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Universidade Estácio de Sá

Rio de Janeiro

SOLDADOS DA BORRACHA:
SETENTA ANOS DE ANONIMATO HISTÓRICO

SIDNEI DIAS DE ANDRADE

NITERÓI
Novembro de 2016
Universidade Estácio de Sá

Rio de Janeiro

SOLDADOS DA BORRACHA:
SETENTA ANOS DE ANONIMATO HISTÓRICO

Sidnei Dias de Andrade - 2013.01487181

Trabalho apresentado à disciplina Prática de


Pesquisa em História como parte dos pré-
requisitos para a obtenção do diploma de
Licenciatura em História.

NITERÓI
Novembro de 2016
ANDRADE, Sidnei Dias de.
Soldados da Borracha: Setenta anos de anonimato histórico /
Sidnei Dias de Andrade / Universidade Estácio de Sá: Niterói, 2016.

Trabalho de Conclusão de Curso – História


1. Soldados 2 . Borracha 3. Anonimato
2. ANDRADE, Sidnei Dias de.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente а meu Deus, que permitiu que tudo isso acontecesse e por
ter me dado força e saúde para superar todos os obstáculos.

Aos meus queridos pais, que sempre me deram carinho e amor, além dos
ensinamentos, apoio e principalmente educação.

Agradeço também a minha família e amigos que sempre torceram por


mim e me apoiaram no decorrer dessa jornada.

A professora Débora Rodrigues Barbosa, pelas orientações, atenção е


confiança na realização deste trabalho.

A Universidade Estácio de Sá e todo seu corpo docente, por todo o


aprendizado.

E a todos que contribuíram para a realização deste trabalho, seja de


forma direta ou indireta, fica registrado aqui, o meu muito obrigado.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.......................................................................................... 8

2. METODOLOGIA....................................................................................... 9

3. TEMPOS DE GUERRA .......................................................................... 10

4. A HISTÓRIA ESQUECIDA NA HISTÓRIA DO BRASIL ......................... 13

5. O ESQUECIMENTO POLÍTICO ............................................................. 15

6. DISCUSSÃO DE RESULTADOS ........................................................... 17

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 20

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 21

ANEXO A - CARTAZ DE PROPAGANDA DO SEMTA ............................. 22

ANEXO B - TRANSPORTE DOS SOLDADOS DA BORRACHA ............. 23


RESUMO

O presente trabalho traz a descrição da jornada de um grupo de migrantes


nordestinos que no ano de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, foram
recrutados pelo governo do Presidente Getúlio Vargas para extrair o látex das
seringueiras na Amazônia, a fim de ajudar os países Aliados, especialmente, os
Estados Unidos no esforço de guerra. Este grupo recebeu o nome de Soldados da
Borracha, porque toda a batalha desses soldados foi travada no interior da selva
amazônica, enfrentando diversos obstáculos e perigos próprios da região para
extrair a maior quantidade possível da matéria-prima essencial na fabricação de
produtos e armamentos bélicos fundamentais para os países envolvidos no conflito.
Este trabalho aborda também a ausência desses personagens nos livros didáticos
de História do Brasil, mesmo nos capítulos dedicados à participação brasileira na
Segunda Guerra esse grupo não é citado, diferentemente dos soldados combatentes
da Força Expedicionária Brasileira que lutaram na Europa. O artigo versa ainda
sobre a luta destes soldados, através das leis e ações judiciais num período de
setenta anos, para receberem o justo reconhecimento pelos serviços prestados à
Pátria, e apesar de serem reconhecidos na Constituição Federal como soldados, são
verdadeiros anônimos na história oficial do país. Para elaborar este trabalho foi
desenvolvida uma pesquisa na bibliografia de dois autores que tratam do assunto e
também pesquisas em documentos e fotografias disponibilizadas nos acervos
eletrônicos de instituições e jornais.
Palavras-chave: Amazônia, Soldados da Borracha, Seringueiros, História.
ABSTRACT
The present work brings the description of the journey of a group of northeastern
migrants, who in the year of 1943, during the World War II, were recruited by the
govern of president Getulio Vargas to extract latex from rubber trees in Amazon, in
order to aid the Allied countries, specially United States, in the war effort. This group
received the name of Rubber Soldiers because their whole battle was fought in the
interior of the Amazon rain forest, facing several obstacles and menaces from the
region itself to extract the largest possible amount of the raw material which is
essential in the production of goods and weapons to the countries involved in the
conflict. This work also approaches the absence of these characters in the Brazilian
History textbooks. Even in the chapters dedicated to the brazilian participation in the
World War II, this group is not citated, unlike the soldiers from the Brazilian
Expeditionary Force who fought in Europe. The article also address to their fight,
through the laws and lawsuits in a period of seventy years to receive the fair
acknowledgement for the services redered the country, and in spite of being
recognized in the Federal Constitution as soldiers, they are true anonymous in the
official country history. To elaborate this work it was developed a research in two
autors bibliography that approaches this subject and researches in documents and
pictures available in the electronic collection of institution and newspapers.

Key-words: Amazon, Rubber Soldiers, Rubber Tappers, History


8

1. INTRODUÇÃO
A falta de reconhecimento por parte das autoridades brasileiras do
importante serviço prestado à Pátria por esses heróis anônimos que contribuíram de
forma decisiva no chamado “esforço de Guerra”, inclusive, com a própria vida, é por
si só objeto de repúdio. Após anos de esquecimento, somente na Constituição
Federal de 1988 foi assegurada a alguns soldados uma pensão vitalícia, que por
força da lei, não alcançou a todos que a ela tinham direito, o que faz com que a luta
desses soldados ultrapasse décadas de descaso. Objetiva ainda este trabalho
analisar e, se possível, compreender a ausência dos denominados “soldados da
borracha” nos livros didáticos da História do Brasil em um momento de grande
importância histórica no cenário mundial e no qual eles tiveram efetiva participação.
Logicamente, essa afirmação deve ser feita com base no currículo nacional,
excluindo dessa forma os currículos regionais, especialmente da Região Norte, que
pode contemplar em suas páginas a história desses homens.

A proposição deste tema tem uma grande relevância, tanto social quanto
histórica, pois a importância do trabalho desenvolvido por esses indivíduos é
assunto pouco conhecido na sociedade e na historiografia brasileira. Diante deste
lapso histórico, algumas ações políticas e jurídicas têm procurado corrigir o erro do
passado do não reconhecimento da grandeza desses corajosos brasileiros; sendo
assim, como medida reparadora foi sancionada a Lei 12.447 de 2011, que inscreve
o nome do grupo Seringueiros Soldados da Borracha no Livro dos Heróis da Pátria.

O presente trabalho tem por objetivo geral descrever a trajetória dos


trabalhadores recrutados pelo governo de Getúlio Vargas, no ano de 1942, durante a
Segunda Guerra Mundial para extrair o látex das seringueiras na região Norte do
Brasil, com a finalidade de exportar para os Estados Unidos parte da matéria-prima
essencial para a produção da borracha necessária nos armamentos de guerra. Os
objetivos específicos são: considerar sobre a ausência nos livros didáticos destes
personagens no contexto histórico da Segunda Guerra; analisar o esquecimento
governamental e suas consequências sociais; destacar que a peleja em busca dos
respectivos direitos permanece na atualidade.
9

2. METODOLOGIA

A abordagem para esta pesquisa pode ser classificada como exploratória


de natureza qualitativa. É exploratória por ser um assunto pouco conhecido na
historiografia e na literatura brasileira. Este tipo de abordagem permite construir uma
intimidade maior com a matéria pesquisada e esclarecer fatos ainda obscuros sobre
determinado problema, e que posteriormente, pode servir de base para estudos
mais aprofundados sobre o tema.

A natureza qualitativa da pesquisa compreendeu contemplar o


pensamento desses autores e sua percepção sobre o caso, analisou os processos
dos acontecimentos relatados por meio da leitura da bibliografia e dos documentos
obtidos na coleta de dados que permitiu descrever a trajetória deste grupo de
pessoas com o objetivo de levantar novas ideias e possibilidades sobre os eventos
que motivaram estes indivíduos a empreender esta jornada rumo à Amazônia.

Para o desenvolvimento deste trabalho a metodologia aplicada foi a


pesquisa bibliográfica, embasada em dois livros. O primeiro livro se chama
“Soldados da Borracha, os heróis esquecidos”; obra idealizada em conjunto pela
jornalista Ariadne Araújo, o historiador e arqueólogo Marcos Vinicius Neves em um
projeto do cineasta Wolney Pereira, lançada no ano de 2015. O segundo tem por
título “Soldados da Borracha: o exército esquecido que salvou a II Guerra Mundial”,
escrito pelo jornalista norte-americano, Gary Neeleman e sua esposa Rose
Neeleman no ano de 2015, em Porto Alegre. Este artigo contou também com
pesquisa documental das legislações que versam sobre o assunto, com destaque
para as fontes provenientes da Constituição Federal e da Câmara dos Deputados
que disponibilizam seu material para pesquisa por meio eletrônico. Foi realizada
também a investigação em jornais que tem acervo histórico disponível e que à época
noticiaram sobre o fato, como o jornal “O Estado de São Paulo”; além de revistas e
sítios eletrônicos que tratam da matéria proposta.
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3. TEMPOS DE GUERRA

A Segunda Guerra Mundial era acompanhada pelo governo brasileiro de


forma ambígua, já que mantinha relações comerciais com a Alemanha de Hitler e ao
mesmo tempo conservava com os Estados Unidos a política da boa vizinhança
praticada pelo presidente norte americano Franklin Delano Roosevelt. Essa atitude
mudou após o ataque japonês a base naval americana de Pearl Harbor, que fez com
que os Estados Unidos declarassem guerra ao Japão. Esse episódio marcou o fim
da neutralidade brasileira e as relações comerciais e diplomáticas foram cortadas
com os países do Eixo: Alemanha, Itália e Japão. A retaliação a esse rompimento foi
o ataque por submarinos alemães a quatorze navios mercantes brasileiros. Nesses
ataques morreram dezenas de pessoas, o que provocou protestos e clamores por
uma atitude firme do presidente Getulio Vargas que o fez declarar guerra aos três
países.

O domínio japonês sobre as áreas de cultivo das seringueiras que antes


pertenciam às colônias inglesas na Ásia fez com que esse produto se tornasse
extremamente escasso em tempos de guerra. As reservas dos países aliados eram
pequenas e se tornara urgente à reposição desses estoques, já que a borracha era
utilizada na fabricação de inúmeros produtos e era essencial na construção dos
armamentos bélicos. Embora, houvesse matéria-prima em outros lugares, a América
do Sul estava mais perto geograficamente, sendo assim, o olhar dos Estados Unidos
voltou-se para o Brasil, especificamente para a Amazônia e seus imensos seringais.
As negociações começam e acordos são assinados entre Brasil e Estados Unidos
com o objetivo de fornecerem àquele país a matéria-prima tão desejada. Os
Acordos de Washington tratavam, entre outros assuntos, do financiamento de
algumas obras como a Companhia Siderúrgica Nacional e ajuda para reequipar as
forças armadas, em troca o Brasil forneceria a borracha necessária para o esforço
de guerra dos Aliados. De certa forma, este acordo atendia aos desejos de Vargas
que segundo Neelman (2015, p. 66) “Durante anos, ele tinha tentado encontrar uma
maneira de integrar a Amazônia com o resto do Brasil e os acordos com os aliados,
reviver a indústria da borracha foi a última resposta.” O governo brasileiro inicia
então a Campanha da Borracha, e uma rede de órgãos públicos foi criada com o
objetivo de recrutar e encaminhar os trabalhadores para a Amazônia. Dentre esses,
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destaca-se a atuação do SEMTA – Serviço Especial de Mobilização de


Trabalhadores para a Amazônia – que fazia o recrutamento inicial, especialmente
nas áreas onde havia maior procura por emprego. Uma multidão de pessoas de
localidades distantes chegava à Fortaleza - capital do nordeste que mais cedeu
trabalhadores - em busca de oportunidade e de colocação. Nesse momento de
extrema necessidade era oferecida a eles a proposta de partir para o Norte, rumo às
terras verdes e cultiváveis do vale amazônico. Para convencer o maior número de
trabalhadores, a propaganda da Campanha da Borracha foi indispensável, além de
toda uma equipe de agentes composta por padres, prefeitos, militares, locutores de
rádio, professores; muitos outros se empenhavam em arregimentar esses operários
para o esforço de guerra. (Anexo A)

A princípio o recrutamento não foi fácil, pois havia um grande temor dos
trabalhadores em ir para uma região desconhecida, de difícil acesso e cheia de
perigos com animais ferozes e doenças. A medida encontrada pelo governo para
driblar essas dificuldades foi a incorporação desses homens ao serviço militar,
conforme mostra o Decreto-Lei1 expedido em 1943:

Art. 2º Para efeito do adiantamento da encorporação mencionada no artigo


anterior, os encargos oficiais do Governos Brasileiro remeterão ao
comandante da Região Militar as relações nominais dos trabalhadores
convocados para o serviço ativo. Dessas relações deve constar nome,
filiação, classe (ano de nascimento), categoria de reservista (1ª 2ª ou 3ª) e
Circunscrição de Recrutamento que fez a convocação. (BRASIL. Diário
Oficial da União, Seção 1, 1943. p. 1513).

Com essa medida, já não seriam somente operários, mas sim soldados
alistados que serviriam ao país por dois anos, receberiam um salário e algum
recurso para deixar com família, além de fardamento e material necessário para a
viagem. Muitos eram voluntários, se alistavam por patriotismo e na defesa do Brasil,
enquanto outros eram levados pelo medo de irem para a guerra na Europa. Assim,
amparados pelo governo federal e cheios da esperança propagada através dos
cartazes, milhares de homens foram escolhidos para extrair o látex das seringueiras
no coração da floresta. A jornada era de aproximadamente três mil quilômetros e era
feita primeiramente em caminhões, depois de trem, navio e barco até o destino de
cada recrutado. (Anexo B)

1
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-5225-1-fevereiro-1943-415290-
publicacaooriginal-1-pe.html
12

Ao chegar à Amazônia, inúmeros foram os obstáculos enfrentados. As


diferenças ambientais eram enormes, o trabalho exaustivo - que começava as três
ou quatro horas da madrugada e se arrastava até a escuridão da noite – o risco dos
animais selvagens e as picadas de cobras mortais, além do medo dos patrões,
donos dos seringais que os “aprisionavam” num sistema de dívidas sem fim. Desde
a chegada em 1943 até o final da guerra dois anos depois, esses brasileiros
cumpriram com sua parte naquilo que foi acordado entre o Brasil e os Estados
Unidos, “o esforço de guerra do qual participaram foi um sucesso na medida em que
os Aliados obtiveram o que precisavam, mas valeu seu preço em vidas”. (ARAÚJO,
2015, p.18). Não há registro formal de quantos homens serviram como soldados na
Amazônia. Alguns relatam que foram cinquenta mil pessoas, entre homens,
mulheres e crianças. Destes, mais de vinte e cinco mil morreram, vítimas de todo
tipo de circunstância. Abandonados pelo governo, prisioneiros dos patrões, muitos
não retornaram à terra de nascimento, nem mesmo souberam do fim da guerra em
1945.
13

4. A HISTÓRIA ESQUECIDA NA HISTÓRIA DO BRASIL

O ensino de História no Brasil teve seu início em 1827 com a instituição


das Escolas de Primeiras Letras que no seu artigo 6º define entre outras tarefas que
“os professores deveriam ensinar os princípios da moral cristã e da doutrina católica
e apostólica romana, proporcionando à compreensão dos meninos; preferindo para
as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil”. (Lei 15 de outubro de
1827).2 Mesmo sendo uma disciplina facultativa e com um conteúdo que
contemplava a História Sagrada, este decreto foi o ponto de partida para que a
História, uma década depois, fosse introduzida como disciplina escolar no Colégio
Pedro II. No entanto, a História do Brasil tinha pouca expressão e a História
Universal era preferencialmente ministrada nas escolas. As reformas educacionais
das décadas de 30 e 40 conseguiram organizar os conteúdos de maneira didática e
mais estruturada para um ensino mais proveitoso, destaque para a Reforma
Gustavo Capanema que institui a Lei orgânica do ensino secundário em 1942 e
consolida a História do Brasil como disciplina curricular obrigatória, entretanto, com a
instauração do Golpe Militar de 1964 ela perde seu lugar e sua autonomia para os
Estudos Sociais. Após a redemocratização em 1985, novamente a disciplina volta
para o currículo das séries iniciais e finais do ensino.

No decorrer dos anos o conteúdo da disciplina foi sendo modificado


conforme as orientações do quadro político do país: a questão da identidade
nacional, as revoltas no Império, a saída da monarquia para a República, o
nacionalismo na era republicana, os ciclos econômicos, entre outros assuntos
bastante relevantes para a história da nação. Quando se fala em “ciclo econômico”
faz-se referência às atividades econômicas que foram desenvolvidas em momentos
diferentes no país, e dentro da história se constituem como o ciclo do pau-brasil, da
cana - de - açúcar, do ouro, do café e da borracha. Este último ciclo, o da borracha,
está dividido em duas fases: o primeiro ciclo, entre 1879-1912 e o segundo, que
ocorre entre os anos de 1942-1945. São especialmente nestes anos do segundo
ciclo da borracha, período da Segunda Guerra Mundial, que se encontram os
personagens quase “invisíveis” historicamente, os denominados soldados da
borracha.

2
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-566692-
publicacaooriginal-90222-pl.html
14

Este pequeno relato do início da História do Brasil serve de preâmbulo


para demonstrar que a história da pátria em todas as épocas, privilegiou outros
atores como imperadores, militares e políticos, além de sistema e regime de
governo. Contudo, faltava na historiografia do país, a história do povo brasileiro e a
riqueza cultural própria de cada região, advertência feita nos Parâmetros
Curriculares Nacionais de História.

Com o processo de industrialização e urbanização, se repensou sobre a


inclusão do povo brasileiro na História. Enquanto alguns identificavam as
razões do atraso econômico do País no predomínio de uma população
mestiça, outros apontavam a necessidade de se buscar conhecer a
identidade nacional, suas especificidades culturais em relação aos outros
países, como meio de assegurar condições de igualdade na integração da
sociedade brasileira à civilização ocidental. (BRASIL, Parâmetros
Curriculares Nacionais. 1997. p. 21).

Algumas observações sobre o conteúdo curricular demonstra que o ciclo


da borracha é parte integrante do currículo da História do Brasil, assim como a
participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e o envio da Força
Expedicionária Brasileira para a Europa, há uma parte extensa dedicada ao período
da chamada Era Vargas, que vai de 1937-1945. Todavia, não há registro desse
“exército” que se deslocou do Nordeste para o Norte do Brasil alistados como
soldados para defender os interesses do país, já que o presidente Getúlio Vargas
havia declarado guerra aos países do Eixo. Segundo Oliveira (2015):

Essa história continua pouco conhecida da maioria da população brasileira.


Atraídos e enganados por uma vasta campanha de propaganda e de
mobilização nacional, a epopeia de vida e de morte desse contingente não
está nos livros escolares, não faz parte dos temas de debates em colégios e
universidades e tampouco foi analisada nos livros que narram nossa
história. Não contada, não divulgada, não mostrada e nem oficialmente
reconhecida é como se tal história não existisse. (p. 7)

A construção de uma história nacional está sempre ligada ao contexto


político de cada época. Para esses migrantes nordestinos que permaneceram
ocultos na história oficial recaiu um silêncio profundo e duradouro. A coletividade e
a memória dos sobreviventes é que foi decisiva para recuperar fatos e versões
vivenciados no interior da selva. As transmissões orais e a manutenção de um lugar
de memória permitiram quebrar esse silêncio e reescrever uma nova história, pois,
como afirma Pollak (1989, p.9) “assim também, há uma permanente interação entre
o vivido e o aprendido, o vivido e o transmitido, e essas constatações se aplicam a
toda forma de memória, individual e coletiva, familiar, nacional e de pequenos
grupos”.
15

5. O ESQUECIMENTO POLÍTICO

Ao fim da Segunda Guerra o Brasil atravessava um novo momento


político. O Estado Novo de Getúlio Vargas chegara ao fim e uma nova Constituição
Federal seria aprovada em 1946 pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra. Pela primeira
vez, após a guerra, os seringueiros convocados para trabalhar na Amazônia eram
lembrados pelo Estado brasileiro, ainda que fosse somente numa proposta de
elaboração de um plano de assistência para a esses trabalhadores que foi
autorizada por meio de um Decreto-Lei3 emitido em setembro de 1946. Mesmo com
essa proposição, nada foi feito de concreto em benefício desse grupo de pessoas.
Ainda neste ano foi instalada na Câmara dos Deputados uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) a fim de apurar algumas denúncias dos abusos e do abandono
sofrido pelos seringueiros da borracha.

Os governos posteriores ao Presidente Dutra não apresentaram nenhum


empenho em se fazer cumprir os objetivos do documento relacionado com os
combatentes da selva. Decorreram quarenta e dois anos até a Constituição de 1988
para que esses indivíduos fossem incluídos como beneficiários do Governo Federal
e passassem a receber uma pensão vitalícia de dois salários mínimos, sendo que
para isso deveriam comprovar que eram pessoas carentes, e ainda tiveram que
esperar até 1989 para que a lei fosse regulamentada:

Art. 54. Os seringueiros recrutados nos termos do Decreto-Lei nº 5.813, de


14 de setembro de 1943, e amparados pelo Decreto-Lei nº 9.882, de 16 de
setembro de 1946, receberão, quando carentes, pensão mensal vitalícia no
valor de dois salários mínimos.

-§ 1º O benefício é estendido aos seringueiros que, atendendo a apelo do


Governo brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na
produção de borracha, na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra
Mundial. (BRASIL, 1988, Constituição da República Federativa do Brasil).

Embora a legislação oficial reconhecesse a contribuição desses


trabalhadores, não houve um reconhecimento social e militar, uma equiparação aos
soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) como havia sido prometido na
cartilha do SEMTA, que dizia “ambos estão em igualdade de condições perante a

3
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del9882.html
16

Pátria.” 4. Eram soldados, tanto aqueles que iam para a Europa como aqueles que
serviam nos seringais da Amazônia.

No ano de 2002 alguns congressistas tentaram novamente propor uma


Emenda à Constituição para que os combatentes da selva tivessem o mesmo
reconhecimento que os “pracinhas” da FEB e os mesmos direitos, porém, a
proposição só foi aprovada parcialmente em 2013 e negou à reivindicação de
equiparação dos benefícios e salários. Em 2015, o Senado Federal aprovou nova
Emenda à Constituição5 antecipando a indenização no valor único de vinte e cinco
mil reais para os remanescentes deste grupo e seus dependentes. Esta antecipação
se deu pelo fato de muitos ex-combatentes serem octogenários e alguns terem
idade superior a noventa anos. Muitos faleceram sem receber tal benefício e muitas
famílias ficaram sem o amparo legal tão anunciado durante o recrutamento.

Outra reivindicação importante é a que foi feita pela Defensoria Pública do


estado do Pará em conjunto com o Sindicato dos Aposentados, Pensionistas e
Soldados da Borracha do Estado do Acre (SIACRE) e o Sindicato dos Soldados da
Borracha e Seringueiros do Estado de Rondônia (SINDSBOR) na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, organismo pertencente à Organização dos
Estados Americanos (OEA) no ano de 2013. Eles recorreram a esta Corte num
esforço de pressionar o governo brasileiro a cumprir com o que fora proposto nas
propagandas e cartilhas distribuídas durante o recrutamento: que receberiam os
mesmos benefícios dos ex-combatentes da Força Expedicionária Brasileira.

Apesar dos esforços e da luta das entidades sindicais e judiciais durante


todos esses anos, o tão esperado reconhecimento oficial ainda não ocorreu. Mesmo
que algumas medidas na legislação tenham reconhecido o trabalho desses homens
em benefício da pátria, somente a parte financeira recebeu atenção dos
parlamentares. Foram décadas de esquecimento político e social. Nem mesmo do
número exato da quantidade de pessoas que morreram no front amazônico existe
registro, somente suposições. Desde os anos de 1943 até a presente data se
passaram setenta e três anos de anonimato histórico dos soldados da borracha.

4
Cartilha do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, p.2.
5
Diário da Câmara dos Deputados, ANO LXIX - nº 069, 15/05/2014, p.3.
17

6. DISCUSSÃO DE RESULTADOS

A pesquisa realizada na bibliografia sobre a história dos soldados da


borracha permite identificar que a ida desse grupo de indivíduos para o Norte do
Brasil ocorreu por motivos diversos, dentre eles, a seca que historicamente assola o
Nordeste e promove um verdadeiro êxodo da população menos favorecida da
região. A seca do semiárido nordestino sempre foi devastadora para grande parte
dos habitantes que por longos períodos ficavam sem trabalho, água e alimento. A
fome traz a desesperança e sem a terra para cultivar, o sertanejo então, como no
primeiro ciclo da borracha, empreita esta longa jornada em busca do vale fértil, na
esperança de um dia retornar à sua terra natal.

A intenção do governo de Getúlio Vargas em “povoar” e integrar a região


amazônica ao restante do Brasil é um dos pontos chave para a dissimulação
proposta nas peças de propaganda da Campanha da Borracha. Certamente, os
recrutados no período da guerra por serem homens simples, grande parte eram
analfabetos, foram convencidos a acreditar que realmente a pátria necessitava do
seu sacrifício. Outro motivo do governo Vargas foi a possibilidade de expandir a
industrialização do Brasil, e para isso, a assinatura dos Acordos de Washington foi
determinante para os dois países. Contudo, os trabalhadores nordestinos seguiam
ingênuos para a Amazônia, desconhecendo todo o contexto político e econômico
que havia por trás das belas frases estampadas nos cartazes do SEMTA.

A ausência destes personagens na história oficial do Brasil representa


uma falha na historiografia brasileira. Pode-se presumir que a omissão desse grupo,
na sua maioria, de origem nordestina, se deve a uma preferência ideológica dos
escritores da História do Brasil que excluiu das suas páginas, pelo menos na
redação dos livros didáticos, essa jornada rumo à selva amazônica por essa
multidão de homens e mulheres de várias regiões do Brasil. A Segunda Guerra
Mundial é um período extremamente importante na História Universal, é
incompreensível que a participação de milhares de brasileiros convocados pelo
Governo Federal, assim como foram os soldados que lutaram na Europa, não tenha
sua história descrita e contada nos livros escolares do país. Ao contrário dos
soldados da FEB - Força Expedicionária Brasileira - que retornaram como heróis do
front europeu, os soldados recrutados para a “batalha da borracha” na selva
18

Amazônica, viveram, e muitos morreram completamente esquecidos pela história


oficial. Não pretende este artigo adentrar as questões ideológicas dos responsáveis
por esta omissão, mas sim, contribuir na divulgação deste capítulo relevante na
história da nação.

A existência destas pessoas e a contribuição de seu trabalho durante a


Segunda Guerra foi omitida por décadas. Logicamente, este silêncio não é só do
Poder Executivo, é também parlamentar e educacional. Três instâncias
fundamentais na organização do Estado Brasileiro que por omissão não permitiram
que a maioria da população brasileira conhecesse estas pessoas e concedesse a
elas o direito legítimo de serem reverenciadas como heróis.

Outro ponto que ficou silenciado foi o abuso sofrido pelos trabalhadores
nos seringais. O trabalho incessante, o endividamento que aprisionava, as milhares
de mortes ocorridas nas matas, o abandono após o fim da guerra, tudo isso
aparentemente, passou despercebido em todas as esferas do Estado. Mesmo sendo
instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional,
transcorridos mais de setenta anos, não se consegue dizer nem mesmo quantas
vidas foram doadas no esforço de guerra. Embora tenham sido criados vários
órgãos oficiais para tratar de todos os assuntos desses trabalhadores,
simplesmente, as informações e registros não eram exatas, o que demonstra a
grande desorganização destes centros.

A partir da concessão do benefício em 1989, muitas famílias conseguiram


uma qualidade de vida um pouco melhor, porém, esse recebimento foi dificultado
pelo governo que passou a exigir provas documentais que a maioria dos ex-
combatentes não tinha, já que no final da guerra muitos deixaram a Amazônia,
fugidos; e na fuga, toda a documentação fora deixada nos seringais. Também os
dependentes daqueles que morreram na floresta não possuíam os documentos
estabelecidos pela nova regra. Isto significou um impacto social enorme, pois,
grande parte daquele grupo era de idosos, doentes, sem condições de trabalho e
dependentes de seus familiares.
19

Por fim, o saldo desta batalha travada por estes soldados apresenta um
resultado, não se pode dizer, de todo negativo. Todos que foram encaminhados para
o vale Amazônico de alguma maneira deu sua contribuição para o país.

“[...] a Amazônia brasileira guarda para com esses mesmos milhares de


homens e mulheres uma dívida impagável. Já que foram esses nordestinos
do primeiro e do segundo ciclo da borracha que acabaram constituindo
grande parte da atual sociedade amazônica”. (NEVES, 2015, p.141)

Há um débito histórico e social com os soldados da borracha: seja no


cumprimento das promessas do governo, seja na admissão da sua história nos livros
didáticos, seja no reconhecimento oficial das instituições e da sociedade brasileira,
esta dívida não pode ser esquecida, pois, a História do Brasil merece ser reescrita
de maneira a fazer justiça a esses bravos soldados brasileiros.
20

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na elaboração deste trabalho foi possível conhecer a história deste grupo


de soldados brasileiros, esquecidos oficialmente durante décadas pelos governos,
celebrados apenas no seu lugar de memória, pois, a eles foi negado o
reconhecimento a que tinham direito. Pôde-se problematizar o silêncio
governamental, levantar questionamentos e analisar as motivações desse lapso
histórico que anulou da historiografia brasileira milhares de pessoas, condenando-as
ao anonimato, e consequentemente, impedindo que fossem beneficiadas
socialmente.

O fato histórico é caracterizado pela importância e relevância do


acontecimento e a Segunda Guerra Mundial pode ser definida como o fato histórico
mais importante do século XX. Todos os personagens envolvidos neste evento
merecem o reconhecimento como sujeito histórico, seja individualmente ou em
grupo. Por isso, é necessário recuperar esses fatos e corrigir as falhas ocorridas, em
respeito aos sobreviventes e em tributo àqueles que pereceram na floresta. Não
basta somente inscrever o nome desses seringueiros no Livro dos Heróis da Pátria,
num gesto político desprovido de intenções; é preciso reescrever esta parte da
História do Brasil e incluir os Soldados da Borracha no capítulo dedicado à
participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, com isso as futuras gerações
poderão homenagear legitimamente os ex-combatentes da Força Expedicionária
Brasileira e os Soldados da Borracha como heróis de guerra; heróis do Brasil.
21

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Ariadne; NEVES, Marcos Vinícius; OLIVEIRA, Wolney. Soldados da


Borracha: os heróis esquecidos. 1ª Ed. São Paulo. 2015. 256 p.

NEELEMAN, Gary; NEELEMAN, Rose. Soldados da Borracha: o exército


esquecido que salvou a II Guerra Mundial. Porto Alegre. EDIPUCRS. 2015. 242 p.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista Estudos Históricos,


Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, jun. 1989.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares


Nacionais: história, geografia / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília:
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em todas as cidades, villas e logares mais populosos do Imperio. Coleção de Leis do
Império do Brasil - 1827, Página 71 Vol. 1 pt. I Disponível em:
http://www.2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-
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BRASIL. Decreto-lei nº 9.882, de 16 de Setembro de 1946. Autoriza a elaboração


de um plano à assistência aos trabalhadores da borracha. Diário Oficial da União,
Seção1, 17/09/1946, Página13000. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del9882.html acesso em
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LUIZ, Edson; MARIZ, Renata. Dívida de Guerra. Correio Brasiliense, Brasília, DF.
Cartilha do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia
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BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 78, de 14 de maio de


2014. Acrescenta art. 54-A ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para
dispor sobre indenização devida aos seringueiros de que trata o art. 54 desse Ato.
Diário da Câmara dos Deputados, ANO LXIX - nº 069, 15/05/2014, p.3 Disponível
em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020140515000690000.PDF.
Acesso 25/09/2016.
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ANEXO A - Cartaz de propaganda do Serviço Especial de Mobilização de


Trabalhadores para a Amazônia – SEMTA - 1943.

Fonte: http://acreaovivo.com.br
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ANEXO B - Transporte dos Soldados da Borracha, Fortaleza, 1943.

Fonte: http://rondoniaovivo.net.br

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