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DOI: 10.1590/1413-81232014192.

22852012 449

ARTIGO ARTICLE
Ortodontia preventiva e interceptativa na rede de atenção básica
do SUS: perspectiva dos cirurgiões-dentistas
da Prefeitura Municipal de Florianópolis, Brasil

Preventive and interceptive orthodontics in the primary health


care network of the Brazilian Unified Health System:
the viewpoint of the dental surgeons of Florianopolis City Hall

Samuel Carlos Guzzo 1


Mirelle Finkler 1
Calvino Reibnitz Júnior 1
Marynes Terezinha Reibnitz 2

Abstract The scope of this exploratory study was Resumo O objetivo deste estudo exploratório foi
to understand the viewpoint of the dental sur- conhecer a perspectiva dos cirurgiões-dentistas da
geons of the Primary Health Care (PHC) net- rede de atenção básica à saúde de Florianópolis
work in Florianópolis regarding the need, feasi- acerca da necessidade, viabilidade e interesse quan-
bility and interest in broadening preventive orth- to à ampliação dos serviços de ortodontia preven-
odontic services and in the implementation of tiva e à implementação dos de ortodontia inter-
interceptive orthodontics. A structured question- ceptativa nas Unidades Básicas de Saúde do mu-
naire was used to establish the viewpoint of all nicípio. Empregou-se um questionário estrutura-
the primary care dental surgeons who perform do para coletar as opiniões de todos os cirurgiões-
clinical care in the network. The results indicate dentistas da atenção básica que realizam atendi-
that: the majority are in favor provided that there mento clínico na rede. Os resultados demonstra-
is an appropriate structure to attend the needs of ram que: a maioria deles é favorável desde que
the population; the professionals consider them- haja uma estruturação adequada para atender à
selves unqualified to perform the requisite proce- necessidade da população; que os profissionais se
dures, so training would be necessary; there would consideram despreparados para realizar os proce-
be no need to deploy other orthodontic proce- dimentos necessários, de modo que haveria a ne-
dures in primary care than those analyzed; and cessidade de capacitações; que não haveria a ne-
the main difficulties that might be encountered cessidade de se implantar outros procedimentos de
were related to excess demand and the lack of ortodontia na atenção básica além dos analisados;
human resources. Despite these obstacles, the e que as principais dificuldades que seriam enfren-
majority of the professionals consider it positive tadas estariam relacionadas ao excesso de deman-
and feasible to introduce this service, which could da e à falta de recursos humanos. Apesar destes
increase the comprehensiveness of health care and obstáculos, a maioria dos profissionais encara como
1
Departamento de bolster primary care, thereby improving the positiva e viável a ampliação/introdução desse ser-
Odontologia, Universidade health of the population. viço, o que favoreceria a integralidade da atenção
Federal de Santa Catarina.
Key words Public health, Primary Health Care, à saúde e fortaleceria a atenção básica, melhoran-
Campus Universitário,
Trindade. 88.040-970 Unified Health System, Malocclusion; Orthodon- do assim a saúde da população.
Florianópolis SC Brasil. tics Palavras-chave Saúde coletiva, Atenção Básica
samuel_gusso_1@hotmail.com
2
Secretaria Municipal de
de Saúde, SUS, Oclusopatias, Ortodontia
Saúde da Prefeitura de
Florianópolis.

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Guzzo SC et al.

Introdução des Básicas de Saúde (UBS), praticamente ine-


xiste. A pesquisa realizada por Castro10 com 211
Devido às ações de políticas públicas em saúde cirurgiões-dentistas (CD) de oito municípios ca-
bucal, tais como a fluoretação das águas de abas- tarinenses mostrou que entre 95,7% e 97,1% dos
tecimento e dos dentifrícios1, bem como o cres- CD nunca realizaram tais procedimentos. Ma-
cente acesso da população ao atendimento odon- nutenção e recuperação de espaço também nun-
tológico, observam-se notáveis transformações ca são realizados por respectivamente 61,6% e
nos padrões epidemiológicos das enfermidades 79,4% deles.
e agravos à saúde bucal com um grande declínio Desta forma, o panorama da atenção às oclu-
da doença cárie, fazendo com que outras morbi- sopatias no Brasil caracteriza-se por elevada pre-
dades e condições comecem a ganhar maior im- valência e insuficiente capacidade de cobertura.
portância para a saúde pública. Mesmo nas regiões mais desenvolvidas, como a
As oclusopatias atualmente ocupam a tercei- Sul, onde o número de especialistas em ortodon-
ra posição em uma escala de prioridades dos pro- tia por habitantes é de um para 8,56 mil, há uma
blemas bucais2. Constituem-se de anomalias do insuficiência na cobertura das necessidades epi-
crescimento e desenvolvimento dos músculos e demiológicas, pois a capacidade da rede privada
ossos maxilares no período da infância e adoles- atender a demanda de tratamentos fica restrita à
cência, que podem produzir alterações tanto do pequena parcela da população que possui con-
ponto de vista estético, quanto do funcional da dições financeiras para acessá-lo10.
oclusão, mastigação, fonação, respiração e deglu- Disponibilizando-se serviços ortodônticos
tição, além de contribuir na postura corporal3. preventivos e interceptativos já na atenção básica
A oclusão dentária é importante para a ma- (AB), facilitar-se-ia o acesso da população ao tra-
nutenção de todo o equilíbrio biológico do indi- tamento, possibilitando a eliminação de alguns
víduo4. Interfere na qualidade de vida e pode in- fatores etiológicos e prevenindo a progressão das
fluenciar negativamente no que se refere aos fa- desarmonias dentárias, esqueléticas e funcionais,
tores psicossociais, uma vez que um sorriso de- minimizando ou até mesmo eliminando a neces-
sarmonioso pode ser motivo de constrangimen- sidade de tratamentos mais complexos posteri-
to nos relacionamentos afetivo-familiares e no ormente. Para tanto, Hebling et al.7 estruturaram
ambiente social5. um protocolo de atenção às oclusopatias na AB,
O diagnóstico precoce de condições que in- indicando quais condições deveriam ser conside-
fluenciam o desenvolvimento normal da oclusão radas prioritárias a tratar, quais tratamentos es-
dentária pode contribuir para diminuir signifi- tariam indicados para cada condição, bem como
cativamente a incidência de maloclusões6. Utili- a documentação ortodôntica necessária. Trata-se
zando-se procedimentos simples de Ortodontia de um protocolo pioneiro, mas que demonstra a
preventiva e interceptativa, como aqueles que viabilidade de se realizar ações ortodônticas pre-
objetivam a manutenção de espaço ou a sua re- ventivas e interceptadoras nas UBS nas fases de
cuperação, o controle de hábitos bucais deletéri- dentadura decídua e mista a partir de uma ade-
os, e o tratamento da mordida cruzada e da quada organização do serviço.
mordida aberta, pode-se prevenir ou amenizar a Diante do exposto, este estudo objetivou co-
severidade das oclusopatias7. Do ponto de vista nhecer a perspectiva dos CD que trabalham na
clínico, é necessário diagnosticar e intervir preco- rede de AB à saúde de Florianópolis sobre a am-
cemente e de forma adequada em benefício da pliação dos serviços de ortodontia preventiva
evolução normal da dentição e do crescimento (uma vez que o controle de hábitos bucais deleté-
crânio-facial8, quando as oclusopatias instala- rios é assim classificado e já vem sendo realizado
das não sofrerão autocorreção com a matura- na AB) e sobre a implementação dos serviços de
ção da oclusão, ou seja, quando não se tratar de ortodontia interceptativa. Mais especificamente,
uma condição clínica transitória7. buscou-se levantar as necessidades sentidas por
Tendo em vista os possíveis prejuízos das oclu- tratamentos ortodônticos preventivos e intercep-
sopatias, torna-se preocupante a falta de acesso tativos; identificar os procedimentos ortodônti-
ao seu tratamento à maior parte da população9. cos mais relevantes para a AB; conhecer as poten-
O tratamento de mordidas cruzadas, o controle cialidades e as dificuldades detectadas pelos CD
de hábitos deletérios e pequenos movimentos em viabilizar o serviço na rede; além de conhecer
dentários na fase de dentição mista, em Unida- seu interesse em realizar este tipo de tratamento.

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Metodologia
Resultados e discussão
Foi realizado um estudo exploratório transver-
sal (aprovado pelo CEPSH/UFSC), para o qual Metade dos sujeitos de pesquisa (32) possui até
foram solicitados a participar como sujeitos de 15 anos de atuação profissional. Aproximada-
pesquisa todos os 71 CD que atuam clinicamen- mente um terço (34,4%) dos CD (22) trabalham
te na rede de AB à saúde do município de Floria- a menos de cinco anos na AB, outro terço apro-
nópolis. Um total de 64 profissionais (90,14%) ximado (34,5%) trabalha de 5 a 20 anos (22), e
aceitou participar após receberem explicações e os demais (31,3%), a mais de 20 anos (20). Quan-
terem lido e assinado um Termo de Consenti- to à formação dos entrevistados, a maioria (76,6
mento Livre e Esclarecido. %) possui algum curso de pós-graduação (49).
Os dados foram coletados através de questi- Destes, a maior parte (79,6%) possui especiali-
onário semiestruturado autoaplicado, compos- dade na área da saúde coletiva (39), sendo 59,2%
to por questões fechadas, abertas e mistas. O ins- somente na área de saúde coletiva (29) e 20,4%
trumento continha ainda, um breve enunciado na área da saúde coletiva e em alguma área clíni-
para contextualizar os sujeitos quanto aos resul- ca (10).
tados do último levantamento epidemiológico de
cobertura nacional sobre as condições de saúde Necessidade percebida de se realizar
bucal, bem como sobre a publicação da Portaria tratamentos ortodônticos preventivos
nº 718/SAS11 que ampliou o rol de procedimen- e interceptativos na rede de AB à saúde
tos ortodônticos na atenção secundária e terciá-
ria, e que incluiu a possibilidade de alguns proce- Conforme se pode observar na Tabela 1, a
dimentos ortodônticos serem realizados também maioria dos CD classificou como “média” a ne-
na atenção básica. cessidade de se realizar os tratamentos elencados
Após o retorno dos questionários, as respos- no questionário, quais sejam de manutenção de
tas às questões fechadas foram compiladas em espaço (57,8%), recuperação de espaço (48,4%),
planilhas eletrônicas e analisadas através de esta- controle de hábitos bucais deletérios (39,1%), tra-
tística descritiva e do método de correlação de tamento de mordida cruzada (51,6 %) e de mor-
Spearman, considerando-se estatisticamente sig- dida aberta (54,7%). Outro dado observado foi
nificativos os resultados com p < 0,05. Já as res- uma tendência a considerar os tratamentos no
postas às questões abertas foram digitalizadas sentido de “média” necessidade para “pouca” ne-
em documentos eletrônicos e categorizadas de cessidade, com exceção do controle de hábitos
acordo com suas ideias centrais. bucais deletérios, para o qual houve indicação no
sentido de “média” para “muita” necessidade.
Estes resultados condizem com os estudos
epidemiológicos que mostram uma considerável
prevalência de oclusopatias em crianças de todo
o país. Segundo o último levantamento epidemi-

Tabela 1. Perspectiva dos CD da rede de AB quanto à necessidade de se realizar tratamentos ortodônticos


preventivos e interceptativos nas UBS.

Man. espaço Rec. espaço C.H.B.D. Mord. cruzada Mord. aberta


F P F P F P F P F P
Desconheço 3 4,7 4 6,3 2 3,1 2 3,1 2 3,1
Nenhuma - - 1 1,6 1 1,6 - - 1 1,6
Pouca 12 18,8 16 25,0 17 26,6 22 34,4 17 26,6
Média 37 57,8 31 48,4 25 39,1 33 51,6 35 54,7
Muita 11 17,2 12 18,8 18 28,1 7 10,9 9 14,1
Total 63 98,4 64 100 63 98,4 64 100,0 64 100,0
Perdas 1 1,6 - - 1 1,6 - - - -
Total 64 100,0 64 100,0 64 100,0 64 100,0 64 100,0

F = frequência absoluta, P = percentual.

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ológico nacional12 que empregou o índice de Ros- para este fato poderiam ser um maior distancia-
ter e Hamiltton, aos 5 anos de idade, 66,7% das mento destes profissionais da formação acadê-
crianças apresentaram pelo menos uma condi- mica em termos de tempo, ou mesmo a ausência
ção de oclusopatia. Aos 12 anos, 38% apresenta- do enfoque ortodôntico preventivo na forma-
ram problemas de oclusão, segundo o índice DAI, ção, ou ainda, uma maior percepção de outras
sendo em 20% na forma mais branda, em 11% prioridades em termos de saúde bucal à medida
na forma mais severa, e em 7%, muito severas, que estão a mais tempo envolvidos com o SUS.
requerendo tratamento imediato. Mas seria necessária uma abordagem metodo-
Em São Paulo, levantamento realizado em lógica diferente da empregada para se compre-
1996 estimou a prevalência dos problemas oclu- ender melhor tais fatos.
sais, constatando 48,97% aos 5 anos e 71,31% Já os cruzamentos entre as necessidades per-
aos 12 anos. Considerando-se as anomalias cebidas de realização dos diferentes tipos de tra-
moderadas ou severas, conforme critérios pre- tamentos apresentaram correlações positivas e
conizados pela Organização Mundial da Saúde significância estatística (Tabela 2), exceto o cru-
em 1987, o percentual foi de respectivamente zamento entre necessidade de manutenção de es-
26,12% na dentição decídua e 39,79% na mista13. paço e de tratamento para mordida cruzada, que,
Na cidade de Salvador (BA), em 2004, um apesar de não possuir valor de p significativo tam-
estudo com escolares de 12 a 15 anos constatou, bém se relacionam positivamente (p = 0,31). Em
a partir da aplicação do índice DAI, que 45,76% outras palavras, quando um CD considera im-
apresentaram necessidade de tratamento orto- portante a realização de um determinado trata-
dôntico, sendo 26,29% de tratamento “eletivo”, mento, os demais também são por ele conside-
8,29% de “desejável” e 11,18% de “mandatório”14. rados importantes.
Já em Belo Horizonte (MG), em 2003, a preva-
lência de maloclusão foi de 62,2% aos 10 e 12 Aptidão para realizar os tratamentos
anos e de 61,3% aos 13 e 14 anos. A necessidade ortodônticos preventivos e interceptativos
normativa de tratamento ortodôntico a partir
do índice DAI foi de 52,3%15. A maioria dos CD respondeu sentir-se “pou-
Constata-se, portanto, a importância da as- co apta” para realizar os tratamentos elencados
sistência aos indivíduos com oclusopatias e sua no questionário (Tabela 3), sendo os percentuais
necessária inserção na AB à saúde9,15, mas não de 51,5% para manutenção de espaço, 59,4% para
sem se observar a opinião dos sujeitos a respeito recuperação de espaço, 54,7% para controle de
(critérios subjetivos autopercebidos), uma vez que hábitos bucais deletérios, 53,1% para mordida
se sabe que os critérios normativos (tecnicamen- cruzada e 59,4% para mordida aberta.
te definidos) para tratamento ortodôntico su- Tais dados corroboram os resultados obti-
perestimaram a prevalência dos problemas oclu- dos por Castro10, onde especificamente para os
sais quando comparados à percepção das pesso- procedimentos que envolvem a instalação de apa-
as. É preciso se considerar que na sociedade oci- relhos ortodônticos, a maioria dos CD se consi-
dental, a demanda por tratamento ortodôntico dera pouco capacitada, muito pouco capacitada
é um fenômeno cultural (parcialmente mediado ou não capacitada, sendo os percentuais de
pela capacidade de pagamento), de modo que a 69,38% para correção da mordida cruzada ante-
decisão sobre intervir ou não deve ponderar tam- rior, seguido da instalação de aparelho para cor-
bém o significado cultural e social do aspecto reção da mordida cruzada posterior (68,90%),
dento-facial para cada indivíduo16. para recuperação de espaço (67,31%), para cor-
Ainda com relação à necessidade percebida reção de hábitos bucais (66,99%) e para manu-
pelos CD dos tratamentos ortodônticos na AB, tenção de espaço (57,89%). Desta forma, eviden-
vale atentar para a relação inversamente propor- cia-se que os profissionais se sentem desprepa-
cional entre o tempo de atuação profissional e na rados para tais procedimentos.
AB, e a necessidade percebida para todos os tra- Neste estudo, chama também a atenção um
tamentos citados (Tabela 2), ainda que apenas percentual significativo de CD que se considera
para manutenção de espaço tal correlação (ρ = “nada apto” para realizar manutenção de espa-
– 0,358) tenha apresentado significância estatís- ço, recuperação de espaço, tratamento de mor-
tica. Em outras palavras, quanto maior o tempo dida cruzada e de mordida aberta (21,9%, 31,3%,
de atuação profissional e na AB, menor a neces- 28,1% e 29,7%, respectivamente). Já em relação
sidade sentida pelos CD de tratamentos orto- ao controle de hábitos bucais deletérios, houve
dônticos nas UBS. Algumas possíveis explicações um posicionamento diverso: 21,9% dos CD se

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Tabela 2. Correlação de Spearman e teste de significância estatística no cruzamento entre as variáveis.

Tempo Tempo Necess. Aptidão Necess. Aptidão


atuação AB man. man. rec. rec.
profissional espaço espaço espaço espaço
Tempo atuação profissional
correlação ρ 1,000 ,884 -,358 -,366 -,188 -,250
significância p . ,000 ,004 ,003 ,136 ,046
Tempo AB
correlação ρ ,884 1,000 -,285 -,382 -,037 -,212
significância p ,000 . ,024 ,002 ,772 ,092
Necessidade manutenção espaço
correlação ρ -,358 -,285 1,000 ,092 ,543** ,088
significância p ,004 ,024 . ,477 ,000 ,493
Aptidão manutenção espaço
correlação ρ -,366 -,382 ,092 1,000 ,010 ,646
significância p ,003 ,002 ,477 . ,940 ,000
Necessidade rec. espaço
correlação ρ -,188 -,037 ,543 ,010 1,000 ,078
significância p ,136 ,772 ,000 ,940 . ,539
Aptidão rec. espaço
correlação ρ -,250 -,212 ,088 ,646 ,078 1,000
significância p ,046 ,092 ,493 ,000 ,539 .
Necessidade controle hábitos deletérios
correlação ρ -,149 -,065 ,363 ,099 ,458** ,189
significância p ,243 ,615 ,004 ,444 ,000 ,138
Aptidão controle hábitos deletérios
correlação ρ -,221 -,128 ,147 ,591 ,182 ,540
significância p ,082 ,316 ,254 ,000 ,154 ,000
Necessidade trat. M.C.
correlação ρ ,108 ,129 ,031 -,054 ,358** ,003
significância p ,398 ,310 ,811 ,675 ,004 ,981
Aptidão trat. M.C.
correlação ρ -,125 -,139 -,033 ,552 ,047 ,758
significância p ,324 ,275 ,795 ,000 ,709 ,000
Necessidade trat. M.A.
correlação ρ -,063 -,051 ,332 ,023 ,362** ,099
significância p ,620 ,692 ,008 ,857 ,003 ,434
Aptidão trat. M.A.
correlação ρ -,219 -,199 ,115 ,662 ,098 ,745
significância p ,082 ,115 ,368 ,000 ,442 ,000

continua

consideram “muito aptos” e 10,9%, “totalmente baixa frequência de profissionais capacitados


aptos” (Tabela 3). Essa diferença talvez possa ser para realização dos tratamentos ortodônticos,
explicada pelo fato de que o controle de hábitos principalmente para os interceptativos. Tais con-
bucais deletérios implica basicamente em orien- siderações também foram ponderadas por Cas-
tações aos pacientes e familiares, de modo que os tro10, considerando os profissionais da AB expe-
CD se sentem mais aptos a intervir nesta situa- rientes e capacitados para realização de diagnós-
ção, mesmo porque em Florianópolis tais orien- tico, para desenvolver ações de orientação e al-
tações estão incorporadas ao Protocolo de Aten- gumas de prevenção, porém pouco capacitados
ção à Saúde Bucal há bastante tempo17. para a confecção e a instalação de aparelhos or-
De todo o modo, os resultados revelam uma todônticos, necessitando de apoio quanto ao

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Tabela 2. continuação

Necess. Aptidão Necess. Aptidão Necess. Aptidão


controle controle trat. trat. trat. trat.
hábitos hábitos M.C. M.C. M.A. M.A.
deletérios deletérios
Tempo atuação profissional
correlação ρ -,149 -,221 ,108 -,125 -,063 -,219
significância p ,243 ,082 ,398 ,324 ,620 ,082
Tempo AB
correlação ρ -,065 -,128 ,129 -,139 -,051 -,199
significância p ,615 ,316 ,310 ,275 ,692 ,115
Necessidade manutenção espaço
correlação ρ ,363** ,147 ,031 -,033 ,332 ,115
significância p ,004 ,254 ,811 ,795 ,008 ,368
Aptidão manutenção espaço
correlação ρ ,099 ,591 -,054 ,552 ,023 ,662
significância p ,444 ,000 ,675 ,000 ,857 ,000
Necessidade rec. espaço
correlação ρ ,458** ,182 ,358 ,047 ,362 ,098
significância p ,000 ,154 ,004 ,709 ,003 ,442
Aptidão rec. espaço
correlação ρ ,189 ,540 ,003 ,758 ,099 ,745
significância p ,138 ,000 ,981 ,000 ,434 ,000
Necessidade controle hábitos deletérios
correlação ρ 1,000 ,113 ,489 -,001 ,568 ,150
significância p . ,380 ,000 ,994 ,000 ,241
Aptidão controle hábitos deletérios
correlação ρ ,113 1,000 -,008 ,590 ,070 ,647
significância p ,380 . ,950 ,000 ,584 ,000
Necessidade trat. M.C.
correlação ρ ,489** -,008 1,000 ,100 ,497 ,083
significância p ,000 ,950 . ,430 ,000 ,514
Aptidão trat. M.C.
correlação ρ -,001 ,590 ,100 1,000 ,042 ,829
significância p ,994 ,000 ,430 . ,743 ,000
Necessidade trat. M.A.
correlação ρ ,568** ,070 ,497 ,042 1,000 ,225
significância p ,000 ,584 ,000 ,743 . ,073
Aptidão trat. M.A.
correlação ρ ,150 ,647 ,083 ,829 ,225 1,000
significância p ,241 ,000 ,514 ,000 ,073 .

M.C. = mordida cruzada e M.A. = mordida aberta. Em negrito, valores com significância estatística.

aporte técnico e à disponibilização de recursos houve essa correlação negativa, porém os valo-
para a definição de planos de tratamento especí- res não foram estatisticamente significativos (Ta-
ficos às oclusopatias. bela 2). Os resultados sugerem, desta forma, que
Ainda acerca da aptidão dos profissionais, quanto maior o tempo de atuação profissional e
foi verificada uma correlação significativa e in- na AB, menor a aptidão dos profissionais para
versamente proporcional entre o tempo de atua- realizar os tratamentos, assim como observado
ção profissional e na AB, com a aptidão para quanto à necessidade sentida pelos tratamentos
realizar tratamento de manutenção de espaço (ρ ortodônticos preventivos e interceptativos. É
= – 0,366) e de recuperação de espaço (ρ = possível que o foco na promoção da saúde e na
– 0,250). Com os demais tratamentos, também prevenção de doenças das novas diretrizes curri-

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Tabela 3. Aptidão dos CD da rede de AB à saúde em realizar os tratamentos ortodônticos preventivos e
interceptativos.

Man. espaço Rec. espaço C.H.B.D. Mord. cruzada Mord. aberta


F P F P F P F P F P
Nada apto 14 21,9 20 31,3 7 10,9 18 28,1 19 29,7
Pouco apto 33 51,6 38 59,4 35 54,7 38 59,4 34 53,1
Muito apto 12 18,8 3 4,7 14 21,9 4 6,3 6 9,4
Total. apto 4 6,3 3 4,7 7 10,9 4 6,3 5 7,8
Total 63 98,4 64 100,0 63 98,4 64 100,0 64 100,0
Perdas 1 1,6 - - 1 1,6 - - - -
Total 64 100,0 64 100,0 64 100,0 64 100,0 64 100,0

F = frequência absoluta, P = percentual.

culares para os cursos de graduação da saúde18 três anos. Entre os fatores ambientais estuda-
seja responsável por esta diferença entre os pro- dos, o hábito de sucção de chupeta foi o mais
fissionais mais jovens e os mais experientes, mas importante na associação com má oclusão, se-
como ponderado anteriormente, haveria que se guido da sucção digital9.
investigar esta e outras possíveis hipóteses expli- Outro estudo realizado com crianças entre 3
cativas a partir de abordagens metodológicas e 5 anos em Araraquara (SP) aponta a influência
mais adequadas. de hábitos bucais na instalação de maloclusões
Cabe ainda mencionar que os cruzamentos na dentição decídua. Numa amostra de 329 cri-
entre a aptidão para realizar os diferentes tipos anças, foi encontrada a presença de hábitos de
de tratamentos ortodônticos apresentaram cor- sucção em 194 delas, havendo 149 com altera-
relações positivas com significância estatística ções de oclusão19.
(Tabela 2), permitindo concluir que quando os Essas pesquisas apontam o grande percentu-
profissionais são mais ou menos aptos para re- al de crianças com hábitos deletérios e a predo-
alização de um determinado procedimento, tam- minante influência destes no desenvolvimento das
bém o são em relação aos demais. Já o cruza- maloclusões, principalmente de mordida aberta
mento entre necessidade de realizar os diferentes e mordida cruzada20, amparando a perspectiva
tipos de tratamentos e a aptidão para realizá-los dos CD de que controlar precocemente tais há-
não mostrou nenhum tipo de correlação. bitos seria um procedimento de maior relevân-
cia em relação aos demais.
Percepção quanto à diferença de Na presente pesquisa, a maioria dos entre-
relevância entre os tratamentos elencados vistados, 81,3% (52), julgou desnecessária a rea-
e necessidade de realização de outros lização de outros tipos de tratamentos ortodôn-
procedimentos ortodônticos na AB ticos preventivos e interceptativos na AB além
dos mencionados no questionário. Os demais
Ao se questionar se haveria diferença na rele- acharam necessários e sugeriram outros trata-
vância entre os tratamentos indicados, 60,9% dos mentos, porém tais sugestões não foram conta-
CD (39) responderam não haver e 39,1%, haver bilizadas por se enquadrarem no rol de procedi-
diferença (25). Entre estes, houve uma concen- mentos já elencados ou por não condizerem com
tração de respostas indicando o controle de há- procedimentos categorizados como preventivos
bitos bucais deletérios (36%), a manutenção de e interceptativos pela literatura.
espaço (28%) e o tratamento de mordida cruza-
da (20%) como sendo os mais relevantes. Interesse quanto à realização de
Em relação aos hábitos bucais deletérios, um procedimentos ortodônticos preventivos
estudo transversal realizado com 2.139 crianças e interceptativos nas UBS
na faixa etária de 3 a 5 anos de Bauru (SP) mos-
trou a prevalência de má oclusão em 51,3% entre Quando perguntados se teriam interesse em
os meninos e 56,9% entre as meninas, sendo sig- realizar os tratamentos em discussão, 32,8% dos
nificantemente mais elevada no grupo etário de profissionais (21) responderam não ter, 64,1%

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deles (41) afirmaram ter interesse desde que fos- de tratar ou encaminhar depende do conheci-
sem capacitados, e os demais 3,1% (2) indica- mento e da experiência individual, mas o espera-
ram ter interesse mesmo sem necessidade de re- do é que os problemas mais simples possam ser
ceber capacitação, por já serem especialistas em solucionados na AB e os problemas mais com-
Ortodontia. plexos, encaminhados para um especialista7,21.
Ao analisarmos as justificativas para o de- Acerca das justificativas para o desinteresse
sinteresse de quase um terço dos entrevistados, dos profissionais atribuídas à sobrecarga da AB
observaram-se como motivos mais citados: so- com as doenças bucais mais prevalentes, por con-
brecarga de serviço – falta de tempo, excesso de ta do excesso de demanda, é possível se questio-
demanda e falta de recursos humanos (10 justi- nar que importância os mesmos atribuem ao
ficativas); entendimento de que a ortodontia, princípio doutrinário da integralidade do SUS,
mesmo a preventiva, não é responsabilidade da ainda mais frente ao panorama anteriormente
AB (5); falta de habilidade/capacitação profissi- discutido de declínio da carie dentária na parcela
onal (4); profissionais em processo de aposenta- mais jovem da população12. Certamente a falta
doria (3); falta de recursos financeiros e de mate- de recursos humanos é um fator dificultador para
riais (2); serviços já oferecidos ainda insatisfató- a resolutividade da AB, mas atribuir tal desinte-
rios ou insuficientes (2); e não gostar de realizar resse à falta de tempo quando a carga horária
procedimentos ortodônticos (1). diária de trabalho não se alteraria em função da
Nas palavras dos profissionais, algumas das maior ou menor integralidade da assistência re-
justificativas foram assim apresentadas: alizada, não parece ser uma justificativa razoá-
Sei da importância deste tipo de tratamento, vel. Talvez haja uma questão de motivação que
mas acredito que deva ser realizado por um profis- pudesse ser trabalhada com esses profissionais,
sional especializado. Outro problema é a sobrecar- no sentido de despertar seu interesse para os pro-
ga da AB. Não adianta fazer leis e promessas e não cedimentos ortodônticos possíveis de serem rea-
ter recursos humanos para que de fato atenda a lizados na AB e para a integralidade do cuidado.
população de forma integral e resolutiva. (CD 6.2) A disponibilização de uma estrutura física ade-
Penso que somente pessoas que não conhecem quada, a definição de protocolos de tratamento,
a realidade das UBS poderiam ter a ideia de fazer além de capacitação profissional e uma adequa-
ortodontia preventiva. Ainda não demos conta dos da gestão do serviço7,10 poderiam ser fatores a
outros procedimentos básicos, o CEO ainda não contribuir nesse sentido.
funciona de maneira completamente satisfatória,
a demanda por serviços de urgência ainda é muito Aspectos que poderiam dificultar
elevada. (CD 15) a introdução de procedimentos
Pela baixa prevalência, acho que a interven- ortodônticos preventivos e interceptativos
ção deve ser realizada totalmente na atenção se- nas UBS
cundária. Acho equivocada a política do Ministé-
rio da Saúde quanto à abordagem da má oclusão Com a finalidade de se prever possíveis bar-
na AB, além de aumentar o custo para o municí- reiras para a realização da ortodontia preventiva
pio com a descentralização deste serviço (equipa- e interceptativa na rede, formulou-se o seguinte
mentos e materiais para confecção de aparelhos). questionamento: “Supondo que a Secretaria
Apesar do declínio da cárie e da doença periodon- Municipal de Saúde fornecesse todas as condi-
tal, estas ainda são as mais prevalentes e, portanto, ções necessárias à ampliação dos procedimentos
o foco da AB. (CD 19.2) ortodônticos preventivos e à implantação dos
Já participo de varias atividades como PSE, procedimentos ortodônticos interceptativos nas
visitas domiciliares, grupos de atenção. Não tenho UBS, como disponibilização de serviços labora-
tempo disponível para isso. (CD 11) toriais e de documentação ortodôntica, pessoal
Analisando-se especificamente a perspectiva auxiliar, materiais de consumo, capacitações pro-
de alguns CD de que os procedimentos discuti- fissionais e oferta de tratamentos ortodônticos
dos deveriam ser realizados somente por profis- corretivos no CEO, que outros aspectos poderi-
sionais especializados, observa-se uma discor- am dificultar a viabilização da realização desses
dância com a literatura que indica que a maior procedimentos”?
parte das ações ortodônticas preventivas e inter- Os fatores indicados como possíveis dificul-
ceptativas pode ser feita pelo clínico geral, pois tadores foram: excesso de demanda (18); falta
são de baixo custo e demandam menor dificul- de recursos humanos (13); precariedade da AB
dade na sua execução20. A decisão do clínico geral ou falta de resolutividade (11); falta de adesão e/

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ou manutenção do tratamento ortodôntico (8); retêm mais alimentos, então a seleção dos pacientes
falta de capacitação e/ou habilidade dos CD e aptos ao tratamento é muito importante [...] Orto-
falta de pessoal auxiliar (7); falta de interesse pro- dontia é bem complexo, pois tratar é fácil, difícil é
fissional por parte dos CD (4); procura por tra- garantir que não haja recidiva com contenções efi-
tamento ortodôntico “apenas” por estética (3); cientes e cooperação do paciente. (CD 35)
aspectos logísticos relacionados a problemas com Como se pode ver, algumas barreiras apon-
os serviços laboratoriais (tempo/fluxo), deslo- tadas pelos CD já estavam contempladas no enun-
camento de pacientes e da documentação orto- ciado da questão, uma vez que se sabe de ante-
dôntica (3); baixa remuneração profissional (2); mão de sua importância para a efetivação da ofer-
falta de recursos financeiros (2); serviços de refe- ta deste tipo de serviço. A reafirmação de tais
rência e contrarreferência ineficazes (2); falta de questões nas respostas, no entanto, parece indi-
espaço e estrutura física (2); necessidade de ma- car uma descrença na real possibilidade da reu-
teriais de qualidade adequada (2); dificuldade em nião de todas as condições elencadas. Da mesma
determinar critérios de seleção (2); entre outros. forma, ao reapresentarem determinados argu-
Nas palavras dos profissionais: mentos, alguns profissionais parecem ter reite-
A demanda. A ortodontia, em virtude de con- rado seu desinteresse em realizar os procedimen-
dicionantes relativamente complexos, tornou-se tos ortodônticos preventivos e interceptativos.
uma moda. São questionáveis e discutíveis quais Problemas com materiais e com a realização
são os critérios que indicam ou não o tratamento de exames complementares são possíveis de se-
ortodôntico, sendo que no mais das vezes são cri- rem evitados ou ao menos minimizados, a partir
térios bastante subjetivos (estéticos).... (CD 44) de uma clara definição dos papéis de cada nível e
Na própria AB, a falta de recursos humanos no setor da rede de atenção em saúde bucal, com
setor de regulação (onde se encaminha o paciente estudos de viabilidade econômica, com gestão
para a atenção especializada), já dificulta o enca- adequada e com a definição e o emprego de pro-
minhamento a qualquer serviço especializado. (CD tocolos de atendimento em cada município10.
23.2) Outros fatores dificultadores mencionados
A desproporção entre equipes de saúde bucal e poderiam ser resolvidos a partir das próprias
equipes de saúde da família, que em Florianópolis condições explicitadas na formulação da pergun-
faz com que muitas equipes de saúde bucal traba- ta, como por exemplo, a dificuldade em se deter-
lhem com uma população muito grande [...] faz minar critérios para a seleção de pacientes, pois a
com que a demanda seja cada vez maior e o dentis- partir das capacitações profissionais, critérios
ta não consegue dar acesso a toda população que técnicos poderiam ajudar nessa tarefa. A propó-
necessita de intervenções clínicas e nem conciliar sito, e para além dos índices, Hebling et al.7 pro-
com suas outras atribuições da AB. (CD 14) põem critérios de inclusão na definição de prio-
A oferta deste tipo de tratamento e o volume da ridades de atendimento, tais como assiduidade,
necessidade verificada na população são díspares. condições de saúde bucal, qualidade da higieni-
Como certamente haverá síndrome do cobertor zação, condições econômicas etc., enquanto Pe-
curto seria fundamental a delimitação de popula- res et al.16 alertam para a importância de se con-
ção prioritária ou de risco [...]. (CD 24) siderar a autopercepção dos sujeitos, uma vez
Em ortodontia é muito importante que seja fei- que existem graus de problemas oclusais defini-
to o acompanhamento mensal do paciente, pelo dos tecnicamente que são aceitáveis pela popula-
mesmo profissional, sem trocar. Então teríamos quer ção e que devem ser considerados na decisão de
ter recursos humanos de ortodontistas o suficiente indicação de tratamento ortodôntico, principal-
para garantir o tratamento ideal, pois o tratamen- mente nos serviços públicos.
to é uma sequência de etapas que variam de técnica Retomando os fatores dificultadores apon-
para técnica e conduta profissional diferente. Os tados, haveria outros ainda que demandariam
materiais devem ser de qualidade, pois a questão discussão e deliberação entre os CD da rede e nas
força é muito importante, no intuito de evitar pro- instâncias de controle social do SUS, mas nenhu-
blemas periodontais e reabsorções radiculares in- ma das possíveis barreiras elencadas parece ser
desejadas. Ortodontia é muito sério, tem que ter realmente instransponível se o estabelecimento
sequência e conscientização do paciente também de critérios para acesso ao serviço forem consen-
(50% é de responsabilidade do paciente de compa- suados, se protocolos de assistência forem defi-
recer a consulta mensal). Temos que ter um bom nidos e adotados, e se a gestão dos recursos físi-
controle de cárie nestes pacientes, pois aparelhos cos, humanos e financeiros for bem conduzida7.

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Aspectos positivos sobre a possível Considerando que buscamos melhorar a saúde


ampliação da oferta de procedimentos da população, acho fantástico! (CD 20)
ortodônticos preventivos e Positivos? Somente para os poucos que forem
disponibilização de procedimentos contemplados e que levarem o tratamento até o
ortodônticos interceptativos nas UBS final. Pode parecer pessimismo, mas depois de x
anos trabalhando no serviço público, estadual e
Quando questionados sobre as vantagens de municipal, penso que tudo que é dado sem a con-
se ampliar e de se implementar procedimentos de trapartida de responsabilidade do recebedor Não
ortodontia na AB os CD mencionaram: preven- funciona, basta se verificar a quantidade de con-
ção de patologias bucais (23); integralidade da sultas especializadas que são perdidas (tanto na
atenção à saúde (16); melhora da saúde e/ou qua- área de odontologia, como médica), os tratamen-
lidade de vida (10); universalidade e/ou amplia- tos que são interrompidos (pelas mais diversas ra-
ção do acesso (10); resolutividade da assistência zões), a falta de adesão a tratamentos nas mais
(8); melhora da “saúde bucal” (7); melhora da diversas áreas. É bom dizer que mantive consultó-
estética (6); efetivação do direito à saúde (4); am- rio particular por 15 anos, portanto tenho experi-
pliação dos postos de trabalho para CD (3); sa- ências nas duas iniciativas. (CD 15)
tisfação profissional (2); ampliação da atenção Vários dos aspetos positivos apontados pe-
secundária e possibilidade de referenciar para a los CD estão de acordo com a literatura e vão ao
ortodontia como serviço de média complexidade encontro da Política Nacional de Saúde Bucal,
(2); valorização da Odontologia (1); e ausência como a prevenção de patologias; a integralidade
de aspectos positivos para a coletividade (1). da atenção à saúde; a melhora da saúde e/ou da
Nas palavras dos CD: qualidade de vida; a universalidade e/ou a ampli-
Estaríamos evitando tratamentos radicais na ação do acesso; a resolutividade da assistência,
fase adulta com exodontias ou cirurgias se tratás- entre outros.
semos as crianças na fase de crescimento adequa- A ampliação e a qualificação da AB estão con-
do. Nos adultos, ofereceríamos condições estéticas templadas também nas diretrizes da Política Na-
e funcionais ideais para uma boa saúde bucal, pois cional de Saúde Bucal visando à ampliação da
dentes com apinhamentos ou com diastemas, por oferta de serviços e buscando a integralidade da
exemplo, são difíceis de higienizar, aumentando atenção, além da equidade e a universalização do
riscos de cáries. Isso tudo está no que chamamos no acesso às ações22. Nessa direção, a rede de AB é
SUS de atendimento integral do paciente. É muito uma ótima alternativa para disponibilizar uma
importante que o SUS ofereça este serviço, assim quantidade maior de serviços e ampliar o aten-
como próteses, pois com certeza isto interfere nas dimento às necessidades da população, incluin-
condições sociais das pessoas, pois o sorriso é o car- do nas Unidades Básicas de Saúde serviços mais
tão de visita. Ter um sorriso saudável implica em especializados, o que nos leva a vislumbrar um
acesso a empregos, melhor remuneração e melhor país com possibilidades de suprir as necessida-
convívio social e, também, interfere nos relacio- des de saúde da população23.
namentos interpessoais. (CD 35) Vale ainda lembrar que o conceito ampliado
Consolidação dos princípios do SUS; satisfação de saúde da Constituição Federal a considera
profissional; valorização da categoria odontológi- dentro de um modelo de atenção integral que
ca com ampliação do mercado de trabalho do SUS; prevê a incorporação progressiva de ações de
qualidade de vida para os usuários. (9.1) promoção e de proteção à saúde, em conjunto
Seria ótimo se tivéssemos a ortodontia na rede com as ações propriamente ditas de recupera-
de atenção, pois o serviço só iria complementar o ção23. Neste sentido, a ampliação da ortodontia
que é oferecido pelo SUS, dando mais resultados ao preventiva e a implementação da ortodontia in-
serviço. (CD 23.2) terceptativa na AB à saúde é altamente desejável,
Só vejo aspectos positivos para os pacientes e epidemiologicamente justificável e, para além de
para nós profissionais: menor tempo para o trata- todos os benefícios mencionados, seria mais uma
mento corretivo, melhora na incidência de cárie das formas do SUS fazer valer o direito de cida-
por diminuição do apinhamento etc. (CD 13.3) dania assegurado em seu arcabouço legal.
Cumprimento dos direitos civis garantidos em
lei pela constituição cidadã. (CD 23.1)

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Considerações finais de prevenção e interceptação às oclusopatias para
a inclusão em programas de saúde bucal, no
De acordo com os profissionais entrevistados é âmbito da AB se faz fundamental. Seria, portan-
desejável que a população disponha de tratamen- to, interessante que cada município que conside-
tos ortodônticos preventivos e interceptativos no re viável a realização de ações ortodônticas pre-
SUS, bem como dos benefícios que essa amplia- ventivas e interceptativas nas Unidades Básicas
ção na cobertura da assistência à saúde lhe tra- de Saúde, com base na literatura e juntamente
ria. Mas, apesar da maioria se posicionar favo- com os profissionais da rede e de seus usuários,
ravelmente e demonstrar interesse na realização estruturassem seus próprios protocolos de aten-
dos procedimentos discutidos na AB, muitos se dimento ortodôntico, adequados às principais
consideram pouco ou nada aptos para a sua re- demandas de cada município.
alização. Assim, ainda que se trate de procedi- Indo além, a oferta desses serviços na AB de-
mentos básicos de ortodontia, seriam necessári- mandaria também a estruturação da sua oferta
os cursos de capacitação e/ou atualização para na atenção secundária, de modo a possibilitar a
os profissionais da rede estudada. integralidade da atenção à saúde e a resolutivida-
Essa conclusão remete a um questionamento de da assistência. Sabe-se do tamanho do desa-
imediato sobre a qualidade da formação acadê- fio, mas o momento parece ser bastante oportu-
mica em nossos cursos de Graduação em Odon- no, principalmente pela recente publicação da
tologia, que se revela no despreparo dos profis- Portaria nº 718/SAS, de 20 de dezembro de 2010,
sionais para diagnosticar, tratar e encaminhar que incorporou na relação de serviços que po-
pacientes com necessidades ortodônticas7,24. Ao dem ser ofertados pelo SUS, os procedimentos
mesmo tempo, aponta para a necessidade de se ortodônticos, antes limitados a pacientes com
continuar com os esforços de integração ensino- anomalias cranianas e bucomaxilofaciais11. Cabe,
serviço já iniciados e de ampliá-los no sentido de portanto, a cada município, estruturar-se para a
um maior apoio institucional e da participação e ampliação e qualificação de seus serviços.
valorização do quadro docente como um todo, Diante de todo o exposto, reafirma-se a inclu-
para que, ao final, o formando se sinta mais fa- são dos tratamentos ortodônticos preventivos e
miliarizado e comprometido com o SUS, capaci- interceptativos nas UBS como desejável, apropria-
tado a atuar na transformação do seu modelo da e possível de ser realizada, acreditando-se na
de atenção, de gestão e de controle social25. tendência apontada de que o tratamento das oclu-
Além de uma adequada formação aos novos sopatias, principalmente as de soluções ortodôn-
profissionais e da educação permanente aos que ticas mais simples, deva estar presente rotineira-
se encontram inseridos na rede, um protocolo mente na assistência à saúde do SUS7.

Colaboradores

SC Guzzo idealizou a pesquisa, coletou, analisou


os dados e redigiu o trabalho. M Finkler idealizou
e orientou a pesquisa, redigiu e revisou o traba-
lho. C Reibnitz Júnior e MT Reibnitz analisaram
criticamente o trabalho e revisaram o artigo.

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Guzzo SC et al.

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