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Apatia e Irresponsabilidade em Sistemas Sociais

John Kunkel1
University of West Ontario (Department of Sociology)

Introdução

Este capítulo descreve três aspectos das sociedades modernas e delineia as


contribuições que a analise do comportamental pode fazer para uma melhor compreensão
deste fenômeno. Baixas taxas de atividades importantes (apatia e fatalismo) e
comportamento contra‐produtivo (irresponsabilidade) são características comuns da
sociedade urbano‐industrial. A incidência dessas ações – e de outras – varia dentro e entre
subculturas, no decorrer do tempo, e mesmo durante a vida de uma pessoa. As secções
seguintes delineiam respostas a quatro perguntas: Por que algumas pessoas são apáticas? Por
que algumas pessoas são irresponsáveis? Por que algumas pessoas não são apáticas e
irresponsáveis? Por que existe tal variabilidade no comportamento social?
Quando analistas do comportamento entram num mundo mais amplo que tem sido o
domínio de antropólogos e sociólogos, cientistas políticos e economistas, eles se defrontam
com uma escolha difícil: começar do zero, desconsiderando a maior parte ou todo
conhecimento existentes nestas disciplinas, ou usar quaisquer “antigos conhecimentos” que
pareçam apropriados. Analistas do comportamento provavelmente considerarão a primeira
alternativa bastante atrativa: seu trabalho não seria contaminado por erros e limitações
existentes e eles não teriam que devotar muito tempo à leitura sobre as descobertas em
outras disciplinas. A segunda alternativa tem seus perigos, tal como a transferência
inadvertida de erros e limitações de uma outra disciplina, mas estas limitações são
provavelmente compensadas por sua vantagem maior: o acesso a dados importantes, a
conceitos úteis e a proposições significativas sobre a dinâmica dos sistemas sociais.
O analista do comportamento que está pronto para usar o conhecimento existente nas
ciências sociais relevantes deve estar desejoso de considerar pesquisas e de olhar para dados,
conceitos e proposições que à primeira vista podem parecer estranhos, como se vindos de
outro mundo. Entretanto, este ainda é o mundo de seres humanos que se comportam e
interagem, um mundo de indivíduos cujas vidas cotidianas refletem a operação de princípios
psicológicos. Este capítulo analisa vários aspectos do comportamento governado por regras
em grandes sistemas sociais, baseado em pesquisas na psicologia social. A discussão
demonstra que a perspectiva da análise de comportamento torna possível combinar dados e
proposições de fontes tão disparatadas quanto a sociologia e a psicologia social. Na
realidade, tornar‐se‐á aparente que análise comportamental é a principal ponte entre essas
duas disciplinas.

Três Fenômenos Sociais

Durante o século XIX e o século XX, etnógrafos freqüentemente usaram “apatia” e


“fatalismo” para explicar vários aspectos da vida cotidiana, em culturas pré‐industriais,

1
Kunkel, J. H. Apathy and Irresponsability in Social Systems. Em Lamal, P. A. (Org) Behavioral Analysis of
Societies and Cultural Practices. New York: Hemisphere Publishing Corporation, 1991.
Este artigo foi traduzido, para uso pessoal, por Maria Amalia e Tereza Maria Sério.

1
usualmente não européias. Mais recentemente, estes termos têm sido usados por sociólogos
também para descrever indivíduos e subculturas nas sociedades urbano‐industriais. Apatia
e fatalismo e, em menor grau, irresponsabilidade freqüentemente têm sidos vistos como
componentes de problemas tais como pobreza, analfabetismo e desemprego (p. ex., Banfield,
1970). Além disso, estes termos são frequentemente usados para descrever fatores internos e
processos internos presumidos que levariam ou a baixos níveis de comportamento ou a
ações que, aos olhos de um observador, são contra‐produtivas. Daí, acreditar‐se que eles
contribuam para uma menor qualidade de vida para muitos indivíduos e famílias.
Numa escala menor, psicólogos sociais recentemente começaram a analisar apatia e
fatalismo como componentes de desamparo adquirido. Em vários experimentos de
laboratório e estudos de campo pesquisadores descobriram determinantes psicológicos e
sociais importantes de baixas taxas de comportamento e, com base nisto têm sido capazes de
sugerir programas preventivos e remediativos (p. ex.; Peterson, Villanova e Raps, 1985).

Apatia e Fatalismo

O termo “apatia” é comumente usado quando uma grande variedade de atividades


ocorre em uma taxa muito baixa, em várias situações e por um período de tempo
considerável, freqüentemente em detrimento do indivíduo. Quando apenas umas poucas
ações acorrem em baixa taxa, ou apenas por curtos períodos de tempo, ou em apenas
algumas situações específicas é provável que chamemos a pessoa de preguiçosa ou cansada,
em vez de apática. Muitas pessoas consideram o “fatalismo” como a principal origem da
apatia. O termo é comumente usado para descrever a condição interna presumida de um
indivíduo e um percepção específica do mundo e da posição do ser humano nele.
Os referentes empíricos do fatalismo são baixas taxas de comportamento ou as
afirmações verbais de um individuo sobre a extensa dissociação entre comportamento
presente e eventos posteriores. Em particular, chamamos as pessoas de “fatalistas” quando
elas nos dizem que eventos aversivos provavelmente ocorrerão e não podem ser evitados,
usualmente por que as conseqüências de uma ação são percebidas como aleatórias ou como
resultados de fatores sobre ao quais não se tem controle (p. ex.; a sorte, “o governo”). Além
disso, o fatalismo frequentemente inclui crenças de que a maior parte (ou muito) do mundo é
católica, imprevisível e incontrolável, e de que se experiencia mais eventos aversivos do que
é considerando justo ou do que seria esperado pelo acaso.
A natureza problemática e as implicações negativas da apatia e do fatalismo são
muito mais visíveis em estudos de caso do que em análises estatísticas. As impressionantes
descrições de Oscar Lewis (1959, 1964, 1996) da vida da familiar no México e em Nova Iorque
não foram superadas. Como o antropólogo, ele foi capaz de entrelaçar atividades diárias,
processos psicológicos e o contexto social em um tecido exploratório sem recortes. Na cultura
da pobreza que ele descreveu em dolorosos detalhes, há poucos, se é que há algum, elos
entre o comportamento de uma pessoa e eventos posteriores, e os indivíduos exercem pouco,
se é que algum, controle sobre o mundo no qual estão vivendo. Realmente, estes estudos
clássicos mostram que Lewis era um bom analista do comportamento antes que o campo
tivesse amadurecido e mostram que ele analisou o comportamento governado por regras
antes que o termo fosse cunhado.

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Irresponsabilidade

Este termo é um rótulo que observadores usam para sumarizar atividades que, no seu
julgamento, provavelmente terão mais conseqüências negativas e/ou poucas conseqüências
positivas para o ator e outras pessoas, do que teriam comportamentos diferentes que
poderiam ter sidos emitidos. Estas atividades refletem ou o repertório comportamental de
um indivíduo (talvez limitado), ou uma percepção específica de resultados e de suas
probabilidades. Observadores implicitamente assumem que têm uma melhor compreensão
do mundo e uma visão mais clara dos resultados do que tem o ator.
Para analistas do comportamento, a irresponsabilidade refere‐se à seleção de uma
atividade (ou nível de desempenho) que está ligado a conseqüências negativas altamente
prováveis para o autor ou para outras pessoas, que poderiam ter sido minimizadas ou
evitadas se uma ação diferente (ou nível de desempenho) tivesse sido escolhida. O individuo
que se comporta, obviamente, pode ter uma percepção diferente das conseqüências (e de
suas probabilidades) ligadas a várias atividades e níveis de desempenho dentro do
repertório comportamental.
A amplitude de comportamentos que poderiam ser rotulados como irresponsáveis é,
na realidade, grande e poderia incluir a maioria das ações da vida cotidiana – dependendo
das circunstâncias. Algumas ações estão quase sempre nesta categoria, como quando uma
pessoa bebe em excesso antes e dirigir; aqui, uma ou ambas as ações (e certamente sua
combinação) seria vista como irresponsável. O rótulo de outros comportamentos depende
mais diretamente do conhecimento de uma situação por parte do observador. Podemos
considerar a relação sexual sem proteção comportamento irresponsável quando sabemos que
um casal não desejar ter mais filhos, ou se acreditarmos que eles já têm filhos demais; mas
não usaríamos o rótulo se estivessem tentando ter seu primeiro filho – a menos que
soubéssemos de uma alta probabilidade de transmissão de um defeito genético.

A Variabilidade do Comportamento

Nas sociedades urbano‐industriais, complexas, dinâmicas, com grandes populações


heterogêneas esperamos que membros de vários subculturas comportem‐se de modos
muitíssimos variados. Ainda assim, encontramos considerável variabilidade de
comportamento mesmo dentro de grupos de indivíduos com características ostensivamente
semelhantes, como por exemplo, o grupo de homens brancos, de classe média, de
ascendência européia e de background urbano. A maioria dos cientistas sociais toma como
certa a diversidade do comportamento e atribui à socialização diferenciada e a normas
divergentes entre e mesmo dentro de subculturas. Ainda assim deveríamos nos perguntar
sobre processo adicionais que podem estar operando.
As secções subseqüentes delineiam algumas das contribuições que a análise do
comportamento em conjunto com a psicologia social pode fazer para uma melhor
compreensão destes interessantes fenômenos.

A Análise Comportamental de Atividades de Baixa Taxa

Como analista do comportamento, focalizamos nossa atenção nas atividades


observáveis de uma sociedade ou dos membros de uma comunidade. Também prestamos
atenção no contexto social, na sua estrutura e operação, como determinantes destas

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atividades. Em relação a estes dois aspectos nosso interesse coincide com o de antropólogos,
economistas e sociólogos. Mas como analistas do comportamento não estamos preocupados
com várias condições inferidas internas dos indivíduos, que se supõe serem subjacentes a
várias atividades. Em vez disso, postulamos um pequeno conjunto de princípios
comportamentais que têm um fundamento empírico sólido em centenas de estudos
cuidadosos, realizados durante os últimos 50 anos. Com relação a estes dois aspectos
diferimos enormemente da maior parte dos cientistas sociais.
Os dois exemplos seguintes mostram a operação de princípios de aprendizagem em
sistemas sociais de tamanhos variados. Vemos aqui o papel crucial que as conseqüências
passadas do comportamento desempenham na determinação de ações futuras. A partir
destas análises podemos determinar que modificações devem ser introduzidas em grupos e
comunidades para que o comportamento de seus membros seja mudado. O segundo
exemplo é especialmente significativo por mostrar como uma grande comunidade pode ser
fundamentalmente alterada pela introdução umas poucas contingências novas.

O Problema da Preguiça Social (Social Loafing)

Já há muitas décadas sabe‐se que grupos têm uma variedade de efeitos sobre seus
membros: algumas vezes as pessoas trabalham mais duramente quando estão com outros,
mais frequentemente indivíduos realizam muito menos em grupos do que quando estão
sozinhos. De fato, os últimos resultados são tão predominantes e consistentes que a
“preguiça social” tornou‐se um tópico legítimo de investigação.
Nos estudos originais, realizados em meados de 1880, mas não publicados até 1913, o
agrônomo francês, Max Ringelman, pediu a alunos voluntários do sexo masculino que
puxassem uma corda sozinhos ou com de um a sete companheiros (Kravitz e Martin, 1986).
Na última configuração, indivíduos puxaram apenas com metade da força do que quando
sozinhos. Durante os últimos 20 anos, um conjunto de experimentos foi planejado para
explorar as várias facetas da preguiça social. Os comportamentos estudados em laboratórios
modernos variaram desde esforços físicos (p. ex.; gritar, soprar ar) até tarefas intelectuais (p.
ex; vigilância, resolução de quebras‐cabeças). Decréscimos no desempenho são usualmente
curvilíneos, com um nivelamento em grupos maiores do que quatro pessoas. A preguiça
social é maior quando os membros do grupo desempenham atividades relativamente
simples, inerentemente desinteressantes e rotineiras. Os decréscimos de comportamento
ocorrem em ambos os sexos e não importa se o estudo tem delineamento intra‐sujeitos ou
entre‐sujeitos.
Por mais de um século, pesquisadores têm se perguntado sobre a natureza e as raízes
deste fascinante fenômeno. Por exemplo, de acordo com o experimento clássico moderno
(Latané, Williams e Harkins, 1979), o declínio no comportamento pode ser substancial ‐ 50%
em grupos de quatro pessoas e 60% em grupos de seis pessoas. A análise cuidadosa dos
dados revelou que por volta de metade da redução de desempenho foi resultado de
interferência mútua inadvertida e de dificuldades na coordenação, enquanto que 50% era
resultado dos indivíduos deliberadamente exercerem esforço menor. Desde então, a maior
parte dos experimentos incorporou delineamentos que eliminam as variáveis de
interferência e coordenação, que confundem os resultados. Mesmo assim, os resultados
ainda mostram uma perda de desempenho dos indivíduos em grupo consistente e
significativa ( p. ex; Harkins e Szymanski, 1989). Surge, assim, uma importante pergunta: por
que as pessoas em grupos têm preguiça tão freqüentemente e com tanta intensidade?

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Uma resposta abrangente emergiu bastante vagarosamente, em parte porque os
primeiros estudos enfocaram processos internos de grupos e indivíduos. Rigelman explicou
seus resultados em termos de problemas de coordenação inerentes a qualquer esforço de
grupo, e esta visão prevaleceu pelos 60 anos seguintes (p. ex; Steiner, 1972). “Processos
sociais problemáticos” não especificados que operam conjuntamente com problemas de
coordenação física também foram considerados como explicações possíveis (p. ex; Ingham,
Levinger, Graves e Peckahm, 1974).
Em uma série de experimentos freqüentemente engenhosos realizados durante os
últimos 15 anos, psicólogos sociais gradualmente descobriram as peças deste interessante
quebra‐cabeça. O passo crucial foi a realização de que na maior parte dos “settings” de
grupo, os desempenhos dos membros são combinados para levar a uma produção do grupo.
Daí, os esforços de qualquer pessoa são bastante anônimos: membros do grupo tipicamente
não recebem qualquer benefício ou culpa por suas atividades. Esta falta de feedback permitiu
aos sujeitos “reduzir seus esforços quando se sentiam menos pessoalmente responsáveis”
(Ingham et al., 1974, p. 382). O grau no qual o comportamento de um indivíduo é
“escondido” depende, obviamente, da natureza da tarefa e do tamanho do grupo – até um
certo ponto (p. ex.; Kerr, 1983). Seguindo esta linha de argumentação, uma série de
experimentos durante os anos de 1980 gradualmente revelou que a preguiça é reduzida e
pode ser eliminada quando certas condições prevalecem dentro de um grupo. Estas
condições se resumem no estabelecimento de contingências significativas para a ação dos
membros do grupo. As condições mais importantes são:

1. Os esforços dos membros individuais podem ser identificados por outros e/ou por si
mesmos (p. ex.; Kerr e Bruun, 1981; Williams, Harkins e Latane, 1981).
2. Os esforços dos membros individuais podem ser medidos e avaliados por outros e/ou
por si mesmos (p. ex.; Harkins e Jackson, 1985). Recentemente descobriu‐se que
avaliação dos produtos do grupo também reduz a preguiça ( Harkins e Szymanski,
1989).
3. Esta avaliação pode ser baseada em critérios objetivos ou pode envolver uma
comparação com os comportamentos (ou padrões) do próprio grupo, de várias outras
unidades sociais (p. ex.; o experimentador) ou do membro individual (p. ex; Harkins
e Szymanski, 1989; Szymanski e Harkins, 1987).
4. Quando a tarefa é difícil e/ou significativa para o indivíduo, ou quando membros do
grupo desempenham tarefas diferentes, a preguiça social é reduzida mesmo quando
não há potencial para avaliação (p. ex; Brickner, Harkins, e Ostrom, 1986; Harkins e
Petty, 1982; Jackson e Williams, 1985).
5. Fatores adicionais foram sugeridos, entre eles o componente criativo da tarefa
experimental, a complexidade do comportamento, os esforços dos companheiros e o
grau de coesão do grupo (p. ex; Jhonson e Harkins, 1985). Mas não está claro como
estas variáveis, e possivelmente outras, influenciam a preguiça social.

O estado presente do conhecimento é sumarizado pelo postulado básico de que “o


potencial para avaliação é central para o efeito da preguiça” (Harkins, 1987, p.11). Corolários
adicionam detalhes, mas o trabalho futuro provavelmente não modificará a natureza básica
da explicação.
Estes estudos colocaram a descoberto os princípios que subjazem aos
comportamentos dos indivíduos em grupos com várias estruturas. Por exemplo, a maioria

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dos grupos que desempenha tarefas aditivas opera de modo tal que não há contingências
diretas para as atividades dos membros – seja ela preguiça ou trabalho duro. Outras
estruturas e operações de grupo levam as relações diferentes entre os membros e suas ações
(p. ex.; se as contribuições individuais simplesmente são adicionadas ao produto do grupo
ou são contadas antes de serem adicionadas e se, ou não, o contar é acompanhado de uma
comparação com as contribuições de outras pessoas). Na maioria dos experimentos grupos
são conjuntos ad hoc de estranhos, a menos que a variável da “coesão” seja introduzida, por
exemplo, analisando o trabalho de membros de uma agremiação.
Podemos ver os processos de preguiça social em uma larga escala no desastre
econômico da agricultura da Rússia. As fazendas coletivas soviéticas são organizadas de
maneira que encorajam a preguiça social; daí, elas são notoriamente ineficientes. Os poucos
fazendeiros a quem se permite usar pequenos terrenos privados (depois de um dia de
trabalho no lote coletivo) cultivam apenas em torno de 1,3% da terra arável da nação. Ainda
assim eles produzem mais do que 20% de todo o alimento (Feshbach, 1982). Em Israel, por
outro lado, fazendas coletivas são organizadas de uma maneira um tanto quanto diferente e
são bastante eficientes. A diferença crucial é que os Kibutz são habitados por voluntários que
têm uma ideologia unificadora que enfatiza o trabalho e o bem comum.

Uma Comunidade Camponesa no Peru

Numa escala maior, apatia e fatalismo desempenham papeis cruciais no


desenvolvimento econômico – ou na sua ausência – tanto nas sociedades agrícolas quanto
modernas. Aqui, mais uma vez, estudos estatísticos não podem nos dar um quadro tão
compreensivo quanto as descrições cuidadosas de longo prazo de grupos particulares.
Descrições de comunidades camponesas no Terceiro Mundo e de subculturas em
desvantagem das sociedades urbano‐industriais fornecem muita informação útil sobre a
natureza da apatia e do fatalismo – suas raízes e implicações. O exemplo mais
impressionante de uma comunidade em que as atividades dos habitantes mudaram
radicalmente em menos de uma década é a fazenda (hacienda) Viscos, no Peru. Apatia e
fatalismo predominaram naquela vila andiana isolada por séculos, antes de 1952, quando o
antropólogo Alan Holmberg alugou a fazenda (Dobyns, Doughty e Lasswell, 1971).
O principal fator causal da apatia e irresponsabilidade era a ausência de elos
significativos entre as atividades dos camponeses e os eventos que os atingiam. O dono da
fazenda (ou seu capataz residente) governava a vila como uma mão de ferro. Cada família
tinha que fornecer três dias por semana de trabalho não pago nos campos da fazenda e
trabalho doméstico não pago também era freqüente exigido. Por décadas, a colheita de
batatas da fazenda havia sido mínima, apenas parcialmente por causa de sementes ruins. De
acordo com a tradição, cada família tinha o uso de um pouco de terra pobre para plantar
alimentos de subsistência (também principalmente batatas), mas em troca uma percentagem
variável da colheita tinha que ser dada para o patrão. Se a colheita de uma família era pobre,
eles quase que não tinham o suficiente para comer; se a colheita era boa, uma percentagem
maior tinha que ser dada ao patrão, deixando pouco para a família. Assim, trabalhar nas
terras da fazenda não era recompensado de modo algum e trabalhar duro nos próprios
campos tinha poucas recompensas. Os habitantes da vila que cuidavam do gado da fazenda
não eram pagos e nem os homens que ficavam nas passagens da montanha para coletar
pedágio. Não é surpresa que o trabalho no campo fosse muito pouco eficiente, que muitos
animais se perdessem e que poucos pedágios fossem coletados!

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Como o novo patrão, Holmberg foi capaz de fazer mudanças fundamentais nas
operações da fazenda. Mais importante do que tudo, ele aboliu o trabalho não pago e
instituiu um sistema de salário para trabalhadores, pastores e coletas de pedágio. Ele
forneceu melhores sementes de batatas e encorajou métodos agrícolas novos, mais efetivos.
Os pagamentos de empréstimos e de aluguéis dos campos privados foram cuidadosamente
especificados – assim, habitantes que produzissem uma boa colheita mantinham uma boa
parte dela para si. Durante o primeiro ano apenas poucos habitantes aceitaram a oferta de
Holmberg, principalmente porque não acreditavam em sua previsão de um resultado
favorável. Mas quando as colheitas melhoraram enormemente e Holmberg não aumentou os
aluguéis, mais famílias participaram no ano seguinte. Em quatro anos quase todos os
habitantes de Vicos usavam os novos métodos. A colheita de batatas da fazenda também
aumentou enormemente, o que tornou disponíveis fundos para projetos comunitários como
uma nova escola.
Holmberg instituiu mudanças semelhantes nos sistemas educacionais e políticos de
Vicos. Quando bons professores foram contratados e o sistema anterior de exploração de
alunos foi encerrado, a presença e o desempenho aumentaram enormemente. Holmberg
gradualmente transferiu o controle destas instituições para os habitantes da vila, que
aprenderam a administrar a escola bem e logo se tornaram políticos capazes. Em uma
década, a comunidade estava suficiente bem organizada e tinha fundos extras suficientes, da
venda de colheitas abundantes, para comprar a fazenda para a vila. Apatia e
irresponsabilidade haviam desaparecido em menos de meia geração!
O elemento comum em todos os procedimentos relativamente simples que Holmberg
empregou foi o estabelecimento de vários elos entre as atividades dos habitantes da vila e
várias conseqüências (KunKel, 1986). Depois que o tratamento caprichoso do patrão em
relação aos camponeses terminou (p. ex; trabalho não pago, aluguéis variáveis), os habitantes
tornaram‐se capazes de predizer e controlar aspectos importantes de seu contexto social. Em
menos de uma década, mudanças no comportamento, novas atividades, e taxas mais altas de
ação efetivas haviam transformado aquela vila em uma comunidade progressista.
O projeto Vicos é uma ilustração excelente de análise aplicada do comportamento em
uma grande escala (população: 1700). Ele também demonstrou que a apatia, o fatalismo e a
irresponsabilidade são categorias de comportamento que podem ser modificadas bastante
facilmente, em vez de condições internas ou fatores de personalidade, que presumivelmente
são bastante difíceis de mudar. Entretanto, Holmberg foi capaz de mudar a estrutura da
fazenda e sua operação – e portanto alguns elos comportamento‐consequência da vida diária
dos vicosinos que eram cruciais – porque tinham controle completo sobre a fazenda. Se ele
tivesse tido apenas controle parcial, ou se tivesse empregado princípios psicológicos
diferentes, ou se não tivesse sido um ser humano descente interessado no bem estar dos
habitantes, o projeto teria sido muito menos bem sucedido. Infelizmente, os problemas atuais
do Peru, especialmente a violência e os grandes desassossegos dos altos vales andinos
tornam o sucesso ultimo de Vicos questionável. Holmberg poderia muito bem concordar
com Simon Bolivar de que ele havia plantado no mar.

Princípios Comportamentais e Estrutura Social

Conjuntos de atividades que são usualmente rotulados de apatia e irresponsabilidade


se originam de certas combinações de processos psicológicos e de estruturas sociais aos quais
alguns membros de pequenos grupos, comunidades e a sociedade mais ampla estão

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expostos. Analisando estas combinações e seus elementos constitutivos podemos determinar
o que poderia ser feito para reduzir os problemas conseqüentes.
Os processos psicológicos envolvidos são os princípios comportamentais básicos
sumarizados em um paradigma bem conhecido:

Sd ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐> R ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐>Sr/a

A maioria das atividades (isoladamente ou em cadeias) são elementos centrais de tais


tríades de comportamentos. Entretanto, na vida cotidiana muitas atividades têm mais de um
estímulo discriminativo e também têm várias conseqüências. O paradigma básico é
expandido como mostra na Figura 1. As várias conseqüências podem ser positivas (Sr) ou
negativas (Sa), variam em natureza e magnitude e ocorrem em por longos períodos de
tempo.

Sd ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐>Sr
‐‐‐‐‐‐‐> R‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐> R‐‐‐‐‐‐‐‐‐>R‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐>Sd
Sd‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐>Sr

Figura 1. A tríade de comportamento.

Algumas conseqüências de atividades refletem o mundo físico, como quando


acidentalmente derrubamos um martelo e machucamos o dedão. Outras conseqüências
consistem das ações de seres humanos em nosso contexto, como quando as pessoas
respondem a nossas perguntas. Uma resposta amigável a uma pergunta polida, mesmo que
de um estranho, reflete a normas de nossa sociedade – mas não necessariamente de outras
culturas (p. ex.; Turnbull, 1972). A interação social consiste, essencialmente, das tríades
comportamentais conectadas de duas ou mais pessoas. Estas conexões têm forma de
equivalências: o comportamento de uma pessoa é equivalente ao estímulo discriminativo, ou
conseqüência negativa de uma outra pessoa. Assim, tríades de comportamento são
combinadas para formar grades, como mostra a Figura 2.
Nesta simples interação diádica, o comportamento de João (R1) é equivalente a um Sd
para Joana, cujo comportamento (R2) é equivalente a uma conseqüência positiva (Sr) para
João e também um Sd para as ações (R3). As atividades de várias pessoas conectadas por
numerosas equivalências são chamadas de uma estrutura social. Por exemplo, em um
hospital os regulamentos especificam os elos horizontais entre a resposta e seus antecedentes
e conseqüências, assim como as conexões verticais; assim, se supõe “adequado” que médicos
dêem ordens para enfermeiros e não vice‐versa.
A grade na Figura 2 nos permite visualizar um outro aspecto importante da interação
social: feedback. Se a resposta de João (R1) é recompensada (por R2), ele aprende que R1 era a
resposta “certa”; R1 foi adequadamente desempenhada e há elos entre R1 e Joana e entre o Sd
de Joana e sua ação (R2). Notamos que o controle de João sobre eventos posteriores depende
de seu comportamento e do grau de dependência em que este é desempenhado, assim como
da conexão entre indivíduos (na forma de equivalência) – em resumo, os componentes de
uma estrutura social.
Inversamente, se a ação de João não tem conseqüência, ele aprende que R1 era a
resposta “errada”, ou que R1, não foi suficientemente bem desempenhada, ou que não há
elos entre R1 e Joana, ou entre o Sd de Joana e sua ação (R2). A ausência de controle de João

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sobre eventos posteriores, então, depende não apenas de sua ação e competência, mas
também das conexões entre os indivíduos que são parte da estrutura social.

João.. -------> R1 -------> Srd -------> R3 ------->....


| | |
Joana.. -------> S -------> R2 -------> Srd ------->...
d

Figura 2: A grade de comportamentos ( baseado em Kunkel, 1975).

A vida cotidiana contém uma miríade de interações que variam em complexidade e


abrangência. Algumas interações são simples e diretas, tais como uma conversação,
enquanto que outras são complexas e indiretas, como quando lidamos com uma burocracia.
Embora a maioria das interações envolva outros indivíduos, é freqüentemente útil considerar
grupos ou unidades maiores em vez de indivíduos. Por exemplo, um estudante interage com
uma enorme variedade de indivíduos, mas faz sentido combinar algumas dessas pessoas em
“a faculdade”, “a biblioteca”, ou mesmo “a universidade”.
Comunidades camponesas e tribos primitivas têm estruturas sociais relativamente
simples. Praticamente todas as interações sociais são diretas, envolvem relativamente poucos
participantes e ocorrem dentro de períodos de tempo curtos. Além do mais, normas são
usualmente amplamente compartilhadas levando a uma alta predizibilidade das reações de
outras pessoas. Assim, esperar‐se‐ia que a maioria dos indivíduos tivesse um sentido de
controle sobre seu contexto social relativamente grande; se alguém se comporta
“corretamente” pode se esperar que obtenha resultados positivos e evite eventos negativos
do contexto social.
As sociedades urbano‐industriais consistem de numerosas estruturas sociais,
variando desde simples organizações até complexas burocracias. Muitas interações da vida
diária são indiretas, freqüentemente envolvem vários indivíduos e podem ocorrer por um
longo período de tempo. Além do mais, normas menos amplamente compartilhadas
reduzem o grau no qual as reações de outras pessoas podem se preditas – a menos que
conheçamos bem os indivíduos.
Para os analistas do comportamento a variável crucial que diferencia as sociedades
urbano‐industriais de suas predecessoras é a alta proporção de interações indiretas na vida
diária. Interações são diretas se a cadeia (de atividades de pessoas) entre a ação de um
indivíduo e suas conseqüências é curta – como no caso da Figura 2. Nesta estrutura social
elementar ambos os participantes podem predizer as conseqüências de seus comportamentos
e eles sabem o que fazer para eliciar a resposta desejada de seu parceiro. Assim, é provável
que ambos tenham um alto sentido de controle sobre o ambiente social.
Uma grande proporção das interações que compõem a vida diária nas sociedades
urbano‐industriais é indireta, envolvendo longas cadeias de (freqüentemente desconhecidas)
pessoas e de suas ações. A grade da Figura 2 teria que ser enormemente expandida para
incluir mais pessoas e comportamentos: a ação de João (R1) é um Sd para a resposta de Joana
(R2), que é um Sd para a ação de K (Rk), que é um Sd para a ação de L (RL) e assim por diante,
até que finalmente a resposta de Z (Rz) é equivalente a um resultado para a resposta de João
(R1). Quanto maior a cadeia, mais erros são possíveis e maior o período de tempo envolvido,
mesmo que haja a adesão de todos os participantes às normas para suas posições. Pode não
ser fácil determinar que comportamento foi finalmente reforçado ou ignorado. Por exemplo,
se eu quiser ter corrigido um erro no imposto de renda, um grande número de pessoas

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anônimas e de suas ações provavelmente estarão envolvidas – de fato, tantas que eu posso
preferir “esquecer” a menos que o erro seja grande e a meu favor. Quando a cadeia entre
respostas e suas conseqüência é longa, em grande parte desconhecida e consome tempo, o
resultado da ação de qualquer um é provavelmente menos predizível e menos controlável –
ou pelo menos as pessoas terão a percepção de que o é. Apatia, fatalismo e alienação são
aspectos importantes das vidas dos indivíduos em sistemas sociais em que tais elos indiretos
formam componentes significativos da vida diária.

Normas e Comportamento Governado por Regras

Como analistas do comportamento há muito perceberam, há mais na ação humana


complexa – especialmente nas sociedades modernas, dinâmicas – do que simples
contingências. Quando antropólogos e sociólogos estudam sistemas sociais os menores
elementos são indivíduos e suas atividades. Entretanto, a maioria das analises de sistemas
sociais também considera normas como estando entre as unidades fundamentais. Normas
relacionam o comportamento de uma pessoa aos seus contextos e conseqüências. A definição
clássica de norma é “qualquer padrão ou regra que afirme o que seres humanos deveriam ou
não pensar, dizer ou fazer em determinadas circunstâncias” (Blake e Davis, 1964, p. 456).
Normas guiam as atividades das pessoas ligando os comportamentos que uma cultura
define como “apropriados” em uma situação específica a várias conseqüências. O
comportamento de qualquer pessoa em um sistema social é o “resultado” da avaliação das
conseqüências de conformidade e não conformidade em vez de resultado da
“internalização” do norma (Blake e Davis, 1964, p. 466). Por exemplo, em Vicos, Holmberg
com sucesso substituiu antigas normas que encorajavam apatias por novas normas que
recompensavam esforços. Fazendo um fading out gradual de si mesmo, ele garantiu que as
novas normas fossem aceitas pela comunidade em vez de serem definidas como
externamente impostas.
Claramente, a essência da norma, como conceitualizada por sociólogos e
antropólogos, corresponde à tríade de comportamentos mencionados anteriormente: Sd → R
→ Sra. Além do mais, os princípios que governam são considerados como sendo os princípios
de aprendizagem dos psicólogos, mesmo quando isto permanece implícito. Analistas do
comportamento deveriam se sentir bastantes confortáveis em tal companhia.
Em anos recentes, analistas do comportamento começaram a focalizar atenção
considerável sobre o comportamento governado por regras como distintos de ações
governamentais por contingências (Haues, 1989). Quando regras são definidas como
descrições verbais de contingências comportamentais” (malott, 1988, p. 184), comportamento
governado por regras é “visto como comportamento sob controle de estímulos verbais
especificadores de contingências” (Zettle, 1990, p. 44). Tal especificação pode originar‐se no
contexto – assim como Holmberg disse aos habitantes de Vicos como pagar seus débitos com
suas colheitas – ou é inferida pelo indivíduo – assim como membros de grupos fazem
quando não há guias de ação públicos. Muitos sociólogos compartilham esta visão de como
regras e normas afetam o comportamento: “normas sociais são regras de conduta. As normas
são padrões a partir de cuja referencia o comportamento é julgado e aprovado ou
desaprovado” (Williams, 1968, p. 204). A principal diferença entre analistas do
comportamento e sociólogos é que os primeiros devotam grande cuidado à elucidação de
regras e suas operações (p. ex.; Malott, 1989).

10
Em seu resumo do conhecimento atual a respeito de regras Reese (1989) salienta que
há pelo menos três tipos bastante diferentes de regras que governam o comportamento
humano:

1. Regras naturais refletem o universo físico no qual vivemos (p. ex.; as “leis” dos físicos).
Ilustração: quanto mais rapidamente o carro se move, maior a distância necessária para
parar.

2. Regras normativas refletem prescrições sociais e culturais daquilo que as pessoas deveriam
fazer (p. ex.; as “normas” dos sociólogos). Ilustração: pessoas que dirigem deveriam usar
sinto de segurança.

3. Regras normais refletem aquilo que as pessoas usualmente fazem (p. ex.; na vida diária).
Ilustração: a maior parte das pessoas que dirigem hoje não usa cintos de segurança.

Estes três tipos de regras constituem as ferramentas analíticas efetivas para o estudo
da maioria dos aspectos dos sistemas sociais. Na realidade, antropólogos e sociólogos têm
devotado muito do seu trabalho durante o último século à elucidação de regras normativas e
normais – sua origem, operação e mudanças. Ainda assim poucos pesquisadores atentaram
para a aflitiva questão de por que tantas pessoas freqüentemente desconsideram muitas
regras normativas de tantos modos diferentes. Uma resposta comum é que as pessoas não se
conformam à norma social porque podem estar guiados pelas normas em competição e
conflitivas de sua subcultura. Em vez de se perguntar sobre determinantes adicionais do
comportamento, cientistas sociais simplesmente aceitaram o fato de que apenas uma
porcentagem variável de pessoas conforma‐se, em um grau variável, à grande variedade de
normas de uma cultura.
Tal abordagem é razoável quando a proporção daqueles que aderem a uma norma é
alta, ainda que seja porque explicar as poucas exceções seria bastantes custoso em termos de
hipóteses adicionais. Mas a sabedoria deste caminho fácil torna‐se questionável quando a
proporção de exceções e o grau de variabilidade são altos. Por exemplo, apenas em torno de
um quarto dos americanos (Geller et al., 1987) e em torno de metade dos canadenses
(Malenfant e Van Houston, 1987) usa cintos de segurança. Infelizmente, a aqueles que
estudam sistemas sociais tipicamente faltam ferramentas analíticas que são necessárias para
se buscar – para não falar em descobrir – soluções.
Consideramos o problema de baixa adesão a normas olhando para duas atividades
simples familiares a praticamente todos os adultos. Esperaríamos que as pessoas lavassem
suas mãos depois de usar o banheiro e que usassem o sinto de segurança quando dirigissem.
Afinal de contas, higiene e segurança pessoal são importantes nas vidas da maioria das
pessoas. Ainda assim, muito menos que a metade de todos os motoristas usa cinto de
segurança, mesmo em estados em que isto é exigido por lei (p. ex.; Geller et al., 1987), e quase
não chega à metade o número de indivíduos que usam o banheiro e lavam suas mãos depois
disto. Um estudo revelador indicou que 90% dos usuários lavavam suas mãos quando outra
pessoa estava presente, mas apenas 15% as lavavam quando sozinhos ( Pedersen, Keithly e
Brady, 1986). Assim, nos defrontamos com uma pergunta intrigante: por que alguns
comportamentos muito simples, que todo mundo conhece, ocorrem em taxas tão baixas –
quando seus benefícios são tão claros?

11
Analistas do comportamento têm mais probabilidade de descobrir a resposta do que
cientistas sociais, quanto mais não seja porque sua perspectiva tipicamente focaliza‐se em
indivíduos e suas relações com o ambiente. Mas mesmo esta perspectiva tem limitações, que
refletem as preocupações de pesquisa bastante estreitas do campo e sua relutância de
considerar a pesquisa em outros campos. Para compreender sistemas sociais, analistas do
comportamento precisam considerar o trabalho relevante de investigadores em outras
disciplinas.
Durante os últimos 40 anos, psicólogos sociais têm prestado razoável atenção em
fatos que iluminam a variabilidade de comportamento normativo. Estes pesquisadores
desenvolveram um conjunto de proposições bem fundamentadas e de mini‐teorias que
ajudam a explicar a freqüentemente baixa e variável adesão das pessoas às normas sociais. O
ponto de partida é a realização mencionada anteriormente, de que não é a norma em si
mesma, mas o resultado esperado de ações que determina o comportamento de um
indivíduo. A simples presença de outra pessoa no banheiro, por exemplo, provavelmente
resultará em uma desaprovação implícita se saio do banheiro sem lavar as mãos.
Daí faz sentido falar de um quarto conjunto de regras:

4. Regras pessoais são estímulos verbais especificadores de contingências que refletem as


percepções de um indivíduo sobre o mundo em geral. Estas percepções podem ser derivadas
das próprias experiências ou das experiências dos outros ou podem ser baseadas em
informações de várias fontes. Algumas regras pessoais são autônomas, enquanto que outras
estão relacionadas e podem formar orientações em relação ao mundo complexo no qual
qualquer pessoa está inserida. Eu uso o termo “regra pessoal”, em vez de auto‐regra, porque
o significado do último termo é muito estreito; Zettle (1990, p.44) define auto‐regras como
“estímulos especificadores de contingências produzidos pelo próprio comportamento
verbal”.

A secção seguinte descreve um pequeno segmento da imensa literatura da psicologia


social que é relevante para o estudo de sistemas sociais complexos por parte do analista do
comportamento. A pesquisa atual na área das regras pessoais descreve os processos que tão
freqüentemente levam muitas pessoas a quebrar muitas normas de sua sociedade. No curso
desta breve incursão também faremos uma descoberta intrigante: embora a maioria dos
estudos relevantes sejam cunhados em linguagem cognitiva, muito da pesquisa atual é
claramente comportamental. Variáveis dependentes e independentes, assim como medidas e
delineamentos experimentais tipicamente focalizam as atividades observáveis de indivíduos
em vários tipos de estruturas sociais.

Regras Pessoais e Atribuição

Um avanço importante da psicologia social tem sido o estudo da atribuição – as


causas às quais as pessoas atribuem (1) as suas próprias atividades e as de outros, e (2) os
vários eventos que lhe acontecem ( p. ex.; Kelley, 1973). Eu enfatizarei a segunda área e, em
particular, a pesquisa experimental e de campo sobre as ligações entre as atividades de um
indivíduo e suas conseqüências. Esta orientação contextual leva os pesquisadores de
atribuição por caminhos que são semelhantes a aqueles seguidos por analistas do
comportamento. Na realidade, os caminhos tendem a convergir à medida que se torne cada
vez mais evidente que as proposições significativas sobre atribuição são coerentes com

12
princípios comportamentais e aspectos fundamentais do comportamento governado por
regras.

Atribuição Geral

Começaremos com um exemplo simples: numa manhã de domingo João está


energicamente dirigindo para a praia e recebe uma multa por excesso de velocidade em uma
cidadezinha próxima da praia: “Essa horrível armadilha de velocidade”, ele reclama para
seus amigos, “de agora em diante farei um caminho diferente”. “Ah! Vamos lá!”, ri Joana
“Você deveria ter obedecido ao sinal. Você não viu logo depois do túnel?” Não seria difícil
adivinhar qual dos dois recebeu mais multas – e provavelmente receberá mais no futuro.
Se João “aprende ou não a lição” (i.e., a diminuir a velocidade depois de sinais de
limite de velocidade) depende dos fatores aos quais ele atribui sua multa. Se seu processo de
atribuição inclui a si mesmo (p. ex.; “Eu devia ter obedecido aquele sinal”), é provável que
ocorra alguma mudança em seu comportamento. Em termos da Figura 2, João estabelece um
elo entre B1 (seu comportamento de dirigir) e B2 (o guarda emitindo uma multa). Mas se
apenas fatores externos entram em sua atribuição (p. ex.; “Eu sou a vítima de uma armadilha
injusta”), não é provável que qualquer comportamento de redução de velocidade seja
aprendido. Em termos da Figura 2, João não estabelece qualquer elo entre B1 (seu
comportamento de dirigir) e B2 – a multa vem de lugar nenhum, por assim dizer. Assim, a
proposição geral é: se ou não eventos que ocorrem subsequentemente a atividades
conduzem à aprendizagem de novos comportamentos (ou ao desempenho de antigas ações
em situações inadequadas) depende das fontes às quais são atribuídos os eventos
subseqüentes.
Neste exemplo o indivíduo tem a escolha da atribuição porque a situação é ambígua
ou, pelo menos, aberta a várias interpretações. Podemos entender e simpatizar com a visão
de João: “Que armadilha! Apenas um pequenino sinal”! Mas também podemos entender
Joana e acrescentar, “Um sinal é suficiente”. Quando as circunstâncias são claras (bem
definidas) a maior parte das pessoas faz a atribuição “correta”, que é lógica ou obviamente
requerida pelos eventos. Mesmo então, entretanto, pode haver diferenças entre as percepções
das pessoas, e a definição do observador do que é “óbvio” e “lógico” pode não coincidir com
a opinião de um indivíduo. Um aluno que não estuda e então se sai mal em um exame ainda
pode atribuir a nota baixa daí resultante à “prova difícil” ou ao “professor injusto”, em vez
de à preguiça.
A pesquisa sobre as ligações entre atribuições presentes e ações futuras tem algumas
implicações fascinantes para o trabalho dos analistas do comportamento. Embora psicólogos
sociais não estejam propensos a dizê‐lo – em grande parte porque não estão familiarizados
com o tópico – a pesquisa de atribuição elucida alguns dos processos envolvidos no
comportamento governado por regras. A atribuição que as pessoas fazem com relação a
eventos que as atingem estabelece conexões entre ações particulares em circunstâncias
específicas e várias conseqüências (positivas, negativas, ou nenhuma). Estas conexões, por
sua vez, são as bases para regras que mais tarde governarão comportamento. As implicações
para a aprendizagem, manutenção, modificação e extinção do comportamento são
significativas: atribuições corretas facilitam a aprendizagem e manutenção de ações
apropriadas e efetivas, enquanto que atribuições incorretas tornam a aprendizagem e
manutenção de ações apropriadas e efetivas muito difícil e algumas vezes impossível.

13
Até aqui, analistas do comportamento mostraram pouco interesse pela atribuição
causal de uma pessoa e por suas implicações em relação a eventos posteriores, parcialmente
porque a maior parte de seus estudos enfocaram sujeitos únicos ou uns poucos sujeitos e
ações simples por curtos períodos de tempo. “Diferenças individuais” de resultados são um
aspecto esperado de tal trabalho; na realidade, variações nas atribuições dos sujeitos
provavelmente aparecerão principalmente em taxas diferencias de aprendizagem e assim
podem escapar completamente à atenção dos analistas do comportamento. Mas no estudo de
grandes sistemas sociais, com sua imensa variedade de atividades que são importantes nas
vidas das pessoas, a atribuição se torna uma variável significativa.
A heterogeneidade das populações e a imensa variabilidade de comportamentos nas
sociedades urbano‐industriais dinâmicas deveriam alertar o analista do comportamento para
a complexidade de determinantes até mesmo das simples atividades da vida cotidiana. Um
conjunto de fatores é a variabilidade dos elos percebidos entre comportamento e suas
conseqüências, sumarizados como atribuições. No decorrer dos anos, psicólogos sociais têm
descoberto que a maior parte das pessoas atribui os eventos que as atingem, especialmente
em situações ambíguas, a “causas” cujas características variam ao longo de uma ou mais de
três dimensões (p. ex.; Heider, 1958; Weiner, 1986): (1) global – especifico; (2) estável ‐
instável; (3) pessoal – externo.
A dimensão global‐específico reflete o significado de senso comum destes termos.
Assim, uma atribuição global de sucesso pode enfocar em “meu QI”, enquanto que uma
atribuição específica de um resultado ruim em uma prova poderia incluir “estudo
inadequado para a prova”.
A dimensão estável‐instável mais uma vez reflete o significado de senso comum dos
pólos. Assim pode se atribuir fracasso em Química I a fatores estáveis tais como a noção de
que “eu não tenho uma cabeça para matemática”, enquanto que um dia desastroso pode ser
atribuído a um fator instável como “eu tive uma terrível dor de cabeça”.
A dimensão pessoal‐externo com suas implicações de um contexto controlável é o
aspecto mais significativo da atribuição e, portanto, será discutida separadamente. Na
literatura o rótulo interno‐externo é comumente usado, mas eu substituo a palavra por
“pessoal” para evitar confusão com o significado usual de “interno”, que neste caso é
inadequado.
Não há implicações de que um pólo ou outro de cada dimensão é melhor ou pior;
claramente, tal avaliação depende da natureza do fator envolvido. Se uma atribuição inclui
“minha grande inteligência”, por exemplo, esse fator global, estável e pessoal seria positivo,
enquanto que “minha baixa inteligência” seria negativo, com implicações diferentes para
comportamento futuro.
A maior parte das pessoas é bastante consistente em suas atribuições para os eventos
que as atingem e, especialmente, em relação aos sucessos e fracassos que fazem parte de sua
vida diária; daí, faz sentido falar em um estilo atribucional de uma pessoa. A variedade de
tais estilos é bastante grande: uma pessoa pode atribuir a maioria ou todos os eventos a
fatores com características semelhantes (p. ex.; global, ou instável), enquanto que uma outra
pessoa pode atribuir fracassos a um conjunto de características e sucessos a elementos
bastante distintos. Os exemplos seguintes indicam as variações, poder e implicações das
atribuições.

14
Exemplo 1: Desempenho Acadêmico
O estilo atribucional afeta não apenas a interpretação de eventos passados específicos,
mas também tem implicações para o futuro. Uma citação, dentre dezenas que poderiam ser
citadas, é um estudo sobre o desempenho e humor de estudantes. Em um estudo de campo
longitudinal, Metalsky (1982) e seus colegas descobriram que alunos cujo estilo atribucional a
respeito de eventos negativos enfatizava fatores pessoais e globais (tais como “minha baixa
inteligência”) mostravam uma reação de humano mais depressiva depois de se saírem mal
em uma prova do que alunos cujo estilo enfatizava fatores externos e específicos (tais como
“uma prova injusta”). Outros estudos (sumarizados por Peterson e Seligaman, 1984)
fornecem evidência consistente de que uma grande variedade de “eventos negativos da
vida”, quando combinados com um estilo atribucional pessoal‐global em relação a estes
eventos, são prováveis de levar a sentimentos de desamparo.

Exemplo 2: Desamparo e Depressão


Por mais de 20 anos, psicólogos sociais têm estado fascinados com o “desamparo
adquirido”, um fenômeno aparentado com apatia e fatalismo. As proposições constitutivas
da teoria revista (Abramson, Seligman e Teasdale, 1978) deram origem a um grande número
de estudos. Em geral, este tipo de trabalho indica que o estilo atribucional de uma pessoa
com respeito a eventos negativos afeta a probabilidade posterior de desamparo e sua forma
extrema, depressão. Em um estudo recente, Peterson e Barret (1987) descobriram que o estilo
atribucional dos estudantes influencia as maneiras pelas quais eles se relacionam com a vida
universitária e como eles estudam e aprendem. Estudantes que atribuem eventos negativos a
fatores pessoais, estáveis e globais se saem menos bem academicamente e ainda assim
buscam menos ajuda de conselheiros acadêmicos, têm menos objetivos específicos e têm
mais probabilidade de “culpar aspectos de seu caráter por desapontamentos e fracassos
acadêmicos” (Peterson e Barret, 1987, p. 605) do que estudantes com o estilo atribucional
oposto. As implicações para evasão da universidade ou para sequer candidatar‐se à
universidade são evidentes, assim como os efeitos sobre a mobilidade ascendente – e
descendente.
Foi repetidamente salientado (p. ex.; Sweeney, Anderson e Bailey, 1986) que o
caminho para o desamparo e a depressão consiste de espirais descendentes – de
comportamento governados por regras que são auto‐validadores e levam à apatia. Quando
atribuímos fracasso a fatores pessoais e globais subscrevemos regras tais como: (1) eu não
sou bom em muitas coisas e/ou (2) a maior parte de minhas ações não são recompensadas.
Daí, é provável que tentemos menos no futuro e que o menor esforço possa muito bem levar
a mais fracasso. As regras são agora apoiadas por nova evidência, é menos provável que
façamos alguma coisa. Isto quase que garante que o fracasso (e mais uma vez as regras são
confirmadas).
Ao mesmo tempo, a pesquisa dos psicólogos sociais sugere várias maneiras de
quebrar a espiral descendente em direção à apatia. A principal entre elas é o emprego de
“atribuições defensivas”, que são comuns entre pessoas normais, isto é indivíduos não
deprimidos. A atribuição defensiva mais comum tem dois componentes: (1) fracasso e
eventos negativos são atribuídos a fatores externos e/ou específicos tais como “uma prova
difícil”, enquanto que (2) sucessos e eventos positivos são atribuídos a fatores pessoais e/ou
globais tais como “meu alto QI” (p. ex.; Zuckerman, 1979). Como analistas do
comportamento diriam, tais atribuições defensivas forjam um forte elo entre R ‐‐‐> Sr e
enfraquecem a conexão entre R‐‐‐ > Sa..

15
A pesquisa sobre estilo atribucional e desamparo sugere que as regras que governam
o comportamento de uma pessoa são adquiridas de outras ou inferidas a partir das próprias
experiências. Elas são selecionadas a partir de uma grande amplitude de alternativas e
podem ser mudadas. A formulação de regras é gradual e envolve uma série de passos nos
quais uma regra é tentativamente inferida e testada contra eventos no mundo real,
modificada se necessário e testada de novo, até que a pessoa esteja satisfeita (p. ex.; Hilton e
Slugoski, 1986).

Lócus de Controle

A dimensão mais importante da atribuição é o continuum pessoal‐externo. Durante o


último quarto de século, psicólogos sociais devotaram atenção considerável às crenças dos
indivíduos a respeito da origem dos eventos que os atingem e, em particular, à possibilidade
de controlar esses eventos. Em sua primeira afirmação geral, Rotter (1966) descreveu um
continuum de crenças sobre a origem dos eventos e seu controle, variando de “interno” a
“externo”. A afirmação mais sucinta desta dimensão é parte de uma avaliação histórica
recente desta variável: “Controle interno versus externo refere‐se ao grau em que as pessoas
esperam que um reforçamento ou um resultado de seu comportamento seja contingente ao
seu próprio comportamento ou características pessoais, versus grau em que as pessoas
esperam que reforçamento ou resultados sejam uma função do acaso, da sorte, ou do
destino, estejam sob controle de outros poderosos, ou simplesmente sejam imprevisíveis”
(Rotter, 1990, p. 489).
A monografia de 1966 de Rotter estimulou um grande número de pesquisas naquilo
que é conhecido como lócus de controle (LOC), grande parte sumarizada por Lefcourt (1981).
A área de pesquisa mais significativa examina as implicações comportamentais da posição
de um indivíduo na escala interno‐externo (IE) (p. ex.; Strickland, 1989). Para evitar
problemas de denotação indesejadas e improcedentes de “interno”, eu uso a palavra
“pessoal”, que, de qualquer modo, corresponda mais de perto ao sentido original de controle
pessoal de Rotter.
Em termos analíticos comportamentais, as crenças de um indivíduo a respeito de
lócus de controle são essencialmente conjuntos de regras sobre as ligações entre o
comportamento de alguém e eventos posteriores. Indivíduos no pólo pessoal do continuum
LOC acreditam que podem exercer controle considerável sobre os eventos que os atingem;
eventos positivos podem ser produzidos se desempenharem bem as atividades adequadas,
na situação certa e no momento apropriado, enquanto que eventos negativos podem ser
evitados de modo semelhante. Essas crenças estabelecem uma forte ligação entre o
comportamento de uma pessoa e suas conseqüências positivas/negativas – e o mundo do
indivíduo é pleno de grandes comportamentais como as da Figura 2. As principais regras
que tais indivíduo subscrevem incluem: (1) minhas ações têm certas conseqüências definidas
e predizíveis; (2) eu posso desempenhar o comportamento adequado bastante bem, e (3) eu
posso exercer poder considerável sobre eventos futuros. Observadores provavelmente
descreverão as atividades resultantes como “responsáveis”.
Inversamente, pessoas que estão no pólo externo da dimensão IE acreditam que suas
ações têm pouco se é que têm algo a ver com eventos posteriores, que são vistos como
resultados do acaso, sorte, destino, ou processo aleatórios. Não se pode produzir
conseqüências positivas ou evitar conseqüências negativas agindo “adequadamente” nas
situações “certas”; o mundo do indivíduo contém poucas grades comportamentais

16
completas mostradas na Figura 2. Na realidade as palavras entre aspas não fazem sentido.
Em termos analíticos comportamentais, há poucos, se é que há alguma, ligações entre
atividades e suas conseqüências. Na realidade, não há “conseqüências” como tal, porque este
próprio termo implica uma relação distinta com eventos anteriores. As principais regras que
tais indivíduos subscrevem afirmam: (1) minhas ações não têm conseqüências predizíveis,
definidas; (2) eu não tenho poder sobre eventos que me atingem. Diante de tais regras, ações
“irresponsáveis” e apatia não são sem sentido, afinal de contas.
No decorrer dos anos muitas pesquisas têm se devotado à relação entre a posição de
um indivíduo ao longo da dimensão IE e uma grande variedade de atividades. Por exemplo,
pessoas que acreditam que podem controlar eventos por meio de suas ações tendem a ser
mais independentes e otimistas, têm maior auto‐estima, demonstram maior resistência a
influências externas, confiam mais em outras pessoas e têm maiores expectativas de sucesso
(Strickland, 1989).
As pesquisas indicam, entretanto, que lócus de controle é apenas um dos fatores que
determina comportamento. Um exemplo típico de tais complexidades é a questão da
persistência depois do fracasso. A razão pelo qual pessoas repetem ações bem sucedidas é
bastante simples: sucesso é reforçador. Mas por que algumas pessoas reduzem suas ações
depois de fracassarem, enquanto que outras repetem ou, até mesmo, aumentam suas
atividades depois que fracassam? Parte da resposta está na natureza do comportamento:
indivíduos externamente orientados mostram maior persistência em tarefas cujos resultados
envolvem acaso, enquanto que indivíduos pessoalmente orientados mostram maior
persistência quando os resultados dependem de atividades que exigem habilidades (Gilmor,
1978). Uma outra parte da resposta reflete a atribuição de uma pessoa a eventos negativos. Se
o fracasso for atribuído a fatores pessoais que estão presumivelmente constantes, então é
menos provável que a atividade seja retida. Mas se o fracasso for atribuído a fatores externos
que podem mudar, então é provável que uma pessoa persista (Kemis, Zuckerman, Cohen e
Spadafora, 1982).
Este fator de lócus de controle nas atribuições de uma pessoa com respeito a seus
sucessos e fracassos passados – e expectativas de eventos futuros – é aprendido na infância e
tem implicações significativas daí em diante. Um estudo recente mostrou que crianças
populares de 5ª série vêem seu mundo social como controlável e explicam seu sucesso social
principalmente em termos de características e esforço individuais. Seus colegas menos
populares vêem o mundo como muito menos controlável e atribuem sucesso e fracasso social
principalmente à sorte (Eam e Sobol, 1990). As duas regras muito diferentes, “eu posso
trabalhar para me tornar popular” e “popularidade é uma questão de sorte’,
presumivelmente são aprendidas pela experiência, mas, uma vez formuladas, levam a
(in)atividades e resultados que finalmente sustentam as regras. Há um consenso crescente
entre pesquisadores de LOC que a controlabilidade do mundo é a variável crucial da atribuição,
a qual influencia uma grande variedade de comportamentos muito além do sucesso
acadêmico e da probabilidade de evadir da escola (p. ex.; Lefcout, 1981; Parker e Asher, 1987;
Weiner, 1986).

O Mundo (In)justo

Um componente fascinante da atribuição é a visão do indivíduo do mundo mais geral


no qual atividades, eventos e possíveis ligações comportamento‐consequência estão
inseridos. Em anos recentes, psicólogos sociais analisaram as diferentes percepções das

17
pessoas sobre o mundo físico e o sistema social no qual vivem; duas percepções são
especialmente importantes, cada uma implicada em seu próprio conjunto de princípios de
operação (Lerner, 1980). Estes princípios, por sua vez, são o fundamento principal das regras
que governam os comportamentos da vida diária de um indivíduo.
Um conjunto de princípios tem sido chamado “hipótese do mundo justo”. Indivíduos
que têm esta percepção dos sistemas social e físico no qual vivem assumem que o mundo
como um todo é justo. Dois componentes significativos desta percepção são: (1) o mundo é
um sistema coerente de elementos inter‐relacionados, e (2) eventos e relações entre eles são
regulares, predizíveis e podem ser descobertos. As principais implicações desta visão são: (1)
há ações “corretas” ou “apropriadas” (de um indivíduo e outras pessoas) que levam ao
sucesso ou são recompensadas; (2) há ações “incorretas” ou “não apropriadas” que levam ao
fracasso ou são punidas. Daí, faz sentido para o indivíduo estudar o mundo, para descobrir
que ações são apropriadas e para aprender a desempenhá‐las enquanto evita outros atos –
em resumo, comportar‐se “responsavelmente”.
O segundo conjunto importante de princípios foi chamado da “hipótese do mundo
injusto”. Indivíduos que compartilham esta percepção dos sistemas social e físico no qual
vivem assumem que o mundo como um todo é injusto. Dois componentes significativos
desta visão são: (1) o mundo é um conjunto solto de elementos independentes, e (2) eventos
ocorrem randomicamente e não podem ser preditos e muito do mundo não pode ser
compreendido. As principais implicações são: (1) eventos positivos e negativos são
aleatoriamente distribuídos no mundo e não têm ligações necessárias com ações humanas;
(2) não há ações “certas” ou “erradas”, “apropriadas” ou “não apropriadas”. Uma cultura
pode definir algumas ações como “boas” ou “apropriadas”(e o oposto), obviamente, mas as
conseqüências culturalmente planejadas de tais comportamentos freqüentemente não
ocorrem e são difíceis de predizer. Ações “boas” e “erradas” são igualmente prováveis de
serem recompensadas e punidas – pelo menos neste mundo. Daí, há pouco sentido em tentar
compreender o mundo ou descobrir ações “apropriadas” e “efetivas” – na realidade, todos
estes adjetivos são sem sentido e irrelevantes. Consequentemente, faz pouco sentido
aprender ou se preparar, ou até mesmo tentar – qualquer coisa. O resultado pode muito bem
ser (in)ações que um observador rotularia de “apatia” e “irresponsabilidade”.
Mais uma vez, analistas do comportamento vêem implicações claras e definidas para
atividades da vida diária. A descrição do mundo de um indivíduo como (in)justo determina
a ligação presumida (se há alguma) entre ações e suas conseqüências – e assim as regras que
governam o comportamento de uma pessoa. Por exemplo, a grande classe de atividades
chamada “trabalho duro” faz sentido para aqueles que acreditam que o mundo é justo, já
que em tal mundo trabalho duro será recompensado. Inversamente, baixas taxas de
comportamento e mesmo apatia são cursos razoáveis de (in)ação para aqueles que o mundo
é injusto: não importa quanto ou o que uma pessoa faça, conseqüências positivas e negativas
são igualmente prováveis. Em um mundo injusto há poucas grades comportamentais
completas (Figura 2).
Um exemplo de pesquisa nesta área diz respeito à atribuição de problemas e
acidentes (Burger, 1981). A maior parte das pessoas acredita que problemas menores,
incidentes e pequenos acidentes são usualmente resultado de falta de sorte ou acaso, talvez
“de probabilidades de acertando comigo”. Problemas sérios e acidentes severos, por outro
lado, são usualmente considerados como sendo responsabilidade – ainda que falta de – do
indivíduo, que foi descuidado, não fez a coisa “certa”, ou desempenhou a ação apropriada

18
inadequadamente. Culpar a vítima é um procedimento comum e um reflexo da percepção de
uma pessoa do mundo como sendo justo (p. ex.; Rayan.1971).
A hipótese do mundo justo é um outro exemplo de atribuição defensiva que torna a
vida nas sociedades urbano‐industriais dinâmicas suportável. Indivíduos podem agora
explicar, para sua própria satisfação, porque problemas importantes acontecem com algumas
pessoas, mas não são prováveis de acontecer com eles. Se grandes dificuldades e acidentes
severos são resultado de ações não apropriadas ou inefetivas, problemas sérios podem ser
evitados por meio de comportamentos “corretos” – e as pessoas podem, portanto, proteger‐
se a si mesmas.
A origem destas percepções do mundo não foi examinada em detalhe, em grande
parte porque estudos longitudinais de longo prazo seriam necessários. Entretanto, há
indicações de que o número e a proporção de eventos positivos na vida de uma pessoa, e a
freqüência de eventos resposta‐consequência que um pessoa experiencia, auxiliam a modelar
a visão de um pessoa do mundo (p. ex.; Scheire, Weintraub e Carter, 1986). Em relação a isto
é interessante notar a hipótese do mundo‐injusto. Isto poderia ser um reflexo do fato de que
a maioria dos psicólogos sociais são membros da classe média e assim, provavelmente,
gozam de uma boa vida?

Invulnerabilidade Única

Uma variante importante da hipótese do mundo (in)justo é uma percepção do


comportamento chamada a “ilusão da invulnerabilidade única”. Pessoas que compartilham
esta ilusão acreditam que problemas menores são aleatoriamente distribuídos na população
(p. ex.; o provérbio: “ninguém sem um pequeno dissabor”), mas problemas sérios
inevitavelmente afetam outras pessoas e, especialmente, aquelas que são muito diferentes (p.
ex.; Shaver, 1970; Walster, 1966). A regra básica que se origina desta ilusão é: “esta minha
ação é seguida por conseqüências aversivas”. Enquanto que em um “mundo justo” é preciso
comportar‐se apropriadamente para evitar problemas, tal esquiva aqui é automática.
Em um estudo com implicações interessantes, pesquisadores descobriram que
estudantes universitárias sexualmente ativas variam muito quanto ao uso de
anticoncepcionais (Burger e Berns, 1988). Em um extremo, algumas mulheres
sistematicamente usam vários métodos efetivos; no outro pólo, algumas mulheres usavam
anticoncepcionais pobres assistematicamente, a algumas nada usavam. Poder‐se‐ia
perguntar por que isto acontece, especialmente nesses dias de conhecimento difundido e de
fácil disponibilidade dos meios necessários.
Quando se perguntou aos sujeitos sobre as probabilidades de várias mulheres
engravidarem no ano seguinte, suas respostas foram bastante incomuns. As mulheres
acreditavam que elas mesmas tinham 9% de probabilidade de uma gravidez indesejada,
enquanto que “outras mulheres na universidade” eram tidas como tendo uma probabilidade
de 27% e “outras mulheres da minha idade” teriam uma chance de 43% de uma gravidez
indesejada. Interessante notar que muitas mulheres que usavam os métodos menos efetivos
também estavam certas de que elas mesmas não ficariam grávidas. Mais importante, as
mulheres sexualmente ativas que estavam convencidas que “outras mulheres” tinham
probabilidade de engravidar, enquanto que elas mesmas não o teriam, não tomavam
precauções – precisamente porque não acreditavam que precisassem! Finalmente,
experiências contrárias (tal como a gravidez de uma amiga) não enfraqueciam a convicção.

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Estes comportamentos e crenças são contra‐intuitivos e à primeira vista parecem ser
bastante ilógicos. Mas eles fazem sentido para indivíduos cujo comportamento é governado
pelas regras implicadas na ilusão da invulnerabilidade única.
Outros estudos têm mostrado a operação desta ilusão em áreas tais como dirigir. Por
exemplo, muitas pessoas acreditam que embora “pequenos arranhões” sejam aleatoriamente
distribuídos e possam acontecer com qualquer um, acidentes sérios ocorrem principalmente
com outras pessoas (p. ex.; Schneider et al. 1979). Apenas um pequeno passo é necessário
daqui para a conclusão de que “eu não preciso usar o cinto de segurança, mas você deveria
amarrar o seu”. As implicações para dirigir embriagado e acidentes fatais, e atividades
sexuais e AIDS são óbvias.
Alguma evidência indireta desta ilusão é fornecida pelo fato de que motoristas ruins
e pessoas que têm muitos acidentes também têm as menores taxas de uso do cinto de
segurança (Evans e Wasielewski, 1983) – assim como se pode esperar que mulheres
sexualmente ativas que não usam anticoncepcionais têm mais probabilidade de engravidar.
Afinal de contas, a ilusão da invulnerabilidade única não imuniza realmente do desastre.
A significação desta ilusão para análises comportamentais está no fato de que ela
contém regras (p. ex.; “coisas ruins não acontecem comigo”) que reduzem e/ou eliminam as
principais conseqüências de certas atividades. Uma contingência aversiva crucial desaparece
– não usar o cinto de segurança (ou anticoncepcionais) não mais tem qualquer coisa a ver
com o dano, morte (ou gravidez) provável. Um reforçador importante para o uso de cintos
de segurança (ou anticoncepcionais) – esquiva de dano, morte (ou gravidez) também
desaparece. Daí, poder‐se‐ia prever que tais comportamentos, mesmo quando são muito
simples, serão difíceis de estabelecer e de manter. Inversamente, pessoas que não sofrem da
ilusão de invulnerabilidade única estarão bastante prontas para usar cintos e
anticoncepcionais. Atividades que um observador rotularia de “irresponsáveis”, tornam‐se
pelo menos razoáveis por conta desta ilusão.
Psicólogos sociais não afirmam que todo mundo compartilha esta ilusão ou que ela
cobre todas as atividades da vida diária. Daí, não se pode assumir que todo mundo que
desdenha o uso de cintos de segurança, por exemplo, tem esta ilusão. Malott (1988) sem
dúvida está certo quando hipotetiza que algumas pessoas não usam cintos de segurança
porque consideram as conseqüências de sua recusa como sendo altamente improváveis.
Analistas do comportamento que estudam as sociedades complexas, dinâmicas, com
populações heterogênicas devem estar prontos a considerar uma variedade de determinantes
para qualquer ação particular.
A ilusão da invulnerabilidade única acaba sendo bastante diferente da quimera
mentalista usual. Esta “ilusão”, que à primeira vista analista do comportamento podem
considerar estranha e inútil, a partir de um exame detalhado torna‐se um interessante
conjunto de regras – sobre a ausência de conseqüências importantes – que têm implicações
cruciais para as interações diárias para vida de uma pessoa.
O mundo da realidade, que inclui as probabilidades reais de acidentes de gravidez, é
uma coisa; o mundo de invulnerabilidade única é algo bastante diferente. Nem todo mundo
vive no primeiro mundo. Poderia ser que bem menos de metade das pessoas o fazem? Para
os outros, seria razoável usar cintos apenas quando são reforçados a fazê‐lo, ou quando
recebem dicas de muitas maneiras (p. ex.; Williams, Thyer e Harrison, 1989).

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Conclusão

Muito do trabalho feito por antropólogos, sociólogos e psicólogos sociais tem


relevância imediata para analistas do comportamento porque é coerente com, e
frequentemente derivado de, princípios comportamentais. Na realidade, sistemas sociais só
podem ser compreendidos se analisamos sua operação em termos dos comportamentos
governados por regras dos indivíduos. Quando analisamos normas culturais que dão origem
a tais regras – em uma tribo, comunidade, ou sociedade urbano‐industrial – examinamos o
que analistas do comportamento chamam de metacontingências. Ainda assim, há uma
enorme variabilidade na adesão de uma população às normas (ver capítulo 3). Nem todo
mundo é igualmente afetado por metacontingências.
Este capítulo reviu dois aspectos problemáticos de metacontingências nas sociedades
urbano‐industriais dinâmicas, com base na pesquisa de psicologia social:

1. as estruturas sociais complexas nas quais os indivíduos estão inseridos produzem uma
grande proporção de elos indiretos e frequentemente tortuosos entre o comportamento
de uma pessoa e seu resultado último. Quanto maior o número de pessoas e ações
envolvidas na cadeia, maior a chance de erro (deliberado ou aleatório) e maior a escala de
tempo. Daí, as ligações entre muitos comportamentos e suas conseqüências são
enfraquecidas e se tornam nebulosas. Isto tona os resultados de muitas ações
imprediziveis e incontroláveis, levando à apatia e irresponsabilidade. Aqueles que
analisam sistemas sociais argumentam que estes problemas, sendo uma função do
tamanho e complexidade do sistema, são, em medida considerável, endêmicos na
sociedade moderna.
2. as metacontingências que supostamente guiam ações das pessoas não existem apenas nas
normas da sociedade. Um aspecto igualmente importante das metacontingências é a
percepção que as pessoas têm delas. Na realidade, a pesquisa sobre atribuição, por parte
dos psicólogos sociais, leva à conclusão de que tais percepções são cruciais para muitas
atividades: atribuindo causas a eventos que nos atingem, percebemos ou negamos uma
ligação entre o comportamento e seu resultado – e agimos de acordo. Quando a
atribuição reflete a realidade tudo está bem – indivíduos aprendem, por exemplo, que
ações apropriadas levam a resultados positivos, enquanto conseqüências negativas
podem ser evitadas. Mas como psicólogos sociais descobriram, muitas pessoas comentem
erros mais ou menos sistemáticos em suas atribuições. Frequentemente demais seres
humanos constroem ligações comportamento‐resultado que não existem, não reconhece
ligações que ali estão e então comportam‐se de acordo com regras erradas.

É confortador viver em um mundo justo que se pode controlar e acreditar na própria


invulnerabilidade única. Talvez seja por isso que essas suposições e regras daí derivadas
sejam tão largamente compartilhadas. Mas os comportamentos que refletem essas regras
provavelmente não serão tão efetivos na vida diária quanto outras ações que se aprende no
mundo real. Apatia e comportamentos irresponsáveis são, com freqüência demasiada,
conseqüências de ligações indiretas e relações percebidas de maneiras distorcidas de
atividades e de seus resultados. Ainda precisa ser visto se estes problemas de ligação são
aspectos inevitáveis da vida em uma sociedade urbano‐industrial complexa, dinâmica.
Talvez os analistas do comportamento possam descobrir uma solução.

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