durante ataque de franco- Donald Trump pede aos donos dos


-atirador a manifestantes
que protestavam contra a
times da Liga de Futebol Americano áudio, preste atenção na entonação.
que demitam os jogadores
violência policial na
cidade de Dallas, no Texas.
negros que protestam contra a d) Quem são os autores desses itens (jornalistas, influenciadores digitais, conhecidos etc.)?
violência polícial durante o hino
24 de novembro de 2014
nacional. e) Vocês acham que compreenderam com clareza o que os autores desejaram comunicar?
1 400 000
Policial não é indiciado
por atingir e matar o f) Qual nível de credibilidade cada um desses itens transmite?
adolescente negro
1 200 000
Michael Brown. g) Vocês concordam ou discordam do ponto de vista expresso em cada um dos itens?
1 000 000
16 de junho de 2017 Etapa 3
Policial acusado 18 de março de 2018
800 000 13 de julho de 2013 de matar o jovem O jovem negro Stephon • Por fim, preparem uma apresentação oral para a turma. Nessa apresentação vocês devem
George Zimmerman negro Philando Clark é baleado e
é absolvido pela 17 de julho de 2014 Castile é absolvido. morto por policiais de indicar qual foi o assunto selecionado, bem como as semelhanças e diferenças encontra-
600 000 morte de Trayvon Sacramento, no estado

Pesquisa
Martin.
O jovem negro
Eric Garner da Califórnia. das nas mídias analisadas.
400 000 morre sob
custódia policial.
200 000
CONCLUSÃO

0
Após a apresentação de todos os grupos, organizem uma roda e discutam como foi a
2013 2014 2015 2016 2017 2018 experiência de fazer essa comparação, compartilhando quais foram os métodos e ferra-
Fonte: PEW Research Center. Ativismo na era das redes sociais. mentas utilizados para investigar cada uma das mídias e se houve identificação pessoal
Disponível em: www.pewresearch.org/internet/2018/07/11/activism-in-the-social-media-age/. Acesso em: 14 jun. 2020. com alguma abordagem em particular.
DAE

ESTADO DA ARTE: DIFERENTES DESENVOLVIMENTO

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
1. Determinem 122um recorte para o estado da arte que vão realizar. O tema, a liberdade, deve
CONCEPÇÕES DE LIBERDADE Não escreva no livro. Não escreva no livro. 123
ser o mesmo para toda a turma, mas o recorte deve ser escolhido de acordo com os inte-
APRESENTAÇÃO resses de pesquisa dos membros de cada grupo. É possível trabalhar, por exemplo, a
concepção de liberdade em determinado período histórico, na obra de um autor, em um
No começo deste percurso, você foi questionado sobre o que é ser livre. Ao longo do livro,
território, em uma cultura etc.
pôde perceber que diversos estudiosos e várias escolas de pensamento responderam a

MÍDIA
DA EDITORA DO BRASIL
esse questionamento das mais diferentes formas. Para o pensador grego Aristóteles 2. Definido o recorte, vocês devem escolher a(s) base(s) de dados em que vão desenvolver
(385 a.C.-323 a.C.), por exemplo, o indivíduo é livre desde que tome decisões de modo sua pesquisa. Há diversos espaços virtuais que reúnem trabalhos científicos (artigos,
voluntário. O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) propôs que o proletariado nunca seria dissertações, teses, ensaios, livros etc.) e que podem ser consultados. Vejam alguns
livre dentro do sistema capitalista, pois suas condições materiais cerceariam sua liberdade. exemplos:
Já a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) acreditava que a liberdade do indivíduo
era frágil diante de um Estado autoritário que negava direitos básicos a determinados gru-
• Rede Scielo. Biblioteca eletrônica que apresenta um acervo de artigos e periódicos
científicos brasileiros. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_home& A partir de textos que circulam na mídia, a seção
trabalha a análise crítica e propositiva da
pos sociais. Tais concepções diversas foram fomentadas de acordo com a escola de pen- lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 20 jun. 2020.
samento desses estudiosos e suas vivências em diferentes contextos históricos, sociais, • Acervo da Capes. Banco de dados de artigos e teses de pesquisadores que receberam
econômicos, políticos, territoriais e culturais. bolsas de estudo e incentivo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

produção, circulação e recepção desses textos,


O conceito de liberdade e suas implicações na sociedade são temas de estudo das Ciên- Superior (Capes), fundação associada ao Ministério da Educação (MEC). Disponível em:
cias Humanas e Sociais Aplicadas até hoje. Por isso, para finalizar este percurso de apren- http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/; www.periodicos.capes.gov.br/.
dizagem, você e os colegas vão fazer um estado da arte sobre a produção científica Acessos em: 20 jun. 2020.
recente que trata de temas que envolvam a liberdade.
O estado da arte é um mapeamento das pesquisas e dos trabalhos científicos já realiza-
O grupo pode também consultar o acervo/biblioteca on-line de uma universidade de
sua região. com foco na leitura inferencial e multimodal,
destacando processos de análise e interpretação
dos sobre determinado tema. Muitas vezes essa pesquisa é feita com base em diferentes 3. Acessem a(s) base(s) de dados escolhida(s) e façam uma pesquisa com palavras-chaves
recortes temporais, linhas de pesquisa, objeto de estudo etc. Por exemplo: que indicam o tema, o autor, o período etc.

textual, tratamento da informação e identificação


DATA/LOCAL DA 4. Leiam o resumo dos trabalhos científicos encontrados e registrem em uma tabela suas
LINHA DE OBJETO DE
TEMA PERÍODO LOCAL PRODUÇÃO principais características, como título da obra/trabalho, nome do autor, data de publicação
PESQUISA ESTUDO
CIENTÍFICA e seus principais pontos de abordagem (área de conhecimento, metodologia, fontes da

de fragilidades argumentativas.
Liberdade Trabalho, Liberdade 1990-2000 Cidade de Estudos realizados
pesquisa etc.).
política e nas relações São Paulo no Brasil nos
TÍTULO AUTOR DATA DE PUBLICAÇÃO ABORDAGEM
sociedade de trabalho últimos cinco anos

Agora é sua vez de fazer o estado da arte. Essa prática de pesquisa deverá ser conduzida
em grupos. Prestem atenção nos objetivos e na justificativa apresentados e sigam os pas-
5. Com o mapeamento organizado na tabela, elaborem um texto com uma análise das infor-
sos de desenvolvimento.
mações recolhidas. Nesse texto, vocês devem responder aos seguintes questionamentos:
OBJETIVOS a) Quais foram os bancos de dados pesquisados?
b) Qual foi a quantidade de resultados em cada um? Esses números variaram ao longo
Para continuar
• Pesquisar estudos que tratam da liberdade.
• Determinar um recorte para o estado da arte. dos anos de publicação? O que isso significa sobre o interesse despertado pelo tema?
• Mapear e organizar as informações pesquisadas em uma tabela.
• Compor um texto analisando o mapeamento realizado.
c) Qual é a abordagem mais privilegiada/popular sobre esse tema? E a menos privi-
legiada? aprendendo
JUSTIFICATIVA CONCLUSÃO
A composição de um estado da arte contribui para o conhecimento de diferentes con- Cada grupo deve apresentar o texto e o mapeamento para o restante da turma. Poste-
cepções de liberdade e incentiva a prática da pesquisa científica, aumentando a familiari- riormente, façam uma discussão em sala de aula abordando não só os resultados, mas as
dade com a estrutura e a linguagem de artigos científicos e de bancos de dados. UNIDADE 1 – LIBERDADE INDIVIDUAL UNIDADE 3 – LIBERDADE
dificuldades encontradas no processo de pesquisa. E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
Filme
Lutero, direção de Eric Till. Alemanha, 2003 (94 min). Filme
154 Não escreva no livro. Não escreva no livro. 155 Filme que conta a trajetória de Martinho Lutero, retratando a elabo-
Hamilton, direção de Thomas Kail. Estados Unidos, 2020
ração de suas 95 teses, a perseguição que sofreu por parte da Igre-
ja e seu período de exílio, quando iniciou a primeira tradução da Bíblia (160 min).
para o alemão. Filmagem de peça teatral musical que conta a biografia de
Alexander Hamilton (1755-1804), político estadunidense e pri-
Livro meiro secretário do tesouro americano, e a história da formação

PESQUISA
Longe de casa: minha jornada e histórias de refugiados pelo dos Estados Unidos, de sua independência ao governo de Thomas
Jefferson (1743-1826).
mundo, de Malala Yousafzai. São Paulo: Editora Seguinte, 2019.
Malala Yousafzai (1997-), ganhadora do Prêmio Nobel da Paz e ati-
vista paquistanesa, relata nesse livro sua visita a diversos campos Livro
de refugiados pelo mundo e conta a história de nove meninas que A Revolução Francesa explicada à minha neta, de Michel
Vovelle. São Paulo: Editora Unesp, 2007.

Proposta de investigação científica que mobiliza práticas de pesquisa


tiveram de abandonar seus países em busca de segurança.
Livro do historiador francês Michel Vovelle (1933-2018), que tra-
Site ta de diferentes aspectos da Revolução Francesa e de seus im-
Observatório de Migrações Forçadas – Instituto Igarapé. pactos na formação da sociedade liberal do século XIX.
Disponível em: https://migracoes.igarape.org.br/. Acesso em:

como o estudo de caso, grupo focal, estado da arte, análise 31 jul. 2020. Site
Plataforma que disponibiliza dados sobre deslocamentos forçados Acervo digital do Museu da Imigração do Estado de São
de pessoas no Brasil, indicando números que revelam as causas des- Paulo. Disponível em: www.inci.org.br/acervodigital/. Acesso
sas migrações e os principais polos brasileiros de atração e repulsão. em: 31 jul. 2020.

documental, uso e construção de questionários, amostragens e UNIDADE 2 – LIBERDADE E O OUTRO


O acervo apresenta recursos digitais como fotografias, cartas, mapas
e jornais dos principais grupos imigrantes que chegaram ao país e
passaram pela Hospedaria de Imigrantes, na cidade de São Paulo.

relatórios, pesquisa-ação.
Filmes
Guerras do Brasil.doc (Episódio 1 – As guerras da conquista), UNIDADE 4 – DESIGUALDADE COMO
direção de Luiz Bolognesi. Brasil, 2018 (26 min).
IMPEDITIVO PARA A LIBERDADE
Série documental que, em seu primeiro episódio, debate o proces-
so de colonização brasileiro, abordando as novas pesquisas histó-
ricas e revendo o olhar eurocêntrico da historiografia tradicional. O
Livro
destaque do documentário é a entrevista com o intelectual indíge- Olympe de Gouges, de Catel Muller e José-Louis Bocquet. São
na Ailton Krenak (1953-), que apresenta a história da chegada dos Paulo: Record, 2014.
europeus à América sob a perspectiva dos povos nativos. História em quadrinhos que trata da biografia de Olympe de
Gouges (1748-1793) e sua jornada até a elaboração da Declara-
Honeyland, direção de Ljubo Stefanov e Tamara Kotveska.
ção dos Direitos da Mulher e da Cidadã.
Macedônia, 2019 (87 min).
Documentário que acompanha o dia a dia de Hatidze Muratova, Filme
uma apicultora que vive em uma vila na Macedônia, e seu conví-
vio com uma família de nômades pastores. Eu não sou seu negro, direção de Raoul Peck. Bélgica, 2016
(93 min).
Piripkura, direção de Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Documentário sobre o escritor estadunidense James Baldwin
Jorge. Brasil, 2017 (81 min). (1924-1987) e sua trajetória de ativismo contra o racismo ao lado
Documentário sobre a vida de dois indígenas nômades do povo de Malcolm X (1925-1965) e Martin Luther King Jr. (1929-1968).
Piripkura, que possui poucos sobreviventes, os quais vivem iso-

PARA CONTINUAR APRENDENDO


lados na Floresta Amazônica tentando escapar do cerceamento Site
e das ameaças de madeireiros.
LabCidade – Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade.
Site Disponível em: www.labcidade.fau.usp.br/. Acesso em: 31 jul.
Instituto Socioambiental (ISA) – Povos Indígenas no Brasil. 2020.
Disponível em: https://pib.socioambiental.org/. Acesso em: Laboratório de extensão e pesquisa da Faculdade de Arquitetura

Indicações de livros, filmes, documentários


31 jul. 2020. e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) em que
são monitoradas políticas públicas e habitacionais de cidades
Site que apresenta informações sobre história, localização, língua, brasileiras, principalmente de São Paulo.
organização social, rituais, cultura material e imaginário dos mais
de 250 povos indígenas do Brasil. O site também oferece infor-

e sites, ampliam os conhecimentos sobre


mações sobre pautas importantes para a luta desses povos, como
a demarcação das Terras Indígenas.

156

os assuntos abordados no livro.


Não escreva no livro. Não escreva no livro.
Sumário

UNIDADE 1 Liberdade individual  14 UNIDADE 2 Liberdade e o outro  50


Conceito de indivíduo  14 O ser no mundo e a interatividade social  50
• Filosofia grega antiga  15 • O eu e o outro: modos de pensar
• Filosofia medieval  17 as relações sociais  52

• Filosofia moderna  18 Atividades  54


• Filosofia contemporânea  19 Etnocentrismo: enxergar o outro
• O indivíduo e a liberdade  20 de um único olhar  55
• A visão de mundo dos colonizadores
Atividades  21
europeus  57
Liberdade e indivíduo • Etnocentrismo como justificativa
na Idade Moderna  22 para a escravidão  61
• Renascimento artístico e a valorização • Progresso, evolucionismo
do indivíduo  23 e racismo  62
• A liberdade na ciência  25
Atividades  65
• Individualização da fé na
Reforma Protestante  27 Preservação da diversidade cultural  66
• Iluminismo e liberdade individual  29 • Patrimônio cultural  67
• A Antropologia e o estudo da cultura  69
Atividades  31
Conexões: Etnomatemática –
Ascensão da liberdade individual A diversidade cultural no raciocínio
na sociedade  32 matemático  70
• Estudo da relação entre sociedade
e indivíduo  34 Atividades  72

Atividades  37 O modo de vida nômade  73


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO • Do espaço natural ao
Liberdade individual no
DA EDITORA DO BRASIL espaço geográfico  73
mundo globalizado  38
• Produção do espaço e a sociabilidade
• Os deslocamentos populacionais
nas sociedades nômades  78
no mundo global  39
Conexões: Refugiados ambientais  46 Atividades  85

Atividades  49

6 Não escreva no livro.


UNIDADE 3 Liberdade e participação UNIDADE 4 Desigualdade como impeditivo
política  86 para a liberdade  118
Política e liberalismo  86 Liberdade inata ou conquistada?  118
Atividades  92 Mídia: O debate sobre o racismo
nas mídias tradicionais e nas
O Iluminismo e as revoluções burguesas  93
redes sociais digitais  122
• Limites aos poderes reais
na Inglaterra  94 • Equidade e interseccionalidade  124

• O pensamento político moderno  96 Atividades  125


• Despotismo esclarecido  97 Desigualdades no processo
• Revoluções na França e nas de urbanização  126
Treze Colônias  98 • Reformas na capital brasileira  127
Atividades  101 Conexões: Cobertura vacinal  130
O Estado e a liberdade política  102 • A seca e a limitação da entrada
• Liberdade política dos povos: de migrantes nas cidades  132
soberania e autodeterminação  104 • Desenvolvimentismo, industrialização
• Liberdade política do indivíduo: e cerceamento de liberdades  134
cidadania e democracia  105 Atividades  136
• Liberdade de associação  106
Desigualdade econômica  138
Atividades  107 • Crises do sistema capitalista  139
Liberdade política na • Trabalho infantojuvenil  141
República brasileira  108 • Escravidão contemporânea  142
• O povo e o estabelecimento
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
da República  109 Atividades  143
• ImigraçãoDA eEDITORA
liberdade DOnoBRASIL As cidades brasileiras e a
território brasileiro  110 desigualdade socioeconômica  144
• Configuração do voto, cidadania • Enclaves fortificados e gentrificação  146
e participação política na República  112 • População em situação de rua  147
• Cidadania na Constituição federal  114 • A população e o espaço urbano:
a cidade é para todos?  150
Atividades  117
Atividades  153
Pesquisa: Estado da arte:
diferentes concepções de liberdade  154
Para continuar aprendendo  156
Referências  157

Não escreva no livro. 7


Mapa do
aprendizado

Para começar o percurso de aprendizagem com este livro, leia quais são os objetivos
de cada uma das unidades do volume, assim como suas respectivas justificativas. Conheça
também as competências, as habilidades e os Temas Contemporâneos Transversais que
serão mobilizados ao longo do percurso.

UNIDADE 1
OBJETIVO
O objetivo da unidade é analisar o conceito de liberdade individual em diferentes con-
textos históricos, territoriais, políticos, sociais, econômicos e culturais. Assim, você poderá
entender de que maneira esse conceito foi compreendido por diferentes escolas de pen-
samento, como influenciou a mentalidade ocidental, principalmente durante a Idade
Moderna e na contemporaneidade, e de que modo se manifesta no mundo globalizado,
sobretudo em relação aos migrantes e aos refugiados. Será também discutida a impor-
tância da liberdade de pensamento para o desenvolvimento das ciências.

JUSTIFICATIVAS
A proposta da unidade permite que você identifique, analise e compare diferentes nar-
rativas e fontes, por meio do trabalho com linguagens gráficas e iconográficas (fotografias,
obras de arte etc.), para compreender o desenvolvimento de distintos processos históricos
e geográficos, assim como debater ideias e conceitos filosóficos e sociológicos. Também
amplia sua capacidade de sistematização de informações de diversos tipos para a com-
preensão dos processos sociais, econômicos, políticos, culturais e epistemológicos que
influenciaram as múltiplas construções da concepção de liberdade individual.

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR NESTA UNIDADE


Competências gerais
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico,
social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e
colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais,
e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do
DA EDITORA DO BRASIL
trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida,
com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, nego-
ciar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam
os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito
local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo,
dos outros e do planeta.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se
respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento
e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identi-
dades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência
e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos,
inclusivos, sustentáveis e solidários.

Competências específicas e habilidades das Ciências Humanas


e Sociais Aplicadas
Competência específica 1 – Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e
culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da
pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a com-
preender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de
vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.
EM13CHS101 EM13CHS103 EM13CHS106

8 Não escreva no livro.


Temas Contemporâneos Transversais trabalhados
•• Ciência e tecnologia •• Educação ambiental
•• Diversidade cultural •• Educação em direitos humanos

UNIDADE 2
OBJETIVO
O objetivo da unidade é refletir sobre a noção do “outro” de acordo com diferentes matrizes conceituais
do pensamento ocidental e discutir quais foram os cerceamentos de liberdade impostos a distintos grupos
sociais em razão de concepções etnocêntricas, evolucionistas e racistas. Com isso, alinhado à BNCC, preten-
de-se identificar, analisar, contextualizar e criticar essas matrizes conceituais, assim como avaliar as conse-
quências da propagação de pensamentos dicotômicos. Os conceitos de cultura e de patrimônio cultural
também são abordados, com o objetivo de promover a discussão sobre a análise dos vestígios (materiais ou
imateriais) de diferentes sociedades.

JUSTIFICATIVAS
De acordo com a BNCC, a discussão dos contextos e das ideias que foram favoráveis ao desenvolvimento
de matrizes conceituais dicotômicas, como civilização/barbárie e nomadismo/sedentarismo, são fundamen-
tais para identificar o seu caráter redutor da realidade. Com base nessa discussão, você vai entender como o
etnocentrismo, o evolucionismo e o racismo foram construídos e de que maneira afetam a realidade; construir
argumentações que promovam os direitos humanos e o respeito ao outro; valorizar distintos saberes e vivên-
cias culturais por meio do trabalho com o conceito de patrimônio cultural, compreendendo-se como parte
dessa diversidade humana.

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR NESTA UNIDADE


Competências gerais
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e
digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma
sociedade justa, democrática e inclusiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao
exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e respon-
sabilidade. DA EDITORA DO BRASIL
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias,
pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência
socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético
em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade
humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo
o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos
e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer
natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação,
tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Competências específicas e habilidades das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas


Competência específica 1
EM13CHS102 EM13CHS104 EM13CHS105 EM13CHS106

Temas Contemporâneos Transversais trabalhados


•• Diversidade cultural •• Educação para a valorização do multiculturalismo
•• Educação em direitos humanos nas matrizes históricas e culturais brasileiras

Não escreva no livro. 9


UNIDADE 3
OBJETIVO
Esta unidade tem como objetivo a compreensão da relação entre participação política
e liberdade, por meio do estudo de diferentes concepções filosóficas do liberalismo, da
maneira como essas ideias influenciaram as revoluções burguesas nos séculos XVII e
XVIII, da discussão de conceitos como soberania, autodeterminação e liberdade de asso-
ciação, e de abordagem da formação da República brasileira, sob a perspectiva das con-
quistas de direitos.

JUSTIFICATIVAS
A compreensão de concepções e eventos que transformaram e constituíram práticas
políticas é fundamental para embasar ações na sociedade que visam ao bem-estar cole-
tivo e individual, favorecendo o pleno exercício da cidadania. Nesse processo, você vai
exercitar sua curiosidade intelectual, valorizar diferentes saberes, utilizar os conhecimen-
tos desenvolvidos para agir na realidade e argumentar na defesa de posicionamentos
éticos.

A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR NESTA UNIDADE

Competências gerais
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico,
social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e
colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências,
incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade,
para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e
criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes
áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais,
e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de
forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as
escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conheci-
mentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e cole-
tiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos
e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do
trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida,
com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, nego-
ciar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam
DA EDITORA DO BRASIL
os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito
local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo,
dos outros e do planeta.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se
respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento
e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identi-
dades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resi-
liência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democrá-
ticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Competências específicas e habilidades das Ciências Humanas e


Sociais Aplicadas
Competência específica 1

EM13CHS101 EM13CHS103 EM13CHS106

Temas Contemporâneos Transversais trabalhados


•• Educação em direitos humanos
•• Vida familiar e social

10 Não escreva no livro.


UNIDADE 4
OBJETIVO
O objetivo da unidade é identificar, com base em ideias filosóficas e sociológicas, narrativas históricas e
concepções geográficas, como a desigualdade social e econômica, relacionada aos limites impostos às liber-
dades de determinados grupos, se manifesta na vida social e no processo de urbanização e ocupação do
espaço das cidades. Também vai ser necessário problematizar relações de trabalho exploratórias e ilegais
que, algumas vezes, fazem parte do sistema capitalista. Nesse processo, busca-se valorizar diferentes iden-
tidades, culturas e saberes, como forma de promover o respeito ao outro.

JUSTICATIVAS
Identificar relações de desigualdade econômica e social, com base em uma investigação científica que
utiliza diferentes linguagens na análise crítica da realidade, e amplia sua capacidade de buscar soluções,
embasadas em princípios inclusivos, solidários, éticos e democráticos, para problemas da sociedade ao seu
redor, propiciando o exercício do protagonismo na vida coletiva. Essa abordagem também vai auxiliá-lo a
argumentar, com base em informações confiáveis, em favor de práticas que respeitem os direitos humanos.
Nessa análise, você também vai entender como tecnologias digitais da informação e comunicação podem
ser utilizadas de forma crítica na prática social, como forma de grupos sociais reivindicarem seus direitos
diante de situações de desigualdade.

Competências gerais
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e
digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma
sociedade justa, democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação,
a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipó-
teses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos
das diferentes áreas.
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual,
sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se
expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir
sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, signifi-
cativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar
e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria
na vida pessoal e coletiva.
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias,
pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência
socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético
em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos
e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer
natureza.
DA EDITORA DO BRASIL
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação,
tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

Competências específicas e habilidades das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas


Competência específica 1
EM13CHS101 EM13CHS102 EM13CHS106

Temas Contemporâneos Transversais trabalhados


•• Diversidade cultural
•• Educação em direitos humanos
•• Educação para a valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras
•• Saúde

Mais informações sobre as competências específicas e habilidades de cada área podem ser encontradas
em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 10 ago. 2020.

Não escreva no livro. 11


INTRODUÇÃO

O que é liberdade? Quais são seus limites? Quem é livre?


Esses são questionamentos que podem ter as mais diversas
respostas, pois o conceito de liberdade se transforma em dife-
rentes tempos e espaços.
A palavra liberdade originou-se do termo grego eleutheria
que significava “o poder de se movimentar sem limitações e
coações”. Portanto, inicialmente, os gregos antigos enten-
diam a liberdade como algo físico e relativo à consciência e
ao espírito.
Veja a imagem da intervenção urbana Desenhando no vento,
realizada pelo grupo mineiro Poro, em 2005. Nela, tiras de
papel foram arremessadas de partes altas da cidade de Belo
Horizonte, em Minas Gerais. Dessa maneira, as fitas ganha-
vam formas variadas de acordo com o movimento do vento.
Estariam as fitas, portanto, se movimentando livremente? Ou
existiria uma coação do vento sobre elas?
Para refletir sobre perguntas como essas e também para
compreender o que a liberdade pode significar em contextos
distintos, é necessário investigar indivíduos, culturas, institui-
ções políticas e sistemas socioeconômicos variados. Também
é preciso realizar uma reflexão sobre os cerceamentos impos-
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
tos a algumas liberdades.
DA EDITORA DOEssas
BRASIL
discussões serão aprofundadas ao longo deste livro.
Ao final, você e os colegas poderão aplicar seus conhecimen-
tos em um projeto de pesquisa.
Mas, para iniciar o processo de investigação, discutam em
sala de aula os questionamentos a seguir.

Começo de conversa

1. Para você, o que é ser livre? Você conside- 3. Você acredita que todas as pessoas pos-
ra a si mesmo e seus colegas livres? Por suem oportunidades iguais para desfrutar
quê? da liberdade? Explique.
2. A liberdade que você exerce individual- 4. A imagem da intervenção do grupo Poro re-
mente é a mesma de quando está em gru- mete você à noção de liberdade? Quais ima-
po? Justifique sua resposta. gens e/ou ideias podem ser relacionadas com
a concepção de ser livre? Comente.

12 Não escreva no livro.


Grupo Poro
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

Intervenção urbana Desenhando


no vento, do grupo Poro. Belo
Horizonte, MG, 2005.

Não escreva no livro. 13


1
UNIDADE

Liberdade individual

CONCEITO DE INDIVÍDUO
Olhando ao redor, para seus colegas de turma, será possível identificar
características que são compartilhadas por todos, mas também traços de
personalidade e comportamentos únicos de cada um. Isso ocorre porque os
seres humanos apresentam características biológicas comuns que permi-
tem classificá-los como pertencentes à mesma espécie. Alguns desses
aspectos naturais, que são herdados biologicamente, vão se singularizando
e se diferenciando ao longo da vida de cada um.
Nesse processo, há a constituição da subjetividade e das personalidades
individuais, ou seja, das maneiras de ser, viver, sentir, pensar e fazer de cada
ser humano. A unicidade do indivíduo está no caráter singular do seu modo
de ser em relação ao mundo e aos demais. Por isso, por exemplo, é possível
dizer que existem diferentes juventudes, ou seja, a experiência de ser jovem
não é única para todos. Na realidade, a juventude é moldada por diferentes
vivências e personalidades. Dessa maneira, cada jovem pode se expressar,
se vestir, pensar e se divertir de maneira singular.
Essa singularidade é construída culturalmente. A subjetividade dos indi-
víduos é constituída pela interiorização de processos materiais e simbólicos
Interiorização: adoção de
práticas, valores ou ideias da que compõem o mundo humano. Isso quer dizer que os seres humanos se
sociedade como partes apropriam de elementos, hábitos, costumes e valores – enfim, daquilo que
integrantes de um indivíduo.
existe em seu ambiente cultural. Assim, os indivíduos se formam por meio
dos vínculos estabelecidos pelas suas variadas ligações, seja com a família,
seja com um grupo social, em lugar e tempo determinados. Desenvolvem-
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
-se, portanto, com base nas condições oferecidas pela sociedade.
DA EDITORA DO BRASIL A personalidade de cada indivíduo é composta das
Pollyana Ventura/iStockphoto.com

experiências que os seres humanos vivenciam no mundo


em que estão inseridos. Por isso, é possível perceber
que, mesmo em sua singularidade, os indivíduos muitas
vezes pensam, agem e se comportam de modos pareci-
dos aos dos familiares, de seus parceiros de relação, dos
colegas dos grupos a que se vinculam, de seus conter-
râneos e de seus contemporâneos.
Os indivíduos se enxergam como membros de comu-
nidades. Dentro de cada uma delas, adquirem deter-
minadas atribuições e deveres e se tornam pessoas.
Portanto, os seres humanos não nascem pessoas, mas
se constituem pessoas a partir do convívio com seus
semelhantes. Isso se deve ao fato de serem, antes de
tudo, seres sociais.

 A individualidade pode ser expressada pelo modo de cada um


se vestir, se comunicar e se movimentar. Na foto, jovem com
o rosto ornamentado para celebrar o Carnaval. Olinda, PE, 2019.

14 Não escreva no livro.


Chico Ferreira/Pulsar Imagens

 Jovens indígenas pataxós


Porém, os indivíduos não são decalques do meio em que vivem. Os seres preparam juntos tintura corporal.
humanos se fazem como indivíduos por absorverem, cada qual de maneira Aldeia Jaqueira, Terra Indígena
Pataxó, Porto Seguro, BA, 2019.
singular, o modo de vida das comunidades de que participam. Os indiví-
duos se apropriam dos elementos materiais e simbólicos presentes em
suas relações com os demais, tomando-os para si de modo que seja ade-
quado a eles.
A diversidade de seres e recursos presentes na natureza, as diferentes for-
mas de ocupação do espaço e os variados tipos de artefatos, construções, ins-
tituições, conhecimentos, ideias e concepções – em suma, todos os elementos
que compõem o universo cultural – são percebidos e representados pelos indi-
víduos por meio de suas relações sociais, de maneira única. Eles atribuem sen-
tidos individuais ao mundo, aos outros, a si mesmos e às suas escolhas e ações.
MATERIAL
A singularidade DE DIVULGAÇÃO
do indivíduo é, assim, produto do modo como ele se rela-
DA EDITORA
ciona com a natureza e com DO BRASIL
outros seres humanos. Por isso, ele só se indivi-
dualiza por meio de sua subjetividade.
O conceito de indivíduo tem historicidade, ou seja, foi definido de formas
diferentes em determinados espaços e tempos. Veja algumas dessas defini-
ções a seguir e perceba como, em um mesmo período, as definições desse
conceito podem variar entre diversos pensadores e correntes filosóficas.

Filosofia grega antiga


O entendimento da comunidade humana e seus sujeitos, membros e par-
ticipantes era uma das prioridades dos pensadores da Grécia Antiga. Nesse
período, o indivíduo era considerado um ser naturalmente comunitário. Ou
seja, os indivíduos só existiam no contexto de suas comunidades.
A comunidade se identificava com a pólis, o espaço compartilhado de Pólis: cidade-Estado grega,
vivência, decisão e responsabilidade dos gregos, também considerada uma unidade autônoma com
criação da natureza. Isso quer dizer que o conjunto da natureza abrangia e características sociais,
econômicas e políticas próprias.
delimitava o indivíduo como ser humano. Porém, cada indivíduo se forjava
de acordo com o papel social que exercia em sua comunidade: cidadão,
escravo, mulher, meteco (estrangeiro) etc.

Não escreva no livro. 15


Petr F. Marek/Shutterstock.com

 Ruínas da Acrópole da pólis de Atenas, construída no século V a.C. Atenas, Grécia, 2018.

No caso da Grécia Antiga, estar inserido em uma comunidade, como a pólis, era central,
de maneira que alguém nascido em Atenas, por exemplo, era considerado sociopoliticamente
um estrangeiro em Esparta, outra cidade-Estado, e vice-versa. Desse modo, mesmo com-
partilhando diversos aspectos culturais, como a língua, os indivíduos eram determinados por
seu local de nascimento e lugar social.

Aristóteles e a vida na pólis


Nesse contexto da organização das pólis, a filosofia grega clássica se estabeleceu. Um de seus principais pensa-
dores, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) buscou compreender a totalidade das relações existentes na realidade, desde o
entendimento de compostos inorgânicos até os seres humanos e outros seres vivos. Em sua obra Política, Aristóteles
pretendeu investigar formas de organização política adequadas à realização do bem viver da comunidade. Leia um
trecho dessa obra a seguir.

Palazzo Altemps - Museu Nacional Romano, Roma. Fotografia: G. Dagli Orti/


DEA/Album/Fotoarena
[...] a cidade é uma criação natural, e [...] o homem é por natureza um
animal social [...].
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Na ordem natural a cidade tem precedência sobre a família e sobre cada
DA EDITORA DO BRASIL
um de nós individualmente; pois o todo deve necessariamente ter precedên-
cia sobre as partes [...].
[...]
Os bens são um dos elementos constituintes da família e a arte de enrique-
cer é parte da função do chefe de família [...]. Da mesma forma que nas ativi-
dades diferenciadas os obreiros devem ter os instrumentos apropriados à
execução de seu trabalho, o chefe de família deve ter seus próprios instrumen-
tos; [...] assim, os bens são um instrumento para assegurar a vida, a riqueza é
um conjunto de tais instrumentos, o escravo é um bem vivo, e cada auxiliar é
por assim dizer um instrumento que aciona os outros instrumentos.
ARISTÓTELES. Política. Brasília, DF: Editora da Universidade
de Brasília, 1985. p. 15-18.

 Busto de Aristóteles, séc. I. Mármore


•• Com base na leitura do texto, responda às questões no caderno. (autor desconhecido). Cópia romana de
a) Como Aristóteles define o ser humano? original grego do século IV a.C.
b) De que forma Aristóteles compreende a relação entre indivíduo e sociedade?
c) Como Aristóteles descreve os escravos na sociedade grega?
d) O conceito de indivíduo da Grécia Antiga abarca todos os seres humanos? Justifique sua resposta.

16 Não escreva no livro.


Na cultura grega, prevalecia a tendência de definir o indivíduo com
base exclusivamente em seu papel na comunidade. Alguns pensadores Quem eram os sofistas?
sofistas, como Protágoras (481 a.C.-411 a.C.), foram casos pontuais de Os sofistas eram um grupo de
exceção a essa visão. Protágoras defendia que o ser humano deveria ser pensadores gregos itinerantes
tomado isoladamente, como um átomo individual. De acordo com o que dominavam a retórica, a
arte de falar em público e se
pensador, não existia uma verdade universal; os fatos só poderiam ser
comunicar de forma eloquente.
interpretados pela experiência individual, pois o ser humano seria a medida Esses pensadores viajavam pela
de todas as coisas. Hélade e ministravam palestras
em troca de pagamento.
Outro exemplo são os filósofos da escola cínica, que apresentavam uma
Existem controvérsias entre
crítica radical da vida em comunidade. De acordo com os cínicos, o único estudiosos – tanto da Grécia
objetivo do indivíduo deveria ser a felicidade, e ela só poderia ser atingida Antiga quanto da atualidade –
por meio da virtude. Por isso, rejeitavam prazeres, riquezas e convenções sobre a classificação do
sofismo como escola filosófica,
sociais que os afastassem do modo de vida “natural”, próximo daquele expe- pois os sofistas se concentravam
rienciado por outros animais. Diógenes de Sínope (c. 412 a.C.-c. 323 a.C.) mais no ensino da retórica do
foi um filósofo dessa escola, que se desenvolveu em um período histórico que na criação de um sistema
conceitual de pensamento.
em que a Grécia vivia sob o domínio militar, político e econômico de outras
culturas – ou seja, uma realidade na qual as pólis haviam perdido a autono-
mia que as caracterizava.

Filosofia medieval
A filosofia medieval europeia herdou o modo grego antigo de enunciar o
problema da individuação, mantendo a prioridade do todo em relação às
partes e do geral em relação ao individual. Entretanto, o princípio de indivi-
duação não era mais dado pela natureza, mas sim por Deus.
Ainda na Antiguidade, durante o Império Romano

Biblioteca Nacional de Áustria, Viena


o cristianismo se popularizou e se estabeleceu
na Europa como religião dominante e oficial. Mesmo
com a dissolução do Império Romano do Ocidente
na transição para a Idade Média, o cristianismo
permaneceu em destaque na vida europeia. A religio-
sidade passou a ser o centro em torno do qual gira-
vam todas as demais esferas morais, espirituais e
intelectuais MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
das comunidades. A filosofia medieval
adotou então oDA EDITORAmonista,
paradigma DO BRASILsegundo o qual
a natureza, anteriormente considerada a realidade
primária, é concebida como a criação de uma divin-
dade.
De acordo com essa maneira de pensar, Deus é
o princípio e o fim de todas as coisas. Assim, o ser
humano é uma criação de Deus, feito à sua imagem
e semelhança. Nessa concepção, todos os seres
vivos fazem parte de uma hierarquia, e o ser humano
estaria no topo dela, como o dominador das demais
criaturas, pois a ele o Criador teria conferido uma
alma. Essa entidade sobreviveria à morte corpórea
e seria a expressão da eternidade e a marca sagrada
da vida humana.

Monista: concepção que considera


que a realidade é composta de um
princípio único.  Deus como arquiteto do Universo, c. 1220-1230. Iluminura,
34,4 cm × 26 cm (autor desconhecido).

Não escreva no livro. 17


O intelecto humano, entendido como uma expres-
Biblioteca Real dos Países Baixos, Haia

são ou parte dessa alma, teria como responsabili-


dade encontrar os sinais de Deus na natureza
mundana. Para isso, estudiosos árabes resgataram
o pensamento aristotélico na tentativa de provar a
racionalidade do mundo como marca da sabedoria
da divindade.
O pensar e o querer, manifestações da liberdade
individual, também estariam presentes no intelecto.
Os seres humanos seriam distintos entre si, ou seja,
seriam seres individualizados, por não terem os
mesmos desejos e ideias.
Muitos dos pensadores da filosofia medieval esta-
vam conectados ao cristianismo e à Igreja Católica.
Dois exemplos são: Agostinho de Hipona (354-430),
bispo que viveu no início da consolidação cultural e
política do cristianismo na Antiguidade, e Tomás de
Aquino (1225-1274), frade católico italiano da Idade
Média.

Filosofia moderna
A partir do século XV, na passagem da Idade Média
para a Idade Moderna, a individualidade começa a
aparecer na reflexão filosófica de modo diverso – e
até mesmo oposto – ao da Antiguidade e do período
 Manuscrito, publicado no século medieval. O indivíduo se transforma em um elemento primário em relação
XV, do primeiro volume da Cidade
de Deus, obra de Agostinho de à comunidade.
Hipona. De acordo com esse pensamento, a natureza ainda desempenha um papel
central na configuração da individualidade humana, porém não mais esta-
belecendo a forma de ser do indivíduo com base em conjuntos comunitários
e sociais. Ao contrário, o que une os seres humanos e sua comunidade é a
natureza humana existente em cada indivíduo. Essa essência humana exis-
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
tiria, de acordo com o pensamento moderno, como algo dado pela natureza
DA EDITORA DO eBRASIL
imutável. As organizações sociais, de certo modo, decorreriam dessa natu-
reza humana, seja positiva, seja negativamente. Por exemplo, no contratua-
lismo, o estado natural do ser humano, em geral conflituoso, teria de ser
superado pela vida política, no sentido de que as leis serviriam para alterar
Quais eram as ou, ao menos, “domar” os impulsos naturais.
características do
pensamento contratualista? Assim, o indivíduo, no pensamento moderno, não é mais definido pelo
O contratualismo era formado pertencimento natural a um grupo que fornece sua identidade; pelo contrá-
por um conjunto de doutrinas rio, a individualidade se transforma no princípio a partir do qual se pensam
que explicam a necessidade o mundo, a sociedade e os objetos.
da existência do Estado por
meio de teorias que envolvem Portanto, a pergunta filosófica principal, nesse período, não envolve mais
a criação de um contrato a forma de comunidade ideal para que seus integrantes possam viver bem
social simbólico, em que a
dentro dela. Agora, o foco está na busca por uma sociedade que esteja em
sociedade abre mão de certos
direitos para ter a proteção conformidade com a natureza individual do ser humano.
de um governo. Os laços comunitários, na reflexão antiga e medieval, eram considerados
Alguns pensadores dessa a realidade primária e natural. Na Idade Moderna, a liberdade e a autode-
corrente foram Thomas Hobbes
(1588-1679) e Jean-Jacques
terminação dos indivíduos eram fatos naturais, ou seja, direitos essenciais
Rousseau (1712-1778). da humanidade. Portanto, as relações em sociedade deviam oferecer con-
dições para que esses direitos fossem exercidos.

18 Não escreva no livro.


Por esse motivo, as elaborações dos filósofos modernos tomavam como
ponto de partida, muitas vezes, a questão da natureza humana, que pode
ser predominantemente racional em uns, dominada pelas paixões ou pelo
temor em outros, ou ainda ser um conjunto de desejos obscuros. Por
exemplo, René Descartes (1596-1650) defendia uma concepção de sujeito
humano racional; já Blaise Pascal (1623-1662), seu contemporâneo, defen-
dia que as paixões, e não a racionalidade, seriam os aspectos centrais da vida

Academia de Belas Artes, Florença.


dos indivíduos. Entretanto, mesmo com essa variedade, o núcleo comum da filo-

Fotografia: De Agostini Picture


sofia moderna é a individualidade dada por natureza.

Library/Album/Fotoarena
A concepção filosófica de natureza humana também afetou as manifestações
artísticas do período. Um exemplo é a obra David, do artista italiano Michelangelo di
Lodovico Buonarroti Simoni (1475-1564).
Algumas interpretações de estudiosos dessa escultura mencionam que o artista retra-
tou David, herói bíblico, momentos antes de seu confronto com o gigante Golias. Por isso,
o personagem exibe uma expressão de apreensão e concentração, demonstrando as
nuances da natureza humana.

Filosofia contemporânea
No pensamento filosófico contemporâneo, desenvolvido a partir do
século XIX, vigoram, majoritariamente, quatro tendências em relação à  Michelangelo. David, 1501-1504.
questão do indivíduo. A primeira tendência considera os indivíduos a ins- Escultura em mármore,
517 cm × 199 cm (detalhe).
tância que delimita a própria realidade, relacionando a individualidade à
subjetividade e definindo a individuação humana principalmente pela inte-
rioridade. Desse modo, tanto os conteúdos quanto as formas das experiências humanas e
suas relações são compreendidos como dependentes dos sentidos que os indivíduos, com
base em suas interioridades, atribuem ao mundo. Nessa tendência, situam-se autores que
delineiam uma tradição de pensamento centrada na noção de existência ou de interpreta-
ção individual, como Soren Kierkegaard (1813-1855), Friedrich Nietzsche (1844-1900),
Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Simone de Beauvoir (1908-1986).
Kaliam/Shutterstock.com

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

Monumento ao filósofo francês Jean-Paul Sartre. Nida, Lituânia, 2019.

Em alguns casos, a atividade humana de conferir sentido às coisas está delimitada por
redes de poder que o sujeito precisa ser capaz de interpretar, desconstruir e se reposicionar
diante delas. Esses posicionamentos são característicos das tendências filosóficas pós-
-modernas. Exemplos de autores cuja escrita se baseia nessas tendências são: Jean-
-François Lyotard (1924-1998), Gilles Deleuze (1925-1995), Michel Foucault (1926-1984)
e Agnes Heller (1929-2019).

Não escreva no livro. 19


Outra tendência contemporânea, também abrangendo uma diversidade de matrizes,
defende que a individualidade é determinada por variáveis que não podem ser alteradas pelo
próprio sujeito, ou seja, é definida pela sua configuração biológica. A base orgânica dos indi-
víduos determinaria antecipadamente suas ações ou, ao menos, as condições e os parâme-
tros básicos do seu modo de agir.
Em geral, os pensadores dessa vertente se dedicaram a abordar temas relacionados à
bioética, ou seja, à discussão de questões éticas motivadas pelo desenvolvimento das bio-
ciências e pela inserção de biotecnologias em áreas como a medicina e a produção de ali-
mentos. Destacam-se pensadores como Noam Chomsky (1928-), Richard Dawkins (1941-),
Peter Singer (1946-) e Steven Pinker (1954-).
Há ainda filósofos que buscam compreender o fenômeno da individualidade humana em
bases materialistas, societárias e históricas. Nessa forma de pensamento, o indivíduo não é
compreendido como uma entidade isolada, unicamente produto do meio em que vive ou
consequência direta de disposições biológicas.
Pelo contrário, a configuração biológica é entendida aqui como um ponto de partida, trans-
formado de maneira contínua pela ação socialmente determinada dos indivíduos ao viver em
comunidade. Alguns dos seus principais pensadores são: Karl Korsch (1886-1961), Karel
Kosík (1926-2003), Paolo Rossi (1928-2012), Alain Renault (1948-), André Comte-Sponville
(1952-) e Emmanuel Renault (1967-).

O indivíduo e a liberdade
Como foi visto, os indivíduos estão sempre contextualizados em suas relações com o mundo
e com seus semelhantes. Assim, o espaço da liberdade dos indivíduos é determinado, em
diferentes tempos, pelas condições dadas pela realidade.
Segundo Aristóteles, as ações humanas são frutos de uma decisão: agir ou não agir. São,
portanto, resultado de uma escolha entre as alternativas que se apresentam ao indivíduo.
Para o filósofo, desde que o indivíduo escolha e aja de modo voluntário, age livremente. A
ação livre pode ter resultado positivo ou negativo. O que determina esse resultado é a capa-
cidade do indivíduo de escolher os meios adequados de agir em cada momento e de acordo
com as circunstâncias. Portanto, a liberdade dos indivíduos se manifesta nas suas escolhas
e ações voluntárias.
Na concepção
MATERIAL cristã dominante no período medieval, a liberdade se manifesta por meio
DE DIVULGAÇÃO
do livre-arbítrio que os indivíduos têm para optar por fazer o bem, seguindo as leis de Deus,
DA EDITORA DO BRASIL
ou escolher o caminho do mal, negando a graça divina.
Porém, é na Idade Moderna e na
Museu Carnavalet, Paris. Fotografia: Bridgeman images/Easypix Brasil

contemporaneidade que a discussão


sobre a relação entre indivíduo e liber-
dade ganha um escopo mais amplo,
pois é nesses períodos que o ser
humano começa a ser conceituali-
zado como elemento central para a
organização e o funcionamento do
mundo. Por isso, as próximas pági-
nas desta unidade vão se centrar na
discussão da liberdade para o indi-
víduo nesses dois períodos.

 Louis-Simon Boizot. Liberdade


armada com o cetro da razão derruba
a ignorância e o fanatismo, 1793.
Gravura, 34,5 cm × 51 cm.

20 Não escreva no livro.


Atividades

1. De que maneira o indivíduo foi conceitualizado pelo pensamento filosófico em diferentes


momentos da história?
2. Observe a gravura apresentada na página 20 e responda às questões.
a) Descreva de que maneira (posicionamento corporal, expressão facial etc.) a perso-
nificação da liberdade está representada na imagem.
b) Com base no que você estudou sobre o pensamento filosófico moderno, levante uma
hipótese sobre o motivo pelo qual a personificação da liberdade está segurando o
cetro da razão na gravura.
c) Por que a liberdade está no lado oposto ao do fanatismo e ao da ignorância na ima-
gem? Relacione sua resposta com a hipótese formulada no item anterior.
3. As esculturas de figuras humanas alongadas e magras estão entre as principais obras do
artista suíço Alberto Giacometti (1901-1966). Contemporâneo a Sartre, o artista esculpiu
obras relacionadas a alguns conceitos desenvolvidos pelo filósofo francês.
Observe a imagem de uma escultura de Giacometti e, em seguida, leia o trecho do texto
de Sartre. Busque elementos em comum entre os dois trabalhos e, por fim, responda às
questões.

O homem, tal como o existencialismo o concebe, só não


é passível de uma definição porque, de início, não é nada:
só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele
fizer de si mesmo. [...] O homem é tão somente, não ape-
nas como ele se concebe, mas também como ele se quer;
como ele se concebe após a existência, como ele se quer
após esse impulso para a existência. O homem nada mais
é do que aquilo que ele faz de si mesmo. [...] É também a
isso que chamamos de subjetividade. [...] De início, o ho-
mem é um projeto que se vive a si mesmo subjetivamen-
te [...]; não há nenhuma inteligibilidade no céu, e o homem
Fundação Giacometti, Paris. Fotografia: Nancy Kaszerman/ZUMA Wire/Easypix

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO será apenas o que ele projetou ser. [...] Desse modo, o pri-
Brasil © Alberto Giacometti Estate/ADAGP, Paris/AUTVIS, Brasil, 2020.

DA EDITORA DO BRASIL meiro passo do existencialismo é o de pôr todo homem


na posse do que ele é, de submetê-lo à responsabilidade
total de sua existência.
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo.
São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 6. (Os pensadores).

 Alberto Giacometti. Homem andando I, 1960.


Escultura em bronze, 180,5 cm × 27 cm × 97 cm.

a) De que forma o indivíduo é representado na escultura de Giacometti?


b) Como Sartre define o ser humano e suas relações com o mundo? Justifique sua
resposta com trechos do texto.
c) Qual é a relação entre a escultura de Giacometti e o conceito de existencialismo
defendido por Sartre? Explique sua resposta.

Não escreva no livro. 21


LIBERDADE E INDIVÍDUO NA IDADE MODERNA
A partir do século XI, diversos fatores levaram à intensificação das atividades comerciais
e ao crescimento urbano na Europa ocidental. Em um processo de longa duração, as cidades
ganharam protagonismo em relação ao campo e as relações servis de trabalho passaram a
dar lugar a formas livres, vinculadas à manufatura, ao comércio e às operações monetárias.
A sociedade feudal enfraquecia-se, enquanto emergia uma sociedade mercantil.
Junto às mudanças sociais e econômicas estavam as mudanças culturais: o fluxo contínuo
de pessoas e mercadorias envolvia também as trocas de ideias e o desenvolvimento de novos
hábitos e costumes. Nos centros urbanos, a vida das pessoas tornava-se menos comunitária
que no campo, ficando encerrada em espaços mais restritos e de caráter privado. Ao mesmo
tempo, a grande quantidade de moradores das cidades, cada vez mais povoadas, exigia a
elaboração de formas de convivência e civilidade.
O século XIV marcou o fim da Idade
Palazzo Publico, Siena. Fotografia: Age Fotostock/Easypix Brasil

Média e o início da Idade Moderna, quando


todos esses processos consolidaram uma
mudança de paradigma. Ainda que resquí-
cios feudais tenham perdurado na Europa
até o século XIX, o que se via naquele
momento era uma sociedade voltada ao
comércio, organizada por princípios como
o individualismo e a autonomia, e marcada
pela valorização da racionalidade e da cria-
tividade humana.
Na Era Moderna, o mundo tornou-se
objeto de investigação técnica e científica
para os europeus. Compreender a natureza
do ser humano e do Universo e as leis que
regem o cosmos e a sociedade passou a
ser considerado o caminho para a verdade.
Nessa perspectiva, o ser humano, em todas
as suas capacidades, era colocado como
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO o centro do Universo e a natureza era vista
DA EDITORA DO BRASIL como um recurso a ser dominado e explo-
rado. Cabia aos seres humanos (e não à
vontade de Deus) a responsabilidade pelas
 Ambrogio Lorenzetti. Efeitos do bom governo na cidade, 1337-1343. próprias conquistas e fracassos. Assim, o
Afresco, 770 cm × 1 440 cm (detalhe).
indivíduo figurava como governante da pró-
pria vida, assumindo a posição de sujeito crítico e racional, e deixando de ser uma figura anô-
nima e submissa na multidão.
Um exemplo disso foi a atitude de Michelangelo ao pintar o teto da Capela Sistina, loca-
lizada no Vaticano. Michelangelo defendeu sua liberdade artística e seu projeto pessoal
Afresco:
para criar os afrescos, contrariando a opinião do papa Júlio II (1443-1513), a maior
pintura feita autoridade política e religiosa da Europa na época. Desse modo, o artista sobrepôs a sua
em paredes perspectiva individual à da autoridade da Igreja Católica, algo que seria improvável um
e tetos,
geralmente século antes, no fim da Idade Média.
sobre uma Esse modo de considerar os seres humanos o centro do Universo é chamado de antropo-
superfície de
gesso. centrismo e contrapunha-se ao teocentrismo medieval, para o qual Deus (e, por extensão, a
Igreja) era o elemento central da vida, em torno do qual a humanidade e a natureza gravita-
vam. A visão antropocêntrica expressava a ideia de que somente o ser humano é capaz de
conhecer e transformar o mundo de acordo com seus desejos e meios técnicos.

22 Não escreva no livro.


Renascimento artístico e a valorização do indivíduo
O termo Renascimento foi usado, a partir do século XVI, para nomear as transformações
nas formas de expressão artística e nas mentalidades durante a Idade Moderna europeia.
Uma das principais características do Renascimento é seu caráter humanista, ou seja, a ênfase
dada ao indivíduo humano e às suas ações.
Os artistas e pensadores renascentistas buscavam se afastar de alguns valores e modelos
medievais, sem romper com o cristianismo, que ainda servia de inspiração para muitas de
suas obras. Inspirando-se na Antiguidade Clássica, eles representavam personagens bíbli-
cos e mitológicos com riqueza de detalhes e ênfase nos corpos e expressões humanas.

O ser humano à imagem e semelhança de Deus


Entre os afrescos pintados por Michelangelo no teto da Capela Sistina, no século XVI, um dos mais famosos é
A criação de Adão. O afresco representa o momento em que Deus cria Adão, o primeiro homem. Esse episódio compõe
o Livro do Gênesis, obra da tradição cristã.
Capela Sistina, Vaticano

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
 Michelangelo. A criação de Adão, 1511. Afresco, 280 cm × 570 cm. Na obra, Adão (à esquerda) está na Terra, ainda
DA EDITORA DO BRASIL
vazia, e Deus (à direita) está envolto em um manto.
•• Com base na leitura da pintura, responda às questões no caderno.
a) Observe o gesto de Deus e Adão e a anatomia de seus corpos: quais são as semelhanças e diferenças existentes entre
eles? Indique elementos da composição da imagem que revelem essas características.
b) Essa composição indica fragilidade e submissão ou força e igualdade do ser humano em relação a Deus?
c) Em sua opinião, essa pintura representa uma visão teocêntrica ou antropocêntrica? Apresente argumentos para justi-
ficar sua resposta.

Em função do destaque dado ao ser humano, os artistas renascentistas utilizavam a pers-


pectiva na composição de suas obras, técnica de representação tridimensional de elementos
capaz de enfatizar e dar realismo a cenários e personagens. Essa nova forma de pintar con-
trastava com as figuras planas e altamente estilizadas da arte medieval.
O artista florentino Giotto di Bondone (c. 1267-1337) foi um dos precursores nas tentati-
vas de dar um efeito tridimensional às representações. Giotto acrescentou traços de luz e
sombra às suas composições, gerando assim uma ilusão de profundidade nos objetos repre-
sentados. As figuras de Giotto eram arranjadas de modo a causar a impressão de movimento,
contribuindo assim para seu efeito dramático.

Não escreva no livro. 23


O domínio da perspectiva
Ainda que as pinturas de Giotto apresentassem seus objetos em
Cappella degli Scrovegni, Pádua

diferentes níveis de profundidade, os teóricos e arquitetos Filippo


Brunelleschi (1377-1446) e Leon Battista Alberti (1404-1472)
desenvolveram o uso da técnica da perspectiva ao criar e fundamen-
tar os conceitos, as regras e os cálculos necessários para transpor
uma paisagem tridimensional para uma tela bidimensional.
As regras de perspectiva, na forma como foram teorizadas no
período, partiam de dois conceitos fundamentais: o de linha do
horizonte e o de ponto de fuga. A linha do horizonte é o item na
construção da perspectiva que deve estar sempre na altura dos
olhos do observador. Quando só existe um ponto de fuga no dese-
nho, ele está sempre localizado na linha do horizonte. Todas as
linhas paralelas de projeção de um desenho em perspectiva con-
 Giotto di Bondone. O encontro no vergem para o ponto de fuga, transformando-se em diagonais que
portão dourado, c. 1305. Afresco,
200 cm × 185 cm. A obra é um dão efeito de profundidade à representação.
exemplo da tentativa de criação do Além dessa perspectiva linear ou geométrica, os pintores renascentistas
efeito tridimensional.
utilizavam a chamada perspectiva atmosférica, que pretende criar um efeito
de profundidade ao retratar figuras que estão distantes do observador, de
maneira menos precisa e com tonalidades mais pálidas ou azuladas. Desse
modo, os renascentistas desejavam reproduzir o mundo ao seu redor como
eles os enxergavam na realidade.
Observe o uso das perspectivas atmosférica e linear na obra de Pietro
Perugino (c. 1445-1523), reproduzida abaixo. Nessa obra, é possível perce-
ber de forma clara o uso das regras de perspectiva. O chão é formado por
linhas horizontais, paralelas à linha do horizonte, ao fundo, enquanto as linhas
que as cruzam convergem para um ponto de fuga. Já o efeito de profundi-
dade é causado pela representação de pessoas e elementos da paisagem
de forma mais imprecisa e com tonalidade mais pálida e azulada.

Capela Sistina, Vaticano. Fotografia: Prisma/Album/Fotoarena


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

PONTO DE FUGA LINHA DO HORIZONTE

 Pietro Perugino. Entrega das chaves a São Pedro, 1481. Afresco, 330 cm × 550 cm. As linhas sobrepostas à imagem
foram inseridas para fins didáticos.

24 Não escreva no livro.


A liberdade na ciência
Durante a Idade Moderna europeia, o campo da ciência foi, possivelmente,
o espaço onde a liberdade foi mais testada – ora expandida, ora reprimida.
As pessoas que viveram na Europa durante a Idade Moderna estavam sujei-
tas, majoritariamente, a duas grandes autoridades: a Igreja Católica, com
seu poder espiritual, moral e científico, e a monarquia, que controlava as
esferas política, econômica, legislativa e judiciária. O primeiro passo desse
processo de busca pela liberdade de pensamento foi romper com crenças Dogma: aspecto de uma doutrina
que é considerado incontestável.
e dogmas religiosos.
Os pensadores da Idade Moderna apoiaram-se no pensamento racio-
nal para investigar os fenômenos naturais, buscando a verdade por meio  Cenas da Inquisição
de procedimentos empíricos: observar, medir, pesar, calcular, comparar Espanhola em Gante, 1578.
Gravura, 35,7 cm × 27,3 cm
e experimentar. (autor desconhecido).
Até então, os fenômenos naturais eram

Sociedade de História do Protestantismo Francês, Paris. Fotografia: Bridgeman


images/Easypix BrasilFotografia: Bridgeman images/Easypix Brasil
entendidos como ações divinas; portanto, só
podiam ser explicados por meio da fé. Desde
as doenças até o movimento dos astros, tudo
estava relacionado à vontade de Deus. A natu-
reza era um mistério compreendido apenas
por Deus. Duvidar da verdade estabelecida
pela Igreja Católica ou estimular a curiosidade
das pessoas eram consideradas atitudes des-
respeitosas e ofensivas. Por isso, a Igreja esta-
beleceu um conjunto de instituições, conhe-
cidas como Inquisição, que tinham o objetivo
de combater hereges, ou seja, pessoas que
contrariavam os dogmas católicos.

Homem vitruviano: a busca da geometria humana


O homem MATERIAL
vitruvianoDEéDIVULGAÇÃO
um desenho feito pelo artista italiano

Galeria da Academia, Veneza


Leonardo da Vinci em 1492, baseado no tratado de arquitetura do romano
DA EDITORA DO BRASIL
Marcos Vitrúvio (80 a.C.-15 a.C.). O arquiteto romano indicou as propor-
ções do corpo humano ideal usando, para isso, as formas geométricas
de um quadrado e um círculo. Porém, seus cálculos eram inexatos.
Graças aos seus estudos sobre anatomia, ótica e geometria, Da Vinci
ajustou os cálculos de Vitrúvio e chegou a um modelo proporcional do
corpo humano que é perfeito dentro dos padrões matemáticos: as medi-
das do homem encaixam-se no círculo, que representa o céu, e no
quadrado, simbolizando a terra.

•• Sobre esse tema, responda às questões no caderno.


a) É possível dizer que essa obra é um exemplo de pensamento
racional aplicado à arte e à ciência? Explique.
b) Por que O homem vitruviano é considerado um símbolo da centrali-
dade do ser humano na natureza racional?

Leonardo da Vinci. As proporções da figura humana (de acordo


com Vitruvius), c. 1492. Desenho, 34,3 cm × 24,5 cm.

Não escreva no livro. 25


A reação ao pensamento racional
Miguel Servet (1511-1553), o primeiro

Biblioteca Britânica, Londres


europeu a descrever a circulação pulmonar
do corpo humano, foi morto na fogueira pela
Inquisição. Giordano Bruno (1548-1600),
contestador de diversos dogmas católicos,
entre eles o de que a Terra era o centro do
Universo, também foi condenado à morte na
fogueira. Nicolau Copérnico (1473-1543) foi
punido por sua teoria do heliocentrismo, que
indicava que a Terra e os outros planetas do
Sistema Solar se moviam ao redor do Sol.
Todas essas perseguições, entretanto, não
detiveram o desenvolvimento do pensamento
racionalista, individualista e antropocêntrico.  Andreas Cellarius. Mapa astronômico com base em
Ao longo dos séculos, ele influenciou as artes modelo heliocêntrico de Nicolau Copérnico, 1660.
Gravura colorida.
e a Filosofia, e possibilitou avanços científicos.

O empirismo e o cartesianismo
Ainda no período moderno, o inglês Francis Bacon (1561-1626) propôs que a ciência
deveria se separar da religião e se libertar dos preconceitos e das superstições. Só assim
seria possível chegar ao conhecimento. Para isso, ele definiu as regras de um método que
consistia em observar, comparar e classificar os acontecimentos da natureza e, a partir daí,
buscar suas leis universais por meio de generalizações sucessivas.
Francis Bacon abriu caminho para que astrônomos, físicos, naturalistas e médicos aplicas-
sem o empirismo (experiência prática) adotando três procedimentos básicos:
•• apoiar o saber na observação minuciosa (e não em ideias preconcebidas);
•• rejeitar questões morais e religiosas;
•• realizar uma exposição lógica e rigorosa das provas (anotar e experimentar quantas
vezes forem necessárias).
O filósofo francês René Descartes foi ainda mais radical. Em sua
MATERIAL DE DIVULGAÇÃOobra Discurso sobre o método, publicada em 1637, ele propôs a dúvida
DA EDITORA DO BRASIL como método de pensamento rigoroso: duvidar de tudo, das afirma-
Museu de Arte Nelson-Atkins, Kansas

ções, do senso comum, dos argumentos das autoridades, da cons-


ciência e da realidade do mundo exterior. Para Descartes, a dúvida
era um instrumento intelectual necessário para chegar à verdade: se
duvido, penso; se penso, existo. “Penso, logo existo” é a frase mais
famosa do método científico criado pelo filósofo.
Descartes colocou o pensamento filosófico ao livre exame da
razão individual, sem a tutela da Igreja e de outras autoridades.
Reconhecia no ser humano a capacidade de bem julgar e de dis-
tinguir entre o verdadeiro e o falso. Acreditava que todos eram
dotados de razão, capazes de formar uma opinião e, por isso, de
controlar a própria existência.
O pensamento cartesiano (de Descartes) teve grande reper-
cussão em toda a Europa e preparou o caminho para as ideias de
liberdade do século XVIII.

 Francisco de Goya. O sono da razão produz monstros, c. 1797-1799. Gravura,


18,8 cm × 14,9 cm. A obra demonstra a valorização da razão, postulada pelo
cartesianismo, no pensamento do pintor espanhol do século XVIII.

26 Não escreva no livro.


Individualização da fé na Reforma Protestante
No começo do século XVI, o monge alemão Martinho Lutero (1483-1546) denunciou abu-
sos e desvios morais que ocorriam dentro da Igreja Católica. Para isso, conta-se que ele expôs
suas 95 teses na frente da Catedral de Wittenberg, no ano de 1517. Além de tecer críticas –
entre elas, ao comportamento corrupto do clero católico –, Lutero propunha uma reforma, que ficou
conhecida como protestante, da estrutura e do jeito de compreender a fé da Igreja Católica.
A venda de indulgências foi condenada por Lutero nas teses, pois apenas a fé levaria à sal-
vação e não poderia ser adquirida por meio da compra de itens considerados sagrados e
comercializados pela Igreja Católica. De acordo com as teses, qualquer cristão verdadeira-
mente arrependido era digno de perdão, mesmo sem a compra de cartas de indulgência.
Porém, o princípio da reforma, segundo Lutero, era o sacerdócio universal, isto é, todo
Alegoria:
crente poderia ter acesso direto aos Evangelhos e poderia praticar o culto desde que tivesse representação
conhecimento suficiente da Bíblia. O monge traduziu a Bíblia para o alemão (sua língua de uma ideia ou
materna), permitindo, com isso, a leitura direta dos ensinamentos bíblicos pelos letrados, sentimento de
forma figurada.
sem dependerem dos padres e de suas interpretações dos textos considerados sagrados.

O “peso” da Bíblia para a fé protestante


Imagens como a apresentada a seguir, em versões diferentes, mas com a mesma mensagem, circularam nos países
protestantes nos séculos XVI e XVII. Trata-se de uma alegoria que mostra a pesagem da Bíblia (no prato, à direita) e
de objetos simbólicos do catolicismo: chaves de São Pedro, a mitra e até um padre (no prato, à esquerda). Do lado
esquerdo da imagem é possível observar o papa rodeado pelo alto clero católico. À direita, trajando roupas escuras,
estão representantes religiosos protestantes (luteranos e calvinistas).
Rijksmuseum, Amsterdã

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

O peso da Bíblia, c. 1660. Gravura, 32,3 cm × 24,3 cm (autor desconhecido).

•• Com base na leitura da imagem, responda às questões no caderno.


a) Qual é o resultado da pesagem da imagem? O que isso significa?
b) Essa é uma propaganda favorável a que grupo religioso? Explique.
c) Relacione as ideias de Francis Bacon e René Descartes ao ponto de vista expresso nessa gravura.

Não escreva no livro. 27


Igreja de Santa Maria, Vitemberga

 Lucas Cranach, o Velho. Retábulo da reforma, 1547. Óleo sobre tela, 447 cm × 562 cm (detalhe).

O protestantismo rejeitou diversos dogmas da Igreja Católica e seu papel de intermediá-


ria entre Deus e a humanidade – suprimindo, com isso, a hierarquia criada pela instituição.
Cada pessoa batizada tinha um valor idêntico, incluindo os ministros, pastores e missioná-
rios, estando todos a serviço da comunidade. A fé foi individualizada: o fiel passou a ter uma
relação íntima e pessoal com os textos sagrados.
A Reforma Protestante foi um movimento para libertar a população do controle exercido
pela Igreja Católica sobre a doutrina e o culto. Trouxe uma maneira de entender a fé como
consciência individual inspirada pelo Espírito Santo, mas não pela razão lógica. Ainda que o
indivíduo tivesse autonomia de consciência, ele estava longe de desfrutar a liberdade de pen-
samento como se entende na contemporaneidade.
O movimento reformista estendeu-se rapidamente por toda a Alemanha, norte da Europa,
Flandres e Hungria, e ganhou uma nova vertente na Suíça, com João Calvino (1509-1564),
e na Inglaterra, com o anglicanismo. Veja mais alguns exemplos de variações dessa
corrente cristã:

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
Diferentemente da Igreja Católica, para quem uma única interpretação é fundamental, para o
Cristianismo protestante a livre interpretação sempre foi uma das premissas básicas. Dessa ma-
neira, com as igrejas ou denominações mais tradicionais, outras tantas surgiram, com sutis varia-
ções teológicas. A partir da vertente Luterana, por exemplo, fortemente ligada ao Estado, surgiram
igrejas nacionais, como a sueca, a alemã, a norte-americana, entre outras, todas guardando entre
si certa independência. Do Calvinismo, a mais relevante
igreja a surgir foi a Presbiteriana. A partir da matriz
Anglicana, evoluiu o maior número de novas denomi-
nações: a Episcopal (surgida após a independência
Ark Neyman/Shutterstock.com

dos Estados Unidos, pois os fiéis recém-indepen-


dentes não queriam ficar atrelados a uma igreja
inglesa), as Pentecostais, a Batista, a Congrega-
cional, entre outras.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique.
Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:
Contexto, 2009. p. 83.

Catedral de Uppsala, sede da Igreja


Nacional da Suécia, em 2019.

28 Não escreva no livro.


Iluminismo e liberdade individual
O Iluminismo ou Ilustração foi um movimento intelectual e filosófico que se desenvolveu
no século XVIII. De acordo com os filósofos iluministas, somente o conhecimento cultivado
pelo pensamento racional seria capaz de iluminar as mentes e afastar os preconceitos, as
superstições, a ignorância e os dogmas religiosos. Esses pensadores defendiam a liberdade
individual, a tolerância religiosa, a fraternidade, a igualdade, o governo constitucional, o pro-
gresso científico e a separação entre Igreja e Estado.
A compreensão iluminista de liberdade remonta às ideias do filósofo inglês John Locke
(1632-1704). Em seus escritos políticos, esse autor defendia que os seres humanos eram
iguais por natureza e que o Estado, constituído com base em um consenso dos cidadãos,
deveria garantir direitos e liberdades individuais. Entre essas garantias, destaca-se o direito
à vida, à liberdade e à propriedade individual.
O Iluminismo não foi um movimento homogêneo. O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), por exemplo, via a sociedade moderna como decadente, associando-a à dege-
neração do caráter humano. Ele defendia que fosse instaurado um contrato social para pro-
teger as liberdades individuais, enquanto o francês Voltaire (1694-1778) defendia o progresso
da ciência e o refinamento dos costumes trazidos pela civilização. Contudo, eles se uniam
em pontos importantes, como a certeza na razão, a condenação do autoritarismo, a defesa
da tolerância religiosa e o interesse pelas questões sociais, como o aumento da pobreza no
campo e nas cidades e a falta de assistência do Estado. Essas ideias e noções de liberdade
viriam a ser inspiração para revoluções e revoltas burguesas que derrubariam formas de
Estado, como a Revolução Francesa, que você vai estudar com mais detalhes na Unidade 3
deste Livro.
As ideias desses filósofos foram reunidas em uma obra monumental, A Enciclopédia, também
chamada Dicionário das ciências, das artes e dos ofícios. Esse título revela o objetivo da publica-
ção de reunir diferentes conhecimentos humanos do período, de Matemática, Física, Ciências
Naturais, História, Geografia, Arte etc., e torná-los acessíveis ao público leitor. Tratava-se, por-
tanto, de uma forma de ampliar o alcance dos saberes científicos e contribuir com o esclareci-
mento dos cidadãos, entendido como verdadeira chave para a liberdade.
Os idealizadores e dire-

Coleção particular. Fotografia: Bridgeman images/Easypix Brasil


tores desse projeto editorial,
reunido em 28 MATERIAL
volumesDE aoDIVULGAÇÃO
DA EDITORA
longo de 27 anos, foram o DO BRASIL
filósofo Denis Diderot (1713-
-1784) e o matemático Jean
le Rond D’Alembert (1717-
-1783). A publicação da
enciclopédia envolveu diver-
sas controvérsias em círcu-
los conservadores e sua
publicação foi oficialmente
proibida, por sua visão crí-
tica à aristocracia e ao clero.

Página que ilustra um laboratório


científico e uma tabela de símbolos
químicos, presente na obra
A Enciclopédia, organizada por
Denis Diderot e Jean le Rond
D’Alembert, em 1770.

Não escreva no livro. 29


OUTRO PONTO DE VISTA

Crítica ao Iluminismo
O Iluminismo, com seus ideais de igualdade e liberdade individual, foi um fator de mudanças profundas nas estru-
turas políticas no século XVIII, tanto na Europa quanto na América. Contudo, é também preciso reconhecer os limites
e contradições da perspectiva iluminista, um movimento de origem europeia, principalmente francesa. Ao proclama-
rem a existência de direitos universais da humanidade, os seguidores do Iluminismo, muitas vezes, impunham a outros
povos valores que eram próprios da cultura francesa à epoca.
O texto a seguir destaca duas correntes que criticam o legado do Iluminismo: a Escola de Frankfurt, representada
pelos filósofos alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), e o Pós-Modernismo.

O Iluminismo [...] é entendido como um momento fundador [...] e do mundo contemporâneo, em que predominam
os valores burgueses. E, como tal, passou, desde meados do século XX, a sofrer diversas críticas dos opositores da
modernidade e do imperialismo.
[...] O filósofo alemão Theodor Adorno, com sua geração de exilados pela Segunda Guerra Mundial, começou a
indagar, em meados do século XX, sobre a validade do progresso e da técnica para a história da humanidade. Ao
lado de Horkheimer, Adorno afirmou o fracasso do Iluminismo, pois [este] não libertou o homem do medo e do
mito, nem o tornou autônomo, por meio do domínio da ciência e da técnica. Em vez disso, uma vez derrotado o
fanatismo religioso, o homem passou a ser vítima de um novo fanatismo, criando outro dogma, o da ciência e da
tecnologia, para a sociedade contemporânea.
Nas últimas décadas do século XX surgiu outra corrente filosófica contrária ao Iluminismo, a pós-modernidade. Cri-
ticando os predomínios das sociedades ocidentais sobre o mundo e a imposição de seus valores a todas as culturas em
contato com os ocidentais, os pós-modernos passaram a criticar a supremacia do cientificismo e do progresso. O culto
ao progresso entrou em decadência nos meios intelectuais e os limites entre razão, senso comum e religiosidade come-
çaram a ser repensados. Apesar disso, a estrutura de pensamento predominante no Ocidente continua a ser a derivada
do Iluminismo, e alguns autores atuais, inclusive, pregam a revalorização dos princípios iluministas. Entre eles está o
filósofo brasileiro Sérgio Paulo Rouanet, que critica o excessivo relativismo* de algumas visões pós-modernas e defende
a volta da razão como parâmetro para o pensamento científico.
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009. p. 212.

* Relativismo: posicionamento que afirma que é impossível haver certezas absolutas e que tudo é relativo.

1. Em que consistem as críticas de Adorno e Horkheimer ao Iluminismo?


2. Observe a imagem de uma criação artística pós-moderna do britânico Damien Hirst (1965-). Uma das carac-
terísticasMATERIAL DE DIVULGAÇÃO
da arte pós-moderna é a de tentar solapar as certezas racionais. Nessa obra, Hirst pretende fazer
DAde
isso por meio EDITORA DO BRASIL
uma questão: O tubarão está vivo ou morto? Agora, responda às perguntas a seguir.
a) Por que essa obra desafia o
Ukartpics/Alamy/Fotoarena © Damien Hirst and ScienceLtd./AUTVIS, Brasil, 2020
senso comum e as certezas
estabelecidas? Justifique sua
resposta valendo-se do con-
ceito de relativismo.
b) O crítico de arte australiano
Robert Hughes (1938-2012)
classificou essa obra como uma
“obscenidade cultural”. Você
concorda com ele? Justifique.

Damien Hirst.
A impossibilidade física
da morte na mente de
alguém vivo, 1991.
Escultura, 213 cm ×
518 cm × 213 cm.

30 Não escreva no livro.


Atividades

1. Explique de que maneira o conceito de antropocentrismo afetou a arte e o pensamento


científico europeu durante a Idade Moderna.
2. A frase “Penso, logo existo”, que expressa as características do método científico de
Descartes, é interpretada e apropriada de formas diferentes por diversos tipos de lin-
guagens. Observe o meme e o estêncil a seguir, que ressignificam esse pensamento na
contemporaneidade.
Freud/Memedroid

POSTO EM UMA
PENSO FAÇO UMA SELFIE LOGO EXISTO
REDE SOCIAL
Meme inspirado pela frase “Penso, logo existo”, que circulou nas redes sociais na década de 2010.
BINGO

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
 BINGO. Penso, logo (r)existo,
2018. Estêncil em local público
de Mogi Guaçu, SP.

•• Agora responda:
a) Quais são os significados que a frase “Penso, logo existo” adquiriu em cada uma
das imagens? Justifique sua resposta.
b) Você concorda com as observações apresentadas nas imagens? Explique.
3. Reúna-se com os colegas e discuta:
a) Qual é o significado de pensar e existir para você?
b) Como as capacidades de pensar, existir, acreditar e duvidar modelam a percepção
de mundo das pessoas atualmente?
c) Em sua opinião, qual dessas capacidades torna um indivíduo livre, independente e
consciente? Explique.

Não escreva no livro. 31


ASCENSÃO DA LIBERDADE INDIVIDUAL NA SOCIEDADE
As ideias iluministas foram centrais para o estabelecimento do poder da burguesia na
contemporaneidade. De acordo com os teóricos alemães Friedrich Engels (1820-1895) e
Karl Marx (1818-1883), a burguesia é um grupo social composto de proprietários dos meios
de produção, isto é, donos de indústrias e de maquinários. Ao longo dos séculos XVIII e
XIX, a Revolução Industrial instaurou uma transformação nos métodos de produção. Itens
deixaram de ser feitos artesanalmente para serem produzidos por meio de máquinas e na
indústria. Dessa maneira, a burguesia angariou grande poder econômico. Com a Revolução
Francesa, no final do século XVIII, a burguesia também passou a concentrar poderes polí-
ticos, alterando a forma de organização do Estado, eliminando os privilégios dos membros
da Igreja e da nobreza, e estabelecendo o Estado-Nação, ou seja, um modelo político carac-
terizado pela divisão de poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário, pela igualdade
jurídica e pela proteção à propriedade privada.
A defesa da igualdade jurídica como base para construção desse novo Estado demons-
tra como o indivíduo foi colocado no centro do processo político. A liberdade individual
deveria ser garantida pelo Estado, já que todos os cidadãos eram considerados iguais
perante a lei. Nenhum cidadão poderia ser preso sem um devido processo legal e sem a
possibilidade de se defender. Todos poderiam votar e se candidatar a cargos públicos,
independentemente de seu lugar social de nascença.
Em 1859, o economista inglês Stuart Mill (1806-1873) escreveu um
tratado intitulado Sobre a liberdade, em que pontuava que a liber-
dade individual requeria liberdade de consciência, de pensa-
mento, de opinião, de crença e de expressão. O indivíduo seria
livre para pensar, decidir, trabalhar e agir, sem estar subme-
tido, constrangido ou obrigado por alguma coisa ou alguém,
desde que dentro da lei e do respeito às normas sociais
vigentes. Da mesma forma, seria livre para buscar sua pró-
pria felicidade e para se organizar coletivamente.
O crescimento da urbanização e o trabalho assalariado
e livre, elementos impulsionados pela Revolução Indus-
trial, também promoveram a ascensão do indivíduo nessa
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO sociedade burguesa. O cotidiano das cidades passou a ser
DA EDITORA DO BRASIL marcado por uma multidão, composta de diferentes indi-
víduos que não se conhecem, deslocando-se para locais
de trabalho por meio de diversos transportes coletivos.
Portanto, o indivíduo, nesse contexto, é o elemento central
que faz a vida social se conectar, é ele quem traba-
lha e consome, fazendo a sociedade funcionar.
A liberdade, nesse sentido, pretendia garantir
que, mesmo convivendo em sociedade, cada
um pudesse viver e pensar livremente. A expres-
são “sozinho na multidão” provém dessa noção
de indivíduo, que, ainda no meio de um amon-
toado de pessoas, continua sendo singular.
Galeria Nacional de Arte, Washington.
Fotografia: Album/Fotoarena

 Auguste Rodin. O pensador, 1880. Escultura


de bronze, 71,5 cm × 36,4 cm × 59,5 cm. A
liberdade de pensamento e de consciência era
essencial para a noção de liberdade burguesa.

32 Não escreva no livro.


Nesse período, o conceito de indivíduo tam-

Oskar Reinhart Collection, Winterthur. Fotografia: Akg-Images/Album/Fotoarena


bém ganhou destaque em diversas áreas do conhe-
cimento. Nas Ciências da Natureza, os estudos
do biólogo britânico Charles Darwin (1809-1882)
indicavam a existência de variações entre indiví-
duos de uma mesma espécie, e o corpo humano
virou fonte prioritária de investigação e cuidado.
Na Psicologia, Sigmund Freud (1856-1939) estu-
dava as consequências, para o indivíduo, da vida
em sociedade. Na Arte, a rotina, as angústias e
os desejos dos indivíduos eram temas centrais
em pinturas, fotografias e livros, como nos qua-
dros de Vincent van Gogh (1853-1890) e na lite-  Honoré Daumier. O vagão de terceira classe, 1864. Aquarela,
ratura de Honoré de Balzac (1799-1850). 23 cm × 33 cm. Daumier, como vários outros pintores da época, retratava
o cotidiano das pessoas que se deslocavam sozinhas pela cidade.

A liberdade guiando o povo


A liberdade guiando o povo é o título de uma pintura romântica do francês Eugène Delacroix (1798-1863), de
1830. Nesse período, revoltas populares instauraram-se na França, causando a abdicação do rei Carlos X. Em sua
obra, Delacroix retrata uma cena que evoca essas revoltas, que fizeram parte das revoluções de 1830 na França.
Museu do Louvre, Paris

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DA EDITORA DO BRASIL

 Eugène Delacroix.
A liberdade
guiando o povo,
1830. Óleo sobre tela,
260 cm × 325 cm.

• Com base na leitura da pintura, responda no caderno às questões a seguir.


a) Descreva a cena (personagens, vestimentas, objetos, cores) representada no quadro.
b) Pesquise, em enciclopédias on-line e na biblioteca da escola, os grupos sociais que fizeram parte das revo-
luções de 1830 na França. Indique quais eram as reivindicações desses grupos.
c) De acordo com o site do Museu do Louvre, local onde a obra está exposta, a mulher no centro da pintura é uma ale-
goria da liberdade. De que forma a liberdade é representada pelo pintor? Justifique sua resposta.

Não escreva no livro. 33


Estudo da relação entre sociedade e indivíduo
Com as transformações instauradas por essa sociedade burguesa, surgiu a necessidade
de se construir uma ciência que estudasse essa nova estrutura social e sua relação com os
indivíduos. Nesse contexto, as Ciências Sociais, compostas da Sociologia, da Antropologia e
da Ciência Política, nasceram como forma de compreender os novos fenômenos sociais. Des-
ses três campos científicos, a Sociologia se centra, principalmente, no estudo das sociedades
modernas capitalistas e se desenvolveu com base em três grandes teóricos: Émile Durkheim,
Karl Marx e Max Weber.
O francês Émile Durkheim (1858-1917) participou da consolidação da Sociologia como
disciplina autônoma na universidade e criou o modelo funcionalista de análise social. De
acordo com esse modelo, cada sujeito tem uma função diferente na sociedade, que é organizada
como um organismo biológico. Segundo Durkheim, a Sociologia deve estudar os fatos sociais,
ou seja, aqueles comportamentos que são produtos da sociedade, mas que são imperativos
e exercem algum grau de coerção sobre o indivíduo. Para esse autor, a socialização é uma
limitação ao indivíduo em si, que não escolhe uma série de determinantes sobre sua vida,
como a língua que fala, a moeda que adota para trocar produtos, os padrões de comportamento
etc. A obrigatoriedade do uso de determinadas vestimentas, como os uniformes, também
pode ser considerada um fato social.

Luciana Whitaker/Pulsar Imagens


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DA EDITORA DO BRASIL

 A educação é a forma de ensinar os fatos sociais às crianças. Na foto, adolescentes uniformizados em sala de aula.
Salvador, BA, 2017.

Os fatos sociais existem para que a sociedade tenha coesão e consiga funcionar. Para isso,
deve haver elementos que promovam laços entre os indivíduos, que Durkheim chama de soli-
dariedade orgânica, criada com base na divisão social do trabalho. Por exemplo, em algumas
sociedades agrárias antigas e pequenas, as funções sociais das pessoas eram bem delimita-
das. Todos se conheciam, e os valores coletivos eram mais importantes que os desejos indivi-
duais; assim, a sociedade se organizava por meio de uma solidariedade mecânica, ou seja, pela
pressão do grupo sobre cada um. Na sociedade burguesa, há diferentes individualidades, além
de uma diversificação maior de profissões e de funções sociais; dessa forma, os vínculos sociais
se dão pelas regras, pelas leis e pela necessidade de colaboração entre todos.

34 Não escreva no livro.


Já Karl Marx foi um teórico alemão que

Museu Russo, São Petersburgo. Fotografia: Bridgeman images / Easypix Brasil


elaborou uma explicação econômica do
funcionamento e da estrutura do capita-
lismo na sociedade moderna. O método de
análise marxista é denominado materia-
lismo histórico dialético, fundamentado no
conceito de luta de classes, ou seja, na
compreensão do conflito entre as princi-
pais classes sociais do período: a burgue-
sia, os donos dos meios de produção, e o
proletariado, os que vendem sua força de
trabalho. Esse método de análise entende
o trabalho, enquanto transformador da
natureza, como fundamento da sociedade.
Por isso, a análise dos fenômenos sociais
é feita com base na forma como uma socie-
dade produz as coisas para suprir suas
necessidades e se reproduzir.
De acordo com Marx, o indivíduo existe
dentro de seu contexto, portanto o modo de
produção é determinante em relação à sua
história. No capitalismo, baseado na proprie-
dade privada dos meios de produção, o indi-
víduo está inserido em uma classe social, o
que determina sua forma de existir.
Segundo Marx, a liberdade do indivíduo
só será alcançada com a superação do
capitalismo, pois a classe trabalhadora,  Boris Kustodiev. Greve, 1906. Óleo sobre tela. A organização dos tralhadores
seria, de acordo com Marx, a única maneira de superar a desigualdade de classes.
ao não ter acesso aos meios de produção,
é explorada pelo capitalista, e o Estado existe para proteger a burguesia. Portanto, somente
a burguesia, detentora do capital, pode desfrutar plenamente da liberdade sob o capita-
lismo. Por isso, a revolução dos trabalhadores em direção ao comunismo seria o próprio
desenvolvimento histórico
MATERIAL da humanidade, dado que, com o fim das classes sociais, não
DE DIVULGAÇÃO
haveria mais a exploração de uma classe sobre a outra; assim, a totalidade dos indivíduos,
e não somenteDA umaEDITORA
classe, DO BRASIL
teria liberdade.
Em contraposição a Marx, outro alemão se destaca como um dos fundadores da Socio-
logia: Max Weber (1864-1920), que entendia as ações individuais como fundamento da
ordem social. Ele criou o conceito de ação social, conduta voltada a outras pessoas e que
ajuda a tecer a sociedade. Seu método consistia em analisar quais ferramentas sociais
influenciavam as ações humanas em determinado sentido, ou seja, buscava compreen-
der as instituições que conduziam a ação social. Um exemplo de ferramenta social é a
religião, que pode levar as pessoas a agir de determinada maneira na sociedade. Weber
utilizava o exemplo dos protestantes calvinistas, cuja visão de mundo coincidia com os
valores do capitalismo, já que a riqueza material era vista de forma positiva.
O uso de tipos ideais em seu método de análise se baseia na construção teórica de um
objeto, uma generalização, considerando todas as suas características principais e seu con-
fronto com esse objeto na realidade concreta. Por exemplo, o historiador Sérgio Buarque de
Holanda (1902-1982), no livro Raízes do Brasil, criou um tipo ideal do comportamento bra-
sileiro, que ele denominou de homem cordial. Esse tipo seria amável e afetuoso, mas tenta-
ria manter o aspecto de familiaridade na esfera pública, em que relações tradicionais, de
amizade e de laços familiares, seriam estabelecidas como forma de evitar relações moder-
nas e profissionais.

Não escreva no livro. 35


Weber foi um crítico ao valor dado à racionalidade, que levaria a uma
burocratização do Estado e da vida como um todo, o que ele chamou de
desencantamento do mundo. Explicações religiosas, compreensões mági-
cas e valores místicos deram espaço à técnica e à razão, que seriam formas
rígidas e engessadas de ver o Universo. De acordo com suas ideias, a racio-
nalidade era uma “jaula de ferro” para os indivíduos e a política, funcionando
como esfera de debate e negociação; era, assim, o espaço para a constru-
ção da liberdade.
Embora o conceito de liberdade individual seja muito valorizado na socie-
Inalienável: algo que não pode
ser cedido ou vendido. dade, diante da complexidade das relações sociais, ele está sob constante
Regime totalitário: sistema de pressão, não sendo, na prática, uma verdade absoluta. Elementos como cen-
governo que exerce alto grau de sura, regimes totalitários, desigualdade econômica e social, violência, suca-
intervenção na vida dos indivíduos.
teamento da saúde pública e a fragilidade política das instituições dificultam
a concretização da liberdade para todas as pessoas na sociedade.

OUTRO PONTO DE VISTA

A fragilidade da liberdade individual para Hannah Arendt


Na década de 1930, o líder nazista Adolf Hitler (1889-1945) estabeleceu um regime totalitário na Alema-
nha, caracterizado pelo nacionalismo, pelo militarismo, pelo autoritarismo, pelo anticomunismo e por uma po-
lítica de extermínio da parcela de sua população. A filósofa Hannah Arendt (1906-1975) foi uma judia alemã
que fugiu para os Estados Unidos nesse período. Em seus estudos, Arendt analisou as experiências históricas
dos regimes totalitários e observou que, na sociedade moderna, o indivíduo, portador de um conjunto de direi-
tos inalienáveis, como a liberdade, é, na prática, uma figura muito vulnerável. A filósofa cita como exemplo os
judeus, os ciganos, os imigrantes e os refugiados, que não tinham reconhecidos seus direitos humanos pelo
Estado, durante o período de regime nazista na Alemanha.

Os Direitos do Homem, afinal, haviam

Ann Ronan Pictures/Print Collector/Getty Images


sido definidos como “inalienáveis” por-
que se supunha serem independentes
de todos os governos; mas sucedia que,
no momento em que seres humanos dei-
xavam de ter um governo próprio, não
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
restava nenhuma autoridade para prote-
gê-los e nenhuma instituição disposta a
garanti-los.
DA EDITORA DO BRASIL
[...]
Os sobreviventes dos campos de ex-
termínio, os internados nos campos de
concentração e de refugiados [...] pude-
ram ver [...] que a nudez abstrata de serem
unicamente humanos era o maior risco
que corriam. Devido a ela, eram conside-
rados inferiores [...].
ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São
Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 397-408. Comício nazista em Nurembergue, Alemanha, final da década de 1930.

1. Com suas palavras, explique o trecho do texto: “[...] a nudez abstrata de serem unicamente humanos era
o maior risco que corriam”. O que a autora quis dizer ao usar os termos nudez e unicamente humanos?
Justifique sua resposta.
2. A autora citou o nazismo como exemplo de um momento histórico em que o indivíduo se mostrou frágil dian-
te da negação de direitos básicos pelo Estado. Pesquise outros exemplos de momentos como esse, descre-
vendo e contextualizando os fatores que colocaram as liberdades individuais em risco.

36 Não escreva no livro.


Atividades

1. O fato social descrito por Émile Durkheim é coercitivo e imperativo, ou seja, se impõe ao
indivíduo. Sobre esse conceito, responda aos itens.
a) Cite um fenômeno do seu cotidiano que possa ser caracterizado como fato social.
b) Descreva o fenômeno e explique por que é um fato social.
2. A privação da liberdade é um aparato estatal utilizado para afastar infratores de leis do
restante da sociedade. Com a ajuda da internet, pesquise o sistema prisional brasileiro.
Para isso, utilize os dados oficiais do site do Departamento Penitenciário Nacional, dispo-
nível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen (acesso em: 15 maio 2020).
Faça os seguintes levantamentos e, depois, responda às questões.
• número total de presos no Brasil atualmente;
• número de presos provisórios atualmente, ou seja, aqueles que estão encarcerados
sem ter passado por um julgamento judicial;
• número da população prisional nos últimos cinco anos;
• porcentagem de presos provisórios nos últimos cinco anos;
• média da população prisional por cela/complexo penitenciário;
• população prisional em atividade educacional (alfabetização, Ensino Fundamental,
Ensino Médio, Ensino Superior etc.).
a) Qual é o percentual dos presos provisórios em relação à população carcerária total?
b) Observe a imagem abaixo. Tendo em vista as informações sobre a média da popula-
ção prisional por cela, você acredita que o complexo prisional retratado será capaz
de comportar esse número de presos? Explique sua resposta.
c) Em sua opinião, o que esses números indicam? Eles demonstram o sistema prisional
que garante os direitos individuais? Elabore um pequeno texto justificando sua opinião
sobre o assunto.

Danilo Verpa/Folhapress

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Construção do Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu, PA, 2019.

3. Escreva um texto dissertativo sobre a seguinte pergunta: Existem pessoas mais livres
do que outras? Utilize os conceitos de Karl Marx ou de Max Weber para fundamentar
seus argumentos.

Não escreva no livro. 37


LIBERDADE INDIVIDUAL NO MUNDO GLOBALIZADO
A liberdade individual ganha novos contornos no mundo globalizado. Na segunda metade
do século XX, o mundo iniciou um amplo processo de integração econômica e cultural, conhe-
cido como globalização. Considerada o estágio mais recente de reprodução e expansão do
capitalismo, a globalização é marcada pela descentralização do processo produtivo e pela
integração comercial e financeira entre empresas e países.
Essa integração foi possibilitada por uma revolução tecnológica e científica, intensificada
na década de 1970, que desenvolveu meios de transportes, de telecomunicações e a infor-
mática, provocando um “encurtamento das distâncias”. Com isso, passou-se a ocorrer uma
maior dinamicidade nos fluxos mundiais de pessoas, capitais, mercadorias e informações.
O desenvolvimento e a integração dos sistemas de transportes permitiram que pessoas per-
corressem diferentes partes do planeta em questão de horas, ao contrário do que acontecia
em um passado não muito distante, quando os deslocamentos intercontinentais eram moro-
sos e, de certa forma, arriscados. Observe o esquema a seguir, proposto pelo geógrafo David
Harvey (1935-), em que ele apresenta a ideia de que houve um “encolhimento” no mapa mun-
dial devido ao desenvolvimento de diferentes meios de transporte ao longo do tempo.

ENCOLHIMENTO DO MAPA MUNDIAL

1500-1840
Velocidade dos barcos a vela e das carruagens:
16 quilômetros por hora

1850-1930
Velocidade do barcos a vapor: 57 quilômetros por hora
Velocidade das locomotivas a vapor: 100 quilômetros por hora
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
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1950-1959
Velocidade dos aviões a propulsão:
480-640 quilômetros por hora

1960-1969
Velocidade de jatos de passageiros:
800-1100 quilômetros por hora
Fonte: HARVEY, David. Condição
pós-moderna. São Paulo: Edições
DAE

Loyola, 2008. p. 220.

A integração global é de cunho, sobretudo, econômico. Nesse contexto, a popularização


da internet e a difusão das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) con-
tribuíram para transformar e alavancar novos mercados ao redor do mundo. Outro meca-
nismo de facilitação foi a eliminação das fronteiras físicas enquanto barreiras ao comércio
entre países. Para isso, alguns países se organizaram em torno de blocos econômicos para
estabelecer, por exemplo, a livre circulação de mercadorias entre eles e a diminuição de
taxas alfandegárias, além de acordos internacionais de comércio para negociar a união
econômica.

38 Não escreva no livro.


No mundo globalizado, o conceito e a ideia de liberdade assumem um caráter utópico, em
certa medida, pois há um discurso que associa a globalização à possibilidade de integração
e de trocas não apenas em relação aos mercados, mas também às pessoas, às culturas, aos
valores etc., contudo a realidade se mostra um pouco diferente. Os países desenvolvidos,
centros do sistema capitalista, são geralmente os principais privilegiados nesse processo de
integração. Em favor das corporações sediadas neles, o capital e as mercadorias circulam
livremente. Entretanto, outros tipos de deslocamento, como o de pessoas, sofrem uma série
de restrições para se integrar à globalização, instaurando contradições à ideia de que há liber-
dade de deslocamento no mundo globalizado, por exemplo.

Os deslocamentos populacionais no mundo global


Os migrantes são uma parcela de pessoas que se movem de um local para outro em busca
de oportunidades de trabalho ou melhores condições de vida. Outra parcela é forçada a dei-
xar seus territórios em virtude de ameaças à própria sobrevivência – são os refugiados.
A concentração de riqueza e de oportunidade de trabalho nos países desenvolvidos é um fator
que pode atrair imigrantes, sobretudo de países em desenvolvimento. As migrações internacio-
nais voluntárias ou espontâneas costumam acontecer por motivações socioeconômicas.
Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência da Organização
das Nações Unidas (ONU), a busca por melhores condições de trabalho ainda é a principal
razão para o deslocamento internacional. A maior parte dos trabalhadores imigrantes se
desloca para países centrais da economia capitalista, conhecidos como polos de atração
aos imigrantes internacionais. Em contrapartida, os países ou demais localidades que per-
dem população devido ao desemprego e a outros fatores socioeconômicos são chamados
de polos de repulsão.
A abertura aos fluxos imigratórios, principalmente em países desenvolvidos, costuma
ser seletiva, pois prioriza pessoas qualificadas, o que ocorre em países da América do Norte
e Europa, por exemplo.
Simona Granati/Corbis/Getty Images

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Muitas vezes, as pessoas imigram em condições irregulares para países desenvolvidos. Na foto,
manifestação em favor da regularização da documentação de imigrantes na Itália. No cartaz, lê-se o
texto: “Documentos para todos e todas!”. Roma, Itália, 2020.

Não escreva no livro. 39


Barreiras seletivas aos fluxos de pessoas e mercadorias
Diversos países, sobretudo desenvolvidos, dificultam a entrada e permanência de pes-
soas, principalmente vindas de países da periferia do capitalismo e sem qualificação, por
meio de leis e políticas anti-imigratórias, coibindo a mobilidade internacional e barrando a
realização de escolhas individuais. Barreiras físicas, como muros, são utilizadas nesse con-
texto para impedir esse fluxo de pessoas. Um dos principais exemplos dessas barreiras é
o conjunto de muros e cercas que já separa parte dos mais de três mil quilômetros de fron-
teira entre o México e os Estados Unidos.
O deslocamento de latinos em direção aos Estados Unidos é um dos maiores fluxos imigra-
tórios do mundo. As primeiras cercas construídas entre os países foram erguidas na década de
1990, como uma ação do governo estadunidense para coibir o tráfico de drogas e a circulação
irregular de pessoas. Além do policiamento no local e da barreira física, foram implantados
sensores e câmeras de monitoramento para impedir a ação dos “coiotes”, indivíduos que, em
troca de pagamento, auxiliam imigrantes em tentativas de travessia irregular na fronteira.
Paralelamente à construção dessas barreiras físicas, Estados Unidos, México e Canadá
assinaram o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), atual Acordo Estados
Unidos – México – Canadá (USMCA, sigla em inglês), que tem por pressuposto a eliminação
de algumas barreiras comerciais entre os países signatários. Desde sua concepção, o Nafta
se materializou no plano econômico em benefício, sobretudo, dos Estados Unidos, que pre-
tendia ampliar o fluxo de mercadorias estadunidenses para os demais países-membros. O
Nafta também favoreceu a criação de políticas que viabilizaram a ida de empresas estaduni-
denses para o México, as chamadas maquiladoras, cujo intuito é baratear a produção e inibir
a imigração, com a possibilidade de geração de empregos com baixos salários, nas cidades
fronteiriças do lado mexicano.

Chad Zuber/Shutterstock.com
1

[1] Praça em região litorânea de


Tijuana, no México, em 2017.
Do outro lado da cerca está a cidade
de San Diego, nos Estados Unidos.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
[2] Placa pregada na cerca que
separa Estados Unidos e México, em
DA EDITORA DO BRASIL
que se lê a frase “Nenhum obstáculo
pode nos impedir de alcançar nossos
sonhos; somos mexicanos, somos
imparáveis”. Tijuana, México, 2019.

2
Richard Newsome/Shutterstock.com

40 Não escreva no livro.


As políticas de livre comércio e circulação de bens estadunidenses no México representaram
a deterioração de alguns setores do país, bem como a informalidade de muitos trabalhadores.
O agravamento do quadro social nesse contexto impulsionou as tentativas de migração para o
lado estadunidense da fronteira.
Uma das políticas atualizadas no USMCA, firmado em 2018, em relação ao Nafta foi
justamente a revisão da produção de mercadorias a preço reduzido em território mexi-
cano, com vistas a beneficiar a geração de empregos nos Estados Unidos, bem como as
empresas que produzem em território estadunidense. Essa política colocou em dúvida
os acordos firmados na década de 1990, que pregavam a livre circulação e o fim do pro-
tecionismo econômico.
A contenção à imigração irregular e o reforço da segurança nas áreas de fronteira foram
as principais promessas de campanha de Donald Trump (1946-), eleito presidente dos
Estados Unidos em novembro de 2016. Insistentemente, Trump reforçou a necessidade
da deportação dos imigrantes em situação de irregularidade, sob argumentos diversos,
como prejuízos à população local e à economia.
Mikeledray/Shutterstock.com

Mikeledray/Shutterstock.com
1 2

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 [1] Cartaz que diz: “Deporte e construa o muro”, em comício eleitoral de Donald Trump em Anaheim, Estados Unidos, 2016. [2] Protesto
contra o candidato no mesmo local em que o comício em Anaheim ocorria. No cartaz, lê-se o texto: “Nenhum ser humano é ilegal”.

Após sua eleição, um dos episódios mais polêmicos do governo de Trump foi a privação
da liberdade de imigrantes sem documentação, que ficaram presos em áreas de triagem do
Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras, no estado do Texas, em 2018. Todos os imi-
grantes foram mantidos em gaiolas até a deportação. O local foi batizado de La Perrera, termo
em espanhol que significa “o canil”.
O ano de 2018 foi marcado por ser o primeiro, após mais de uma década, em que crianças
imigrantes morreram quando estavam sob a custódia do serviço de imigração nos Estados Uni-
dos. Desde então, ocorreram diversos protestos de civis contra a política de “tolerância zero”,
de Donald Trump, e a ONU se posicionou questionando as atitudes do governo estadunidense.

Não escreva no livro. 41


O principal fator de irregularidade nos Estados Unidos, atualmente, decorre da expiração
dos vistos e não das travessias ilegais. Em outras palavras, são os imigrantes que já residem
no território estadunidense que encontram barreiras à sua permanência no país.
A questão da liberdade é algo que está presente em diversos mitos, monumentos, ditados
e bandeiras estadunidenses. O seu hino nacional intitula o país como “terra dos livres”. Epi-
sódios como o da La Perrera instigam discussões sobre os limites dessa noção de liberdade
estadunidense, principalmente em relação às pessoas que vivem irregulares no país.
Além dos Estados Unidos, diversos países europeus possuem políticas migratórias cada
vez mais rígidas. A França, por exemplo, também sofreu críticas ao desenvolver uma polí-
tica migratória contrastante com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que fun-
damentaram o imaginário do país desde a Revolução Francesa. O governo francês estipu-
lou, em 2019, cotas para o número de estrangeiros que não fazem parte da União Europeia
(UE), que podem ser empregados no país e restringiu o acesso de parte da população de
imigrantes a serviços de saúde.

Adnan Farzat/NurPhoto/Getty Images


Manifestação pela
regularização dos
documentos de
imigrantes na
França. No cartaz,
lê-se:
“Regularização dos
sem documentos”.
Paris, França, 2020.

Outro exemplo é a Austrália, na Oceania, que adotou uma política de tolerância zero com
imigrações irregulares, chegando a conter pessoas em situação irregular em centros de reten-
ção. Assim como os Estados Unidos, em 2018, a Austrália não assinou o Pacto Global para
Migração Segura, Ordenada e Regular, proposta da ONU para tentar incentivar a cooperação
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
entre países, mitigar os riscos e otimizar os benefícios do processo migratório:
DA EDITORA DO BRASIL
O Pacto Global [...] é um documento abrangente para melhor gerenciar a migração interna-
cional, enfrentar seus desafios e fortalecer os direitos dos migrantes, contribuindo para o desen-
volvimento sustentável.
[...]
Observando que “a migração faz parte da experiência humana ao longo da história” e reco-
nhecendo que é uma fonte de prosperidade, inovação e desenvolvimento sustentável em um
mundo moderno e globalizado, o Pacto expressa o compromisso coletivo dos Estados-membros
de melhorar a cooperação na migração internacional.
O Pacto “reconhece que nenhum Estado pode abordar a migração sozinho e defende sua so-
berania e suas obrigações sob a lei internacional”. [...]
ONU News. Saiba tudo sobre o Pacto Global para Migração. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2018/12/1650601.
Acesso em: 10 jul. 2020.

As migrações internacionais tendem a trazer benefícios para os imigrantes e para os países


quando são amparadas por políticas adequadas ao recebimento dessa população. Nos países de
destino, esses imigrantes podem dinamizar o mercado de trabalho e contribuir com impostos. A
ONU também destaca a diversidade cultural como ponto favorável às migrações internacionais.

42 Não escreva no livro.


Vistos
O acesso e a circulação de pessoas pelo mundo são controlados pela emissão de vistos, ou seja, por uma
autorização concedida por um país ao habitante de outro lugar entrar em seu território. O visto é indicado no
passaporte de cada indivíduo. Porém, as regras para a concessão de vistos e a necessidade de um visto para
entrar em um país não são as mesmas para todas as nacionalidades.
A tabela a seguir apresenta uma seleção de dados sobre o poder de mobilidade que os passaportes de dife-
rentes nacionalidades fornecem. A ordem dos passaportes nesta tabela (da origem do passaporte com maior
poder de mobilidade para o passaporte com menor poder) é determinada pelo cálculo da média de três fatores.
São eles: o número de países que não requisitam que o dono do passaporte tenha um visto para transitar pela
fronteira; o número de países que autorizam que o dono do passaporte faça a emissão do visto no momento da
sua chegada ao local; e o número de locais que exigem que o dono do passaporte tenha passado por um pro-
cesso de autorização de visto antes de entrar no local.

PASSAPORTES DO MUNDO RANQUEADOS PELO SEU PODER DE MOBILIDADE (2020)

Não é necessário Visto emitido na


Origem do passaporte Visto necessário em:
visto em: chegada em:

Emirados Árabes Unidos 118 países 60 países 20 países

Finlândia 127 países 44 países 27 países

Alemanha 127 países 43 países 28 países

Japão 122 países 47 países 29 países

Estados Unidos 118 países 51 países 29 países

Brasil 112 países 48 países 38 países

Chile 111 países 48 países 38 países

México 100 países 49 países 49 países

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Honduras 84 países 43 países 71 países
DA EDITORA
Uganda
DO BRASIL
36 países 36 países 126 países

Irã 9 países 38 países 151 países

Síria 8 países 32 países 158 países

Iraque 6 países 31 países 161 países

Afeganistão 5 países 30 países 163 países

Fonte: ÍNDICE de passaportes. Ranking do poder dos passaportes 2020.


Disponível em: www.passportindex.org/byRank.php. Acesso em: 21 maio 2020.

• Sobre as informações apresentadas nessa tabela, responda no caderno:


a) Quais são os países cujos cidadãos têm maior possibilidade e liberdade de circulação por diferentes territórios? Para
quais países essa possibilidade é mais restrita?
b) Escolha dois países mencionados na questão anterior. Pesquise sobre algumas características sociais, econômicas e
políticas desses países, e tente evidenciar os motivos que fornecem a seus cidadãos a grande possibilidade de loco-
moção entre territórios.

Não escreva no livro. 43


Refugiados: a globalização integra?
Até aqui, falamos de pessoas que imigram por vontade própria. Contudo, existem flu-
xos migratórios de pessoas que precisam deixar seu local de origem de forma forçada,
em razão de desastres naturais, conflitos armados, medo ou perseguição étnica, religiosa
ou política, assim como em virtude da violação de direitos humanos. Essas pessoas são
reconhecidas como refugiadas, ou seja, são obrigadas a deixar seu país. Os países que
abrigam situações como essas, geralmente, encontram-se na periferia do sistema capi-
talista, sendo marcados por situações socioeconômicas de pobreza e miséria, sistemas
políticos e governos autoritários e baixa produção econômica.
Os refugiados não se enquadram na definição de migrantes, pois o movimento da pes-
soa refugiada não é feito de forma voluntária; além disso, o migrante, diferentemente do
refugiado, conta, em tese, com a proteção de seu governo e não sofre ameaça iminente de
morte ou violência. Utilizar os termos corretos para cada categoria é fundamental para
compreender o risco que esses diferentes grupos correm e a necessidade de políticas espe-
cíficas para cada tipo de deslocamento.
Parte dos refugiados busca abrigo em países vizinhos, geralmente tendo de viver em condi-
ções de vulnerabilidade social em campos de refugiados e contar com a ajuda humanitária de
organizações não governamentais e agências internacionais. No final da década de 2010, Turquia,
Paquistão e Uganda eram os países que abrigavam o maior número de pessoas nessa situação.
Ainda assim, uma parcela considerável de refugiados encaminha pedidos de asilo aos
Estados Unidos e aos países da União Europeia em virtude de fatores da atração desses locais.
Quando os pedidos são negados, muitos arriscam a própria vida e a de seus familiares em
travessias irregulares e perigosas.
As contradições da globalização também pesam na complexa situação dos refugiados,
dado que a desigualdade social e a concentração de riqueza também são fatores de expul-
são das pessoas de seus países de origem e, geralmente, estão no bojo dos conflitos e de
outros episódios que permeiam a vida desses indivíduos.

Diego Cupolo/NurPhoto/Getty Images


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Campo de refugiados sírios. Nizip 2, Turquia, 2017.

44 Não escreva no livro.


Declaração dos Direitos Humanos e a liberdade de deslocamento
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um Artigo 3
documento que foi adotado e proclamado pela Assem- Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à
bleia Geral da ONU, em 1948, após o término da Segun- segurança pessoal.
da Guerra Mundial. O texto inclui, em seu preâmbulo, 30 [...]
artigos que reforçam o reconhecimento à vida e à liber-
Artigo 13
dade dos seres humanos, bem como à dignidade huma-
na. Leia um trecho dessa declaração a seguir. 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomo-
ção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
Artigo 1
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país,
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em inclusive o próprio e a esse regressar.
dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência
[...]
e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Disponível em: www.unicef.org/brazil/declaracao-universal
[...] -dos-direitos-humanos. Acesso em: 16 maio 2020.

• Explique, em seu caderno, de que forma a restrição à livre circulação de pessoas se apresenta como uma contra-
dição à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Cidadania global
A aparente integração mundial na globalização, permitida pela facilidade de deslocamento
territorial por diferentes meios de transporte e pela maior conexão entre indivíduos de diver-
sas partes do planeta por meio da internet, criou a concepção da existência de uma cidada-
nia global. Em razão dessa integração mundial, todas as pessoas seriam “cidadãos do mundo”,
ou seja, teriam direitos e deveres iguais, independentemente de sua nacionalidade.
O processo de globalização, de fato, tem a força de mobilizar e uniformizar hábitos e costu-
mes, impondo certos padrões àqueles com capital disponível ao consumo. O mesmo processo,
no entanto, geralmente não iguala os indivíduos. É na emergência de situações complexas como
a dos imigrantes e dos refugiados que a globalização expressa seu caráter de exclusão.
MATERIAL
Ser um “cidadão DE DIVULGAÇÃO
do mundo” está baseado na

Navesh Chitrakar/Reuters/Fotoarena
privilegiada condição de ter poder
DA EDITORA DO BRASIL de consumo
e liberdade para se movimentar pelas fronteiras.
Ao fugir das crises que assolam suas vidas coti-
dianas, os refugiados se deslocam pelo mundo,
mas, apesar da fluidez pelos territórios, não pos-
suem as mesmas liberdades nem são conside-
rados “cidadãos globais”, tampouco cidadãos dos
países que deixaram ou pretendem alcançar.
Geralmente, os refugiados são pessoas vul-
neráveis, que tiveram seus direitos violados e
necessitam de amparo legal que, nem sempre,
outros países têm condições ou estão dispos-  Refugiados do povo rohingya aguardam, em praia, a autorização da
tos a cumprir. Por isso, estudiosos indicam que Guarda de Bangladesh para continuar travessia na fronteira Mianmar-
-Bangladesh, em 2017.
os intensos fluxos migratórios reforçam a neces-
sidade da emergência de novas formas de cooperação entre os países, posto que os deslo-
camentos em massa mobilizam diferentes territórios e exigem estrutura para o recebimento
desses contingentes. Ou seja, revelam a necessidade da instauração de uma globalização
solidária que valorize a cooperação entre nações, as relações humanas e a diversidade.

Não escreva no livro. 45


Conexões

REFUGIADOS AMBIENTAIS
Muitas pessoas, por vezes, perdem sua liberdade individual ao se verem forçadas a se
deslocar, sendo obrigadas a deixar seu local de origem, suas raízes ou suas bases culturais,
que são responsáveis pela formação de sua subjetividade. Além de conflitos políticos e
desigualdades sociais, mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global e do efeito
estufa levam milhões de pessoas a abandonar suas terras natais. Em 2018, segundo o
Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos da Organização das Nações Unidas
(ONU), 17,2 milhões de pessoas tiveram de deixar suas casas em razão de desastres
ambientais relacionados a fenômenos climáticos, entre os quais podemos citar a intensi-
ficação de secas, furacões, desertificações, inundações, tempestades etc.
De acordo com relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais
pessoas se deslocaram internamente até 2018, mais por causa de desastres ambientais
do que por conflitos e violência, como é apresentado no gráfico a seguir.
Gráfico: DAE

NOVOS DESLOCAMENTOS INTERNOS EM RAZÃO DE CONFLITOS E DESASTRES (2008-2018)

45

40
Deslocamentos em milhões

35
30

25
20
15

10
MATERIAL DE5 DIVULGAÇÃO
DA EDITORA0 DO BRASIL
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Novos deslocamentos motivados por conflitos


Novos deslocamentos motivados por desastres ambientais

Fonte: ORGANIZAÇÃO Internacional para as Migrações (OIM). Relatório mundial sobre imigração (2020).
Disponível em: https://publications.iom.int/system/files/pdf/wmr_2020.pdf. Acesso em: 13 jun. 2020.

As tempestades foram responsáveis pelo deslocamento interno de 9,3 milhões de pes-


soas, as inundações, por 5,4 milhões, e as secas, por 1,3 milhão. As mudanças climáticas
que causam esses desastres estão relacionadas ao descontrole da emissão de gases poluen-
tes, sobretudo de dióxido de carbono (CO2). Essa emissão é decorrente, por exemplo, da
queima de combustíveis fósseis e da queimada de florestas, prática empregada para a
criação de pastos e limpeza prévia para a produção agropecuária.
Para conter essas mudanças, ao longo das últimas décadas, diversos tratados internacionais,
como o Protocolo de Kyoto, ratificado por 55 países em 1999, e, mais recentemente, o Acordo
de Paris, assinado em 2015 por 195 países, foram firmados com a intenção de fazer com que os
signatários se comprometessem a diminuir a emissão de gases poluentes na atmosfera.
O combate às mudanças climáticas também é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Susten-
tável da ONU.

46 Não escreva no livro.


Caso essa emissão não seja contida efetivamente, as consequências climáticas e huma-
nitárias serão alarmantes, levando ao desaparecimento de vilas e cidades, ao comprome-
timento da atividade pesqueira, ao aumento de tufões, ciclones, entre outros desastres
naturais.
Porém, embora esta seja uma das principais causas de deslocamento forçado, os refugia-
dos ambientais ou climáticos ainda encontram resistência ao procurar asilo em outros países.
Um exemplo é o caso de Ioane Teitiota, originário das ilhas de Quiribati, localizadas no Pací-
fico norte, que, após o vencimento de seu visto de permanência na Nova Zelândia, pediu asilo,
como refugiado climático, para ele e sua família.
Uma das principais formas de acesso à água potável em Quiribati é por meio de aquíferos
que correm o risco de desaparecer por causa do aumento de volume do Oceano Pacífico.
Esse avanço do oceano ameaça a própria existência do local, que pode ser engolido pelas
águas em 10 anos. Em decisão inédita, no ano de 2020, a ONU reconheceu, em favor de
Ioane, que desastres ambientais e mudanças climáticas podem ferir os direitos humanos, e
os governos têm responsabilidade de abrigar os deslocados atingidos por elas.

ATIVIDADES

Gráfico: DAE
1. Com base no caso de Ioane Teitiota, PROJEÇÃO DE CRESCIMENTO POPULACIONAL EM RELAÇÃO
explique de que forma uma crise À VULNERABILIDADE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
ambiental pode ferir a liberdade in-
dividual das pessoas afetadas por ela. África Ásia América Europa Oceania
6%
2. De acordo com o Painel Intergover-
Porcentagem de crescimento populacional (projeção)

Kinshasa (República
namental sobre Mudanças Climáti- Democrática do Congo)

cas, 280 milhões de pessoas serão


forçadas a se deslocar, até 2100, por
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
causa do aumento do nível do mar. 4%

DA EDITORA DO BRASIL
Com base nessa informação e na Lagos
(Nigéria)
análise do gráfico, responda: Por
que as cidades destacadas no grá-
fico são as mais ameaçadas pelo 2%
aquecimento global?
3. Pesquise na internet o que preco-
nizam as diretrizes dos protocolos
crescimento
internacionais pela redução de emis- 0%
são de gases (Protocolo de Kyoto menos vulnerável mais vulnerável
e Acordo de Paris) e liste algumas Fonte: AQUECIMENTO global: 7 gráficos que mostram em que ponto estamos. BBC, 17
das medidas que devem ser provi- jan. 2020. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-46424720.
Acesso em: 13 jun. 2020.
denciadas pelo Brasil e pelos países
signatários de cada acordo.
4. Produza um texto acerca de algumas medidas que estão ao alcance da população para
contribuir com a diminuição da emissão de gases poluentes.
5. Com base na pesquisa e nas respostas dadas aos itens anteriores, reúnam-se em grupos
e produzam panfletos de conscientização sobre a emissão de gases poluentes.

Não escreva no livro. 47


Xenofobia e cerceamento da liberdade
A ampliação de leis que restringem a mobilidade das pessoas, quando se
torna política de um governo, muitas vezes encoraja e valida a xenofobia. Na
sociedade civil, a xenofobia, forma de preconceito caracterizada pela discrimi-
nação dirigida a pessoas de outra nacionalidade, etnia, cultura e/ou crença, se
manifesta por meio de ações e episódios de ódio ou de violência, física ou psi-
cológica, contra o estrangeiro. Em outros casos, ela se exterioriza como política
austera de governos e de partidos políticos que se organizam para dificultar a
entrada ou promover a expulsão de imigrantes de seus territórios.
A Europa, historicamente, é considerada uma região de atração de imi-
grantes e, no início do século XXI, presenciou o aumento dos movimentos
O que é neonazismo?
xenófobos, alguns deles vinculados a ideias neonazistas. As crises econômi-
O neonazismo é um
cas europeias do final do século XX e começo do século XXI podem ser iden-
movimento que resgata
elementos da ideologia nazista, tificadas como alguns dos fatores que impulsionaram esses movimentos. Um
como noções racialistas e dos aspectos associados a esses movimentos foi o desmonte de algumas
discriminatórias contra grupos políticas do Estado de Bem-Estar Social. Muitos europeus se viram desem-
estrangeiros, negros,
homossexuais, islâmicos e pregados e desamparados pelos governos de seus países. Considerados uma
judeus, por exemplo. ameaça pela competição de empregos, por exemplo, os imigrantes passaram
a ser alvo de discriminação por algumas parcelas da população.
O desemprego e a diminuição da qualidade de vida, fatores presentes em
uma crise política e econômica, impulsionam a exclusão social e abrem espaço
para o nascimento de discursos extremistas. Os criadores desses discursos
buscam identificar culpados, fora do seu grupo e de cultura diferente da sua,
para a crise vivenciada. As redes sociais se tornam, muitas vezes, veículos para
a disseminação de pensamentos e opiniões intolerantes. Isso pode ser con-
sequência do anonimato, do distanciamento físico e da sensação de impuni-
dade dos crimes cometidos nesse ambiente.
No Brasil, imigrantes venezuelanos, haitianos e bolivianos estão no centro
da intolerância, do preconceito e de atitudes xenofóbicas. O aumento signifi-
cativo dos fluxos migratórios de indivíduos vindos desses países na última
década foi acompanhado pelo aumento de denúncias de discriminação e atos
de violência motivados por xenofobia ou preconceito. Em 2018, a Secretaria
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Especial de Direitos Humanos divulgou
DA EDITORA DO BRASIL
Dursun Aydemir/Anadolu Agency/Getty Images

um aumento de mais de 600% nas denún-


cias de xenofobia no Brasil em relação
aos anos anteriores.
A expansão de discursos extremistas
reduz as possibilidades de diálogo, nego-
ciações e consenso, além de colocar em
risco o próprio sistema político e a demo-
cracia, que pressupõem a convivência
de ideias diferentes e a aceitação do
outro.

 Manifestante em ato contra a


intolerância sofrida por
refugiados. No texto do cartaz,
em vermelho, os dizeres:
“Refugiados são bem-vindos”.
Bruxelas, Bélgica, 2020.

48 Não escreva no livro.


Atividades

1. A liberdade de deslocamento pode ser exerci- a) Qual foi o número de migrantes internacionais
da de forma plena pela parcela majoritária da em 2019, de acordo com o gráfico 1? Qual
população mundial? Comente sua resposta, foi a porcentagem de aumento dessa popu-
elencando exemplos que a justifique. lação em relação ao ano de 1995? Indique
quais foram as causas para esse aumento.
2. A situação dos refugiados explicita a neces-
sidade de uma cooperação entre os países? b) De acordo com o gráfico 2, quais continen-
Justifique sua resposta. tes poderiam ser definidos como polos de
atração? Relacione sua resposta às desi-
3. Observe os dois gráficos a seguir, que apresen- gualdades presentes no mundo globalizado.
tam dados e informações da OIM. Em seguida,
responda às questões. 4. Em grupos, façam uma pesquisa sobre a mi-
gração interna no Brasil. Levantem as seguintes
Gráfico 1 informações:
CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO
•• número da população total de migrantes internos;
Ilustrações: DAE

DE MIGRANTES INTERNACIONAIS
•• polos de atração e de repulsão (número de
3,4% 3,4% 3,5% migrantes internos por região);
3,2%
2,8% 2,9% •• principais motivos para o deslocamento des-
ses migrantes;
•• índice de qualidade de vida dessa população
249 258 272 nas cidades para que migraram.
221 milhões milhões milhões
174 192 milhões Para encontrar essas informações, acessem si-
milhões milhões
tes de instituições como o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), disponível em
1995 2000 2005 2010 2015 2019 www.ibge.gov.br (acesso em: 20 maio 2020), e
População de migrantes internacionais
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), disponível em www.ipea.gov.br (acesso
Porcentagem da população mundial
em: 20 maio 2020).
Fonte: ORGANIZAÇÃO Internacional para as Migrações (OIM). Relatório Por fim, elaborem gráficos com as informações
mundial sobre imigração (2020). Disponível em: https://publications.iom.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
int/system/files/pdf/wmr_2020.pdf. Acesso em: 20 maio 2020. pesquisadas.
5. Ainda em grupos, realizem uma entrevista com
DA EDITORA DO BRASIL
Gráfico 2 um migrante interno ou imigrante internacional,
MIGRANTES INTERNACIONAIS POR
com o objetivo de compreender suas razões
REGIÃO DE RESIDÊNCIA (2019) para ter se deslocado. Pode ser alguém da fa-
mília de vocês ou da comunidade.
Oceania Abordem a questão da liberdade com o entre-
América
do Norte
vistado. Ele acredita que exerceu sua liberdade
América Latina ao escolher se deslocar? Quais liberdades pos-
Continente

e Caribe
sui em seu novo lugar que não possuía no anti-
Europa
go, e vice-versa?
Ásia
Com a autorização do entrevistado, gravem o
África áu­dio da conversa com um telefone celular e/
Migrantes 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 ou anote as respostas dadas. Montem um artigo
em milhões
com base na história do entrevistado, relacio-
Fonte: ORGANIZAÇÃO Internacional para as Migrações (OIM). Relatório nando-a ao contexto social, econômico e histó-
mundial sobre imigração (2020). Disponível em: https://publications.
iom.int/system/files/pdf/wmr_2020.pdf. Acesso em: 20 maio 2020. rico que impulsionou sua migração e incluindo
trechos de falas da entrevista.

Não escreva no livro. 49


2
UNIDADE

Liberdade e o outro

O SER NO MUNDO E A INTERATIVIDADE SOCIAL


As conexões humanas podem ser compreendidas tanto em uma escala ampla, agrupando
uma sociedade inteira, como em sentido mais localizado e limitado, de grupos formados com
base em laços de solidariedade e afinidades específicas. Por exemplo, grupos que se formam
em torno de práticas esportivas, religiões, afinidades musicais, estilos de roupa, ideias e hábi-
tos em comum etc.
Um exemplo desse tipo de grupo são as chamadas tribos urbanas, que reúnem pessoas
que têm interesses e hábitos em comum. Esses grupos em geral possuem uma identidade
coletiva, aproximando seus membros e estabelecendo certas fronteiras em relação aos demais
grupos e à sociedade em geral. Há “tribos” de diversas naturezas: funkeiros, grafiteiros, sur-
fistas, skatistas, entre muitas outras.
Porém, viver em grupos não é exclusividade do ser humano. Esse comportamento pode
ser notado em animais mamíferos, peixes e insetos. Entretanto, há uma especificidade que
distingue o viver em grupos humanos: a produção de sua sociabilidade. Enquanto a vida
grupal dos outros animais, por mais complexa que seja, é resultado de uma determinação
biológica, as comunidades humanas são instituídas por meio de ligações culturais.
A cultura pode ser conceituada como o conjunto de produções e referenciais comparti-
lhados por determinado grupo populacional, tendo ou não um limite territorial. Esse con-
junto abrange desde técnicas, costumes e formas de produção e de interação até o idioma,
a maneira de fazer arte, os simbolismos, as instituições políticas e sociais, as tradições e
as crenças religiosas.
A produção de cultura é, portanto, um elemento universal do gênero humano. Isso não
MATERIAL no
significa, DE entanto,
DIVULGAÇÃO
que exista uma única cultura humana. O que existe, na realidade, é uma
grande variedade de culturas, as quais podem se distanciar umas das outras tanto no tempo
DA EDITORA DO BRASIL
como no espaço.

 O hip-hop é um exemplo de manifestação cultural que reúne pessoas com base em afinidades e comportamentos específicos. Na foto,
batalha de rap, expressão musical do hip-hop, entre MCs (mestres de cerimônia) em Belo Horizonte, MG, 2017.
Pablo Bernardo

50 Não escreva no livro.


Cultura e humanização
No trecho da obra Cultura: um conceito antropológico, o antropólogo brasileiro Roque Laraia (1932-) trabalha com a
definição de cultura formulada por alguns outros antropólogos de diferentes tempos, como o britânico Edward Tylor (1832-
-1917) e o estadunidense Alfred Kroeber (1876-1960).

Em 1871, [Edward] Tylor definiu cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe
de uma transmissão genética, como diríamos hoje. Em 1917, [Alfred] Kroeber acabou de romper todos os laços entre
o cultural e o biológico, postulando a supremacia do primeiro em detrimento do segundo [...]. Completava-se, então,
um processo iniciado por [Carlos] Lineu [botânico sueco do século XVIII], que consistiu inicialmente em derrubar o
homem de seu pedestal sobrenatural e colocá-lo dentro da ordem da natureza. O segundo passo deste processo, ini-
ciado por Tylor e completado por Kroeber, representou o afastamento crescente desses dois domínios, o cultural e o
natural.
O “anjo caído” [ser humano] foi diferenciado dos demais animais por ter a seu dispor duas notáveis propriedades:
a possibilidade da comunicação oral e a capacidade de fabricação de instrumentos, capazes de tornar mais eficiente
o seu aparato biológico. Mas, estas duas propriedades permitem uma afirmação mais ampla: o homem é o único ser
possuidor de cultura.
[...]
O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumu-
lativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam. A mani-
pulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o
produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade.
LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008. p. 25 e 42.

•• Com base na leitura do texto, responda às questões no caderno.


a) Formule com suas palavras o conceito de cultura.
b) Explique o papel da discussão antropológica moderna na determinação do conceito de cultura e da especifi-
cidade humana.
c) Em que sentido é possível dizer que o ser humano é produto de si mesmo?
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
Ricardo Azoury/Pulsar Imagens

 Artesãs produzem utensílios de cerâmica em comunidade quilombola. Alcântara, MA, 2019.

Não escreva no livro. 51


O eu e o outro: modos de pensar as relações sociais
A relação com o outro é essencial para a construção da identidade individual. O ser humano
pode se tornar efetivamente um indivíduo somente quando está com outros seres humanos.
A seguir serão apresentadas as posições de três filósofos contemporâneos que se dedicaram
a tratar, entre outros temas, das relações intersubjetivas.
O francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) afirma que o ser humano é definido e moldado
por suas ações. Porém, para alcançar uma verdade sobre si, o indivíduo precisa considerar
o outro, pois ele só pode ser algo se o outro assim o reconhecer. Contudo, “O inferno são
os outros”, afirma uma das personagens da peça de teatro Huis Clos (Entre quatro paredes,
na tradução brasileira), escrita por Jean-Paul Sartre em 1945. Isso significa que o outro é
o limite e, em alguns casos, o impedimento da liberdade do eu. Isso ocorreria porque o
outro só pensa contra o eu ou a favor do eu. Dessa forma, os projetos de cada um podem
entrar em conflito com os projetos dos outros, tirando a autonomia do eu.
Assim, para Sartre, a convivência entre os indivíduos é, potencialmente, conflituosa e, por
isso, a sociabilidade se compara ao inferno porque ela faz com que o indivíduo esteja sempre
na expectativa da resistência do outro.

Bridgeman Images/Easypix Brasil


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Na peça Huis Clos, de Jean-Paul Sartre, duas mulheres e um homem estão no inferno, condenados a ficar
eternamente juntos entre quatro paredes. Na foto, montagem da peça no teatro Epee De Bois, Paris, França, 2020.

O francês Emmanuel Levinas (1906-1995), por sua vez, fez uma consideração diferente.
Segundo ele, o ser humano é um ser para o outro. Assim, é sempre no contexto de uma rela-
ção com o que não somos que se instaura, ao mesmo tempo, a percepção do outro e a per-
cepção de si mesmo. Antes de estar em relação com o eu, o outro é um completo estranho.
Contudo, o outro não é alguém no qual o eu se vê, mas sim um indivíduo próprio – uma alte-
ridade – que exige ser reconhecido como tal.
Segundo Levinas, considerar a alteridade significa incluir a ética como a primeira dimen-
são da existência dos indivíduos. A relação com o outro se realiza na forma de uma bondade
específica e ao mesmo tempo universal: tomar o outro sempre no contexto de lhe fazer jus-
tiça. Isso não porque ele favoreça, importe ou satisfaça as demandas do eu, mas porque sua
existência como humano implica responsabilidade para com ele. Essa responsabilidade se
manifesta como solidariedade, justiça e direito.

52 Não escreva no livro.


A percepção do outro como efetivamente outro indicada
por Levinas remete também à imagem do “desabrigado”,
de alguém que pode potencialmente causar no indivíduo o
sentimento que os gregos denominavam ágape, que signi-
fica o afeto que se encerra no gesto de generosidade, no
reconhecimento da dignidade do outro, em seu acolhimento.
Já o francês Lucien Sève (1926-2020) considera que as
relações sociais são um tipo de troca entre os indivíduos
pelas quais e nas quais eles se conhecem, se reconhecem,

Federico Rotter/NurPhoto/Getty Images


se conectam e se alteram uns aos outros.
Sève chama a atenção para o fato de que os indivíduos
só podem ser reconhecidos como pessoas quando estão
inseridos e integrados em um contexto de relações sociais.
Ser ou não uma pessoa depende de ser reconhecido como
tal pelos seus semelhantes e tratado de acordo com cer-  Voluntários de uma organização social distribuem
tas regras e costumes. alimentos em uma comunidade. Buenos Aires,
Argentina, 2020.
Em todas as culturas, os seres humanos são admitidos
como pessoa somente quando atingem determinada
idade ou grau de experiência e passam a responder por si mesmos. Assim, ser admitido no
mundo das relações adultas significa compartilhar determinadas demandas e formas
de satisfazê-las.
Ser pessoa é uma qualidade produzida em nós pelo processo de espelhamento de valor.
Nesse processo, todos se relacionam e se reconhecem no outro à medida que também o
reconheça como pessoa. Como em um espelho, os indivíduos se veem “invertidos” no outro.
Ou seja, eles se reconhecem nos outros, mas, ao mesmo tempo, notam diferenças nessa
imagem refletida, porque se trata de um outro.
Na consideração de Sève, a convivência entre os indivíduos é uma relação de interdepen-
dência, na qual pode ou não haver conflitos, dependendo do modo de organização social.
Assim, a sociabilidade não implica necessariamente a guerra de todos contra todos.

 O reflexo na vitrine mostra o homem em um momento que faz compras, exibindo a relação desse indivíduo com o
consumo. De acordo com Lucien Sève, nós somos os espelhos uns dos outros, de modo que conseguimos ver
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
quem somos e como estamos no reflexo de outra pessoa.
DA EDITORA DO BRASIL
Focus and Blur/Shutterstock.com

Não escreva no livro. 53


Atividades

1. Faça um texto explicando as diferenças da concepção de “outro” nos pensamentos de Jean-


-Paul Sartre, Emmanuel Levinas e Lucien Sève.
2. Leia a reportagem a seguir e responda às perguntas.
Com forte influência dos movimentos negros da década de 1960 e da cultura de rua, o hip-hop
construiu uma ética e uma estética inovadoras para a juventude pobre moradora das periferias
dos grandes centros urbanos, com o intuito de se colocar como alternativa ao modo de vida dos
jovens, de valorizar a cultura popular e as diferenças étnico-raciais. Trata-se de um empreendi-
mento coletivo, e abarca manifestações artísticas nos campos da música (rap, sigla derivada de
rhythm and poetry – uma espécie de canto falado ou fala rítmica); das artes visuais (graffity); da dan-
ça (break); dj (disc-jockey), e o quinto elemento - utilização do hip-hop para o movimento político,
não partidário.
[...] Os hip-hoppers tentam combater a estrutura histórica de desvalorização da periferia e, por
conseguinte, qualquer noção unidirecional da mesma. As subculturas dos coletivos ligados ao
hip-hop comportam maneiras criativas ao reivindicar o reconhecimento social e resistir aos pa-
drões estabelecidos, bem como formas inovadoras de inserção nas esferas da vida social; dada
sua presença marcante nas sociedades contemporâneas, contribuem decisivamente para a pro-
dução e renovação do repertório de valores e práticas sociais.
[...]
Ao reivindicarem sua integração na sociedade enquanto sujeitos coletivos de direitos, os
jovens vinculados à cultura hip-hop se orientam em torno de um sentimento de “Nós” que é
construído ou por compartilharem a mesma categorização social ( jovens pertencente às pe-
riferias das grandes metrópoles, na sua maioria negra ou mestiça) e/ou por estabelecerem um
projeto coletivo de futuro para si e para a sociedade como um todo [...]. A identidade coletiva,
nesses termos, também estabelece um conflito com um adversário, um “Eles”, politizando, as-
sim, os espaços de lutas sociais para a transformação das relações de opressão em princípios
de justiça e solidariedade.
MARTINS, Rosana Aparecida. Representação e sentido de pertencimento dos hip hoppers em São Paulo e Lisboa.
Disponível em: https://journals.openedition.org/cadernosaa/641#tocto1n1. Acesso em: 22 jul. 2020.
a) Quais são os laços de solidariedade e afinidades que unem os jovens vinculados à cul-
MATERIAL
tura DE DIVULGAÇÃO
hip-hop?
DAb)EDITORA
O ponto DO BRASIL
de vista apresentado sobre o “eles”/ o “outro”, nesse texto, se assemelha mais
às concepções de Sartre, Levinas ou Sève? Justifique.

3. Crie, junto aos colegas, uma obra de arte inspirada por uma das reflexões sobre o outro de
Sartre, Levinas e Sève. Para isso, reúnam-se em grupos e sigam as etapas.
•• Cada grupo deve escolher um dos pensadores estudados (Sartre, Levinas e Sève) e suas
ideias como fonte de inspiração para a obra de arte.
•• Determinem o formato da expressão artística que vão produzir, que pode ser uma pin-
tura, uma escultura, uma colagem, uma fotografia, uma canção, uma intervenção, uma
dança etc.
•• Reflitam sobre como vão interpretar as ideias do pensador na obra.
•• Reúnam os materiais necessários para composição da obra e planejem como ela será
montada.
•• Façam a composição da obra.
•• Apresentem a obra para o restante da turma explicando como foi o processo de criação.
Além disso, prestem atenção à produção dos demais colegas.

54 Não escreva no livro.


ETNOCENTRISMO: ENXERGAR O OUTRO
DE UM ÚNICO OLHAR
O conceito de liberdade se transforma e se ressignifica na relação social entre o indivíduo
e o outro. Frequentemente, ao longo da História, o contato cultural foi marcado pela domi-
nação, pela subjugação e até mesmo pela aniquilação de uma cultura em favor da hegemo-
nia de outra, seja pela submissão político-social, seja pelo extermínio de populações. Foi isso
o que ocorreu com o contato entre europeus e nativos do continente americano.
Em 1492, o navegador italiano Cristóvão Colombo (1451-1506) aportou em uma ilha do
Caribe, acontecimento definido no século XIX como “o descobrimento da América”. No
século XX, um debate historiográfico passou a discutir o emprego da palavra descoberta
para se referir à chegada dos europeus ao continente americano. Isso porque a ideia de
descobrimento desconsidera a existência de povos nativos nesses territórios, referindo-se
àquilo que é encontrado pela primeira vez. Esse termo sugere, de tal modo, que os desco-
bridores tinham direito de tomar posse do lugar, pois ele não pertencia a ninguém nem era
a morada de alguém antes de sua chegada.

 Em 2020, uma estátua de


Cristóvão Colombo em
St. Louis, Estados Unidos,
foi retirada a pedido da
população local. O símbolo
passou a ser questionado em
razão do significado da
presença europeia na
América, que se impôs com
violência sobre os nativos.
Jeff Roberson/AP Photo/Glow Images

Coleção particular. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix


MATERIAL
Sabe-se que DEnão
a América DIVULGAÇÃO
estava “vazia” antes da che-
DA EDITORA
gada dos europeus. DOCaribe
As ilhas do BRASILeram habitadas pelos
tainos, cujos ancestrais vindos da América do Sul haviam
“descoberto” e ocupado esse território muito tempo antes
de os navegantes europeus aportarem no local.
Existem registros dos diários de bordo de Cristóvão Colombo
em que ele aconselha que os indígenas sejam capturados
e levados para a Europa. Dessa maneira, iriam aprender a
língua, os costumes e a fé dos cristãos.
A língua, os costumes e a fé referenciados por Colombo
eram aqueles adotados pela Coroa espanhola. Os reis espa-
nhóis e católicos Isabel I de Castela (1451-1504) e
Fernando II de Aragão (1452-1516) foram os patrocinado-  Cristóvão Colombo chega ao Novo Mundo em 1492
res da expedição do navegador. e é recebido pelos tainos, séc. XIX. Litografia
colorizada (autor desconhecido).
Nota-se que, em seu diário de bordo, Colombo não demons-
trou interesse em conhecer as línguas, os costumes e a religião dos indígenas, indicando a
cultura europeia como a única que deveria ser assimilada. Esse ponto de vista demonstra
uma maneira etnocêntrica de entender o mundo, isto é, julgar e inferiorizar outra cultura com
base nos próprios valores e padrões culturais.

Não escreva no livro. 55


Etnocentrismo é a tendência, mais ou menos consciente, de enxergar o mundo ou
outros grupos sociais tendo por referência a própria cultura e a crença de que ela é supe-
rior às dos demais.
A visão etnocêntrica rejeita a diversidade cultural, isto é, aquilo que não está de acordo
com o padrão social, moral, religioso ou estético de determinado grupo. Ela está presente
em diferentes sociedades humanas e em todos os tempos históricos. Os gregos antigos,
por exemplo, dividiam o mundo em duas partes: eles e outros grupos, incluindo os roma-
nos, a quem chamavam de bárbaros. Os romanos, por sua vez, admiradores da cultura
grega, consideravam bárbaros todos os povos que viviam fora de seus domínios imperiais
e que não falavam latim ou grego.

A visão europeia sobre a América


O navegador italiano Américo Vespúcio (1454-1512) demonstrou que as terras onde Colombo aportou, em 1492,
faziam parte de outro continente e não de uma região da Ásia, como se acreditava anteriormente. Por isso, o conti-
nente foi batizado de América, pelos europeus, em sua homenagem.
Na gravura que você vai observar a seguir, Américo Vespúcio foi retratado do lado esquerdo da imagem.

Coleção particular. Fotografia: Mary Evans Picture Library/Easypix Brasil


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Théodore de Bry (a partir de obra de Jan van der Straet). Américo Vespúcio desperta a América, séc. XVI. Gravura em metal,
20 cm × 26,5 cm.

•• Com base na observação da gravura, responda às questões no caderno.


a) Tendo como base a caracterização da cena e dos personagens retratados, pode-se considerar que essa gravura repre-
senta fielmente a realidade? Justifique sua resposta.
b) Como você interpreta o gesto e a expressão facial da indígena ao ver Vespúcio? Justifique.
c) Que interpretação sobre a chegada dos europeus à América é expressa no título da gravura? Comente.

56 Não escreva no livro.


A visão de mundo dos colonizadores europeus
Nos séculos XV e XVI, navegadores europeus entraram em contato com
povos da América, da África e da Ásia, ao explorarem oceanos e territó-
rios por eles desconhecidos. Nos registros sobre aqueles encontros, eles se
referem aos nativos como “gente inocente e sem maldade”, outras vezes,
como “selvagens e feras perigosas”. Frequentemente, deixam clara a inten-
ção de mudar o modo de vida dos indígenas para colocá-los a serviço dos
conquistadores europeus.
Os povos nativos foram chamados de índios devido a um erro de Cristó-
vão Colombo, que, ao aportar nas ilhas do Caribe, acreditava ter chegado às
Índias. O termo índios continuou a ser usado para se referir indiscriminada- Índias: termo utilizado por
mente a todos os povos americanos, fossem eles astecas ou tupinambás. europeus até o começo do
Essa palavra continuou sendo usada por séculos de maneira negativa e pre- século XIX, para designar
diferentes áreas da Ásia.
conceituosa, pois demonstrava o desprezo europeu pela diversidade cultu-
ral dos povos existentes na América.

 Indígena waurá
constrói uma oca
na Aldeia Piyulaga,
Gaúcha do Norte,
MG, 2019.

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Luciola Zvarick/Pulsar Imagens

DA EDITORA DO BRASIL

Delfim Martins/Pulsar Imagens

Indígena tupiniquim cria


abelhas para a produção de
mel em Terra Indígena Pau
Brasil, Aracruz, ES, 2019.

Não escreva no livro. 57


Visão de um padre jesuíta
Os jesuítas tiveram papel relevante no período colonial da história do Brasil (séculos XV-XVIII), quando fundaram
escolas e missões. Leia o texto a seguir, de autoria de um padre jesuíta.

Todas estas nações de gentes [...] são feras, selvagens, montanhesas e desumanas: vivem ao som da natureza,
nem seguem fé, nem lei, nem rei (freio comum de todo homem racional). E em sinal dessa singularidade lhes negou
também o Autor da natureza as letras F, L, R. [...] Nem têm arte, nem polícia alguma, nem sabem contar mais que até
quatro: os demais números notam pelos dedos das mãos e pés [...]. Andam esburacados, muitos deles, pelas orelhas,
faces e beiços; e nestes buracos engastam pedras de várias cores, da grossura de um dedo.
[...] Nos mais costumes são como feras, sem polícia, sem prudência, sem quase rastro de humanidade, preguiço-
sos, mentirosos, comilões [...].
VASCONCELLOS, Simão de. Chronica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil. 1663. v. 1, p. LXXV-LXXVII. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242811/000181791_01.pdf. Acesso em: 20 abr. 2020.

•• Com base na leitura do texto, responda às questões a seguir no caderno.


a) Como o jesuíta qualifica os hábitos e costumes dessas pessoas? Sua opinião é neutra, elogiosa ou negativa?
b) Fundamentado em que argumentos o autor faz esse julgamento?
c) O comentário do jesuíta denota uma visão etnocêntrica? Justifique sua resposta.
d) Você identifica a presença de argumentos similares ao desse padre jesuíta em discursos e falas atuais? Em que situa-
ções? Comente.

Eurocentrismo
Eurocentrismo é a visão etnocêntrica que posiciona a Europa ocidental como centro e refe-
rência mundial. Trata-se de uma forma dicotômica de encarar o mundo. De um lado, está
a identidade europeia branca, cristã, progressista, moderna e civilizada, que se contrapõe
ao “outro”, considerado atrasado, primitivo e selvagem.
Esse conceito influenciou o modo de viver e de pensar de muitas pessoas no mundo, sobre-
tudo as dos países de colonização europeia. Povos de todos os continentes foram forçados a
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO adotar elementos trazidos pelos colo-
nizadores. As formas religiosas, morais
DA EDITORA DO BRASIL e estéticas e os saberes dos nativos
foram rejeitados por ser considerados
primitivos e bárbaros.
Observe a gravura ao lado, que
expressa uma visão eurocêntrica da
chegada de Colombo às ilhas do Caribe,
com indígenas recebendo, calorosa e
Serviço Histórica da Marinha, Vincennes Reprodução/Coleção particular

entusiasmadamente, os conquistado-
res que trazem elementos da própria
cultura. Como seria o olhar dos indíge-
nas sobre o mesmo momento histórico?

 Théodore de Bry. Cristóvão Colombo recebendo


presentes dos indígenas em Hispaniola, 1596.
Gravura em cobre colorizada publicada no livro
Americae Tertia Pars.

58 Não escreva no livro.


A restrição da liberdade dos indígenas brasileiros
No século XVI, a população indígena presente nas terras que viriam a se tornar o Brasil era
de cerca de 5 milhões de habitantes. Porém, a chegada dos colonizadores portugueses em
1500 deu início a um intenso processo de restrição da liberdade, de expropriação territorial
e de dizimação dos habitantes originais do país.
A escravização da população indígena na América Portuguesa, logo nos anos iniciais de
colonização, foi uma das primeiras formas de cerceamento da liberdade sofrida por esses
povos. Um indígena poderia ser escravizado legalmente na colônia portuguesa se sua cap-
tura tivesse ocorrido dentro das condições de resgate ou de guerra justa.
Os indígenas resgatados eram aqueles que, de acordo com os colonizadores, estavam em
condição de prisioneiros de guerra de determinado povo, e aguardavam, em cativeiro, para
ser consumidos em rituais antropofágicos. Portanto, a escravização desses indígenas seria
uma forma de salvar a sua vida.
Já a guerra justa se aplicava quando um povo indígena era considerado hostil aos colonos
e seus aliados e/ou resistiam à catequização dos missionários jesuítas. A guerra devia ser
autorizada pela Coroa Portuguesa, e os colonos tinham direito de capturar prisioneiros resul-
tantes do conflito, muitas vezes, mulheres e crianças, que eram escravizados ou encaminha-
dos para as missões, que eram aldeamentos administrados por padres jesuítas que tinham
o objetivo de “civilizar” os indígenas, ou seja, doutriná-los na cultura (língua, religião, costu-
mes) europeia ocidental.

A designação “bárbaros” era dada pelos colonizadores e cronistas da época [colonial] aos po-
vos nativos que habitam a região e ofereciam resistência à ocupação do território pelos portu-
gueses. Essa terminologia etnocêntrica convinha ao discurso colonizador que propagava a
catequese e a “civilização” dos povos indígenas nos moldes culturais do europeu ocidental. Eram
descritos como povos selvagens, bestiais, infiéis [...].
Essa imagem reforçou os argumentos do conquistador de impetrar uma “guerra justa” para ex-
tirpar os “maus” costumes nativos, satisfazendo tanto as necessidades de utilização de mão de obra
pelos colonos quanto à garantia aos missionários do sucesso na imposição da catequese.
PIRES, Maria Idalina. 4 de agosto de 1699: guerra dos bárbaros. In: BITTENCOURT, Circe (org.). Dicionário de
datas da história do Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2012. E-book.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Os colonizadores utilizaram

Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro


DA EDITORA DO BRASIL
terminologias etnocêntricas como
formas de justificar o cercea-
mento da liberdade dos indíge-
nas e as guerras justas. Esses
conflitos tiveram consequências
trágicas para os indígenas, mas
muitos focos de resistência des-
ses povos adiaram a conquista
de alguns territórios pelos por-
tugueses.

  Johann Moritz Rugendas.


Guerrilhas, c. 1835. Litogravura
colorida, 34 cm × 50,5 cm.

Não escreva no livro. 59


A questão da terra e a liberdade
Além da escravização, os indígenas também tiveram grande parte do território que habi-
tavam expropriado para a instauração da organização colonial. Embora alguns indígenas fos-
sem nômades, dependentes da caça, da coleta e da pesca, e outros praticassem também a
agricultura, cultivando raízes e frutas, a relação com a terra era de subsistência. Dessa maneira,
a terra era explorada pelos indígenas para sua sobrevivência e, geralmente, o seu uso era
coletivo.
Já os colonos tinham uma relação de propriedade com a terra, visando usá-la para gerar
riquezas para si e para a Coroa Portuguesa. Por isso, as terras do litoral foram tomadas pelos
portugueses para o desenvolvimento de atividades monocultoras, como a cana-de-açúcar.
Muitos indígenas que não foram escravizados ou levados para as missões jesuíticas foram
forçados a migrar para o interior do território, para encontrar novas formas de subsistência.
Porém, a colonização também começou a se interiorizar, com as incursões dos bandeiran-
tes e a exploração das chamadas drogas do sertão, como cacau, pimenta, canela, cravo etc.
Nesse período, a criação de bovinos impulsionou a ascensão social de alguns bandeirantes,
intensificando as disputas por territórios. Por algum tempo, a resistência indígena foi a única
barreira para o domínio português de regiões interioranas brasileiras. Por quase dois sécu-
los, os tapuias, por exemplo, conseguiram deter a expansão dos colonos para terras do inte-
rior do Nordeste. Porém, ao longo desse processo, os indígenas tiveram seu espaço cada vez
mais cerceado e modificado, restringindo ainda mais as possibilidades de manutenção de
suas tradições e práticas culturais.
Por isso, atualmente, a demarcação de Terras Indígenas (TI), identificação pelo Poder Exe-
cutivo dos limites do território tradicionalmente ocupado por diferentes povos indígenas, é
uma das principais lutas dessa população. A terra é essencial para o exercício da liberdade
e da identidade dos povos indígenas.
Porém, embora sejam um marco significativo na história dos direitos indígenas, a demar-
cação também pode ser considerada uma forma de cerceamento do espaço dessa popula-
ção. Muitos povos denunciam que as áreas demarcadas continuam sendo insuficientes para
que os indígenas mantenham os seus modos de vida, além da constante ameaça de garim-
peiros, madeireiros e de setores agroexportadores de invadir e explorar esses territórios.

Cassandra Cury/Pulsa Imagens


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Indígenas guaranis fazem protesto contra a anulação de demarcação de Terra Indígena. Aldeia Itakupe, SP, 2019.

60 Não escreva no livro.


Etnocentrismo como justificativa para a escravidão
Em 1755, o rei português Sebastião I (1554-1578) promulgou a Lei sobre a liberdade dos
gentios, em que foi abolida a permanência dos indígenas em cativeiro. Embora a escraviza-
ção indígena tenha se mantido, principalmente no interior do território da América Portu-
guesa, mesmo após essa lei, outra força de trabalho já era, majoritariamente, utilizada nos
engenhos de açúcar do litoral brasileiro: a de escravizados africanos.
Os portugueses estabeleceram feitorias nas costas do continente africano, nos séculos XV
e XVI, e transformaram as práticas do comércio africano de escravizados em um negócio
intercontinental que deslocou milhões de pessoas pelo Oceano Atlântico, de forma forçada,
para trabalharem principalmente nas colônias das Américas.
O processo de desumanização desses indivíduos, que pouco desfrutavam de qualquer tipo
de liberdade, seja econômica, social, cultural e até mesmo física, e sua transformação em
mercadorias, teve embasamento, a princípio, na legitimação teológica da escravidão.

Museus Castro Maya, Rio de Janeiro


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
 Jean-Baptiste Debret. Uma senhora indo à missa numa cadeirinha, c. 1820-1830. Litogravura colorida, 17 cm × 22,6 cm.
DA EDITORA DO BRASIL
A escravidão, de acordo com a tradição cristã ocidental, nasceu do pecado original e por
isso fazia parte do processo de salvação dos seres humanos. No caso da escravização dos
africanos, outra justificava teológica e etnocêntrica era a suposta maldição divina que recaía
sobre os descendentes de Cam, filho de Noé. Segundo a mitologia cristã, Cam matou o pró-
prio irmão e, como castigo, sua pele se tornou negra, assim como a de seus descendentes.
A escravidão das pessoas de pele negra, os africanos, era assim justificada pela Igreja como
uma forma de punição eterna do pecado cometido por Cam.
Com o desenvolvimento do pensamento racional ao longo da Idade Moderna, essas justi-
ficativas tornaram-se secundárias ao pragmatismo dos interesses econômicos da Coroa Por-
tuguesa. Foi a lucratividade do comércio transatlântico de escravizados o principal fator que
alimentou a manutenção desse sistema, que vigorou por cerca de quatro séculos no Brasil.
Nesse período, a escravidão não era considerada uma violência, pois via-se a desigualdade
entre os seres humanos como algo natural e inerente à própria sociedade.
Nas próximas unidades você vai estudar como o sistema escravista foi percebido pelo pen-
samento iluminista, que enxergava a liberdade como direito inato ao ser humano, as conse-
quências que ele teve na contemporaneidade brasileira e as formas de resistência ao racismo
criadas nesse contexto histórico.

Não escreva no livro. 61


Progresso, evolucionismo e racismo
Embora a justificativa da escravização dos negros africanos,
embasada na noção do pecado original e da história de Caim,
tenha perdido o fôlego ao longo da Idade Moderna, esse pen-
samento racista e etnocêntrico encontrou uma nova forma de
expressão no cientificismo que se instaurou no século XIX.
Em 1859, foi publicada a obra A origem das espécies, de auto-
ria do biólogo e naturalista britânico Charles Darwin (1809-
-1882). Nela, Darwin apresentou a teoria da seleção natural,
segundo a qual os seres vivos com características que lhe con-
feriam alguma vantagem na luta por comida e na reprodução
Pictures From History/Akg-Images/Album/ Fotoarena

provavelmente tinham melhores chances de sobrevivência. De


acordo com a teoria, essas características teriam sido transmi-
tidas a seus descendentes.
Darwin não fazia distinção entre os conceitos de raça e espé-
cie, e sua teoria não fazia alusão à origem e à evolução do ser
humano. Apenas afirmava que todas as espécies têm uma ori-
gem comum. A teoria de Darwin foi interpretada como progres-
sista e deu origem ao evolucionismo cultural, corrente de
 Charles Darwin, Downe, Reino Unido, 1881.
pensamento que passou a dominar as Ciências Sociais de então.
O anatomista britânico Thomas Henry Huxley (1825-1895), com base na leitura do tra-
balho de Darwin, defendeu que os seres humanos e os macacos tinham a mesma estru-
tura esquelética. Com isso, surgiram concepções simplificadas e distorcidas que clamavam
que o ser humano havia se originado do macaco. O biólogo inglês Herbert Spencer (1820-
-1903), outro estudioso inspirado pelas ideias de Darwin, aplicou a teoria da seleção natu-
ral a todos os níveis da atividade humana e criou a expressão “sobrevivência do mais apto”,
que depois foi interpretada como “a sobrevivência do mais forte”.
Nesse período, também já circulavam as ideias do filósofo francês Joseph Arthur de Gobineau
(1816-1882), apresentadas em seu livro Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas.
O termo raça, usado desde o século XVII para identificar as pessoas por seus traços físicos, tor-
nou-se, com as ideias de Gobineau, um conceito para classificar e hierarquizar a espécie humana
MATERIAL
em quatroDE DIVULGAÇÃO
grupos definidos por um fenótipo: a cor da pele. De acordo com o filósofo, a espécie
DA EDITORA DO BRASIL
humana se dividia em quatro raças (branca, amarela, vermelha e negra), cujas origens seriam
bíblicas, remontando aos filhos do personagem Noé. O racialismo, ou racismo científico, tornou-
-se, a partir de então, uma ideologia predominante nos meios eruditos.
Os princípios da seleção natural de Darwin, as teorias de Gobineau, Huxley, Spencer e de
outros estudiosos do século XIX transformaram-se em uma corrente de pensamento socio-
lógica e antropológica chamada de darwinismo social. De acordo com essa corrente, existiam
“raças superiores” que deveriam dominar as “inferiores”. Concluía-se, então, que as lutas e
guerras, além de inevitáveis, eram sempre vencidas pelo mais forte. Explicava-se, também,
que os pobres e miseráveis eram menos aptos e estavam fadados a desaparecer, enquanto
os ricos eram mais evoluídos e sobreviveriam.
O darwinismo social estimulou o racismo contra os povos não brancos e serviu de justifi-
cativa para a missão civilizatória dos europeus e dos estadunidenses e para a dominação
imperialista sobre povos africanos e asiáticos ao longo dos séculos XIX e XX. Também abriu
caminho para o desenvolvimento da eugenia, teoria que tem o objetivo de criar um “melho-
ramento genético” da “raça” humana, incentivando pensamentos sobre higiene racial e pureza
do sangue. Essas ideias, que acabaram se difundindo entre cientistas, intelectuais e leigos,
foram adotadas pelos governos das grandes potências industrializadas, sobretudo pelos per-
petradores das ideologias do fascismo e do nazismo em meados do século XX.

62 Não escreva no livro.


O combate ao racismo pela Unesco
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) foi criada em novembro de 1945
como um braço da Organização das Nações Unidas (ONU), criada naquele mesmo ano. Em 1949, o antropólogo brasilei-
ro Arthur Ramos (1903-1949) foi chamado para assumir a direção do Departamento de Ciências Sociais da Unesco.
Um ano depois, em julho de 1950, a Unesco lançou a Primeira Declaração sobre Raças. O documento trazia o resul-
tado de pesquisas no campo da Antropologia social e afirmava, entre outras coisas, que o termo “raça” deveria ser subs-
tituído pelo termo “grupos étnicos”. No entanto, outros pesquisadores, como geneticistas e antropólogos físicos,
apontaram falhas nessas discussões sobre o conceito de raça e criticaram a ausência de um posicionamento sobre as-
pectos biológicos da pesquisa.
Os grupos nacionais, religiosos, geográficos, linguísticos ou culturais não coincidem necessariamente com os
grupos raciais, e os aspectos culturais desses grupos não têm nenhuma relação genética demonstrável com
os caracteres próprios à raça. Os graves erros ocasionados pelo emprego da palavra “raça” na linguagem corrente
tornam desejável que se renuncie completamente a esse termo quando se tratar da espécie humana e que se adote
a expressão de “grupoétnico”.
[...]
Os dados científicos de que dispomos atualmente não confirmam a teoria segunda a qual as diferenças genéti-
cas hereditárias constituiriam um fator de importância primordial entre as causas das diferenças que se manifes-
tam entre as culturas e as obras das civilizações dos diversos povos ou grupos étnicos.
Eles nos informam, pelo contrário, que essas diferenças se explicam antes de tudo pela história cultural de cada
grupo. [...]
UNESCO. Primeira Declaração sobre as Raças. In: SANTOS, Benedito Souza dos. Violência simbólica e a dem(agogia)ocracia
cultural: uma abordagem social nas escolas. São Paulo: Editora Baraúna, 2015. p. 153 e 154.

Em 1951, a declaração foi revista e esclareceu que o Homo sapiens é uma espécie e que a palavra raça deveria ser
usada sob critérios muito rigorosos, enfatizando que, em se tratando de características sociais, culturais e fenotípicas,
era muito mais adequado e correto utilizar a expressão “grupo étnico”. Outro detalhe que a versão revista reconhecia,
mas não declarava, foram os três principais grupos humanos do planeta: mongoloide, negroide e caucasoide.
Em 1978, a Unesco anunciou a Declaração sobre Raça

Bumble Dee/Shutterstock.com
e Preconceito Racial, segundo a qual “todos os povos do
mundo possuem faculdades iguais para atingir altos níveis
intelectuais, de desenvolvimento técnico, social, econômi-
co, cultural e político” e as diferenças de realizações dos
MATERIAL atribuíveis
povos são “totalmente DE DIVULGAÇÃO
a fatores geográficos,
históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais”. A de-
DA EDITORA DO BRASIL
claração também defendeu a implementação de uma série
de políticas com o objetivo de combater o racismo e as
desigualdades sociais.
Em 1995, como desdobramento das políticas de com-
bate ao racismo, a Unesco publicou a Declaração de Prin-
cípios sobre a Tolerância, na qual reforçava a igualdade ra-
cial e recomendava o tratamento tolerante entre as pessoas.
A declaração aconteceu no aniversário de 50 anos da ONU,
quando se lamentavam os conflitos impulsionados pela in-  Fachada do prédio sede da Unesco em Paris, França, 2019.
tolerância étnica e religiosa na Bósnia e na África do Sul.
A Unesco destaca também que, para combater a intolerância, há várias ações imprescindíveis: a aplicação das leis
pelos governos, a educação sobre direitos humanos e tolerância, o desenvolvimento de políticas que gerem acesso à in-
formação e à liberdade de imprensa, o incentivo à tomada de consciência dos indivíduos sobre o vínculo entre intolerân-
cia e violência e a promoção de soluções locais para o enfrentamento de problemas relacionados aos diversos tipos de
preconceito e o estabelecimento de redes de apoio a vítimas da intolerância.

•• Com base na leitura do trecho da Primeira Declaração sobre Raças, responda no caderno: Por que o trecho da decla-
ração defende a substituição do termo “raça” pelo termo “grupos étnicos”?

Não escreva no livro. 63


OUTRO PONTO DE VISTA

Marcha do Orgulho Crespo


A visão etnocêntrica europeia estabeleceu um padrão de beleza para o mundo. Esse padrão valorizava o cabelo
liso em detrimento do cabelo crespo ou cacheado. Na contemporaneidade, esse padrão ainda tem adeptos. Por isso,
movimentos e ações como a Macha do empoderamento crespo visam descontruir essa concepção, isto é, mostrar
que não existe superioridade entre tipos de cabelo e identidades culturais, e celebrar a diversidade de corpos, ros-
tos, costumes, crenças etc.
“Eu, mulher negra, resisto” foi um dos gritos que
ecoaram pelas ruas de São Paulo [...] durante a
3a Marcha do Orgulho Crespo [em 2017].
O movimento independente debate, entre outros
temas, a cultura afro e a representatividade negra,
estendendo-se pelas madeixas crespas e cacheadas,
pelos traços e a cor da pele presentes em pelo me-
nos 54% da população brasileira. [...]
Criado em julho de 2015 pelo projeto Hot Pente e
pelo Blog das Cabeludas – Crespas e Cacheadas,
o movimento nacional de valorização da estética
afro-brasileira reúne pessoas em oito estados brasi-

Walmor Carvalho/Fotoarena
leiros e, segundo os próprios [organizadores], “ex-
pande suas origens para o debate racial, com o
intuito de transcender o campo da beleza e eviden-
ciar o cabelo crespo/cacheado como símbolo de re-
sistência aos padrões historicamente difundidos e  A rapper e compositora Karol Conka (1987-) na Primeira
de afirmação de identidade e autoestima, especial- Marcha do Orgulho Crespo. São Paulo, SP, 2015.
mente de mulheres negras”. [...]
Sobre o racismo em si, [a influenciadora digital Beatrice Oliveira afirma] “Para nós, como coletivo, temos a visão
do racismo ser educacional. A gente gosta de tratá-lo com educação, sem discurso de ódio. Estamos aqui para ensi-
nar. Se a gente vai com “pé no peito”, não há mudança. Quando você mostra, explica, ensina, pelo menos sob a nos-
sa experiência com nossos vídeos, de fala racista, de comportamento racista, a pessoa reconhece certas atitudes
e se transforma.” [...]
NUNES, Brunella. Quem são e o que pensam as mulheres da 3a Marcha do Orgulho
Crespo de São Paulo. Razões para acreditar, 8 ago. 2017. Disponível em: https://razoesparaacreditar.com/
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO mulheres-marcha-orgulho-crespo. Acesso em: 16 maio 2020.

1. DA EDITORA
A desconstrução DO BRASILsocial exige a investigação do desenvolvimento histórico, filosófico, geo-
de uma concepção
gráfico e sociológico de discursos. Em grupo, busquem desconstruir uma concepção social por meio de um
podcast. Para isso, sigam o procedimento.
• Escolham uma concepção social que desejam desconstruir, podendo ser relativa a expressões cultu-
rais, padrões de beleza, organizações sociais, expectativas de gênero etc. Após fazer a escolha, pes-
quisem e reflitam sobre estes itens:
– contexto histórico da criação da concepção, com a discussão sobre as teorias que a embasaram;
– grupos e movimentos sociais que se opuseram e resistiram a essa concepção;
– teóricos e teorias que desconstroem essa concepção;
– depoimentos de pessoas que tiveram a vida afetadas por essa concepção e como conseguiram lidar com ela.
• Com base na pesquisa, cada grupo deve roteirizar um episódio de podcast de dez minutos. Decidam qual será
o título, de que maneira vão introduzir o tema e como as informações serão comunicadas.
• Chegou o momento da gravação. O áudio pode ser gravado com aplicativos de telefones celulares.
• Editem o arquivo de áudio gravado, cortando falas repetidas, momentos de longos silêncios e sons não com-
preensíveis. Se quiserem, insiram uma música de fundo e façam uma vinheta de abertura do podcast. Existem
programas gratuitos de edição de som disponíveis para uso.
• Apresentem o podcast à turma e contem como foi todo o processo de sua produção.

64 Não escreva no livro.


Atividades

1. Leia o texto a seguir, que foi extraído de um livro •• Façam uma pesquisa na internet para aju-
didático de História para crianças, publicado em dá-los a complementar e estender o texto,
1924. A grafia original do texto foi mantida. procurando por artigos e sites que debatam
e informem sobre a diversidade de organi-
Os índios selvagens zações, crenças, costumes e modos de ver
[...] Entregues à natureza não conheciam Deus o mundo dos povos indígenas brasileiros.
nem lei, pois era conhecel-os possuir o terror da •• Incluam uma discussão, com base nos te-
superstição e o dos mais fortes. mas debatidos até agora, sobre a questão
[...] são muito conhecidos os tupis e foram quasi do etnocentrismo e da representação dos
os unicos que mais ou menos se approximaram das povos indígenas.
povoações civilizadas, que outros mais bugres*, os e) Apresentem o texto editado ao restante da
tapuiasgês, por exemplo, nunca puderam suppor- turma, comparando-o com sua escrita ori-
tar sem rancor. ginal e justificando as principais mudanças
[...] A escravidão era tambem o trabalho forçado que vocês realizaram.
e o castigo corporal; e o indio, de natureza indolen-
2. Com base na leitura do trecho do texto da
te, não podia e não gostava de trabalhar segundo
historiadora brasileira Lilia Schwarcz (1957-)
os hábitos dos europeus. D’ahi nasceram muitos
e no que você estudou, responda às perguntas
tumultos e vinganças atrozes.
a seguir.
Apesar de naturalmente supersticiosos e atra-
zados, os índios eram gentes de grande orgulho e Assim, se à primeira vista a noção de evolução
independencia, e na sua maioria doceis e pacificos. surgia como um conceito capaz de apagar oposi-
RIBEIRO, João. Rudimentos de História do Brasil. ções essenciais entre os homens, na prática ela aca-
Curso Primário. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, bou por reforçar perspectivas opostas. De um lado
1924. p. 15-19.
ficavam os evolucionistas sociais, que reafirmavam
* Bugre: termo pejorativo usado para identificar o indígena a existência de hierarquias na humanidade, mas
como violento e rude.
dentro de uma mesma estrutura fundamental. De
a) Que ideia o título do capítulo comunica aos outro, os darwinistas sociais, que entendiam as di-
estudantes? ferenças entre as raças como elementos essenciais.
b) ComoMATERIAL DE DIVULGAÇÃO
o autor chama as povoações dos colo- Em comum reinava a certeza de que raça era con-
ceito crucial a distinguir hierarquia entre povos e
DA EDITORA
nizadores? O que issoDO BRASIL
induz o leitor a pensar?
cindir a própria humanidade. [...] o conceito “natu-
c) Que semelhança há entre esse texto e o
ralizou diferenças”; tirando-as do âmbito da cultu-
do jesuíta Simão de Vasconcellos, apre-
ra e da história para lhe dar o chão duro da ciência,
sentado no boxe “Visão de um padre je-
da biologia e da natureza.
suíta”, na página 58?
SCHWARCZ, Lilia Mortiz. Teorias raciais.
d) Agora, você e os colegas vão editar o texto In: SCHWARCZ, Lilia Mortiz; GOMES, Flávio dos Santos (org.).
do livro didático para adequar sua linguagem Dicionário da escravidão e da liberdade.
São Paulo: Companhia das Letras, 2018. E-book.
à contemporaneidade e elaborar um ponto
de vista mais respeitoso em relação à diver-
sidade cultural dos povos indígenas. Para a) De que maneira a teoria da evolução de
Charles Darwin foi apropriada pelas concep-
isso, reúnam-se em grupos e sigam o roteiro.
ções do darwinismo social e do racismo
•• Leiam o texto novamente e façam uma lista
científico?
dos termos que precisam ser modificados
b) Faça uma pesquisa sobre os principais
e/ou atualizados.
teóricos e movimentos sociais que com-
•• Considerem a atualização de grafia e a im- bateram essas teorias etnocêntricas e
propriedade das ideias que precisam ser detalhe os seus principais pontos de argu-
revistas. mentação.

Não escreva no livro. 65


PRESERVAÇÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL
Como foi estudado, a base do etnocentrismo é o julgamento de uma cultura pelos parâ-
metros de outra, o que resultou em um desrespeito e, muitas vezes, em uma violação da
diversidade cultural. Por esse motivo, muitos grupos sociais se organizaram para exigir meca-
nismos legais que garantam a manutenção e o respeito às múltiplas práticas culturais e
memórias de distintos povos.
Nesse item, serão estudados alguns desses mecanismos no Brasil, por isso, retomaremos
a discussão sobre o que é cultura. O conceito de cultura é o que, de acordo com estudiosos
da área das Ciências Humanas, diferencia os seres humanos dos animais. Isso significa que
todos os grupos humanos produzem cultura. Os padrões culturais de determinado tempo e
lugar influenciam a forma de ser e de encarar o mundo, e o que as pessoas gostam e desgos-
tam, por exemplo.
Stefanie GLINSKI/AFP

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA NaEDITORA
cultura dosDO
nuer,BRASIL
grupo étnico do Sudão do Sul, as pessoas fazem escarificações no rosto para obter efeito
estético. Na foto, mulher nuer, no Bentiu, Sudão do Sul, 2018.

Por um lado, todas as pessoas têm necessidades biológicas. Comer e dormir são exem-
plos delas. Mas como essas necessidades são realizadas é uma determinação cultural. Há
muitas formas de realizar essas ações, e essa variedade é chamada de diversidade cultural.
O ser humano é moldado pela cultura. Por isso, como já foi visto, estratégias de domina-
ção e exploração de um grupo por outro se relacionam, muitas vezes, à hierarquização entre
diferentes culturas e à imposição de elementos culturais do dominador ao subjugado.
De forma geral, a cultura é tratada como aquilo que é tipicamente humano, como as
diversas formas de se relacionar e transformar a natureza. Podemos considerar natural
tudo aquilo que existe independentemente da atividade humana, ou seja, processos e
produtos que não são criados por seres humanos, mas que são a condição necessária de
toda a prática humana.
Assim, é possível dizer que o ser humano é produto da soma da natureza com a cul-
tura. Ele cria formas de organização, valores, símbolos e significados para a experiência
da vida. Essa multiplicidade dos modos de existência humana é própria da humanidade
e da diversidade cultural.

66 Não escreva no livro.


Patrimônio cultural
A cultura também pode ser considerada um patrimônio, ou seja, algo que deve ser preser-
vado para ser legado às futuras gerações.
O reconhecimento de um patrimônio cultural está relacionado à escolha de algo representa-
tivo da identidade de um povo ou uma comunidade, ou seja, de um elemento histórico e cultu-
ral valorizado pelas pessoas desse grupo. Um patrimônio cultural pode ser material ou imaterial.
A cultura material é composta de elementos tangíveis e concretos, como objetos, instrumentos
e ferramentas, ou de bens móveis, como edificações e sítios arqueológicos. Já a cultura imate-
rial é formada por elementos abstratos, que não estão materializados em nenhum objeto em si,
como hábitos, conhecimentos, rituais, festas, danças, técnicas e a própria língua de um povo.
Atnadro/Shutterstock.com

Leo Caldas/Pulsar Imagens


 A Grande Muralha da China foi tombada pela Unesco como  O frevo foi reconhecido pela Unesco como patrimônio cultural
Patrimônio Cultural Material da Humanidade em 1987. imaterial da humanidade em 2012. Na foto, passistas de frevo
Foto de 2018. em Recife, PE, 2018.

Atualmente, o crescimento e a modernização das cidades colocam em risco alguns ele-


mentos da cultura imaterial de povos tradicionais, das populações do campo, ribeirinhas,
indígenas etc. Para proteger essas manifestações, foi criada uma legislação que protege
patrimônios culturais, surgida inicialmente para proteger diferentes manifestações de cul-
turas que foram ameaçadas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A Unesco é a instituição que realiza internacionalmente o trabalho de preservação, reconhe-
cendo formalmente expressões culturais como patrimônios da humanidade. Tal reconheci-
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
mento implica que esse patrimônio está protegido pelos países signatários da Convenção para
DA EDITORA
proteção do patrimônio DO BRASIL
mundial, cultural e mundial, documento de 1972 e que vai receber
auxílio técnico para isso.
 O jongo é uma forma de expressão afro-brasileira que é tipicamente realizada em periferias urbanas e
comunidades rurais do Sudeste brasileiro. Na foto, manifestação do jongo no Quilombo Boa Esperança, ES, 2019.
Luciana Whitaker/Pulsar Imagens

Não escreva no livro. 67


Patrimônio cultural no Brasil
No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), criado em
1983, é o responsável pela identificação e preservação de elementos das culturais mate-
riais e imateriais brasileiros.
O tombamento é o principal instrumento utilizado para garantir a proteção do patri-
mônio da cultura material no Brasil pelo Iphan. Uma casa ou um edifício é tombado quando
o Iphan reconhece que há características nele que possibilitam sua inscrição em um dos
quatro Livros do Tombo: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro
do Tombo Histórico; Livro do Tombo das Belas Artes; Livro do Tombo das Artes Aplicadas.
A proteção do patrimônio cultural imaterial é mais recente. O Brasil ratificou, em 2006,
a Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. Isso repre-
sentou um avanço no reconhecimento de que não só objetos e edifícios são simbólicos e
importantes para um povo. Dessa maneira, passaram a ser reconhecidas como cultura ima-
terial: tradições e expressões orais; expressões artísticas, práticas sociais, rituais e festas;
conhecimentos relacionados à natureza e ao Universo; e técnicas artesanais tradicionais.
Para que o Iphan reconheça um bem cultural imaterial, é necessário ter as seguintes
características: continuidade histórica; relevância para a memória nacional; fazer parte das
referências culturais de grupos formadores da sociedade brasileira.
Manter os patrimônios cultural material e imaterial vivos e bem cuidados demanda não
apenas proteção legal, mas também recursos financeiros, equipes especializadas, manu-
tenção constante, segurança e conservação de edifícios e equipamentos. A falta desses
recursos pode deixar esses patrimônios vulneráveis, como foi o caso do incêndio que
destruiu o Museu Nacional, o mais antigo do Brasil. Localizado no Rio de Janeiro, esse
museu contava com um acervo de mais 20 milhões de peças.
O Museu Nacional guardava plantas e animais coletados em expedições pelo Brasil, múmias,
minerais, fósseis pré-históricos, meteoritos e peças de diversos povos indígenas, sendo alguns
deles, inclusive, extintos. O incêndio durou seis horas, e sua causa está relacionada com a
falta de manutenção dos equipamentos de climatização e segurança do edifício.

Rogério Reis/Pulsar Imagens


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Museu Nacional, Rio de Janeiro, RJ, logo após o incêndio de 2018.

68 Não escreva no livro.


A Antropologia e o estudo da cultura
Durante o século XIX, a Europa expandia seu domínio sobre outras partes do planeta, em
especial a África e a Ásia. Nesse processo, os europeus entraram em contato com várias cul-
turas que não estavam incorporadas à sociedade industrializada. Esse contato levou à siste-
matização de uma ciência que pretendia compreender as sociedades não ocidentais em suas
formas de viver.
Assim surgiu a Antropologia, ciência que busca analisar o ser humano em sua totalidade
com base em aspectos culturais, não somente biológicos. A Antropologia nos ajuda a des-
naturalizar fenômenos sociais e entender o ser humano com base em características cultu-
rais, materiais e históricas: “O que há em comum entre todos os seres humanos da Terra?
Chorar é cultural? Amar é natural? Sentir vergonha é biológico ou cultural?”. Esses são alguns
questionamentos que a Antropologia pode ajudar a responder.

Apic/Getty Images

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
 O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009) fez excursões para diferentes regiões do Brasil,
concentrando-se, sobretudo, no estudo da população indígena. Na foto, Lévi-Strauss em expedição na
Floresta Amazônica, c. 1936.

Nessa área de conhecimento, o relativismo cultural é uma concepção de observação de


sistemas culturais que pretende se distanciar do etnocentrismo, não aplicando julgamentos
de valor e/ou morais ao objeto de estudo. Ou seja, nessa concepção, busca-se entender os
sistemas culturais por meio de suas próprias regras, costumes, pensamentos, organizações
e crenças, sem julgá-los ou hierarquizá-los de acordo com a cultura do pesquisador. Um dos
métodos utilizados pelo relativismo cultural é a etnografia, que se baseia em fazer um traba-
lho de campo, indo a determinado espaço cultural e observando e descrevendo de forma
detalhada a organização cultural desse lugar.
A etnografia depende, portanto, da interação prolongada entre o pesquisador e o objeto
de pesquisa. Esse estudo não indica como as culturas deveriam se comportar, mas sim como
elas realmente se comportam no contexto em que ocorrem, sem julgamentos morais e sem
tirá-las do contexto espontâneo. Além disso, considerar o ponto de vista dos participantes
da pesquisa também é importante para que se tenha um conhecimento mais amplo dos pro-
cessos culturais da sociedade estudada.

Não escreva no livro. 69


Conexões

ETNOMATEMÁTICA – A DIVERSIDADE CULTURAL


NO RACIOCÍNIO MATEMÁTICO
As formas culturais incluem uma série de códigos, formas
de pensar e visões de mundo próprias. A produção de conhe-
cimentos é uma delas. Cada cultura produz formas cotidianas
de organizar os saberes na interpretação do mundo, na vida e
na sociedade. Esses conhecimentos nem sempre são siste-
matizados como os procedimentos científicos.
A modernidade e, com mais intensidade, a globalização im-
Victor Habbick Visions/Science Photo Library/Fotoarena

põem formas únicas e padronizadas de produzir conhecimento,


e a Ciência é considerada a mais legítima entre elas. Entretan-
to, a diversidade cultural possibilita o surgimento de diversas
formas de conhecimento local que estão presentes em suas
comunidades há séculos.
O sociólogo português Boaventura de Souza Santos (1940-)
chama esse processo de “epistemicídio”, ou seja, a morte dos
conhecimentos tradicionais pela expansão europeia, represen-
tada aqui pela modernidade e pela globalização. Para o profes-
 Símbolos dos maias representando os números de
zero até 19. A matemática dos povos nativos do sor brasileiro Ubiratan D’Ambrosio (1932-), que desenvolveu
continente americano não foi considerada uma forma um programa de etnomatemática nos anos 1970, o processo
legítima de conhecimento na visão eurocêntrica. com a Matemática é o mesmo que o do “epistemicídio”:

A disciplina denominada matemática é, na verdade, uma Etnomatemática que se originou e


se desenvolveu na Europa mediterrânea, tendo recebido algumas contribuições das civilizações
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
indiana e islâmica, e que chegou à forma atual nos séculos XVI e XVII, sendo, a partir de então,
DA EDITORA DO BRASIL
levada e imposta a todo o mundo. Hoje, essa matemática adquire um caráter de universalidade,
sobretudo devido ao predomínio da ciência e tecnologia modernas, que foram desenvolvidas a
partir do século XVII na Europa.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Sociedade, cultura, matemática e seu ensino. Revista Educação e Pesquisa – da
Faculdade de Educação da USP, v. 31, n. 1, p. 99-120, 2005. p. 114.

A Matemática é um dos campos do conhecimento que está tendo alguns conhecimentos


tradicionais eliminados por essa universalização. É uma ciência amplamente utilizada pelas
pessoas no cotidiano, mas esses usos mais corriqueiros não são considerados pela Matemá-
tica um campo científico.
No programa desenvolvido por Ubiratan D’Ambrosio, a Matemática é compreendida co-
mo uma estratégia desenvolvida pelas pessoas para explicar, entender, manejar e conviver
com a realidade em um contexto natural e cultural.
A etnomatemática possibilita a análise de práticas matemáticas em diversos ambientes
culturais, ou seja, articula a Matemática com a Antropologia, considerando que o potencial
criativo da humanidade reside na diversidade cultural. Compreender as diferentes formas
de construir o pensamento matemático contextualizado garante maior acesso às técnicas
produzidas por culturas distintas.

70 Não escreva no livro.


Em uma feira livre, por exemplo, são utilizadas diversas formas de cálculo e diferentes gran-
dezas e unidades de medida: o alho pode ser comprado por “cabeça”, algumas frutas e legu-
mes são vendidas por quilograma e pesadas na balança, outras são vendidas por unidade ou
por dúzia. E os líquidos? Quais são vendidos na feira? Água de coco, mel, óleos? Como são
quantificados? E os temperos e ervas? Como são mensurados? Todos esses itens enumerados
são exemplos de etnomatemática.
 Feira livre em
Ourolândia, BA, 2019.
Luciana Whitaker/Pulsar Imagens

ATIVIDADE
1. Reúnam-se em grupos e elaborem um relatório sobre as feiras livres da sua cidade,
conforme as etapas apresentadas a seguir.
Etapa 1
•• Vão a campo, ou seja, a uma feira livre, com material para anotar e fotografar.
•• Quais são MATERIAL DEeDIVULGAÇÃO
as grandezas unidades de medida adotadas pelos feirantes? Qual é a diversi-
dade de técnicas adotadas
DA EDITORA DOpara mensurar a quantidade de produto vendido? Observem e
BRASIL
anotem cada uma delas e, se possível, façam registros fotográficos.
Etapa 2
•• Escolham de dois a quatro comerciantes para entrevistar. Alguns itens que podem ser usa-
dos como ponto de partida para a elaboração de suas perguntas aos entrevistados são:
• identifiquem onde e como os feirantes adquirem os produtos que vendem (compram
por quilo, por unidade?);
• questionem as diferentes técnicas adotadas pelos feirantes para mensurar os produtos,
quais dificuldades têm com elas e se sentem falta de outras formas de calcular;
• perguntem aos feirantes sobre a oscilação de preços na compra, como ela é repassada
aos clientes e como os custos e os lucros são calculados.
Etapa 3
•• Analisem as principais técnicas adotadas e as eventuais dificuldades com o uso da Mate-
mática enfrentadas pelos feirantes. Verifiquem se a praticidade das técnicas adotadas por
eles é suficiente.
•• Elaborem um relatório final com fotos, tabelas comparativas e os principais dados e con-
clusões.

Não escreva no livro. 71


Atividades

1. Pesquise na internet os patrimônios da humanidade que estão em situação de perigo, de


acordo com a Unesco. Reúna informações sobre algum deles e responda às perguntas.
a) Por que ele é considerado um patrimônio cultural da humanidade?
b) Por que a Unesco considera que ele está em situação de risco?
c) Quais providências estão sendo tomadas para que esse patrimônio seja salvo?
2. O acervo de museus, bibliotecas, galerias e instituições de proteção à cultura cele-
bram e guardam elementos que foram escolhidos como relevante para determinado
tema, tempo, grupo ou sociedade. Por muitos anos, a cultura protegida nos museus
representavam elementos valorizados por uma elite, excluindo, muitas vezes, a
salvaguarda de itens de culturas de grupos marginalizados historicamente, como os
afrodescendentes, os indígenas e as comunidades ribeirinhas. Com essa reflexão em
mente, responda aos itens a seguir.
a) Se você pudesse fazer a curadoria dos elementos de um museu, qual seria a temá-
tica escolhida?
b) O acervo do museu seria composto de quais peças? Liste-as.
c) Por que escolheu este tema para o museu?
3. Reúnam-se em grupos e façam uma pesquisa sobre algum incidente que tenha atingido
um museu ou instituição cultural brasileira e tenha afetado o seu acervo e/ou prédio.
Para isso, investiguem os seguintes aspectos:
•• história e contexto de criação do museu ou da instituição;
•• características da arquitetura do local e do acervo antes do incidente;
•• causas do incidente e impactos sobre o acervo, arquitetura e o funcionamento do local;
•• projetos de restauração e recuperação do museu ou instituição;
•• situação atual do local.
4. Todas as regiões brasileiras possuem bens culturais imateriais reconhecidos pelo Iphan.
Escolha um dos elementos listados e faça o que se pede nos itens.
•• Indígenas do Alto Rio Negro de Ma- •• Festa do Divino de Pirenópolis (GO);
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
naus (AM); •• Festança de Vila Bela da Santíssima
DA EDITORA DO BRASIL
•• Festividade de São Tiago no Distrito de Trindade (MT);
Mazagão Velho (AP); •• Modo de Fazer Viola de Cocho (MS);
•• Ofícios Tradicionais do Centro Histórico •• Ofício das Paneleiras de Goiabeiras (ES);
de Belém (PA);
•• Modo de Fazer Viola de 10 cordas no
•• Cultura do Babaçu na Região do Bico do Alto e Médio São Francisco (MG);
Papagaio (TO);
•• Pesca da Tainha na Ilha do Mel (PR);
•• Complexo do Bumba Meu Boi no Mara-
•• Mestres Artífices da Construção Civil
nhão (MA);
Tradicional (SC);
•• Feira Central de Campina Grande (PB);
•• Produção dos Doces Tradicionais Pelo-
•• Mestres Artífices de Pernambuco (PE); tenses (RS).

a) Descreva as principais características do bem cultural imaterial e qual é o seu tipo


de manifestação (técnica artesanal/modo de fazer, ritual, expressão artística etc.).
b) Indique qual é o grupo social que pratica o bem cultural imaterial e por que sua pre-
servação é importante para aquela comunidade.

72 Não escreva no livro.


O MODO DE VIDA NÔMADE
No século XIX, o evolucionismo e as teorias etnocêntricas europeias fortaleceram concepções
dicotômicas de mundo. Essas concepções colocaram, em lados opostos, pessoas, grupos, ele-
mentos e ideias. Um exemplo dessa visão dicotômica é a contraposição entre nômades, povos
que estão em constante deslocamento em busca de elementos para sua subsistência, e seden-
tários, povos que se fixam e desenvolvem seu modo de vida em determinado local.
Na obra Sociedade Antiga, publicada

TinasDreamworld/Shutterstock.com
em 1877, Lewis Morgan (1818-1881) pro-
pôs que a humanidade se originou de um
processo evolutivo composto de três está-
gios sucessivos: selvageria, barbárie e civi-
lização. Cada etapa caracterizava-se por
novas habilidades e desenvolvimentos
tecnológicos. De acordo com Morgan, o
modo de vida sedentário e o desenvolvi-
mento de cidades seriam os fatores que
separavam os civilizados dos bárbaros e
selvagens.
Por causa dessa visão etnocêntrica,
criou-se a noção, ainda hoje perpetuada,  Homem tuaregue, povo predominantemente nômade. Deserto do Saara,
de que o nomadismo seria uma etapa do Marrocos, 2017.
desenvolvimento do ser humano que de-
veria ser superada e que se tratava de um modo de vida preso a um passado distante. Por
outro lado, o fato de não estarem fixados em determinado lugar despertou, muitas vezes, a
romantização de seu modo de vida, ao conectá-lo com a noção de liberdade.
Seriam os nômades mais livres por não estarem “presos” a determinado local, podendo
se locomover sempre que necessário? Ou seriam reféns das condições da natureza, estando,
atualmente, ameaçados devido a mudanças ambientais cada vez mais violentas?
Para responder a essas perguntas será necessário, inicialmente, investigar como se esta-
belece a relação dos seres humanos com a natureza e a produção do espaço geográfico.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Do espaço natural ao espaço geográfico
DA EDITORA DO BRASIL
Em seu percurso como estudante, provavelmente você já estudou que o espaço geográ-
fico se transforma com base nas ações e nas relações humanas. A produção e a reprodução
do espaço em que vivemos se dão por meio do trabalho humano.
O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) definia trabalho como a atividade que o ser
humano realiza para produzir suas condições de existência e pela qual transforma a natu-
reza. Para ele, o ato de trabalhar é essencialmente humano, posto que a transformação da
natureza ocorre por meio de uma ação consciente, que garante a sobrevivência. Ao trans-
formar intencionalmente a natureza por meio do trabalho, o ser humano transforma a si
mesmo e ao outro.
Ao longo dos anos, diferentes povos, organizados em distintas sociedades, se apropriaram,
e ainda se apropriam, da natureza para satisfazer suas necessidades de reprodução. Nessa
rede de apropriação e transformação, origina-se o espaço geográfico.
Alguns povos indígenas, por exemplo, guardam uma relação com o espaço em que vivem,
que vai além da sobrevivência como necessidade de reprodução da dimensão econômica da
vida. Em geral, as terras apropriadas por esses povos carregam o aspecto simbólico de cons-
trução de sua cultura e identidade. O meio, além de fornecer alimentos e garantir a sobrevi-
vência, é dotado de espiritualidade e permeia as relações sociais.

Não escreva no livro. 73


Cada povo concebe o espaço que ocupa de uma forma, sendo que suas práticas estão inti-
mamente vinculadas ao meio. Não se trata, portanto, de indivíduos ocupando um espaço
natural intocado, mas de grupos que culturalmente desenvolveram formas de manejo dos
recursos disponíveis nos espaços que lhes pertencem.
O espaço geográfico, portanto, engloba a natureza, os objetos e as ações circunscritas no
processo ininterrupto que é o ato de trabalhar. Todas as relações políticas, econômicas, sociais
e culturais fazem parte do processo de apropriação e transformação do espaço geográfico.
Nesses termos, o espaço geográfico é uma categoria para entendermos a realidade em
que vivemos, pois se trata da compreensão da dimensão espacial das ações humanas.
É importante destacar que a história humana está diretamente relacionada ao trabalho,
às dinâmicas da natureza e a suas transformações. Isso porque a sobrevivência e as ativida-
des humanas, de certa forma, dependem dos recursos de que a natureza dispõe.

Trabalho e dinâmicas da natureza


Desde o período Paleolítico, há mais de 2 milhões de anos, os grupos humanos desenvolve-
ram hábitos e técnicas que garantiam a sobrevivência da espécie perante a hostilidade do meio.
Assim, os seres humanos foram se apropriando da natureza e modificando o espaço
geográfico. Essas transformações só foram possíveis porque foi desenvolvida uma série de
técnicas que possibilitava explorar a natureza como recurso. Com madeira, pedras, ossos
e peles de animais, os seres humanos desenvolveram, por exemplo, peças de roupas e
utensílios para caça e pesca.
Foi também no Paleolítico que os seres humanos aprenderam a controlar o fogo. As seve-
ras condições climáticas às quais estavam submetidos, sobretudo durante as glaciações,
levaram os grupos humanos a buscar abrigos em cavernas para se protegerem do frio.
O domínio do fogo representou uma transformação brusca na forma como esses grupos
viviam. Além da proteção do frio, o fogo permitia que os grupos cozinhassem os alimentos e
afastassem possíveis predadores.

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO Thipjang/Shutterstock.com

DA EDITORA DO BRASIL

 Arte rupestre no complexo arqueológico da Gruta de Lascaux, França, 2017. Os grupos


humanos do Paleolítico entendiam as inscrições na parede como formas de influenciar
o comportamento dos animais que caçavam.

Além de modificar os hábitos alimentares dos seres humanos, o controle do fogo deu maior
autonomia aos indivíduos em relação à natureza. O manuseio do fogo e a capacidade de pro-
duzi-lo mudou para sempre a vida desses grupos e das sociedades que os sucederam.
A ação constante dos indivíduos foi, gradativamente, formando o espaço geográfico, dotan-
do-o de objetos e ações, permeados por relações políticas, econômicas, sociais e culturais.

74 Não escreva no livro.


Apropriação do espaço
Mas será que os seres humanos têm plena liberdade para produzir essas relações no espaço
geográfico? Até que ponto a apropriação e a transformação desse espaço são capazes de
revelar a liberdade dos seres humanos em detrimento das forças hegemônicas?
O geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001) considerava o seguinte:

O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sis-


temas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro úni-
co no qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais,
que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, meca-
nizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como
uma máquina. Através da presença desses objetos técnicos: hidroelétricas, fábricas, fazendas
modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por es-
ses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente técnico.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006. p. 39.

Além disso, para Milton Santos, esse processo está, na contemporaneidade, inserido na
lógica de acumulação, produção e circulação capitalista. Nesse contexto, a realização da vida
cotidiana também está inserida nessa lógica, enquanto o próprio processo de apropriação
do espaço torna-se desigual e contraditório. A produção do espaço geográfico se realiza nessa
lógica, ao passo que sobrepõem as transformações pelas quais passa ao longo do tempo.
Você consegue imaginar um lugar do mundo onde não haja ação humana? Observe a
fotografia a seguir:

Tales Azzi/Pulsar Imagens

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Cânions do Xingó, Olho D’água do Casado, AL, 2018.

Na fotografia acima, os elementos naturais predominam. No entanto, a perspectiva da ação


humana nos leva mais adiante daquilo que é visível. Além dos objetos, há que se considerar
os sistemas de ações.
A água do rio é um elemento natural, mas é também recurso para alimentar as socieda-
des, potencializar as atividades agrícolas, gerar energia elétrica, transportar pessoas e embar-
cações, e satisfazer aos anseios das atividades turísticas e do consumo do espaço como
mercadoria. O espaço geográfico, portanto, relaciona-se à natureza que se socializa e atende
às necessidades humanas.

Não escreva no livro. 75


Marcio Silva/Alamy/Fotoarena
 Objetos constituídos em diferentes tempos coexistem no espaço da cidade. Na foto, edificações construídas em
distintos períodos na cidade de Recife, PE, 2018.

O espaço geográfico revela-se na perspectiva de uma natureza socialmente transformada.


A capacidade transformadora e o grau de conhecimento técnico dos seres humanos estão
intimamente relacionados. Na atualidade, as grandes cidades revelam as profundas trans-
formações que os seres humanos foram capazes de promover.
Nas cidades, todo o desenvolvimento da sociedade está sobreposto, a ponto de o trabalho
não transformar mais a natureza propriamente dita, mas sim o trabalho já realizado, com
objetos de diferentes momentos coexistindo. A fotografia desta página é um exemplo disso:
MATERIAL DE de
a existência DIVULGAÇÃO
diferentes edificações em um só local (no caso, a cidade de Recife), construí-
DA
dasEDITORA
em épocas DOdiferentes,
BRASIL expressa a temporalidade das transformações ocorridas e mate-
rializa as marcas do passado.
O espaço geográfico é apropriado e transformado constantemente. A marca visível desse
processo é a transformação das paisagens, que expressam aquilo que é apreendido pelos
nossos sentidos. Os objetos transformados pelos seres humanos ao longo dos tempos coe-
xistem nas paisagens.
Paisagem é tudo aquilo que podemos apreender pelos nossos sentidos, pois ela concre-
tiza a coexistência de um conjunto de formas ou objetos naturais e artificiais, criados em
momentos históricos distintos e que denotam as relações entre a sociedade e a natureza.
Essas formas ou objetos são os elementos naturais e culturais das paisagens. Nas pai-
sagens naturais, há predomínio dos elementos estabelecidos pelas dinâmicas da natureza,
como cursos de água, formas de relevo e vegetação. São os elementos naturais das paisa-
gens. Já as paisagens culturais (também chamadas de artificiais, antrópicas ou humaniza-
das) incluem as formas e os objetos estabelecidos pela ação humana, os chamados
elementos culturais. Todas as construções humanas, como edifícios, vias públicas, auto-
móveis, pontes e viadutos, foram desenvolvidas de acordo com a cultura e as necessidades
das distintas sociedades. São os elementos naturais e culturais das paisagens que possi-
bilitam a análise das dinâmicas naturais e socioespaciais.

76 Não escreva no livro.


Mudanças nas paisagens e nos espaços geográficos
Apesar das transformações impostas pelas sociedades, não são apenas os indivíduos que
transformam as paisagens. Há mudanças que resultam de processos de longa duração, como
a modelagem de uma forma de relevo, ou de mudanças bruscas, como a ocorrência de um
terremoto. As alternâncias das estações do ano e dos dias e das noites também revelam
mudanças nas paisagens.
Enquanto a paisagem revela a coexistência das formas presentes e passadas, no espaço
geográfico, as formas que compõem a paisagem têm valor, função e intencionalidade para
atender às necessidades da sociedade.
Paisagem e espaço geográfico não são sinônimos, contudo, são interdependentes.
O espaço geográfico pressupõe ação e inter-relações humanas. As sociedades modificam e
produzem o espaço geográfico, e dele se apropriam. Nesse sentido, as relações humanas são
relações socioespaciais.
Os grupos humanos se apropriam da natureza e desenvolvem técnicas capazes de trans-
formar o espaço geográfico desde o Paleolítico. Porém, naquele período, os grupos humanos
eram nômades e migravam em busca de alimentos como forma de sobrevivência quando se
esgotavam os recursos da região onde estavam vivendo.
A pesca, a caça e a coleta foram atividades que transformaram a relação de alguns grupos
humanos com o meio em que viviam. No entanto, foi o processo de sedentarização, o desen-
volvimento das práticas agrícolas, a domesticação e o confinamento dos animais que provo-
caram uma profunda transformação na relação da sociedade com a natureza.

Ann Ronan Pictures/Print Collector/Getty Images

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Representação de uma vaca domesticada sendo ordenhada, no Egito Antigo. Pintura mural no túmulo de Methethi,
c. 2371-2350 a.C.

O desenvolvimento da agricultura inaugurou o Neolítico, período posterior ao Paleolítico e que


se iniciou há mais de 12 mil anos. O Neolítico marcou um longo processo de desenvolvimento
de conhecimentos e habilidades que levaram à elaboração de ferramentas, técnicas e formas
de cultivo – desde o preparo do solo e seleção das culturas até as técnicas de colheita –
que permitiram a produção de alimentos em um lugar fixo e, consequentemente, a sedentari-
zação dos agrupamentos humanos.
Com o alimento mais acessível, houve um crescimento demográfico, e a necessidade de
deslocamentos diminuíram drasticamente. Isso fez com que os grupos fixassem residências
estáveis, inicialmente nas áreas próximas de rios, e passassem a desenvolver novas ativida-
des e funções no contexto da organização social de cada grupo.

Não escreva no livro. 77


O período Neolítico marca a divisão do trabalho por sexo e idade e a consolidação de ati-
vidades como as dos ferreiros. Mais tarde, a prática agrícola e as trocas da produção exce-
dente deram origem aos primeiros povoados e atividades comerciais de que se tem notícia.
Esses fenômenos criaram relações políticas, econômicas, sociais e culturais.
As práticas agrícolas, a domesticação dos animais e o sedentarismo dinamizaram as rela-
ções sociais. No entanto, não se deve imaginar que transformações complexas como essas
tenham ocorrido linearmente, com os povos sedentários substituindo os grupos nômades.
Trata-se de distintas formas de vida que coexistem e se inter-relacionam no processo de
transformação do espaço geográfico. Atualmente, existem distintos grupos que adotam o
nomadismo como modo de vida ou como forma de resistência.

Heikoneumannphotography/Shutterstock.com
 Sítio arqueológico de Stonehenge, no Reino Unido, 2019. O monumento foi construído em c. 3000 a.C., e sua posição
está alinhada ao nascer do Sol. Por conta disso, acredita-se que o povo Neolítico que o ergueu o fez em referência ao
ciclo agrícola das colheitas.

Produção do espaço e a sociabilidade nas sociedades nômades


Os nômades não têm residência fixa, estão em constante deslocamento. A maioria desses
grupos foi, aos poucos, tornando-se sedentária. No entanto, mesmo com o domínio das prá-
ticas agropecuárias, alguns povos mantiveram o nomadismo como modo de vida.
Porém, os nômades contemporâneos não possuem hábitos e organizações idênticas ao
dos caçadores do Paleolítico, pois não são “fósseis vivos” do período. Além disso, também
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
existem diferenças no próprio nomadismo contemporâneo. Por exemplo, existem os nôma-
DA
desEDITORA
pastores,DO BRASIL
como os beduínos e os tuaregues.

Nicole Macheroux-Denault/Shutterstock.com

TCHT_L1_U2_F_34

Agadez, norte do Níger, 2019. Essa cidade é um atual ponto de parada dos tuaregues em seus deslocamentos.

78 Não escreva no livro.


Os tuaregues, um dos principais grupos que ocupam o norte da África, no deserto do
Saara, ainda hoje mantêm seu modo de vida baseado no pastoreio nômade e nas ativi-
dades comerciais. No passado, eles controlaram as rotas de comércio no deserto do Saara
e, apesar da tradição do nomadismo, formaram importantes cidades, como Agadez. Porém,
seu domínio sobre esses locais não perdurou e, atualmente, Agadez serve somente como
um posto de parada durante os deslocamentos desse povo.
Os beduínos também são povos nômades do deserto que vivem do pastoreio de camelos,
cabras e carneiros. Eles ocupam parte do norte da África e do Oriente Médio.
Esse povo também se utiliza do dinamismo econômico das atividades turísticas como fonte
de renda. Por exemplo, as famílias beduínas posicionam seus camelos perto das paradas de
turistas que desejam fotografar e andar sobre esses animais.
Outros exemplos de povos nômades pastores são: Massai do Quênia e Tanzânia; Pokot, do
Quênia e Uganda; Gaddi, da Índia; Quirguizes e os cazaques, da Ásia Central; Sámi ou lapões,
criadores de rena da Suécia, Noruega, Finlândia e Rússia; e Sarakatsani, da Grécia.
Além dos povos nômades que se deslocam em busca de pastos para seus rebanhos,
ainda há poucos grupos no mundo que são caçadores-coletores, ou seja, sobrevivem da
caça de animais e da coleta de vegetais.
Esse é o caso dos hadza, grupo relativamente pequeno que vive em áreas centrais da
Tanzânia, país do continente africano. O grupo mantém, há 10 mil anos aproximadamente,
os mesmos hábitos alimentares alicerçados na caça e na coleta de tubérculos, raízes e
frutos silvestres. Segundo estudiosos, os hadza contam, na atualidade, com cerca de
1 000 indivíduos. Os conhecimentos desse povo são transmitidos de geração em geração
de forma oral.
Geralmente, as mulheres do grupo são as responsáveis pela
Kairi Aun/Alamy/Fotoarena

atividade de coleta de alimentos. Acredita-se que um dos fato-


res que favoreceu a conservação de seus costumes ancestrais
foi que os hadza utilizavam terras pouco valorizadas por gru-
pos vizinhos. Como não praticam a agricultura, os hadza se
locomovem por áreas pouco aptas para a prática agrícola.

  Caçador hadza à procura


de alimentos, Lake Eyasi,
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO Tanzânia, 2019.
 Vila beduína no deserto do Saara, Egito, 2017.
DA EDITORA DO BRASIL
Julian Crumly/Alamy/Fotoarena

Não escreva no livro. 79


Nomadismo em áreas urbanas
Embora o nomadismo pareça relacionar-se apenas às atividades rurais, ele também ocorre
nas áreas urbanas. Os ciganos, por exemplo, estão espalhados pelo mundo e vivenciam diver-
sas formas de deslocamento.
Esse grupo social tem pouca visibilidade em estudos etnográficos e não tem uma identi-
dade nacional. Pouco se sabe sobre as origens dos grupos que formam esse povo, tão dis-
tinto e marginalizado. Na Alemanha, na primeira metade do século XX, os ciganos também
foram vítimas do holocausto e da perseguição nazista, mas esses fatos são pouco lembrados.
O processo de escravização enfrentado por alguns grupos ciganos durante séculos, em regiões
que hoje configuram a Romênia, também é pouco estudado e comentado.
Em episódios recentes, em especial na Europa, os ciganos foram vítimas de preconceito,
discriminação, exclusão social e tentativas de descaracterização cultural, e passaram a ser
tratados como “selvagens” e criminosos. Esse é um paralelo não muito distante da imagem
que esses grupos tinham na Idade Média, quando eram vistos como “diabólicos” por causa
de seus ritos, suas tradições festivas e vestimentas.
Diante da variedade étnica e cultural, foram os deslocamentos que, de certa forma, dife-
renciaram os ciganos dos não ciganos. As viagens sempre fizeram parte da organização das
comunidades ciganas e do modo de vida desses grupos. No entanto, na atualidade, a maior
parte dos deslocamentos que ainda ocorrem são consequência da não aceitação, da hostili-
dade e da violência sofridas por esses grupos.
Apesar de serem asssociados ao nomadismo, hoje, a maior parte dos grupos ciganos esta-
belecidos em cidades é sedentária. Se no passado a vida cigana poderia ser associada à con-
cepção de liberdade, em que era possível se deslocar sem considerar nações e fronteiras, ao
longo dos anos, os deslocamentos se reverteram na necessidade de sobrevivência, em decor-
rência da marginalização e da exclusão.

LCV/Shutterstock.com
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
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Dois homens ciganos tocam instrumentos nas ruas de Bucareste, Romênia, 2019.

80 Não escreva no livro.


Nomadismo e produção de espaços
No modo de vida cigano, as migrações, quando

Yavuz Sariyildiz/Shutterstock.com
ocorrem, não acontecem por motivações eco-
nômicas ou culturais, mas sim por questões
políticas e sociais. Nesse contexto, o nomadismo
cigano é, em certa medida, ligado a questões
como invisibilidade e rejeição.
Cercados de uma simbologia que os quali-
ficam como indivíduos “espalhados pelo
mundo”, os ciganos não relacionam suas iden-
tidades com um território nacional comum.
Também não integram movimentos com repre-
sentatividade internacional que reivindiquem
um ou mais territórios para si. O sentimento
de pertencimento a uma comunidade global
ultrapassa os limites territoriais e faz com que
os ciganos tenham solidariedade em relação  Mulher cigana com a carroça que utiliza para deslocamentos. Kirklareli,
aos demais ciganos estabelecidos em diferen- Turquia, 2019.
tes partes do mundo.

[...] o nomadismo expõe uma relação singular do cigano com o espaço, capaz de diferenciá-lo
do não-cigano e mantê-lo distante do mundo não-cigano. Primeiro porque, sob o efeito de no-
meação e da força das homologias dos espaços, os ciganos são impelidos a viver nos interstícios
sociais e, consequentemente, nos limites espaciais das sociedades.
[...] os ciganos foram capazes de reconhecer na diversidade uma unidade interna baseada nas
experiências comuns de desenraizamento (seja pela força física, seja pela força simbólica). [...]
Os ciganos expressam sua territorialidade como um “arquipélago de pequenos territórios”,
isto é, levam consigo, em seus símbolos, artefatos, instituições e sentimentos, um espaço portá-
til, conquistado e domesticado à sua maneira [...]. Elaboram sua identidade relacionalmente e de
maneira intensa, pois afirmam a semelhança com base na experiência profunda das diferenças.
FAZITO, Dimitri. A identidade cigana e o efeito de “nomeação”: deslocamento
das representações numa teia de discursos mitológico-científicos e práticas sociais.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77012006000200007.
Acesso em: 22 jul. 2020.
DA EDITORA DO BRASIL
Como foi visto, o espaço geográfico resulta de ações que transformam as sociedades e a
natureza com base no trabalho. A organização da vida coletiva e sedentária contribuiu dire-
tamente para a divisão do trabalho, para o ordenamento das atividades econômicas, para a
consolidação das hierarquias políticas e para a estruturação das sociabilidades com as quais
estamos habituados a conviver nos espaços urbanos e rurais.
No caso dos ciganos, a inexistência de um território soberano delimitado por fronteiras
nacionais não restringe o processo de produção dos espaços e das relações socioespaciais.
Os povos ciganos têm organizações espaciais próprias e, hoje, preservam relações de per-
tencimento e de afetividade com grupos distantes, fazendo uso das redes sociais, das novas
tecnologias e dos meios de telecomunicações, conectando-se diretamente à lógica de repro-
dução do consumo e de circulação do capital. Inseridos nas dinâmicas urbanas das cidades
em que vivem ou mesmo nos circuitos produtivos do campo, os ciganos exercem ativida-
des econômicas, ainda que informais, e fazem parte, como grupos marginalizados, do pró-
prio processo de reprodução desigual da economia capitalista.
A forma como os ciganos e outros povos nômades constroem suas vidas e estabelecem
relações com os lugares em que vivem apenas revela técnicas, conhecimentos, concepções
de vida e culturas distintos dos grupos nos quais estão inseridos.

Não escreva no livro. 81


Os limites da liberdade dos povos nômades
Agora que foram estudadas as relações do ser humano com a natureza e identificados
alguns povos que praticam o modo de vida nômade, retomemos a pergunta feita no começo
desse item: “Os nômades são mais livres do que os sedentários?”.
Existem alguns estudiosos que defendem que o nomadismo fornece mais tempo livre e
qualidade de vida em comparação ao modo de vida sedentário. Veja, por exemplo, a pesquisa
do antropólogo britânico James Suzman (1970-), que passou 25 anos estudando e vivendo
com os khoisan, povo nômade caçador-coletor, em Botsuana.
Os khoisan ou khoe-san podem ser considerados a mais antiga linhagem de seres humanos
do planeta, pois são descendentes de uma diversificação da espécie ocorrida há 100 mil anos,
na África. A maior parte deles vive no Deserto do Kalahari, que ocupa partes da Namíbia,
Botsuana, Angola e África do Sul.

Gary Cook/robertharding/Alamy/Fotoarena
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
Povo khoisan realiza um jogo. Deserto do Kalahari, Botsuana, 2019.

Segundo Suzman, a concepção de tempo desse povo é cíclica e eles trabalham, em média,
16 horas por semana, ou seja, pouco mais de duas horas por dia, para encontrar um supri-
mento adequado de alimentos pela caça e/ou coleta. O resto do tempo é gasto com a famí-
lia, com o descanso e com a confecção de objetos. Eles não acumulam o excedente dos
alimentos. A carne é distribuída entre todas as pessoas do grupo.
Nas sociedades sedentárias ocidentais, as forças produtivas, isto é, os meios de produção
e as relações de trabalho, tanto nas grandes quanto nas pequenas cidades ou em áreas rurais,
pautam-se na organização coletiva de uma sociedade segmentada em classes, em que cada
um realiza atividades específicas e se sustenta por meio de um sistema de trocas, estrita-
mente dependente da posse de capital.
Para os khoisan, a posse dos elementos para a subsistência é coletiva e partilhada. Inclu-
sive, durante o ato da partilha, o caçador da carne é insultado com gritos por todos e fica com
o último pedaço. De acordo com os khoisan, esse ritual evita que o caçador se sinta superior
aos demais e dono da carne. Suzman teoriza que esse momento também é uma maneira de
o grupo dar vasão ao impulso natural da inveja. Sem competição, sem inveja e sem exceden-
tes, os khoisan mantêm o igualitarismo no grupo.

82 Não escreva no livro.


Portanto, de acordo com Suzman, o igualitarismo e o maior tempo livre são características
que propiciam aos khoisan melhor qualidade de vida e maior liberdade, sem constrições ao
tempo do ócio nem cerceamentos e desigualdades promovidas pela estratificação social.
Porém, existem limitações para a própria manutenção desse modo de vida tradicional dos
khoisan. Uma parte desse povo utiliza a caça e a coleta apenas como atividade comple-
mentar à renda angariada por meio de trabalho assalariado ou auxílio governamental e filan-
trópico. Isso ocorre porque muitas das terras das quais os khoisan retiravam sua sobrevivên-
cia se transformaram em propriedades de povos agricultores.
As mudanças ambientais, consequências dos avanços tecnológicos, científicos e indus-
triais dos sedentários, também tornam as formas de sobrevivência desses povos cada vez
mais difíceis. Veja o exemplo do grupo étnico pastoril borana, que vive ao sul da Etiópia e
norte do Quênia. Durante séculos, o seu modo de vida era mover os rebanhos de gado de
uma pastagem para outra, de acordo com períodos de seca e chuvosos.
Porém, recentemente, em vez da seca se instaurar há cada dez anos, ela está acontecendo
anualmente, minando os meios de subsistência desse grupo, tornando o usufruto de sua
liberdade cada vez mais difícil.

Eric Lafforgue/Art In All Of Us/Corbis/Getty Images

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

Mulheres boranas buscam água para rebanho de ovelhas. Yabelo, Etiópia, 2017.

A questão ambiental e a lógica de produção e ampliação do capital, como na exploração


indefinida de recursos naturais, criam obstáculos e problemáticas de forma ampla a diversas
pessoas e grupos do globo. Os impactos gerados sobre a natureza se projetam para as mais
diferentes escalas e contextos. A influência do capital não permanece restrita aos espaços
onde atua diretamente. Os exemplos citados anteriormente permitem elucidar essa consi-
deração. Povos nômades que, em alguns casos, há milênios mantêm seu modo de vida, seus
hábitos e seus costumes, estão diante de uma ameaça iminente à sua história e à própria
existência diante das mudanças ambientais em curso. Não apenas mudanças ambientais,
mas também mudanças sociais, a exemplo dos khoisan, que necessitam adaptar seu modo
de vida diante das transformações territoriais nas áreas em que costumavam caçar e coletar.

Não escreva no livro. 83


Livres ou reféns da natureza?
Os fulâni ou fulas são um grupo étnico da África Ocidental em que grande parte de sua população é nômade e
pastoril. A reportagem que você vai ler agora descreve como o seu modo de vida está sendo afetado pelas mudan-
ças climáticas recentes, o que inclui conflitos violentos pelo usufruto de recursos naturais.

John Wessels/AFP
Pastores fulâni levam seus animais para tomar água. Senegal, 2020.

[...] o Sahel é o berço de uma tradição milenar, a criação em transumância, praticada principalmente pelos fulâni,
hoje confrontada com diversos desafios.
O volume de gado envolvido é impressionante: quase 20 milhões de cabeças de bovinos, 40 milhões de ovinos e
60 milhões de caprinos.
Anualmente, a partir de novembro, quando começa a estação seca, os pastores [...] e seus animais descem em
busca de novos pastos nas planícies férteis do centro, por onde passam os rios Níger e Benue.
Antigamente, havia espaço para todo mundo no “Middle Belt”, o cinturão do meio, onde se fundem o Norte – predo-
minantemente muçulmano – e o Sul, majoritariamente cristão. O leite era trocado por cereais, os resíduos agrícolas
serviam para alimentar o gado e o esterco era usado para adubar as terras.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Às vezes, surgiam tensões, especialmente quando uma manada destruía os cultivos ao invadir um campo.
DA EDITORA DO BRASIL
Mas os poderosos chefes tradicionais – hoje, relegados a um papel meramente figurativo – ainda conseguiam
acalmar os ânimos.
A redução das chuvas e as secas no norte e a sangrenta insurreição extremista do Boko Haram* nas margens do
rio Chad levaram os pecuaristas fulâni e a se aventurarem mais ao norte. E a se instalar ali, às vezes de forma dura-
doura.
Com o crescimento demográfico vertiginoso [...] no século 20 e a expansão urbana, industrial e agrícola, a terra
se tornou cada vez mais cobiçada. Pouco a pouco, os conflitos gerados por destruições de colheitas, poluição da água
ou roubo de gado foram se espalhando.
UOL. Os últimos nômades. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/reportagens-especiais/adaptar-se-lutar-ou
-desaparecer-o-dilema-dos-nomades-fulani-na-africa/. Acesso em: 14 jul. 2020.
* Boko Haram: grupo terrorista que atua na Nigéria.

•• Com base na leitura da reportagem, responda às questões no caderno.


a) Pesquise de que forma as mudanças climáticas se configuram como uma ameaça para a vida nômade relatada na
reportagem.
b) Que outras ameaças podem afetar o modo de vida nômade?
c) As mudanças climáticas nas regiões por onde os povos nômades se deslocam mudam a dinâmica de vida desses
grupos. Com base nessa reflexão, seria pertinente concluir que os nômades são reféns da natureza? Justifique.

84 Não escreva no livro.


Atividades

1. Os puri são um grupo indígena pertencente ao E isso, por si só, já é uma polêmica. Em maio deste
tronco linguístico macro-jê, que originalmente ano [2008], o premiê italiano, Silvio Berlusconi,
habitava os atuais territórios dos quatro estados autorizou que fosse feito um censo especial para
da Região Sudeste. Caracterizados como povos mapear a presença de ciganos sem moradia fixa na
nômades e, portanto, distintos da organização periferia das grandes cidades italianas. O censo
indígena por aldeamento, os puri são pouco incluiria dados como etnia, religião e impressão digi-
conhecidos e, passam por um processo de in- tal – que não são exigidos na identidade dos italia-
visibilidade de suas identidades. nos. Os ciganos saíram às ruas em protesto, argu-
Pesquise as formas de organização socioespacial mentando que essa seria uma ferramenta racista e
e como se configuram as relações política, eco- discriminatória.
nômica, social e cultural desse grupo. A medida foi considerada ilegal pelo Parlamento
Europeu, já que impõe exigências desiguais a cida-
2. Ao longo dos anos, para alguns estudiosos, a dãos do bloco. Mas os ciganos continuam com medo
ideia de lugar deixou de ser abordada sob a de ser expulsos do país, ainda que um terço dessa
perspectiva de uma localização e passou a ser população não seja nem mesmo imigrante. [...]
entendida com base nas relações de afetividade, MARSIGLIA, Luciano. A saga cigana. Superinteressante,
enraizamento e segurança que um indivíduo 31 ago. 2008. Disponível em: https://super.abril.com.br/
cultura/a-saga-cigana. Acesso em: 21 maio 2020.
estabelece com o meio em que vive, de acordo
com suas experiências cotidianas. Leia o trecho Texto 2
a seguir.
O novo ministro do Interior italiano, Matteo
O lugar representa a ocupação do espaço pelas Salvini, gerou controvérsia ao pedir um recensea-
pessoas que lhe atribuem significado e legitimam mento da comunidade da população roma (cigana),
sua condição. para identificar os que não sejam cidadãos italianos
CUNHA, Maria Isabel. Os conceitos de espaço, lugar e deportá-los.
e território nos processos analíticos da formação Após ser alvo de críticas, ele disse que sua única
dos docentes universitários. Disponível em: intenção é “proteger as crianças” de etnia roma.
http://revistas.unisinos.br/index.php/educacao/article/
view/5324. Acesso em: 22 jul. 2020. Há ao menos 130 mil pessoas na comunidade
roma da Itália, e cerca de metade delas tem cida-
•• Imagine-se no lugar de um jovem pertencen- dania italiana. Muitas moram em acampamentos
te a uma comunidade
MATERIAL nômade, estabelecida
DE DIVULGAÇÃO informais e precários em periferias das cidades.
na periferia de uma grande cidade do mundo. A proposta de Salvini é parte de um endureci-
DA EDITORA DO BRASIL
Você acha que esse indivíduo pode se sentir mento contra a imigração no país. Na semana pas-
pertencente a esse lugar? Elabore um breve sada, o ministro proibiu que atracasse na Itália um
texto narrando os conflitos, as dificuldades navio humanitário carregando 629 migrantes res-
e as relações que ele, sua família e a comu- gatados durante a travessia do Mediterrâneo. [...]
nidade possivelmente estabelecem com esse GOVERNO da Itália quer fazer censo
lugar. de ciganos no país. BBC Brasil, 19 jun. 2018. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44540656.
3. Leia trechos de dois artigos, publicados em Acesso em: 21 maio 2020.

2008 e 2018, e responda à pergunta proposta.


•• Dez anos separam os acontecimentos relatados
Texto 1 nas duas reportagens. Com base na leitura dos
artigos e na análise da situação dos povos ciga-
[...] Imagina-se que existam 15 milhões de ciga-
nos na Europa, comente: a realização do censo,
nos espalhados pelo mundo. Como tudo relacio-
nado a esse universo, essa é só uma estimativa – a possibilidade de garantia de direitos e a liber-
eles vivem à margem da sociedade e não costu- dade que os povos ciganos têm no território
mam participar de pesquisas de censo demo- italiano. Se julgar necessário, pesquise o assun-
gráfico. to em livros, revistas e na internet.

Não escreva no livro. 85


3
UNIDADE
Liberdade e participação
política

POLÍTICA E LIBERALISMO
Do Renascimento às três primeiras décadas do século XIX, foi elaborado um modo moderno
de pensar e de viver em sociedade. Entre os componentes próprios da modernidade estão a
definição da individualidade humana como natural, a compreensão da liberdade como algo
inato e o entendimento da razão como elemento da natureza humana. Com base nessas for-
mulações, os pensadores do período acreditavam que a vida social e sua organização política
no Estado deviam ser pautadas pela natureza inata dos indivíduos – seres livres e dotados
de faculdades racionais e de um impulso natural à felicidade.
Como foi estudado na Unidade 1, esse processo de transformações sociais e sua
expressão no pensamento chegou ao ápice no século XVIII, com o Iluminismo. Durante
esse período, diversas correntes filosóficas se basearam em duas premissas principais:
existe apenas o que é natural, e a razão humana é uma potência dada naturalmente a
todos os indivíduos.
Certamente, os autores iluministas buscaram compreender o novo contexto da vida humana
de forma distinta do que faziam os pensadores da Antiguidade e da Idade Média. Suas ideias
afirmavam a liberdade das pessoas, concebidas simultaneamente como indivíduos diferen-
tes e como membros de uma sociedade. De acordo com esses pensadores, regras, normas,
leis e maneiras de organizar as relações e o poder do Estado deveriam ser pautadas pela
racionalidade.

Castelo de Malmaison, Rueil-Malmaison


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Anicet-Charles Lemonnier. O salão de Madame Geoffrin, 1812. Óleo sobre tela, 129,5 cm × 196 cm. A obra
representa a leitura pública de uma peça teatral do filósofo iluminista Voltaire (1694-1778) no salão literário de
Marie-Thérèse Rodet Geoffrin (1699-1777), em Paris, França.

86 Não escreva no livro.


Para os iluministas, a liberdade se desdobra em dois conceitos, ao contrário do que se obser-
vava na Antiguidade. Uma das formulações iluministas afirma que a liberdade se relaciona à
humanidade natural de cada indivíduo e é puramente filosófica. A outra se refere à vida em
comum dos indivíduos e à forma política que a liberdade deve assumir para o bem de cada um.
Esses dois conceitos se conectam, e o segundo, principalmente, deve ser de algum modo
pensado em função do primeiro. Essa corrente de pensamento, que tem a liberdade dos
seres humanos como seu assunto principal, ficou conhecida como liberalismo.
O liberalismo tem por objeto central as questões e os elementos que delimitam a liber-
dade no contexto da vida social e de suas expressões políticas e jurídicas. Parte, portanto,
da definição de liberdade política como aquela referente às relações que o indivíduo tem
com seus semelhantes. Essas relações são reguladas e determinadas por leis jurídicas e
morais e pelos costumes da comunidade. Assim, a principal questão do liberalismo é refletir
sobre como é possível realizar, ou ao menos conciliar racionalmente, a liberdade de cada um
diante das ações e demandas impostas pela vida social.

Coleção particular. Fotografia: Granger/Fotoarena


No terreno do liberalismo político iluminista, chegaram a ser desenvolvi-
das duas formas de pensar a liberdade, as quais foram herdadas por autores
que ainda hoje discutem temas relativos aos conceitos de liberdade e Estado.
A primeira dessas concepções é uma definição negativa de liberdade. Ela-
borada com base no pensamento de John Locke (1632-1704), ela busca
garantir o aumento da liberdade de cada pessoa limitando quanto o Estado
pode avançar ao definir leis. O objetivo é garantir que as leis deixem aos indi-
víduos um espaço amplo, para que decidam por si mesmos os rumos de sua
vida e suas atividades. Desse modo, as leis criadas não podem delimitar as
escolhas individuais, a não ser de maneira geral e em número muito pequeno.
Assim, a liberdade negativa quer estender ao máximo possível o âmbito das
decisões privadas. Alguns de seus principais formuladores foram, além de
Locke, Montesquieu (1689-1755), Adam Smith (1723-1790) e Benjamin
Constant (1767-1830).  Robert Graves. Adam Smith,
séc. XIX. Gravura.

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL Bem comum
Em sua obra Dois tratados sobre o governo, John Locke discute quais seriam os limites do poder do Estado diante
das liberdades individuais e do bem comum.
Contudo, embora quando entrem em sociedade os homens entreguem a igualdade, a liberdade e o poder executivo
que possuíam no estado de natureza nas mãos da sociedade, para que deles disponha o legislativo segundo o exija o
bem da sociedade, contudo, como cada qual o faz apenas com a intenção de melhor conservar a si mesmo, a sua liber-
dade e propriedade – pois não se pode supor que uma criatura racional mude propositadamente sua condição para
pior –, o poder da sociedade ou o legislativo por esta constituído jamais pode supor-se estenda-se para além do bem comum.
Ao contrário, ele é obrigado a assegurar a propriedade de cada um [...]. Assim, todo aquele que detenha o poder legis-
lativo, ou supremo, de qualquer sociedade política está obrigado a governá-la segundo as leis vigentes promulgadas
pelo povo, e de conhecimento deste, e não por meio de decretos extemporâneos; por juízes imparciais e probos, a quem
cabe solucionar as controvérsias segundo tais leis; e a empregar a força da comunidade, no solo pátrio, apenas na exe-
cução de tais leis, e externamente, para evitar ou reprimir injúrias estrangeiras e garantir a comunidade contra incursões
ou invasões. E tudo isso não deve estar dirigido a outro fim a não ser a paz, a segurança e o bem público do povo.
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 499-500.

•• Com base na leitura do texto, responda às perguntas a seguir no caderno.


a) Segundo Locke, quais são as obrigações dos governantes ao conduzir o poder?
b) De que maneira o bem comum e os interesses individuais devem conviver?

Não escreva no livro. 87


A segunda concepção é uma definição positiva da liberdade e foi formulada, de certo modo,
em contraposição à concepção negativa. Nesse modelo, defende-se que as leis aplicadas a
cada um devem se originar de um acordo mútuo entre todos. Não por acaso, vários pensa-
dores que a postularam também eram, em alguma medida, adeptos de concepções demo-
cráticas, visando à atuação de um maior número de indivíduos. Ao mesmo tempo, essa
participação ampla na definição das leis implicava que essas normas deveriam regular um
número maior de relações e contratos. Por conseguinte, ser livre significava ser autor das
mesmas normas que se propunha seguir.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), um dos autores que se orientaram por essa con-
cepção, definiu que ser livre é “obedecer à lei que nós mesmos nos damos”. Assim, os indi-
víduos somente podem ser livres se puderem participar ativamente da elaboração das leis
que devem seguir em sua vida social.

Maykova Galina/Shutterstock.com
 James Pradier. Escultura de Jean-Jacques Rousseau, séc. XIX.

É importante perceber que, na época do Iluminismo, a maioria dos pensadores expressava


uma concepção negativa de liberdade. Por isso, dedicaram-se mais à questão do Estado, que
MATERIAL DEmínimo
deveria ser DIVULGAÇÃO
e ter funções bem delimitadas. A ideia era impedir que o Estado se tornasse
DA
umEDITORA DOde
instrumento BRASIL
tirania de um indivíduo ou de uma classe contra os demais cidadãos e gru-
pos. As constituições, conjuntos de leis que definem os princípios e as for-
mas de organização da política e do Estado, eram pensadas em termos de
Coleção particular. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix, Brasil

delimitação de poderes e distribuição de responsabilidades. Assim, poucas


e bem situadas normas seriam a garantia de exercício da liberdade.
Montesquieu foi um dos pensadores que concebiam e entendiam a
constituição das leis dessa maneira. Para ele, uma carta de direitos e
deveres devia ser bastante resumida e genérica, como um modelo a ser
observado em relação às particularidades de cada comunidade. Os con-
textos e pensamentos de Montesquieu, Locke e Rousseau serão aborda-
dos com mais detalhes posteriormente.
Além de Montesquieu, na passagem para o século XIX, Emmanuel Kant
(1724-1804) e John Stuart Mill (1806-1873) argumentavam a favor da
liberdade do indivíduo, que teria chegado, enfim, à maturidade em rela-
ção ao Estado.
Não caberia ao Estado tutelar os indivíduos, determinando que tipo de
 Retrato de Emmanuel Kant, séc. XVIII. realização deveriam almejar e que meios deveriam usar nesse processo.
Gravura (autor desconhecido). Ambos consideravam essa conduta uma forma de paternalismo político.

88 Não escreva no livro.


De acordo com Kant e Mill, a princípio tudo seria pensável, exceto escolhas e ações que se
chocassem com a liberdade dos outros. Veja nas palavras de Mill como ele define esse con-
ceito de liberdade:

[...] Esta esfera [da liberdade] abrange, em primeiro lugar, o domínio interior da consciência;
requerendo liberdade de consciência, no sentido mais lato; liberdade de pensamento e senti-
mento; total liberdade de opinião e sentimento em todos os assuntos, práticos ou teóricos, cien-
tíficos, morais ou teológicos. [...] Em segundo lugar, o princípio requer liberdade de gostos e ob-
jetivos; de moldar o nosso plano de vida de modo a adequar-se ao nosso caráter; de fazer o que
quisermos, sofrendo quaisquer consequências que daí resultem: e tudo isto sem obstrução por
parte dos nossos semelhantes, desde que o que façamos não lhes cause dano [...]. Em terceiro
lugar, desta liberdade de cada indivíduo segue-se a liberdade, dentro dos mesmos limites, de um
grupo de indivíduos; liberdade de união, para qualquer propósito que não envolva dano para ou-
tros — partindo-se do princípio de que as pessoas que compõem o grupo são maiores de idade e
não foram forçadas, ou enganadas.
Nenhuma sociedade em que estas liberdades não sejam, de um modo geral, respeitadas, é li-
vre, qualquer que seja a sua forma de governo; e nenhuma sociedade em que elas não existem
de modo absoluto e sem restrições é completamente livre. A única liberdade que merece o nome
é a liberdade de procurar o nosso próprio bem à nossa própria maneira, desde que não tentemos
privar os outros do seu bem, ou colocar obstáculos aos seus esforços para o alcançar. Cada qual
é o justo guardião da sua própria saúde, tanto física, como mental e espiritual. As pessoas têm
mais a ganhar em deixar que cada um viva como lhe parece bem a si, do que forçando cada um
a viver como parece bem aos outros.
MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. E-book.

Embora tais autores não fossem adeptos das formas mais democráticas e diretas de par-
ticipação, não eram, obviamente, favoráveis a quaisquer tiranias, inclusive a das maiorias.
Thomas Paine (1737-1809) e outros constitucionalistas estadunidenses expressaram tais
ideais nos primeiros anos da independência dos Estados Unidos, ocorrida em 1776, ao pro-
porem e participarem da elaboração da Constituição do país.

Jim West/Alamy/Fotoarena

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Após a eleição de Barack Obama (1961-) como presidente estadunidense, a população foi convidada a escrever os
próprios nomes em uma réplica aumentada da Constituição dos Estados Unidos. A intenção era mostrar a
importância da participação do povo na política do país. Washington, D.C., Estados Unidos, 2009.

Não escreva no livro. 89


No campo definido pela concepção positiva de liberdade, desenvolveu-se uma nova forma
de liberalismo, que defendia a presença maior do Estado na delimitação de questões mais
essenciais e menos gerais, como a da desigualdade das propriedades. Isso se deu principal-
mente entre pensadores que basearam suas reflexões nas ideias de Rousseau.
Durante a Revolução Francesa, tanto autores como Louis Antoine Léon de Saint-Just (1767-
-1794) quanto figuras políticas como Maximilien de Robespierre (1758-1794) defendiam a
criação de legislações que interferissem nas condições materiais do exercício da liberdade.
Em alguns casos, chegavam a propor leis que limitassem as desigualdades materiais como
forma de proporcionar maior liberdade a todos na participação da vida política.

Charles Platiau/Reuters/Fotoarena
 Celebração do Dia da Bastilha, no dia 14 de julho, feriado nacional francês que comemora um evento central da
Revolução Francesa. Paris, França, 2019.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA No
EDITORA
terrenoDO
da BRASIL
reflexão filosófica, um dos mais famosos herdeiros dessa concepção ilumi-
nista positiva da liberdade política foi Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), na Ale-
manha, para quem o Estado, pelo conjunto de suas leis, dispositivos e instâncias, é a
realização máxima da humanidade. Para ele, somente a efetiva partici-
pação no Estado define a liberdade real do cidadão. Essa participação
Museus Estatais de Berlim, Berlim. Fotografia: Fine Art Images/Album/Fotoarena

pode ocorrer por meio de corporações profissionais, da elaboração das


leis ou do cuidado com a execução delas.
Entretanto, acentuar a necessidade de legislar e regular a propriedade
privada não quer dizer defender sua abolição. Mesmo nesse contexto, os
autores que defendiam a concepção positiva de liberdade acreditavam que
a função principal do Estado era garantir direitos aos indivíduos. Para eles,
isso seria mais importante do que assegurar que as escolhas políticas e as
decisões fossem democráticas. Ou seja, a democracia não poderia servir
para limitar de maneira absoluta os indivíduos, senão a própria democra-
cia se negaria. Essa regra constituiria um limite interno que a política, prin-
cipalmente nos regimes democráticos, deveria observar e seguir.

 Jakob Schlesinger. Retrato de Georg Wilhem Friedrich


Hegel, 1831. Óleo sobre tela, 36 cm × 28,8 cm.

90 Não escreva no livro.


Desse modo, vinculam-se ao liberalismo todas as correntes de pensamento social que têm
em comum a tese de que os direitos naturais dos indivíduos são a base real da liberdade
social e política. Tais correntes colocam sempre como fundamento da convivência social indi-
víduos naturalmente dotados de direitos inatos, inalienáveis e invioláveis. Assim, o Estado
não pode suspendê-los nem permitir que os indivíduos sejam coagidos a negá-los ou a renun-
ciar a eles em qualquer circunstância.
O pensamento iluminista acerca da vida política e do Estado delimitou um núcleo concei-
tual constituído por regras tidas como princípios: a prioridade dos direitos individuais; a limi-
tação do poder público; a recusa da ideia do bem comum como ideal originário; e, por fim, a
objeção às formas de paternalismo político.
Já no século XX, pensadores como John Rawls (1921-2002), inspirando-se na ideia posi-
tiva de liberdade dessa vertente do Iluminismo, propõem uma expansão das leis que devem
definir o mínimo necessário para que o indivíduo tenha uma vida social plena:

[...] as pessoas na posição original são movidas por uma certa hierarquia de interesses. Devem
primeiro assegurar o seu interesse de ordem superior e seus objetivos fundamentais [...] e esse
fato se reflete na precedência que dão à liberdade; a aquisição dos meios que lhes permitem pro-
mover seus outros desejos e objetivos tem um lugar secundário. Embora os interesses funda-
mentais na liberdade tenham um objetivo definido, ou seja, o estabelecimento efetivo das
liberdades básicas, é possível que esses interesses nem sempre apareçam na posição de direção.
A realização desses interesses pode exigir certas condições sociais e um grau de satisfação de
necessidades e carências básicas, e isso explica por que a liberdade pode algumas vezes ser res-
tringida. Mas uma vez que se atingem as condições sociais e o grau de satisfação de necessida-
des e carências materiais necessários, como acontece em uma sociedade bem organizada em
circunstâncias favoráveis, os interesses de ordem superior passam a ser normativos. [...] A es-
trutura básica deve então assegurar a livre vida interna das várias comunidades de interesses
nas quais as pessoas e grupos buscam atingir, nas formas de união social consistentes com a li-
berdade igual, os objetivos e qualidades superiores que os atraem [...].
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 604.

A origem da concepção de direitos sociais deriva justamente do diálogo desses autores com
as reivindicações socialistas e as lutas dos trabalhadores por direitos. Tais filósofos não defen-
MATERIAL
dem a transformação DE DIVULGAÇÃO
da sociedade de classes, mas sua reforma por meio de medidas que ampliem
o terreno de ação do Estado, com a participação de grandes contingentes de pessoas, com o
DA EDITORA DO BRASIL
intuito de diminuir as desigualdades individuais, familiares ou grupais, pensadas como naturais.
Diego Cupolo/NurPhoto/Getty Images

 A luta por direitos sociais está


envolvida nas reflexões sobre
liberdade e participação política. Na
foto, celebração do Dia Internacional
da Mulher em Istambul, Turquia, 2020.

Não escreva no livro. 91


Atividades

1. Leia o trecho a seguir e explique de que forma Jean-Jacques Rousseau relaciona os


direitos naturais aos poderes do Estado.

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada as-
sociado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo
a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”. Esse, o problema fundamental cuja
solução o contrato social oferece.
As cláusulas desse contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato, que a me-
nor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito, de modo que, embora talvez jamais enun-
ciadas de maneira formal, são as mesmas em toda a parte, e tacitamente mantidas e
reconhecidas em todos os lugares, até quando, violando-se o pacto social, cada um volta a seus
primeiros direitos e retoma sua liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual
renunciara àquela.
[...]
Se separar-se, pois, do pacto social aquilo que não pertence à sua essência, ver-se-á que ele
se reduz aos seguintes termos: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu po-
der sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro co-
mo parte indivisível do todo”.
Imediatamente, esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada
contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos
da assembleia, e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e
sua vontade.
Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava an-
tigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por
seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo, e potência quando comparado
a seus semelhantes.
Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em par-
ticular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
às leis do Estado. [...]
DA EDITORA DO BRASIL
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1985. p. 32-34.
(Coleção Os pensadores).

2. Por que os pensadores iluministas liberais consideravam o poder legislativo o mais im-
portante entre os poderes do Estado?
3. Reúnam-se em grupos, e consultem a Constituição federal brasileira de 1988, disponível
em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm (acesso em: 29 jun.
2020), e leiam os artigos indicados:
•• Artigo 1o;
•• Artigo 3o, inciso IV;
•• Artigo 5o, incisos I a XLV.

a) Após a leitura, discutam e enumerem os principais elementos que definem os direi-


tos individuais de acordo com a Constituição.
b) Elaborem um texto argumentativo, relacionando esses artigos aos princípios do
pensamento iluminista.

92 Não escreva no livro.


O ILUMINISMO E AS REVOLUÇÕES
BURGUESAS
A seguir, retomaremos as ideias de alguns filósofos iluministas para
compreender o contexto social, econômico, cultural e ideológico em que
ocorreram revoluções na Europa, as quais acarretaram profundas mudan-
ças de paradigma quanto ao papel do Estado e à participação política.
Em 1689, a obra Dois tratados sobre o governo, do filósofo inglês John
Locke, foi publicada anonimamente. Ela tinha sido finalizada por Locke cerca
de 30 anos antes. Por que a obra demorou tantos anos para ser publicada?
Por que o autor escondeu seu nome?
John Locke viveu um momento de transformações na ordem política e social.
Na Inglaterra, o auge da monarquia absolutista, alcançado nos governos de
Henrique VIII (1491-1597) e Elizabeth I (1533-1603), no século XVI, come-
çou a ruir nos reinados de Jaime I (1566-1625) e de seu sucessor Carlos I
(1600-1649), durante o século XVII.
Nesse período, novas parcelas da população, como a burguesia mercan-
til e pequenos proprietários rurais, reivindicavam a diminuição da interfe-
rência do Estado nas atividades econômicas e apoiavam o maior controle do
Parlamento inglês em detrimento da autoridade real. Tensões religiosas
também influenciavam esse embate. O rei anglicano Carlos I buscou impor
sua religião aos puritanos e encontrou resistência dessa população. Tais Puritanos: pessoa pertencente ao
grupo de protestantes influenciados
conflitos impulsionaram duas revoluções na Inglaterra: a Revolução Puri- pelo pensamento de João Calvino
tana, de 1640, e a Revolução Gloriosa, de 1688, que transformaram seu sis- (1509-1564).
tema político, social e econômico.

A execução de Carlos I
Em 1649, o rei Carlos DE
MATERIAL I foiDIVULGAÇÃO
executado em decorrência dos processos revolucionários na Inglaterra. A morte dele foi
retratada por diferentes artistas no século XVII. Observe a representação a seguir, prestando atenção sobretudo aos
DA EDITORA
elementos escolhidos DO BRASIL
para compor o primeiro plano da imagem.

•• Responda às questões no caderno. National Portrait Gallery, Londres

a) Descreva e contextualize a imagem.


b) A ilustração é contemporânea ao evento his-
tórico representado? Explique.
c) O que o ilustrador quis destacar na ima-
gem: a quantidade de pessoas presentes
ou a execução do rei? Elabore uma hipó-
tese para explicar a intenção do autor ao
optar por esse destaque.
d) O filósofo John Locke poderia ter testemu-
nhado a cena retratada na ilustração? Jus-
tifique sua resposta.

A execução de Carlos I, 1649.


Gravura (autor desconhecido).

Não escreva no livro. 93


Limites aos poderes reais na Inglaterra
Em 1642, após Carlos I tentar manter a centralidade de seu poder por meio de perseguições
religiosas, aumento nas tributações e suspensões das atividades parlamentares, eclodiu uma
guerra civil, deixando as forças do rei e do Parlamento em lados opostos. Sete anos depois
como foi visto, o monarca foi preso e condenado à morte, sendo executado em janeiro de 1649.
Com a morte de Carlos I, teve fim a monarquia absolutista e uma república foi proclamada.
O militar Oliver Cromwell (1599-1658), uma das lideranças puritanas na Guerra Civil, assumiu
o poder. A República de Cromwell, contudo, não pacificou o país: ele governou como um ditador,
dissolveu o Parlamento, perseguiu adversários e atraiu mais opositores.
Contudo, depois da morte de Cromwell, vítima de malária, em 1658, a monarquia foi res-
taurada. O trono foi assumido por Carlos II (1630-1685), filho do rei executado. Em 1660, o
novo rei vingou a morte do pai autorizando que o cadáver de Cromwell fosse retirado da sepul-
tura, pendurado por correntes e decapitado.
Os conflitos entre o rei e o Parlamento recomeçaram com Carlos II e se intensificaram no
governo de seu sucessor, Jaime II (1633-1701), que restringiu os poderes do Parlamento
em uma tentativa de restaurar a antiga monarquia absolutista. Em razão da resistência e da
conspiração burguesa, o rei foi deposto na Revolução Gloriosa de 1688. Dessa vez, no entanto,
a monarquia foi mantida. A dinastia iniciada por Guilherme III (1650-1702) só assumiu o
trono depois de jurar obediência à Declaração de Direitos (Bill of Rights), de 1689.
A Declaração de Direitos limitou os poderes do rei. A partir desse documento, novos impos-
tos só poderiam ser cobrados com o consentimento do Parlamento, e o monarca não tinha o
direito de suspender ou abolir leis. A liberdade de expressão nas discussões do Parlamento
e de eleição de seus membros também foi garantida pela Declaração.
O juramento da Declaração de Direitos pacificou a Inglaterra, marcou o fim do absolutismo
no país e fortaleceu o Parlamento. Dessa maneira, o poder saiu das mãos do rei e foi para os
burgueses, muitos deles membros do Parlamento. Ao consolidar seu poder político, a bur-
guesia passou a adotar diversas medidas que favoreceram o crescimento econômico e o
desenvolvimento industrial em solo inglês.
As revoluções inglesas do século XVII abriram caminho para a difusão de uma nova concep-
ção política: a defesa da liberdade do indivíduo e a consequente limitação do poder do rei.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO

Carl Court - WPA Pool/Getty Images


DA EDITORA DO BRASIL

 Rainha Elizabeth II discursa aos parlamentares em cerimônia de abertura do Parlamento. Essa cerimônia é um dos
eventos que celebram a monarquia parlamentar no país, uma das mais duradouras do mundo. Londres, Reino
Unido, 2017.

94 Não escreva no livro.


O pensamento de John Locke
Foi nesse contexto de transformações políticas e econômi-

Bridgeman Images/Easypix Brasil


cas que John Locke publicou a obra Dois tratados sobre o governo,
considerada uma fonte de inspiração para diferentes filósofos
iluministas do século XVIII, principalmente Montesquieu.
Nessa obra, Locke introduziu uma teoria da sociedade civil
baseada em direitos naturais e no contrato social. Segundo
o filósofo, todos os indivíduos são por natureza iguais e podem
agir livremente, desde que não prejudiquem ninguém. Isso
porque todos têm três direitos naturais: à vida, à liberdade
e à propriedade. Um contrato social, diante do governante
ou do Estado, seria firmado entre os cidadãos para que esses
direitos fossem preservados. O governante ou o Estado seria
o guardião dos direitos individuais, da segurança jurídica e
da propriedade privada. Dessa forma, o Estado possibilitaria
que os indivíduos exercessem sua liberdade em uma socie-
dade governada por leis. Por isso, se o governo agisse contra
os interesses dos cidadãos, estes deveriam substituir o
governo. O direito de revolução seria uma salvaguarda con-  Busto de John Locke no Templo das Dignidades
Britânicas, edifício construído em 1735.
tra a tirania.
Locke defendia também que o poder político estatal deveria ser dividido em três: poder
legislativo (o poder supremo, do Parlamento), poder executivo (rei) e o poder federativo, asse-
gurando, assim, a limitação do poder real. Tais poderes deveriam ser orientados pelo princí-
pio da maioria e pelo respeito às minorias. Outra ideia desenvolvida por John Locke em suas
obras é a defesa da tolerância religiosa e de opinião, afirmando que é na falta dela que se
originam as disputas e as guerras.

O pensamento de Thomas Hobbes


O pensador inglês Thomas Hobbes (1588-1679), assim como Locke, escreveu suas obras no contexto das revolu-
ções inglesas. Ambos partiram
MATERIAL da ideia de um estado natural em que os seres humanos seriam livres e iguais, e deci-
DE DIVULGAÇÃO
diram fazer um pacto ou contrato social que deu origem ao Estado. No entanto, eles chegaram a conclusões diferentes
sobre o modelo DAdeEDITORA DO BRASIL
Estado necessário para atender às necessidades dos seres humanos, e suas ideias serviram para
justificar dois regimes de governo distintos e opostos entre si.
Se para Hobbes o poder é absoluto, indivisível e irresistível, para Locke, ao contrário, é limitado, divisível e resistí-
vel. Foi precisamente na ultrapassagem dessa fronteira que se constituíram os primeiros passos daquilo que chama-
mos comumente hoje de “direitos humanos”. Uma fronteira ultrapassada exatamente em meio ao revolucionário
século XVII inglês. Uma fronteira que, ultrapassada, nos abriu a possibilidade histórica de um Estado de direito, um
Estado dos cidadãos, regido não mais por um poder absoluto, mas sim por uma Carta de Direitos, um Bill of Rights.
Uma nova era descortinava-se, então, para a humanidade – uma Era dos Direitos.
MONDAINI, Marco. Revolução Inglesa. In: PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla B. História da cidadania.
São Paulo: Contexto, 2003. p. 129.

•• Com base na leitura do texto, responda às perguntas a seguir no caderno.


a) Considerando a primeira frase do texto, quais regimes de governo são indicados pelo pensamento de Hobbes
e Locke?
b) De acordo com o texto, qual é a importância das revoluções inglesas para a história dos direitos e da liberdade?
c) Por que a Declaração de Direitos (Bill of Rights) tornou possível um Estado de cidadãos?
d) Em sua opinião, por que duas obras escritas no mesmo contexto histórico apresentam conclusões tão diferentes?
Qual das duas é, ainda hoje, modelo de política liberal?

Não escreva no livro. 95


O pensamento político moderno
Grande defensor da liberdade de pensamento e da tolerância, o francês Voltaire (1694-
-1778) foi o principal propagandista do Iluminismo e autor da obra Tratado sobre a tolerân-
cia, de 1763. Seu estilo irônico e panfletário lhe rendeu duas prisões e o exílio na Inglaterra,
país que ele admirava e chamava de ilha da razão. Ele lutou contra o fanatismo, os precon-
ceitos, o dogmatismo, a corrupção dos costumes e os atentados contra a liberdade.
As ideias de Voltaire se caracterizaram pelo questionamento intenso sobre o mundo e
sobre como as pessoas viviam. Ele afirmava que toda ideia, teoria ou fato devia ser desafiado,
pois aquilo que supomos ser verdadeiro pode ser uma crença cultural, que varia de local para
local. De acordo com Voltaire, não existem certezas ou verdades absolutas. Por isso, consi-
derava a liberdade de pensamento e expressão, a ciência e a educação os únicos meios de
condução ao progresso material e moral.
Já o pensador francês Montesquieu condenou, em suas obras, a concentração excessiva
do poder na França e defendeu a liberdade política do cidadão assegurada pelas leis. Para
ele, a liberdade “não consiste em fazer o que se quer”, mas “em poder fazer tudo o que as
leis permitem”. A lei protegeria o cidadão, garantiria sua liberdade e o protegeria contra os
abusos do poder. De acordo com Montesquieu, as nações devem ser governadas por leis, e
não pela vontade dos soberanos.
Em sua obra O espírito das leis, de 1748, Montesquieu inspirou-se no modelo da monar-
quia parlamentar inglesa e apresentou a teoria da separação dos poderes, em que o Estado
é dividido entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Para o autor, esse seria um arranjo cons-
titucional que garantiria o equilíbrio e a colaboração entre os poderes, impedindo que um se
sobrepusesse ao outro.
Montesquieu, contudo, era contrário à participação política direta do povo, que ele julgava
incapaz de lidar com os negócios públicos. Por isso, era favorável ao princípio da represen-
tação. O Legislativo deveria ser constituído por duas câmaras, uma formada pelos represen-
tantes do povo e outra pelos nobres. Os representantes do povo seriam eleitos pelo voto
censitário, isto é, o voto dos cidadãos que tivessem uma renda mínima e pagassem impostos.
Casas do Parlamento, Londres

Royal Collection Trust, Londres


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Peter Tillemans. Sessão da Câmara dos Comuns, 1709. Óleo  Peter Tillemans. Rainha Anne na Câmara dos Lordes,
sobre tela, 137,2 cm × 123,2 cm. c. 1708-1714. Óleo sobre tela, 139,8 cm × 122,9 cm.

96 Não escreva no livro.


O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, em sua obra Do contrato social, de 1762, afirmou
que o ser humano, em sua condição natural, é bom, ou seja, tem compaixão e empatia, e vive
em harmonia e abundância. Entretanto, segundo Rousseau, a sociedade civilizada o corrompe,
tornando-o cruel e agressivo.
A propriedade privada seria o elemento que destrói a igualdade natural entre os seres huma-
nos, impulsionando as injustiças, a corrupção e as guerras. Segundo o autor, a sociedade impõe
leis injustas feitas pelos ricos aos pobres para proteger a propriedade, aumentando, assim, a
desigualdade e condenando o ser humano a uma vida “acorrentada”.
Para evitar esse cenário, Rousseau desenvolveu a ideia de que o governo deve estar sub-
metido à vontade da maioria, de modo que atenda ao bem comum. De acordo com o autor,
a vontade do povo é soberana. Por isso, sua proposta consistia em uma sociedade não mais
governada por aristocratas, monarquia e Igreja, mas por todos os cidadãos, que participa-
riam da elaboração das leis. Estas proviriam de todos e se aplicariam a todos, prevalecendo
a vontade geral.
A concepção de direito político de Rousseau era, portanto, essencialmente democrática,
pois dava a soberania do povo. Dessa maneira, a desigualdade e a injustiça seriam elimina-
das e a liberdade humana prevaleceria.

Despotismo esclarecido
As ideias iluministas foram divulgadas em jornais, livros, cartas, conversas em cafés,
banquetes e salões da nobreza. Elas ganharam prestígio entre os soberanos europeus,
que incorporaram, em seus governos, parte dos pensamentos iluministas, sobretudo a
tolerância religiosa, e modernizaram a administração de seus Estados, porém sem que
essas medidas diminuíssem seu poder real. Tal forma de governança ficou conhecida
como despotismo esclarecido.

Historical image collection by Bildagentur-online/Alamy/Fotoarena


Alguns exemplos de déspotas esclarecidos foram:
Catarina II (1729-1796), da Rússia; Frederico II
(1712-1786), da Prússia; José II (1741-1790), da
Áustria; Carlos III (1716-1788), da Espanha; Gus-
tavo III (1746-1792), da Suécia; e Sebastião José
de Carvalho e Melo (1699-1782), o Marquês de
Pombal, secretário de Estado de Dom José I (1714-
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
-1777), rei de Portugal.
DA EDITORA DO BRASIL
Algumas das reformas realizadas por esses dés-
potas esclarecidos foram a abolição de determina-
dos privilégios da nobreza e do clero, o fim das
torturas nas prisões, a construção de escolas, o
incentivo à educação pública e a mudança no sis-
tema de cobrança de impostos. O povo, porém, foi
excluído da participação política.
Na América Portuguesa, o Marquês de Pombal
instaurou diversas reformas, como o confisco das
propriedades da Companhia de Jesus – culmi-
nando na retirada dos jesuítas do território –, a
transferência da capital de Salvador, na Bahia,
para a cidade do Rio de Janeiro, e a extinção das
capitanias hereditárias.

Catarina II, da Rússia, conversando com alguns estudiosos,


entre eles o cientista russo Mikhail Vasilyevich Lomonossov
(1711-1765), 1880. Xilogravura (autor desconhecido).

Não escreva no livro. 97


Revoluções na França e nas Treze Colônias
O ideal de liberdade propagado pelo Iluminismo ganhou o sentido de independência nas
colônias europeias localizadas no continente americano. Foi o caso da independência das
Treze Colônias inglesas, planejada e conduzida por seguidores do Iluminismo, como o esta-
dista Thomas Jefferson (1743-1826). A Declaração de Independência dos Estados Unidos,
de 1776, foi inspirada nos princípios iluministas de liberdade, igualdade e soberania popular.
No entanto, a Inglaterra não aceitou a independência dos Estados Unidos e declarou uma
guerra à jovem nação, que durou de 1776 a 1783. A França, então sob a monarquia absolu-
tista de Luís XVI (1754-1793), participou do conflito oferecendo ajuda financeira e militar,
fornecendo uniformes, armas e munições para os colonos estadunidenses. Os franceses con-
venceram a Espanha a também entrar na guerra contra os ingleses, seus rivais em comum.
Com a ajuda das nações europeias, os colonos saíram vitoriosos da guerra e, em 1787, a
Constituição dos Estados Unidos da América foi promulgada. O documento estabelecia uma
república federativa de inspiração iluminista, com a divisão dos poderes em Executivo, Legis-
lativo e Judiciário, voto censitário masculino e liberdade política e civil para os cidadãos.

Capitólio, Washington. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix Brasil


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
 John Trumbull. Assinatura da declaração da independência dos Estados Unidos em 4 de julho de 1776, 1826.
Óleo sobre tela, 365,76 cm × 548,64 cm.

Enquanto isso, a França entrou em uma grave crise financeira e fiscal, causada em parte
pelo custo do financiamento da Guerra de Independência dos Estados Unidos. Em 1789, as
más condições de vida da maioria da população francesa, somadas às ideias de igualdade,
liberdade e fraternidade do Iluminismo, que haviam triunfado nos Estados Unidos, impulsio-
naram a eclosão de um movimento revolucionário na França.
Em agosto desse mesmo ano, os revolucionários franceses, reunidos em uma Assembleia
Nacional Constituinte, aprovaram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que asse-
gurava o direito à liberdade, à igualdade perante a lei, à defesa da propriedade e à resistência
contra os abusos do governo. A assembleia também aprovou a Constituição de 1791, estabele-
cendo a monarquia constitucional. Determinava-se a sujeição do rei às leis, a divisão dos pode-
res, o voto censitário e masculino e o fim da isenção de impostos para o clero e a nobreza.
Em 1792, a revolução radicalizou-se, levando à queda da monarquia e à instalação de uma
república sob nova Constituição. No ano seguinte, o rei Luís XVI foi levado a julgamento e
condenado à execução na guilhotina.

98 Não escreva no livro.


Jacobinos pela liberdade
Em 1793, os jacobinos, que compunham a facção revolucionária mais radical, assumiram
o governo da França, período que se estendeu até julho de 1794. O governo jacobino ficou
conhecido como período do Terror, em razão da violência generalizada que caracterizou aquele
momento. Inspirados pelas ideias de Rousseau, os jacobinos eram fervorosos defensores da
soberania popular e, em nome da liberdade e da vontade da maioria, ordenaram a execução
de milhares de pessoas na guilhotina.
Os revolucionários se utilizaram de ideias iluministas para justificar e legitimar suas práticas.
Por exemplo, o jacobino Jean-Paul Marat (1743-1793) propôs que o despotismo dos reis deve-
ria ser esmagado pelo despotismo da liberdade. O paradoxo do conceito de despotismo da
liberdade mostra as diferentes definições que a liberdade pode ganhar mesmo partindo de um
único arcabouço filosófico.
Muitos dos filósofos iluministas temiam agitações políticas populares, afirmando que elas
poderiam se tornar incontroláveis. Eles preferiam a difusão e a aplicação das ideias iluminis-
tas de cima para baixo, isto é, feitas por um governante, considerado esclarecido.

Em nome da liberdade
A morte pela guilhotina foi adotada, durante a Revolução Francesa, como forma de punição para todos aqueles
que eram considerados inimigos e adversários da República e de seus ideais de liberdade, igualdade e fraternida-
de. Calcula-se que foram mortas pela guilhotina cerca de 40 mil pessoas durante o processo revolucionário, e cer-
ca de 15 mil somente durante o período do Terror. O método de execução era o mesmo para todos os considerados
traidores, fossem eles reis, membros da população civil ou até mesmo líderes revolucionários.
Coleção particular

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Georg Heinrich Sieveking. Execução de Luís XVI, séc. XIX. Gravura.

•• Com base na observação da gravura, responda às questões em seu caderno.


a) Compare essa gravura com a imagem do boxe “A execução de Carlos I”, da página 93, identificando o local em que se
passam as cenas, as datas dos documentos e o contexto histórico que elas representam.
b) Existe um século de distância entre os eventos representados nas duas gravuras mencionadas no item a. Pode-se di-
zer que as motivações desses fatos históricos foram as mesmas? Justifique.
c) Manon Roland (1754-1793), revolucionária francesa, foi guilhotinada em 8 de novembro de 1793, durante o período
do Terror. Diz-se que suas últimas palavras foram: “Ó, liberdade, quantos crimes se cometem em seu nome?”. Comen-
te a fala de Roland, relacionando-a à influência do Iluminismo na Revolução Francesa.

Não escreva no livro. 99


A liberdade dos iluministas incluía os escravizados?
Muitos dos filósofos iluministas condenaram a escravidão. Montesquieu ironizou o
fato de o cristianismo dizer-se uma religião igualitária enquanto católicos e protestan-
tes eram proprietários ou lucravam com o tráfico transatlântico de africanos escraviza-
dos. Já Rousseau considerou a existência da escravidão a prova da decadência da
sociedade civilizada.
A Constituição da França de 1791, no entanto, manteve intacta a escravidão nas colô-
nias. No mesmo ano, os escravizados da colônia francesa de São Domingos, atual Haiti,
se levantaram contra seus senhores exigindo que a liberdade e a igualdade fossem garan-
tidas a eles também. Após um longo processo de lutas, impulsionado pelos líderes
Toussaint L’Ouverture (1743-1803) e Jacques Dessalines (1758-1806), em 1804 foi pro-
clamada a independência da colônia com o nome Haiti, a primeira nação negra da Amé-
rica, formada por ex-escravizados sob os princípios do Iluminismo.

Museu do Exército Polônes, Varsóvia. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix Brasil


MATERIALJanuary
DE DIVULGAÇÃO
Suchodolski.
DA EDITORA
Batalha de SãoDO BRASIL
Domingo, 1845.

Nos Estados Unidos, a Constituição manteve a escravidão até 1865. Antes dessa data,
alguns estados tomaram a iniciativa de pôr fim à escravatura em seu território. Em 1789,
cinco estados já tinham abolido a escravidão; em 1800, eram oito. Para a maior parte da
nação, porém, a liberdade não incluía os escravizados.
No Brasil, os participantes da Conjuração Mineira (1789), influenciados pelo Iluminismo,
reivindicaram a independência da capitania de Minas Gerais, porém seus líderes divergiam
sobre a abolição da escravidão.
Na Conjuração Baiana (1798), negros, escravizados e libertos, levantaram-se contra o
domínio português por um governo democrático, republicano e onde todos fossem iguais.
O movimento foi rapidamente sufocado, para alívio dos grandes fazendeiros.
A promessa de igualdade, presente nas revoluções e no ideário iluminista, não foi plena-
mente realizada. Setores da sociedade permaneceram excluídos do direito à cidadania, como
as mulheres, os indígenas e os escravizados. A garantia constitucional de igualdade de direi-
tos demonstrou, na prática, que não assegurava oportunidades aos mais pobres, sendo ine-
ficiente no combate às desigualdades sociais.

100 Não escreva no livro.


Atividades

1. Observe a charge, leia o texto e responda às perguntas no caderno.

Ivan Cosenza de Souza (henfil@globo.com)


 Henfil. Queremos o poder!. Charge, séc. XX.

[...] nenhum homem tem uma autoridade natural sobre seu semelhante, e pois que a força
não produz nenhum direito, restam, pois, as convenções (contratos, pactos) para base de to-
da a autoridade legítima entre os homens. [...] Já vimos que o poder legislativo pertence ao
povo, e só a ele pode pertencer. [...] O soberano [...] pode, em primeiro lugar, entregar o go-
verno a todo o povo ou à maior parte do povo [...]. Dá-se a esta forma de governo o nome de
Democracia. Ou, então, pode entregar o governo nas mãos dum pequeno número, [...] e esta
forma tem o nome de Aristocracia.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social (1762). In: FREITAS,
Gustavo de. 900 textos e documentos de história.
Lisboa: Plátano, 1976. p. 28.

a) Segundo Rousseau, em que se baseia a autoridade legítima?


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
b) Que relação podemos estabelecer entre a charge e o pensamento de Rousseau?
c) DA EDITORA
Que mecanismo DOgarante
legal BRASILo poder ao povo?
d) De que formas o povo pode exercer o poder político? Qual é a importância desse
exercício? Discuta com os colegas.
2. A divisão tripartite do poder proposta por Montesquieu fundamenta diversas democracias
do mundo contemporâneo. A Constituição brasileira, de 1988, tem mecanismos legais
para que um poder fiscalize o outro, servindo de contrapeso.
Em grupos, retomem a leitura da Constituição federal de 1988, disponível em: www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm (acesso em: 14 abr. 2020),
e verifiquem como está apresentada a divisão dos poderes. Para isso, leiam os arti-
gos indicados abaixo. Após a leitura, transcrevam, em uma folha avulsa, os trechos
que definem o alcance e as obrigações de cada um deles.
•• Artigo 52, inciso I (Poder Legislativo em relação ao Executivo);
•• Artigo 52, inciso II (Poder Legislativo em relação ao Judiciário);
•• Artigo 53, parágrafo 4o (Poder Judiciário em relação ao Legislativo);
•• Artigo 62 (Poder Executivo em relação ao Legislativo).

Não escreva no livro. 101


O ESTADO E A LIBERDADE POLÍTICA
O surgimento histórico do indivíduo e a formalização de sua liberdade tornaram a socie-
dade mais complexa, levando a diversos debates e embates: a política limita a liberdade do
indivíduo ou garante seu exercício? O Estado cerceia as possibilidades de cada um ou garante
que todos possam igualmente desfrutar da liberdade?

Marcelo Bassul/AFP
 Movimentos de diferentes polos políticos se manifestaram, em frente à Praça dos Três Poderes, em debate sobre a
saída de Dilma Rousseff da Presidência da República. Brasília, DF, 2016.

Algumas vertentes de pensamento consideram o campo político uma limitação. Para


esses pensadores, a liberdade seria uma ampliação da condição de cada um de buscar a
si mesmo, numa perspectiva em que política e liberdade estariam dissociadas. A liberdade
estaria na ausência de interferência do Estado e da política na subjetividade e na privaci-
MATERIAL
dade dosDE DIVULGAÇÃO
indivíduos.
DA Em
EDITORA DO BRASIL
outro campo político está o anarquismo, corrente política ideológica ligada aos ope-
rários, que critica toda forma de exploração e de dominação, tanto do Estado quanto do
modelo capitalista. Assim, essa corrente enxerga no Estado, e não na política propriamente
dita, a fonte de controle sobre a liberdade. A noção de que um bom governo é o que governa
pouco, de Henry Thoreau (1817-1862), é uma síntese desse pensamento, que inspirou
muitos movimentos ao longo do século XX.
Para outras correntes, mais voltadas ao liberalismo, a liberdade do indivíduo se dá exata-
mente na ação política. Como lembra a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), ser livre
é tornar-se cidadão, pois a liberdade só existe na relação com o outro e pertence ao campo
da experiência social: assim, não está no ser humano, mas entre os seres humanos. Para
Arendt, tanto a liberdade quanto a dominação apenas se fazem possível na realidade con-
creta do relacionamento humano e só podem ser demonstráveis na esfera política.
Alexis de Tocqueville (1805-1859), jurista francês considerado um dos maiores entu-
siastas da democracia liberal na modernidade, visitou os Estados Unidos e pesquisou seu
sistema político, com o qual se impressionou. Seu livro A democracia na América, lançado
de 1835, é considerado um dos primeiros estudos comparativos entre sistemas políticos
em diferentes nações (Estados Unidos, Inglaterra e França), constituindo um marco na
forma de analisar o Estado.

102 Não escreva no livro.


Para Tocqueville, a liberdade é um instrumento para alcançar as revoluções que trans-
formam o mundo, e a democracia é o produto de um conjunto de forças – políticas, eco-
nômicas, morais e culturais – e de uma luta constante. A democracia e a liberdade política
se estendem a todos os setores da sociedade, dos grandes embates aos aspectos mais
cotidianos da vida. As leis, as opiniões, as visões de mundo, a noção de propriedade pri-
vada, as relações pessoais, tudo isso deriva da liberdade política exercida em determinado
governo. Para que a liberdade seja plena, é imprescindível a igualdade de condições:

Entre os novos objetos que me chamaram a atenção durante minha permanência nos Estados
Unidos nenhum me impressionou mais do que a igualdade das condições. Descobri sem custo
a influência prodigiosa que exerce esse primeiro fato sobre o andamento da sociedade; ele pro-
porciona ao espírito público certa direção, certo aspecto às leis; aos governantes, novas máximas
e hábitos particulares aos governados.
Não tardei a reconhecer que esse mesmo fato estende sua influência muito além dos costu-
mes políticos e das leis, e tem império sobre a sociedade tanto quanto sobre o governo: cria opi-
niões, faz nascer sentimentos, sugere usos e modifica tudo o que ele não produz.
TOCQUEVILLE, Alexis. A democracia na América. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 7.

Contudo, Tocqueville ressalta que a igualdade não deve ser um processo de unificação
e homogeneização social. O equilíbrio entre igualdade e liberdade é a grande questão
para o autor.
Embora Tocqueville tenha se impressionado com a maneira como os estadunidenses des-
frutavam da liberdade, ele não deixava de observar as contradições da democracia com a
escravidão ainda vigente no país.
De forma geral, a liberdade política, assim como as condições concretas de atuação no
mundo social e na participação coletiva do poder, difere do arbítrio individual. Como já foi
estudado, a liberdade política é um valor moderno que nasceu com as revoluções burguesas
do século XVIII, em especial a Revolução Francesa e a independência dos Estados Unidos.
Essa liberdade se manifesta na modernidade com base em duas esferas centrais: a liberdade
dos Estados-nações de agir com soberania nos limites de seus territórios e a liberdade dos
indivíduos de participar da vida política.

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Galeria Nacional de Arte, Washington. Fotografia: Album/Fotoarena

DA EDITORA DO BRASIL

 John Sartain (baseado em pintura


de George Caleb Bingham).
A eleição do condado, 1854.
Gravura colorida a mão,
56,5 cm × 76 cm. A democracia
nos Estados Unidos e o grande
apreço social pela liberdade
daquele país chamaram a
atenção de Tocqueville.

Não escreva no livro. 103


Liberdade política dos povos: soberania e autodeterminação
Um país deve interferir no governo de outro país quando este submete sua população a
regimes autoritários? É possível a formação de um Estado Nacional de forma totalmente con-
sensual? Questões como essas, ligadas à liberdade e à política, costumam ser permeadas
por conflitos.
No final do século XIX, estabeleceu-se o princípio da autodeterminação dos povos, con-
ferindo o direito de deliberar a forma de sua organização política, como Estado independente,
a cada povo de determinado território. A liberdade de cada Estado-Nação de decidir e orga-
nizar a vida social de maneira soberana, sem a interferência de outros Estados ou organiza-
ções, desenvolveu-se e ganhou mais força após a Segunda Guerra Mundial.
Na Carta nas Nações Unidas, assinada em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, explici-
ta-se esse compromisso global por garantir a liberdade das nações:

Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igual-


dade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao for-
talecimento da paz universal.
ONU. Carta das Nações Unidas. Disponível em: https://nacoesunidas.org/carta/cap1.
Acesso em: 10 jun. 2020.

Esse pressuposto deu suporte ao processo de reconhecimento da soberania de países que


até então eram colônias e lutavam por sua independência. O direito à autodeterminação é o
princípio segundo o qual cada povo tem ou deveria ter a opção livre e soberana de determi-
nar seu regime político, independentemente de qualquer influência estrangeira. O exercício
desse direito geralmente está ligado à existência de um Estado específico para as pessoas
em questão, um Estado cuja plena soberania é frequentemente vista como a manifestação
da plenitude desse direito.
Contudo, na prática, a autodeterminação dos povos pode levar a conflitos e embates éticos,
pois com frequência a formação de Estados Nacionais se dá a despeito da vontade de todos.
Minorias étnicas frequentemente requerem seu reconhecimento como Estados-Nação indepen-
dentes, como é o caso da Catalunha; na Espanha, da Irlanda do Norte, no Reino Unido; dos cur-
dos, na Turquia; e dos sarauís, no Marrocos. Há também conflitos relativos à interferência de
países estrangeiros em países considerados fora do espectro das democracias liberais.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO

Delil Souleiman/AFP
DA EDITORA DO BRASIL

 O povo curdo, que vive na Turquia, no Irã, no Iraque e na Síria, se consideram um povo apátrida e enfrenta inúmeros
conflitos com esses Estados Nacionais. Na foto, mulheres curdas em manifestação na Síria, 2019.

104 Não escreva no livro.


Liberdade política do indivíduo: cidadania e democracia
O fim do Antigo Regime, ou seja, das monarquias absolutistas, alterou o status do indiví-
duo em sua relação com o Estado, que passou a ser o de cidadão, com direitos considerados
inalienáveis e invioláveis – ou seja, seus direitos não podem ser retirados sob nenhuma cir-
cunstância. Na modernidade, ser humano significa ser portador de um conjunto de direitos
que nenhum Estado ou lei pode negar, como a liberdade religiosa.
A liberdade política parte do princípio da igualdade jurídica. Implica que todos são iguais
perante a lei. Logo, todos podem participar da vida política, independentemente da classe
social, origem familiar etc. Nas eleições, por exemplo, o voto de uma pessoa com menor poder
aquisitivo vale o mesmo que o de alguém com alto poder aquisitivo. O voto de todos os cida-
dãos tem peso igual na urna. O formato democrático e republicano determina que as desi-
gualdades econômicas não impliquem desigualdade jurídica e política. É nesse aspecto
também que se entende a igualdade como o direito de todos de desfrutar da liberdade plena,
em que nenhum indivíduo pode ter mais liberdade do que outro.
Como lembra o filósofo e historiador Norberto Bobbio (1909-2004) em sua obra A era
dos direitos, a democracia como forma de governo em que todos têm a liberdade e o
poder para tomar decisões sobre o que lhes diz respeito tem por base o individualismo:
“cada cabeça, um voto”. Nesse modelo de Estado, o indivíduo tem direitos privados, mas
também direitos públicos, do qual resulta o status da cidadania. A Declaração dos Direi-
tos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789 durante a Revolução Francesa, inau-
gura esse modelo em seu primeiro artigo, que anuncia a relação entre liberdade e
igualdade: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só
podem fundamentar-se na utilidade comum”.
Se, por um lado, a liberdade é um conceito um tanto abstrato, na modernidade ela assume
alguns elementos mais concretos em termos políticos: a liberdade de pensar, de dizer o que
quer, de se reunir para fins políticos, ou seja, a liber-
dade de consciência, de expressão, de imprensa,

Akg-Images/Album/Fotoarena
de reunião e de associação.
Contudo, a liberdade política parte do reconhe-
cimento do indivíduo como sujeito livre, autônomo
e capaz de pensar, agir e se manifestar na esfera
pública e deMATERIAL
regular asDE DIVULGAÇÃO
próprias ações, ou seja,
DA EDITORA
legislar a si mesmo. DO BRASIL
É a capacidade de pensamento
e de ação; é a independência diante de qualquer
constrangimento imposto pela vontade de outra
pessoa. Esse pressuposto (liberdade política como
autonomia) levou também a uma série de exclu-
sões ao longo da história, justamente por conside-
rar que uma parte da população não estava livre
do domínio de outros. Tais exclusões geralmente
estavam ligadas ao sexo, ao grau de instrução e à
renda. É o caso das mulheres, que na maioria dos
países teve sua autonomia plenamente reconhe-
cida para votar apenas em meados do século XX,
pois até então eram submetidas ao poder mascu-
lino e não tinham autonomia.

Sufragista lutando pelo direito ao voto feminino.


No cartaz, lê-se: “Lutar pela liberdade das mulheres não é
um crime. Presas pelo sufrágio não deveriam ser tratadas
como criminosas”. Washington, D.C., Estados Unidos, 1917.

Não escreva no livro. 105


Liberdade de associação
Entre as formas de liberdade política asseguradas no Estado moderno, pós-
-Revolução Francesa, está a liberdade de associação. Ela garante a qualquer
Como funciona uma
organização não cidadão o direito de se associar para fins sociais e políticos, sem a interferên-
governamental (ONG)? cia do Estado. Essa liberdade se reflete na criação de partidos políticos, sindi-
As ONGs são instituições que catos, clubes, organizações da sociedade civil, religiões, ONGs etc. Na maioria
buscam encorajar e defender das constituições liberais, a única proibição de associação está na esfera mili-
determinado grupo ou ideologia
política. Muitas vezes, as ONGs tar, garantindo ao Estado o monopólio das Forças Armadas.
se organizam para atender Diversos exemplos históricos demonstram que o direito à associação foi
demandas que não foram
fruto de muita luta. Durante a Revolução Industrial, trabalhadores do campo
supridas pelo Estado. Elas não
têm fins lucrativos e são se viram obrigados a migrar para as cidades e trabalhar nas indústrias, em
financiadas por instituições condições insalubres, com baixos salários e uma carga horária elevada. Nesse
públicas ou privadas e por contexto, surgem as associações de trabalhadores que lutavam para a melho-
pessoas físicas.
ria das condições do proletariado.
As causas ao redor das quais
uma ONG se organiza podem Após a Segunda Guerra Mundial, o direito de associação torna-se uma
ser diversas, como luta contra extensão do direito dos indivíduos. Um exemplo disso é a Constituição
o racismo e a homofobia, e
defesa de recursos naturais e dos Estados Unidos do Brasil de 1946, promulgada no contexto do fim
animais. da Era Vargas e da redemocratização do país. Essa Constituição assegu-
rava a liberdade de expressão e de associação, garantindo a proteção dos
direitos dos cidadãos, independentemente de suas crenças religiosas,
filosóficas e políticas. Entretanto, as liberdades asseguradas pela Cons-
tituição de 1946 não eram plenas, tendo em vista que os sindicatos, assim
como na Era Vargas, estavam atrelados ao Estado, que poderia intervir e
limitar o direito do trabalhador a greves.
A Constituição brasileira de 1967 foi na contramão dos direitos de asso-
 Greve dos trabalhadores franceses ciação. O Estado militar criminalizou e perseguiu sindicatos e partidos polí-
em 1936, que conquistou o primeiro ticos, que se viram obrigados a exercer suas atividades na clandestinidade.
direito a férias remuneradas da
história. A liberdade política de Somente na Constituição de 1988 o direito à liberdade de associação foi
associação é o principal instrumento plenamente assegurado aos cidadãos brasileiros.
de garantia de direitos.

Archive/AFP
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

106 Não escreva no livro.


Atividades

1. Acerca da relação entre liberdade e política, analise a charge do cartunista Glauco (1957-
-2010) e responda às questões em seu caderno.

a) Por que os policiais se espantam com


a comemoração de um deles? Por que
ele se justifica?
b) Na tirinha, qual é a relação entre o
Estado, representado pelos policiais, e
a população, que pede por liberdades
democráticas? Há harmonia entre os
dois grupos? Pode-se afirmar que a
população tinha liberdade política para
se manifestar, de acordo com a tirinha?
c) A expressão “liberdades democráti-
cas” foi escrita no plural. Dê três
exemplos que podem compor o con-
junto de liberdades democráticas.
© Glauco

 Glauco. Viva as liberdades


democráticas!. Charge, 1978.

2. Leia a reportagem abaixo, sobre manifestações neonazistas que aconteceram nos Estados
Unidos, no ano de 2017. Em seguida, responda às questões.
Por que é mais fácil ser neonazista nos EUA do que na Alemanha
No final de semana, enquanto centenas de supremacistas brancos agitavam símbolos nazis-
tas e gritavam palavras de ordem contra judeus e outras minorias em Charlottesville (Virgínia,
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
EUA), um cidadão americano era agredido e preso por fazer a polêmica saudação de “Heil Hitler”
DA EDITORA DO BRASIL
em Dresden, na Alemanha.
Os fatos mostram como os dois países divergem no grau de tolerância ao uso de símbolos
nazistas.
Na Alemanha, a lei prevê punição de até três anos de prisão para quem usar insígnias relacio-
nadas ao Terceiro Reich ou fizer apologia do nazismo.
Nos Estados Unidos, o uso de símbolos do nazismo, o “discurso de ódio” e a existência de gru-
pos de perfil neonazista são práticas legais, amparadas no direito à livre expressão garantido pe-
la Constituição.
Já no Brasil, a lei 7.716/89 determina prisão de dois a cinco anos para quem “fabricar, comer-
cializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que
utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.
[...]
LIMA, Lioman. Por que é mais fácil ser neonazista nos EUA do que na Alemanha. BBC Brasil, 17 ago. 2017.
Disponível em: www.bbc.com/portuguese/internacional-40958924. Acesso em: 10 jun. 2020.

a) De acordo com a reportagem, quais são as punições previstas pelo uso de símbolos
e disseminação da ideologia nazista na Alemanha, no Brasil e nos Estados Unidos?
b) Qual é a relação entre a concepção da liberdade política estadunidense e o grau de
tolerância tido com práticas neonazistas?

Não escreva no livro. 107


LIBERDADE POLÍTICA NA REPÚBLICA
BRASILEIRA
Os modelos e as ideias de liberdade e participação política estudados até
aqui afetaram profundamente a organização da República no Brasil, que foi pro-
clamada em 15 de novembro de 1889, após um golpe militar ter afastado o
imperador Pedro II (1825-1891) do poder, dando fim ao regime monárquico.

R.M. Nunes/Shutterstock.com
Praça dos Três Poderes.
Brasília, DF, 2015.

Geralmente, quando se fala em república, pensa-se em uma forma de


governo oposta à monarquia. Enquanto esta é regida por um monarca (rei,
rainha, imperador), uma república é regida por um indivíduo, ou grupo de indi-
víduos, cujo poder pertence ao povo.
No entanto, há outras características da república que precisam ser leva-
das em consideração, e a primeira delas é o fato de que seus princípios
podem ser adotados por diferentes formas de governo.
Como estão organizados os O termo república tem origem no latim res publica e significa “coisa
três poderesMATERIAL
no Brasil? DE DIVULGAÇÃO
pública”. Logo de início, entende-se que, ao contrário das monarquias,
O Poder ExecutivoDA EDITORA DO em
é exercido BRASIL
que o exercício da função de governar era (e ainda é) vitalício, here-
pelo presidente e pelo vice-
-presidente, além dos ditário e restrito a uma família real, a república pressupõe a alternância
ministérios. Ocupa-se da de poder entre os eleitos, direta ou indiretamente, pelo povo, embora
administração do país, possa haver momentos de ruptura desse pressuposto em algumas expe-
colocando em prática aquilo
que as leis determinam. riências autoritárias.
O Poder Legislativo tem a função Ao longo da história, a organização do poder nesse sistema político variou
de elaborar leis e fiscalizar as de um lugar para outro, e as repúblicas ganharam diferentes contornos. No
ações do Poder Executivo. No Brasil, desde a promulgação da primeira Constituição, em 1891, o Estado
Brasil, o Poder Legislativo é
bicameral, representado pelo brasileiro é estruturado pela conjunção dos três poderes (Executivo, Legis-
Congresso Nacional e pelo lativo e Judiciário), e adotou o sistema presidencialista, em que o cargo de
Senado Federal. chefe de Estado é exercido pelo presidente por determinado tempo.
O Poder Judiciário, por sua vez, Os representantes da República, em seus cargos executivos e legislativos,
corresponde à esfera do Estado
que atua para garantir os são escolhidos por voto livre, direto e secreto.
direitos individuais e coletivos e Todavia, essa organização nem sempre foi assim no país. Houve momen-
o cumprimento das leis. No tos em que os representantes não eram eleitos por voto secreto e subiam
Brasil, a mais alta instância
desse poder é o Supremo
ao poder sem serem escolhidos diretamente pelo povo.
Tribunal Federal (STF). E como se deu o início desse sistema de governo, vigente há mais de um
século? Como foi a formação da República brasileira?

108 Não escreva no livro.


O povo e o estabelecimento da República
Observe as duas obras retratadas a seguir, que recebem o nome de Proclamação da
República. O local representado nas pinturas é o Campo de Santana na Praça da Aclama-
ção, atual Praça da República, na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Na
ocasião, o Marechal Deodoro da Fonseca (1827-1892), apoiado por alas militares, des-
tituiu Dom Pedro II do cargo de imperador, proclamou a República e assumiu o país em
um governo provisório. Que diferenças e semelhanças você nota entre as obras?
Acervo do Museu Casa de Benjamin Constant, Rio de Janeiro

 Oscar Pereira da Silva. Proclamação da República, c. 1889. Óleo sobre tela, 80 cm * 124 cm.
Pinacoteca Municipal, São Paulo

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Benedito Calixto. Proclamação da República, 1893. Óleo sobre tela, 124 cm * 200 cm.

Não escreva no livro. 109


As obras foram elaboradas por Oscar Pereira da Silva (1867-1939) e Benedito Calixto
(1853-1927), em 1889 e 1893, respectivamente. Além de algumas diferenças paisagís-
ticas, essas obras também podem sugerir leituras distintas sobre o fato ocorrido em 15
de novembro de 1889. Enquanto Pereira da Silva colocou civis observando e celebrando
o acontecimento no primeiro plano da tela, Calixto, quatro anos mais tarde, enfatizou o
ato pelo viés militar e retirou os civis da cena. Com esse detalhe, Benedito Calixto revela
– propositadamente ou não – quanto a população podia ser invisível aos olhos daqueles
que protagonizaram o acontecimento. A maioria da população estava alheia aos eventos,
e as articulações republicanas estavam concentradas nas mãos de uma parcela de mili-
tares e de membros da elite brasileira.
No século XIX, os ideais republicanos europeus e estadunidenses de modernização e
de maior participação política estavam difundidos na academia, entre profissionais libe-
rais urbanos e em alas progressistas do Exército, no então Império brasileiro. Contudo,
uma mudança de regime político não parecia ser uma opção legítima ou amplamente
apoiada e celebrada, embora a monarquia apresentasse sinais de enfraquecimento polí-
tico e econômico.
No final desse mesmo século, Dom Pedro II, que estava à frente do Império brasileiro havia
quase 50 anos, perdeu o apoio da elite agrária. A abolição da escravidão, decretada pela Lei
Áurea em 1888, foi certamente um dos fatores determinantes para a insatisfação das alas
mais conservadoras dessa elite, que não foram indenizadas pela perda da população escra-
vizada e deixaram de lucrar com o fim da exploração da mão de obra de milhares de africa-
nos e seus descendentes brasileiros.
O enfraquecimento da monarquia diante dos olhos da elite agrária serviu de pretexto para
que a ala republicana do Exército, fortalecida pelas recentes vitórias na Guerra do Paraguai,
destituísse Dom Pedro II do poder e articulasse um golpe que levou o Marechal Deodoro da
Fonseca a ser o primeiro presidente do Brasil. A família real não reagiu ao golpe e recebeu
ordens para deixar o Brasil.
Marechal Deodoro da Fonseca governou o país entre 1889 e 1891. A primeira etapa de
seu governo, que durou 15 meses, foi denominada Governo Provisório (do início da Repú-
blica, em 1889, aos primeiros meses de 1891), uma vez que seria necessário estruturar a
República e as novas instâncias políticas e administrativas do país, além de realizar uma
assembleia
MATERIAL DEconstituinte
DIVULGAÇÃO para idealização de uma nova Constituição, promulgada em 1891.

DA Em fevereiro
EDITORA DOdeBRASIL
1891, em meio a uma crise econômica, Deodoro promulgou a nova Constitui-
ção do país, dando início à segunda fase de seu governo, o Período Constitucional.
No Governo Constitucional de Deodoro, foram adotados o presidencialismo e o federalismo
como sistemas de governo do país. No federalismo, há união política entre os entes da Fede-
ração, de modo que os governantes tenham autonomia em suas unidades territoriais.

Imigração e liberdade no território brasileiro


Os governos republicanos que ocorreram no Brasil entre os anos de 1889 e 1930 marca-
ram o período conhecido como Primeira República. Inicialmente comandado por dois mili-
tares (entre 1889 e 1894) e, mais tarde, caracterizado pela alternância de poder entre as
elites agrícolas, sobretudo do que hoje conhecemos como Sudeste, esse período corresponde
à fase em que os grandes latifundiários defendiam seus interesses mantendo no poder gru-
pos favoráveis a suas aspirações.
Internamente, a Primeira República foi marcada pela manutenção de forças políticas que
ampliavam as desigualdades e a concentração de renda, ao passo que preservavam as elites
no poder político e econômico, cerceando a liberdade e impedindo a participação popular
nas decisões políticas. Externamente, o país desejava se mostrar um território de oportuni-
dades aberto aos imigrantes que aqui chegavam.

110 Não escreva no livro.


No início da República, durante o Governo Provisório, foi criada

Arquivo Público do Estado de São Paulo, São Paulo


a política da “Grande Naturalização”, que tornaria cidadãos bra-
sileiros todos os imigrantes residentes no Brasil que não mani-
festassem, em um prazo de seis meses, o desejo de manter sua
nacionalidade. Essa política tinha a intenção de consolidar a ocu-
pação do território nacional pela população brasileira.
Até então, esse território era ainda desarticulado política e
economicamente, mesmo com a realização de expedições ofi-
ciais e particulares, para ocupar e encontrar recursos. Na tran-
sição do Império para a República, o território brasileiro ainda
se organizava por regiões relativamente isoladas, em que a
maior parte guardava poucas relações com o centro dinâmico
do país, ou seja, a capital Rio de Janeiro e as áreas de produ-
ção cafeeira, principalmente no estado de São Paulo.
Com a abolição da escravidão e a instauração da República, os
fluxos imigratórios, sobretudo de italianos, espanhóis e alemães,
permaneceram e foram incentivados pelo governo e por cafeicul-
tores. Além do aproveitamento da mão de obra, as concepções
discriminatórias que colocavam o homem branco europeu como  Capa da primeira edição da revista
“civilizado” serviram de encorajamento às imigrações e aos ideais de “bran- O Immigrante, de 1908, que
queamento” da nova nação republicana. Ao Brasil, interessava a chegada de incentivava a vinda de imigrantes
para o estado de São Paulo.
europeus aptos ao trabalho no campo ou nas cidades.
Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o fim do Império e os primeiros anos da República coincidem com
a chegada de mais de 1 milhão de italianos ao Brasil. Esses imigrantes se
instalaram principalmente nas fazendas paulistas. Sobrevivendo em más
condições e trabalhando em um regime de exploração intensa, os relatos
eram bem distintos do discurso apresentado pelas propagandas imigrató-
rias oficiais, que pretendiam associar a imagem do Brasil a um país moderno,
hospitaleiro e aberto aos imigrantes. As constantes queixas de exploração
nas fazendas cafeeiras levaram o governo italiano, em 1902, a proibir a
MATERIALpara
imigração subsidiada DE DIVULGAÇÃO
o Brasil.
DA EDITORA DO BRASIL
IMIGRAÇÃO DE ITALIANOS E TOTAL PARA O BRASIL (1884-1933)

1 250 000

1 000 000

750 000

500 000

250 000

0
Italianos Total

1884-1893 1894-1903 1904-1913 1914-1923 1924-1933

Fonte: IBGE. Estatística do povoamento.


Disponível em: https://brasil500anos.ibge.gov.br/estatisticas-do-povoamento/
imigracao-por-nacionalidade-1884-1933.html. Acesso em: 21 jul. 2020.
DAE

Não escreva no livro. 111


Configuração do voto, cidadania e participação política
na República
O sufrágio universal, entendido como o direito de votar e de ser votado, segundo as devidas
características, é uma das formas de exercício da cidadania. As eleições, nesse aspecto, são um
processo democrático para a escolha dos representantes políticos. Conforme vimos, atualmente
o Brasil é uma república que escolhe seus representantes por meio do voto direto. Todo cidadão
maior de 18 anos tem o direito e o dever de votar em eleições de cargos dos poderes Legislativo
e Executivo, nas esferas municipal, estadual e federal. Esse direito, no entanto, é muito recente.
Mesmo na história da República, o direito de votar era bastante seletivo.
Enquanto o Brasil foi colônia de Portugal (1500-1822), a escolha de
Joa Souza/Shutterstock.com

representantes por meio do voto era limitada ao âmbito municipal. Nessa


época, o voto era aberto, e todos os homens livres, incluindo os analfa-
betos, podiam votar.
Com a instauração do Império, em 1822, e a Constituição de 1824,
o voto passou a ser censitário, ou seja, era preciso comprovar renda para
votar. Além disso, era restrito a homens maiores de 25 anos, que pode-
riam eleger deputados e senadores. O Poder Executivo era exercido pelo
imperador, e os representantes das províncias eram escolhidos por ele.
Até então não havia título de eleitor e, em alguns momentos, o voto
 Urna eletrônica. O voto é uma forma de
exercício da cidadania garantido pela poderia ser realizado por meio de procurações. Assim, o processo elei-
Constituição. Salvador, BA, 2018. toral era bastante restrito e passível de fraudes.
Com a Proclamação da República e a Constituição de 1891, o voto deixou de ser censitá-
rio; no entanto, era limitado a homens alfabetizados e maiores de 21 anos.
Em 1932, no primeiro governo de Getúlio Vargas (1882-1954), foram criadas leis e
reformas eleitorais que implantaram o voto secreto e o voto feminino, permitido pela pri-
meira vez no Brasil em 1933. Com a promulgação da Constituição de 1934, o voto femi-
nino tornou-se um direito constitucional, porém limitado às mulheres solteiras e viúvas
que exerciam atividades remuneradas. As mulheres casadas precisavam ter autorização
dos maridos para votar. Esse direito, no entanto, foi encurtado pela imposição da Cons-
tituição de 1937, após o golpe do Estado Novo realizado pelo próprio Vargas. Com a ins-
tauração desse regime ditatorial e o fechamento do Congresso, nenhum brasileiro
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
exerceu seu direito de voto até 1945. Após o fim do regime e a promulgação da Consti-
DA EDITORA
tuição DO BRASIL
de 1946, o direito ao voto feminino foi ampliado.

Eleitora
brasileira vota Acervo Iconographia

pela primeira
vez em maio
de 1933.

112 Não escreva no livro.


A Ditadura Civil-Militar (1964-1985), ao contrário do que se pode imaginar, não interrom-
peu totalmente o processo eleitoral no país. As eleições diretas para os cargos executivos
foram suspensas, mas o pleito via sufrágio foi mantido para alguns cargos legislativos (depu-
tados e vereadores). A Constituição de 1967 e os atos e as emendas institucionais incorpo-
rados ao longo dos anos de ditadura foram responsáveis por minar uma série de direitos dos
cidadãos. Esses atos extinguiram partidos e restringiram as liberdades individuais, de expres-
são e de manifestação política.
Veja o exemplo de algumas imposições do mais restritivo dos atos institucionais, o AI-5,
promulgado em 13 de dezembro de 1968, durante a presidência do general Arthur da Costa
e Silva (1869-1969):

Art. 2o O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assem-
bleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fo-
ra dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
[...]
Art. 3o O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos
Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
[...]
Art. 4o No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho
de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os di-
reitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais,
estaduais e municipais.
[...]
BRASIL. Ato institucional no 5, de 13 de dezembro de 1968.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm. Acesso em: 16 jul. 2020.

Em 1984, surgiu o movimento Diretas Já, contando com a participação da população e


de partidos, artistas e intelectuais. O movimento reivindicava o retorno das eleições dire-
tas para os cargos executivos. Além disso, constituiu-se como um manifesto popular con-
trário aos anos de repressão e às recorrentes crises. Em 1985, José Sarney (1930-), o vice
de Tancredo Neves (1910-1985), que morreu antes de tomar posse, assumiu o mandato
presidencial, ainda de forma indireta.
Durante oMATERIAL
mandato de DESarney,
DIVULGAÇÃO
entrou em
Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

DA EDITORA
vigor a Constituição de 1988,DO BRASILconhe-
também
cida como Constituição cidadã, que previu
uma série de avanços sociais, civis e de par-
ticipação política aos cidadãos brasileiros.
Foi essa Constituição que instaurou o voto
facultativo para jovens maiores de 16 anos e
menores de 18 anos, e para idosos maiores
de 70 anos.
Em 1989, Fernando Collor de Mello (1949-)
tornou-se o primeiro presidente eleito direta-
mente pelo povo, após anos de ditadura.
Nos anos seguintes, as únicas mudanças
no processo eleitoral foram a implementação
da urna eletrônica e da biometria como melho-
rias para deixar o processo mais dinâmico e
seguro. O pleito de 2000 foi a primeira elei-
ção brasileira realizada 100% por meio de
urnas eletrônicas.  Passeata do movimento Diretas Já. São Paulo, SP, 1984.

Não escreva no livro. 113


Cidadania na Constituição federal
Você já refletiu sobre o que é ser um cidadão? Quais são os direitos e deve-
res dos indivíduos? Você tem ideia do motivo de a Constituição de 1988 tam-
bém receber o nome de Constituição cidadã?
Uma Constituição é um documento que apresenta o conjunto de leis máxi-
mas de um Estado. Ela contém preceitos básicos da organização do Estado
e da sociedade em seu território soberano.
Talvez não seja absurdo dizer que, diante dessas características, todas as
constituições nacionais deveriam ser entendidas como cidadãs. Hannah
Arendt, filósofa alemã, por exemplo, apontou que:

[...] Essa nova situação, na qual a “humanidade” assumiu de fato um papel


antes atribuído à natureza ou à história, significaria nesse contexto que o di-
reito a ter direitos, ou o direito de cada indivíduo de pertencer à humanidade,
deveria ser garantido pela própria humanidade. [...]
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012. E-book.

Para a filósofa, a cidadania deveria ser ampla e duradoura, respeitando e


protegendo as pluralidades. E, para ser duradoura, a cidadania deveria ser
resguardada pelas leis máximas de um país, ou seja, as constituições. Mas
será que essa necessidade se efetiva na prática?
Ser cidadão não é apenas exercer o voto e participar da vida pública.
O exercício da cidadania se pauta pelo cumprimento de deveres e pela
garantia de direitos civis, sociais e políticos. Ao longo do tempo, foram
 Plenária que aprovou o texto da aprovadas leis que ampliaram o direito de cidadania, como a Lei Áurea,
Constituição federal. Brasília, DF, de 1888, e a instituição do voto feminino, na década de 1930.
1988.

Ricardo Azoury/Olhar Imagem


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

114 Não escreva no livro.


A elaboração da Constituição de 1988, realizada durante o processo de redemocratiza-
ção do país, contou com a influência de ampla mobilização popular. Essa participação foi
ativa, manifestando-se sob a forma de plenárias, associações e comitês, e avançou nos
debates relativos aos direitos de todos os cidadãos brasileiros, incluindo as minorias, como
os povos indígenas.
As aspirações em garantir a equidade, a dignidade e a liberdade dos indivíduos já estão
expressas desde o primeiro artigo do texto:

Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Muni-
cípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como funda-
mentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 maio 2020.

As seis constituições brasileiras anteriores à Constituição de 1988 (uma do período impe-


rial e cinco republicanas) evidenciam um avanço na concepção de cidadania. Ao longo dos
textos, percebe-se uma associação direta da cidadania à participação na vida política, apre-
sentando os limites de quem poderia participar por meio do voto.
A Constituição de 1988 é a primeira que atinge a complexidade de abordar os direitos
humanos como um princípio fundamental que rege o país. Nos textos anteriores, entretanto,
aos poucos, verifica-se a inclusão dos deveres do Estado, de direitos fundamentais e de liber-
dades individuais, como o direito ao culto e à inviolabilidade postal. Os direitos trabalhistas
também são mencionados e assegurados, mesmo nas constituições consideradas mais auto-
ritárias, como as de 1937 e 1967.
As constituições brasileiras mostram uma evolução, não necessariamente linear, do con-
ceito de cidadania. Atualmente, a Constituição não se concretiza apenas pela participação
no processo MATERIAL DEpelo
eleitoral, mas DIVULGAÇÃO
dever do Estado em garantir os direitos essenciais à realiza-
DA EDITORA
ção da vida privada DO BRASIL
e coletiva.
Sergio Moraes/Reuters/Fotoarena

TCHT_L1_U3_F_40A

 Eleitores aguardam para votar no Rio de Janeiro, RJ, 2018.

Não escreva no livro. 115


OUTRO PONTO DE VISTA

A complexidade da Constituição cidadã


A Constituição de 1988 é considerada um marco, pois apresenta os direitos individuais e coletivos dos cidadãos
e garante a liberdade e a igualdade de todos. Além disso, determina que esses direitos são fundamentais à vida e,
por isso, devem ser cumpridos pelo Estado.
Na época da promulgação, e ainda hoje, a Constituição foi considerada ambiciosa. José Sarney, então presidente
do Brasil, declarou que o documento “tornaria o país ingovernável”.
Em 2008, na ocasião dos 20 anos da Constituição, José Sarney concedeu entrevista à Agência Senado. Leia um
trecho da entrevista:

Agência Senado – O senhor costuma dizer que os

Rafapress/Shutterstock.com
constituintes terminaram aprovando uma Constitui-
ção que todo dia precisa ser consertada. Em sua opi-
nião, foi aprovado um Frankenstein?
José Sarney – Creio que o que foi feito é mais grave.
Foram incluídas na Constituição todas as reivindica-
ções corporativas, tornando o país ingovernável, com
um desbalanço entre seu poder e seu dever. Nosso sis-
tema eleitoral é ainda o do voto uninominal propor-
cional, funcionando sem partidos. Nosso sistema de
governo mistura a competência dos Poderes. O meca-
nismo da medida provisória tornou-se o principal meio
de legislar.
AGÊNCIA SENADO. Sarney vê na Constituição algo mais
grave que um Frankenstein. Disponível em: https://
www12.senado.leg.br/noticias/materias/2008/09/12/  Capa de edição da Constituição da República Federativa do
sarney-ve-na-constituicao-algo-mais-grave-que-um Brasil de 1988.
-frankenstein. Acesso em: 16 jul. 2020.

Ainda hoje, políticos e críticos afirmam que as exigências e as exceções previstas na Constituição dificultam a
ação do Estado.

1. O caput* do artigo 5o da Constituição federal estabelece que:


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
DA EDITORA DO BRASIL
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...].
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 maio 2020.

O artigo possui 78 incisos** que indicam os direitos fundamentais dos brasileiros. Acesse o artigo e seus in-
cisos e aponte sua relação com o artigo 3o da Constituição federal, que estabelece os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil.
* Caput: palavra latina que significa “cabeça” e indica o texto principal ou o enunciado do artigo.
** Inciso: determinação que complementa e adiciona informações ao caput.

2. As cláusulas pétreas da Constituição federal são dispositivos que não podem ser alterados. Entre eles estão
os direitos e as garantias individuais dos cidadãos, apresentados no artigo 5o. Apesar de não poderem ser al-
terados, muitos deles não são cumpridos.
 elecione alguns incisos para discutir com os colegas sobre a complexidade de execução daquilo que está pre-
S
visto na Constituição. Quais incisos você considera possíveis de serem executados pelo Estado, mas que ainda
não o são? Existe algum que você considera não ser competência do Estado?

116 Não escreva no livro.


Atividades

1. O voto é um instrumento de liberdade de es- sobre voto, cidadania e garantia dos direitos
colha e exercício da cidadania. Durante a dos cidadãos brasileiros no documento ana-
Primeira República (1889-1930), o voto de lisado. Na sequência, elabore um infográfico
cabresto foi um mecanismo para fazer valer os para ilustrar sua pesquisa e, em conjunto com
interesses políticos dos chamados coronéis. a turma, construa um painel cronológico das
Dessa forma, apesar de diretas, as eleições constituições brasileiras, considerando as
apenas serviam para legitimar escolhas feitas informações estudadas.
por terceiros. Na fala de muitos, tratava-se de 4. Leia a notícia a seguir e, depois, responda às
“um jogo de cartas marcadas”. questões em seu caderno.
Na teoria, o voto secreto deveria representar o
fim do voto de cabresto, mas há relatos de sua 3,6 milhões de brasileiros tiveram
permanência. Pesquise e comente sobre essa título cancelado por não fazer o cadastro
prática, explicando em que medida ela fere o biométrico
direito à liberdade de escolha individual.
Número é referente a 862 cidades que reali-
2. O ranking de Igualdade de Gênero, elaborado
zaram a revisão biométrica no
anualmente pelo Fórum Econômico Mundial,
último ciclo (2017-2018) em 17 estados. Prazo
analisa desigualdades de gênero no mundo para regularização eleitoral
com base em um estudo que abrange condição terminou no dia 9 de maio.
econômica e salarial, participação na política,
Ao menos 3,6 milhões de brasileiros não pode-
grau de instrução e acesso à saúde, compa-
rão votar nas eleições de 2018 porque não fizeram
rando a situação de homens e mulheres em
o cadastramento biométrico e tiveram seus títulos
diferentes países.
eleitorais cancelados.
A pouca representatividade feminina em altos [...]
cargos de gestão e os baixos salários compara-
A biometria usa as impressões digitais para
dos aos masculinos nas mesmas posições co-
identificar o cidadão. O objetivo é ter mais segu-
locaram o Brasil na 92a posição do ranking em
rança e evitar fraudes. No Brasil, a emissão de pas-
2019, que classifica 153 países. O Iêmen, país
saporte, de carteiras de identidade e o cadastro
do Oriente Médio que restringe a liberdade das das Polícias Civil e Federal contam com sistemas
mulheresMATERIAL DE esferas
em diversas DIVULGAÇÃO
da vida, ocupa a biométricos.
última posição.
DA EDITORA DO BRASIL VELASCO, Clara; SARMENTO, Gabriela. 3,6 milhões de
O artigo 5o da Constituição, em seu primeiro in- brasileiros tiveram título cancelado por não fazer o
ciso, afirma que homens e mulheres são iguais cadastro biométrico. G1, 15 set. 2018. Disponível em:
em direitos e deveres. Pesquise e discuta as https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em
-numeros/noticia/2018/09/15/mais-de-36-milhoes-de
diferenças entre homens e mulheres nos itens -brasileiros-tiveram-titulo-cancelado-por-nao-fazer-o
indicados pelo ranking de Igualdade de Gênero -cadastro-biometrico.ghtml. Acesso em: 16 jul. 2020.
na realidade brasileira. Após recolher dados e
informações, elabore um relatório com suas a) As regras administrativas (cadastramento
percepções e sua análise. biométrico) devem ser mais importantes do
que o direito ao voto?
3. Em grupo, faça uma pesquisa sobre uma das b) A liberdade política pode ser ameaçada por
constituições brasileiras. Leia o seu texto e situações como a veiculada? Discuta com
analise informações e dispositivos relevantes seus colegas.

Não escreva no livro. 117


Desigualdade como

4
UNIDADE

impeditivo para a
liberdade

LIBERDADE INATA OU CONQUISTADA?


Como já foi visto, a liberdade individual se tornou um dos temas fundamentais da refle-
xão filosófica europeia a partir da Idade Moderna. A discussão sobre a liberdade individual,
seja tomada como princípio irrecusável e evidente, seja debatida em relação à comunidade
e à cultura, foi e é prioridade para pensadores filiados a diferentes correntes filosóficas.
Em um primeiro momento, a liberdade dos indivíduos foi pensada como uma qualidade
ou um atributo dado ao ser humano pela própria natureza, ou como um direito conquis-
tado contra a comunidade. De uma maneira ou de outra, o conceito foi abordado como um
direito fundamental ou inato ao ser humano, que por isso precisava ser constantemente
protegido e resguardado pela lei.
Assim, de acordo com as vertentes clássicas e predominantes do liberalismo, ser livre era
algo que precisava ser preservado, em oposição às interferências públicas ou da força vio-
lenta (física ou moral) que um indivíduo mais poderoso poderia exercer sobre o outro. Por
isso, para proteger o direito natural de ser livre, todas as regras sociais, leis jurídicas e nor-
mas políticas de funcionamento do Estado deveriam ser tomadas como instrumento de
delimitação do poder da comunidade. Nesse contexto, qualquer impedimento ao exercício
racional da vontade e da deliberação do indivíduo seria indevido.
Apenas a liberdade do outro deveria ser considerada possível fator
limitador da livre iniciativa dos indivíduos. Nesses casos, os conflitos
Museu Carnavalet, Paris. Fotografia: Bridgeman Images/Easypix Brasil

seriam resolvidos por meio de decisão judicial e ação estatal. Mas,


mesmo nessas circunstâncias, a interferência ocorreria em nome da
liberdade individual, e não contra ela.

MATERIAL DE DIVULGAÇÃOEntre os séculos XVII e XIX, essa concepção de liberdade afirmou-


-se, inicialmente, como um paradigma tanto para a organização social
DA EDITORA DO BRASIL
quanto para a reflexão acerca dela. Entretanto, essa referência foi
problematizada e contestada por diferentes grupos sociais, como o
proletariado industrial que, embora vivesse em uma sociedade que
reconhecia a liberdade individual como valor fundamental, não tinha
condições de usufruir dela por falta de meios materiais, ou seja, por
experienciar uma vivência na sociedade capitalista de forma desigual
em relação à burguesia. Assim, a noção de liberdade inata, prezada
por filósofos modernos e iluministas no período de consolidação do
capitalismo, mostrava sua fragilidade.
Porém, diversos pensadores continuaram a defender a concepção
de liberdade do legado filosófico liberal e tentaram construir teorias
que justificassem a desigualdade social presente no capitalismo. Por
exemplo, a matemática social foi usada para embasar a noção de que
a pobreza estaria diretamente ligada ao crescimento desordenado da
população de miseráveis, vertente que tem no teórico inglês Thomas
Malthus (1766-1834) um de seus principais representantes. Também
 Pierre Thomas Leclerc. Liberdade, se considerava que faltava aos pobres uma sólida educação moral e
c. 1793. Gravura colorizada. religiosa que os forçasse a controlar seus impulsos sexuais e seus vícios.

118 Não escreva no livro.


Por fim, para teóricos como o inglês Herbert Spencer (1820-1903), a miséria tinha seu
fundamento em uma determinação puramente biológica. Ou seja, as diferenças sociais exis-
tiam por causa da forma como a distribuição genética dos talentos individuais se realizava.
Tais teorias foram rebatidas e criticadas por pensadores que enxergavam a desigualdade
social inerente à sociedade capitalista como um impeditivo para a liberdade dos menos pri-
vilegiados nesse sistema. O pensador britânico Robert Owen (1771-1858), o economista e
historiador suíço Jean de Sismondi (1773-1842) e os filósofos franceses Charles Fourier
(1772-1837) e Pierre Proudhon (1809-1865) defenderam a necessidade de reformar a socie-
dade capitalista. Proudhon, por exemplo, reivindicava a libertação da sociedade das relações
monetárias. Já Owen propunha a criação de outros modelos de organização social da produ-
ção industrial, como a fundação de comunidades autossuficientes de trabalhadores.

Coleção particular. Fotografia: Granger/Fotoarena


 Stedman Whitwell. Design de uma comunidade autossuficiente de trabalhadores idealizada por Robert Owen em
New Harmony, Estados Unidos, 1824.

Os pensadores alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), o filósofo


russo MikhailMATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Bakunin (1814-1876) e grupos inspirados pelo pensamento de Proudhon pro-
DA EDITORA
duziram suas obras com baseDOnaBRASIL
observação da vivência e da organização dos movimentos
de trabalhadores.
De acordo com Engels e Marx, a liberdade só seria estabelecida por meio da revolução comu-
nista. O proletariado tomaria os meios de produção da burguesia e organizaria a transição para
uma sociedade em que não houvesse propriedade privada dos meios de produção, Estado e
divisão de classes.
Já Bakunin propunha que a liberdade só seria alcançada por meio da igualdade, sobretudo
econômica, e do fim de qualquer tipo de dominação por uma classe ou um Estado. Por isso,
seria necessário que o sistema capitalista fosse derrubado, por meio da união entre o prole-
tariado industrial e os camponeses, e do fim da estratificação do saber. Para o pensador, a
liberdade não era algo inato ao ser humano, e sim uma conquista que só é consolidada por
meio do conhecimento e do trabalho.
A diferença econômica e social não era o único fator considerado impeditivo da liberdade
para alguns grupos sociais; a desigualdade entre homens e mulheres também punha em ques-
tão o conceito de liberdade inalienável do pensamento liberal. No século XVIII, documentos
escritos com base nesse conceito, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a
Constituição francesa de 1791 e a Constituição dos Estados Unidos da América, previam a
liberdade e a igualdade jurídica de todos os cidadãos, mas excluíam desse grupo, por exemplo,
as mulheres e os negros.

Não escreva no livro. 119


Em resposta à omissão das mulheres
desses documentos, a dramaturga fran-
cesa Olympe de Gouges (1748-1793)
escreveu a Declaração dos Direitos da
Mulher e da Cidadã, em 1791, em que
reivindicava a garantia, às mulheres, dos
mesmos direitos dos homens, como a
propriedade, a resistência à opressão,
a segurança e a liberdade. Já a filósofa
inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797),
Archive Pics/Alamy/Fotoarena

em sua obra Reinvindicação dos direitos


da mulher, comentava que a dependên-
cia financeira e a impossibilidade de
acesso à educação eram os fatores que
levavam a uma situação de submissão
 Sufragistas reivindicando o direito de votar. Londres, Reino Unido, c. 1912.
da mulher em relação ao homem.
No século XIX, o movimento sufragista deu continuidade à luta feminina
por cidadania política, reivindicando o direito ao voto e à eleição de mulhe-
res para cargos públicos. Chegar ao reconhecimento legal desse direito
exigiu intensos movimentos de reivindicação, em que as sufragistas, em
vários lugares do mundo, tiveram de enfrentar resistências de várias ordens,
inclusive violência policial. Somente no começo do século XX esse direito
foi conquistado pela primeira vez, em 1928, no Reino Unido.
A entrada das mulheres no mercado de trabalho, de acordo com Engels,
foi uma forma contraditória de libertação feminina: a mulher teria se livrado
do domínio patriarcal familiar e se submetido à dominação econômica bur-
guesa. Dentro dos próprios movimentos trabalhistas, a desigualdade entre
homens e mulheres podia ser observada. A diferença dos salários pagos às
mulheres e crianças, muito mais baixos em comparação aos pagos a homens
adultos, levou a intensos embates entre homens e mulheres da classe dos
assalariados. A inserção da força de trabalho feminina foi vista pelos traba-
lhadores homens como uma ameaça a seus empregos.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
O feminismo se organizou para combater a desigualdade entre homens
DA EDITORA DO BRASIL
O que é patriarcado? e mulheres. Trata-se de um conjunto de movimentos filosóficos, sociais,
Patriarcado é a organização políticos e ideológicos que buscam a igualdade entre os gêneros por meio
social em que os homens têm da extinção ou reorganização das instituições e dos comportamentos que
domínio sobre diferentes sustentam o patriarcado. Na cena social, o feminismo se expressou tam-
esferas da sociedade,
subjugando a liberdade de bém pelo reconhecimento e pelo incentivo da produção intelectual das
outros grupos. mulheres na Filosofia, nas Ciências e nas Artes.
Além dos trabalhadores e das mulheres, também os negros tiveram de
lutar contra as desigualdades e por direitos sociais e políticos. Os africanos
escravizados sempre procuraram resistir ao sistema escravocrata instau-
rado nas colônias americanas entre os séculos XVI e XIX. A resistência da
população negra escravizada se deu, sobretudo, por meio de insurreições
Quilombagem: formação de e, no Brasil, pela quilombagem. Como visto na Unidade 3, alguns pensa-
comunidades que abrigavam dores iluministas tinham visões negativas sobre a escravidão. Os abolicio-
escravizados fugitivos.
nistas se embasaram nessas concepções iluministas para guiar suas ações,
que visavam à libertação e ao término do tráfico de escravizados. Porém,
a emancipação e o fim desse sistema não garantiram aos libertos e seus
descendentes a mesma liberdade experienciada pelos brancos.

120 Não escreva no livro.


As teorias do racismo científico, estudadas na Unidade 2, pretendiam
embasar a suposta superioridade dos brancos em relação aos não brancos,
criando justificativas “científicas” para a exploração e o cerceamento da
liberdade desses grupos. Tais justificativas fundamentaram as segregações
raciais oficializadas por alguns governos, como nos Estados Unidos e na
África do Sul.
No sul dos Estados Unidos, a população negra, entre outras restrições,
era impedida de frequentar as mesmas escolas e utilizar os mesmos banhei-
ros públicos que os brancos. Após vários confrontos, que se intensificaram
a partir de 1955, o movimento negro estadunidense conquistou, na década
de 1960, significativos avanços na efetivação dos direitos civis das popula-
ções afrodescendentes. Esse movimento foi liderado por nomes como o do
pastor e ativista político Martin Luther King Jr. (1929-1968) e do também
ativista político Malcolm X (1925-1965).

PhotoQuest/Getty Images
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL  A Marcha sobre Washington reuniu
Na África do Sul, durante a política do apartheid, regime de segregação racial mais de 250 mil pessoas que
reivindicavam igualdade de direitos
que vigorou de 1948 a 1994, os negros perderam a cidadania e tinham menos
civis para a população negra.
direitos sociais que os brancos. Esse regime só teve fim após décadas de pres- Washington, D.C., Estados Unidos,
são internacional e da ação de organizações como a Liga da Juventude do Con- 1963.
gresso Nacional Africano, que teve no ativista social e político sul-africano
Nelson Mandela (1918-2013) um de seus principais líderes.
No Brasil, embora tenha conquistado a igualdade perante a lei, a popula-
ção negra enfrenta desigualdades cotidianas diversas. De acordo com o Ins-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, a população
negra e/ou parda apresenta as maiores taxas de analfabetismo, o maior
número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza e os mais altos índi- O que é racismo estrutural?
ces de mortalidade por homicídios. Além disso, é a população que apresenta Racismo estrutural é o conceito
as menores taxas de representação política e de ocupação em cargos geren- que indica que a sociedade é
composta fundamentalmente de
ciais. O movimento negro se organiza para combater esse racismo estrutural
instituições e comportamentos
por meio da valorização da cultura afro-brasileira e da reivindicação de ações que reforçam a subjugação dos
afirmativas que possibilitem maior acesso dessa população à educação e ao negros pela população branca.
trabalho digno.

Não escreva no livro. 121


Mídia

O DEBATE SOBRE O RACISMO NAS MÍDIAS


TRADICIONAIS E NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS
CONTEXTO
Em 25 de maio de 2020, na cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos, George Floyd, um
homem negro de 46 anos, foi assassinado por Derek Chauvin, um policial branco. Grande parte
da ação do policial foi filmada por uma testemunha. No dia seguinte, após a publicação e a
ampla divulgação do vídeo nas redes sociais, teve início uma onda de protestos que se espa-
lhou por diversas cidades dos Estados Unidos e do mundo. As principais pautas desses pro-
testos foram a luta contra a violência policial e contra o racismo estrutural.
Nos protestos de rua, os manifestantes tinham em seus cartazes slogans, palavras e frases
que correspondiam às hashtags utilizadas nas redes sociais. Hashtag é uma palavra relacio-
nada a assuntos que podem ser buscados, nas redes, pela inserção do símbolo do sustenido
(#) em frente ao termo, permitindo que todas as publicações relacionadas ao tema sejam mais
facilmente encontradas.
A hashtag #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam), amplamente utilizada durante
a onda de protestos em 2020, foi criada no ano de 2013 em resposta à absolvição do acusado
do assassinato do jovem negro Trayvon Martin. O gráfico a seguir permite a visualização do
aumento do uso da hashtag de janeiro de 2013 a maio de 2018. Perceba que são as mesmas
palavras usadas nos cartazes dos protestos de 2020; note também a semelhança entre os
eventos que provocam o aumento do uso da hashtag: a maioria deles é relacionada direta-
mente com a morte de homens negros pelas forças policiais, o que indica a persistência desse
sintoma do racismo estrutural na sociedade estadunidense.

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
USO DA HASHTAG #BLACKLIVESMATTER EM REDE SOCIAL ENTRE JANEIRO DE 2013 E MAIO DE 2018

DA EDITORA DO BRASIL 7 de julho de 2016


Cinco policiais são mortos
22 de setembro de 2017
O presidente dos Estados Unidos
Número de posts com a hashtag #blacklivesmatter

durante ataque de franco- Donald Trump pede aos donos dos


-atirador a manifestantes times da Liga de Futebol Americano
que protestavam contra a que demitam os jogadores
violência policial na negros que protestam contra a
cidade de Dallas, no Texas. violência polícial durante o hino
nacional.
24 de novembro de 2014
1 400 000
Policial não é indiciado
por atingir e matar o
1 200 000 adolescente negro
Michael Brown.

1 000 000
16 de junho de 2017
Policial acusado 18 de março de 2018
800 000 13 de julho de 2013 de matar o jovem O jovem negro Stephon
George Zimmerman negro Philando Clark é baleado e
é absolvido pela 17 de julho de 2014 Castile é absolvido. morto por policiais de
600 000 morte de Trayvon Sacramento, no estado
O jovem negro
Martin. Eric Garner da Califórnia.
400 000 morre sob
custódia policial.
200 000

0
2013 2014 2015 2016 2017 2018

Fonte: PEW Research Center. Ativismo na era das redes sociais.


Disponível em: www.pewresearch.org/internet/2018/07/11/activism-in-the-social-media-age/. Acesso em: 14 jun. 2020.
DAE

122 Não escreva no livro.


ANÁLISE

Time Inc.
Conforme os protestos de 2020 motivados pela morte de George Floyd
foram se alastrando e tomando maiores proporções nas ruas e redes sociais
digitais, a mídia tradicional (rádio, televisão, jornal, revista etc.) passou a
dedicar espaço considerável à cobertura e discussão do racismo. Observe,
ao lado, um exemplar da revista Time, publicação estadunidense de grande
circulação no país. A foto da capa é de um protesto que ocorreu na cidade
de Baltimore, nos Estados Unidos, contra a violência policial.
O contexto estudado mostra a influência das redes sociais digitais nas
mídias tradicionais e vice-versa. Agora, você vai comparar a maneira com
que um mesmo assunto é tratado nas redes sociais digitais e em veículos
da mídia tradicional. Para isso, reúnam-se em grupos e sigam as etapas.

Etapa 1
•• Escolham uma rede social digital – pode ser a mais usada entre os
membros do grupo – e investiguem quais foram os assuntos mais co-  Capa da revista estadunidense Time,
publicada em 22 de junho de 2020,
mentados nela durante o dia. com a manchete “O despertar tão
aguardado”.
Etapa 2
•• Selecionem um post da rede social e investiguem como o assunto ali discutido foi aborda-
do por uma mídia tradicional.
•• Respondam aos seguintes questionamentos:
a) Quais são os nomes da rede social e do veículo de mídia tradicional selecionados?
b) Quais recursos textuais, auditivos e visuais foram utilizados por cada um?
c) Quais foram as formas de expressão de cada um desses recursos utilizados? Por exem-
plo, seMATERIAL
for um textoDEescrito,
DIVULGAÇÃO
indique se há trechos em diferentes cores ou sublinhados.
Se for umDAvídeo,
EDITORA
repareDO
naBRASIL
posição do enunciador (sentado, de pé, se permanece parado
ou não) e verifique se ele interage com recursos visuais e com outras pessoas. Se for um
áudio, preste atenção na entonação.
d) Quem são os autores desses itens (jornalistas, influenciadores digitais, conhecidos etc.)?
e) Vocês acham que compreenderam com clareza o que os autores desejaram comunicar?
f) Qual nível de credibilidade cada um desses itens transmite?
g) Vocês concordam ou discordam do ponto de vista expresso em cada um dos itens?
Etapa 3
•• Por fim, preparem uma apresentação oral para a turma. Nessa apresentação vocês devem
indicar qual foi o assunto selecionado, bem como as semelhanças e diferenças encontra-
das nas mídias analisadas.

CONCLUSÃO
Após a apresentação de todos os grupos, organizem uma roda e discutam como foi a
experiência de fazer essa comparação, compartilhando quais foram os métodos e ferra-
mentas utilizados para investigar cada uma das mídias e se houve identificação pessoal
com alguma abordagem em particular.

Não escreva no livro. 123


Equidade e interseccionalidade
Nas últimas décadas, nos debates filosóficos mais recentes sobre as condições sociais do
exercício da liberdade, foram incorporados dois conceitos: equidade e interseccionalidade.
Essas ideias revisitam problemas e temas, procurando retomá-los por meio de novos olhares.
O termo equidade se refere à garantia da igualdade entre os indivíduos por meio da adap-
tação de leis e ações de acordo com diferentes necessidades e vivências. Portanto, trata-se
da consideração das reivindicações e condições reais (sociais, econômicas e culturais) de
diferentes grupos nas transformações de instituições e comportamentos. Os trabalhadores,
por exemplo, têm como uma de suas principais pautas denunciar sua situação assimétrica,
em termos de poder e de meios, em relação aos patrões e ao aparelho do Estado. De outra
parte, os coletivos de mulheres discutem uma série de questões particulares enfrentadas
por esse grupo, como assédio, violência doméstica, gravidez e cuidados com os filhos, que
devem ser levadas em conta nas leis, normas e regras sociais.
Já o conceito de interseccionalidade indica o caráter relacional que todas as questões de
desigualdade e de assimetria social implicam. Por exemplo, uma trabalhadora negra que
mora na periferia tem em sua vivência um conjunto de fatores sociais historicamente cons-
tituídos. Portanto, seu convívio com o racismo é moldado também por sua experiência com
o machismo e o classismo, e vice-versa.
Desse modo, cada pessoa tem um ponto de vista e uma experiência desenvolvidos segundo
as peculiaridades de certo momento histórico e de sua comunidade, sua classe, sua etnia e
seu gênero. Somam-se a isso suas condições reais e específicas de vida, que englobam uma
variedade de problemas e situações que posicionam cada indivíduo diante dessas questões.
Esse contexto é o lugar relativo, passível de alteração, que indivíduos e populações ocupam
no controle da organização econômica, social e política da comunidade à qual pertencem.

Ricardo Bastos/Fotoarena
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Manifestação no Dia da Consciência Negra. São Paulo, SP, 2019.

124 Não escreva no livro.


Atividades

1. Leia o texto de Karl Marx e Friedrich Engels, e responda à pergunta no caderno.

[...] Se o proletariado se eleva necessariamente à condição de classe dominante em


sua luta contra a burguesia e, na condição de classe dominante, tira de cena as antigas
relações de produção, então [...] tira também de cena a condição para a existência da opo-
sição entre as classes e para a própria existência dessas classes. E acaba por abolir seu
papel de classe dominante.
No lugar da sociedade burguesa antiga, com suas classes e antagonismos de classe, teremos
uma associação na qual o desenvolvimento livre de cada um é a condição para o desenvolvi-
mento livre de todos.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2013. p. 45.

•• Qual é a relação entre desigualdade e liberdade feita por Marx e Engels nesse trecho?

2. A discussão sobre interseccionalidade e equidade prevê que cada indivíduo é afetado


por seu contexto histórico, social e econômico e por sua sexualidade, seu gênero e seu
tipo corporal.
Leia o texto da filósofa brasileira Djamila Ribeiro (1980-) sobre esse assunto e, em se-
guida, responda às questões no caderno.

Quando falamos de direito à existência digna, à voz, estamos falando de locus social, de como
esse lugar imposto dificulta a possibilidade de transcendência. Absolutamente não tem a ver
com uma visão essencialista de que somente o negro pode falar sobre racismo, por exemplo.
E, mesmo sobre indivíduos do mesmo grupo, [a socióloga estadunidense Patricia Hill] Collins
salienta que ocupar localização comum em relações de poder hierárquicas não implica em se
ter as mesmas experiências, porque a autora não nega a dimensão individual. Todavia, aponta
para o fato de que justamente por ocuparem a mesma localização social, esses indivíduos
igualmente compartilham experiências nessas relações de poder. E seriam essas experiências
comuns aos objetos de análise.
[...] MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar. Porém, o lugar
DA EDITORA DO BRASIL
que ocupamos socialmente nos faz ter experiências distintas e outras perspectivas. [...] Com
isso, pretende-se também refutar uma pretensa universalidade. Ao promover uma multiplici-
dade de vozes o que se quer, acima de tudo, é quebrar com o discurso autorizado e único, que
se pretende universal. Busca-se aqui, sobretudo, lutar para romper com o regime de autoriza-
ção discursiva.
[...]
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? São Paulo: Pólen, 2019. E-book.

a) Cite exemplos de discursos que se pretendem universais. Justifique sua resposta.


b) Você concorda com a ideia de que discursos que se pretendem universais devem ser
combatidos? Explique.
c) Pesquise em jornais, revistas ou sites uma notícia ou um artigo que na sua opinião
apresente um discurso que se pretende universal, e um artigo ou uma notícia que
apresente diferentes vozes e experiências. Apresente os resultados de sua
pesquisa aos colegas e explique as razões que embasaram sua classificação
desses discursos.

Não escreva no livro. 125


DESIGUALDADES NO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO
A urbanização é um conceito relacionado à ampliação espacial das cidades e ao aumento
da população desses locais em relação ao campo. No Brasil, o desenvolvimento desse pro-
cesso muitas vezes incentivou o aprofundamento das desigualdades entre diferentes parce-
las da população e entre as regiões do país.
No final do século XIX, apenas cerca de 10% da população brasileira morava em cidades.
A maior parte dela vivia em áreas rurais, onde se desenvolviam as principais atividades eco-
nômicas, como a produção de açúcar, café e algodão, ou a criação de gado. Porém, nesse
período, diversos fatores começaram a impulsionar o crescimento das cidades no Brasil,
como a abolição da escravidão, a chegada de imigrantes europeus e o desenvolvimento da
indústria, ainda que modesta e voltada quase exclusivamente ao mercado interno.
Buscando resolver os efeitos do crescimento rápido e desordenado, governantes investiram
em reformas em centros urbanos, como Manaus, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Recife,
São Paulo e, principalmente, Rio de Janeiro, que era a capital do país no período. Essas reformas,
inspiradas nos modelos de urbanização europeus, visavam ao embelezamento paisagístico e à
higienização das cidades, tornando-as mais agradáveis para o convívio das elites e melhorando
a imagem do Brasil no exterior. Os trabalhadores e suas famílias, por sua vez, foram forçados a ir
para locais distantes e com pouca ou nenhuma infraestrutura.
O poder aquisitivo e o prestígio social se tornaram fatores determinantes do direito de cada
um à cidade. Certas áreas eram reservadas à habitação e à circulação de ricos, enquanto os pobres
eram marginalizados nas áreas menos urbanizadas. Nessa disposição marcada pela segregação,
tanto o deslocamento quanto o acesso a bens e serviços eram desiguais.

Instituto Moreira Salles


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Rua no centro do Rio de Janeiro, RJ, após reforma urbana, c. 1910. Do lado esquerdo da foto, é possível observar o Theatro Municipal.
Fotografia de Marc Ferrez.

126 Não escreva no livro.


Reformas na capital brasileira
Após a abolição da escravidão, em 1888, muitos ex-escravizados, que não tinham mais
espaço nas zonas cafeeiras, assim como uma massa de imigrantes europeus recém-chega-
dos, se instalaram na cidade do Rio de Janeiro, Distrito Federal e capital do Brasil na época.
Porém, a infraestrutura da cidade não abrigava esse crescimento populacional. As ruas eram
estreitas e tinham acúmulo de entulhos, o que favorecia a proliferação de ratos e insetos
e a disseminação de doenças como febre amarela, leptospirose, febre tifoide, tuberculose e
varíola. Não havia políticas de transporte, saneamento e/ou habitação.
Assim, a massa de recém-chegados se instalou em cortiços. Essas moradias, geralmente
localizadas no centro da cidade, eram antigos casarões divididos em cubículos para abrigar
o maior número possível de famílias, que conviviam com quase nenhum acesso a recursos
de higiene ou saneamento básico.
Em 1902, ao assumir a presidência da República, Rodrigues Alves (1848-1919) propôs
uma reforma no Porto do Rio de Janeiro que acarretaria também a reestruturação de grande
parte da zona urbana. Coube a Pereira Passos (1836-1913), prefeito do então Distrito Fede-
ral, promover essa reforma urbana.
Com o intuito de transformar a capital em símbolo de modernização da jovem república,
Passos deu início a uma reforma que alargou as ruas da cidade, instalou iluminação elétrica
pública e novas linhas de bonde e ergueu pré-
dios de arquitetura suntuosa, como o Theatro
Coleção particular

Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes


e a Biblioteca Nacional.
Milhares de famílias foram despejadas dos
cortiços onde moravam, pois eles seriam demo-
lidos para alargar as ruas. A reforma urbana
acarretou aumento nos preços dos aluguéis
das moradias da cidade, forçando aqueles
que antes viviam nos cortiços a se estabelecer
na periferia ou nos morros do Rio de Janeiro.
Museu da República, Rio de Janeiro

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL  Morro da
Providência, Rio
de Janeiro, RJ,
c. 1920.

 Construções demolidas durante os trabalhos de pavimentação na Avenida Central. Rio de Janeiro, RJ, 1905.
Fotografia de Augusto Malta.

Não escreva no livro. 127


A Revolta da Vacina
Paralelamente às reformas urbanas, Pereira Passos estabeleceu nor-
mas sanitárias mais rígidas, proibindo a criação doméstica de vacas e
porcos e mandando recolher cães soltos nas ruas. Essas ações contribuí-
ram para o descontentamento da população com as mudanças impostas
pela prefeitura. Foi nesse cenário que ocorreu a indicação
do médico bacteriologista Oswaldo Cruz (1872-1917)
para a Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP). Com a
incumbência de sanitizar o Rio de Janeiro, o médico tinha
a autoridade de mandar vistoriar, invadir e até mesmo
demolir moradias consideradas insalubres.
O primeiro objetivo de Oswaldo Cruz foi resolver o pro-
blema da febre amarela, eliminando focos de mosquitos
e isolando pacientes infectados em hospitais. Em seguida,
Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

concentrou-se em resolver os casos de leptospirose por


meio da eliminação dos ratos e de locais onde esses ani-
mais costumavam criar ninhos, como entulhos e porões.
O governo inclusive organizou uma campanha que dava
pagamento em dinheiro aos cidadãos para cada rato cap-
turado e levado às autoridades sanitárias. Mas faltava ainda
lidar com a questão da varíola.
 
A autenticidade dos ratos,
charge publicada no Jornal do Em 1904, foi aprovada uma lei que tornava obrigatória
Brasil em agosto de 1904. a vacinação contra a varíola no Rio de Janeiro. No período,
a doença já era endêmica na cidade, isto é, havia permanentemente o sur-
gimento de novos casos, o que poderia levar a uma epidemia, como de fato
ocorreu anos mais tarde, em 1908. De acordo com a lei, quem deixasse de
tomar a vacina ficava impedido de se matricular em escolas, obter emprego,
viajar ou se casar.
A obrigatoriedade da vacina despertou resistência de parte da população.
As razões para isso foram principalmente a falta de informação sobre a
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
importância da imunização coletiva e os métodos de aplicação violentos uti-
DA EDITORA DO lizados
BRASILpor alguns agentes sanitários. Muitas vezes, os brigadistas eram tru-
culentos com a população pobre e vacinavam indivíduos sem consentimento.
A crescente indignação com os arbítrios do poder público e a alastrada
situação de miséria social levou ao estopim de uma revolta popular:
a Revolta da Vacina. Os envolvidos expressavam-se por meio da formação
Quais são as de barricadas, queima de bondes e em confrontos armados contra as for-
características da varíola? ças governistas.
Também conhecida como
bexiga, a varíola é uma doença
transmitida por um vírus que Publicada a regulamentação [da obrigatoriedade da vacina], já no dia seguinte,
produz, de início, sintomas 10 de novembro, as agitações se iniciavam com toda a fúria que as caracteri-
semelhantes aos da gripe, como
febre e mal-estar. A doença, zaria. Grandes ajuntamentos tomaram a rua do Ouvidor, a praça Tiradentes e
porém, evolui para a formação o largo de São Francisco de Paula, onde oradores populares vociferavam contra
de bolhas na pele e, em cerca de a lei e o regulamento da vacina, instigando o povo à rebeldia. A polícia, infor-
30% dos casos, leva os mada e com determinações expressas de proibir e dispersar quaisquer reuniões
pacientes à morte. Depois de
curadas, algumas pessoas ficam públicas, tratou de prender os oradores improvisados, sofrendo resistência da
com marcas permanentes na população, que a atacava a pedradas. [...]
pele ou até mesmo cegas. SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2018. E-book.

128 Não escreva no livro.


Em 10 de novembro de 1904, a polícia pren-

Acervo Iconographia
deu um grupo de estudantes que se manifes-
tavam contra a vacinação. O grupo recebeu
apoio de outros setores da população, e o movi-
mento em poucos dias ganhou proporções
gigantescas, forçando o presidente a mobilizar
as tropas para conter os revoltosos. Opositores
de Rodrigues Alves tentaram usar o movimento
para alavancar um golpe de Estado, mobilizando
os cadetes da escola militar contra as forças
governistas, mas acabaram fracassando. No
dia 16 de novembro, foi decretado estado de
sítio, a revolta foi contida e a obrigatoriedade
da vacinação foi revogada.  Barricada erguida por moradores do bairro da Gamboa durante a
Revolta da Vacina. Rio de Janeiro, RJ, 1904.

A revista O Malho e a Revolta da Vacina


A revista O Malho, fundada na cidade do Rio de Janeiro em 1902, publicava sátiras de situações políticas brasilei-
ras. Em suas primeiras edições, a política sanitarista de Oswaldo Cruz e a resistência popular à vacinação obrigatória
foram assunto de diversas charges.

Biblioteca da Casa Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Leônidas Freire. Guerra à vacina obrigatória, charge publicada na revista O Malho, em outubro de
1904.

• Com base na leitura da charge, responda às questões no caderno.


a) De que maneira a resistência da população de revoltosos é representada na charge?
b) Elabore uma hipótese sobre quem é Oswaldo Cruz na imagem. Justifique sua resposta.
c) Parte do acervo da revista O Malho está digitalizada no site da Fundação Rui Barbosa, disponível em http://omalho.
casaruibarbosa.gov.br/?lk=15# (acesso em: 2 jun. 2020). Consulte nesse acervo as edições de 1902 a 1904, e
procure charges que representem o processo de higienização e urbanização das cidades brasileiras. Com base
nessa pesquisa, identifique as principais críticas a esse processo.

Não escreva no livro. 129


Conexões

COBERTURA VACINAL
A imunização de doenças pela técnica da vacinação é feita por meio da inoculação de
um preparo biológico elaborado com base em formas enfraquecidas ou partes do micror-
ganismo causador da doença. A vacina estimula o sistema imunológico do ser humano,
que, caso seja exposto a esse microrganismo, será capaz de reconhecê-lo e destruí-lo.
Técnicas de imunização têm sido desenvolvidas há séculos. Há mais de mil anos, povos
orientais já utilizavam a variolização, que consiste em expor propositalmente a pessoa ao
vírus da varíola com a finalidade de imunizá-la. Umas das técnicas mais comuns desse
processo era inserir uma agulha na ferida de um indivíduo doente e depois aplicá-la em
pessoas saudáveis.
No século XVIII essa técnica se popularizou no Ocidente, até o desenvolvimento da
vacina contra a varíola, pelo médico inglês Edward Jenner (1749-1823), no final do mesmo
século. Ele verificou que ordenhadores ficaram imunes à varíola, em meio a um surto da
doença, porque as vacas que ordenhavam estavam contaminadas com um vírus seme-
lhante, mas não fatal. Assim, constatou que o indivíduo que tivesse contato com vírus da
 Placa que representa
o episódio da vaca tornava-se imune ao vírus da varíola. Da expressão em latim Variolae vaccinae (“varíola
descoberta de um da vaca”) surgiu mais tarde o termo vacina. Desde então, cientistas têm desenvolvido vaci-
vírus em vacas nas para diversas doenças, como difteria, tétano, coqueluche, tuberculose, febre amarela,
semelhante ao da
varíola, séc. XVIII. poliomielite, sarampo, hepatite, entre outras.
Vidrado cerâmico
(autor desconhecido).
A vacina foi introduzida no Brasil, em 1804, pelo Marechal Felisberto Caldeira Brant
(1772-1842), mais conhecido como Marquês de Barbacena, que havia
trazido a técnica de Portugal. Mas foi somente no início do século XX,
sob o comando do médico sanitarista Oswaldo Cruz, que teve início
Coleção particular. Fotografia:
Bridgeman Images/Easypix

MATERIAL DE DIVULGAÇÃOa vacinação em massa, em 1904, com o objetivo de promover a


imunização da população contra a varíola.
DA EDITORA DO BRASIL
A erradicação da varíola, anunciada pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) em 1980, chama a atenção para um aspecto
importante da vacinação: sua dimensão coletiva. A doença só parou
de se propagar na ausência de pessoas infectadas. O sarampo, con-
siderado erradicado no Brasil em 2016, voltou a acometer diversos brasi-
leiros dois anos depois, devido à queda no índice de vacinação contra a doença.
Acervo da Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro

Ricardo Moraes/Reuters/Fotoarena

 etirada de
R Produção de
embriões de ovos vacina contra
para a produção da febre amarela
vacina contra febre na Fundação
amarela em 1943. Oswaldo Cruz,
Fotografia de Silvio Rio de Janeiro,
Cunha. RJ, 2017.

130 Não escreva no livro.


Por isso, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), institucionalizado no Brasil em 1975,
tem o propósito de estabelecer ações coordenadas de vacinação em todo o país. Até então,
a vacinação se dava de forma intermitente e apresentava área de cobertura limitada. O obje-
tivo principal do PNI é garantir a maior cobertura vacinal possível para as principais doenças,
mesmo aquelas consideradas já erradicadas no continente, como a poliomielite, para evitar
que ressurjam. Para dar conta desse objetivo, as políticas públicas de saúde se utilizam de
quatro estratégias: vacinação de rotina, dias nacionais de vacinação, campanhas periódicas
e vigilância epidemiológica.

ATIVIDADES
1. Pesquise na internet características e resultados das quatro estratégias das políticas
públicas de saúde para vacinação (vacinação de rotina, dias nacionais de vacinação,
campanhas periódicas e vigilância epidemiológica) e descreva-as.
2. Visite o site do Ministério da Saúde, disponível em: www.saude.gov.br/saude-de-a-z/
vacinacao (acesso em: 2 jun. 2020), e pesquise grupos e faixas etárias que são contem-
plados pelo programa de vacinação no Brasil.
3. Observe na tabela a seguir dados da cobertura vacinal contra a poliomielite no Brasil
entre 2010 e 2019. Depois, responda às questões.

COBERTURA VACINAL: NÚMERO DE DOSES CONTRA


POLIOMIELITE NO BRASIL (2010-2019)

2010 2 861 066

2011 2 918 479


MATERIAL
2012DE DIVULGAÇÃO 2 780 576
DA EDITORA
2013 DO BRASIL 2 934 278

2014 2 810 642

2015 2 852 556

2016 2 513 077

2017 2 508 194

2018 2 516 533

2019 1 506 818

Fonte: MINISTÉRIO da Saúde. Imunizações – Cobertura – Brasil. Disponível em:


http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?pni/cnv/cpniuf.def. Acesso em: 4 jun. 2020.

a) Qual foi o ano com o maior número de doses aplicadas de vacinas contra poliomie-
lite? E qual foi o ano com o menor número?
b) O que esses números podem significar para a saúde pública no Brasil?
c) Que fatores podem dificultar a ampla cobertura vacinal no país?
d) Proponha uma solução para um dos fatores citados no item anterior.

Não escreva no livro. 131


A seca e a limitação da entrada de migrantes nas cidades
O fenômeno da ausência de chuva em determinada região por extenso período de tempo
é conhecido como seca. Desde as últimas décadas do século XIX, a população da cidade de
Fortaleza crescia em função da chegada de migrantes que vinham do interior do Ceará fugindo
das consequências da seca, como a fome. Uma grande seca em particular, ocorrida em 1877,
havia dado forte impulso a esse movimento migratório, de modo que, na virada do século XIX
para o XX, Fortaleza contava com a sétima maior população urbana do país.
Coleção particular

Cartão-postal com a imagem da cidade de Fortaleza, CE, em 1910.

Em 1915, como parte de uma série de medidas higienistas, o então governador do Ceará
Benjamin Liberato (1859-1933) mandou construir um campo, na zona oeste da capital, que abri-
gasse esses migrantes e os impedissem de chegar e se instalar em Fortaleza. Conhecido como
MATERIAL
Alagadiço,DE DIVULGAÇÃO
o campo operou durante todo o ano de 1915, sendo fechado em dezembro.
DA Mais
EDITORA
tarde,DO
emBRASIL
1932, a região foi castigada com uma seca intensa e o governo do Estado
do Ceará retornou à política de criação de campos para deter as migrações do interior para a
capital. Dessa vez foram criados sete campos, instalados nas proximidades de linhas de trem.
Os migrantes que se dirigiam a Fortaleza eram interceptados nas estações e encaminhados
aos campos, com a promessa de trabalho, comida e moradia. Geralmente, nas proximidades
dos campos havia alguma construção que demandava mão de obra.
O índice de mortalidade nos campos de concentração era alto, por causa da fome ou de
doenças contraídas em função das más condições sanitárias. Existem poucos registros e
pesquisas sobre esses campos, mas estima-se que cerca de 90 mil pessoas tenham morado
neles entre 1932 e 1933. Destas, algumas milhares morreram.
O munícipio de Senador Pompeu, no Ceará, é importante para a memória desses campos
no Nordeste, pois é o único local onde ainda se encontram vestígios materiais desses assen-
tamentos. O município abriga o prédio da administração de uma companhia inglesa que se
utilizava do trabalho dos migrantes cerceados nesses campos. Das janelas desse prédio, eram
entregues porções de comida aos trabalhadores na forma de punhados de farinha, rapadura,
sal, café e, eventualmente, algumas bolachas. Os migrantes que viviam nesses campos geral-
mente vestiam roupas feitas de saco de farinha, tinham os cabelos raspados e não dispunham
de condições de se higienizar.

132 Não escreva no livro.


Camila Lima/SVM/G1

 Ruínas da sede da companhia inglesa que explorava o trabalho dos migrantes no campo de Senador Pompeu,
CE, 2019.

O quinze
O primeiro romance da escritora cearense Rachel de Queiroz (1910-2015), intitulado O quinze, foi publicado em
1930. Nessa obra, Queiroz conta a história de uma família que, em 1915, decide migrar para Fortaleza fugindo da se-
ca que afligia sua região. Em determinado momento de sua jornada rumo à capital, a família é levada para um campo
de migrantes. Conheça um trecho da obra:

Nesse mesmo dia, à tarde, tomaram o trem para cidade.


[…]
No mesmo atordoamento chegaram à Estação do Matadouro.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
E, sem saber como, acharam-se empolgados pela onda que descia, e se viram levados através da praça de areia, e
andaram por um calçamento pedregoso, e foram jogados a um curral de arame onde uma infinidade de gente se mexia,
DA EDITORA DO BRASIL
falando, gritando, acedendo fogo.
Só aos poucos se repuseram e se foram orientando.
Cordulina acomodou-se como pôde, ao lado do cajueiro onde tinham parado.
[...]
Chico Bento olhava a multidão que formigava ao seu redor.
Na escuridão da noite que se fechava, só se viam vultos confusos, ou alguma cara vermelha e reluzente junto a um
fogo.
[...]
E estendendo a vista até muito longe, até aos limites do Campo de Concentração, onde os fogos luziam mais espa-
lhados, o vaqueiro sacudiu na boca uma mancheia de farinha que lhe oferecia a mulher, e procurando quebrar entre
os dedos um canto de rapadura, murmurou de certo modo consolado:
– Posso muito bem morrer aqui; mas pelo menos não morro sozinho...
[…]
Foi Conceição quem os descobriu, sentados pensativamente debaixo do cajueiro: Chico Bento com os braços cru-
zados, e o olhar vago, Cordulina de cócoras segurando um filho, e um outro menino mastigando uma folha […].
E a moça, todos os dias, na confusão de gente que ia chegando ao Campo, procurava descobrir aquelas caras conhe-
cidas […].
QUEIROZ, Rachel de. O quinze. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2012. E-book.

Não escreva no livro. 133


Desenvolvimentismo, industrialização e cerceamento
de liberdades
Nos anos 1930, quando o Estado começou a investir em uma indústria
nacional de base, ocorreu crescimento significativo das cidades e a formação
de uma classe média urbana. A partir dos anos 1950, com a política desen-
volvimentista do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), que buscava
acelerar o processo de industrialização, houve a massificação do consumo
no Brasil. Automóveis e eletrodomésticos, que antes eram artigos de luxo
reservados às classes mais altas, começaram a fazer parte do cotidiano da
classe média das grandes cidades. A industrialização foi responsável por um
grande crescimento das cidades do centro-sul do país, como São Paulo e
Rio de Janeiro. Enquanto isso, as áreas rurais passavam por um processo de
mecanização da agricultura, que reduziu o número de empregos no campo
e aumentou a concentração fundiária. Por isso, milhões de pessoas abando-
naram a zona rural e migraram para as cidades, no fenômeno conhecido
como êxodo rural.
Contudo, as cidades também não apresentavam condições de trabalho
justas. As indústrias ofereciam um regime de remuneração reduzido, ao
Por que os índices de
inflação eram altos? mesmo tempo que os índices de inflação cresciam no país. Com salários
A desvalorização da moeda baixos, que não acompanhavam a alta dos preços, as condições de vida
brasileira cresceu por causa da de grande parte dos trabalhadores eram cada vez mais precárias. Dessa
política desenvolvimentista maneira, o progresso industrial aprofundou as desigualdades sociais no
iniciada na década de 1950.
O governo passou a emitir mais
Brasil, aumentando os índices de pobreza e de concentração de renda.
dinheiro e fazer empréstimos Em 1961, João Goulart (1919-1976) chegou à presidência do Brasil e
externos para investir nas iniciou um processo de consolidação das chamadas reformas de base. O
empresas estatais e privadas
e na construção de obras objetivo das reformas era diminuir a desigualdade social no Brasil. Para
públicas. isso, diversas iniciativas foram planejadas: maior interferência do Estado
na economia, controle da influência do capital estrangeiro, e reformas
bancárias, administrativas, agrárias e urbanas. Porém, as propostas das
reformas de base causaram grande desconforto em latifundiários, empre-
sários, banqueiros e alas mais conservadoras da política brasileira. Pro-
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
postas e anteprojetos de lei conectados às reformas de base, como a
DA EDITORA DO desapropriação
BRASIL de imóveis por interesse social, foram rejeitados pelo
Congresso Nacional, e João Goulart foi deposto do poder por um golpe
militar, em 31 de março de 1964.
Acervo Iconographia

 Multidão reunida na Central do Brasil


em comício, convocado por João
Goulart, pela defesa das reformas de
base. Rio de Janeiro, RJ, 1964.

134 Não escreva no livro.


O golpe iniciou no Brasil o período de Ditadura Civil-Militar (1964-1985), que, como já
foi estudado, foi marcado pela restrição da liberdade política dos cidadãos brasileiros.
Na economia, o regime se beneficiou do apoio do empresariado, que continuou investindo
na industrialização brasileira, e da entrada de capital externo. Essa conjectura causou a
impressão de um “milagre econômico”, que era demonstrado por elevadas taxas do Pro-
duto Interno Bruto (PIB), sobretudo durante o governo de Emílio Garrastazu Médici (1905-
1985).
Contudo, o “milagre” foi construído com base em uma política de endividamento externo
e arrocho salarial dos trabalhadores. Em 1960, 17% da renda nacional era representada
pela faixa dos mais pobres; ao final do regime militar, no começo da década de 1980, essa
taxa era de apenas 12%. Além disso, foram feitos baixos investimentos nas áreas de saúde
e educação, aprofundando desigualdades sociais:

A Constituição de 1967, aprovada durante a ditadura, trouxe duas alterações que mudariam
o rumo da política educacional brasileira.
Primeiro, desobrigou o investimento público mínimo no setor.
No governo anterior, de João Goulart, a legislação previa que a União tinha de investir pelo
menos 12% do PIB em educação. Além disso, obrigava Estados e municípios a alocarem 20% do
orçamento na área de educação.
Em 1970, esse percentual foi para 7,6% do PIB, caiu para 4,31% em 1975, se recuperou um
pouco e atingiu 5% em 1978.
Segundo, os militares abriram o ensino para a iniciativa privada, principalmente no ensino
superior.
[...]
Especialistas em educação tendem a atribuir a piora em serviços públicos em várias partes
do mundo a medidas que incentivam a migração da classe média para a rede privada, deixando
a rede pública desprovida da pressão política por melhorias tradicionalmente feita pela classe
média escolarizada e ciente de seus direitos.
BARRUCHO, Luis. 50 anos do AI-5: Os números por trás do “milagre econômico” da ditadura no Brasil. BBC News
Brasil, 13 dez. 2018. Disponível em: www.bbc.com/portuguese/brasil-45960213. Acesso em: 18 jul. 2020.

A máquina da repressão e da censura estatal ditatorial

Coleção particular
MATERIAL
tentava impedir DE DIVULGAÇÃO
a manifestação e a organização dos traba-
DA EDITORA
lhadores nos sindicatos, DO BRASIL
assim como buscava divulgar, por
meio de propagandas, os aparentes benefícios do “milagre
econômico”. A repressão e o cerceamento das liberdades de
expressão e organização foram métodos que sustentaram
essa política econômica durante o regime.
Durante o período do “milagre econômico”, na década
de 1970, cerca de 10 milhões de pessoas migraram do
campo para a cidade. A combinação do grande influxo de
pessoas em busca de empregos nas indústrias com o arro-
cho salarial e o aprofundamento das desigualdades sociais
impulsionou a expansão das áreas de periferia, locais caren-
tes de políticas públicas e da atenção do Estado.

Campanha para a Semana da Pátria com o slogan


“Ninguém mais segura este país”, 1970. Cartazes
como esse eram utilizados para propagar a noção
de milagre e progresso econômico no Brasil
durante a Ditadura Civil-Militar.

Não escreva no livro. 135


Atividades

1. Em novembro de 1918, a Revolta da Vacina foi contida, porém, de acordo com o his-
toriador brasileiro Nicolau Sevcenko (1952-2014), o fim da revolta não acabou com a
perseguição policial voltada à população dos morros:
Um dos aspectos que mais chamam a atenção no contexto da Revolta da Vacina é o caráter
particularmente drástico, embora muito significativo, da repressão que ela desencadeou sobre
as vastas camadas indigentes da população da cidade.
[...]
Essa repressão brutal e indiscriminada não se restringiu aos dias que se sucederam ime-
diatamente ao término do motim. Segundo denúncia de Barbosa Lima na Câmara, ela se ar-
rastou tragicamente “por dias, por meses”. [...]
A violência policial se distingue não só pela sua intensidade e amplitude, mas sobretudo pelo
seu caráter difuso. Não importava definir culpas, investigar suspeitas ou conduzir os acusados aos
tribunais. O objetivo parecia ser mais amplo: eliminar da cidade todo o excedente humano poten-
cialmente turbulento, fator permanente de desassossego para as autoridades. [...]
SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2018. E-book.

a) Segundo Sevcenko, qual foi o objetivo da repressão policial nesse cenário?


b) De que maneira essa repressão e o cerceamento de liberdades se relacionavam com
o projeto de reforma urbana da cidade do Rio de Janeiro?
2. Analise as imagens a seguir e relacione-as aos conceitos de êxodo rural, política desen-
volvimentista e milagre econômico.

1958
https://www.geoportal.com.br/memoriapaulista/

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
2020

I magens de satélite, de 1958


e 2020, da comunidade de
Google Earth

Paraisópolis, localizada na
periferia de São Paulo, SP.

3. Nesta unidade, você estudou a reforma urbana realizada no Rio de Janeiro no começo
do século XX. Faça, agora, uma pesquisa na biblioteca da escola e na internet sobre
reformas urbanas no século XX em outras cidades do país, como Manaus, Belém,
Porto Alegre, Curitiba e Recife. Para isso, escolha uma cidade e procure responder às
seguintes perguntas:
a) Qual era o projeto de reforma urbana e quem foram seus idealizadores?

136 Não escreva no livro.


b) Quais áreas da cidade foram afetadas por esse projeto e de que forma?
c) Esse processo beneficiou igualmente as parcelas da população ou provocou desi-
gualdades no espaço urbano? Explique.
d) É possível observar os impactos desse projeto na cidade ainda hoje? De que maneiras?

Pensamento computacional
4. O tombamento do prédio da Companhia Inglesa, em Senador Pompeu, em 2019, foi uma
forma de preservar a memória dos campos de migrantes que existiam em Fortaleza nas
primeiras décadas do século XX. O prédio é o único vestígio material desse momento da
história da cidade e dessas pessoas.
Reúna-se com quatro colegas para selecionar um elemento material ou imaterial que
vocês desejam preservar/tombar na cidade onde vivem. Para isso, vocês vão decompor
o problema, ou seja, dividir essa tarefa em partes menores, construindo soluções espe-
cíficas para cada uma dessas partes por meio de algoritmos, processos que descrevem
a solução detalhada de um problema ou tarefa passo a passo.
Para resolver esse problema, vocês vão precisar:
•• fazer um levantamento de bens materiais e imateriais da cidade onde vivem e que
tenham relevância para vocês;
•• estabelecer critérios para a seleção de um desses elementos;
•• selecionar um elemento.
Veja o passo a passo de cada um desses itens:
Etapa 1: Levantamento
•• Cada membro do grupo deve citar um bem material e um bem imaterial da cidade que
julgue importantes para a história/memória do local.
•• Um dos membros do grupo anota cada um dos elementos citados em uma folha de
papel sulfite.
•• Embaixo de cada elemento, o grupo deve citar e registrar duas razões da importância
MATERIAL
dele para DE DIVULGAÇÃO
a cidade.
DA EDITORA DO BRASIL
Etapa 2: Estabelecimento de critérios
•• Façam uma lista de itens que o elemento deve cumprir para ser selecionado. Por
exemplo:
— Não é tombado.
— Representa a memória de um grupo marginalizado na história da cidade.
— Possui valor artístico e/ou arquitetônico.
— Precisa da proteção do tombamento para se manter preservado.
•• Para chegar a essa lista, consultem o site do Iphan, disponível em http://portal.iphan.
gov.br/pagina/detalhes/126 (acesso em: 8 jun. 2020), para entender as diferentes
categorias de tombamento e os detalhes desse processo.
Etapa 3: Seleção
•• Com a lista de critérios e o levantamento de bens em mãos, o grupo deve verificar quais
dos elementos atende ao maior número de critérios.
•• Em caso de empate, o grupo pode dar peso aos diferentes critérios da lista, ou seja,
verificar quais são os mais importantes e, com base nessa classificação, fazer a
seleção.

Não escreva no livro. 137


DESIGUALDADE ECONÔMICA
O que é ser livre em um sistema capitalista? Todas as pessoas têm acesso a tudo de que
precisam para sobreviver? O funcionamento do sistema capitalista já passou por diferentes
configurações. No século XVIII, o liberalismo econômico, idealizado pelo filósofo e economista
britânico Adam Smith (1723-1790), defendia o comércio livre no capitalismo, sem a inter-
venção do Estado. Ou seja, o fluxo de compra e venda de mercadorias era regido pela livre
concorrência e pela lei da oferta e da procura. Dessa forma, o mercado atuava como uma
“mão invisível”, fornecendo sozinho o equilíbrio necessário para o progresso econômico e
impulsionando toda a sociedade para se desenvolver individual e coletivamente.
Em contrapartida, de acordo com Karl Marx e Friedrich Engels, o funcionamento desse sistema
capitalista exigia que a desigualdade entre as classes fosse sempre mantida, pois a existência
de um trabalhador sem a posse dos meios de produção e que tivesse que vender sua força de
trabalho para conseguir sobreviver era parte integrante do capitalismo. Sem o trabalho do pro-
letário, o dono dos meios de produção não conseguiria extrair a mais-valia e, com isso, ter lucros.
De acordo com a teoria marxista, mais-valia é o desequilíbrio entre o valor do salário pago para
o trabalhador e o valor do trabalho em si.

Capitalismo monopolista
No final do século XIX e início do século XX, grandes corporações passaram a dominar mercados utilizando-se de
artifícios desleais ao livre mercado, quebrando a livre concorrência e impedindo que pequenas empresas tivessem
chance de competir com seus produtos. Tratava-se de ações do capitalismo monopolista, o qual pode atuar nas seguin-
tes configurações:
• Trustes: acontece quando duas empresas, do mesmo ramo de atividade ou de áreas diferentes, unem-se para
dominar o mercado. Elas formam uma única companhia e adquirem pequenas empresas, exercendo controle total
do mercado. Além de diminuírem a concorrência, essas empresas também buscam expandir seus mercados para
novas atividades.
• Cartéis: são uniões secretas entre empresas do mesmo ramo de atividades que, juntas, decidem os preços de venda
de seus produtos a fim de assegurar seus lucros, sem que haja concorrência real entre elas. As empresas que não
fazem parte desse cartel ficam impossibilitadas de concorrer com seus produtos no mercado.
• Holdings: MATERIAL
se dá quandoDE DIVULGAÇÃO
uma companhia forma um grande conglomerado de empresas de diferentes áreas, com
uma única administração central.
DA EDITORA DO BRASIL
 Na década de 1920,
formou-se um dos
primeiros cartéis globais,
em que empresas se
reuniram e decidiram
diminuir a vida útil das
lâmpadas. Na foto, uma
antiga fábrica de
produção de lâmpada.
Brimsdown, Reino Unido,
1932.
Fox Photos/Getty Images

138 Não escreva no livro.


Crises do sistema capitalista
Por muitos anos, grande parte dos países do Ocidente adotou a política
econômica proposta por Adam Smith. Porém, esse cenário mudou em 1929,
em decorrência da crise econômica provocada pela quebra da Bolsa de Valo-
res de Nova York.
Os Estados Unidos haviam se beneficiado da crise econômica que aco-
meteu os países europeus após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e,
no início da década de 1920, eram a maior potência industrial do mundo.
Por isso, uma euforia de consumo tomou conta do país, criando o American

Fotosearch/Getty Images
way of life (“jeito americano de viver”, em português). Esse estilo de vida,
que associava fortemente consumo a felicidade, impelia os estadunidenses
a adquirir o maior número de produtos industrializados possível.
Porém, no final da década de 1920, as economias europeias começaram
a se recuperar e passaram a importar menos produtos dos estadunidenses.
A queda do número de importações criou uma crise de superprodução no
país. Ou seja, havia mais produtos do que compradores no mercado. Com
isso, os preços dos produtos caíram e, para cortar custos da produção, diver-
sas indústrias demitiram grande número de funcionários.
A crise atingiu seu ápice em 24 de outubro de 1929, quando diversos
investidores tentaram vender na Bolsa de Nova York, ao mesmo tempo, ações
de empresas que estavam falindo em razão da queda do consumo. Sem
compradores disponíveis, a Bolsa “quebrou”, anunciando o colapso do libe-  Anúncio publicitário, veiculado em
1929, de uma rede de mercearias.
ralismo econômico, pois o Estado teve que intervir na economia para recu- A publicidade era um dos principais
perá-la. A crise causou desemprego em massa, chegando à taxa de 27% de métodos de divulgação do
desempregados nos Estados Unidos. American way of life.

Visual Studies Workshop/Getty Images


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Fila de pessoas aguardando distribuição de pães. Nova York, Estados Unidos, 1930.

Não escreva no livro. 139


Em 1933, Franklin D. Roosevelt (1882-1945) foi eleito ao cargo de presidente dos Estados
Unidos. Em seu governo, Roosevelt estabeleceu o New Deal (“Novo acordo”, em português),
um programa de recuperação econômica que consistia, entre outras medidas, no investimento
em obras de infraestrutura no país, o que gerou empregos e aumento de salários. O retorno
da estabilidade econômica estadunidense se deu graças a esse programa.

Everett Collection/Fotoarena
 A realização de obras de infraestrutura para gerar novos empregos foi uma das principais propostas do New Deal.
Na foto, construção de Represa Hoover, entre os estados de Nevada e Arizona, Estados Unidos, 1932.

Portanto, o liberalismo deu lugar ao Estado de Bem-Estar Social, ou seja, uma política em
que o Estado interfere na economia a fim de garantir aos cidadãos o acesso aos bens básicos,
como saúde, educação, cultura e emprego. Tal política se consolidou na Europa com o fim da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), como forma de recuperar a economia desses países
com o fim das perdas causadas pelo conflito.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Na década de 1970, duas crises do petróleo, em 1973 e em 1979, trouxeram novos desafios
DA EDITORA
ao mundo DO BRASIL
capitalista. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) aumentou o
preço do barril de petróleo, item essencial à sociedade industrial, por quatro
H. Armstrong Roberts/ClassicStock/Getty Images

vezes, enquanto o dólar perdia valor em relação ao preço do ouro, provocando


recessão nos países industrializados e, consequentemente, desemprego e
hiperinflação (alta de preços).
Essa crise levou diversos países a adotar o neoliberalismo como forma de
reestruturação do capital. Nessa doutrina, volta-se a defender a liberdade
do mercado e a menor intervenção do Estado na economia. São caracterís-
ticas do neoliberalismo: a reestruturação produtiva, privatizações aceleradas
(vendas de empresas estatais para o setor privado), enxugamento do Estado,
ou seja, diminuir os investimentos do país na máquina pública, e políticas
fiscais e monetárias ditadas por órgãos internacionais de hegemonia do
capital, como o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Para os críticos do neoliberalismo, a desigualdade social nessa política se
estabelece como consequência da grande concentração de renda dos mais
 Placa em posto de gasolina ricos em detrimento dos mais pobres. Tal concentração seria incentivada
em que se lê: “Desculpe… pela redução dos gastos públicos com a população, diminuição de direitos
Temporariamente sem gasolina”.
Estados Unidos, 1973. trabalhistas e redução de salários.

140 Não escreva no livro.


Trabalho infantojuvenil
Relações de trabalho desiguais, abusivas e/ou ilegais

Lewis Wickes Hine/Library of Congress/Corbis/VCG/Getty Images


ainda podem ser encontradas dentro do sistema capitalista.
Existe atualmente, por exemplo, um contingente expressivo
de crianças e adolescentes que trabalham, fator que vai
contra diversas leis trabalhistas pelo mundo.
Durante a Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX,
o trabalho infantojuvenil era comum nas fábricas. O cenário
começou a mudar no século XX. Em 1959, a Declaração dos
Direitos da Criança foi adotada pela Organização das Nações
Unidas (ONU), constando em seus princípios fundamentais
uma cláusula que faz referência à idade mínima para o ingresso
em atividades produtivas. A Organização Internacional do
Trabalho (OIT) editou, em 1973 e 1999, respectivamente, a
Convenção 138, que prevê a idade mínima para o trabalho,
e a Convenção 182, que reconhece a necessidade de com-  Crianças trabalham em fábrica têxtil. Cherryville, Estados
bater as formas mais depreciativas de trabalho infantil. Ambas Unidos, 1899.
foram ratificadas por muitos países, inclusive o Brasil.
Porém, ainda existem formas ilegais de apropriação do trabalho infantojuvenil em diversos
países do mundo. A miséria e a desigualdade social, que potencializam o grau de vulnerabi-
lidade em tenra idade, presente e crescente nos países em desenvolvimento, normalizam o
trabalho infantojuvenil.
De acordo com a Constituição federal brasileira de 1988, a idade mínima para trabalhar
no país é de 16 anos; porém, de acordo com dados do IBGE, em 2016 existiam 40 milhões
de pessoas entre 5 e 17 anos exercendo alguma atividade produtiva.
A mão de obra infantojuvenil é utilizada nos mais diversos setores, com destaque para as Sisal: planta de
atividades agrícolas, em práticas como o corte e colheita da cana-de-açúcar e a produção de onde se extrai a
carvão vegetal e do sisal. Nessas atividades, os trabalhadores podem ter contato direto com fibra que leva o
mesmo nome.
agrotóxicos, que potencializam doenças alérgicas, respiratórias e dermatológicas, e têm de
manipular instrumentos cortantes como facões.
No meio urbano, crianças e adolescentes executam diversas atividades, desde a venda de
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
produtos e serviços em cruzamentos até a participação na rede do tráfico de drogas. Porém,
DAmais
a atividade que EDITORA DO BRASIL
se destaca na absorção ilegal de trabalho infantojuvenil é o trabalho
doméstico. Por isso, a OIT destaca, com frequência, nas celebrações do Dia Mundial Contra
o Trabalho Infantil (12 de junho), a questão do trabalho infantil doméstico. Tal prática é
desenvolvida na privacidade das residências, o que dificulta a fiscalização e o controle e dá
espaço para a ocorrência de exploração e abusos.

 Segunda
Filipe Bispo/Fotoarena

marcha contra o
trabalho infantil
em Belém, PA,
2020.

Não escreva no livro. 141


Escravidão contemporânea
De acordo com o Índice global de escravidão publicado em 2018, existiam, naquele ano,
cerca de 40,3 milhões de pessoas sujeitas a trabalho escravo no mundo. O termo escravidão
contemporânea se refere a situações em que uma pessoa é submetida ao trabalho forçado
por coerção, abuso de poder, violência ou fraude. O conceito agrega diferentes elementos e
ramificações desse tipo de trabalho, como servidão por dívida, trabalho infantil, casamentos
forçados e tráfico de seres humanos.
A maioria dos governos do mundo possui legislações que proíbem o trabalho escravo, mas
ele continua existindo em grande parte dos países e está presente em diversos produtos
consumidos por todos nós. Atualmente, os setores que mais fazem uso de trabalho escravo
são as atividades ligadas à produção de aparelhos eletroeletrônicos e roupas, e práticas como
a pesca, a pecuária e o cultivo de cacau e da cana-de-açúcar.
As maiores vítimas desse tipo de trabalho são as mulheres. Segundo o Índice global de
escravidão, cerca de 71% das pessoas escravizadas no mundo são do gênero feminino e 29%
são do gênero masculino.

Trabalho escravo contemporâneo no Brasil


A condição de vulnerabilidade social, econômica, política, física e psicológica que leva milhões de pessoas a serem
escravizadas no planeta também está presente no Brasil.
O Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas elabora e organiza diferentes estatís-
ticas e dados sobre o trabalho forçado no país. Também fornece informações sobre as formas de proteção social às
quais os trabalhadores resgatados de regimes análogos à escravidão têm direito.
Com base em dados do observatório, o mapa a seguir identifica a prevalência das vítimas do trabalho escravo con-
temporâneo que foram resgatadas, entre os anos de 2003 e 2018, em diferentes estados brasileiros.

• Observe o mapa e faça o que se pede.

Mapa: Allmaps
PREVALÊNCIA DE PESSOAS RESGATADAS DO
a) Responda de acordo com a leitura do TRABALHO ESCRAVO POR ESTADO (2003-2018)
– 50° O
mapa: quais são os estados com a maior
e a menor quantidade de vítimas resga-
Boa
Vista
RORAIMA AMAPÁ

tadas do trabalho escravo? Justifique Equador Macapá


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
sua resposta. Manaus
Belém São Luís

Fortaleza

DA EDITORA
em grupos eDO BRASIL na
RIO GRANDE
b) Reúnam-se
Teresina
pesquisem,
AMAZONAS MARANHÃO DO NORTE
PARÁ CEARÁ Natal

página da internet do Observatório da Erra-


PARAÍBA João Pessoa
PIAUÍ
PERNAMBUCO Recife
ACRE
dicação do Trabalho Escravo e do Tráfico
ALAGOAS
Rio Porto Palmas Maceió
Branco Velho SERGIPE

de Pessoas, disponível em: https://smartla-


TOCANTINS Aracaju
RONDÔNIA BAHIA
MATO GROSSO
bbr.org/trabalhoescravo (acesso em: 30
Salvador
DISTRITO
Cuiabá FEDERAL
maio 2020), informações sobre o perfil das Brasília
Goiânia
OCEANO
MINAS ATLÂNTICO
vítimas do trabalho escravo (atividade pro-
GOIÁS
GERAIS
OCEANO ESPÍRITO SANTO
dutiva ocupada, raça, gênero, escolaridade N MATO GROSSO
DO SUL
PACÍFICO Belo
Horizonte
Vitória
Campo Grande
e idade). Registrem os resultados da pes-
SÃO PAULO RIO DE JANEIRO
O L Rio de Janeiro
Trópico de Capricórnio

quisa no caderno. PARANÁ


Curitiba
São Paulo
Pessoas resgatadas
do trabalho escravo
c) Estabeleçam uma relação entre os estados
S SANTA CATARINA
Florianópolis
Maior quantidade
que têm a maior quantidade de resgatados
RIO GRANDE
0 815 1 630 km DO SUL
Porto Alegre

do trabalho escravo e as informações pes- 1 : 81 500 000


Menor quantidade
quisadas sobre o perfil dos trabalhadores
escravizados. Fonte: OBSERVATÓRIO da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Resgatados do trabalho escravo. Disponível em: https://smartlabbr.org/
d) Ainda no site do observatório, pesquisem trabalhoescravo/localidade/0?dimensao=prevalencia. Acesso em: 30 maio 2020.
como são organizadas as operações de
resgate e ações de enfrentamento ao trabalho escravo no município em que vocês moram.

142 Não escreva no livro.


Atividades

1. Sobre o capitalismo monopolista, faça o que se pede:


a) Procure pela palavra monopólio no dicionário. Depois, no caderno, escreva o signifi-
cado com suas palavras.
b) Pesquise quais empresas no Brasil exercem monopólio sobre um processo de pro-
dução. Registre o nome das empresas no caderno, explicando de que maneira cada
uma desenvolve esse monopólio.
c) Com base nas informações pesquisadas, escreva um texto com o seguinte tema: as
consequências da formação de monopólios para a liberdade econômica.
2. Relacione a imagem abaixo com a crise de superprodução, em 1929, e a transição do
liberalismo econômico para o Estado de Bem-Estar Social pelos Estados Unidos.

Akg-Images/Album/Fotoarena

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Multidão em frente à Bolsa de Valores de Nova York no dia de sua quebra. Nova York, Estados Unidos, 1929.

3. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da ONU, em 2019 a po-


pulação 1% mais rica do Brasil concentrava 28,3% da renda total do país. É a segunda
porcentagem mais alta do mundo de concentração de renda, perdendo somente para o
Catar, país localizado no Oriente Médio. Faça uma pesquisa na internet sobre as razões
que levaram o Brasil a ter esse alto índice de concentração de renda. Para isso, investigue:
•• as atividades econômicas praticadas pela população 1% mais rica no Brasil e a histó-
ria dessas práticas no país;
•• as consequências dessa concentração de renda para o restante da população brasileira;
•• os países com os menores índices de concentração de riqueza e a comparação de suas
práticas econômicas e sociais com as do Brasil;
Após essa investigação, escreva um texto explicando as razões dessa concentração de
renda e propondo ações para revertê-la.

Não escreva no livro. 143


AS CIDADES BRASILEIRAS E A DESIGUALDADE
SOCIOECONÔMICA
Existem diversas definições para o conceito de cidade, porém de modo geral seus aspec-
tos principais são a ocupação de determinado espaço na superfície terrestre, de forma aden-
sada, contando com uma série de infraestruturas e marcada por uma paisagem característica.
A interação entre os aspectos naturais e as atividades técnicas decorrentes do conhecimento
humano modifica a cidade. Dessa forma, ela está em constante transformação.
O processo de urbanização brasileiro se intensificou ao longo do século XX, principal-
mente com o desenvolvimento da atividade industrial nas áreas urbanas.
Uma consequência da urbanização foi o crescimento da especulação imobiliária. Nesse
processo, terrenos e bens imobiliários adquiridos não são vendidos imediatamente, pois os
proprietários aguardam sua valorização no mercado.
No início da intensificação do processo de urbanização, sobretudo no Sudeste, houve valo-
rização dos loteamentos próximos ao centro da cidade, por causa de sua localização (perto
do local de trabalho de muitas pessoas) e sua infraestrutura (meios de transporte, hospitais,
comércio, locais de lazer etc.). Com a especulação, registrou-se aumento dos preços dos
aluguéis e imóveis, além do encarecimento do custo de vida nesses locais. Assim, alguns
antigos moradores e migrantes recém-chegados tiveram de buscar lugares menos custosos
para viver, dirigindo-se para a periferia da cidade.
A expansão da especulação imobiliária levou a um significativo adensamento humano da
região periférica da cidade. No entanto, seu rápido crescimento não foi acompanhado pelo
devido planejamento urbano.

Eduardo Zappia/Pulsar Imagens


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

 Vista de drone da comunidade do Vidigal. Rio de Janeiro, RJ, 2019. Na foto, é possível observar a intensa concentração populacional em
uma área periférica da cidade.

144 Não escreva no livro.


Por causa do crescimento populacional descontrolado

Ricardo Teles/Pulsar Imagens


e da falta de planejamento urbano, as áreas periféricas
apresentam algumas deficiências estruturais, como
eventual ausência de fornecimento de água tratada e
serviço de coleta de esgoto, transporte público insufi-
ciente, irregularidade na coleta de lixo etc.
Esse processo avançou de forma mais intensa pelo
Sudeste, área pioneira no processo de industrialização,
onde a urbanização ocorreu de forma desenfreada e
sem planejamento. Porém, não demorou para que essa
lógica de urbanização desigual se espalhasse por outras
regiões brasileiras.
 Esgoto a céu aberto em comunidade. Anapu, PA, 2019.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD), em 2015, cerca de 18,7 milhões de domicílios urbanos não contavam
com nenhum dos três serviços básicos de saneamento (coleta de lixo, acesso à rede de esgoto
e água encanada). Também existia uma desigualdade regional na distribuição desses servi-
ços. Na Região Norte, por exemplo, somente 23,6% das residências urbanas contavam com
os três serviços, enquanto no Sudeste esse percentual chegava a 93,1%.
A submoradia também é um problema nas áreas urbanas periféricas. São habitações
construídas com materiais inadequados, muitas vezes inseridos em ambientes que oferecem
risco aos moradores, como várzeas de rios e encostas de morros.
A periferia urbana se encontra, muitas vezes, longe dos locais de trabalho e/ou estudo de
seus moradores. Portanto, eles precisam se deslocar diariamente para outros bairros ou
cidades para acessar locais de trabalho ou estudo, e acabam passando muito tempo fora de
suas residências, retornando a elas basicamente ao final do dia. Diante dessa característica,
alguns bairros e cidades são conhecidos como dormitórios.
O distrito de Cidade Tiradentes, na cidade de São Paulo, pode ser considerado um bairro-
-dormitório, pois é o local com o maior número de conjuntos habitacionais da América Latina,
mas a maioria de seus moradores se desloca para trabalhar em outras regiões da cidade.
Devido à distância entre casa e trabalho, muitos moradores da periferia enfrentam dificul-
dades econômicas para se locomover. O custo das passagens para a utilização diária do
transporte público afeta oDE
MATERIAL orçamento de muitas famílias que moram nessas regiões da cidade.
DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
Gabriel Cabral/Folhapress

 Distrito de Cidade Tiradentes. São Paulo, SP, 2019.

Não escreva no livro. 145


Enclaves fortificados e gentrificação
A violência vivenciada nas grandes cidades é entendida por alguns estudiosos como um
dos subprodutos do processo acelerado de urbanização. Este, por sua vez, intensificou a
grande concentração de riqueza nas mãos de uma pequena parcela da população, aprofun-
dando a desigualdade social.
A soma dessas variáveis e de outros fatores correlatos, como a falta de serviços essenciais
– por exemplo, saúde e educação –, bem como a ausência de políticas de inclusão, potencia-
lizaram conflitos e impulsionaram o crescimento de taxas de violência.
Esse contexto socioeconômico e político instaurou um quadro de insegurança coletiva, no
qual apenas uma pequena parcela da sociedade brasileira detém condições de garantir certa
proteção ou, ao menos, a sensação de proteção. Essa parcela, em alguns casos, opta por
viver no que a antropóloga Teresa Caldeira (1954-) chama de “enclaves fortificados”, ou con-
domínios fechados, que não deixam de ser uma forma de segregação urbana, mas sob outro
viés, no qual a segregação opera-se como opção de vida.

Rubens Chaves/Pulsar Imagens


MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

Condomínio fechado em Itapevi, SP, 2018.

Há também o crescente fenômeno da gentrificação. Trata-se de um processo de transfor-


mação do espaço urbano em que uma área da cidade, geralmente degradada e negligenciada
pelo poder público, é revitalizada e ressignificada como consequência da construção de novos
estabelecimentos comerciais e empreendimentos imobiliários. A gentrificação provoca a
valorização e o aumento do custo de vida e, consequentemente, o deslocamento de antigos
moradores, sobretudo os de baixa renda, para outras áreas, desencadeando um processo de
segregação espacial, social e econômica.
O fenômeno da gentrificação começou na década de 1970, em países desenvolvidos como
Estados Unidos, França e Inglaterra. Porém, recentemente, também é identificado em países
em desenvolvimento, devido ao crescimento do poder aquisitivo de uma parcela da popula-
ção e à especulação imobiliária nesses países.

146 Não escreva no livro.


Um exemplo desse processo pode ser ilustrado pelo bairro de Bushwick, em Nova York,
que até a década de 1990 era negligenciado pelo poder público; 45% de seus moradores
viviam abaixo da linha de pobreza. Após o processo de gentrificação, os antigos galpões
industriais da região foram transformados em estúdios para artistas plásticos, e o preço do
aluguel das propriedades aumentou consideravelmente. Em sua cidade, você reconhece
algum espaço que apresente relação com esse processo?
Andrew Lichtenstein/Corbis/Getty Images

Richard Levine/Alamy/Fotoarena
1 2

[1] Bairro de Bushwick, em Nova York, em 1991. [2] O bairro de Bushwick em 2019.

População em situação de rua


A população em situação de rua é composta de pessoas que, em razão da condição de
pobreza absoluta, não têm onde morar, sendo forçadas, de forma permanente ou temporária,
a ter o espaço da rua como moradia. Em um processo de gentrificação, muitas vezes, essa
população é afastada de áreas com valorização imobiliária.
De acordo com um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
com base em levantamentos feitos junto a 1924 municípios, estima-se que havia, em 2015,
um total de 102 mil pessoas em situação de rua no Brasil.
Porém, em virtude da dificuldade da realização operacional de uma pesquisa de campo
com pessoas sem endereço fixo, existem poucos dados oficiais sobre essa população. Isso
dificulta o desenvolvimento de políticas públicas para atender a essas pessoas. Um exemplo
é que, em sua maioria, essa população não tem documentos pessoais necessários para rece-
ber benefícios do Estado,
MATERIAL DEpor exemplo.
DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL
Aloisio Mauricio/Fotoarena

População em situação de rua na Avenida Paulista. São Paulo, SP, 2019.

Não escreva no livro. 147


Amostragem municipal da população em situação de rua
Iniciativas de âmbito municipal tentam suprir as dificuldades de recolhimento de dados sobre a população em situação
de rua, reduzindo essas pesquisas para o espaço das cidades. O infográfico a seguir, por exemplo, foi constituído com dados
do censo da população em situação de rua da prefeitura do município de São Paulo.

Perfil amostral socioeconômico da população


em situação de rua do município de São Paulo (2019)
A pesquisa amostral foi feita por meio de entrevistas com
2 mil pessoas em situação de rua em São Paulo (SP).

96,65% 3,35%
Brasileira Estrangeira

A
Nacionalidade A
maior parte
maior parte
dos brasileiros
dos estrangeiros
é nascida no
é originária
estado de
da Venezuela
São Paulo
(38,8%).
(55%).

85,45% 14,55%
Masculino Feminino

Sexo

91,9% 8,1%
Frequentaram Não frequentaram
escolas.MATERIAL DE DIVULGAÇÃO escolas.

A maior
parte dos
DA EDITORA DO BRASIL
Escolaridade
entrevistados
deixou a escola
durante a segunda
metade do Ensino
Fundamental
(23,9%).

64,4% 0,35% 35,25%


Não ficaram um Não sabe. Ficaram um ou mais
A maior dias sem comer.
parte dos dia sem comer. FAIXA ETÁRIA
entrevistados
conseguiu se 18 a 29 anos 19,65%
alimentar por meio
de serviços da 30 a 39 anos 26,10%
prefeitura 40 a 49 anos 27,25%
(49,8%). Acesso
à alimentação* 50 a 59 anos 15,90%
60 a 69 anos 9,95%
70 a 79 anos 1,10%
80 a 89 anos 0,05%
*Durante os sete dias anteriores à entrevista.

148 Não escreva no livro.


Daniel das Neves

PROPORÇÃO POR RAÇA/COR

0,80% 1,20%
2,35% 1,05% Não respondeu
19,70% Amarela Não sabe
48,85% 26,05% Indígena
Branca Preta
Parda

MOTIVOS QUE LEVARAM À SITUAÇÃO DE RUA* TRABALHO


40,85%
Conflitos familiares Desempregados/não trabalham: 44,00%

Perda de trabalho 25,80%


Dependência de drogas ilícitas 18,95% Trabalham fazendo pequenos serviços: 36,25%
Dependência de álcool 14,30%
Perda de moradia 13,20% Trabalham por conta: 10,95%
Separação do cônjuge 6,00%
Falecimento de membros da família 5,50% Empregados sem registro em carteira: 4,35%
Problemas de saúde 4,35%
Saída do sistema prisional 2,85% Empregados com registro em carteira: 2,60%
Imigração 2,35%
Migração 1,90% Outros: 0,80%
Estava internado na rede de saúde 0,85%
Saída do sistema educativo 0,30% Não sabe: 0,65%
Outros 6,65%
Não sabe 1,30% Não respondeu: 0,40%
Não respondeu 0,95%

* Os entrevistados mencionaram mais de um motivo para essa resposta.

RESTRIÇÕES À PRESENÇA EM
LOCAIS PÚBLICOS E PRIVADOS*
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
Nunca sofreu restrições 67,25%
DA EDITORA DO BRASIL
Restaurante/lanchonete 19,30%
Shopping13,20%
13,00%
Transporte coletivo
Banco 10,50%
Órgãos públicos 7,55%
Equipamentos culturais 6,20%
Serviços de saúde 4,20%
Serviços de assistência social 3,95%
Não sabe 0,45%
Não respondeu 0,45%
* Os entrevistados mencionaram mais de um motivo para essa resposta.

Fonte: PESQUISA amostral do perfil socioeconômico da população em situação de rua – 2019. Disponível em: https://app.powerbi.com/
view?r=eyJrIjoiZDZkOGM2OWQtZmUyMS00MjU5LTljYzQtNTNjY2FmOTc2NDc3IiwidCI6ImE0ZTA2MDVjLWUzOTUtNDZlYS1iMmE4LThlNjE1NGM5MGUwNyJ9.
Acesso em: 7 jun. 2020.

• Com base na leitura dos dados apresentados no infográfico, responda às questões no caderno.
a) Qual é o principal perfil da população em situação de rua do município de São Paulo?
b) Os entrevistados indicam algum impeditivo de circulação no município onde vivem? Justifique sua resposta.
c) Quais propostas você colocaria em prática para gerar inclusão social e econômica das pessoas em situação de rua? Faça
com a turma uma roda de conversa, exponha suas ideias e ouça com atenção as dos colegas.

Não escreva no livro. 149


A população e o espaço urbano: a cidade é para todos?
Em 2013, a frase “Não é pelos 20 centavos” esteve presente em diversos ambientes: con-
versas, jornais, programas de rádio e televisão, nas redes sociais e, sobretudo, em protestos.
A frase fazia referência ao valor do aumento da passagem de ônibus em São Paulo, mas pro-
testos com a mesma motivação ocorreram em outros municípios, como Rio de Janeiro e Porto
Alegre. O aumento foi um dos gatilhos para uma onda de manifestações que se alastrou pelo
país durante o mês de junho.

Cris Faga/Fox Press Photo/Estadão Conteúdo


Protesto contra o aumento da tarifa da passagem de ônibus, na Avenida Paulista. São Paulo, SP, 2013.

Os movimentos, que ficaram conhecidos como Jornadas de Junho, agruparam demandas


variadas, envolvendo pessoas e grupos de diferentes espectros políticos e sociais: movimentos
pelo fim da corrupção, grupos contrários à realização da Copa do Mundo no Brasil em 2014,
pedidos por melhorias na saúde e na educação, demandas sociais de movimentos consolidados
etc. As pessoas foram às ruas mobilizadas por causas variadas. A primeira delas foi o protesto
contra o aumento nas tarifas das passagens de ônibus, que por isso foi a princípio considerado
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
um movimento em favor do direito a habitar, acessar e viver, de modo amplo, a cidade.
DA OEDITORA
aumentoDO
doBRASIL
valor de uma passagem de transporte coletivo pode restringir esse direito,
na medida em que exclui pessoas da possibilidade de acessá-lo, por causa do custo elevado.
Essas pessoas, portanto, sofrem restrições na possibilidade de se deslocar, ou seja, não têm
acesso pleno à cidade.
A mobilidade é fundamental para viver na cidade,
Luciana Whitaker/Pulsar Imagens

acessar e se apropriar efetivamente de seus espa-


ços e equipamentos. Ou seja, a restrição ou falta
de mobilidade prejudica o direito à cidade. Do
ponto de vista legal, no Brasil, a noção de direito
à cidade está expressa no Estatuto da Cidade (Lei
Federal no 10.257, de 2001), criado para regula-
mentar os artigos 182 e 183 da Constituição
federal de 1988, que estabelecem diretrizes de
política urbana.

 O acesso a áreas e equipamentos de lazer faz


parte da noção de direito à cidade. Na foto,
praça em Padre Paraíso, MG, 2018.

150 Não escreva no livro.


Ricardo Teles/Pulsar Imagens
 Em primeiro plano, o bairro popular Brasília Teimosa; ao fundo, o bairro de alto padrão de Boa Viagem.
Recife, PE, 2019.

Em seu texto, o Estatuto preconiza “[...] o uso da propriedade urbana em prol do bem cole-
tivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. Trata-se,
portanto, da criação de mecanismos legais que viabilizam a gestão democrática dos espaços
urbanos a fim de garantir o cumprimento de princípios constitu­cionais como a função social
da propriedade privada.
Para além do plano jurídico e administrativo, o direito à cidade envolve princípios de cole-
tividade, de participação e, sobretudo, de apropriação e uso público dos espaços da cidade
na realização da vida cotidiana. A ideia de segregação socioespacial, nas cidades, trata-se,
portanto, da forma como as desigualdades socioeconômicas se materializam no espaço
urbano. Em muitas cidades brasileiras existem espaços que limitam a circulação de deter-
minadas camadas da população, causando segregação socioespacial.
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
O filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre
(1901-1991) DA EDITORA
aponta que oDO BRASIL
direito à cidade vai
Edson Grandisoli/Pulsar Imagens

além do acesso a equipamentos urbanos. Trata-se


de um direito de não exclusão e de um processo
de colocar a cidade na perspectiva das relações
e das transformações, da cidade e de si mesmo.
Ou seja, embora o direito à cidade vise superar
formas de desigualdade circunscritas na carência
de moradia e na falta de emprego, por exemplo,
esse direito vai além e implica a superação da
produção de um espaço urbano que cerceia a
liberdade de circulação e vivência de alguns de
seus indivíduos.
A arte urbana é considerada uma forma de
retomada da cidade por alguns grupos que se
sentem excluídos dela. Por meio de grafites em
muros e fachadas de locais públicos, artistas con-
seguem revelar vivências, geralmente de áreas
periféricas, para um grande público de passantes.  Grafiteiro pinta muro em São Paulo, SP, 2017.

Não escreva no livro. 151


OUTRO PONTO DE VISTA

Os “rolezinhos”
Os “rolezinhos” são encontros simultâneos de pessoas, em locais de uma cidade, planejados por meio das
redes sociais. Em 2013 e 2014, diversos jovens, moradores das periferias, organizaram rolezinhos em shopping centers
de bairros centrais e de alto padrão de algumas cidades brasileiras. Essas ações geraram um debate sobre a questão do
direito à cidade e da mobilidade de diferentes classes sociais em determinados espaços e dividiram a opinião pública:

[...]
Recentemente, o fenômeno conhecido como rolezinho ganhou ampla visibilidade nacional e internacional. Trata-
-se de adolescentes das periferias urbanas que se reúnem em grande número para passear, namorar e cantar funk
nos shopping centers de suas cidades. O evento causou apreensão nos frequentadores e, consequentemente, fez com
que alguns proprietários dos estabelecimentos conseguissem o direito na justiça de proibir a realização dos rolezi-
nhos, barrando o acesso dos jovens. [...]
O assunto dos rolezinhos foi o tema mais debatido nas redes sociais e na mídia impressa entre dezembro de 2013
a janeiro de 2014. [...] Ainda que [...] parte tenha apoiado os jovens em seu direito de ir e vir e de se divertir, estima-se
que a maioria da população urbana tenha repudiado o acontecido. Uma pesquisa da época mostrou que 80% dos pau-
listanos desaprovavam os rolezinhos e 72% entendiam que a polícia militar deveria agir para reprimi-los. [...]
[...] No âmbito nacional, [...] os rolezinhos representam uma continuidade de um processo histórico da exclusão
dos grupos populares dos centros urbanos de camadas médias [...]. No âmbito global, os rolezinhos são um produto
da expansão do capitalismo e reproduzem a matriz de significados presente no comportamento de consumo de diver-
sas periferias urbanas do mundo: jovens que veneram marcas globais e que, ao ostentá-las, produzem um contraste
com o contexto social de penúria em que estão inseridos.
[...]
MACHADO-PINHEIRO, Rosana; SCALCO, Lucia Mury. Rolezinhos: marcas, consumo e segregação no Brasil. Revista de Estudos
Culturais, n. 1, 25 jun. 2014. Disponível em: www.revistas.usp.br/revistaec/article/view/98372/97108. Acesso em: 7 jun. 2020.

 Jovens organizam-se
Adriano Lima/Brazil Photo Press/AFP

para realizar um
“rolezinho” em
shopping center. São
Paulo, SP, 2014.

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
DA EDITORA DO BRASIL

1. Na sua opinião, por que os eventos conhecidos como “rolezinhos” geraram incômodo e desaprovação junto à
parte da população mencionada na matéria?
2. Comente a realização dos “rolezinhos” na perspectiva do direito à cidade.
3. Formem três grupos na sala para a realização de um debate. O grupo A deve se posicionar a favor da prática
dos “rolezinhos” e de outras ações de ocupações/democratização da cidade; o grupo B irá se posicionar contra
a prática dos “rolezinhos” e a favor da proteção de espaços privados; o grupo C, por sua vez, será composto de
membros que vão avaliar os argumentos dos dois lados do debate. Para compor a discussão, cada um dos
grupos deve pesquisar estudos, artigos e dados de fontes confiáveis, como revistas científicas e institutos de
pesquisa reconhecidos.

152 Não escreva no livro.


Atividades

1. Quais projetos e ações já foram ou podem ser realizados em seu município, ou comuni-
dade, como forma de garantir o direito à cidade aos habitantes?
2. Sua cidade tem características que constituem formas de segregação socioespacial?
De que forma esse processo prejudica a concretização do direito à cidade? Explique sua
resposta.
3. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) são 17 propostas feitas pela ONU,
ratificadas por diversos países, que têm o intuito de avançar em questões cruciais, como
a educação, para as gerações atuais e futuras em todo o mundo. O documento Agenda
2030 prevê ações para que esses objetivos sejam alcançados na próxima década.
O Objetivo 11 prevê tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,
resilientes e sustentáveis. Para tanto, estabelece como uma de suas metas:

[...]
11.2 Até 2030, proporcionar o acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, susten-
táveis e a preço acessível para todos, melhorando a segurança rodoviária por meio da expansão
dos transportes públicos, com especial atenção para as necessidades das pessoas em situação
de vulnerabilidade, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e idosos.
[...]
ONU. Agenda 2030: Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Disponível em:
https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em: 26 maio 2020.

•• Explique a mobilidade urbana como condição de realização do direito à cidade.


4. Leia o trecho de um texto de Teresa Caldeira e, em seguida, responda à pergunta no
caderno.

[...] Residentes da classe alta em condomínios fechados e edifícios associam viver dentro de
uma dessas fortalezas às sensações de liberdade e proteção, sem falar da alta qualidade de vi-
da. [...] Em nenhum desses casos, no entanto, os moradores demonstram algum sentimento
de perda em relação a um tipo mais aberto de residência ou a uma sociabilidade pública mais
diversificada. Viver no isolamento é considerado o melhor; eles estão fazendo o que querem
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
fazer – e daí seu sentimento de liberdade.
[...]
DA EDITORA DO BRASIL
[A pesquisadora] Jane Jacobs é uma das defensoras mais famosas dos valores da vida pú-
blica moderna nas cidades. [...] Onde não existem calçadas e espaços públicos vivos, e quando
os relacionamentos em público começam a se intrometer na vida privada e a requerer a con-
vivência entre vizinhos, a liberdade da cidade está ameaçada; as pessoas tendem a impor cer-
tos estandartes, criando um senso de homogeneidade que leva à insularidade e à separação.
Quando não há vida pública, as alternativas a compartilhar muito podem ser não compartilhar
nada, suspeita e medo dos vizinhos. Em suma, para Jacobs, tanto traçar linhas e fronteiras no
espaço da cidade como estender o privado no público ameaçam os valores básicos de uma boa
vida pública urbana.
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crimes, segregação e cidadania em São Paulo.
São Paulo: Editora 34, 2003. p. 291 e 304.

•• Quais são as diferentes perspectivas sobre a relação entre liberdade e espaço urbano
apresentadas no texto?

Não escreva no livro. 153


Pesquisa

ESTADO DA ARTE: DIFERENTES


CONCEPÇÕES DE LIBERDADE
APRESENTAÇÃO
No começo deste percurso, você foi questionado sobre o que é ser livre. Ao longo do livro,
pôde perceber que diversos estudiosos e várias escolas de pensamento responderam a
esse questionamento das mais diferentes formas. Para o pensador grego Aristóteles
(385 a.C.-323 a.C.), por exemplo, o indivíduo é livre desde que tome decisões de modo
voluntário. O filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) propôs que o proletariado nunca seria
livre dentro do sistema capitalista, pois suas condições materiais cerceariam sua liberdade.
Já a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) acreditava que a liberdade do indivíduo
era frágil diante de um Estado autoritário que negava direitos básicos a determinados gru-
pos sociais. Tais concepções diversas foram fomentadas de acordo com a escola de pen-
samento desses estudiosos e suas vivências em diferentes contextos históricos, sociais,
econômicos, políticos, territoriais e culturais.
O conceito de liberdade e suas implicações na sociedade são temas de estudo das Ciên-
cias Humanas e Sociais Aplicadas até hoje. Por isso, para finalizar este percurso de apren-
dizagem, você e os colegas vão fazer um estado da arte sobre a produção científica
recente que trata de temas que envolvam a liberdade.
O estado da arte é um mapeamento das pesquisas e dos trabalhos científicos já realiza-
dos sobre determinado tema. Muitas vezes essa pesquisa é feita com base em diferentes
recortes temporais, linhas de pesquisa, objeto de estudo etc. Por exemplo:

DATA/LOCAL DA
LINHA DE OBJETO DE
MATERIAL
TEMA DE DIVULGAÇÃO
PESQUISA ESTUDO
PERÍODO LOCAL PRODUÇÃO
CIENTÍFICA
DA EDITORA DO BRASIL
Liberdade Trabalho, Liberdade 1990-2000 Cidade de Estudos realizados
política e nas relações São Paulo no Brasil nos
sociedade de trabalho últimos cinco anos

Agora é sua vez de fazer o estado da arte. Essa prática de pesquisa deverá ser conduzida
em grupos. Prestem atenção nos objetivos e na justificativa apresentados e sigam os pas-
sos de desenvolvimento.

OBJETIVOS
•• Pesquisar estudos que tratam da liberdade.
•• Determinar um recorte para o estado da arte.
•• Mapear e organizar as informações pesquisadas em uma tabela.
•• Compor um texto analisando o mapeamento realizado.
JUSTIFICATIVA
A composição de um estado da arte contribui para o conhecimento de diferentes con-
cepções de liberdade e incentiva a prática da pesquisa científica, aumentando a familiari-
dade com a estrutura e a linguagem de artigos científicos e de bancos de dados.

154 Não escreva no livro.


DESENVOLVIMENTO
1. Determinem um recorte para o estado da arte que vão realizar. O tema, a liberdade, deve
ser o mesmo para toda a turma, mas o recorte deve ser escolhido de acordo com os inte-
resses de pesquisa dos membros de cada grupo. É possível trabalhar, por exemplo, a
concepção de liberdade em determinado período histórico, na obra de um autor, em um
território, em uma cultura etc.
2. Definido o recorte, vocês devem escolher a(s) base(s) de dados em que vão desenvolver
sua pesquisa. Há diversos espaços virtuais que reúnem trabalhos científicos (artigos,
dissertações, teses, ensaios, livros etc.) e que podem ser consultados. Vejam alguns
exemplos:
•• Rede Scielo. Biblioteca eletrônica que apresenta um acervo de artigos e periódicos
científicos brasileiros. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_home&
lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 20 jun. 2020.
• Acervo da Capes. Banco de dados de artigos e teses de pesquisadores que receberam
bolsas de estudo e incentivo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), fundação associada ao Ministério da Educação (MEC). Disponível em:
http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/; www.periodicos.capes.gov.br/.
Acessos em: 20 jun. 2020.
O grupo pode também consultar o acervo/biblioteca on-line de uma universidade de
sua região.

3. Acessem a(s) base(s) de dados escolhida(s) e façam uma pesquisa com palavras-chaves
que indicam o tema, o autor, o período etc.
4. Leiam o resumo dos trabalhos científicos encontrados e registrem em uma tabela suas
principaisMATERIAL DE DIVULGAÇÃO
características, como título da obra/trabalho, nome do autor, data de publicação
e seus principais pontos de abordagem (área de conhecimento, metodologia, fontes da
DA EDITORA DO BRASIL
pesquisa etc.).

TÍTULO AUTOR DATA DE PUBLICAÇÃO ABORDAGEM

5. Com o mapeamento organizado na tabela, elaborem um texto com uma análise das infor-
mações recolhidas. Nesse texto, vocês devem responder aos seguintes questionamentos:
a) Quais foram os bancos de dados pesquisados?
b) Qual foi a quantidade de resultados em cada um? Esses números variaram ao longo
dos anos de publicação? O que isso significa sobre o interesse despertado pelo tema?
c) Qual é a abordagem mais privilegiada/popular sobre esse tema? E a menos privi-
legiada?

CONCLUSÃO
Cada grupo deve apresentar o texto e o mapeamento para o restante da turma. Poste-
riormente, façam uma discussão em sala de aula abordando não só os resultados, mas as
dificuldades encontradas no processo de pesquisa.

Não escreva no livro. 155


Para continuar
aprendendo

UNIDADE 1 – LIBERDADE INDIVIDUAL UNIDADE 3 – LIBERDADE


Filme E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
Lutero, direção de Eric Till. Alemanha, 2003 (94 min). Filme
Filme que conta a trajetória de Martinho Lutero, retratando a elabo-
Hamilton, direção de Thomas Kail. Estados Unidos, 2020
ração de suas 95 teses, a perseguição que sofreu por parte da Igre-
ja e seu período de exílio, quando iniciou a primeira tradução da Bíblia (160 min).
para o alemão. Filmagem de peça teatral musical que conta a biografia de
Alexander Hamilton (1755-1804), político estadunidense e pri-
Livro meiro secretário do tesouro americano, e a história da formação
Longe de casa: minha jornada e histórias de refugiados pelo dos Estados Unidos, de sua independência ao governo de Thomas
Jefferson (1743-1826).
mundo, de Malala Yousafzai. São Paulo: Editora Seguinte, 2019.
Malala Yousafzai (1997-), ganhadora do Prêmio Nobel da Paz e ati-
vista paquistanesa, relata nesse livro sua visita a diversos campos Livro
de refugiados pelo mundo e conta a história de nove meninas que A Revolução Francesa explicada à minha neta, de Michel
tiveram de abandonar seus países em busca de segurança. Vovelle. São Paulo: Editora Unesp, 2007.
Livro do historiador francês Michel Vovelle (1933-2018), que tra-
Site ta de diferentes aspectos da Revolução Francesa e de seus im-
Observatório de Migrações Forçadas – Instituto Igarapé. pactos na formação da sociedade liberal do século XIX.
Disponível em: https://migracoes.igarape.org.br/. Acesso em:
31 jul. 2020. Site
Plataforma que disponibiliza dados sobre deslocamentos forçados Acervo digital do Museu da Imigração do Estado de São
de pessoas no Brasil, indicando números que revelam as causas des- Paulo. Disponível em: www.inci.org.br/acervodigital/. Acesso
sas migrações e os principais polos brasileiros de atração e repulsão. em: 31 jul. 2020.
O acervo apresenta recursos digitais como fotografias, cartas, mapas
e jornais dos principais grupos imigrantes que chegaram ao país e
UNIDADE 2 – LIBERDADE E O OUTRO passaram pela Hospedaria de Imigrantes, na cidade de São Paulo.
Filmes
Guerras do Brasil.doc (Episódio 1 – As guerras da conquista), UNIDADE 4 – DESIGUALDADE COMO
direção de Luiz Bolognesi. Brasil, 2018 (26 min).
IMPEDITIVO PARA A LIBERDADE
Série documental que, em seu primeiro episódio, debate o proces-
so de colonização brasileiro, abordando as novas pesquisas histó-
Livro
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
ricas e revendo o olhar eurocêntrico da historiografia tradicional. O
destaque do documentário é a entrevista com o intelectual indíge- Olympe de Gouges, de Catel Muller e José-Louis Bocquet. São
DA EDITORA DO BRASIL
na Ailton Krenak (1953-), que apresenta a história da chegada dos Paulo: Record, 2014.
europeus à América sob a perspectiva dos povos nativos. História em quadrinhos que trata da biografia de Olympe de
Gouges (1748-1793) e sua jornada até a elaboração da Declara-
Honeyland, direção de Ljubo Stefanov e Tamara Kotveska.
ção dos Direitos da Mulher e da Cidadã.
Macedônia, 2019 (87 min).
Documentário que acompanha o dia a dia de Hatidze Muratova, Filme
uma apicultora que vive em uma vila na Macedônia, e seu conví-
vio com uma família de nômades pastores. Eu não sou seu negro, direção de Raoul Peck. Bélgica, 2016
(93 min).
Piripkura, direção de Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Documentário sobre o escritor estadunidense James Baldwin
Jorge. Brasil, 2017 (81 min). (1924-1987) e sua trajetória de ativismo contra o racismo ao lado
Documentário sobre a vida de dois indígenas nômades do povo de Malcolm X (1925-1965) e Martin Luther King Jr. (1929-1968).
Piripkura, que possui poucos sobreviventes, os quais vivem iso-
lados na Floresta Amazônica tentando escapar do cerceamento Site
e das ameaças de madeireiros.
LabCidade – Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade.
Site Disponível em: www.labcidade.fau.usp.br/. Acesso em: 31 jul.
Instituto Socioambiental (ISA) – Povos Indígenas no Brasil. 2020.
Disponível em: https://pib.socioambiental.org/. Acesso em: Laboratório de extensão e pesquisa da Faculdade de Arquitetura
31 jul. 2020. e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) em que
são monitoradas políticas públicas e habitacionais de cidades
Site que apresenta informações sobre história, localização, língua, brasileiras, principalmente de São Paulo.
organização social, rituais, cultura material e imaginário dos mais
de 250 povos indígenas do Brasil. O site também oferece infor-
mações sobre pautas importantes para a luta desses povos, como
a demarcação das Terras Indígenas.

156 Não escreva no livro.


Referências

ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Com- COMTE-SPONVILLE, André. Apresentação da Filosofia. São
panhia das Letras, 2014. Paulo: Martins Fontes, 2002.
Obra de teoria política em que são contextualizadas as origens de Obra que se autodefine como porta de entrada aos estudos filosófi-
regimes totalitários europeus, como o nazismo e o stalinismo, e cos, trata da abordagem de conceitos como amor, morte e liberdade.
são discutidos seus modos de ação em comum.
CUNHA, Maria Isabel. Os conceitos de espaço, lugar e território
ARISTÓTELES. Política. Brasília, DF: Editora da Universidade
nos processos analíticos da formação dos docentes universitá-
de Brasília, 1985.
rios. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 12, n. 3, 2008. Dispo-
Obra clássica em que o filósofo grego Aristóteles reflete sobre formas
nível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/educacao/article/
de organização política adequadas ao bem-viver da comunidade.
view/5324. Acesso em: 22 jul. 2020.
BITTENCOURT, Circe (org.). Dicionário de datas da história do Artigo que debate os espaços de formação de professores uni-
Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. E-book. versitários, refletindo sobre conceitos-chave como lugar e ter-
Obra que reúne informações sobre diferentes datas de relevância ritório.
na história do Brasil, entre elas a da Guerra dos Bárbaros, entre
indígenas e colonizadores, em 1699. D’AMBROSIO, Ubiratan. Sociedade, cultura, matemática e seu
ensino. Educação e Pesquisa – Revista da Faculdade de Edu-
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. cação da USP, São Paulo, v. 31, n. 1, 2005.
Obra com os principais artigos do autor, que foram escritos ao lon- Artigo que apresenta os fundamentos da etnomatemática como
go de muitos anos, relacionados à temática dos direitos humanos programa de educação multidisciplinar, articulando conhecimen-
no contexto da democracia e da paz. O livro auxilia no entendimen- tos práticos, populares e úteis para a sociedade, unindo Antropo-
to dos desafios enfrentados na obtenção e manutenção de direitos. logia e Matemática.
BORON, Atilio (org.). Filosofia política moderna: de Hobbes a DIDEROT, Denis; D’ALEMBERT, Jean le Rond. Verbetes políticos
Marx. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias So-
da Enciclopédia. São Paulo: Discurso Editorial/Unesp, 2006.
ciales – CLACSO; São Paulo: Depto. de Ciência Política –
Obra que faz uma seleção e tradução dos verbetes do Dicionário
FFLCH – Universidade de São Paulo, 2006. das ciências, das artes e dos ofícios (ou A Enciclopédia), publica-
Obra que reúne artigos de diversos estudiosos, como Renato Ja- do pela primeira vez no século XVIII.
nine Ribeiro e Marilena Chaui, sobre conceitos e questões do pen-
samento filosófico moderno.
FAZITO, Dimitri. A identidade cigana e o efeito de “nomeação”:
BRAGA, Rhalf M. O espaço geográfico: um esforço de defini- deslocamento das representações numa teia de discursos mi-
ção. GEOUSP – Espaço e Tempo, São Paulo, v. 11, n. 2, 2007. tológico-científicos e práticas sociais. Revista de Antropologia,
Disponível em: http://www.revistas.usp.br/geousp/article/ São Paulo, v. 49, n. 2, 2006. Disponível em: www.scielo.br/scie-
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
view/74066. Acesso em: 19 maio 2020. lo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77012006000200007.
Acesso em: 22 jul. 2020.
Artigo que discute as diferentes tentativas de definir o conceito
DA EDITORA DO BRASIL
de espaço geográfico. Artigo que discute as formas de manutenção da identidade ciga-
na em diferentes espaços e dinâmicas.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de História.
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 maio 2020. Lisboa: Plátano, 1976.
Lei fundamental e suprema da democracia brasileira, que está Obra que apresenta uma coletânea de textos e documentos con-
em vigor desde setembro de 1988. siderados fundamentais para o entendimento da história ocidental.
BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Ci-
GILSON, Étienne. A filosofia na Idade Média. São Paulo: Mar-
dade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
tins Fontes, 1995.
leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 26 maio 2020.
Obra que discute diferentes escolas de pensamento filosófico que
Lei que determina diretrizes para a política urbana.
se constituíram durante a Idade Média.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Bá-
sica. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e o Iluminismo. São
Brasília, DF: MEC/SEB, 2018. Paulo: Contexto, 2003.
Documento de referência obrigatória para a formulação de pro- Obra que debate a relação intrínseca entre o Iluminismo e a Re-
postas pedagógicas e currículos escolares em todas as institui- volução Francesa, considerando a revolução como mais uma eta-
ções de ensino do Brasil. pa de construção das ideias iluministas.

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crimes, segre- HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolu-
gação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2003. ção urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
Obra que analisa as transformações no espaço urbano de São Pau- Obra que trata dos movimentos de resistência pela ocupação do
lo e como isso resultou em novas formas de segregação espacial. espaço público no século XXI.

Não
Não escreva
escreva no
no livro.
livro. 157
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyo- MACHADO-PINHEIRO, Rosana; SCALCO, Lucia Mury. Rolezi-
la, 2008. nhos: marcas, consumo e segregação no Brasil. Revista de
Obra que trata das transformações sociais, econômicas e cultu- Estudos Culturais, São Paulo, n. 1, 2014. Disponível em: www.
rais sofridas pela sociedade pós-moderna, entre elas a forma de revistas.usp.br/revistaec/article/view/98372. Acesso em: 7
experienciar o tempo e o espaço. jun. 2020.
Artigo que debate o modo como os “rolezinhos” se transforma-
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia ram em meios de contestação à segregação espacial experien-
das Letras, 1995. ciada por populações periféricas nas grandes cidades.
Obra que debate os acontecimentos políticos, econômicos, sociais
e culturais do início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, até o fim MARTINE, George. A globalização inacabada: migrações inter-
da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991. nacionais e pobreza no século 21. São Paulo em Perspectiva.
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Brasileira, 1992. 5000300001&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 16 maio 2020.
Obra que apresenta uma análise do fenômeno da globalização,
Artigo que trata das contradições do discurso da globalização em
avaliando as novas dimensões sociais e individuais instauradas
relação às suas práticas econômicas.
por ela.
MARTINS, Rosana Aparecida. Representação e sentido de per-
IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dis-
tencimento dos hip hoppers em São Paulo e Lisboa. Cadernos
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Site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que
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apresenta a relação de todos os patrimônios culturais materiais
e imateriais brasileiros. 2020.
Artigo que discute políticas públicas destinadas a jovens de co-
JACOBI, Pedro. A cidade e os cidadãos. Lua Nova, São Paulo, munidades de periferia e as formas de expressão que eles encon-
v. 2, n. 4, mar. 1986. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php? tram para manifestar suas insatisfações e seus desejos.
script=sci_arttext&pid=S0102-64451986000100004. Aces- MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I: O
so em: 26 maio 2020.
processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
Artigo que debate a relação entre cidadania e o direito à cidade.
Obra que faz uma análise crítica do capitalismo por meio do en-
tendimento de seus funcionamentos e contradições, conceituan-
KARNAL, Leandro. Estados Unidos: a formação da nação. São
do as noções de mais-valia, mercadoria e força de trabalho.
Paulo: Contexto, 2003.
Obra que trata da história da formação dos Estados Unidos, da ; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. Rio de Ja-
MATERIAL DE DIVULGAÇÃO
pré-colonização europeia até sua independência em 1776. neiro: Paz & Terra, 2013.
Tratado político que apresenta os principais pontos do programa
DA EDITORA
LARAIA, Roque. Cultura: DO BRASIL
um conceito antropológico. Rio de da Liga dos Comunistas, promovendo a união dos trabalhadores
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008. e a tomada dos meios de produção.
Obra que traz uma discussão introdutória sobre o conceito de cultura.
MÉSZÁROS, István. A obra de Sartre: busca da liberdade. São
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro Edi- Paulo: Ensaio, 1991.
tora, 2011. Obra que aborda o pensamento de Sartre em diferentes catego-
Obra que faz uma reflexão sobre problemas e questões urbanís- rias de atuação (militância, dramaturgia, filosofia).
ticas, e como políticas públicas podem abordá-los.
MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Rio de Janeiro: Nova
LEVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Fronteira, 2011. E-book.
Petrópolis: Vozes, 2004. Obra clássica, publicada pela primeira vez em 1859, que trata do
Obra que apresenta reflexões filosóficas sobre o princípio da alterida- conceito de liberdade a partir de uma perspectiva de valorização
de, abordando a complexidade da relação do ser humano com o outro. da individualidade.

LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Mar- NAY, Olivier. História das ideias políticas. Petrópolis:
tins Fontes, 1998. Vozes, 2007.
Obra clássica da filosofia política em que se teoriza que o funcio- Obra que trata da formação do pensamento ocidental por meio
namento da sociedade é baseado no direito natural e no estabe- de uma análise dos seus principais debates jurídicos e políticos.
lecimento de um contrato social.
OIM. Relatório mundial sobre migrações (2020). Disponível
MACEDO, Ubiratan Borges de. A ideia de liberdade no século XIX: em: https://publications.iom.int/system/files/pdf/wmr_2020.
o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1997. pdf. Acesso em: 20 maio 2020.
Obra que debate as noções de liberdade no século XIX, sobretu- Relatório que apresenta dados sobre as movimentações e moti-
do na sociedade brasileira do período. vações das migrações em todo o mundo.

158 Não escreva no livro.

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