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MARILYN YALOM

HISTÓRIA
DO SEIO
| Tradução de
Maria Augusta Júdice

f |
teorema
O Marilyn Yalom, 1997
Título óriginal: 4 History of the Breast
Tradução: Maria Augusta Júdice
Capa: Fernando Mateus
Paginação: Rui M. Almeida
Impressão e acabamento: Rainho & Neves, Lda. / Santa Maria da Feira
Este livro foi impresso em Setembro de 1998
ISBN: 972-695-344-8
Depósito legal nº: 128083/98

Todos os direitos desta edição reservados por


EDITORIAL TEOREMA, LDA.
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1100 LISBOA
Para o Irv
Para sempre
A
E os seios que se elevam suavemente
Como colinas do paraíso.

CANÇÃO DE ESTUDANTE DA IDADE MÉDIA,


TRADUÇÃO DE J. A. SYMONDS

. |
Quando os poetas falam da morte, chamam-lhe o lugar |
"onde não há seios”. |

RAMÓN GÓMEZ DE LA SERNA, 1917

O seu seio livre, sem corpete


É uma promessa de pneumático deleite...

T. S. ELIOT, "WHISPERS OF IMMORTALITY”

Está um homem a dormir na sala ao lado


Nós somos seus sonhos
Temos cabeças e seios de mulher
E corpos de aves de rapina...

ADRIENNE RICH, "INCIPIENCE"


Agradecimentos

Houve muitos amigos, colegas, e inclusivamente estranhos que me ajuda-


ram a escrever este livro. Sempre que pus em dúvida o mérito do tema, o apoio
de muitas pessoas assegurou-me que o seio não perdeu o interesse. Quero ex-
pressar aqui o meu sentido agradecimento a todos os que me apoiaram.
Em primeiro lugar, quero agradecer aos meus colegas da Stanford Uni-
versity pelo seu apoio especializado: os Professores Marc e Vida Bertrand,
Judith Brown (actualmente em Rice), Brigitte Cazelles, Joseph Frank, Van
Harvey, Ralph Hester, Iris Litt, Marsh McCall, Diane Middlebrook, Ronald '
Rebhoiz, David Spiegel. Tenho uma enorme dívida de gratidão para com
Laura KRupperman, uma aluna licenciada do departamento de belas artes, pelo
seu auxílio fiel e inteligente como minha assistente de investigação. No Stan-
ford Institute for Research on Women and Gender, muitos professores aca-
démicos assistiram à leitura de alguns capítulos e forneceram-me opiniões
bem informadas. Gostaria de agradecer em especial a Edith Gelles, cujo tra-
balho sobre a história do cancro da mama serviu de apoio à minha investi-
gação; a Renee C. Hoogland, da Universidade Católica de Nijmegen que, du-
rante o seu período como professora residente no instituto, contribuiu
consideravelmente para a minha compreensão da história holandesa; a Sidra
Stitch, que me chamou a atenção para material pertinente na arte e cultura
MARILYN YALOM

americanas; e a Susan Bell, que leu o manuscrito enquanto este não estava
concluído e foi a minha crítica infatigável.
Um agradecimento especial a Chana Bloch, do Mills College e a Marcia
Falk, autora de Berkeley (que publicaram uma tradução do Cântico dos Cân-
ticos) pelo seu auxílio nos materiais bíblicos e clássicos. De modo idêntico,
o psicanalista John Bebbe, de São Francisco, e o psicanalista Carlos Greaves,
de Palo Alto, forneceram-me dados preciosos para o capítulo dedicado à psi-
canálise. Beth Gutcheon, romancista de São Francisco, e Minerva Neiditz, es-
critora da Universidade do Connecticut, deram-me conselhos úteis em termos
de estilo. Susan Gussow, da Copper Union de Nova Iorque, ajudou-me a alar-
gar a minha perspectiva sobre a arte visual contemporânea. Tal como acon-
teceu na maioria dos meus projectos anteriores, pude contar com o aconse-
lhamento avisado de Mary Felstiner, da San Francisco State University
Em França, os meus bons amigos Philippe Martial e Bertrand Féger con-
cederam-me o benefício da sua sabedoria profissional e contactos na Biblio-
teca do Senado e da Assistência Pública. Estou também profundamente grata
ao falecido Claude Paoletti e à sua esposa, Catherine pelo seu apoio e gene-
rosidade. Gostaria igualmente de expressar a minha gratidão à escritora Eli-
sabeth Badinter, que foi uma preciosa fonte de informações e encorajamento.
O meu marido, Irvin, e o meu filho Benjamin foram companheiros pres-
táveis e críticos exigentes. A minha filha, Eve, e o meu genro, Michael Cars-
tens — ambos médicos — fizeram a crítica do capítulo sobre medicina. Son
Reid, um fotógrafo, verificou as ilustrações e contribuiu com algumas foto-
grafias. O meu filho Victor, psicólogo clínico, e a minha nora Tracy La Rue
(mulher de Red), psicóloga estagiária, contribuíram com críticas úteis para O
capítulo sobre psicologia. A minha nora Noriko Nara (mulher de Victor) po-
sou com o nosso neto Jason para uma bela fotografia a amamentá-lo. Bem
vistas as coisas, O Seio foi, em certa medida, um trabalho em família.
E por fim, mas não menos importante, gostaria de agradecer à minha edi-
tora de Knopf, Victoria Wilson, pelas suas críticas profundas; a Bram Dijks-
tra, da Universidade da Califórnia, pela sua leitura cuidadosa do manuscrito
num estádio crucial de desenvolvimento; e à sua mulher, Sandra Dijkstra, mi-
nha agente literária e amiga querida, por ter levado o livro a excelentes edi-
tóras, tanto no país, como no estrangeiro.

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— A História do Seio
É
Introdução:
MUDANÇA DE SIGNIFICADO

Quero fazer o leitor pensar no seio feminino como nunca pensou. Para a
maior parte das pessoas, e em especial para os homens, os seios são ornamentos
sexuais — as jóias da coroa da feminilidade. No entanto, esta visão sexualizada
do seio não é, de modo nenhum, universal. Em muitas culturas de África e do
Pacífico Sul em que as mulheres andam de seios descobertos desde tempos
imemoriais, o seio não assumiu o significado predominantemente erótico que
tem-no Ocidente. As culturas não-ocidentais têm os seus próprios fetiches —
pés pequenos na China, a parte posterior do pescoço no Japão, as nádegas em
África e nas Caraíbas. Em cada um destes casos, a parte do corpo sexualmente
investida — o que o poeta francês Mallarmé designa por “erotismo velado”
— deve muito do seu fascínio à ocultação completa ou parcial.
As hipóteses que nós, ocidentais, tomamos como válidas em relação ao
seio, revelam-se particularmente arbitrárias quando adoptamos uma perspec-
tiva histórica, que constitui o objectivo desta obra. Nela cobriremos cerca de
vinte e cinco mil anos, focando-nos em certos momentos em que uma con-
cepção específica do seio tomou a imaginação ocidental, transformando a

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MARILYN YALOM

maneira como este era visto e representado. Encare esses momentos como
uma espécie de montagem cinematográfica progressiva e, por vezes, em so-
breposição, mas não como uma bobina continua da história do seio.
Na base desta progressão, há uma questão básica: a quem pertence o seio?
Pertence ao lactente, cuja vida depende do leite da mãe ou de uma ama de
leite? Ao homem ou mulher que o acaricia? Ao artista que representa a forma -
feminina, ou ao estilista que escolhe seios pequenos ou grandes de acordo
com a procura contínua de um novo estilo no mercado? Pertence à indústria
têxtil, que produz o ” soutien para adolescentes,” o “soutien de suporte” para
mulheres mais velhas, e o Wonderbra para mulheres que pretendam obter de-
cotes mais pronunciados? Pertence aos juízes religiosos e morais que insis-
tem que os seios devem ser castamente cobertos? Pertence à lei, que pode
ordenar a prisão de mulheres que façam ” topless”? Pertence ao médico, que
decide quantas mamografias, biopsias ou remoções devem ser feitas? Perten-
ce ao cirurgião plástico, que o reestrutura por razões meramente cosméticas?
Pertence ao pornógrafo, que compra os direitos de expor alguns seios de mu-
lheres, frequentemente em cenários aviltantes e injuriosos para todas as mu-
lheres? Ou pertence à mulher, para quem os seios constituem uma parte do
seu próprio corpo? Estas questões sugerem alguns dos diversos esforços dos
homens e das instituições para se apropriarem dos seios femininos ao longo
da história.
Como parte determinante do corpo feminino, o seio foi codificado com co-
notações ” boas” e “más” desde que há registo. Recordemos que no Génesis,
Eva era simultaneamente a honrosa mãe da raça humana e a arquetípica mulher
tentadora. Judeus e Cristãos podem afirmar com orgulho que ela amamentou
os seus antepassados, mas também associam a maçã do pecado aos seus seios
redondos — uma relação tomada visível em inúmeras obras de arte.
Quando o modelo do “bom” seio entra em ascensão, a ênfase recai sobre
o seu poder de alimentar crianças ou, alegoricamente, em toda uma comuni-
dade religiosa ou política. Foi o que aconteceu durante cinco mil anos, em
que os ídolos femininos foram adorados em muitas civilizações do Ocidente
e do Próximo Oriente. Foi o que aconteceu há quinhentos anos nas pinturas
italianas da Virgem a amamentar, e há duzentos anos nas imagens de seios
dgsnudos da Liberdade, da Igualdade, e da nova República Francesa.

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HISTÓRIA DO SEIO

Quando a “má” visão é predominante, o seio é um agente de excitação,


ou mesmo de agressão. Foi essa a posição tomada não apenas pelo autor do
Génesis, mas também pelo profeta hebreu Ezequiel, que representou as ci-
dades bíblicas de Jerusalém e Samaria como meretrizes luxuriantes e de seios
pecaminosos. E foi o que aconteceu quando Shakespeare criou a figura mons-
truosa de Lady Macbeth, para referir apenas as mais memoráveis das suas
mulheres ” de maus seios”. A visão do seio “mau” deriva frequentemente de
uma combinação de sexo e violência, que podem ser encontrados em muitas
obras contemporâneas de cinema, televisão, publicidade e pornografia. Es-
cusado será dizer que a maioria das representações de seios — ou de qualquer
outro objecto — representam tradicionalmente um ponto de vista masculino.
Descobrir o que as mulheres do passado sentiam em relação aos seus seios
tem sido um desafio continuo. Tentei encontrar exemplos de mulheres deci-
dindo como os seus seios deviam ser vestidos e usados. Em que medida po-
diam elas escolher amamentar ou não os seus filhos? Quando tiveram alguma
intervenção no tratamento médico dos seus seios? Como utilizaram os seus
seios como veículos comerciais e políticos? As suas representações literárias
e artísticas do seio eram diferentes das dos homens? Tomei uma atenção es-

!
pecial às alturas em que as mulheres tentaram reclamar a posse dos seus seios
— nomeadamente a época presente, o final do século XX.
A viagem traçada neste livro das deusas do Paleolítico até ao movimento
de libertação feminino é longa e recheada de surpresas. Ao longo do caminho,
encontramos estátuas pré-históricas cujos seios eram investidos de poderes
mágicos. Também deparamos com as sacerdotisas das serpentes de Minos,
em Creta, de seios nus, e as estátuas do culto de Artemisa, com inúmeros
seios, que configuraram a última vaga de adoração pré-cristã inspirada nos
mistérios femininos. No mundo da Bíblia hebraica, encontramos mulheres
primordialmente validadas como mães, e no mundo do Novo Testamento, a
Virgem Maria celebrada como a mãe miraculosa do Deus cristão. Tanto na
tradição judaica como na cristã, os seios eram dignificados por produzirem
o leite necessário à sobrevivência do povo hebraico, os seguidores de Jesus.
O exemplo do Menino Jesus a beber o leite da mãe tornou-se a metáfora do
alimento espiritual de todas as almas cristãs.
A Nossa Senhora do Leite, inventada na Itália do séc. XIV, em breve teve

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MARILYN YALOM
%

de defrontar-se com uma nova imagem, predominantemente sexual, do seio.


Em inúmeros quadros e poemas que proliferaram por Itália, França, Inglaterra
e pelos países do norte da Europa durante os séculos XV, XVI e XVII, o po-
tencial erótico do seio veio a ensombrar o seu significado maternal e sagrado.
Os aspectos sagrado e sexual representam esforços diferentes para o seio.
A ordem de amamentar e a ordem de titilar constituem exigências rivais que
continuam a moldar o destino das mulheres. Desde o início da era Judaico-
-Cristã, tanto os homens da igreja como os laicos, para não falar dos bebés,
sempre consideraram o seio propriedade sua, da qual podiam dispor com ou
sem o consentimento das mulheres.
Na República holandesa do séc. XVII, entrou em campo uma nova força
— a responsabilidade cívil. A mãe lactante, que alimentava o seu filho, era
vista como alguém que dava um contributo importante para o bem-estar geral
do seu lar e da comunidade. Um século mais tarde, o aleitamento passou a
constituir uma parte essencial da Revolução Francesa. Seguindo Rousseau,
muitos súbditos franceses foram levados a crer que uma reforma social geral
resultaria se as mães amamentassem os seus bebés, em oposição à prática co-
mum de mandá-los para as amas de leite. Individualmente, a obrigação de
uma mulher amamentar uniu-se à responsabilidade colectiva da Nação de
“ amamentar” os seus cidadãos — uma ideia traduzida em inúmeras imagens
da República representada como uma mulher de seios nus. Assim, os seios
“ democratizaram-se” na passagem do poder absoluto pará o poder repre-
sentativo.
Nenhum estudo sobre o seio estaria completo sem ter em conta a sua his-
tória médica. Embora a medicina do séc. XX tenha vindo a dedicar-se cada
vez mais ao cancro da mama, a literatura médica da Antiguidade Grega e Ro-
mana também se dedicou à aleitante. Podemos encontrar conselhos porme-
norizados sobre as modificações que ocorrem nos seios durante a gravidez,
a dieta e o exercício, as maneiras adequadas de mamar, como tratar abcessos
e o processo do desmame em inúmeros artigos escritos em muitas línguas,
especialmente desde o séc. XVIII. Essas obras dão-nos muitas informações
sobre o modo como a medicina não só fez progredir o tratamento dos doentes,
mas valorizou as mulheres principalmente como reprodutoras e provedoras
de alimento.
Sr

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HISTÓRIA DO SEIO

Enquanto no séc. XIX, os médicos davam uma conotação moral ao alei-


tamento, as novas disciplinas da psicologia e da psicanálise enfatizaram os
papel crucial do seio na vida emocional da criança. No virar do século, Sig-
mund Freud recolhia provas psicanalíticas para provar que mamar não era
apenas a primeira actividade da criança, mas constituía também o início da
vida sexual do ser humano. À um nível popular, o seio segundo Freud co-
meçou a figurar em filmes e livros, desenhos animados, anedotas e t-shirts,
e inúmeras revistas. Todas essas representações confirmam vivamente a
atracção irreprimível do seio para o homem adulto.
Desde o séc. XIX, as exigências em relação ao seio multiplicaram-se à
velocidade de tudo o resto na era industrial e pós-industrial. Os interesses co-
merciais soterraram as mulheres de todos os tipos com peças para apoiar, dar
forma e aumentar os seios: espartilhos, soutiens, cremes, loções, implantes
de silicone, programas de emagrecimento e máquinas para esculpir o corpo.
Embora os seios sempre tenham sido, em certa medida, comercializados, só
nos últimos cem anos o capitalismo assumiu o seio em força como objecto
de lucro. As peças de vestuário destinadas a revestir os seios já eram usadas
pelos Gregos e Romanos, e os espartilhos eram peças de uso comum no final
da Idade Média, pelo menos para os abastados; porém os espartilhos indus-
triais, introduzidos em meados do séc. XIX, e os soutiens, inventados no imi-
cio do séc. XX, tornaram a roupa interior acessível a mulheres de todas as
classes. Com a produção em massa, o ” controlo do seio” passou a ser obri-
gatório para toda a gente.
Como a roupa interior é sempre feita de modo a adaptar-se ao ideal físico
predominante, a história do seio pode ser tabelada de acordo com as épocas
em que estes foram subestimados ou enfatizados. Compare-se, por exemplo,
o peito liso e “arrapazado” dos anos 20 com os projécteis sexuais dos anos
50. Os espartilhos e soutiens foram feitos para apertar e esconder os seios ou
fazê-los saltar para fora como maçãs ou torpedos.
É significativo que o movimento de libertação das mulheres, em finais dos
anos 60, tenha começado com o tão publicitado acto de queimar os soutiens.
Apesar de caluniadas fora dos círculos feministas, as ” queimadoras de sou-
tiens” estabeleceram um paradigma de resistência face às restrições externas.
Ao queimar soutiens, mais figurativa que literalmente, as mulheres minaram

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MARILYN YALOM

a ideia básica do controlo exterior a nós próprias. À partir de então, as mu-


lheres podiam questionar a autoridade dos agentes anteriormente tidos por sa-
crossantos, como a medicina e a moda. As mulheres começaram a decidir por
si se queriam usar soutiens, fazer topless, amamentar ou fazer uma mastec-
tomia.
A questão da imagem física está no centro de todas estas considerações.
É evidente que é difícil gostar dos nossos seios se eles não corresponderem
ao ideal físico da nossa época e região. Numerosos estudos documentaram
o ponto a que muitas mulheres são tiranizadas por noções arbitrárias de be-
leza que, nã segunda metade do séc. XX, assumiram a forma de corpos es-
canzelados com seios exuberantes. As mulheres americanas gastam milhões
e milhões em produtos e serviços destinados a reduzir a parte inferior do cor-
po e aumentar a parte superior. As operações estéticas mais frequentes rea-
lizadas actualmente nos Estados Unidos são a ltposucção e o aumento dos
seios. Simultaneamente, os programas de perda de peso multiplicam-se com
fervor religioso entre mulheres de todas as idades, e a anorexia e a bulimia
atingiram proporções quase epidémicas entre as mulheres mais jovens. Em-
bora não possamos atribuir apenas às imagens promovidas pelos anúncios,
revistas, filmes e televisão essas práticas consumistas e comportamentos pa-
tológicos, seria um disparate ignorar a influência dos media na divulgação
de uma imagem normativa do aspecto que deve ter uma mulher desejável.
Poderíamos argumentar que, mais do que nunca, tanto as mulheres como os
homens formam os seus padrões de aparência com base nas imagens comer-
“ciais que nos assediam constantemente.
As feministas e outras activistas tentaram libertar a mulher dos ideais ar-
bitrários de beleza promovidos pelos media. A certa altura, não era correcto
não usar soutien e desenfatizar os contornos do corpo. Nos últimos duzentos
e cinquenta anos, amamentar voltou a estar na moda depois de uma geração
de mães que alimentavam os filhos com biberão. Hoje em dia, muitas mu-
lheres lutam activamente por um maior controlo das decisões médicas que
afectam a sua vida, em especial no que diz respeito ao cancro da mama.
As mulheres têm sido obrigadas a confrontar o importante significado do
seio como fonte de vida e aniquilador. Por um lado, os seios estão associados
à transformação da adolescência para a idade adulta, ao prazer sexual e ao

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HISTÓRIA DO SEIO

aleitamento. Por outro, estão cada vez mais associados ao cancro da mama
e à morte. Para as mulheres, a oposição entre o seio “bom” e o seio “mau”
não põe em confronto a mulher e a santa com a vagabunda e a prostituta,
como acontece em muitos textos escritos por homens. Nem evoca a oposição
entre as percepções do seio “bom” e acalentador para a criança e O seio
“mau” e rejeitador, subjacentes a algumas teorias psicanalíticas. Para as mu-
lheres, os seios incarnam literalmente a tensão existencial entre Eros e Tha-
natos — vida e morte — numa forma visível e palpável.
Uma história cultural do seio inclui-se inevitavelmente no contexto do
“reino do falo” que domina o Ocidente há duzentos e cinquenta anos. No
entanto, o seio tem um reino simultâneo construído a partir das fantasias dos
homens, é certo, mas que exprime cada vez mais as necessidades e desejos
das mulheres a quem os seios pertencem, em última análise.

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Um
O SEIO SAGRADO:
DEUSAS, SACERDOTISAS, MULHERES
BÍBLICAS, SANTAS E VIRGENS

NO INÍCIO era o seio. À excepção de uma pe-


quena fracção da história humana, não houve subs-
tituto para o leite materno. De facto, até ao fim do
séc. XIX, quando o leite pasteurizado transformou
o leite animal num produto seguro, o seio materno
determinava a vida ou a morte do recém-nascido.
Não é de admirar que os nossos antepassados pré-
-históricos dotassem os seus ídolos femininos de
seios enormes. Não é de admirar que esses ídolos
aparecessem em lugares tão distantes como Espa-
nha, Europa Central e as Estepes da Rússia muito
antes do aparecimento da agricultura. Não é preci-
so ter muita imaginação para imaginar uma mãe
aflita da Idade da Pedra e um desses ídolos roliços
uma quantidade de leite suficiente (fig. 1).
1. A Vénus de Grimaldi, 23 000 A.C.
CCT

21
ação era rem tina
MARILYN YALOM
á

Essas estatuetas talhadas em osso, pedra e barro chamavam a atenção, não


só pelos seus seios proeminentes, mas também pelo tamanho excessivo das
suas barrigas e nádegas. Os seus corpos rechonchudos podem não estar de
acordo com os nossos padrões estéticos actuais, mas para os habitantes de
um mundo em que as fontes de alimento eram, no mínimo, precárias, a obe-
sidade era uma bênção. Ela constituía a melhor hipótese de sobrevivência e
a promessa de poder amamentar o seu rebento, mesmo durante períodos de
fome.
Essas estatuetas pré-históricas eram provavelmente deusas da fertilidade,
deusas-mães ou deusas aleitadoras.
Elas “não eram decididamente mulheres de deuses-homens”, na opinião
da célebre antropóloga Marija Gimbutas. De mãos no ventre e nos seios, pa-.
recem dizer que os poderes femininos da procriação e lactação eram dignos
de veneração.
Em alguns lugares da antiguidade foram encontrados fetiches isolados do
resto de um corpo de mulher. Por exemplo, perto do santuário francês de Le
Colombel, que se encontra numa gruta, em Pech Merle, havia uma estalactite
de cerca de 15 000 A. €. semelhante a um seio feminino com mamilo, rodeado
de pontos vermelho ocre? Quase dez mil anos mais tarde, em Catalhiyúk, no
centro-sul da Turquia, foram encontradas filas de seios de barro moldadas nas
paredes de um altar sagrado, com dentes de animais, garras e bicos no lugar
dos mamilos.” Chifres neolíticos gravados em pares de seios foram encontrados:
na Suíça, e vasos da Idade do Ferro tra-
balhados em relevo em quatro e seis
seios, foram encontrados na Alema-
nha? Embora sejamos levados a crer
que esses objectos eram usados em cul-
tos religiosos, o seu significado e utili-
zação exactos continuam por descobrir.

2. Vaso encontrado em Lausitz, Europa


de Leste, por volta de 1300 A.C.
Este recipiente ornamentado com vários
seios pode ter sido utilizado num dos an-
3
tigos cultos praticadós em louvor à deusa.
wa
no
HISTÓRIA DO SEIO

Os nossos esforços para imaginar as cerimónias que ocorriam nos altares


mamários, as danças que podem ter sido executadas à volta de um círculo
de seios, ou as bebidas servidas em taças em forma de seio apenas devem
servir para filmes de Hollywood (fig. 2).
-. Geralmente, os seios eram esculpidos num corpo feminino, tal como na
vida real. No Crescente Fértil, os seios eram o traço distintivo de inúmeros
ídolos vensrados em lares e altares, tal como os actuais Cristãos reverenciam
o crucifixo ou as imagens da Virgem Maria. Muitas dessas figuras amparam
os seios nas mãos ou nos braços num gesto característico de “oferenda do
seio”. Essas imagens permaneceram actuais nas religiões populares da região
que veio a dar origem à Síria até ao surgimento do Islão no séc. VII D.C.,
altura em que as deusas foram definitivamente substituídas pela crença num
único Deus, Alá.'
De modo semelhante, nas terras que deram origem à actual Israel, quase
todos os ídolos do período bíblico são do sexo feminino, e muitos deles têm
os seios erguidos para realçar esse facto. Isso é particularmente nítido nas es-
tatuetas de pilares do séculos VI a VIA.C. conhecidas como estatuetas “ As- |
tarte”, baseadas na deusa fenícia do amor e da fertilidade. Esta dea nutrix
(divindade nutritiva) foi descrita como uma “espécie de árvore com seios”
que equivalia a uma ” prece tangível de fertilidade e alimento” ,
Quando os Israelitas bíblicos chegaram a Canaã e viram esses ídolos, qui-
seram eliminá-los para que Iaveh passasse a ser o único Deus. Houve uma
luta renhida. Embora os sacerdotes e profetas se opusessem ferozmente a
Baal e às deusas de Canaã, era provável que muitos israelitas os adorassem
em segredo. Afinal de contas, que sabia Iaveh — um deus da guerra — de
dar à luz e alimentar bebés, em comparação com as deusas da fertilidade As-
herah, Astarte, e Anat?
Perto daí, no Egipto, a deusa-mãe tomou a forma da temível Ísis, asso-
ciada à vaca dadora de leite, à Árvore da Vida e ao trono dos faraós. Nesta
última capacidade, era equiparada ao próprio trono real, “de tal forma que
subir ao trono era sentar-se no seu colo, e sugar o seu leite era receber o ali-
mento divino que daria ao rei as qualidades régias.” 7 Mostrar Ísis a amamen-
tar o faraó era um meio de confirmar que ele era seu filho, atestando, assim,
a sua divindade. Havia representações dos faraós a ser amamentados por Ísis

23.
MARILYN YALOM

à nascença, na sua coroação e morte — tudo momentos que requeriam a in-


tervenção divina para uma passagem suave de uma forma de vida para outra.
Ninguém punha em dúvida que o leite do seio de Ísis conferia a imortalidade.
Noutros lugares, vemos Ísis a oferecer o seio ao seu filho Horus (fig. 3).
Nestas figuras, a grande deusa aproximava-se das preocu-
pações das pessoas reais. Uma mãe egípcia podia invocar
a protecção de Ísis para o seu filho recitando uma de vá-
rias fórmulas mágicas como: ” Os meus braços protegem
esta criança — os braços de Ísis protegem-na, tal como
ela protege 0 seu filho Horus.”?
Os seios também eram traços importantes de outras di-
vindades inferiores, como Nut, a deusa do céu ou da lua
(o hieróglifo mena tanto pode significar “seio” como
“Jua”).!º Mas a mais estranha configuração de seios
egípcia encontra-se nos retratos de Hapi, o deus do Nilo
(fig. 4). Os seios estão presos ao seu tronco como
sinal de fertilidade, pois ele era responsável pela
cheia anual do Nilo, que enchia de água os ter-
renos ressequidos e irrigava os campos de ce-
reais. Trata-se de uma apropriação rara mas não
única dos seios femininos por divindades mascu-
bnas, como veremos nas secções sobre as religi-
ões Grega, Hebraica e Cristã.
No mundo antigo, as representações da forma
humana tinham geralmente como traço distintivo
da mulher o seio. Os seios variavam de forma e
feitio, ou mesmo em número, mas estavam quase
sempre em evidência. Pensemos, por exemplo,
na imagem do seio nas duas principais civiliza-
3. Figura sentada da deusa Ísis a amamentar
o filho Horus. Egipto. Época tardia. A
figura da deusa Ísis a amamentar o filho é
considerada o protótipo da imagem Cristã
«da Nossa Senhora do Leite. sim
ae

24
HISTÓRIA DO SEIO

ções que surgiram e floresceram durante a Idade do Bronze (3200-1100 A.C.)


nas ilhas pré-Helénicas de Creta e das Cíclades.
Nas Cíclades, que formam um círculo em torno da ilha de Delfos, foram
gravados ídolos femininos em mármore branco luminoso com várias dezenas
de centímetros até ao tamanho de um ser humano. Muitas dessas figuras al-
tamente estilizadas tinham seios redondos nus e discretos; os braços cruzados
sobre o peito; duas pernas; e por vezes, um triângulo a representar o púbis
(fig. 5). É provável que essas figuras tenham sido utilizadas na prática de um
culto de “afirmação e esteio de vida” ligado aos ritos de passagem que en-
volviam o nascimento e a morte. Esses elegantes ídolos abstractos, de uma
simplicidade surpreendente, falam-nos de um mundo perdido em que a dife-
rença de sexos era resumida a dois círculos e um triângulo, e os mistérios das
mulheres ainda eram tidos por sagrados.
A outra grande civilização mediterrânica pré-Helénica — a de Creta —
viria a legar-nos representações mais naturalistas de mulheres de seios enor-
mes. Nos vasos, sarcófagos e, em particular, nas paredes do imenso palácio
de Cnossos, vêem-se mulheres em procissão transportando as suas oferendas
“para os sacrifícios presididos pelas sacerdotisas. Vemos outras mulheres a rir,
dançar ou simplesmente conversar, todas de seios nus e membros cobertos
por saias em forma de sino.
Representariam esses frescos mulheres verdadeiras com trajos da época,
ou uma versão idealizada? Será que as mulheres de Creta expunham os seios,
ou mantê-los-iam cobertos, como a maior parte das mulheres das culturas do
Ocidente e do Próximo Oriente? É impossível responder a estas perguntas
com exactidão, visto que as artes visuais não são necessariamente um reflexo
- exacto da sociedade. Há quem sugira que as mulheres só descobriam os seios
durante os serviços religiosos de adoração e quem considere que os corpetes
abertos eram uma “peça de vestuário habitual” das mulheres de Minos. O
que podemos afirmar com segurança acerca da preponderância de figuras fe-
mininas de peito descoberto, rosto expressivo e vestuário sofisticado, é que
as mulheres tinham poder e prestígio na cultura cretense.
As célebres imagens das deusas ou sacerdotisas das serpentes de cerca de
1600 A. C. revelam a autoridade das mulheres de Creta na vida religiosa. Es-
sas figuras são notáveis pelos seus grandes seios redondos a sair dos corpetes

25
MARILYN YALOM

4. (Acima) Relevo de Hapi, deus do Nilo, encon-


trado no trono do Rei Ay. Cerca. 1342 A. C,,
Egipto (18º dinastia).
Os seios femininos no peito do deus fluvial
Hapi simbolizam a sua capacidade de alagar as
margens do Nilo com a água necessária para
as colheitas.

5. (À esquerda) Estátua feminina de Cíclade.


Cerca. 2500-2300 A. C.
Os seios pequenos e elevados são característi-
cos das misteriosas estátuas femininas encon-
tradas nas ilhas Cíclades.

26
HISTÓRIA DO SEIO

com um dinamismo quase agressivo (fig. 6). Vêem-se serpentes de aspecto


agressivo a sair das mãos da sacerdotisa ou enroladas à volta dos seus braços
estendidos. As serpentes eram vistas como entidades que comunicavam com
os poderes subterrâneos e eram associadas a Asclépio, o deus da cura, tal
como se vê no caduceu do médico. Porém, as estátuas cretenses com as suas
serpentes e seios proeminentes também podem significar: “Não ofendas esta
sacerdotisa. Ela tanto pode dar veneno como leite!”
No continente pré-Helénico, nesta época, o povo de Micenas partilhava
um respeito idêntico pelos seios das suas sacerdotisas e deusas. Num selo de
Micenas de cerca de 1500 A. C. podem ver-se três mulheres vestidas de sa-
cerdotisas de Minos, com uma delas — presumivelmente a deusa — sentada
ao lado de uma árvore de fruto, oferecendo o seio direito num gesto de dádiva
de alimentos.!” Pouco sabemos sobre a vida das mulheres comuns durante
este período, mas quando os Micenas se transformaram nos antigos Gregos,
deviam ser parecidos com os povos que encontramos nas epopeias homéri-
cas. Por alguma razão as mães — ou mesmo as rainhas — ainda amamenta-
vam os filhos na época de Homero, sem auxílio das amas de leite que se po-
pularizaram alguns séculos mais tarde.
As representações sacras de mães com bebés começaram a aparecer na
sociedade grega arcaica e era provável que se encontrassem relacionadas com
cultos ” Kourotrophos” (fig. 7). ”Kourotrophos” refere-se à mãe ou princípio
aleitador representado no acto de mamar. Estatuetas de mães a amamentar
eram colocadas em túmulos e santuários, e funcionavam provavelmente
como oferendas de uma das várias deusas Kourotrophos — por exemplo,
Gaia, Hera, Afrodite, Demeter, Persefone, e mesmo as deusas virgens Arte-
misa e Atena. Outras oferendas incluíam artigos comestíveis como mel, óleo
e bolos, alguns dos quais eram feitos em forma de seios. Na sua maioria, os
ritos dos cultos Kourotrophos ocorriam em simples altares ou ao ar livre, e
não tinham a grandeza reservada aos deuses do Olimpo. No entanto, esses
cultos populares continuaram a prosperar até ao declínio do Cristianismo.”
Os exemplos mais espantosos da veneração do seio na antiguidade são
as famosas estátuas polimásticas de Artemisa de Efeso. Em Efeso, uma prós-
pera cidade grega na costa da região que corresponde actualmente à Turquia,
foram encontradas no meio das ruínas da câmara municipal duas figuras de

27
MARILYN YALOM

6. (À esquerda) Deusa das serpentes em ouro e marfim.


Minos (Creta). Cerca 1500-1600 A. C.
As sacerdotisas de Minos usavam saias em forma de
sino e corpetes recortados que lhes erguiam os seios
nus.

(Em baixo) Figura de deusa de Megara Hyblaia,

n
Sicília. Séc. VIA. €C.
Uma deusa a amamentar não apenas uma, mas sim
duas crianças, sugere'poderes excepcionais.
HISTÓRIA DO SEIO

8. Estátua da “Bela Artemisa.”


Efeso. Séc. H D.C,
A famosa Artemisa de Efeso
encontra-se coberta de gra-
vuras de abelhas, touros,
leões, flores, uvas e bolotas,
com mais de vinte globos
pendulares — presumivel-
mente seios — apensos ao
tronco.

culto da deusa Artemisa, em tamanho real (fig. 8). Estas estátuas de seios
múltiplos têm sido vistas tradicionalmente como símbolos de abundância ma-
mária, embora haja quem afirme que os globos pendentes do tronco são filas
de ovos ou testículos de touro, últimas reminiscências do antigo rito de pregar
testículos de touros sacrificados a estátuas de culto em madeira.
De acordo com outra interpretação, a Artemisa de Efeso era ornamentada
com tâmaras grandes — símbolos de fertilidade — que vieram posteriormen-
te a ser tomadas por seios múltiplos! E possível que elas tenham sido ins-

29
MARILYN YALOM

piradas na anomalia física que faz com que algumas mulheres se vejam pro-
vidas de seios ou mamilos ” supranumerários” dispostos em fila; esta situação
anatômica anómala faz-nos lembrar os nossos laços genéticos com outros
mamíferos, com os seus múltiplos úberes e tetas. Mas qualquer que seja a
origem das estátuas, a Artemisa de Efeso, ” com seios múltiplos”, acabou por
simbolizar a ideia de um abastecimento de leite miraculoso, correspondendo
a uma fantasia humana sem idade. Os artistas de séculos posteriores não dei-
xam dúvidas em relação ao que pensavam que os globos simbolizavam: ge-
ralmente, representam uma criança sobre um dos seios, ou fios de leite a cor-
rer de vários seios para a boca das crianças.
A fantasia da mulher de seios múltiplos (que não desapareceu com a Gré-
cia Antiga) deriva de uma associação duradoura entre o corpo feminino, a
Natureza e o alimento. Com os seios representados como úberes ou frutos
pendentes de uma árvore, as mulheres têm sido associadas aos reinos das
plantas e dos animais, e isoladas do reino do ” pensamento” do “espírito”,
reservados aos homens. Como as mulheres têm seios e potencial para forme-
cer leite às crias, as mulheres têm sido encaradas como estando mais perto
da Natureza do que os seus pares masculinos — como a própria personifi-
cação da Natureza — e tem-lhes sido atribuída uma responsabilidade primor-
dial por toda a comida que os seres humanos ingerem diariamente.
A proeminência do seio nas primeiras religiões gregas viria a ser gradual-
mente suplantado por aquilo que Eva Keuls denominou o “reino do falo”
Jovens divindades helénicas viriam a suplantar os antigos deuses, embora os
últimos tenham conseguido sobreviver num pequeno número de casos. Zeus
conquistou o Monte Olimpoà mais antiga divindade grega, Gaia Olympia,
A de Seios Profundos, e tornou-se chefe incontestado do Panteão Olímpico,
com a sua consorte, Hera, numa posição distintamente secundária. Numa cu-
riosa gravura em madeira do séc. VILA. C. está representado Zeus oferecen-
do o seio de Hera como as deusas costumavam oferecê-lo, sem a ajuda dos
maridos.!* Oferecer o seio era, entre outras coisas, um sinal da capacidade
de conceder favores.
Tal como as grandes deusas que inspiraram as civilizações Paleolítica,
Neolítica, e a Idade do Bronze tornaram-se ” Olimpianizadas” e fragmenta-
ramese em divindades menos poderosas, cada qual com os seus atributos mais

30
HISTÓRIA DO SEIO

específicos e limitados. Os seus seios também sofreram transformações sig-


nificativas na manutenção das suas identidades individuais. Atena, a deusa
virgem da sabedoria, encontrava-se sempre totalmente coberta de roupagens
pesadas. O seu peito estava escondido por baixo de uma couraça ornamentada
com serpentes; a cabeça estava coberta por um capacete, e trazia uma espada.
Eram esses os atributos identificativos da única divindade feminina que pos-
suía os atributos “viris” da razão, da guerra e dos ofícios.
(Vénus), a deusa do amor, era geralmente representada despida, de seios
claramente evidenciados ou expostos. Os seios eram moldados de acordo
com o ideal erótico de peitos firmes, ligeiramente musculados, referidos nos
textos clássicos como ” semelhantes a maçãs”. Era este o ideal associado à
lendária Helena de Tróia que, após o regresso da Guerra de Tróia, desnudou
as “maçãs do colo” para o marido, Menelau, fazendo-o pousar a espada e
perdoá-la (Aristófanes, Lysistrata, 411 A. C.). Na era helénica, Afrodite tor-
nou-se uma espécie de pin-up, simultaneamente objecto de desejo masculino
e de enorme veneração. É difícil saber ao certo se a modificação da imagem
de Afrodite foi o reflexo de mudanças no estatuto das mulheres reais, mas a
analogia com tempos mais recentes leva-nos a pensar que tipo de poder terão
de facto as deusas do sexo, quer sejam de pedra ou de carne e osso. O exem-
plo clássico disso nos tempos modernos poderia ser Marylin Monroe, por
exemplo.
As estátuas e estatuetas de Afrodite proliferaram por todo o mundo antigo,
e podemos encontrar réplicas dessas obras em numerosas lojas de recordações
do Mediterrâneo. Uma das mais populares é a Venus Pudicita ou a Vénus Mo-
desta, assim denominada por ter uma mão à frente dos seios e a outra a cobrir
a região genital (fig. 9). Enquanto as figuras masculinas eram representadas
completamente nuas em posições erectas, o nu feminino aparecia geralmente
na arte ” com drapeados por perto e uma posição auto-defensiva, inclinada para
a frente.” 1? Estes gestos de modéstia ou timidez eram considerados adequados
para todas as mulheres à excepção das prostitutas.
Na Atenas do séc. V A. €., as mulheres eram cuidadosamente contro-
ladas por um sistema patriarcal, que lhes atribuía deveres domésticos, as
excluia da vida política e lhes impunha que cobrissem o corpo da cabeça
aos pés. Em casa, usavam os longos “chitons” semelhantes a camisas, ou

31
MARILYN YALOM

para cobrir a
túnicas e, fora dela, capas para se protegerem do frio e véus
de vestuário
cabeça. Só em Esparta as mulheres podiam ter uma liberdade
um pouco maior. Aí, as raparigas usavam uma túnica curta
que dava até acima do joelho e tinha uma racha de lado que
deixava ver a coxa.
A maioria das raparigas gregas eram segregadas em re-.
lação aos rapazes, e quando casavam, geralmente com ho-
mens vinte anos mais velhos, esperava-se que
permanecessem em casa. As raparigas limita-
vam-se a trocar o recolhimento em casa dos pais
pelo recolhimento em casa dos maridos. % Er
quanto os homens passavam. muito tempo na
ágora, que servia de fórum público e de merca-
do, ou no ginásio, onde praticavam ginástica
nus, ou nos bordéis, onde os prostitutos mascu-
linos e femininos exerciam a sua
actividade, ou em banquetes dados
em casa de outros homens, não pa-
recia decente que as mulheres da
classe burguesa aparecessem em
público, nem mesmo na presença
dos homens que tam a sua casa.
Os desenhos encontrados em
vasos antigos representam recata-
das mulheres burguesas, sentadas
com as suas garrafas de óleo e ces-
tos de lã, e uma lira ou uma criança.
Estão sempre recatadamente cober-
tas até ao pescoço, por vezes com

9. Afrodite, Eros e o Golfinho, séc. IV A. C.


Os gestos defensivos da Vénus Modesta nunca teriam
sido apropriados para um homem grego.
HISTÓRIA DO SEIO

véus a cobrir a cabeça. Os seios são vagamente sugeridos e nunca expostos,


excepto nas raras imagens de uma mãe ou ama de leite a amamentar. Quan-
to às amas de leite, sabemos pelas provas atestadas em contratos escritos,
estelas fúnebres, epitáfios e estátuas, que eram muito frequentes na socie-
dade grega clássica, e que as boas amas de leite eram altamente conside-
radas.
Havia, no entanto, outro tipo de mulheres valorizadas mais pelas suas ca-
pacidades eróticas do que maternais e domésticas. Eram as hetairai — cor-
tesãs — cuja tarefa era fornecer serviços sexuais, entreter e servir de com-
panhia intelectual aos homens gregos. Às hetairai aparecem geralmente
representadas nos vasos gregos completamente nuas, nuas até à cintura, ou
com vestes que revelam as curvas femininas.
Uma interessante história do seio encontra-se associada a uma cortesã do
séc. IV A. €. conhecida por Phyme. Phyrne tinha sido acusada do crime de
blasfémia, que era então um pecado capital, por um dos seus amantes. Du-
rante o julgamento, quando o seu defensor, o orador Hypereides, “não fazia
qualquer progresso na sua argumentação, e parecia que os juízes estavam dis-
postos a condená-la, ele mandou levá-la até onde todos pudessem vê-la e, ras-
gando as suas vestes, descobriu-lhe o colo” A visão dos seus belos seios €
os pedidos exacerbados do advogado causaram tanta compaixão no coração
dos juízes, que “eles se abstiveram de condená-laà morte.” 2 Depois de ela
ser absolvida, foi aprovado um decreto que estipulava que nenhum condena-
do que estivesse em julgamento podia mostrar os órgãos sexuais, para não
provocar uma reacção semelhante nos juízes.
A maioria das hetairai, bem como as prostitutas e algumas amas de leite,
eram escravas, e todas as mulheres, mesmo as mulheres dos burgueses, es-
tavam muito limitadas pelas restrições sociais. No entanto, não devemos vê-
-las única e exclusivamente como vítimas: tal como a maioria das pessoas
segregadas por motivos sexuais, elas encontravam maneira de gerir os seus
próprios assuntos, por vezes num claro desafio às ideias dos homens sobre
o modo como elas deviam comportar-se.
O classicista John J. Winkler considerava as festas de Deméter e Afro-
dite como acontecimentos que davam às mulheres gregas a oportunidade
de exprimir “O Riso dos Oprimidos.”? 2 As festividades em honra de Adó-

33
MARILYN YALOM

nis, o jovem e desditoso amante de Afrodite, tinham lugar por cima dos te-
lhados de Atenas em finais de Julho. Grupos informais de mulheres dan-
cavam e cantavam aí no mínimo uma noite no ano provavelmente mais, à
vista de todos os que quisessem espiá-los de longe.
A Lysistrata de Aristófanes dá-nos um retrato irónico da versão masculina
desses acontecimentos. Um legislador pomposo expunha na Assembleia,
“enquanto a sua mulher, um pouco ébria em cima do telhado, / exclamava
*“Abanai os vossos seios por Adónis! 24 A versão feminina desta festa, como
a célebre poetisa lírica Safo afirmara muito antes, tem um tom de empatia
muito diverso: “O belo Adónis morre, Cytherea, que havemos de fazer? Aba-
nai os seios, donzelas, e rasgai OS vossos chitons.”?º .
A “cultura do seio” que florescera durante vários milénios em torno dos
altares da Grécia Antiga continuou a ganhar expressão em grupos exclusiva-
mente femininos que se reuniam no alto dos telhados, ou dentro das casas e
“ debaixo do chão.” Esta cultura viria a ser transmitida oralmente de geração
em geração sob a forma de mitos que faziam lembrar os mistérios femininos
numa altura em que esses mistérios tinham deixado de ser reverenciados pu-
blicamente. Na sociedade grega que festejava os órgãos genitais masculinos,
o poder do seio feminino existia principalmente em lendas que tinham per-
manecido ao longo do tempo e continuavam a atribuir aos seios poderes so-
brenaturais.
Havia uma explicação mitológica para a criação da Via Láctea, por
exemplo, que associava os seios de Hera à seguinte lenda. Acreditava-se
que os mortais poderiam tornar-se imortais se fossem amamentados no seio
da rainha das deusas. Por isso, quando Zeus quis que o seu filho Hércules
-— cuja mãe era a mortal Alomena — se tornasse imortal, pousou-o suave-
mente sobre o seio de Hera enquanto esta se encontrava a dormir. Mas Hér-
cules chupou com tanto vigor, que ela acordou e percebeu que ele não era
o seu filho. Indignada, retirou o seio com tanta força, que o leite jorrou para
o céu, criando a Via Láctea. Foi assim que Hércules, que bebera leite de
Hera, se tornou um deus imortal. Durante o Renascimento, tanto Tintoretto
(1518-94) como Rubens (1577-1640) transformaram este mito em magní-
ficos quadros (fig. 10).
4“ao

34
10. Jacopo Tintoretto. 4 Origem da Via Láctea. Finais do séc. XVI.
Tintoretto representa a Via Láctea a nascer de um jacto de leite dos seios da deusa Hera, de
acordo com uma lenda antiga da Grécia.

E não esqueçamos o mito das Amazonas, um povo lendário presumivel-


mente da região da Capadócia, na Ásia Menor. As Amazonas, que se dizia
serem descendentes de Ares, o deus da guerra, e adorarem Artemisa, a deusa
da caça, viviam numa sociedade apenas de mulheres, govemada por uma rai-
nha. Uma vez por ano, as Amazonas dormiam com homens de outros povos,
de forma a preservarem a raça. Todas as crianças do sexo masculino fecun-
dadas neste encontro anual eram expulsas ou mutiladas e transformadas em

35
MARILYN YALOM

escravos; todas as crianças do sexo feminino eram criadas e educadas para


ser guerreiras.
É impossível provar se as Amazonas existiram de facto. 26 A primeira vez
que apareceram na literatura Homérica, no séc. VII A. C., já tinham sido
definidas por séculos de lendas orais. Na Ilíada, Homero atribui a Pentesileia,
a rainha das Amazonas, as virtudes heróicas dos homens, embora ela não dei-
xe de ser derrotada às mãos de Aquiles. Na literatura clássica grega do séc.
V A.C, as Amazonas são invariavelmente apresentadas como o oposto do que
as mulheres deviam ser: recusavam-se a casar e a ter filhos, e, tal como os
homens, vão à guerra. Muito zelosas da sua independência, não só se desta-
cam dos homens, como lhes fazem frente activa.
O lugar especial das Amazonas numa história do seio deriva da lenda de
que elas cortavam o seio direito para terem mais agilidade a disparar o arco.
Uma interpretação etimológica comum em relação ao seu nome consiste em
colocar na sua origem as duas palavras gregas a (sem) e mazos (seio). Um
tratado de medicina de finais do séc. V A. C. conhecido por Ares, Águas,
Lugares, atribui o seio ao facto de ter sido removido por cauterização na 1m-
fância de forma a que toda a força passasse para o ombro e braço direitos.
Mas não temos motivos para acreditar mais nessa interpretação do que em
qualquer das muitas especulações fantasistas propagadas na nossa era.
Nas suas representações artísticas, combatendo os seus tradicionais inimi-
gos gregos, as Amazonas apareciam muitas vezes com um seio descoberto e
o outro escondido por baixo de roupagens (fig. 11). Na imaginação dos Gregos,
as Amazonas representavam as forças destrutivas que eram desencadeadas
quando as mulheres abandonavam o seu papel de protectoras dos homens,
apropriando- se dos atributos viris. Keuls considera a história das Amazonas o
“arquétipo da guerra dos sexos” e um dos mitos fundadores da sociedade Ática
clássica. Ela considera os oitocentos retratos de Amazonas da arte grega “a ex-
pressão mais evidente da ginofobia masculina, ou medo das mulheres.” Para
onde quer que um Ateniense do séc. V virasse a cara, “era provável que en-
contrasse a efígie de um dos seus antepassados mitológicos apunhalando ou es-
pancando uma Amazona até à morte,” por vezes atingindo-a no seio, perto do
mamilo.?” Tal como os maridos que batem nas mulheres grávidas, reservando
os. golpes mais violentos para a barriga inchada que contém o feto, os Gregos

36
HISTÓRIA DO SEIO

11. Sarcófago de Amazonas, Combate entre os Gregos e as Amazonas. Helenístico (Salónica).


Séc. II D.C. e .
As Amazonas eram sempre representadas na arte grega com o “seio bom” exposto e o mutilado
coberto pela roupa.

também atingiam as suas antagonistas lendárias no seio, pois ele representava


simultaneamente a potência feminina e a sua vulnerabilidade.
Este mito adquire um significado psicológico mais significativo se o con-
siderarmos sucessivamente da perspectiva masculina e feminina. Do ponto
de vista masculino, ele pode ser visto como expressão do medo de vingança
adormecido na mente daqueles que se encontram em posições de domínio.
Os homens temem não apenas que o seio protector lhes seja retirado, mas
também que a sua ausência seja um sinal de agressão. As Amazonas eram

37
MARILYN YALOM

vistas como monstros, mulheres turbulentas e contra-natura que se tinham


apropriado indevidamente do papel guerreiro masculino. O seio ausente cria
uma assimetria terrível: um seio é mantido para alimentar os rebentos do sexo
feminino, o outro é removido para facilitar a violência contra os homens.
No entanto, para as mulheres, as Amazonas representam aquilo que o psi-
quiatra Carl Jung denominava por ” eu-sombra”, referindo-se aos comporta-
mentos socialmente inaceitáveis que conseguimos geralmente manter enco-
bertos. Aí, o ” eu-sombra” emerge para reclamar o seu lugar ao sol. Pelo acto
voluntário de retirar um seio, as mulheres transformam-se em criaturas po-
derosas que incutem medo e respeito. O facto de retirar um seio e a aquisição
de traços “masculinos” sugere o desejo mítico das Amazonas de serem bis-
sexuais, com o lado protector da mulher e a agressividade do homem, a ali-.
mentação dirigida exclusivamente às outras mulheres e a agressão dirigida
exclusivamente para os homens. Para os homens, trata-se, de facto, de uma
visão difícil de engolir, o culminar dos seus piores pesadelos ginofóbicos. Em
toda a história do Ocidente, sempre que as mulheres ameaçam transgredir os
papéis sexuais tradicionais, o espectro das Amazonas pode ser chamado à
liça, quer para aviltar a transgressão, quer para contrariar a coragem das mu-
lheres que viram costas ao comportamento convencional.
O mito das Amazonas entrou nos registos da história numa época em que
as deusas da fertilidade estavam a ser substituídas por deuses fálicos. Talvez
a figura da Amazonas contenha reminiscências dessas divindades primitivas,
actualmente mutiladas e modificadas para se adaptarem ao reino do falo. Um
seio — o “bom seio” — continua a ter os significados sagrados associados
à maternidade e protecção, ao passo que o “mau seio”, o seio mutilado, so-
freu uma dessacralização grotesca. Na imaginação ocidental, a figura da
Amazona veio a assumir o significado dual transmitido pelos seios. Como po-
derosos órgãos dadores de vida, os seios da mulher são encarados com temor.
Ao mesmo tempo, são altamente vulneráveis à destruição, não apenas por
forças naturais mas também pelas mãos dos homens que temem o poder fe-
minino. As mulheres pressentem na Amazona um reflexo dos poderes sagra-
dos e anti-sagrados investidos nos seus seios. E transportam-nos com cuidado
em memória do destino das Amazonas que, simbólica e por vezes literalmen-
te, pode ser o seu próprio destino.

38
HISTÓRIA DO SEIO

QUANDO O CENTRO do mundo clássico mudou de Atenas para Roma,


os deuses e deusas gregos eram adorados sob os nomes latinos de Júpiter,
Marte, Juno, Vénus, Diana e Minerva, e não Zeus, Ares, Hera, Afrodite, Ar-
temisa e Atena. E com a mudança dos nomes vieram outras mudanças fun-
damentais. As divindades helenísticas importadas tiveram de rivalizar com
as tradições indígenas dos Romanos primitivos, descendentes dos lendários
Rómulo e Remo, que eram os filhos gémeos de Marte, o deus da guerra e da
mortal Rea. Após o nascimento, Rómulo e Remo foram atirados ao Fibre e
posteriormente recuperados por uma loba que os amamentou. À ideia de um
animal a amamentar miraculosamente um ser humano — aliás, dois seres hu-
manos — ficou, assim, associada à própria fundação de Roma. Amamentados
com o leite de um animal predador, os fundadores de Roma adquirem osten-
sivamente as qualidades marciais do lobo, que os serviu posteriormente como
reis. Até ao presente, Roma é representada pela imagem de uma loba ama-
mentando Rómulo.e Remo com as suas tetas.
Outra lenda romana — esta de uma época posterior — traz o seio alei-
tador do reino dos deuses e deusas, ou animais míticos e reis-guerreiros,
para o nível da alimentação humana. Mas também ela implica uma nova
mudança de parceiros de aleitamento que reflecte a preocupação romana
com o dever familiar e cívico. A história, tradicionalmente referida como
“ Caridade Romana”, fala de uma mulher que deu o seio a um familiar que
se encontravana prisão. Esta lenda, que teve origem no históriador romano
Valério Máximo, no séc. ID.€., foi relatada por Plínio, o Velho (23-79),
na versão seguinte:

Há inúmeros exemplos de afecto filial por todo o mundo, mas exis-


te um em Roma que não tem qualquer comparação com todos os
outros. Uma mulher plebeia de baixa condição social que tinha
acabado de dar à luz uma criança, tinha autorização para visitar a
mãe que tinha sido encarcerada como punição, e era sempre re-
vistada pelo guarda da prisão para impedi-la de levar comida. Ela
foi vista a dar alimento à mãe através dos seios. Em consequência
deste prodígio, o afecto pio da filha foi recompensado, sendo a
mãe libertada, e ambas receberam sustento até ao fim da vida; e

39
MARILYN YALOM
Me

o local onde isso aconteceu foi consagrado à Deusa respectiva, um


. 1:12
templo dedicado ao Amor Filial

Esta inversão de papéis, com a mãe a amamentar um parente e não uma


criança, foi celebrado por um templo especial dedicado à deusa da piedade
filial. Alguns séculos mais tarde, durante o Renascimento, de orientação clás-
sica, este tema foi associado à virtude cristã da Caridade e dramaticamente
representado em diversas obras de arte. 2 É significativo que em todas essas
obras de arte que vi, o progenitor tenha sofrido uma mudança sexual: a mãe
passou a'ocupar o lugar do pai, introduzindo na história uma nota incestuosa
de cruzamento de sexos (fig. 12).

12. Jean Goujon. Caridade Filial.


Meados do século XVI. A
história romana original da Cari-
dade Filial fala de uma filha a
amamentar a mãe na prisão. À
representação Renascentista trans-
formou a mãe em pai introdu-
zindo assim uma nota de incesto
heterossexual.

40
HISTÓRIA DO SEIO

Quando Plínio dava o seu contributo para a lenda da Caridade Romana,


o aleitamento estava decisivamente em declínio nos lares romanos mais abas-
tados. Plínio recordava com nostalgia os tempos em que se cria que as crian-
ças romanas recebiam virtudes cívicas cóm o leite materno, em vez de serem
relegadas para as amas de leite. Tanto ele como Tácito (56-120) aconselha-
vam as mulheres da Roma Imperial a dirigir o olhar para o passado, em que
” cada criança era criada, não no quarto de uma ama que tinha sido comprada,
mas sim no seio e abraço da mãe.” 30 Parece que este conselho passou ao lado
das matriarcas romanas, que se contentavam em entregar as crianças às servas
e amas de leite. Tudo o que restou do espírito característico primordial do
aleitamento foram as lendas de uma loba aleitadora, uma filha caridosa, e mu-
lheres romanas santificadas muito depois de terem deixado de amamentar os
filhos.

SE CONSIDERARMOS o mundo hebraico que dominou e coexistiu com


o mundo dos antigos Gregos e Romanos, temos de contar quase exclusiva-
mente com as fontes literárias — mais na Bíblia do que na estatuária — visto
que a Lei de Tavé proibia explicitamente a criação de ídolos. Os primeiros
capítulos da Génese contam-nos que Adão e Eva estavam ambos nus no Jar-
dim do Paraíso “mas não tinham vergonha um do outro” (Génese 2:25). Só
depois de quebrarem a lei de Deus que os proibia de comer o fruto da árvore
do conhecimento é que os seus olhos “se abriram e eles descobriram que es-
tavam nus” (Génese 3:7). Então, uniram folhas de figueira e fizeram tangas
para se taparem. Não há nenhuma menção específica de uma peça a cobrir
os seios de Eva.
Na Bíblia hebraica, as mulheres eram consideradas em primeiro lugar
como procriadoras. Quando o patriarca Abraão foi designado pai do povo 1s-
raelita, a obrigação primordial das mulheres era procriar. É certo que algumas
mulheres bíblicas eram admiradas pela sua beleza, lealdade ou equilíbrio, ou
mesmo coragem, mas de um modo geral, a paternidade constituía o seu valor
principal. Tal como em muitos lares judeus ortodoxos (e muçulmanos) de
hoje, uma mulher apenas se tornava completa quando dava à luz um macho.
A preocupação judaica com a procriação exprimia-se na bênção tantas ve-
zes repetida ” Sede fecundos e reproduzi-vos”, uma bênção e uma ordem tan-

41
MARILYN YALOM

to para homens como para mulheres. O académico hebraico David Bials en-
contra semelhanças entre as bênçãos dos seios e do ventre encontradas na Gé-
nese e os cultos de fertilidade dos habitantes de Canaã, vizinhos dos Israeli-
tas. Este autor suspeita da influência de deusas de Canaã como Asherah e
Anat, “cuja iconografia representava seios proeminentes. Essas deusas são
referidas num texto desta região como “as amas de leite dos deuses.” Outro
refere “os seios divinos, os seios de Asherah e Rabam *!
O seio sagrado dos primórdios do Judaísmo encontra-se directamente liga-
do ao próprio Deus. El Shaddai, o nome de Deus que está sempre associado
às bênçãos de fertilidade, significava qualquer coisa como o “Deus (El) com.
seios” ou o ” Deus que amamenta.”*? Mesmo que essa linguagem fosse com-
preendida apenas metaforicamente, é evidente que se trata de uma apropriação
de um atributo fundamentalmente feminino. Deus podia ser visto como mas-
culino ou feminino, transcendendo os limites estreitos dos géneros humanos.
A fertilidade era então tão central nos primórdios do Judaísmo como o
era para as religiões pagãs, e o seio, tal como o ventre, era celebrado aber-
tamente. Sara, mulher de Abraão e mãe do povo hebraico, riu de contenta-
mento ao saber do nascimento de Isaac na altura da sua velhice e exclamou:
” Quem diria a Abraão que Sara iria amamentar crianças?” (Génese, 21:7).
Ana, mulher do futuro juiz Samuel, recusou-se a ir em peregrinação para fa-
zer o sacrifício anual até o seu filho ser desmamado — ou seja, por um pe-
ríodo de dois ou três anos (1 Samuel 1:21-22). Posteriormente, o Talmude vi-
ria a formular a ordem de amamentar para todas as mulheres judaicas: ” Um
bebé mama durante vinte e quatro meses. O período de aleitamento não deve
ser reduzido, pois o bebé pode morrer de sede.” * Numa emergência, as amas
-de leite podiam ser substituídas pela mãe biológica, ou algum tipo de leite
animal, principalmente de cabra, de ovelha ou de vaca.
Um marido bíblico era intimado a retirar prazer dos seios da mulher: ” Ale-
grai-vos com a mulher da vossa juventude. Deixai os seios satisfazer-vos a todo
o momento.” Em contrapartida, era advertido para “não beijar o colo de uma
estranha” (Provérbios 5:19-20). Aquele que seguia este conselho podia esperar
obter as bênçãos da progenitura, a recompensa da sexualidade monógama.
O seio seco, tal como o ventre estéril, era considerado uma maldição. Era
so. Deus de Israel que dominava estas duas eventualidades, determinando se

42
HISTÓRIA DO SEIO

úma merecia ter um ” ventre fecundo” ou o ” ventre que aborta e seios secos”
(Isaías 9:11, 14). A maldição dos seios secos ou engelhados, que ameaçava
todos os que desafiavam a vontade de Deus, tomou uma veemência particular
na boca dos profetas.
No séc. VIA. €.,o profeta Ezequiel associou os seios aos pecados co-
medos por Jerusalém e pela Samaria. Na parábola das duas prostitutas que
simbolizavam essas cidades, atacou os seus seios com uma vingança pouco
comum, mesmo para um profeta da desgraça. Jerusalém e a Samaria eram
representadas como irmãs lascivas que “fizeram de prostitutas no Egipto, fi-
zeram de prostitutas enquanto ainda eram meninas, visto que aí deixaram aca-
riciar os seios e comprimir o colo virgem” (Ezequiel 23:3). Elas também
” serviram de prostitutas” com Assírios e Babilónios, e acabariam por ser des-
* truídos pelos seus primeiros amantes pagãos.
Falando em nome do Senhor, Ezequiel avisa Jerusalém de que será cruel-
mente punida, como a sua irmã Samaria. ”Beberás da taça da tua irmã cheia
- de troça e zombaria uma taça de ruína e desolação e bebê-la-ás até às fezes.
' Depois comê-la-ás aos pedaços e rasgarás os seios” (Ezequiel 23:32-34). É
“um retrato brutal da vingança divina tão oral e sádico que quase lamentamos
a sorte dos comentadores bíblicos que tiveram de defendê-lo. Basta dizer que
a profecia de Ezequiel provou ser verdadeira enquanto ele ainda era vivo: os
Babilónios, comandados por Nabucodonosor, destruíram o reino de Israel e
puseram os Hebreus em cativeiro. o vero =
Encontramos uma atitude muito diferente em relação aos seios n'O Cân-
tico dos Cânticos, uma colectânea de poemas de amor tradicionalmente atri-
buída ao Rei Salomão, mas que pode ter sido escrita por mais de um autor
“ao longo de um grande período de tempo. Na opinião de Marcia Falk, uma
das recentes tradutoras do Cântico, as mulheres deram um contributo signi-
ficativo para a composição oral desta obra. Esta autora salienta que “as mu-
Iheres falam em mais de metade dos versos do Cântico — uma proporção
extraordinariamente grande para um texto bíblico — e o mais notável é que
se referem à sua própria experiência e imaginação, em palavras que não pa-
recem ser filtradas pelas lentes da consciência patriarcal.”**
Ao contrário da relativa falta de interesse pelo amor erótico na Bíblia, es-
tes poemas conferem um interesse nitidamente sensual pelo corpo e uma viva

43
MARILYN YALOM
%

aprovação do desejo físico. Aqui, os seios aparecem naturalmente em mo-


mentos-chave da narrativa. A mulher exclama para o amante:

Quem me dera que fosses meu irmão


Amamentado aos seios de minha mãe,
Para que, encontrando-te fora, te pudesse beijar
Sem que ninguém me censurasse.

Um irmão identifica uma irmã mais nova pelo estádio de desenvolvimen-


to dos seios:

A nossa irmã é pequena,


Os seus seios são flores.

Os prazeres femininos são enumerados num inventário poético que se tor-


nou modelo de inúmeras imitações ao longo dos séculos vindouros:

Como és formosa,
Minha adorada,
Os teus olhos são como pombas
Por detrás do teu véu

O teu cabelo —
Negro como os cabritos
Que serpenteiam pelas ravinas

Os teus seios —
Duas crias de cerva gémeas
À. pastar em campos floridos

Ou então:

O teu porte assemelha-se ao da palmeira,


E os teus seios são os seus cachos.

44
HISTÓRIA DO SEIO

Posso- subir à palmeira


E colher os seus frutos?

Os teus seios serão para mim


Como cachos de uvas,

E o perfume da tua boca


Como o odor das maçãs.

“ E a tua boca acordará


Todo o desejo latente

Como o vinho que incita


Os lábios dos amantes.

É uma poesia diferente de qualquer outra que encontremos na Bíblia. Os


seios da mulher comparados a torres, crias de cervas, cachos de uvas e de
tâmaras, transformam-se em símbolos sensuais de prazer recíproco. Trans-
mitem a sensação, o sabor e o aroma do amor físico. Outras religiões, como
a dos Gregos ou dos Babilónios, tinham um lugar para o amor carnal nas suas
histórias de deuses e mortais. Mas como os Israelitas rejeitavam uma visão
de um Deus incarnado e denunciavam'o acto do amor fora dos laços do ca-
samento, O Cântico dos Cânticos começa como um sonho de prazer sexual
por entre o didactismo das escrituras.
Posteriormente, defensores Judaicos e Cristãos do Cântico interpretaram-
-no como metáfora da relação de Deus com o povo de Israel, ou da relação
entre Cristo e os fiéis. Mas essas interpretações desmentem a realidade do
texto; de facto, nas palavras inteligentes dos tradutores do Cântico Ariel
Bloch e Chana Bloch, ” Este tipo de exegese requer um engenho considerável]
e alguma acrobacia linguística, e algumas das suas “descobertas” mais extra-
vagantes parecem actualmente muito curiosas,” como a interpretação dos
seios femininos como representação dos irmãos Moisés e Aarão, ou do An-
tigo e do Novo Testamento!”º Tentativas de justificar o Cântico como expres-
são de um casamento sagrado entre Deus e os Judeus deram hoje azo a in-

45
MARILYN YALOM
“b

terpretações mais seculares: a nóssa era não tem qualquer problema em in-
terpretá-lo como um poema de amor lírico sobre homens e mulheres mortais.
Embora seja perigoso interpretar os textos bíblicos como se constituís-
sem crónicas, eles permitem-nos retirar algumas conclusões seguras sobre
as mulheres hebraicas. Tai como as suas congéneres gregas, que não eram
escravas nem prostitutas, as mulheres bíblicas eram educadas para viver em
castidade sob o tecto dos pais e em monogamia em casa dos maridos. Uma
mulher tinha de manter o corpo longe dos olhares de todos excepto do ma-
rido; a cabeça também passava a ficar coberta a partir do momento em que
punha o-véu de casamento. é Tirando algumas figuras excepcionais, como
a grande profetiza Débora ou a heróica Judite, as mulheres bíblicas parecem
surpreendentemente próximas das suas irmãs do mundo moderno ocidental.
Filhas cumpridoras, mulheres obedientes embora por vezes demasiado di-
rectas, e mães preocupadas, todas elas se curvavam aos ditames dos homens
que govemavam as suas vidas. Os seus seios pertenciam aos maridos e fi-
lhos por decreto divino.

SE ANALISARMOS o Antigo Testamento, e em particular os Evange-


lhos de Mateus e de Lucas, as duas principais figuras femininas são as duas
Marias — Maria Madalena e a Virgem Maria. Nos séculos seguintes, a Vir-
gem Maria veio a ser a figura mais popular. Uma vez mais, a imagem da mãe
foi valorizada, uma mãe com um corpo igual ao de todas as mulheres, embora
considerado com uma mística especial. Por um lado, ela transportou um bebé
no ventre e deu à luz todas as outras fêmeas da espécie. Por outro, distinguia-
-se das mulheres comuns pelas circunstâncias especiais que envolveram a
concepção do seu filho: não foi fecundada pelo homem a quem foi prometida
em casamento, mas sim pelo Espírito Santo. Assim, pôs o seu corpo ao dispor
do filho de Deus, sem adquirir a mácula que a carne da mulher e o acto sexual
começaram a ter entre os primeiros sacerdotes cristãos. Outras mulheres não
podiam esperar atingir o estatuto único de Maria, mas também elas podiam
ser, no mínimo, sexualmente puras.
Embora se possa argumentar que o Novo Testamento em si não deprecia
a carne, a teologia cristã dos primórdios considerava o corpo principalmente
gomo um adversário a vencer. A carne, e em especial a carne feminina, era

46.
HISTÓRIA DO SEIO

vista como uma ameaça à perfeição espiritual, pois desviava a atenção de


Deus e aliciava os seres humanos para práticas pecaminosas como a forni-
cação e o adultério. Do grito de batalha de São Jerónimo no séc. IV — “Do-
minem a came” — aos esforços de Santa Teresa para ” conseguir o domínio
do corpo” no séc. XVI, o Cristianismo ensinou os seus adeptos a minimizar
(se não modificar) a fisicalidade.
É dentro deste estado de espírito que se contava a história de uma virgem
do séc. IV, posteriormente canonizada como Santa Macrine, que descobriu
que tinha um tumor no seio. Recusando, por modéstia virginal, deixar um mé-
dico tocar-lhe no seio ou operá-lo, pediu apenas que a mãe fizesse o sinal da
cruz sobre o órgão, que se encontrava quase em fase de gangrena. Os monges
Beneditinos que registaram esta história viram com bons olhos a sua recusa
de ser tocada por uma mão masculina que não a do Senhor; e Ele curou o
seio, deixando ficar apenas uma pequena cicatriz.”
Primordialmente, a visão negativa da Igreja em relação à corporalidade
traduzida na arte do início da Idade Média não estabelecia grande diferença
entre os corpos masculino e feminino. Salvo raras excepções, as figuras ce-
lestiais que adoravam as fachadas das igrejas não revelavam nenhuma das
protuberâncias associadas aos corpos adultos. O peito das mulheres era ge-
ralmente tão liso como o dos homens.
Nos exemplos em que o peito das mulheres era exibido sem roupa, ge-
ralmente havia conotações negativas. Mulheres nuas e homens nus eram em-
purrados para as bocas do Inferno por cima dos portais das igrejas Romanes-
cas e Góticas, ao passo que as almas salvas que vestiam túnicas que cobriam
as suas formas assexuais eram conduzidas para o Paraiso. Os demónios ma-
chos exibiam por vezes enormes seios caídos para simbolizar a sua natureza
corrupta, tal como nos murais pintados na igreja francesa de Santa Cecília
de Albi. Embora os seios tenham sido um dos traços dominantes do sagrado
na Antiguidade, a arte cristã sugeriu que a ausência de seios era um sinal mais
seguro de santidade.
As imagens simbólicas dos vícios cardeais descreviam frequentemente
mulheres de seios descobertos e por vezes mutilados como forma de punição.
Em especial a Luxúria, um dos supremos Pecados Mortais, era comummente
atribuída às mulheres e punida através dos órgãos físicos pelos quais o pe-

47
MARILYN YALOM
x

cador ofendera a Deus — nomeadamente os seios e os órgãos genitais. Numa


pintura mural do início da Idade Média, na igreja de Tavant, em França, a
Luxúria é representada sob a forma de uma mulher trespassando o próprio
seio com uma lança (fig. 13). Numa cena do Último Julgamento de fins da
Idade Média executada em Saint-Alban, em Colónia, pelo pintor Colyn de
Coter, de Bruxelas, a Luxúria aparece sob a forma de uma mulher no Inferno
com um sapo sobre o seio e chamas a subir do púbis.

Em contrapartida, também há representações dos santos mártires supor-


tando sofrimento físico, embora pareçam enobrecidos pelo processo. Havia
geralmente uma relação distinta entre o mal sofrido e os poderes atribuídos
a esse mártir específico. Por exemplo, a lendária virgem Santa Ágata sofreu
o martírio durante o séc. II na Sicília, às mãos do governante pagão, que
mandou cortarem-lhe os seios por ela se ter recusado a aceder aos seus avan-
ços sexuais ou a oferecer sacrifício aos deuses Romanos (fig. 14). Canoni-
zada pela igreja Católica e popularizada através de histórias e imagens reli-
giosas, Santa Ágata tomou-se a santa padroeira das mães aleitadoras e das
amas de leite, que lhe dirigiam as suas preces pedindo-lhe seios saudáveis
que dessem muito leite. Na província siciliana da Catânia, tal como em al-
gumas partes da Bavária, o seu feriado, a 5 de Fevereiro, era festejado com
um pão especial, benzido na padaria e dado às pessoas com doenças do seio.
Em algumas das pinturas mais impressionantes de Santa Ágata, esta traz
na mão uma travessa com os seus dois seios (fig. 15). Numa reflexão sobre
a versão desta cena pelo pintor espanhol Zurbarán, do séc. XVII, o poeta fran-
cês Paul Valéry referiu-se entusiasmado à “alegria da tortura” e aos “doces
seios feitos à imagem da terra.”*º Por maior beleza que tenham as palavras
da Valéry, é pouco provável que qualquer dos seus contemporâneos do sexo
feminino tivesse uma reacção comparável.
De um modo idêntico, a virgem Santa Reparata, do séc. II, viu os seios
mutilados por ferros em brasa às mãos dos soldados romanos. No séc. V, era

48
HISTÓRIA DO SEIO

I3. Fresco de igreja. Tavanit, França. Princípio do séc. XII.


Uma mulher representando a Luxúria agoniza devido aos ferimentos de uma longa lança que lhe
trespassa o seio esquerdo, enquanto duas serpentes se elevam do chão para lhe morder os seios.

49
MARILYN YALOM

50
HISTÓRIA DO SEIO

. (À esquerda) Martírio de
Santa Ágata. Atribuído a
Pieter Acrtsen. Séc. XV.
Santa Ágata foi uma már-
tir dos primórdios do
Cristianismo cujos seios
foram —wmutilados por
soldados Romanos.

(À direita) Francisco de
Zurbarán. Santa Ágata.
Séc. XVIL
Em pinturas Renascentis-
tas e Barrocas, Santa
Ágata aparece transpor-
tando os seus seios numa
travessa, como se se
tratasse de pudins ou
romãs.

51
MARILYN YALOM
H

santa padroeira de Florença, com uma igreja erigida em sua honra que veio
a ser parte da actual catedral. Actualmente, podemos encontrar um fulgurante
quadro do séc. XV representando o seu martírio no Museo del Duomo. As
narrativas pictóricas de martírios femininos, qualquer que seja a sua intenção
didáctica, proporcionaram a alguns artistas a oportunidade de dar livre curso
aos seus impulsos sádicos contra os seios femininos.
Numa excepção curiosa na iconografia medieval, podemos ver o desnu-
damento do seio como sinal de súplica. Na sua essência, tratava-se do mesmo
gesto usado pela ousada cortesã grega Phryne no seu julgamento, mas no con-.
texto cristão, havia uma humildade consideravelmente maior. Um persona-
gem nada menos importante que a Virgem Maria encontra-se representada
de seios nus numa cena do Julgamento Final pintada na parede da igreja de
North Cove, Suffolk, Inglaterra.” A Virgem oferece este gesto supremo
numa tentativa de interceder por um grupo de pecadores destinados ao fogo
do Inferno. Em tudo semelhante a uma rainha do séc. XIV com a sua coroa
cravejada de Jóias, e com os seios elegantes apertados um contra o outro den-
tro de um espartilho justo, Maria ergue os braços e implora perdão a Cristo.
É de presumir que até Cristo terá pensado melhor ao ver os seios da mãe.
Mas as representações pictóricas não contam tudo. Se analisarmos a lite-
ratura desta época, encontramos outras redes de sentido em torno do seio,
muitos deles relacionados com a instituição da maternidade. Para a sociedade
médica, o seio tinha uma importância particular: era o sinal de ligação entre
mãe e filho, o laço entre uma e outra geração, com tudo o que isso implicava
em termos de estatuto, riqueza e responsabilidades morais. Num tratado in-
fluente do séc. XIII da autoria de Bartolomeu, o Inglês, a mãe era, inclusi-
vamente, definida como a pessoa ” que dá o seio à criança” *º (Num contexto
completamente diferente, é interessante notar que o ideograma chinês para
“mãe” é feito com dois seios quadrados estilizados.)
Mesmo quando não era a própria mãe a amamentar a criança, o que já
acontecia em algumas famílias das classes mais abastadas, o seio aleitador
era da responsabilidade da mãe. O leite da mãe, ou da ama de leite que ama-
mentava em seu lugar, era o equivalente visual da linhagem, em torno da qual
a sociedade feudal estava organizada. Uma linhagem transmitida por proge-
nitura legítima, e em especial ao herdeiro homem, o melhor leite possível,
Ho
Tay

52
HISTÓRIA DO SEIO

tendo em vista o seu papel de herdeiro do nome paterno.


Podemos encontrar um bom relato dos cuidados infantis nos níveis mais
elevados da sociedade no La Milon, redigido por Marie de France, poeta de
finais do séc. XIL. Aí, uma criança levada numa viagem longa é alimentada
sete vezes em vinte e quatro horas pela ama de leite, que também lhe tira os
cueiros, lhe dá banho e põe cueiros novos em cada paragem. Os bebés das
camponesas já tinham sorte se as mães pudessem amamentá-los e mudá-los
no meio de outros deveres, com refeições suplementares de leite de vaca. Em
L'Oustillement le Vilain, um relato espirituoso de todas as provisões neces-
sárias para um camponês contrair o matrimónio, ele é aconselhado a: ” ar-
ranjar uma vaca com leite que ele possa usar sem demora para amamentar a
criança quando necessário. Pois se a criança não estiver tranquila, passará a
noite a chorar e impedirá os outros de dormir” 4! Leite de vaca para os pobres,
amas de leite para os abastados — as desigualdades da vida começavam com
a primeira gota de leite.
Um medievalista concluiu a partir de um estudo de histórias francesas es-
critas entre 1150 e 1300 que a mãe que amamentava ela própria o filho ou
o confiava a uma ama de leite era considerada uma “boa mãe”, ao passo que
a mãe que entregava a criança a uma ama para se ver livre dela e ter uma
vida mais livre era explicitamente condenada.” As amas de leite ficavam em
casa da criança — por vezes, duas ou mais por criança — não a levando para
suas próprias casas como acontecia alguns séculos antes. Criteriosamente se-
leccionadas, de preferência de boas famílias, eram geralmente bem tratadas
e acolhidas na vida emocional da família. As pessoas não deixavam de re-
parar nos estreitos laços psicológicos que se desenvolviam entre uma criança
“e a mulher que a amamentava, quer se tratasse da mãe ou da amaÉ
Em algumas lendas, encontramos a mãe da classe média a amamentar a
própria criança, por receio que o leite da ama não fosse suficientemente bom.
A mãe de Tristan de Nanteuil, por exemplo, não autorizava “a criança a beber
leite que não o seu. Queria criá-la e amamentava-a com ternura ”** Mais
adiante na mesma obra, a mãe, Clarinde, demonstra uma forma ainda mais
extravagante de devoção para com a criança. De viagem com o seu bebé num
barquinho, ” Ela dá-lhe o seio, a criança abre a boca, mas mamou tanto du-
rante dois dias, que o leite já não saía.” Neste ponto, quando Clarinde entra

53
MARILYN YALOM
EM

em desespero, temendo pela vida do bebé, e as suas preces a Deus e à Virgem -


Maria conseguem um milagre: o leite começa a correr com tanta abundância
que quase enche o barco.
Narrativas como esta, fabricadas numa teia de realismo e milagre, servi-
ram de modelo a mães dedicadas que tinham, elas próprias, interiorizado as
lições da Virgem Maria. O leite era visto simultaneamente como alimento
material e espiritual. Dar o seio ao próprio filho era decididamente mais do
que uma mera questão de alimentação: a mãe transmitia com o leite todo um
sistema de crenças ético-religiosas.
- Neste contexto, é interessante considerar um desenho encontrado num
manuscrito italiano do séc. XIV (fig. 16), onde se vê uma mulher a amamen-

16. Quadro de Abecedário. Bar-


tolomeo da Bologna di Bartoli.
Panegírico de Bruzio Visconti.
Italiano. Séc. XIV.
A mãe desta miniatura tem um
látego numa mão-e o seio na
outra. A criança pode esperar um
ou o outro — castigo ou recom-
pensa — dependendo dos pro-
gressos na aprendizagem do abe-
cedário.
HISTÓRIA DO SEIO

tar a criança, que tem na mão um quadro do abecedário. A criança está cla-
tamente na idade de aprender a ler, provavelmente por volta dos três anos.
A aprendizagem do abecedário era uma questão “oral” para a criança, pois
esta assimilava com ele uma recompensa deliciosa, o leite materno ou outra
: guloseima, como o mel. O seio era, então, o adoçante da aprendizagem, a
“porta da sabedoria, a mãe era chamada a alimentar a criança física e men-
talmente.
Este modelo maternal, estreitamente ligado ao ideal de Nossa Senhora,
tinha de rivalizar com a influência crescente do amor cortês, onde não havia
lugar para a lactação. As narrativas francesas do séc. XII, como Garin le Lo-
herain e Ogier le Danois, já cantavam o louvor dos seios pequenos (V les ma-
melettes” ), sempre firmes, sempre brancos, e frequentemente comparados a
“ maçãs. O autor de Aucassin et Nicolette preferia contornos ainda mais redu-
zidos, visto que a sua heroína tinha cabelos louros, olhos risonhos, lábios pe-
quenos, dentes pequenos e “seios firmes que subiam acima do vestido como
duas avelãs redondas.” *
La Clef d'Amors, um manual de cortesia baseado na Arte de Amar de Ovi-
deo, fornecia este conselho pouco modesto: ” Se tendes um belo seio e um
belo pescoço, não deveis cobri-los, mas sim usar vestidos decotados para que
todos possam olhá-los e desejá-los ardentemente.” O poeta do séc. XIV
Eustache Deschamps defendia decotes amplos e vestidos justos com rachas
dos lados, ” através dos quais se podia ver melhor os seios e o pescoço.” Para
os seios flácidos, havia o remédio de coser na parte de cima do vestido ” duas
bolsas contra as quais os seios ficam comprimidos, de forma a que os ma-
milos são impelidos para cima,”*
Esta e outras fontes evocam as grandes alterações que ocorriam no final
da Idade Média. Anteriormente, homens e mulheres usavam vestes muito se-
melhantes — túnicas pelos tornozelos que não enfatizavam as diferenças en-
tre os sexos. Porém, no início do séc. XIV na maior parte da Europa, os ho-
mens tinham abandonado as suas longas túnicas, trocando-as por vestes mais
curtas que apenas davam pelo meio da coxa, deixando as pernas à mostra.
Embora as mulheres continuassem a usar roupas pelo tornozelo, baixaram o
decote e moldaram o corte de forma a acentuar o busto.
Muitas pessoas achavam que estas novas modas que expunham o corpo

55
MARILYN YALOM
x

eram autênticos convites a uma conduta sexual indecorosa. O Chevalier de


La Tour Landry, no seu livro destinado à educação das filhas (1371-72), ad-
moestava as suas leitoras a não mostrarem o pescoço, os seios ou qualquer
outra parte do corpo. Este autor troçava do novo estilo que retirava tecido da
parte da frente e detrás do vestido, acrescentando-o à frivola cauda, onde não
servia para agasalhar ou cobrir o corpo. Em contraste com as mulheres le-
vianas que exibiam o corpo nesse preparo, La Tour Landry citava exemplos
de mulheres virtuosas conhecidas pela sua modéstia, submissão, obediência,
indulgência e caridade — características que associava ao modelo supremo
da Virgem Maria.
Acima de tudo, uma mulher devia ser subserviente em relação ao marido,
mesmo que o marido achasse necessário bater na mulher uma vez por outra
para submetê-la à subserviência. A boa mulher devia levar ao marido “a do-
gura do leite, que significa a doçura que deve existir no verdadeiro matrimó-
nio.”*? Para La Tour Landry, O seio assumia o seu verdadeiro significado no
matrimónio, especialmente no que diz respeito ao marido; não devia ser ex-
posto impudicamente por para seguir uma moda ou despertar o desejo de um
amante.
Em Itália, uma preocupação semelhante com o seio sexualizado incitou
Dante (1265-1321) a repudiar a exibição do decote entre as mulheres floren-
tinas. Na Divina Comédia, Dante anunciava o tempo em que a Igreja procla-
maria um decreto do púlpito contra “as descaradas mulheres florentinas / Exi-
bindo desnudos o colo e os mamilos” ("a le sfacciate donne fiorentine /
andar mostrando con il poppe il petto”).º Foi neste ambiente de transição
entre os ideais estéticos da Idade Média e o humanismo terreno do Renasci-
mento que ocorreu um extraordinário acontecimento artístico.
No início do séc. XIV, nas telas de pintores que trabalhavam na área da
Toscânia, a Virgem Maria apareceu oferecendo o seio ao Menino Jesus. É
verdade que podemos encontrar na arte cristã imagens isoladas da Virgem a
amamentar, Maria lactans, já no séc. II. Mas a proliferação de Nossas Se-
nhoras do Leite no início do Renascimento constituiu um fenómeno único
que dominou a imaginação ocidental nos séculos seguintes.
Todos os quadros e esculturas das Madonna-del-latte feitos por nume-
«Josos artistas do séc. XIV têm alguns aspectos em comum (fig. 17). À Virgem
me

56
HISTÓRIA DO SEIO

17. Ambrogio Lorenzetti. Ma-


donna del Latte. Maliano.
Séc. XIV.
Nos primeiros quadros de
Nossa Senhora a amamentar
o Menino, podemos ver um
pequeno seio pouco realista
inserido no corpo como um
ornamento.

expõe apenas um pequeno seio redondo, ao passo que o outro permanece de-
baixo da capa; o Menino Jesus chupa o seio exposto; porém, este parece estar
ligado ao corpo da Virgem de um modo pouco realista, como um fruto pe-
queno — um limão, uma maçã ou romã — que tivesse caído acidentalmente
na tela,
Neste século, familiarizados que estamos com a Nossa Senhora do Leite
a partir de inúmeros quadros italianos, franceses, alemães, holandeses e fla-

57
MARILYN YALOM
A

mengos, não podemos imaginar a novidade que constituiu esta imagem quan-
do ela surgiu. Temos de tentar pôr-nos na pele dos italianos de fins da Idade
Média, a maioria dos quais não sabia ler, ao verem pela primeira vez a Vir-
gem a dar de mamar a um bebé como qualquer outra mulher. A sua reacção
terá sido de choque, indignação, horror ou prazer? Não podemos esquecer
que, até então, a Virgem tinha sido incarnada em figuras muito menos hu-
manas — como a imperatriz bizantina envolta num halo dourado, ou a etérea
Rainha dos Céus rodeada de anjos e santos, ou a esquálida Virgem recuando
com modéstia face ao anjo da anunciação. Quando Nossa Senhora era re-
presentada como mãe, o menino que tinha no colo era geralmente um homem
em miniatura, numa posição rígida à sua frente. Em alguns casos, era repre-
sentado olhando-a no rosto, ou com um símbolo religioso na mão, mas nunca
tinha sido visto como um lactente guloso.
O que é certo é que o seio não parecia fazer parte do resto do corpo. As-
sim, o artista transmitia a natureza ambígua da mãe de Cristo: ela era, e não
era, uma mulher como as outras. Ela tinha, de facto, um seio funcional (pelo
menos um) capaz de produzir leite, e usava-o para amamentar o filho, mas
tudo o mais sugeria que ela era ”única entre o seu sexo”?!
Porque apareceu e se popularizou esta imagem da Virgem no início do
séc. XIV em Itália? Talvez esse facto se relacionasse com a subnutrição cró-
nica e a ansiedade em relação ao abastecimento de alimentos que afectou a
sociedade florentina na altura em que os quadros da Nossa Senhora do Leite
começaram a proliferar.”*2 A imagem de um Menino Jesus rechonchudo a
mamar no seio de Nossa Senhora devia ser reconfortante para uma população
que, no início do séc. XIV, tinha vivido graves crises nutricionais provocadas
por colheitas fracas e, posteriormente, por ondas sucessivas de peste.
[
Eaq
Talvez isso tivesse a ver com a prática cada vez mais comum de enviar
4
crianças florentinas para amas de leite da província. A partir de meados de
1300, as crianças da classe média urbana eram geralmente entregues nas
mãos de uma bália ou ama de leite imediatamente a seguir ao baptismo.”
Quer a mãe amamentasse ou não a criança, ou não fosse autorizada a fazê-lo
pelo marido, a bâlia era vista como uma necessidade. Combinações contra-
tuais, geralmente levadas a cabo pelo pai, estipulavam que a bália amamen-
tava o bebé até ao desmame, geralmente aos dois anos, embora na prática fos-
ço
Ta

58
HISTÓRIA DO SEIO

se bastante comum que uma criança fosse amamentada sucessivamente por


duas ou três amas de leite. As canções de festa das raparigas do campo ofe-
“Tecendo os seus serviços apresentam esta alegre forma de auto-promoção:

Aqui vamos nós, as bálie de Casentino,


cada uma a tomar conta do seu bebé,

Gostamos do nosso modo de vida,


“prontas e cuidadosas o nosso ofício,
-—- sempre que o bebé começa a chorar
sentimos o leite subir.

E noutra canção:

Muito leite bom


têm os nossos seios.
Para evitar suspeitas,
pedi ao médico que confirme

Como era crença comum que as crianças herdavam as características


mentais e físicas da pessoa que as amamentava, os pais eram aconselhados
“ a escolher a ama de leite com muita prudência, na esperança de encontrar uma
que não transmitisse características indesejáveis à criança. É certo que não
faltavam homens da Igreja e moralistas a recordar ao público que as amas
de leite eram de baixa condição e tinham hábitos sujos; entre eles encontra-
va-se o popular pregador São Bernardino de Siena. Na prática, era provável
que existisse um abismo considerável entre as canções auto-clogiosas das
amas de leite e os cuidados duvidosos proporcionados por elas.
Tudo isto nos conduz à questão levantada por diversos intérpretes da vida
- florentina do séc. XIV: como podemos compreender o fascínio da relação
mãe-filho, que constitui o motivo mais importante da arte florentina durante
“o primeiro século do Renascimento? Que relação existe entre os quadros de
uma Nossa Senhora do Leite com o Menino e a realidade? Na pergunta de
um historiador, “Poderiam esses quadros religiosos representar uma fantasia

59
MARILYN YALOM

secular de intimidade maternal que os próprios artistas nunca terão provavel-


mente conhecido?”
Dadas as provas de estudos actuais sobre a separação materna durante os
primeiros dois anos de vida, muito há a dizer a favor desta interpretação psi-
co-histórica. É possível que essas crianças da classe média urbana que vieram
a tornar-se os pintores e escultores do início do Renascimento foram marca-
dos pela nostalgia por uma intimidade materna que pode ter-lhes sido negada
em bebés. Eles podem, de facto, ter adoptado Maria lactans como mãe subs-
tituta, elevando o aleitamento a um nível sagrado por eles e toda a sua geração
terem sentido a sua falta na vida real. Maria pode bem ter representado a
“mãe de sonho... o seio consumado, sempre cheio e transbordante, com que
todos um dia sonhámos.”*?
Por estranho que pareça, não foi através de imagens da Virgem Maria que
a ideia da mãe aleitadora entrou na teologia cristã. Já no séc. XII, fora esta-
belecida a analogia entre a Igreja e uma mãe amamentando os fiéis com o
leite da religião. O púlpito de mármore de Giovanni Pisano na Catedral de
Pisa, completado em 1310, representa a Igreja como uma dama senhorial a
amamentar dois Cristãos em miniatura. Carolyn Bynum, que chamou a aten-
ção para esta imagem em Holy Feast and Holy Fast, documenta a utilização
recorrente de cenas de aleitamento na arte e literatura religiosas, incluindo o
paralelo explícito entre o sangue que saía das chagas de Cristo e o leite dos g
seios de Maria 3
Catarina de Siena (1347-80) — uma santa italiana famosa pelo radicalis-
mo das suas práticas religiosas em serviço dos necessitados — deixou dois
volumes cheios de imagens do seio, o seu Diálogo com Deus e 282 cartas.
No Diálogo, dotou Deus, Cristo, o Espírito Santo, a Santa Igreja e a Caridade
de seios generosos, como nesta visão de bem-aventurança: ” Então a alma re-
pousa no seio de Cristo na cruz que é o meu amor, e bebe o leite da virtude...
quão deleitosamente glorioso é este estado em que a alma goza de tai união
com o seio da caridade, que a sua boca nunca se afasta do seio nem o leite
seca.”>? Embora Catherine nunca tivesse sido mãe e tivesse jurado manter o
estado de virgindade aos sete anos, é evidente que tirou o modelo para esta
cena do contentaimento saciado de uma criança a mamar.
&. Julian of Norwich, contemporâneo inglês de Catherine (1342 — após

60
HISTÓRIA DO SEIO

1416) via Cristo como uma mãe que alimentava os fiéis com leite que corria
- das feridas. A analogia de uma mãe a amamentar foi referida explicitamente
em middle English: ”The moder may ley hyr chylde tenderly to hyr brest,
but oure tender mother Jhesu, he may homely lede vs in to his blessyd brest
by his swet opyn syde.” (7A mãe pode pôr o filho ternamente ao peito, mas
a nossa terna mãe Jesus pode deixar-nos modestamente pousar sobre o lado
)* No séc. XVI, Deus ainda era conceptualizado
aberto do seu seio sagrado.”
como uma mãe aleitadora. Santa Teresa, por exemplo, escreveu na sua Via
para a Perfeição: ” A alma é como uma criança que ainda mama ao colo da
mãe... apraz a-Deus que, sem exercitar a mente, a alma... beba apenas o leite
que Sua Majestade lhe põe na boca, e saboreie a sua doçura.” º Esta lingua-
gem mística, com a sua visão de reciprocidade entre o seio divino e a alma
humana, transmite um estado que pode atiçar memórias inconscientes de en-
levo infantil, mesmo aos cépticos modernos.
Ao longo de toda a Idade Média, o leite do seio — e outros fluidos, como
o sangue de Cristo ou as lágrimas da Virgem Maria — sempre tiveram co-
notações místicas. O leite e o sangue eram considerados essencialmente a
mesma substância, a primeira composta a partir da segunda para alimentar
as crianças. Muitas histórias e quadros populares lidavam com o apelo não-
-verbal destes dois fluidos, misturando-os por vezes num efeito milagroso:
por exemplo, dizem que Santa Catarina de Alexandria, quando decapitada,
deitou leite da garganta em vez de sangue ”*º o
A seguir ao sangue de Cristo, o leite de Maria era o mais sagrado e mi-
lagroso dos fluidos, e os seus milagres eram contados em inúmeros poemas,
histórias e canções. Uma narrativa inglesa de finais da época medieval des-
creve Maria ” com os mamilos cheios de leite”, pousando o Menino “no seio
(colo)”, e “enquanto ouvia falar do Espírito Santo, ia-o saciando com o seu
leite doce.”*! Aqui, Maria é descrita como uma simples rapariga do campo
dada aos cuidados afectuosos de uma mulher que é mãe pela primeira vez;
porém, não devemos esquecer que os seus mamilos cheios e o seu leite doce
foram originados por uma força mais poderosa.
Esta dualidade entre carne e espírito é expressa de um modo mais com-
pleto na seguinte canção de Natal, com versos escritos alternadamente em
“francês e em latim. ”O Menino pega no seio / E bebe o leite / É o leite de

61
MARILYN YALOM
“x

uma virgem / E por isso, incorrmuptível. / É certo que é novidade / Uma virgem
ser mãe. / E uma criança nascer /Sem pecado carnal.”*2 S6 o leite de uma
virgem imaculada era considerado capaz de produzir milagres.
Inúmeros frasquinhos com o leite de Maria eram colocados como relí-
quias nas igrejas, onde se dizia poderem curar um grande número de doenças,
incluindo a cegueira e o cancro. Calvino, o reformador Protestante do séc.
XVI, ao ver as amostras do leite de Maria espalhadas por toda a Europa, co-
mentou sardonicamente no Inventário de Relíquias que “não há cidade, por
mais pequena, nem mosteiro ou convento, por mais insignificante que seja,
que não os tenha, alguns em pequenas, e outros em maiores quantidades...
Ou os seios da Santa Virgem Maria forneceram uma quantidade mais copiosa
do que a que daria uma vaca, ou então, se ela tivesse continuado a amamentar
durante o resto da vida, dificilmente poderia ter fornecido a quantidade ex-
bida.” E prosseguia, no mesmo tom cínico, indagando ” como esse leite terá
sido colhido e preservado até aos nossos dias.” É
As pessoas mais simples não duvidavam que o leite era proveniente da
Virgem adorada. Sentiam-se reconfortadas pelas relíquias e estátuas de Maria
e dos santos protectores, alguns dos quais eram especialmente dedicados às
mulheres grávidas e mães aleitantes. Notre-Dame-de-Tréguron na Bretanha
(Gouêrec), por exemplo, acolhe uma estátua da Virgem Maria de seios des-
cobertos, com o seio direito pousado na mão, em oferenda. As jovens nuben-
tes levavam toucas de bebé e miniaturas de partes do corpo feitas de cera em
oferenda, a par das suas orações para terem leite suficiente. Na França rural,
essas práticas mantiveram-se entre a população de camponeses até ao séc.
x3c.64
Uma das mais curiosas histórias medievais diz respeito a Veronica Giu-
liana, que levou um cordeiro para o leito, e o amamentou em memória do
cordeiro de Deus. Por este acto de extrema piedade, foi beatificada no séc.
XV pelo Papa Pio H. Num banco de coro da Catedral de Léon, em Espanha,
inspirado na sua história, está representada uma rapariga a dar o seio a um
pequeno anima! semelhante a um unicórnio.É Ela representa a virtude teo-
lógica da Caridade, que era geralmente representada como uma mãe a ama-
mentar uma ou duas crianças (fig. 19).
%o

62
HISTÓRIA DO SEIO

18.0 Aleitamento de São


Bernardo. Flamengo.
Cerca de 1480,
Numa visão, São Ber-
nardo recebeu um
jacto de leite direc-
tamente do seio da
Virgem.

Sempre que os homens apareciam em histórias do seio, encontravam-se


geralmente do lado do destinatário e não do emissor. No séc. XII, São Ber-
nardo relata que a Virgem apareceu à sua frente quando ele estava ajoelhado
a rezar e pressionou do seio um veio de leite que verteu para os seus lábios.
Do séc. XII em diante, surgiram numerosos quadros dedicados a este tema,
todos com o cuidado de evitar qualquer sugestão de gozo sensual, e transmi-
tindo apenas a ideia de alimento espiritual (fig. 18). Uma representação muito
tara deste tema pode ser encontrado no Museo Colonial em La Paz, Bolívia,

63
MARILYN YALOM
3%

19. Tino da Camaino. Cari-


dade. Florença. Séc.
XIV.
A Caridade é repre-
sentada sob a forma de
uma robusta mulher -
italiana a amamentar
dois bebés através das
rachas do vestido,

mostrando Maria amamentando um frade — presumivelmente São Bernardo


— num seio, e o Menino Jesus no outro. Trata-se do único quadro que vi de
Maria amamentando simultaneamente um bebé e um adulto.
Aparte esta e mais uma ou outra variação do tema de Maria lacians, era
habitualmente o seu filho que recebia os benefícios do seu seio. Quaisquer
que sejam os motivos históricos para o aparecimento da Nossa Senhora do
Leite na Itália do início do séc. XIV — a falta de abastecimentos, a prática
“cada vez mais difundida de entregar os bebés às amas de leite, a introdução

64
HISTÓRIA DO SEIO

de roupas ajustadas ao corpo, a nova abordagem da experiência terrena e o


maior naturalismo da arte renascentista — há algo de intemporal na visão de
uma mulher a amamentar o filho.
Do ponto de vista da história humana, a Nossa Senhora do Leite é apenas
uma entre uma grande procissão de divindades femininas que remontam às
deusas do Paleolítico. Tal como as suas irmãs da Antiguidade, ela simboliza
o alimento a uma escala sobrenatural. O seio é o seu traço distintivo, visto
“ que produz o alimento essencial à preservação da vida dos neófitos. Os seios
“Jactantes da Virgem Maria e as grandes deusas eram nada menos que sím-
: bolos sagrados de tudo o que era benigno na natureza.
Porém, em outro aspecto, Maria é diferente das deusas mães da pré-his-
tória. O seu seio apenas tinha valor porque alimentava o futuro Cristo. Sem
Jesus, Maria não teria história. Mas sem Maria, o Cristianismo careceria de
uma presença feminina profundamente emocionante. O seio de Maria con-
cedeu aos fiéis o único símbolo da feminilidade que todos os Cristãos, ho-
mens e mulheres, podiam identificar, pois todos eles foram amamentados.
Durante os primórdios da história do homem e da humanidade, a função
aleitante do seio foi envolvida numa aura sagrada. Embora desconheçamos
os ídolos de seios pequenos que existiam nas ilhas Cíclades — a maioria das
deusas mais antigas eram figuras maternais cujos corpos constituíam uma
promessa de fecundidade e alimento. Era a forma da mulher madura, de seios
cheios de leite, que era geralmente venerada nas eras pré-cristãs.
A Virgem Maria transporta essa tradição primeva até ao mundo moderno.
Do séc. XIV ao séc. XVI, a Nossa Senhora do Leite era o protótipo de di-
vindade feminina. Pressionando o seio com dois dedos para facilitar o fluxo
“de leite, sorrindo serenamente para o bebé que tinha nos braços, incutia um
halo de sagrado num acto maternal comum. Embora tivesse sempre de com-
petir com cultos do seio mais seculares, a Virgo lactans transformou o alei-
tamento numa ocupação sagrada.
UM SÉCULO APÓS o aparecimento da Nossa Senhora do Leite em Itá-
“Jia, à amante do rei de França — Agnês Sorel — era igualmente pintada com
“um seio descoberto (fig. 20). O seu seio não era um apêndice em miniatura
encaixado numa forma amortalhada, como encontramos nos quadros de Nos-
sa Senhora do séc. XIV, mas sim um voluptuoso globo protuberante a sair
do corpete. Colocado no centro da tela, o seio nu — que atinge o espectador
em cheio — não parece ter nada a ver com a sua dona, absorta em si mesma,
“ou com a criança sentada à sua frente, que olha para o longe com ar sereno.
É provável que esta obra, conhecida como À Virgem de Melun, tenha chocado
os seus primeiros espectadores, habituados que estavam a imagens da mãe
divina a amamentar solenemente o Menino Jesus. Em seu lugar, encontraram
uma dama da corte cujo colo descoberto era servido como uma peça de fruta
para deleite de um observador exterior ao quadro, e não para o bebé placi-
damente sentado ao pé dela.
A historiadora holandesa Johan Huizinga, comentando a associação de
sentimentos religiosos e de amor neste quadro, afirma que ele tem “um sabor

67
MARILYN YALOM

20. Jean Fouquet. Nossa Senhora com o Menino, conhecido por 4 Virgem de Melun. Segunda metade
do séc. XV.
Este retrato da amante de Carlos VIH, Agnês Sorel, pintada como uma Nossa Senhora, marca a
transição entre o seio sagrado da Idade Média e o seio erótico do Renascimento.
HISTÓRIA DO SEIO

“de ousadia blasfema inultrapassado por qualquer artista do Renascimento”!


Anne Hollander isola-o como pertencendo ao momento em que o selo se tor-
“nou “um sinal erótico na arte” e uma referência ao prazer em estado puro.?
“Afastado da sua relação com o sagrado, o seio tornou-se o campo incon-
“testado do prazer mascuhno.
A história de Agnês Sorel foi simultaneamente o prenúncio de uma nova
era da história francesa, e o sinal de uma nova construção social do seio.
Como primeira amante oficial de um rei francês, Agnes foi recompensada
com castelos, jóias e outros luxos anteriormente desconhecidos das favoritas
reais. Recebia a considerável quantidade de trezentas líbras por ano, usava
as roupas mais dispendiosas do reino e tinha um séquito maior do que a rai-
"nha. A Rainha Marie dº Anjou, que viria a ter catorze filhos e a perder muitos
deles nos primeiros anos de vida, suportou a presença de Agnês sem qualquer
protesto público. Outras pessoas, porém, mostravam-lhe abertamente a sua
: hostilidade. Diz-se que o filho do rei, o futuro Luís XI, chegou a correr atrás
dela com uma faca. Os vestidos extravagantes de Agnês com as suas longas
caudas e decotes generosos eram fonte de crítica generalizada, mas o rei não
prestava atenção. A seu tempo, o rei viria a reconhecer as suas três filhas. E
quem era esse rei que tornou tão pública a sua paixão extra-matrimonial?
- Nada menos que o sombrio Carlos VII (1403-61), que deveu a sua coroação
em Reims às vitórias militares de Joana d'Arc, e que veio a abandoná-la a
favor dos Ingleses.
- Carlos VII tinha mais de quarenta anos quando viu Ágnês Sorel no In-
vero de 1444. Com metade da idade, consideravelmente bonita, rapidamente
cativou esse rei pouco atraente, que lhe concedeu um castelo perto do seu, e
o título de dame de beauté, pelo qual passou a ser conhecida. Apesar de todos
esses luxos excessivos, acabou por ficar na história francesa como uma figura
- positiva, por ter encorajado Carlos VI a abandonar a sua natural apatia em
questões de realeza, e a reconquistar aos ingleses a província da Normandia.
Ao que parece, Carlos necessitava de ser incitado à acção militar por mulhe-
“tes. Quinze anos antes, tinha sido a santa Joana d'Arc; agora era a vez de
“uma criatura mais terrena. Agneés foi a primeira amante real a colher um gran-
de conjunto de benefícios em troca dos seus favores sexuais.
Porém, o seu reinado foi breve. Seis anos depois do primeiro encontro

69
«MARILYN YALOM

com Carlos VH, adoeceu e morreu passados poucos dias. Deixou o legado
da sua beleza em dois retratos conhecidos que marcaram a transição do ideal
do seio sagrado associado à maternidade para o do seio erotizado, denotando
prazer sexual. Na arte e na literatura, o seio viria a pertencer cada vez menos
ao bebé, ou à Igreja, e mais aos homens de poder terreno que o encaravam
apenas como um estímulo para o desejo.
Não sabemos ao certo se Agnês Sorel alguma vez terá aparecido em pú-
blico de seios descobertos ou com um seio descoberto, como se dizia quando
ela era viva. É certo que usava os vestidos muito decotados que eram moda
na corte. Dizem que foi Isabel da Baviera, a obstinada mãe de Carlos VII,
que introduziu este estilo. Em 1405, Isabel foi publicamente censurada peló
ousado sacerdote Jacques Legrand pelo seu mau exemplo. O sacerdote vo-
ciferou do púlpito: ”Ó rainha louca! Baixa as pontas dos teus hennins (cha-
péus em forma de sela) e cobre a tua carne provocante”? Mas apesar disso,
os novos decotes em breve se tornaram opções acessíveis às mulheres de to-
das as classes.
Desde a altura em que os seios começaram a aparecer na moda no final
da Idade Média, os moralistas de todos os países ergueram-se em protesto
por tamanha exposição. Os porta-vozes da Igreja Católica apelidavam os de-
cotes rendados dos corpetes das mulheres de “portas do Inferno”. O refor-
mador religioso checo John Hus (1369-1450) condenou veementemente o .
uso de vestidos decotados e os adereços artificiais que faziam os seios parecer
dois “chifres” projectados para fora. O chanceler da Universidade de Paris,
Jean Gerson (1363-1429), criticava o espectáculo do “colo aberto e dos seios
descobertos” das mulheres, empinados no meio de espartilhos rígidos e man-
gas apertadas *
Confrontadas com essas críticas, as mulheres elegantes arranjaram maneira
de manter os decotes vivos através do uso de um pouco de tecido transparente
a cobrir o busto. Michel Menot, um dos oradores mais virulentos do séc. XV,
denunciou explicitamente este estratagema, acusando-o de ser um engodo mal-
doso que apenas fingia cobrir os seios. As mulheres que ofereciam a carne desta
maneira eram comparadas com as peixeiras que mostravam a mercadoria, ou
os leprosos que andavam pelas ruas com todo o tipo de objectos para fazer ba-
« xulho e alertar os transeuntes da sua presença perigosa.

70
HISTÓRIA DO SEIO

Outro padre francês, Olivier Maillard, garantia que as mulheres que mos-
ravam os seios arderiam no fogo do Inferno penduradas pelos seus “úberes
ergonhosos”, um castigo evidentemente adequado ao crime. 'o bispo Jean
“Touven des Ursins, lamentando as práticas dissolutas da corte de Carlos VII,
“atacava os decotes dos corpetes “através dos quais se vêem os seios das mu-
heres, mamilos e carne”, que na sua mente eram símbolos concretos da at-
mosfera geral de ” prostituição e libertinagem e todos os outros pecados.”
“Em Inglaterra, o equivalente mais novo de Carlos VII, o pio Henrique VI
1421-71), sentia-se ofendido pelos colos despidos que via à sua volta, e de-
jencorajava firmemente a sua exibição na corte. Os moralistas ingleses jun-
“taram-se ao coro, condenando as mulheres por mostrarem Os selos, e censu-
“tavam homens e mulheres pelos seus trajes exuberantes — nomeadamente
“as mangas sumptuosas, sapatos afilados, e a exuberante protecção da região
genital que esteve na moda durante quase duzentos anos (de cerca de 1408
“a 1575). Durante este período, numerosas leis sumptuárias que regulamen-
“tavam o vestuário foram aprovadas na maior parte do reino da Europa, tanto
para distinguir as classes como para desencorajar o uso de roupas sexualmen-
te provocantes. Apesar de repetidos esforços, os seios visíveis continuaram
-a constituir uma afronta para os fanáticos e a deleitar as pessoas francamente
“terrenas.
Se pensarmos em muitas cenas de banho de diversos meios sociais, mos-
“trando homens retirando um prazer evidente dos seios das mulheres (figs. 21
“e 22). Prestemos atenção às palavras do poeta realista François Vilon (1431
“depois de 1463), que coloca na boca de uma prostituta idosa tristes expres-
“ sões de lamento pela perda dos seus encantos físicos:

Aqueles doces pequenos ombros,


Aqueles braços compridos e mãos ágeis,
8
Seios pequenos e ancas carnudas.

Não esqueçamos que o padrão de beleza era muito diferente do da nossa


“ época, em que os “seios pequenos” e “mãos ágeis” não são propriamente
“os mais apreciados.
O sistema de avaliação dos seios na Idade Média manteve-se essencial-

71
MARILYN YALOM
og

21 (À esquerda) Casal no Banho. Xilo-


grafia alemã. Séc. XV.
Um homem e uma mulher estão juntos
numa celha de madeira, e ele tem a
mão por baixo de um dos seios dela.

22. (Em baixo) Le Roman de la Violeite.


Manuscrito francês. Séc. XV.
Outra cena no banho representa um
homem que observa com deleite por
um buraco uma mulher de seios nus na
banheira. Na iluminura pode ler-se:
? Como a falsa mulher velha traiu a sua
ama, fazendo um buraco na parede do
quarto para que o Conde de Forest pu-
desse ver a marca que a bela Eurydant
tinha no seio direito.”

72
HISTÓRIA DO SEIO

mente igual ao longo do Renascimento: deviam ser pequenos, brancos, re-


dondos como maçãs, duros, firmes e muito afastados.” Em Itália, os rapazes
costumavam memorizar as partes do corpo feminino a partir dos versos de
Petrarca (1304-74) ou escreviam os seus próprios poemas anatómicos. Uma
viragem particularmente italiana em relação aos seios pô-los em movimento
em metáforas imaginativas de flutuação, ondulação, subida e descida, tal
como no cenário frequentemente imitado de Ariosto de dois seios como ma-
çãs que ”se movem para um lado e para o outro como ondas.” 10
O escritor italiano Agnolo Firenzuola — autor do Diálogo sobre a Beleza
das Mulheres, cuja primeira edição data de 1548 — imaginava “seios frescos
e saltitantes, que subiam como se não estivessem dispostos a permanecer para
sempre oprimidos e reprimidos pela roupa, demonstrando o desejo de se li-
bertarem da prisão.” U Esses seios eram tratados como pequenas tentações,
de uma “beleza tão encantadora que os nossos olhos se prendem neles contra
a sua própria vontade.” !2 Noutra parte, o autor professa a sua irritação pelas
mulheres que saem do caminho certo exibindo os seios; diz a uma das mu-
fheres do diálogo que não continuará a falar se ela não retirar o véu que pôs
sobre o colo. Essa mulher, e outras do livro, eram pessoas reais disfarçadas
por trás de nomes fictícios. O Diálogo de Firenzuola foi apenas uma (embora
fosse o mais famoso) de muitas obras italianas do séc. XVI dedicadas ao tema
“da beleza feminina, que teve um público entusiástico em todas as cortes de
Itália.
Na mundana corte papal de Leão X (1513-21), Augustinus Níphus com-
pôs De Pulchro et Amore (Da Beleza e do Amor) tendo em mente a célebre
Jeanne d' Aragon. Nessa obra, o autor despia mentalmente Jeanne e descrevia
todas as partes do seu corpo, incluindo os seios, evidentemente, imaginados
como sendo de tamanho médio e perfumados como frutos. No séc. XIX, um
comentador francês deste tratado parou neste ponto para lembrar o leitor que
um certo tipo de pêssego ainda era conhecido por “seio de Vénus.” Mas
Niphus tinha em mente um tipo de fruto diferente, que tinha como ponto de
“partida o convencional seio em forma de maçã. Os seios de Jeanne d' Aragon
eram comparados a peras viradas ao contrário, com a sua base de curvas en-
cantadoras que se arredondava para formar uns cones estreitos na ponta.
Quer em Roma, na cadeira papal, quer na cidade de Veneza, conhecida

73
MARILYN YALOM
A

pela sua venalidade, ou em muitas cortes regionais italianas, os seios eratn


celebrados como parte da nova liberdade sexual que marcou o Renascimento.
As mulheres de todas as classes tornaram-se mais ousadas na exposição do
próprio corpo, e em especial as prostitutas andavam de seios mais ou menos
descobertos. As mulheres que trabalhavam no comércio sexual estavam di-
vididas em duas categorias principais: a prostituta comum e a “cortesã ho-
nesta” (cortigiana onesta), a última proporcionando não apenas serviços se-
xuais, mas também, tal como a geisha japonesa, conversação e
entretenimento. Às cortesãs honestas aprendiam a cantar e a dançar, a escre-
ver cartas € a pintar, e conseguiam ganhar dinheiro ” honesto” a partir de ou-
tras fontes além do acto sexual só por si. As cortesãs venezianas mais bem
sucedidas eram criaturas lendárias que nvalizavam com as damas patrícias
em beleza, vestuário e graças sociais, e pelo menos uma delas — Veronica
Franco — tornou-se uma pintora famosa.
A ascensão de Veronica Franco da prostituição para a literatura é notável
em qualquer tempo ou lugar Era preciso ser uma cortesã particularmente
inteligente para ter êxito na arena literária, onde as prostitutas nunca podiam
aventurar-se e apenas meia dúzia de nobres tinham deixado a sua marca. De-
vido aos dotes verbais inatos de Franco, ao seu auto-didactismo determinado
e à utilização astuta do paternalismo masculino, conseguiu ter uma partici-
pação significativa na vida intelectual da sua época, Publicou um volume de
versos e um volume de cartas, e rivalizou com muitos escritores satíricos que
invejaram o seu êxito.
Típico dos seus ataques maliciosos foi este comentário ad-hominem pro-
ferido pelo seu principal inimigo, Maffio Venier: os seus seios tombavam tão
baixo, que ela podia usá-los para remar numa gôndola. O insulto de Venier
não poderia aplicar-se à jovem Franco, a avaliar pelos seus retratos no auge
da juventude (fig. 23). Mas qualquer que fosse o nível natural dos seus seios,
pode muito bem ter recorrido aos astuciosos suportes semelhantes a balcões
que as mulheres de Veneza punham frequentemente dentro dos corpetes para
elevar os seios.”
As cortesãs como Franco tinham todos os motivos para recear a altura em
que os seus seios começariam a descair, pois isso determinava o fim do seu
- valor comercial. Dada a fixação renascentista à came jovem e o seu horror

74
HISTÓRIA DO SEIO

23. Veronica Franco. Retrato de


um artista anónimo encon-
trado num álbum de 105
aguarelas sobre costumes e
cenas da vida quotidiana
italiana, Veneza, 1575.
A escritora-cortesã Vero-
nica Franco é retratada com
os pequenos seios redondos
e elevados que constituíam
o ideal renascentista.

ao declínio vital, os artistas contrapunham muitas vezes os encantos dos de-


- zoito à devastação dos oitenta (figs. 24 e 25). O contraste entre os seios em-
* pinados da juventude e os úberes-da-velhice tornou-se no emblema da ascen-
são e queda da cortesã ao longo da vida.
Durante este período, as cortesãs eram mais que toleradas pela sociedade
veneziana, pois forneciam uma substancial fonte de recursos em multas e im-
postos. De facto, numa tentativa de proporcionar um escape sexual para ho-'
mens solteiros e de contrariar o “vício” difundido da sodomia entre os ho-
mossexuais masculinos, ela acabava por atribuir às cortesãs numerosas
concessões. Por exemplo, elas eram autorizadas a permanecer na Ponte delle
Teite (Ponte das Mamas) nuas da cintura para cima, para expor a mercadoria
e atrair os transeuntes. A Ponte deile Tette fica nas proximidades do Castel-
jeto, uma zona-chave para a prostituição. Na verdade, de acordo com o his-
toriador Guido Ruggiero, por volta de 1500 foi aprovada legislação ordenan-
do as prostitutas a voltar para o Castelleto vindas de outras partes da cidade,

75
MARILYN YALOM

24, e 25. Juventude e Velhice.


Medalhões de cera colorida.
Kália. Séc. XVIL
Estes relevos de cera são
elegias ao destino do seio
feminino. O primeiro repre-
senta uma mulher de de-
zoito anos; o segundo
mostra-a aos oitenta.

“ez

76
HISTÓRIA DO SEIO

26. Cortesã veneziana. Séc. XVI


A cruz no decote apoiada entre os seios nus foi alvo das críticas veementes de sacerdotes italianos
é franceses. ="

e exigindo que descobrissem os seios. O motivo para isso era O facto de al-
gumas prostitutas se vestirem de homem para atrair a clientela gay.
Para tornarem os seios aínda mais visíveis, algumas cortesãs pintavam-
-nos com os mesmos cosméticos que punham na cara. Eram vistas à janela
de suas casas, a mostrar os seios e a fazer sinais amorosos para atrair os clien-
tes. Os seios descobertos eram geralmente associados às prostitutas, tal como
os véus amarelos que elas eram obrigadas a usar em público e a ausência de
pérolas, proibidas por lei. No entanto, apesar das tentativas de controlar o seu
vestuário e joalharia, as cortesãs bem pagas continuaram a exibir os seus tra-
jes excessivos e as cruzes que abanavam provocantemente nos fios de ouro
que elas traziam no decote (fig. 26).

77
MARILYN YALOM
=

Foi durante o Renascimento que o busto nu surgiu na arte, corresponden-


do a “um novo sentido da beleza feminina, de acordo com o qual os seios
eram considerados, de certo modo, como parte do rosto.” 1 Muitos desses re-
tratos, que expunham um ou ambos os seios, eram de cortesãs famosas, o que
não impedia que fossem pendurados ao lado dos reis e dos papas. Elevadas
de meras prostitutas ao reino alegórico de uma ” Flora” ou ” Vénus”, as cor-
tesãs reclamavam agora um pouco da honra devida à deusa do amor. ' Muitas
vezes um seio descoberto era-exposto de maneira que parecia ter saído aci-
dentalmente de dentro da roupa da cortesã no seguimento de acontecimentos
que a tinham tomado de surpresa, uma convenção artística que viria a ser usa-
da e abusada para efeitos eróticos nos séculos seguintes.
Nas artes plásticas deste período, a noção de beleza feminima apresentava
“a estatuária grega e romana como a forma humana ideal. O corpo de uma mu-
lher devia ser longilineo, a cabeça pequena, os seios redondos e elevados. Vé-
nus e Dianas, pintadas e esculpidas, reclinadas e de pé, glorificavam a figura
feminina de seios firmes e pernas longas. À Eva Prima Pandora de Jean
Cousin (1490-1560) proporciona um exemplo espantoso deste ideal erotiza-
do, um exemplo que também revela as atitudes de base menos ocultas do Re-
nascimento em relação às mulheres bonitas e sedutoras (fig. 27). Aqui, tal
como na maior parte da arte erótica ocidental, o nu feminino é apresentado
como uma figura passiva, um “objecto sexual” que corresponde mais ao de-
sejo dele do que ao desejo dela. Porém, apesar da passividade do corpo fe-
minino, há sinais perturbadores por perto. O braço direito de Eva está pou-
sado sobre um crânio, e o esquerdo está estendido na direcção de um
recipiente misterioso. Acima da sua cabeça, em caracteres legíveis, a expres-
são “Eva Prima Pandora” estabelece uma analogia entre Eva e Pandora. A
primeira era considerada responsável pelo primeiro acto de desobediência
contra os mandamentos de Deus; a segunda, de acordo com a mitologia gre-
ga, ofereceu ao marido a caixa fatal de onde o bem e o mal saíram para o
mundo. Eva e Pandora são apresentadas como duas perigosas irmãs gémeas
cuja beleza sexual marca uma verdade sinistra. Esses quadros perpetuaram
a noção judaico-cristã de que as mulheres em geral, como Eva, eram tenta-
doras diabólicas.
Enquanto os corpos das mulheres da elite eram idealizados na arte e
HISTÓRIA DO SEIO

27. Jean Cousin. Eva Prima Pandora. Francês. Séc. XVI


Eva, “a primeira Pandora,” com os seus desproporcionados longo torço e pernas e os seus seios
compactos, parece estar à vontade na sua nudez diáfana. Com a cabeça de lado, ela chama a
atenção do espectador, presumivelmente um homem, que é convidado a contemplar a sua carne
totalmente em exposição. ,

- sumptuosamente adornados na corte, os corpos menos afortunados eram


queimados em piras. O Renascimento, com a sua brilhante cultura levada, foi
simultaneamente a altura em que a bruxaria foi arduamente perseguida tanto
por Católicos como Protestantes, e a maior parte das pessoas acusadas de bru-
xaria condenadas à morte — calculadas entre 60 000 e 150 000 ao longo de
dois séculos — eram mulheres. (Cerca de 20 por cento das quais eram ho-
mens.)
Um aspecto da caça às bruxas associada ao nosso tema foi a procura de
marcas ou protuberâncias ” anti-naturais” no corpo, que se dizia serem sinais
de bruxaria. Em Inglaterra e na Escócia, esta marca era frequentemente con-
siderada uma mama extra pela qual um diabo ou diabinho, conhecido por ser

79
MARILYN YALOM

“familiar”, sugava presumivelmente o sangue da bruxa para se alimentar.”


Era prática comum escolher um homem para procurar no corpo do suspeitó
a “mama da bruxa.” Pensava-se que este conhecia uma bruxa pelo facto de
não mostrar sentir nada se ele picasse o presumível mamilo com um alfinete,
e muitas mulheres inocentes, paralizadas de terror por este procedimento, fo-
ram executadas.
Frequentemente, os registos do tribunal incluíam o testemunho dos pica-
dores de bruxas: em certa ocasião, encontraram um mamilo “ do tamanho de
um dedo mindinho, e do comprimento de meio dedo,” que parecia ter sido su-
gado recentemente, e noutra vez, três mamilos nas partes genitais de uma mu-
lher com um aspecto que os informadores nunca tinham visto.2! Muitas vezes,
o mamilo encontrava-se nas partes púdicas da bruxa, um Íjugar que sugere uma
forma deslocada de erotismo na própria noção do “mamilo da bruxa.”
Mesmo que o sexo não fosse uma das acusações explícitas, partia-se sempre
do princípio que a bruxa tinha andado com o diabo e estava envolvida em al-
guma prática sexual perversa. No caso de Ana Bolena, a desafortunada mulher
de Henrique VIII acusada de adultério, dizia-se que ela tinha um terceiro seio;
esta acusação, que foi posteriormente registada em livros de anomalias médi-
cas, pode ter constituído apenas mais uma tentativa de aviltar o seu nome com
o estigma da bruxaria. A “mama da bruxa” podia ser apenas um sinal ou uma
verruga, uma sarda ou uma mancha, ou mesmo um mamilo a mais, o que pode
acontecer em cerca de uma em duzentas mulheres; mas para as mentes suscep-
tíveis, tratava-se de um seio aberrante ao serviço do demónio.
Os seios das bruxas — reais ou imaginários — eram muitas vezes sujeitos
a tratamentos humilhantes e excruciantes. Eram frequentemente expostos a
vergastadas públicas e mutilados em alguns dos casos mais brutais. O caso
de Anna Pappenheimer, membro de uma família marginal de coveiros e lim-
padores de latrinas da Bavária em meados de 1600, representa um dos exem-
plos mais chocantes. Torturada até confessar ter mantido relações sexuais
com o diabo e depois condenada por bruxaria, ela e três membros da sua fa-
mília foram queimados na fogueira. Mas antes da tortura final, os seios de
Anna foram cortados e metidos na sua boca e depois nas bocas dos seus dois
filhos crescidos. Tratou-se de “uma paródia hedionda do seu papel como mãe
22
- € como ama.

80
HISTÓRIA DO SEIO

Embora mesmo as crianças fossem ocasionalmente executadas por bru-


xaria, a maior parte das bruxas eram mulheres maduras, e muitas eram cons-
picuamente velhas. Nas imagens, as bruxas são mosixadas de úberes descaí-
dos, simbolizando a idade avançada e a perda da fertilidade — que
constituem males em si, para não falar da reputada propensão das bruxas para
Tançar feitiços que retiravam a fertilidade e a potência sexual. Sem bebés nos
“seios, considerava-se que as bruxas invejavam os rebentos das mulheres mais
novas, e frequentemente acusadas de enfeitiçar crianças. A idade era certa-
mente um factor determinante para se saber quem era ou não era bruxa, a par
do género e da classe. Nas palavras cáusticas da historiadora Margaret King,
a caça às bruxas europeia foi ” equivalente a uma guerra dos homens contra
as mulheres” que eram, na sua maioria, “pobres, incultas, mordazes e ve-
ihas.”2 Tal era o lado menos interessante da homenagem da alta culturaà
beleza erótica feminina.
Em França, o culto do seio alcançou um paroxismo verbal entree meados
de 1530:e 1550, iniciado pelo célebre poema de Clément Marot “Le Beau
Tétin” ("O Belo Seio”). Composto no Inverno de 1535-36, “O Belo Seio”
foi em grande medida responsável pela moda de um certo tipo de poesia de-
nominada ” blazon,” que rendia homenagem a todas as partes do corpo fe-
minino: olhos, sobrancelhas, nariz, orelhas, língua, cabelo, peito, barriga, um-
bigo, nádegas, mão, coxa, joelho, pé, e especialmente o seio. Marot descrevia
o seio perfeito a brincar da seguinte maneira:

Uma bolinha de marfim


No meio do qual assenta
Um morango ou uma cereja.

Ao ver-te, muitos homens sentem


Desejo nas mãos
De tocar-te e abraçar-te.
Mas tenho de contentar-me
Em ficar ao pé de ti — a minha vida inteira!
Ou outro desejo virá.

81
MARILYN YALOM
z

Por todos os motivos, feliz aquele


Que te encher de leite,
Transformando o séio de virgem
No seio de uma bela mulher completa.”

Ao centrar-se no seio, o poema nunca levanta questões sobre os sentimen-


tos da pessoa que existe por trás dele. Apenas nos fala do efeito provocado
pela visão do seio no espectador masculino. Um belo seio não é apenas um
estímulo ao seu desejo, mas também uma fonte de orgulho masculino, visto
que é a sua semente que impregna a mulher e a transforma numa criatura que
dá leite; esse seio permite ao poeta perder-se em êxtase verbal, e pôr em prá-
tica uma forte fantasia de desencadear o processo de produção de leite. Mas
quaisquer motivos masculinistas que encontremos no poema, é difícil não
gostar dele simultaneamente pelo seu espírito e pela sua graça.
O biazon apresentava o lado agradável do erotismo renascentista. Porém,
tal como na “Eva Prima Pandora” de Cousin, também existia um lado oculto
misógino, que saltou para primeiro plano na prática do antiblazon. Os antibla-
zons dissecavam a anatomia feminina com uma violência semelhante à muti-
lação. O seu objectivo era satirizar as palavras doces do cortejador e desfear o
mais cruelmente possível qualquer parte do corpo feminino. Neste ” Antiblazon
ao Seio”, Marot transformou o seio num objecto de repugnância.
Seio, que não é mais que pele,
Seio flácido, seio murcho

Seio com uma grande e feia ponta preta


Como um funil,

Seio que serve para amamentar


Os filhos de Lúcifer no Inferno.

Vai-te embora, grande seio nojento,


Quando suas, podias extravasar
Suficiente almíscar perfume
Para matar cem mil homens.*
HISTÓRIA DO SEIO

Enquanto o biazon prestava homenagem ao corpo feminino, o antiblazon


avivava os sentimentos negativos dos homens em relação à ” diferença” es-
“sencial das mulheres. Os homens projectavam no corpo das mulheres não só
os seus desejos eróticos, mas também os seus medos em relação à velhice,
decadência e morte. O antiblazon dava aos homens a oportunidade de expri-
mir através dos seios, coxas, pés, barriga, coração e órgãos genitais das mu-
lheres as suas ansiedades inconscientes no que diz respeito à mortalidade. Era
muito melhor desmembrar e denegrir o corpo das mulheres do que examinar
a anatomia da sua própria fealdade e decomposição.
Tal como no caso de Marot, o elogio galante e a sátira maldosa podia sair
da pena ou pincel da mesma pessoa. O escritor e físico alemão Comelius
Agrippa (1486-1535), conhecido pelos seus tratados filosóficos elevados e
visões iluminadas sobre a bruxaria (que lhe valeram a excomunhão), com-
punha ambos os tipos. No seu encómio ao sexo feminino (De Praecellentia
Feminei Sexus), registou as perfeições femininas da cabeça as pés e incluiu
a sua preferência pessoal por um peito farto com seios equilibrados. A avaliar
pela sua literatura e arte consagradas, os Alemães não tinham tanta preferên-
cia por seios pequenos como os franceses ou os italianos. Numa obra poste-
rior (De Vanitate Scientiarum), Agrippa dedicou um capítulo especialmente
feroz às imperfeições físicas das mulheres.
Todas estas obras de arte e literatura, laudatórias ou satíricas, eram exclu-
sivamente criações masculinas. Se pensarmos nas poucas mulheres poetas des-
ta época cujas obras sobreviveram, encontramos uma sensibilidade muito di-
ferente, apesar da obsessão semelhante pelo amor erótico. Pernette du Guillet
e Louise Labé, duas mulheres que escreviam em Lyons na altura da grande
moda da poesia blazon, apresentaram estéticas do desejo distintamente femi-
ninas. Para Du Guillet, a mais elevada forma de amor era Platónica, um desejo
de beleza mediado pelo ser amado. Como o estudante e inspirador do Neo-Pla-
tonista Maurice Scéve — cuja popularidade se deveu, em parte, aos seus inte-
ligentes blazons sobre ” O pescoço”. 7 O Suspiro” — ela escreveu sobre a luta
para libertara mente e a alma do domínio do corpo. O corpo tinha-a impedido
de ver com clareza e de agir avisadamente (Epigrama XI). Ela exprimiu sur-
presa em relação à sua força avassaladora: “O corpo arrebatado, a alma tomada
pela surpresa” (Epigrama XII). Ela queria ser curada do infortúnio de amar,

83
MARILYN YALOM
-€

como se se tratasse de uma doença terrível (Canção IM).


Porém, Du Guillet estava consciente do poder que também ela tinha no
diálogo do amor. Num poema, imagina-se nua num riacho com o seu amor
ao pé dela (Elegia ID. Com o corpo colocado como uma armadilha, atraía-o
tocando flauta. E permitia-lhe que se aproximasse, mas se ele quisesse tocar-
-lhe, atirava-lhe água para os olhos e obrigava-o a ouvir a sua canção. Deste
modo, tornou-se algo mais que o objecto passivo do seu olhar — de facto,
sua igual em termos verbais na estrada comum para a perfeição espiritual
Outra poetisa de Lyons, Louise Labé (1524--65), não tinha o menor proble-
ma em falar do desejo físico. Na sua poesia, a voz do corpo é franca ou, m-
clusivamente, violenta: ” Eu vivo, e morro. Ardo e afogo-me.” ” Lamentando
o silêncio do seu anterior amante, ela anseia por ser levada até perto do seu
seio (Soneto XIII) ou abraçá-lo de novo no seu “terno seio” (Soneto 9).

Desde o primeiro momento em que o cruel Amor


Envenenou o meu colo com o seu fogo
Ardi de fúria divina,
Meu coração não teve descanso um só dia2

O seio, o colo, o coração, todos eles são vítimas do Amor — envenenado,


inflamado, torturado. Não há alívio da dor localizada no peito e intensificada
pela própria associação a prazeres passados. Mesmo que tomemos em conta
as convenções poéticas que ordenavam aos poetas condenados — do sexo
masculino ou feminino — que sofressem e se lamentassem por causa do ser
amado, o imaginário do seio de Labé difere significativamente dos conceitos
marmóreos elaborados pelos homens do Renascimento.
O mais célebre poeta francês deste período, Pierre de Ronsard (1524-85),
“era claramente um homem que gostava de seios. No longo ciclo de poemas
de amor dedicados a Cassandre, refere-se vezes sem conta ao seu “belo
seio,” botões virginais,” “relvados de leite” “colo generoso,” “seio dema-
siado casto,” “colina de leite,” ” pescoço de alabastro,” “seio de marfim,”
etc. Ele diz-nos que, se pudesse ao menos ”tocar-lhe nos seios”, consideraria
o seu lúgubre destino mais afortunado que o de um rei. Ocasionalmente, a
sua mão não recebe as ordens que lhe são enviadas pelo cérebro: ” por vezes,

84
HISTÓRIA DO SEIO

minha mão, sem meu consentimento, / Transgride as leis do amor casto / E


procura o teu seio que me inflama.” 2? Porém, até o prazer de tocar o seio
dela não é suficiente, pois leva a uma necessidade admitidamente mais pre-
mente, que o amado não está disposto a satisfazer:

Peço a Deus que nunca tivesse tocado


Os seios da minha amada com tanto desejo louco.

Quem adivinharia que o cruel destino


" Encerrara por baixo desse belo seio
Tanto fogo, para fazer de mim sua presa???

É possível argumentar que Ronsard herdou dos poetas franceses e italia-


nos anteriores muitas das suas metáforas referentes ao seio. Mais do que uma
vez, na tradição de Petrarca, o poeta contempla as alegrias de ser transtor-
mado em pulga para poder morder o seio da amada. Noutro lugar, ao jeito
de Ariosto, imagina o peito feminino como um paraíso terreno onde “dois
veios de leite” vão e vêm como a maré (Soneto CLXXXVID.
No entanto, o objecto do imaginário de Ronsard era mais do que uma fic-
ção poética; Cassandre era filha de um banqueiro florentino ao serviço do rei
de França, e a sua realidade sensual fez maravilhas na imaginação amorosa
do jovem Ronsard. Impossibilitado de pedi-la-em casamento devido à sua po-
sição como clérigo religioso, passou o período entre 1546 e 1552 a escrever
a sua primeira série de poemas de amor, coligidos sob o título Les Amours.
Dois medalhões adornavam o seu frontispício, um de Ronsard, o poeta, com
uma coroa de louros, e a outra de uma Cassandre de seios descobertos (fig.
28). Embora seja provável que a própria Cassandre tenha posado nua para
esta imagem, supõe-se que seja um retrato dela aos vinte anos, quando estava
no auge da vida,
Enquanto Ronsard sofria o seu amor caprichoso por Cassandre, muitos
outros poetas e pintores franceses da corte de Henrique 1 (1519-59) encon-
traram a sua musa de meia-idade na pessoa da amante de Henrique, Diane
de Poitiers (1499-1566). A sua história, ainda mais que a de Agnês Sorel um
século antes, é uma confluência de sexo, arte e política elevados a um nível

85
28. Ronsard e Cassandre. Frontispício de Les Amours, 1552.
Ronsard, coroado e vestido como um poeta romano, olha para a imagem da sua musa Cassandre,
no lado oposto da página. Eram estas as convenções da era em que Ronsard, um clérigo ton-
surado, podia proclamar os seus tormentos eróticos pela bela Cassandre e exibir os seus seios
nus na primeira página do livro.

quase mitológico. Diané de Poitiers foi tratada em vida, e ao longo de várias


gerações, como a personificação em came e osso da deusa Diana. Foi o seu
rosto, os seus seios, as suas pernas que passaram a ser o modelo de Diana
em inúmeros quadros, desenhos, gravuras, estátuas, bronzes e esmaltes.”
Metamorfoseada em deusa da caça, Diane foi pintada e esculpida com
arco é flecha na mão, ou um veado a seu lado (fig. 29). Ao discutir a pletora
de obras presumivelmente baseadas no seu rosto e na sua figura, o seu bió-
grafo Philippe Erlanger afirma que ela estabeleceu um tipo idealizado com
a sua testa alta, nariz e lábios finos, e ” peito altivo e orgulhoso,” embora ape-
nas meia dúzia dessas obras possam ser consideradas representações verda-
. deiramente fidedignas A ligação pública entre Henrique Ii e a amante —

86
HISTÓRIA DO SEIO

29. Diane de Poitiers. Escola de Fontainebleau. Séc. XVI.


Diane de Poitiers, a amante de Henrique II, era a francesa mais considerada da sua época. Vemo-
la aqui representada inclinada sobre um veado, com o corpo nu reclinado contra um cenário
pastoral e os minúsculos seios cónicos enquadrados entre os braços lânguidos e os caracóis do
cabelo.
|
uma mulher vinte anos mais nova do que ele — inspirou tantas obras de arte |
e de literatura, para não falar das intrigas da época e do absurdo póstumo, |
que ainda é difícil separar os factos históricos da lenda que criaram.
É útil saber que, de acordo com os relatos, Diane era uma mulher de be-
leza e inteligência notáveis, com muito estilo e bom gosto. Casada aos quinze
anos de idade com o Grande Senescal Louis de Brézé, um homem quarenta
anos mais velho, tornou-se um ornamento na corte de Francisco I (reinado
1515-47), sem adoptar a sua licenciosidade sexual. Não havia nada na sua

87
MARILYN YALOM
=

conduta irrepreensível que fizesse prever a sua posterior carreira como aman-
te do rei, a menos que nos lembremos que o seu marido era neto de Carlos
VII e Agnês Sorel! O modelo de poder transmitido pelo sexo pode bem cons-
tituir parte da herança marital de Diane de Poitiers.
Após a morte do marido, a jovem viúva estava à altura da sua beleza len-
dária na altura em que terá cativado o jovem principe Henrique no auge da
adolescência. Diane viria a ser o grande amor de Henrique na maturidade,
apesar do casamento com Catherine de Médicis, que lhe deu dez filhos em
treze anos, e de algumas pernoitas em outros leitos reais. Henri assumiu aber-
tamente a pose de amante cavalheiresco em relação à viúva do Grande Se-
nescal, usando as suas armas -— preto e branco — em justas e tomeios, e pa-
trocinando os poetas e artistas que imortalizaram os seus encantos. Devido
aos favores concedidos ao rei, Diane adquiriu diversos títulos prestigiosos,
rendimentos colossais e diversas propriedades notáveis — entre as quais se
encontrava Chenonceaux, que se transformou naquilo que hoje em dia muita
gente considera ser o mais elegante castelo de França. À sua fama, riqueza
e influência atingiram um nível inédito.
Os encantos de Diane de Poiters incluíam muitos atributos mais signifi-
cativos do que o colo, mas como já vimos, os seus seios pequenos corres-
pondiam ao ideal da época. Não podemos duvidar que Henrique II os consi-
derava sedutores. Uma carta descrevendo o procedimento do rei em
semi-privado descreve-o “a tocar os seus seios de vez em quanto e a olhá-la
atentamente como um homem surpreendido pelos seus sentimentos.” *
A taça pessoal de Henrique IH tinha a forma do seio dela, uma prática que
o cronista Brantôme faz remontar (através de Plínio) a Helena de Tróia. A
tradição grega invocava os seios de Helena como a fonte original da primeira
taça de vinho. Deste modo caracteristicamente irreverente, para não dizer li-
cencioso, Brantôme troça das mulheres cujos ” enormes seios hediondos” da-
riam taças menos atraentes: ” Teríamos de dar ao ferreiro uma grande quan-
tidade de ouro, e toda a nossa despesa teria como retribuição risos e troça,”**
Nesta descrição das partes do corpo femininas, Brantôme dá-nos um antibla-
zon em prosa: Os seios, pernas, ou mesmo os pêlos púbicos e os grandes lá-
bios das mulheres são descritos da maneira mais repulsiva. Para citar apenas
um exemplo: há mulheres “ cujos seios têm mamilos semelhantes a uma pêra

88
HISTÓRIA DO SEIO

35 Va « ro , , =
podre.” A tradição do insulto misógino estava viva e de boa saúde nas mãos
de Brantôme, um Renascentista tardio.
Para evitar ter ” enormes seios hediondos”, as mulheres francesas recor-
riam a uma panóplia de práticas. Em finais do séc. XV, Eleanor, a favorita
de Carlos VII (1470-98), aumentava a beleza do colo recorrendo a água de
papoila, uma infusão feita de hera, óleo de rosa e cânfora.*º Dizia-se que Dia-
ne de Poitiers usava certos banhos de ouro e água da chuva ou leite de por-
ca” Naturalmente não havia falta de imaginação na produção de loções, bál-
samos, pomadas pós, pastas e cremes preparados nas boticas e vendidas por
caixeiros viajantes.
A acreditar em alguns dos muitos manuais de beleza que foram publica-
dos nos séculos dezasseis e dezassete, as fórmulas para a pele continham uma
vasta gama de ingredientes, desde as pérolas esmagadas à banha, ou ao san-
gue de pombo e aos olhos de sapo. Certos produtos eram considerados es-
pecialmente eficazes para manter os seios pequenos e firmes. Jean Liebault,
autor de Três Livros para o Embelezamento do Corpo Humano (Trois Livres
pour 1" Embellissement du Corps Humain, 1582), aconselhava o seguinte tra-
tamento: ” Aquela que tem seios pequenos e sólidos mantê-los-á desse modo
se esmagar sementes de cominho com água transformando-os numa polpa,
e a aplicar nos seios, apertando-os depois com um pano mergulhado em água
e vinagre. Ao fim de três dias, deve tirar tudo, e pôr em seu lugar bolbo de
lírio esmagado com vinagre, bem apertado com uma fita, e deixá-lo assim
por mais três dias."
Esta obsessão da classe alta com a aparência estava relacionada com o
recente culto do banho e do toucador. As banheiras ovais apareceram pela
primeira vez em França no reinado de Francisco 1, em substituição dos ba-
nhos públicos e das banheiras redondas do século anterior, pelo menos para
uma elite selecta. Não devemos, porém, ter ilusões em relação à limpeza. À
imersão completa na água era considerada perigosa, pois pensava-se que
abria os poros a substâncias nocivas; a limpeza consistia na mudança fre-
quente dos lençóis de linho e das camisas brancas, que funcionavam como
esponjas na remoção da sujidade.” Era provável que se utilizassem mais per-
fumes do que sabão.
O mais importante era a ilusão de limpeza e o efeito ofuscante que se po-

89
MARILYN YALOM

dia obter através do uso de cosméticos. Um novo género de pintura representa


do as mulheres na intimidade do toucador, com a banheira à vista num compar-
timento contíguo, e os objectos de higiene em exibição: espelhos com moti-
vos eróticos, perfumes e cremes de beleza, fios de pérolas e anéis de jóias.
A mulher era geralmente representada a arranjar-se, total ou parcialmente
nua, com os seios descobertos ou a ver-se por entre uma gaze transparente.
Para impedir os seios de descaírem e ficarem desfigurados, muitas mães
abastadas da época renascentista decidiram não amamentar os filhos. Desde
finais da Idade Média, as mulheres das classes altas francesa e italiana re-
corriam a amas de leite, que eram geralmente levadas para casa do bebé. No
ú entanto, durante o Renascimento, foi-se tornando cada vez mais comum —
excepto no caso de famílias muito abastadas — enviar os bebés para o campo
por um período de dezoito a vinte e quatro meses. É difícil determinar se isso
constituía uma forma de negligência, visto que não sabemos com que fre-
quência a criança era visitada, se é que o era. Para as mulheres mais pobres,
as amas de leite pagas não eram uma opção: em toda a Europa, a maioria das |
mulheres adultas amamentavam provavelmente um ou mais bebés a maior
parte do tempo, o seu e os que tinham a seu cargo.” Dado o efeito contra-
ceptivo da lactação, o aleitamento generalizado pode ter constituído uma for-
ma de controlo da população de massas na Europa pré-industrial.
Em contrapartida, o aleitamento não era encorajado nas famílias da classe
mais elevada, em que as crianças representavam outra forma de riqueza. Os
filhos eram desejados como herdeiros dos títulos, fortuna e propriedades fa-
miliares; as filhas eram valorizadas pelas alianças que viriam a fazer pelo ma-
trimónio. Além disso, numa época em que a mortalidade infantil era elevada
— não era raro uma família perder metade dos filhos — esperava-se que as
mulheres abastadas dessem à luz o máximo de filhos possível, de forma a ga-
rantir a sobrevivência de um herdeiro.
Muitas vezes, os maridos favoreciam a contratação de uma ama de leite,
pois pensava-se que os casais deviam refrear a sua actividade sexual enquan-
to a mãe estava a amamentar. Era opinião comum considerar o leite materno
como uma espécie de sangue vaginal que se transformava em leite ao passar
do ventre para os seios. A agitação do acto sexual teria como consequência
= corromper a provisão de leite, encaroçá-lo, podendo mesmo matar alguns fe-

90
HISTÓRIA DO SEIO

“tos que pudessem ser concebidos. Quanto à estética do aleitamento, muitos


maridos não gostavam de ver as mulheres com uma criança ao peito. O alei-
“tamento, uma ocupação digna de apreço para as deusas da Antiguidade e para
“a Virgem Maria, não era considerado atraente quando praticado por senhoras
“das classes altas. Muitas mulheres dessas classes, subservientes em relação
“ao ideal erotizado de um colo juvenil, viam-se assim obrigadas a confiar os
“seus bebés a amas de leite.
A prática de enviar bebés para amas de leite que viviam no campo era
“redondamente condenado pelos médicos, humanistas, sacerdotes, pregadores
“e outros moralistas por toda a Europa. No Renascimento surgiu uma corrente
“literária que declarava que era dever da mãe amamentar, e que o recurso a
uma ama de leite era um substituto arriscado para a mãe biológica. Thomas
Phaer, cujo Book of Children (1545) foi o primeiro tratado original em inglês
sobre doenças infantis, aconselhava as mulheres que ” é de acordo com a na-
tureza e, por isso, necessário e adequado, que mãe alimente o próprio fi-
lho.” Alguns árbitros morais chegavam ao ponto de considerar um pecado
a recusa de amamentar, especialmente em países como a Alemanha e a In-
glaterra, onde os reformadores Protestantes exigiam uma moralidade mais ri-
gorosa.
Outros, como o médico francês Ambroise Paré (1509-90), esperavam en-
corajar o aleitamento descrevendo os prazeres físicos e emocionais que uma
mãe podia obter através dele. De facto, alinhando com a validação renascen-
tista do erotismo, Paré descrevia o aleitamento como um acto que dava prazer
sexual, tanto para a mãe como para o filho, como se afirma no excerto se-
guinte: ” Há uma ligação de simpatia entre os seios e o ventre; se se acariciar
os seios, o ventre fica excitado e sente-se uma titilação agradável, pois a pe-
quena ponta do seio é muito sensível devido às suas terminações nervosas.”
Essas sensações agradáveis foram interpretadas como um incitamento “a que
a fêmea ofereça e exiba os seios mais voluntariamente à criança, que os aca-
ricia suavemente com a língua e a boca, facto de que a criança retira grande
prazer, especialmente quando o leite é abundante *
A linguagem médica de Paré não se afasta muito da linguagem dos poetas,
e o conteúdo encontra-se surpreendentemente próximo do pensamento dos
freudianos, que enfatizam o aspecto sexual do aleitamento, especialmente

91
(MARILYN YALOM

para a criança. As próprias mulheres que conheceram os prazeres do aleita-


mento só mais recentemente perderam a relutância de falar dessas sensações.
Apanhadas entre os médicos que lhes ordenavam que amamentassem e
os maridos que lhes ordenavam o contrário, muitas mães das classes altas da
França renascentista recusaram-se a amamentar os filhos. Num século em que
o potencial erótico do seio começou a obscurecer a sua função maternal, mui-
tas senhoras não estavam pura e simplesmente dispostas a sacrificar as suas
relações com os maridos, para não falar dos amantes, para se dedicarem com-
pletamente aos bebés.
Havia dois tipos de seios na sociedade renascentista: os seios compactos
“ das classes altas” dedicados ao prazer masculino, e os seios lactantes “das
classes mais baixas”, pertencentes às mulheres que amamentavam os seus fi-
lhos e os dos patrões. Um retrato de Gabrielle d'Estrées, a favorita de Hen-
rique IV (1572-1610), é a representação viva desta hierarquia (fig. 30). Ga-
brielle foi a última amante real cuja nudez se veio acrescentar à galeria
renascentista de pin-ups da alta cultura.
Tal como Diane de Poitiers, Gabrielle d"Estrées era conhecida pela sua
beleza e pelo ascendente que detinha sobre o rei. Do mesmo modo, também
ela adquiriu uma riqueza colossal e exerceu um grande poder político. Mas
a comparação acaba aí. Diane, vinte anos mais velha que Henrique II, foi ele-
vada à categoria de uma semi-deusa no imaginário popular. Gabrielle, vinte
anos mais nova que Henrique IV, era odiada pela populaça, que tinha pouco
mais consideração por ela do que por uma prostituta da classe alta. De facto,
a palavra putain (puta) era tão frequentemente aplicada a Gabrielle, que se
tornou uma palavra de código para designá-la em canções e poemas popula-
res*
É certo que as diferenças de carácter explicavam, em parte, as diferenças
de tratamento aplicadas a estas duas mulheres. Diane vivera ” virtuosamente”
durante mais de trinta anos antes de se dedicar exclusivamente ao rei. Ga-
brielle, em contrapartida, tinha tido no mínimo dois amantes antes de Hen-
rique IV deparar com ela aos dezassete anos. Apesar da sua repugnância ini-
cial por aquele ” velho” pretendente de trinta e sete anos, foi convencida a
submeter-se aos seus avanços por familiares influentes. Esta viria a ser uma
« ligação venal que a tornou fabulosamente rica numa altura em que a maioria
HISTÓRIA DO SEIO

. Gabrielle d'Estrées no banho. Início do séc, XVII.


Gabrielle d'Estrées, a amante de Henrique IV, exibe os seus seios “intactos”. Em pano de fundo,
uma ama de leite oferece um grande seio redondo a um bebé de cueiros, um dos três filhos
uascidos da relação entre Gabrielle e Henrique TV,

93
MARILYN YALOM

do povo francês sofria a devastação provocada pelas guerras religiosas entre


Protestantes e Católicos. Mais um motivo — e o não menos importante —
para ser tão odiada. Bem podia dar ao rei os filhos que ele não tinha tido do
seu casamento com Marguerite de Valois, de quem se encontrava oficialmen-
te separado. E bem podia Gabrielle dar aos filhos os nomes de César e Ale-
xandre, na esperança de virem um dia a suceder ao pai.
No preciso momento em que parecia possível que Henrique IV, imitando
o rei inglês Henrique VII, seguisse os ditames do seu coração e levasse a
amante ao trono, ela morreu de parto com a idade de vinte e seis anos. À sua
morte foi amplamente considerada como um acto de punição divina destina-
do a libertar o rei das suas garras adúlteras. O rei ficou destroçado. Era visto
de luto a soluçar com os filhos na corte, embora não fosse hábito dos reis
franceses usar sinais de luto, mesmo pelas mulheres. Mas daí a alguns meses,
Henrique IV tomou como amante Henriette d”Entrangues, de quinze anos de
idade.
— O surgimento de uma nova favorita tão pouco tempo após a morte de Ga-.
brielle levou alguns críticos de arte a reinterpretar o célebre quadro que mos-
tra Gabrielle d'Estrées nua da cintura para cima, com uma das irmãs a belis-
car-lhe o mamilo (fig. 31). De acordo com esta nova interpretação, a figura
loura do lado direito é, de facto, Gabrielle d"Estrées, mas a mulher de cabelos
castanhos à esquerda é, nada mais nada menos que Henriette d'Entragues *
Ela torce o mamilo de Gabrielle num gesto simbólico na sucessão no leito
real. A nova amante apropria-se do mamilo de desejo da sua predecessora,
como se se tratasse de uma divisa erótica. Mas o anel que Gabrielle tem na
mão esquerda passará para outra. Dezoito meses depois da morte inesperada
de Gabrielle, no Outono de 1600, o rei viria a casar com Marie de Médicis,
assinalando assim o final do século durante o qual tantos artistas tinham es-
tado obcecados com o seio feminino.
Podemos dizer que a França e a Itália renascentistas transformaram o nu
feminino, e especialmente os seios descobertos, no centro do erotismo na alta
cultura. Os quadros de mulheres nuas — sozinhas ou acompanhadas, no seio
da natureza ou em toucadores — estimulavam a lubricidade masculina. Mui-
tas vezes, tal como acontece nas diversas versões da Vénus com Cupido e
x; Organista de Ticiano, um homem lança um olhar nada ambíguo aos órgãos

94
HISTÓRIA DO SEIO

. Gabrielle d'Estrées e uma das suas irmãs. Escola de Fontainebleau. Finais do séc. XVI
O aspecto mais notável deste quadro é a mão da mulher morena no seio da mulher loura. Mas
a mulher que está a beliscar o mamilo de Gabrielle d"Estrées será a sua irmã Julienne ou Henriette
d'Entragues, a mulher que sucedeu a Gabrielle como amante de Henrique IV?

sexuais de uma mulher despida, como se ela estivesse em exibição para ser
“vendida* Quando os homens e as mulheres eram retratados amorosamente
" juntos, ela encontrava-se frequentemente em estado de nudez e ele comple-
tamente vestido, muitas vezes com a mão no seio dela. O significado do seio
na alta cultura renascentista era inequivocamente erótico.
Enquanto 90 por cento das mulheres europeias funcionavam como por-
tadoras de leite, as outras 10 por cento cuidavam bem dos seios e reserva-

95
MARILYN YALOM

vam-nos para os parceiros. Escusado será dizer que os parceiros eram geral-
mente homens, embora houvesse algumas mulheres, então tal como agora,
que preferiam fazer amor com membros do seu próprio sexo. O amor lésbico
não era de modo nenhum desconhecido nas comunidades medievais e renas-
centistas, embora a sua realidade estivesse escondida em conventos, castelos
e quintas, o mais longe possível de vizinhos curiosos ou de sacerdotes puni-
tivos. Um raro poema escrito por uma freira à sua amante dá-nos uma visão
única do amor lésbico na Europa pré-moderna: ” Quando recordo os beijos
que me deste, E como acariciaste os meus seios com palavras ternas, Tenho
vontade de morrer, Porque não posso ver-te, Fica à saber que não posso mais
suportar a tua ausência. Adeus. Lembra-te de mim.”* É este tipo de fisica-
lidade franca, com a sua referência específica aos prazeres do seio, que não
encontramos noutros escritos femininos.
Oficialmente, o sexo entre mulheres era um pecado ” contra natura”; po-
rém, na prática, esses actos entre mulheres eram raramente punidos só por
si, e muito menos do que a homossexualidade entre homens.* A historiadora
Judith Brown, que descobriu a história de uma freira lésbica julgada pelas
autoridades eclesiásticas pelos seus “actos de imodéstia”, apenas encontrou
uma meia dúzia de procedimentos semelhantes em toda a Europa renascen-
tista, a par de centenas senão milhares de casos de homossexualidade mas-
culina sobre os quais foram movidas acções judiciais * É certo que, qualquer
que fosse a intenção simbólica do artista, parte do valor de choque do retrato
de Gabrielle d'Estrées com a sua companheira no banho derivava do facto
de duas mulheres serem mostradas num acto oficialmente reservado para os
homens ou para os bebés. Numa cultura que glorificava a justaposição do seio
e do bebé e sancionava a mão masculina no peito da mulher, retratar uma
mulher a tocar no seio de outra era, no mínimo, subversivo.
Muitos dos seios da arte do séc. XVI são notavelmente semelhantes, como
se tivesse havido um modelo esguio a posar para todos os quadros de França,
e a sua irmã de peito amplo para todos os de Itália. Poucas mulheres, à ex-
cepção das amas de leite, das camponesas e das bruxas, são retratadas com
seios muito grandes ou pendentes. É como se os seios ideais não estivessem
sujeitos às leis da gravidade. É possível que as mulheres reais, de seios nor-
“mais em forma de peras, melões ou beringelas, sentissem o desconforto que |

96
HISTÓRIA DO SEIO

experimentam hoje as mulheres corpulentas ao serem confrontadas com o


to da magreza.
Mas para a maioria das mulheres renascentistas — ou seja, a maioria, que
vivia fora dos limites da elite da sociedade — os seios tinham um sentido
mais prático: tinham de ser protegidos do frio e de olhos hostis ou cobiçosos;
tinham de estar prontos para servir as necessidades dos seus bebés, e de ou-
tros bebés, que amamentavam por necessidades económicas; tinham de ser
tratados de abcessos e tumores com remédios que continham geralmente mais
superstição que medicina; e por fim, se tivessem sorte, podiam proporcionar
o prazer das carícias de um amante.

A EROTIZAÇÃO DO SEIO na França e na Itália renascentistas estava


ligada à produção de poetas, pintores e escultores sob o patrocínio de reis,
duques, príncipes e suas favoritas reais. Do outro lado do Canal da Mancha,
na Inglaterra isabelina (1558-1603), há uma ausência de corpos nus nas artes
plásticas, mas não faltam palavras relacionadas com o seio nos lábios dos
poetas. A exibição de carne que florescera entre a elite católica era mais sus-
peita nos círculos protestantes, e particularmente entre os Puritanos, que ten-
tavam contrariar a carnalidade franca de Henrique VIII, pai da rainha Isabel.
Desde os primórdios do reinado de Isabel I, eles exerceram pressão em prol
da austeridade em termos de vestuário e da castidade sexual. Embora mode-
rados em vez de zeloso, O Protestantismo vira a triunfar no reinado de Isabel
— a mais amada dos monarcas, apesar da sua desvantagem inicial como filha
do malfadado casamento de Henrique VIII com Ana Bolena.
Quando Isabel subiu ao trono em 1558 aos vinte e cinco anos, era loura-
arruivada, alta, magra e ossuda. Pouco inclinada a fazer da corte um mos-
truário de beleza feminina à excepção da sua pessoa, rodeou-se principalmen-
te de homens; as amas tinham em grande medida um papel decorativo em
relação à sua resplandecente rainha. Durante a infância e juventude, a expe-
riência de Isabel ensinou-a a viver na adversidade, o que ihcluiu a perda da
mãe no cadafalso e a sua própria experiência na prisão. Isabel também apren-
“ dera uma lição crucial com a glorificação de Diane de Poitiers. O novo mo-
narca inglês viria a evitar a todo o custo a regra tripartida que Diane partilhara
com Henrique II e Catherine de Médicis, ou qualquer outro tipo de regra di-

97
MARILYN YALOM

vidida. Vira a ser a única estrela do firmamento inglês, brilhando ( como rai-
nha, rei e amante ao mesmo tempo.
Para esse efeito, projectou uma imagem andrógina. Um excesso de femi-
nilidade poderia minar a sua autoridade, demasiada virilidade fá-la-ia parecer
monstruosa. Ela sabia tirar partido tanto dos atributos masculinos como dos
femininos, como aconteceu no seu discurso que fez às tropas em 1588 em
Tibury, após a derrota da Armada Espanhola, quando proclamou: ” Eu sei que
tenho corpo de mulher fraca e frágil, mas tenho coração e barriga de rei.” A
sua fraqueza feminina era enfatizada de forma a realçar a sua força máscula.
Foi ela que estabeleceu o modelo para aquela linhagem de “mulheres de fer-
ro”, mais recentemente incarnado por Margaret Thatcher, cujo papel é man-
ter sob controlo tanto a fraqueza ” feminina” como a insubmissão “masculi-
na.”>9
Durante a maior parte do reinado de Isabel, o corpo da “mulher fraca e
frágil” encontrava-se geralmente oculto por baixo de roupagens pesadas e
elaboradas que lhe esmagavam o peito, deixando apenas as mãos e o rosto a
descoberto. É assim que ela aparece na maioria dos seus retratos, cujo pro-
pósito era apresentar uma imagem de magnificência real (fig. 32). Nos pou-
cos quadros que expõem o seu pescoço e parte superior do busto, essas partes
do corpo encontram-se aplanadas, de modo a sugerir um ícone rígido e formal
em vez de uma mulher de came e 0880. Até ao fim da vida, OS seus seios vi-
riam a permanecer os seios de uma “rainha virgem”, casada apenas com o
povo.
Os vestidos de Isabel eram cortados de acordo com o estilo armadura im-
portado de Espanha no início do século: a metade superior do busto estava
encerrado num corpete duro de barbas de baleia que comprimia o busto e des-
cia até à cintura. O corpete era designado por “body” ou “pair of bodies”,
por ser composto por duas partes, a da frente e a de trás, unidas dos lados.
As mangas separadas podiam ser unidas ao corpete e, por uma questão de
modéstia e protecção, um lenço de gaze semi- Jransparente ou uma peça de
linho conhecida por “partlet” cobria o decote.”
As mulheres das classes populares usavam corpetes duros com rendas na
parte da frente, como ainda podemos ver nos trajes tradicionais de muitos paí-
x Ses europeus, mas nas famílias das classes altas, o “corpo” mais substancial,

98
HISTÓRIA DO SEIO

32. Isabel 1. O retrato "Darnley". Artista desconhecido. cerca de 1575.


Isabel 1, com quarenta anos, usa o constrangedor vestuário da sua corte — O peito esmagado,
mangas tufadas e gola engomada à volta do pescoço.

99
MARILYN YALOM

reforçado com varetas de barbas de baleia e madeira ou metal, passou a ser


obrigatório, mesmo para raparigas de dois anos e meio ou três anos. Essas
roupas eram tão apertadas e inflexíveis que não só transformavam os seios
das mulheres em superfícies lisas como tábuas, como podiam provocar ma-
milos invertidos, costelas fracturadas ou fatalidades maiores.
O esmagamento dos seios nos mais elevados níveis sociais não impediu
os poetas corteses de fantasiar acerca deles. Nunca como então existiram tan-
tas palavras para designar os seios, palavras como “bicos”, ”bicos-de-leite”,
“tetas” e “mamilos,” bem como os eufemísticos ” colo,” “leito” e ” fonte”
A palavra “mamas” ainda não tinha adquirido as conotações pejorativas que
começou a adquirir no século seguinte, como se nota na carta de Henrique
vI para ana Bolena exprimindo o seu ardente desejo de beijar as suas “belas
mamas.” As expressões relativas a frutos ou a flores tais como “botões,”
“morangos,” e “cerejinhas” eram especialmente preferidas, a par de termos
cósmicos e geográficos como “esferas,” “globos,” “mundos,” e ”hemisfé-
rios,” que reflectiam o interesse crescente pela astronomia e pelas descober-
tas ultramarinas: a Rosalynde de Thomas Lodge (1590) constitui o melhor
trecho mamário desta época: ” Os seus bicos são centros de deleite / Os seus
seios são esferas de dimensão celestial.”
Os seios eram geralmente apresentados como objectos de beleza e desejo
masculino. A sua visão faz o homem entrar em transe, o seu toque inflama ou,
melhor dito por John Lyly, ” Ao toque do seu seio, o peito dela inflama-se”
(A Counterlove”, 1593). Eles aparecem geralmente na literatura de acordo
com uma sequência convencional de visão, excitação (dele, e não dela), e oca-
stonalmente, de posse. Porém, estes três estádios eram problemáticos para os
isabelinos, porque colidiam com crenças filosóficas e religiosas que conside-
ravam a experiência sensual imensamente inferior ao reino do espírito.
Tanto em França como em Itália, a escrita de blazons proporcionou aos
poetas ingleses um exemplo para a exibição das partes genitais do corpo fe-
minino. O termo inglês “blazon” não só derivava do francês blason (brasão),
mas também do inglês “to blaze” (proclamar com trombeta). Toda esta he-
ráldica e proclamação deu origem a um certo tipo de publicidade poética: se
não era possível pintar os seios nus da amada, havia pelo menos a opção de
descrevê-los verbalmente.

100
HISTÓRIA DO SEIO

Enumerar as glórias da amante permitia ao poeta exercer o seu direito de


propriedade e, ao partilhá-los com um ouvinte do sexo masculino, experi-
mentar uma espécie de reforço dos laços masculinos. Como Freud salientou
alguns séculos mais tarde, a mulher é muitas vezes o vértice de uma relação
triangular em que dois homens estabelecem através dela uma ligação entre
si Assim, o poeta (ou pintor) atrai o leitor masculino (ou espectador) através
do blazon (ou retrato) que louva (ou desonra) o corpo-feminino. O Menaphon
de Robert Greene (1589) constitui um exemplo padrão:

Os seus caracóis são emaranhados como o velo de lã

Os seus caracóis são rosas cobertas de orvalho

Os seus peitos são como belas maçãs maduras,


Redondas como pérolas do Oriente, macias como penugem.

Aqui, os seios apelam para três dos cinco sentidos — visão, sabor e toque
— numa longa lista de analogias bem conhecidas.
Edmund Spenser (1552-993, comparando os órgãos femininos com diver-
sas flores, criou um jardim inglês anatómico no seu soneto 6a.

Os seus lábios cheiravam a goivo;


As suas faces eram rosas vermelhas;
As suas sobrancelhas da cor da neve eram botões de amores-
-perfeitos;
O seu amplo colo era um leito de morangos;
O seu pescoço era um ramo de colombinas;
O seu seios eram lírios antes das suas folhas cairem;
Os seus mamilos eram jasmins em flor.

Noutro excerto, o autor levou as comparações do jardim para a cozinha.


Este ” Epithalamion” — um poema em honra do matrimônio — apresentava
a noiva em termos francamente orais, cujos seios proporcionavam a piêce de
résistance numa ementa de delícias comestíveis:

101
« MARILYN YALOM

As suas faces são maçãs crestadas pelo sol,


Os seus lábios são cerejas que atiçam os homens a mordê-las,
Os seus seios são uma taça de natas espessas,
Os seus bicos são lírios em botão.

Shakespeare, que compôs a sua quota-parte de blazons, também soube


troçar deles. O seu Soneto 130 vira a convenção a favor da sua amada:

Os olhos da minha amante são tal e qual o Sol;


O coral é muito mais vermelho que os seus lábios;
Se a neve é branca, os seus seios são castanho-escuros;

Mas pelos céus, o meu amor é tão excepcional


Como aquele que ela enganou com as suas falsas comparações.

A tradição neo-platónica herdada por Shakespeare e pelos outros isabe-


linos exigia que a amada fosse bela e virtuosa, a sua virtude consistindo pri-
mordialmente numa recusa obstinada em gratificar o desejo masculino. Por
mais que a visão dos seus olhos, lábios, e seios lhe excitassem os sentidos,
o papel dela era conduzi-lo a uma apreciação da sua alma, para além do mero
apetite.
Ninguém travou uma luta verbal mais acirrada no conflito entre desejo
sexual e virtude cristã do que Sir Philip Sidney (1554-86) em Astrophel and
Stella. Ele queixava-se à radiosa Stella: ” enquanto a tua beleza chama o co-
ração ao amor, o Desejo não deixa de gritar “dá-me de comer.” A beleza,
que devia levar à adoração casta segundo as convenções do amor cortês,
afunda-se nos baíxios da luxúria. Para o escritor cujo estado interior se es-
pelhava neste poema, o corpo erotizado da mulher despoletou uma experiên-
cia de conflito que apenas o sacramento do matrimónio podia resolver satis-
fatoriamente.
À visão é, então, um sentido perigoso quando se fixa na forma feminina,
- perigoso para o homem em termos do seu bem-estar psicológico, e ainda mais
“perigoso para a mulher que se arrisca a perder a ” virtude”, ou mesmo a vida.

102
HISTÓRIA DO SEIO

“A crítica literária Nancy Vickers analisou a progressão do olhar ao rapto


ocorrida em alguns textos isabelinos.* A autora cita um poderoso exemplo
do Rapto de Lucrécia de Shakespeare, em que o brutal herói Tarquínio en-
contra Lucrécia a dormir e pousa a mão lúbrica “no seu seio nu, o coração
de toda a sua terra.” Tarquínio viola rapidamente Lucrécia, deixando os seus
*torreões redondos esvaziados e pálidos.” Por mais ofuscante que seja a lin-
“guagem, o tema é nada mais nada menos que a violação nas mãos de um pre-
“dador implacável.
Tal como Shakespeare via o corpo feminino como um terreno a conguis-
“tar e saquear, os exploradores renascentistas também viam o Novo Mundo
“como um território virgem, à espera da penetração de um macho robusto. À
rede de associações entre o corpo da mulher e a terra conquistável estava fir-
“memente entranhado na psique do grande explorador Cristóvão Colombo
como se pode ver pelos seus relatos. Num deles, Colombo compara a terra
a um seio de mulher em forma de pêra, numa parte do qual” estava colocado
- algo semelhante a um mamilo de mulher (una teta de muy er) * Estas palavras,
“escritas em 1498, quando Colombo avistou pela primeira vez o continente
americano, apresentam o Novo Mundo como a parte melhor do seio — um
” mamilo paradisíaco” que se projecta para lá do globo mamário.
A identificação da mulher com a terra tem uma longa história. Os escri-
“tores renascentistas foram buscarà Antiguidade Clássica a comparação entre
«a mulher e a Natureza, sendo à primeira frequentemente colocada em cená-
“rios arcádicos ou num jardim, ou transformada no próprio jardim. Na poesia
: isabelina; as palavras “terra” e “jardim” referiam-se convencionalmente ao
- corpo feminino, com “colinas” e “montanhas” a evocar os seios, e o “pe-
“queno vale” entre os seios.
Michael Drayton, por exemplo, transformou o peito da amante numa pai-
“sagem pastoril cheia de prados e rios: ” Os teus seios cheios e juvenis, como
“um prado orgulhoso / Atravessados por veias como rios a correr, sinuosos.”
- Bm contrapartida, também era comum impregnar a Natureza do leite mater-
“ no, como acontece nos memoráveis versos de Sir Walter Raleigh: “A Natu-
reza, que lavou as mãos com leite / E se esqueceu de secá- -Jas.” Mas os bri-
tânicos nunca foram capazes de imergir completamente na imagem
mediterrânica da mulher vista como a Natureza benéfica; a tradição da hos-

103
MARILYN YALOM

tilidade nórdico-cristã ao prazer sensual era demasiado antiga e estava dema-


siado enraizada.
Essa hostilidade irrompia por vezes na aviltação ou mutilação do corpo
feminino. Tal como a base misógina da arte e poesia francesas, também a
poesia isabelina constituiu um meio através do qual os homens podiam ex-
primir os seus sentimentos negativos em relação à carne feminina. Tomemos
Shakespeare como exemplo fundamental. As mulheres das suas peças são
frequentemente atacadas no peito, tanto em sentido literal como figurativo.
Dos trágicos malentendidos de Romeu e Julieta (” Este punhal mudou de tu-
gar /E escolheu por bainha o peito da minha filha!”) ao suicídio de António
e Cleópatra, devido à mordedura de uma serpente no seio ("No seu seio há
um vazadouro de sangue”), a lista de feridas infligidas ao seio é longa e ima-
ginativa. À violação, o suicídio e o assassínio ocorrem no próprio lugar do
desejo masculino, como se a mutilação do seio pusesse termo a esta disso-
nância psicótica. Por vezes, o ataque ao seio é apenas metafórico, embora não
menos potente, como podemos ver pelas sinistras palavras que se seguem
acerca da mãe de Hamlet: ” o Céu escolherá o seu destino / E os mesmos
espinhos que ela aloja no seu seio / hão-de picá-la e atormentá-la.”
A utilização mais impositiva do imaginário negativo em relação ao seio
pode ser encontrada em Macheth, em relação com a virilidade ” contra natu-
ra” de Lady Macbeth. Quem pode esquecer o seu discurso enraivecido para
Macbeth incitando-o a matar o rei? É

Já amamentei, e sei
Quanto amor se tem ao bebé que nos suga o leite; .
Enquanto ele me sorria,
Ter-lhe-ia arrancado das gengivas desdentadas o bico do meu
seio
E esmagado os seus miolos, se eu tivesse jurado que lho faria,
Como vós jurastes que havíeis de executar o vosso projecto.

Ela receia que Macbeth esteja ” demasiado cheio do leite da bondade hu-
mana” para executar o acto que lhe permitiria aceder à coroa. Nas suas me-
ditações, o assassínio exige um tipo de alimento diferente: “Vem aos meus

104
HISTÓRIA DO SEIO

seios de mulher / E bebe a bílis do meu leite” De acordo com conceitos an-
tigos segundo os quais o leite materno continha em si os traços de carácter
da mãe, Lady Macbeth teria transmitido ao filho (ou ao marido) a sua natu-
reza vingativa.
Este retrato de uma mulher que deseja transformar o leite em bílis para im-
itar o marido a matar, ou esmagar a cabeça do seu bebé por medo ou cobardia,
enuncia um medo primitivo de que o seio que dá leite se transforme num agen-
te de destruição. O veneno e a bílis tornam-se, assim, substitutos simbólicos
o leite — fluidos tóxicos existentes no coração da feminilidade. Por detrás do
“corpo erótico e maternal encontramos a figura da mulher guerreira — uma
“Amazona ou Lady Macbeth — que incute terror no coração dos homens.
— Infelizmente, não há poemas de mulheres inglesas deste período que ofe-
reçam uma perspectiva alternativa do corpo feminino. No entanto, dois poe-
mas atribuídos nada mais nada menos que à rainha Isabel, referem-se ao seio,
embora não o encarem como objecto de excitação física. Tal como na poesia
das duas francesas citadas anteriormente, o seio é visto como equivalente ao
coração, proporcionando uma visão interna e emocional, e não externa e sen-
sual. No poema seguinte, o seio é considerado terno e vulnerável, um alvo
fácil para as setas ou críticas de Cupido, neste caso as últimas, pois Isabel]
troçou das alianças do amor, tendo lamentado esse facto em vida, pelo menos
nos poemas:

Quando era jovem e bela, tocada pela graça,


Muitos me procuravam para ser sua amante.
Mas de todos troçava, respondendo-lhes assim:
3 - .

Ide, ide, ide procurar outra,


Não me importuneis!”

Então apareceu o belo filho de Vénus, esse ufano rapaz vito-


rioso,
E disse, “Bela dama, como sois tão recatada,
Vou fazer-vos perder as plumas para nunca mais dizerdes,
“Ide, ide, ide procurar outra,
Não me importuneis!” -

105
MARILYN YALOM

Mal tinha proferido estas palavras, ocorreu uma tal


transformação dentro do meu seio
Que não mais consegui repousar.
E vede! Arrependi-me de ter dito antes,
“Ide, ide, ide procurar outra,
Não me importuneis!”

Este lamento feminino pelas oportunidades perdidas do amor deve, evi-


dentemente, ser encarado dentro do contexto de um discurso poético mascu-
lino: há mais de um século que os homens diziam às mulheres que não des-
perdiçassem a juventude, e Isabel, que não aproveitara as vantagens dela,
parece afirmar aqui que eles tinham razão. Por outro lado, este poema pode
constituir apenas uma vénia convencional ao discurso dominante. Isabel rei-
nou até aos setenta anos, e nada — nenhuma ligação pessoal nem nenhuma
dor dentro do seu peito — alguma vez eclipsou o papel de rei e rainha que
ela determinara para si própria, sem interferência de um príncipe conjugal
que pudesse retirar-lhe autoridade.
Outro poema atribuido a Isabel, “Da Partida do Senhor,” exprime a tris-
teza da rainha após a visita de um dos seus pretendentes. Só podemos tecer
conjecturas sobre o facto de ela lamentar verdadeiramente a sua ausência,
mas pelo menos um verso parece genuíno: “Não encontrei forma de tirá-lo
do meu peito.” Tal como Louise Labé, Isabel conceptualizou o seio interna-
mente como lugar de dor e pesar. Este grito afasta-se muito das maçãs ma-
duras e torreões redondos, globos de marfim e pérolas do oriente, que proli-
feravam entre os poetas do sexo masculino, ou, melhor dizendo, entre os
poetas. Seriam os seus poemas verdadeiramente destinados a ser lidos pelas
mulheres cujos corpos celebravam?
Uma coisa é certa: pela primeira vez na história, havia na maior parte da
Europa um público leitor que se abarcava mais que uma pequena camada su-
perior. Coma invenção da prensa na Alemanha do séc. XV, seguida das edi-
ções inglesas de Caxton, os homens e mulheres ingleses começaram a tes
mais acesso à palavra impressa. Entre 1500 e 1600, houve um grande aumen-
" to da leitura, devido ao desenvolvimento da imprensa e à divulgação da Re

106
HISTÓRIA DO SEIO

orma Protestante, que encorajava a leitura da Bíblia.


“ Em Inglaterra, não apenas os poucos detentores de títulos e propriedades
ossuíam livros, mas também alguns membros da classe média ascendente.
mbora houvesse mais homens do que mulheres que soubessem ler, o mú-
mero de leitoras atingira uma importância tal no último quartel do séc. XVI,
“que muitos autores lhes faziam agora um apelo directo.” Entre os autores que
scolheram as mulheres como público alvo, podemos encontrar nomes como
ohn Lyly, Thomas Lodge, e Robert Greene — todos eles acima citados pelas
uas efusões mamárias. As mulheres liam todo o tipo de literatura, dos ro-
mances de cavalaria aos livros piedosos, e não eram, de modo nenhum, in-
ensíveis aos eflúvios eróticos dos poetas. Elas sabiam que os seus seios eram
bjectos de desejo, tal como as mulheres do séc. XX reconhecem o seu valor
rótico nas capas de revista, na televisão, no cinema, na publicidade e nas
nedotas. Algumas delas exibiam-nos indubitavelmente em corpetes de ren-
la, para grande pesar dos homens do clero, que continuavam a pregar contra
s “portas do Inferno.” Como os seios fartos eram considerados um sinal de
ertilidade e uma potencial fonte de leite, seria do interesse das mulheres nú-
eis, especialmente no campo, mostrar os seus seios saudáveis.
Durante o período isabelino, a maioria das crianças da Grã-Bretanha eram
-amamentadas em casa pelas mães, embora muitas mulheres abastadas em In-
“glaterra e na Escócia contratassem amas de leite. Havia diferenças signifi-
“cativas entre os Protestantes fundamentalistas, que consideravam o recurso
s amas de leite como um pecado, e os Católicos, que tinham uma opinião
ontrária. Os sermões e opúsculos dos Puritanos promulgavam a ideia de que
s mulheres que não amamentavam negligenciavam os seus deveres em re-
ação aos filhos e a Deus. Consequentemente, era mais provável que as mu-
lheres das seitas protestantes mais rigorosas aleitassem os filhos do que as
Católicas e as Protestantes moderadas.
Algumas mães viam-se obrigadas a renunciar ao aleitamento por questões
de saúde. Outras contratavam amas de leite como símbolo do seu estatuto.
“Âo comentar o aumento de amas de leite entre as famílias abastadas de finais
do séc. XVI e início do séc. XVII, um historiador concluiu que ” As damas
Tudor e Stuart amamentavam tão raramente os bebés que, quando o faziam,
sso era interpretado como uma marca de pobreza, ou de uma ligação extraor-

107
MARILYN YALOM

dinária à criança.” *º Qutra limitação era imposta pelos maridos autoritários,


que proibiam as mulheres de amamentar porque isso interferia com o sexo.“
Com o aumento da ênfase no seio erótico em detrimento do seio maternal,
muitas mulheres da fidalguia tiveram de escolher entre dar o seio aos maridos
ou aos filhos. Infelizmente, as próprias mulheres isabelinas deixaram poucas
provas dos seus sentimentos em relação a estas questões.
No séc. XVII, as mulheres britânicas começaram a ser mais explícitas.
Várias mulheres deixaram testemunho, tanto em cartas particulares como em
obras publicadas, exprimindo a sua defesa do aleitamento. Entre elas, Eliza-
beth Clinton (1574-1630?) fez remontar este “dever” ao precedente bíblico:
? Quem negaria que o aleitamento dos próprios filhos é dever da mãe desde
que toda e qualquer matrona divina seguiu os mesmos passos antes dela: Eva,
a mãe de todos os seres vivos; Sara, a mãe de todos os crentes; Ana, tão gra-
ciosamente escolhida por Deus; Maria, abençoada entre as mulheres” (The
Countess of Lincoln”s Nurserie, 1622). Nada menos que a rainha Ana, mulher
de James I (1566-1625), alinhou com as defensoras do aleitamento, embora
o seu próprio exemplo se baseasse mais num sentido de diferença do que de
semelhança em relação às outras mulheres. De facto, ela opôs-se ao recurso
às amas de leite com base no facto de não querer que o seu filho real absor-
vesse com o leite as características básicas da ama: “Deverei deixar o meu
filho, o filho do rei, beber o leite de uma súbdita e misturar o sangue real com
-o sangue de uma serva?”*! Quaisquer que fossem os motivos, algumas mu-
lheres das classes mais elevadas tomaram parte activa na defesa do aleita-
mento materno, num esforço para convencer outras mães a seguir o seu
exemplo.
Outro tema em que as mulheres inglesas começaram a manifestar mais a
sua opinião prendia-se com os seus sentimentos eróticos, o que representou
uma incursão ousada naquilo que era tradicionalmente território masculino.
Uma poeta, conhecida por ” Eliza,” escreveu uma palestra irónica intitulada
“ A uma Amiga pelos seus Seios Nus,” onde elogia a amiga por descobrir os
seios de acordo com uma moda recente. Mas o sentido mais profundo do poe-
ma sugere que a amiga esperava seduzir “algum Amante perdido.” Tem cui-
dado, diz ela, com Deus omnipresente, “não veja ele o pecado através do teu
seio, / E te castigue pelo que lá está dentro” (Eliza's Babes, 1652).

108
HISTÓRIA DO SEIO

Uma poeta e dramaturga mais célebre do séc. XVII, Aphra Behn (1640-
-89), avançou a causa do erotismo feminino como nenhuma outra mulher
o tinha feito antes dela. Por esse facto, ganhou a fama de ser uma “ meretriz
lasciva.”
62 No seu poema “De um Junípero Abatido para Fazer Varetas
de Espartilhos,” apresenta um retrato convencional da pastora que cede ao
pastor; ” Com o peito a arfar, unido ao dela,” acrescentado ao toque irónico
de revelar que a árvore que dava sombra ao casal durante o seu enlevo amo-
roso vir a ser cortada e transformada em varetas para espartilhos de senhora.
O tema estava totalmente de acordo com o tom frívolo e um pouco cínico
que se infiltrou no âmago da cultura do seio no séc. XVII. As damas da
Restauração inglesa (1660-88) e da corte francesa de Luís XIV (1643-1715)
talvez se tenham divertido, mas desconfio que algumas delas se limitavam
a elevar os seios com um suspiro de tédio enquanto ouviam os monólogos
irónicos, madrigais espirituosos e enigmas lógicos dedicados aos seus
seios.
Uma seguidora de Aphra Behn conhecida por ” Ephelia” aproximou-se
um pouco de exprimir o autêntico desejo feminino no seu poema ” A Primeira
Abordagem do Amor.” Assumindo a posição do observador em vez do ob-
servado, recordava como o olhar dele afectara o seu coração, e pedia à di-
. vindade do Amor ” Que torne o seu gélido peito tão quente como o meu” (Fe-
male Poems, 1679). Neste caso, os seios femininos e masculinos oferecem
possibilidades recíprocas.
- À persistência de pretensões rivais sobre o colo provenientes de fontes
tanto eróticas como maternais pode ser resumida em dois textos ingleses de
meados do séc. XVII. Os primeiros versos tirados de “Dos Seios de Julia”,
pelo poeta cavalheiresco Robert Herrick (1591-1674):

Mostra os teus seios, minha Julia — deixa-me neles


Vislumbrar a tua pureza circum-mortal:
Entre as suas glórias, pousarei meus lábios,
Enlevado por essa bela Via Láctea.

O segundo é uma pedra lapidar com as seguintes palavras:

109
MARILYN YALOM

EM MEMÓRIA
DA CONDESSA DE MANCHESTER, DE ESSEX,
FILHA DE THOMAS CHEEKE
6 ESPOSA DE EDWARD DUQUE DE MANCHESTER
MORTA A 28 DE SETEMBRO
ANO DOM 1658, QUE DEIXOU
8 FILHOS 6 RAPAZES &
2 MENINAS 7 DOS QUAIS
AMAMENTOU COM SEUS PRÓPRIOS SEIOS
“Os seus filhos erguer-se-ão & chamar-lhe-ão abençoada É

A erotização renascentista do seio deve ser entendida no contexto de uma


nova onda de libertação sexual, um fenómeno que voltou a surgir várias vezes
posteriormente. Pela primeira vez na história judaico-cristã, foi o homem,
e não Deus, que proclamou a medida de todas as coisas. O corpo humano
tomou precedência sobre o corpo divino, e os prazeres físicos adquiriram o
estatuto de direitos universais. Depois dos italianos e dos franceses ficarem
contagiados, esta tendência estendeu-se a toda a Europa. À acreditar nas re-
criminações de Lutero, até os Estados alemães se tornaram antros de com-
portamento sexual ilícito: ” As mulheres e raparigas,” garantiu, ” começaram
- a andar nuas atrás e à frente, e não há ninguém- para castigá-las ou comigi- .
lasӃ
Entre o séc. XIV, quando a Nossa Senhora italiana exibia um seio minús-
culo como símbolo de alimento divino, e o séc. XVI, altura em que os seios
descobertos proliferaram na pintura e na poesia, a Europa sofreu uma revolução
social e cultural radical. A antiga mundivisão religiosa sucumbiu a apetites se-
culares, excitados pelas novas realidades políticas, económicas e geográficas.
O seio tornou-se mais um objecto de conquista por parte dos homens empreen-
dedores, mais um objecto a tirar das mãos dos sacerdotes e pregadores, para
não falar das mulheres e dos bebés. Reis, cortesãos, pintores, poetas, explora-
dores e pornógrafos — todos julgavam ter direito sobre o seio. Cada um se via
a si mesmo, de algum modo, como seu dono. Os seios das mulheres, despro-
“vidos das suas associações religiosas, tornaram-se emblemas banais do desejo
“29

J10
HISTÓRIA DO SEIO

33. Hans Baldung Grien. Velho com Rapariga. 1507.


OQ velho pousa orgulhosamente a mão no seio da rapariga, enquanto ela põe a mão no bolso
dele.

masculino. A mão no seio — um motivo comum na arte renascentista — re-


velava o sentido da posse que os homens consideravam ser-lhes devida.
Em pinturas alegóricas europeias dedicadas aos cinco sentidos, era prática
comum representar o sentido do tacto com uma mão masculina num seio de
mulher. Entre os artistas alemães, o casal heterossexual era frequentemente
representado como um homem velho e uma mulher jovem, ele com a mão
no seio dela, e ela com a mão no bolso dele (fig. 33). Essas obras introduziram

1
MARILYN YALOM
ai;

uma mensagem moralista na arte erótica, condenando igualmente a luxúna


dele e a venalidade dela. Entre os quadros franceses e italianos prohfera-
vam as deusas e ninfas nuas acariciadas por deuses e cúpidos — qualquer -
área acima da cintura era tida por aceitável. (Também existia um mercado
para a pornografia, onde não existiam barreiras físicas.)
O facto de os homens porem as mãos nos seios das mulheres como sinal
de posse e domínio tinha a ver com a sentença cristã que mandava as mu-
lheres serem subservientes em relação aos maridos — sentença essa que era
geralmente interpretada como uma lei ” natural.” $7 A historiadora Joan Kelly
Gadol!, baseando-se principalmente em fontes italianas, argumentou que as
mulheres perderam terreno durante o Renascimento porque, embora a sua be-
leza inspirasse amor, “o amante, o agente, era um homem.” Mas tanto as
fontes francesas como inglesas sugerem uma realidade um pouco menos ne-
gativa. Não podemos partir do princípio de que as mulheres eram necessa-
riamente passivas nas suas relações íntimas. Porque, qualquer que fosse o dis-
curso público, não podemos saber o que transpirava na privacidade do quarto
e dos aposentos femininos. Dado o delicioso prazer erógeno que deriva da
estimulação dos seios e dos mamilos, é provável que então, tal como agora,
muitas mulheres gostassem da mão no peito, orientando provavelmente as
suas explorações, com ou sem a sanção do matrimônio.
Quanto à actuação numa área mais pública, havia de facto, algumas mu-
lheres da elite que sabiam tirar partido da fonte magnética proveniente dos
seus corpos, de forma a retirar-se do centro da vida da corte e da retaguarda
do governo. Os seus seios erotizados eram símbolos do poder, e continuam
a sê-lo em muitas nações ocidentais. Paradoxalmente — se acreditarmos nos
poetas — esperava-se que as mulheres, em especial as mulheres inglesas, ins-
pirassem o amor dos homens através da beleza dos seus corpos, convencen-
do-os ao mesmo tempo que o que importava verdadeiramente era a sua alma.
Devia ser difícil equilibrar acção, atracção e repulsa nas doses certas, ou, na
linguagem do seio, revelar e ocultar na proporção adequada. * É certo que
Joan Kelly Gadl tem razão ao sustentar que o Renascimento não era igual
para as mulheres e para os homens, e é, de facto, possível que as mulheres
tenham perdido parte do poder que o amor cortês medieval lhes conferiu ao
mais alto nível, mas não temos motivos para crer que eram indefesas face aos
HISTÓRIA DO SEIO

desejos dos homens. Excepto no caso de violação indiscutível, muitas mu-


lheres tinham maneira de decidir se queriam ou não, e com quem.
Desde o final da Idade Média, o culto do seio erótico foi marcando gra-
dualmente a civilização ocidental. A única mudança visível ao longo do tem-
po foi a transformação do volume, forma ou função ideal. Os pintores e poe-
tas medievais exprimiam uma preferência por seios pequenos, empinados
muito acima de uma grande barriga semelhante à de uma grávida. Até finais
do séc. XVI, os franceses mantiveram a preferência por seios pequenos e cor-
pos esguios e alongados. Os italianos da época áurea do Renascimento per-
mitiam a existência de peitos maiores e ancas e coxas um pouco mais cheias.
Os homens isabelinos parecem ter tido menor preocupação com o tamanho
e a satisfação oral: os seios evocavam imagens de maçãs, natas e leite, ou
jardins floridos.
Em geral, desde finais do Renascimento, a tendência das preferências
masculinas sempre favoreceu os seios maiores. Os pequenos montículos pú-
beres de: finais da Idade Média deram origem, cinco séculos mais tarde, às
Jane Russells dos anos 50, às Caro] Dodas dos anos 70, e às Cindy Crawfords
dos anos 90. As mulheres que ansiavam por explorar este ideal masculino au-
mentaram os seios com soutiens acolchoados e implantes de silicone, provo-
cando geralmente estes últimos uma perda da sensibilidade que era o maior
contributo para o valor sexual do seio.
Em termos históricos, a erotização do seio-feminino foi predominante-
mente uma questão masculina. Uma história baseada nos registos das expe-
riências subjectivas das mulheres teria um aspecto totalmente diferente, mas
infelizmente, esse tipo de registos só começou a existir em épocas relativa-
mente recentes. Durante o Renascimento foram estabelecidas certas conven-
ções que não desapareceram de todo da civilização ocidental. Nas artes grá-
ficas e na literatura, os seios eram exibidos para deleite de um espectador ou
leitor masculino, com a intenção de o excitar a ele, e não a ela. Quando os
seios se tornaram sobre-erotizados, o seu significado sexual começou a so-
brepor-se ao seu significado maternal. A luta para restaurar o sentido nutri-
tivo do seio viria a ser travada a intervalos regulares durante os séculos vin-
douros por indivíduos e grupos que se opunham ao reinado absoluto do seio
sexualizado.

113
Três
- O SEIO DOMÉSTICO:
UM INTERLÚDIO HOLANDÊS

No SÉC. XVII, OS PAÍSES BAIXOS representavam, nas palavras ade-


quadas de Simon Schama, uma “sobrecarga de riquezas.” ! Após ter conse-
guido por fim libertar-se do jugo da lei espanhola e formado uma república
em 1581, a nova nação elevou-se rapidamente a um nível de prosperidade
que espantou os seus próprios habitantes. O jovem Estado — uma excepção
democrática entre reinos rivais como a França, a Inglaterra e a Espanha —
em breve se tornou conhecido pelo seu comércio próspero, pelos progressos
na medicina, pela liberdade política, tolerância religiosa, produtividade cul-
tural, e as tão alardeadas qualidades holandesas de limpeza e parcimóônia.
Muitos desses atributos estavam presentes na cultura do seio que floresceu
durante a época áurea da Holanda.
Se quisermos pensar no seio nos Países Baixos, temos de imaginar um
cenário muito diferente dos que encontrámos até aqui. Temos de deixar para
trás todas as memórias de santuários pagãos e igrejas católicas, jardins ale-
góricos e toucadores erotizados, e entrar no espaço ordenado de uma casa
burguesa. Os nossos olhos têm de se adaptar à luz oblíqua que atravessa um
vitral, revelando — escassamente — um pequeno número de objectos de uso
quotidiano: um jarro de metal, uma cadeira sólida, um cesto ou uma doba-

115
MARILYN YALOM
A

doura. Em frente à lareira está sentada uma mãe com um bebé ao colo, todo
contente a mamar. Deparamos com uma cena de simples felicidade domés-
tica.
A Mulher a Amamentar, com Criança, de Pieter de Hooch, ajuda-nos a
visualizar essa cena (fig. 34). À luz de uma janela acima, vemos uma mãe
burguesa a olhar com amor para o bebé que tem ao peito. A ênfase pousa
menos no seio em si, que mal se vê, do que na aura de doçura calma gerada

34, Pieter de Hooch. Mulher a Amamentar, com Criança. 1658-60.


Uma mãe holandesa dá de mamar a um bebé de touca, ladeado por uma criança mais velha e
um cão, simbolo de fidelidade.

116
HISTÓRIA DO SEIO

pelo acto de amamentar. Está tudo como devia neste retrato idealizado de har-
monia familiar.
Não podemos saber em que medida este tipo de quadro constituía real-
mente um retrato da vida doméstica. Como o historiador Wayne Franits de-
monstrou, tanto a arte como a literatura deste período serviram o propósito
de fornecer linhas de orientação para a criação de crianças virtuosas e a con-
duta de adultos integros.? Essas obras apresentavam as crianças como dádi-
vas de Deus, que deviam ser criadas num ambiente gerador de piedade reli-
giosa e estabilidade social. O lar era o principal cenário em que as crianças
eram moldadas de acordo com esta visão elevada, seguido pela igreja e a es-
cola. E em casa, era dever da mãe prover ao sustento do seu rebento em todos
os aspectos — das primeiras gotas de leite às primeiras orações confiantes.
Todas as autoridades médicas, religiosas e morais holandesas eram firmes
defensoras do aleitamento materno. Tal como em Inglaterra, os Protestantes
rigorosos eram os mais ostensivos, pois criam que uma mãe que desse de ma-
mar agradava a Deus e que uma mulher que se recusasse a fazê-lo era uma
abominação aos olhos do Senhor. Esperava-se que uma mãe amamentasse o
bebé que tinha dado à luz de acordo com a antiga noção de que a Natureza
dá sustento ao que cria. Um dos aforismos do prolífico escritor e magistrado
Jacob Crats (1577-1660) resumia esta atitude:

Aquela que dá à luz os seus filhos é uma mãe em parte,


Mas aquela que amamenta os seus filhos é mãe de corpo
e alma.

A verdadeira mãe era a que amamentava o seu filho. Mais do que qual-
quer outro factor, o aleitamento era een merck-teecken van een vrome Vrowe
— a marca de uma mãe piedosa.*
Os tratados de medicina acrescentaram peso ao debate. Seguindo a crença
contemporânea de que o leite materno se formava a partir do sangue que ali-
mentara o feto dentro do ventre, considerava-se importante que o bebé con-
tinuasse a ingerir a mesma substância — ou seja, o sangue da mesma mãe
que tinha sido transformado em leite. Havia muitos receios em torno do “ san-
gue/leite” de uma estranha, o não menos importante dos quais era o de que

117
MARILYN YALOM
á

o bebé adquirisse os traços de personalidade da ama de leite. Jacob Cats ex-


primiu esta visão comum numa das suas muitas proclamações burlescas:
“ Quantas crianças belas, saudáveis e vivas, / Perderam o carácter devido a
uma ama de leite perversa!”? O temor da influência negativa da ama de leite
era certamente um tema padronizado na literatura moralista e médica da Ho-
landa do séc. XVII, tal como em Inglaterra e na França. o
O que é mais difícil determinar é se as mães holandesas recorriam menos
a amas de leite do que as suas congéneres inglesas, francesas e italianas. Pelo
menos uma autoridade acredita que as amas de leite eram menos comuns nos
Países Baixos e que é possível que as famílias holandesas tenham constituído
uma excepção nas extremamente elevadas taxas de mortalidade infantil ve-
rificadas nos países em que as crianças eram geralmente amamentadas por
amas de leite. Mas outras autoridades discordam desta opinião. Na ausência
de estatísticas sobre este assunto, temos de recorrer a artefactos culturais
como a literatura e a pintura, que ao menos nos proporcionam visões do que
era distintivo na sociedade holandesa em comparação com o resto da Europa.
A visão holandesa do seio doméstico encontrada num poema de Jacob
Cats dá-nos um contraste nítido em relação aos cânticos eróticos que encon-
tramos em França e Inglaterra nesta época:

Emprega, 6 jovem esposa, os teus dons preciosos


- Oferece o nobre seio ao teu pequeno rebento
Não há nada que um homem de bem goste mais de ver
Do que a sua querida esposa a oferecer o peito
Esse teu seio tão cheio de vida
De contornos tão belos como esferas de marfim.”

Apesar da metáfora banal das “esferas de marfim” e dos meios tons da


sexualidade subversiva, há sentidos distintamente novos em relação ao
seio. A figura masculina do poema, que roga à sua ” querida esposa” que
dê de mamar não é de modo nenhum um amante egoísta preocupado com
“o seu próprio prazer e, por isso, hostil à noção de lactação, pois a maioria
das pessoas julgava que a actividade sexual fazia o leite encaroçar. Ele é
um marido e um pai, um “homem de bem” dedicado ao bem-estar do seu
“ay

118
HISTÓRIA DO SEIO

filho e, por extensão, à comunidade de burgueses a que eles pertenciam.


Acreditava-se que a unidade familiar, vista como microcosmos do macro-
cosmos político mais alargado, era mais bem servida quando a mãe se de-
diçava ao aleitamento com a mesma dedicação com que efectuava as suas
limpezas rigorosas. Naturalmente, considerava-se que o marido devia
apoiar esta actividade vital e partilhar o amor parental simbolizado pelo
acto de amamentar. Encontramo-nos um século depois da “pequena bola
de marfim” que fez titilar Marot, e um século antes do seio de Rousseau
que viria a converter ostensivamente uma sociedade corrupta à Natureza e
boa cidadania.
O respeito holandês pelo seio materno encontra o seu expoente máximo
na arte. Pieter de Hooch foi apenas um de muitos artistas populares que
transformaram o tema da mãe a amamentar nos inúmeros quadros do gé-
nero produzidos para o mercado holandês. Esses quadros entraram nos lares
burgueses — mais ou menos afluentes —, reflectindo os valores de uma
sociedade que apreciava ver retratado o seu bem-estar. Só na Holanda do
séc. XVII é que se podia encontrar uma centena de quadros ou mais numa
casa da classe média, de preferência com cenas realistas da vida quotidia-
8 Muitos desses quadros representam as mães de seios expostos, não
apenas enquanto dão de mamar aos seus filhos, mas também antes e depois.
Vê-se uma mulher burguesa a conversar com um rapaz do lado de fora da
janela, uma camponesa sentada ao ar livre com dois filhos — cada uma das
mulheres com um seio descoberto, manifestamente à vontade. Desde que
houvesse um bebé no quadro, não era preciso justificação para o seio des-
coberto.
Em especial no norte Protestante, em que a Nossa Senhora católica dei-
xara de ser considerada um tema adequado, os pintores holandeses procura-
ram inspiração em mães e filhos no seu ambiente natural: as actividades de
amamentar, comer, beber, vestir, brincar ou limpar o rabo do bebé entraram
na arte holandesa. Esta transição temática da mãe sagrada para a mãe secular
consagrou-se nos Países Baixos um século antes de surgir noutros países eu-
ropeus.
Schama salienta que os Holandeses aboliram das igrejas as imagens da
Virgem e do Menino “apenas para reintroduzi-las como simples mães a ama-

119
MARILYN YALOM
a

mentar em pinturas de interiores de igrejas”? As mães que vemos a amamen-


tar nesses quadros são geralmente figuras pequenas, subjugadas pelos edifi-
cios que as rodeiam. É preciso olhar com muita atenção para encontrar a mãe
a dar de mamar aos pés de um largo pilar de igreja vinte vezes maior do que
ela. Muitos desses quadros eram pendurados em igrejas reais como símbolos
semi-religiosos (fig. 35). A mensagem para a igreja Protestante era evidente:
o que era digno de adoração não eraa Rainha Celestial, mas o acto natural
de piedade de uma mãe de came e osso ao amamentar e cuidar dos seus fi-
lhos.
Tal como na vida, o aleitamento na arte holandesa sempre foi entendido
no âmbito de uma unidade social mais alargada. O que a mãe fazia ou não
era decretado de acordo com papéis familiares estritamente sexualizados.
Uma ilustração de 1632 num dos livros de Jacob Cats representa a mãe a ama-
mentar enquanto a filhinha a seus pés bate na bonsca e o pai dá uma lição
ao filho.!º Como a imagem sugeria, a família ficava mais bem servida quando
as mulheres tratavam das necessidades físicas das crianças e os homens lhes
transmitiam ensinamentos. Um nível social mais baixo encontra-se em qua-
dros como A Família do Carpinteiro de Pietr van Stingeland (Londres, Co-
lecção de Sua Majestade a Rainha), em que a mãe está a dar de mamar e O
pai a exercer o seu ofício na sala das traseiras." Os deveres patemos eram
claramente segregados sexualmente: o pai exercia o seu ofício para prover
às necessidades da família, e a mãe contribuía com a própria substância do
seu corpo. Embora ambos fossem responsáveis pela educação moral dos fi-
lhos, a mãe carregava o fardo principal durante os primeiros anos da criança.
Tal como acontece nos dias de hoje, as mães eram os progenitores mais pró-
ximos da criança. Uma boa educação devia começar com o leite materno e
prosseguir num ambiente cuidadosamente controlado que se distinguia pelas
virtudes domésticas da modéstia e do afecto.
Um grande número de obras de arte holandesas deste período repre-
sentavam o acto de amamentar como sinónimo de amor. À gravura de Her-
man Saftleven com uma camponesa a dar de mamar a um bebé de aspecto
saudável contém apenas uma inscrição: Liefde (Amor). 2 Uma pessoa tão im-
portante como Sophie Hedwig, duquesa de Brunswick-Wolfenbiittel, contra-
tou um pintor para retratá-la de seio descoberto na presença dos seus três fi-

120
35. Escola de Gerald Houchgeest. Interior de Igreja com Mãe a Amamentar. Meados do séc. XVIL
Só muito dificilmente conseguimos distinguir a mãe a amamentar sentada na base de uma coluna
muito alta,

121
MARILYN YALOM

lhos, simbolizando a Caritas — Caridade (fig. 36). Embora as imagens reh-


giosas de mães anónimas no acto de amamentar fossem bastante comuns, é
raro encontrar uma pessoa em came e osso — especialmente uma duquesa
— representada deste modo.
Mulheres muito mais humildes a dar de mamar aos bebés também eram
representadas alegoricamente, muitas vezes com a intenção didáctica de pôr
em contraste o leite materno e outros modos de sustento inferiores. A histo-
riadora de arte Mary Durantini chamou a atenção para os quadros que re-
presentam um bebé distraído do peito pelo som de uma roca ou outro objecto

36. Paulus Moreelse. Sophie Hedwig, condessa de Nassau-Dietz, duquesa de Brunswick-Woifenbiit-


tel, representada como Caritas (Caridade). 1621.
Numa pose semelhante à da Nossa Senhora do Leite, representando a Caridade, Sophie Hedwig
“o aperta dois dedos à volta do mamilo do seu seio nu para facilitar o fluxo de leite.

122
HISTÓRIA DO SEIO

banal, nas mãos de uma terceira pessoa fora da díade mãe-filho.“* Esta autora
também cita à obra de Johannes a Castro no seu Zedighe Sinne-beelden
(1694), onde a mãe é representada dando ao bebé a escolher entre a roca e
o seio, enquanto o texto compara o seio da mãe ao alimento espiritual de
Deus: Competia à mãe garantir que o bebé não fosse seduzido por tentações
triviais e se afastasse do seio, visto que este era considerado a fonte de edi-
ficação moral e religiosa.
As mães também eram responsáveis pela gestão de todos os aspectos do
lar holandês, conhecido pela sua higiene e parcimónia. A grande historiadora
holandesa Johan Huizinga tinha orgulho em proclamar a limpeza como uma
qualidade nacional, salientando que o termo holandês schoon evoca não ape-
nas limpeza mas também pureza e beleza.!º Também tem o sentido da pala-
vra inglesa “proper.” Um lar holandês que merecesse ser qualificado como
“schoon”, começaria por um seio materno branco de leite e irradiar limpeza
em cada recanto e fresta, incluindo o proverbial terraço imaculado à frente
da casa. A mãe era encorajada a amamentar com o mesmo rigor com a mesma
limpezae parcimónia que dedicava a todas as outras tarefas domésticas,
como varrer, coser, fiar e fazer manteiga. Parcimónia, recordemo-lo, significa
gestão frugal e económica, e o que podia ser mais ” parcimonioso” que uti-
lizar o próprio leite da mãe em vez de pagar uma fonte exterior? É evidente
que os defensores do aleitamento não baseavam os seus argumentos nas van-
tagens económicas do leite materno, preferindo avançar com razões medici-
nais, religiosas, sociais e morais mais grandiloquentes. Porém, talvez não te-
nha escapado à atenção das donas-de-casa holandesas e aos seus maridos que
se tratava de uma despesa desnecessária pagar uma ama de leite quando já
existia um fluxo de leite gratuito nos seios da mãe biológica.
Embora fosse verdade que as mulheres holandesas se encontravam nomi-
nalmente debaixo do controlo dos pais e dos maridos, também era verdade
que detinham uma grande autoridade no reino doméstico. A submissão ao pa-
terfamilias parecia diluir-se frequentemente numa grande dose de afecto e,
no caso das mulheres, num espírito característico primordial de mutualidade
muito além do ideal de companheirismo conjugal que viria a ser seguido em
Inglaterra e França um século mais tarde.
O belo quadro de Rembrandt O Casal, também conhecido por 4 Noiva

123
MARILYN YALOM

Judia, é um bom exemplo deste misto de paternalismo e mutualidade (fig.


37). A mão do marido pousada sobre o peito da esposa pode, é certo, ser in-
terpretado como marca de posse, porém, o sentimento transmitido pelo qua-
dro é diferente de qualquer dos quadros de ”mão-no-seio” que observámos.
Há um sentimento de partilha, uma suave aura de intimidade e amizade, ter-
nura e respeito, que sugere que o seio a partilhar também contém um coração.
As mãos do homem nos seios da mulher podem ser encontrados em todo
o tipo de quadros holandeses em que se encontram representadas todas as
classes sociais. Entre pessoas respeitáveis como o casal judeu, o gesto é afec-
tuoso e não ostensivamente sensual ou libidinoso. Mas em cenas que repre-
sentam pessoas de classes inferiores, muitas das quais têm lugar em tabernas,
a mão no seio está inserida num ambiente geral de licenciosidade sexual. Um
rapaz lúbrico introduz a mão no decote de uma mulher rústica enquanto um

37. Rembrandt van Ryn. 4 Noiva Judia. 1665-67.


A mão do homem no seio da mulher neste retrato de um respeitável casal burguês é um sinal de
> -.
des afe
atecto ompaixão.
e comp

124
HISTÓRIA DO SEIO

grupo de estroinas apreciam a cena, ou um homem mais velho faz uma oferta
sugestiva a uma rapariga roliça apontando para os seus seios. Em cenas deste
género, a mulher entra geralmente no jogo com desportivismo. o
Mesmo as cenas com prostitutas são notáveis pela reciprocidade jovial
entre. a mulher e o cliente. A Alcoviteira de Vermeer, por exemplo (fig. 38),
onde se pode ver um homem com a mão sobre o seio de uma mulher, revela
um à-vontade e uma familiaridade entre o cliente do bordel e a dona do es-
tabelecimento que não se afasta muito da mutualidade do casal judeu de Rem-
brandt. Nos Países Baixos, as prostitutas podiam ter um lado ” doméstico”,
ou mesmo um aspecto maternal, apesar da condenação pública do seu ofício.
Os cidadãos respeitáveis que administravam as suas cidades reconheciam em
privado que a prostituição constituía uma necessidade prática, especialmente
no caso dos marinheiros libidinosos que chegavam aos portos holandeses ao
fim de vários meses sem qualquer contacto heterossexual no mar alto.
Frequentemente, é certo, as alcoviteiras — antigas prostitutas que assu-

38. Jean Vermeer. A Alcoviteira. Meados do século XVII. A Alcoviteira estende a mão para receber
o dinheiro do seu cliente com a mesma segurança e ausência de culpa que manifestaria se es-
tivesse a segurar um vaso de leite.

125
MARILYN YALOM

miam a contratação de prostitutas mais novas — eram representadas nas


obras de arte como criaturas desagradáveis: velhas, feias e avarentas. E as -
prostitutas mais jovens eram geralmente descritas como mulheres licencio-
sas, de grandes seios a transbordar para fora de corpetes decotados, e com
um desejo sexual equivalente ao dos clientes. Muitos quadros holandeses per-
tencentes a este género deixam pouco espaço à imaginação, sugerindo os ex-
cessos sensuais que se escondiam por trás ou para além da sobriedade bur-
guesa, que a sociedade holandesa estava ansiosa por transgredir.
Se dedicarmos um certo tempo a observar quadros holandeses do séc.
XVII, somos atingidos por uma estonteante sensação contraditória. Por um
lado, há imensos retratos de cidadãos imperturbáveis, de gola engomada e
chapéu, com os homens ocupados da gestão do mundo e as mulheres dedi-
cadas ao lar. Esses cidadãos são modelos de sobriedade e harmonia social.
Por outro lado, há centenas de cenas que representam os holandeses em poses
menos dignas — cenas de alarido e embriaguez, com homens e mulheres a
festejar e a beber, a namoriscar e apalpar, rodeadas de crianças, cães e gatos,
tudo fora de controlo. Metade das pessoas tem um ar de imbecis da aldeia.
Que conclusão podemos tirar em relação à sociedade holandesa? Estaria tão
fortemente reprimida pela negação Protestante do prazer erótico e pela sua
pesada ética laboral, que todo o tipo de licenciosidade tinha de ser projectado
nas classes mais baixas? A burguesia só parecia considerar a descrição do
desejo sexual aceitável quando este se restringia a um meio social diferente
do seu.
O mundo de Jan Steen (1626-79) tornou-se um sinónimo da pândega de-
sordenada dos membros das classes populares. Nos seus quadros, o pintor
representa cenas de pessoas comuns nas suas casas e tabernas, indiferentes
aos padrões morais das pessoas mais decentes. Porém, há geralmente uma
moral oculta no meio da embriaguez. Uma caveira que fazia lembrar a morte
ou um rapaz a fazer bolas de sabão evocando o adágio de que “o homem é
uma bolha” inverte o sentido superficial do quadro, lembrando ao espectador
que a folia é apenas um baluarte ilusório face a realidades mais profundas e
mais trágicas. É
Vários quadros de Steen têm o título Soo de Ouden Songen (Assim Can-
“tam os Velhos, Assim Palram os Jovens), que transmite a mensagem implícita

126
HISTÓRIA DO SEIO

"de que as crianças seguem o mau exemplo dos mais velhos. Nestas obras,
vemos representados adultos e crianças de copos, jarros e cachimbos na mão.
Alguns dos foliões tocam flauta ou gaita-de-foles. Toda a gente parece ter
“alguma coisa na boca ou perto dela. E mesmo no centro de um quadro muito
“oral? (fig. 39) vemos o seio redondo e descoberto de uma mãe que tem ao
-colo um bebé gordo com um cachimbo de barro na mão. O seio exposto pa-
rece deslocado num cenário tão libertino. A um certo nível, esta cena pode
“ser considerada como uma expressão da licenciosidade permitida no mundo
“inebriado de Jan Steen. Mas a um nível mais profundo, o quadro contrasta o
seio “natural”
.— a fonte original de sustento e desenvolvimento moral —
“com as substâncias ” contra natura” misturadas na mente dos bebedores e fu-
madores de Steen. Deste ponto de vista moralista, é aconselhável manter o
seio longe de influências que possam corrompê-lo.

Fa

39, Jan Steen. Assim Cantam os Velhos (Soo de Ouden Songen). Meados do séc. XVII.
O seio rosado no centro desta cena ruidosa corre o perigo de ser corrompido pelas más compa-
nhias.

127
MARILYN YALOM

A literatura popular também avisava que o seio podia ser pervertido com
intuitos carnais. As futuras prostitutas eram representadas como criadas nas .
suas vidas anteriores, expondo astutamente o peito enquanto faziam a lida da
casa, para excitarem os homens da casa. Um poema começa da seguinte ma-
neira: ?O filho mais velho do meu amo estava sempre a apalpar-me os
seios” !º Se a casa não fosse gerida com uma vigilância escrupulosa, isso po-.
dia ser meio caminho para que ela se transformasse num bordel. Esses textos
destinavam-se a avisar as jovens da classe operária contra as tentações da car-
ne e a irreparável perda da virgindade. Também constituíam avisos aos jo-
vens das classes média e superior para que resistissem às tentações da classe
inferior.
Se pensarmos apenas no tamanho, essas tentações carnais eram, de facto,
muito grandes: as mulheres holandesas tinham fama de ter seios muito gran-
des. Em meados do século, as mulheres holandesas e flamengas começaram
a inspirar um ideal de seio totalmente novo entre os artistas. Pela primeira
vez na história de arte desde as deusas antigas, os seios grandes passaram a
estar na moda. O pintor flamengo Rubens (1577-1640) lançou a moda das
mulheres robustas, e após a sua morte, outros pintores holandeses e flamen-
gos expandiram as dimensões mamárias dos seus modelos para proporções
inéditas. Tecendo comentários acerca deste novo modelo, Anne Hollander
afirma que a partir de 1650, a arte holandesaé abundante em “ damas de seios
muito enfáticos a sair do decote — seios que parecem maiores, mais redondos
e brilhantes do que os exibidos em séculos anteriores.” ”
Apesar da ênfase colocada pelos Calvinistas e Baptistas nas verdades es-
pirituais, nem os holandeses protestantes do norte nem os holandeses católi-
cos do sul reprimiram completamente o seu deleite sexual nas realidades ter-
renas. À sua apreciação das formas e cores do mundo visível era tão evidente
na obsessão holandesa pelas tulipas (que deram origem a um fiasco econó-
mico na especulação do séc. XVII com os bolbos de tulipa!) como as suas
adoráveis paisagens, naturezas mortas e corpos de mulher com curvas lasci-
vas. A” sobrecarga de riquezas” originada pela ascensão da burguesia e pela
expansão colonial holandesa contava entre os seus bens não apenas queijos,
frutos e flores, mas também corpos bem dotados e alimentados.
As pessoas que visitavam a Holanda no séc. XVII ficavam impressiona-

128
HISTÓRIA DO SEIO

das pelos encantos roliços das mulheres holandesas, e pela sua liberdade de
agir de uma maneira que seria impensável para as mulheres respeitáveis de
outros países europeus. “Beijos em público, conversas francas, passeios sem
companhia, tudo isso espantava os estrangeiros, em especial os franceses,
como algo de chocantemente impróprio, embora fossem repetidamente tran-
quilizados em relação à castidade inexpugnável da mulher casada.” !º Era
“evidente que as curvas visíveis e os modos independentes das mulheres ho-
landesas não eram sinónimo da licenciosidade sexual que os estrangeiros in-
terpretariam nas mulheres dos seus países.
À medida que o século avança e os Holandeses se tornam uma grande po-
tência colonial, a moda reflectiu o aumento de riqueza e da influência dos
estilos estrangeiros. De início, durante a primeira parte do século, os rufos,
golas de tufos espanholas a cobrir o pescoço eram usados pela grande maioria
das damas, cujas cabeças pareciam assentar nelas como abóboras ou escude-
tas. Em meados do século, o rufo suavizou-se, dando origem à gola mais
mole, geralmente pontiaguda ou recortada, e bordada com rendas. Posterior-
mente, seguindo as modas francesas e inglesas, o decote desceu, permitindo
mostrar a região entre a clavícula e o seio, chegando, por vezes, até à ponta
do mamilo. A ostentação feminina era determinada por variáveis como a clas-
se, religião e idade, para não falar das preferências sexuais. Muitas Protes-
tantes austeras continuavam a usar golas enormes que formavam uma estru-
“tura semelhante a uma tenda à volta do pescoço e dos ômbros; e toucas
apertadas na cabeça, quando já passara a ser moda as mulheres das classes
mais elevadas deixarem a descoberto uma boa parte do colo e usarem o ca-
belo encaracolado. Tal como em França e em Inglaterra, que regulavam a
marcha das coisas, os espartilhos passaram a ser essenciais para as mulheres
das classes média e superior. No entanto, esta peça de vestuário importada
do estrangeiro, que elevava os seios para alturas artificiais acima do decote,
era, evidentemente, condenada por pregadores e moralistas, que admoesta-
vam as damas holandesas a fazer descer os seios e mantê-los recatadamente
cobertos debaixo de agasalhos.
As mulheres menos privilegiadas, como as criadas e empregadas do cam-
po, usavam apenas um espartilho extemo com atilhos à frente e uma camisa
por baixo (fig. 40). Os atilhos podiam ser facilmente abertos e a camisa abria-

129
MARILYN YALOM

-se, revelando os seios. Ás prostitutas usavam corpetes interiores ou esparti-


lhos exteriores para elevar o busto e obter o colo desejável que se esperava .
encontrar nas mulheres do ofício.
A fama dos seios proeminentes das mulheres holandesas não morreu nos
tempos áureos. O philosophe francês do séc. XVIII Diderot, numa afirmação
indelicada que apenas lhe fica mal, comentou uma vez que, no seu todo, a
mulher holandesa “tirava o incentivo de descobrir se a fama dos seus prodi-
giosos seios era verdadeira ou falsa.” “> Diderot é, evidentemente, mais lem-
brado pelos seus contributos para o Iluminismo, quando ele e os seus colegas
descobriram e desposaram as virtudes republicanas que a sociedade holan-
desa vinha a praticar há já algum tempo. Os ingleses e os franceses precisa-
ram de mais um século do que os holandeses para aliar a harmonia doméstica
e o bom govemo ao aleitamento. E quando o fizeram, os seios passaram a
ser emblemas de uma nova ordem social.

40. Adriaen van de Welde. Camponesa Sentada. Antes de 1671.


As camponesas holandesas elevavam os seus proverbiais seios amplos com corpetes que usavam
por fora da roupa.
Quatro

EM NENHUMA ÉPOCA DA HISTÓRIA — à excepção da nossa — os


seios foram mais contestados do que no séc. XVII. Quando os pensadores
iluministas começam a mudar o mundo, os seios transformaram-se no campo
de batalha de controversas teorias sobre a raça humana e os sistemas políti-
cos. Antes do século chegar ao fim, os seios viriam a ser associados à própria
ideia de nação, tal como nunca acontecera. Não é muito forçado argumentar
que foram as modernas democracias ocidentais que inventaram o seio poli-
tizado e têm vindo a adquirir experiência acerca dele.
Estas conexões políticas não teriam sido óbvias a partir das modas femi-
ninas, que realçavam os seios apenas como ornamentos estéticos € eróticos.
Em França e Inglaterra, que marcaram o estilo para o resto da Europa, os cor-
petes e espartilhos eram desenhados de forma a forçar as omoplatas para trás
e a projectar o peito para a frente, com os mamilos quase expostos. A avaliar
pela linguagem viva de um historiador de moda, uma coquete inglesa apro-
veitava ” todas as oportunidades para exibir um seio no abrir e fechar de olhos
de um libertino.”!

131
MARILYN YALOM
-iá

É certo que havia uma vaga ideia das ramificações políticas do seio na
corte de Luis XV (que reinou entre 1715-74), uma corte famosa pelas suas
exibições libidinosas. Respondendo ao apetite por arte erótica, os pintores
franceses cobriram as suas telas de mulheres voluptuosas em vários estados
de nudez. O colo não era um assunto de somenos importância para Luís XV,
que condenou veementemente um dos seus ministros por não reparar que a
sua futura nora, Maria Antonieta, era muito dotada. Conta-se que o rei terá
afirmado: ” E os seus seios? É a primeira coisa que se vê numa mulher.”
O ideal da alta cultura era ainda o do colo “imaculado”, que dependia da
ama de leite para se manter juvenil. Em 1700, menos de metade das mães
britânicas amamentava os próprios filhos, ea outra metade era alimentada por
amas de leite ou pelo método de ” alimentação a seco” que recorria a comida
semi-líquida ? Em França, a incidência de amas de leite era ainda mais ele-
vada: o que era antes uma prática que se verificava apenas no seio da aris-
- tocracia durante o séc. XVI, passou a abranger a burguesia no séc. XVII, che-
gando a atingir as classes populares no séc. XVII. As trabalhadoras e as
aristocratas dependiam igualmente do leite mercenário, as primeiras para po-
derem exercer o seu ofício, as últimas para se verem livres para as inúmeras
obrigações sociais que competiam às senhoras de boas famílias.
Em meados do século, cerca de 50 por cento de todas as crianças pari-
sienses eram enviadas para o campo para serem criadas por amas de leite.
Em 1769, foi criado um Gabinete das Amas de Leite em Paris, com o intuito
de garantir que as amas de leite recebiam pagamentos antecipados. Por volta
de 1780, dos cerca de vinte mil bebés que tinham sido dados à luz em Paris,
apenas 10 por cento estavam a ser criados nos seus lares. Os outros 90 por
cento tinham sido entregues pelos pais aos cuidados de amas de Jeite ou ti-
nham sido postos na roda.* Porém, em 1801, calculou-se que metade dos be-
bés parisienses e dois terços dos bebés ingleses eram criados pelas mães > A
que se terá devido esta mudança espantosa?
Em meados do séc. XVIII, começou a ouvir-se por toda a Europa um vio-
lento protesto contra as amas de leite a partir das fileiras de moralistas, filó-
sofos, médicos e cientistas. Falando em nome da Natureza, estes homens co-
meçaram a provar que o que era natural no corpo humano era basicamente
bom para o organismo político. A saúde física era uma metáfora da saúde do

152
HISTÓRIA DO SEIO

estado, de seios metonimicamente apontados para acarretar os germes da


doença ou bem-estar É Neste novo discurso, os seios dividiam-se em duas ca- .
tegorias: o seio “corrupto” ou “poluente”, associado às amas de leite; e o
seio maternal, associado à regeneração familiar e social.
Em Inglaterra, a campanha contra as amas de leite começou com um-certo
número de ensaios proclamando que o aleitamento era necessário para bem
da criança individual e da nação inteira.” O leite de mãe era visto como um
antídoto natural para as taxas de mortalidade extremamente elevadas das
crianças que eram enviadas dos lares das classes média e elevada para as ca-
sas das amas de leite da classe inferior. Não havia morte de candidatas a amas
de leite, visto que esta actividade era uma das poucas que permitia à mulher
da classe trabalhadora ganhar tanto como o marido se ele fosse operário, par-
ticularmente se amamentasse mais de uma criança, como àacontecia com mui-
tas mulheres. Poucas pessoas punham em causa os efeitos negativos desta
ocupação para o próprio filho da ama de leite, que podia ver-se privado da
sua quota-parte de leite materno em prol de um bebé estranho e para receber
dinheiro.
Antes de meados do séc. XVII, o argumento principal contra as amas de
leite era o facto de o lactente absorver com o leite o mau carácter e os defeitos
físicos da ama. O novelista Daniel Defoe (1660-1731) invectivou contra a
mãe que permitia ao filho “mamar o sangue de uma rapariga do leite ou de
uma cardadeira” e não se “preocupa em inquirir sobre o temperamento, nem
sobre a alma da mulher cujo leite ele mama, para não falar das suas enfer-
midades físicas.” É Defoe, apesar da sua imaginação brilhante, é evidente que
não conseguiu fugir ao preconceito da classe média contra a classe trabalha-
dora.
Mas a maior arma da cruzada inglesa contra as amas de leite não veio de
novelistas como Defoe, mas sim de médicos, em especial do Dr. William Ca-
dogan. O seu influente Ensaio sobre o Aleitamento, de 1748, que teve mu-
merosas edições, inglesa, americana e francesa antes do fim do século, inci-
tava as mães a seguir as leis da ” Natureza infalível” e aceitar os seus deveres
de aleitar. Para que o pai não se sentisse de fora da díade mãe-filho, Cadogan
atribuiu-lhe o papel de cão de guarda: ” Recomendaria seriamente a qualquer
Pai que faça amamentar o filho debaixo da sua visão”? Considerava-se que

133
8
MARILYN YALOM

a produção de leite para bebés britânicos era úm assunto das mulheres, dado -
que ”a maioria das Mães de qualquer condição, ou não pode ou não quer de-
dicar-se à penosa Tarefa de amamentar os seus próprios Filhos.” |
Cadogan argumentava que amamentar era penoso “só por falta de um
Método adequado; se fosse devidamente executada, haveria muito prazer :
nessa actividade para toda a Mulher que possa prevalecer sobre si mesma :
para dar um pouco da beleza do seu seio para alimentar o seu rebento.” Além
disso, como pai recente, Cadogan garantia às futuras mães que não devia ha-
ver “receio de incomodar os Ouvidos do Marido com o barulho do Fedelho .
aos gritos. A Criança, se fosse amamentada deste modo, ficaria sempre sos-
segada, de bom Humor, sempre a brincar, a rir ou a dormir.” O método de
aleitar que ele recomendava tinha aparentemente feito milagres em casa de
Cadogan.
A mãe aleitante era vista como alguém que cumpria o seu dever em pri-
meiro lugar para com a família e a seguir para com o Estado que, de acordo
com a vulgaridade reinante, considerava os seus habitantes a sua maior força.
Com a realidade recorrente da guerra na Europa do séc. XVIII, Cadogan par-
tilhava com muitos outros pensadores nacionalistas e colonialistas o medo do
despovoamento.
Como médico, também reflectia os valores da classe média em ascensão,
para a qual o recurso a uma ama de leite constituía um mero símbolo de es-
tatuto. Em contrapartida, elogiava ” A Mãe que tem apenas uns Trapos para
cobrir esparsamente o Filho, e pouco mais do que o Seio para alimentá-la.”
Os filhos de uma mulher assim, afirmava ele, eram geralmente ” fortes e sau-
dáveis” — como se os pobres fossem de certo modo imunes às doenças dos
ricos. Na sociedade ideal preconizada por Cadogan, as mulheres de todas as
classes davam de mamar aos filhos. Cada unidade familiar constituía um pa-
raíso doméstico, e contribuia para o “Espírito público” comum. Em meados
do séc. XVII, o aleitamento materno passara a ser um dogma da política igua-
litária. Seria preciso que passasse mais uma ou duas gerações para que a ali-
mentação infantil mudasse substancialmente, e quando isso aconteceu, por
volta de 1800, não podemos dizer que isso tenha alterado a estrutura de clas-
ses britânica.
4,
a Do outro lado do oceano, na América, as amas de leite não parecem ter

134
HISTÓRIA DO SEIO

sido tão populares como na pátria-mãe. Esperava-se que as mulheres colo-


niais amamentassem os próprios filhos, geralmente durante cerca de um ano.
Muitas chegavam a dar de mamar durante mais tempo, por uma grande va-
riedade de motivos, incluindo o uso consciente da lactação como forma de
: controlo da gravidez." Como a mortalidade infantil era muito elevada — as
estimativas apontam para um quarto das crianças antes de fazerem um ano,
e metade antes dos cinco anos — as amamentavam com um conjunto de re-
ceios realistas quanto à sobrevivência dos filhos.
Porém, a avaliar pelos inúmeros anúncios de jornal do séc. XVIII, onde
se disponibilizava o leite materno, quer em casa da ama, quer na do bebé, as
amas de leite não constituíam nenhuma raridade. Existiam já imigrantes re-
cém-chegadas e nativas americanas dispostas a oferecer os seus préstimos
como amas de leite, e no Sul, escravas negras, que não tinham voto na ma-
téria. Os seus serviços deviam ser usados imediatamente após o parto, en-
quanto a mãe estava a recuperar, ou como suplemento de uma mãe doente,
ou em substituição de uma mãe que tivesse morrido."
Na Europa, a controvérsia das amas de leite ocupou algumas das mentes
mais brilhantes da época, entre as quais o físico e botânico sueco Carolus Li-
neu (1707-78). No seu tratado em Latim de 1752 intitulado Nutrix Noverca
(numa tradução grosseira A Ama-por-Afinidade ou A Mãe-artificial), insistia
que as amas de leite constituíam uma violação das leis da Natureza e punham
em risco a vida da mãe e da criança, que precisavam uma da outra por mo-
tivos de saúde. Porém, não foi na defesa do abolicionismo das amas de leite
que Lineu viria a deixar a sua maior influência na história do seio, mas sim
na taxionomia zoológica que cunhou o termo “mamiferos” a partir do Latim
mammae (órgãos de secreção do leite) para distinguir os mamíferos dos ou-
tros animais. Os mamíferos — termo que significa literalmente ” do seio” —
incluem todos os animais vivíparos com pêlo, três ossos do ouvido e um co-
ração com quadri-compartimentado.
A historiadora da ciência Londa Schiebimger pôs em causa a escolha de
Lineu: ” A presença de mamas que segregam leite é, afinal de contas, apenas
uma característica dos mamíferos,” característica essa que se encontra uni-
camente em metade dos seres bumanos.!? Alguns contemporâneos de Lineu,
como o naturalista Buffon, puseram objecções ao termo com base no facto

135
MARILYN YALOM
=

de alguns mamíferos não terem tetas (por exemplo, os garanhões fêmeas),


mas a fixação oitocentista nos seios femininos era tão grande, que à nova no-
menclatura para a classe de animais anteriormente denominados de quadi-
pedes adquiriu rápida aceitação a nível mundial.
A classe dos Mamíferos foi adoptada pelos ingleses como “mammals” e
pelos franceses como mammifêres (que têm mamas). Os alemães mudaram
um pouco a ênfase com o termo Sãugetier (animais que mamam), salientando
o papel da cria em vez do da progenitora. De facto seguindo o modelo ale-
mão, teria feito mais sentido encontrar um termo genérico para “lactentes,”
visto que essa categoria se aplica tanto ao sexo masculino como ao feminino.
As ramificações da taxionomia de Lineu tiveram um longo aicance: o facto
de ele ter privilegiado as mammae ensamblava-se com as políticas oitocen-
tistas a favor do aleitamento materno e um papel exclusivamente doméstico
para as mulheres. É interessante salientar que a apropriação científica de Li-
neu dos seios femininos já tinha sido esboçada num tratado anterior, a sua
Fauna Suecica de 1746, que tinha no frontispício uma mulher de quatro seios,
escolhida para simbolizar o reino animal (fig. 41).
Como muitos pensadores iluministas, Lineu cria que o aleitamento era
apenas uma questão de instinto animal. Pensava-se que o aleitamento e os
sentimentos maternais eram inatos nos animais, onde se incluía o homem. A
mãe não precisava que a ensinassem a amamentar o filho — ela aprendia-o
naturalmente. Por estranho que pareça, mesmo durante a Idade Médiã sabia-
-se que algumas mulheres, principalmente as da nobreza, não tinham esse
“instinto.” Vários poemas franceses medievais descrevem o tormento da mu-
lher que exa mãe pela primeira vez e “não sabia amamentar” por “nunca ter
aprendido” ou por ser “pouco dotada para este métier.” tê
Hoje em dia, temos muitas provas recolhidas em estudos de medicina e
antropologia de que o aleitamento não é instintivo nas mães da espécie hu-
mana: tal como qualquer outro comportamento social, tem de ser aprendido
através da observação e informação. Entre os mamíferos superiores, até os
chimpanzés e os gorilas, quando criados em jardins zoológicos, têm de ser
ensinados a amamentar as crias.! Que teria pensado Lineu de ver mães com
os bebés ao colo à frente de uma jaula de primatas para ensiná-los a dar de
-mamar às crias! Se não tivesse estado tão imbuído do pensamento materna-

136
HISTÓRIA DO SEIO

41. Lineu. Famus Suecica. 1746.


A estátua de seios múltiplos que aparecia no frontispício do tratado de Lineu de 1746, reflecte
a preocupação de todo o século com os seios das mulheres. Lineu tornou o seio o principal traço
identificativo da classe de animais anteriormente designados por ” quadrúpedes”, que rebaptizou
de “mamíferos” em 1752.

137
MARILYN YALOM
2"

lista do séc. XVIII e não tivesse sido pai de sete filhos, era provável que Lineu |
nos chamasse outra coisa que não mamíferos. |
Em França, o tema do aleitamento materno viria a ter as consequências -
mais revolucionárias. Aí, philosophes, escritores políticos e funcionários do
govemo, bem como médicos, lideravam a campanha contra as amas de leite,
e nenhum deles de maneira mais influente do que Jean-Jacques Rousseau
(1712-78). O seu tratado de 1762 sobre a educação, Emile, defendia a tese
que o aleitamento firmava laços mais sólidos entre as mães e os bebés e suas
famílias, criando a base para a regeneração social. ” Quando as mulheres vol-
tam a'ser mães” — e com isso, referia-se às mães que davam de mamar —
“os homens voltam a ser pais e maridos.”
Por mais sedutora que fosse a sua linguagem e por mais influentes que
fossem as suas ideias, a posição de Rousseau foi alvo dos comentários críti-
cos de pessoas ofendidas pela sua visão de que as mulheres vieram ao mundo
com o único propósito de agradar aos maridos e alimentar os filhos. Os ho-
mens, sugeria, foram providos de cérebro para pensar, e as mulheres recebe-
ram seios para amamentar. Se os homens achavam os seios das mulheres
atraentes, em última análise, isso ia no interesse da perpetuação da espécie
e da preservação dos laços familiares. Por trás da poética das mães como for-
ça social e da política de aleitamento igualitário havia uma mundivisão se-
xista tão profundamente enraizada na cultura ocidental que poucos a reco-
nheciam como tal. A ideia de Rousseau de que a mulher era por natureza uma
criatura generosa, adorável, e sacrificada viria a formar a base de uma nova
ideologia de maternidade idealizada que viria ser veiculada na Europa e na
América durante a maior parte dos dois séculos seguintes (fig. 42).
Dois factos da vida pessoal de Rousseau tomaram os seus escritos sobre
o aleitamento duplamente problemáticos. Por um lado, a sua mãe morreu du-
rante o parto e ele foi criado pelo pai, com o auxílio de uma ama de leite.
Comentadores actuais, especialmente os de tendência psicanalítica, viram na
sua perda precoce a origem da nostalgia permanente de Rousseau pelo seio.
É certo que ele deixou provas consideráveis de um interesse obsessivo e por
vezes cómico pelos seios femininos. No sétimo livro das suas Confissões,
Rousseau conta a história do seu fiasco sexual com uma cortesã veneziana
« chamada Giulietta. Primeiro, não conseguiu ter um bom desempenho porque
Pap

138
42. Auguste Claude Le Grand. Jean-Jacques Rousseau ou Fomme de la Nature. gravura. Cerca de
1785. .
Ninguém deu um contributo tão grande para a popularização do aleitamento materno como o
filósofo suíço Rousseau, no séc. XVIII. Na legenda desta gravura, pode ler-se: “Ele renovou os
deveres das mulheres e a felicidade das crianças.”

139
MARILYN YALOM

estava demasiado excitado. Depois, quando estava prestes a deleitar-se com:


o seu corpo esbelto, descobriu que um seio era diferente do outro: pareca ter
um mamilo malformado ou invertido. Isso foi suficiente para pôr definitiva-
mente termo ao desejo, e, em retrospectiva, merecer a mais feia das invecti-
vas. Rousseau vingou-se da sua própria impotência em Giuhietta, apelidan-
do-a de “monstro rejeitado pela Natureza, pelos homens e pelo amor”!
Como pai, Rousseau encontra-se rodeado por um conjunto de factos mais
perturbante. Da sua longa ligação com Thérêse Levasseur, foi pai de cinco
filhos, todos eles entregues na roda. Esta faceta da sua vida era desconhecida
antes da publicação da segunda parte das Confissões, em 1788, altura em que
ele conseguira levar um grande número de mulheres a seguir o conselho de
Émile e amamentar os seus bebés, virando costas à prática de contratar amas
de leite, então na moda, e opondo-se ocasionalmente aos desejos expressos
dos maridos.
A popularidade crescente da doutrina de Rousseau de “regresso à Natu-
reza”, com a sua ênfase especial no aleitamento, chegou a alcançar a corte
de Luís XVI e Maria Antonieta. Em Versailles, a rainha vivia da fantasia da
vida bucólica na pequena aldeia que adaptou para seu uso pessoal, com uma
leitaria, leiteiras, pastoras e ovelhas. Em homenagem à mãe aleitadora, a rai-
nha encomendou ao fabricante de Sévres duas taças de porcelana com a for-
ma de um par de seios perfeito (fig. 43).

43. Taças de porcelana da leitaria de Rambouillet. Produzidas por Sévres para Maria Antonieta.
-Segundo reza a lenda, estas duas taças em forma de seios encomendadas por Maria Antonieta
foram moldadas a partir dos seus próprios seios.

140
HISTÓRIA DO SEIO

As mulheres que recordavam este período da história, referiam-se por ve-


zes com orgulho ao facto de amamentarem os seus próprios filhos. Madame
“Roland, por exemplo, uma seguidora entusiástica da filosofia doméstica de
Rousseau e uma das mulheres mais intelectuais do seu tempo, resumiu a sua
felicidade matemal nas seguintes palavras: ” Eu era a mãe e a ama.” 17 Ela
resolvéra não entregar a filha aos cuidados de uma ama de leite, mesmo quan-
do o seu leite secou e ela teve de amamentar o bebé manualmente. Para sur-
presa de todos, conseguiu voltar a amamentar após uma fase de quase sete
semanas em que o seu leite secou.
Uma mulher de formação consideravelmente inferior, Elisabeth Le Bas,
recordou que a questão do aleitamento fora usada pelo seu futuro marido
como uma espécie de teste de carácter. Como firme republicano e associado
próximo de Maximilien Robespierre, o deputado Philippe Le Bas tinha inte-
resse em garantir que Élisabeth estivesse disposta a seguir a directiva do par-
tido sobre o aleitamento; chegou mesmo a tentar fazê-la admitir sentimentos
contrários, mas ela era demasiado inteligente para se deixar levar por um ex-
pediente desses. Não tardou muito, estava de facto casada com Le Bas, e
amamentou um bebé, embora em circunstâncias que nunca teria escolhido.
Le Bas perdeu a vida no golpe de 1794 contra Robespierre, e Elisabeth foi
presa com o seu bebé de cinco semanas, que amamentou durante nove meses
na miséria de uma cela de prisão. As últimas palavras que o marido lhe disse
foram: ” Alimenta-o com o teu próprio leite. Inspira-lhe o amor por este
país.” 8
Embora seja compreensível que Madame Roland e Madame Le Bas — am-
bas mulheres burguesas com ardentes sentimentos republicanos — tenham op-
tado por amamentar, mantendo as directivas do mentor mais respeitado da re-
volução, é menos fácil compreender a popularidade de Rousseau no meio dos
aristocratas e realistas. No entanto, a paixão do aleitamento por ele inspirada
atravessou classes sociais, lealdades políticas e fronteiras nacionais.
Na Alemanha, tal como em França, a mãe que amamentava passou à ser
sujeito de poemas e quadros sentimentais. Por vezes, tal como acontece no belo
pastel de 1779 de Johann Anton de Peters conhecido por Die Nahreltern (Os
Pais Provedores de Alimento), o seio matemo era o ponto focal de uma cena
íntima familiar — mãe, pai e filho reunidos à volta do seio como se se tratasse

141
MARILYN YALOM
=

de uma lareira. Os simples protótipos pastorais deste quadro eram uns pais ”
ostensivamente mais afectuosos do que os seus congéneres citadinos.
Podemos encontrar um trio completamente diferente num quadro inglês que
satiriza as senhoras das classes mais elevadas, pressionadas pela moda a ama-
mentar os filhos. Os seus seios estavam envolvidos no acto, mas os seus cora-
ções não, a acreditar na sátira de James Gillray, em 1796, A Mamã da Moda,
que representa uma mãe elegantemente vestida, rigidamente sentada na ponta
de uma cadeira enquanto uma criada aproxima o bebé do peito e uma carrua-
gem espera na rua para levar a mãe rapidamente dah para fora (fg. 44).

44, James Gillray. 4 Mamã da Moda.


1796.
A posição do bebé, esticado entre
a criada e a mãe — de cabeça
estendida numa posição descon-
fortável para o seio materno e de
rabo espetado nos braços da
ajudante — põe a ridículo o culto
do aleitamento, então na moda.

142
HISTÓRIA DO SEIO

Nos últimos anos do séc. XVII o aleitamento passou a assumir o aspecto


de um culto. Consideremos o exemplo de organização feminina filantrópica
de La Charité Maternel!e, fundada em 1788 por senhoras francesas abastadas
para prestar auxílio às mães parisienses de fracos recursos. As regras das fu-
turas beneficiárias eram as seguintes: tinham de ser casadas, ter certificados
"de boa conduta passados pelas paróquias, e tinham de amamentar os seus pró-
prios filhos. A condição de amamentar, designada como “o princípio funda-
mental da Caridade Maternal,” era vista como um meio de ” fortalecer laços
familiares, ligar as mães aos seus deveres, obrigando-as a permanecer em
casa, e assim, preservá-las da mendicidade e da conduta desregrada.” O 6
aleitamento forçado tornou-se, assim, uma forma de controlo social exercido
pelas senhoras abastadas sobre os membros das classes populares.
Não eram apenas as senhoras da elite que restringiam a sua liberalidade
às mães que amamentavam. O próprio govemo francês decidiu, através do
“decreto da Convenção de 28 de Junho de 1793, que se uma mãe não ama-
mentasse o filho, ela e o filho não poderiam aceder ao apoio oferecido pelo
Estado às famílias indigentes. Foi acrescentada uma provisão aparte para as
mães solteiras: ” Qualquer rapariga que declare que quer amamentar o seu fi-
iho, e precise do auxílio da nação, tem direito a reclamar esse auxílio”?!
Um ano depois, os alemães procederam da mesma maneira, chegando
mesmo a subir de tom: uma lei prussiana de 1794 exigia que todas as mu-
lheres saudáveis amamentassem.?? Porém; se es registos de Hamburgo forem
indicativos das práticas alemãs mais abrangentes, poucas senhoras amamen-
tavam os filhos. Em Hamburgo, na última década do séc. XVII, a procura
de amas de leite para servir em lares prósperos era substancialmente a mesma
que antes. Quando, em 1796, a Assistência aos Mendigos de Hamburgo abriu
uma enfermaria gratuita para mães solteiras, era com a condição de servirem
de amas de leite após o parto. “De facto, a menos que fossem fisicamente
incapazes de amamentar uma criança, a Assistência exigia que essas mulhe-
res aceitassem as oportunidades que lhes eram oferecidas.” ** Quanto ao filho
da própria ama de leite, ou era amamentado a par dos outros bebés, ou en-
viado para casa de uma família de camponeses. Enquanto as francesas pobres
só recebiam subsídios se amamentassem os filhos, aqui a situação era muito
diferente: as mães pobres de Hamburgo apenas recebiam apoio se estivessem

143
MARILYN YALOM
-a

dispostas a amamentar os bebés das outras. Ambos os exemplos revelam a


intrusão do Estado em práticas domésticas, não só em França, mas também
em outras nações europeias vizinhas. Como a França marcava as tendências
tanto em termos da política como da moda, quaisquer sublevações ocorridas
em solo francês faziam eco para lá das fronteiras nacionais, ou, como se veio
a afirmar mais tarde: sempre que a França espirrava, toda a Europa apanhava
uma constipação.
A revolução afectou os seios das mulheres francesas em muitos aspectos.
Algumas delas começaram a amamentar com um fervor retórico, como po-
demos ver pela carta de uma mãe ansiosa pelo momento de pôr o bebé ao
peito “e enchê-lo prodigamente de leite nutritivo e saudável.” Algumas ti-
nham de escolher entre amamentar os bebês ou seguir os maridos até ao exi-
lo, à prisão ou à guerra. Uma mulher, a tia do futuro poeta Alphonse de La-
martine, descreveu como o aleitamento constituiu uma bênção para a sua
irmã, “cujo marido tinha sido preso, mas como estava a dar de mamar, dei-
xaram-na sair em liberdade.” 2 No seu todo, a preocupação notória com as
crianças saudáveis permitiu numerosas concessões às mulheres grávidas e às
mães em fase de aleitamento. Quando as mulheres pensavam na revolução,
não consideravam as suas histórias de aleitamento triviais ou irrelevantes,
pois o aleitamento tinha sido elevado a um nível quase-mitológico.
No discurso revolucionário, o leite puro das mães afectuosas era implici-
tamente comparado ao leite podre dos aristocratas do ancient régime, a maio-
ria dos quais eram criados por amas de leite. Esta comparação do aleitamento
materno com as virtudes maternais e do aleitamento por amas de leite com
a decadência real permitiu às mulheres uma escolha “patriótica”: as que op-
tavam por amamentar os filhos podiam ser vistas como alguém que fazia uma
afirmação política a favor do novo regime. Nesta ordem de ideias, as cidadãs
de Clermont-Ferrand escreveram as seguintes palavras à Assembleia Nacio-
nal: ” Nós provemos para que as nossas crianças bebam um leite incorruptível
que clarificamos para esse efeito com o espírito da liberdade natural e agra-
dável.”2é amamentar deixou de ser uma questão privada em que apenas se
viam implicados os membros da família, para vir a ser, como Rousseau pre-
vira esperançosamente, uma manifestação colectiva de direito cívico.
Um livro oficial de orações e rituais exortava as mulheres a oferecerem

ida
HISTÓRIA DO SEIO

o seio aos maridos como acalento, e aos filhos como alimento. E todas as
crianças da nação tinham a garantia de que “A Pátria ouviu os vossos gritos
frágeis; para nós, ela passou a ser uma segunda mãe.” TA pátria tinha o pra-
zer de representar-se como mãe a oferecer os seios a todos os filhos, mesmo
a antigos escravos negros das ex-colónias (figs. 45 e 46).
A iconografia da Revolução Francesa cedo se povoou de mulheres de
seios descobertos. Seguindo os modelos clássicos, figuras femininas vestidas
com túnicas e um ou os dois seios expostos tomaram-se símbolos comuns
da nova República. Por vezes, a República era uma guerreira com um seio
descoberto, um capacete semelhante ao de Atena e uma lança coberta por um
boné frígio. Noutros lugares, revivendo o modelo da Artemisa de seios múl-
tiplos, ela chegava a exibir doze seios, representando ideais populares como
a Natureza e a Razão (fig. 47). Inúmeros quadros, gravuras, medalhas, bai-
xos-relevos e estátuas transformaram o seio num ícone nacional.
Imaginemos a celebração da festa da Renovação, a 10 de Agosto de 1793,
no lugar da antiga Bastilha. Aí, na primeira de seis estações dispostas por Pa-
ris, foi erigida uma fonte em forma de deusa egípcia, com jactos de água a
“ sair dos seios. Louis David, o autor deste projecto, indignou-se eloquente-
mente com o momento supremo em que “a nossa mãe comum, a Natureza,
espreme dos seus seios fecundos o líquido puro e salutar da renovação.” *
Uma multidão de parisienses estupefactos ficou a ver os oitenta e seis comis-
sários beber uma taça de água dos seios abundantes da deusa, e o presidente
da Convenção Nacional, Hérault de Séchelles, proclamou: “Estas águas fe-
cundas que jorram dos vossos seios consagrarão os juras que a França vos
faz neste dia.” As mulheres da multidão eram encorajadas a amamentar para
que “as virtudes militares e generosas pudessem fluir, com o leite materno,
para o coração de todos os lactentes de França!”?º Este espectáculo holly-
woodesco efectuou uma espantosa fusão propagandística da Nova Nação
com as imagens gémeas da Mãe Natureza e das mães reais, todas elas reve-
renciadas como fontes de alimento.

145
MARILYN YALOM

45. A França Republicana


Oferecendo o seio a todos
os cidadãos. Cerca. 1790.
A nova República Francesa
era frequentemente repre-
sentada como uma mulher
“a abrir os seios a todos os
cidadãos.” Nesta gravura,
podemos ver uma plaina de
carpinteiro presa no decote,
simbolizando a igualdade
de acesso a todos.

46. Á Natureza como mãe


- igualitária. Cerca. 1790. ..
Durante a campanha para
libertar os escravos das
Índias Ocidentais, a Nação
Francesa era retratada como
uma mãe generosa amamen-
tando tanto uma criança
branca como uma negra.
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HISTORIA DO SEIO

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47. Monumento er rigi do em honra da Natureza no Templo da Razão 2 em Estrasburgo. 1793.


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durante a Revolução Francesa.

147
MARILYN YALOM
-%

Paradoxalmente, este facto acordou as mulheres no preciso momento em


que elas estavam a ser definitivamente afastadas da vida pública. As novas
leis que permitiam os direitos civis às minorias religiosas e mesmo aos anti-
gos escravos, não abrangiam as mulheres. Mas os seios femininos simbliza-
vam uma vasta gama de ideais republicanos como a liberdade, igualdade, pa-
triotismo, coragem, justiça, generosidade e abundância. A ideia da República
como uma mulher liberal, de amplos seios ao dispor de todos, foi desde então
um pilar da política liberal.
É possível argumentar que a nova iconografia estava, de certo modo, re-
lacionada com as roupas que as mulheres usavam durante o período revolu-
cionário. Em meados de 1780, a camisa de mulher fez a sua primeira apari-
ção, com o tecido leve e o seu corte largo a contrastar com a rigidez das
roupas anteriores. Os espartilhos e tecidos pesados foram trocados por formas
mais simples como parte de uma tendência clássica vulgarizada que ia beber
a filosofia, a política e o estilo dos Antigos Gregos e Romanos. A camisa de
mulher ” politicamente correcta” e as calças jacobinas para homem tornaram-
-se sinais da nova sociedade igualitária.
Durante o Directório (1795-99), segundo a crítica literária Barbara Gelpi,
as roupas de mulher de ambos os lados do Canal mostravam “uma negligên-
cia e simplicidade apropriada ao conforto de uma mulher grávida ou que es-
tivesse a amamentar. Os seios foram realçados e a sua disponibilidade (foi)
aumentada.”*º Durante um breve período no final-do século,'os espartilhos
foram postos de lado e as roupas eram tão leves e transparentes que pesavam
geralmente menos de um quilo. Um artigo publicado em La Petite Poste
de 22 de Junho de 1797 dá-nos este retrato revelador:

Duas mulheres saem de um belo cabriolé: uma delas vestida de-


centemente, e a outra com o pescoço e os braços nus, e uma saia
de gaze por cima de umas calças de cores vivas. Mal dão dois
passos, vêem-se rodeadas de gente e apertadas. A mulher meio-
despida é insultada. Ninguém podia ver sem indignação o modo
de vestir indecente daquela dama da “nova” França?

- O editorial de uma revista inglesa de inícios de 1800 referia que as jo-


EE
pd

148.
HISTÓRIA DO SEIO

vens damas andavam ” cobertas com pouco mais que uns xailes transparen-.
tes que flutuam e esvoaçam sobre os seios, permitindo ver perfeitamente
através deles.” Este traje reduzido era considerado adequado para as jo-
vens mães e para as mulheres solteiras. Os seios que tinham sido separados
em dois grupos durante o Renascimento — um para amamentar, e o outro
para gratificação sexual — encontravam-se agora reunidos num colo com
uma multiplicidade de propósitos. Os seios aleitadores tinham-se tornado
sexy (fig. 48).
A partir desta altura, o seio maternal com cambiantes eróticas viria a ser
chamado a servir diversos interesses nacionais. Em França, ao longo dos sé-
culos XIXe XX, a figura alegórica com um ou os dois seios descobertos con-
tinuou a representar a República. Muitas vezes, era identificada com a ideia
de Liberdade, tal como no célebre quadro de Delacroix A Liberdade Condu-
zindo o Povo, que não era sobre a revolução de 1789, como a maioria das
pessoas pensam, mas sobre a sublevação sangrenta de 1830 (fig. 49).
Em contraste com a exposição “acidental” dos seios femininos durante
o Renascimento ou na arte erótica do séc. XVIII, esta Liberdade descobre os
seios deliberadamente numa tentativa de inspirar sentimentos políticos, e não
sexuais * Mais de cem anos depois, na altura da Libertação de Paris, no se-
guimento à Segunda Grande Guerra, a cantora popular Anne Chapel subiu
para cima de um carro, abriu a blusa e berrou o hino nacional” A vida,
inspirada na arte, não podia encontrar melhor símbolo para a liberdade do que
os seios libertados.
Por volta de 1850, a incarnação dos seios da República Francesa passou
a ter um nome — Marianne. Desde então, Marianne tem sido representada,
com o seu rosto jovem, boné frígio, e seios descobertos em inúmeros quadros,
esculturas, cartazes, bandas desenhadas e notas bancárias, sugerindo as qua-
lidades de ousadia, dinamismo, solidariedade e atracção sexual, reivindicadas
pelos franceses como características nacionais.“ Embora outras nações te-
nham por vezes adoptado aspectos da figura de Marianne nos seus emblemas
nacionais — por exemplo, na Colúmbia Americana, na Grã-Bretanha e na
Alemanha Prussiana — as suas congéneres nunca exibiram os seios com O
descaramento das Francesas.

149
MARILYN YALOM
&

48. Marguerite Gérard. Les Premiers Pas ou la Mêre Nourrice. Cerca. 1800.
? Nos anos a seguir à revolução, a mãe aleitadora adquiriu conotações sexuais e cívicas,
HISTÓRIA DO SEIO

49. Eugêne Delacroix. À Liberdade


Conduzindo o Povo. 1830.
Por entre corpos trespassados e
bandeiras desfraldadas, a Liber-
dade de seios despidos de De-
lacroix leva o povo à vitória.
Aqui, OS seios nus tornaram-se
simbolo de desafio, tão urgente
e agressivo como a própria
revolução.

A FRANÇA MARCOU O TOM durante o séc. XVI e viria a manter a


crença na sua superioridade política muito depois de se ter tornado uma po-
tência internacional menor. A maré do imperialismo britânico e o poder cres-
cente dos Estados Unidos mudou o seu centro de influência para os países
de língua inglesa. Durante a maior parte do séc. XIX, foi a Rainha Vitória,

151
MARILYN YALOM

com o seu amado marido, o Príncipe Alberto, e os seus nove filhos, que cons-
tituíram o modelo supremo de dedicação familiar e cívica,
Tanto em Inglaterra como na América, apenas o seio materno era publi-
camente louvado. As mães eram encorazadas a amamentar os bebés e a as-
sumir todos os deveres que tivessem a ver com o seu bem-estar geral. À per-
cepção da importância psicológica da relação íntima entre mãe e filho
acrescentou cada vez mais peso à ordem de amamentar. As mães que se re-
cusavam a dar de mamar aos filhos eram vistas como pessoas egoístas e so-
cialmente subversivas. No mínimo, a prática de enviar os bebés britânicos
para o campo diminuiu, e passou a contar-se cada vez mais com a presença
da ama de leite em casa, onde a mãe podia vigiá-la.
À maioria das mulheres americanas amamentava os bebés. Mesmo no sul
de antes da guerra, onde era possível optar por uma ama escrava, apenas 20
por cento das mães recorriam a uma ama de leite suplementar ou substituta.
Quando as mães pretas eram contratadas para amamentar crianças brancas,
isso era feito à custa dos seus próprios filhos, como se pode ver por esta his-
tória contada por uma escrava da Carolina do Norte.

A minha Tia Mary pertencia ao senhor John Craddock, e quando


a mulher dele morreu deixando um bebé — a pequena Miss Lucy
— a Tia Mary estava a amamentar um bebé, e então, o senhor
John obrigou-a a deixar o seu bebé mamar também. Quando a Tia
Mary estava a dar de mamar ao seu bebé e Miss Lucy começava
a chorar, o senhor John puxava o filho dela pelos pés e batia-lhe,
e dizia à Tia Mary para dar de mamar primeiro ao filho dele*

As tensões inerentes à posse dos brancos sobre os seios das negras ir-
rompeu num dos momentos mais dramáticos da história abolicionista. Isso
ocorreu em Indiana em 1858, quando Sojoumner Truth, uma activista anti-
esclavagista e antiga escrava se dirigiu a um público maioritariamente bran-
co. No final do encontro, um grupo de simpatizantes a favor da escravatura
pôs em causa a sua identidade sexual. Tentaram provar que ela não era mu-
lher. Como Nell Painter demonstrou na sua biografia de Sojourner Truth,
esta acusação de impostura, destinada a minar a autenticidade de Sojourner,

152
HISTÓRIA DO SEIO

virou-se contra os que a acusavam para impugnar a sua autoridade*?


Eis a descrição do acontecimento no The Liberator de 15 de Outubro de
1858:

Sojoumer afirmou-lhes que os seus seios tinham servido para ama-


mentar muitos bebés brancos, além dos seus próprios filhos; que
alguns desses bebés brancos já eram homens; que embora tivessem
mamado o leite dos seus seios de cor, eram, na sua avaliação,
muito mais viris do que eles (os seus acusadores) pareciam ser; e
perguntou-lhes calmamente, enquanto descobria o seio, se também
queriam mamar! Para provar a veracidade das suas palavras, disse-
lhes que exibia o peito a toda a congregação; que não era uma
vergonha para ela descobrir o peito à frente deles, mas sim para
eles próprios,

Descobrir o peito para obter um efeito político viria a ter um número su-
perior de aderentes um século mais tarde, entre as feministas dos anos 70 e
80, mas nunca de uma maneira tão premente como na plataforma de Indiana
em 1858, quando a questão moral da escravatura esteve prestes a atiçar a na-
ção inteira. Os seios nus de Sojoumer Truth, tal como o seu discurso igual-
mente célebre “Não sou Mulher?”, não deixou qualquer dúvida em relação
ao seu estatuto como mulher e comô pessoa. Como podiam esses seios, que.
tinham presumivelmente amamentado tanto bebés negros como brancos, não
ser vistos como completamente humanos? Porém, os corpos negros dos es-
cravos eram tratados como consideravelmente menos humanos — tanto no
mercado dos escravos, onde os seus dentes, músculos e seios eram examina-
dos publicamente pelos potenciais compradores, e.nos lares para onde iam,
e onde faziam tanto parte dos bens dos donos, tal como os cães ou as vacas
(fig. 50).
A luta de Truth para libertar o corpo dos negrosída exploração branca es-
tava muito distante da maioria das preocupações da classe média. Enquanto
as escravas estavam a ser tratadas como animais, as mulheres brancas ame-
ricanas e britânicas eram idealizadas como anjos domésticos. O poema de
Coventry Patmore ” Anjo Doméstico” (1854-56) exprimia a visão que a alta-

153
50. J. T. Zealy. Da-
guerreótipo. Março
de 1850. Delia,
nascida no campo,
filha de pais afri-
canos. Filha de
Renty, Congo.
Plantação de B. F.
Taylor. Colúmbia,
Carolina do Sul.
Os primeiros
fotógrafos ameri-
canos | documen-
tavam as mulheres
negras como
”bens”. Os seios
completamente
descobertos desta
preta eram tratados
como parte intrin-
seca do seu valor
como escrava.

-cultura tinha da mãe como a eterna fada madrinha, altruisticamente dedicada


à família.
O seio erótico foi banido em grande medida da literatura vitoriana, ex-
cepto de maneira encapotada, como era evidente na poesia do vitoriano Al-
fred, Lord Tennyson.* Sempre que a palavra começada por ”s” era referida
directamente nos poemas de Tennyson (em vez de “formas arredondadas”
ou outros eufemismos), isso implicava sempre catástrofe. O narrador de ” Ti-
resias” cegou ao ver os seios de Palas Atena a sair do banho. “Os Seios de
Helena” de Tróia evocaram a visão da destruição total (”Lucrecius”). E,
como é evidente, o suicídio de Cleópatra foi, dramaticamente provocado pela
“mordedura de uma serpente” no seio ("A Dream of Fair Women”).
o
HISTÓRIA DO SEIO

Em contrapartida, o seio bom era o seio que amamentava. Em Inglaterra


-e nos Estados Unidos, tal como em França e no norte da Europa, as mães
não tinham vergonha de ser vistas a amamentar os filhos em casa, chegando
a poder fazê-lo em sítios públicos como os parques e os caminhos-de-ferro,
especialmente entre as classes populares. * Isto era verdade mesmo para as
mulheres da classe média na Inglaterra rural, onde os bebés até eram ama-
mentados por exemplo, na igreja, sem o pudor que costumamos associar à
sociedade vitoriana.
Para as pessoas que se opunham às amas de leite e à tendência cada vez
mais divulgada do uso de biberões, a mãe em fase de aleitamento tinha de
ser protegida como uma espécie em vias de extinção. No seguimento das des-
cobertas de Pasteur, sabia-se que aquecer suficientemente o leite podia tornar
o leite em garrafas saudável para as crianças, e em meados de 1880, o biberão
tinha-se tornado comum nas cidades britânicas. Nas regiões rurais, os bibe-
rões ainda eram muito raros. Flora Thompson escreveu na sua evocação au-
tobiográfica da vida em Oxfordshire que ” quando aparecia um bebé alimen-
tado a biberão de visita à aldeia, as pessoas pegavam no biberão como se
fosse uma curiosidade.” *?
A glorificação do seio matemo expandiu-se para oeste, de Londres para
o Novo Mundo, e para leste até à Rússia. Para apoiar o espírito nacionalista
em expansão, os Esclavófilos evocavam a imagem da Mãe Rússia, que era
simultaneamente identificada com a Terra Mãe e as camponesas que ama-
mentavam os bebés russos. Grandes escritores como Pushkin e Dostoievski
defenderam a Mãe Rússia acima de tudo, mesmo acima do Pai Czar; tanto
as mães simbólicas como as reais eram invocadas como fonte da redenção
masculina e da regeneração social. No contexto do debate russo da década
de 1860 sobre o papel social da mulher, o novelista Nikolai Leskov reveren-
ciou o seio materno como esteio da ordem tradicional e como “ veículo da
virtude cívica feminina”*
A grande maioria de crianças russas eram amamentadas ao peito, quer
pelas mães ou, no caso da nobreza, por amas de leite, mas em finais da dé-
cada de 1870, um grande número de crianças já era alimentada por bibe-
rão 4 Tolstoi, estabelecendo um desafio tanto em relação às amas de leite
como ao biberão, transformou o aleitamento matermo na pedra angular da

155
MARILYN YALOM

sua visão do casamento e da sociedade comunitária. Em primeiro lugar €


acima de tudo, era dever da sua esposa, Sonya, amamentar os filhos de am-
bos, e mesmo isso deu origem a duelos amargos. Pelos diários de Sonya,
sabemos que ela sofreu de mastites dolorosas e teria deixado de amamentar
se não fosse a firme insistência de Tolstoi. Nas palavras de uma historiadora
literária: ” Tolstoi ganhou: Sonya ultrapassou a dor do aleitamento, numa
vitória que, uma vez mais, dificilmente pode ser encarada como um sím-.
bolo do controlo dos homens sobre o corpo das mulheres. Tanto nesta es-
caramuça como na novela que ele escreveu dez anos mais tarde (Anna Ka-
renina), Tolstoi apropriou-se do seio para servir os seus fins ideoló-
gicos.”
A vitória pessoal de Tolstoi tinha eco nos valores tradicionais russos, que
ditavam a subserviência das mulheres aos homens, das crianças aos pais, €
dos servos aos senhores da terra. Saídas da pena do mais reverenciado escri-
tor russo da sua época, as novelas e tratados de Tolstoi tinham um estatuto
quase-religioso. Quem podia duvidar que a boa mãe de Anna Karenina era
Kitty, que amamentava o seu filho, e a má mãe era Anna, que não o fazia?
Quem não ficaria seduzido por uma visão idílica da sociedade russa cimen-
tada pelo laço entre mãe e filho, em oposição à transacção comercial das amas
de leite, que obrigava as mulheres a “alugar” os seios e vender o seu leite?
o O retrato pastoral de Tolstoi da Mãe Russa com uma população de milhões
de mães aleitadoras e camponesas idealizadas constituiu uma última tentativa
de fazer parar o relógio, de prolongar o sonho agrário da natureza e da mulher
como fonte de alimento.
Vale a pena salientar que em 1895 a imperatriz russa, Alexandra Feodo-
rovna, decidiu amamentar a sua primogénita, a Grande Duquesa Olga. Isto
opunha-se tanto à prática comum, que um grupo de amas de leite já se tinha
reunido no palácio, com vista a que se procedesse à selecção final. Escusado
será dizer que as amas de leite se retiraram, decepcionadas.
A imperatriz alemã, Augusta Vitória, teve um papel ainda mais activo na
promoção do aleitamento matemo. A imperatriz, ela própria mãe de sete
crianças, pregou publicamente todas as virtudes do aleitamento. Em Novem-
bro de 1904, apresentou-se na Liga Patriótica Feminina, uma organização
apoiada por forças conservadoras do govemno e da medicina que considera-

156
HISTÓRIA DO SEIO

vam o aleitamento materno um baluarte contra a cada vez mais reduzida taxa
de natalidade e a crescente participação das mulheres na força laboral.46
No mesmo ano, o Estado prussiano atribuiu fundos à primeira clínica de
protecção da infância constituída por membros da Liga Patriótica Feminina.
Havia prémios de aleitamento, e as mães eram encorajadas a resistir ao de-
clínio moral provocado pelos males como o uso de biberões e o controlo da
natalidade. O medo do decréscimo populacional que aumentou em crescendo
antes da Primeira Guerra Mundial repercutiu-se na política de saúde da Ale-
manha e teve como resultado a criação de mais de mil clínicas de protecção
da criança-por volta de 1915. Este alarme pela descida da taxa de natalidade
(embora não tenha descido tanto como a dos seus vizinhos franceses) deu
trunfos aos políticos prussianos, que defendiam o aleitamento como panaceia
para todos os males físicos, morais e sociais.
Outros defendiam um leite engarrafado mais puro e melhor higiene. Os
membros da Liga para a Protecção das Mães contrapôs um programa progres-
sivo à mensagem pró-natal do Govemo. Favoreciam a libertação sexual, o
bem-estar das mães solteiras, outras causas radicais. Durante os vinte anos
que se seguiram até ao advento do Nacional Socialismo, a Liga para a Pro-
tecção das Mães viria a estabelecer um desafio permanente às facções con-
servadoras.

AO LONGO DO SÉC. XX, os seios femininos foram politizados por


vários governos por uma grande variedade de causas, especialmente em
tempo de guerra. Durante a Primeira Grande Guerra, a propaganda veio
acrescentar novas dimensões à utilização política do seio. Em alguns car-
tazes franceses, uma Marianne de seios descobertos ergue os braços, ape-
lando ao Governo francês para a atribuição de empréstimos. Ou então, nua
até à cintura, Marianne afasta a águia prussiana com a agilidade de uma bai-
larina a rodopiar *” Noutras imagens, ela expõe os seios ou mesmo o púbis
(fig. 51). Podemos ver outras mulheres de aspecto contemporâneo a apoiar
o esforço da guerra no papel de enfermeiras, condutoras de autocarros, tra-
balhadoras agrícolas e fabris, carteiras, donas-de-casa frugais e mães pro-
líficas (fig. 52). E

157
MARILYN YALOM

51. Bernard. Homen-


agem ao 75º. Cax-
taz francês. 1914.
Os cartazes france-
ses da Primeira
Grande Guerra
eroticizaram Mari-
anne por motivos
patrióticos. Nesta
imagem, ela
aparece nua à
frente de um can-
hão, de cabelos ao
vento e seios
espetados em de-
safio ao Imimigo
alemão.

A nudez parcial ou total destas imagens femininas remonta a uma longa


tradição de belos seios — política durante a revolução de 1789, erótica du-
rante o Renascimento, sagrada em finais da Idade Média. Os Alemães enca-
ravam esta nudez feminina como mais uma prova da decadência francesa. Ela
inspirou muitas caricaturas de mulheres francesas empenhadas em actos se-
xuais ultrajantes e maliciosos. Numa inversão anal da fixação francesa no
seio, uma caricatura apresentava Marianne sentada no cimo do Arco do
Triunfo, com uns seios enormes semelhantes a nádegas apontados na direc-
ção dos militares *
A propaganda alemã raramente se serviu das mulheres alemãs como fi-
guras inspiradoras. No máximo, as mulheres eram representadas em papéis
«femininos tradicionais, trabalhando para o sustendo de homens e crianças.

158
HISTÓRIA DO SEIO

52, G. Léonnec. 4 carteira. 1917.


Esta imagem decorre do aprovei-
tamento das mulheres como carteiras
durante a Primeira Grande Guerra
Mundial. Os seios nus e o soldado em
miniatura que a mulher tem na mão de-
vem ser compreendidos alegori-
camente, o vestido pelo joelho e as
pernas à mostra atestam o encur-
tamento histórico das saias que ocorreu
durante os anos da guerra.

Nos primeiros anos da guerra, belas mulheres alemãs de seios grandes e tran-
ças douradas eram mostradas a oferecer flores e bebidas aos soldados. Porém,
à medida que a guerra foi avançando, as imagens tornaram-se mais sombrias.
Os véus de viúva e os rostos enlutados tornaram-se as marcas visíveis do nú-
mero crescente de mortos (fig. 53).
Os Americanos caricaturizaram o inimigo prussiano como um monstro
desumano, um gorila de cartaz circense de capacete prussiano, dentes cani-
nos, um bordão numa mão a dizer ” cultura” e uma donzela indefesa na outra
(fig. 54). Esta imagem num cartaz de 1917 para propaganda ao alistamento
e o título ” Destrói Este Bruto Enlouquecido,” transmitia a mensagem de que
os Alemães eram bestas que violavam as vítimas femininas. Os seios desco-

159
MARILYN YALOM

53. Ferdy Horrmeyer. Cartaz


alemão. 1918. “Mulheres
alemãs, contribuam para a
vitória!”
Este cartaz alemão, reflect-
indo o estado de espirito
sombrio de 1918, repre-
sentava as trabalhadoras
fabris de olhos baixos e
seios sem forma.

bertos da mulher eram sinais de vulnerabilidade feminina — e não de força,


como os cartazes da Marianne. A sua beleza suave destinava-se a comover
os corações dos jovens americanos e a mandá-los defender corajosamente os
Europeus, para que as suas mulheres não fossem as próximas a sofrer. O car-
taz também não se perdeu por parte dos Alemães: causou tamanha impressão
que, vinte anos mais tarde, no início da Segunda Grande Guerra, Goebbels,
o ministro da propaganda, utilizou uma reprodução exacta dele para recordar
aos Alemães a maneira como tinham sido tratados pelos inimigos americanos
e britânicos. As palavras na base do cartaz alemão de 1939 eram: “Não ha-
verá segunda!”
Os seios nus não eram geralmente aceitáveis para o esforço de guerra
americano, excepto nas cenas em que as mulheres estavam a ser vitimizadas
pelo inimigo ou, pelo contrário, protegidas por homens americanos. Noutro
cartaz de recrutamento de 1917 com a legenda “E contigo. Protege a Honra
da Nação,” podemos ver o Tio Sam em vigilância por trás da Miss Liberdade,
x CUjo corpo debruçado para a frente expõe um pescoço excitante, ombros e

160
HISTÓRIA DO SEIO

54. HR. Hopps. Cartaz


americano da Primeira
Grande Guerra. "Des-
trói Este Bruto En-
louquecido. Alista-te.
Exército dos E.U.A.
O inimigo alemão é
um gorila monstruoso
que rapta mulheres in-
defesas. A vítima, de
seios cruelmente ex-
postos, tapa os olhos
num gesto que revela
a vergonha da sua
nudez e o horror da
violação.

braços- descobertos, e um bom bocado de seio nu. Esta cena melodramática,


desenhada pelos Associated Motion Picture Advertisers, recorreu ao imagi-
nário sexual directo para unir os Americanos contra a potencial violação do
seu país, simbolizado por uma mulher vulnerável.
Porém, embora os seios fizessem raramente parte da auto-representação
americana excepto em cenas de vitimização, durante a guerra ocorreu uma
rápida passagem, de uma Colúmbia ou uma Liberdade completamente cober-

161
5s. “Compre um Fundo da
Liberdade; Não Me Deixe
Perecer!” 1917.
Com a sua coroa e as suas
vestes drapejadas, a Liber-
dade é dessexualizada à
moda de uma Atena grega.

tas para um modelo menos vestido. Esta transição é nítida numa série de car-
tazes criados para promover a venda de Fundos da Liberdade entre 1917 e
1919. O primeiro da série mostra uma Liberdade semelhante a uma estátua,
coberta de panos pesados até ao pescoço (fig. 55). O segundo da série, pu-
blicado alguns meses mais tarde, é radicalmente diferente (fig. 56). A figura
é mais suave e feminina; os seus braços encontram-se estendidos num gesto
de súplica: o seu rosto é quase de luto; e os seus seios cheios evidenciam-se
— na verdade, estão literalmente sublinhados por fitas que se cruzam acima
e abaixo deles. O terceiro, quarto e quinto cartazes da série, todos criados por
Howard Chandler Christy, mostram uma mulher mais nova e sexualizada
vestindo uma peça de roupa mais parecida com uma camisa de dormir do que:
a

162
HISTÓRIA DO SEIO

56. Maurice Ingres. Cartaz americano.


1917. "Vamos Acabar Com Isto —
Depressa — Com Fundos da Liber-
dade.”
O artista Maurice Ingres atribui à
Liberdade uma forma mais suave e
feminina. O artista aprendeu com os
Gregos e os franceses a ocultar e
revelar simultaneamente as rotundi-
dades femininas.

com os trajes clássicos (fig. 57). Os Americanos tinham aprendido que as mu-
lheres escassamente vestidas promoviam a causa ou o que se quisesse vender
ao público, quer se tratasse de Fundos da Liberdade, do serviço militar ou
da própria guerra.
As variações sobre a utilização do seio na propaganda da Primeira Guerra
Mundial podem ser classificadas de acordo com os gostos e costumes nacio-
nais.” Os italianos exibiam mulheres de grandes bustos, transpirando sexo
e poder (fig. 58). Os Austriacos representavam heroínas populares de seios
encerrados em trajes tradicionais ou mitológicos. “Os ingleses confiavam
profundamente na sua fiel Britannia de capacete, couraça, espada e escudo.
As mulheres russas eram um caso aparte, porque algumas delas chegavam

163
MARILYN YALOM

57. Howard Chandler


Christy. Cartaz ameri-
cano. 1918, "ABRAM
CAMINHO! Comprem
Fundos. Quarto em-
préstimo da Liberdade”.
O quase transparente
material que pouco
oculta os seios da Liber-
dade, o cabelo ao vento
e a boca entreaberta do
cartaz dos Fundos da
Liberdade Christy dão-
nos a impressão de uma
sturlet de Holiwood al-
istada para fazer o es-
forço de guerra.

a empunhar armas. Em 1915, as notícias dos seus actos heróicos contra os


Alemães já tinha alcançado a Imprensa britânica e americana, e em 1917, de-
pois da revolução eclodir, um batalhão feminino de 250 mulheres russas lutou
na Frente Norte." Os próprios Bolcheviques incluíram na sua propaganda de
1917-18 alguns relatos dessas “novas mulheres” que estavam a ocupar o seu
lugar ao lado dos homens na luta revolucionária. Os cartazes ao estilo de ban-
da desenhada representando camponesas a espicaçar soldados com as suas
forquilhas ou a exterminar baratas prussianas destinavam-se a divulgar o pa-
triotismo marcial entre as massas. Mas nem toda a gente podia levar a sério
Rs

164
HISTÓRIA DO SEIO

58. Luciano Achille Mausan.


Cartaz italiano. “EM-
PRÉSTIMO DA LIBER-
TAÇÃO e o que era nosso
voltou para nós!”
A mulher italiana que
aparece nos cartazes da
propaganda era uma figura
madura que impunha
lealdade e obediência. Os
seus ombros descobertos e
os seus seios cheios cober-
tos por um pano diagonal
fazem lembrar a Marianne
de seio descoberto, sem
constituir um abuso à de-
cência. , o iã mosto
(Oro

as mulheres-soldado. Caricaturas a troçar das possibilidades sexuais ofereci-


das pelas mulheres-guerreiras mostravam-nas de seios nus sentadas ao colo
dos seus camaradas-de-armas, ou completamente nuas em posições amda
mais grosseiras (fig. 59).
Quando a guerra terminou por fim, as mulheres retiraram-se como forma
de propaganda nacional. Em França, a Marianne manteve o seu lugar de des-
taque, mas com menos ousadia do que nos anos da guerra. A Colúmbia e o
Tio Sam continuaram a montar guarda aos E.U.A., mas exercendo menos vi-
gilância do que antes. Na Alemanha, um novo monstro preparava-se para
nascer. As suas auto-imagens eram corpos de homens exageradamente viris

165
MARILYN YALOM

59. Alistamento para a


Brigada Feminina
Russa 1917-18.
Caricatura russa,
Uma candidata a
membro da Bri-
gada Feminina
Russa é examinada
por um oficial.
Com as calças por
baixo do joelho ela
flecte o seu mús-
culo, enquanto ele
se aproveita da si-
tuação para levan-
tar um dos subs-
tanciais seios.

e laços fraternais. Quando as mulheres apareceram na propaganda Nazi, fo-


ram representadas em primeiro lugar como criadoras e amamentadoras de
crianças arianas (fig. 60).
Durante a Segunda Grande Guerra, a figura feminina nos cartazes euro-
peus e americanos mudou radicalmente. Havia poucas imagens de mulheres
a personificar a nação e muitas mais imagens de mulheres reais em diversas
situações de trabalho. Nos Estados Unidos, as enfermeiras da WACS, da
WAVES, e do Exército e da Cruz Vermelha eram representadas de chapéus
empoleirados e dedos ágeis dedicados ao esforço bélico. Mulheres robustas,
invariavelmente de pele branca e geralmente louras, de roupa sensivelmente
subida, eram representadas quer como pares dos homens, quer como figuras
maternais que protegiam as crianças e os soldados feridos. A velhaiimagem
da Colúmbia ou da Liberdade tinham desaparecido de todo.
Porém, os seios é que não tinham desaparecido do esforço bélico, e sur-
iram nos narizes dos aviões em imagens de mulheres sensuais identificadas

166
HISTÓRIA DO SEIO

60. Cartaz alemão. Década de


30.
” A Alemanha cresce com o
auxílio das mulheres fortes
e das crianças saudáveis.”
Para promover o alei-
tamento entre as mulheres
alemãs durante a época
Nazi, este cartaz recorreu à
imagem tradicional da
Nossa Senhora do Leite.

como ” Ligeiramente Perigosa,” ”Mal-Comportada,” e “Miss Laid” (fig.


61). Nua até à cintura, como as figuras de seios nus nas proas dos barcos do
“séc. XIX, estas figuras provocadoras pintadas nas fuselagens impregnavam--
os combatentes de uma sensação de potência sexual e destruição.
De um modo mais comum, e mais benigno, os seios eram a marca de mi-
lhões de imagens de pin-ups apreciadas pelos soldados de todo o mundo. Os
seios expostos apareciam em fotografias e destacáveis de revista expedidos
sem despesas de envio para “levantar o moral” das tropas americanas. Du-
rante um período de quatro anos, de 1942 a finais de 1945, foram enviados
para os soldados americanos cerca de seis milhões de cópias do Esquire com
pin-ups de Alberto Vargas.?2 A ” Vargas girl”, de parcas vestes, era conhe-
cida pelos seus seios empinados, pernas extra-longas e detalhes perfeitos. Al
gumas dessas raparigas, vestidas com pseudo-uniformes, eram escolhidas
para mascotes da força-aérea, da infantaria, da marinha e dos fuzileiros. Os
soldados do Exército americano durante a Segunda Guerra penduravam as

167
MARILYN YALOM
ES

61. "Slightly Dangerous". O Boeing B-17 Fortaleza Voadora numa base aérea inglesa. 12 de Agosto
de 1943. 388º grupo de bombardeiros.
A arte das fuselagens da Segunda Guerra Mundial misturava os seios, o perigo, a destruição e
a vitória.

suas ” Vargas girls” por cima dos beliche, e levaram-nas dobradas para as
praias da Normandia. As raparigas de blusas justas e calções colados ao cor-
po, ou vestidos sem alças e sem costas, projectavam uma visão sensual de
boneca de papel. Quando os homens voltassem da guerra, aqueles seios e per-
nas estariam à sua espera.
Outro fornecedor oficial de imagens de pin-ups era a revista Yank, criada
em 1942 para a tropa. Por cinco cêntimos o exemplar, os soldados americanos
da época podiam ler artigos bem escritos sobre a guerra e arrancar a página
da “pin-up” do mês para os seus sonhos privados. As pin-ups da Yank eram
geralmente fracas e sorridentes como qualquer vizinha do lado, mas algumas
eram maliciosas e sexy, com seios gigantescos a sair de blusas que salienta-
vam as curvas e quase caíam dos ombros. As actrizes Jane Russell e Linda
Dammell eram muito consideradas entre as pessoas cujas carreiras avançaram
deste modo.
Rs

168
a

HISTÓRIA DO SEIO

Em 1945, quando o fotógrafo Ralph Stein foi enviado pelo Exército a


Hollywood para tirar uma série de fotografias a pin-ups, achou as maquilha-
doras tão habituadas a aumentar os seios que os resultados eram “irresisti-
vel” À medida que ele contava a história: ” a maquilhadora não estava muito
satisfeita com o enchimento do casaco da starlet. Introduziu dois bocados de
feltro com cerca de 5 cm de diâmetro, afastou-se, fez um olhar duro e inseriu
mais duas. “Chega?” perguntou-nos. Nós gaguejámos e tartamudeámos qual-
quer coisa. A maquilhadora decidiu por nós. “Que se lixe,” disse ela, “é para
os soldados” e pôs mais três bocados de espuma em cada seio.”*
O que viriaa ser chamado o seio fetiche americano dos anos da guerra €
do pós-guerra correspondia aos mais baixos desejos psicológicos. Ao nível
mais simples, os seios são sinais biológicos de diferença sexual que podem
ser realçados de acordo com o momento histórico. A Segunda Grande Guerra
foi um desses momentos. Os homens em combate no ultramar viam o peito
feminino como uma lembrança dos valores que a guerra destrói: amor, inti-
midade, alimento. As funções maternal e erótica do seio ganharam um sen-
tido acrescentado para uma geração inteira de soldados durante a guerra é
muito depois dela, quando eles regressaram à “normalidade.”
Marilyn Monroe, Gina Lollobrigida, Jayne Mansfield e Anita Eckberg in-
carnaram a pin-up de busto grande no ecrã de cinema. Os bustos estavam na
moda porque eram o sinal mais óbvio de feminilidade. Os homens precisa-
vam de ter a garantia de que o pesadelo da guerra tifiha acabado e que os seios
com que tinham sonhado estavam agora ao seu alcance. À ênfase nos seios
também transmitia uma mensagem clara às mulheres: o vosso papel é prover
o seio, e não o pão. Quatro bebés, dois carros e alcatifa eram as recompensas
oferecidas às mulheres de seios visíveis satisfeitas com O status quo. Seria
preciso passar mais uma geração para contestar esta visão de realização se-
xual.
Durante a maior parte deste século, os seios serviram interesses racionais
de muitas maneiras diferentes — durante as guerras, como símbolos femini-
nos que despertam a valentia dos homens; posteriormente, como emblemas
sexuais e maternais ligados às políticas pró-natalidade. É certo que não de-
vemos confundir a representação gráfica com a vida de mulheres reais, mas
não podemos ignorar a influência — ou mesmo o intercâmbio — entre as

169
MARILYN YALOM

imagens da nossa época e lugar e as experiências das pessoas de came e osso. :


As mulheres de 1789, representadas simbolicamente como aleitadoras, ama.
mentavam, na realidade, os seus bebés. As tão dotadas pin-ups da Segunda
Grande Guerra lançaram uma espécie de seios torpedo para o resto das mu-
lheres americanas. Tanto directa como indirectamente, as imagens de seios
contribuíram para a divulgação das ideologias nacionais.
Como veiculadores dessas ideologias, vale a pena considerar a utilização
do corpo feminino em notas bancárias, uma prática que existe há cerca de
duzentos anos.” Como as notas bancárias circulam por todo o mundo, dis-
seminam os auto-retratos nacionais culdadosamente escolhidos. Já em 1694,
quando o Banco de Inglaterra escolheu a Britannia para seu selo, proclamou
o poder e autoridade da coroa inglesa. Com o seu rosto feminino e a sua ar-
madura masculina, ela assemelha-se a uma Atena dessexualizada. Caracte-
risticamente, os seus seios nunca se vêem.
Como já vimos, os franceses não têm escrúpulos em expor os seios de
Marianne, o que está de acordo com um erotismo cultural profundamente en-
raizado — embora os símbolos eróticos possam, por vezes, ter um resultado
oposto ao desejado. Em 1978, por exemplo, quando a França lançou as suas
moedas de cem francos com a Liberdade de Delacroix de amplos seios, a ima-
gem parecia tão chocante que alguns países se recusaram a aceitá-las!
Quando a França era uma potência colonial, colocou figuras de mulheres
de pele escura e seios descobertos nas notas da Indochina francesa, da África
Ocidental e da Nova Caledónia. O próprio dinheiro era uma forma de publi-
cidade turística dos países onde se podia ver presumivelmente corpos meio
despidos nas notas. As mulheres nativas de muitos desses países andavam,
de facto, de seios descobertos. Mas representar essas mulheres de uma ma-
neira realista — e não alegórica, como era o caso das mulheres brancas —
dá um aspecto de exploração racista. A França não era, diga-se de passagem,
a única ofensora. Algumas das outras potências coloniais fizeram o mesmo.
Em Angola, uma antiga colónia portuguesa, uma nota lançada em 1947 mos-
tra uma preta de seios descobertos a cuidar de uma branca completamente
vestida. A nudez parcial da rapariga sugere um estado primitivo de desen-
volvimento que ficaria mais bem entregue à influência civilizadora de uma
potência colonial ocidental (fig. 62). -

170
HISTÓRIA DO SEIO

“Mais um exemplo, neste caso suíço. À ama de leite da nota de cinquenta


francos suíços que circulou entre 1955 e 1974 está inserida numa paisagem
“de colheita de maçãs. Este paraíso agrícola serve para afirmar a grande ri-
queza de uma pequena nação. Por outro lado, também actua no sentido de
nos recordar subliminarmente às mulheres suíças que os seios que dão leite,
tal como as maçãs, são uma forma de riqueza nacional.

NO SEU TODO, os Estados Unidos tiveram uma intervenção menor em


questões relacionadas com o seio do que muitos outros países. É certo que
as mães que dependem da assistência social nunca foram obrigadas a ama-
mentar os filhos para receber as pensões, como aconteceu durante a Revolu-
ção Francesa. Nem nunca receberam prémios de aleitamento, como aconte-
ceu na Alemanha na viragem do século e acontece ainda hoje no Quebec de
lingua francesa. A forma mais extrema de intervenção governamental deu-
-se provavelmente durante o regime Nazi, quando as mulheres alemãs eram

tada

BANCO
ERER EADa A

62. Nota bancária de cin-


quenta angolares de An-
gola, que era à época uma
colónia portuguesa. 1947,
Os seios nus das mul-
heres de cor adornavam
as notas bancárias das
colónias como esta,
sugerindo a necessidade
da protecção externa dos
brancos.

171
MARILYN YALOM
Bs

obrigadas a amamentar a intervalos regulares e ser submetidas a análises para '


avaliar a quantidade de leite que produziam. é
Em França durante o mesmo período, um programa subvencionado pelo
Governo tentou tornar o leite materno disponível aos bebés que precisavam
dele como “remédio”; o programa estava localizado num gentro de dadoras
de leite na clínica de maternidade Baudeloque, em Paris.” 7 Quatro ou cinco
mães que estavam a amamentar eram alojadas, alimentadas e recebiam um
pagamento modesto, com a única obrigação de entregar o leite em excesso.
O leite era extraído quatro vezes ao dia através de máquinas especiais seme-
lhantes às que eram usadas para as vacas, e era depois refrigerado e vendido
todas as manhãs e todas as tardes. Embora este e mais alguns centros rece-
bessem apoio oficial, nunca foram amplamente utilizados, e desapareceram
no início da Segunda Grande Guerra Mundial.
A regulamentação governamental em relação ao aleitamento é hoje muito
clara na Tasmânia, que faz parte de um país onde a Associação de Mães Alei-
tadoras da Austrália tem tido um enorme sucesso.É Actualmente, as mães da
Tasmânia têm de assinar um formulário de consentimento se quiserem dar
uma fórmula láctea aos bebés — uma prática que seria impensável nos Es-
tados Unidos. Porém, a história do aleitamento na América teve decidida-
mente uma agenda política muito própria, com directivas que oriundas, não
apenas do Governo, mas também da política empresarial, religiosa, médica
e sexual da nação.
Consideremos as seguintes alterações dos padrões de aleitamento durante
o séc. XX. Tal como aconteceu nos séculos anteriores, o aleitamento materno
era prática corrente entre as mulheres americanas até aos anos 30. Então,
como podemos entender a queda abrupta do aleitamento materno entre 1940
e 1970, quando apenas 25 por cento das mulheres americanas amamentavam
os bebés, a maioria delas apenas durante as primeiras semanas de vida? Uma
resposta simples reside na introdução de substitutos lácteos e na sua promo-
ção pela indústria e pela classe médica. Com milhões de dólares em fórmulas
lácteas a ser vendidas anualmente, o aumento do uso de biberões apenas pode
ser atribuido aos lucros em causa.
Quanto ao papel desempenhado pela classe médica, é certo muitos mé-
dicos americanos dos anos da guerra e do pós-guerra tratavam as mulheres

172
HISTÓRIA DO SEIO

como sujeitos que tinham de ser geridos por uma gestão predominantemente
masculina e eficaz em termos tecnológicos; esses médicos viam pouca ne-
cessidade na participação activa das mulheres no processo de natalidade ou
no aleitamento dos filhos, especialmente porque a fórmula láctea era consi-
derada um substituto perfeitamente adequado — ou mesmo superior — ao
leite materno. Um estudo de 1975 sobre as forças sociais que rodeiam o alei-
tamento concluiu que os serviços obstétricos americanos estavam estrutura-
dos de tal forma que negavam às mulheres uma verdadeira opção na matéria,
e que a cultura americana de finais do séc. XX era intrinsecamente hostil ao
aleitamento. Para apoiar esta última contenda, o autor citava uma história
da The New York Times Magazine de 27 de Julho de 1975, que referia que
três mulheres que estavam a amamentar os seus bebés num parque de Miami
tinham sido presas por exibicionismo.
As mulheres foram expulsas de vários lugares — museus de Toledo,
Ohio, centros comerciais de Albany, Nova Iorque, e grandes armazéns da Ca-
hfórnia — sempre devido ao delito de amamentarem os filhos.“ Só em 1993
e 1994 é que os Estados da Florida e Nova Iorque autorizaram as mulheres
a amamentar em público. Na lei de Nova Iorque de 16 de Maio de 1994, pode
ler-se: ” Direito de amamentar. Não obstante qualquer outra disposição legal,
uma mãe pode amamentar o seu bebé em qualquer lugar, público ou privado,
onde tenha autorização para estar por qualquer outro motivo, quer o seu ma-
milo esteja ou não coberto durante o acto de aleitar.” Gostaríamos de saber
como uma mãe poderá amamentar sem destapar o mamilo! Um decreto-lei
que defendia o direito das mães californianas de amamentar os seus filhos
em público foi finalmente aprovado pela Assembleia em Julho de 1997, após
ter sido vetado no ano anterior. Até ao momento, trinta Estados aprovaram
leis semelhantes para que as mães não se vejam obrigadas a sair de lojas, cen-
tros comerciais, restaurantes, museus e parques devido ao excesso de zelo dos
gerentes e agentes da polícia.
As mães dos anos 90 são encorajadas a amamentar por uma grande va-
riedade de grupos, como a Organização Mundial de Saúde e a La Leche Lea-
gue. La Leche League, a mais antiga e poderosa organização de aleitamento,
argumenta que é possível trabalhar e amamentar, sem esconder o seu pendor
a favor da mãe não-trabalhadora. No seu melhor, a liga valida o desejo da

173
MARILYN YALOM
4

mulher experimentar uma forma de alimentação unicamente feminina. No


seu pior, a liga induz a culpa nas mulheres que não amamentam, ou em muitas
mães que o fazem, e são levadas a sentir que, quando os seus filhos são pe-
quenos, o emprego não é do seu maior interesse. La Leche League é, nas pa-
lavras de uma recém-mamã que amamenta o seu filho, “uma religião” que
dificilmente tolera outras práticas.
É certo que La Leche League exemplifica uma forma mais subtil de pres-
são política do que a que sofreram os seios femininos durante a Revolução
Francesa ou o período Nazi. Nos Estados Unidos, a recusa de uma mãe em
amamentar não põe em risco o seu subsídio da segurança social. Quando mui-
to, o meu modo de subsistência pode ser ameaçada de ela o fizer, como al-
gumas mulheres trabalhadoras puderam confirmar para sua consternação.
Muitas mulheres que tentaram amamentar no local de trabalho contam his-
tórias de assédio, processos judiciais e despedimentos *!
Hoje em dia, as mulheres americanas enfrentam dois tipos de exigências
incompatíveis: amamentar os filhos e competir com os homens no mercado
de trabalho sem ter em conta as diferenças sexuais. Esta tensão entre ama-
mentar e ganhar o próprio sustento é evidente nas estatísticas: dois terços das
mães que têm filhos estão actualmente empregadas a tempo inteiro, e apenas
20 por cento de todas as mães amamentam os filhos durante seis meses. Com
o número reduzido de creches e o escasso número de baixas de parto pagas,
a recomendação da American Pediatric Association em relação ao aleitamen-
to durante um ano não encaixa facilmente na realidade da maioria das mães
trabalhadoras.
Na América de hoje, as mães brancas são as mais predispostas a amamen-
tar. As estatísticas de 1997 demonstravam que cerca de 60 por cento das mães
brancas amamentavam os seus bebés no hospital, contra 50 por cento das
mães hispânicas e 25 por cento das mães negras £ Este padrão de aleitamento
diferencial pode ser parcialmente entendido em termos do nível mais elevado
de formação e rendimentos, e em particular da maior flexibilidade do horário
de trabalho de que gozam geralmente as mulheres brancas, mas também tem
a ver com histórias étnicas complexas. A mulher negra cujos antepassados
amamentaram gerações de bebés brancos além dos seus próprios filhos pode,
de facto, encarar o biberão como uma Hbertação da servidão física e como
ay
HISTÓRIA DO SEIO

uma resposta sensata às exigências da América capitalista.


Neste aspecto, é importante salientar que os Estados Unidos são a única
nação industrial desenvolvida que não tem uma política de maternidade que
permita às mães ter tempo disponível para o parto e os cuidados infantis. Mais
de uma centena de outras nações, incluindo a Itália, a Alemanha, o Iraque,
o Uganda, o Paquistão e a Argentina, proporcionam às mães uma baixa de
parto de doze a catorze semanas. Nos países do norte da Europa, é cada vez
mais comum uma baixa de parto cinco ou seis meses com o salário pago par-
cialmente ou na totalidade.? Já em 1919, a Organização Mundial de Traba-
lho votou para conceder às mães o direito a duas pausas de meia-hora para
amamentar, e desde então, isso passou a lei em muitos países. Mas na eco-
nomia de mercado, muitas vezes as mulheres têm receio de exigir esses di-
reitos aos patrões para não serem novamente discriminadas. É esse o caso,
não só dos Estados Unidos, mas também de outros países industrializados
como a Grã-Bretanha, onde ainda se espera que as mulheres trabalhadoras
“se portem como os homens.”** Se elas ” se portassem como os homens” e
fizessem duas pausas de meia-hora para fumar, é de perguntar se também se-
riam penalizadas.
Um interessante sinal dos tempos surgiu num anúncio americano de 1993
onde se via uma mulher de vestido de veludo desabotoado e calções justos
a amamentar um bebé. O traje destinava-se claramente a ser usado fora de
casa, possivelmente no trabalho ou num restaurante caro. Num país que mos-
tra aleatoriamente os seios das mulheres no cinema e nas capas das revistas,
talvez não se esperasse que um anúncio desses fizesse ondas. Porém, como
a mulher aparecia a amamentar e num traje pouco próprio para uso domés-
tico, houve, de facto, controvérsia. Para começar, as versões em cartaz deste
anúncio começaram a desaparecer das paragens de autocarro de Los Angeles,
algumas provavelmente por gostarem deles, e outras por as acharem “ ofen-
sivasӃ Desde que o aleitamento se processasse no resguardo do lar, a so-
ciedade americana podia perdoá-lo ou mesmo glorificá-lo. Mas se tivéssemos
de assistir a ele em qualquer lugar — em parques e restaurantes, salas de tri-
bunal e escritórios? Resistiriam os americanos a um cenário tão ” confuso”
e ameaçador para a separação geral entre vida pública e doméstica?
Na Austrália, onde as mulheres podem amamentar em lugares públicos

175
MARILYN YALOM
“A

com uma facilidade notável, mais de 50 por cento das mães ainda se encon-
tram a amamentar três meses depois do nascimento dos bebés. Tudo nesse
país é de molde a encorajar o aleitamento, a começar pelos cinco dias no hos-
pital em que as mães são ensinadas a aleitar, o que fazer se o leite encaroçar
(as folhas de couve frias parecem fazer milagres!), e como obter auxílio quan-
do regressam a casa. Devido a estas estruturas de apoio, é raro uma mãe não
amamentar o filho inicialmente. .
Se fosse da responsabilidade da cirurgiã geral americana dra. Joycelyn El-
ders (demitida devido às suas afirmações sobre a educação sexual), 75 por
cento das mães americanas procederiam ao aleitamento na viragem do sécu-
lo. Em Agosto de 1994, ela aderiu a uma campanha global para reduzir a con-
fiança na fórmula láctea para bebés. As afirmações da dra. Elder recorda-
ram o “escândalo do leite materno” cerca de cinco anos antes, quando se
descobriu que tinha morrido um grande número de crianças alimentadas com
a fórmula láctea nos países desenvolvidos porque as mães não tinham tido
acesso a água potável ou a refrigeração. No seguimento daquele escândalo,
organizações influentes como a UNICEF e a Organização Mundial de Saúde
tentaram persuadir as mulheres do Terceiro Mundo a desistir de fórmulas ar-
tificiais e amamentar os filhos durante dois anos.
Um anúncio de 1989-90 da UNICEF afirmava claramente: ” A alimenta-
ção através de biberão aumenta o risco de infecções A UNICEF tenta encon-
trar vários modos de proteger e promover a prática do aleitamento.” se to-
dos os bebés fossem amamentados pelo menos durante o primeiro meio ano
de vida, seriam mais resistentes a diarreias e às muitas doenças que vitimam
um grande número de crianças nos países pobres. Essa prática também viria
a reduzir os custos de saúde infantil da UNICEF, cujo apoio deriva, em gran-
de medida, das nações industriais do ocidente como a Grã-Bretanha e a Itália,
onde as mulheres que aleitam os filhos estão, ironicamente, em minoria.
Como vimos, os seios começaram a adquirir significado político no séc.
XVIII. Desde então, tem-se pedido às mulheres que ponham os seios ao ser-
viço dos interesses nacionais e internacionais. Em alguns momentos históri-
cos, foi-lhes ordenado que amamentassem com o intuito de aumentar a taxa
de natalidade nacional, reduzir a mortalidade infantil e regenerar a sociedade.
Noutras épocas, foi-lhes ordenado que recorressem ao biberão e aos substi- |
as

176
HISTÓRIA DO SEIO

tutos lácteos. Em tempo de guerra e revolução, foram encorajadas a acolchoar


os seios ” para os soldados” ou a destapá-los como símbolos de liberdade. A
política dos seios tem emanado de um grande espectro de fontes governamen-
tais, económicas, religiosas e de cuidados de saúde — todas elas instituições
tradicionalmente dominadas pelos homens e que não são conhecidas por co-
locar os interesses das mulheres no topo das suas prioridades. Só em finais
do séc. XX é que as mulheres começaram a ter uma palavra significativa da
política sexual de controlo dos seios.

177
MARILYN YALOM

63. André François. Capa de um livro de Charles Rycroft. 4 Critical Dictionary of Psychoanalysis.
1972.
A psicanálise é representada como um rosto masculino enxertado num corpo de mulher, com um
seio significativamente colocado na parte detrás da cabeça barbuda do analista.
Cinco
O SEIO PSICOLÓGICO: CUIDAR DO CORPO

SEIO Este termo refere o próprio órgão anatômico ou a ideia


(REPRESENTAÇÃO OBJECTAL) da sua existência na mente do
sujeito. O “seio” é objecto de desejos, IMPULSOS, FANTASIAS
E ANSIEDADES ORAIS, e é sinónimo da 'MÃE”A separação do
seio” refere-se ao processo psicológico pelo quala criança divide
a sua imagem de um seio completo em dois, dos quais uma parte
passa a ser “o seio BOM”, considerado perfeito, adorável e que
satisfaz todos os desejos, e a outra é concebida como odiosa e
digna de repúdio (“o seio Mau).
CHARLES RYCROFT, A Critical Dictionary
of Psychoanalysis, 1972 (fig. 63)

EMBORA ALGUNS ASPECTOS dos seios pareçam ser eternos, como


a sua capacidade de produzir leite e a sua vulnerabilidade em relação à doen-
ça, os significados que associamos aos seios são sujeitos a uma variação con-
siderável. De facto, como observámos, podemos apontar os momentos espe-
cíficos em que se deram as modificações radicais do seio — por exemplo,

179
MARILYN YALOM
=

quando a Nossa Senhora do Leite apareceu no séc. XIV, quando o seio as


sumiu um papel dominante no séc. XVI, e quando o seio político emergiu
no séc. XVII. Outra mudança sísmica ocorreu na viragem do séc. XX com
a obra de Sigmund Freud.
Do ponto de vista da psicanálise, os seios são a fonte das emoções mais
profundas da pessoa. Freud postulava que sugar o seio era não só a primeira
actividade da criança, mas também “o ponto de partida de toda a vida se-
xual”! À obrigação inabalável em relação a este compromisso aliava-se a
crença de que o pénis do pai — o falo — lançava a sua sombra tormentosa
sobre o desenvolvimento psíquico tanto dos rapazes como das raparigas. Para
Freud e seus seguidores, a psicologia humana construía-se categoricamente
em torno do seio e do pénis. Estas duas partes do corpo dominavam o mapa
freudiano da mente, e estabeleceram os pontos de referência da psicanálise
durante o seu primeiro século.
Nos primeiros círculos de análise, os discípulos de Freud podiam optar
por aceitar as suas teses básicas ou cortar relações com o mestre. O complexo
de Edipo, que postulava que todos os rapazes viviam no temor do pénis do
pai e sujeitos à ameaça da castração, era a doutrina basilar a que os freudianos
juravam fidelidade. No caso das raparigas, a “inveja do pénis” era outro prin-
cípio incontestado.
Desde o início, o seio ficou sempre atrás do pénis, um pouco obscurecido
pela glória fálica. Porém, tal como a estátua de uma-deusa meio enterrada, o
seio podia argumentar que chegara antes e nunca perdera o seu poder. Freud
sempre reconheceu o significado do seio sem ceder um centímetro de pénis.
Só os freudianos recentes, como Melanie Klein, viriam a tentar reordenar a
hierarquia e conceder proeminência ao seio.
Freud sempre encarou o seio como a primeira ” zona erógena” da criança.
Após um primeiro estádio oral durante o aleitamento, a criança normal pas-
saria inexoravelmente pelos estádios anal e genital. Pensava-se que a sensa-
ção erótica agradável que a criança experimenta ao mamar persistia em mui-
tas formas inconscientes ao longo da vida de um indivíduo. Numa das fortes
expressões que o celebrizaram, Freud refere-se ao amor adulto como um re-
* gresso ao seio materno: “A descoberta de um objecto é, de facto, a sua Te-
: . . nas: .
2
descoberta.” Dos seus primeiros aos últimos escritos, Freud estava conven-
ai

180
HISTÓRIA DO SEIO

cido que a sexualidade começava no seio e a mãe era, de certo modo, a “pri-
meira sedutora” da criança.”*
No âmbito desta estrutura conceptual, os sonhos com objectos esféricos
como as maçãs e as peras podiam ser geralmente interpretados como seios.
Por exemplo, um homem de trinta e cinco anos contou um sonho que afirmou
ter tido aos quatro anos: no sonho apareciam duas peras que lhe tinham sido
trazidas por um homem encarregado de fazer o testamento do pai. A mãe do
rapaz também estava presente, com dois pássaros pousados na cabeça; um
deles voou para a boca dela e começou a sugá-la. Como interpreta Freud esta .
visão enigmática? Com o grau de certeza habitual, afirmou: “O sonho deve
ser traduzido: “Dá-me ou mostra-me outra vez o seio, em que mamava anti-
gamente, Mãe, ”*
Sempre que Freud tinha a oportunidade de ver um seio escondido nas do-
bras obscuras dos pensamentos dos pacientes, aproveitava. Uma vez, ao ouvir
um jovem fazer um relato em associação livre da sua ligação com uma actriz
em versos poéticos, Freud declarou: “Não há a menor dúvida em relação ao
sentido da macieira e das maçãs (no poema). Além disso, a beleza dos seios
era um dos encantos que motivaram a atracção do rapaz do sonho pela ac-
triz.” “As interpretações de sonhos de Freud, por mais rebuscadas que sejam,
são sempre apresentadas com um ar de infalibilidade papal.
Os seios têm um lugar proeminente na teoria básica de Freud sobre a psi-
coneurose, que tem origem-no desenvolvimento sexual ” perverso.” Por ”per-
verso,” Freud designa tudo o que não leva à primazia das funções sexuais
sobre todo o tipo de expressões adultas da heterossexualidade. O famoso caso
de Dora, uma “rapariga histérica de cerca de dezanove anos,” incluía uma
sucessão de perversões que se moviam por caminhos inconscientes desde o
aleitamento na primeira infância, passando pelo hábito de chupar no dedo,
para acabar na fantasia adulta de chupar o órgão masculino -— tudo isto in-
“tuído por Freud a partir da sua tosse e irritação da garganta é
Para compreender Dora, Freud baseou-se na história de outra paciente,
uma jovem que nunca deixara de chupar no dedo, e que guardava uma re-
cordação de infância em que ” se via a mamar no seio da ama ao mesmo tem-
po que puxava o lóbulo da orelha da ama ritmadamente” — sugerindo o úl-
timo gesto a prática masturbatória. Seguindo o fio do pensamento que liga

181
MARILYN YALOM
Es

esta mulher não identificada e a irritação da garganta de Dora, ostensivamen-


te provocada pelo seu desejo de chupar os órgãos sexuais masculinos, e re-
gressando invariavelmente ao seio materno, Freud afirma que ” é preciso mui-
to pouca criatividade para substituir o objecto sexual do momento (o pénis)
do objecto original (o mamilo)” ” Assim podemos ver,” conclui o médico,
“que esta fantasia excessivamente repulsiva e perversa de chupar um pénis
tem a origem mais inocente possível. Trata-se de uma nova versão do que
pode ser descrito como uma impressão pré-histórica de sugar o seio da mãe
ou da ama.”” O trabalho de detective de Freud, com a sua repulsa vitoriana
pelo sexo oral, refaz o circulo: estamos todos ligados ao seio matemo até ao
fim da vida. Muitos comportamentos posteriores, em especial os sintomas pa-
tológicos, evocam o seio matemo muito depois de ele ter perdido o seu sen-
tido original,
Para ilustrar como é possível confundir os sentidos primordiais e poste-
riores do seio, Freud citava uma anedota sobre um jovem que era um grande
admirador de mulheres belas. Ao recordar a bonita ama de leite que o tinha
amamentado em bebé, comentou, ” Lamento não ter aproveitado a oportuni-
dade ”* É evidente que estava a confundir a sua mente de adulto com a de
criança, esperando que o rapaz tivesse tratado o corpo da mulher como teria
feito se fosse um homem.
Na sua última obra importante, 4n Outline of Psychonalysis, Freud re-
gressou ao seio como “primeiro objecto erótico da criança” e “o protótipo
de todas as relações de amor posteriores — para ambos os sexos”? Freud
insistia que a criança não estabelece qualquer distinção entre o seio e o seu
próprio corpo — uma teoria que foi transformada em dogma por alguns freu-
dianos recentes, embora não possa ser provada, tal como todas as outras su-
posições sobre o mundo experimental da criança. Freud foi mais longe do que
nunca ao apresentar o aleitamento como a experiência humana arquetípica.
De facto, ele argumentava que “não faz diferença que uma criança tenha real-
mente sido amamentada ao seio ou com biberão, sem nunca gozar a ternura
dos cuidados maternos. Em ambos os casos, o desenvolvimento da criança
segue o mesmo caminho; é possível que no segundo caso a sua nostalgia pos-
terior seja ainda maior.” Quer se tenha sido amamentado ao peito quer não,
durante um período de tempo maior ou menor, Freud estava convencido que
Mo
E

182
atra

HISTÓRIA DO SEIO

” depois de desmamada, uma pessoa fica sempre convencida de ter mamado


pouco e durante um período de tempo demasiado curto.” 10
O seio constitui, assim, um paradigma psicanalítico do Jardim do Paraíso.
Em tempos, todos nos saciámos no Paraíso. Depois, fomos todos ejectados
do seio matemo (ou do biberão) e obrigados a vaguear no deserto sem ma-
mas. Em adultos, procuramos infindavelmente o consolo do seio original, e
encontramo-lo ocasionalmente na união sexual, que Freud considera uma es-
pécie de substituto adulto do prazer infantil. E o pai da psicanálise salienta
que “nenhuma pessoa que tenha visto um bebé encostar-se saciado depois
de mamar, de bochechas rosadas e um sorriso beatífico nos lábios, pode dei-
xar de pensar que esta imagem persiste como protótipo da expressão de sa-
tisfação sexual nos anos posteriores.
Não podemos deixar de salientar que estes dois fenómenos aparentemente
semelhantes não são necessariamente idênticos. Pelo facto de os bebés ador-
mecerem' geralmente depois de mamar e os adultos adormecerem muitas ve-
zes depois do sexo, não quer dizer que a última experiência seja, de algum
modo, procedente da anterior. Mas mesmo que concedamos a Freud a hipó-
tese de a satisfação que o bebé retira do seio ser o protótipo de prazeres pos-
teriores, em especial dos prazeres sexuais, mantém-se uma questão funda-
mental a respeito das diferenças de desenvolvimento de homens e mulheres.
Freud afirma inequivocamente que o seio é o primeiro objecto erótico para
ambos os sexos. A seguir, acompanha o rapaz ao longo do período edipiano,
durante o qual — para preservar o seu órgão sexual, sob a ameaça de cas-
tração por parte do pai — renuncia à posse da mãe; posto o que passa a maior
parte da vida em busca de substitutos do seio materno. Esta teoria, por mais
confusa que seja, é no mínimo credível a um nível simbólico.
A rapariga, porém, de acordo com a teoria freudiana, não renuncia ao seio
materno do mesmo modo. Ela segue uma trajectória ainda mais bizarra, que
é determinada cedo na vida pela sua “inveja do pénis.” Ela “não pode per-
doar à mãe o facto de a ter feito vir ao mundo tão deficientemente equipada.
No seu ressentimento devido a este facto, rejeita a mãe e põe outra pessoa
no seu lugar como objecto de amor — o pai.” !2 A hipótese da inveja do pénis
é a parte menos defensível da teoria freudiana do desenvolvimento, apenas
credível como parábola de todas as vantagens sociais do homem nas socie-

183
MARILYN YALOM
=

dades patriarcais. Além disso, não explica os motivos por que as raparigas
abandonam o seio materno como objecto erótico. Parece-me que Freud es-
tava mais perto da verdade quando escreveu, “A identificação com a mãe
pode tomar o lugar da ligação à mãe.” Besta identificação não deriva do res-'
sentimento por a mãe ter feito a filha vir ao mundo sem um pénis, mas sim
de uma sensação crescente de feminilidade partilhada que inclui as semelhan-
ças físicas. Quando os seios da filha crescem e ela começa a ter a menstrua-
ção, torna-se, tal como a mãe, um ser adulto preparado para a sexualidade e
para a maternidade.”
Em algumas páginas de notas redigidas nos seus últimos meses de vida,
Freud tentou repensar a sua teoria da inveja do pénis. Primeiro, virou-se para
a ideia da “identificação” da rapariga com o clitóris, associando-a ainda a
um sentido de inferioridade feminina em relação ao pénis. Mas a seguir,
numa série de expressões apressadas, começou a reconsiderar o lugar do seio
na vida mental de uma criança. ” As crianças gostam de exprimir uma relação
objectal através de uma identificação: “eu sou o objecto.” Exemplo: o seio.
“OQ seio faz parte de mim, eu sou o seio.” E só mais tarde: “Bu tenho-o”, ou
seja, “Eu não sou o seio”!
Que significam estas notas crípticas, redigidas com a urgência de um ho-
mem que se aproximava da morte? Se, como Freud afirmava, nem o rapaz
nem os bebés do sexo masculino nem os do sexo feminino distinguem o seio |
“da mãe do seu próprio corpo, eles acabam por perceber que o seio pertence
a outra pessoa, que tem o prazer de o dar ou retirar. Tanto uns como outros
passam do “eu sou o seio” inicial (se aceitarmos a premissa que começam
por sentir o seio como indistinto de si próprios) para “eu não sou o seio.”
Mas as meninas têm a oportunidade de reclamar o seio como seu de um modo
novo. Na altura da puberdade, elas podem dizer uma coisa que os rapazes
nunca poderão dizer. Podem afirmar, ” Eu tenho-o.”
Se levarmos as ideias elípticas de Freud até às últimas consequências,
passar a ter seios como parte do corpo pode ser visto como uma vantagem
psicológica para as mulheres. Os seios por que elas ansiavam na infância são-
“lhes devolvidos na idade adulta, como fonte de prazer para elas, para os
amantes e para os filhos. Por estar enciausurado numa estrutura de pensamen-
to". centrada no homem, Freud apenas concebia o seio do ponto de vista ex-

184
HISTÓRIA DO SEIO

terior. Nunca avaliou totalmente o significado do seio do ponto de vista da


pessoa que começa por mamar no seio de outra mulher e vem posteriormente
a amamentar os filhos na idade adulta.
Se Freud fosse mulher, talvez tivesse desenvolvido uma teoria sobre a in-
veja do seio em vez da teoria da inveja do pénis. O seu conteúdo seria qual-
quer coisa como:

“Para um rapaz, a mãe é o seu primeiro objecto de amor, e assim


permanece em essência por toda a sua vida. A partir do momento
em que. ele. se liga ao seio materno, quer sempre mais. Se outro
bebé ocupar o seu lugar no seio materno, ele receberá o irmão
mais novo como um intruso e censurará a mãe por lhe ter retirado
o seio — a ele, seu primeiro e legítimo dono. Dai derivam os
sentimentos de ambivalência em relação à mãe e a rivalidade entre
irmãos. de que padecem tantas famílias.
À medida que o rapazinho avança em direcção à puberdade,
acalenta a fantasia de que o seio lhe virá um dia a ser devolvido.
Inconscientemente, acredita que também ele, tal como as irmãs,
terá seios na adolescência. Quando verifica que isto não acontece,
sente-se gravemente injustiçado. Responsabiliza a mãe pelo seu
peito deficiente e não lhe perdoa o facto de o ter deixado em des-
vantagem. Sente-se oco € inferior em relação às irmãs, de seios
enormes, e nunca chega a ultrapassar a sensação de deficiência. O
desejo vão de ter seios deixa marcas inextirpáveis no desen-
volvimento do rapaz e na formação do seu carácter. Ao longo da
vida, deseja vingar-se das mulheres por possuírem uma coisa que
ele não tem. Até ao fim dos seus dias, o seio feminino passará a
inspirar-lhe simultaneamente um desejo de posse e raiva pela sua
incapacidade de ter seios, tal como as mulheres. O primeiro sen-
timento é geralmente traduzido numa necessidade de tocar ou
sugar os seios das mulheres, e quanto maiores melhor. O segundo
sentimento deriva em auto-complacência, que é por vezes deslo-
cada em actos de violência contra as mulheres, com os seios espe-
cificamente como alvos de retaliação.

185
MARILYN YALOM

Mesmo como pai, o homem adulto tem ciúmes do bebé a que a


mulher oferece o seio. Ele sempre encarará essa criança como al-
guém que veio ocupar o lugar que era seu. Daí deriva o seu desejo
homicida inconsciente em relação aos próprios filhos, e a inevita-
bilidade do conflito entre as gerações. O desejo do seio tem de
ser encarado como a base em que assenta toda a civilização, com
Eros e Thanatos disputando a sua posse.

Esta paródia dos três ensaios de Freud sobre a sexualidade feminina des-
tina-se a sugerir que o desejo erótico pelos seios está associado ao desejo pela
mãe, à rivalidade entre irmãos, e possivelmente ao ciúme pelos filhos. 5
Quando se vê um homem de braço dado com uma mulher de peito grande
como se ela fosse um símbolo de masculinidade, a teoria da inveja do seio
não parece assim tão estranha.
Até agora, milhares de pacientes em milhares de gabinetes responderam a
perguntas acerca das suas recordações do seio materno: a pergunta “ foi ama-
mentado pela sua mãe”? é há muito uma questão analítica padronizada. Median-
te o recurso aos instrumentos do terapeuta, deixou de se considerar as expe-
riências de sugar e ser desmamado como para lá dos limites da memória.
Uma censura comum contra a mãe, referida por Freud e por várias gera-
ções de freudianos, é o facto de a mãe ter dado à criança pouco leite, o que
pode ser interpretado como falta de amor. Pior ainda, o medo de ser enve-
nenado pelo leite materno dá origem à fantasia do “seio mau” ou “veneno-
so” 16 Esta visão malévola do seio veio a ser mais um traço a acrescentar à
mãe ” castradora” ou “esquizofrénica” popularizada pelos psiquiatras ame-
ricanos nos anos 40 e 50 deste século.
Um dos seguidores de Freud identificou o que se denominou por ” fenó-
meno Isakower.” Quando em estado de devaneio, alguns adultos imaginaram
uma massa macia a aproximar-se do seu rosto. Isakower imterpretou esta ima-
gem como um reviver da experiência infantil de ser amamentado.”” Os ana-
listas que relatam casos relacionados com o fenômeno Isakower utilizaram-
-no para examinar outras memórias da primeira infância e para apoiar teorias
altamente conjecturais sobre a ansiedade de castração, fantasias incestuosas
e outras formas de regressão no adulto.!º ,

186
HISTÓRIA DO SEIO

Por mais reservas que tenhamos acerca das teorias de Freud sobre o seio,
temos de reconhecer que ele uniu os dois aspectos principais da história do
selo num paradigma psicológico de peso: o seio materno e o seio erótico pas-
saram a ser um só. À mãe e o amante partilharão para sempre uma misteriosa
incandescência mamária que continua a iluminar o presente, por mais que nos
afastemos do seu calor original. Freud compreendeu como ninguém o poder
psíquico do seio, que dura toda a vida.
“Na Grã-Bretanha - onde Freud passou o seu último ano de vida, depois
da conquista da Áustria pelos Nazis o obrigar a fugir de Viena — o seu legado
foi assumido por vários analistas de renome, nomeadamente Melanie Klein,
Ronald Fairbam, e D. W. Winnicott. Frequentemente agrupados como teó-
ricos das “relações objectais”, elaboraram a crença freudiana de que o bebé
adquire as qualidades do objecto primário — ou seja, O seio materno — e
que este objecto primário reside permanentemente no nosso inconsciente,
como uma imagem caleidoscópica sujeita a configurações ilimitadas. Klein,
em particular, concluiu que as fantasias acerca do selo, iniciadas nos primei-
ros meses de vida, passam a fazer parte do inconsciente do indivíduo, e afec-
tam todos os processos mentais posteriores. À descoberta freudiana da sexua-
lidade relacionada com o seio, Kleim acrescentou a sua convicção de que os
sentimentos sádico-orais (agressivos) alimentam a relação de amor-ódio com
o seio e, por conseguinte com a mãe. o ==
Klein propunha uma polaridade inata de instintos semelhantes aos ins-
tintos de vida e de morte de Freud. Na sua perspectiva, o instinto de morte
é a fonte original da ansiedade da criança, que eje ou ela transfere para o
objecto externo original -— ou seja, o seio. Este transforma-se no “seio
mau”. Em contrapartida, o seio gratificante associado ao instinto vital
transforma-se no “seio bom”. Nas suas palavras: ” o seio, desde que seja
gratificante, é amado e sentido como 'bom'; se for uma fonte de frustração,
é odiado e sentido como “mau.”!? Esta oposição entre o seio bom e o seio
mau exprime-se através de certos mecanismos psíquicos conhecidos como
“introjecção” e” projecção.” ” A criança projecta os seus impulsos de amor
e atribui-os ao seio gratificante (bom), tal como projecta para fora os seus
impulsos destrutivos e os atribui ao seio frustrante (mau).” O seu objectivo
é adquirir e assimilar o objecto ideal, e afastar de si o mau objecto. Assim,

187
MARILYN YALOM

tanto o seio bom como o seio mau são criados na mente da criança.
Baseando-se na sua análise e observações de brincadeiras de crianças nos
anos 20, Klein acreditava poder compreender a mente da criança: se o seio
frustrava os desejos do bebé, era um ”persecutor terrível.” Nas fantasias des-
trutivas da criança, “ela morde e rasga o seio, devora-o, aniquila-o; e sente
que o seio irá atacá-lo do mesmo modo.” A criança receia a retaliação do
seu ” sugar vampiresco” ou das fantasias de “esvaziar o seio,” retirando dele
tudo o que é bom, e enchê-lo de substâncias más, como os seus próprios ex-
crementos. No que diz respeito às descrições inventivas do panorama mental
da criança (não esqueçamos que o que está em causa é uma criança de três
ou quatro meses!), Klein chega a fazer Freud passar por timido.
A seu tempo, o bebé saudável passa da visão da mãe como boa ou má
para uma relação mais satisfatória com a mãe como pessoa completa. O seio
bom e o seio mau, agora a mãe boa e a mãe má, aproximam-se e tornam-se
unos. Em contrapartida, na sua forma patológica de desenvolvimento, o seio
e, por extensão, a mãe, continuam a existir na mente da criança como unidi-
mensionais, quer como formas idealizadas ou desvalorizadas.
Enquanto Freud chocou os seus contemporâneos com a descoberta da se-
xualidade infantil, Klein acrescentou a visão inquietante do sugar demoníaco.
As mães de hoje que leram Klein podem dar por si a pensar como à poeta
americana Minerva Neiditz:

Melanie Klein diz


que as criancinhas
têm inveja dos seios da mãe
e imaginam que podem entrar neles
e retirar tudo o que eles têm de bom.
Se o que ela diz é verdade,
poucas de nós amamentaríamos
esses selvagens.

Actualmente, o seio tem sido a zona de combate de várias gerações de


psicanalistas e psicólogos. Jung, por exemplo, poucas afirmações teceu acer-
«a do seio, mas isso não impediu os seus seguidores de se apropriarem do

188
HISTÓRIA DO SEIO

seio para finalidades junguianas. O principal contributo junguiano foi trans-


formar a visão freudiana que associa a mãe à oralidade sensual da ” anima”
— a imagem feminina inconsciente no homem. ( Animus” é o termo gêmeo,
que denota a imagem masculina na mulher.)
De acordo com o analista funguiano John Beebe, o desejo oral incestuoso
pela mãe não é o único significado psicológico possível dos seios”! As crian-
ças passam por vários estádios arquetípicos, e o significado do seio muda em
cada estádio. No estádio da mãe-positiva, o seio experimentado como aca-.
lentador e reconfortante; no estádio da mãe-negativa, o seio torna-se perse-
cutor, sufocante, ou devorador; no estádio do pai, os seios ou os seus subs-
titutos são associados a possibilidades criativas e espirituais.
Os junguianos crêem que o homem que desenvolve a anima em si não
será apanhado na armadilha da inveja do seio, tal como a mulher que desen-
volve o animus em si não irá invejar os pénis dos homens. Ela terá a sua pró-
pria “criatividade fálica.” Em contraste com a teoria freudiana, os junguianos
negam a assunção de que os seios impliquem sempre a regressão a um estádio
oral. No entanto, por mais que afirmem a sua diferença em relação aos freu-
“dianos, há um preconceito masculinista semelhante: a pessoa madura é sem-
pre aquela que sobe acima do estádio (ou estádios) maternal para abarcar o
reino do pai — quer lhe chamemos ” super-ego” em termos freudianos, ou
“anima” “animus” em termos junguianos, ou o “nome do pai” na lingua-
gem do psicanalista francês Jacques Lacan. A mãeé sempre a pessoa de
quem temos de nos afastar. Estes teóricos do séc. XX não podiam conceber
a maturidade sem repetir a hierarquia patriarcal da sua época.
Um exemplo representativo de como as ideias freudianas, junguianas e
kleinianas são coladas e aplicadas ao seio pode ser encontrado nos escritos
do analista inglês James Astor. Astor reconsidera o tema amplamente deba-
tido de como a criança vê o seio: “Imediatamente após o nascimento e du-
rante as primeiras semanas de vida, o seio é visto pelo bebé como o seu mun-
do inteiro, ou seja, não como parte do todo, mas como o próprio todo. Só mais
tarde, quando a criança começa a explorar a geografia do seu corpo e do da
mãe, é que o seio começa a ser experimentado como parte do todo.??
Astor expande o discurso sobre o seio da interacção mãe-criança para O
encontro entre analista e analisado. Por analogia com o par primordial, o au-

189
MARILYN YALOM

tor afirma que ” a mente do analista é, de facto, o seio, que fornece o alimento
para o pensamento que é parte da formação analítica dos nossos pacientes.”
Este “seio analítico” não pode ser completamente apreciado pelo paciente
“até ao desmame no final da análise” Metaforicamente falando, a compa-
ração do analista com uma mãe que dá de mamar tem o seu encanto, embora
acrescente póuco à nossa compreensão do processo terapêutico.
A psicanálise teve, no mínimo, o valor de esclarecer o modo como os
seios funcionam na mente humana como símbolos previamente determina-
dos, mesmo que as suas interpretações se tenham restringido ao nexo de as-
sociações maternais e sexuais. O que os psicanalistas se esqueceram geral
mente de reconhecer foram os outros sentidos não associados ao aleitamento
e ao sexo. Consideremos, por exemplo, o tema da anorexia nervosa — uma
doença psicológica caracterizada por uma obsessão em perder peso. Durante
cerca de um século após as descrições desta perturbação alimentar pelos mé-
dicos francês e inglês Charles Lasegue e William Gull em 1873, a anorexia
nervosa foi considerada uma doença rara? Mas nos últimos vinte e cinco
anos, ela passou de um fenómeno isolado para um problema de proporções
epidémicas entre as mulheres jovens, que constituem cerca de 90 por cento
da população anoréxica dos Estados Unidos.
A psicanálise interpretou tradicionalmente a anorexia como uma “fuga da
feminilidade” — ou seja, da heterossexualidade adulta. No início da década
de 70, quando a anorexia começou a atingir proporções mais elevadas, a pers-
pectiva psiquiátrica prevalecente era a de que a doença derivava de um con-
flito neurótico profundo em relação à sexualidade, com origem na dinâmica
familiar do paciente, e que podia ser tratada com um modelo médico de ali-
mentação forçada e terapia familiar. Mas algumas críticas feministas come-
caram a defender que o jejum auto-induzido da anoréxica derivava igualmen-
te, e talvez de um modo mais premente, de imperativos culturais como a
“tirania da magreza” e da necessidade de parecer “rapaz” num mundo que
privilegia a masculinidade.” Essas feministas salientavam que, inconscien-
temente, e com razão, as anoréxicas receiam que a gordura nos seios e nas
ancas as faça parecer estúpidas ou vulneráveis aos rapazes e aos homens. A
rejeição dos seios é não só uma rejeição da sexualidade e da maternidade,
«jas a rejeição de um panorama completo de inferioridade social, económica

190
HISTÓRIA DO SEIO

e intelectual com que as raparigas deparam, muitas vezes pela observação di-
recta da vida das mães. As anoréxicas sabem que não podem controlar o mun-
do que as rodeia — quer o que é criado pela sua família, quer pela cultura
em geral — mas acreditam que podem, ao menos, controlar o peso do seu
corpo. Na realidade, o que acontece é que, a partir de certo ponto, deixam
geralmente de poder controlar a assimilação de comida e caem em níveis de
peso perigosos ou fatais. Hoje em dia, com o acréscimo de atenção à anorexia
e outras perturbações alimentares, a psiquiatria alargou a sua perspectiva so-
bre as causas e desenvolveu modelos de tratamento mais complexos, que têm
em conta a maior gama de significados atribuídos pela cultura à forma femi-
nina inscritos na mente das jovens.
Fora da arena profissional, o seio psicológico tornou-se um elemento
principal da cultura popular. Pensemos nos inúmeros cartoons que repre-
sentam uma associação entre objectos físicos inanimados — maçãs, ovos,
montanhas — e uma imagem do seio primordial na mente humana. Pensemos
no seio monstruoso do filme de 1972 Tudo o que Sempre Quis Saber Sobre
o Sexo mas Tinha Medo de Perguntar, que foge do laboratório de um cientista
“maluco, arrasa o campo e é derrotado por um Woody Allen cómico-heróico
a brandir corajosamente um crucifixo.
Pensemos na novela de Philip Roth O Seio, cujo protagonista se transfor-
ma numa enorme glândula mamária. Quando o herói desta fábula (com a de-
vida vénia a Kafka) tenta compreender a desgraça, a lingua que profere é uma
psico-treta da Costa Leste: ” A que se deve esta identificação primitiva com
o objecto de veneração infantil? Que apetites por satisfazer, que confusões,
que fragmentos do meu passado mais remoto terão colidido para fazer defla-
grar uma ilusão de simplicidade tão clássica?” A transformação de um ho-
mem adulto num enorme seio é apresentada sob a forma de realização de um
desejo parodiando a obsessão de uma geração inteira.
Ainda é tão comum pensar em termos freudianos, que os Americanos fa-
lam em tipos estenográficos ou “orais” e na visão francesa da obsessão ma-
mária americana como forma de infantilidade suspensa (esquecendo o seu
longo fascínio pelo seio). Quando recordamos o discurso sobre o seio popu-
larizado pela psicanálise, podemos rir de muitas das coisas que foram em
tempos consideradas inquestionáveis. Poucas pessoas. levam à letra a crença

191
MARILYN YALOM

de Freud de que “a criança nunca ultrapassa a mágoa de perder o seio d


mãe.”2º Nem chamamos a uma mãe que não consegue amamentar ” histéri.
ca” patológica nem a tratamos com sessões de hipnose, como Freud fez num.
caso memorável.” Embora sejamos sensíveis às muitas determinantes in
conscientes envolvidas nas escolhas pessoais de alguém, já não estamos pre-
sos por interpretações dogmáticas pouco convincentes ocultas por baixo d
máscara da ciência. Às vezes, um seio é apenas um seio.
“Seis
“O SEIO COMERCIALIZADO:
DO CORPPETE AO CIBER-SEXO

NA NOSSA SOCIEDADE OBCECADA PELO SEIO, os seios têm pos-


" sibilidades comerciais quase infinitas. Eles não só dão origem a produtos re-
levantes, como os soutiens e as loções corporais, mas também servem para
promover a venda de carros ou bebidas, quando associados a eles. ” Podemos
vender tudo o que quisermos com um seio,” opinou recentemente um mé-
“dico francês.!
As mulheres são simultaneamente compradoras e vendedoras no mercado
do seio.
Como compradoras, são bombardeadas por uma barricada de produtos
para vestir, apoiar, proteger, embelezar e aumentar os seios. Desde o final da
Idade Média, quando o espartilho foi inventado, a moda tem tirado partido
de uma progressão contínua de roupa interior que corresponde às diferentes
visões da forma feminina ideal. As tentativas de moldar o corpo, cobri-lo,
apertá-lo, acolchoá-lo, moldar, “treinar” ou mesmo mutilá-lo estão tão pro-
fundamente inscritas no inconsciente colectivo, que é dificil falar de um cor-
po “natural.” A ideia da construção social do corpo tornou-se um dado ad-
quirido para a maior parte dos historiadores do sexo, entre os quais uma
historiadora resumiu a interpelação da moda e da came no seu engenhoso ti-

193
MARILYN YALOM

tulo Seeing Through Clothes (Ver Através da Roupa)? As roupas que ficam
em contacto directo com o corpo nu são geralmente encaradas como objectos,
sexuais de direito, fetiches do lado fantasioso do vestuário público.
Hoje em dia, os produtos e serviços destinados aos seios — soutiens e
espartilhos, cremes para o busto e aulas de ginástica, operações para reduzir
e aumentar os seios — constituem uma gigantesca indústria internacional.
Por todo o mundo ocidental, as mulheres estão dispostas a gastar biliões de
dólares para criar a ilusão que fará subir o seu valor sexual e profissional |
Atraídas por imagens femininas raramente criadas por elas, algumas mulhe
res transformam-se em anúncios ambulantes de soutiens para fazer subir o
peito, implantes de silicone ou outros produtos destinados a criar um busto
estandardizado.
Porém, é demasiado fácil retratar as mulheres apenas como “corpos dó-
ceis,” nas palavras de Michel Foucault, como vítimas da exploração comer-
cial ou co-responsáveis pela sua própria opressão As mulheres são hoje, e
sempre foram, mais que vítimas das pressões externas. Embora tenhamos
motivos para vociferar contra a tirania do olhar masculino e a ditadura da
moda, que costumam afectar mais as mulheres do que os homens, é uma to-
lice negar a opção pessoal nestas questões. Por vezes, escolhemos cegamente,
é verdade, e muitas vezes optamos por agradar aos outros sem sabermos que
a nossa escolha reflecte desejos que não são os nossos; na melhor das hipó-
teses, as nossas escolhas correspondem a um ideal estético interior (por mais
socialmente elaborado que ele seja!) que contribui para uma sensação geral
de bem-estar, e para a sensação assumidamente agradável de nos sentirmos
sensuais.
Como vendedoras, as mulheres comercializam os seios desde o início da
história. Quando ser ama de leite era uma profissão viável, muitas mulheres
ganhavam a vida à custa dos seus seios lactantes. As amas de leite das classes
mais elevadas, como as que amamentavam os filhos dos faraós, eram equi-
valentes às grandes damas da corte que presidiam a importantes redes de po-
der. As amas de leite das rainhas de França tinham várias prerrogativas, in-
cluindo o nome ” Madame Poitrine” (Sra. Seio), que era usado como título
honorífico em certas famílias francesas muito após o desaparecimento da mo-
-«narquia.

194
HISTÓRIA DO SEIO

Como já dissemos, muitas amas de leite inglesas ganhavam pelo menos


o mesmo que os seus maridos da classe trabalhadora — uma paridade rara
devido ao antigo abismo entre os salários femininos e masculinos. Não pre-
tendo com isto sugerir que o destino da ama de leite comum era invejável:
era provável que a maioria fosse tratada pouco melhor do que as vacas. Se
vivessem na casa do bebé, algumas tinham de tolerar pancada e conceder fa-
vores sexuais, e se levavam os bebés para suas casas, eram sujeitas a paga-
mentos em atraso, ou mesmo ao abandono. Quando as partes do corpo de uma
classe de mulheres menos privilegiadas são compradas pelos membros de
uma classe mais abastada, as hipóteses de exploração são muito grandes.
Vender os seios para finalidades eróticas é uma questão ainda mais pro-
blemática. As mulheres de seios descobertos que vemos no entretenimento
e meios de comunicação, para não falar da pornografia e na prostituição aber-
tas, foram sujeitas a controvérsias e a censuras ao longo da história. Apesar
disso, as mulheres que trocam a visão e o toque dos seus seios por dinheiro
nunca foram em número reduzido. As hetairai da Antiga Grécia, as cortesãs
da Roma Antiga e da Europa do Renascimento; actrizes de renome, amantes
“dereis, e semi-mundanas; as starlets, modelos, e artistas de striptease da nos-
sa época — todas elas aperfeiçoaram e continuam a aperfeiçoar uma arte de
déshabillê que colhe lucros substanciais.
Porém, não sabemos se as mulheres são exploradoras ou exploradas quando
exibem os seios por dinheiro. Estarão a exercer a sua liberdade de opção, ou
a ser atraídas por recompensas económicas irresistíveis? Onde está a linha que
separa o empobrecimento de uma mulher paga para exibir os seios e a vitima-
ção de inúmeras outras mulheres, todas elas vistas como objectos sexuais? Nos
Estados Unidos, onde raramente se vê uma mãe amamentar em público, onde
é ilegal tomar banho em toptess, e onde a simples visão de banhistas europeias
em topless na televisão é censurada, os seios descobertos são ainda mais pre-
ciosos pela sua escassez. Muitos homens pagam para ver seios de mulheres nus
nas empresas comerciais porque não os vêem em mais lado nenhum.
Para ilustrar a história comercial do seio, este capítulo vai centrar-se, em
primeiro lugar, na evolução dos produtos para o colo; e em segundo, na ex-
"posição dos seios nas artes, nos meios de comunicação e entretenimento, in-
cluindo a pornografia.

195
MARILYN YALOM

A TÃO CITADA AFIRMAÇÃO DE CHRISTIAN DIOR de que “não


pode haver moda sem alicerces” faz sentido há setecentos anos. Os alicerces -
(nomeadamente os soutiens, espartilhos e cintas) funcionam como uma “se-
gunda pele” ou um ” segundo esqueleto” com a finalidade de construir a for-
ma preferida da época, lugar e classe de cada um. No início do séc. XIV,
quando as mulheres abandonaram definitivamente as túnicas largas que eram .
usadas por ambos os sexos trocando-as por roupas mais apertadas, a roupa
interior começou a estar na moda. O espartilho rígido e coleante conhecido
por cotte definiu o novo ideal de magreza. As mulheres de busto grande ata-
vam fitas de tecido à volta do peito para conseguirem obter os seios pequenos
em voga na época. As mulheres de seios descaídos cosiam bocados de espu-
ma à parte de cima dos vestidos para elevá-los o máximo possível. Desde en-
tão, os apoios para os seios passaram a ser considerados essenciais para O
guarda-roupa de qualquer senhora de respeito.
Desde essa altura até ao princípio do nosso século, os seios foram apola-
dos principalmente pelos espartilhos. Encontramos referências aos esparti-
lhos em finais da Idade Média, época em que a Casa Real Inglesa refere dois
espartilhos em 1299 debruados a pele, e a Casa Real Francesa refere seis es-
partilhos em 1387 pertencentes à Rainha, mas não há certezas quanto às se-
melhanças entre esses ” espartilhos” iniciais e os que foram criados posterior-
mente. O que quer que as mulheres usavam no peito no início do séc. XIV
elevava-os a novas alturas e tornava-os visíveis acima dos grandes decotes
que passaram a estar na moda. Estas mudanças estilísticas, que realçavam as
diferenças entre os sexos, não passaram despercebidas às autoridades cívicas
e clericais. Na Alemanha, por exemplo, por volta de 1350, o Chronicle de
Limburgo exprimia preocupação por os novos decotes permitirem a visão de
metade do seio, o que apenas podia ter como resultado a lascívia sexual.
Os espartilhos passaram a estar verdadeiramente na moda no séc. XV,
com a invenção do corpete com ou sem atilhos laterais, em Espanha. Esta
estrutura semelhante a uma armadura, que consistia em duas peças unidas de
lado, marcou a entrada da Espanha no mundo da moda da alta sociedade fran-
cesa e inglesa durante o séc. XVI. O corpete, fortalecido por ripas de madeira
e barbas de baleia, ou, por vezes, feitas de couro ou metal, o ” corps” era usa-
o como peça de roupa interior ou, em algumas versões, como peça de roupa

196
HISTÓRIA DO SEIO

exterior. É possível que as versões em metal (que ainda podemos encontrar


em alguns museus) só fossem usadas para fins ortopédicos, mas não há dú-
vida que as mulheres das classes altas se sujeitayam à agonia de serem fe-
chadas em corpetes endurecidos com pasta, couro, madeira e barbas de ba-
leia-Os satíricos ingleses não pouparam essas mulheres que “Encerram o
Peito numa prisão de Barbas de Baleia,” e “reduzem os Seios com tais aper-
tos, que em breve ficam com mau hálito” e se expõem ao risco de ficar tu-
berculosas.*
A versão francesa, alternadamente denominada corset ou corps, era uma
espécie de cinta que se ajustava ao peito por baixo dos seios até abaixo das
costelas e terminava no estômago. Montaigne, sempre atento à vaidade hu-
mana, descreveu a dor que as mulheres aceitavam tolamente e de livre von-
tade ao colocarem o corps. ” Para obter um corpo esbelto, ao estilo espanhol,
que tortura não sofrem elas, de rendas e atilhos apertados, até ficarem com
cortes dos lados, em came viva — sim, acabando às vezes por morrer por
causa disso?”
Na maioria das versões francesas e inglesas, era colocado um osso, uma
vareta de madeira, marfim, chifre ou metal no meio do espartilho, para manter
a rigidez. Foi daí que derivaram as barbas de baleia e estruturas semelhantes
destinadas a servir de apoio à figura que se veio a desenvolver em termos de
espartilhos durante os quatro séculos que se seguiram. As próprias varetas,
feitas por especialistas no ofício e, muitas vezes, adornadas com versos amo-
rosos, transformaram-se em objectos eróticos, tema de poemas de toucador
e gestos públicos. Era considerado uma ousadia puxar a vareta do corpete e
fazer gestos com ele quando se galanteava uma mulher.”
Entre 1500 e meados do séc. XVII, umas vezes era moda entre as mu-
lheres parecer que tinham o peito liso, e outras aumentar o tamanho dos seios.
Quando a moda mandava subir os seios e descobri-los até ao mamilo, isso
constituía sempre um espectáculo importante para um certo olhar masculino.
O poeta e autor de escritos médicos John Hall (nascido em 1529) nunca es-
queceu o que viu em rapaz, durante o reinado de Henrique VIII: ? Que as mu-
lheres exibiam e punham os seios para fora” Thomas Nashe, autor de The
Unfortunate Traveller (1594), ficou nitidamente perturbado com as mulheres
descaradas que faziam o mesmo um século antes: “Os seus seios são uma

197
MARILYN YALOM

armadilha e os seus bicos Rosados expostos com tão pouca modéstia.” E o


autor anónimo de Quippes for Vpstart Newfangled Gentlewomen (1595) con-
denou ” Estes bicos nus” por serem obra do diabo.
Sempre que era moda expor o colo, os homens lançavam-se em agressões
verbais, chegando a exercer ataques-físicos. O rei francês Luís XI (1601-433
— muito diferente do seu mulherengo pai, Henrique IV — não tolerava de-
cotes grandes na corte. Segundo reza a história, um dia cuspiu um bocado :«
de vinho no peito de uma mulher que, na sua opinião, estava exposta de um
modo demasiado generoso.” Durante o reinado do seu filho, Luís XIV (1638-
1715) — que não tinha qualquer questão com o seio feminino — os mamó-
fobos semi-profissionais continuaram a descobrir e denunciar les nudités de
gorge (os pescoços e peitos nus). Hoje em dia, os estudantes franceses riem
em voz alta das palavras proferidas pelo hipócrita Tartufo de Moliêre ao ver
os encantos rechonchudos de Dorine: ”Couvrez ce sein que je ne saurais
voir” (” Cobri esse seio que eu não posso ver”).
Um clérigo flamengo, num panfleto muito desagradável intitulado O Can-
cro oua Exposição do Seio Feminino (1635), tentava estabelecer uma relação
entre o cancro da mama e a exposição do seio. Um panfleto alemão de 1686
alertava os homens susceptíveis para os perigos das “Jovens Damas com os
seus bustos descobertos, uma mecha que incendeia todos os prazeres malig-
nos” (” Des Frauenzimmers blosse Briste / Ein Ziinder aller bôsen Liste” 2.19
O Papa Inocêncio XI, durante o seu reinado de 1676-89, chegou ao ponto de
ameaçar as mulheres de excomunhão se não cobrissem o peito, ombros e bra-
ços com tecidos opacos.
Quando o peito liso era a última moda, as mulheres recorriam a diversos
produtos e receitas congeminadas pelos farmacêuticos para manter os seios
pequenos e firmes. Mas quando os seios maiores ocuparam o seu lugar, como
aconteceu durante o reinado de Carlos I de Inglaterra (que reinou entre 1625-
-49), os vendedores ambulantes tinham outro tipo de loções, pomadas e cre-
mes para fazê-los crescer. Tanto um tratamento como o outro era igualmente
ineficaz.
Este culto do seio como símbolo da moda assumiu novas dimensões co-
merciais por volta de 1670, quando o fabrico de espartilhos se tornou um amo
“distinto da alfaiataria. Os fabricantes de espartilhos estabelecidos em peque-

198
HISTÓRIA DO SEIO

nas lojas por toda a Europa tinham verdadeiramente o monopólio de moldar


o corpo feminino. À acreditar nas gravuras do séc. XVI, onde podemos ver
mulheres de espartilho, os fabricantes destas peças de vestuário aproveitaram
bem a oportunidade de gozar do espectáculo e aumentar os seios das clien-
tes.
As damas da burguesia e da nobreza não dispensavam o espartilho, que
marcava a sua diferença em relação às classes populares. Algumas chegavam
a usar o seu corps de nuit ou corset de nuit levemente apertado na cama. As
mulheres assalariadas e as camponesas não tinham dinheiro para pagar essas
peças de roupa, € mesmo que tivessem, os corpetes impedi-las-iam de traba-
lhar. Estas usavam apenas um corselet (um pequeno espartilho) com atilhos
à frente, e não atrás, e não precisavam da ajuda de uma criada.
A partir de meados do séc. XVIII, surgiu na Europa umá campanha contra
os espartilhos. Sob as bandeiras da ciência e da razão, e no seguimento da
campanha: contra as amas de leite, os médicos de todos os países militaram
contra o espartilho baseando-se no facto de ele deformar o corpo das mulhe-
res. Tal como as pessoas que invectivam hoje contra os efeitos letais do ta-
“baco, os cruzados da saúde no passado atacavam estas peças de roupa per-
niciosas de que as mulheres se recusavam a prescindir. O francês Jacques
Bonnaud conceptualizou o problema numa brochura famosa cujo longo título
engloba toda essa discussão: 4 Degradação da Raça Humana Através do Uso
do Espartilho de Barbas de Baleia: Uma Obra que Demonstra Que Ele É
Contra as Leis da Natureza, Provoca o Decréscimo da População e Abas-
tarda o Homem, Por Assim Dizer, Ão Submeter uma Pessoa À Sua Tortura
Desde os Primeiros Momentos da Existência, Sob o Pretexto de F. ormá-la.*
(Actualmente, não podemos deixar de notar como é inadequada a forma im-
pessoal quando aplicada a uma pessoa do sexo feminino.)
Esses ataques não ficaram sem resposta. Os fabricantes de espartilhos, te-
mendo pelos seus interesses comerciais, e saltaram em defesa do ofício com
o argumento tradicional de que os espartilhos ” formam” o corpo. Um alfaiate
de Lyons, por exemplo, publicou um Ensaio sobre o (uso do) Espartilho de
Barbas de Baleia para Formar e Preservar a Figura das Mulheres Jovens É
Aí, afirmava que as raparigas citadinas que usavam espartilho tinham corpos
melhores do que as raparigas do campo, pois as últimas ficavam com os om-

199
MARILYN YALOM

bros redondos, peito descaído e barriga grande, por não usarem espartilho.
Tratava-se de uma visão oposta à perspectiva médica de que as raparigas do
campo, num estado natural, ficavam com o peito grande e seios redondos e
protuberantes, em comparação com os seios atrofiados das raparigas da ci-
dade e das aristocratas, que se deviam à utilização de espartilhos.
A curto prazo, as mulheres aceitaram as críticas médicas e morais: uma
das primeiras alterações da moda durante a Revolução Francesa foi o exílio
do espartilho. O ponto aito da nova moda foi atingido quando Madams Tal-
lien, mulher de um dos Directores da República, apareceu num baile da Ope-
ra em 1795 com uma túnica de seda sem mangas e sem qualquer peça de
roupa interior.
Em França e Inglaterra esta quase nudez foi muito troçada pelos sátiros
e cartoonistas, embora apenas correspondesse provavelmente à maneira de
vestir de um pequeno número de mulheres. Outro alvo da sátira era a mulher
que aumentava o peito com seios artificiais, como se referia no 7) he Times
de 1799: ” A moda dos seios falsos tem, ao menos, a utilidade de compelir
as nossas beldades da moda a usar alguma coisa.” '*
Passado pouco tempo, o espartilho voltou a aparecer em modelos curtos |
e compridos (figs. 64 e 65). A “cintura Império”, na moda em toda a Europa |
durante o reinado de Napoleão (1804-15), quebrou com todas as convenções |
anteriores elevando a cintura para a área imediatamente abaixo dos seios. Es-
tes tornaram-se, assim, indiscutivelmente o centro das atenções. Com a Res-
tauração da monarquia francesa em 1815 e o triunfo do conservadorismo po- :
lítico em toda a Europa, a cintura voltou a descer para o seu nível normal.
Por volta de 1816, estavam na moda os seios afastados um do outro. O
“Espartilho Divórcio”, inventado e patenteado pelo criador de espartilhos
Leroy, separou os seios por um triângulo de ferro ou aço acolchoado inserido :
na parte da frente do espartilho com a ponta para cima. Essa peça fez furor .
tanto em França como e Inglaterra, embora.os ingleses tenham rapidamente
regressado ao busto unido em prateleira.
Nesta altura, tanto em França como em Inglaterra, os espartilhos ainda es-
tavam fora do alcance da classe trabalhadora. Quando o industrial suíço Jean -
Werly instalou a primeira fábrica de espartilhos em Bar-le-Duc em França,
«passou a haver modelos mais baratos, produzidos em massa. A sua patente |

200
HISTÓRIA DO SEIO

64, Espartilho curto. Início do séc. XIX.


Após um breve período em que os espartilhos foram abandonados, os franceses voltaram a usar
um “mini-espartilho” que só descia até à cintura.

de 1839 de espartilhos feitos em tear introduziu uma forma de modelos de


preço acessível que podiam ser comprados por quase toda a gente.

201
MARILYN YALOM
a

65. James Gillray. Progress of the Toilet — AS VARETAS. Espartilho comprido. Início do séc. :
XIX.
Os ingleses preferiam uma versão mais comprida, que chegava até acima das ancas.

Por volta da década de 1830, os espartilhos começaram a ser anunciados


extensivamente nas revistas de moda europeias em desenhos e aguarelas. Re-
na
- . HISTÓRIA DO SEIO

vistas americanas dispendiosas como a Godey's Lady's Book e a Graham's


foram introduzindo os espartilhos mais lentamente. Os fabricantes america-
nos anunciavam” espartilhos franceses” que eram produzidos em solo nacio-
nal em lugares como Detroit, Michigan; Worcester, Massachussetts; e New
Haven, Connecticut.
Em..meados do séc. XIX, deu-se uma importante inovação na produção
de roupa interior. Os ilhoses começaram a ser reforçados com aros metálicos,
e a borracha indiana e o elástico foram utilizados, a par das barbas de baleia,
para obter a compressão e o suporte desejados. À linha da cintura desceu e
subiu, caiu abaixo da cintura normal por volta de 1840 e voltou a altear-se
em finais da década de 1850 com o aparecimento da crinolina (uma saia in-
terior rígida ou “saia de balão”). A figura exagerada semelhante a uma am-
pulheta tinha de ter a cintura tão apertada, que se chegava a dizer que algumas
mulheres tinham morrido com a pressão. Uma cintura entre 40 e 50 centi-
metros era o ideal, mas a maioria das jovens, orgulhosas dos espartilhos de
que tinham comprado, viam-se provavelmente obrigadas a deixar vários ati-
lhos abertos. Os espartilhos abertos à frente foram introduzidos em Ingla-
terra na década de 1850, e foram substituindo gradualmente o modelo com
atilhos atrás.
Em meados do século, havia mais mulheres do que homens a fabricar es-
partilhos em Inglaterra e em França. O negócio do espartilho francês estava
firmemente implantado nas mãos de proprietárias, gestoras e trabalhadoras,
embora as últimas recebessem salários reduzidos. Na Alemanha, onde os es-
partilhos feitos à máquina foram introduzidos em meados de 1850, os traba-
lhadores continuaram a pertencer predominantemente ao sexo masculino, e
as mulheres limitavam-se a lavar e passar a ferro os produtos na fábrica, ou
a trabalhar em casa sem qualquer organização.
A indústria de espartilhos inglesa passou a constituir uma enorme preo-
cupação cujas ordens eram ditadas pelo Continente, pelos Estados Unidos e
pelo território nacional. A historiadora da moda Rosemary Hawthorne, que
coleccionou peças de roupa interior britânicas e escreveu com dedicação
acerca delas, descreve um espartilho seu de 1860-70 “ feito de cetim mate de-
bruado a algodão,” ” com um desenho de pequenos pespontos elaborados,”
e com “cento e quatro atilhos revestidos e vinte barbas de baleia.” O seu

203
MARILYN YALOM
-A

magnífico trabalho era resultado de uma ” linhagem impecável” de vários sé-


culos.!º
Também os franceses recordam a história dos seus espartilhos com orgulho -
nacional. Apontam para uma variedade surpreendente de modelos especializa-
dos numa vasta gama de tecidos e cores. Uma especialista em espartilhos fran-
cesa da viragem do século chamada Violete estabeleceu o seguinte percurso:
por volta dos dez anos, uma rapariga põe o primeiro soutien — um ligeiro cor-
pete que chega até à cintura. Aos dezoito, ao debutar, veste um espartilho de '
cambraia de varetas macias. Quando casa, é altura de usar o “espartilho nup-
cial”, de varetas muito firmes. À avaliar pelos anúncios, uma francesa não tinha
mais que fazer senão passar o tempo a mudar de espartilhos de jazer para es-
partilhos de noite, espartilhos de gravidez, espartilhos de aleitamento e espar-
tilhos para montar a cavalo, tomar banho e andar de bicicleta. As bailarimas
eram obrigadas a ter os seios imobilizados por barbas de baleia apertadas, que
permitiam a criação de grandes decotes nas costas. E para as menos afortuna-
das, havia sempre o espartilho ortopédico. No final do século, a indústria de
espartilhos francesa estava no auge em termos comerciais.
E, para não serem ultrapassados pelos seus vizinhos franceses, os fabri-
cantes alemães criaram “o espartilho certo para todas as ocasiões,” onde se
incluíam espartilhos medicinais e de gravidez, com aberturas fáceis, esparti-
lhos de desporto e de banho, espartilhos para gordas e magras, para velhas
e novas — incluindo raparigas de idades entre os sete e os doze. ” Só existem
algumas mulheres,” salientou um escritor alemão em 1882, ” que não neces-
sitam a longo prazo de um Skitzbrust (espartilho ou, literalmente, suporta-
seios)”
Os seios falsos ou ”aperfeiçoadores do busto” eram comuns nesta época.
Os modelos ingleses, feitos de estruturas de fio metálico ou celulóide flexível
em forma de taça, ou bocados de pano com bolsas circulares onde se podia
introduzir um bocado de espuma, prometiam ” dar contornos às que são de-
masiado magras.” '8 Os seios falsos franceses eram feitos de peau de cha-
mois, cetim acolchoado ou, mais frequentemente, de borracha. Os "bust
pads” americanos podiam ser comprados em lojas exclusivas ou encomen-
dados pelo catálogo Sears, Roebuck (fig. 66).
Para as que não queriam que o busto desaparecesse quando tirassem os,

204
HISTÓRIA DO SEIO

66. "Bust Pads". Sears.


Roebuck & Co.
Catálogue. 1397.
Pela módica quantia de
25 centavos o par, po-
diam comprar-se selos
falsos para aumentar o
peito.

espartilhos, havia inúmeros tratamento para aumentar os seios. Um “ Curso


Caseiro para Embelezar os Seios”, que custava dez dólares, prometia às mu-
lheres de peito liso que poderiam trocar as roupas de decote alto pelo decote
mais revelador. Mas um dos dispositivos mais estranhos para aumentar os
seios era certamente o ” Bust Developer” — um programa tripartido que in-
cluía um frasco de creme outro de loção e um objecto metálico semelhante
a um êmbolo de casa-de-banho (fig. 67). O bust developer exa feito de níquel
e alumínio, e existia em dois tamanhos, o de dez e o de doze centímetros de
diâmetro.
Os jornais franceses publicavam continuamente anúncios de loções mi-
raculosas destinadas a ” fazer aumentar ou manter um peito opulento.”

NINGUÉM SE QUEIXA QUE A MULHER É DEMASIADO BELA!!!


Porém, é esse o caso das pessoas que usam demasiado. LEITE
MAMILLA. Para as imprudentes cujo peito ficar demasiado grande,
sugerimos que misture um pouco de água ao LEITE MAMILLA.

AS VIRTUDES DA ALBATRINA CIRCASSIANA. A Albatrina man-


tém a firmeza dos seios, ao mesmo tempo que lhes confere uma bran-
cura de alabastro A Albatrina permite pôr de lado o espartilho, cuja
utilização, sempre nefasta, pode ser prejudicial à saúde."

O segundo anúncio tanta tira partido da revolta contra o espartilho, que


era cada vez criticado dos dois lados do Atlântico. Tanto homens como mu-
lheres, médicos como leigos, começaram a insurgir-se contra os espartilhos,

205
MARILYN YALOM

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67. The Princess Bust Developer. Catálogo da Sears, Roebuck & Co. 1897.
O Bust Developer prometia tornar o busto “redondo, firme e belo.”
que tinham um efeito deformante sobre o corpo das mulheres. Médicos fran-
ceses, ingleses e americanos acusaram o espartilho de ser responsável por di-
ficultar a respiração, deformar as costelas, comprimir os órgãos abdominais .
20
e provocar uma ” decadência física” geral na mulher.
Uma série de palestras proferidas em Boston durante a Primavera de 1874
apresentavam cinco oradoras, quatro das quais eram médicas, todas apaixo-
nadamente dedicadas à reforma do vestuário. Mary J. Safford-Blake, M.D.,
denunciou as “espessuras entre seis e dez” das roupas que envolviam habi-
tualmente o tronco feminino, com uma invectiva especial dirigida à “prisão
imutável” do espartilho.”! Caroline E. Hastings, M.D., responsabilizou o es-
partilho pela deterioração dos músculos torácicos, de forma que uma rapariga
de dezasseis ou dezoito anos que tenha usado “este aparelho de tortura hu-
mana” desde a infância julgar não poder viver sem ele. Mercy B. Jackson,
M.D., considerou os efeitos deletérios dos espartilhos ainda ” mais fatais” nas
mulheres ocidentais do que a deformação dos pés das chinesas.
HISTÓRIA DO SEIO

Arvilla B. Haynes, M.D., forneceu este conselho sensato: ” O espartilho


deve ser posto de lado; mas caso tenha necessidade de usá-lo, deve ser feito
sem barbas de baleia nem aros de aço, e deve ser sustentado por uma fita por
cima do ombro. Não deve haver nada que interfira com a acção dos músculos
abdominais e do diafragma.”
“À última oradora da série, a professora e ensaísta Abba Goold Woolson,
ampliou as críticas em termos de saúde, transformando-as num manifesto po-
lítico que prefigura a grande onda de feminismo americano um século mais
tarde. Falou da nova mulher “formada, empreendedora, ambiciosa” que foi
“feita para trabalhar, para ser vista, mas também para gozar a vida; vivendo
não apenas para os outros, mas para si, e tanto mais útil quanto mais fiel às
suas necessidades.” Ela articulou uma doutrina existencial que muitos ainda
encaram como radical: “Eu existo não como esposa, não como mãe, não
como professora, mas em primeiro lugar como mulher, com direito a existir
por aquilo que sou.” E entre as novas reivindicações femininas estava o di-
reito de se sentir ” forte e confortável e feliz” na sua roupa. Infelizmente, esta
doutrina não foi aceite pela grande maioria das mulheres americanas.
A forma ideal da mulher americana flutuou significativamente durante o
séc. XIX. Antes da Guerra Civil, estava na moda o modelo de tipo frágil e
gracioso. Depois da Guerra Civil, foi o modelo volupiuoso « e roliço, e, na úl-
tima década do século, o tipo atlético e de aspecto natural. 2 Os catálogos da
Sears, Roebuck da década de 1890 apresentavam espartilhos-para todas essas
figuras num mínimo de vinte modelos diferentes (fig. 68). No modelo mais
popular, o Dr. Warner's Health Corset, com alças nos ombros e uma estrutura
ligeiramente endurecida, vendeu mais de seis milhões de unidades em dezas-
sete anos.
No séc. XIX, os espartilhos estavam por todo o lado, não apenas no corpo
de mulheres e raparigas, ou nas prateleiras dos armazéns e lojas de roupa in-
terior, ou representados em catálogos e revistas. Estavam nas fantasias dos
poetas e amantes, e na língua dos oradores e reformadores. Os últimos viam
no espartilho um símbolo de tudo o que estava mal no mundo moderno, e
alguns tentaram legislar a sua extinção propondo um novo imposto especial
sobre os espartilhos.
O economista americano Thorstein Veblen, na sua Theory ofthe Leisure

207
* MARILYN YALOM
A

Class, atacou o espartilho por tornar as mulheres fracas e inaptas para o tra- |
balho, e cada vez mais dependentes dos maridos, que consideravam as suas
frágeis esposas símbolos de prosperidade. Nas palavras de Veblen: ” Na teo-
ria económica, o espartilho é substancialmente uma mutilação, sofrida com
o propósito de baixar a vitalidade da pessoa que o usa e torná-la permanente
e evidentemente inapta para o trabalho,” motivos que contribuíam para “o
cs »23
seu visível encarecimento.””” Estava na altura de o espartilho desaparecer.

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ennnocesatuas. a. essere «OC
ne Edi No. 23659.
68. Catálogo da Sears & Roebuck. 1897.
Os espartilhos padronizados para adultos correspondiam a tamanhos de seios entre 46 e 76 cm,
pesavam cerca de meio quilo, custavam entre quarenta cêntimos e um dólar, e eram geralmente
feitos de um algodão sarjado conhecido por “jean”. Também havia modelos especiais para ra-
parigas de oito anos.
HISTÓRIA DO SEIO

A transição do espartilho para o soutien ocorrida nas primeiras décadas


do séc. XX constituiu uma importante mudança para as mulheres. Pela pri-
meira vez, uma peça de roupa era desenhada exclusivamente para os seios.
À partir de então, estes deixariam de ser apoiados pelo espartilho, que os ele-
vava, passando a ser sustentados por alças que passavam por cima dos om-
bros, elevando-os.
Um grande armazém francês que anunciava a sua colecção de espartilhos
de 1889-90 introduziu o soutien-gorge (literalmente, ” suporte do pescoço”)
para designar aquilo a que chamaríamos hoje um soutien, ou pelo menos o
seu antepassado (fig. 69). Por volta de 1907, um soutien de aspecto verda-
deiramente modemo, feito de cambraia sem varetas nem barbas de baleia, e
que devia o seu efeito de elevação a um corte especial, estava a ser vendido
sob a designação de “novo soutien-gorge de Mme Seurre.”
O primeiro soutien americano patenteado foi o resultado do acaso de uma
debutante de Nova Torque, Mary Phelps Jacobs. Enquanto se vestia para um
baile, abandonou o pesado espartilho de noite que tinha à frente e, com o au-

69. Comptoir des corsets na Galerie


. Rivoli, Paris.
=, — O primeiro soutien-gorge (bras-
siêre) só era considerado adequado
para ser usado em casa com roupas

informais. Este modelo, que “não


interferia na cintura,” estava dis-
, ponível em cor-de-rosa, azul e
O $ pano-cru.

SOUTIEN-GORGE
(brovelé), rose, ciel ou écru,
ne touchant pas la tailie,
indispensable pur robes
dintérieur, et repos.
41.75
Kous dommer lo conlour do la
poilrino eu passant sous les bras.

209
MARILYN YALOM

xítio da sua criada francesa, adaptou ao peito dois lenços e uma fita cor-de-
-rosa. A seguir, fez algumas cópias para as amigas, e registou a patente em
1914 sob o nome de Caresse Crosby, denominando-o ” soutien Sem Costas”
A patente foi posteriormente avaliada em quinze milhões.
Levou algum tempo até o termo “brassiére” suplantar todos os outros ter-
mos. À revista Vogue utilizou-a pela primeira vez em 1907, e o Oxford En-
glish Dictionary em 1912. Os franceses utilizavam alternadamente brassiêre
e soutien-gorge. Estes primeiros soutiens eram muito graciosos e sustenta-
vam pouco os seios. Como prisioneiros recentemente libertados da prisão, os
seios sofreram um período de liberdade e indecisão antes de encontrarem su-
porte num soutien verdadeiramente funcional.
Durante o período que abrangeu a Primeira Grande Guerra, o tipo de es-
partilhos e soutiens disponíveis era muito variado. Em 1912, os franceses co-
meçavam a dar sinais de favorecer o peito liso que.viria a estar na moda de-
pois da guerra. Um anúncio no programa dos Ballets Russos de 1912
mostrava uma imagem do “soutien Redutor Junon” pequeno, elástico e sem
alças, feito para reduzir o peito (fig. 70). Os alemães, por seu turno, estavam
70. O soutien Redutor
Junon. Do programa
dos Ballets Russos.
1912.
O soutien Redutor
Junon prefigura a
moda do pós-guerra,
de peito liso. Na
legenda pode ler-se:
“A moda actual re-
quer muito pouco
peito. O soutien RE-
DUTOR JUNON é
indispensável para
mulheres de peito
grande. Ele “en
volve” o peito na
perfeição, reduz-
cem indo-o às proporções
exactas”

mario.

210
HISTÓRIA DO SEIO

decididos a resistir aos modos nefastos dos franceses e a perpetuar os seios


amplos criados pelos espartilhos fortes. Um anúncio alemão de 1914 publi-
cado no Leipziger Zeitung pouco depois da eclosão da Primeira Grande Guer-
ra criticava a roupa interior parisiense por ser Undeuisch und gefãhriich (a-
germânica e perigosa”). Em vez disso, promovia o soutien Thalpsia Echt
Deutsch (" Verdadeiramente Alemão”) que proporcionava um apoio com a
firmeza de uma armadura e fechos até à cintura.24 Na moda, como na guerra,
os franceses estariam destinados a ganhar.
Os anos 20 representam uma das anomalias históricas que as mulheres
procuraram para reduzir o peito. As raparigas tentavam obter figuras lisas que
permitissem aos seus longos colares de pérolas cair numa linha perfeita sobre
os vestidos semelhantes a túnicas. A indústria respondeu com soutiens em
forma de banda que espalmavam os seios, fazendo-os desaparecer numa si-
lhueta arrapazada. As raparigas começaram a usar soutien cada vez mais tar-
de, e algumas mulheres chegaram mesmo a prescindir deles. Os tecidos leves
como o tule e o chifon estavam na moda; esta tendência afastava-se muito
do ar pesadamente acolchoado preferido pelas coquettes de fin-de-siêcle e
matronas eduardianas. O rayon, criado por volta de 1900, começou a ser usa-
do com cada vez mais frequência na produção de lingerie menos dispendiosa.
Pela primeira vez, as mulheres de recursos timitados podiam ter um aspecto
luxuoso usando soutiens de rayon semelhante a à seda ou ao cetim. A ênfase
recaía sobre à simplicidade; liberdade e abandono estilizado, como podemos
ver num anúncio de 1928 onde está representada uma mulher com uma peça
de roupa interior tubular a atirar fora alegremente o antigo soutien, a cinta,
os calções e as cuecas (fig. 71).
No entanto, nem todas as mulheres queriam ficar semelhantes aos ra-
pazes. Duas jovens, Ida Rosenthal e Enid Bissett, que eram sócias numa
empresa de vestuário nova-iorquina achavam o ar liso pouco atraente e
completamente desconfortável. Em vez disso, no início dos anos 20, intro-
duziram por dentro dos vestidos uma peça de roupa interior que salientava
os contornos mais naturais do busto. As clientes em breve voltaram a pedir
soutiens separados, e por volta de 1925 as duas sócias só fabricavam e a
vendiam soutiens. Com o auxílio do marido de Ida, William Rosenthal, em
1926 pediram a patente de um soutien ” que apoiasse o busto numa posição

211
UST ENOUGH—NO MORE! Nov
Iung into Fasbivo'a discard aro «ll excess
dertlioga-—aloug with the perticoar, high boot
ai) Use busto. To be drcased smartly today — one
wear ltss— just nough-—no more. À dress and
Seanties — that's alt! Boxe litele is talica to bamish
all bulges) Bur ane pair of shoulder atrups, À

the wastirub like a pairof shecr stachinga. Every


smart woman should have st least one Scantics
in hoc wardrobe,... Haven't you ofica mrishado
appear your churminy self uid yet veil all vo áubelp
cita in Seuics, this new luçurious frevelim,
Vida yrassiere py
tameams 204 Fui Avgnue, Ness Yahoo
Lorasar Brnssisva Mannfuarmeerix tha Wah

THE SUANTUÊS Mastratnl (e style 157, faahinaa of ah juri aaml


ammoes
Sabia Exquinitedy posctical-Spucially pricad a( 87-50
SCANTIESa pink white, each ot black ese mow (cm nada da Cho br
Vire abrqua time of a] aloe 1h amb ha py ida trt e rs HÁ ta ÉS
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HDD"[["["[[[][]["—-———
SCANTIES A SCANT EICHT-OUNCE FIGURE-MOULDING GARMENT combisins
io BRASSIERE..tho VEST..ho GIRDLE..do PANTIES.....ALL-IN-ONEI

71. Anúncio da Scanties. 1928.


Este* "modelo reduzido de 200 gramas combinando o soutien, o vestido, a cinta e as cuecas”
prometiam "banir todas as protuberâncias” e reduzir a roupa interior a “Uma única peça de seda
diminuta.”

212
HISTÓRIA DO SEIO

natural.” Foi assim que começou a Maiden Form Brassiére Company.”


As mulheres dos anos 30 adoptaram a fórmula simples que víria a acom-
panhar-nos até ao fim do século: cuecas e soutien. (Nesta época, o termo
“bra” tornara-se comum, em vez de ”brassiêre” ) Cuecas altas e cuecas pe-
quenas, cintas e cintos de ligas, espartilhos e ” combinações” rivalizavam nas
prateleiras dos grandes armazéns, mas O soutien e as cuecas transformaram-
-se em peças principais do guarda-roupa de qualquer mulher. Os novos sou-
tiens eram cada vez mais funcionais, especialmente após a invenção do Las-
tex, o fio que “esticava nos dois sentidos.” A Wamer's — que comprara o
design de Mary Jacob por mil e quinhentos dólares — era um dos primeiros
fabricantes a popularizar os soutiens de elástico, e em 1935 também criou o
sistema das copas de tamanhos variáveis, de A a D, que passaram a constituir
o modelo de tamanhos de soutiens em todo o mundo.
Em 1938, Du Pont anunciou a descoberta do nylon — uma fibra sintética
que viria a revolucionar de novo a indústria da moda. As meias e a roupa in-
terior de nylon já estavam no mercado em 1939, mas dois anos mais tarde,
quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial, o nylon foi
mobilizado para o esforço da guerra. As mulheres viriam a ter de esperar até
ao fim da guerra pelos seus soutiens de nylon.
A guerra representou um grande golpe para a indústria da roupa interior.
Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, muitas fábricas passaram a ser uti-
. lizadas no fabrico de materiais para as forças armadas. A seda e o nylon ser-
viam para fazer pára-quedas. Os algodões, panos finos, cetins, redese rendas
eram em quantidade reduzida. O ao e a borracha eram muito escassos.
A Maiden Form continuou a fabricar os seus últimos modelos com outros
tecidos, ao mesmo tempo que se concentrava em produtos para as forças ar-
madas, incluindo casacos para os pombos correio! A empresa continuou a pu-
blicar uma grande quantidade de anúncios, mesmo quando a produção de
soutiens era incerta, como no seguinte anúncio do Ladies" Home Journal de
Março de 1944: ” A produção limitada pela guerra torna soutiens Maiden
Form escassos, mas os vendedores recebem abastecimentos regulares, por
isso, se não encontrar o seu modelo à primeira, não desista.” Os soutiens sé-
rios em cores patrióticas passaram a ser a última moda.
Em Inglaterra, as empresas de lingerie tentaram manter-se apesar das ca-

213
MARILYN YALOM

rências e racionamentos. A Berlei produziu uma série de anúncios atraentes”


para lembrar aos clientes que existia, e para chamar a atenção para os seus
esforços em prol da guerra. Cartazes de mulheres em roupa interior foram en-
viados aos soldados para elevar o moral.
Quando a guerra chegou ao fim, as empresas americanas estavam prontas
para lançar uma nova linha de roupa interior feita com a seda, o rayon e o
nylon dos pára-quedas que passaram a estar rapidamente ao alcance de todos.
Foram utilizadas novas técnicas para coser as copas dos soutiens em forma
de cone. Esses soutiens “torpedo” tornavam os seios semelhantes a projécteis
prontos a serem lançados. O soutien Chansoneite da Maiden Form, que foi
introduzido em 1949 e suplantou rapidamente o ” soutien bala”, viria a tor-
nar-se o modelo mais popular da marca, chegando a vender quase noventa
milhões de exemplares em mais de cem países durante os trinta anos seguin-
tes. Ag mulheres de seios pequenos procuravam soutiens acolchoados e ou-
tros recursos para obter um busto maior. O autor de 4 higiene dos Seios sa-
lientava em 1948 que toda a gente queria ” seguir a regra de Hollywood que
exige que a medida do busto seja uma polegada acima da medida das ancas”
— uma exigência impossível para a maior parte das mulheres, mesmo com
a ajuda de soutiens especificamente desenhados.?* A acreditarmos na autora
cómica Nora Ephron, nem as crianças estavam imunes: num artigo célebre
sobre a sua vida quando era uma rapariga de onze anos e de peito liso na dé-
cada-de 50, ela recorda como comprou um Mark Eden Bust Developer, um
soutien para adolescentes de tamanho 28AA, e três soutiens acolchoados em
três tamanhos diferentes, que davam “numa semana seios bonitos mas não
demasiado indiscretos, na outra seios de tamanho médio ligeiramente pon-
tiagudos, e na semana seguinte mamas, autênticas mamas.” 27
Nos anos imediatamente a seguir ao pós-guerra, as empresas inglesas e
francesas demoraram mais tempo a voltar à produção total do que o seu alia-
do americano. Porém, em 1947, os franceses tinham introduzido o Novo Vi-
sual, com a sua figura de ampulheta, cintura de vespa e busto completamente
realçado — uma silhueta que viria a dominar a moda ocidental durante a
maior parte da década de 1950.
Surgiram novas possibilidades publicitárias nos meios de comunicação.
Em 1949, a Maiden Form publicou os primeiros anúncios lendários de ” So-
HISTÓRIA DO SEIO

nho” com a fotografia de uma mulher de soutien de cetim e as palavras ” So-


nhei que tinha ido às compras com o meu soutien Maiden Form.” Esta cam-
panha durou mais de vinte anos, e viria a ser parodiada em cartoons, cartões
de parabéns e outros tipos de expressão da cultura popular americana. Um
Harvard Lampoon de 1961, por exemplo, parodiou os anúncios do Sonho
Maidenform utilizando a figura de uma senhora de chapéu, luvas, sapatos,
saia e nada mais além do soutien, a ser levada para a prisão por dois polícias
furiosos. Na legenda, podia ler-se: ” Sonhei que era presa por exibicionismo
no meu soutien Maidenform.” Os anúncios do Sonho falavam de uma cultura
americana à beira da revolução sexual. Os seios ainda eram cuidadosamente
cobertos e envolvidos, mas o próprio facto de as mulheres aparecerem de sou-
tien num grande número de locais públicos aproximava da realidade a fan-
tasia da liberdade sexual (fig. 72).
Quando a rádio de antes da guerra deu origem à televisão do pós-guerra,
os soutiens começaram a aparecer no ecrã televisivo. Em 1955, a Playtex foi
a primeira marca a anunciar soutiens e cintas na televisão americana, e em
1957, seguiu-se a Berlei na Grã-Bretanha. Havia cada vez mais revistas fe-
mininas como a Vogue, Vanity Fair, Harper's Bazaar, Cosmopolitan, Ladie-
sº Home Journal, Seventeen, e Mademoiselle, destinadas a mulheres de todas
as idades e níveis de rendimentos. As raparigas eram identificadas como um
mercado aparte que devia ser atraído pelos ” soutiens para adolescentes” e
pelo estilo juvenil. Eram os anos de ouro marcados pelo excedente de capita]
do pós-guerra e pelos seios embalados.
No início dos anos 60, os soutiens começaram a afastar-se das formas ri-
gidas dos anos 50. O Stretch-bra elástico da Wamer”s de 1963 constituiu uma
verdadeira inovação, rapidamente imitada por outros fabricantes. Rudi Gem-
reich, mais conhecido pela invenção do fato-de-banho topless designado
“nora bra” em 1965, que sustentava o peito apesar do efeito transparente que
dava a impressão que a mulher não trazia nada por baixo da roupa.
A revolução sexual de finais dos anos 60 e início dos anos 70 pôs de lado
O soutien, que passou a ser considerado opressivo. As feministas acusaram
os designers de lingerie de acomodarem os seios de acordo com a vontade
dos homens — e não das mulheres. Perguntavam porque é que as mulheres
eram obrigadas a assumir as fantasias masculinas de seios como torpedos, em

215
MARILYN YALOM

72. Anúncio da Maidenform, 1962. "Sonhei que pegava o touro pelos comos no meu soutien Maiden-
form”
De mão enluvada apoiada no chifre fático do touro, a mulher que vestia um soutien Maidenform
exalava insinuações sexuais.

vez de usarem soutiens confortáveis próprios para um ser vivo. Em resposta


ao novo ideal unissexo, os fabricantes criaram soutiens tão leves e discretos
quanto possível. O Invisible bra da Warner's de 1969 surgiu em resposta à
vontade política de abolir o soutien.
O novo visual era distintamente andrógino — muito distante dos dois
pontos altos que constituíram os anos 40 e 50. A forma arrapazada popula-
rizada por modelos como Twiggy em Inglaterra e Penelope Tree na América
exigia apenas um mínimo de roupa interior — ou seja, que a mulher fosse
Fu

216
h
HISTÓRIA DO SEIO

magra e de peito liso, para começar. Embora esses modelos não fossem, de
modo nenhum, políticos, associaram-se francamente às mulheres feministas
na popularização do visual assexuado.
Tal como os anos 20, a década de 60 foi uma altura de mudança para as
mulheres. As mulheres “modernas” dos anos 20 tiveram de cortar o cabelo
curto, reduziram os seios e constituíram a percentagem mais elevada de mu-
lheres com empregos académicos da história dos Estados Unidos. As suas
congéneres dos anos 60 eram parecidas com as avós não só no desejo de pa-
recerem “arrapazadas” mas também na sua aspiração de maior liberdade so-
cial e política.O seu desejo de ” queimar o soutien” tornou-se um grito sim-
bólico para banir todas as formas de opressão extema. Mesmo as mulheres
que rejeitavam a palavra ” feminista” viriam, a seu tempo, a gozar os bene-
fícios da libertação feminina.
A contrapartida francesa do fenómeno de ” queima de soutiens” na Amé-
rica foi a abolição da parte de cima do fato-de-banho. Embora algumas pio-
neiras já fizessem topless nas praias de Saint-Tropez desde o início da década
de 60, sóno final da década é que este fenómeno se transformou numa prática
corrente. No seguimento dos “acontecimentos” do Maio de 68, quando os
estudantes e trabalhadores franceses encenaram uma pequena revolução po-
lítica, a França inteira sofreu sublevações dramáticas. Para as mulheres, o de-
sejo de obter uma nova medida de igualdade em relação aos homens e exercer
a autonomia sobre os seus corpos cômeçõu tom a abólição da parte de cima
dos fatos-de-banho. Numa nação eternamente dividida entre esquerda e di-
reita, os seios descobertos sofreram uma vitória surpreendentemente fácil:
um: quarto de século mais tarde, nas praias de França, Itália e Espanha, as
mulheres apanham banhos de sol em topless sem se preocupar muito com as
pessoas que podem achar o espectáculo provocador — ou com os perigos da
camada do ozono sobre a sua pele nua. Todos os anos, na Primavera, os em-
presários europeus desencadeiam uma gigantesca campanha publicitária para
vender cremes especiais, bronzeadores e sessões de. bronzeamento para pro-
teger e embelezar os seios das mulheres.
Em finais dos anos 70, foi descoberto outro mercado, o da roupa interior
para as atletas, inicialmente inspirado pela mania do jogging que se tinha aba-
tido sobre a América. As corredoras exigiam roupa interior que “resistissem

217
“MARILYN YALOM

o percurso.” ?? Em 1977, duas entusiastas da corrida coseram duas coquilhas


de desporto e criaram o protótipo do Jogbra. A comparação dos seios com
duas bolas — ou seja, a apropriação feminina de um símbolo comum de vi-
rilidade — fez muita gente ficar bastante indisposta. Muito em breve, os sou-
tiens de desporto com “ controlo de movimento” passaram a ser uma subça-
tegoria da indústria de roupa interior.
Entre o fim da década de 70 e meados da década de 80, as formas mais
tradicionais de lingerie foram regressando lentamente ao mercado. A Victo-
ria's Secret, com a sua roupa interior sexy e acessível às massas, abriu as pri-
meiras lojas em 1982, e expandiu-se em flecha pelos centros comerciais da
América. Outros fabricantes desenvolveram novos modelos de soutiens alta-
mente femininos numa vasta gama de modelos em algodão, rendas, cetim,
nylon e Lycra que rivalizavam com a velha indústria de soutiens.
Em Dezembro de 1988, o Wall Street Journal anunciou que ” Os Seios
voltaram em grande forma.” “og artigo salientava a peça básica do momento:
o push-up bra, com as suas vendas de muitos milhões de dólares. O jornal
dava conta dos novos tratamentos cosméticos para o busto, e da procura cres-
cente de super-modelos de seios mais desenvolvidos. Embora o artigo levan-
tasse algumas questões psicológicas e, inclusivamente, políticas interessantes
(a tendência dos seios grandes poderia ser associada ao conservadorismo
masculino surgido na era Reagan?), o Journal timitava-se à evidência econó-
mica: os seios não estavam apenas outra vez na moda, eles eram altamente
lucrativos.
A revista Self do mesmo mês trazia um artigo intitulado ” Frenesi Mamá-
rio: À Nova Obsessão Americana que Equivale a um Negócio de $300 Mi-
lhões LO negócio específico em causa era a cirurgia de aumento dos seios.
Com a nova ênfase nas figuras roliças, após duas décadas em que a magreza
esteve na moda, alguns modelos que de peito tiso exibiam agora bustos mais
proeminentes. O fim dos anos 80 foi o apogeu do que a Self designou “as
novas Amazonas,” com os seus “seios surpreendentemente firmes, redondos,
perfeitos.” Uma psicóloga feminina referiu-se aos implantes mamários como
“símbolo de estatuto,” sugerindo que uma mulher pode comprar um corpo
perfeito, ” do mesmo modo que pode comprar o que quiser.” A crença ame-
ricana na perfectibilidade comercializável tinha chegado ao seio.

218
HISTÓRIA DO SEIO

Outros observadores subscreveram esta posição, insistindo que a mania


dos seios reflectia o novo poder administrativo das mulheres e não era mo-
tivado pelos homens, tal como acontecera no passado. Outros ainda, como a
feminista Susan Brownmiller, discordavam desta opinião: A fixação no seio
era parte de um recuo em oposição às mulheres. Ela ia mandá-las a elas e
aos seus seios aumentados para for a dos locais de trabalho e de volta para
o espaço doméstico, como acontecera nos anos 50. Nem a suspeição de um
possível perigo abrandou o fluxo de implantes mamários. Após 1988, seriam
precisos mais seis anos para a Food and Drug Administration pôr termo aos
seios de silicone.
Mas nada impediu a indústria da moda de promover os soutiens agressi-
vos. Em 1992, as revistas femininas estavam claramente na ofensiva para
vender o seio sexy. Os soutiens que uniam os seios estavam “Na Crista da
Onda” da nova feminilidade (editorial da Vogue, Janeiro de 1992). O recado
para as mulheres era o seguinte: ” Não seja tímida — é a moda! e vai querer
mostrar o peito!” (”O soutien Feito para se Ver!;” Cosmopolitan, Fevereiro
de 1992). Ao fim de duas décadas sem ligar aos seios, deixara de ser visto
como mau gosto exibi-los ostensivamente. Agora, esperava-se que os ho-
mens conseguissem trabalhar ao lado de mulheres de seios copiosos. Agora,
as mulheres não deviam ser obrigadas a cobrir os seios por recearem ser alvo
dos ciúmes das outras mulheres. Em 1994, os soutiens tinham-se transforma-
do numa indústria americana de três mil milhões de dólares.
Esse ano viria a marcar um dos episódios mais proclamados da história
da roupa interior — a invasão do Wonderbra. Criado trinta anos antes, o
Wonderbra permaneceu na obscuridade até 1991, altura em que os super-mo-
delos começaram a exibir-se nas sessões fotográficas em Nova lorque em
Wonderbras comprados em Londres. Quando a empresa americana Sara Lee
Intimates passou a representar a Wonderbra, lançou-se agressivamente no ne-
gócio, com dez milhões de dólares de publicidade e uma campanha de vendas
cuidadosamente orquestrada em lojas por todo o país.
Em Maio de 1994, quando o soutien começou a ser vendido em Nova lor-
que, venderam-se três mil exemplares em dez dias. Nos Estados Unidos, as
fábricas trabalhavam dia e noite para tentar ir ao encontro da procura. Em
Agosto, quando o Wonderbra invadiu São Francisco, os decotes atingiram

219
MARILYN YALOM

níveis inéditos de procura. Fora da Macy's, as trombetas anunciaram a sua


chegada, e tenores de ópera cantaram em seu louvor. O Wonderbra foi dis-
tribuído na Macy 's numa carruagem cheia de majoreites, e no Emporium num
carro blindado. Em ambas as lojas, as pessoas faziam fila antes das portas
abrirem. Os compradores que apareciam depois dos stocks acabarem, rece-
biam senhas para outro dia. “Não me lembro de nenhum produto que tenha
provocado tamanha agitação,” afirmou o gerente do Emporium.
No encalço do fenómeno Wonderbra, outras empresas de lingerie apres-
saram a produção das novas versões, mas a surpresa da colecção de Outono
Paris 1994 foi o regresso do espartilho. O Harper's Bazaar (Outubro de
1994) publicou o ” Couture Curves & Corsets” inserido numa série de artigos
que indicavam ao público como “ Vestir-se Como uma Mulher.” No interior
da revista, ficávamos a saber que os espartilhos tinham regressado às passe-
relles parisienses após uma ausência de quarenta anos. Quando indagada so-
bre que lugar podiam ter os espartilhos nos anos 90, após três décadas de Ii-
bertação feminina, a estilista Donna Karan retorquiu: ” Há sempre uma altura
em que uma parte do corpo é realçada — e agora é a vez do busto.”
O espartilho comprido que afluiu rapidamente aos grandes armazéns pos-
sui as vantagens de ter varetas de plástico e um design aerodinâmico, e é in-
dubitavelmente mais confortável do que os dos séculos anteriores. Porém,
não se pode dizer que o “novo espartilho” é adequado para uso comum; na
melhor das hipóteses, pode animar um encontro sexual de uma noite, e ser
atirado para a gaveta com outras peças de roupa postas de lado. O encanto
do espartilho e do push-up bra continua a provocar um debate aceso — e ven-
das colossais — quando avançamos para a viragem do milénio.
De momento, o visual arrapazado está out e o decote está in. O exemplar
da moda da Primavera de 1995 da New York Times Magazine (parte 2) sa-
lientava, quase com tristeza, que “ Os aficionados da moda já estão habitua-
dos ao regresso do peito, visto que os seios grandes têm estado na moda há
várias estações.” Se é que o seio proeminente tem alguma relação com a po-
lítica nacional, é provável que os americanos estejam a colher os duvidosos
benefícios da sua mudança conservadora para a direita e do seu recuo em re-
lação às mulheres. É possível que a ênfase actual em relação aos seios cous-
titua-uma tentativa inconsciente de ressuscitar o seio maternal doméstico dos
atra

HISTÓRIA DO SEIO

anos 50. É provável que tenhamos de esperar mais uma década até voltar a
aparecer a figura andrógina tão popular nos “Hibertados anos 20” e nos libe-
rais anos 60. Com o ciclo de peitos lisos a surgir de quarenta em quarenta
anos, segundo a nossa amostra de dois ciclos no séc. XX, devemos contar
com um regresso ao andrógino por volta do ano 2000. Atenção, fabricantes.

OS HOMENS SEMPRE GOSTARAM de ver corpos de mulheres nuas,


e inúmeras mulheres tiraram partido desse passatempo. Como Brantôme ar-
gumentou no séc. XVI, a visão constituiu o primeiro prazer erótico mascu-
lino; a nossa última investigação nos Estados Unidos indica que isso não mu-
dou muito.” Durante o Renascimento, Ticiano vendia as suas beldades de
seios descobertos aos membros das casas reais europeias, e o seu contempo-
râneo italiano Pietro Aretino fez fortuna com desenhos e textos pornográficos
menos dispendiosos. Os artistas dos séculos XVII e XVIII inundaram o mer-
cado com imagens de seios a sair de espartilhos apertados. Os pintores do
séc. XIX colocavam nus femininos em paisagens contemporâneas que cho-
cavam o mundo burguês e iam entrando lentamente nas colecções particula-
res. Como refere competentemente a historiadora de arte Linda Nochlin, ne-
nhuma dessas obras se “baseia nas necessidades eróticas femininas. Quer o
objecto erótico seja o seio ou as nádegas, sapatos ou espartilhos o imaginário
de deleite ou provocação sexual sempre foi criado pelos homens acerca das
mulheres e para deleite dos primeiro.” **
Que sabemos acerca dos modelos que posavam para essas obras? O que
ganhavam com o êxito comercial dos seus retratos? A história de um modelo
de meados do séc. XI veio até nós através dos esforços de um biógrafo. É a
história de Victoire Meurent, modelo dos célebres quadros de Manet Déjeu-
ner sur 1" Herbe (Almoço na Relva) e Olympia. Em ambos os quadros, uma
mulher nua olha para o público com uma auto-confiança pouco comum, re-
velando nos seios o mesmo atrevimento patente no rosto. Meurent foi modelo
nas décadas de 1860 e 70, e pintora durante os trinta anos que se seguiram.
No início dos anos 80, quando estava profundamente empobrecida e grave-
mente alcoolizada, o enteado de Manet achou-a irreconhecível: ” Apenas os
seios pareciam os mesmos.” **

221
MARILYN YALOM

Na mesma época, surgiram novas oportunidades na publicidade para os


modelos nus. Tirando partido das recentes inovações tecnológicas, os carta-
zes a cores eram produzidos por baixo preço e colados pelas paredes das ci-
dades europeias. O que estava a ser vendido não era o seio em si, ou a roupa
interior para cobri-lo, mas outros produtos que nada tinham a ver com o as-
sunto. De algum modo, a visão do tronco nu de uma mulher - como se pode
ver num célebre cartaz britânico — podia induzir as pessoas a comprar Root's
Cuca Cocoa. Reparando numa decente senhora inglesa que se viu obrigada
a afastar os olhos de um espectáculo tão chocante, um cavalheiro literário es-
creveu que, “mesmo em Inglaterra, o país das propriedades,” uma mulher a
beber cacau não parecia “precisar de muito mais.” O eufemismo britânico
do cavalheiro era uma alusão evidente aos seios expostos do modelo.36
Entre os artigos promovidos por imagens do seu produto encontrava-se a
bicicleta, recentemente inventada. Os americanos associam os cartazes da bi-
cicleta na viragem do século a raparigas da Gibson de calções e blusas subidas,
mas algumas vezes, a publicidade europeia exibia ciclistas de seios descober-
tos. Os homens efeminados ingleses elegantes e as robustas raparigas gaulesas
entravam no novo século de bicicleta com o peito à mostra, em anúncios para
as empresas de estafetas Spinner Linton e Liberator Cycles. À ênfase recaía na ”
liberdade, movimento e sexualidade. O cartaz de 1898 do artista checoslovaco
Alfons Mucha paraa Waverly Cycles representava uma mulher com os seios
a sair das alças soltas; era preciso olhar com muita atenção para encontrar a
bicicleta escondida no meio da folhagem que — a par dos seios desordenados
— sugeria oportunidades de encontros amorosos no meio do campo.
Mucha (1860-1939) era conhecido pelos seus muitos cartazes de Arte
Nova representando corpos de mulheres para lançar um produto. O seu cartaz
para o Heidsieck Champagne mostra uma mulher com um magnífico bouquet
de frutos que parece sair-lhe do peito como uma cornucópia. Outro cartaz
apresenta uma mãe com três chávenas de cacau quente a fumegar ao nível
do peito, enquanto três crianças erguem os rostos felizes como bebés à espera
do seio. As imagens de mulheres com chávenas de cacau, copos de leite, ma-
çãs, uvas ou mangas colocadas perto do peito apresentam uma comparação
arquetípica entre o seio e o alimento.
» Um exemplo particularmente notável disso pode ser encontrado num car-

222
HISTÓRIA DO SEIO

taz italiano da viragem do século onde se vê uma mulher inclinada a beber


um cálice de Liquore Strega (fig. 73). Um dos seios está apoiado na mesa,
ao passo que o outro — uma bola branca de carne — se encontra pendente,
ameaçando sair da blusa. Desde o início, os publicitários exploraram conti-
nuamentea justaposição dos seios e das bebidas, sugerindo que tanto a mu-
lher como a bebida satisfazem a nossa “sede”
Entre os anos 20 e os anos 50 deste século, a venda de fruta americana
também foi promovida através de uma identificação subliminar com os seios.
As marcas de fruta continham muitas veses imagens de pin-ups roliças, com
ou sem imagens-da fruta em questão (fig. 74). Na etiqueta das maçãs Yankee
Dol! estava representado o busto de uma mulher de blusa vermelha de seios
redondos e ar apetecível (fig. 75). Muitos americanos dos anos 40 e 50 for-

73. Cartaz do Liquore Strega.


Cerca. 1900.
O estado precário do seio da
mulher e da bebida são o re-
flexo um do outro: ambos com
rem o risco de entomar. O seio
grande e o pequeno cálice de li-
cor estabelecem um sentido de
tensão palpavelmente erótico.

LIQUORE
MARILYN YALOM

74. Etiqueta de uma caixa de fruta. Cerca. 1950. ”Buxom Melons.”


As etiquetas das caixas de fruta de empresas como a “ Sweetpatootie,” a “Woo
Woo” e a “Buxom Melons” sugeriam satisfação sexual e gustativa,

75. Etiqueta de uma caixa de fruta. Cerca. 1950. ” YANKEE DOLL APPLES.”
Não é por acaso que a palavra ” Apples” (”Maçãs”) é colocada aparte, como
uma etiqueta, ao lado dos seios da mulher.
HISTÓRIA DO SEIO

maram a sua ideia de feminilidade de acordo com estas imagens ” apetitosas”


que exalavam doçura, integridade e saúde.
Os modelos de seios grandes também tiveram saída em postais eróticos
que, tal como o soutien, existem há cerca de um século. Os postais “atrevidos”
já eram uma grande indústria em França durante a primeira década do séc.
XX.37 Às mulheres eram fotografadas em diversos estados de nudez, muitas
vezes nos braços dos amantes, com os seios a sair por entre montes de rendas
e linhos, ou recatadamente expostas por cima da borda da banheira. Por vezes,
mulheres nuas ou quase nuas eram fantasiosamente colocadas em grupos de
duas e de três, com alusões de lesbianismo mais ou menos subtis. Em contraste
com os postais ” sujos” do fim do séc. XX, há algo de sentimental e quase en-
tenecedor em alguns destes postais. Em muitos deles vemos mulheres e ho-
mens juntos em poses afectivas e joviais, ela tão frequentemente quanto ele no
comando da situação. Embora nitidamente destinados a provocar excitação, são
banhados dg um suave halo erótico que deixa espaço à imaginação.
Estes primeiros postais acabaram por vir a desembocar nas imagens mais
explícitas de meados e finais do séc. XX. A importância dos seios na indústria
postal, e na cultura em geral, foi claramente afirmada num postal dos anos
0 onde se pode ver uma louraça americana só com a parte debaixo do bikini
e uma fita métrica à volta do peito nu, estrategicamente colocado de forma
a ocultar os mamilos. A legenda na parte detrás do postal — “Vale a pena
medir” — resume a medida de auto-estima imposta a uma geração inteira
de mulheres americanas fig. 76).
As beldades na praia a despir os fatos de banho são actualmente usadas
para promover as atracções do Havai ou de Hamburgo ou qualquer outro des-
tino turístico. Muitos desses postais reflectem o humor sexual barato que
sempre esteve presente na cultura terra a terra. Os seios transformados em
animais da banda desenhada, com legendas a dizer ” Allthe Breast from Lon-
don” e” We're a couple of Swells in London” fazem rir toda a gente à ex-
cepção dos mais puritanos.
A utilização dos seios no turismo é apenas um exemplo de como a pu-
blicidade se apropria dos corpos das mulheres. Esta prática, com a sua men-
sagem sexual subjacente, tornou-se tão ubíqua que hoje em dia quase tudo é
permitido, desde que as imagens sexuais “ sejam consideradas artísticas ou

225
MARILYN YALOM

76. Postal. Cerca. 1950. ” Vale


a pena medir?”
O valor de uma mulher é
avaliado pelo tamanho do
peito.

usadas para vender alguma coisa.” “É Os anúncios contemporâneos chegaram


a descartar-se da “regra da exclusão dos mamilos” que ainda era prática co-
mum. há dez anos atrás.

77. (À direita) Reid S. Yalom. Capas de revista. 1993-4.


A Rolling Stone (16 de Setembro de 1993) com a cantora Janet Jackson na capa e a Esquire
com Heidi Fleiss, de Los Angeles, apresentavam mãos masculinas sobre seios femininos. Outras
revistas americanas e europeias mostravam mulheres segurando os próprios seios. De salientar,
em particular, o modelo alemão de seios reduzidos, cujas mãos foram cuidadosamente colocadas
de forma a verem-se os mamilos (Der Stern, 7-13 de 1994), e os seios em forma de bola de
futebo! segurados pelos dedos cuidadosamente arranjados da edição checa da Penthouse (Agosto
de 1994).
HISTÓRIA DO SEIO

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227
MARILYN YALOM

Os modelos de nus actuais, que trabalham quase exclusivamente com fo-


tógrafos, têm oportunidades em revistas ilustradas que não existiam na vida
de Victorine Meurent, mas uma coisa permaneceu igual — têm de ter o tipo :
de seios que a nossa sociedade considera sexy. Tanto as publicações feitas
para o homem como a Penthouse, a Playboy e a Hustler, como revistas de.
carácter generalista como a Vanity Fair e a Rolling Stone, publicam geral-
mente mulheres nuas na capa. Essas capas são sujeitas a poses caprichosas
que passam de revista para revista e de país para país, de modo que acabamos
por ver os mesmos seios redondos em Honolulu ou em Praga. As capas de
1993, 1994 e 1995 eram caracterizadas pelas “mãos sobre os seios” (fig. 77).
Em algumas dessas capas vemos uns braços masculinos que vêm por trás do
modelo e lhe cobrem os seios. Como vimos, a mulher a cobrir os próprios
seios é um antigo tropos iconográfico que remonta às oferendas sagradas do
seio a antigas figuras da Mesopotâmia. Porém, actualmente, a “oferenda” do
seio é um fenômeno distintamente secular destinado a provocar excitação se-
xual.
Um modelo nu conhecido apenas por “Gail” dava a seguinte ideia dos
efeitos sexy que os seus seios produziriam quando foi capa de revista em fi-
nais da década de 70: ” Os mamilos duros são decididamente excitantes. E
assim que os fotógrafos nos preferem. A única coisa que faço é enrijecê-los
com gelo ou qualquer coisa fria, e é lixado! Ou os mamilos ficam muito sen-
síveis, ou então ficam gelados ou insensíveis!” *? Será que a fantasia mascu-
lina esmoreceria pelo facto de se saber que os mamilos erectos estavam ape-
nas enregelados?
Tal como outros modelos e artistas do nu, Gail estava totalmente cons-
ciente dos efeitos negativos do seio fetiche na população feminina. “Há uma
ênfase muito grande nos seios como símbolo todo-poderoso da feminilidade
e isso é muito mau porque há um grande número de mulheres de peito liso
que julgam que nem são mulheres!” Ela reconhecia que as revistas “dão às
pessoas uma ideia errada sobre o que é verdadeiramente o corpo de uma mu-
lher,” por apresentarem apenas um tipo de corpo: jovem, magro e de seios
grandes. No entanto, prevendo um aumento continuado de fotografias de nus
— previsão essa que veio a revelar-se correcta desde o fim da década de 70
— Gail associava a elas o seu futuro financeiro: ” Eu utilizo as revistas para
de

228
HISTÓRIA DO SEIO

os meus próprios fins. Faço dinheiro com elas, mas para as outras mulheres
que não gostam de jovens playmates as revistas são muito prejudiciais Se
pensasse que podia detê-las sozinha, talvez pusesse essa hipótese. Mas não
estou disposta a perder dinheiro e ser a única rapariga a ser altruísta.”
* Gail parece falar a uma geração inteira de mulheres que decidiram ganhar
dinheiro, apesar da suspeita de que o seu trabalho contribui para espalhar da-
nos psicológicos. O número reduzido de corpos perfeitos exibidos em revistas
— ou colocados nas mãos das rapariguinhas sob a forma da Barbie com as
suas pernas finas como lápis, ancas inexistentes e seios protuberantes — des-
tina-se a fazer muitas mulheres sentirem-se insatisfeitas com a sua figura
muito diversa. Já em 1973, um inquérito de sessenta e duas mil leitoras des-
cobriu que 26 por cento das mulheres que tinham respondido a perguntas so-
bre a sua ” Imagem Física” afirmavam-se ” insatisfeitas” com os seios, e 49
por cento estavam “insatisfeitas” com as ancas.“ Mais recentemente, um
surpreendente programa televisivo 20/20” de Abnil de 1996 revelou a me-
dida em que algumas mulheres odeiam verdadeiramente os seios. Os estudos
de ciências sociais que procuram entender este fenômeno sugerem que as mu-
lheres estão infelizes com o seu corpo porque não se conformam com as fi-
guras esguias e de seios grandes que pressentem que os homens preferem;
de facto, as mulheres têm a tendência de sobrestimar o tamanho do seio quan-
do avaliam o seu carácter geral de atracção *! Existem bons motivos para
acreditar que a sociedade paga um preço muito acima do valor monetário ao
alimentar a fantasia de corpos e seios perfeitos sem reconhecer qualquer outro
tipo.
“Helen Gurley Brown, editora da Cosmopolitan durante trinta anos, assu-
miu esta posição feminista em finais da década de 60.” As mulheres,” disse
em defesa da utilização de mulheres nuas na publicidade, “nem de longe
vêem o número de mulheres nuas que gostariam.” * Especialmente neste
país, as mulheres americanas têm tão pouca oportunidade de ver outras mu-
lheres de seios nus que possuem uma ” noção idealizada dos seios das outras
pessoas. Meu Deus, não é ridículo ser uma mulher emancipada e não saber
verdadeiramente como é o corpo de outra mulher?” É evidente que as afir-
mações de Gurley Brown não abriram a fotografia de moda a uma vasta gama
de seios velhos e novos, flácidos e firmes, e outras características distantes

229
MARILYN YALOM

do belo convencional: a Cosmopolitan e todas as outras revistas de moda fe-


minina continuaram a exibir apenas seios jovens.

TAL COMO OS MODELOS, também se espera das actrizes que tenham


corpos perfeitos, quaisquer que sejam os seus talentos dramáticos. Nos anos
20 e 30 deste século, as estrelas femininas eram esguias e sexy, de seios es-
cassamente cobertos por tops e soutiens. Era essa a imagem de Marlene Die-
trich em O Anjo Ázul (1930), ao incarnar uma mulher fatal. No outro extremo
físico, Mae West exibia o seu prodigioso busto no ecrã com um atrevimento
que encantou várias gerações de espectadores. Os seios hiperbólicos de Jane
Russell no filme de 1943 The Outlaw foram elevados a novos voos por um
soutien de aros metálicos tão impressionante que o filme foi afastado das sa-
las durante seis anos por razões de imoralidade! Os anos da guerra e do pós-
-guerra na América foram dominados pelo ídolo da “rapariga de camisola,”
de seios protuberantes, incarnada por Lana Tumer e uma sucessão de estrelas
de cinema rolhiças.
A lei não explícita para a escolha do elenco durante os anos 50 era que ” Só
interessam mulheres de busto generoso.” As carreiras das starlets Jayne Mans-
field e Diana Dos, por exemplo, “foram construídas com base nas proporções
do seu busto pneumático ” É Dizia-se que os seios 42DD de Mansfield tinham
um seguro de um milhão de dólares. Outra lei não declarada era que ” Só in-
teressam as louras.” A combinação de seios grandes e cabelo louro (embora
pintado) teve a sua representação máxima em Marylin Monroe no êxito Quanto
Mais Quente Melhor (fig. 78). Tanto neste como em muitos outros filmes ame-
ricanos, Os seios grandes eram identificados com a classe mais barxa, e a mulher
de busto generoso recorria a todos os centímetros de carne mamária para atrair
um marido abastado e subir a escada da ascensão sócio-económica.
A actriz francesa Brigitte Bardot, outra loura artificial de seios notáveis,
rivalizava com Monroe com o seu charme de ” gatinha sexual”. As italianas
Anna Magnani, Gina Lollobrigida e Sophia Loren ofereciam uma visão al-
ternativa da sexualidade apaixonada ou vingativa que ardia por baixo dos
seus cabelos escuros e seios empinados. Todas essas mulheres davam a im-
pressão que a sexualidade se centrava nos seios. Ou, nas palavras de John
Steinbeck em 1947 a comentar o “ desenvolvimento do busto” exibido em

230
HISTÓRIA DO SEIO

78. Marylin Monroe no


filme Quanto Mais
Quente Melhor, 1959.

cartazes e calendários, “um visitante de outra espécie poderia pensar que a


procriação se dá nas glândulas mamárias.” *
Se os seios grandes eram a marca da sexualidade e da fertilidade, o que res-
tava às mulheres de seios pequenos? Actrizes como Katharine Hepbum e Au-
drey Hepbura, cujos seios dificilmente podiam ser considerados os seus traços
mais característicos, representavam algo de muito diferente. Não eram símbo-
los do sexo, mas sim da elegância das classes mais elevadas. Bra como se essas
mulheres se encontrassem acima das exigências do corpo. Mesmo quando apa-
reciam em histórias de amor, como acontecia quase sempre, a ausência de came
assinalava sofisticação e inteligência, no lugar da fisicalidade apaixonada.
MARILYN YALOM

O sexo apaixonado, idealizado pelos magnatas de Hollywood, só podia ser


associado a protuberâncias generosas. Pensava-se que uma mulher de seios
proeminentes era mais apaixonada do que uma de seios lisos; Hollywood não
queria saber se o tamanho dos seios não tinham nada a ver com o apetite sexual
da mulher. Também não parecia importar que os seios se encontrassem total
ou parcialmente cobertos, desde que fossem seleccionados e embalados em |
grande: ninguém esperava vê-los nus nos filmes dos anos 50.
Em comparação com o cinema, o entretenimento ao vivo podia dar-se ao
luxo de ser mais ousado, especialmente na Europa. Berlim nos anos 20 e Paris
antes e depois da Segunda Grande Guerra eram cidades conhecidas pelos

79. Josephine Baker.


Josephine - Baker era
uma dançarina e actriz
americana que fez sen-
sação em Paris em
espectáculos de music-
“hall onde se apresen-
tava semi-nua nos anos
20 e 30 deste século.

232
HISTÓRIA DO SEIO

seus espectáculos onde apareciam mulheres totalmente nuas (fig. 79). Seios
e nádegas expostos, corpos enfeitados com plumas, lantejoulas e pequenas
coberturas para os mamilos conhecidas por pasties (Geralmente com franjas
que oscilavam) eram exibidos à frente dos olhos incrédulos dos habitantes
locais e dos estrangeiros dispostos a pagar uma bela quantia pela noite mais
tardia da cidade. As Folies Bergêres passaram a ser sinónimo da nudez fe-
minina em espectáculos dignos de um rei, ou pelo menos um príncipe árabe.
Entretanto, nos Estados Unidos, a nudez era geralmente mantida por bai-
xo de camadas penetrantes de puritanismo — aliás, até aos permissivos anos
60. Então nasceu em São Francisco, a 19 de Junho de 1964, a dança de seios
descobertos. Carol Doda, que era na época uma go-go dancer do nightclub
Condor, na Broadway, foi convidada pelo patrão a pôr um dos novos calções
de banho de Rudi Gernreich e a executar o seu número habitual em cima de
um piano descido do tecto. Não tardou muito, a fila à porta do Condor dava
a volta à esquina, e daí a alguns dias, havia seios descobertos por toda a
Broadway.
Um nightciub apresentava uma estrela franco-persa com um busto tama-
nho 44. Outro exibia uma ” Mãe de Oito Filhos em topless” Chegou a ser
aberta uma banca de engraxar sapatos em topless. No Condor, a multidão ia
aumentando cada vez mais, a par dos seios de Carol Doda, o que se deva pre-
sumivelmente a uma série de injecções de silicone. Em 1966, a Câmara do
Comércio de São Francisco salientou que quase um terço dos 101 nightclubs
da cidade exibiam mulheres de seios nus. Alguns deles acabaram por adoptar
a nudez total, ou mesmo peepshows proibidos a menores. À longo dos anos
60 e:70, São Francisco era o centro da nova moralidade — ou imoralidade,
como os seus detractores a apelidaram.
Uma topless dancer dos anos 70 conhecida apenas por “Susan” descre-
veu-nos a sua experiência * De início, pensou: ” Era tudo tão estranho! Havia
gente que entrava num lugar para beber uns copos, mas principalmente para
ver os meus seios em exposição. Podemos considerar isso uma forma de en-
tretenimento? Observá-los?” A seguir, mudou de atitude. ” Quando passou a
timidez, senti-me bem. Era como ” Querem ficar aí sentados e pagar para vê-
-los? Óptimo! Porque eu preciso do dinheiro!”
Ao falar com os homens dos bares, Susan ficou surpreendida ao descobrir

233
MARILYN YALOM

que alguns deles acreditavam mesmo na fantasia que ela criava no palco
“eles pensam que é realidade,” e tinham tendência para criticar as mulheres
que não apreciavam a exibição, Essa ideia fez Susan parar. Começou a pensar
no efeito das bailarinas de seios nus na sociedade em geral. Mas afinal de
contas, ela continuou a dançar para satisfazer as necessidades financeiras e,
nas suas próprias palavras, “o narcisismo e a liberdade.”
A avaliação de Susan era, no seu todo, extremamente fraca: ” dançar de
seios nus foi uma experiência incrivelmente libertadora para mim Há muita
camaradagem entre as mulheres, e isso não se deve ao facto de estarem todas
unidas por se sentirem vítimas, mas sim pela surpresa por estes tipos pagarem
para verem os nossos seios.”
E se pagam! Os bairros da sexualidade de Londres e Amsterdão, Nova
Iorque e Los Angeles são verdadeiros ímãs para milhões de homens dispostos
a largar as suas libras, marcos e dólares por darem uma olhadela às ” mamas
e rabos” ou ficarem a observá-los durante várias horas. Dentro de cubículos
com montras de vidro, mulheres a acariciar os seios conversam com clientes
excitados do sexo masculino, ou executam danças em que se acariciam em
cima de estrados minúsculos, atiçadas pelos homens do outro lado das bar-
reiras. Em peepshows gastos ou espectáculos de gala de stripiease, Os seios
são frequentemente a atracção principal. As ” Showgirls” de Las Vegas, que
dançam de peito nu — em oposição às “bailarinas,” que mantêm os seios
“cobertos — têm fatos mais brilhantes e mais cinquenta dólares por semana
— o que não acrescenta muito a um salário semanal entre quinhentos e oi-
tocentos dólares.
" Hoje em dia, não temos de sair de casa para ver a carne das apresenta-
doras. A TV cabo e a cassete de vídeo trouxeram os seios e os rabos para a
sala. O peepshow passa agora em écrãs de 76 a 1,5 m onde pode ser visto
por toda a família,
Nenhuma mulher foi mais bem sucedida do que Madonna na exploração
deste mercado.” Cantora, bailarina, actriz, super vedeta, Madonna projectou-
-se nos lares e nas mentes de milhões de fãs, mcluindo adolescentes, gays €
lésbicas, e adultos heterossexuais, que a transformaram num símbolo cultural
avaliado em 125 milhões de dólares. No seu primeiro e melhor filme, Deses-
peradamente à Procura de Susana (1985), Madonna exibiu os seios e a bar-

234
HISTÓRIA DO SEIO

riga com uma falta de pudor que se transformou na sua imagem de marca.
Porém, alguns anos mais tarde, tinha emagrecido consideravelmente e desen-
“volvido um corpo esguio e musculoso devido a um programa de exercício
rigoroso que correspondia mais ao ideal da nação.
Isto era conseguido, em grande medida, devido aos soutiens cónicos de-
senhados para ela por Jean-Paul Gaultier. No seu filme colossalmente famoso
Na Cama Com Madonna (1991), ela aparece num número de fato de negócios
de riscado com as copas do soutien de cetim cor-de-rosa a ver-se por entre
as rachas do casaco, e ligas a pender das calças. Esta combinação de fato de
negócios clássico e roupa interior sexy é uma paródia aos papéis sexuais tra-
dicionais. Noutra sequência, soutiens pontiagudos de Madonna são, eles pró-
prios, parodiados por dois bailarinos de pele negra com grotescos seios fáli-
cos com cerca de trinta centímetros. Os homens agitam energicamente os
seios falsos e, por vezes, os de Madonna, ao mesmo tempo que ela se acaricia,
simulando masturbar-se. Trata-se de uma cena lasciva que esteve para ser
proibida pela polícia quando executada em público.
Quer sob a forma excitante de Madonna ou de Marylin Monroe, ou qual-
quer par de seios anónimo numa capa de revista, o sexo vende. O sexo vende
porque vai ao encontro das redes subterrâneas que unem as nossas primeiras
memórias do seio materno a memórias posteriores do nosso corpo. Como
cães de Pavlov a salivar ao som da campainha mesmo que a comida deixe
de aparecer, continuamos a esperar-quaiquer tipo.de satisfação do seio muito
depois de ele deixar de dar leite. Sobrepostas às nossas memórias inconscien-
tes há ainda as experiências posteriores dos nossos próprios seios num estado
de excitação adulto, o mamilo com uma sensibilidade extrema nas mulheres
e, para alguns homens, ao toque de uma mão experiente. Para ambos os se-
xos, a visão, e certamente o toque dos seios pode arrastar-nos para o rede-
moinho do desejo.
Através da associação visual das maçãs e dos seios, os homens são leva-
dos a crer que, ao comprarem maçãs, também estão a comprar as mulheres
e o prazer sexual. Ao fazer confluir os soutiens e o sexo, as mulheres são le-
vadas a acreditar que, ao comprarem um Wondrebra, também estão a com-
prar a opção de um amante ideal, ou no mínimo o potencial de trocar o par-
ceiro actual por outro mais romântico e sensual** É evidente que o
MARILYN YALOM,

“Consumidor nem sempre é tão facilmente manipulado. Ele pode reconhecer


a intenção simplista num anúncio e interrogar-se: O que tem uma bicicleta a
ver com uma mulher de seios nus? E a consumidora pode responder com cep-
ticismo ao ver o rosto de felicidade de uma mulher com um soutien Victoria's
Secret Miracle Bra. Mas há suficientes pessoas sem preocupações psicoló-
gicas que reagem a essas estratégias por elas oferecerem uma visão de feli-
cidade sexual apenas dependente da compra de um produto.
Afinal de contas, o sexo no final do séc. XX foi transformado na maior mer-
cadoria humana. Antes disso, nomeadamente antes de Freud, o sexo era visto
como uma entre uma vasta gama de experiências humanas; para muitas mu-
lberes e alguns homens, era menos um prazer do que um dever conjugal. De-
pois de Freud, na versão popularizada (e vulgarizada) da sua teoria da libido,
o sexo passou a ser, não apenas uma força que molda a nossa personalidade
adulta, mas como a estrada real para a satisfação vital. Para muitos americanos,
a busca da felicidade passou a ser a busca da felicidade sexual tout court.
Segundo os historiadores Jobn d”Emilio e Estelle Freedman, a sexualida-
de americana mudou ao longo dos últimos três séculos e meio, passando de
um sistema familiar no período colonial, para uma ideologia romântico-ma-
ternal no séc. XI, e para uma indústria comercializada no período moderno.*
Esta última transição foi acelerada nos anos 20 pela introdução de muitos pro-
dutos para satisfazer o desejo erótico. A publicidade tratou de vender à mu-
lher americana uma nova auto-imagem: ela tinha de ser sexy e doméstica. Os
produtos comerciais começaram a prometer que apenas eles podiam encami-
nhá-la para a realização sexual. À comparação estabelecida pelo comércio
entre o sexo e a felicidade é actualmente um lugar-comum, pelo que muitos
adultos acreditam que os bens comercializáveis constituem a chave para uma
vida boa (leia-se: sexy).
Os americanos usam os produtos de consumo para atrair e manter os seus
parceiros sexuais, para evitar doenças venéreas e gravidezes indesejadas, e
para nos informarem como deve ser o nosso desempenho sexual e como
gozá-lo plenamente (o livro Joy of Sex de Alex Comfort, publicado em 1972,
vendeu mais de dez milhões de exemplares). Os serviços e anúncios de en-
contros nas colunas de anúncios pessoais estimulam sonhos de um ” compa-
nheiro ideal” — por vezes por uma pequena quantia.
g

236
HISTÓRIA DO SEIO

O tablóide londrino Sunday Sport edita anúncios de play mates com fo-
tografia por apenas três libras para três números. Embora o nu não seja aceite,
muitas fotografias mostram mulheres de rosto coberto e seios descobertos!
Eis uma amostra dos textos que acompanham algumas das fotografias de pei-
tos grandes da edição de 16 de Janeiro de 1994:

| SENHORA ROLIÇA, casada, de busto muito grande, 30, procura


cavalheiro maduro e generoso, qualquer idade/estatuto para jogos
adultos divertidos. Marido aprova.

BUSTO GRANDE, ioura, atraente, 80-52-72, vive ao sul de Lon-


dres, deseja convívio com cavalheiro.

SENHORA MADURA, finais dos 40, busto 48, figura cheia, pro-
cura cavalheiro, 30-60, para passar momentos divertidos. Se já ex-
perimentou o resto, experimente o melhor! Escócia.

Estes anúncios de seios nus e rosto coberto dizem-nos qualquer coisa me-
nos evidente nas colunas pessoais da The New York Review of Books e outras
publicações de alto nível. Eles falam em nome de uma sexualidade que realça
o corpo, ou apenas algumas partes dele. O rosto com a sua boca e olhos ex-
pressivos (as “janelas da alma,” nas belas palavras de Dante) deixa de ser
relevante. Afinal de contas, quem tem alma nos dias que correm? O que resta
são os seios, e para algumas pessoas, aparentemente isso chega.
Ultimamente, quando entro em desespero devido a essa mercantilização
e encaro as pessoas como vítimas de um mercado sem freio, penso na seguin-
te carta que encontrei na coluna da “Dear Abby” (Chronicle de São Fran-
cisco, 2 de Dezembro de 1993).

Há dez anos, ao fim de 18 anos de casamento, o meu marido aban-


donou-me por uma princesa do silicone. O meu filho universitário
disse ”Paga-lhe na mesma moeda,” por isso, fui a um cirurgião
plástico e fiz uma cirurgia de aumento do busto. Passei do 32B
para o 36DD. Não imagina como isso mudou a minha vida.

237
MARILYN YALOM

“Andava à procura de emprego, e fui contratada à primeira entre-


vista. No primeiro dia de trabalho, três homens solteiros convi-
daram-me para ir jantar com eles. Um ano mais tarde, casei com
um homem com menos 10 anos do que eu. Ele adora-me. Estou
no céu!

A. escritora da carta quer saber se há-de dizer ao segundo marido que os :


seios foram submetidos a uma intervenção cirúrgica, ao que Abby responde |
com um enfático “não.
Nesta perspectiva, também vale a pena ter em causa a contrapartida mas-
culina do aumento dos seios — o aumento do pénis. Atraídos pelos anúncios
de jornal, talk shows radiofónicos e pelos directores de marketing agressivos,
alguns homens dos Estados Unidos e da Europa estão a sofrer operações para
acrescentar tamanho e firmeza aos seus pénis. Um diplomata de São Fran-
cisco do Ministério Americano de Urologia convida futuros clientes a jun-
tar-se aos três mil e quinhentos homens satisfeitos que já operou. Como era
de esperar, outros membros da profissão foram altamente críticos em relação
a este procedimento. Nas reuniões de 1995 da American Urological Associa-
tion, uma equipa de médicos da Universidade da Califórnia em São Francisco
consideraram essas operações desnecessárias e potencialmente perigosas, e
concluíram que os cirurgiões que as fazem aproveitam-se dos pacientes.
O riso, à fúria ou o nojo serão a reacção adequada? As mulheres podem
ter um prazer perverso em ver as mesas viradas, mas numa reflexão mais pro-
funda, a criação de partes do corpo — quer dos homens, quer das mulheres
—- constitui motivo de preocupação. Pondo de lado questões de saúde, os au-
mentos do seio e do pénis são tristes assunções do nosso fracasso em rela-
cionar-nos com os outros como seres humanos completos. Se não formos
mais que seios e pénis, porque não havemos comprar pura e simplesmente
uma daquelas bonecas insufláveis como a ” Milky Laid” e a “Lastex Lass,”
à venda nas chamadas lojas de adultos ou, para a mulher, um godemichet das
dimensões desejadas”? Estes últimos podem ser encontrados em qualquer loja
porno, onde a gama de “auxiliares sexuais” é espantosa: partes do corpo em
borracha, argolas para os mamilos, roupa interior em couro, chicotes, corren-
tes e outros artigos destinados a práticas de submissão.

238
HISTÓRIA DO SEIO

Os homens que preferem adoptar a mais recente tecnologia para obter sa-
tisfação podem comprar programas de sexo interactivo em realidade virtual.
Uma versão alemã permite ao jogador usar óculos e uma luva táctil (Tas-
thandschuh), e manipular o seio que aparece no ecrã de computador (fig. 80).
O material de promoção para este modelo prevê que o prazer sensual a dois,
já em declínio, seja em breve substituído pelas maravilhas do Cibersexo
Os que preferirem mulheres reais podem satisfazer os seus apetites — por
mais bizarros que eles sejam — por vídeos e filmes para adultos. As mulheres
que actuam nesses filmes vão da fraca Annie Sprinkle, que se tornou uma
fotógrafa de êxito, à actriz de filmes porno do 1º escalão Savannah, que se
suicidou em 1994. A história de Savannah levanta muitas questões perturba-
doras sobre os efeitos negativos da pornografia nas mulheres que actuam nos
filmes do género.

80. Capa. Der Spiegel. 15 de


Novembro de 1993,
Agora, a realidade virtual
oferece aos homens os praz-
eres do seio na solidão com-
putorizada.
MARILYN YALOM

“Durante cinco anos antes da morte, Savannah ganhou centenas de milha-.


res de dólares executando actos sexuais em filmes onde exibia o seu corpo
de rapariga e os seios do dobro do tamanho normal. Após um declínio na sua
carreira, um aumento do uso de álcool e drogas € problemas financeiros cres-
centes, acabou por se matar com um tiro. Embora não possamos dizer que
tenha sido a pornografia a causadora do suicídio, ela deve ter tido um papel
na sensação de identidade confusa de Savannah e na sua decisão de se sui-
cidar. Um epitáfio adequado para Savannah viria a ser proferido por ela pró-
pria meses antes de morrer: “Demasiada pressão.” *?
Desde os primórdios, a pornografia reuniu sexo e dinheiro, como está im-
plícito na sua origem linguística nas palavras gregas pome (prostituta) e gra-
pho escrever) — literalmente, a escrita das prostitutas. À seu tempo, a por-
nografia veio a referir-se a toda a literatura referente às prostitutas e seus
clientes e, segundo o Oxford English Dictionary, qualquer ilustração pictó-
rica ou escrito obsceno.” É evidente que a dificuldade está em determinar
exactamente o que é obsceno. Durante a maior parte da história, obscenidade
era qualquer coisa que ofendia a moralidade sexual aceitável. Mas o com-
portamento sexual “aceitável” sempre variou profundamente de época para
época, de país para país, de comunidade para comunidade, de indivíduo para
indivíduo, e de acordo com os estádios de vida.
Tal como outras pessoas que se consideram tolerantes, de um modo geral,
não me sinto ofendida por material sexualmente explícito. Nem a escrita de
D.H. Lawrence, que deu origem ao mais célebre julgamento por pornografia
do século, nem as imagens de mulheres com as mãos nos seios gigantescos
nas capas das revistas masculinas são, na minha opinião, pornográficas. Co-
mercializar partes do corpo como objectos sexuais pode ser repugnante, mas
não é pornográfico, na minha opinião.
O que torna uma obra pornográfica — na minha perspectiva — é a mis-
tura de sexo e violência infligida a uma pessoa, que é geralmente uma mulher,
por outra pessoa, que é geralmente um homem. A socióloga Diana Russell
dá-nos uma definição de pornografia cuidadosamente expressa como “ma-
terial que combina o sexo e/ou a exposição dos órgãos genitais com o abuso
ou a degradação de uma maneira que parece aprovar, condenar ou encorajar
esse tipo de comportamento

240
HISTÓRIA DO SEIO

Este tipo de material pode geralmente distinguir-se do material erótico,


que é sexualmente sugestivo, ou mesmo explícito, e certamente excitante,
mas não essencialmente prejudicial para as pessoas envolvidas. Eu digo ” ge-
ralmente” porque as pessoas não concordam necessariamente em relação ao
ponto em que começa o mal. Algumas vêem-no começar nos retratos renas-
céntistas de mulher nuas ao lado de homens totalmente vestidos, com a sua
diferença de traje a reflectir um abismo de poderes sexuado que não desapa-
receu nos dias de hoje. Outras vêem-no em qualquer objectivação de partes
do corpo feminino exibidas como bens comercializáveis.
Existe, de facto, uma área cinzenta entre o erotismo e a pormografia, mas
quando uma mulher é representada num acto sexual que parece ter-lhe sido
imposto — quando é despida, algemada, chicoteada ou violada — o rosto da
pomografia é indesmentível. Quando as letras do cantor de rap Ice-T descre-
vem a violação de uma mulher por um bando, com uma lanterna para “acen-
der-lhe as mamas” — isso é pornografia. Quando a revista Hustler mostra
um homem a prender ganchos no mamilo de uma mulher africana e afirma
que um pénis ficará com uma “erecção a” se o seu dono vir o filme de onde
“estas imagens foram tiradas — isso é pornografia.” * Quando as fotografias
de submissão mostram homens a espetar agulhas nos seios de uma mulher
ou a cortá-los com tesouras ou a apertar os seios de uma mulher com uma,
pinça da cozinha ou um alicate, isso é pornografia.
A revista Tit and Body Torture Photos contém fotografias pornográficas
quase exclusivamente dedicadas à mutilação dos seios. Não é muito difícil
perceber porque é que o seio recebe um tratamento preferencial dos sádicos:
as pessoas perturbadas agridem frequentemente aquilo que mais temem. Lo-
rena Bobbit, cujo marido a violou e abusou dela, cortou o pénis do marido
quando este estava a dormir. (O sr. Bobbit passou a actuar em filmes pórno-
gráficos violentos.) Os homens que obtêm prazer sádico em destruir os seios
feminino
é entendido como o maior poder feminino. É preciso muito ódio para mutilar
a carne mais sedutora e maternal da mulher.
Entre na loja de artigos pornográficos mais próxima e dê uma vista de
olhos. Abra algumas das revistas alinhadas nas prateleiras. E depois pergunte
a si próprio se quer esse tipo de material na sua zona — ou na sua cidade. É

241
MARILYN YALOM

“fácil defender a pornografia com base na liberdade de expressão antes de se


examinar verdadeiramente o assunto.
Uma defensora da pornografia, Nadine Strossen, acredita que a censura
e as leis anti-obscenidade são, de facto, prejudiciais para as mulheres por li-
mitarem as suas oportunidades de expressão. 36 A autora chama a atenção |
para o mercado crescente da pornografia entre as próprias mulheres, incluin- -
do as feministas, os heterossexuais e as lésbicas. Os seus inimigos são as fe-
ministas anti-pornografia como Catherine MacKinnon e Andrea Dworkin,
que redigiram um decreto-lei que definia a pornografia como uma forma de
discriminação sexual. Essa lei, aprovada em Indianápolis mas recusada pelo
Supremo Tribunal em 1986, foi posteriormente adoptada no Canadá.
“À actual contenda nacional pela pomografia reflecte a oposição subjacente
entre dois conceitos de liberdade caros aos americanos: a liberdade de expres-
são e a liberdade em relação ao medo. No clima de violência que prevalece nos
Estados Unidos, muitas péssoas, incluindo a autora desta obra, estão conven-
cidos de que a pornografia descontrolada, tal como as armas descontroladas,
mina essa segunda liberdade. A liberdade em relação ao medo da violação —
de sofrer abusos sexuais, ser abatida, espancada e violada — é uma preocupa-
ção constante para muitas mulheres, que merece cuidadosas restrições legais.
Na minha opinião, a pornografia, que une o sexo e a violência, contribuindo
assim para o medo realista das mulheres de serem violadas, não devia poder
florescer debaixo do estandarte da liberdade de expressão.”
A ênfase dada pela pornografia aos seios femininos, tal como acontece
com produtos de consumo menos ofensivos, provoca em muitas mulheres .
uma grande ambivalência em relação aos seus seios. As mulheres de busto
grande são constantemente assediadas pelos comentários devoradores dos
homens e pelas tentativas não solicitadas de ”apalpar.” Se as próprias mu-
lheres se deixam sucumbir ao consumismo fetichista, podem acabar por pagar
grandes quantias por produtos para aumentar os seios, e sofrer os avanços não
desejados a par dos desejados.

NÃO HÁ DÚVIDA que, em finais do séc. XX, os seios foram comple-


tamente transformados em mercadorias. Eles são sinais de lucro para os edi-
tores das revistas Titanic Tits and Bra Busters, para o modelo disposto a en-
u
Il

HISTÓRIA DO SEIO

njecer os mamilos com gelo, para os cirurgiões plásticos que fazem aumentos
de seios, para a indústria dos soutiens que cria a ilusão de seios maiores, para
a indústria cosmética que promete brancura, suavidade e firmeza, para a mu-
lher britânica que põe um anúncio a procurar um ” cavalheiro generoso.” Se
esta exploração do seio continuar — e até aqui não há sinais de desistência
— opróximo milénio assistirá a ainda mais permutas estrangeiras do seio oci-
dental fetiche.
-Já não podemos ignorar o fenómeno da argola no mamilo (fig. 81). Estes
adornos popularizaram-se entre alguma juventude aventurosa de ambos os
sexos, especialmente em cidades como Londres e Los Angeles, onde há mui-
tos body-piercers profissionais. Embora se refira que o processo de adquirir
uma argola no mamilo exige relativamente pouco tempo, dor ou dinheiro, não
deixamos de pensar por que motivo alguém há-de querer submeter-se a isso.
Qual é o sentido da argola no mamilo?
Tal como tudo o que se relaciona com o seio, o significado simbólico da

81. Reid S. Yalom.


Piercing no mamilo.
U.S.A. 1995.
Uma nova forma de
libertação ou uma
velha forma de sub-
missão?

243
MARILYN YALOM

“argola no mamilo tem motivações conscientes e inconscientes.


As mulheres.
que usam argolas nos mamilos referem-se a “marcar uma transição” na sua
vida ou em “criar uma nova identidade sexual” ou em tornar os seus seios
“mais excitantes” ou simplesmente em quererem distinguir-se das pessoas
mais convencionais. É possível que também pretendam assinalar aos futuros
parceiros que estão a amamentar, pelo menos temporariamente. Porém, mui-
tos observadores encaram a argola no mamilo (tal como o espartilho vitoria-
no) menos como o sinal de um estádio na vida ou um enfeite erótico, mas
sim como uma forma de mutilação física.
O body piercing — das orelhas, narinas, umbigos e mamilos — constitui
apenas mais uma tentativa de melhorar a natureza. A longa história da per-
furação de partes do corpo tem intrigantes variações culturais em todo o mun-
do. A perfuração dos lóbulos das orelhas para introduzir argolas de todo o
tipo, formas e materiais — tão comum em grande parte do mundo — tem
sido mal vista pelos japoneses, para quem as orelhas furadas representam da-
nos físicos e um convite ao azar. À jóia na narina das mulheres indianas, em
tempos considerada bárbara pelos americanos, pode ser actualmente usada
por uma das nossas filhas ou netas. Por mais que tentemos melhorar o nosso
corpo, essas “melhorias” correm o risco de parecer bárbaras para alguém. E
por mais estranha que seja a última tendência ao nível do corpo, por mais bi-
zarra que seja a última moda para os seios, existe alguém pronto para comer-
cializá-la. Os produtos que chegam ao peito das mulheres — seios falsos e
soutiens com armação, cremes e loções, implantes mamários e argolas (e por-
que não o rouge ou as tatuagens?) — mantém o negócio sobre rodas e ali-
menta as fantasias de inúmeras mulheres e homens para quem o seio merece
todo o realce e atenção possíveis.

244
Sete
O SEIO MÉDICO:
FONTE DE VIDA E DE ANIQUILAÇÃO

NENHUMA CONSIDERAÇÃO sobre o seio estaria completa sem abor-


dar a história médica relativa a esta parte do corpo. Como é evidente, um es-
tudo verdadeiramente abrangente teria de cobrir 3 500 anos de relatos médi-
cos, civilizacionais e inúmeras fontes, desde os rolos de pergaminho à mais
sofisticada mamografia. Um estudo desses teria de acompanhar numerosas
sub-especialidades da medicina, como a anatomia, a ginecologia, a pediatria,
a oncologia, a cirurgia plástica e a psiquiatria. Idealmente, também abordaria
a relação actual entre a medicina oficial e a medicina popular. Este capítulo
apenas pode sugerir os contornos de uma empresa tão vasta, salientando os
momentos em que se registou a entrada de um novo entendimento da fisio-
logia e patologia do seio para as ciências médicas.
Os seios comandam o interesse dos médicos em duas áreas primordiais,
uma delas centrada no aleitamento e a outra na doença. (A cirurgia cosmética
do seio ainda é demasiado nova para ter uma grande história.) Desde a anti-
guidade até ao séc. XI, os médicos dedicaram uma atenção considerável aos
aspectos do seio como dador de vida e responsável pela morte, com a ênfase
a mudar do primeiro para o segundo, e em especial para o cancro da mama

245
MARILYN YALOM

“no nosso século. A lactação e a doença — questões de vida e de morte — ”


serão os dois pólos do nosso estudo do tratamento do seio pela profissão mé-
dica desde a antiguidade, com uma atenção especial à cirurgia cosmética.
Os papiros da oitava dinastia egípcia (1587 a 1328 A.C.) contam-se entre
os mais antigos documentos médicos. Estes papiros descrevem métodos de
estimular a produção de leite de uma mulher na fase de aleitamento: man-
dam-na “aquecer em óleo os ossos de um peixe-Xra” e esfregar as costas
com este preparado de cheiro forte, ou “sentar-se de pernas cruzadas e comer :
pão cheiroso de Dourra azeda,” ao mesmo tempo que esfrega os seios com
uma papoila! Ambos os tratamentos têm, pelo menos, o mérito de relaxar a
mãe. Outros papiros sobre magia-medicinal também incluíam análises para
determinar se o leite da mãe era bom.
Ão que parece, os antigos Egípcios valorizavam o leite materno pelos
seus poderes curativos em pessoas de todas as idades. Num papiro, a descri-
ção de uma poção para dormir incluía o leite de uma mulher que tivesse dado
à luz um rapaz. Este preconceito a favor do bebé do sexo masculino, a par
da crença de que ele acabava por beneficiar o leite da mãe, viria a ser uma
prática médica comum durante os três séculos seguintes! Em termos gerais,
o leite humano era usado para uma grande variedade de fins, como podemos
inferir a partir dos recipientes de barro existentes em forma de uma mulher
ajoelhada, com um seio numa mãe e um bebé na outra, e que fariam prova-
velmente as vezes de -biberões.? o
O papiro egípcio mais informativo em relação a doenças do seio contém
uma descrição de quarenta e oito casos tratados através da cirurgia. O caso
quarenta e cinco — talvez o registo mais antigo do cancro da mama — diz-
nos que um seio com tumores protuberantes que seja frio ao toque é uma
doença para a qual não existe cura Os remédios egípcios para os seios doen-
tes incluíam frequentemente ingredientes singulares. Um deles recomendava
a aplicação de um penso de calamina, miolos de vaca e excremento de vespa
durante um período de quatro dias.* Também se aconselhava que fosse pro-
ferido um encantamento em honra do deus Iser. Como os deuses e deusas
eram geralmente considerados responsáveis tanto pelo desencadear de doen-
ças como pela sua cura, essas fórmulas mágicas faziam parte do reportório
médico.
E
HISTÓRIA DO SEIO

A medicina europeia teve origem um século mais tarde na Antiga Grécia


(430-136 A. C.). Aí, a medicina tinha tendência para servir de apoio à pers-
pectiva filosófica de que a natureza física da mulher era basicamente inferior
à do homem. Tanto os cientistas como os filósofos usaram a presença dos
seios,e da menstruação para demonstrar que as mulheres eram inaptas para
executar as tarefas masculinas.” Os escritos do médico Hipócrates (460-377
A.C.) defendiam esta posição com o argumento de que o corpo das mulheres
era esponjoso e poroso, em contraste com os corpos musculados dos homens,
que eram mais perfeitos.
A mais influente e duradoura teoria de Hipócrates era a de que a saúde de
uma pessoa dependia de um perfeito equilíbrio dos quatro humores corporais
— sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra, associados aos quatro elementos
universais — terra, ar, água e fogo. Se um dos humores era excessivo, o equi-
líbrio do organismo podia ser recuperado através de sangrias, purgas, sudações
ou ejaculação. O que ainda faz menos sentido para nós no presente era a teoria
de que esses fluidos eram inter-permutáveis. Assim, o sangue menstrual subia
aos seios e surgia no momento adequado sob a forma de leite para o recém-
nascido. Essa crença manteve-se viva na literatura médica até ao séc. XVII!
Hipócrates associava a origem do cancro da mama à paragem da menstruação;
partia do princípio que a menopausa dava origem a um encaroçamento dos
seios e à presença de nódulos que acabavam por degenerar em cancros. A sua
posição era a de que um tumor no seio só devia ser extraído quando se movia
com facilidade. Caso contrário, o cancro da mama era incurável. Num dos seus
característicos resumos de casos, escreveu: “Uma mulher de Abfdera tinham
um carcinoma no seio, e houve uma descarga de sangue do mamilo. Quando
a descarga parou, a mulher morreu.”
A ginecologia e a obstretrícia eram temas altamente especulativos entre
os Gregos, e interessavam tanto aos médicos como aos filósofos. Aristóteles
(384-22 A. C.) — filósofo e naturalista — considerava os seios e a mens-
truação sinais biológicos de inferioridade feminina em todo o reino animal.
Na sua Historia Animalium, Aristóteles dedica uma especial atenção aos pro-
blemas da lactação e aos métodos de determinar se o leite da mãe ou da ama
de leite era adequado para consumo. Aristóteles acreditava erradamente que
o leite claro produzido nos primeiros dias a seguir ao parto era inadequado

247
MARILYN YALOM

para os bebés. É evidente que hoje sabemos que esse leite, denominado “ co-
lostro”, é mais que adequado, visto que transmite muitos anticorpos neces-
sários da mãe para o bebé. Aristóteles também escreveu muitos disparates so-
bre o facto de as mães morenas darem leite mais saudável do que as louras,
e as amas de leite momo darem origem à dentição mais precoce dos bebés
que amamentavam do que as que tinham leite frio.
O mais célebre ginecologista da antiguidade, Sorano de Efeso (início do
séc. ITD. €.) era mais a favor do recurso a uma ama de leite do que a maioria
dos médicos pensadores do seu tempo. Embora estivesse de acordo que a mãe:
que amamentava a criança podia sentir mais afecto por ela, ele reconhecia o
desgaste provocado pelo parto e o aleitamento que se lhe seguia, e aconse-
lhava a contratação de uma ama de leite “para que a mãe não tenha um en-
velhecimento precoce, passando o dia inteiro a amamentar.” ” Sorano desa-
creditava certas superstições populares, como a crença de que uma ama de
leite contratada para amamentar um rapaz já devia ter dado à luz um rapaz.
Ele punha de lado esse mito com o argumento de que, no caso de gémeos
de sexos diferentes mas amamentados pela mesma pessoa, nem o rapaz se
toma mais feminino nem a rapariga mais masculina.
Tal como outros médicos greco-romanos, Sorano estabeleceu critérios ex-
tremamente precisos para a selecção de uma ama de leite. Devia ter entre vin-
te e quarenta anos, já ser mãe de duas ou três crianças, estar em bom estado
físico e, de preferência, ser grande e morena. Os seus seios deviam ser de
tamanho médio, flexíveis e sem rugas, de mamilos não demasiado grandes
nem demasiado pequenos, compactos ou porosos. Devia ser uma pessoa afec-
tiva, limpa, de temperamento equilibrado, e grega de nascimento. Sendo ele
próprio grego, embora tenha exercido em Roma, o preconceito de Sorano a
favor das amas de leite gregas era partilhado por muitos dos seus contempo-
râneos.
Quanto ao leite produzido pela ama de leite ideal, também ele estava su-
jeito a um escrutínio severo. Devia ser branco e sem nenhuma coloração ver-
melha ou esverdeada, de odor agradável, gosto doce e consistência média.
Esta última qualidade podia ser testada espremendo uma gota de leite numa
unha ou numa folha de louro e observando se ele se mantinha assim ou dis-
persava demasiado depressa.

248
HISTÓRIA DO SEIO

Sorano aconselhava a vigilância apertada da conduta da ama de leite, que


devia ser aconselhada a fazer exercício para evitar produzir leite espesso e in-
digesto, com exercícios especiais para os braços e para os ombros. A ama podia
atirar uma bola, tirar água do poço, moer cereais ou amassar pão. Dizia-se que
esses movimentos activavam os seios para a produção de um leite melhor.
Em relação à dieta, a ama de leite devia abster-se de comidas que fizessem
o leite ter um sabor amargo, como o alho-porro, o alho, a cebola e a beterraba;
as carnes mais indigestas como o carneiro e a came de vaca; e todas as co-
midas muito condimentadas. Em vez disso, devia comer pão duro feito de tri-
go fresco, gema de ovo, miolos de perdizes, pombos, galinha, peixes de água
doce e, uma vez por outra, leitão. Só devia beber água durante os primeiros
quarenta dias de vida do bebé, após o que podia acrescentar à dieta um pouco
- de vinho branco.
Na melhor das circunstâncias, Sorano aconselhava duas amas de leite em
vez de uma e, no pior dos casos leite animal — de preferência de cabra. Se
a ama de leite adoecia ou o seu leite secava, eram sugeridos vários remédios,
que iam da massagem aos seios ao vómito auto-induzido. E rejeitava sensa-
tamente alguns remédios mais bizarros, como as beberragens feitas com cin-
zas de mocho ou morcego.
Com a autoridade de um médico experiente, que escrevia tanto para as
parteiras como para os médicos, Sorano constitui um extenso guia para todos
os aspectos do aleitamento. Ele diz à ama exactamente como deve pegar no
bebé, e quando deve ou não dar de mamar. Não faz mal que um bebé chore
um bocadinho antes de se lhe dar o seio — isso é bom para os órgãos respi-
ratórios. Mas é mau para o bebé dormir com o mamilo da ama na boca. Acima
de tudo, o bebé não deve passar a noite na cama dela, para evitar que seja
esmagado se ela se virar enquanto estiver a dormir.
Embora Sorano tivesse uma grande fama em vida, os seus escritos tive-
ram pouca influência póstuma; em vez disso, foi a autoridade de Galen de
Pergamon (129-99) que dominou o pensamento médico durante os séculos
vindouros. Tal como Platão e Aristóteles, Galen acreditava que o macho
aproximava-se mais da perfeição do que a fêmea, e que o corpo feminino pre-
cisava de adaptações especiais para compensar as suas insuficiências. Este
autor escreveu, por exemplo, que os seios se encontravam no lugar onde es-

249
MARILYN YALOM

tavam, por cima do coração, para dar mais calor e protecção a esse órgão vi-
tal. E acreditava que as mulheres melancólicas tinham mais tendência a sofrer
de cancro da mama do que as mulheres alegres — uma noção que não deixa
de ter pontos de contacto com algumas das especulações psicossomáticas dos
nossos dias, embora os estudos actuais não tenham conseguido encontrar uma
associação entre a depressão e o cancro da mama.
O compilador bizantino Aetius, deixou-nos a descrição de uma operação a
um cancro da mama. Aetius considerava os tumores que se encontravam na ex-
tremidade do seio e que ocupavam menos de metade desse órgão os únicos pas-
síveis de serem operados. Antes de pegar na faca, o médico era aconselhado a
desintoxicar o corpo, quer mediante uma purga, quer administrando teriaga, um
antídoto composto por vários ingredientes frios. Os caranguejos fervidos em
leite de burra também eram considerados eficazes. A utilização de caranguejos
baseava-se na crença de que o aspecto de um objecto, ou mesmo do seu nome,
era indicativo da sua utilidade terapêutica. Assim, cancer, O caranguejo, serve
para curar o cancro. A utilização médica do termo “cancro” — karkinos em
grego — pode ter ocorrido devido ao facto de o caranguejo andar para trás e
agarrar-se firmemente a qualquer coisa que toque, ou pura e simplesmente por
alguns tumores malignos serem parecidos com caranguejos.
Aetius copiou esta descrição de uma operação ao cancro da mâma de Leó-
nides, um médico da escola da Alexandria no séc. 1.

Mando a paciente deitar-se de costas. A seguir, faço-lhe uma in-


cisão na parte maior do seio acima do cancro e aplico cauteri-
zadores até se produzir uma escara que faz parar o sangue. Depois,
faço outra incisão e corto mais profundamente, voltando a cauteri-
zar as diversas partes. Repito esta operação várias vezes, cortando
e queimando alternadamente, de forma a fazer estancar o sangue.
Porque deste modo, evita-se o perigo de hemorragia. Quando a
amputação está completa, volto a queimar todas as partes até elas
secarem. As primeiras cauterizações são feitas com o propósito de
fazer parar a hemorragia, mas as outras, com a intenção de errad1-
— car todos os restos da doença.”
HISTÓRIA DO SEIO

Este tipo de operação ao cancro da mama, com recurso à cauterização


para controlar o sangramento, viria a ser prática comum durante muitos sé-
culos.
No séc. VII D. €., existia já um corpo substancial de literatura médica
sobre.o seio, em grande medida derivada de fontes gregas e romanas. Esta
informação sobre o aleitamento, sobre as amas de leite e o tratamento de
doenças do seio viria a manter-se imutável até ao séc. XI, a par de remédios
populares indígenas.
No início da Idade Média, a primeira escola de medicina da Europa foi
fundada em Salerno, no sul de Itália. Aí, médicos dos dois sexos exerciam
obstetrícia e ginecologia, a par da medicina geral. Diz-se que uma das mu-
lheres — uma certa Trotula, que exerceu com êxito por volta de 1050 — re-
digiu um livro sobre doenças das mulheres que era conhecido por várias de-
signações e em diversas línguas. Numa das versões, um texto em middle
English do início do séc. XV, a autora dá o seguinte conselho a uma mulher
que tenha um tumor no seio: “Este deve ser coberto por 1 dracma de bolo-
arménio, 3 onças de óleo de rosas, aplicado com vinagre e seiva de erva-mou-
ra Os excrementos humanos queimados curam úlceras cancerosas que pare-
cem incuráveis.” Os excrementos de toda a espécie parecem ter sido muito
apreciados na cura do cancro da mama, quer sob a forma de ” excrementos
de cabra misturados com mel”, quer ” excrementos de ratos misturados com
água.” "* Este conselho sugere que o tratamento das doenças do seio quase
r 3 10

não evoluiu desde os excrementos de vespa dos antigos egípcios até aos mor-
cegos queimados da Antiga Grécia.
* Qutros manuscritos latinos e vernaculares também sugerem o papel das
mezinhas na medicina medieval. Peyre de Serras, por exemplo, que viveu
perto de Avinhão em meados de 1350, aconselhava as mulheres com proble-
mas de parto, menstruações dificeis ou dores nos seios possivelmente causa-
das por quistos, abcessos, por cancro ou-pelas mutações hormonais a beber
uma infusão de baga de sabugueiro mergulhadas em vinagre durante vários
dias. Outro tratamento popular para as dores no seio consistia em aplicar um
penso feito com sangue de porco.!! Os pensos podiam, ao menos, imobilizar
a região afectada e eram geralmente considerados eficazes quando havia um
alívio dos sintomas — mêsmo que o paciente acabasse por morrer. Com re-

251
MARILYN YALOM

médios desses aconselhados pelos médicos, não é de admirar que muitas mu-
lheres se tenham agarrado à crença nas curas religiosas. Rezar na igreja em
frente à Virgem Maria e aos santos protectores ou debaixo das efígies pen-
duradas acima das suas cabeças não podia fazer mal. Como já referimos, as
muitas histórias de curas milagrosas efectuadas por sacerdotes e santos su-
gerem como as crenças religiosas estavam interligadas às práticas médicas.
No séc. XIII, os cirurgiões italianos Bruno da Longoburgo, Theodoric
Borgognone e Guglielmo da Saliceto escreveram tratados de medicina que
continham tudo que se sabia na época sobre o cancro da mama. Guglielmo :
reconheceu que alguns tratamentos que consistiam numa dieta e em aplica-
ções locais eram geralmente ineficazes, e que o cancro da mama só podia ser
verdadeiramente curado através da cirurgia. Toda a parte afectada era cortada
com ” uma faca muito afiada,” ao que se seguia uma cauterização com um
ferro quente e a aplicação de substâncias calmantes.'2 A Cyrurgia de Theo-
doric incluía a ilustração de uma examinação do seio executada por um mé-
dico a uma mulher sentada, e outra de uma mulher a aprender a observar-se
para despistar abcessos do seio. Dada a grande ênfase colocada actualmente
nas examinações aos seios, estas imagens parecem muito avançadas para a
época.
O mais importante cirurgião francês deste período, Henri de Mondeville
(12607-1320), também tinha uma opinião sobre este tema. Cirurgião do rei
de França Filipe, o Belo, e professor de cirurgia em Montpellier e em Paris,
Henri de Mondeville achava que o cancro da mama só devia ser operado
quando o tumor podia ser completamente erradicado; caso contrário, a inter-
venção só iria piorar as coisas. Empiricamente, o cirurgião observara que cor-
tar um tumor dá geralmente origem a uma ferida que não sara, embora não
compreendesse porque é que isso acontecia. Ainda não havia qualquer per-
cepção de que cancro podia espalhar-se no seguimento de uma operação des-
sas, tornando-se uma doença sistémica.
De Mondeville também se pronunciou sobre a afirmação de Galen acerca
do posicionamento dos seios: ” Os motivos pelos quais os seios das mulheres
se encontram no peito, ao passo que outros animais os têm noutros lugares,
, são de três espécies. Em primeiro lugar, o peito é um lugar nobre, casto e
notável, e assim eles podem ser mostrados decentemente. Em se gundo, aque-

252
HISTÓRIA DO SEIO

cidos pelo coração, devolvem-lhe o seu calor, pelo que este órgão se forta-
lece. O terceiro motivo só se aplica aos seios grandes que, cobrindo o peito,
aquecem, cobrem e fortalecem o estômago.” “o que de Mondeville desco-
nhecia em termos de conhecimentos anatómicos, explicava numa linguagem
elegante.
“As descrições médicas do corpo humano eram frequentemente baseadas
em provas muito ténues — que por vezes não provavam nada. Era esse o caso
da antiga noção que remontava a Hipócrates, de que o leite materno era uma
espécie de sangue menstrual. Em comentário à sua "poética de leite e san-
gue,” o historiador Thomas Laqueur considera-a parte de uma epistemologia
médica mais baseada na sabedoria empírica e popular do que na observação
factual. Os artistas anatômicos renascentistas chegavam, por vezes, a esta-
belecer uma ligação entre o útero e os seios femininos, como acontece num
célebre desenho de Leonardo da Vinci.
Só a seguir à obra de Andreas Vesalius (1514-64) é que o estudo da ana-
tomia se transformou numa verdadeira ciência. A partir da sua dissecação de
cadáveres em Pádua, onde era professor de cirurgia, Vesalius conseguiu obter
um novo entendimento das funções do corpo humano. Porém, o seu tratado
anatômico revolucionário, cuja primeira edição data de 1543, ainda se baseava
em ideias de Aristóteles e Hipócrates acerca das mulheres. Ele acreditava, por
exemplo, que as substâncias a partir das quais o embrião se formava eram o
“sémen genital” e o “sangue espiritual” O leite materno constituía um mis-
tério, transformando-se miraculosamente a partir do sangue ao subir aos seios.
O interesse de Vesalius no seio centrava-se na sua relação com as necessidades
do recém-nascido, como podemos perceber pela seguinte descrição:

Quando o feto é dado à luz, suga o leite para seu alimento sem
ninguém o ensinar. Os seios localizam-se no peito e estão forneci-
dos de mamilos; estes são formados de um material glandular que,
por força inata, converte e leite no sangue que é trazido até eles
pelas velas.

Outros médicos do Renascimento discutiram todos os aspectos do aleita-


mento em textos que foram indubitavelmente mais lidos por outros médicos

253
MARILYN YALOM.

do que pelas mulheres, dado que muitas dessas obras foram escritas em La-
tim. Mesmo no caso das obras escritas em vernáculo, os leitores eram pre-
dominantemente outros humanistas e profissionais, pois a população letrada
era composta por relativamente poucos homens e ainda menos mulheres.
A mais famosa figura médica francesa do séc. XVI, Ambroise Paré (1510-
-90), escreveu copiosamente sobre o tema do aleitamento. Influenciado pelos '
seus antecessores greco-romanos, concentrou-se em grande medida no tema
das amas de leite. Num capítulo intitulado ” Dos Seios e do Peito da Ama de
Leite”, afirma que ” Ela deve ter um peito amplo e seios bastante grandes que '
não sejam flácidos nem pendentes, mas entre o duro e o macio.” A “firmeza
média” era um sinal de que o leite fluiria facilmente quando o bebé mamasse.
Quando ao seio rijo, o seu leite era considerado demasiado concentrado, e o
bebé ”achando-o demasiado duro, enfurece-se e não quer mamar.” !É Na opi-
nião de Paré, esse tipo de seio também tinha a desvantagem de fazer o bebé
ficar com o nariz achatado!
A obra de Paré está cheia de deduções questionáveis deste tipo. As amas
de leite de cabelos escuros são melhores do que as de cabelos claros, e acima
de tudo, avisou o autor, nunca se deve contratar uma ruiva. Se o último bebé
da ama tiver sido um rapaz, isso traz vantagens especiais: o sangue tem “me-
nos excrementos,” e o seu leite é melhor “porque o rapaz, com o seu calor
natural, enquanto se encontra na barriga da mãe, aquece-a mais do que o feto
do sexo feminino.” Porém, apesar dos preconceitos infundados a favor das
amas morenas, dos bebés do sexo masculino, etc., Paré também forneceu
conselhos úteis e muito senso comum ao tema do aleitamento.
Paré foi sensível ao estado de exaustão que muitas mulheres experimen-
tam após parto, e demonstrou uma preocupação pouco habitual com a saúde
da mãe e do recém-nascido. Este autor dedicou um longo capítulo sobre os
diversos métodos de secagem dos seios destinado à mulher que optasse por
amamentar. Esses métodos incluíam massagem, pensos, loções, êmbolos
aplicados nas coxas e na barriga, e o aleitamento de outro adulto ou mesmo
de cachorrinhos! E se a mãe não tivesse estes últimos à sua disposição, Paré
aconselhava-a a usar um êmbolo de vidro, que devia colocar na ponta do seio,
chupando do outro lado do aparelho.
» Como outros médicos moralistas da sua época, Paré tinha motivos para

254
HISTÓRIA DO SEIO

acreditar que, para a saúde do bebé, o aleitamento materno era melhor do que
o recurso a uma ama de leite. Na segunda metade do séc. XVI, sabia-se que
a taxa de mortalidade das crianças entregues aos cuidados de amas de leite
era muito elevada. Uma das causas disso pode dever-se ao facto de as amas
de leite, que amamentavam crianças durante vários meses, ou mesmo anos,
não terem o “primeiro leite”, que contém o colostro, que transfere os anti-
-corpos maternos para o bebé. Era provável que os bebés das famílias pobres,
amamentados pelas mães desde o primeiro dia de nascimento, tivessem taxas
inferiores de mortalidade neo-natal. Um observador deste fenômeno, o mé-
dico galês John J ones, salientou em 1579 as “condições de uma certa robus-
tez dos filhos de mães mais pobres.” !” Mesmo que uma mãe das classes altas
tivesse optado por amamentar o seu filho, não o fazia durante os primeiros
dias de vida da criança, porque se julgava erradamente, de acordo com as
ideias de Aristóteles e outros pensadores, que o “primeiro leite” fazia mal à
criança.
“Enquanto os médicos do Renascimento criavam um novo corpo de lite-
ratura obstétrica, os cuidados da maioria das mães durante a gravidez, o parto
e o aleitamento era da responsabilidade das parteiras. A maior parte das par-
teiras era treinada por outras parteiras sem beneficiarem-de instrução institu-
cional ou vigilância municipal. No entanto, em Paris, em finais do séc. XVL,
a profissão da parteira era cuidadosamente controlada por autoridades civis,
médicas e religiosas. À lista oficial de parteiras de 1601 contém sessenta no-
mes classificados por idades, e entre elas encontra-se o de Madame Louyse
Bourgeoyse.
Louise Bourgeois (para utilizar o grafismo moderno) entrou na história
como a parteira que ajudou a nascer o rei francês Luís XIII e os cinco outros
filhos de Marie de Médicis e Henrique IV. Ela também é conhecida pela pu-
blicação, em 1609, do primeiro livro francês sobre obstetrícia escrito por uma
parteira. Bourgeois repete muito do que já se encontrava na obra de Ambroise
Paré (com quem o seu marido, que era cirurgião, tinha estudado), mas tam-
bém põe a sua voz distinta e a sua experiência pessoal ao serviço das mu-
lheres — com um sabor mais de cozinha do que de sala de consulta. Por
exemplo, uma das suas muitas receitas para secar o leite da mãe é uma po-
mada feita de cera de abelha, mel e uma onça de óleo de rosas, uma onça de
MARILYN YALOM

manteiga fresca, e seiva de salva e cerefólio, que deve ser espalhado sobre
cânhamo fino e colocado sobre os seios, depois de estes terem sido esfrega-
dos com óleo de rosas e vinagre, posto o que se cobre tudo com linho quente
e deixa-se ficar assim durante um período de oito dias. Para as mães que estão
a amamentar que, por qualquer motivo (medo, irritação, doença, má alimen-
tação ou melancolia), perdem o leite e querem recuperá-lo, Louise Burgeois
aconselha uma boa sopa feita de funcho chicória, azedas e alface, que devia
ser comida de manhã e à noite. Às mulheres de seios inchados ou com um
tumor, aconselhava: ” Dissolva meia onça de banha, uma pequena quantidade
de cera nova, duas onças de pez (alcatrão), e faça com todos os ingredientes
uma pomada que deve usar para cobrir o peito depois de lancetado.” 2 O es-
tilo caseiro de Bourgeois explicará com certeza a sua popularidade entre as
gerações de parteiras, mães e amas de leite que teriam sido incapazes de ler
tratados de medicina mais formais.
O seu conselho sobre a escolha de uma ama de leite, sem o tom moralista
de muitos escritores do sexo masculino, indica que esta prática se estava a
tornar cada vez mais aceitável, tanto para a burguesia como para a aristocra-
cia. Existem, é claro, alguns aspectos habituais a ter em consideração: veri-
ficar os dentes, a cor do cabelo, a história médica e, especialmente, o carácter
da futura ama de leite (as que fossem namoradeiras deviam ser cuidadosa-
mente evitadas). Tendo em conta que o bebé passa nove meses na barriga da
mãe e dois anos ao seio de uma ama de leite, Bourgeois não ficou surpreen-
dida ao descobrir que algumas crianças possuíam mais características da se-
gunda que da primeira. No séc. XVII, a profissão das amas de leite — e das
parteiras — estava cada vez mais regulamentada, uma profissão que oferecia
às mulheres uma perspectiva de ganhar um ordenado decente e, ocasional-
mente, subir na hierarquia social (fig. 82). A parteira e a ama de leite faziam
parte de uma rede de curandeiras que começavam agora a ter a participação
de médicos do sexo masculino.
— Tanto os médicos como as curandeiras continuavam a entender a doença
em termos humorísticos. Repetiam as opiniões de Hipócrates e Galen, pres-
creviam eméticos, sangrias, e alguns alimentos que iriam restaurar o equili-
brio do sistema. Em termos do seio, acreditavam que o cancro era provocado
pelo fluxo de um humor espesso e viscoso, e o grau de malignidade era de-

256
HISTÓRIA DO SEIO

82. Luís XIV em criança com a sua ama de leite. Pintor anónimo.
As amas de leite da família real francesa eram cuidadosamente escolhidas de acordo com padrões
rígidos estabelecidos nos tratados médicos.

257
MARILYN YALOM

terminado pelo humor em questão (Em geral, eram conservadores no trata- |


mento do cancro da mama, preferindo as dietas e aplicações locais à snastec-
tomia, excepto caso esta tivesse úlceras.
- O mais notável cirurgião alemão deste período, Wilhelm Fabry (1560- -
1634), acreditava que o cancro da mama começava com o encaroçamento de :
uma gota de leite que endurecia dentro do seio. Este cirurgião que ficou fa
moso pela remoção de tumores do seio, incluindo quistos nas axilas, descre-
. veu assim um dos seus casos:

Ao fim de cinco anos (se bem me lembro) de sofrimento, quando


o tumor cancerígeno tinha atingido o seu ponto mais grave, a
doente foi procurar-me. Encontrei um cancro oculto no seio dire-
ito, muito maior do que um punho, duro e esbranquiçado. Na axila
também havia três quistos duros, um dos quais era do tamanho de
um ovo: Depois do corpo estar suficientemente preparado por um
regime adequado de alimentos sólidos e líquidos, e por purgas e
sangrias cortei todos esses quistos e ela voltou a ficar de saúde.

- | Se os resultados eram tão bons como Fabry afirma, isso deve-se em parte
ao facto de ele seguir a regra de tirar, não apenas o tumor mas também todas
as membranas que o envolviam. Fabry sabia que se ficar para trás alguma
“parte do tumor ou tecido envolvente, “ele volta a declarar-se e torna-se ainda
- mais grave”
— Outro famoso cirurgião alemão, Johannes Schultetus (1595-1645), colo-
cou ilustrações das etapas sequenciais de uma mastectomia na sua obra pós-
tuma, Armamentarium Chirurgicum (1635)./As traduções desta obra para ale-
mã, francês e inglês, a par da utilização das suas ilustrações em outros livros
- sobre cirurgia, explicam a sua crescente influência nos séculos seguintes./A
Com a descoberta da circulação sanguínea por William Harvey em 1628
e a descoberta do sistema linfático, denominado vasa lymphatica por Thomas
Bartholin de Copenhaga em 1652, a ciência entrou numa fase de transição
entre o abandono gradual da patologia humoral e a aceitação da patologia ce-
lular no séc. XI. Durante os dois séculos seguintes, a medicina e a charlata-
nice, a superstição e a ciência, o preconceito infundado e a observação em-

258
HISTÓRIA DO SEIO

pírica coexistiram lado a lado, como hoje, se bem que actualmente esse facto
seja menos flagrante.
Alguns médicos acreditavam que o cancro era contagioso, especialmente
o de tipo ulceroso. O médico e anatomista de Amsterdão Nicolaes Tulp
(1593-1674) — conhecido das gerações seguintes através do célebre quadro
de Rembrandt4 Lição de Anatomia — citou o caso de uma paciente que so-
fria de um cancro da mama aberto, que se pensava ter sido transmitido à em-
pregada ? A crença no contágio do cancro permaneceu até ao séc. XI, e mes-
mo actualmente os familiares e amigos de doentes cancerosos albergam, por
vezes, este-receio que não tem qualquer base científica.
Entre os médicos consultados para tratamento do cancro da mama, a cl-=-
rurgia era geralmente considerada o tratamento de último recurso. Foi esse ...
o que aconteceu em 1663, quando Ana de Áustria, mãe do rei Luís XIV de
França, descobriu um pequeno nódulo no seio esquerdo. O quisto foi tratado
“com sangrias, eméticos, clisteres, compressas, pomadas, e posteriormente,
depois de ele ter ulcerado, com beladona e lima queimada. Um grande nú-
mero de médicos, curandeiros e charlatães examinou a rainha, propondo todo
“o tipo de remédios. Comentando todas estas intervenções numa série de car- —
tas Gui Patin, o antigo decano da Faculdade de Medicina de Paris, afirmou
exasperado, “O Cancro não tem nem nunca terá cura; mas o mundo gosta
de ser enganado” (22 de Maio de 1665). —
“Em Agosto de 1665, Ana estava tão fraca que já tinha sido dadá como
moribunda por duas vezes. Nessa altura, pôs-se nas mãos de um médico da
Lorena, cujo remédio especial era uma pasta de arsénico; o seu efeito era
mortificar o tecido doente, que ia depois sendo cortado a pouco e pouco. A
rainha submeteu-se a estas operações entre Agosto de 1665 e Janeiro de 1666,
mostrando poucos sinais de recuperação. Por fim, chamaram o cirurgião de
Oorschot Arnoldus Fey para operá-la. Como a situação era claramente de-
“sesperada, este último redigiu um documento legal onde declarava que não
podia ser responsabilizado pelos resultados. A rainha agonizou depois da
operação de Fey, e morreu em Janeiro de 1666, aos sessenta e cinco anos.
- Adrian Helvétius (1661-1741), um médico holandês que exercia em Paris,
reclamou pela primeira vez honra de executar uma operação a um tumor no
seio bem sucedida pela primeira vez em França. A sua “Carta Sobre a Na-
MARILYN YALOM

tureza e Cura do Cancro”, de 1697, baseava-se em grande medida no caso


de uma mulher que se submeteu ao que designariamos actualmente por lum-
pectomia.?
Marguerite Perpointe, de quarenta e seis anos, nascida em Inglaterra a cer-
ca de 40 km de Londres, descobriu que tinha um cancro na mama em Abril
| de 1690. Ao atravessar o Canal da Mancha, sentiu uma dor no seio direito e
um pequeno nódulo duro do tamanho de uma avelã. Consultou Helvétius as-
sim que chegou a Paris, e contou-lhe que tinha embatido contra uma chave
pendurada numa porta sete meses antes. Helvétius enviou-a a dois cirurgiões,
explicando que o único remédio era operá-la seguindo as suas instruções.
Como ela estava muito assustada, experimentou outros remédios — pensos,
cataplasmas — que se revelaram todos inúteis. Seis meses mais tarde, o tu-
mor estava do tamanho de um punho, e a dor aumentara proporcionalmente.
Temendo que o cancro rebentasse, a mulher foi ter com Helvétius, que
decidiu que ainda era possível operá-lo. Nas suas palavras: ” Ajudei a pacien-
te a resolver submeter-se à sua extirpação.” A operação, executada por dois
cirurgiões escolhidos por Helvétius, teve lugar na presença de mais de vinte
distintos membros da profissão médica, notáveis cientistas “movidos pela
curiosidade de testemunhar uma coisa inédita em França até ao momento.”
Todos esperavam o pior, “um espectáculo de crueldade, uma operação longa
e dolorosa, com gritos de dor, uma grande efusão de sangue da paciente, e
a sua exposição a um perigo mortal” Em vez disso, a operação decorreu
“sem grande dor, sem gritos, sem a aparência de fraqueza, sem o menor pe-
rigo, sem verter mais de duas palettes de sangue, com à vontade, facilidade
e prontidão.” Todos os presentes examinaram a enorme massa retirada, que
se tinha tornado ” dura como um chifre,” e todos concordaram com Helvétius
que ”a extirpação fora o único remédio possível.” Helvétius afirmou com or-
gulho alguns anos mais tarde: “Desde essa altura, a paciente recuperou na
totalidade. A dor desapareceu por completo, a cicatriz sarou perfeitamente,
e ela goza de um estado de saúde como a que tinha antes do cancro.”
Helvétius distinguia entre a amputação, necessária quando o cancro já ti-
nha alastrado ao seio, e a extirpação (lumpectomia), quando o cancro se en-
contrava restrito a uma única ” glândula.” No último caso, bastava remover
apenas o tecido doente, sem cortar O seio todo. Helvétius garantia aos seus

260
HISTÓRIA DO SEIO

leitores, ” Qualquer destas operações é fácil.” O cirurgião também tinha or-


gulho em afirmar que inventara uma espécie de instrumento de ferro deno-
minado la tenette Helvétius (a pinça Helvétius), que fora usada para retirar
o tumor do seio depois de este ser aberto com uma lâmina e um escalpelo. —
“A operação em si foi claramente uma espécie de exibição perante um pú-
blico selecto. Helvétius referiu em particular a presença do bispo de Perpig-
nan, que serviu de ” testemunha” do acontecimento, e o “aplauso geral” que
os cirurgiões receberam no final do espectáculo.
Para confirmar a importância do procedimento por ele orquestrado, Hel- |
vétius salientou-os casos de outras duas operações ao cancro da mama exe-
cutadas em França pelo cirurgião Le Dran, e numerosas mastectomias exe-
cutadas na Holanda. Noutra obra, gabava-se que o seu próprio pai tinha
extirpado mais de dois mil cancros da mama em The Hague. Mas neste tra-
tado, colocou-se no centro dos acontecimentos como actor principal de um
novo capítulo da medicina. Era uma característica da escrita médica da época
prestar pouca atenção ao estado subjectivo do doente. Do ponto de vista da
nossa época, gostaríamos de saber mais coisas acerca das mulheres referidas
no tratado: — Madame Marguerite Perpointe, Mademoiselle de Courcelles,
e “uma certa Poitiers, mulher de um alfaiate — três heroínas corajosas dos
primórdios do drama da cirurgia ao cancro da mama.
“Embora os médicos escrevam sobre a mastectomia desde a antiguidade, --
a operação em si era sempre executada por um “cirurgião” — ou seja, al-
guém cuja perícia era limitada ao manejo da faca. Os médicos não tinham
os cirurgiões em grande conta, e mesmo estes tinham a sua própria hierarquia,
na base da qual se encontravam os “barbeiros cirurgiões” —
Podemos ver a ligação entre os barbeiros cirurgiões e os médicos no caso
de uma camponesa cuja história foi registada pelo médico alemão Johann
Storch no seu volumoso Doenças das Mulheres. A mulher apareceu na casa
de Storch em Março de 1737 e pediu-lhe que examinasse o seu seio esquerdo.
Ela queria saber o que fazer ao caroço que tinha dentro do seio e que atingira
o tamanho de um “ovo pequeno de galinha”. Storch aconselhou-a a voltar
depois do período menstrual, para proceder à sua excisão. Na vez seguinte,
ela apareceu com um barbeiro cirurgião da sua zona, que queria aprender
como se executava a operação. Posteriormente, a mulher mandou esse ho-

261
MARILYN YALOM

mem retirar o quisto em sua casa “para reduzir os custos.” É evidente que
Storch, médico, tinha sido consultado na categoria de autoridade na matéria,
mas o trabalho sujo foi executado pelo barbeiro cirurgião, menos culto e mais
mal remunerado.
A camponesa de Storch estava decididamente mais disposta a ser exami-
nada do que muitas das suas pacientes. Entre elas, uma desavergonhada de
vinte anos “teve de obrigar-se a si própria” a mostrar-lhe o seio dorido, e
uma senhora da corte descobriu o seio ” com grande embaraço” apesar da dor
que sentia há três anos. Todas estas mulheres parecem ter tido aquilo que a
historiadora Barbara Duden designou por “tabu” contra tocar e mostrar.”
Era típico uma mulher permanecer completamente vestida à frente do médico
enquanto lhe descrevia os sintomas, quer a consulta decorresse no consultório
ou no quarto (fig. 83).
Como a maioria das pacientes esperavam o máximo de tempo possível
antes de consultarem um médico, deparando-se, assim, com estádios de doen-
ça avançados, as vítimas do cancro da mama raramente sobreviviam muito
tempo à operação. Não é que a detecção precoce apresentasse resultados sig-
nificativos nessa época em que não havia antissépticos, visto que elas tam-
bém podiam morrer da infecção e do envenenamento sanguíneo resultante da
própria operação! O caso da escritora inglesa Mary Astell é provavelmente
representativo do destino que as mulheres com cancro da mama podiam es-
perar na época * Astell descobriu o seu tumor em 1731, aos sessenta e três
anos. Esperou que ele atingisse uma dimensão bastante grande e ulcerasse
antes de procurar o famoso cirurgião escocês Dr. Johnson, pedindo-lhe para
retirar o seio da maneira mais privada possível. De acordo com um relato da
sua vida, ela submeteu-se à mastectomia “sem a menor oposição ou resis-
tência, nem um único gemido ou suspiro.”?? Porém, a sua coragem de pouco
lhe valeu. No prazo de dois meses, morreu de uma doença que já estava de-
masiado avançada para ser detida por uma intervenção cirúrgica.
= Nos séculos XVII e XVIII, o cancro da mama ainda era encarado de acor-
do com a descrição galénica como a estagnação ou coagulação de um dos
humores corporais. Como tal, era frequentemente tratado com regimes die-
téticos destinados a restaurar a circulação; estes regimes incluíam água mi-.
geral, leite, e caldos de galinha, rãs ou sapos, bem como laxantes e jejuns.

262
HISTÓRIA DO SEIO

83. Jan Steen. Médico e Pciciente. Séc. XVIL


Uma mulher completamente vestida está sentada à mesa do médico. Enquanto aponta para o
seio, ele fixa o olhar nos apontamentos abundantes. Era pouco próprio o médico tocar na
paciente. :
MARILYN YALOM

Também se considerava que as sangrias podiam escoar os humores em ex-


cesso e restaurar o equilíbrio. Os remédios externos incluíam cataplasmas e
pensos; seiva de beladona, de tanchagem e da planta do tabaco; pomadas de
arsénico, chumbo mercúrio; ou mesmo maçãs podres, compressas saturadas
de urina e um pombo aberto em vida”
— Um número crescente de médicos começou a aprovar operações mais
agressivas, seguindo procedimentos descritos em tratados holandeses, fran-
ceses, ingleses e alemães. Um dos mais influentes foi o Sistema Geral de Ci-
rurgia, que foi rapidamente traduzido do latim para alemão e inglês“ Dreister
afirmava ter extirpado numerosos cancros da mama “maiores do que um Pu-
nho”, e inclusivamente um que pesava 5,4 kg (fig. 84)! A operação foi feita
sem anestesia, como todas as operações executadas antes de meados do séc.
XX. Os doentes apenas recebiam ocasionalmente vinho ou ópio para com-
—. bater a dor. o

84. Lorenz Heister. Um Sistema Geral de Cirurgia. Londres. 1748. Mastectomia e instrumentos
médicos relevantes.
Esta gravura mostra o método que o médico alemão Lorenz Hastor utilizava para fazer lumpec-
tomias e mastectomias assim como os instrumentos que usava.

264
HISTÓRIA DO SEIO

A escritora inglesa Fanny Bumey registou a agonia da mastectomia a que


foi submetida em Outubro de 1811. A carta que ela escreveu à irmã em Jn-
glaterra permite-nos dispor dé um relato na primeira pessoa, não na perspec-
tiva de um cirurgião ou biógrafo póstumo, mas do lugar privilegiado do pró-
prio paciente.
“Barney casara com o francês Monsieur d' Arblay durante o seu exílio em
Inglaterra. Após a revolução, ela regressou com ele a França, onde foram re-
cebidos nos mais altos círculos. Quando começou a ter violentas dores no
seio, recorreu ao famoso cirurgião do exército de Napoleão, Baron Larrey.
Durante a consulta com dois dos seus médicos associados, Larrey decidiu
operar. Nas palavras de Bumey: ” Fui formalmente condenada a uma opera-
ção pelos Três. Fiquei muito surpreendida e decepcionada — pois o pobre
seio não estava descolorado & não era muito maior do que o seu saudável
vizinho.”*? Temendo que ”o mal fosse profundo” e a sua vida corresse pe-
rigo, Bumney consentiu em ser operada.
Mas exigiu que os médicos lhe prometessem uma coisa; que apenas a avi-
savam quatro horas antes da operação. Assim, sentia que conseguia ficar com
o melhor estado de espírito possível ” para enfrentar o golpe.” Três semanas
depois, estava na cama quando a informaram que os cirurgiões apareceriam
às dez horas. Burney insistiu para que adiassem a marcação para a tarde para
lhe dar tempo de se preparar para a operação, que seria executada em sua
casa. De acordo com as suas recordações:

Fui até ao Salão — vi que estava cheio de preparados, & recuei


— Mas voltei daí a nada: de que valia esconder de mim mesma
aquilo que tinha de saber em breve? — porém, ao ver a imensa
quantidade de pensos, compressas, esponjas, linho para feridas —
fiquei um pouco enjoada: - andei para trás e para a frente até
aquietar toda a emoção, & fui gradualmente ficando quase
estúpida — entorpecida, sem sentimento ou consciência, — e as-
sim permaneci até o Relógio bater as três. Então, voltou a mim
um súbito espírito de vingança, — peguei na pena para escrever
algumas palavras a M.d'A. — e mais algumas para o Alex (seu
filho), para o caso de o resultado ser fatal.

265
MARILYN YALOM

Esta descrição foi escrita numa época em que o cancro da mama era um
assunto altamente confidencial, que só devia ser contado aos mais próximos .
e aos mais queridos, e mesmo assim com palavras criteriosamente escolhidas.
Porém, ta! como o autor da novela Evelina e outras obras célebres, Bumey
sabia que a carta que enviara à irmã seria partilhada com outros membros da
família e amigos, e que não seria deitada para o lixo. O texto que se segue
é obra de uma novelista experiente.

O Dr. Moreau entrou imediatamente no meu quarto, para ver se


eu estava viva. Deu-me um cálice de vinho, & foi para o Salão.
Chamei a criada & as enfermeiras, — mas antes de conseguir
falar-lhes, 7 homens de negro entraram sem aviso prévio no meu
quarto: o Dr. Larrey, M. Dubois, o Dr. Moreau, o Dr. Aumont, O
Dr. Ribe, & um aluno do Dr. Larrey, & outro de M. Dubois. En-
contrava-me já acordada daquele estupor — & pela indignação —
Porquê tantos, & ainda por cima sem autorização?

As reacções de Burney vão da indignação ao terror. Após lhe ordenarem


que se deitasse na cama colocada no meio do salão, viu-se “ suspensa por um
momento”, chegando a pensar fugir. Mas ao ouvir os médicos ordenar à sua
criada e a duas enfermeiras que abandonassem a sala, recuperou a voz. “Não,
gritei, deixe-as ficar! O meu pedido deu origem a uma pequena discussão,
que me reanimou — Porém, a criada & uma das enfermeiras desataram a fu-
gir — mandei a outra aproximar-se, & ela obedeceu. Então, M. Dubois tentou
dar ordens em jeito militarista, mas resisti a tudo o que pude.” Num último
acto de revolta contra o seu destino, Burney ergueu as forças femininas contra
o macho. Infelizmente, dois terços da sua entourage feminina desertaram, e
ela teve de enfrentar sozinha o massacre masculino, com o auxílio de apenas
uma enfermeira. Erguendo-se contra a barreira masculina, Bumey pensou
melancolicamente nas suas irmãs inglesas, em busca de protecção.
A descrição que Burney faz da operação em si é um dos momentos-chave
da literatura do cancro da mama. A sua história é contada com tanta lucidez,
que ficamos espantados com a coragem da autora, tanto durante a lancinante.
aperação como depois, quando se obrigou a revivê-la por escrito.

266
HISTÓRIA DO SEIO

Ali estava ela estendida em cima da cama, com um simples lenço de cam-
braia a cobrir-lhe o rosto, ainda por cima transparente, através do qual con-
seguia ver tudo. Ao fechar os olhos para deixar de ver “o brilho do aço po-
lido,” ouviu a voz melancólica do dr. Larrey perguntar ” Qui me tiendra ce
sein?” (” Quem me pega neste seio?”) Ao que Bumey respondeu que ela pró-
pria pegaria nele. Foi então que percebeu, pelo dedo do médico que desenha-
va “uma linha direita de alto a baixo do seio, a seguir uma Cruz & por fim
um Círculo” que o seio teria de ser retirado por completo. Então, Burney fe-
chou novamente os olhos, “renunciando a toda a observação, a toda a resis-
tência, a toda a interferência, e tristemente decidida à resignação total”
Foi então que começou “a mais dolorosa das torturas.”

Quando o terrível aço mergulhou no seio — cortando as veias —


artérias — carne — nervos — não precisei de autorização para
ceder aos gritos. Soltei um grito que durou intermitentemente todo
o tempo da incisão — & quase sinto estranheza por não continuar
a oúvi-lo soar nos Ouvidos, de tão cruel que foi a agonia. Depois
de a ferida estar aberta, e o instrumento ser retirado, a dor pareceu
não diminuir, pois o ar que entrou subitamente naquelas zonas
delicadas parecia uma quantidade de punhais minúsculos mas
afiados e bifurcados, a rasgar os cantos da ferida.

Burney continua a recordar com pormenores excruciantes “o horrível cor-


te” e a faca a raspar contra o osso. A operação durou vinte minutos — vinte
minutos de “tortura completamente indescritível” executada a uma mulher
cuja única anestesia consistira num copo de vinho. Não admira que Burney
- demorasse quase um ano até ser capaz de “falar deste assunto” e escrever a
carta que é um dos primeiros relatos de uma operação ao cancro da mama
por parte da doente.
Fanny Bumey viveu quase mais trinta anos depois da operação. Não foi
esse o caso de outra vítima de cancro da mama, que se submeteu a uma mas-
tectomia na América a poucos dias da de Fanny Bumey”s e morreu menos
de dois anos depois. O caso médico de Abigail Adams Smith é brilhantemen-
te reconstruído numa recente biografia da sua mãe, Abigail Adams, mulher

267
MARILYN YALOM

do segundo presidente dos Estados Unidos. Aí encontramos a carta que


Abigai! Smith escreveu ao eminente Dr. Benjamin Rush (um dos homens que
elaboraram a Constituição, médico e reformador social) com uma descrição
dos sintomas:

Comecei por sentir um nódulo no meu Seio direito mesmo acima


do mamilo, que me provocou uma sensação desagradável — uma
espécie de ardor e comichão — &, de vez em quando, uma dor
lancinante no Seio — mas sem qualquer descoloração. O mamilo
continuou a Contrair-se, e o Seio ficou muito mais pequeno do
que antes. — o tumor parece estar agora do tamanho de um
(Chapéu) e não parece aderir, mas sim estar solto.

Rush respondeu, não a Abigail Smith mas ao seu pai, John Adams, que
considerava o seu tumor “pronto para a faca.” Smith curvou-se perante os
cinguenta anos de experiência de Rush, e dentro de semanas estava a ser ope-
rada. Um mês mais tarde, Abigail Adams escreveu ao seu filho John Quincy
Adams que a sua irmã ” encontra-se tão bem quanto é possível depois de uma
operação em que o Seio inteiro foi retirado.” Durante o primeiro ano pós-
-operatório, Abigail Smith julgava que tinha posto o cancro para trás das cos-
tas, mas no Inverno seguinte a sua saúde começou a piorar e, em Agosto, ela
morreu tranquilamente com a mãe a seu lado. A mãe Abigail ficou inconso-
lável com a morte da filha e verteu a sua mágoa em muitas cartas, invulgares
pela falta de pejo em falar de um assunto que era convencionalmente guar-
dado em segredo.” A ferida que lacerou o meu Seio não tem cura,” escreveu,
numa identificação metafórica com a filha.
Durante este período, passou a ser cada vez mais comum as operações
serem feitas em anfiteatro para fins didácticos. O Dr. John Brown nunca se
esqueceu da mastectomia que viu em estudante num teatro operatório de
Edimburgo apinhado de gente, em 1830. Vinte e oito anos mais tarde, em Rab
e os Seus Amigos, Brown contou a história de uma camponesa escocesa cha-
mada Alie, que entrou no teatro vestida com a sua roupa habitual, acompa-
nhada do marido, James, e do cão. Enquanto o cirurgião-chefe cumpria a sua
função o mais depressa possível Rab rosnava ao ver o sangue do dono, Alie
ma

268
HISTÓRIA DO SEIO

aguentou as dores sem anestesia com uma coragem notável. Quando a ope-
ração acabou, ela desce ” graciosa e decentemente da mesa, procura James:
a seguir, virando-se para o cirurgião e para os estudantes, faz uma vénia e,
numa voz baixa e clara, pede perdão pelo seu comportamento.” ** Este com-
portamento apagado e apologético era característico das pacientes com can-
cro, especialmente as pobres, que exprimiam preocupação pela falta de à-
vontade do cirurgião e não pelo seu próprio bem-estar. Infelizmente, esta
mulher corajosa sucumbiu a uma sépsia alguns dias depois.
Embora o tratamento do cancro da mama ainda estivesse muito no Início,
a ciência do princípio do séc. XIX começava a fazer progressos na compreen-
são da estrutura fundamental da doença. Na Alemanha, Matthias Schleiden -—-
e Theodor Schwann descreveram a célula como o elemento básico tanto das
plantas como dos animais, Johannes Miiller estabeleceu que as excrescências
patológicas são feitas de células como quaisquer outros tecidos, e Hermann
Lebert confirmou a existência de uma célula característica do cancro, peque-
na e redonda, com um nucelo oval distinto. Alfred Velpeau, no seu Traité
des Maladies du Sein, de 1854, fez uma grande descrição da investigação mé-
.dica existente sobre o seio, que tinha tirado partido do uso extensivo do mi-
“ croscópio durante a primeira metade do século. A crença nas maravilhas da
ciência deu origem a uma nova era de positivismo médico que viria a formar
cada vez mais a vida das mulheres.
No séc. XVIII, os representantes da medicina tinham assumido o papel-
de guardiões da sociedade no que diz respeito ao corpo das mulheres. Não
esqueçamos o influente Ensaio sobre o Aleitamento, do Dr. William Cado-
gan, dirigido à comunidade médica, que foi seguido de obras semelhantes em
várias línguas europeias. A nova tendência do séc. XIX era apelar directa-
mente às próprias mulheres. Em breve, as mulheres viriam a habituar-se a
consultar especialistas do sexo masculino em busca de conselhos e orienta-
ção, em vez das parteiras e curandeiras a que recorriam no passado. O ro-
mance com a ciência iniciado no séc. XVII começava a rivalizar com a Te-
ligião como guia total na vida.
Consideremos, por exemplo, a popular obra do Dr. Naphey 4 Vida Física
da Mulher (1869). Na secção sobre a maternidade, Naphey afirma que as suas
regras de aleitamento beneficiariam todas as mães. À criança devia ser posta

269
MARILYN YALOM

ao peito imediatamente a seguir ao parto, porque ”há uma secreção no seio


logo desde o início, o que é desejável para a criança.” * Os médicos tinham
finalmente compreendido o valor do líquido pré-lácteo, o colostro.
Eles podiam demonstrar provas estatísticas para defender os beneficios do
aleitamento materno sobre o recurso às amas de leite ou a fórmulas alimen-
tares semi-líquidas. Assim, Napheys escreveu que nas cidades europeias de
Lyons e Parthenay, onde os lactentes eram amamentados por amas de leite,
as taxas de mortalidade infantil eram de 33,7 e 35 por cento. Em Paris,
Rheims, e Aix, onde recebiam uma formula semi-líquida, a taxa de mortali-
dade das crianças enjeitadas subiu para 50,3 e 80 por cento. Na cidade de
Nova Iorque, onde as crianças enjeitadas também recebiam uma fórmula
semi-líquida, a sua taxa de mortalidade estava próximo dos 100 por cento.
- Fundamentado na ciência estatística da sua época, o aleitamento matemo as-
sumiu a aura de uma ordem médica. Do seio materno, o bebé ” deve receber
o seu único alimento durante os primeiros quatro a seis meses e, em muitos
casos, o primeiro ano de vida.” Os deveres da mãe para com a criança, em
vez de cessarem, aumentam em termos de importância. A mãe tem a obriga-
ção de alimentar a criança com o seu próprio leite.” Os médicos usavam ago-
ra a linguagem do “ dever” e da obrigação” como os ministros ou os sacer-
dotes.
Com o desaparecimento gradual da ama de leite na viragem do século e
o aúmento da utilização de leite animal esterilizado, geralmente de vaca e,
por vezes, de cabra, o biberão passou a constituir a alternativa mais impor-
tante ao aleitamento materno. A velha questão da mãe e da ama de leite foi
substituída pela controvérsia em relação ao biberão. Embora a maior parte
das pessoas ainda achassem que o leite matemo era o melhor, poucas o con-
sideravam essencial à sobrevivência da criança. Em termos médicos, a maio-
ria dos bebés nascidos no Ocidente deixara de sofrer o risco de morrer devido
ao aleitamento por parte das amas de leite ou devido ao leite animal não es-
terilizado.
Infelizmente, não era esse o caso do cancro da mama. Desde o fim do séc.
XIX, quando as pessoas começaram a viver um período de tempo suficiente
para adoecerem com cancro em números significativos em termos estatísti-
cos, os cancros de todos os géneros assumiram o aspecto de uma maldição
iiTas =

270
HISTÓRIA DO SEIO

moderna, como a peste na Idade Média, a sífilis no Renascimento e a tuber-


culose no séc. XIX.” E entre esses cancros, apenas o cancro da mama ? atin-
giu as proporções de uma epidemia ”** A veracidade desta afirmação tem
desconcertado e preocupado várias gerações de médicos e cientistas, que ain-
da não sabem o que faz desencadear o cancro da mama.
“TO que sabemos é que o cancro da mama começa com o desenvolvimento
de células anormais no interior dos canais mamários. Essas células malignas
reproduzem-se e crescem, enchendo os canais. A Dra. Susan Love compara
este processo à “ferrugem acumulada num cano”? Por fim, as células em
reprodução acelerada irrompera pelas paredes dos canais e invadem o tecido
mamário. Se não for tratado, o cancro continua a formar metástases, e começa
frequentemente por invadir os nódulos linfáticos por baixo do braço, alastran-
do ao osso, fígado, pulmões e a outros nódulos linfáticos.
Para combater o cancro da mama, foram desenvolvidos quatro métodos
principais de tratamento durante os últimos 150 anos: operação, radiação,
quimioterapia e hormonas.
Na segunda metade do séc. XIX, a antiga prática da cirurgia começou a e
oferecer uma nova esperança derivada de duas inovações revolucionárias —
a introdução da anestesia e a adopção de princípios antissépticos. À anestesia
foi desenvolvida por um dentista chamado William Norton, que recorreu a
estes dois métodos para eliminar a dor numa operação em 1846 no Massa-
“ chussetts General Hospital, em Boston. A utilização cirúrgica de antissépti- -
cos para eliminar bactérias com origem na teoria dos germes de Pasteur, de
1864, vulgarizou-se com a produção de um composto denominado “antissép-
tico” pelo cirurgião inglês Joseph Lister.
“* Em 1867, Charles Moore, outro importante cirurgião britânico, formulou—
os princípios gerais em que viria a assentar o tratamento cirúrgico do seio.
Moore concluiu que as recorrências eram sempre devidas a fragmentos do
tumor principal e que era necessário retirar o seio todo, incluindo a pele, nó-
dulos linfáticos, gordura, músculos peitorais e glândulas axilares doentes.
Nas últimas décadas do séc. XIX, a mastectomia radical desenvolvida por
William Halsted, da Johns Hopkins University, tornou-se o procedimento es-
tandardizado para a cirurgia do cancro da mama na América (fig. 85). Halsted
e os seus seguidores procediam à remoção rotineira do seio completo com ..

271
MARILYN YALOM
-&

85. Thomas Eakins. 4 Agnew Clinic. 1889.


O cirurgião-chefe dirige uma operação ao seio executada num anfiteatro da Filadélfia perante
estudantes de medicina. . — :

nódulos linfáticos, e o grande músculo peitoral com os seus ligamentos e ten-


dões. Estudos retrospectivos provaram que as pacientes que tinham sido sub-
metidas à mastectomia de Haisted tinham uma taxa de sobrevivência sigmi-
ficativamente mais elevada do que as mulheres que não tinham sofrido uma
operação radical. A mastectomia radical de Halsted prevaleceu como proce-
dimento padrão durante os sessenta anos seguintes.
Porém, em meados do séc. XX, a mastectomia radical foi sendo gradual-
mente substituída pela mastectomia radical modificada. Isso envolvia a re-
moção dos nódulos linfáticos do seio e das axilas, mas não os músculos pel-
torais subjacentes. Só em finais dos anos 70 deste século é que a mastectomia
radical e a mastectomia radical modificada viria a sofrer o sério desafio das

272
HISTÓRIA DO SEIO

pacientes e dos médicos que julgavam que muitas mulheres estavam a ser
desnecessariamente mutiladas. .
Entre eles encontrava-se Rose Kushner, uma vítima do cancro da mama
que assumiu a posição controversa de defender que deviam ser as próprias
pacientes a decidir os aspectos do tratamento que, geralmente, eram apenas
determinados pelo médico. No seu livro vanguardista O Cancro da Mama,
Kushner assumiu-se como crítica acérrima das formas radicais de cirurgia, e
em especial da cirurgia “numa única etapa” — a operação que permite a um
cirurgião amputar o seio na altura da biopsia, caso se prove que o tumor é
maligno.” (Numa biopsia, é retirado tecido para fins de diagnóstico, quer
através de uma cirurgia, quer através de uma agulha oca inserida no quisto.)
Caso seja o cancro da mama seja diagnosticado, a doente tem geralmente à
escolha a mastectomia (a remoção total do seio e de alguns nódulos linfáticos
por baixo da axila) ou uma lumpectomia (a remoção do quisto e de uma mar-
gem do tecido envolvente, e ainda alguns nódulos linfáticos). Nos anos 70 e
80, os estudos começaram a mostrar que quando um tumor pequeno é detec-
tado num estádio inicial, a sua remoção e um tratamento de radiações é tão
- eficaz como a remoção total do seio. Em 1990, os Institutos Nacionais de
Saúde recomendaram a lumpectomia seguida de terapia de radiações como
uma alternativa eficaz em relação à mastectomia que deixa menos cicatrizes
físicas e emocionais.
Hoje em dia, é sempre aconselhável algum tipo de cirurgia para as pa-
cientes diagnosticadas com cancro da mama. Tanto no caso da lumpectomia
como da mastectomia, é a presença do cancro nos nódulos linfáticos que aju-
da à determinar a hipótese de recorrência. Quanto maior for o número de nó-
dulos positivos, pior o prognóstico. A cirurgia oferece uma esperança, mas
“esta depende de um grande número de variáveis.
Embora a cirurgia seja ainda o método mais comum de travar o cancro,
têm vindo a ser desenvolvidas outras formas de tratamento. Consideremos o
uso dos raios-X, descobertos em 1895 por Wilhelm Roentgen. Com a des-
coberta de quea radiação inibe a divisão celular, os raios-X em breve come-
çaram a ser utilizados em casos de cancro inoperáveis, ou após a cirurgia,
para matar quaisquer células cancerígenas que ficassem para trás (fig. 86).
Nos anos 30 deste século, passou a ser possível usar raios-X em super vol-

273
MARILYN YALOM

86. G. Chicotot. Primeiros tratamentos de raios-X para o cancro da mama. 1908.


Esticada na marquesa na pose tradicional de um nu reclinado, uma paciente expõe o peito aos
raios-X que poderão salvar-lhe a vida. A sua vulnerabilidade horizontal contrasta com a autori-
dade vertical do médico acentuada pelo seu chapéu alto.

274
HISTÓRIA DO SEIO

tagem, e, nos anos 60, os raios de cobalto radioactivo. Mas os raios-X admi-
nistrados em doses fortes também têm efeitos negativos. Num estudo de vá-
rios milhares de mulheres que receberam tratamento por radiações entre 1935
e 1971 descobriu-se que elas quase tinham duplicado o risco de desenvolver
um cancro nos pulmões em relação às mulheres que tinham recebido outros
tipos de tratamento para o cancro da mama.“ Porém, um aspecto mais po-
sitivo consistiu no facto de se ter chegado à conclusão que a combinação da
cirurgia com a radiação reduz a recorrência do cancro da mama em um terço,
em comparação com o recurso apenas à cirurgia. -
Nos anos 60, a quimioterapia — a administração intravenosa de uma
combinação de medicamentos que interferem com a reprodução das células
cancerígenas — foi acrescentada à terapêutica oncológica. Actualmente, é
comum iniciar o tratamento de rotina quimioterapia na altura do diagnóstico
inicial, especialmente no caso das mulheres na pré-monopausa com nódulos
que tenham dado um resultado positivo na biopsia. Há alguma controvérsia
quanto ao efeito da quimioterapia nas mulheres que já passaram a menopau-
sa, mas no total, podemos afirmar com segurança que a quimioterapia pro-
longa a vida da paciente num mínimo de dois ou três anos além do que seria
“de esperar noutras circunstâncias.“
Uma quarta forma de tratamento — hormonal — encontra-se disponível
para as pacientes que sofrem de cancro da mama desde a viragem do século.
Nessa altura, a ligação há muito suspeitada entre o cancro da mama e os ór-
gãos reprodutores foi atribuída ao estrogéneos femininos, que são produzidos
pelos ovários e estimulam o desenvolvimento dos seios. Desde então, tem
sido, efectuada a remoção dos ovários em muitas mulheres jovens num estado
avançado de doença, com vista a travar a produção de estrogéneos. —
Hoje em dia, acredita-se que os estrogéneos influenciam o crescimento
das células tumorais, e que os níveis de estrogéneos estão complexamente as-
sociados a dietas ricas em gorduras e muitos outros factores ambientais. Esta
relação entre o cancro da mama e os estrogéneos deu origem à criação de uma
hormona sintética conhecida por ”tamoxifen”. O “tamoxifen” é um estro-
géneo fraco que ocupa e bloqueia as células receptoras de estrogéneos, im-
pedindo a absorção do estrogéneo endógeno. O tamoxifen provou ser tão efi-
caz como a quimioterapia nas mulheres na fase pós-menopausa, mas ainda

275
MARILYN YALOM
e

não é claro se também resulta tão bem como a quimioterapia nas mulheres
na fase pré-menopausa.
Os quatro tratamentos principais para mulheres diagnosticadas com can-
cro da mama — cirurgia, radiação, quimioterapia e hormonas — oferecem
às doentes mais oportunidades do que nunca. Porém, mesmo com estas for-
mas sofisticadas de tratamento, continuam a morrer cada vez mais mulheres
com cancro da mama: enquanto tinham morrido 560 000 em 1980 em termos
globais, prevê-se que no ano 2000 venha a haver um milhão de vítimas desta
doença.“ Estas estatísticas levaram muitos investigadores, médicos e activis-
tas a focar a sua atenção na prevenção a par do tratamento. Muita gente acre-
dita que a incidência do cancro da mama, que é mais elevado nos países in-
dustrializados do mundo ocidental, podia ser significativamente reduzido
pela introdução de modificações na dieta e estilo de vida das mulheres e no
meio ambiente.
Os defensores da prevenção através da dieta citam como prova a diferença
das taxas de cancro da mama no Ocidente e na Ásia. Os Estados Unidos e a
Grã-Bretanha, que têm a dieta mais rica do mundo, também têm os níveis
mais elevados de cancro da mama, ao passo que países como o Japão e a Chi-
na, que têm dietas com baixo teor de gorduras, tem um quinto da incidência
das mulheres brancas americanas ou britânicas? Os epidemiólogos salien-
tam que, quando as mulheres asiáticas vão para os Estados Unidos e come-
cama ingerir uma dieta rica em gorduras, a sua taxa de cancro da mama co-
meça a aumentar — mais uma prova de que o excesso de alimento,
especialmente com elevado conteúdo de gorduras, contribui para a elevada
taxa de incidência da doença na América.
Embora a gordura em geral tenha sido identificada como um inimigo, o
azeite — uma gordura insaturada — continua a ter os seus defensores. Num
estudo grego que abrangeu mais de duas mil mulheres, chegou-se à conclusão
que o risco de cancro da mama era 25 por cento menos elevado nas mulheres
que consumiam azeite mais de uma vez por dia *
Como era de esperar, toda esta preocupação com a dieta tem sido apro-
veitada pelas revistas femininas, que oferecem mais do que a dieta pode pro-
porcionar só por si. Consideremos a capa da edição de Julho de 1994 do La-
dies' Home Journal, que anuncia: “Você Pode Prevenir o Cancro da Mama
mi
a

276
HISTÓRIA DO SEIO

— Leia como.” Lá dentro, numa linguagem mais condicional, a leitora es-


perançada encontra ” A dieta Anti-Cancro da Mama. Um plano médico re-
volucionário que pode salvar-lhe a vida” (o itálico é da minha autoria).
Outra abordagem preventiva tem a ver com a eliminação de agentes can-
cerígenos do meio ambiente. Esta abordagem aponta contra o uso de pesti-
cidas e outras substâncias tóxicas, que têm estruturas químicas semelhantes
aos estrogéneos do organismo. Julga-se que os xeno-estrogéneos com origem
nos pesticidas podem ligar-se aos receptores de estrogéneos do seio humano
e agir de maneira a induzir o cancro da mama. Este tema altamente politizado
tem atraído um número cada vez maior de cientistas e activistas cujo objec-
tivo é descobrir as implicações de um ambiente cancerígeno e encontrar ma-
neiras de combatê-lo a um nível global.
Algumas das provas mais dramáticas de uma ligação entre o meio am-
biente e o cancro da mama vêm de Long Island, Nova Iorque que tinha uma
incidência: 27 por cento mais elevada do que o resto dos Estados Unidos.”
Os residentes de Long Island tinham uma longa lista de suspeitos, incluindo
pesticidas e radiações de oriundas de reactores na vizinhança. Porém, a in-
. vestigação da relação entre as substâncias tóxicas e o cancro da mama rara-
mente teve resultados conclusivos. Enquanto alguns estudos sugerem um pa-
pel dos carcinogéneos ambientais na génese dos carcinomas mamários,
outros não sugerem esta hipótese. Nancy Krieger, por exemplo, do Kaiser
Foundation Research Institute em Oakland, na Califórnia, não encontrou re-
lações estatisticamente significativas entre a incidência do cancro da mama
e os níveis de DDT ou PCB — químicos que permanecem no meio ambiente
e podem alojar-se no tecido mamário, onde imitam o estrogéneo responsável
pelo desencadear de tumores.
As medidas preventivas para grupos especiais de mulheres devem ter
em conta a descoberta em 1994 do gene conhecido por BRCA 1, respon-
sável pelas formas de cancro da mama hereditário. Este tipo de cancro, que
afecta grandemente algumas famílias, é a causa de 5 por cento dos cerca
de 180 000 casos de cancro da mama diagnosticados anualmente nos Es-
tados Unidos. As mulheres que sabem da sua predisposição genética para
o cancro da mama são aconselhadas a intensificar os esforços para detectar
os tumores o mais depressa possível, a tomar tamoxifen como medida pre-

277
* MARILYN YALOM

ventiva, ou mesmo a pôr a hipótese de fazer uma operação para remover”:


os seios.
Como a detecção precoce permite a maior esperança de sobrevivência, a
profissão médica recomenda a todas as mulheres que façam exames regulares
ao seio e estejam atentas a alterações como o aparecimento de nódulos, mo-
leza, vermelhidão ou descarga. Outra ferramenta padrão utilizada na detecção
precoce é a mamografia, uma radiografia especial capaz de detectar pequenos -
tumores. Embora seja ponto assente que as mulheres acima dos cinquenta de-
viam fazer mamografias anualmente, este tipo de exame não é, de modo ne-
nhum, perfeito.
Para começar, até as mamografias podem não detectar alguns tumores. Por
outro lado, os intervalos de doze meses entre as mamografias permitem que al-
guns tumores cresçam substancialmente antes de serem detectados. Além dis-
so, existem algumas provas de que a mamografia para mulheres abaixo dos cin-
quenta pode, de facto, aumentar o risco para as mulheres mais novas, embora
a exposição às radiações de uma mamografia seja mais ou menos equivalente
à de uma radiografia dentária. Como os seios das mulheres mais novas são mais
densos, também é mais fácil um tumor ou diagnosticar erradamente um nódulo
normal, o que pode levar a uma intervenção desnecessária. Mesmo assim, a
maior parte dos especialistas acredita que as mulheres entre os quarenta e os
quarenta e nove deviam ser examinadas de ano a ano ou de dois em dois anos.
Tendo em conta a prevenção do cancro da mama, as mulheres mais jovens
são aconselhadas a ter filhos cedo e amamentá-los. Acredita-se que estas duas
actividades reduzem os riscos de cancro da mama. As mulheres jovens tam-
bém são aconselhadas a ter cuidado com as pílulas contraceptivas, em espe-
cial antes dos vinte e cinco anos (altura em que, como é evidente, geralmente
são mais necessárias).
Após a menopausa, as mulheres são confrontadas com incertezas seme-
lhantes em relação à terapia de substituição hormonal, que tem sido associada
a um pequeno aumento do risco de cancro da mama. Este risco parece au-
mentar com o tempo de exposição às hormonas. Os médicos aconselham ago-
ra as mulheres na menopausa a confrontar o perigo potencial de cancro da
mama da terapia de substituição hormonal com os benefícios potenciais no
| * combate da doença cardíaca e da osteoporose.
e

| 278
|
A nova ênfase na tomada de decisão individual, na esperança de prevenir
o cancro da mama deixou muitas mulheres com a sensação de que são, de
certo modo, responsáveis se contraírem a doença. Terei contribuido para isto
por não ter feito uma dieta adequada? Ou por viver numa região pouco sau-
dável? Ou por ter optado por não ter filhos ou amamentar? Ou por tomar a
pílula ou fazer uma terapia de substituição de estrogéneos? Ao passo que no
passado, a mulher acreditava que o cancro da mama era devido a uma estag-
nação dos humores, a uma lesão no seio ou à punição divina, cada vez é mais
comum a mulher assumir uma sensação pessoal de culpa pela doença. Os sis-
temas explicativos do passado, sejam eles religiosos ou científicos, partiam
do princípio que a causa do cancro da mama estava fora do nosso controlo;
actualmente parecemos supor que, se modificarmos o nosso comportamento,
podemos conseguir reduzir as probabilidades de desenvolver a doença.
Hoje em dia, ao fim de um século de investigação do cancro em gerai e
de uma década de maior atenção ao cancro da mama em especial, os cien-
tistas continuam sem saber quais são as causas exactas da doença. Tanto a
“hereditariedade como os estrogéneos, a gordura ou os agentes ambientais es-
“tão implicados no cancro da mama, mas ninguém sabe ao certo o que desen-
“cadeia esta doença. As investigações mais recentes parecem sugerir que o
gene BRCA 1, que se julgava inicialmente ser apenas o causador de uma pe-
quena proporção de cancros da mama, pode ser responsável por quase todos
eles. É possível que, a seu tempo, esta descoberta venha a dar origeim à no-
vas maneiras de diagnosticar e tratar o cancro da mama. Mas por enquanto,
temos de viver com o conhecimento estatístico de que uma em oito ou nove
mulheres americanas podem ser diagnosticadas com a doença.
— As estatísticas pouco nos dizem acerca da experiência interior das pacien-
tes que sofrem de cancro da mama. A psiquiatria começou a disponibilizar
os seus recursos para esse fim a partir de meados da década de 70. Nessa al-
tura, o meu marido, o Dr. Irvin Yalom, professor de psiquiatria da Stanford
Medical School, inaugurou o primeiro grupo de apoio a pacientes com cancro
da mama metastizado.” Fazemos encontros semanais com grupos de oito a
doze mulheres, e proporcionamos-lhes um fórum para debater os seus medos
e perdas e, em muitos casos, a sua morte iminente. De início, muita da coesão
do grupo resultou de um laço comum de inimizade em relação à profissão

279
MARILYN YALOM

médica. As pacientes sentiam que os seus oncologistas eram demasiado im-


pessoais e autoritários, e não as incluíam suficientemente nas decisões im-
portantes referentes ao seu tratamento. No grupo, as mulheres aprendiam
umas com as outras tudo o que podiam ou não esperar dos seus médicos. Des-
cobriu-se que a ansiedade mais básica da maioria dessas mulheres era, não
tanto o medo de morrer, mas a solidão que envolvia o caminho para a morte
— nessa altura, o cancro da mama ainda era um tema tabu. As pacientes ti-
nham tendência a isolar-se dos familiares e amigos, porque não queriam ar-
rastar consigo outras pessoas; em contrapartida, mesmo as pessoas mais pró-
ximas tinham tendência a evitá-las, pois não sabiam como agir nem o que
dizer. Ao longo de um período de quatro anos, as mulheres lutaram juntas
para se ajudarem a viver de uma maneira tão significativa quanto possível.
O Dr. David Spielgel, psiquiatra de Stanford e líder deste projecto a par de
Yalom, escreveu posteriormente: ” Esta abordagem directa do pior” propor-
cionou, de certo modo, aos pacientes, a liberdade para ” gozar o melhor ”*
Um estudo elaborado sobre as pacientes deste grupo demonstrou que elas
eram menos ansiosas e deprimidas do que as pacientes que tinham apenas
recebido cuidados oncológicos de rotina. Mais surpreendentes ainda foram
os resultados de um estudo elaborado ao longo de dez anos: o Dr. Spiegel
descobriu, não só um aumento qualitativo de vida das pacientes, mas também
um aumento quantitativo. As mulheres do grupo de apoio viviam em média
“o dobro do tempo em comparação com as mulheres de um grupo de controlo,
desde a altura em que tinham entrado para o estudo. Embora este estudo não
possa ser considerado conclusivo, ele aponta para a possibilidade de um bom
tratamento psicoterapêutico para mulheres com doenças terminais poder aju-
dá-las a viver melhor e durante mais tempo do que se esperava anteriormente.
Esta e outras formas de apoio vieram a ser cada vez mais acessíveis às mu-
lheres que sofrem de cancro da mama em todo o país.
A organização de voluntárias da American Cancer Society fundada em
1953 e denominada Reach to Recovery contacta mulheres que foram sub-
metidas a uma mastectomia e fornece-lhes informações sobre seios artif-
ciais, conhecidos por próteses. Uma prótese bem adaptada, usada por baixo
de um soutien, pode compensar a perda de um ou ambos os seios, desde
que a paciente use roupa por cima. Até os fatos-de-banho são actualmente

280
HISTÓRIA DO SEIO

desenhados de forma a esconder desfigurações cirúrgicas.


Se uma mulher quiser refazer o corpo de forma a ficar semelhante ao que
era antes, mesmo quando estiver nua, pode optar pela reconstrução cirúrgica.
Na forma mais comum de reconstrução do seio natural, conhecida por ope-
ração TRAM-flap, retira-se tecido do abdômen para fazer um seio novo. À
operação pode ser executada depois da mastectomia ter sarado por completo,
ou ao mesmo tempo que a mastectomia. Em geral, o seio novo pouco difere
do antigo. Até há pouco tempo, as mulheres que faziam mastectomias tam-
bém podiam optar por um procedimento cirúrgico mais simples, que envolvia
o implante de seios de silicone. Este processo era muito frequente nos anos
70 e 80, não apenas para as sobreviventes da cirurgia ao cancro da mama,
mas também para mulheres que queriam apenas aumentar o busto.
Os implantes de silicone são hoje alvo de muita controvérsia. Há um sem
número de artigos, livros e processos judiciais a afirmar que as empresas de
produtos químicos e os cirurgiões plásticos tiraram partido dos implantes de
silicone. Porém, não podemos esquecer que os Estados Unidos não são o úni-
co país onde os implantes se popularizaram. A Europa ocidental e a América
do Sul também têm a sua quota-parte de seios de silicone, adaptados aos
“ideais de cada país. Em França, por exemplo, o tamanho do seio ideal parece
ser mais pequeno do que nos E.U.A., a avaliar pelas estatísticas apresentadas
em 1988 no 21º Congresso Anual de Cirurgiões Plásticos. Na Argentina tem
havido a tendência de usar graúdes iiiplantes mariários. No Brasil,às fami-
lias das classes mais elevadas optam pela redução dos seios — chegando ao
ponto de as operações desse tipo servirem de presente quando as filhas fazem
quinze anos! Um cirurgião plástico encara estas práticas como um reflexo das
diferentes normas nacionais e de classe: enquanto os brasileiros em ascensão
social pretendem distanciar-se dos seios grandes associados à população ne-
gra de baixo estatuto, os argentinos — muitos deles de origem espanhola,
com homens altamente machistas — preferem acentuar a diferença social a
qualquer preço?
Um estudo sueco que envolveu trinta e nove mulheres que tinham op-
tado pelo aumento cosmético dos seios chegou à conclusão de que a maior
parte delas associava o tamanho dos seios ao grau de feminilidade. Os pei-
tos lisos já as tinham deixado pouco à vontade em situações heterossexuais

281
MARILYN YALOM

ou, inclusivamente, relutantes em aparecer nuas à frente de outras mulhe-


res. Após a operação, a maioria das mulheres referiu alterações positivas
na sua auto-imagem e relações sexuais. As poucas pacientes que criticaram
os resultados fizeram-no geralmente por quererem seios maiores, ou por
sentirem desagrado por os seus seios se terem tornado demasiado duros e
com um aspecto pouco natural.
As questões emocionais e éticas em torno do aumento dos seios foram
mais amplamente analisadas num estudo que envolveu quarenta e duas mu-
lheres nos Países Baixos, onde as operações para aumentar os seios são a úni-
ca operação cosmética mais frequente * Neste estudo, orientado por uma
mulher que se identifica como feminista de longa data, procurou-se entender
por que motivo as mulheres optam por sujeitar-se a operações para aumentar
os seios, mesmo quando estão totalmente cientes dos riscos e têm uma posi-
ção crítica em relação às mulheres que sucumbem à pressão social que fa-
vorece os seios grandes. Todas as mulheres insistiram que o aumento dos
seios era uma coisa que elas tinham feito por si mesmas, ao contrário da cren-
ça popular de que elas teriam sido pressionadas pelos maridos, pelos cirur-
giões ou pela sociedade e, tal como as mulheres suecas, a maioria manifes-
tou-se satisfeita com o resultado. Malgrado quaisquer reservas que se possa
ter em relação ao produto, é difícil discutir com um cliente satisfeito.
Nos Estados Unidos, o aumento dos seios é a segunda operação cosmética
mais frequente, apenas seguido pela lipo-aspiração. Desde o início dos anos
60, os implantes mamários aumentaram as dimensões de um a dois milhões
de mulheres, e em cerca de 70 por cento dessas mulheres, a operação foi mo-
tivada apenas por motivos cosméticos. Em 1992, quando os Estados Unidos
impuseram uma moratória à Food and Drug Administration a respeito da sua
utilização, a controvérsia sobre os implantes transformou-se num frenesi me-
diático. A moratória resultou de um conjunto de provas recolhidas pela FDA
sugerindo que os implantes podiam ser prejudiciais à saúde — seriam passí-
veis de romper e verter silicone para dentro do corpo, podendo originar pro-
blemas como a fadiga crónica, a artrite e problemas do sistema imunitário.
Quase de imediato, esta decisão foi apelidada de ingerência desnecessária pe-
los maiores fabricantes, pela American Medical Association, e pela American
Society of Plastic and Reconstructive Surgeons. Embora os fabricantes de im-

282:
HISTÓRIA DO SEIO

plantes continuassem a negar que os seus produtos fossem pouco seguros, em


1994 concordaram estabelecer o maior acordo alguma vez negociado numa
acção judicial colectiva. A Dow Corning, a Bristol Myers-Squibb Co., a Bax-
ter Healthcare Corp., e a Minnesota Mining and Manufacturing concordaram
pagar mais de quatro mi! milhões de dólares a vinte e cinco mil mulheres com
doenças atribuídas a implantes: artrite reumatóide, lúpus, e esclerodermia
(um endurecimento e espessamento progressivo da pele e órgãos internos).
Logo após este acordo multimilionário, vieram a lume os resultados sur-
preendentes de um grande estudo epidemiológico cuja descoberta de que as
mulheres que tinham introduzido implantes para aumentar ou reconstruir os
seios não estavam mais expostas a doenças do que quaisquer outras mulheres.
O estudo, levado a cabo na Mayo Clinic, tinha como amostragem todas as
mulheres que tinham feito implantes mamários num condado do Minnesota
entre 1964 e 1991, em comparação com mulheres do mesmo grupo etário que
não tinham feito implantes. As mulheres que tinham apanhado essas doenças
abrangiam a mesma proporção nos dois grupos.”
- Tanto este estudo como os relatórios subsequentes, que foram incapazes
“de provar a existência de uma relação directa entre os implantes mamários &
as doenças dos tecidos e outras perturbações, de pouco serviram aos fabri-
cantes de implantes de silicone, que já tinham aceite o acordo. De nada serviu
a Dow Corning, que se viu obrigado a abrir falência devido ao número de
mulheres a interpor processos judiciais, que aumentara para quatrocentas mil.
Porém, esse facto viria a tranquilizar um pouco as mulheres aterrorizadas pela
perspectiva de desenvolver doenças resultantes dos implantes. Mas ainda não
tinha sido proferida a palavra. final neste assunto: é possível que o silicone
saído de um implante que tenha rompido seja prejudicial para algumas mu-
lheres, cujos sintomas não correspondem às descrições padronizadas, cons-
tituindo assim uma “nova doença.” Um estudo-em-progresso de 123 mulhe-
res que tinham mandado retirar os seus implantes de silicone referiu que mais
de 60 por cento das mulheres experimentavam uma-melhoria significativa
após a remoção cirúrgica dos implantes. Estes dados servem de apoio à ideia
de que os implantes de silicone contribuem para uma constelação de queixas
sistémicas, e podem representar uma doença atípica não previamente descrita
na literatura. é Actualmente, os especialistas alinham-se de ambos os lados

283
MARILYN YALOM

do campo de batalha, continuando alguns deles a apoiar a proibição da FDA,


enquanto outros defendem que ela deve ser anulada.
Como os seios grandes representam um ideal americano profundamente
enraizado, a redução dos seios não tem sido tão procurada como o seu au-
mento. No entanto, a mamoplastia tem vindo a aumentar em popularidade —
em 1992, quase quarenta mil pessoas optaram por este tipo de cirurgia. As
mulheres com seios muito grandes padecem frequentemente de um grande
número de problemas de saúde, nomeadamente dores no pescoço e nas cos-
tas, ombros rebaixados e irritações da pele. Algumas queixam-se que os seios
grandes impedem-nas de correr ou fazer exercício físico, e outras dizem-se
apenas envergonhadas devido ao tamanho dos seus seios.
Uma operação mais difícil do que o implante mamário, a mamoplastia de
redução, exige uma cirurgia hospitalar, anestesia geral e um período de con-
valescença de cerca de três semanas. Certa publicidade a este tipo de proce-
dimento, como os anúncios de 1994 e 1995 da The New York Times Maga-
zine, com desenhos de um seio antes durante e depois da operação de
redução, dão a falsa impressão que os seios podem ser alterados com a mes-
ma facilidade com que se retiram os enchumaços de uma blusa. Mas apesar
da dor e dos inconvenientes envolvidos, as mulheres que se submetem a uma
operação de redução dos seios ficam, em geral, satisfeitas com os resultados.
O Dr. Michael Carstens, um cirurgião plástico de Berkeley que executou mui-
tas operações dessas, afirma que todas as suas pacientes gostariam de ter sa-
bido da operação mais cedo.
As mulheres que optam por este tipo de cirurgia podem ter de discutir com
os maridos e amantes. Uma mulher a quem os seios exageradamente grandes
tinham provocado dores crónicas no pescoço e nas costas decidiu reduzir os
seios a metade. O cirurgião por ela escolhido disse-lhe que teria muito gosto
em operá-la, mas só se ela tivesse a autorização do marido. Embora ela tenha
protestado que o corpo era dela, o médico foi indefectível: já tinha sido per-
seguido por muitos homens descontentes por as mulheres terem reduzido os
seios!
Outra mulher, referindo-se à sua experiência na Women's Sports and Fit-
ness (Abril de 1995), recorda que os seus setos 36DD se tinham tornado um
“fardo incómodo” para ela. Não só desenvolvera o hábito de encolher os om-

284
HISTÓRIA DO SEIO

bros e usar camisolas largas para esconder o peito, como evitava as aulas de
ginástica para as outras pessoas não lhe verem os seios “a abanar para cima
e para baixo.” Quando ia correr, apertava os seus seios de cinco quilos em
três soutiens de desporto. Por fim, optou por uma operação que reduziu os
seus seios a um tamanho de copa C. Embora os seios ainda tenham as cica-
trizes da operação, ela ” nunca imaginara como isso seria libertador.” Afirma
que recuperou a auto-confiança e o gosto pelo desporto.
A lactação, os tumores e, mais recentemente, a cirurgia cosmética têm cons-
tituído as maiores preocupações da profissão médica. Nas mãos dos médicos,
os seios foram cobertos de todas as poções concebíveis, ligados a máquinas
eléctricas, bombardeados com rádio, apertados entre as placas de mamografia,
injectados com silicone e, como último recurso, amputados do resto do corpo.
O tratamento convencional contra o cancro da mama foi resumido pela Dra.
Susan Love como ”retalhar, envenenar e queimar.” >” Mas não devemos só atri-
buir à classe médica mais do que a sua conta de horrores; recordemos também
os progressos por que ela foi responsável. Actualmente, sabemos por que mo-
tivo o leite materno é benéfico para as crianças: as hormonas e os enzimas que
âuxiliam o crescimento e os anticorpos que protegem a criança das infecções
comuns foram, em grande medida, identificados. As mulheres que optam por
não amamentar não precisam de se preocupar com a saúde dos bebés alimen-
tados a biberão desde que a fórmula seja devidamente preparada e administra-
da. Também temos uma maior compreensão sobre alguns dos factores que de-
sencadeiam e aceleram a contaminação do cancro da mama, e muitos motivos
para estarmos relativamente optimistas se contrairmos a doença. Algumas de
nós ássistiremos à cura do cancro da mama no próximo século. E para as que
querem ter seios maiores ou mais pequenos, bem, há sempre os cirurgiões plás-
ticos, ou mesmo os hipnotizadores que prometem modificações do tamanho
dos seios pelo poder da mente. Um hipnotizador afirma conseguir aumentar
o peito num programa de doze semanas com o custo de 3775 dólares; sob o efeito
da hipnose, faz as clientes regressar à puberdade e pede-lhes que ' “se libertem
da supressão dos seios” que sofreram nessa época da sua vida. Sim, os char-
latães continuam por perto, como sempre. Mas o mesmo acontece com os cu-
randeiros. Parafraseando Proust, é uma grande loucura acreditar na medicina,
isto é, se não fosse uma loucura ainda maior não acreditar nela.

285
Oito
O SEIO LIBERTADO:
POLÍTICA, POESIA E IMAGENS

—: DURANTE A MAIOR PARTE DA HISTÓRIA DO OCIDENTE, os seios


“das mulheres foram controlados pelos homens. Isto é verdade, quer esse con-
“rolo tenha sido exercido individualmente pelos maridos e amantes, ou colec-
tivamente por instituições dominadas pelos homens como a igreja, o Estado e
a medicina. No entanto, por maior que tenha sido a divulgação dessas formas
de controlo, é pouco provável que as pessoas tivessem consciência delas. A
crença que foi mantida durante muito tempo de que as mulheres ” pertenciam”
aos homens, de que eram inferiores a eles, foi tão profundamente entretecido
na trama da sociedade ocidental, que é provável que a maioria das pessoas acei-
tásse a situação sem se dar ao trabalho de pensar nisso.
É certo que houve algumas mulheres no passado, e mesmo alguns ho-
mens, que puseram em causa a relação desigual entre os sexos. Basta pres-
tarmos atenção ao exuberante discurso da Mulher de Bath, saído da pena de
Chaucer no séc. XIV, para sabermos que meia dúzia de ousadas mulheres im-
glesas resolveu inverter os papéis tradicionais no seio do matrimónio. Um sé-
culo mais tarde em França, a escritora viúva Christine de Pisan exortou as
mulheres a transcender a misoginia € transmitiu através da sua pessoa e dos
seus livros um modelo concreto de poder feminino e força de carácter. O Re-

287
MARILYN YALOM

nascimento reactivou o velho debate em termos humanistas, procurando, de


um modo geral, encontrar uma companheira adequada, embora reverencial,
para o “novo” homem. Embora a maior parte das pessoas se ativessem for-
temente às noções judaico-cristãs da natureza e estatuto inferior das mulhe-
res, algumas pretendiam libertar as mulheres dos constrangimentos ideológi-
cos que faziam delas mais que criadas para toda a vida. No séc. XVII, as
sementes da libertação feminina começaram a criar raízes no seio do Tumi- .
nismo, para virem a florir na Declaração dos Direitos das Mulheres, de
Olympe de Gouges, e na Vingança dos Direitos das Mulheres, de Mary
Wollstonecraft. Estes são apenas os mais conhecidos de uma série de mani-
festos escritos por mulheres que viriam a continuar a manifestar a sua revolta
dos dois lados do Atlântico durante os duzentos anos que se seguiram.
No séc. XIX, as mulheres exprimiram as suas preocupações, não apenas
individualmente mas também, o que é mais importante, como membros de
grupos. A pouco e pouco, os movimentos de defesa da educação, sufrágio,
reforma do vestuário e independência financeira para as mulheres foram ob-
tendo a concordância alargada acerca de uma maior igualdade em relação aos
homens, apesar dos esforços continuados dos conservadores para inverter a
ordem das coisas.
As ondas de libertação feminina que se foram sucedendo ao longo da his-
tória começam agora a ser completamente documentadas, incluindo a grande
última onda que começou nos anos 60 e 70. O que terá sido novo e diferente
neste período foi a ligação entre a luta pelos direitos das mulheres e arecla-
mação do corpo feminino. O livro revolucionário Our Bodies, Ourselves!
transformou-se no grito de batalha para toda uma geração de mulheres que
afirmavam que o papel tradicionalmente atribuído às mulheres não fora da
responsabilidade de Deus, mas sim da criação do homem! O que aconteceu
quando estas mulheres começaram a reapropriar-se dos seus corpos, quando
voltaram a ser donas dos seus seios? O que se segue constitui uma visão se-
lectiva das suas estratégias durante os últimos trinta anos.

Diálogo ouvido numas termas femininas em 1993:


Não vou pôr soutien.
Que liberal.
HISTÓRIA DO SEIO

Dada a importância simbólica do seio, não admira que o movimento de


libertação de mulheres tenha começado com uma forma de protesto poste-
riormente denominado ” queima de soutiens.” Liderados pelo poeta Robin
Morgan, os membros do Partido de Libertação Feminino patrulharam o Con-
curso de Miss América em Atlantic City e incitaram as mulheres a deitar fora
soutiens, cintas, frisadores, pestanas postiças e outros Símbolos de “meninas
tontas e mamalhudas” que consideravam aviltantes.” Os organizadores da
manifestação distribuíram um panfleto que condenava um conjunto de forças
negativas da sociedade americana, incluindo o sexismo, o conformismo, a
discriminação etária e racial que encontravam acolhimento no concurso anual
de beleza.
As histórias de mulheres a tirar os soutiens no passeio à porta do Salão
de Convenções deu origem ao mito da queima de soutiens, embora estes não
tivessem sido queimados de início, mas apenas atirados para contentores do
lixo. O repórter que cunhou o termo pretendia certamente associá-lo a outros
actos incendiários, como a queima de bandeiras ou notas de destacamento
Embora muitas mulheres não quisessem ser vistas como ” queimadoras de
“soutiens” ou "libertárias,” muitas outras reuniram-se em torno da ideia de
“recusa do soutien.
Uma delas, recordando a altura em que a recusa de usar soutien simbo-
lizava liberdade e rebelião, deixou este testemunho: ” Já tinha posto de lado
a cinta, abandonei também as máquinas de barbear, a maquilhagem, os sa-
patos altos e as saias O meu estilo era informal — nada de blusas justas nem
blusões que requeressem o uso de soutien para eu ficar mais decente. Preo-
cupava-me o que as pessoas pensariam quando reparassem que estava sem
soutien. Mas por fim, deixei de pensar nisso. rá
"Dois anos após a primeira ” queima de soutiens,” a escritora australiana
Germaine Greer escreveu 4 Mulher Eunuco, um relato vivo de como as so-
ciedades patriarcais retiram o poder às mulheres. Aí, a autora reservou parte
da sua linguagem mais expressiva à atenção exagerada que os homens dedi-
cam aos seios femininos. ”Um colo amplo,” concluiu Greer, “é uma mó à
volta do pescoço da mulher. Os seus seios apenas são admirados desde que
não exibam marcas da sua função: quando escurecem, esticam ou ficam com
estrias tornam-se objecto de repulsa. Deixam de ser parte de uma pessoa, para

289
MARILYN YALOM
ag:

se transformarem em chamarizes que elas trazem à volta do pescoço e devem


ser amassados e torcidos como uma massa mágica.” Tal como as queitnado-.
ras de soutiens americanas, Greer reagiu ao fetichismo em relação aos seios
recusando-se a usar o tipo de roupa interior que perpetua “a fantasia de ma-
mas pneumáticas, para que os homens tenham de aperceber-se das variações
da realidade
”*
As manifestações de queima de soutiens dos anos 60 e 70 destinavam-se
a desenfatizar a sobre-erotização das mulheres em geral, e dos seios em par-
ticular, e a chamar a atenção para necessidades económicas e sociais mais
prementes.é Por ironia do destino, a recusa dos soutiens foi virada contra as
mulheres por inúmeros detractores que viram nela uma afronta à decência pú-
blica, ao bom gosto, e a uma visão de beleza física criada pelo homem, que
exigla que os seios fossem redondos, grandes, firmes e claramente definidos.
Enquanto a delimitação dos seios como objectos sexuais tinha sido a norma
nos anos 40 e 50, o seio libertado de finais dos anos 60 representou uma for-
ma de ausência de lei, um desregramento dos seios, que podiam agora saltitar
sem restrições, e um prenúncio da maior licenciosidade que viria a seguir-se.
Nas décadas de 1970 e 80, as mulheres tiraram por vezes, não apenas os
soutiens, mas também as blusas. A par de “dar nas vistas”, brilhar” ”va-
guear” (praticados tanto por mulheres como por homens), o desnudamento
dos seios tornou-se uma maneira de empinar o nariz à sociedade. Uma mulher
convenceu algumas amigas que estavam sentadas numa fonte a expor os
seios, ” Disse, “Um, Dois, Três. Levantem a camisa!” E um, dois, três, levan-
támos a camisa. Um fotógrafo aproximou-se e disse, “Importam-se de fazer
isso outra vez?” Respondemos, “Não.” Então um dois três e as camisas subi-
ram e ali estávamos nós. Até que a polícia chegou e começou a importunar-
-nos.”?
Este tipo de incidente era claramente novo e perturbador para os agentes
da autoridade. Um panfleto de uma escola da Polícia Militar do Exército dos
EJU.A. intitulado Como Manter-se Calmo num Distúrbio Civil fornecia o se-
guinte conselho aos formandos:

SITUAÇÃO: Estás em formação à frente de um grupo de mulheres


da tua idade. Elas gritam: "Se estás do nosso lado, sorri” e le-
a?

290
HISTÓRIA DO SEIO

vantam as blusas, expondo os seios. Que deves fazer?


SOLUÇÃO: Concentra-te no que tens a fazer. Afinal de contas,
não é a primeira vez que vês uns seios. Ás raparigas estão a pro-
vocar-te e querem que cometas algum erro para poderem ridicu-
larizar-te. Mantém-te alerta!

De um modo geral, a polícia americana esteve à altura da situação; pelo


menos, não há referência de incidentes motivados por provocadoras que ti-
vessem exibido os seios.
As manifestações em topless passaram a ser uma maneira de chamar a
atenção para uma vasta gama de temas, incluindo a pornografia, o sexismo,
os cuidados de saúde, e o sexo seguro (fig. 87). Em 1984, por exemplo, ses-
senta mulheres e homens de seios nus desfilaram pelas ruas de Santa Cruz,

87. Lavagem de automóveis em topless. Santa Cruz, Califórnia. Agosto de 1993.


As alunas da Universidade da Califórnia em Santa Cruz recolheram $250 para custos de publi-
cação de um calendário em prol da promoção do sexo seguro entre lésbicas e mulheres bis-
sexuais. Mas como uma delas admitiu: "Não é só por causa do calendário. Também é para
combater a mamofobia.”

291
MARILYN YALOM

na Califórnia. Vieram à rua protestar contra o abuso do corpo feminino na


publicidade e na pornografia. Esta pretensão foi articulada num discurso lido
por Ann Simonton, uma feminista radical que tinha sido modelo em Nova
Forque. o

Se os seios femininos não fossem escondidos por vergonha ou vis-


tos como algo de obsceno e perverso, como podia a Madison Ave-
nue, os fotógrafos, os filmes e a televisão continuar a tirar partido
da sua exposição?
Dizemos não à ideia de que os nossos seios pertencem aos pub-
licitários, concursos de beleza, pornógrafos, bares de topless, peep-
show ad nauseam.
Reclamamos o direito de governarmos os nossos corpos.”

Algumas pessoas empunhavam cartazes que diziam ” Os nossos seios são


para o recém-nascido, e não para a pornografia masculina,” e “O Mito de
um corpo perfeito é uma opressão para todas nós.” Por fim, parte do grupo
reuniu-se na praia de Santa Cruz, e um dos homens foi nadar nu nas águas
do Pacífico. O salva-vidas avisou que era possível fazer topless nas praias
da cidade ou do condado, mas toda a gente tinha de manter a parte de baixo.
Ao longo da história, têm sido criadas leis para controlar as partes do cor-
po que os homens e as mulheres podem exibir em público. Actualmente nos
Estados Unidos, nem os homens nem as mulheres podem expor publicamente
os órgãos genitais, mas só as mulheres são proibidas de expor “os mamilos
ou a zona abaixo deles.” Deveremos encarar isto como uma forma de des-
criminação contra as mulheres? Deverão as mulheres ter de suar nos parques
e estádios, enquanto os homens têm a liberdade de tirar a camisa? Será que
a lei apenas reforça os estereótipos sobre a natureza sedutora dos seios femi-
ninos e a ideia de que os homens não conseguem controlar-se na presença
de um peito descoberto? Serão essas leis feitas com o intuito de preservar os
seios nus para a pornografia, os filmes, a televisão e a publicidade onde são
mais preciosos por se encontrarem escondidos noutros lugares? Estas pergun-
tas apontam para alguns dos motivos pelos quais existe uma obrigação legal
de cobrir os seios para lá da vaga noção de propriedade.” Mas mesmo que

292
HISTÓRIA DO SEIO

aceitemos o princípio da cobertura dos seios obrigatória, devemos considerar


as excepções do aleitamento em público e dos banhos de sol nas praias.
Como já salientámos, amamentar em público é aceitável na maior parte
dos países (embora isso não aconteça em todas as regiões dos Estados Uni-
dos),-e-é permitido tomar banhos de sol em topless em muitas praias euro-
peias. É verdade que ambas as actividades têm certos códigos informais de
comportamentos associados a elas. As mães em fase de aleitamento devem
ser o mais discretas possível, descobrir um seio de cada vez, e cobri-lo ime-
diatamente a seguir a dar de mamar. Exibir o seio seria considerado um acto
de mau gosto. Nas praias europeias onde as mulheres tiram a parte de cima
dos bikinis, os códigos são igualmente rígidos. Um sociólogo que estudou
este fenómeno em praias francesas salienta as duas condições prévias para a
maioria das banhistas que fazem topless: serem novos (menos de quarenta e
cinco anos) e não terem os seios demasiado grandes ou descaídos. Prevale-
cem as regras de conduta bem demarcadas; a mulher que faz topless deve per-
manecer deitada e não de pé; não deve chamar a atenção para si de uma ma-
neira óbvia; e os homens só podem olhar se parecerem não estar a olhar. 210
(Na sua novela Palomar, Italo Calvino escreveu páginas deliciosas sobre a
arte de não ver um seio uu na praia.) São estas as regras do jogo que se de-
senvolveu nos últimos vinte e cinco anos.
Na Europa durante os anos 70, as mulheres apenas exibiram os seios por
motivos declaradamente políticos em meia dúzia de casos isolados. Uma
francesa pôs-se em topless perante Jean Royer, o eterno Presidente da Cã-
mara de Tours, como forma de protesto pela sua política conservadora. Várias
estudantes dançaram de seios descobertos à volta da tribuna de um ” grande
filósofo alemão” (possivelmente Habermas), obrigando-o a abandonar a sala
atónito.! Mas estas manifestações esporádicas nunca assumiram a força co-
lectiva das manifestações americanas.
Uma futura política europeia grangeou enormes benefícios por descobrir
os seios em público. Na Primavera de 1987, “La Cicciolina” (nascida sob o
nome de Illona Staller em Budapeste trinta cinco anos antes) ocupou o qua-
dragésimo nono lugar numa lista de candidatos propostos para o Parlamento
pelo Partido Radical Italiano. Cicciolina passou de conhecida estrela porno
a sensação política de um dia para o outro. As suas tácticas eleitorais eram,

293
MARILYN YALOM

no mínimo, pouco comuns (fig. 88). Analisemos este texto jornalístico: “Um
descapotável vermelho pára em frente do Parlamento italiano, na Praça Mon-
tecitorio, no centro de Roma. Uma jovem loura, toda vestida de cor-de-rosa,
muito direita, descobre generosamente o seio. Os flashes disparam. “Não à
repressão sexual!” entoa ao microfone. Uma pequena multidão de entusiastas
aplaude calorosamente.” 2
Num país em que as mulheres ocupavam apenas 6,5 por cento dos assen-
tos parlamentares, a candidatura de Cicciolina colocou-a entre um pequeno
número de mulheres esperançadas. Mas ao contrário das outras candidatas,
Cicciolina não tinha qualquer experiência política ou académica: tinha apenas
os seios, e estes estavam à altura.
Nas eleições de Junho, para grande surpresa da maioria dos pontífices das
letras, Cicciolina ocupou um lugar entre os 360 onorevoli (veneráveis) que
representam a nação. A sua mensagem de libertação sexual levou-a ao san-
tuário do poder político. Durante os seus quatro anos como deputada, intro-
duziu sete propostas: o direito dos prisioneiros terem práticas sexuais, a edu-
cação sexual nas escolas, a criação de “parques de amor,” a reforma dos
padrões de obscenidade no cinema, um imposto ecológico sobre veículos mo-
torizados, a interdição da venda de peles e das experiências com animais vi-
vos, e a reabertura de casas de prostituição legais.
Mas o papel de Cicciolina como deputada foi complicado pelo facto de
ela continuar a mostrar os seios, e frequentemente o resto do corpo, fora da
legislatura. Tomemos em conta este título de Outubro de 1987: “Seios de
Ciccionina semeiam o escândalo na Terra Santa” É Ao chegar a Israel, onde
fora fazer dois filmes porno, foi acolhida com protestos pela comunidade ju-
daica ortodoxa e recusou-se a entrar no Knesset. Decididamente, os israelitas
não estavam dispostos a aceitar a mistura de pornografia e política que era
aplaudida no seu pais natal. Foram introduzidas duas acções judiciais contra
a actriz-deputada em Tel Aviv, e ela teve de regressar rapidamente a Itália,
onde os seus filmes porno estavam protegidos pela imunidade parlamentar.
Cicciolina demitiu-se do seu cargo em Abril de 1991, durante um período
de crise parlamentar. Fossem quais fossem os seus motivos, Cicciolina re-
gressou ao seu primeiro amor — a pornografia — e acolheu-se nos braços
de um segundo marido, o artista americano Jeff Koons, com quem tez uma
HISTÓRIA DO SEIO

88. La Cicciolina. Roma. 1987.


Com os seios descobertos e o braço erguido triunfantemente muito acima da cabeça, a candidata
italiana Cicciolina apareceu perante o público como uma sensual estátua da liberdade.

295
MARILYN YALOM

série de fotografias sexualmente explícitas durante a sua breve união.


Entretanto, na América, as mulheres tinham passado da ” queima de sou-
tiens” a actos mais substanciais. A luta pelos direitos reprodutivos das mu-
lheres, por paridade legal, educacional e económica em relação aos homens,
por cuidados de saúde e pelos cuidados infantis, pelo fim das formas degra-
dantes da pornografia, da violência contra as mulheres, e do assédio sexual
— milhões de mulheres prosseguiam estes objectivos, apesar da oposição
constante e das repetidas afirmações de que o feminismo estava morto. Es-
tava a decorrer uma revolução que encorajou as mulheres a libertar o corpo
das vias da heterossexualidade compulsiva e da reprodução. Muitas mulheres
optavam, ou eram obrigadas a escolher outras opções: sexo sem casamento,
casamento sem filhos, emprego, ser mãe solteira, uniões com pessoas do mes-
mo sexo, e, mais frequentemente, uma mistura de trabalho, vários parceiros
sexuais, e maternidade. E neste caos, o seio emergiu como um poderoso mar-
co da nova situação das mulheres.
O seio teve um lugar de destaque por volta de 1990 em algumas das ma-
nifestações que chamaram a atenção para as questões de saúde feminina (fig.
89). Tornou-se cada vez mais visível nos anos 90, quando as mulheres — que
tinham aprendido a lição com os activistas da sida — começaram a exigir
mais apoio governamental para a investigação do cancro da mama. Em 19983,
um artigo da New York Times Magazine intitulado "A Angustiante Política
do Cancro da Mama,” com a fotografia de uma mulher mastectomizada na
primeira página, referia a existência de 180 grupos de advocacia do cancro
da mama por toda anação. Motivados pela ira e desavergonhadamente mi-
litantes, esses grupos levaram a sua causa à legislatura, aos meios de comu-
nicação e às ruas.
Em 1991 e 1992, em manifestações efectuadas em Boston, podia ler-se
“Perguntem-me Como é Cancro da Mama e Pobreza” e “Perguntem-me
Como é Cancro da Mama e Meio Ambiente.” Em Maio de 1993, setecentas
activistas reuniram-se perto do Reflecting Pool em Washington, D.C., com
botões e &-shirts com slogans atraentes como “Ponha Termo a Isto” e “Tal-
vez Salve a Sua Mulher.” Em Outubro de 1993, um milhar de pessoas, na
sua maioria mulheres, desfilaram em direcção à Elipse, perto da Casa Branca,
com pequenos laços cor-de-rosa e grandes cartazes. Depois do encontro com
nd

296
HISTÓRIA DO SEIO

89. Hope Herman Wurmfeld. Women's Health Action Mobilization (WHAM) na Quinta Avenida,
Nova Iorque, 1992.
Membros da WHAM desfilam em defesa da liberdade de opção.

vários líderes, o Presidente Clinton e a mulher comprometeram-se a delinear


um plano de acção a nível nacional para a prevenção, diagnóstico e tratamen-
to do cancro da mama.” Em poucos anos, as activistas do cancro da mama
obtiveram resultados notáveis em termos de fundos. Pressionaram os legis-
ladores americanos, que antes ignoravam ou trivializavam as questões de saú-
de feminina, a aumentar o apoio aos projectos relacionados com o cancro da
mama de 90 para 420 milhões de dólares em 1995.
Mas os apoios governamentais de inspiração política nem sempre permi-
tem fazer a melhor investigação, na opinião de alguns membros da comuni-
dade científica.! Eles defendem que os progressos em direcção à cura do
cancro em geral podem ser prejudicados por os recursos serem aplicados no
cantro da mama em particular, deixando um fundo mais reduzido para a in-
vestigação do cancro em geral, que poderia vir a constituir a chave para todos

297
MARILYN YALOM

tp

90. Reid S. Yalom. Desfile gay e lésbico. São Francisco, 1994,


Uma manifestante, exibindo o seio mastectomizado, exibe um cartaz que nos recorda que “O
Cancro Afecta Todos” e a " Invisibilidade é Igual a Morte.”
A

298
HISTÓRIA DO SEIO

os tipos de cancro. Às activistas do cancro da mama contrapõem esta opinião ="


com o argumento de que até há pouco tempo, as questões femininas recebe-
ram muito menos fundos destinados à investigação do que deviam. Elas sa-
lientam, com razão, que a maioria dos estudos médicos do passado focavam
a sua atenção nas doenças dos homens, ou não consideravam as mulheres su-
jeitos de investigação mesmo quando elas tinham as mesmas doenças (por
exemplo, doença do coração ou cancro dos pulmões). O cancro da mama —
uma doença especificamente feminina — exige a atenção que adquiriu, e os
recursos necessários para ajudar a deter o seu crescimento.
O cancro da mama é uma questão que atravessa todo o espectro político,
reunindo Democratas € Republicanos, feministas e não-feministas, mulheres
heterossexuais e lésbicas, ricos e pobres. Entre as pessoas que lutam pelo
mesmo objectivo encontram-se as feministas aguerridas da Long Island
Breast Cancer Coalition, as mulheres conservadoras da Women Foundation
for Breast Cancer de Dallas, e as lésbicas que fundaram o Women's Cancer
Resource Center de Berkeley. Estas últimas tiram partido do enorme Desfile
de Gays e Lésbicas de São Francisco, que é organizado anualmente, para cha-
mar a atenção para a doença. Raven Light, que sobreviveu a uma mastecto-
mia (fig. '90), desfilou de seios descobertos em 1994. Esta mulher também
descobriu o peito outras manifestações — por exemplo, num protesto contra
uma futura central nuclear na região altamente industrializada de Bayview-
“Hunters Point, em São Francisco, em 1995, onde as taxas de cancro da mama
são já consideravelmente mais elevadas do que no resto do país.
Da Califórnia para as ilhas de Nova Iorque, a advocacia do cancro da
mama assumiu o carácter de um movimento nacional. Pacientes e não-pa-
cientes, apolando-se mutuamente, declararam guerra contra a doença com o
fervor dos antigos abolicionistas e proibicionistas. Consideremos o caso de
Laura Evans, a quem foi diagnosticado um cancro da mama em 1989 e veio
a submeter-se a um tratamento médico extensivo. Em Janeiro de 1995, Evans
liderou um grupo de dezassete sobreviventes do cancro da mama numa via-
gem ao Monte Aconcagua, na Argentina, o mais alto pico do Hemisfério Oci-
dental. Esta “Expedição Inspirada”, patrocinada pelo Breast Cancer Fund de
São Francisco, recolheu 1,5 mil milhões de dólares para projectos inovadores
na investigação do cancro da mama.

299
MARILYN YALOM

“ A história de Laura Evans, embora dramática, é semelhante à de muitas


outras mulheres que estabeleceram o compromisso quase-religioso de acabar
com o cancro da mama. Como indivíduos e como membros de grupos, essas
mulheres falam por si e por todas as mulheres ameaçadas com a doença —
ou seja, todas as mulheres. Escrevem testemunhos assustadores em livros, re-
vistas, jornais, e boletins. Quem pensaria há dez anos atrás que o cancro da
mama viria a ser o tema respeitável de peças de teatro e exposições cheias
de público?
Individual e colectivamente, as sobreviventes do cancro da mama atacam
o inimigo com todos os meios ao seu alcance. À sua luta contra o cancro da
mama passou a ser a causa mais importante das mulheres no final do séc. XX,
com a possível excepção da luta pelo acesso ao aborto legal. Actualmente, a
preocupação com o cancro da mama extravasou os seus limites, passando a
revigorar toda a área da saúde feminina.
Enquanto as antigas ideologias políticas que rodeavam o seio eram, em
grande medida, inventadas e promovidas pelos homens, as actuais ideologias
políticas resultam em primeiro lugar da afirmação das necessidades das mu-
Iheres. É significativo que as eleitoras e legisladoras tenham transposto os li-
mites tradicionais dos partidos para se tornarem advogadas da investigação
do cancro da mama tal como transpuseram os limites dos partidos para pro-
testar contra o assédio sexual. Há novos temas femininos a defender na po-
lítica americana, e o seio pode muito bem ser considerado o seu símbolo.

A POLÍTICA DO SEIO exigiu que as mulheres trouxessem uma questão


muito pessoal para a praça pública. A poesia, por seu tumo, permite que o
que é pessoal assim se mantenha. Ela vai ao encontro de pensamentos e sen-
timentos que não têm necessariamente relevância política. Vai ao encontro
de memórias dolorosas e agradáveis, deriva para a fantasia, vira na direcção
do humor, ou desemboca na tragédia. No que diz respeito ao corpo, a escrita
agita os nossos sentimentos mais viscerais. Após os primeiros capítulos do
livro, não é nenhuma surpresa descobrir que a poesia é ainda refúgio do seio,
com a grande diferença que os versos são agora escritos pelas mulheres.
É provável que existam mais autoras de poesia sobre o seio nos últimos
vinte e cinco anos do que em todos os séculos anteriores. Antes do início dos
E
“gar

300
HISTÓRIA DO SEIO

anos 70, era praticamente impossível encontrar mulheres que escrevessem


abertamente sobre o seu corpo, especialmente sobre assuntos relacionados
com o sexo, a reprodução e a doença. Mas à medida que as mulheres foram
reclamando os seus direitos em relação aos médicos, às autoridades religiosas
e aos políticos, também começaram a dar voz às verdades da carne. Pela pri-
meira vez na história escrita, a poesia do seio exprimiu os pensamentos sub-
jectivos das mulheres em vez das fantasias tecidas pelos homens acerca deles.
Tal como a arte feminina do mesmo período (que discutiremos mais tar-
de), a poesia feminina proporcionou modos radicalmente novos de ver a for-
ma feminina. Ao mirar-se ao espelho, as mulheres viam seios que não cor-
respondiam ao ideal poético masculino. Elas não viam os globos de marfim
com morangos ou cerejas. Os seus seios não eram invariavelmente firmes,
simétricos e empinados."” Os seus seios podiam ser lisos ou descaídos, tão
passíveis de inspirar ironia e humor como reverência e desejo. As mulheres
começaram: a articular os sentimentos que os seios evocavam nelas, dos pra-
zeres do amor aos pesadelos do cancro da mama. Com a ousadia titubeante
de trilhar um caminho inexplorado, elas reclamaram os seus direitos hterários
em relação ao seio.
Passou finalmente a ser possível escrever sobre a carne feminina de um
ponto de vista interior. Consideremos este exuberante poema de Alicia Os-
triker sobre o crescimento dos seios.

Durante toda a meninice esperamos por eles,


Impacientes por ganhar tempo, por podermos
Dentro das nossas camisas, substituir as nossas mães.

O identidade plena, ó forma, pensamos


Que somos a dádiva de Deus ao mundo
E a dádiva do mundo a Deus, quando nos crescem os seios,

Quando os amantes os tambem


E nos levam ao auge, aí, na humidade odorosa
, : e 18
Quando os bebés se aproximam de nós como abelhinhas.
MARILYN YALOM

O seio visto de dentro é radicalmente diferente da perspectiva a partir do |


exterior. O seio deixa de ser apenas um objecto do desejo masculino, e passa
a ser a marca da sensação de identidade crescente de uma mulher e do seu
erotismo recém-descoberto.
O seio alberga em si um mundo de sensações sobrepostas, como podemos
ver neste poema de Sharon Olds acerca da sua experiência recente da mater-
nidade.

Uma semana após o nascimento do nosso filho,


encostaste-te a mim no quarto das visitas
e caímos na cama.
Cobriste-me de beijos, o leite soltou
o nó corredio que me queimava os mamilos,
e ensopou-me a camisa. Toda a semana senti o cheiro do leite,
leite fresco, azedo. Comecei a sentir o tatejar!?

Falar do cheiro a leite azedo e dos pontos cirúrgicos e da ternura do ma-


rido-amante estabelece a integração entre dar à luz, aleitar e fazer amor. Aqui,
os seios não são objectos sexuais separados: eles fazem parte da maneira
como a mãe está no mundo, da sua fisicalidade, da sua força e da sua dor,
da sua maneira de amar e ser amada. Qualquer mulher — e não apenas as
mulheres que já aleitaram — podem identificar-se com os sentimentos de or-
gulho e vulnerabilidade que estes seios transmitem.
No passado, o aleitamento e a sexualidade eram geralmente postos nos
antípodas. Não esqueçamos o modo como o aleitamento por parte das amas
de leite foi institucionalizado durante o Renascimento, com os seios das
classes altas reservados para os sexo e os seios das classes inferiores reser-
vados para amamentar. Porém, as mulheres não se limitam a aceitar essa
visão: o aleitamento e as sensações sexuais encontram-se frequentemente
associados. A poeta Alícia Ostriker foi uma das primeiras a falar aberta-
mente do facto de as mulheres poderem retirar excitação sexual do acto de
amamentar.

302
HISTÓRIA DO SEIO

Bebé guloso
a chupar na teta doce
puxas o mamilo com a língua e fazes cócegas à mamã
os teus olhos redondos e abertos parecem revelar entendimento
Enquanto mamas sinto cada vez mais
a minha fenda sensível
a tua boca palpita de vida, tal como a minha barriga

A poeta interroga-se porque hão-de as mães negar este prazer: ” Será as-
sim tão horrível gozarmos: outro amor que não ousa dizer o nome?”?º
Aparentemente, pelo menos a partir de um incidente relatado, é de facto
horrível uma mãe admitir que se sentiu excitada enquanto dava de mamar.
Denise Perrigo de Siracuse, Nova Iorque, viu ser-lhe retirado o filho de dois
anos depois de assumir esse facto. Foi acusada de abusar sexualmente da
criança, mesmo depois do juiz saber que não tinha havido abuso sexual. À
fim de oito meses em que esteve entregue aos cuidados de pais adoptivos, a
criança foi entregue, não à mãe, mas sim aos avós!” Infelizmente para Per-
rigo, OS membros dos serviços sociais, a polícia e os tribunais que pronun-
ciaram os seus sentimentos como anormais não estavam familiarizados com
escritoras como Ostriker, nem com as afirmações da La Leche League ou da
Dra. Susan Love, que reconhecem como “normal” que haja excitação sexual
quando se dá de mamar. ' ==
Rosanne Wasserman escreveu uma ”Moon-Milk Sestina” em homena-
gem ao aleitamento e das primeiras palavras do seu filho lactente. > Deve ser
verdade: os bebés aprendem a língua com o leite que mamam.” 2 Deborah
Abbott recorda os muitos prazeres derivados dos seus seios cheios de leite
quando era muito mais nova: ” Gosto muito destes seios que tantos prazeres
conheceram. Os bebés engasgaram-se com o seu leite, os amantes foram de-
vidamente aspergidos, e também eu os senti e toquei. São os seios de uma
mulher que viveu muito e com gosto. Agora chamo-lhes seios preguiçosos.
Cumpriram o seu dever e repousam sobre o meu peito como frutos caídos
no chão.” 2 Isto não podia ter sido escrito por um homem. Não há aqui o me-
nor lamento pela perda do colo firme da juventude, nem descrições de tetas
de bruxa, mas apenas as doces recordações de prazeres passados e a aceitação

303
MARILYN YALOM

madura dos seus “seios preguiçosos” que já têm uma certa idade.
Ao mesmo tempo que as poetas celebravam o aleitamento e a sexualida-
de, também foram produzindo um conjunto menos alegre de poesia sobre o
cancro da mama. Este tema antigamente tido por tabu desembocou de súbito
em poemas pouco verosímeis sobre mamografias, mastectomias, e próteses.
A “Mamografia de Rotina” de Linda Pastan descreve a vulnerabilidade que
qualquer mulher sente quando se submete a este procedimento: ” Procuramos
um verme / na maçã.” ?* Para Joan Halperin, o momento mais terrível foi o
“ Diagnóstico”:
A três de Maio
o indicador tosco de um médico
aponta para um tumor
. . 25
que diz encontrar-se no meu seio.

Muitos destes poemas descrevem as consequências de uma mastectomia,


como em ” Agora Só Resta Um De Nós”, de Patricia Goedicke, onde a autora
se vê ao espelho e pergunta “Quem é aquele estranho assimétrico?”É A
“Mastectomia” de Alice J. Davis transmite por completo a ansiedade da au-
tora em apenas onze palavras.
Nenhuma almofada
protege
o bater do coração —
pele repuxada de tambor.”

O tema da prótese inspirou um grande número de versos de um humor


cáustico, como acontece em ” Poema para a Mulher que Encheu um Seio de
Alpista, e Outros Poemas”, de Sally Allen McNall:
o seio novo da minha mãe
custou mais de $100 e a rapariga
do 1. Magnin foi tão
terra-a-terra, ” que se podia
pensar
que toda a gente faz isto”

304
HISTÓRIA DO SEIO

Estas poetas confrontam a assimetria do corpo, encaram a sua perda com


lucidez e tentam estimar o que resta.
Mas a poeta Audre Lorde, nos seus apaixonados Cancer Journals, recusa
qualquer consolo artificial. Quando uma mulher afectuosa do programa
Reach to Recovery foi vê-la ao hospital, ” com uma mensagem muito estafada
e um pacotinho com um enchumaço rosa pálido em forma de seio,” Lorde
interrogou-se se haveria activistas negras no Reach for Recovery” e sentiu
necessidade de falar com alguém que fosse mais semelhante a ela. À autora
sugere que o trauma pós-mastectomia e as decisões a tomar no caso de negra
lésbica têm de ser diferentes das que serviriam para uma branca heterosse-
xual. Antes de sair do hospital, Lorde tomou uma decisão dolorosa:

Achava-me estranha e insegura e estranha, mas de certo modo, era


ainda mais eu e, por isso, muito mais aceitável, do que com aquela
coisa dentro da roupa. Porque nem a prótese mais perfeita do
mundo podia desfazer essa realidade, ou sentir o que o meu seio
;sentira, e ou que eu passava a amar o meu corpo só-com-um-seio,
ou ficaria para sempre estranha a mim mesma”?

Amar O próprio corpo só-com-um-seio, amar o corpo — não tem sido fácil
para as mulheres. As mulheres americanas estão notoriamente insatisfeitas com
o seu corpo e continuam em busca de solucionar isso através de dietas, pro-
gramas de exercícios e cirurgia cosmética. Como Naomi Wolf afirmou de
modo convincente em O Mito da Beleza, as alterações faciais e corporais tor-
naram-se literalmente uma religião nacional.” A escrita e a arte femininas con-
trariam muitas vezes esta tendência ixrealista e pouco saudável. Os poemas re-
lacionados com o cancro da mama são, entre outras coisas, tentativas de
fazer-nos gostar dos nossos corpos menos que perfeitos, tais como eles são.
Quando Adrienne Rich escreve acerca do cancro da mama em “Uma Mu-
lher Morta aos Quarenta,” as primeiras palavras do poema, “ Os teus seios
fcortados,” deixa um espaço para os seios ausentes, um abismo que os evoca
mais do que a linguagem. O acesso de termura da autora pelas feridas de uma
dupla mastectomia ultrapassa em muito a compaixão convencional: “Quero
tocar com os meus dedos / o lugar onde estiveram os teus seios / mas nunca

305
MARILYN YALOM

“fizemos coisas dessas.”*! Trata-se de um poema para todos — mulheres lés-


bicas e heterossexuais, homens heterossexuais e gay — porque fala da trans-
cendência que pode ocorrer quando os seres humanos vêem e acariciam as
feridas dos outros.
É certo que esta poesia pouco tem em comum com os elogios masculinos
tradicionais do colo. Ela encontra a sua verdade à lupa, sem a mediação de
uma imaginação idealizadora. Por mais doloroso que seja, mesmo quando “o
corpo fala a verdade na sua precipitação celular” (Rich), é esta verdade que
as mulheres contemporâneas preferem contar.

COMO OS LEITORES de poesia são sempre relativamente escassos,


mesmo os poemas mais fortes raramente exerceram influência política. As
imagens, por seu turno, devido à sua acessibilidade imediata e tão ubíqua no
nosso mundo dominado pelo homem, são mais passíveis de fomentar a mu-
dança social. Na nossa época e pela primeira vez na história, as mulheres co-
meçaram a exercer uma influência colectiva sobre as artes visuais. Após dei-
xarem de ser meros objectos do olhar do artista, pegaram no pincel do pintor
e na máquina do fotógrafo ou do realizador, e apresentaram imagens sur-
“preendentemente novas de si mesmas.
O objectivo de muitas destas artistas é ” construir um corpo feminino pe-
rante a convenção patriarcal” *2 Virando conscientemente costas às normas
inasculinas da beléza feminina, procuram na mulher a expressão de uma sen-”
sibilidade feminina. Elas encontraram os seus antepassados nos quadros de
Mary Quassatt com robustas mães a dar de mamar com o ar de quem o faz
realmente para benefício dos seus filhos, e não de um voyeur lascivo. E nos
auto-retratos nus de Paula Modersohn-Becker que chocou os seus contem-
porâneos alemães em 1906 com os seus retratos realistas de quando estava
grávida. E nos auto-retratos de seios descobertos da artista francesa Suzan-
ne-Valadon (1917-1924, e 1931), que ” constituem um documento único do
envelhecimento de uma mulher.”*? Cada uma destas artistas desafiou, a seu
modo, convenções de com vários séculos a parodiar a tradicional mensagem
erótica da nudez feminina. Algumas das artistas de hoje também se inspira-
ram nas pinturas com vulvas/flores da americana Geórgia O'Keefe e nas ale-
, gorias recorrentes da mexicana Frida Kahlo.

306
HISTÓRIA DO SEIO

Frida Kahlo (1907-54) constituiu um corpus revolucionário inspirado pela


sua vida pessoal e pela arte do seu país. As suas obras mais representativas são
auto-retratos que documentam a sua estranha beleza facial, o seu exuberante
traje nativo e as verdades inabaláveis do seu corpo em sofrimento. Duplamente
aleijada — primeiro por causa da polio, e depois devido a um acidente de ca-
mioheta — Kahlo retrata-se como pretende que a vejam: como uma mártir or-
gulhosa e solitária, sem vontade ou incapaz de resolver as contradições básicas
gravadas na carne de uma mulher deficiente e criativa. Nos seus quadros, a
“imagem de marca” das sobrancelhas e do buço parecem entrar em conflito
com as delicadas maçãs do rosto e os longos cabelos negros; por outro lado, a
relação apaixonada com o marido, o pintor Diego Rivera, parecia contradizer
a solidão existencial que ela afirmava ser o seu destino.
Mas o que confere à obra de Kahlo uma qualidade única são as profun-
dezas surrealistas da sua imaginação. O corpo isolado associa-se a amigos e
amantes, fauna e flora — a todo o universo — através de uma rede onírica
de associações. Em 4 Minha Ama e Eu (1937), os seios transportam o fardo
simbólico das inter-conexões cósmicas (fg. 91). Kahlo visualiza-se como um
bebé com rosto de adulto a ser amamentado pela sua ama índia. À ama, com
uma máscara pré-colombiana, é maciça e morena; dos mamilos escorrem go-
tas de leite semelhantes a pérolas. O seio esquerdo, na boca do bebé, está pin-
tado de forma a mostrar o que se imagina existir por baixo da pele: não uma
“rede-anatómica de velas e canais, mas sim os padrões florais utilizados para
decorar os seios em algumas esculturas pré-Colobianas.* A interconexão
deste seio que alimenta com o universo é sugerida pela folhagem que rodeia
o par, com uma folha ampliada de forma a revelar as suas veias de leite e
um céu de gotas de chuva semelhantes a leite em pano de fundo.
A Minha Ama e Eu estabelece um corte radical em relação aos quadros
religiosos conhecidos da Maria lactans. Em primeiro lugar, o bebé já não é
um menino; cedeu o lugar à mulher, a uma Frida Kahlo semelhante a uma
boneca. Outro aspecto pouco comum, embora o seu corpo franzino seja de
criança, a sua cabeça é de um adulto, indicando que foi Kahlo, a artista ma-
dura, que imaginou a cena. Além do mais, a figura maternal que lhe oferece
o seio já não é uma rainha de pele branca nem mesmo uma mulher doméstica:
tem a pele morena, peitô amplo e máscara escura associada aos rituais mis-

307
MARILYN YALOM

91. Frida Kahlo. 4 Minha Ama e Eu. 1937.


Kahlo representa-se a si mesma como um bebé com rosto de adulta ao seio de uma ama índia
impassível.

teriosos do México pré-hispânico. Esta ama e esta bebé não se olham com
intimidade interpessoal. Nem sequer olham uma para a outra. Fitam o hori-
zonte como que para sugerir qualquer drama cósmico em que cada uma tem
um papel previamente decidido. A ama transporta o seu fardo ao colo como
- se de uma vítima sacrificial se tratasse. A lactente tem espelhado no rosto o

308
HISTÓRIA DO SEIO

conhecimento de que nem a gota de leite que aflora os lábios entreabertos


pode salvá-la do martírio.
Este sentido trágico da vida pode ser imputado à herança latina de Kahlo,
mas também é, mais essencialmente, produto da sua dor física e psicológica.
Isto é ainda mais evidente em alguns quadros de Kahlo pintados por volta
dos quarênta anos, quando o seu estado de saúde exigiu que ela se submetesse
a várias intervenções cirúrgicas e começou a descrever-se mais explicitamen-
te como mártir.
Em 4 Coluna Partida (1944), por exemplo, Kahlo representa-se nua den-
tro do corpete ortopédico que foi obrigada a usar durante um período de cinco
meses. A pintora expõe o corpo como o de um São Sebastião do sexo femi-
nino, trespassado por pregos em vez de flechas. Mas por mais dor que lhe
provoque o seu martírio, Kahlo não cede à vitimização auto-complacente. A
sua posição aqui, tal como em todos os seus auto-retratos, é estóica. Ao con-
trário das pinturas de mártires extáticas que proliferaram durante a Idade Mé-
dia é o Renascimento, Kahlo olha-nos de dentro do seu martírio com um ar
de. desafio. Os homens podem muito bem"querer uma vítima, mesmo (e por
vezes especialmente) que esta seja mutilada, mas que podem eles fazer com
esta figura que olha para nós com a impassibilidade de um ícone?
Enquanto Kahlo, aos quarenta anos, criou uma persona gráfica que se tor-
nou célebre ao longo da sua curta vida, a sua contemporânea americana Loui-
se Bourgeois (nascida em 1911) criava uma obra que apenas viria a obter re-
conhecimento muito mais tarde. O corpo humano que domina o mundo de
Bourgeois encontra-se frequentemente desmembrado em partes separadas,
em pares de olhos, mãos, braços, pés e uma grande variedade de seios.
“ A sua longa fixação nos seios encontrou expressão em obras tão variadas
como os seus desenhos da década de 1940, os seus moldes de corpos em latex
dos anos 70, e as esculturas monumentais dos anos 80 e 90. Uma das suas
preferidas é a estátua de mármore preto de 1985 intitulada Raposa Fêmea
(fig. 92). Trata-se de facto, de uma representação da “boa mãe” tal como
Bourgeois a vê, com quatro grandes seios que emanam alimento ilimitado e
amor incondicional. Mesmo mutilada, sem cabeça e sem braços, com gargan-
ta cortada pelo “mau filho,” a mãe é suficientemente poderosa para per-
doar”? Bourgeois não se representa a si mesma no papel da mãe (embora

309
4

92. Louise Bourgeois. Raposa Fêmea. 1985.


Bourgeois retrata-se sob a forma de uma pequena cabeça protegida pela mãe toda-poderosa de
a
seios múltiplos.

310
HISTÓRIA DO SEIO

seja mãe de três filhos), mas sim no da criança, sob a forma da cabeça femi-
nina entre as coxas da mãe.
Outras variações sobre este tema encarnam de modo semelhante o fascí-
nio de Bourgeois pela mãe arquetípica. O seu grande bronze Estudo Natural
(1984) representa uma criatura enigmática, meio humana, meio animal, com
três pares de seios sobre uns pés providos de garras. Quem a viu na Bienal
de Veneza de 1993 (onde Bourgeois representou os Estados Unidos) encarou
a qualidade irredutível da fêmea em toda a sua força e mistério. Embora as
suas descrições de partes do corpo — especialmente seios e falos — se su-
jeitem a interpretações psicanalíticas de teor psicanalítico ou kleiniano, as
suas melhores obras participam de uma dimensão mítica que transcende qual-
quer teoria particularista.
A Bienal de Veneza também continha uma visão diferente dos seios múl-
tiplos. Mamelles (1991) é um friso de seios de borracha cor-de-rosa que en-
tram uns nos outros como uma corrente de carne ondulante. Estes seios, que
não têm qualquer semelhança com o corpo de uma mulher, são exibidos
como objectos atirados ao acaso para dentro de uma vasilha — nabos ou
“ovos, comercializáveis e permutáveis. Este significado devia ser ainda ele-
mentar quando Bourgeois criou Mamelles (o termo francês tem a conotação
pejorativa de “tetas” ou “úberes”), visto que ela afirmou posteriormente que
a obra ” retrata um homem que vive à custa da mulher que corteja, passando
de uma para outra. Alimentando-sé delas sem dar tada em troca, ele ama ape-
nas de uma maneira consumista e egoísta.” 36 Bourgeois atribui este ponto de
vista ao macho Don Juan-esco que trata as mulheres como bens descartáveis
que nunca o satisfazem. Não admira que, ao interpretar a sua arte (como os
críticos psicanalistas), as artistas tenham considerado Bourgeois paradigma
de uma escola de pensamento particular. Diga-se de passagem que a obra de
Bourgeois interessa espectadores de convicções ideológicas muito diversas,
e continua no nosso espírito muito depois de as vermos.
A par das suas congéneres pintoras e escultoras, as fotógrafas também in-
ventaram novas maneiras excitantes de representar as mulheres. Nos anos
trinta, Imogen Cunningham já fotografava torsos sem cabeça segundo uma
visão de beleza fragmentada que viria a transformá-la na mais respeitada das
fotógrafas americanas da sua época. Os seios, tal como as costas, braços e

3!
MARILYN YALOM

pernas, eram sensíveis às harmonias da composição abstracta e, não despro-


vidas das suas conotações eróticas, eram tratadas como algo mais que objec-
tos do desejo masculino: a arte elevada exigia que a luxúria fosse mantida
sob controlo.
A contemporânea de Cunningham Ruth Bernard, oriunda da Costa Oeste
e mais nova do que a primeira, prosseguiu a tradição do nu idealizado com
retratos de corpos femininos que eram dignos de nota pela sua elegância sen-
sual. Nos anos 60, perturbada pela comercialização que explorou e aviltou o
corpo das mulheres, Cunningham criou uma série de “imagens com linhas
rítmicas fluidas que evocam a música e a poesia ”*? Os seus nus, sozinhos
ou em pares enlaçados, falam-nos de um mundo que ainda acreditava na har-
monia e na beleza.
Bernhard e Cunningham foram duas das mais importantes precursoras da
fotografia muito diferente produzida por mulheres nos anos 70 e 80. Jo Spen-
ce em Inglaterra e Cindy Sherman na América são ambas dignas de nota pelas
suas imagens chocantes de mulheres. Como Spence afirmou no seu ensaio
colectivo ” Remodeling Photo History” (1982), ela e o seu colaborador, Terry
Dennett, queriam mudar as práticas comuns do seu ofício através de fotogra-
fias que “não se limitam a copiar os modos dominantes das representações
visuais,” mas pôem-nas em questão. Na tentativa de “acabar com algumas
vacas sagradas da fotografia e da estética burguesa,” Spence e Dennett foram
beber as teorias da antropologia, do teatroe do cinema, bem como às suas
raízes da classe operária. ** As suas fotografias eram, de facto, uma forma de
“ foto-teatro” que implicavam descobrir ou representar uma cena, acrescentar
e dispor elementos diversos e encenar um quadro perante a câmara. .
Na fotografia intitulada Colonização, vemos Spence à porta de uma casa
de habitação social (fig. 93). Com a vassoura numa mão e duas garrafas de
leite ao lado dos pés, o colar pesado e os seios descaídos expostos para todo
o mundo ver, parece uma dona-de-casa britânica a fazer-se passar por afri-
cana, orgulhosa de posar para a máquina fotográfica do homem branco. Cer-
tas Justaposições cuidadosamente encenadas, como as duas garrafas de leite
e os dois seios em forma de jarro, sugerem conexões humorísticas, e apontam
para associações entre a mulher, os seios, a sua classe e o consumismo.
Noutra fotografia, Spence aparece a dar de mamar a um homem de cabelo

312
NR Ea

93, Jo Spence / Terry Dennett. Colonização. ”Remodeling Photo History.” 1982.


Que havemos de pensar desta mulher da classe operária com os seus seios descaídos descobertos
e vassoura na mão, à porta de casa?

e barba negra. Ela apoia a cabeça dele contra o seu seio enorme, e olha-o por
detrás dos óculos com uma ternura emudecida. A parte inferior do cabelo está

313
MARILYN YALOM

iluminada por um halo de luz. Uma vez mais, a fotografia emoldurada choca
contra o nosso padrão habitual de referência. Esta é a pose que associamos tra-
dicionalmente a uma Nossa Senhora virginal com o Menino louro. Que have-
mos de pensar de um adulto peludo e bestial a mamar todo satisfeito numa mu-
lher contemporânea, com o seu peito enorme e mãos masculinas? No mínino,
ficamos a saber que o acto de mamar não se encontra limitado aos bebés.
Outra fotografia de Spence imortaliza um par de seios falsos postos em
cima da mesa da cozinha ao lado de um monte de produtos de mercearia (fig.
94). O preço de” 65p” nos seios redu-los a carne embalada, como o ” Frango
com Miúdos” que se encontra ao lado deles. A imagem dos seios como pro-
dutos possui a qualidade de confrontação característica das melhores obras
de Spence, sem se tornar terminantemente didáctica
Em Nova Iorque durante o mesmo período, Cindy Sherman também ex-
punha cenários destinados a desconstruir as práticas comuns utilizadas para
representar a feminilidade. Ao fotografar-se a si mesma em papéis femininos
estereotipados, como acontece na sua série de Planos Cinematográficos de
1977-80, parodiou os corpos sensuais de rosto vazio típicos dos cartazes dos
filmes de série B. Durante os anos 80, a sua obra cada vez mais sensaciona-
lista começou a expor a exploração do corpo das mulheres que podemos en-
contrar nas artes gráficas e na sociedade em geral.
A série intitulada Retratos Históricos (1988-90) copia os grandes mestres,
transformando-os em paródias bizarras de si próprios. Em algumas desias
obras, Sherman salienta a utilização tradicional dos seios acrescentando seios
falsos. Estes objectos claramente irreais em cera ou borracha produzem efei-
tos grotescos. Eles chocam com a pele verdadeira do corpo de Sherman e com
os fatos que ele usa para imitar os quadros originais. Não há qualquer tenta-
tiva de disfarçar os adereços. Em vez disso, as partes falsas do corpo afastam
a ilusão de que o corpo tem uma história ” natural” invariável. Para Sherman,
a história do corpo é a história da sua construção e manipulação social.
Os pastiches de Sherman da Nossa Senhora do Leite inspiram todo o tipo
de sentimentos irreverentes, entre os quais podemos encontrar o riso, a sur-
presa, o medo e a repulsa. Numa destas obras (Sem Título 4223) vemos re-
. presentado um pequeno seio falso semelhante aos seios ”amovíveis” dos pri-
meiros quadros de Nossa Senhora. Noutra, inspirada na Virgem de Melun

314
. Lof!

HISTÓRIA DO SEIO |

; Ji
94.'Jo Spence / Terry Dennett. Natureza Morta. ” Remodeling Photo History.” 1982.
Esta natureza-morta pouco convencional sugere que os seios femininos são produtos de consumo
semelhantes ao frango, à fruta e aos legumes a que foram associados.

(Sem Título 4216), podemos ver um globo artificial no lugar do globo “blas-
femo” de Agnês Sorel. Uma mãe a dar de mamar ao filho (Sem Título ”225)
usa uma peruca loura de Rapunzel e deita leite de um seio artificial adaptado
ao tronco (fig. 95). Todas estas fotografias de “seios adicionados” põem em
contacto diferentes meios de comunicação (pintura, fotografia e artes de re-
presentação), diferentes modos (irónico, humorístico e macabro), diferentes

315
MARILYN YALOM

95. Cindy Sherman. Sem Título $225. 1990.


Parodiando os quadros renascentistas da Nossa Senhora do Leire, Cindy Sherman acrescenta uma
prótese ao próprio corpo e coloca a mão sobre o seio falso de onde sai uma gota de leite.

316
HISTÓRIA DO SEIO

padrões temporais e, acima de tudo diferentes sensibilidades históricas.


A sensibilidade de Sherman é quintessencialmente pós-moderna: ela
apropria-se de obras de arte reverenciadas ao longo dos tempos, esvaziando-
-as das suas pretensões e expondo a mercantilização das partes do corpo fe-
minino que eram tão predominantes na alta cultura do passado como na pro-
dução em massa do mundo actual. Porém, não é certo que a própria autora
tenha conseguido manter-se indiferente à exploração que pretende expor.
Muitas vezes, temos a impressão que os actos de violência misógina das suas
fotografias transportam em si a mensagem do ódio contra si mesmo. Embora
Sherman se tenha tornado uma das mais bem sucedidas fotógrafas do nosso
tempo, com um público de feministas, intelectuais, críticos de arte e colec-
cionadores sérios, esse êxito pode ter acarretado um preço que ultrapassa a
transacção de mercado. Qual é o preço social que pagamos por parodiar ima-
gens de mulheres humilhadas e desmembradas? Será isso uma forma de li-
bertação?"?
Algures entre a arte e a pornografia, a ex-prostituta e estrela pomo Annie
Sprinkle tem tentado femimilizar a fotografia no mercado do sexo. Através
do seu trabalho de modelo, Sprinkle aprendeu a ver a fotografia de ambos
os lados da objectiva. Como artista das artes de representação, Sprinkle criou
um hilariante Ballet dos Seios, que imita os movimentos da dança clássica
— arabescos, glissades e jetés — e coloca nos devidos termos a visão tradi-
cional dos ” globos de marfim” (fig. 96). Usando luvas compridas a contras-
tar com a pele branca e os mamilos pintados de vermelho, Sprinkle puxou e
revirou os seios ao som do “Danúbio Azul” para um vídeo de 1980, e pos-
teriormente numa série de performances em discotecas, galerias de arte e tea-
tros, que precederam os inúmeros cartazes e postais do Ballet dos Seios.
Em 1995, Sprinkle produziu a série Pin-Ups Pós-Modernas, Cartas de
Jogar da Activista do Prazer com as suas fotografias de mulheres nuas e
semi-nuas. Como ela afirma no folheto que acompanha as cartas: “ Estas mu-
lheres ousam atravessar as fronteiras do erotismo, brincam muitas vezes com
o fogo, e às vezes queimam-se. O que fazem é alvo de muita resistência, es-
pecialmente quando recebem dimheiro por isso. mAl Algumas das pin-ups
eram amigas íntimas de Sprinkle, e algumas delas amantes. Sprinkle afirma
que as encorajou a usar adereços e fatos nas suas encenações fantasiosas. Do

317
MARILYN YALOM

318
HISTÓRIA DO SEIO

seu ponto de vista, era uma maneira de possibilitar às mulheres a expressão


dos seus desejos. A editora e colaboradora de Sprinkle, Katharme Gates,
acrescenta que as mulheres “estão a tirar partido de um género tradicional-
mente criado pelos e para os homens, e atransformá-lo numa afirmação fe-
minina positiva através do humor e da ironia” “ As fotografias de pin-ups
de Annie são divertidas, hip, eróticas e feministas.” As cartas são, de facto,
geralmente divertidas, como podemos inferir a partir de alguns dos seus tí-
tulos: Starlet Porno Anarquista, O Filão do Inferno, Delícia Dadaista, Sósia
de Celebridade Nua. Se são ou não eróticas, depende da opinião do espec-
tador. Os homens a quem as mostrei pegaram nelas entusiasmados, e a seguir
ficaram confusos ou mesmo ligeiramente assustados.
Quanto ao seu conteúdo “feminista,” alguns deles troçam das visões
masculinistas das mulheres (por exemplo, a Coelhinha Conceptual pintada
de verde com orelhas cor-de-rosa, inspirada na Coelhinha da Playboy) ou
mostram-nos iínagens descaradas de mulheres em poses de poder. É esse
o caso da imagem de Delores French, uma Política Prostituta, de seios nus
elevados por um corpete antiquado enfeitado com botões políticos e notas
“de dólar, Delores traz um cartaz a dizer ”Meretrizes Politicamente Correc-
“tas Uni-vos” Por coincidência, French é a fundadora do HIRE (Hooking
is Real Employment (Engatar é Trabalho)), um grupo que se dedica à dis-
criminalização do trabalho sexual. Embora algumas pessoas se sintam in-
dubitavelmente chocadas com as pin-ups de Sprinkle, elas têm um poder
de atracção jovial e não-violento que não as enquadra na minha definição
de pornografia. No novo “negócio do sexo” centrado na mulher, Sprinkle
e as suas colegas são forças dinâmicas de peso.
Durante os anos 80 e 90, foi introduzida uma nova regra no cânone — o
nu pós-mastectomia. 4 Guerreira (1980), um retrato da escritora Deena
Metzger pela fotógrafa Hella Hammid, proporcionou uma das primeiras ima-
gens verdadeiramente belas de uma mulher com apenas um seio (fig. 97).
Uma Metzger nua estende os braços para o sol, expondo claramente o seu
peito assimétrico com um seio intacto e uma tatuagem por cima da cicatriz
onde o outro seio se encontrava. Trata-se de um gesto espantoso de afirmação
vital”?
Por outro lado, a fotógrafa Matuschka, a quem foi diagnosticado um can-

319
MARILYN YALOM

97. Deena Metzger fotografada por Hella Hammid.


Nos últimos quinze anos, esta fotografia publicada em cartazes e calendários deu ânimo a milhares
de mulheres.

cro da mama em 1991, exprime uma visão profundamente trágica nas suas
obras pós-mastectomia. O seu chocante auto-retrato de vestido branco corta-
do no seio, revelando a cicatriz resultante de uma mastectomia apareceu na
capa da The New York Times Magazine de 15 de Agosto de 1993, provocando
uma grande onda de reacções emocionais. Embora metade das cartas expri-
missem ultraje e vergonha, a outra metade elogiava Matuschka e o Times pela
sua autenticidade angustiada. Os auto-retratos pós-operatórios de Matuschka
são, de facto, uma maneira de dizer aquilo que a Times Magazine anunciava
na capa: ” Não Podemos Deixar de Olhar.”
Pouco depois do seu controverso artigo na Times, a Massachussetts
Breast Cancer Coalition apresentou uma grande exposição de fotografia im-
x

520
HISTÓRIA DO SEIO

titulada ” Face a Face: Encarar em Conjunto o Cancro da Mama.” Os orga-


nizadores assumiram a posição de que há arte que celebra a vida e arte que
se distancia dela, e agora, existe a arte da fotografia do cancro da mama, que
tenta salvar vidas. Este tipo de fotografias está cada vez mais no centro dos
esforços para anular o terror do cancro da mama e convencer as mulheres de
que perder um seio — por mais doloroso que seja — não é o mesmo que per-
der a vida.
“Todas estas palavras constituem um novo capítulo na história de arte. Pin-
toras e fotógrafas, desafiando dois séculos de arte predominantemente feita
por homens, rivalizam agora na apresentação das imagens que consideram
mais próximas da verdade do corpo e da sensibilidade femininas.
A mesma busca de imagens ” mais verdadeiras” dos corpos das mulheres
encontrou vazão em imagens que não se afirmam como arte — nomeadamen-
te produzidas pela tecnologia informática. Têm sido criados vários projectos
de imagens computorizadas numa tentativa de representar uma vasta gama
de tamanhos e formas de seios. Por exemplo, o cirurgiã plástica Dra. Loren
Eskanazi
da Universidade de Stanford, está a criar a primeira base de dados
“sobre a imagem do seio “normal” Ela elaborou este estudo porque queria
* dissipar o mito do “seio em forma de toranja” exibido pelas estrelas de Hol-
lywood, heroínas da banda desenhada e alguns modelos da moda. Como a
maioria dos seios não corresponde ao globo comercialmente popular, mas são
em forma de gota, mais lisas em cimã e descaídos em baixo, muitas mulheres
sofrem com a representação inexacta dos seus corpos, e preferem aumentar
os seios porque pensam que “não são como as outras.”*
A Dra. Eskanazi utiliza técnicas de exame semelhantes às que são utili-
zadas nos filmes de ficção científica. Cada voluntária passa dois minutos em
topless numa pequena sala enquanto o seu corpo é atravessado por um raio
de laser. Uma câmara de vídeo foca a zona iluminada num ângulo de cerca
de trinta graus. Através de uma triangulação simples é possível calcular e ar-
mazenar as coordenadas exactas do contorno criado pelo plano de luz em mo-
vimento.” Os dados resultantes podem depois ser transformados numa ima-
gem tridimensional num ecrã de computador, ou ser utilizados para produzir
um modelo exacto do seio. Eskanazi pretende utilizar estes dados para ajudar
os fabricantes de lingerie a criar soutiens mais adaptados ao corpo e, por fim,

321
MARILYN YALOM

fabricar implantes cirúrgicos adequados para as mulheres que desejem fazer


reconstruções pós-mastectomia.
As representações dos seios como partes do corpo não-idealizadas e não-
-erotizadas ainda não entraram nos meios de comunicação. Os corpos “per-
feitos” continuam a dominar filmes, vídeos e revistas populares. A ideia de
que “quanto-maior-melhor” só é referida uma vez por outra. No filme Sol-
teiros de 1992, por exemplo, uma rapariga que pretende fazer uma operação
para aumentar os seios senta-se com o cirurgião à frente de um computador
onde se pode ver a sua figura com uma variedade de tamanhos de seios pos-
síveis. Ela não pára de carregar no botão que lhe permite aumentar os seios
no ecrã, visto que sabe que é isso que o amante quer. O médico não pára de
pressionar o botão para reduzi-los, porque está a apaixonar-se por ela e acha
que ela não precisa de mudar. Como seria de prever, a “libertação” da rapa-
riga começa com a noção de que não precisa de aumentar os seios para ser
atraente para os homens.
Só passaram vinte e cinco anos desde que as mulheres começaram a em-
punhar as suas máquinas fotográficas e painthrushes na guerra dos sexos. De-
safiando as convenções masculinas, elas representaram corpos gordos e ma-
gros, velhos e novos, morenos e brancos. Os seios que elas mostram não são
todos redondos, firmes e saudáveis. A mensagem implícita destas obras é a
de que os seios não poderão ser “libertados” enquanto o público não souber
como os eles são. o ,

O CONCEITO DE um seio libertado sugere diferentes imagens a dife-


rentes mentes femininas. Para algumas, significa andar na rua de vestido
transparente e insinuante — sem medo de ser assediada. Para outras, significa
amamentar num lugar público sem a possibilidade de ser vítima de punição
legal nem ouvir “isso é repugnante” (fig. 98). Outras ainda conseguem en-
contrar uma praia americana perto de casa onde podem nadar em monokini.
Essa libertação pode significar encontrar soutiens verdadeiramente confortá-
veis, ou não usar soutien e não pensar se os outros acham isso aceitável.
Assumir o corpo como fonte de poder e de prazer é um dos primeiros as-
pectos das listas de prioridades femininas. A mulher corre, nada e faz exer-
cício porque isso a faz sentir-se bem, e não apenas para ficar bonita. Algumas

322
HISTÓRIA DO SEIO

estão dispostas a ver os seios desaparecer literalmente na estrutura muscular


criada pela musculação persistente. Outras continuam a orgulhar-se dos seus
seios grandes, e a exibi-los e usá-los para provocar excitação sexual.
Algumas procedem à redução cirúrgica dos seios se o seu tamanho pouco
comum lhes causa problemas físicos. Umas optam por reconstruir os seios
após uma mastectomia, e outras não. Outras ainda escolhem a cirurgia cos-
mética do seio porque desejam seios maiores, mais firmes e juvenis. Há as
que usam piercings nos mamilos, e as que usam fatos masculinos e anseiam
pelo dia em que a expressão “Ela tem mamas” for tão comum como “Ele
tem-nos no sítio.”
Os seios libertados são de uma diversidade infinita. São castanhos, bran-
cos, cor-de-rosa, e da cor do chá. São semelhantes a limões, laranjas, e to-
ranjas; maçãs, peras, e melões; nabos e beringelas. Alguns são sensíveis ao
frio ou ao calor ou à roupa apertada. Alguns gostam de ser tocados de uma
certa maneira por certas pessoas, e outros não gostam nada que lhes toquem.
Esses seios apenas têm uma coisa em comum: pertencem a mulheres que sa-
- bem o que lhes agrada e se recusam a ser manipuladas contra sua vontade.
Como carne e sangue feminino, os seios merecem nada mais nada menos
que o respeito que as pessoas civilizadas devem demonstrar em relação a to-
das as partes do corpo. É certo que algumas partes do corpo atraem mais do
que outras. Embora os seios ainda transportem uma sobrecarga de expecta-
tivas culturais e sexuais, muitas mulheres anseiam pelo dia em que o seu peito
não tenha de suportar semelhante fardo. Talvez haja um dia em que o afecto
em relação ao seio seja sensivelmente reduzido ao nível de excitação que pro-
duz um joelho ou uma coxa atraente. Talvez as nossas netas venham a poder
descobrir os seios, se quiserem, sem receio de críticas morais, acção judicial
ou violação.

Não há muito tempo, as mulheres arriscaram-se a sofrer reacções dessas


por terem descoberto as pernas. Em meados do séc. XIX, algumas famílias
americanas e britânicas da classe média chegaram a cobrir as pernas dos pia-
nos com tecido,e referiam-se-lhes pudicamente como “membros.” Embora
tenhamos tendência a esquecê-lo, a emancipação da perna feminina é um fe-

323
MARILYN YALOM

98. Reid. S. Yalom. Violando a lei na Califórnia, Amamentando em público. 1995.

nómeno muito recente. Basta olharmos para as fotografias da família para re-
cordar como, de um momento para o outro, durante e imediatamente após a
Primeira Grande Guerra, as pernas se libertaram do empecilho das botas altas
e das saias compridas. Hoje, que as pernas nuas são já um facto no mundo
ocidental, há zonas novas a descobrir. Irá o seio libertado do séc. XX exigir
e adquirir também o direito da nudez pública?

324
Nove
O SEIO EM CRISE

OS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ao seio ao longo da história rara-


mente exprimiram os sentimentos das mulheres acerca deles. As mulheres só
começaram a falar abertamente sobre os seus seios recentemente, numa rap-
sódia de vozes distintas. Falaram do orgulho envergonhado da adolescente,
do prazer erótico da mulher adulta, da alegria da mãe que dá de mamar, da
angústia da paciente de cancro da mama e da determinação da activista da
saúde, da moda do estilista criador de soutiens e das frustrações da consu-
“midora, da mulher de seios grandes que gostaria que eles fossem mais pe-
quenos e da mulher de seios reduzidos que gostaria que eles fossem maiores.
O modo como uma mulher encara os seios é um bom indicador da sua auto-
-estima, bem como do estatuto colectivo das mulheres em geral.
Visto de fora, o seio representa outra realidade, que varia aos olhos de
cada observador. Os bebés vêem nele alimento. Os homens vêem sexo. Os
médicos vêem doença. Os homens de negócios vêem dólares. As autoridades
religiosas transformam os seios em símbolos espirituais, ao passo que Os po-
líticos apropriam-se deles por motivos nacionalistas. A psicanálise coloca-os

325
RR
ES
MARILYN YALOM
=

no centro do inconsciente, como se fossem monólitos imutáveis. Esta multi-


plicidade de sentidos sugere o lugar privilegiado do seio na imaginação hu-
mana.
A qualquer momento da história, um dos possíveis sentidos salta para pri-
meiro plano e tende a dominar a nossa perspectiva. Em finais da Idade Média,
o seio maternal tornou-se, pela primeira vez, um emblema global de alimento
cristão. Dois séculos mais tarde, os pintores e poetas do Renascimento co-
briram o seu significado religioso de um véu difuso de erotismo. Os pensa-
dores europeus do séc. XVII tornaram o seio um princípio cívico. Hoje, na
América de finais do séc. XX, a palavra “seio” conjura cenários francamente
sexuais para homens e mulheres, e a realidade do cancro da mama para mui-
tas mulheres.
Tal como o significado do seio muda de acordo com as épocas, ela assume
tonalidades diferentes de país para país. A história cultural do seio não é cer-
tamente a mesma em Inglaterra e em França. A Europa do norte e do sul her-
daram uma tradição greco-romana, mas podemos dizer que Afrodite reinou
em Itália e em França, ao passo que Atena prevaleceu em Inglaterra e na Ale-
manha. Basta comparar a Marianne, de seios sedutores, com a Britannia, com
a sua couraça protectora, ou a couraçada Valquíria da mitologia nórdica. Em-
bora devamos desconfiar das generalizações nacionais, podemos afirmar com
segurança que o Mediterrâneo católico tem sido historicamente mais indul-
geite em relação ao prazer público do que os países protestarites do norte da -
Europa e da América.
Que o significado do seio varie de acordo com o tempo e o lugar não
constitui qualquer surpresa. Os historiadores e antropólogos encontraram
bons argumentos para a relatividade fundamental dos valores culturais em
relação a todos os aspectos da existência humana, incluindo o corpo. O que
tem sido menos evidente, até ao último quarto de século, é a diferença de
atitudes dos homens e das mulheres. Sabemos muito pouco sobre o que as
mulheres sabiam em épocas pré-modernas, e literalmente nada sobre o que
pensavam acerca dos seus corpos. O que veio até nós através da literatura,
da arte e da maioria dos documentos públicos tem sido filtrado por uma len-
te adaptada ao olhar masculino. Será que as mulheres encaravam os seus
próprios seios como símbolos de alimento político ou religioso? Aceitariam

326
HISTÓRIA DO SEIO

elas a noção de que os seios foram feitos para estar na boca dos filhos e.
nas mãos dos maridos? Onde se encontrava a mulher em tudo isto? O que
pensava e sentia?
Hoje, é a trágica realidade do cancro da mama que está fazer as mulheres
acederem à posse total dos seus seios. O choque das doenças letais estão a
fazê-las aprender que os seios lhes pertencem mesmo. Até os maridos e
amantes, familiares e amigos as abandonam quando os seus seios adoecem.
Muitos amigos e familiares são simplesmente incapazes de dar consolo quan-
do é mais necessário.
Porém, paradoxalmente, o cancro da mama também tem um lado inspi-
rador. A luta contra a doença ensinou-nos que é possível combatê-la, que ela
nem sempre é fatal, que uma boa assistência médica e os grupos de apoio
são importantes. As mulheres juntaram-se a outras mulheres, homens e crian-
ças e criaram cenários em que a paciente que sofre de cancro da mama possa
sentir-se menos só. Um desfile de sete mil pessoas para recolher dinheiro para
o cancro da mama; uma exposição de imagens de seios incluindo as de so-
breviventes do cancro da mama; poemas e novelas cheios de compaixão so-
* bre o cancro da mama escritos por homens e mulheres — tudo isto são sinais
de que a sociedade americana está a mudar, está a aprender a acolher a mulher
com cancro da mama com empatia, de uma maneira diferente.
Os significados que atribuímos aos seios serão sempre associados aos va-
lores e normas culturais. Poucas mulheres e poutos homens são indiferentes
aos meios de comunicação de massas, que são se especializam em seios es-
tandardizados — grandes, firmes, e empinados. Esses globos hemisféricos
em corpos arrapazados representam um ideal impossível para quase todas as
mulheres. Confrontadas com essas imagens, muitas mulheres resolvem sub-
meter-se a operações para aumentar os seios ou sucumbem a acessos de bu-
limia, anorexia e outras formas de ódio contra si mesmas. Os inquéritos à es-
cala nacional, estudos de ciências políticas e talk-shows televisivos docu-
mentam a insatisfação em larga escala que as mulheres americanas sentem
em relação ao seu corpo. Outras mulheres ripostam, recusam-se a intertorizar
a visão que a indústria tem dos seus seios. Arrancam os seios que Deus lhes
deu da posse dos media e de uma sociedade abertamente comercializada para
insuflá-los de um espírito centrado na mulher. Numerosas activistas, médi-

327
MARILYN YALOM

cas, enfermeiras, artistas e escritoras assumiram o compromisso consciente


de “libertar” o seio segundo uma perspectiva feminina.
Vivemos um momento histórico em que o seio reapareceu com um vigor
renovado. ” As mamas estão de volta,” diz uma matrona pesada da sociedade
ao marido atónito enquanto desce a escadaria de vestido curto (The New Yor-
ker, Dezembro de 1994). “Ponha o Seu Seio Melhor — Está na Altura de se
Aperaltar” anuncia um longo artigo sobre moda (New York Times, 2 de Abril
de 1995). ” Anedotas sobre seios em abundância” é o título de uma ante-es-
treia televisiva sazonal (USA Today, 28 de Julho de 1995). As revistas fe-
mininas comuns apresentam um fluxo continuo de artigos sobre o cancro da
mama e cosméticos para OS seios, ao passo que as revistas feministas tentam
acabar com a obsessão americana com os seios. Todos os indicadores reve-
lam que os seios estão em alta.
Ninguém sabe ao certo porque é que os seios se tornaram de novo tão im-
portantes. Na minha interpretação deste fenómeno, vejo por vezes factores
intemporais e limitados pelo tempo. Dado que o seio tem a capacidade de ali-
mentar, manterá para todos, homens e mulheres, associações profundas com
o primeiro estádio da vida — um paraíso perdido para sempre à medida que
vamos entrando nas responsabilidades da idade adulta e nas diversas formas
de alienação endémicas às sociedades pós-industralizadas. Quanto mais in-
timidante o mundo se torna com as suas terríveis burocracias e invenções in-
finitas, maior é a nostalgia da intimidade e das relações básicas. O seio que
conhecemos em crianças, ou que interiorizámos através da visão que os ou-
tros têm do seio, vai-se afastando cada vez mais.
Conjuramo-lo para contrariar tudo o que nos ameaça, como algum amu-
leto que pudesse fazer-nos recuperar o consolo e segurança do lactente. Mas
isso é-nos negado. Só ao fazer amor encontramos por vezes esse sentido de
unicidade com o corpo do outro (e da mãe). Então, mamar e dar de mamar
pode ser, tanto para homens como para mulheres, uma forma de beatitude pri-
mordial. (É difícil afastarmo-nos de Freud, mesmo depois de conhecermos
as suas falhas.)
Mas o seio como significante intemporal do sexo, da vida e do alimento
tem agora que combater o seu sentido oposto: o recipiente da doença e da
morte. Nesse aspecto, não é propriamente um símbolo de consolo, especial-

328
HISTÓRIA DO SEIO

mente para as mulheres. Chegâmos ao ponto em que receamos os nossos


seios, encaramo-los como potenciais inimigos, lutamos contra Os genes fatais
que eles podem acolher. Actualmente, para muitas pessoas, o cancro da
mama é o catalizador que transformou a maneira como conceptualizamos o
seio, de forma que o encaramos principalmente e acima de tudo como um
problema médico. Cada vez mais, a medicalização do seio ameaça apagar os
seus sentidos eróticos e maternais.
É possível que o regresso ao seio pronunciado da moda e dos media seja
uma maneira de negar os medos quanto ao futuro do seio. Afinal de contas,
ninguém sabe ao certo porque é que o cancro da mama tem vindo a aumentar.
Alguns dos nossos melhores palpites relacionam-se com as toxinas ambien-
tais e os riscos da tecnologia. Façamos o seio regressar ao que era antes da
devastação do cancro da mama, antes do mundo ter entrado num frenesi.
O seio tem sido, e continuará a ser, um marcador dos valores da socie-
dade. Ao longo do tempo, ele assumiu e perdeu várias capas de tonalidades
religiosas, eróticas, domésticas, políticas, psicológicas e comerciais. Actual-
“mente, reflecte uma crise médica e global. Sentimos ansiedade em relação
- aos nossos seios, tal como em relação ao futuro do nosso mundo. Que tipo
de seio irá existir para as mulheres e os bebés de amanhã? Irão as mulheres
enfrentar uma incidência cada vez maior do cancro da mama? Como sobre-
viventes, já nos sentimos com sorte por não sermos a vítima que padece desta
doença em cada nove mulheres, e sentimo-nos quase abençoadas se morre-
mos com os seios intactos.
Ou será que vamos conseguir controlar ou mesmo inverter o aumento do
cancro da mama? Se assim for, isso constituiria uma vitória, não apenas para
as mulheres mas para todos nós — para a própria vida, face a tudo o que
“ameaça aniquilar-nos. ” Salvemos o seio” é um slogan que todo o mundo
pode aprovar.
O seio que pode ser salvo não será o seio que pertencia às nossas ante-
passadas, visto que as mulheres terão algo a dizer quanto ao seu significado
e utilização. Tal como encontrámos maneiras de pôr de lado o soutien ou a
parte de cima do bikini, promover a investigação do cancro da mama, lutar
pelo direito a amamentar em público, contrariar as imagens encantadoras dos
meios de comunicação com imagens mais realistas, também havemos de en-

329
MARILYN YALOM

contrar novas maneiras de proteger e valorizar os nossos seios. Para o melhor


ou para o pior, mais pequenos ou maiores, na saúde e na doença, os seios
estão casados com os nossos corpos e, na melhor das circunstâncias, podem
dar-nos prazer e energia.
Po
Notas
Bibliografia seleccionada
"Créditos das Ilustrações
o Índice
NOTAS

PRIMEIRO CAPÍTULO
vasta e frequentemente
Marija Gimbutas, The Language of the Goddess, pág. 316. A literatura
m

contraditória sobre este assunto levou um arqueólogo a concluir que as figuras da “Vénus” " ape-
nas têm em comum o sexo” (Sarah Nelson, ”Diversity of the Upper Paleolithic “Venus” Figurines
and Archasological Mythology”, in Gender in Cross-Cultural Perspective, ed. Caroline Brettell
e Carolyn Sargent, pág. 51).
2 Buffie Johnson, Lady of the Beasts: Ancient Images of the Goddess and Her Sacred Animals;
pág. 44.
Nature, pãgs.
3 James Mellart, Catal Hiyik, figs. 25-28; Adele Getty, Goddess: Mother of Living
11-12,
”Representation of the Female Breast in Bone Carvings from a Neolithic
A Juliet Clutton-Brock,
The Tressé
Lake Village in Switzerland,” Antiguiiy, vol. 65 (1991), págs. 908-10, V.C.C. Collum,
Monument; Its Quadruple Sculpiured Breasts and Their Relation to the
Iron-Age Megalithic
Mother-Goddess Cosmic Cult, quadro XXXV.
Transfor-
5 Tikva Frymer-Kensky, /n the Wake of the Goddess: Women, Culture, and the Biblical
of Pagan Myth, págs. 159-60. Ver também Ruth Hestrin, ” cAstarte' figurines” in High-
mation
lights of Archaeology, págs. 72-73.
Armstrong, 4 History of God: The 4000-Year Quest of Judaism, Christianity and Islam,
6 Karen
págs. 23-26, 49-50.
250.
7 Anne Baring e Jules Cashford, The Myth of the Goddess: Evolution of an Image, pág.
Maméjol, “La Nourrice: Un Thême Iconographique,” Annales du Service des Antiquités
8 Florence
de VÉgypte, vol. 69 (1983), pág. 311.
9 Gay Robbins, Women in Ancient Egypt, pág. 86.

333
MARILYN YALOM

10 Barbara G. Walker, The Woman's Dictionary of Symbols and Sacred Objects, pág. 303.
11 Colin Renfrew, The Cycladic Spirit: Masterpieces from the Nicholas P. Goulandris Collection
pág. 105. Ver também as especulações mais prudentes de J. Lesley Fitton, Cycladic Art, págs.
66-70. .
12 Rodney Castleden, Minoan Life in Bronze Age Crete, pág. 7; Elizabeth Wayland Barber,
Women's Work: The First 20,000 Years, pág. 110.
13 Reproduzido em Baring and Cashford, pág. 114.
I4 Theodora Hadzisteliou Price, Kourotrophos: Cults and Representations of the Greek Nursing
Deities.
15 Diana Darke, Guide to Aegean and Mediterranean Turkey (London: Michael Haag, 19893, pág.
80; A, Frova, “La Statua de Artemide Efesia a Caesarea Maritima,” Bolletino d “Arte, vol. XLVII,
nº 4 (1962), págs. 305-13. É possível encontrar outras estátuas de seios múltiplos em Roma, no
Museu do Vaticano, no Palazzo dei Conservatori, e na Villa Albani; em Nápoles no Museo
Nazionale; em Paris no Louvre; e em Jerusalém no Museu de Israel.
l6 James Hall, Dictionary of Subjects and Symbols in Art, pág. 52.
17 Eva C. Keuls, The Reign of the Phallus: Sexual Politics in Ancient Athens.
18 Esta gravura em madeira encontra-se reproduzida em Baring e Cashford, pág. 314.
19 Ame Hollander, Seeing Through Clothes, pág. 6. É
20 K. J. Dover, “Classical Greek Attitudes to Sexual Behaviour,” im Women in the Ancient World:
The Arethusa Papers, ed, John Peradotto and J. P. Sullivan, pág. 145.
21 Valerie A. Fildes, Wet Nursing, pág. 10.
22 Athenaeus, The Deipnosophists, trad. Charles Burton Gulick (1937) (Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 1959), vol. VI, págs. 185-87.
23 John J. Winkler, The Constraints of Desire: The Anthropology of Sex and Gender in Ancient
Greece, pág. 188.
24 Ibid., pág. 190.
25 Mary R. Lefkowitz, Women in Greek Myth, pág. 57.
26 Wm. Blake Tyrrell, Amazons: À Study in Athenian Mythmaking.
27 Keuls, págs. 4, 34.
28 Plínio, o Velho, Natural History, trad. H. Rockham (Cambridge, Mass.: Harvard University Press
19423, pág. 587.
29 Jean Starobinski discute este tema pictórico em Largesse, págs. 82-85,
30 ” Agricola,” ” Germania” e “Diálogo sobre os Oradores” de Tácito, trad. e ed. Herbert W.
Benario (1967) (Norman and London: University of Oklahoma Press, 1991), pág. 117.
31 David Biale, Eros and the Jews: From Biblical Israel to Contemporary America pág. 27.
32 Ibid., pág. 26.
33 “Infant Feeding im the Bible,” Midwife, Health Visitor and Community Nurse, vol. 23 (1987),
pág. 312.
34 Marcia Falk, The Song of Songs, 4 New Translation, pág. XV. As citações do Cântico são dos
nos. 25, 29, 15, 23.
35 Ariel Bloch e Chana Bloch, The Song of Songs, 4 New Translation, pág. 31.
36 Josy Eisenberg, La Femme au Temps de la Bible, pág. 85.
37 Jean Claude Bologne, História do Pudor, Editorial Teorema, Lisboa, 1990.
38 Paul Valéry, Berits sur 1'Art (Paris: Club des Librairies de France, 1962), pág. 138.
39 Vide E. Clive Rouse, Medieval Wall Paintings, pág. 60.
Têm

334
HISTÓRIA DO SEIO

40 Anglicus Bartholomaeus, On the Properties of Things, citado em Clarissa Atkinson, The Oldest
Vocation: Christian Motherhood in the Middle Ages, pág. 58.
Al Urban T. Holmes, Medieval Man: His Understanding of Himself, His Society, and the World,
pág. 90.
42 Doris Desclais Berkvam, Enfance ei Maternité dans la Littérature Française des XIP et XUI
Siecles, pág. 49.
43 Berkvam, ibid., pág. 48, refere-se especificamente a Philippe de Novare, Les Quatre Áges de
VHomme (Paris: F. Didot, 1888, pág. 2).
44 Esta citação é a seguinte de Tristan de Nanteuil, ed. K. V. Sinclair (Assen: Van Gorcum, 1971,
citado em Berkvam, ibid., pág. 53.
45 Daniéle Alexandre-Bidon, “La Lettre Volée: Apprendreà Lire à P Enfant au Moyen-Àge,”, pág.
988.
46 Aucassin et Nicolette, ed. Mario Roques (Paris: Champion, 1929), séc. 12.
47 Citado em Bologne, pág. 54. Tradução inglesa das citações referenciada nas notas 47 e 48
sugerida por Brigitte Cazelles, Professora de Stanford,
48 Citado em 1. Houdoy, La Beauté des Femmes dans la Litiérature et dans VArt du XE au XVI
Siêcles, págs. 60-61.
49 Adaptado do Book of the Knight La Tour-Landry, trad. para inglês a partir do original francês
no reinado de Henrique VI, ed. Thomas Wright, pág. 49.
50 Dante, The Divine Comedy, trad. Dorothy Sayers (Baltimore: Penguin Books, 1955), vol. 2, pág.
250 (Purgatory, cap. 23, V. 102).
51 Marina Warmer, Alone of All Her Sex: The Myth and the Cult of the Virgin Mary.
52 Margaret R. Miles, ”The Virgin's One Bare Breast: Female Nudity and Religious Meaning in
* Tuscan Early Renaissance Culture,” in The Female Body in Western Culture ed. Susan Rubin
Suleiman, págs. 193-208.
53 A discussão que se segue deriva, em grande medida, de James Bruce Ross, "The Middle-Class
Child in Urban Italy, Fourteenth to Early Sixteenth Century,” im The History of Childhood, ed,
Lloyd de Mause, págs. 183-96.
54 Ibid., pág. 199. —
55 Shar L. Thurer, The Myths of Motherhood; How Culture Reinvents the Good Mother, pág. 83,
56 Carolyn Bynum, Holy Feast and Holy Fast: The Religious Significance of Food to Medieval
Women, quadro 17 e págs. 269-76.
57 Catherine de Siena, The Dialogue, trad. Suzanne Nofíke, págs. 179-80.
S8 Juliana, 4 Book of Showings to the Anchoress Julian of Norwich, pt. Dois, ed. Edmund Colledge
| and James Walsh, pág. 592.
59 Santa Teresa, The Complete Works, trad. e ed. E. Allison Peers (Londres e Nova Iorque: Sheed
and Ward,1946), vol. 2, págs. 130-131.
60 Esta discussão deriva, em grande medida, de Atkinson, págs. 58-60, e das suas referências a The
Golden Legend of Jacobus de Voragine, ed. Grander Ryan and Helmut Rippeger Bell, Saints
and Society, págs. 24-25, com histórias da infância dos santos.
61 Nicholas Love, ” The Myrrour of the Blessyd Life of Christ,” in The Oxford Book of Late Me-
dieval Verse and Prose (Oxford: Clarendon, 1985), pág. 96.
62 Citado em Satia e Robert Bemen, Myth and Religion in European Painting, 1270-1700, pás.
172. No original, pode ler-se: ”L"enfant prend la mamelle / Et lacte pascitur. / C'est du lait de
pucelle / Quod non corrumpitur. / La chose est bien nouvelle / Quod virgo mater est. / Et sans

335
MARILYN TYALOM

coulpe charnelle / Hic puer natus est.”


63 John Calvin, Tracis and Treatises on the Reformation of the Church, ed. Henry Beveridge, vol.
1, pág. 317.
64 Françoise Loux, Le Corps dans la Société Traditionnelle, pág. 154.
65 Há uma fotografia deste banco de coro em Isabel Mateo Gomez, Temas Profanos en la Gótica
Espariola — Las Sillerías de Coro (Madrid: Consejo Superior de Investigationes Científicas,
Instituto Diego Velázquez, 1979), pág. 109.

SEGUNDO CAPÍTULO
1 Johan Huizinga, The Waning of the Middle Áges, pág. 159.
2 Anne Holiander, Seeing Through Clothes, pág. 187.
3 Romi, La Mythologie du Sein, pág. 29.
4 Tbid., pág. 30.
5 Dominique Gros, Le Sein Dévoilé, pág. 27.
6 Pierre Champion, La Dame de Beauté, Agnês Sorel, pág. 39.
7 Peter Fryer, Mrs. Grundpy: Studies in English Prudery, págs. 172-73.
8 No original, de “Regrets de la Belle Heaumiêre,” de Villon, pode ler-se “Ces gentes épaules
menues, / Ces bras et ces mains traitisses, / Petits tetins, hanches chamues.”
9 Nos versos relevantes do poeta Gratien du Pont, do séc. XV, lê-se: ” Tes tetins sont: blancz, rondz
comm une pomme / Sy durs et fermes; que jamays en veit homme / Loing lung de laultre” (citado
por Alison Saunders, The Sixteenth Blason Poétique pág. 63).
10 Ludovico Ariosto, Orlando Furioso (Bari: Laterza, 1928), pág. 14. No original, lê-se ”Vengon
e van come onda al primo margo.”
11 Citado em Naomi Yavneh, ” The Ambiguity of Beauty in Tasso and Petrarch,” in Sexuality and
Gender in Early Modern Europe: Institutions, Texts, Images, ed. James Grantham Turner, pág.
i4l.
12 Agnolo Firenzuola, Of the Beauty of Women trad. Clara Bell, pág. 76.
13 3. Houdoy, La Beauté dans la Littérature et dans V'Att du XIT au XVÊ Siecle, pág. 96.
14 Para um relato magistral da vida de Franco, vide Margaret R. Rosenthal, The Honest Courtesan:
Veronica Franco, Citizen and Writer in Sixteenth-Century Venice.
15 Mila Contini, Fashion from Ancient Egypt to the Present Day pág. 118.
16 Quero manifestar a minha gratidão à historiadora Judith Brown pelo seu contacto com Guido
Ruggiero. Ver também Guido Ruggiero, Binding Passions: Tales of Magic, Marriage, and
Power at the End of the Renaissance, págs. 48-49.
17 Hollander, Seeing Through Clothes, págs. 188-98, 203-4.
18 A historiadora de arte Lynne Lawner chama a atenção para os muitos quadros de cortesãs apon-
tando para os seios ou apoiando-os nas mãos, que considera reminiscências de antigas figuras
de deusas. No entanto, apesar de possíveis alusões a antigas fontes religiosas, quadros como a
Cortesã de Paris Bordone (National Galleries of Scotland, Edinburgo), o Retrato de uma Dama
de Palma Vechio (Staatliche Museen Preussicher Kulturbesitz, Berlim), e La Fornarina de Gi-
ulio Romano(Galleria Nationale, Roma) são fundamentalmente eróticos. (Lynne Lawner, Lives
of the Courtesans, pág. 96.)
19 Keith Thomas, Religion and the Decline of Magic, págs. 445-46.
20 Anne Lleweliyn Barstow, Witchcraze: A New History of the European Witch Hunts, págs. 129-30.
im
“ca

336
HISTÓRIA DO SEIO

21 Jim Sharpe, “Women, Witchcraft, and the Legal Process,” in Women, Crime, and the Couris in
Early Modern England, ed. Jenny Kermode and Garthine Walkerm págs. 109-10.
22 Barstow, pág. 144. -
23 Margaret L. King, Women of the Renaissance, págs. 144-46.
24 No original, pode ler-se: “Mais petite boulte d'ivoire, / au milieu de qui est assise / Une Fraise
ou une Serise Quant on te voit, il vient à maintz / Une envie dedant les mains / De te taster,
de te tenir: / Mais il se faut bien contenir / Den approcher, bon gré ma vie, / Car il viendrait
une autre envy. / Á bon droit heureux on dira / Celuy qui de laict t'emplira / Faisant d'ung
tetin de pucelle / Tetin de femme entiêre et belle.” (Pascal Lainé e Pascal Quignard, Blasons
Anatomiques du Corps Féminin, págs. 51-52.)
25 No original, pode ler-se: ” Tetin, qui nas rien que la peau, / Tetin flat, Tetin de drapeau Tetin
au grand villain bout noir / Comme celuy d'un entonnoir, / Tetim propre pour en enfer / Nourrir
les enfants de lucifer. / Va, grand vilain tetin puant, / Tu fournirois, en suant, / D civette & de
parfuns, / Pour faire cent mille defunctz.” (Ibid. págs. 118, 121.)
26 Esta discussão deve-se a Lawrence D. Kritzman, The Rhetoric of Sexuality and the Literature
of the French Renaissance.
27 O Soneto 8 de Labé começa assim: “Je vis, je meurs: je me brule et me noye” (Louise Labé,
Oeuvres Completes, ed. Enzo Giudici, pág. 148).
28 Os versos originais do Soneto 4 de Labé são: “Depuis qu' Amour cruel empoisonna / Premiere-
ment de son feu ma poitrine, / Tousjours brulay de sa fureur divine, / Qui un seul jour mon
coeur n'abandonna.” (Tbid. pág. 144).

29 Os versos originais do Soneto XXIV são: ” ma main, maugré moi, quelque fois / De "amour
- chaste outrepasse les lois / Dans votre sein cherchant ce qui m'embraise” (Pierre de Ronsard,
* Les Amours, ed. Henri et Catherine Weber, pág. 72).
30 No Soneto XXXIX, pode ler-se: ”Pleut il à Dieu n'avoir jamais tâté / Si follement le tetin de
m'amie! / Qui eút pensé, que le cruel destin / Eút enfermé sous un si beau tetin / Un si grand
feu, pour m'en faire la proie?” (Tbid., pág. 26.)
31 Françoise Bardon, Diane de Poitiers et le Mythe de Diane.
32 Phlippe Erlanger, Diane de Poitiers: Déesse de la Renaissance, pág. 206.
33 Ibid., pág. 193.
34 Le Seigneur de Brantôme, Lives of Fair and Gallant Ladies, pág. 150.
35 Ibid., pág. 151.
36 Contini, pág. 92.
37 Brantôme, pág. 205; Paul Lacroix, Les Secrets de Beauté de Diane de Poitiers.
38 Citado em Anne de Mamhac, Femmes au Bain: Les Mêétamorphoses de la Beauté, pág. 29.
39 Georges Vigarello, Le Propre et le Sale: L'Higyêne du Corps Depuis le Moven Áge pág. 70.
40 Orest Ranum, "The Refuges of Intimacy”, in 4 History of Private Life: Passions of the Renais-
sance, ed. Philippe Ariés and Georges Duby, vol. LI, ed. Roger Chartier, trad. Arthur Gold-
hammer, pág. 222.
41 King, pág. 12.
42 Citado em Joseph Illick, ” Anglo-American Child-Rearing,” in The History of Childhood, ed.
Lloyd de Mause, pág. 308.
43 Citado em Yvonne Knibiehler and Catherine Fouquet, L Histoire des Meres, pág. 86.
44 Philippe Erlanger, Gabrielle d'Estrées: Femme Fatale, pág. 83.
45 Inês Murat, Gabrielle d 'Estrées, págs. 425-26.
MARILYN YALOM

46 Para um debate mais amplo sobre este assunto, ver Eileen Q*Neill, ” (Re)Presentations of Eros:
Exploring Female Sexual Agency,” in Gender/BodyKnowledge: Feminist Reconsiructon of Be-
ing and Knowing, ed. Alison Jaggar and Susan Bordo, págs. 69-70.
47 Citado em Judith Brown, Fumodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy, pág.
167.
48 Guido Ruggiero, The Boundaries of Eros: Sex Crime and Sexuality in Renaissance Venice págs.
189-90.
49 Brown, pág. 6.
50 Esta secção é devida a Marina Warner, Monuments and Maidens, págs. 38-60; e a Andrew
Belsey e Catherine Belsey, “Icons of Divinity: Portraits of Elizabeth 1,” im Renaissance Bodies:
The Human Figure in English Culture, c. 1540-1660, ed. Lucy Gent e Nigel Llewellyn, págs.
n-35.
51 Para informações sobre o traje feminino, vide Elizabeth Ewing, Fashion in Underwear, pãgs.
20-27: Jane Ashelford, Dress in the Age of Elizabeth, págs. 11-42; Christopher Breward, The
Culture of Fashion, pags. 44-48.
52 Valerie A. Fildes, Breasts, Boítles, and Babies, pág. 102.
53 Christopher Hibbert, The Virgin Queen: Elizabeth 1, Genius of the Golden Age, pág. 10.
54 Nancy Vickers, ”'The blazon of sweet beauty's best”: Shakespeare's Lucrece,” im Shakespeare
and the Question of Theory, ed. Patricia Parker and Geoffrey Hartman, págs. 95-115.
55 Kirkpatrick Sale, The Conquest of Paradise: Christopher Columbus and the Columbian Legacy,
pág. 176.
56 Catherine Keller, “The Breast, The Apocalypse, and the Colonial Joumey,” pág. 64.
57 Louis B. Wright, Middle-class Culture in Elizabethan England, pág. 114.
58 Dorothy McLaren, ”Marital Fertility and Lactation, 1570-1720” in Women in English Society,
1500-1800.
59 Mary Abbott, Family Ties: English Families, 1540-1920, pág. 48.
60 Lawrence Stone, The Family, Sex, and Marriage in England, 1500-1800, pág. 270, e Fildes,
Breasts, pêg. 102.
61 Citação de Morwenna e John Rendle-Short, The Father of Child Care: Life of William Cadogan
(1711-1797), pág. 26.
62 Germaine Greer, Susan Hastings, Jeslyu Medoff, Melinda Sansone, eds., Kissing the Rod: An
Anthology of Seventeenth-Century Women's Verse, pág. 243. Os poemas de “Eliza”, Aphra
Behn, e “Ephelia” podem ser encontardos nas págs. 145-46, 243-46, e 274.
63 Fildes, Breasts, pág. 101.
64 Baseando-se em estatísticas sobre filhos ilegítimos, Edward Shorter situa ondas sucessivas de
actividade sexual extra-matrimonial acrescida em finais do séc. XVI, início do séc. XI, e finais
do séc, XX. Edward Shorter, The Making of the Modern Family, pág. 81.
65 Citado in William Manchester, 4 World Lit Only by Fire, pág. 68.
66 Edward Lucie-Smith, Sexuality in Western Art pág. 75.
67 Linda Woodbridge, Womn and the English Renaissance: Literature and the Nature of Woman-
kind, 1540-1620, pág. 218.
68 Joan Kelly Gadol, “Did Women Have a Renaissance?” in Becoming Visible: Women in Buro-
pean History, ed. Renate Bridenthal and Claudia Koonz, pág. 160.
69 Alan Macfarlane, Marriage and Love in England: Modes of Reproduction, 1300-1840 pág. 198.
Ho.
Ens

338
HISTÓRIA DO SEIO

TERCEIRO CAPÍTULO
| Este capítulo é devido a Simon Schama, The Embarassment of Riches: An Interpretation of Dutch
Culture in the Golden Age, especialmente págs. 536-44.
2 Wayne E. Franits, Paragons of Virtue: Women and Domesticity in Seventeenth Century Dutch
Art, págs. 111-19.
3 Citação de Mary Prances Durantini, The Child in Seventeenth-Century Duich Painting, pág. 18,
-coxi altérações poéticas de Bram Dijkstra.
4 Teellinck, 1639, vol. 2, pág. 85, citado por Franits, pág. 227.
5 Jacob Cats, Houwelijck (Middleburg, 1625), cap. 5, pág. 56, citado por Franits, pág. 115.
6 Durantini, pág. 19.
7 Citado in Schama, pág. 538.
8 Zbigniew Herbert, Still Life with a Bridle: Essays and Apocryphas, trad. John e Bogdana Car-
penter, pág: 29,-
9 Schama, pág. 540.
10 Adrian van de Venne, Moeder, in Jacob Cats, Houwelijck (Amsterdão, 1632), reproduzido em
Schama, pág. 544, e Franits, pág. 131.
11 Reproduzido em Franits, pág. 116.
12 ” Mulher a Amamentar uma Criança,” gravura de 1474 da série Nove Figuras, Amsterdão,
Rijksmuseum-Stichtung reproduzido em Franits, pág. 114.
13 Durantini, págs. 6-21.
14 3. E. Huizinga, Dutch Civilization in the Seventeenth Century and Other Essays, pág. 114,
15 R. H. Fuchs, Dutch Painting, pág. 42.
. 16 Schama, pág. 459.
: 17 Anne Hollander, Seeing Through Clothes, pág. 110-11.
18 Schama, pág. 402.
19 Schama, pág. 403, referindo-se a Diderot, ” Voyage de Hollande” in Oeuvres (Paris, 1819), vol.
7, pág. 41.

QUARTO CAPITULO
1 Mervyn Levy, The Moons of Paradise, pág. 87.
2 Linda Pollock, Forgotten Children: Parent-Child Relations from 1500 to 1900, pág. 215.
3 Hommage à Robert Debré (1882-1978): L 'Epopée de la Médecine des Enfants (Paris: Musée de
- PAssistance Publique, 1988), pág. 40.
“4 Elisabeth Badinter, Mother Love:Myth and Reality, pág. Kix. Ver também George D. Sussman,
Selling Mother's Milk: The Wet-Nursing Business in France, 1715-1914, pág. 22.
5 Em relação às práticas de aleitamento na Grã-Bretanha, vide Valerie Fildes, Breasis, Bottles, and
Babies, especialmente, págs. 98-122 e págs. 152-63.
6 Lyou Hunt, ” Introduction,” in Eroticism and ihe Body Politic, ed. Lynn Hunt, pág. 1.
7 Ruth Perry, ”Colonizing the Breast: Sexuality and Matemity in Eighteenth-Century England,”,
pág. 216.
8 Citação de Morwenna e John Rendle-Short, The Father of Child Care: Life of William Cadogan
(1711-1797 pág. 26.
9 William Cadogan, An Essay upon Nursing, and the Management of Children, From their Birth
to Three Years of Age, reproduzido em ibid., citações de Cadogan das págs. 7, 24, 23, 24, 6 e 7.

339
MARILYN YALOM

10 Catherine M. Scholten, Childbearing in American Society, 1650-1850, pág. 14..


11 Sylvia D. Hoffert, Private Matters: American Áttitudes Toward Childbearing and Infant Nurture
in the Urban North, 1800-60 pág. 148.
12 Londa Schiebinger, Nature 's Body: Gender in the Making of Modern Science págs. 40-41.
13 Doris Desclais Berkvam, Enfance et Maternité dans la Littérature Française des XII et XII
Siêcles, págs. 46-47.
14 Derrick B. Jelliffe e E. F. Patrice Jelliffe, Human Milk in the Modern World pág. 2.
15 Jean-Jacques Rousseau, Emile: or On Education trad. Alan Bloom, págs. 254-64.
16 Jean-Jacques Rousseau, The Confessions, trad. J. M. Cohen, pág. 301.
17 Madame Roland, Mémoires (Paris: Mercure de France, 1986), pág. 333.
18 Marilyn Yalom, Blood Sisters: The French Revolution in Women's Memory pág. 125.
19 Reproduzido em Sklavin oder Biirgerin? Franzôsische Revolution und Neue Weiblichheit.1760-
-1830 ed. Viktoria Schmidt-Linsenhoff, pág. 515.
20 Marilyn Yalom, Le Temps des Orages: Aristocrates, Bourgeoises, et Paysannes Racontent, pág.
I0s.
21 Archives Parlementaires de 1787 à 1860, 1º sér. vol. LXVI (1905), pág. 614, Ver também
Fanny Fay-Sallois, Les Nourrices à Paris au XIXº Siêcle, pág. 120.
22 Schiebinger, pág. 69.
23 Mary Lindemann, “Love for Hire: The Regulation of the Wet-Nursing Business in Eighteenth-
Century Hamburg,” pág. 390.
24 Madelyu Gutwirth, The Twilight of the Goddesses: Women and Representation in the French
Revolutrionarv Era, pág. 349,
25 Yalom, Blood Sisters, pág. 166.
26 Mary Jacobus, “Incorreptible Milk: Breast-Feeding and the French Revolution,”, in Rebel
Daughrers, ed. Sara E. Melzer e Leslie W. Rabine, pág. 54.
27 Citação de Gutwirth, pág. 348.
28 Egyptomanie (Paris: Louvre, 1994), pág. 160.
29 Os discursos de Hérault de Séchelles para Festival da Regeneração foram recolhidos no Le
Moniteur, 12 de Agosto de 1793.
30 Barbara Gelpi, ” Significant Exposure: The Tum-of-the-Century Breast,” Nineteenth-Century
Contexis, à publicar.
31 Willet e Phillis Cunnington, The History of Underciothes, pág. 97.
32 Citado por Ewa Lajer-Burchartb, “La Rhétorique du Corps Fêminin sous le Directoire,” in Les
Femmes et la Revolution Française, ed. Marie-France Brive, vol. 2, pág. 221.
33 Citado por Julian Robinson, The Fine Art of Fashion, pág. 44.
34 Para um comentário extensivo sobre a “Liberdade” de Delacroix, vide Marcia Pointon, Naked
Authority: The Body in Western Painting, 1830-1908, págs. 59-82.
35 Michel Droit, ”Quand Paris Applaudissait Sa Liberté,” Le Figaro, 11 de Agosto de 1994.
36 Podemos encontrar interpretações profundas das imagens de seios grandes da França republicana
in Paul Trouillas, Le Complexe de Marianne; Maurice Agulhon, Marianne into Batile: Repu-
blican Imagery and Symbolism in France, 1789-1880, trad. Janet Lloyd e Gutwirth.
37 Sally G. McMillen, Motherhood in the Old South: Pregnancy, Childbirih, and Imjant Rearing,
pág. 118.
38 Victrian Women: 4 Documentary Account of Women's Lives in Nineteenth-Century England,
France, and the United States, ed. Hellerstein, L. Hume, K.

340
HISTÓRIA DO SEIO

39 Nell Painter, Sojourner Truth: A Life, À Symbol. Quero manifestar a minha gratidão à Professora
Painter de Princetown por me ter chamado a atenção. para o incidente de Sojourne por me ter
deixado ler o manuscrito do seu livro em fase de pré-publicação.
40 As citações de Tennyson foram-me referidas pelo Professor de Inglês Emmeritus Wilfred Stone,
de Stanford.
41 Peter Gay, The Education of the Senses: The Bourgeois Experience Victoria to Freud, págs.
337-38.
42 Flora-Thompson, Lark Rise to Candleford (Londres, Nova Iorque e Toronto: Oxford University
Press, 154), págs. 139-40.
43 Jane T. Costlow, ” The Pastoral Source: Representations of the Maternal Breast in Nineteenth-
“Century Russia,” in Sexuality and the Body in Russian Culture, ed. Jane T. Costlow, Stephanie
Sandler, e Judith Vowles, pág. 225.
44 Patrick P. Dunn, ” That Enemy Is the Baby':Childhood in Imperial Russia,” in The History of
Childhood, ed. Lloyd deMause, pág. 387.
45 Costlow, pág. 228.
46 O debate que se segue baseia-se em grande medida em Paul Weindling, Health Race and German
Politics Between National Unification and Nazism, 1870-1945, págs. 192-205.
47 Pode encontrar imagens francesas in Jean Garrigues, fmages de la Révolution: L Imagerie Répu-
blicaine de 1789 à Nos Jours, págs. 14-15, 118.
48 Dr. Magnus Hirschfeld, Sittengeschichte des Weltkrieges, vol. 1, quadro oposto à pág. 64,
49 Vide Peter Paret, Berth Irwin Lewis, e Paul Paret, Persuasive Images; Libby Chenault, Batileli-
nes: World War 1 Posters from the Bowman Gray Collection; e Walton Rawls, Wake Up, Ame-
, rica! World War 1 and the American Poster.
“50 Bernard Denscher, Gold Gab Ich Fiir Eisen: Osterreischische Kr iegsplakate 1914 1918 (Viena:
Jugend & Volk, 1987), págs. 100, 16.
51 Hirschfeld, págs. 250-55.
52 Varga: The Esquire Years, A Catalogue Raisonné, ed. Robert Walker, pág. 150.
53 Ralph Stein, The Pin-Up from 1852 to Now, pág. 139.
54 Virginia Hewitt, Beauty and the Banknote: Images of Women on Paper Money, pág. 18.
55 New York Times, Abnl de 1994.
56 Barbara Sichtermann, Femininity: The Politics of the Personal, trad. John Whitlam, pág. 61.
57 Françoise Thébaud, Quand Nos Grand-Mêres Donnaient la Vie: La Maternité e France dans
TEnre-Deux-Guerres pág. 86.
58 Quero agradecer ao Professor Robyn Owens da Universty of Westem Australia a informação
sobre a ” Autorização para Fornecer Suplementos aos Recém-nascidos” da Tasmânia e sobre a
política do aleitamento na Austrália.
59 Datha C. Brack, “Social Forces, Feminism, and Breastfeeding,” págs. 556-61.
60 Editorial, Globe de Boston, 31 de Maio de 1994.
61 Esta secção deve-se, em grande medida, a Linda M. Blum, “ Mothers, Babies, and Breastfeeding
in Late Capitalism America: The Shifting Contexts of Feminist Theory,” págs. 1-21.
62 New York Times, 7 de Abril de 1988.
63 Zillah R. Eisenstein, The Female Body and the Law, pág. 213.
64 Gabrielle Palmer, The Politics of Breasifeeding pág. 265.
65 Chronicle de São Francisco, 16 de Setembro de 1993.
66 International Herald Tribune, 9 de Agosto de 1994.

341
MARILYN YALOM

67 Vanessa Maher, ” Breast-Feeding in Cross-Cultural Perspective,” in The Anthropology of Breast-


Feeding: Natural Law or Social Construct ed. Vanessa Maher, págs. 3-4.

QUINTO CAPÍTULO
1 Sigmund Freud, Complete Works of Sigmund Freud, vol. VI, pág. 181; vol. XVI, pág. 314.
2 Ibid., vol. VI, pág. 222.
3 Ibid., vol. XXIII, pág. 188.
4 Ibid., vol. V, págs. 372-73.
5 Ibid., vol. IV, págs. 286-87.
6 Ibid., vol. VI, pág. 51.
7 Ibid., pág. 52.
8 Ibid., vol. IV, pág. 204.
9 Ibid., vol. XXI, pág. 188.
10 Tbid., pág. 189.
il Ibid., vol. VII, pág. 182.
12 Ibid., vol XXXII, pág. 193.
13 Ibid.
I4 Ibid., pág. 299.
15 Este pastiche baseia-se nos ensaios de Freud ” Algumas Consequências Psíquicas da Diferença
Anatómica Entre os Sexos” (1925), “ Sexualidade Feminina” (1931), e ”Feminilidade” (1933).
16 Freud, vol. XX, pág. 122.
17 O. Isakower, ?A Contribution to the Patho-Psychology of Phenomena Associated with Falling
Asleep.,” págs. 331-45.
18 Vide, por exemplo, O. Townsend Dann, “The Isakower Phenomenon Revisited: A Casa Study,”
International Journal of Psycho-Analysis, vol. 20, nº 1 (Primavera de 1992): 99-113.
19 Esta citação e as seguintes são de Melanie Klein, “Som Theoretical Conclusions Regarding the
Emotional Life of the Infant,” in Developmenis in Psychoanalysis, ed. Melanie Klein et al.,
págs. 19-207. É ,
20 Citado por permissão de Mmerva Neiditz.
21 John E. Beebe, M.D., comunicação particular. Ver também a sua introdução a Carl Jung, Aspecis
of the Masculine.
22 James Astor, "The Breast as Part of the Whole: Theoretical Considerations Conceming Whole
and Part Objects,” pág. 118. A citação seguinte é da pág. 117.
23 Jollen Weme, ed., Trating Eating Disorders, pág. XV.
24 Kim Chemin, The Obsession: Reflections on the Tyranny of Slenderness. Ver também Susan
Bordo, Unbearable Wight: Feminism, Western Culture, and the Body, em especial as págs. 139-
-64.
25 Philip Roth, The Breast, págs. 66-67.
26 Freud, vol. XXII, pág. 122,
27 Ibid., vol 1, págs. 117-28.

SEXTO CAPÍTULO
1 Entrevista com o Dr. Dominique Gros, “Le Sein: Image du Paradis,” Le Nouvel Observateur,
20-26 de Abril de 1995.

342
HISTÓRIA DO SEIO

2 Anne Hollander, Seeing Through Clothes.


3 Susan Bordo, “The Body and Reproduction of Feminity,” in Gender/Body/Knowledge: Feminist
Reconstructions of Being and Knowing, ed. Alison Jaggar e Susan Bordo, pág. 14. Ver também
Duncan Kennedy, Sexy Dressing, pág. 168.
4 Esta secção foi baseada em Alison Carter, Underwear: The Fashion History; e Elizabeth Bwing,
Fashion in Underwear.
5 David Kunzle, Fashion and Fetichism: A Social History of the Corset, Tighi-Lacing and Other
Forms of Body-Sculpture in the West, pág. 11.
6 Montaigne, The Complete Essays, trad. Donald Frame (Stanford, Calif.: Stanford University Press,
1965), vol. 1, pt. 14, pág. 41.
7 Sobre a utilização francesa da vareta e outras singularidades do vestuário, consultar Cécile Saint-
“Laurent, Histoire Imprévue des Dessous Féminins, e Béatrice Fontanel, Corsets et soutiens-
-Gorge: L 'Épopée du Sein de V'Antiguité à Nos Jours.
8 Citações de Peter Fryer, Mrs. Grundy: Studies in English Prudery págs. 173-4.
9 Fontanel, págs. 31-32.
10 Ambas as referências são de Kunzle, págs. 81-82.
11 Dois dos mais conhecidos exemplos franceses são L'Essai du Corset de A. F. Dennel segundo
P. A. Wille, 1780, e Tailleur Essayant un Corps de Dupin segundo Le Clerc, 1778. Para obter
uma versão do oportunismo masculino em relação ao seio, vide The Sleeping Congregation de
Hogarth; que mostra um homem da igreja a espreitar para o corpete decotado de uma mulher
que adormecera durante um sermão aborrecido.
12 Jacques Bonnaud, Dégradation de L 'Espêce Humaine par Usage du Corps à Baleine: Ouvrage
dans Lequel On Démontre Que C'est Aller Conire les Lois de la Nature, Augmenter la Dépopu-
lation e Abâtardir pour Ainsi dire "Homme Que de le Mettre à la Torture dês les Premiers
Moments de Son Existence, sous Prétexte de le Former. Para encontrar exemplos alemães, vide
Almut Junker e Eva Stille, Geschichte des Unterwâsche 1700-1960, págs. 39-40.
13 Philippe Perrot, Le Travail des Apparences, ou les Transformations du Corps Féminin XVIT-
XIXC Siêcles, págs. 235-36.
14 Citado em C. Willett e Phillis Cunnington, The History of Underciothes, pág. 69. Ver também
Norah Waugh, Corsets and Crinolines, pág. 71.
15 Vide Claudia Brush Kidwell e Valerie Steele, Men and Women: Dressing the Part.
16 Rosemary Hawthome, Bras. 4 Private View, pág. 20.
17 Junker and Stille, págs. 152-53.
18'Citado in Cumnington, pág. 126.
19 Citado in Gustave Joseph Witkowski, Anecdotes Historiques et Religieuses sur les Seins st VAL
laitement Comprennant [Histoire du Décolletage et du Corset, pág. 389.
20 Ver, por exemplo, 1. H. Kellog, M.D., The Influence of Dress in Producing the Physical Deca-
dence of American Women.
21 Abba Goold Woclson, Women in America from Colonial Times to the 20th Century. Citações
das págs. 11, 20, 54, 49, 75, 114-15, 134-35.
22 Lois W. Banner, American Beauty, pág. 128.
23 Thorstein Veblen, The Theory of the Leisure Class, pág. 172.
24 Dr. Magnus Hirschfeld, Sittengeschichie des Weltkrieges, vol. I, pág. 76.
25 Maidenform, Inc., panfleto, 1992.
26 Clifford F. Dowkontt, M.D., The Hygiene of the Breasts, págs. 37-8.

343
MARILYN YALOM
“8

27 Nora Ephron, “A Few Words Abont Breasts,” Esquire, Maio de 1972.


28 Politique Hebdo, 28 de Agosto - 3 de Setembro, 1975, págs. 19-20.
29 Sally Wadyka, "Bosom Buddies,” Vogue, Agosto de 1994.
30 Wall Street Journal, 2 de Dezembro de 1988.
31 Jeremy Weir Alderson, ” Breast Frenzy,” Self, Dezembro de 1988.
33 Seigneur de Brantôme, Lives of Fair and Gallant Ladis, págs. 131, 143. Hoje em dia, o prazer
de ver a parceira despir-se é apenas suplantado pelo prazer das relações sexuais, e 93 por cento
dos homens e 81 por cento das mulheres consideram a visão do amante a despir-se “muito
atraente” ou “algo atraente” (Robert Michael et al., Sex in America, págs. 146-47).
34 Linda Nochlin, Women, Art and Power and Other Essays, pág. 138.
35 Eunice Lipton, Alias Olympia: 4 Woman's Search for Manet's Notorious Model & Her Own
Desire, pág. 151.
36 Citação de Michael Jubb, Coccoa and Corsets, n.p., do lado oposto à introdução.
37 Paul Hammond, French Undressing: Naughty Postcards from 1900 to 1920, pág. 11.
38 Delia M. Rios, ”Media and the Message: Sex,” Examiner de São Francisco, 2 de Outubro de
1994,
39 Esta citação de Gail e as seguintes foram retiradas de Daphna Ayalah e Isaac J. Weinstock,
Breasts: Women Speak About Their Breasis and Their Lives, págs. 99-103.
40 Ellen Berscheid, Elaine Walster e George Bohrnsted, “Body Image,” Psychology Today, Novem-
bro de 1973.
41 A, George Gitter, Jack Lomranz, Leonard Saxe, e Yoram Bar-Tal, “Perceptions of Female Phy-
sigue Characteristics by American and Israeli Students,” págs. 7-13; Lora Jacobi e Thomas
Cash, “In Pursuit of the Perfect Appearance: Discrepancies Among Self-Ideal Percepts of Mul-
tiple Physical Attríibutes,” págs. 379-96,
42 Citada in Robert Atwan, Donald McQuade e John Wright, Zdsels, Luckies, & Frigidaires: Ad-
vertising the American Way, pág. 350.
43 Nicholas Drake, The Fifties in Vogue, pág. 10.
44 John Steinbeck, TheFayward Bus, Nova Iorque: The Viking Press, 1947), pág. 5.
45 Examiner de São Francisco, 19 de Junho de 1994.
46 Ayalah e Weinstock, págs. 72-77,
47 Um dos melhores livros sobre Madonna é The Madonna Connection: Representational Politics,
Subcultural Identities, and Cultural Theory, ed. Cathy Schwichtenberg.
48 Lori Patch, "The Quest for the Perfect Bra,” Self, Março de 1995.
49 John dºEmilio e Estelle B. Freedman, Intimate Matters: A History of Sexuality in America, págs.
xi, xii. ,
50 Nancy F. Cott, "The Modern Woman of the 1920's, American Style,” in 4 History of Women:
Toward a Cultural Identity in the Twentieth Century, ed. Françoise Thébaud, vol. V, 4 History
of Women in the West, ed. Georges Duby e Michelle Perrot, pág. 89.
51 Die unverôffenilichten 27] SPIEGEL-Titel aus 1993 (Hamburgo: SPIEGEL-Verlag Rudolf Aug-
stein, 1994), pág. 72.
52 Rolling Stone, 20 de Outubro de 1994, págs. 75-76.
53 Diana Russell, Against Pornography: The Evidence of Harm, pág. 3.
54 Susan Griffin, Pornography and Silence: Culture's Revenge Against Nature, pág. 36.
55 Esta e outras referência semelhantes são de Russell, págs. 63, 64, 66, 82, 83. Ms. Russell teve
- a coragem de reeditar, sem o consentimento dos primeiros editores, mais de uma centena de
“ge

34d
HISTÓRIA DO SEIO

ilustrações pornográficas, acompanhadas das suas anotações.


56 Nadine Strosen, Free Speech, Sex, and the Fight for Women's Righis.

SÉTIMO CAPÍTULO
1 Valerie A. Fildes, Breasts, Botiles and Babies, pãg. 5.
2 Gay Robins, Women in Ancient Egypt, págs. 90-91. Ilustração de um recipiente com a forma de
“uma mulher a amamentar, placa 27, pág. 81.
3 Frederick B. Wagner, ” History of Breast Disease and Its Treatment,” in The Breast, ed. Kirby 3.
Bland e Edward M. Copeland, vol. II, pág. 1.
4 James V. Ricci, The Genealogy of Gynaecology, pág. 20.
5 Lesley Dean-Jones, ” The Cultural Construct of tae Female Body in Classical Greek Science,” in
Women's History and Ancient History, ed. Sarah B. Pomeroy, pág. 115.
6 Citado in Daniel de Moulin, 4 Short History of Breast Cancer, pág. 2. Estou profundamente em
dívida para com de Moulin por algum do material sbre cancro da mama apresentado neste
capítulo.
7 Soranus, Gynaecology, trad. Owsei Temkin, pág. 90.
8R.C. Hahn e D. B. Petitti, "Minnesota Multiphasic Personality Inveutory-Rated Depression and
the Incidence of Breast Cancer,” págs. 845-48; A. B. Zonderman, P. T. Costa, e R. R. McCrae,
“Depression as a Risk for Cancer Morbidity and Mortality in a Nationally Representative Sam-
ple,” págs: 1191-95.
9 Citado por Moulin, págs. 5-6.
10 Medieval Woman's Guide to Health: Th First English Gynaecological Handbook, trad. Beryl
Rowland, págs. 161-62.
“11 Régine Pemoud, La Femme au Temps des Cathédrales, pág. 119.
12 Salicet, Chirurgie de Guillaume de Salicet, ed. Paul Piftcau, págs. 108-9.
13 Estas duas imagens encontram-se reproduzidas in Albert S. Lyons e R. Joseph Petrucelli, Medi-
cine: An Hlustrated History, figs. 490 e 498, págs. 326-27. Fonte original: Biblioteca da Uni-
versidade de Leiden (Bibliotec des Rijksuniversitate), ms. Vossius lat. .3, fol. .90v.
14 Citação m Moulin, pág. 15.
15 Thomas Laqueur, Making Sex: Body and Genderfrom the Greeks to Freud, págs. 104.5.
16 O desenho encontra-se reproduzido in Kenneth Clark e Carlo Pedretti, Leonardo da Vinci Draw-
ings at Windsor Castle (1935) (Londres: Phaidon, 1969), 19097 verso.
17 Andreas Vasalius, The Epitome of Andreas Vesalius, trad. L. R. Lind, págs. 86-87. The Epitome
é um breve sumário da obra de Vesalius De Humani Corporis Fabrica Libri Septem (Basel,
1543).
18 Esta citação e as seguintes são de Ambroise Paré, Oeuvres Complêtes, ed. .-F. Malgaigne, vol.
2, págs. 687-689.
19 Citado in Dorothy McLaren, ”Marital Fertility and Lactation,” in Women in English Society
1500-1800, ed. Mary Prior, pág. 27.
20 Louise Bourgeois, Dite Boursier, Sage-Femme de la Reine, Observations Diverses sur la
Stérilité, Perte de Fruits, Fécondité, Accouchemenis et Maladies des Femmes et Enfants Nou-
veau-Nés, Suivi de Instructions à Ma File, pág. 90.
21 Esta citação e as seguintes são de Leo M. Zimmerman e Tiza Veith, Great Ideas in the History
of Surgery, págs 245-46.

345
MARILYN YALOM

22 Ioid., págs. 252-53.


23 Moulin, pág. 24.
24 Sobre o cancro da mama de Ana de Áustria, vide ibid., págs. 25-26; Ruth Kleinman, Anne of
Austria, págs. 282-86; e Gui Patin, Leítres de Gui Patin à Charles, Spon, Médecin à Lyon, vol.
3, págs. 493-94.
25 Helvétius, "Lettre de Monsieur Helvétius D.E.M. à Monsieur Régis, sur la Nature et la Guérison
du Cancer,” apenso ao Traité des Pertes de Sang, págs. 139-48.
26 Barbara Duden, The Woman Beneath the Skin: À Doctor's Patients in Eighteenth Century Ger-
many, trad. Thomas Dunlap, pág. 98.
27 Ibid., págs. 83-84.
28 Ruth Perry, The Celebrated Mary Ástell, págs. 318-22.
29 George Ballard, Memoirs of Several Ladies of Great Britain (Oxford, 1752), pág. 459.
30 Moulin, pág. 43.
31 Lorenz Heister, 4 General System of Surgery, vol. IL, pág. 14.
32 Fanny Burney, Selected Letters and Journals, ed. Joyce Hemlow. As citações foram retradas das
págs. 129-39.
33 Edith Gelles, Portia: The World of Abigail Adams. As citações seguintes são das págs. 161, 163,
e 168.
34 Citação de Owen H. Wangensteen e Sarah D. Wangensteen, The Rise of Surgery, págs. 455-56.
35 Moulin, págs. 58-61.
36 Geo. H. Napheys, A.M., M.D., The Physical Life of Woman: Advice to the Maiden, Wife, and
Mother, citações da 3º ed. canadiana retiradas das págs. 186 e 196.
37 Quero exprimir a minha gratidão por esta e outras observaçõs ao oncologista francês dr. Maurice
Tubiana, La Lumiêre dans "Ombre: Le Cancer Hier et Demain, págs. 33-34.
38 Dra. Cathy Read, Preventing Breast Cancer: The Politics of an Epidemic, pág.l
39 New Fork Times, 29 de Junho de 1994. |
40 Rose Kushuer, Breast Cancer: 4 Personal History and an Investigative Report.
41 Journal of the National Cancer Institute, 17 de Julho de 1994, citado no New York Times da
" mesma data. Vo ,
42 New Engiand Journal of Medicine, Dezembro de 1995, citado no New York Times da mesma
data.
. 43 Susan Love com Karen Lindsey, Dr. Susan Love's Breast Book, 2º ed., págs. 325-26.
44 A. B. Miller e R. D. Bullbrook, “UICC Multidisciplinary Project on Breast Cancer: The
Epidemiology, Actiology and Prevention of Breast Cancer,” págs. 173-77.
45 Read, pág. 2.
46 “Your Breasts: The Latest Health, Beauty & Sexual Facts,” Glamour, Abril de 1994, pág. 273.
47 The Long Island Breast Cancer Study Project, National Cancer Institute, esboço do projecto,
1993.
48 N. Krieger, M. S. Wolff, R. A. Hiatt, M. Rivera, J. Vogelman, e N. Orentreich, ” Breast Cancer
and Serum Organochlorines: A Prospetcive Study Among White, Black, and Asian Women,”
Journal of the National Cancer Institute, 20 de Abril de 1994 (86) 8:589-99.
49 Yumay Chen et al., ” Aberrant Subcellular Localization of BCRA 1 in Breast Cancer,” Science,
3 de Novembro de 1995, págs. 789-91.
50 Irvin D. Yalom, M.D., e Carlos Greaves, M.D., “Group Therapy with the Terminally [l,” págs.
3926-400,
HISTÓRIA DO SEIO

51 David Spiegel, Living Beyond Limits: New Hope and Help for Facing Threatening Ilness, pág.
xlil.
52 Le Monde, 2 de Setembro de 1988.
53 Solveig Beale et. al., ” Augmentation Mammoplasty: The Surgical and Psychological Effects of
the Operation and Prediction of the Result,” págs. 279-97.
54 Kathy Davis, Reshaping the Female Body.
55 S. E. Gabriel et. al., “Risk of Connective-Tissue Discases and Other Disorders After Breast
“— implantation” New England Journal of Medicine, 16 de Junho de 1994, 330 (24): 1697-702.
56 Gail S. Lebovic, Donald R. Laub, Jr., Kenneth Hadler, Diana Guthauer, Frederck M. Durbas,
e Donald Laub, manuscrito em preparação (Stanford, Calif., 1996).
57 New York Times, 29 de Junho de 1994.
58 Larger Firmer Breasts Through Self-Hypnosis (San Juan, P:R.: Piedras Press, 1991).
59 Chronicle de São Francisco, 1 de Junho de 1994.

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1 Boston Women's Health Collective, Our Bodies, Ourselves (1969) (Nova Iorque: Simon & Schus-
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2 Time, 13 de Setembro de 1968.
3 Deborah L. Rhode, “Media Images,” Feminist Issues,” pág. 693.
4.Sandy Polishuk, “Breasts,” pág. 78.
"5 Germaine Grier, The Female Eunuch pág. 24.
-6 Para uma análise inicial do movimento anti-soutiens, vide Denton E. Morrison e Carlin Paige
Holden, “The Burning Bra: The American Breast Fetish and Women's Liberation,” in Deviance
and Change, ed. Peter K. Manning.
7 D. Ayalah e J. J. Weinstock, Breasts: Women Speak About Their Breasts and Their Lives, pág.
125.
8 Tbid.
9 Sentinel de Santa Cruz, 7 de Outubro de 1984.
10 Jean-Claude Kaufmann, Corps de Femmes, Regards d'Hommes: Sociologie des Seins Nus.
11 Revé Kônig, 4 la Mode: The Sociological Psychology of Fashion, trad. F. Bradley, pág. 193.
12 Fotografia e citação de Le Matin, 29 de Maio de 1987.
13 Libération, 26 de Outubro de 1987,
14: New York Times Magazine, 15 de Agosto de 1993.
“15 Time, 1 de Novembro de 1993.
16 Chronicle of Higher Education, 18 de Novembro de 1992.
17 São estes atributos, e não tanto o tamanho, que os homens desejam nos seios femininos, de
acordo com a neuropsicóloga Nancy Etcoff, citada por Elizabeth Weil in “What Men Love,”
Mademoiselle, Janeiro de 1995,
18 Alicia Suskin Ostriker, ” Years of Girlhood (For My Students)” in “The Mastectomy Poems,”
de "The Crack in Everything,” ( 1996. Reeditado com autorização da University of Pittsburgh
, Press.
19 Sharon Olds, “New Mother,” in Olds, The Dead and the Living (Nova Iorque: Alfred A. Knopf,
1984) Copyright ( 1983 by Sharon Olds. Novamente publicado in Touching Fire: Erotic Writ-
ings by Women, ed. Louise Tborton, Jan Sturtevant, e Amber Sumrall, pág. 62.

347
MARILYN YALOM

20 Alicia Suskin Ostriker, The Mother/Child Papers, págs. 18, 33. Novamente publicado com
autorização da autora.
21 Media Watch, vol. 6, nº 1 (Primavera-Verão de 1992), pág. 7.
22 Rosanne Wasserman, ”Moon-Milk Sestina,)” in The Breast: An Anthology, ed. Susan Thames e
Marin Gazzaringa, pág. 84.
23 Deborah Abbott, “This Body Love,” in Touching Fire, ed. Thornton et al., pág. 98. Copyright
( 1985, With the Power of Each Breast: A Disabled Women's Anthology, ed. Susan Browne,
Debra Connors, e Nancy Stem. Pittsburgh: Cleis Press.
24 Linda Pastan, ” Routine Mammogram,” in Pastan, 4 Fraction of Darkness, pág. 46. Copyright (1985)
by Linda Pastan. Novamente publicado com a autorização da W. W. Norton & Company, Inc.
25 Joan Halperin, “Diagnosis,” in Her Soul Beneath the Bone: Women's Poetry on Breast Cancer,
ed. Leatrice Lifshitz, pág. 7. Copyright (1988 University of Illinois Press.)
26 Patrícia Goedicke, “Now Only One of Us Remains,” in Her Soul, ed. Lifshitz, pág. 33.
27 Alice Davis, ” Mastectomy,” in Her Soul, ed. Lifshitz, pág. 41.
28 Sally Allen MeNall, ” Poem for the Woman Who Filled a Prosthesis with Birdseed, and Others,”
in Her Soul, ed. Lifshitz, pág. 67.
29 Audre Lorde, The Cancer Journals, pág. 44.
30 Naomi Wolf, The Beauty Myth: How Images of Beauty Are Used Against Women.
31 Adrienne Rich, "A Woman Dead in Her Forties.” Copyright (1984) by Adrienne Rich, de The
Fact ofa Doorframe: Poems Selected and New, 1950-1984. Segunda edição com autorização
da autora e W. W. Norton & Company Inc.
32 Helena Michie, The Flesh Made Word: Female Figures and Women's Bodies, pág. 127.
33 Therese Diamond-Rosinsky, Suzanne Valadon (New York Universe Publishing, 194), pág. 81.
34 Hayden Herrera, Frida Kahlo: The Paintings, pág. 12.
35 Louise Bourgeois, entrevista pessoal, 8 de Março de 1996.
36 Louise Bourgeois: Recent Work/Opere Recenti (Brooklyn Museum, editado pela United States
Information Agency para a 45º Binal de Veneza, 1993), n.p. Para estudos mais completos da
obra de Bourgeois, vide Christiane Meyer-Thoss, Louise Bourgeois e Marie-Laure Bernadac,
Louise Bourgeois.
37 William Ewing, The Body: Photographs of the Human Form, pág. 68.
38 As citações são de Terry Dennett e Jo Spence, ”Remodeling Photo History: A Collaboration
Between Two Photographers,” Screen, vol. 23, nº 1 (1982), novamente publicadas in Jo Spence,
Puiting Myself in the Picture: 4 Political, Personal and Photographic Autobiography, pãgs.
118-21.
39 Gostaria de agradecer a Terry Dennett pelo seu comentário generoso em relação ao seu trabalho
com Jo Spence. Spence morreu de cancro da mama em 1992.
40 A interpretação mais profunda da obra de Sherman pode ser encontrada em Rosalind Krauss,
Cindy Sherman, 1979-1993.
41 Annie Sprinkle com Katharine Gates, Annie Sprinkle's Post-Modern Pin-Ups Bookit (Richmond,
Va.: Gates of Heck, 1995). As citações foram retiradas das págs, 7,6 e 5.
42 É possível obter cópias do cartaz com a imagem de Deena Metzger fotografada por Hella Ham-
mid, bem como informações sobre os livros, gravações e workshops de Deena Metzger na
TREE, P.0. Box 136, Topanga, Califórmia 90290.
43 Daily de Stanford, | de Fevereiro de 1995.
44 Economist, 25 de Dezembro de 1993 — Janeiro de 1994.

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Fig. 42. Coleeção Particular.
Fig. 43. Foto RM.N.
Fig. 44. Wellcome Institute Library, Londres.
Fig. 45. Musée Carnavalet, Paris.
Fig. 46. Musée Carnavalet, Paris.
Fig. 47. Foto Bulloz.
Fig. 48. Musée Fragonard, Grasse, Foto Bulloz.
Fig. 49. Louvre, Paris. Foto Bulloz.
Fig. 50. Peabody Museum, Universidade de Harvard.
Fig. 51. Bibliothêque de Documentation Internationale Contemporaine, Nanterre.
Fig. 52. Tirado de uma edição de 1917 de La Vie Parisienne.
Fig. 53. GE264, Colecção de Cartazes, Hoover Institution Archives.
Fig. 54. US2003A, Colecção de Cartazes, Hoover Institution Archives.
Fig. 55. US1021, Colecção de Cartazes, Hoover Institution Archives.
Fig. 56. US5718, Colecção de Cartazes, Hoover Institution Archives.
Fig. 57. US1237, Colecção de Cartazes, Hoover Institution Archives.
Fig. 58. Archivo Storico Ricordi, Milão.
Fig. 59. Reproduzido em Hischfeld, Sittengeschichie des Welteskrieges (Leipzig e Viena, 1930).
Fig. 60. GE982, Colecção de Cartazes, Hoover Institution Archives.
Fig. 61. National Air and Space Museum, Washington, D.C.
Fig. 62. Nota colonial portuguesa.
Fig. 63. Capa de brochura da Penguin, 1972 (1968, 1995).
Figs. 64. e 65. Wellcome Institute Library, Londres.
Figs. 66, 67 e 68. Catálogo da Sears, Roebuck & Co,, 1897.
Fig. 69. Bibliothêque des Arts Décoratifs, Paris.
Fig. 70. Foto Jean-Loup Charmet,
, Fig. 71. Colecção Particular.
Fig. 72. Cortesia do Maidenform Museum, Nova Iorque.
Pad

362
HISTÓRIA DO SEIO |

Fig. 73. Archivo Storico Ricordi, Milão.


Fig. 74. S. Barita Co., Tucson, Arizona, e Fresno, Califórnia.
Fig. 75. Out of the West Publishing, Sacramento, Califómia.
Fig. 76. Fotografia: Theda e Emerson Hail.
Fig. 77. Cortesia do artista.
Fig. 78. Cortesia da The Kobal Collection.
Fig. 79. Snap a Shot, Inc., Nova Torque.
Fig. 80. Por permissão de Der Spiegel.
Fig. 81. Cortesia do artista.
Fig. 82. Versailles. Foto R.M.N.
Fig. 83, Galeria Nacional, Praga. Foto Giraudon.
Fig. 84. Wellcome Institute Library, Londres.
Fig. 85. Cortesia da Escola de Medicina na Universidade da Pensilvânia.
Fig. 86. Musée de V Assistance Publique — Hôpitaux de Paris.
Fig. 87. Foto Samuel Thaler.
Fig. 88. Foto Le Matin, 29 de Maio de 1987.
Fig. 89. Cortesia da artista.
Fig. 90. Cortesia do artista,
Fig. 91. Museo Dolores Olmedo Patifo, Cidade do México.
Fig. 92. Colecção Particular. Foto Peter Bellamy.
Figs. 93 e 94. The Jo Spence Archive, Londres.
Fig. 95.Cortesia da artista e da Metro Pictures, Nova Iorque.
Fig. 96. Copyright L. Barany & A. Sprinkle, 191. Fotos de Leslie Barany.
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- Fig. 97. Cortesia da TREE, P.O. Box 186, Topanga, Califómia 90290.
Fig. 98. Cortesia do artista.
ig. 99. Cortesia do artista.
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363
Índice

raee
ronca cerearecerarerenesaranen
Agradecimentos .........i ss ceeceesreteaeneo arencacas 9

“INTRODUÇÃO,
MUDANÇA DE SIGNIFICADO... e 3

UM
O SEIO SAGRADO: DEUSAS, SACERDOTISAS, MULHERES
BÍBLICAS, SANTAS E VIRGENS ......seeeeemases 21

DOIS
O SEIO ERÓTICO: GLOBOS CELESTIAIS ...........iiiiem 67

TRÊS
O SEIO DOMÉSTICO: UM INTERLÚDIO HOLANDÊS................. 115
QUATRO
O SEIO POLÍTICO: SEIOS PARA A NAÇÃO .......iiii 131

364
HISTÓRIA DO SEIO

CINCO
O SEIO PSICOLÓGICO: CUIDAR DO CORPO... 179
SEIS
O SEIO COMERCIALIZADO:
DO CORPPETE AO CIBER-SEXO .....iiiiaies 193

SETE
O SEIO MÉDICO: FONTE DE VIDA E DE ANIQUILAÇÃO ........ 245

OITO
O SEIO LIBERTADO: POLÍTICA, POESIA E IMAGENS ............ 287

NOVE
O SEIO EM CRISE... aa iara er aeee 325

Notas eia ea aaa a cerne aaa a tara ca na ea at rar aaa aerea renan saca rtraanaado 333
. Bibliografia seleccionada... 349
* Créditos das ilustrações ....etieeeee ereta 361
Índice... aeee rena ac rara renata 364

365

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