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15582012 475
OPINIÃO OPINION
Contradições das políticas públicas voltadas para doenças raras:
o exemplo do Programa de Tratamento da Osteogênese
Imperfeita no SUS
Abstract The scope of this paper is to examine Resumo O artigo visa discutir o processo de con-
the process of consolidation of a public health solidação de uma política pública, no Brasil, vol-
policy in Brazil geared to a rare disorder, namely tada a uma doença rara – a osteogênese imperfei-
osteogenesis imperfecta, the treatment for which ta, cujo tratamento passou a responsabilidade do
has fallen under the responsibility of the Brazil- SUS em 2001 através da Portaria GM/MS2305/
ian Unified Health System (SUS) after the publi- 2001. O processo de implementação desta terapia
cation of Ministerial Ruling GM/MS2305/2001. vem sendo acompanhado de contradições, sobre-
The implementation of this law has been accom- tudo no que diz respeito às decisões terapêuticas e
panied by many contradictions, especially with ao fortalecimento da rede especializada na abor-
respect to therapeutic decisions and the strength- dagem desta condição, atitudes claramente perce-
ening of the specialized network for addressing bidas tanto no processo de elaboração quanto no
this condition. These attitudes are clearly shown texto da nova Portaria 714/2010.
both by the drafting process and the final text of Palavras-chave Osteogênese imperfeita, Políti-
the new law (Ministerial Ruling 714/2010). cas públicas de saúde, Doenças raras
Key words Osteogenesis imperfecta, Public health
policy, Rare disorders
1
Pós-Graduação em Saúde
da Criança e da Mulher,
Instituto Nacional de Saúde
da Mulher, da Criança e do
Adolescente Fernandes
Figueira, Fiocruz. Av. Rui
Barbosa 716, Flamengo.
22.250-020 Rio de Janeiro
RJ Brasil.
mangelicafdl@gmail.com
2
Departamento de Genética
Médica, Instituto Nacional
de Saúde da Mulher, da
Criança e do Adolescente
Fernandes Figueira, Fiocruz.
da reabsorção óssea ao interferirem na ação dos tratamento da OI, de acordo com o indicado pelo
osteoclastos20, o acompanhamento do turnover Ministério da Saúde no que tange aos procedi-
ósseo é uma importante ferramenta para análise mentos de alta complexidade no sistema, ressal-
de sua resposta terapêutica9. Da mesma forma, tando-se o reconhecimento da OI, assim como
os exames de densitometria óssea não são mais da genética clínica como partes desta esfera hie-
contemplados. rárquica23. Os mesmos deviam se adequar aos
A interrupção do tratamento também foi requisitos básicos que exigiam, entre outros, a
definida, recomendando a suspensão da droga existência de um responsável técnico – um médi-
depois de dois anos sem apresentar fraturas. Al- co com experiência em OI, equipe multidiscipli-
guns estudos apontam a estabilização dos gan- nar, recursos para internação, atendimento am-
hos ósseos após alguns anos do uso do PD. Po- bulatorial, diagnóstico laboratorial e de imagem.
rém, a descontinuidade do uso da medicação Embora a flexibilização das exigências seja um
pode ter efeitos deletérios para a mineralização facilitador para a expansão da rede de tratamen-
óssea, sobretudo em indivíduos que ainda não to da OI, a moderação dos requisitos pode levar
completaram o crescimento do seu esqueleto21. ao surgimento de equipes pouco capacitadas para
Nesse cenário, portanto, a discussão sobre lidar com os desafios impostos por ela face sua
modos de manter os benefícios auferidos pela raridade, sua complexidade clínica e etiológica.
terapia medicamentosa é mais do que oportuna. Ademais, a regulação de vagas para interna-
Em centros de referencia mundiais após a estabi- ção deve levar em conta a internação de mais de
lização dos ganhos de massa óssea e do turnover um paciente ao mesmo tempo, no mesmo local,
ósseo, o tratamento é continuado com doses com vistas ao compartilhamento de doses de
anuais menores de PD até a maturação do es- medicamento, diminuindo seu desperdício, e, por
queleto, sendo reavaliado em momento oportu- outro lado, considerar o melhor aproveitamen-
no22. Na nova portaria, contudo, as recomenda- to da equipe de saúde e não somente a disponibi-
ções para acompanhamento pós-tratamento são lidade de vagas. A ambiguidade na definição dos
incompletas. O texto indica exclusivamente o locais de tratamento é um retrocesso no fortale-
acompanhamento clínico e recomenda que so- cimento da rede de centros de referência para
mente com o surgimento de fraturas outros exa- doenças raras no país.
mes deverão ser realizados, claramente não mi- À guisa de sintetizar e elaborar algumas con-
rando estratégias de prevenção de agravos. Na siderações finais devemos recordar que a nova
OI as fraturas são a extremidade aparente de uma Portaria incluiu outros tipos de OI nos critérios
cadeia de eventos que ocorre na microarquitetu- para tratamento, além de contemplar o uso de
ra óssea. O desbalanceamento do turnover ósseo medicações orais, embora sejam escassos os es-
em favor da reabsorção, a diminuição de trabé- tudos que favoreçam o uso de alendronato na
culas ósseas e da espessura cortical são algumas OI. Todavia, a exclusão de parâmetros laborato-
das características que precedem a fratura e que riais do acompanhamento de pacientes com OI
podem ser avaliadas através de exames comple- deve ser tomada com cautela, sobretudo após a
mentares como a dosagem dos marcadores de interrupção do tratamento medicamentoso. Os
turnover ósseo, radiografias, densitometria ós- efeitos deletérios clinicamente identificáveis da
sea, entre outros21. doença, as fraturas e as deformidades, são a con-
Prosseguindo, cabe ainda ressaltar que o pa- sequência de alterações fisiopatológicas na mi-
pel dos centros de referencia não foi claramente croarquitetura óssea que podem, por vezes, ser
estabelecido pelo novo documento. Lê-se no seu precocemente inferidos pelos exames comple-
texto: mentares.
pacientes com diagnóstico de OI, dependendo Os centros de referencia possuem todo o po-
da idade, devem ser atendidos em serviços especi- tencial para serem pontos centrais na implanta-
alizados com capacidade de atendimento médico, ção de tais políticas em território nacional. A exis-
inclusive ortopédico e fisioterápico. Tais serviços tência de tais centros justifica-se pelo previamen-
serão responsáveis pela indicação do tratamento, te exposto e pode ser sintetizado em (1) melho-
inclusive com bifosfonato oral (alendronato) [...]. rar o acesso ao tratamento das doenças raras ao
A regulação do SUS deve organizar os fluxos de reunir experiência clínica e infraestrutura em lo-
internações e acompanhamento ambulatoriais. cais determinados, o que também impacta o seu
Portaria 714/201016. custo; (2) superar a inexperiência dos profissio-
Dentre as normas da Portaria 2305/2001 esta- nais que lidam com doenças raras, uma vez que
va a exigência de cadastramento dos hospitais para (re)conhece-las requer grandes investimentos no
Colaboradores
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