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Alessandro Diogo De-Carli1, Mara Lisiane de Moraes dos Santos2, Albert Schiaveto de Souza3,
Vera Lúcia Kodjaoglanian4, Adriane Pires Batiston5
RESUMO O objetivo do presente trabalho foi analisar o processo de atenção domiciliar nas
Equipes de Atenção Básica que aderiram ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da
Qualidade. Realizou-se um estudo a partir do banco de dados do programa relativos à dimen-
são que avaliou a realização de visita domiciliar e cuidado domiciliar, com ênfase nas práticas
das Equipes de Saúde Bucal. Quase 100% das Equipes de Saúde da Família avaliadas realizam
visita domiciliar. O cuidado no domicílio é realizado por mais de 90% dos profissionais da
equipe mínima, e por aproximadamente 50% dos profissionais da saúde bucal. A saúde bucal
tem desafios a superar em direção a novas práticas na Atenção Básica.
ABSTRACT The objective of the present work was to analyze the process of home care within the
primary care teams that joined the National Program for Access and Quality Improvement. A
study was conducted from the database of the program related to the dimension that has evalua-
ted the accomplishment of home visit and home care, with emphasis on the practices of the oral
1 UniversidadeFederal health team. Almost 100% of the evaluated family health teams perform home visits. The home
de Mato Grosso do Sul
(UFMS) – Campo Grande care is performed by more than 90% of the professionals of the minimum team, and by appro-
(MS), Brasil. ximately 50% of professionals of the oral health team. The oral health team has challenges to
alessandrodecarli@hotmail.
com overcome towards the new practices in primary care.
2 UniversidadeFederal
de Mato Grosso do Sul KEYWORDS Home visit; Oral health; Primary Health Care.
(UFMS) – Campo Grande
(MS), Brasil.
maralisi@globo.com
3 UniversidadeFederal
de Mato Grosso do Sul
(UFMS) – Campo Grande
(MS), Brasil.
albertss@hotmail.com
4 Fundação Oswaldo
Cruz Mato Grosso do Sul
– Campo Grande (MS),
Brasil.
esc.fiocruz@saude.ms.gov.br
5 UniversidadeFederal
de Mato Grosso do Sul
(UFMS) – Campo Grande
(MS), Brasil.
apbatiston@hotmail.com
DOI: 10.1590/0103-110420151050002012 SAÚDE DEBATE | rio de Janeiro, v. 39, n. 105, p.441-450, ABR-JUN 2015
442 DE-CARLI, A. D.; SANTOS, M. L. M.; SOUZA, A. S.; KODJAOGLANIAN, V. L.; BATISTON, A. P.
descritiva. A análise estatística foi realizada EqAB (parametrizada – UBS) com EqSB;
através do software SPSS, versão 20.0, consi- 0,7% (n=124) eram AB (parametrizada –
derando um nível de significância de 5%. UBS) sem EqSB; e 0,5% (n=90) foram infor-
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de madas como outros tipos de equipes. Além
Ética em Pesquisa da Universidade Federal disso, não havia informação quanto ao tipo
do Rio Grande do Sul, sob o protocolo nº de equipe para 0,1% desta amostra (n=17).
21904. Das 12.075 EqSF com EqSB, somente
12.036 delas responderam se o cirurgião-
-dentista realizava ou não cuidado domici-
Resultados liar, enquanto das 328 EqAB (parametrizada
– UBS) com EqSB, 319 responderam a este
No primeiro ciclo do PMAQ foram avaliadas questionamento.
17.202 equipes de saúde, sendo que destas, Os resultados referentes à realização
99,6% (17.034) referiram que realizam visita de cuidado domiciliar pelos enfermeiros,
domiciliar em seu cotidiano de trabalho. médicos, técnicos/auxiliares de enferma-
Do total de equipes avaliadas, 70,2% gem, cirurgiões-dentistas e técnicos/auxi-
(n=12075) eram Equipes de Saúde da Família liares de saúde bucal, tanto das EqSF quanto
(EqSF) com EqSB; 26,6% (n=4568) eram das EqAB (parametrizada – UBS) do Brasil
EqSF sem EqSB; 1,9% (n=328) delas eram estão apresentados na tabela 1.
Tabela 1. Resultados referentes à realização de visitas domiciliares pelos profissionais da Atenção Básica, tanto na ESF
quanto nas UBS no Brasil
Tipo de equipe
Variável/Região do Brasil Total
ESF UBS
Profissionais da equipe que realizam cuidado domiciliar:
Médico
Total (p=0,051) 92,5 (15352) 90,0 (398) 92,5 (15750)
Enfermeiro
Total (p=0,389) 99,0 (16434) 98,6 (436) 99,0 (16870)
Técnico/auxiliar de enfermagem
Total (p=0,993) 94,8 (15727) 94,8 (419) 94,8 (16146)
Cirurgião-dentista
Total (p=0,019) 56,1 (6755) 49,5 (158) 56,0 (6913)
Técnico/auxiliar de saúde bucal
Total (p=0,001) 33,8 (4068) 26,2 (84) 33,6 (4151)
Fonte: Elaboração própria
Os resultados estão apresentados em frequência relativa (frequência absoluta). Valores de p obtidos pelo teste do qui-quadrado, avaliando
a associação entre o tipo de equipe e a realização de visitas domiciliares
Não houve diferença significativa entre e 0,993). Por outro lado, os cirurgiões-
os enfermeiros, médicos e técnicos/auxi- -dentistas e técnicos/auxiliares de saúde
liares de enfermagem das EqSF e aqueles bucal das EqSF realizavam mais visitas
das EqAB (parametrizada – UBS), em domiciliares do que aqueles da AB (para-
relação à realização do cuidado domi- metrizada – UBS), com p=0,019 e 0,001,
ciliar (valor de p variando entre 0,051 respectivamente.
reducionistas na esfera da saúde da família, ainda não são evidentes (PEREIRA ET AL., 2012). Os
privilegiando as ações curativas e negligen- impactos positivos identificados na literatu-
ciando o cuidado integral, que deve ser cen- ra são referentes ao aumento da cobertura e
trado no sujeito e na clínica ampliada. ampliação do acesso aos serviços de atenção
Outros aspectos a serem apreciados são a à saúde bucal com a implantação das EqSB
excessiva demanda reprimida para a saúde na ESF (MATTOS ET AL., 2014; PEREIRA ET AL., 2012).
bucal e a incapacidade dos serviços de A presente análise dos dados da Avaliação
atenção secundária de a incorporarem em Externa do PMAQ vem corroborar com a
suas agendas, o que acaba por sobrecarregar concepção de que a ESF tem produzido re-
as EqSB. Com isso, as ações inerentes a estas, sultados profícuos em relação ao cuidado
no âmbito da AB, ficam comprometidas, e a domiciliar no que se refere à saúde bucal,
atenção integral e a continuidade do cuidado embora a frequência com que estes ocorram
deixam de ser priorizadas (PEREIRA ET AL., 2012), ainda necessite ser potencializada.
perpetuando as práticas de atenção indivi-
dualizadas no âmbito dos consultórios.
Embora esses resultados sejam preocu- Conclusões
pantes e, no que se refere ao processo de tra-
balho, cruciais para que o acesso ao serviço As práticas referentes à visita domiciliar e ao
de saúde qualificado seja contemplado, cabe cuidado no domicílio das equipes analisadas
lembrar que de forma alguma devem servir demonstram que quase a totalidade dessas
para culpabilizações/ações punitivas, pois equipes se refere à realização de visitas do-
isto contraria a orientação indutiva, agrega- miciliares, e que o cuidado domiciliar é re-
dora e dialógica da proposta do PMAQ. Pelo alizado por um percentual expressivo dos
contrário, tais constatações devem ser norte- profissionais médicos, enfermeiros e téc-
adoras da priorização da superação de pro- nicos/auxiliares de enfermagem. Os dados
blemas em busca da qualidade da atenção, evidenciam que a realização da visita do-
cujo movimento deve ser conjunto (gestão- miciliar e o cuidado em domicílio ainda não
profissionais-usuários), dialógico, embasado foram amplamente incorporados nos fazeres
no fomento à cultura da negociação, com da EqSB, e que estas, vinculadas às equipes
vistas às necessidades de saúde dos usuários de ESF, apresentam melhores desempenhos
(PINTO; SOUSA; FLORÊNCIO, 2012). em relação às Unidades Básicas de Saúde
Finalmente, mediante a análise dos dados Tradicionais.
identificamos que as visitas domiciliares e o Constata-se que há importantes desafios a
cuidado em domicílio são mais realizados serem superados para a efetiva reorientação
pelas equipes da ESF do que pelas EqAB do modelo assistencial da AB no País, e que as
tradicionais (parametrizada – UBS). O EqSB ainda têm dificuldades em incorporar
mesmo ocorre quando analisados os dados ações diferentes das historicamente instituí-
referentes ao cuidado no domicílio realiza- das em suas práticas. A Avaliação Externa do
do pela EqSB. PMAQ foi fundamental para desvelar essa re-
Há fortes evidências na literatura de que alidade, e trazer à tona a necessidade de políti-
a ESF interferiu positivamente em alguns cas indutoras ainda mais diretivas em relação
indicadores de saúde, como a mortalidade à inclusão de ações coletivas e no ambiente
infantil (AQUINO ET AL., 2009) e nas internações domiciliar da população adscrita sob a res-
hospitalares por causas sensíveis à AB (VELOSO ponsabilidade das EqSB, visando à transfor-
ET AL., 2009). Entretanto, estudos referentes aos mação das práticas de atenção à saúde bucal
impactos da ESF sobre indicadores de saúde na AB. Recomenda-se, ainda, uma análise dos
bucal são limitados, e os resultados positivos dados do PMAQ que considerem possíveis
diferenças entre as equipes avaliadas nos dis- O PMAQ, em sua amplitude, cumpre o seu
tintos estados e regiões do País, possibilitando papel no sentido de “estimular desde uma
intervenções direcionadas a cada contexto, política nacional até a implantação de dispo-
considerando-se a dimensão continental do sitivos que sejam provocadores de mudança
Brasil e as muitas realidades presentes nos no processo de trabalho cotidiano” (PINTO;
diferentes cenários. SOUSA; FLORÊNCIO, 2013, P. 7). s
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Recebido para publicação em abril de 2014
www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/ Versão final em fevereiro de 2015
Conflito de interesse: inexistente
viewArticle/624/1083>. Acesso em: 10 abr. 2014.
Suporte financeiro: não houve