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PRÓ-REITORIA DE ENSINO ​DE GRADUAÇÃO

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Gymnasio Brasileiro: Sociabilidade na Corte e o questionamento da


escravidão, 1848-1861

Gabriela Vitória Monteiro da Silva

São João del Rei, MG


Dezembro de 2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO
LICENCIATURA EM HISTÓRIA

GYMNASIO BRASILEIRO: SOCIABILIDADE NA CORTE E O


QUESTIONAMENTO DA ESCRAVIDÃO, 1848-1861

Gabriela Vitória Monteiro da Silva

Orientador
Professor Dr. Danilo José Zioni Ferretti

Trabalho de Conclusão apresentado ao


Curso de Licenciatura em História da
Universidade Federal de São João del Rei,
como requisito parcial para obtenção do
grau de Licenciada em História.

São João del Rei, MG


Dezembro de 2019

2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI
PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO
LICENCIATURA EM HISTÓRIA

GABRIELA VITÓRIA MONTEIRO DA SILVA

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de História da Universidade Federal de


São João del-Rei, como requisito parcial para obtenção do grau de ​Licenciado em
História​.

APROVADO EM _________/______________/___________

___________________________________
Danilo José Zioni Ferretti, Dr.
UFSJ
Orientador

São João del Rei, MG


Dezembro de 2019

3
Dedico à overdose histórica.

4
AGRADECIMENTOS

Agradeço!

5
Jamais estamos tão mergulhados na história como quando fingimos não
estar​ [...]
Michel-Rolph Trouillot

6
RESUMO

SILVA, Gabriela Vitória Monteiro da. ​Gymnasio Brasileiro​: Sociabilidade ​na Corte e
o questionamento da escravidão, 1848-1861. 53 p. 2019. Trabalho de Conclusão de
Curso (Licenciatura em História). Universidade Federal de São João del-Rei, São João
del-Rei, MG, 2019.

Esse trabalho é fruto de uma pesquisa que pretendeu analisar a participação de


intelectuais brasileiros nos embates sobre a legitimação simbólica e o encaminhamento
político da escravidão no interior do espaço de sociabilidade ​Gymnasio Brasileiro​, no
Rio de Janeiro oitocentista, da criação da dita sociedade em 1848 à 1861. Para tanto,
procurou-se reconstituir brevemente a trajetória dessa associação, um pouco de sua
história de fundação, seu quadro administrativo e as atividades que norteavam as ações
de seus membros, bem como o perfil de seus sócios, para assim adentrar as questões que
se relacionam mais pontualmente à escravidão. A fonte utilizada para o dito
empreendimento é o periódico, importante veículo para se entender o século XIX
luso-brasileiro e brasileiro, o nascente espaço público na “terra dos papagaios” e a
influência da imprensa nesse contexto. Lançamos mão de seis títulos diferentes, ​Diário
do Rio de Janeiro​, ​Correio Mercantil,​ ​Jornal do Commercio do Rio de Janeiro,​ ​O
Philantropo,​ ​O Auxiliador da Industria Nacional e, por fim, ​Almanak Administrativo,
Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro​, para assim compreendermos as dinâmicas da
Sociedade Gymnasio Brasileiro e cotejar os artigos a ela relacionados que versavam
sobre a escravidão, já que, perceber os debates de uma elite letrada em torno da
escravidão é traçar o desenvolvimento de um incômodo perante a legitimidade de uma
instituição secular que vigorou solidamente por longo período. Os sujeitos que são o
objeto de nossos estudos chegaram a publicar, nas proximidades de 1850, que “[...] a
vida e a liberdade do homem são cousas [sic] sagradas em que não é dado tocar sem
crime de lesa-divindade e de lesa-humanidade!” e buscaram provar para os seus pares e
para a sociedade brasileira que a “escravidão é anti-natural e anti-social - irreligiosa -
immoral - e inutil [sic]”, alertando-nos para a necessidade de construir um quadro mais
complexo acerca da hegemonia e fixidez escravocrata no Brasil até o último quartel do
século XIX.

Palavras-chave:​ Sociabilidade. Escravidão. Intelectual.

7
ABSTRACT

SILVA, Gabriela Vitória Monteiro da. ​Gymnasio Brasileiro​: Sociability at Court and
the questioning of slavery. 53 p. 2019. Final Paper (Bachelor in History). Federal
University of São João del-Rei, São João del Rei, MG, 2019.

This work is the result of a research that aimed to analyze the participation of Brazilian
intellectuals in the clashes about the symbolic legitimation and the political referral of
slavery within the nineteenth-century ​Gymnasio Brasileiro space of sociability, from the
creation of this society in 1848 to 1861. To this end, we sought to briefly reconstruct the
trajectory of this association, its history of founding, its administrative staff and the
activities that guided the actions of its members, as well as the profile of its members, in
order to address the issues. that relate more punctually to slavery. The source used for
this venture is the periodical, an important vehicle for understanding the Luso-Brazilian
and Brazilian nineteenth century, the nascent public space in the “land of the parrots”
and the influence of the press in this context. We use six different titles: ​Diário do Rio
de Janeiro,​ ​Correio Mercantil​, ​Jornal do Commercio do Rio de Janeiro​, ​O Philantropo​,
O Auxiliador da Industria Nacional and ​Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial
do Rio de Janeiro to understand the dynamics of the ​Sociedade Gymnasio Brasileiro
and to compare the related articles on slavery, since to understand the debates of a
literate elite about slavery is to trace the development of a nuisance before the
legitimacy of a secular institution that was in force for a long time. The subjects who are
the object of our studies even published, around 1850, that “[...] the life and freedom of
man are sacred things [sic] in which it is not possible to touch without a crime of deity.
and lesa-humanity! ”and sought to prove to their peers and to Brazilian society that“
slavery is unnatural and antisocial - irreligious - immoral - and useless [sic] ”, alerting
us to the need to construct a more complex picture about hegemony and slavery fixity in
Brazil until the last quarter of the nineteenth century.

Key words:​ Sociability. Slavery. Intellectual.

8
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Gráfico I​ – Aparição da ​GB​ nas fontes. ​28


Gráfico II​ – Ocorrência da ​GB​ nos periódicos por ano, 1848-1861. ​30
Tabela I – Ordens e temáticas de debates em reuniões da ​GB de acordo com os
periódicos. ​31
Tabela II​ – Quadro administrativo da ​GB,​ 1848-1857. ​32
Tabela III​ – Quadro sobre o perfil dos sócios da ​GB​. ​34
Tabela IV​ – ​Vínculos associativos dos homens da ​GB​. ​39

9
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11
2 APONTAMENTOS TEÓRICOS, PESQUISA E METODOLOGIA 14
2.1 A​SSOCIATIVISMO​ ​NO​ ​BRASIL 16

2.2 F​ONTES​ ​E​ ​METODOLOGIA​ ​ESPECÍFICA 18

3 REDESENHANDO OS CONTORNOS DA ​GB 29


3.1 S​OBRE​ ​OS​ ​DEBATES​ ​DOS​ ​MEMBROS​ ​DA​ ​GB 30

3.2 O ​QUADRO​ ​BUROCRÁTICO​ ​DA​ ​ASSOCIAÇÃO 32

3.3 O​S​ ​SÓCIOS​ ​DA​ ​GB​ ​34


4 A GB E A ESCRAVIDÃO 42
4.1 D​ESLEGITIMANDO​ ​A​ ​ESCRAVIDÃO​ ​42
5 CONCLUSÃO 49
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52

10
1 INTRODUÇÃO

A História da Escravidão é uma área temática cuja fertilidade é bastante laborada


dentro da historiografia (principalmente a brasileira), porém, o processo de solapamento
dessa instituição ao longo dos séculos XVIII e XIX merece maior atenção.
Notadamente, dois livros monumentais, se prestam a atender essa demanda, ao
percorrerem, com vistas a longa duração, a trajetória do escravismo e o
desenvolvimento milenar da legitimação e aceitação da escravidão, e também, junto à
isso, o questionamento da mesma pelas redondezas setecentistas. O primeiro, ​The
problem of Salvery in Western Culture,​ tem como autor o norte-americano David Brian
Davis, cuja escrita data de 1966, com tradução em terras brasileiras apenas em 20011; o
segundo é ​Abolition: a history of slavery and antislavery​, do também norte-americano
Seymour Drescher, publicado originalmente em 2009, com tradução brasileira de 20112.
Em âmbito brasileiro, encontramos, a priori, trabalhos que enfocam
majoritariamente nos anos 1870 e 1888, já que, o conceito de abolicionismo é o que
parece reger o interesse dos pesquisadores, coroado com a ideia de imediatismo,
organização e impacto institucional3. Passou a vigorar significativamente a preocupação
restrita com o abolicionismo, em detrimento de uma não importância à historicização do
mesmo, e uma “não-reflexão” acurada do desenvolvimento das ideias antiescravistas no
Brasil desde inícios do século XIX. Angela Alonso, em obra importantíssima quanto à
percepção dessa construção do movimento abolicionista brasileiro escreve:
O movimento abolicionista demorou a se configurar no Brasil. Sempre houve
gente de inclinação antiescravista, mas pensamento é diferente de ação. Para
existir um movimento social precisa organizar associações e eventos públicos,
materializar-se como mobilização coletiva, o que só ocorre em conjunturas
políticas que facilitam o uso do espaço público para exprimir reivindicação. Tal
situação se configurou no Brasil no fim dos anos 1860.4

1
​DAVIS, David Brion. ​O Problema da Escravidão na Cultura Ocidental. Rio de Janeiro:​ Civilização
Brasileira, 2001.
2
​DRESCHER, Seymour. ​Abolição: uma história da escravidão e do antiescravismo. São Paulo: Editora
UNESP, 2011.
3
​CONRAD, Robert. ​The destruction of Brazilian slavery, 1850-1888.​ Berkeley: University of California
Press, 1972.; TOPLIN, Robert. ​The abolition of slavery in Brazil.​ New York: Atheneum, 1971.
4
​Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro, 1868-1888. São Paulo: Companhia
das Letras, 2015, p. 278.

11
A historiadora amplia a temporalidade empregada para se pensar a relação entre
escravismo e sociedade brasileira, mas ainda incorre, em poucos momentos, na tradição
de se conceber o antiescravismo e a abolição de maneira distanciada. Obviamente,
abolicionismo(s) e o(s) antiescravismo(s) possuem diferenças, entre si e no seio de suas
definições intrínsecas, tanto teóricas, quanto práticas, mas julgamos necessário
lançarmos um olhar mais aproximador, intentando perceber as permanências e as
rupturas entre eles e dentro deles. Alain El Youssef escreve, em seu estudo sobre
imprensa e escravidão que:

[...] historiadores [...] acabaram criando um “tempo vazio e homogêneo” - para


usar as palavras de Walter Benjamin - na história do tráfico negreiro e da
escravidão oitocentista no Brasil. Em última instância, é como se
estabelecessem uma relação direta entre o pensamento anti-escravista de José
Bonifácio, sistematizado na sua Representação à Assembléia Geral Constituinte
e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura (1823), e o movimento
abolicionista que surgiu na década de 1870. Entre essas duas pontas, o Brasil
teria vivenciado uma espécie de consenso em torno do comércio de africano e
do cativeiro, sem que vozes genuinamente contrarias a ambos se fizessem
presentes nos espaços públicos, sobretudo na imprensa.5

Em um outro panorama investigativo, a relação entre tráfico negreiro, o


legislativo brasileiro e a Grã-Bretanha parece ter cativado a atenção de alguns
estudiosos. No ano de 1976, o historiador britânico Leslie Bethell escreve obra acerca
do fim do tráfico transatlântico6, dando enfoque na relação entre Brasil e Grã-Bretanha
no tocante aos processos legislativos, frutos, segundo ele, da relação diplomática dos
britânicos em relação ao Império do Brasil. Nessa perspectiva vê-se em seus escritos
reflexões que versam sobre a contestação de grupos brasileiros favoráveis ao tráfico e a
escravização, desde os anos 1820 ao ano de 1860. Em um salto para o início do século
XXI, Jaime Rodrigues escreve ​O infame comércio​, refletindo sobre as pressões em
relação à manutenção do tráfico negreiro7. Arrojadamente, o historiador se preocupa não
apenas com a influência externa no abalo do infame comércio, mas também lança um
olhar curioso quanto aos luso-brasileiros e brasileiros, questionando-se acerca da

5
​YOUSSEF, Alain El. ​Imprensa e Escravidão:​ política e tráfico negreiro no Império do Brasil, Rio de
Janeiro, 1822-1850. São Paulo: Intermeios, 2016, p. 22.
6
​BETHELL, Leslie. ​A abolição do tráfico de escravos no Brasil​: A Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do
tráfico de escravos, 1807-1869. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura; São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1976.
7
​RODRIGUES, Jaime. ​O infame comércio:​ propostas e experiências no final do tráfico de africanos para
o Brasil (1800-1850). São Paulo: Editora da UNICAMP-CECULT, 2000.

12
política imperial e da imagem dos traficantes perante a sociedade brasileira, em resumo,
às transformações relacionadas à legitimidade do tráfico.
Esses estudos sobre as décadas 1820-1850 demonstram que existe a necessidade
de se entender melhor o que se passava no Império quando da intervenção anti-tráfico
por parte dos britânicos, dizendo sobre uma propagação significativa dos ideais
antiescravistas no período da Segunda Escravidão8. Ao mesmo passo em que o
capitalismo e a instituição da escravidão se arranjam em novas maneiras de estruturação
no Novo Mundo, grupos brasileiros estavam tecendo críticas quanto à manutenção seja
do tráfico ou da escravidão.
Dentro desse panorama, intentamos fazer uma aproximação entre a História da
Escravidão e a História Intelectual, algo que a Historiografia tem de direcionar mais
atenção. Para tentarmos compreender o desenvolvimento dos discursos de
deslegitimação da escravidão no Brasil achamos importante correlacionar a
sociabilidade moderna, atuante na esfera pública, com a escravidão e o antiescravismo.
Para tal, escolhemos como objeto de estudo a ​Sociedade Gymnasio Brasileiro​, uma
associação inaugurada no Rio de Janeiro em 1848.

8
​SALLES, Ricardo; MARQUESE, Rafael. ​Escravidão e capitalismo histórico no século XIX:​ Cuba,
Brasil e Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

13
2 APONTAMENTOS TEÓRICOS, PESQUISA E METODOLOGIA
Na disciplina histórica há várias maneiras distintas para a pesquisa sobre o
homem no tempo, matéria concreta de labor do historiador9. Entre a gama de
possibilidades de áreas optamos por construir nosso trabalho a partir da História
Intelectual, cuja trajetória se relaciona com a História das Idéias. Com fama ruim em
França10, a História das Ideias enfrentou por bom tempo um não desenvolvimento
significativo em detrimento do êxito da Escola dos Analles e do Marxismo. O caso é tão
gritante que o famoso historiador Roger Chartier já chegou a afirmar, nos primeiros
anos do século XX, que a História das Ideias praticamente não existia na França11. No
entanto, outras tradições historiográficas deram destaque ao trato com as ideias, como a
germânica, a italiana e principalmente a anglo-saxônica12. Muitas denominações
acabam se confundindo: História das Ideias, História dos Intelectuais, História
Intelectual, New History, mas, como ressalta Chartier, o objeto comum dessas
disciplinas não é necessariamente homogêneo, fato arregimentado pelas diferenças
terminológicas e conceituais13.
Francisco Falcon, com aportes no livro ​The Autonomy of Intellectual History de
Leonard Kriegger, desenvolve uma diferenciação entre História das Ideias e História
Intelectual, escrevendo que a primeira remeteria “a textos nos quais os conceitos
articulados constituem os agentes históricos primários, vindo a seguir as pessoas dos
portadores desses conceitos” ao mesmo passo em que “as chamadas relações externas
são entendidas como simples condições de existência das ideias propriamente ditas”14.
Já a segunda se relacionaria a “textos abrangentes, uma vez que inclui as crenças não
articuladas, opiniões amorfas, suposições não ditas, além, é claro, das ideias
formalizadas. A história intelectual preocupa-se com a articulação desses temas às suas
condições externas”15.

9
LE GOFF, Jacques. Prefácio. Apologia da História ou O ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Edições, 2001, p. 15-39.
10
​DOSSE, François. La marcha de las Ideas: Historia de los Intelectuales, Historia Intelectual. Valencia:
Universitat de Valencia, 2007. CHARTIER, Roger. A Beira da Falésia: a História entre certezas e
inquietude. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002.
11
CHARTIER, Roger. ​Idem.​ P. 48.
12 ​
FALCON, Francisco. História das Ideias. In: CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS, Ronaldo (orgs).
Domínios da História: Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997, p.
138-142.
13 ​
CHARTIER, Roger. ​Idem.​ P. 28-44.
14
FALCON, Francisco. ​Op. Cit.​ P. 142.
15 ​
FALCON, Francisco. ​Idem.​ P. 142-143.

14
François Dosse, historiador e sociólogo francês, por sua vez, discorre em seus
escritos sobre o que adjetiva como “objeto obscuro”. Segundo o estudioso, é necessário
partirmos da conceituação de intelectual para assim entrarmos na obscuridade da
História Intelectual:
Polimorfo y polifónico, el medio intelectual evoluciona muy claramente de
acuerdo con las mutaciones sociales de cada época. La nócion de intelectual
remite a una acepción amplia, cuando depende de una definición sociocultural
que engloba a creadores y mediadores culturales.16

O conceito amplo de Dosse enquadra os intelectuais como criadores e


mediadores culturais, um sujeito com sua função social reconhecida. Outro fator
importante ao citado francês concerne ao desenvolvimento da História Intelectual, que
teria se dado em consonância com o encontro da História Clássica das Ideias, a História
da Filosofia, a História das Mentalidades e a História Cultural, trazendo à luz uma área
que teria como ambição o fazer no qual se expressam simultaneamente às obras, seus
autores e o contexto que as viu nascer17. Pode-se observar que François Dosse não toma
como apartadas as análises internalistas e externalistas, sendo necessária a utilização de
ambas no trato metodológico de um trabalho de História Intelectual.
Conceito também importante é o de sociabilidade cuja definição nos apresenta
Dosse a partir da obra de Maurice Agulhon: “una aptitud para vivir en grupo y para
consolidar los grupos por la constitución de asociaciones voluntarias, la noción de
sociabilidad ha permitido abrir un nuevo y amplio terreno para la investigación”18. Esse
termo foi vital para a construção do trabalho de Maurice Agulhon, ​El Círculo Burguês,​
no qual o historiador francês pesquisa a forma de associação burguesa europeia de
inícios do século XIX. Em sua obra, Agulhon assevera que: “La idea de que la vitalidad
de las asociaciones es un buen indicador de la sociabilidad general de una colectividad
humana no debería dar lugar a objeciones”19. Tal sociabilidade demarcaria uma
trajetória cujo nascedouro se atesta no aparecimento de associações ​voluntárias​, que se

16 ​
DOSSE, François. La marcha de las Ideas: Historia de los Intelectuales, Historia Intelectual. Valencia:
Universitat de Valencia, 2007, p. 28.
17 ​
DOSSE, François. ​Idem.​ P. 14.
18 ​
DOSSE, François. ​Idem​. P. 57.
19 ​
AGULHON, Maurice. ​El Círculo Burgués:​ Una Pequeña autobiografía intelectual. Buenos Aires: Siglo
Veintiuno Editores Argentina, 2009, p. 39.

15
diversificam e crescem quantitativamente, para, posteriormente, também sair do estado
informal, nas associações ​formais20.
Em consonância com o conceito de sociabilidade, para a melhor compreensão da
História Intelectual, é necessário usar de literatura referente à cena na qual atuam os
intelectuais: os espaços públicos. François Dosse, citando Daniel Roche, disserta: “No
hay medio intelectual sin existencia, si no de un espacio público, por lo menos del
modelo del espacio público”21. Para a definição de tal expressão, espaço público,
recorremos ao jornalista Marco Morel, que lança mão de três possibilidades de
significação “[1] a cena ou esfera pública, onde interagem diferentes atores, e que não
se confunde com o Estado; [2] e a esfera literária e cultural, que não é isolada do
restante da sociedade e resulta da expressão letrada ou oral de agentes históricos
diversificados e; [3] os espaços físicos ou locais onde se configuram estas cenas e
esferas”22.
Os apontamentos tecidos até aqui procuraram desvelar as estruturas sobre as
quais se erigem nossos esforços de pesquisa, preenchendo o supracitado François Dosse
lugar central em nossos trabalhos, com aquilo que apresenta sobre História Intelectual, o
conceito de intelectual e sociabilidade, além, é claro das definições de Marco Morel
acerca de espaços públicos.

2.1 ASSOCIATIVISMO NO BRASIL

No Brasil, o “espírito associativo”23, já vigente em partes da Europa, germina


timidamente em fins do século XVIII com a ​Academia Brasílica dos Esquecidos24 e se
diversifica ao longo da primeira metade do século XIX em meio às transformações na
política luso-brasileira e brasileira, tornando-se flagrante no desenrolar dessa época. O

20 ​
DOSSE, François. ​La marcha de las Ideas:​ Historia de los Intelectuales, Historia Intelectual. Valencia:
Universitat de Valencia, 2007, p. 39.
21 ​
ROCHE, Daniel. ​Les Républicains des lettres:​ Gens de culture et Lumières au xviiie siècle. ​Apud
DOSSE, François. ​La marcha de las Ideas:​ Historia de los Intelectuales, Historia Intelectual. Valencia:
Universitat de Valencia, 2007, p. 58.
22 ​
MOREL, Marco. ​As transformações dos Espaços Públicos​. São Paulo: HUCITEC, 2005, p. 18.
23
PEREIRA, Milena da Silveira. ​A crítica que fez História​: as associações literárias no Oitocentos. São
Paulo: Editora Unesp Digital, 2015.
24
​PEREIRA, Milena da Silveira. ​Idem​. P. 22-24.

16
jornalista e historiador Marco Morel, ao estudar as transformações dos espaços
públicos, analisa também as maneiras de sociabilidade no Rio de Janeiro para as
primeiras décadas do século XIX, demonstrando como as dinâmicas das associações se
alteram significativamente, perpassando uma variabilidade de perfis, por entre
confrarias religiosas, associações estrangeiras, reservadas lojas maçônicos, agremiações
corporativas, etc25. Em meio a essas mudanças, tem-se que, durante o Período Regencial
(1831-1840), há um aumento quantitativo das agremiações, o que “alterava de modo
inequívoco a cena pública”26 do Império, demonstrando a significância de lançarmos um
olhar mais atento à essa sociabilidade moderna.
Moreira de Azevedo, médico e escritor do século XIX, em texto publicado na
Revista do Instituto Histórico e Geográfico em 1885, escreve que:
Inaugurado o Segundo Reinado nascêrão muitas sociedades, alargou-se a
esphera do movimento sociologico e litterario, adquirio a imprensa mais
liberdade, ampliou a sua vulgarização, começou o paiz a ter litteratura propria,
houve mais vitalidade intellectual, e quer as associações, quer a imprensa
periodica estabelecerão communicações mais intimas entre o povo,
confundindo os sentimentos e pensamentos, e abrinso estrada nova à nação. [...]
Dizer as sociedades que houve em um periodo é quase descrever a vida, o
movimento social, o tributo litterario, a actividade intelectual, o adiantamento, a
reunião de esforços, a condensação de luzes e a civilização da nação nessa
época.27

Para além da paixão do autor que ornamenta a sua escrita, é possível a


verificação de uma manutenção e intensificação do movimento associativo também
entre os anos de 1840 e 1889, acusando que, para pensar o século XIX, é importante
analisar essa maneira de sociabilidade que valora os benefícios e a força da coletividade
com esforços comuns. Esse “espírito associativo” de brasileiros letrados teria como
cerne, ​grosso modo​, o desenvolvimento da cultura no Brasil28 por meio de produções
culturais e intelectuais nas áreas de literatura, história, artes, ciências entre outros,
acarretando uma dinâmica de organização civil com uma rede de membros que
possuíam um corpo administrativo, estatuto, reuniões, atividades e, por vezes,
publicações (obras literárias, revistas, jornais).

25
​MOREL, Marco. ​As transformações dos Espaços Públicos​. São Paulo: HUCITEC, 2005, p. 261-301.
26
​MOREL, Marco.​ Idem​. P. 278.
27
​AZEVEDO, M. D. M. de. ​Sociedades fundadas no Brasil desde os tempos coloniais até o começo do
atual reinado. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,​ Rio de Janeiro, t. 48, 1885, p. 321.
28
PEREIRA, Milena da Silveira. ​A crítica que fez História: as associações literárias no Oitocentos. São
Paulo: Editora Unesp Digital, 2015, p. 22-38.

17
Essa intenção de desenvolver o Império do Brasil foi absorvida de maneiras
variadas pelos sujeitos do ​Ottocento​, um dos caminhos pensados pelos letrados
associados para a modernização brasileira se pavimentou na crítica ao tráfico escravos e
a escravidão africana. Para um grupo – limitado, mas significativo - de intelectuais,
localizados cronologicamente entre o segundo e o terceiro quartel do século XIX, os
cativos e as relações escravistas passam a ser identificados com fatores de atraso e
corrupção da sociedade brasílica29. Interessa-nos pensar e indagar como essa
sociabilidade moderna dos intelectuais brasileiros se relaciona com a deslegitimação da
escravidão e a ordenação de um discurso antiescravista ainda na primeira metade do
século XIX e início dos anos 1850. Para tanto, nos ocuparemos da análise de uma
associação da Corte Imperial: a ​Sociedade Gymnasio Brasileiro​.

2.2 FONTES E METODOLOGIA ESPECÍFICA

Os objetivos específicos apresentam os propósitos mais detalhados do TCC,


relacionando outras ações (mais específicas) dentro do objetivo geral. Pode-se dizer que
os objetivos específicos descrevem as etapas da pesquisa em sequência de execução.
Por exemplo (seguindo o apresentado no objetivo geral): Avaliar a qualidade
microbiológica das polpas de frutas; realizar pesquisa microscópica de matérias
estranhas; determinar a composição centesimal; avaliar a adequação da rotulagem, etc.
Muitos autores consideram que os dois meios mais importantes do espaço público eram
o Legislativo, na forma do Parlamento, e a Imprensa30. Para além disso, François Dosse
sublinha que “Las revistas, que son uno de los soportes esenciales del campo intelectual,
pueden ser consideradas como una estructura elemental de sociabilidad” já que as
mesmas seriam “espacios muy valiosos para analizar la evolución de de las ideias en
tanto que lugares de fermentación intelectual y de relaciones afectivas”31.
Compreendemos que essas características com as quais o historiador francês qualifica as
revistas cabe aos periódicos em mais categorias, como é o caso dos jornais. Obviamente

29
​PEREIRA, Milena da Silveira. ​A crítica que fez História: as associações literárias no Oitocentos. São
Paulo: Editora Unesp Digital, 2015, p. 108.
30 ​
DOSSE, François. ​La marcha de las Ideas:​ Historia de los Intelectuales, Historia Intelectual. Valencia:
Universitat de Valencia, 2007, p. 57.
31
​DOSSE, François. ​Idem​. P. 51.

18
entendemos que existem especificidades relacionadas ao “circuitos de comunicação”32
de cada uma das tipologias periódicas, porém não é estapafúrdia a reflexão identifica
aos periódicos de maneira mais ampla uma estrutura de sociabilidade, espaços de
análise privilegiados. Em perspectiva complementar, Marialva Barbosa escreve sobre a
complexidade da Imprensa que é fruto e constrói, simultaneamente, redes de
sociabilidade e uma circulação de ideias e debates diversos:
[...] a circulação significativa dos impressos da corte e das províncias cria uma
rede interligando os circuitos letrados. E são pelos impressos que esses letrados
se manifestam publicamente, se aliam, se insultam e se conhecem. Em
decorrência, num sistema complexo de autorreferenciação, os jornais citam uns
aos outros à exaustão, reproduzindo textos divulgados anteriormente por outro
ou comentando aquilo que já fora publicado. Os jornalistas do século XIX
escrevem também para eles mesmos.33

Sabe-se que a ​GB,​ por algum tempo (imaginamos que de 1850 a 1856), teve em
sua alçada um periódico próprio, ​A Voz da Juventude,​ no qual publicava artigos, notas e
anúncios sobre as atividades, debates e produções desenvolvidas em seu seio.
Infelizmente, tal periódico parece ter se pulverizado com a corrosiva ação do tempo e
desinteresse humano, não sendo encontrado por nós até o atual instante. Pode ser que,
nos acervos relegados, em montes de folhas esquecidas, se encontre parte de exemplares
do periódico publicado pela ​GB​, mas para aferir essa possibilidade há de se deslocar
para o Rio de Janeiro, algo que está além dos nossos esforços atuais. A solução que nos
coube foi averiguar a presença de publicações relacionadas à GB em outros periódicos e
as republicações de escritos da dita associação.
Nossa pesquisa, portanto, tem como fonte periódicos diversos do Rio de Janeiro
entre as décadas de 1840 e 1860. Utilizamos o ​Acervo Digital da Biblioteca Nacional,​
nomeadamente o portal ​Hemeroteca Digital Brasileira34, no qual se encontra, disponível
à consulta, diversos materiais digitalizadas, selecionados através da tecnologia de
Reconhecimento Ótico de Caractere35. Nessa plataforma nos foi possível realizar buscas

32
DARTON, Robert. O beijo de Lamourette: Midia, Cultura e revolução. São Paulo: CIA das Letras,
2010.
33
BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa: Brasil, 1800-1900. Rio de Janeiro: MAUAD X,
2010, p. 62.
34
​Ver: Hemeroteca Digital, disponível em​ ​https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/​.
35 ​
Ver: Site da Biblioteca Nacional, disponível no endereço eletrônico:
https://www.bn.gov.br/explore/acervos/hemeroteca-digital​.

19
por palavras chaves36 nas ferramentas de procura para os muitos números disponíveis
dos periódicos, levando-nos à títulos específicos de jornais e almanaques, processo no
qual se levantaram várias ocorrências referentes às nossas intenções de pesquisas,
distribuídas por 178 editoriais de seis periódicos distintos.
Para a laboração com o acervo reunido, optou-se pelo desenvolvimento de um
quadro sinótico elencando os periódicos em que se encontravam alguma nota ou artigo
sobre a ​GB,​ visando elencar de maneira mais ordenada as informações cotejadas das
fontes, listando as convocações de reuniões, as atas das mesmas e publicações de
discussões realizados na sociedade pelos seus membros. Ao fim, obtivemos uma espécie
de “base de dados” a partir da qual começamos a pensar e construir uma reconstituição
da história da ​Sociedade Gymnasio Brasileiro.​ Para o trato metodológico de nossa
investigação, nos aportamos nas orientações de François Dosse acerca da História
Intelectual37 e também, como literatura auxiliar, na obra de Marialva Barbosa, que se
dedica especialmente aos periódicos num grande recorte de 1800-1900 para construir
uma história cultural da imprensa38.
Dentre os periódicos com os quais se construiu essa pesquisa se encontram o
Diário do Rio de Janeiro​, ​Correio Mercantil​, ​Jornal do Commercio do Rio de Janeiro​,
O Philantropo,​ ​O Auxiliador da Industria Nacional e, por fim, ​Almanak Administrativo,
Mercantil e industrial do Rio de Janeiro​.
***
Em caracterização genérica das publicações periódicas de meados do século
XIX, Schwarcz afirma que as mesmas são “preenchidas em geral por artigos,
localizados em estreitas colunas que se iniciam logo abaixo do título do jornal, e
anúncios”, sendo que à primeira página é reservada ao “tradicional artigo de fundo”, ao
“relato das atas, leis e discursos dos letrados do Império”39. Para o caso das nossas
fontes, essa caracterização parece nortear a composição de três títulos, ​Diario do Rio de

36
​Nossas procuras se iniciaram com a procura das palavras “Gymnasio Brasileiro” e, posteriormente,
buscamos aquilo que correspondia com o material que encontrávamos, como o termo escravidão, nomes
de sócios da GB, entre outros.
37
​DOSSE, François. DOSSE, François. ​La marcha de las Ideas​: Historia de los Intelectuales, Historia
Intelectual. Valencia: Universitat de Valencia, 2007.
38
​BARBOSA, Marialva. ​História Cultural da Imprensa: Brasil, 1800-1900. Rio de Janeiro: Mauad X,
2010.
39
​SCHWARCZ, Lilian. ​Retrato em branco e preto:​ jornais, escravos e cidadão em São Paulo. Apud
BARBOSA, Marialva. ​Idem​. P. 50​.

20
Janeiro​, ​Correio Mercantil e ​Jornal do Commercio,​ mas cada um com peculiaridades e
nuances que marcam suportes com editorações próprias.
Um dos títulos investigados é o ​Diario do Rio de Janeiro, que fora fundado pelo
português Zefferino Vito de Meirelles, em 1821, quem também ocupou o cargo de
primeiro redator. Em ocasião de sua morte, no ano seguinte, Antônio Maria Jourdan
acabou tomando a frente do periódico. Em seu início, o ​Diario possuia uma diretriz
marcadamente informativa, promovendo a circulação de “anúncios ou notícias
particulares (que convenham e sejam licito imprimir), inclusive os dos Divertimentos e
Espetáculos Públicos”40, o que foi se alterando aos poucos. Na década de 1830
acontecem as primeiras inserções de textos com cunho literário, depois, uma fase de
crise faz com que o jornal seja vendido em 1855, momento em que José Martiniano de
Alencar se torna o então proprietário. No ano subsequente, José de Alencar se torna o
editor chefe do jornal, fazendo com que o espaço literário do jornal se ampliasse,
principalmente por meio dos folhetins41.
Assim como o ​Diario​, o ​Correio Mercantil apresentava quatro páginas, porém
distribuídas em cinco colunas, enquanto o primeiro se dividia em quatro. O proprietário
do ​Correio era Francisco José dos Santos Rodrigues, sua edição inaugural veio à luz
em 1848. O periódico se ocupava, majoritariamente, de publicações de gênero
informativo. No ano de 1855, observa-se, no cabeçalho do jornal, uma mudança quanto
ao nome do proprietário, que nesta ocasião seria um tal J. F. Alves Moniz Barreto42.
Já o Jornal do Commercio é criado em 1827, publicando, inicialmente, um
resumo das notícias mercantis e marítimas: o movimento de entrada e saída dos portos;
os preços correntes e outras informações de interesse dos comerciantes da Corte. Uma
mudança se dá em 1828, quando o periódico passa a se autodenominar “comercial e

40
​Zeferino Vito de Meirelles. “Plano para estabelecimento de um útil e curioso Diário nesta cidade”.
Diário do Rio de Janeiro, nº 1, 1º de Junho de 1821. Apud MARENDINO, Laiz Perrut. ​As transformações
do Diário do Rio de Janeiro no contexto político e social do Império​. Anais do XIX Encontro Regional
de História. Profissão Historiador: Formação e Mercado de Trabalho. Juiz de Fora, 2014, p. *. Disponível
em:
http://www.encontro2014.mg.anpuh.org/resources/anais/34/1401482695_ARQUIVO_LAIZPERRUT.pd​f
.
41
​MARENDINO, Laiz Perrut. Idem. P. 1-7.
42
​RIBEIRO, José Alcides. ​Correio Mercantil do Rio de Janeiro: Modos Jornalísticos e Literários de
Composição. Anais Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, UERJ. Rio de Janeiro, 2005, p. 1-5.
Disponível em
http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/52299316788677491622775106705398388218.pdf​.

21
político”, abarcando no noticiário temáticas mais políticas. Em 1830, tem o título
alterado para ​Diario Mercantil ou ​Novo Jornal do Commercio,​ mantendo essa
denominação até 1832, quando retoma o nome original. Seu fundador, Pierre Plancher,
retorna a França, lugar onde nascera, e transfere a propriedade a Junius Villeneuve,
legando, sucessivamente, à um filho seu. François Picot era o redator chefe do
periódico, dirigia-o através de cartas que enviava diretamente de Paris, prática que
perdurou até a década de 1890.43
Muito importante nos é, também, o ​O Philantropo​, fundado no Rio de Janeiro,
como órgão de divulgação das ideias da ​Sociedade Contra o Tráfico de Africanos e
Promotora da Colonização, e Civilização dos Indígenas (1850). Essa associação teria
como um dos sócios fundadores o personagem Caetano Alberto Soares, padre a
advogado luso-brasileiro, que, se dizendo incomodado perante a falta de espaço
institucional para debater questões relacionadas à escravidão, enxerga no movimento
associativo uma maneira de suprir essa demanda44. Segundo ele:
O espírito de associação, que nos tempos modernos tão grandemente se tem
desenvolvido, veio demonstrar que a reunião quer de forças, quer de capitais,
quer de inteligências, é o meio mais eficaz de se vencerem todas as dificuldades
respectivas. Se pois, sociedades filantrópicas se erigissem para a emancipação
gradual dos escravos, os seus esforços sistemáticos e perseverantes para obter
esse fim, seriam por certo de grande consequência.45

Parte dos sócios dessa sociedade integrava o grupo liberal que, a época, sofrera
46
despojamento do poder, substituídos pelos saquaremas em 1848 . A primeira edição do
jornal data de 10 de abril de 1849, e era publicada em formato de semanário, toda sexta
feira47, organizado em três partes, humanitária, científica e literária, distribuídas, bem
como os periódicos mencionados anteriormente, por quatro folhas estruturadas em
colunas triplas. No início das edições do ano inaugural de circulação do jornal é
possível ler que: “O fim do Philantropo é combater a escravidão domestica entre nós,

43
​BARBOSA, Marialva. ​História Cultural da Imprensa:​ Brasil, 1800-1900. Rio de Janeiro: MAUAD X,
2010, p. 55.
44
ALONSO, Angela. ​Associativismo avant la lettre:​ as sociedades pela abolição da escravidão no Brasil
Oitocentista. Dossiê Sociologias, Porto Alegre, ano 13, n. 28, set-dez. 2011, p. 170-171.
45
​SOARES, Caetano Alberto. ​Memória para melhorar a sorte dos nossos escravos.​ Rio de Janeiro: Typ.
Imparcial de Francisco de Paula Brito, 1847 ​apud ALONSO. ​Associativismo avant la lettre:​ as sociedades
pela abolição da escravidão no Brasil Oitocentista. Dossiê Sociologias, Porto Alegre, ano 13, n. 28,
set-dez. 2011, p. 170.
46 ​
KODAMA, Kaori. ​Os debates pelo fim do tráfico no periódico O Philantropo (1849-1852) e a
formação do povo​: doenças, raça e escravidão. ​Revista Brasileira de História.​ 2008, vol. 28, n. 56, p. 409.
47 ​
O Philantropo,​ Rio de Janeiro, n. 1, 10 de julho de 1849.

22
demonstrar seus negros males, e apresentar os mais seguros meios de extingui-la, e
48
prevenir seus funestos resultados” .
Contamos, ainda, com as publicações impressas sob o extenso título ​O
Auxiliador da Industria Nacional, ou Coleção de Memorias e Notícias Interessantes aos
Fazendeiros, Fabricantes, Artistas, e Classes Industriosas no Brasil, tanto Originais,
como traduzidas das Melhores Obras que Neste Gênero se Publicam nos
Estados-Unidos, França, Inglaterra, &c,​ publicado de 1833 a 1892, apresentado como
meio de vulgarização científica criado pela Sociedade Auxiliadora da Industria
Nacional, associação com influente relação com o governo Imperial. O objetivo do
periódico, publicado, via de regra, mensalmente, era “levar para o público leigo, mas
letrado e industrioso, o conhecimento sobre as mais recentes descobertas científicas
relativas à inovação tecnológica” as vistas de “modernizar a indústria nacional,
conceituada sob o trinômio de indústria fabril, agrícola e manufatureira”49. Em seu
nascedouro, O ​Auxiliador t​ eve como redator Januário da Cunha Barbosa, que também
ocupava o cargo de Secretário adjunto na Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional50
e, se distinguia dos outros periódicos pela especificidade dos temas abordados em suas
folhas, sobre isso:
Os temas dos artigos publicados nas páginas d’O Auxiliador, mesmo fora da
seção de Variedades, eram extraordinariamente diversos. Em uma amostra de
suas quatro primeiras décadas se encontram seções de correspondência,
agricultura, medicina doméstica, economia doméstica, Indústria e artes,
publicações literárias, medicina prática, horticultura, economia agrícola,
medicina doméstica, economia usual, economia rural, economia, medicina
veterinária, bichos da seda, chá, economia industrial, arboricultura, arte
veterinária, higiene pública, memória, entomologia, indústria fabril, indústria
sérica, indústria agrícola e indústria.51

Por fim, lançaremos mão também do ​Almanak Administrativo Mercantil e


Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro ou, como comumente conhecido,
Almanak Laemmert​. Editado entre os anos de 1844 e 1889 por Eduardo Laemmert, com
ajuda do irmão, Heinrich Laemmert, essa publicação ganhou fama “por ser muito mais

O Philantropo,​ Rio de Janeiro, n. 1, 10 de julho de 1849.


48 ​

49 ​
SILVA, Cesar; PENTEADO, David. ​O perfil dos redatores do periódico O Auxiliador da Industria
Nacional​ (1833-96). Revista Diálogos Mediterrânicos. N. 12. 2017. P. 137-138.
50
SILVA, Cesar; PENTEADO, David. Idem. P. 143-145.
51
​SILVA, Cesar; PENTEADO, David. Idem. P. 140.

23
completa” do que suas congêneres que circulavam na corte52. O Almanak tentava se
ampliar a tal modo que no ano a partir de 1875 cada uma de suas edições anuais
contavam com 1700 páginas53.

Figura 1: ​Diario do Rio de Janeiro,​ n. 7864, p.1, 9 de agosto de 1848.

52
HALLEWELL, Laurence. ​O livro no Brasil:​ sua história. São Paulo: T.A. Queiroz/Edusp, 1985, p.
231-233.
53
​HALLEWELL, Laurence.​ Idem​. P. 234.

24
Figura 2: ​Correio Mercantil​, n. 126 , p.1, 9 de maio de 1849.

Figura 3: ​Jornal do Commercio​, n. 5, p.1, 5 de janeiro de 1850.

25
Figura 4: ​O Philantropo​, n. 8, p.1, 25 de maio de 1849.

Figura 5:​ O Auxiliador da Industria Nacional,​ n. 1, p.1, junho de 1850.

26
Figura 6: ​Almanak Laemmert​, ano VI, p.1, 1849.

Abaixo apresenta-se um gráfico com os números relacionados à quantidade de


ocorrências de publicações relacionadas à GB em cada um dos periódicos. Pode-se
analisar que quantitativamente a associação parece impressa mais significativamente no
Correio Mercantil e no Diário do Rio de Janeiro, no entanto, qualitativamente, os artigos
com maiores informações referentes aos debates fomentados e desencadeados pelas
ações dos membros da associação oitocentista é ​O Philantropo​.

27
Gráfico I:

28
3 REDESENHANDO OS CONTORNOS DA ​GB

Em 1847 o ​Sentinella da Monarchia: periodioco pollitico e literario54 anunciava


a instalação da ​Academia Philomatica no Rio de Janeiro, datando de 2 de dezembro o
início dessa dita associação. Suas reuniões se davam na “casa da Imperial Sociedade
Amante da Instrucção”55 e seus membros56 pareciam debater sobre assuntos diversos,
desde a “educação primaria no Brasil”57 até “prelecção sobre o aparelho da respiração”58
, além das leituras de trabalhos dos sócios, como o exemplo de ​Camões,​ drama de
Francisco Manuel Rapozo de Almeida59.

Por razões que fogem à abrangência das fontes disponíveis, em 1848, a


Philomatica sofreu um processo de dissociação e alguns personagens próximos a essa
agremiação se reordenaram na nascente ​Sociedade Gymnasio Brasileiro.​
Desenvolvemos a hipótese de que os sujeitos que estariam a encabeçar essa migração
entre uma associação e outra seriam Francisco de Paula Menezes (1811-1857)60 e
Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro Junior (1825-1876)61, ocupando, o primeiro, o
cargo de 2​ª secretário e, o último, o cargo de 2​ª secretário interino na ​Academia
Philomatica,​ de acordo com as notas publicadas nos periódicos a época. A ​GB foi
definida em seu nascer como uma “Sociedade fundada na capital do Imperio do Brasil
com o fim de favorecer, por todos os meios ao seu alcance, o desenvolvimento
intelectual do paiz. Creada a 2 de Agosto, e inaugurada a 12 de Outubro de 1848”62.

Sentinella da Monarchia: periodico pollitico e literario,​ Rio de Janeiro, dezembro de 1847, ed. 1000, p.
54 ​

1, dezembro de 1847.
55 ​
O Correio da Tarde: Jornal Pollitico, Litterario e Comercial, ​Rio de Janeiro, edição 190, p. 1, 25 de
setembro de 1848.
56 ​
A saber: Francisco de Paula Candido; Francisco Joaquim Cattete; Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro
Junior; Francisco de Paula Menezes; Abilio Cesar Borges; F. M. Rapozo d’Almeida; José Feliciano de
Castilho; Adriano Esnerto de Castilho Barreto; José Henrique Medeiros; Emilio Joaquim da Silva Maia.
Nomes coletados dos periódicos ​Correio da Tarde,​ ​Correio do Rio de Janeiro,​ ​Correio Mercantil,​ ​Diário
do Rio de Janeiro,​ ​Jornal do Commercio​, ​O auxiliador da ​Industria Nacional e ​Sentinela da Monarchia,​
nos anos de 1847 e 1848.
57 ​
O Correio da Tarde: Jornal Pollitico, Litterario e Comercial, Rio de Janeiro, edição 190, p. 1, 25 de
setembro de 1848.
58 ​
Jornal do Commercio,​ Rio de Janeiro, edição 278, p. 3, 1848.
59 ​
Jornal do Commercio,​ Rio de Janeiro, edição 300, p. 2, 1847.
60 ​
Correio Mercantil, e Instructivo, Pollitico Universal​, Rio de Janeiro, edição 142, p. 1, 24 de maio de
1848.
61 ​
Correio do Rio de Janeiro,​ Rio de Janeiro, edição 7858, p.2, 2 de agosto 1848.
62 ​
Almank Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro​, Rio de Janeiro, edição 6, 1849.

29
Ao que nos consta, a ​GB teve uma vida relativamente curta, de 1848 até o ano de
1861, com uma variabilidade significativa no que tange a constância de suas atividades.
Como já dito anteriormente, nosso trabalho é pautado na investigação em periódicos
para tentar reconstituir um pouco da trajetória da já citada sociedade. Em vista disso,
construímos o gráfico que segue:
Gráfico II:

Nossa análise parte da suposição que há uma relação de proporcionalidade entre


a quantidade de ocorrências e uma maior ou menor atividade da ​GB,​ o que leva a crer
que o intervalo de 1849 a 1852 representa o período de maior vivacidade e produção
dos membros da ​Gymnasio​. Os anos seguintes são marcados por um gradativo declínio,
interrompido por um esforço de reavivamento no ano de 1857, que logo se vê
atravancado pela morte de dois sócios, os senhores Francisco de Paula Menezes e
Joaquim José da Silva, em novembro do mencionado ano63. A partir de 1858 há um
momento de sobrevida da sociedade, cujas indicações de esvaziamento de atividades
direcionam à interpretação de um fim próximo.

3.1 SOBRE OS DEBATES DOS ENCONTROS DA ​GB

O norte da agremiação, assim como observado no caso da ​Philomatica​, sua


antecessora, era a leitura de obras literárias e o debate de assuntos julgados importantes

Diário do Rio de Janeiro,​ Rio de Janeiro, edição 313, 17 de novembro de 1857. ​Jornal do Commercio,​
63 ​

Rio de Janeiro, edição 316, 17 de novembro de 1857. ​Correio Mercantil​, Rio de Janeiro, num. 315, 18 de
novembro de 1857.

30
correlatos à questão do desenvolvimento nacional, seja ele cultural, político ou
econômico. Para tal exercício, os membros da ​GB reuniam-se no “grande salão terreo,
contiguo à parte do edificio ainda não acabada” do Museu Nacional64 em sessões
aparentemente semanais, com pautas variadas para debates e estudos.
Para captar os assuntos que avivavam as atividades da ​GB​, coletamos em notas
publicadas nas fontes temáticas de ordens que surgiam nas convocações de reuniões.

Tabela I - ​Ordens e temáticas de debates em reuniões da GB de acordo com os periódicos

Ano Temas

1848 -​ ​Leitura da obra “Aboamacora” de Antonio de Castro Lopes;


-​ ​Leitura da obra “Manuel Bekman” de Salles;
-​ ​ eitura de um trabalho sobre Socialismo de autoria de Muzzi;
L

1849 -​ ​Continuação da leitura de “Aboamacora”;


-​ ​Leiturade trabalhos literarios;
-​ ​ ebate sobre “qual a influencia da litteratura sobre o fim do trafico de escravos”;
D

1850 -​ ​Discussões sobre as escolas de agricultura;


-​ ​Debate sobre a “theoria das paixões” regido por Caldre Fião;
- ​Debate indagando se a “introdução de braços africanos tem sido ou não prejudicial à
civilisação do Brasil”;
-​ ​Debate acerca de “Qual o melhor sistema de instrução primária”;

1851 -​ ​Debate “Qual a influência da religião sobre a formação e o desenvolvimento da sociedade”;


-​ ​Discussões sobre a pena de morte ancorada em um trabalho de Sacramento;

1852 -​ ​Leitura de trabalhos literários;


-​ ​Debate sobre “quais as regras sem as quais não se pode haver uma boa hermenêutica”;
- ​Debate acerca de “Qual a influência para a civilização do Brasil da vindo do Sr. D. João VI,
e qual a da independência, e fazer paralelo”;

1853 -​ ​Fontes insuficientes;


1854 -​ ​F.I.;

1855 - ​Leitura dos “trabalhos poéticos oferecidos ao Gymnasio Brasileiro pelo Sr. Franc de
Paulicéa”;
1856 -​ ​F.I.;

64 ​
Almank Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro​, Rio de Janeiro, ano VI.

31
1857 - ​Debate “Até que ponto a liberdade de commercio influe sobre a civilização e progresso das
nações”;
-​ ​Leitura de um “trabalho do Sr. Dr. Corrêa de Azevedo”;
-​ ​Debate sobre “Qual é a influência que pode exercer o clero na civilização”;
-​ ​Leitura de “um trabalho pelo Sr. Antonio Gonçalves Teixeira de Sousa”;

1858 -​ ​Continuação da Leitura do trabalho de Antonio Gonçalves Teixeira de Sousa;


1859 -​ ​F.I.;

1860 -​ ​F.I.;

1861 -​ ​F.I.;

3.2 O QUADRO BUROCRÁTICO DA ASSOCIAÇÃO

Outro aspecto fundamental para tentar se compreender os moldes da ​Sociedade


Gymnasio Brasileiro são as dinâmicas administrativas e burocráticas da associação.
Num esforço significativo, intentamos reconstituir o quadro administrativo da ​GB,
utilizando das informações disponíveis nas fontes com as quais nos ocupamos, que nem
sempre dão conta de abarcar toda a complexidade da realidade, deixando ao pesquisador
a função de tratar também de silêncios. Logo, nossos esforços não conseguem
contemplar todo o período recortado, mas demonstra os contornos referentes ao aspecto
burocrático e hierárquico da sociedade em questão.

​Tabela II - ​Quadro Administrativo da ​GB,​ 1848-1857


1848 1849 1850 1851 1852

Presidente Sem dados X Frederico Leopoldo Frederico Leopoldo Sem dados

honorário Cesar Burlamaque Cesar Burlamaque

Presidente Sem dados Manoel d’Araujo Porto Manoel d’Araujo Porto Joaquim Caetano Sem dados
Alegre Alegre Fernandes Pinheiro
Junior

Vice Sem dados Manoel Ferreira Lagos Antonio Ferreira Pinto Joaquim Ferreira da Sem dados
Cruz Belmont
presidente

1 secretário Sem dados Francisco de Paula Manoel Maria de Moraes Manoel Hilario Pires Sem dados
Menezes e Valle Ferrão

32
2 secretário Joaquim Caetano Joaquim Caetano Luiz Corrêa d’Azevedo 1) José Julio Dreys Freitas
Fernandes Pinheiro Fernandes Pinheiro Junior 2) Domingos Jacy
Junior Junior Monteiro
3) Caminada

Secretário Sem dados Antonio de Castro LopesBoaventura Delfim Pinto José Felix Cordeiro de José Speridião de Santa

adjunto Souza Rita

Secretário Sem dados Francisco da Costa Thomaz Alves Junior Joaquim Ferreira da Francisco Joaquim

adjunto Araujo e Silva Cruz Belmont Bittencourt da Silva

Tesoureiro Sem dados Manuel Hilario Pires Adriano Eugenio da 1) Boaventura Delphim Sem dados
Ferrão Cunha e Mello Pinto
2) José Julio Dreys

1853 1854 1855 1856 1857

Presidente Sem dados X X X X

honorário

Presidente Sem dados Manoel Maria de Manoel Maria de Moraes Manoel Maria de 1) Luiz Antonio Ferreira
Moraes e Valle e Valle Moraes e Valle de Menezes
2) Antonio Felix Martins

Vice Sem dados José Julio Dreys José Julio Dreys José Julio Dreys 1) Manuel Antonio Lopes
2) Francisco de Menezes
presidente Dias da Silva

1 secretário Freitas Domingos Jacy Francisco Menezes Dias Francisco Menezes Dias 1) J. F. Seixas
Monteiro da Cruz da Cruz 2) C. G. Queiroz e Silva
3) Marcos Corrêa
Cadilhos
4) Domingos Jacy
Monteiro

2 secretário Domingos Jacy Francisco Joaquim Francisco Joaquim Francisco Joaquim 1) Antonio Francisco
Monteiro Bittencourt da Silva Bittencourt da Silva Bittencourt da Silva Martins
2) Francisco Joaquim
Bittencourt da Silva

Secretário Sem dados Antonio José Fernandes Sem dados Francisco Portella Luiz Paulo dos Santos de

adjunto dos Reis Macedo Ayque

Secretário Sem dados Francisco José Sem dados Luiz Paulo dos Santos Justino de Figueiredo

adjunto Rodrigues de Macedo Ayque Novaes

Tesoureiro Sem dados Manoel Maria de Sem dados Antonio Ferreira Pinto 1) Regadas
Moraes e Valle 2) José Julio Dreys

33
3.3 OS SÓCIOS DA ​GB

A forma de organização da sociedade era flexível quando do nascedouro da ​GB​,


tendo em seu “seio grande numero de Socios, tanto effectivos como honorarios”65, de
maneira tal que não conseguimos quantificar o total de membros em seus primeiros
anos de funcionamento. Em 1854, de acordo com reformas estatutárias cobradas pelo
governo imperial66, o contingente teria sido limitado ao número de 40 sócios efetivos,
“distribuidos em 4 secções: a de sciencias physicas, a de sciencias sociais, a de
litteratura e a de historia: além das classes de membros honorarios e correspondentes”67.
Em nossas leituras dos jornais oitocentistas foi possível listar o nome de 54 sócios da
GB,​ alguns cujas informações aparecem ora mais completas e ora com menções
demasiadamente simples, trazendo apenas nomes incompletos, ausentes de referências
para um olhar do século XXI. Tencionando traçar um pequeno quadro ilustrativo do
perfil dos homens da ​Sociedade ​Gymnasio Brasileiro,​ elencamos alguns poucos nomes,
aqueles com os quais pudemos cotejar informações mais seguras, localizando-os a partir
dos escritos de Sacramento Blake68:

​Tabela III - ​Quadro sobre o perfil dos sócios da ​GB

NOME NASC. MORT. ORIGEM FORMAÇÃO VIDA PROFISSIONAL

1 Antonio Ferreira 1826 ou 1864 Rio de Janeiro, Doutor em Professor (lente) de Hygiene na
Pinto 1827 Rio de Janeiro, Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de
Brasil Faculdade do Janeiro e Philosofia em escolas
Rio de Janeiro secundárias.

2 Antonio de Castro 1827 S.I. Rio de Janeiro, Doutor em Professor de gramática latina no
Lopes Rio de Janeiro, Medicina pela Colégio Pedro II; Oficial da
Brasil Faculdade do secretaria do Estado dos Negocios
Rio de Janeiro da Fazenda e também dos
Negócios Estrangeiros; Deputado
da Assembleia Provincial do Rio
de Janeiro; fundador do Banco
Radial do Rio de Janeiro, médico
homeopata.

65 ​
Almank Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro​, Rio de Janeiro, edição 7, 1850.
66 ​
​Almank Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro​, Rio de Janeiro, edição 11, 1854.
67 ​
Almank Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro​, Rio de Janeiro, edição 11, 1854.
68 ​
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. ​Diccionario Bibliographico Brazileiro.​ Rio de Janeiro:
Typographia nacional, 1883.

34
3 Antonio Felix 1812 S.I. Rio de Janeiro, Doutor em Professor (lente) de Patologia
Martins Rio de Janeiro, Medicina pela Geral na Faculdade de Medicina
Brasil Faculdade do do Rio de Janeiro; Vereador e
Rio de Janeiro presidente da Câmara do
Município Neutro; Cirurgião da
Guarda Nacional; Inspetor do
Hospital Marítimo de Santa Izabel
de Jurujuba; Membro da Junta
Central de Hygiene Publica.
4 Antonio 1812 1861 Cabo Frio, Rio Aprendeu ofício Professor de escola pública
Gonçalves de Janeiro, de carpinteiro primária; Escrivão da Primeira
Teixeira e Souza Brasil quando novo, Vara de Comércio.
depois se mudou
para o Rio de
Janeiro onde fez
estudos de
Humanidades
5 Antonio José 1830 S.I. Brasil S.I. Professor do curso preparatório
Fernandes dos anexo a Academia Militar;
Reis Tradutor integrante da redação do
Correio da Tarde e depois do
Jornal do Commercio.​

6 Domingos Jacy 1831 1896 Rio de Janeiro, Doutor em Professor coadjuvante de latim e
Monteiro Rio de Janeiro, Direito francês na escola central; Professor
Brasil (formação de história moderna do Colégio
europeia) Pedro II; Professor de português na
escola normal; Professor de
geographia e história do Brasil no
asilo da infância desvalida;
Examinador de concursos de
instrucção secundaria; Delegado da
instrução primária e secundária do
município da corte; Membro do
conselho superior da instrucção
publica; Sub-diretor da Secretaria
do Interior para o Império do
Brasil; Presidiu a província do
Amazonas de 1876-77.
7 Francisco de 1811 1857 Niterói, Rio de Doutor em Professor de Retórica.
Paula Menezes Janeiro, Brasil medicina pela
antiga escola do
Rio de Janeiro

8 Francisco 1831 1911 Nasceu a bordo Cursou as aulas Professor na Academia de Bellas
Joaquim de uma navio de arquitetura na Artes; Professor de desenho da
Bittencourt da vindo de Academia de Escola Polytechinica; Arquiteto da
Silva Portugal ao Rio Bellas Artes Casa Imperial.
de Janeiro

35
9 Francisco Portella 1833 1913 Oeiras. Piauí, Doutor em Professor de humanidades;
Brasil medicina pela Tipografo; Medico clinico na
Faculdade do Rio cidade de Campos dos
de Janeiro Goytacazes; redator do jornal
Monitor Campista​; Vereador e
Deputado em Campos dos
Goytacazes; fundou o jornal ​A
Republica em 1872; Presidente do
estado do Rio de Janeiro nomeado
por Marechal Deodoro.
10 Frederico 1803 1886 Oieras, Piauí, Doutor em Diretor do Museu Nacional;
Leopoldo Cesar Brasil sciencias Militar; Professor (lente)..
Burlamaque mathematicas e
naturaes pela
antiga escola
militar

11 Joaquim Caetano 1825 1876 Rio de Janeiro, Doutor em Secretário particular do Bispo
Fernandes Rio de Janeiro, teologia Conde do Irajá; Professor de
Pinheiro Junior Brasil (formação em Retórica, Poetica e História
Roma) Universal do Seminario Episcopal;
Cônego da Capela Imperial.

12 Joaquim Ferreira 1820 1885 Porto, Portugal _____ Professor de Latim no Seminário
da Cruz Belmonte Episcopal, bem como do Colégio
Curiácio; Cônego da Capela
Imperial.

13 Joaquim José da 1826 1889 Brasil Doutor em Dedicou-se à homeopatia; exerceu


Silva Pinto Medicina pela cargos de confiança popular, como
faculdade do Juiz de Paz e Vereador da Câmara
Rio de Janeiro Municipal do Rio de Janeiro.

14 José Antonio do 1821 1875 Rio Grande do Doutor em Deputado em sua província em
Valle Caldre e Sul, Brasil Medicina pela várias legislaturas.
Fião Faculdade do
Rio de Janeiro

15 José Francisco 1796 1856 Marselha, Bacharel em Medico da Imperial Câmara,


Sigaud França Letras, Doutor fundador de um dos primeiros
em Medicina periódicos médicos do Brasil, ​O
pela Faculdade Propagador das Sciencias
de Estrasburgo Medicas ou Anaes de Medicina,
Cirurgia e Pharmacia; para o
Império do Brasil e Nações
Estrangeiras.

36
16 José Speridião de S.I. 1869 Rio de Janeiro, S.I. Vigário do município de São João
Santa Rita Rio de Janeiro, do Rio Claro.
Brasil

17 Justino de 1829 1877 Rio de Janeiro, S.I. Contador do Tesouro Nacional;


Figueiredo Rio de Janeiro, Dedicado a literatura amena.
Novaes Brasil

18 Lourenço 1829 1885 Rio de Janeiro, Fez estudos Professor particular; Primeiro
Maximiano Rio de Janeiro, primários com o escriturário do Tesouro Nacional.
Pecegueiro Brasil pai, com quem
aprendeu
Geografia e
francês. Cursou
várias aulas de
humanidades.
19 Luiz Corrêa de 1879 Portugal Doutor em Médico do Hospital Marítimo de
Azevedo Junior Medicina pela Jurujuba.
Faculdade do
Rio de Janeiro

20 Manoel d’Araujo 1806 1879 Rio Pardo, Rio Frequentou a Professor de Arquitetura da Escola
Porto Alegre Grande do Sul, Academia de Militar; Professor de Pintura
Brasil Bellas-Artes e a Histórica da Academia de
Academia bellas-artes e seu diretor e
Militar reformador; Cônsul Geral do Brasil
na Prússia e, depois, em Portugal;
Membro do Conselho do
Imperador.
21 Manoel Ferreira 1816 S.I. Rio de Janeiro, Cursou a Primeiro Oficial da Secretaria de
Lagos Brasil Faculdade de Estado de Negócios Estrangeiros;
Medicina do Rio Diretor da seção zoológica do
de Janeiro, mas Museu nacional.
não apresentou a
tese de
doutoramento.

22 Manoel Maria de 1824 1886 Rio de Janeiro, Doutor em Professor (lente) de Química
Moraes e Valle Rio de Janeiro, Medicina pela Mineral e Mineralogia na
Brasil Faculdade do Faculdade de Medicina do Rio de
Rio de Janeiro Janeiro; Membro do Conselho do
Imperador.

23 Manuel Hilario 1829 1885 Rio de Janeiro, Cursou Encarregado de organizar o


Pires Ferrão Rio de Janeiro, Farmácia no Rio serviço de farmácia da Santa Casa
Brasil de Janeiro de Misericórdia; Dono de
Farmácia; Gerente da Companhia
de Estrada de Ferro de Mauá à
Petrópolis; Serventuário dos
ofícios de escrivão de Órfãos e de
Tabelião de Notas.

37
24 Pedro de Por 1885 Rio de Janeiro, Bacharel em Professor de Matemática da Escola
Alcântara Lisboa volta da Brasil Letras pelo Normal da Província do Rio de
década Colégio D. Janeiro.
de 1820 Pedro II,
Engenheiro
Químico pela
Escola Central
de Paris.

Fica evidente, através do exame da amostragem com 24 indivíduos, que parcela


significativa dos membros listados nasceram na própria província do Rio de Janeiro (*),
principalmente nos anos de 1820 (11) e 1830 (4). 11 desses sujeitos apresentaram um
percurso de formação relacionado a medicina, sendo que 10 dessas pessoas passaram
pela Faculdade do Rio de Janeiro. Outro vetor comum diz respeito às atividades
profissionais desses senhores, 11 deles possuíam cargos relacionados ao governo
Imperial, seja no Parlamento, pastas do Estado ou em funções menores. Outra atividade
muito observada é aquela que diz respeito ao magistério, 16 dos nossos intelectuais
atuavam dando aulas, seja na Faculdades de Medicina do Rio, no Colégio Dom Pedro II
ou aulas particulares.
Como já levantado pela utilização do termo intelectual para designar os
personagens aqui estudados, o exame do grupo da GB demonstra que a composição
dessa associação se fazia com “homens de letras”, com alguma projeção na sociedade
imperial. Excetuando-se os casos de Antonio Gonçalves Teixeira e Souza e Francisco
Portella, que segundo marca Sacramento Blake, eram “desprotegidos de fortuna”69, os
demais integravam um grupo de situação socio-econômica confortável. Necessário
pontuar que nomes como Fernandes Pinheiro Junior e Araujo Porto Alegre70
compunham o movimento Romântico Brasileiro, sujeitos esses fundamentais ao
desenvolvimento da ​GB​, ocupando nos primeiros anos da associação os postos de
vice-presidente e presidente, respectivamente.

69 ​
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. ​Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de
Janeiro: Typographia nacional, 1883. Tomo I, p. 184-186. BLAKE, Augusto Victorino Alves
Sacramento. Idem. Tomo III, p. 94-95.
70 ​
MELO, C. A. de. ​Cônego Fernandes Pinheiro ​(1825-1876)​: um crítico literário pioneiro do
Romantismo no Brasil. Dissertação (Mestrado em Teoria e História Literária). Campinas:
IEL/UNICAMP/SP, 2006. SCHWARCZ, Lilian. ​Romantismo tropical.​ Latin American Literary Review,
Vol. 25, No. 50, Special Issue: Nineteenth-Century Latin American Literature (Jul. - Dec., 1997), p.
47-68.

38
Para além da tabela anterior, nos pareceu interessante estabelecer os vínculos
associativos dos personagens acima tratados, o que nos levou a montagem de um
segundo quadro, pautado também nos tomos do ​Diccionario Bibliographico Brazileiro
de Sacramento Blake, com a relação das ordens, sociedades e institutos integrados pelos
sócios da ​GB​. Estas ordens, sociedades e institutos, tal como a Sociedade ​Gymansio,​
são espaços de sociabilidade, portanto, ajudam a remontar as redes através das quais se
relacionavam os homens oitocentistas. Por exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, fundado em 1838, congregava a elite econômica e a elite literária carioca, se
tornando também um centro de estudos importante que abrigara muitos românticos
brasileiros, “estimulando a vida intelectual e funcionando como um elo entre ela e os
meios oficiais”71. Dessa forma, os senhores que pensam e ordenam a associação que é o
nosso objeto de estudo, também são partes integrantes de outras associações, também as
pensando e as ordenando, promovendo um expressivo trânsito entre elas, seja da ​IHGB
à ​GB​, da ​Imperial Academia de Medicina à ​GB​, da ​Sociedade Auxiliadora da Industria
Nacional​ à ​GB​ etc.

​Tabela IV -​ Vínculos associativos dos homens da ​GB

NOME VÍNCULOS ASSOCIATIVOS

Antonio Ferreira Pinto Ordem de Christo

Antonio de Castro Lopes Ordem de Cristo

Antonio Felix Martins Grande Oriente Unido do Brasil


Ordem da Rosa
Ordem de Cristo
Imperial Academia de Medicina
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Conservatório Dramatico
Instituto dos Pharmaceuticos
Sociedade Propagadora das Bellas Artes

Antônio Gonçalves Teixeira e Souza S.I.

Antonio José Fernandes dos Reis S.I.

Domingos Jacy Monteiro Sociedade Propagadora das Bellas Artes


Ordem da Rosa
Ordem de Christo.

SCHWARCZ, Lilian. ​Romantismo tropical.​ Latin American Literary Review, Vol. 25, No. 50,
71 ​

Special Issue: Nineteenth-Century Latin American Literature (Jul. - Dec., 1997), p. 48-49.

39
Francisco de Paula Menezes Academia de Medicina
Academia Philomatica do Rio de Janeiro
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Ordem da Rosa

Francisco Joaquim Bittencourt da Academia de Bellas Artes


Silva Academia propagadora das Bellas-Artes
Ordem da Rosa
Ordem de Christo
Ordem Sant’Iago do Merito Scientifico,
Litterario e Artistico

Francisco Portella Sociedade Medico-pharmaceutica


Beneficente
Fundador do Instituto Médico
Ordem da Rosa

Frederico Leopoldo Cesar Ordem de S. Bento de Aviz


Burlamaque Ordem da Rosa
Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional
Instituto Historico e Geografico Brasileiro
Academia de Bellas Artes
Instituto Fluminense de Agricultura

Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro Ordem de Christo


Junior IHGB
Instituto Histórico de França
Academia das Sciencias de Madrid
Academia das Sciencias de Lisboa
Sociedade de Geographia de Pariz
Sociedade de Geographia de Nova York

Joaquim Ferreira da Cruz Belmonte Ordem de Cristo


Ordem Terceira de S. Francisco de Paula

Joaquim José da Silva Pinto Ordem da Rosa


Ordem de Cristo
Instituto Hahnemanniano do Brasil

José Antonio do Valle Caldre e Fião Parthenon Litterario


Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional
Sociedade Amante da Instrucção

José Francisco Sigaud Ordem do Cruzeiro


Ordem francesa de Legião e Honra
Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional
Sociedade da Instrução Elementar
Instituto Histórico da França
Atheneu Medico de Montpellier
Sociedade de Medicina de Genebra
Sociedade de Medicina de Marselha
Fundador da Academia Imperial de
Medicina do Rio de Janeiro

José Speridião de Santa Rita Ordem de Cristo

Justino de Figueiredo Novaes Ordem da Rosa


Conservatório Dramático

Lourenço Maximiano Pecegueiro S.I.

40
Luiz Corrêa de Azevedo Junior Academia Imperial de Medicina
Ordem da Rosa
Ordem de Christo

Manoel d’Araujo Porto Alegre Ordem da Rosa


Ordem de Christo
Ordem espanhola de Carlos III
IHGB
Instituto Histórico da Bahia
Instituto Histórico da França
Sociedade de Bellas-Artes
Sociedade de Bellas-Letras
Sociedade Polytechnica de Paris
Instituto Nacional de Washington
Academia Real das Sciencias
Academia de Bellas-Artes de Lisboa
Arcadia de Roma

Manoel Ferreira Lagos Ordem da Rosa


Ordem de Cristo
Ordem portuguesa de São Tiago
Ordem francesa de Legião e Honra
Imperial Ordem turca de Mejidié da 3 Classe
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

Manoel Maria de Moraes e Valle Ordem de Christo Academia Imperial de


Medicina
Instituto do Pharmaceutico
Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional

Manuel Hilario Pires Ferrão Ordem da Rosa

Pedro de Alcântara Lisboa Sociedade Auxiliadora da Indústria


Brasileira
Sociedade Animadora da Instrução da
França

41
4 A ESCRAVIDÃO E A ​GB

4.1 DESLEGITIMANDO A ESCRAVIDÃO


Algumas publicações (17 para uma quantificação mais certeira) dos membros da
GB ou a eles relacionadas versam diretamente sobre a escravidão e sobre o tráfico de
escravizados para o Brasil, geralmente comentando sobre os malefícios dessas práticas
para a nação brasileira. Em agosto do ano de 1849, vê-se como cerne de algumas
reuniões da ​GB a temática de “qual seria a influência da literatura sobre o fim do tráfico
de escravos”. No ano seguinte, também no mês de agosto, o curso das discussões se
ocupa de indagar se a “introdução de braços africanos tem sido ou não prejudicial à
civilização do Brasil”. Essas ordens dos encontros da ​Sociedade Gymnasio Brasileiro
aparecem pontuadas nos chamamentos em formato de publicação em nota, no qual a
escrita sobre os assuntos basilares para a discussão é extremamente objetiva e lacônica.
Infelizmente, como já citado, os exemplares do jornal ​A Voz da Juventude se perderam,
provavelmente os resultados dos debates deviam ser publicados nesse periódico.

Alguns personagens que dão corpo à ​Sociedade Gymansio Brasileiro já


aparecem na cena das letras brasileiras desenvolvendo um discurso de ataque à
escravidão, como é o caso de César Burlamaque (1803-1886), filho de pais portugueses,
estudou Ciências Matemáticas e Naturais na Escola Militar do Rio de Janeiro, se
tornando, mais tarde, professor dessa mesma instituição, além de diretor do Museu
Nacional72. No ano de 1847, é publicado um texto seu, de nome ​Reflexões sobre a
escravatura e colonisação no Brasil, através d’​O Auxiliador da Industria Nacional​,
dividido em capítulos publicados separadamente, o cap. I: ​Odiosidade do commercio de
escravos, refutação das razões em que se baseam os seus apologistas73, o cap. II:
Nociva influencia que a introducção de escravos africanos exerce sobre os nossos
costumes, civilização e liberdade74, o cap. III: ​Vantagens que tem o serviço de homens
livres, sobre o que podem prestar braços escravos forçados ao trabalho75. Esses
escritos são partes de outra obra de Burlamaque, ​Memoria Analytica acerca do

72 ​
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. ​Diccionario Bibliographico Brazileiro.​ Tomo IV. Rio
de Janeiro: Typographia nacional, 1883. P. 312-314
73 ​
​O Auxiliador da Industria Nacional,​ Rio de Janeiro, num. 4, p. 146-157, setembro de 1847.
74
​O Auxiliador da Industria Nacional,​ Rio de Janeiro, num. 6, p. 230-247, novembro de 1847.
75
​O Auxiliador da Industria Nacional,​ Rio de Janeiro, num. 7, p. 268-288, dezembro de 1847.

42
commercio d’escravos e acerca dos malles da escravidão domestica​, pensada para um
concurso realizado pela ​Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional,​
em 1836, contudo a associação teve seu fim prematuro e o concurso acabou por não
ocorrer. Segundo o intelectual:
A escravidão é um obstaculo invencivel á formação, repartição, e accumulação
das riquesas, porque rouba a classe livre laboriosa todos os meios de trabalhar
com intelligencia e economia, dando ao mesmo tempo à classe dos senhores
muitos vicios, que lhe faz consumir improductivamente os fructos dos trabalhos
da população escrava.76

Em outro excerto do texto, é possível ler que:


Se a escravidão é para a raça oppromida uma origem de calamidades, é
igualmente para os oppresores uma causa de ruina. Sempre a tyrannia foi tão
funesta aos oprimidos, como aos opressores. Se a dominação que um individuo
exerce sobre os outros é cedo ou tarde uma causa de ruina para elle, e para os
seus; a dominação que um povo exerce sobre o outro povo, mesmo sem
reagencia d’este ultimo, é uma causa de despotismo, e de ruina para o primeiro.
77

Nos versos de Frederico Leopoldo Cesar Burlamaque é visível o


desenvolvimento de ideias que são veementes em minar a legitimidade da escravidão
moderna. Primeiro, vê-se a construção do raciocínio de que os escravos estariam a
usurpar os lugares de labor da classe livre, impedindo o desenvolvimento econômico do
Império do Brasil, já que o cativo é um ser consumido pela condição escrava, não sendo
um bom trabalhador. Na citação seguinte, encontramos a elaboração impactante do
argumento mor ​para expressar a necessidade de se acabar com a escravidão, posta como
um mal coletivo, condição que, por si só, é a origem das calamidades dos cativos,
levando a quem cerceia a liberdade desses sujeitos também um estado maldita, o autor
chega mesmo a declarar que essa relação se configura como despótica. Esse texto de
Cesar Burlamaque é engendrado às vistas da escravização doméstica, suas críticas serão
relocadas, posteriormente, quando de sua participação na ​GB para pensar na escravidão
nas lavouras.
Parece importante também, de acordo com a nossa interpretação, a participação
de José Antonio do Valle Caldre e Fião (1821-1875) enquanto agente fomentador dos
debates acerca da escravidão já no seio da ​GB​. Porto-alegrense, boticário em sua terra
natal, mudou-se para o Rio de Janeiro no período da Guerra dos Farrapos (1835-1845) e

76
​O Auxiliador da Industria Nacional,​ Rio de Janeiro, num. 4, p. 155, setembro de 1847.
77
​O Auxiliador da Industria Nacional,​ Rio de Janeiro, num. 4, p. 157, setembro de 1847.

43
se formou em medicina na cidade imperial78, este sujeito se coloca na agremiação
estudada enquanto o intermediário entre a ​GB e o jornal ​O Philantropo.​ Segundo consta
na Acta da sessão do dia 9 de maio de 1849: “O Sr. Valle pela Ordem, ofereceu no
Gymnasio a parte litterario de um periodico por nome - O Philantropo - da redação de
um amigo seu. Foi acceita a offerta com especial agrado”79. Essa relação com O
Philantropo é importante pelo perfil do dito jornal:
No contexto da abolição do tráfico negreiro, a imprensa periódica registrou o
surgimento de um semanário de divulgação da propaganda anti-tráfico, fazendo
com que o debate sobre o comércio transatlântico de escravos e o futuro da
escravidão ganhasse maiores espaços da opinião pública. O Philantropo era o
nome do jornal que circulou de 1849 a 1852, e passou a divulgar as idéias da
Sociedade Contra o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização, e
Civilização dos Indígenas.80

A relação de Valle com alguns outros membros no levantou algumas indagações por
apresentar um leve nível de hostilidade, podendo ser um sintoma da heterogeneidade de
pensamento no que concerne a um antiescravismo mais radical. Em dois momentos ele sofre
uma espécie de retaliação sutil nas sessões da ​GB.​ A primeira acontece em 23 de maio de
1849, quando Correia de Azevedo atravessa a proposta de Caldre e Fião em apresentar
um texto seu sobre as paixões consideradas filosoficamente para apontar a necessidade
de se debater o trabalho de outro membro acerca da regulamentação da recepção dos
trabalhos dos sócios81. Já na acta da sessão de 1 de agosto de 1849, José Antonio do
Valle Caldre Fião propõe duas ordens para as próximas sessões, sendo elas “quais os
meios de se manterem associações literárias sem as contribuições pecuniárias” e “qual a
influência que pode ter a literatura sobre a extinção do tráfico de escravos”, sendo
ambas, a primeiro momento, aprovadas pela votação realizada pelos membros, porém, o
senhor Pires e outros sócios cujos nomes não são citados especificamente, apelam para a
necessidade de postergação desse debate em face de assuntos organizacionais ditos
urgentes em virtude da proximidade com o fim do ano.

78
​LAZZARI, Alexandre. ​Entre a grande e a pequena patria: literatos, identidade gaúcha e nacionalidade
(1860-1910). 2004. 363 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em:
<http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/280642>. Acesso em: 3 ago. 2018. p. 39-42.
79
​O Philantropo,​ Rio de Janeiro, num. 8, 25 de maio de 1849.
80
KODAMA, Kaori. ​O periódico O Philantropo e o debate racial na década de 1850​. III Encontro de
Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, 2007, Florianópolis. Anais - III Encontro Escravidão e
Liberdade no Brasil Meridional. Florianópolis: Oikos Editora, 2007.
81
​O Philantropo,​ Rio de Janeiro, num. 10, 8 de junho de 1849.

44
A título de localizar José Antônio Valle no tocante ao antiescravismo e averiguar
o quanto suas ideias influenciaram a ​GB, lançaremos mão de um artigo escrito por ele
no ano de 1849 e publicado no jornal O Auxiliador,​ periódico da ​Sociedade Auxiliadora
da Industria Nacional,​ da qual também era sócio Caldre e Fião. As primeiras linhas
pensadas por esse sujeito já nos soam com bastante significância:
Convém que extingamos a escravatura, porque esta é contraria aos
direitos naturaes e a dignidade do homem, e nos inocula todos os males,
physicos pela transmissão que nos faz da syphilis e seu funesto cortejo de
molestias, e moraes pela corrupção dos costumes que a acompanha.82

Vemos aqui, de maneira flagrante, que Valle Caldre e Fião já possuía um


discurso cujo horizonte vislumbrava o fim da escravidão, usando como argumento
legitimador a noção dos direitos naturais do homem e da corrupção da dignidade
humana, corrupção essa que diz respeito aos costumes humanos e se materializaria na
forma de doenças, enquadrando os africanos enquanto vetores de disseminação das
moléstias. O nome do artigo citado é ​A substituição dos braços escravos pelos livres e
contem, justamente, reflexões sobre as razões pelas quais se deve empreitar essa
conversão e as maneiras de se fazê-lo, tanto nos espaços de lavoura, quanto nas fábricas
e oficinas e, também, no doméstico.
A ​extincção da escravatura não é possível dar-se de um só golpe; isto traria
graves transtornos á segurança política do paiz: também não pode dar-se á esmo
sem que a nossa terra esteja ​ad vem preparada de ante-mão; é mister que a
colonisação a preceda com todo o seu benéfico soccorro. Se se desse a
extincção antes da colonisação, leis, ainda as mais fortes não poderiam
providenciar na falta de braços, e reconduzir ao trabalho esses entes brutaes
postos repentinamente e sem preparo no goso da liberdade; ver-se-hia definhar
a lavoura á largos passos e o desfallecimento do paiz ir apparecendo; e nestas
circunstancias quem impediria a revolta dos libertados, açoutados pela miséria e
o desespero da sua situação? Seria impossível; e a nossa perda certa. Se ao
contrario se desse a extincção depois de bem colonisado o paiz, os libertos
pouco mal poderiam trazer ao seio de uma sociedade já vigorada, e
encontrariam poderosos elementos de ordem que os conteriam em sua conducta
e os chamariam em breve tempo aos trabalhos da industria.83

Esse excerto é extremamente relevante a nossos esforços. Visualizamos nessa


escrita a preocupação com a maneira de se extirpar a escravidão da sociedade brasileira,
contudo, para a possibilidade de se transformar a mão de obra do Império, seria
necessário uma preparação colonizadora, algo que o autor chama de “colonisações

82
​O Auxiliador da Industria Nacional,​ Rio de Janeiro, num. 7, p. 230, dezembro de 1849.
83
​O Auxiliador da Industria Nacional,​ Rio de Janeiro, num. 7, p. 234, dezembro de 1849.

45
externas” pontuando a predileção por “allemães, os prussos, os suissos, os belgas e os
irlandezes”84, vital para que o país não desfalecesse por falta de homens para o trabalho,
principalmente nas lavouras. Nesse trecho, conseguimos observar as origens de uma
importante empreitada da ​GB para os anos de maior fôlego da sociedade: o projeto de
uma escola agrícola. Valle também pensa o destino dos libertos:
[...] os libertos não tem de ser felizes entre nós, e nós nada ganhamos
com a sua acquisição, pois que os vicios da escravidão deixam sempre
indeléveis traços em quem a soffreu: obviamos estes dous sérios
inconvenientes, mandando-os para uma colônia que devemos formar na
África. O exemplo que o Norte-America nos dá na fundação da Libéria
para onde reenvia os africanos e manda os homens libertos de côr é
muito necessário que seja por nós seguido. Quem pensar nos males que
nos hão de provir da accumulação dos libertos em nossa sociedade não
terá duvida de abraçar como uma idéa salvadora, esta que apresentamos.
85

Outro membro da ​GB,​ Domingos Jacy Monteiro, também é um dos homem que
ataca diretamente a escravidão. Monteiro foi influente sujeito dos tempos oitocentistas,
com formação em Direito no exterior, tendo ocupado cargos de destaque, como
presidente da província do Amazonas, sub-diretor do Ministério do Interior do Império
entre outros86. Em 1849, ele publica, nas páginas d’​O philantropo, artigo com os
seguintes dizeres: “[...] a vida e a liberdade do homem são cousas [sic] sagradas em que
não é dado tocar sem crime de lesa-divindade e de lesa-humanidade!”87. Essa frase faz
parte de um texto recitado em reunião da ​GB​, posteriormente enviado ao periódico que
se colocava enquanto crítico assíduo da escravidão para sua disseminação entre os
membros desse círculo antiescravista levemente amalgamado pelo dito periódico. Em
sua fala, o advogado tenta construir um linha de raciocínio de modo a enquadrar a
escravidão como “anti-natural e anti-social - irreligiosa - immoral - e inutil”88.
E os que fazem escravos deviam ser punidos mais severamente como os
mais perigosos homicidas, a que nós antes (permita-se-nos a expressão)
chamaremos menti-cidas, por isso mesmo que tornam, a estes, barbaros,
brutos que não pensam nem sabem fazer uso das ideas que Deus lhes
deu!... Além disso, porque esses homens, reduzidos á escravidão, não

84
​O Auxiliador da Industria Nacional,​ Rio de Janeiro, num. 7, p. 235, dezembro de 1849.
85
​O Auxiliador da Industria Nacional,​ Rio de Janeiro, num. 7, p. 235, dezembro de 1849.
86
​BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. ​Diccionario Bibliographico Brazileiro.​ Tomo II. Rio
de Janeiro: Typographia nacional, 1883. P. 208-211.
87
​Atribuído por nós a Monteiro, já que a assinatura da publicação está abreviada em D.J.M.: ​O
Philantropo,​ Rio de Janeiro, num. 25, 21 de setembro de 1849.
88
​O Philantropo,​ Rio de Janeiro, num. 25, 21 de setembro de 1849.

46
podem gozar do privilégio de homens, nem são julgados taes pela
sociedade; porque não podem dar espontaneamente a esta o quinhão que
lhes compete dar, nem podem, nem mesmo souberam fazer os bens que
poderiam; porque em vez de contribuir para adiantamento da sociedade,
contribuem para seu atraso, como se tem visto, não só por estatisticas,
como por noticias e factos quotidianos; porque enfim são como esses
criminosos apartados do commercio humano que já se consideram
mortos e por conseguinte impossibilitados de fazer algum bem á
89
sociedade!...

Tal como se lê na literatura produzida por Cesar Burlamaque, Domingos


também se utilizará do argumento que ataca os responsáveis pela escravização, diferente
do primeiro, que parece responsabilizar a entidade administrativa, a nação, o segundo
ataca os escravistas, com um aspecto particular de responsabilização, principalmente na
figura dos traficantes de escravos. O cativo, novamente, surge ceifado de civilidade e
moralidade pela própria mancha natural à escravidão.
Esses discursos vão confluir para a construção de uma sociedade que se
apresenta, através do suporte da imprensa periódica, como crítica contundente do tráfico
de escravos, e em grau mais tímido, à própria escravidão. Como já dito no início desse
trabalho, a razão de ser da Sociedade Gymnasio Brasileiro era o desenvolvimento do
Império do Brasil, nessa narrativa, a escravidão e o tráfico são inimigos do
desenvolvimento industrial, econômico, moral e intelectual da sociedade brasileira.
Catapultado (e conjugado) dessas críticas fervorosas, postas em meados de 1849, os
membros da ​GB passam a debater também a questão das escolas agrícolas e da
importância da educação para a formação da nação.
Desses debates vê-se gestar o projeto de estabelecimentos agrícolas fora
formulado pela ​comissão ad hoc da ​Sociedade ​Gymnasio Brasileiro,​ composta por
Antonio Ferreira Pinto, Manuel Maria de Moraes e Valle, José Antonio do Valle Caldre
e Fião, José Felix Cordeiro de Sousa, Padre Joaquim Ferreira da Cruz Belmonte, Pedro
d’Alcantra Lisboa e Luiz Corrêa de Azevedo Junior, vislumbrando a criação de escolas
agrícolas e fazendas modelos destinadas à colonização e à substituição da mão de obra
escrava. Nas escolas se ficaria por um tempo de cinco anos para instrução num curso de
Ciência Agrícola e com mais dois anos de prática o sujeito poderia tirar seu diploma de
bacharel. Nas fazendas, o intuito era ensinar o básico e a prática do cultivo. Na primeira,

89 ​
O Philantropo,​ Rio de Janeiro, num. 25, 21 de setembro de 1849.

47
o egresso se daria por meio de prova para indivíduos livres de mais de 15 anos, na
segunda a flexibilidade era maior, sendo aceitável até “vadios sadios”. Em ambos os
espaços haveria a proibição de escravos e todos os sujeitos deveriam morar nos
estabelecimentos. O Governo ajudaria a custear essa empreitada, mas ao longo dos
anos, as pessoas que estiveram nos ditos estabelecimentos teriam de pagar com os
90
gêneros cultivados .
Em nota explicativa, a Sociedade Gymnasio Brasileiro tenta justificar seu
empreendimento do projeto agrícola:
Hoje muita gente esta convencida de que convem crear o trabalho livre
no paiz, afim de conhecerem-se as vantagens que delle podemos tirar;
para isto falla-se, e muito, na necessidade de fundar escolas agricolas que
preparem e eduquem o povo para se empregar os trabalhadores do
campo. O Gymnasio Brasileiro trata ha mais de quatro mezes de
confeccionar um projecto de escolas de agricultura afim de appresental-o
á consideração das Camaras Legislativas. A commissão nomeada ad hoc,
deo seu parecer ha duas semanas, e a discussão já tem absorvido quatro
sessões. Na primeira houve animação de sentimentos, e tendo-se fallado,
por incidente, no trafico de escravos, uma voz unanime se pronunciou
altamente contra esse abominavel negocio. Na segunda, geral adhesão se
notou aos principios de colonisação interna que temos expendido. Nestas
duas sessões oraram os Srs. Caldre e Fião, Dr. Valle, Dr. Ferreira Pinto,
Alcantara Lisboa e Braz da Silveira. Na terceira, tratou-se da materia
91
muito profundamente.

90 ​
O Philantropo,​ Rio de Janeiro, num. 63, 14 de junho de 1850.
91 ​
O Philantropo,​ Rio de Janeiro, num. 64, 21 de junho de 1850.

48
5 CONCLUSÃO

Os nossos estudos carecem de maior dedicação e cuidado para com o vasto


material pincelado ao longo da pesquisa. É muito necessário buscar as configurações
desse antiescravismo patente nas escritas, nas falas e nos pensamentos de certos grupos
de intelectuais brasileiros na primeira metade do Oitocentos. A grosso modo, é comum
o lugar de crítica baseada no perigo da escravidão, enquadrando o africano enquanto
vetor de perigo e prejuízos, tanto à moral quanto a segurança e o desenvolvimento da
sociedade92.
O que nos interessa é pensar as nuances dessas base mais geral do
antiescravismo nas décadas de 1840, 1850 e seus desdobramentos na elaboração de
escritos visando a praxis​, os projetos de encaminhamento da escravidão. Como
observamos com as publicações referentes às críticas e deslegitimação da escravatura
envolvendo a GB e seus membros, tem como base uma concepção de abolicionismo
gradual, que necessita ser aportado por um grande projeto de colonização interna. Esse
projeto de colonização parece flertar, a priori, com a imigração europeia, entendida
como virtuosa e passível de prosperar a economia brasileira, principalmente no tocante
a produção agrícola. Porém, as barreiras para se empreender essa imigração eram várias,
especialmente relacionadas aos custos para trazer e manter esses europeus em terras
brasileiras. A solução pensada pela ​Sociedade Gymnasio Brasileira seria a criação das
escolas agrícolas, destinada à instrução da população pobre e livre brasileira para
transformá-los em pequenos agricultores ilustrados, fomentadores do desenvolvimento
nacional, econômico, cultural, bem como moral e intelectual.
O desenvolver desse pensamento da GB se contextualiza em um momento de
querelas políticas muito significativas, o que também precisa estar em nossos interesses
para o melhor conhecimento do terreno no qual foi possível aventar uma crítica e um
projeto político de encaminhamento para a escravidão. ​Em fins da década de 1840, a
Imprensa liberal se lançava, com aporte do Império Britânico, novamente às reflexões
acerca da situação brasileira diante da escravidão. Já era atestado o decrescimo dos
montantes de africanos embarcados nos tumbeiros e trazidos ao litoral do Brasil desde a

RODRIGUES, Jaime. ​O infame comércio:​ propostas e experiências no final do tráfico de africanos para
92 ​

o Brasil (1800-1850). São Paulo: Editora da UNICAMP-CECULT, 2000. P. 127.

49
“reabertura” dos “comércio de carne humana” em torno do ano de 183593. A conjunção
entre as querelas políticas relacionadas ao tráfico de africanos entre Grã Bretanha e as
diversas atuações nas esferas públicas, tanto em Parlamento quanto na Imprensa, fazem
exaltar os ânimos. Os fins da década de 40 trazem à tona a urgência do fim do comércio
negreiro, em prol do argumento que se embase na afirmação da soberania do Império
Brasileiro, já que as investidas dos cruzeiros britânicos e a ingerência dos mesmos eram
perigos iminentes94, além, é claro, dos embates entre as facções políticas, liberais e
saquaremas.

O tráfico, ao que se destinava os esforços combativos ou protetivos de outrora,


agora já havia sido pauta do legislativo com vistas e aplicação de sua supressão. Restava
a defesa ou crítica ao sistema escravista. Alguns aliados à facção saquarema se lançaram
ao exercício de defesa. Exemplo são as publicações impressas nas páginas do periódico
O Brasil​, cujo redator era Justiniano José da Rocha, que levava à esfera pública a
alegação da necessidade de mão de obra escrava nos espaços de lavoura, se utilizando, a
partir do modelo estadunidense, do argumento de que o fim do tráfico não significava o
fim da escravidão. Na perspectiva do dito conservador, poderia-se utilizar da
reprodução interna para a manutenção da escravaria já que “a raça africana é uma das
mais prolíficas do mundo” e o clima brasileiro auxiliaria para a agudização da
procriação entre os escravos95.

Em tais circunstâncias de circulação e publicação de discursos legitimadores da


escravidão, as publicações da GB e o projeto das escolas agrícolas parecem se desenhar
como uma contra-resposta ao conteúdo de alinhamento saquarema de disseminação
carioca. A crítica dos homens do Gymnasio identificava, não sem implicações retóricas
e políticas, os grandes proprietários com os fatores de atraso do Império,
monopolizando as terras com plantios improfícuos de monoculturas de exportação e
barrando a colonização interna a partir da exploração de diversas culturas por pequenos

93
YOUSSEF, Alain El. ​Imprensa e Escravidão:​ política e tráfico negreiro no Império do Brasil, Rio de
Janeiro, 1822-1850, p. 124-177.
94 ​
RODRIGUES, Jaime. ​O infame comércio:​ propostas e experiências no final do tráfico de africanos para
o Brasil (1800-1850). São Paulo: Editora da UNICAMP-CECULT, 2000. YOUSSEF, Alain El. ​Imprensa
e Escravidão​: política e tráfico negreiro no Império do Brasil, Rio de Janeiro, 1822-1850. São Paulo:
Intermeios, 2016. PARRON, Tâmis. ​A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865​. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
95 ​
O Brasil​, 13 de julho de 1850 republicado no ​Correio da Tarde​, 10 de julho de 1850. Apud Youssef P.
289-291.

50
proprietários. Deste modo, a permanência, em 1850, do “sonho de um Império todo
escravista” coincide com uma série de questionamentos acerca da escravidão,
principalmente tecidos numa visão de carência de desenvolvimento nacional. O espírito
associativo dos intelectuais aqui examinados parece ter sido alimentada e ter alimentado
essas dúvidas acerca da instituição secular, catapultando na esfera pública um discurso
crítico, transpassado por embates políticos, que enquadra a escravidão como um mal a
ser combatido, ainda que gradualmente96.

96
YOUSSEF, Alain El. ​Imprensa e Escravidão:​ política e tráfico negreiro no Império do Brasil, Rio de
Janeiro, 1822-1850, p. 295.

51
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIBLIOGRAFIA BASE

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