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Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais
Sumário
Organização
Sérgio Haddad
Autoria Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Camilla Croso Silva (org), Diego Azzi e Renato Bock (Banco Mundial em Foco); Camilla Croso Silva,
Marina Gonzalez e Yana Brugier (OMC em Foco); Akanksha A. Marphatia, Rachel Moussié, Anne-
Marie Ainger e David Archer (O FMI e o investimento no professorado) Introdução ............................................................ 7
Coordenação editorial
Denise Carreira (Programa Pesquisa em Políticas Educacionais da Ação Educativa) 1. Banco Mundial em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos
Assistente editorial países que integram a Iniciativa Via Rápida na América Latina . . . . 15
Fernanda Campagnucci
Tradução para o português
1. A concepção do Banco Mundial sobre Desenvolvimento e Educação ........... 1 tl ,;,-
~·.J
Augusto Calíl (texto FMI) 2. A atuação do Banco Mundial na Educação Básica do Brasil . . . . . . . . . . . . • . . . . . 29
Revisão 3. A Iniciativa Via Rápida na América Latina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..... 54
Carmen Cacciacarro, Marina Gonzalez e Jandira Albuquerque de Queiroz Anexo 1 - Iniciativa Via Rápida na Guiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Projeto gráfico Anexo 2 - Situação dos países que integram a Iniciativa Via Rápida na
SMM Design
América Latina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Foto da capa
Marcello Vitorino/ Ação Educativa
Janeiro de 2008 li. OMC em foco: a comercialização da educação na
América Latina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
1. A educação no marco da OMC e do GATS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . 89
2. Privatização e internacionalização do ensino superior na América Latina .•..... 106
3. Estudos de Caso ....................................................... 124
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Cãmara Brasileira do Livro, SP. Brasil)
Ili. Confrontando as contradições:
Banco Mundial, OMC e FMI : o impacto nas políticas educacionais. ·· São
Paulo : Cortez, 2008. o FMI e o investimento no professorado ......................... 145
Vários autores. 1. A importância da educação e do investimento nos professores ............... 147~. :..-··
Sérgio Haddad (org.)
2. Acertando o gasto com salários: necessidades de professores
Bibliografia.
ISBN 978-B5-249-1354-9 versus macroeconomia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . ... . . 161
1.Banco Mundial 2. Educação e Estado 3. Fundo Monetário Internacional 4. 3. O impacto das politicas do FMI na educação ............................. 178
Organização Mundial do Comércio 5. Política e educação 1. Haddad, Sérgio.
4. O que precisa mudar? ................................................. 188
08-00012 CDD-379
· 5. Recomendações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
Índices para catálogo sistemático:
1. Banco Mundial, OMC e FMI : Políticas educacionais: Educação 379
Abreviaturas e Siglas .............................................. 212
~-;ação
t~ educativa Gt§3J.J;M1SI Autores ............................................................. 214
Rua General Jardim, 660 Rua Santa Luzia, 651 / 17° andar
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www.acaoeducativa.org.br www.actionaid.org.br
Apresentação
Apresentaçao 1 5
marcos de negociação do GATS no que se referem à educação, às ofertas
e aos interesses em disputa e busca contribuir para o monitoramento
da comercialização e da internacionalização da educação na América
Introdução
Latina e no Brasil. A última parte do ensaio traz uma série de estudos
de caso com informações e análises recentes sobre a presença do capital
estrangeiro no ensino superior privado no Brasil .e no continente.
A atuação do FMI em relação à limitação de gastos orçamentários
com o professorado é o tema central do terceiro estudo. Em 2oo5, a Ac-
tionAid internacional publicou dois relatórios sobre o papel do Fundo Depois da Segunda Guerra Mundial, as principais nações do mundo
no investimento de governos nacionais na educação, inclusive na con- decidiram organizar instituições internacionais que pudessem reger e dis-
tratação de professores.' A pesquisa destacou a contradição evidente en- ciplinar a atuação dos países por meio de acordos, tratados e políticas de
tre as restrições orçamentárias impostas pelo Fundo e a necessidade regulação e intervenção em diversos campos, como o econômico, o social,
urgente de mais professores colocada aos governos para que estes atin- o cultural e o ambiental.
jam as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM) e os objetivos da No campo econômico, pela primeira vez, um sistema de regras públicas
Educação Para Todos (EPT). foi adotado para disciplinar as relações financeiras entre os diversos países
O terceiro estudo aqui publicado analisa de perto os gastos com do- por meio da atuação de instituições internacionais. Com esse propósito,
centes em três países: Malavi, Moçambique e Serra Leoa. Buscou-se em 1944, em Bretton Woods, Estados Unidos, foram criadas duas organiza-
compreender o papel do FMI na determinação direta (ou influência in- ções, o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O
direta por meio de medidas macroeconômicas mais amplas) do patamar primeiro com a finalidade de auxiliar na reconstrução e desenvolvimento
dos tetos salariais. A principal contribuição do trabalho é demonstrar dos países membros no período pós-guerra, o segundo, destinado a super-
com clareza a correlação existl'nte entre as políticas macroeconômicas visionar o sistema monetário internacional e garantir uma estabilidade do
e suas inevitáveis conseqüências sobre as políticas educacionais. sistema cambial. Tais instituições financeiras multilaterais (IFMs) passa-
Território "árido" mesmo para a maior parte da sociedade civil or- ram a operar de forma articulada no contexto da globalização econômica
ganizada, a atuação das instituições internacionais e seus impactos pre- internacional para o aprofundamento e a implementação de políticas que
cisam urgentemente ser mais bem compreendidos, debatidos e ques- favoreçam a reprodução do capital global.
tionados. Nesse sentido, com este livro, a Ação Educativa e a ActionAid A atuação nos primeiros anos do BM e do FMI foi complementada por
esperam contribuir para que mais movimentos sociais, organizações, uma série de negociações no campo do comércio internacional, voltadas
grupos de pesquisas, educadores, cidadãos e cidadãs se apropriem dessa prioritariamente para combater o protecionismo estabelecido pelas altas ta-
temática. Questão que exige novos e mais aprofundados estudos, além rifas por parte dos governos nacionais. Essas negociações foram conduzidas
do monitoramento .e do controle social permanentes. No cerne de toda por rodadas periódicas de acordos, tendo como base uma série de regras
a discussão, está a luta para fazer valer a concepção de educação como estabelecidas pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) em 1947.
bem público, como direito humano a ser garantido a todas e a todos. A última rodada de negociação (a rodada do Uruguai, de 1995) criou a Orga-
nização Mundial do Comércio (OMC), mais uma organização supranacional
cuja missão principal é dar continuidade aos acordos de comércio.
Segundo Farias, Quaresma e Miragaya, o FMI:
Educação e OMC
•ver estudo sobre o Fundescola em artigo neste volume. •ver HADDAD e GRACIANO, 2004.
1")1 o.. -............ ..i; .. 1 ""'"' .. e•••· . . ;_,....,,..,.. .............11+;,...,,. ...... ,.... ,.;,....., .. ;,. lntroduçao 1 13
Bibliografia:
'A elaboração deste texto foi coordenada por Camilla Croso; edição de Camila Croso e Vera Masagão;
apoio à pesquisa de Carolina Gil e revisão de Carmem Cacciacarro. Os autores agradecem a colabo-
ração de Marina Gonzalez.
BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na Amêrica latina 1 17
aprofundaram as desigualdades enlre países ricos e pobres, o Banco se viu gramas de reformas das pollticas públicas, como também im-
obrigado a ampliar o leque de setores nos quais deveria investir, incluin- plementa esses programas usando redes de gerenciamento de
do aí principalmente invcslinwnlos na agricultura e nos setores sociais, projetos que funcionam de forma mais ou menos paralela à
para além dos projetos de infraestrutura e industrialização já existentes. administração pública oficial do Estado brasileiro. Trata-se
É a partir do decênio 1970-80 que se acentua, no discurso do Banco, uma da chamada "assistt!ncia técnica".5
preocupação mais recorrente <·nm a questão da pobreza. 2
A década de 1980 consistiu l'IIl um período importante de reorientação O período posterior à segunda metade dos anos 1990 constitui uma se-
do papel e das políticas tanto do Banco Mundial quanto dos demais organis- gunda fase de reformas, que envolve essencialmente o aprofundamento
mos multilaterais de financiam\'nlo, como o Fundo Monetário Internacional das políticas de abertura comercial, desregulamentação e privatização ini-
(FMI). A crise de endividamento dos países do Terceiro Mundo - principal- ciadas nos anos 1980. Aí estão as recomendações de flexibilização do mer-
mente com credores privados-. na qual a América Latina esteve no centro, cado de trabalho e alteração da legislação trabalhista e previdenciária (no
propiciou o contexto político f'm orável para que o Banco assumisse um pa- caso brasileiro, executada pelo governo Lula no ano de 2004), bem como de
pel central na renegociação e garantia dos pagamentos das dívidas externas, reforma do sistema educacional.
na reestruturação e abertura das economias dos devedores e na instituição Em 16 de março de 2005, a indicação, pelo presidente dos Estados Uni-
de condicionalidades para a oblt~nção de novos financiamentos. dos George Bush, do conservador Paul Wolfowitz para a presidência do
É claro que o processo de implantação dessa nova orientação políti- Banco Mundial encerra a era James Wolfensohn, um ex-banqueiro que
ca não se consolidou simultaneamente cm lodos os países, estendendo-se, esteve à frente desse órgão financeiro durante dez anos, com um discurso
como no caso brasileiro, alé l9!l5. Tal orientação corresponde ao conjunto de combate à pobreza e ganho na eficiência dos empréstimos. Em nota de
ele reformas consensuais entre os principais organismos multilaterais se- repúdio a essa nomeação, a Rede Brasil afirma que a nova direção prova-
diados em Washington, a partir do final dos anos 1980, conhecido como velmente fortalecerá ainda mais o caráter não-democrático e não-transpa-
Consenso de Washington. rente de operacionalização do Banco Mundial, sua resistência ao multilate-
O importante a se ressaltar!- o papel central elas condicionalidades cru- ralismo e à participação da sociedade civil. Ainda segundo essa fonte, sob
zadas como ferramentas para a consecução do ajuste estrutural às econo- a administração Wolfowitz, um dos principais estrategistas da guerra do
mias endividadas do Terceiro l\ l undo. Tais condicionalidades entrecruzam Iraque, é bem possível que haja uma maior integração entre as políticas de
exigências vinculadas aos proj<'los específicos em negociação com o Banco empréstimo do Banco e as prioridades bélicas e militares dos Estados Uni-
a outras referentes aos programas de ajuste estrutural, que podem até mes- dos; a tónica do discurso de Wolfowitz deve ser a construção de políticas
mo atingir as políticas internas dos países e provocar mudanças na sua que vinculem democracia e segurança." O Banco passa a ser, de maneira
legislação'. Como destaca Man·11s Faro, secretário executivo ela Rede Brasil sem precedentes, um braço da política externa norte-americana, mais do
sobre Instituições Financeiras i\l ultilaterais 4 : que um organismo pluralista. 7
No que concerne às políticas educacionais do Banco, está atualmente
O impacto do Banco Mundial sobre as políticas públicas é em curso um processo rigoroso de avaliação da eficácia de seus inves-
imenso. É espantoso qu1· a maior parte da opinião pública timentos em educação primária desde 1990. Um comitê, supostamente
no Brasil não tenha claffza a esse respeito. O Banco não so- autónomo, constituído pelo Banco, do qual faz parte o ex-ministro da
mente formula condicionalidades que são verdadeiros pro- educação do Brasil, Paulo Renato Souza, está encarregado de analisar
'SOARES, Maria Clara. Banco Mundial: políticas e reformas. ln:TOMMASI, L De; WARDE,J. M.; HADDAD, a eficácia dos projetos em educação financiados por essa instituição,
S. (Orgs.). O Banco Mundial e as Politicas Educacionais. São Paulo: Cortez/Ação Educativa/PUC-SP, que somam mais de dez bilhões de dólares. Pára David Archer, diretor
1996. pp. 15-40. internacional para educação da ActionAid e também membro do comitê,
' SOARES, Maria Clara. op. cit.. 1996.
' Este estudo utilizará o nome Rede Brasil para referir-se à Rede Brasil sobre Instituições Financeiras 5
Entrevista da Ação Educativa com Marcus Faro. Por Diego Azzi, março de 2005.
Multilaterais.ARedeBrasilreúne64organiz;1çõesfiliadas,comoobjetivocomumdeacompanhareintervir
• Nota de repúdio da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais à indicação de Wolfowitz
em questões relativas às ações de instituições financeiras multilaterais - IFMs- no Brasil, como o Grupo
para presidir o Banco Mundial. Brasília, 17 de março de 2005. Disponível em www.rbrasil.org.br.
Banco Mundia l,o Banco 1nteramericanodeDesenvolvimento-BIDeoFundo Monetáriolnternacional-FMI. 7 Para uma visão européia da indicação de Wolfowitz, ver: The Economist. The World Bank:Wolfatthedoor.
(Fonte: www.rbrasil.org.br - Histórico).
19 a 25 de março de 2005.
18 J Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto na•, politicas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina J 19
a avaliação do impacto do.Banco Mundial sobre a educação não pode se acordo, tanto pelo Banco quanto pelo FMI. [Isto é],( ... ) apesar de o Banco e
ater apenas aos projetos educacionais isoladamente: o Fundo desempenharem papéis diferentes, não se pode ter um sem ter o
outro. ( ... ) Estudos já estipularam que os projetos financiados pelo Banco
Para avaliar o impacto do Banco Mundial sobre a educação Mundial trazem uma média de 114 condicionalidades, se forem computa-
não se pode olhar apenas para o quanto o Banco tem gasto das as do FMI que são automaticamente vinculadas a eles". 12
(. ..), pois o Banco financia pequenos projetos aqui e al~ mas o As formas de cooperação envolvem o desenvolvimento de programas
grande impacto sobre a educação se dá a partir das políticas e modalidades de articulação entre esses orµ;anismos, bem como critérios
macroeconómicas que ele tem apoiado junto ao FMI 8 e atividades que promovam o apoio das políticas "financeiras" do FMI e
do Banco às políticas "comerciais" da OMC, visando sempre à liberaliza-
A integração das políticas do Banco com a de outros ção' do comércio de bens e serviços, dentre os quais está a educação. Ain-
da a esse respeito, merece consideração o fato de que os três organismos
organismos multilaterais
apóiam as "Metas de Desenvolvimento do Milênio" (MDM) adotadas pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em Junho de 2000, através de reco-
A integração das políticas do Banco Mundial com as do FMI - in-
mendações e condicionalidades afinadas com as mesmas 13 • No que tange
clusive consolidada pela obrigatoriedade de que os países-membros do
à educação, estas metas são bastante reducionistas quando comparadas às
Banco sejam também membros do FMI - já vem sendo problematizada
metas estabelecidas pela Cúpula Mundial de Educação para Todos, ocorri-
por alguns atores da sociedade civil. No entanto, merece atenção um
da meses antes em Dacar, no Senegal, como se verá mais adiante.
processo mais recente em curso: a aproximação de ambos os organis-
A convergência de iniciativas e orientações desses três organismos não
mos à Organização Mundial do Comércio (OMC). Países como o Brasil,
resultam, entretanto, numa articulação efetiva, chegando até a produzir
que têm se esforçado para endurecer as negociações no âmbito da OMC,
incoerências que, no limite, inviabilizam o cumprimento de metas e con-
passarão a receber cada vez mais pressões do FMI e do Banco para que
dicionalidades. Um bom exemplo a esse respeito é apontado por David Ar-
aprofundem a liberalização comercial, à medida que esta se imponha
cher ao comentar que as metas de inflação exigidas em acordos com o FMI
como condição para se receber novos empréstimos. 9 Já há recomenda-
inviabilizam o aumento dos investimentos públicos em educação uma vez
ções explicitas do Banco nessa direção:
que estes, supostamente, elevariam os índices inflacionários. Pondera, no
entanto, que os Ministros da Fazenda de cada país são também co-respon-
Garantir um resultado preciso, bem-sucedido e pró-desenvolvi-
sáveis por essa situação:
mento da Rodada Doha é critico para o crescimento mundial e
para as perspectivas económicas dos países em desenvolvimen-
Algumas vezes é uma política explícita do FMI, mas em outras é
to. (. ..) Enfatizamos a importdncia dos eeforços de liberaliza-
o Ministro da Fazenda que acredita tanto nos mandamentos do
ção efacilitação comercial nos países em desenvolvimento. 1º
FMI que realmente bloqueia, de umaforrna ou de outra, o aumen-
to no gasto com educação, saúde e outri is gastos sociais (..). 14
Essa cooperação crescente amplia a abrangência das políticas do Ban-
co, gerando condicionalidades cruzadas que subjugam ainda mais os pa-
Certamente, as incoerências entre condicionalidades e metas impostas
íses que têm relações com esses organismos. 11 Segundo a Oxfam, "todos
pelo Banco Mundial e o FMI resultam de uma contradição central entre o
os países que assinam empréstimos do Banco automaticamente recebem
discurso que prioriza o combate à pobreza e o alinhamento efetivo às polí-
um requerimento de que aceitem cada condicionalidade vinculada àquele
ticas de ajuste estrutural, que têm um carátl'r essencialmente excludente.' 5
• Entrevista da Ação Educativa com David Archer. Por Carolina Gil, fevereiro de 2005. Em 1999, o então economista-chefe do Banco, Joseph Stiglitz, foi afastado
• Informe Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, nº 21. op. cit., 2004.
'ºBanco Mundial. Deve/opment Committee Communique. Washington: abril de 2004. 12 MCCALLION, John. Overview of World Bank. ln: Comunidad E-Ducativa, http://www.fronesis.org/
"Informe Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, n' 21. FMI eBanco Mundial promovem prolat.htm. Glasgow: Oxfam.
alibera/izaçãoComercia/.AnálisedodocumentoWT[TF/COH/S/9-CoherenceinGlobalPolicyMakingand "Informe Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, n' 21. op. cit., 2004.
Cooperation between theWTO, the IMFand the World Bank. Brasília, 23 de outubro de 2004. Disponível em 14
Entrevista da Ação Educativa com David Archer. op. cit., 2005.
www.rbrasil.org.br. " SOARES, Maria Clara. op. cit., 1996.
BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos paiscs que integram a IVR na Amêrica Latina 1 21
de seu cargo em conseqüência das críticas incisivas que fez durante a se- Quadro 1
gunda metade dos anos 1990 contra as políticas de ajuste recomendadas Comparação das metas do milênio relalivas à educação e as melas
para os países em desenvolviml'nto, sob o argumento de que elas pressupu- de Dacar
nham que a simples ação das empresas privadas e das forças do mercado
seria capaz de solucionar os problemas sociais. 16 '. Metas de Dacar
Metas do Milênio
Expandir e melhorar o cuidado e a educação
O Banco Mundial e as reformas educacionais: da criança pequena, especialmente para as
crianças mais vulnerâveis e em maior
a mercantilização de um direito
desvantagem.
22 I Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas uoliticas educacionais SM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina 1 23
Foram as MDM e não as metas de Dacar a referência adotada pela Ini- Coraggio, além do cálculo das relações financeiras de custo-benefício, o
ciativa Via Rápida (IVR), mecanismo de financiamento da cooperação inter- instrumental economicista de abordagem dn educação implica, em última
nacional para a área educacional, encabeçada pelo Banco Mundial, que se análise, a gradual introjeção e institucionalização de valores da esfera do
constituiu como a principal ação concreta efetivada no contexto pós-Dacar. mercado no âmbito da educação e da cultura educacional.2 2 Isso se pode
A IVR - como veremos de forma aprofundada na última parte deste ensaio observar como diretriz em documentos do próprio Banco:
- está focada na educação primária e contém uma série de parâmetros
bastante polêmicos, como a recomendação de um teto para o salário de O Banco fortalecerá o apoio a reformas multissetoriais, espe-
professores. No documento de avaliação da Educação para Todos, Plano cialmente aquelas relativas à entrega de serviços (service de-
de ação para acelerar o progresso rumo à educação para todos, o Banco livery). O Banco desenvolve estratégius de assistência na im-
Mundial recomenda a IVR para "superar as dificuldades apresentadas até plementação de reformas relativas à l"ducação e às ta::i·as dos
o momento", sendo necessário "que seja implementado pelos países um usuários (education and userfees). 2 ;
quadro de ações orientadas por resultados", 18 analisados a partir de uma
visão econômica. Oficialmente, o Banco se posiciona contra a cobrança de taxas de ma-
Na mesma perspectiva, durante as últimas décadas o Banco Mundial vem trícula e mensalidades nas escolas de nível prinuírio, particularmente para
recomendando um pacote de reformas educativas para os mais variados alunos pobres, sob o argumento de que reconhece que essas taxas são um
países, 19 que contém, dentre outros, os seguintes elementos centrais:2º impeditivo à malTícula de muitos alunos, especialmente nos países em de-
senvolvimento e naqueles considerados Países Pobres Allamcnte Endivi-
a) Prioridade na educação primária. dados (HIPC, no inglês, critério cunhado pelo FMI e pelo BM). Mas salienta
b) Melhoria da eficácia da educação. que, a fim de zelar pela qualidade no ensino primário, elas não devem ser
c) Ênfase nos aspectos administrativos. retiradas sem que se vislumbre uma l"onle allernaliva que as substitua. Cita,
d) Descentralização e autonomia das instituições escolares, entendida como exemplo de possível saída, que os inY<'Stimentos no ensino superior
como transferência de responsabilidades de gestão e de captação de possam ser transferidos à educação primúria, bem como a porcentagem
financiamento, enquanto ao Estado caberia manter centralizadas as gasta com salários de professores possa ser definida a partir de um teto. 2·1
funções de fixar padrões, facilitar os insumos que influenciam o ren- Similarmente, o Tendências do setor privado em desenvolvimento nos
dimento escolar, adotar estratégias flexíveis para a aquisição e uso de projetos de educação do Banco Mundial foz 11 ma análise das oportunidades
tais insumos e monitorar o desempenho escolar. do mercado educacional para investidores privados e explicita:"( ... ) forta-
e) A análise econômica como critério dominante na definição das es- lecer o papel do setor privado ao longo do l<~mpo nos níveis não obrigató-
tratégias. rios da educação liberará recursos públicos para serem utilizados no nível
compulsório, primário". 25 Em outro docmrn~nto salienta que este nível da
A análise econômica mencionada no último item constitui, segundo educação deve ser destinado aos cuidados do setor público, mesmo que
o Banco Mundial, a metodologia principal para a definição das políticas através do incentivo aos programas de educação a distància/" enquanto os
educacionais, sendo portanto "(...) um instrumento de diagnóstico para demais devem ser gradualmente transferidos à iniciativa privada, 27 uma
começar o processo de estabelecer prioridades (...)". 21 Segundo José Luís vez que são voltados para atender apenas ú.s elites. 28
18
Banco Mundial. Education for Dynamic Economies: Action Plan to Accelerote Progress Towards
Education For AI/ (EFAt Prepared by the Word Bank Staff for the Spring Development Committee
22 CORAGIO, José Luis. op. cit., 1996.
Meeting. 2002.
19
KRUPPA, Sonia Maria Portella. O Banco Mundial e os Políticas Públicas de Educação nos anos 90. " Banco Mundial. Education for Dynomic Economies. op. cit.. 2002. pp. 21.
São Paulo: FEUSP, s.d., mimeo. 15 p. "Banco Mundial. User Fees in Primory Educotion. p. 23, julho 2004.
'º ALTMAN, Helena. lnfluences of the World Bank on the Brazilian education project. Educ. Pesqui.,
25 Banco Mundial. Trends in Private Sector Developmrnt. ln: World Bank Education Projects.
26 Banco Mundial. Education for Dynamic Economies. op. c1t .. p. 22. 2002.
Jan./June 2002, v. 28, n· 1, pp. 77-89.
27 KRUPPA, Sonia Maria Portella. op. cit., s. d.
"Banco Mundial, 1995. ln: CORRAGIO, José Luis. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido
oculto ou problemas de concepção? ln: TOMMASI, L De; WARDE, J. M.; HADDAD, S. (Orgs.). O Banco "Banco Mundial. Informe sobre el Desarrollo Mundial. Servi<'ios para los Pobres. Servicios de Educación
Mundial e as Políticos Educacionais. São Paulo: Cortez/Ação Educativa/PUC-SP, 1996. pp. 75-124. Básica. pp. 113-134. Bogotá, Novembro 2003.
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BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos paisr; que integram a IVR na America Latina 1 25
Em outro documento do Bani ·o Mundial, este afirma que o custo por aluno Além dos recursos financeiros, a assistência técnica oferecida pelo Ban-
na educação primária é bastante menor do que na educaç~'io secundária ou su- co é outro pilar de sua estratégia de implementação das reformas na edu-
perior e recomenda reformas e privatizações nesses níveis mais custosos como cação, assim corno em outras áreas. Diversos especialistas a seu serviço
alternativa para alocar mais recursos do governo para o nível primário.29 constituem urna verdadeira "rede gerencial" no interior da máquina admi-
O Banco ainda desenvolve p1·squisas para verificar se a cobrança de livros nistrativa de cada país para verificar a execução dos projetos. 34
escolares, merenda e uniforme reduz ou não o número de crianças freqüen- As políticas do Banco Mundial têm impacto direto no nível salarial dos
tando as escolas. 30 Os programas de incentivo à freqüência escolar por meio professores. O Banco questiona o pressuposto de que o aumento no salário
de ajuda de custo aos pais dos alunos, como o Bolsa-Escola no Brasil, o Edu- dos professores bem corno do número de alunos por professor se traduzem
que a la Niiia na Guatemala e " Oportunidades no México representam um em melhora da qualidade do ensino. Em seus documentos, argumenta que,
tipo de política atualmente bastante elogiada e financiada pelo Banco, tendo segundo suas pesquisas, a qualidade das instalações escolares ou do material
em vista a meta do milênio relaliva à universalização do ensino primário. didático tem um impacto cerca de dez vezes maior sobre a qualidade do en-
Sob o argumento de envoh 1~r a comunidade, maximizar a eficiência e sino do que o aumento salarial aos professores. No que se refere ao tamanho
obter resultados palpáveis, o Bn 11co propõe que a administração dos recursos das classes, 40-50 alunos por professor é urna média satisfatória.35 Amparado
da educação seja dcscentralizacla, isto é, que os fundos sejam administrados nessas pesquisas, o Banco recomenda que se estabeleça um teto salarial para
o mais diretamente possível pehs instituições escolares, ao invés do controle professores de 3,6 vezes o PIB per capita do país. Existem, entretanto, pesqui-
pelo governo. Mais do que isso, sugere que a responsabilidade por arrecadar sas internacionais auspiciadas pela Unesco que indicam o contrário, valori-
recursos deve ser compartilhada com a comunidade local, relativizando a zando a centralidade do professor para a garantia da qualidade educacional.
responsabilidade do estado em .~arantir o financiamento à educação. A educação é encarada pelo Banco corno a prestação (pública ou priva-
Apesar de o Documento de estratégia para a redução da pobreza, publica- da) de um serviço, e não corno um direito de todos à transmissão e troca de
do em 2001, indicar que não dl'veria haver mais cobrança de taxas em ope- saberes, culturas e valores. Nessa perspectiva, a educação deve ser avaliada
rações escolares primárias, em Taxas dos usuários da educação primária, de com base no desempenho dos professores em fornecer o mais eficiente ser-
2004, o Banco sugere que"( ... ) as comunidades podem levantar recursos em viço aos seus "clientes", os pais. O fortalecimento dos clientes, que deverão
dinheiro ou espécie para linandar projetos"," sobretudo para construção e avaliar a escola pela utilidade mercadológica do produto que o aluno de-
custos de manutenção. Sónia Kruppa destaca que "a educação està entre as monstrar ter adquirido, é apresentado pelo Banco corno um dos pilares para
políticas públicas em processo acelerado de mercantilização",'2 e nos parece a melhoria da educação, seja pública, seja privada. 36
que os pais e as comunidades locais estão sendo cada vez mais envolvidos Segundo José Luís Coraggio, há na perspectiva educacional do Banco,
nessa relação mercantil. A apropriação, por parte do Banco Mundial, da con- "(...) urna correlação entre sistema educativo e sistema de mercado, entre
cepção de descentralização e dl' aproximação da comunidade no âmbito .da escola e empresa, entre pais e consumidores de serviços, entre relações
escola devi~ ser problematizada, já que coloca em risco a própria noção de pedagógicas e relações de insumo-produto, entre aprendizagem e produto,
educaç<io como direito a ser garantido por meio de políticas públicas. esquecendo aspectos essenciais próprios da realidade educativa". 37 Conso-
ante com essa análise, David Archer destaca o seu significado em termos
Ao mesmo tempo em que incentiva a descentralização, no sentido de negação da educação corno um direito: "O Banco Mundial ( ...) só está
da tran.'iferéncia de responsabilidades, o Banco Mundial acena com
interessado no retorno económico, não tem interesse em outros retornos e
apoio até mesmojfnanceim à constituição de sistemas de avaliação
não tem interesse na educação corno um direito". 38
fortemente centralizados,'' incumbindo o governo central de fis-
calizar e propor aprirnommentos tanto de caráter administrativo
quanto curricular - .flmç1lcs, estas sim, que deveriam contar com o
envolvimento das instdncias locais.
34
lnformeda Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. SoibacomooBancoMundialopera
29
Banco Mundial. Poverty Reduction Strotegy Poper. Cap. 19, p. 235. na implementação de reformas. 2004. Disponível em www.rbrasil.org.br.
30
Banco Mundial. User Fees in Primory Ecfucation. op. cit., pp. 29, July 2004. 35
Banco Mundial. Informe sobre el Desarrollo Mundial. Servicios para los Pobres. op. cit., 2003.
31
Banco Mundial. User Fees in Primary Education. op. cit., p. 28, July 2004. 36
Banco Mundial. Informe sobre el Desarrol/o Mundial. Servicios para los Pobres. op. cit., 2003.
32
KRUPPA, Sonia Maria Portella. op. cit., p. 5, s. d. "CORRAGIO, José Luís. op. cit., pp. 102, 1996.
33
KRUPPA, Sonia Maria Portel la. op. cit.. s. d. 38
Entrevista da Ação Educativa com David Archer. op. cit., 2005.
26 I Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto n.1s políticas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina 1 27
Conclui-se portanto que, no âmbito das políticas preconizadas pelo Ban-
co Mundial, a afirmação da educação como um direito universal é subsumi- 2. A atuação do Banco
da ante a perspectiva economicista em mais de um sentido. Primeiramente
porque, visando a restrição do gasto público e a geração de superávit por Mundial na educação
parte dos países pobres e endividados, limitam-se as metas educacionais -
com focalização no ensino primário - e o investimento em insumos essen-
ciais como os professores. Além disso, incentiva a lógica de mercado como
básica do Brasi 1
fator de eficiência dos sistemas de ensino, tanto pelo posicionamento das
familias como consumidoras de um serviço - chamando-as até mesmo a se
co-responsabilizarem por sua manutenção - quanto franqueando os níveis Brasil tem uma população de 186,7 milhões de pessoas e um Pro-
educativos mais elevados à atividade capitalista por meio da privatização.
O duto Interno Bruto (PIB) que em 2006 chegou a R$ 2,3 trilhões,
R$ 12.436,75 per capita. Em 2002 existiam no pais 52,3 milhões
de pobres (pessoas com renda familiar mensal menor que meio salário
mínimo per capita), o equivalente a 30,6% da população, tendo diminuído
desde 1992 nove pontos percentuais. Já a pobreza extrema (renda familiar
mensal menor que um quarto de salário mínimo per capita) atingia em
2002 11,6% dos brasileiros, ou 20 milhões de pessoas. 39 Conforme os cri-
térios da metodologia de cálculo do Banco Mundial, o Brasil se apresenta
bastante próximo de cumprir o primeiro objetivo das Metas do Milênio da
ONU, firmadas em 2000, isto é, reduzir pela metade o número de pessoas
que ganham menos de um dólar PPC 40 por dia até 2015.
Apesar de os números indicarem uma gradual melhora na renda dos
mais pobres de 1992 a 2002, com especial intensidade nos anos 1994 e 1995,
o índice de pobreza ainda é.alarmante, e a extrema (e crescente) concentra-
ção de renda aponta o Brasil como o segundo país mais desigual do planeta,
atrás apenas de Serra Leoa na África. Em 1992, os 20% mais ricos se apro-
priaram de 55,7% da riqueza nacional; em 1996, de 55,8%; e em 2002, de
56,8%. Na região Nordeste os 20% mais riens se apropriam mais da renda
regional do que os 20% mais ricos do Sudeste - 62,6% contra 53,9%. 41
Em termos de estratificação social, a desigualdade económica no Bra-
sil continua a manter a histórica e forte correlação com as diferenças
étnico-raciais da população, sobretudo no que tange aos negros e pardos.
BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos pai'.es que integram a IVR na América latina 1 29
_ _2_fl.Lêa.~c:_Q_tvl_un_dial. OMC e FMI: o imoacto nas políticas educacionais
Segundo dados de 2002 do IBGIUPNAD, dentre os 10% mais pobres da so- Gráfico 1
ciedade brasileira, 35% são brancos e 65% são negros ou pardos e, dentre
o 1% mais rico, 86% são brancos e 14% são negros ou pardos. 42 A taxa de 7,000.0
desemprego no Brasil saltou de 7,1% em 2001para10,5% em 2002 e para
12,5% em 2003.
O Brasil é um dos maiores clientes do Banco Mundial, tendo contraído
desde 1949 empréstimos que chegam a US$ 30 bilhões. Como ilustra o grá-
fico 1, o montante dos empréstimos vem crescendo, e no período 1999-2002
houve privilégio aos setores de proteção social, finanças e leis, justiça e
administração pública. Já o investimento em políticas setoriais, tais como
saúde, agricultura e meio ambiente, diminuiu, exceto no caso da educação,
no qual se verifica ampliação em relação ao período 1995-1998.43
Existiam, em 2005, 53 projC'tos em execução no País, totalizando quase
US$ 5 bilhões em recursos provenientes do Banco.•• Apesar de os investi-
mentos anuais do Banco no país serem de apenas 0,4% do PIB, como parce-
la dos investimentos públicos eles representam significativos 12%.45
o.o
1995 l 1998 1999 1 2002
• Desenvolvimento urbano
• Saúde, nutrição e população
• Transporte ~ Finanças
•• Proteção social
• Petróleo e gás
• Educação
42
BRASIL, Presidência da República do. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - Relatório nacional
de acompanhamento. op. cit., 2004. p. 16 e 19.
"Banco Mundial. Uma parceria de resultados: o Banco Mundial no Brasil. op.cit., 1 de fevereiro de
2005. p. 7.
" Banco Mundial. Grupo Banco Mundial divulga estratégia de assistência ao Brasil para 2004-2007.
News Release No: 2004/173/LAC. Disponível em www.worldbank.org.
45
Banco Mundial. Uma parceria de resultados: O Banco Mundial no Brasil. fevereiro de 2005. p. 5.
Disponível em www.obancomundial.org/index.php/content/view_folder/1259.html.
30 J Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas politicas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos paises que integram a IVR na América Latina J 31
O alinhamento do Brasil Sauer, então presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (UNDIME), muitos municípios n;io estavam preparados para
à concepção educacional do Banco esse processo de municipalização:
~ 21 Ranro Munrtial. OMC r FMI: o imoacto nas ooliticas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos paises q .e integram a IVR na América Latina 1 33
A atuação direta do Banco Mundial na
Quadro 2
educação básica
Projetos atualmente financiados pelo Banco Mundial (BM)
em educação5 7
--
Para além de um alinhaml'nto de visões e políticas educacionais entre
o Banco e o Ministério da Educação, particularmente durante o governo
FHC, há também a ação direta do Banco Mundial na educação brasileira
por meio dos projetos por ele Jinanciados.
Nome ....., Objetivos anunciados
Fundo de Fortalecimento Etapa A: U$160 Melhoria do desempenho, redução das
Segundo o Banco, a instituição é "o maior financiador externo de pro- da Escola til - 05/2002- milhões desigualdades e aumento da eficácia escolar.
FUNDESCOLA Ili BR 12/2006
gramas de educação. Desde 1963, quando começou a financiar atividades 71220 Etapa B: U$ 226,5
nesse setor, concedeu mais d!' US$ 30 bilhões em empréstimos e créditos, 07/2006- milhões
12/2010
e, atualmente, financia 162 projetos em 82 países". O Banco relata que até
2005 foram investidos mais de US$ 2,1 bilhões no Brasil. 55 Na sua ava- Programa de Educação
da Bahia {Fase 2)
04/2001 - U$ 60 Melhoria da qualidade do ensino
07/2006 milhões fundamental e médio; maior acesso ao
liação, a principal problemática da educação básica pública no Brasil diz P070827 ensino médio; melhoria do gerenciamento
respeito ao abandono e à repetência. do sistema.
BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que inteqram a IVR na América latina 1 37
".>CI -
a - Planejamento Eslratégico da Secretaria (PES)
O Fundescola desenvolve uma série de iniciativas que têm como objetivo
Processo gerencial desenvolvido pela secretaria de Educação para o al-
manter as crianças na escol11 até que concluam os oito anos de estudo do en-
cance de uma situação desejada, de maneira efetiva, com a melhor concen-
sino fundamental. São reformas que"[ ...] focalizam o ensino-aprendizagem e
tração de esforços e recursos.
as práticas gerenciais das escolas e secretarias de educação". 67
O quadro 3 sintetiza as três etapas no desenvolvimento do Programa,
b - Sistema de apoio à elaboração do plano de carreira do magistério público
de 1998 a 2010.
Sistema composto por um software, distribuído junto com o livro Pla-
no de carreira e remuneração do magistério e o caderno Plano de carreira
Quadro 3
e remuneração do magistério - estudo dirigido, destinado a fornecer aos
Evolução do Fundescola 68
municípios condições de elaborar o Plano de Carreira e Remuneração do
magistério público.
No FUNDESCOLA 1, implantado de junho de 1998 a junho de 2001, com U$ 62,5 milhões
financiados pelo Banco, a prioridade das reformas foi (a} adequar as escolas a padrões e - Sistema Integrado de lnformaçües Gerenciais (SllG)
mínimos de funcionamento, nos critérios definidos no Programa; (b} auxiliar no Programa composto por 27 sistemas informatizados e interligados, que
planejamento e na provisão de vagas; gestão e desenvolvimento de sistemas educacionais apóia o processo de gestão das secretarias estaduais de educação do Norte,
e (d} 'desenvolvimento" da escola. Nordeste e Centro-Oeste e promove a melhoria de suas condições de ge-
renciamento.
BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos paises que integram a IVR na America Latina 1 39
38 I Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas politicas educacionais
g - Programa de gestão e aprendizagem escolar (Gestar) l·- Padrões Mínimos de Fnncionamcnlo das Escolas (PMFE)
É um programa de gestão pedagógica da escola, orientado para a forma- São as condições básicas e o conjunto de insumos necessários para a
ção continuada de professores do ensino fundamental, avaliação diagnósti- realização dos serviços escolares essenciais e para que o processo de en-
ca e reforço da aprendizagem dos estudantes. Tem como objetivo principal sino-aprendizagem ocorra de forma adequada. Para atingir esse padrão, o
elevar o desempenho escolar dos alunos nas disciplinas de Matemática e Fundescola considerou os seguintes insumos: Pspaço educativo, mobiliário
Língua Portuguesa. O programa utiliza recursos de educação a distância e e equipamento escolar, material didático e escolar e recursos humanos. As
atende professores de 1ª a 4ª séries de escolas públicas. A partir de 2004, diretrizes deverão contribuir para a definição dos padrões mínimos nacio-
também passa a atender professores de Matemática e Língua Portuguesa nais, auxiliando estados e municipios no desenvolvimento e alcance dos pa-
de 5ª a 8ª séries. drões mínimos e na redução das desigualdades existentes entre as escolas.
.d.()I o- .. -- t.A, .... ..f:,.,1 nf.Af""' E;kAI· "';....,,..,..,.. ..... "'""<" nnlitir':lc ,.~11r:)rinn:::aic BM em foco: sua atuacão na educacão brasileira e na dos oaises oue intearam a IVR na América Latina 1 41
lações físicas, como superlotação e necessidade de reformas e
de formação de professores, que correm em paralelo aos diversos progra- equipamentos (atuando na ampliação de escolas, reformas e
mas que o Ministério instituiu. aquisição de equipamentos, com os recursos repassados direta-
É importante ressaltar que, em 2005, havia dificuldades técnico-buro- mente ao caixa-escolar). 73
cráticas de implementação do Fundescola. Segundo publicação da Undime,
era expressivo o número de municípios não habilitados para celebrar con- "As normas do Programa não eram discutidas com o Estado, mas sim
vênios com a administração federal. Por esse motivo, técnicos do Fundes- exigido o seu cumprimento", recorda o senador Capiberibe.
cola e do FNDE visitaram HJ estados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-
Oeste, para orientar prefeitos e secretários estaduais de educação a adotar Por exemplo, para o mobiliário escolar, era obrigatória a
providências urgentes para que seus sistemas de ensino tenham condições aquisição de conjuntos com estrutura de ferro e cadeiras com
jurídicas de receber os recu!'sos, da ordem de R$ 62 milhões. Aqueles que assento e encosto em compensado efórmica, o que contrariava
não conseguirem regulariza 1· suas situações serão retirados da lista de be- 0 Programa de Mobiliário Escolar adotado pelo Estado do
neficiários, e a quota a eles destinada será redistribuída aos que estiverem Amapá. (. ..) Em relação ao currlculo, enfrentamos barreiras
legalmente habilitados. 70 de concepção, principalmente dentro do Projeto Escola Ativa,
Os recursos podem ser investidos na construção, reforma e equipamen- (. .. ) destinado às escolas multisseriadas, que traz uma concep-
to de escolas, formação continuada de professores, apoio didático e peda- ção de currlculo que prima pelo domlnio dos conteúdos cienti-
gógico às escolas do meio !'lira! e no fortalecimento institucional visando ficamente construidos e pelo resultado alcançado pelos alunos,
dotar escolas, órgãos estad11ais e municipais de instrumentos teóricos e em detrimento do saber prévio dos alunos e de suas respectivas
práticos para a formulação de seus planos de desenvolvimento e gestão comunidades.
educacional. 71
Algumas situações que caracterizam a inabilitação são: certidão nega- A experiência do senador Capiberibe como Governador do Amapá o
tiva de débitos de tributos e contribuições federais vencida ou não apre- leva a apontar como principal debilidade:
sentada; balanço contábil rl'l'erente ao exercício anterior ao convênio não
apresentado; certidão negativa de débito emitida pelo INSS vencida ou não [. ..} a padronização das ações que são financiadas sem o ne-
apresentada; comprovante de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas cessário e importante ajuste do Projeto à política educacional
Jurídicas (CNPJ) vencido ou não apresentado; certidão de regularidade jun- desenvolvida por estados e municlpios, posto que naqueles em
to ao FGTS vencida ou não apresentada; documentação apresentada não que a politica educacional se assemelha à política do Fundes-
autenticada em cartório. Os l'ecursos do projeto foram obtidos por emprésti- cola não existirão dificuldades. O ideal seria que o Programa
mo junto ao Banco Mundial e igual contrapartida do governo federal. 72 tivesse abertura para contemplar os estados e municípios que
Por ocupar o cargo de Governador do Estado do Amapá quando o pro- possuam políticas educacionais diferenciadas.
jeto Fundescola começou a ser implantado, o senador Capiberibe (PSB-AP)
1 acompanhou de perto o seu desenvolvimento:
Experiências estaduais
O Amapá estava classificado em duas Zonas Prioritárias: Zona
Os estados do Ceará, Bahia e Pernambuco eram, em 2005, os únicos do
I e II, tendo sido atendidos os oito municípios da primeira,
País a terem um empréstimo para educação básica firmado com o Banco
onde se concentravam áreas com estrangulamento pedagógi-
Mundial simultaneamente ao Fundescola. Eram, portanto, prioridades do
co; estrangulamento de gestão (proporcionando a capacitação
Banco no Brasil, no que se refere à educação. Este estudo se aprofundará
para diretores e demais gestores); estrangulamento nas insta-
no caso do Ceará, após algumas considerações sobre o embrionário pro-
cesso pernambucano.
'ºUNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação. O Fundescola e a cooperação
regional. Boletim 61, 2003.
71
op.cit. 73 Entrevista da Ação Educativa com o senador João Capiberibe (PSB-AP). op. cit., 2005.
72
op. cit.
BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina 1 43
42 I Banco Mundial, OMC e FMI: o impacld nas políticas educacionais
A experiência de Pernambuco - EOUQ os padrões operacionais mínimos em termos de infra-estrutura. O modelo
consiste em uma série predeterminada de elementos essenciais, tais como
Segundo dados do Banco Mundial, o estado de Pernambuco é o segundo livros literários e material didático, mobiliário escolar, como mesas, cadei-
mais pobre da região Nordeste, com 2,6 milhões de pessoas vivendo na po- ras e prateleiras, e infra-estrutura física, garantindo acesso a alunos com
breza. Apesar de ter melhorado seus índices de analfabetismo e de acesso à necessidades especiais, solidez estrutural, falores de segurança e instala-
escola, há uma grande parcela dos pobres que nunca chega a entrar no ní- ções sanitárias. Deve-se notar, entretanto, qtw o projeto financiará apenas
vel fundamental do sistema de ensino, correspondendo a 29% das crianças a reabilitação das escolas existentes e que novas construções serão finan-
das famílias indigentes e a 19% das crianças das famílias muito pobres 74• ciadas apenas pelo projeto Fundescola.
O Projeto Integrado de Desenvolvimento e Melhoria na Qualidade da Os objetivos de reforma do estado também estão explicitados nos docu-
Educação de Pernambuco, conhecido como EDUQ, objetiva financiar po- mentos do Banco, quando afirma que:
líticas educacionais do ensino fundamental ao ensino médio, e acaba de
entrar em "igor com uma duração prevista de quatro anos, de abril de 2005 No sewr de educação, a pesada estrutura administrativa da SE-
a dezembro de 2009, dentre os quais 2006, 2007 e 2008 concentram o maior DUC impede o fornecimento efi,ciente e ç/'etivo de uma educação
volume de investimentos. É um projeto orçado em US$ 52,5 milhões, sendo de qualidade. (. ..) Os professores na sala de aula representam
US$ 21 milhões provenientes do Governo do Estado de Pernambuco. Há apenas 40% do pessoal da SEDUC, sendo que um terço destes
quatro componentes do EDUQ: melhoria da qualidade e da eficiência das têm contrato temporário. (. ..) Portanto, um dos importantes de-
escolas estaduais; melhoria da eficiência, eficácia e inclusão da educação sqfios atuais da SEDUC é caminhar rumo a um modelo admi-
de Pernambuco; apoio à reforma do estado; gerenciamento do projeto 75 • nistrativo que seja mais alinhado e mais consistente com a mo-
A Secretaria de Educação do Estado (SEDUC) manifesta uma expectativa dernização, descentralização e desconcentração do Estado. 77
otimista no Programa, que deve, segundo este órgão, ser entendido como um
conjunto de ações e reformas que extrapolam a esfera da educação: Segundo a SEDUC, aproximadamente 300;., dos recursos totais do proje-
to serão destinados às políticas educacionais e ao apoio a programas volta-
O Eduq é pioneiro ainda por permitir a experiéncia de no- dos para o desempenho insatisfatório de professores, para as altas taxas de
vas práticas de gestão, previstas na Lei Complementar nº 49: repetência, para as grandes distorções idade-série e para a necessidade de
o aperfeiçoamento da Gestão Educacional e a Reforma do Es- consolidar uma cultura de avaliação e exclusão de crianças com necessida-
tado, traneformando a SEDUC em piloto para outras áreas e des especiais do sistema educacional.
secretarias do Governo. Sobre a relação entre a qualificação dos professores e a qualidade da
educação, o Banco é bastante claro na sua concepção:
Dai decorre o fato de que o Eduq não será gerido apenas pela SEDUC,
mas também "(...) será executado por várias unidades administrativas, Enquanto parece haver diversas razões por traz da diferen-
chamadas de Coordenações Executivas (CEx), das Secretarias de Educa- ça de desempenho das escolas públicas e privadas, os dados
ção (SEDUC), Administração e Reforma do Estado (SARE) e Planejamento claramente mostram que ter professores com diploma de nível
(SEPLAN) 75 • superior por si só não levará necessariamente a melhoras na
Ainda segundo a SEDUC, o projeto investirá em garantir que as esco- qualidade do ensino. Pesquisa recente no Brasil confirma que,
las estaduais, incluindo as que atendem comunidades indígenas, possuam no nível secundário, a educação, o salário e as práticas pe-
dagógicas dos professores não têm um significativo impacto
74
Banco Mund ia 1. ProjectAppraisa 1Document. Pernambuco 1ntegrated Development:Ed ucation Qua lity sobre o aprendizado dos alunos.
lmprovement Project. Report n•: 29935-BR. 2004. pp. 8-9. A metodologia do Banco Mundial considera
"famílias indigentes" aquelas com renda insuficiente para comprar uma cesta básica-R$ 73,36em 1999
- e "famílias muito pobres" aquelas com renda insuficiente para comprar comida e satisfazer outras
necessidades básicas - R$ 149,00 em 1999.
75
PERNAMBUCO, Conselho Estadual de Educação. Ata da reunião do dia 5 de abril de 2005. pp. 2.
76 77
SEDUC-PE. Fonte: www.eduq.pe.gov.br/ Idem. pp. 10-11.
441 R•nro M11nrlial OMr r FMI: n imnartn na< nnlitira< tdurarinnai< BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América latina 1 45
O Banco aponta como principais benefícios do projeto aspectos rela-
cionados à concepção estritamente económica, tais como: os estudantes apresentação, saltaram aos olhos dos conselheiros ao menos duas preocu-
entrarem mais bem preparados no mercado de trabalho, terem a possibili- pações fundamentais. A primeira quando a Gerente afirmou que o EDUQ
dade de incremento na sua renda, custando menos aos cofres públicos para não poderia abordar a questão da melhoria salarial dos professores porque
serem educados 78 • o Projeto tem um tempo determinado; e a segunda quando Notaro afirmou
O projeto apresenta os seguintes indicadores de sucesso: que, nos termos do contrato com o Banco Mundial, ao final do Projeto, se-
rão gradualmente pagos pelo governo do estado 53,6 milhões de dólares
':.. ~ -... '
pelo empréstimo equivalente a 31,5 milhões de dólares.
;.,, -.: ~::· ·::f<;~i~1\il;·:\.~·~<:'-"'. ; ~:
l
.·*.~.u~~I1t~.·~·?·,~~r9entu~f;~~;B~;.~i~~i~~.fi~:1~.~~~~':,4~~~~Í~~,:;.
Não apenas com relação à dívida contraída por Pernambuco junto ao
.· Banco, mas também com relação à participação do CEE e da sociedade
fuIJ.dam~ntalde 81% para 86%•. •.... :. . · .. .:·:: ,,.., civil pernambucana na elaboração do projeto, fica evidente o modo pouco
. :
5401
.
:l~:~i!i~:·da, ~~ª··••.de .·P2~:b)J!~~?,;~9.(·.~~sJn~··~Il.4~~~~~t:4~·.·.··.: democrático e pouco participativo por meio do qual o EDUQ foi formulado
e negociado.
*: Melporl1;1. .<l~ ·t;µ:a de aprovação. rio ensin~ fünd~iti~~i'·ae A ata da reunião de apresentação do EDUQ aos conselheiros não deixa
69% p~a.78%.: ·· "' ··· · · • ·· · · · · · ·: dúvidas:
* ~elhoriaAo~lesémperihi> .d()s a..lunos .tlas. escola&. e~~d~~is
nos. testes <Ie avaliação de aprendiza<l~ sist~ma N~cio.r{a1 ci~ Âya,- A Conselheira Edla de Araújo Lira Soares colocou para refle-
liaçfocta. Educação Básica (SAEJ3),d~ for~~ a 'aic~nç~·~.~é.~a xão que, quando o Estado assina um contrato ou um convénio
· nacional. · de receber 31 milhões e pagar 51 milhões, quem se endivida
* ReduÇão da per~entagem de alunos com distorção idade~sé- . não é o Estado, nem a Secretaria de Educação e sim todos os
rie no ensino {und<1mental de 55% pa,ra 4,6º/o:. . . .· . . . · . pernambucanos e pernambucanas, e isso terd grandes impactos
. ·• ~edu_ção d.a .perpentage01 cte a,hm.~s ~om distorção id~de~s~;. cóm relação às políticas públicas que posteriormente o Estado
r.ie no en~~~~ 111Mi~ d~. 68% parfl 60?/o. . . . . . ·. . · de Pernambuco tenha que .financiar. Uma decisão dessa não
~ ~edu,ç~o da, repe~éncia <los alunos das escolas estaduais no pode passar por um estreito grupo, ela tem que ter a participa-
ensin() fun<lanJ,el1Wld~ 31% pata ~30/o. . . .. . . .. . ·. • . ção maior possível de Pernambuco, porque o pagamento [da
*Aumento da taxa de aprovaçãq ~as:.esco}as i~dígénas de60% dívida} vai repercutir na qualidade de vida de todos/as. Para
pai:a 7!)%. · · um projeto desse ter legitimidade social, ele tem que ser discuti-
* Redução da e:va~íio no qiplp fy.ndanJ:ental d~s ~scol11~ in~ge- · do com quem vai pagar o empréstimo. Como o Conselho Esta-
nas de 15% para 10%. . .. . · dual de Educação representa o Estado como um todo, a mesma
* Conclusão do censo do pessoal da educação.. Conselheira falou que um projeto desse tem que deixar claro
* Formulação de estratéglas de médi~ prazo para gestão de quem consentiu com ele. A.firmou ainda que o Conselho poderia
recursos human()s. ter sido chamado no momento em que ele pudesse opinar sobre
* Cumprimento pela SEDUC do teto anual de gastos por pes" a estrutura do projeto, não apenas ser comunicado. 19
soal. ··
Ademais das preocupações expressas pelo CEE de Pernambuco, é im-
No dia 5 de abril de 2005, o EDUQ foi apresentado ao Conselho Estadual portante observar que além de explicitar que o projeto não deve abordar a
de Educação de Pernambuco (CEE) pela professora Teresa Notaro, Gerente questão salarial de professores, o Banco Mundial afirma que não há relação
da Unidade de Coordenação do Programa de Melhoria da Qualidade da entre investimento no profissional de educação e melhoria de desempenho
Educação Básica do Estado de Pernambuco, da SEDUC-PE. A partir da sua dos alunos, e coloca como indicador de sucesso do Programa a consolidação
de um teto para pagamento de pessoal, o que demonstra o baixo valor que
78
Idem, pp. 7-8 e 27.
79
PERNAMBUCO, Conselho Estadual de Educação. Ata da reunião do dia 5 de abril de 2005. p. 5.
BM em foco: sua atuacão na educacão braliileira e na cio'\ nílic-.r" m1r intrnrnm a IVR n~ AmPrir~ 1;1tin;t 1 4~
responsdveis pelo trabalho de todos os conteúdos. Este método
havendo qualquer /!reocupação quanto à opinião das comu- pode ser considerado um dos grandes responsdveis pelo fracas-
nidades envolvidas no processo. Escolas com décadas defun- so quase absoluto de nossos estudantes, tendo sido abolido em
cionamentojoramji:chadas e alunos traneferidos para outras praticamente todos os municípios que o aplicavam Contudo,
instituições. 87 embora em menor número, no estado permanece. 90
Ximenes recorda: Em sua pesquisa, Telensino: que diddtica é essa?, 91 Idevaldo Bodião, pro-
fessor da Universidade Federal do Ceará e atual Secretário de Educação
O Ceará destacou-se na década de 90 como um dos labora- de Fortaleza, apresenta um estudo de caso sobre o telensino no Ceará, dei-
tórios das reformas educacionais posteriormente implantadas xando evidentes as contradições entre o discurso oficial dos formuladores
no País. As conseqüéncias destas reformas são duradouras e do telensino e o cotidiano dos alunos, professores e funcionários nas esco-
de difícil reversão. /A intenção das reformas em execução é] las. São freqüentes as situações em que: a) os alunos estão completamente
de dar maior eficácia ao sistema de ensino após a propagada dispersos em sala de aula, sem o menor envolvimento com a videoaula
universalização do ensino fundamental. Trata-se de preparar que está sendo apresentada; b) os alunos apresentam sérias deficiências de
económica e estruturalmente a rede de ensino para o atendi- leitura, mesmo na conclusão da 8ª série; c) os orientadores de aprendiza-
mento da demando crescente deste nível.68 gem (OA - educadores contratados, com baixa exigência de formação, para
serem animadores e dinamizadores das discussões em aula para múltiplas
Consoante com as re('omendações do Banco de se investir no ensino disciplinas) sentem que não dominam os conteúdos das videoaulas e ficam
a distància, a Secretaria de Educação do Estado do Ceará divulga: inseguros diante dos alunos; d) o tempo das videoaulas é em geral maior
do que o tempo das aulas definidas na grade horária da escola, remetendo
O Telensino foi criado em 1974 e ocupa hoje uma faixa bas- o conteúdo não trabalhado em sala para a tarefa de casa sem retomá-lo na
tante significativa tia oferta de Ensino Fundamental no Estado aula seguinte, uma vez que uma nova videoaula deve ser trabalhada. Basi-
do Ceará. Abrangi· 2.455 escolas da Rede Pública de Ensino camente, a grade curricular não estava sendo cumprida em conseqüência
em 172 municípios cearenses, atendendo a mais de 420.000 da adoção do sistema de telensino.
alunos. (.. .) O te/ensino tem uma proposta comprometida com Para Bodião, "o que ajuda a explicar os altos índices de aprovação é um
o humanismo pedagógico e com aformação de alunos solidd- conjunto de avaliações extremamente condescendentes, principalmente
rios, participativo.~. críticos, criativos, autónomos e reflexivos, nos momentos de reforços bimestrais e, mais ainda, nas recuperações dos
[que] utilizem outros recursos tecnológicos, compatibilizando finais dos períodos letivos".
melhor o tempo, ritmo, níveis de ensino e de aprendizagem da
turma. (. ..) O orientador de aprendizagem atua com dinami- Alguns orientadores de aprendizagem admitiam adotar proce-
zador e mediador rio processo ensino-aprendizagem, aplican- dimentos quefacilitavam as aprovações, em outros momentos,
do dinâmicas quefavorecem a auto-aprendizagem. 69 no entanto, atribulam essas intenções às medidas determinadas
pela administração central(. ..), cujo objetivo era "maquiar". os
A esse respeito, Ximl'nes afirma: resultados escolares. (...) O que se percebe é que, no dmbito
do Telensino, as escolas tem problemas porque devem se en-
É preciso destacar o papel desempenhado pelo Telensino - um quadrar nas cronometragens televisivas, não podem defi,nir os
método baseado 1w transmissão televisiva em que não hd pro- temas curriculares a serem trabalhados, e os seus professores
fessores em sala dl' aula e sim 'orientadores de aprendizagem' não podem, igualmente, escolher as abordagens pedagógicas
87
Entrevista da Ação Educativa com Salomão Ximenes. op. cit., 2005. "' Entrevista da Ação Educativa com Salomão Ximenes. op. cit., 2005.
"Entrevista da Ação Educativa com Salomão Ximenes. op. cit., 2005. "BODIÃO, ldevaldo da Silva. Telensino: que didática é essa? Faculdade de Educação da Universidade
89
CEARÁ, Secretaria de Educação do Estado do. Telensino: Veículo para formação cidadã. Disponível Federal do Ceará. ANPED. Disponível em www.anped.org.br/23/textos/0406t.PDF.
em www.seduc.ce.gov.br/telensino.asp
BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na Amêrica Latina 1 51
para os conteúdos disciplinares, tendo de se restringir a uma Não há por parte da sociedade civil organizada, dos sindicatos
pouco atraente rotina diária. ( ..) O fracasso da escola certa- docentes e da opinião pública uma estruturação da análise e
mente é maior do que mostram os números o.ficiais.02 da critica desta polltica a partir dos tjdtos da intervenção do
Banco Mundial. Este é uma espécie de sujeito oculto, com pa-
A avaliação do Programa Escola Novo Milênio no Ceará estava prevista pel central, mas pouco focalizado pelos movimentos sociais. O
para dezembro de 2005 e deveria observar se o governo atingiu o princi- aprofundamento desta análise é fundamental até para que se
pal índice indicador de sucesso, "um aumento de 15% na porcentagem de possa avaliar quais ações podem ser consideradas positivas e
alunos de 4ª e 8ª série que têm um desempenho satisfatório em português e quais poderiam ser reorientadas, com o advento de uma nova
em matemática, conforme os critérios do Sistema Nacional de Avaliação da proposta de polltica educacional pública" 95 •
Educação Básica (Saeb)". 91 "Com este novo programa Escola Novo Milênio,
tentou-se até a re-ampliação do Telensino como forma de potencializar os Magnolia Said, do ESPLAR - Centro de Assessoria e Pesquisa, destaca
custos, mas esta proposta sofre grande oposição dos docentes, discentes e também o desconhecimento do poder Legislativo sobre essa problemá-
até de funcionários da administração", recorda Ximenes, do CEDECA. tica: "a Comissão de Educação da Assemblóia Legislativa também não
Outro principio da atuação do Banco que é ressaltado por Ximenes é o se preocupa, nem consegue entender a questão.ºª
da descentralização do sistema:
92
BODIÃO, ldevaldo da Silva. op. cit., pp. 6-9 e 13.
93
Banco Mundial. ProjectAppraisal Document. Ceará Basic Education Quality lmprovement Project. op.
95
cit., 2000. Entrevista da Ação Educativa com Salomão Ximenes. op. cit., 2005.
94 96
Entrevista da Ação Educativa com Salomão Ximenes. op. cit., 2005. Entrevista da Ação Educativa com Magnólia Said. Por Diego Azzi, março 2005.
t:;,') 1 n---- ........ .1: .. 1 nlAr'>,. Cli.U•,.. :....,,...,,..,.. ... ., .. nnlít:,..,c- .. ,.i,,,..,,..;,...,...,;C: BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina 1 53
3. A Iniciativa Via Rápida na Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos. Além disso, conta
com doadores multilaterais, dentre os quais o Banco de Desenvolvimento
C::~ 1 n ... - ..... &• .. -..1: .. 1 n&•r,., Cl•I.,.. :_..,. .... +... ..,,.,. ....... 11+:.,,.,,. .. ,.i,,., .. .,;..., .. ,.; .. BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos paise· que integram a IVR na América Latina 1 57
documento incentiva particularmente a focalização no ensino primário.
com menos de US$ 1 por dia (2001) e 79,9% com menos de US$ 2 (2002). 104
Além disso, a Campanha estú em pleno desacordo com o indicador de refe-
Não têm acesso a água potável, 25% da população nicaragücnse, 75% não
rência, que estabelece um tl'lo salarial para professores. Segundo Jellema,
habita áreas com saneamento básico e a mortalidade infantil ronda as 55
esses indicadores foram elaborados por pesquisadores do Banco Mundial
mortes por 1.000 nascimentos. 105 Esses índices colocam a Nicarágua tam-
que estudaram países que tiveram bom desempenho nas metas de Edu-
bém no grupo dos países com menor desenvolvimento social do mundo.
cação para Todos nos últimos dez anos. No entanto, a Campanha acredita
O país ainda detém o mais alto nível de dívida externa per capita do
que se outro conjunto de países tivesse sido utilizado, outro conjunto de
mundo - US$ 1.500 por habitante - e a maior proporção dívida-PIB. A si-
indicadores teria sido desenvolvido.
tuação vem melhorando anualmente após a entrada do país no programa
Atualmente, os países da América Latina e Caribe que participam da
HIPC (Heavly Indebted Poor Countries), mas os gastos com serviços da
IVR são Honduras, Guiana 1· Nicarágua. A situação de cada um deles será
dívida ainda estão em níveis excessivamente altos. A dívida externa nica-
exposta nos tópicos seguintes. Também a Bolívia havia iniciado o processo
ragüense, que soma US$ 6,5 bilhões (2004), 106 poderá ser aliviada em 80%,
para ingressar, mas este não foi levado adiante quando houve mudança de
segundo o FMI, após a adesão do país ao programa HIPC em 2004. 107
governo, em novembro de Q002. No entanto, na reunião da IVR que ocor-
A Nicarágua, como muitos outros países da América Latina, passou por
reu em Brasília em novembro de 2004, a Bolívia foi apresentada como um
reformas no sistema educacional nos anos 1990. A tônica era a modificação
país pronto para ingressar na Iniciativa já em 2005. Veja na Tabela e nos
curricular e a reorganização da gerência educativa, incluindo descentrali-
Gráficos do Anexo 2 a evolução de alguns indicadores educacionais desses
zação do sistema educacional e autonomia das escolas. 108 O país apresen-
três países.
ta indicadores educacionais muito aquém do razoável: 24% da população
adulta é analfabeta (2002), e o tempo de permanência na escola é de somen-
te 4,6 anos, para uma média de 6 anos em países em desenvolvimento. 109
Nicarágua No nível primário se matriculam 108,5% (2002), o que indica distor-
ção série-idade. Além disso, o país detém uma das mais baixas taxas de
Cenário conclusão do curso primário da América Latina - somente 58,5% dos que
se matriculam. No nível médio o índice de matrícula é de somente 60,7%
A Nicarágua é um país localizado a oeste da América Central, tendo (2002). Aos que se matriculam, a qualidade do ensino é baixa. Em 2002,
Honduras ao norte e a Costa Rica ao sul. A população atinge os 5,1 mi- 70% dos alunos da 6ª série atingiram somente o nível básico em língua e
lhões de pessoas (2000), sendo eurameríndios 69%, europeus ibéricos 17%, 80% obtiveram a mesma avaliação em matemática.1 1º No nível superior a
afro-americanos 9% e ameríndios 5% (1996). A Nicarágua é um dos quatro taxa de matrícula cai para 18,5% (2002). Pesa ainda, para a construção do
países latino-americanos que ainda sustentam crescimento populacional cenário educacional nicaragüense, o fato de os altos gastos com serviços da
superior a 2% ao ano. 1º1 Sua economia tem como base a agricultura, que dívida externa impedirem o país de investir mais do que 5,1% do seu PIB
produz 55% do PIB, a indústria, que gera 25%, e o setor de serviços, que no setor educacional.1 11
gera 44% (2000), 1º2 tornando-se a principal atividade econômica do país. Um estudo da Organização Internacional do Trabalho constatou que a
A população economicame11te ativa do país chega a 1,7 milhão e cerca de Nicarágua é o segundo pais onde os professores mais trabalham. O salário
25% encontra-se desempregada (2001).1°'
Além dos níveis de desemprego alarmantes, os piores indicadores so-
,.. Fonte: UN - Human Development Reports- http://hdr.undp.org/statistics/data/indic/indic_24_2_ 1.
ciais da América Latina são os da Nicarágua: 45,12% da população vive html.
5
" Fonte: Idem.
• Fonte: www.nicanet.org/global/hipc.php.
10
107
'º'Os outros três países são: Guatemala. Honduras e Bolívia. Fonte: ARANCIBIA, Juan. Informe preli- Fonte: Idem.
1
minar sobre la situación de la Educación en América Latina. Elaborado para la IEAL (Marzo de 2003), º' Fonte: Unesco.
V conferencia de la Internacional de la Educación para América Latina, realizada em San Jose, Costa 'º' Fonte: Banco Mundial http://devdata.worldbank.org/edstats/SummaryEducationProfiles/Coun-
Rica, 01-04 de Abril de 2003. tryData/GetShowData.asp?sCtry=NIC Nicarágua.
102
Fonte: www.faqs.org/docs/factbook/geos/nu.html. "º Fonte: http://portal.unesco.org/education/en/ev.php-URUD=35963EtURL_DO=DO_TOPICEtURL_
103
Fonte: Idem. SECTION=201.html.
111
Fonte: W\'JW.oxfam.org.uk/what:..we_do/issues/debt_aid/debt_nicaragua.htm.
58 I Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina 1 59
médio de um professor primário nicaragüense variava entre US$ 40 e US$ 1. Alta qualidade dos docentes;
60 mensais em 1998. 112 Salários baixos e jornadas exaustivas levam a gran- 2. Reformulação de currículo escolar;
des taxas de absenteísmo e à conseqüente queda na qualidade do ensino. 3. Promover educação participativa;
4. Garantir o envolvimento da comunidade nos programas educacio-
A Iniciativa Via Rápida nais do governo nicaragüense. 116
A Nicarágua faz parte do grupo inicial de sete países que foram apro- Além dos recursos da IVR, em setembro de 2004 o Banco Mundial apro-
vados para ingressar na Iniciativa Via Rápida. Após ajustes feitos pelos do- vou outros US$ 15 milhões para a implementa~·ão do plano de política edu-
adores, a soma de recursos aprovados foi de US$ 65 milhões, distribuídos cacional. Esses recursos, diferentemente dos US$ 7 milhões da IVR, não
conforme o quadro a seguir. entraram nos cofres nicaragüenses como doa~'iio, mas sim como emprés-
timo a juros zero que deve ser pago em até 40 anos. 117 O acordo estabelece
Quadro 5 - Negociação Orçamentária da IVR na Nicarágua 113 quatro objetivos centrais.
112
Fonte: Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe - PREAL http://
www.cpdoc.fgv.br/projetos/a rq/Prea l_Doc2 l .pdf 116
Fonte: www.usaid.gov/policy/budget/cbj2005/lac/pdf/524-023.pdf
113
Fonte: Global Campaign for Education Briefing Paper. Education for All Fast Track: The No- 117
Fonte: Banco Mundial http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/COUNTRIES/LACEXT/NICARA
Progress Report, 11 de Setembro de 2003. www.oxfam.org.uk/what_we_do/issues/education/down- GUAEXTN/O.,contentMDK:20249 472-menuPK:258694-pagePK :141137-piPK:l 41127-theSitePK:25
loads/gce_noprogress.pdf. Tradução Livre: Renato Bock 8689,00.html.
114 118
Fonte: Banco Mundial - www.worldbank.org/education. Fonte: Banco Mundial http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/NEWS/O.. contentMDK:20249
115
Fonte: Dutch Grant for Education For Ali - Fast Track lnitiative. Gran Number TF053991, 2004. p. 4. 472-menuPK:34465-pagePK:64 003015-piPK:64003012-theSitePK:4607,00.htm.
BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina 1 63
62 I Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais
Um dos grandes entraves ao desenvolvimento hondurenho, assim como blema de suma importância para a educação hondurenha é o absenteísmo
em outros países da América Latina, é a dívida externa. São US$ 4,3 bilhões, dos professores, que ronda os 50%. 132
que representam 61% do PIB ou ainda 122% da receita fiscal do pais, ou Em 1998 o furacão Mitch assolou o pais, contribuindo diretamente para
seja, 22% a mais do que o país arrecada anualmente com impostos. Em a piora do problema educacional. Foram 250 mil alunos da escola primária
2002, o país foi aceito pelo FMI como membro do HIPC - Heavly Indebted e 30 mil do ensino médio que ficaram sem acesso ao ensino, enquanto a
Poor Countries, 124 acenando com a promessa de aliviar a dívida externa em maior parte dos arquivos do Ministério da Educação foi destruída. 133
US$ 556 milhões. Já tendo elaborado um programa de alívio à pobreza, o
PRSP (Poverty Reduction Strategy Paper125), condição para que um país seja A Iniciativa Via Rápida
membro do Programa HIPC, Honduras também se tornou elegível a aderir
à IVR e, de fato, foi o primeiro país latino-americano a ser aprovado pelo O plano chamado "Todos con Educación dP Calidad" foi elaborado para
Banco para receber os recursos do Programa. viabilizar o ingresso de Honduras na Iniciativa Via Rápida - o que veio a
Em relação à situação educacional, a IVR chega ao país num momento em se concretizar em novembro de 2002, ainda que o memorando oficial tenha
que, com 4% do PIB destinado para educação (2000), 126 somente dois terços das sido firmado apenas em outubro de 2003. O objetivo principal deste plano
crianças completam a escola primária, mais de 130 mil, entre 6 e 12 anos, estão é reduzir o déficit educacional e acelerar o caminho em direção ao cumpri-
fora da escola, 20% não possuem dinheiro sequer para comprar caderno, lápis, mento da Meta do Milênio, que trata de assegurar educação primária para
roupas e sapatos para ir à escola e 25% das mulheres são analfabetas. 127 todos até 2015. O montante de recursos total acordado pelos doadores, já
A taxa de alfabetização atingia 80% da população acima de 15 anos em após terem feito ajustes, foi de US$ 78 milhões. conforme mostra o quadro
2001, sendo um marco na história do pais, que em 1985 possuía somente abaixo. Vale ressaltar que, diferentemente da Guiana e da Nicarágua, os
64,2% da população alfabetizada. Os anos de escolaridade subiram de 4,1 recursos para Honduras não estão previstos para sair do Fundo Catalítico e
em 1985 para 4,8 em 2001, mas ainda há muito a ser feito. 128 As matrículas sim de acordos com Alemanha, Suécia, EUA, Canadá e Japão. 131
na escola primária atingiram em 2001 o índice de 105,8%, Já as taxas de No entanto, segundo relatório do Fórum Social da Divida Externa e Desen-
matrícula no nível médio reduzem-se a 32,1% da população da faixa etária volvimento de Honduras, dos US$ 44 milhões prometidos para os 18 primeiros
escolar em 1995 enquanto em 1985 eram de 37,2% 129• Além disso, o desem- meses de implementação do projeto, apenas 500/o foram recebidos. 135
penho dos alunos da 6ª série em matemática e línguas foi baixíssimo em O presidente hondurenho Ricardo Maduro se pronunciou quando da
90% dos casos, mostrando que o objetivo fixado em Jomtiem 150 em 1990, assinatura do acordo, afirmando a prioridade que deveria receber a educa-
de que ao menos 800/o dos alunos alcançassem o ano 2000 com um nível ção na agenda política de seu governo. m O governo hondurenho se com-
mínimo de resultados em leitura, não foi cumprido em absoluto. 131 Um pro- promete a utilizar os recursos da IVR para cumprir os seguintes objetivos
do Memorandum firmado em 14 de outubro de 2003:
'" Fonte: www-ni.laprensa.com.ni/archivo/2005/abril/06/elmundo/elmundo-20050406-01.html
125 Um PRSP - Poverty Reduction Strategy Paper descreve as políticas e programas do governo de um
132
país no que tange a macroeconomia, infra-estrutura e social para promover o crescimento e reduzir Fonte: UNESCO http://portal.unesco.org/education/en/cv.php-URL_I D= 10075EtU RL_DO=DO _
a pobreza. Também faz parte de um PRSP um relatório sobre as necessidades de financiamento ex- TOPICEtURL_SECTION=201.htm 1
terno. Os PRSPs são preparados por governos de forma participativa, envolvendo na sua confecção, m Fonte: UNICEF, 1999 in http://portal.unesco.org/educa tion/fr/ev.php-URL_ID= 15621 EtURL_
a sociedade civil, e parceiros financiadores de desenvolvimento, incluindo o Banco Mundial e o FMI. DO=D0_TOPICEtURL_SECTION=201.html
134
(Fonte: Banco Mundial http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/NEWS/O.. contentMDK:2007808 No Encontro de Oslo, em novembro de 2003, foi lançado pelo Banco Mundial e pelos paises
90/o7EmenuPK:344630/o7EpagePK:34370º/o7EpiPK:344240/o7EtheSitePK:4607,00.html doadores do FTI o Fundo Catalitico. Foram depositados inicialmente no fundo US$ 235 milhões,
12 6 Fonte: Banco Mundial http://devdata.worldbank.org/edstats/SummaryEducationProfiles/Coun- provindos da Holanda, Noruega, Itália e Bélgica, para serem sacados pelos países beneficiados entre
tryData/GetShowData.asp?sCtry=HN D.Honduras 2004 e 2007. Os recursos devem ser entregues a países do FTI que não lograrem acordos bilaterais de
127 Fonte: Oxfam - www.oxfam.org/eng/programs_camp_education_honduras_casestudy.htm financiamento educacional, para que eles possam iniciar a implementação de seus programas de re-
12• Fonte: Banco Mundial http://devdata.worldbank.org/edstats/SummaryEducationProfiles/Coun- forma educacional. Seis países do FTI receberam em 2004 um total de US$ 35 milhões. O lêmen US$
tryData/GetShowData.asp?sCtry=HN D.Honduras) 10 milhões, Niger US$ 8 milhões, Nicarágua US$ 7 milhões, Guiana US$ 4 milhões, Gâmbia US$ 4
129 Fonte: Banco Mundial http://devdata.worldbank.org/edstats/SummaryEducationProfiles/Coun- milhões e Mauritânia US$ 2 milhões. Fonte: Banco Mundial http://wwwl.worldbank.org/hdnetwork/
tryData/GetShowData.asp?sCtry=HN D.Honduras efa/DONORSO/o20MEETING/Novº/o2020/Press0/o20release0/o2024%20 november.pdf
135
''°Cidade na Tailândia onde se realizou a Conferência Mundial sobre Educação Para Todos (EFA) no ano de 1990. Fonte: Foro Social de deuda externa y desarollo de Honduras, 2004, p. 6
136
131 Fonte: UNESCO http://portal.unesco.org/education/fr/ev.php-URL_ID=38271 EtURL_DO=DO_ Fonte: Secretaria de Educación de Honduras www.se.qob.hn/html/index.php?a=NewsEtid_
TOPICEtURL_SECTION=201.html news= 17Etid_cate= 10
641 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas politicas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que •nteqram a IVR na América Latina 1 65
1. Modernização da estrntura do sistema educacional; Além do requisito de desenvolver políticas contra a pobreza, outra exi-
2. Aumento da cobertura, relevância e qualidade da educação; gência do Banco Mundial para a concessão da IVR foi o investimento em
3. Reforço da particip<H,,ão da comunidade e descentralização da edu- estatística e informação, principalmente sobre educação. Para cumprir a
cação, exigência, a Secretaria de Educação de Honduras, apoiada pela UNESCO,
4. Promoção de uma maior eficácia na educação superior; criou um sistema de estatísticas educativas incluindo um registro nacional
5. Apoio a processos de inovação no setor de educação não-formal. de estudantes e um sistema de Planificação Educativa Georreferenciado,
conhecido como mapa educativo. 159
QUADRO 6: Negociação orçamentária da IVR em Honduras 137 Vale notar que, similarmente ao que foi descrito para a Nicarágua, para
o cumprimento das metas da IVR em Honduras é critico o fato de que so-
mente 50% dos US$ 44 milhões iniciais do acordo tenham sido entregues ao
Necessidades financeiras especificadas', 21,5 34,4 30,.1 . 86,1 pais, bem como o fato de o alivio na divida externa ter sido suspenso. 140
na proposta do IVR Outra questão grave envolve os salários dos professores. Para voltar a
Necessidades financeiras ajust<Jdas pelos doadores 12 34 32 78
receber alivio na divida externa, Honduras terá que implementar a con-
Comprometimento dos doadores doadores: tento outro programa de um ano junto ao FMI. Ironicamente, além de ter
Suécia 3,0 3,0 2,Q 8,0
Alemanha o 2,5 2,5 5,Ó
que cumprir as metas de ajuste fiscal e de inflação preceituadas, no caso
Eua 2,0 o o 2,0 de Honduras a instituição exige especificamente que se congele o salário
Canada o 3,0 35,0 6,0
Japão 5,0 5,0 5,ci 15,0 dos professores, os quais considera excessivamente elevados. 141 Segundo
IDA 10,0 14,5 12,5 '37,0 o relatório do Fórum da Dívida Externa e Desenvolvimento de Honduras,
Total
'Diferença financeira em relação à proposta à IVR 11,5 19,9 17,6 49,i tanto o FMI quanto o Banco Mundial têm repetido inúmeras vezes que os
professores têm remuneração excessiva.
Necessidades financeiras ajustadas pelos doadores 2,0 19,5 19,5 41,0 Ainda segundo esse relatório, um professor primário recebe por volta
(Emmi!hõesdedõlar~J de US$ 250 por mês. Tendo em conta a desvalorização da moeda local - a
lempira - frente o dólar, um professor primário ganha hoje menos do que
O Memorando foi assinado pelo Canadá, Alemanha, Japão, Suécia e ganhava em 1989. Naquela época o salário médio era de US$ 286. A cesta
Estados Unidos, bem corno pela Organização Educacional, Científica e básica no país custa em torno de US$ 200, o que demonstra a precariedade
Cultural lberoamericana, o llnicef, o Banco Mundial e o Programa Mun- da vida do professor primário num pais onde se exige o congelamento dos
dial para Alimentação. salários da classe.
Sobre ele o secretário da educação hondurenho, Roberto Martinez Lo- Dessa forma, a situação real do pais encontra um impasse arranjado
zano, declarou em 11 ele março de 2004: pelos órgãos multilaterais. Se o governo implementar o arrocho fiscal e
as medidas recessivas, deixa de investir em políticas sociais bem como no
O Plano Todos com Educação de Qualidade (EFA) pretende salário dos professores, dificultando o cumprimento das metas contidas no
desenvolver até 2015 um ensino e uma aprendizagem de me- memorando da IVR. Por outro lado, se promover políticas sociais efetivas,
lhor qualidade no sistema educacional, universalizar um ano programas de capacitação e valorização do professor, certamente não cum-
do nível pré-básico; rnmbater a deserção, a repetência, a distor- prirá as metas do FMI e perderá o alívio na dívida externa, tão necessário
ção série-idade e tomar mais efetica a obrigatoriedade da Edu- para tecer essas mesmas políticas.
cação Básica bem cumo melhorar o rendimento escolar.138 Vale ressaltar que os gastos com serviços da dívida retiram de circu-
lação fundos que poderiam ser aplicados em políticas sociais efetivas: fo-
137
Fonte: Global Campaign for EducJtion Briefing Paper. Education for Ali Fast Track: The No-
Progress Report, 11 de Setembro de 2003. ns Fonte: Idem
www.oxfam.org.uk/what_we_do/issttes/education/downloads/gce_noprogress.pdf. "ºFonte: Foro Social de deuda externa y desarollo de Honduras. 2004.
Tradução Livre: Renato Bock 141
Fonte: Oxfam - www.oxfaminternational.org/eng/campaigns_camp_education_honduras_cases-
na Fonte: Idem tudy.htm
66 I Banco Mundial, OMC e FMI: o impa··to nas políticas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos paises que integram a IVR na América Latina 1 67
ram US$ 247,9 milhões entre 2002 e 2005, enquanto o gasto estimado com 55% dele conseguido com a agricultura. A indústria se ocupa de 52% e os
políticas sociais estava em torno de US$ 400 milhões anuais. Além disso, serviços de 55% da economia (1998). 146 O Produto Interno Bruto vem enco-
o Furacão Mitch, ocorrido em 1998, gerou perdas materiais da ordem de lhendo a taxas de 2% ao ano. Com isso, é tarefa cada ve:i; mais difícil gerar
US$ 5,0 bilhões, aproximadamente 70% do PIB, o que agravou ainda mais a empregos para os 560 mil trabalhadores que formam a população econo-
situação econômica e social de Honduras. 142 micamente ativa do país e que desde 1994 lidam com uma taxa de 9,1% de
Representantes da sociedade civil elaboraram um documento ao final desemprego ao ano (2000). 147
do Fórum Social da Dívida Externa e Desenvolvimento de Honduras em Guiana foi o quarto país aceito no programa H IPC (Heavly Indebted Poor
2004, com cinco recomendações para a superação do atual impasse: Countries) do Banco Mundial e do FMI. No Programa, credores concorda-
ram em reduzir a dívida externa do país a um quarto, ou algo em torno de
1. Honduras perdeu dois anos na implementação de seu PRSP em razão US$ 255 milhões. Cerca de 45% do PIB anual é gasto com serviços dessa
da falta de aprovação da redução da dívida externa pelo FMI. dívida. Com essa iniciativa os recursos economizados devem ser transferi-
2. Dados os choques externos que a economia hondurenha enfrentou, e dos para políticas de redução da pobreza. Para fazer parte do Programa, o
objetivando a implementação das PRSPs, o país deve receber o alívio governo guianense teve que elaborar o Guyana l'overty Reduction Strategy
na dívida assim que possível. Dessa forma, serão assegurados recur- Paper (GPRSP), e parte desse documento traz mt~didas para o aumento na
sos novos para a sua economia. qualidade da educação no país. O escopo da educação no GPRSP é signifi-
5. Honduras não deve ser condenada por não ter cumprido as metas fis- cativamente mais amplo que na IVR. 148
cais do FMI. Ao contrário, recomenda-se que o órgão assegure metas No que diz respeito à educação, alguns indicadores nos conduzem a um
mais flexíveis e realistas. panorama geral da educação na Guiana. No ano de 2002, 8,4% do PIB foi
4. O FMI não deve, nem indiretamente, se envolver em questões civis. gasto na área educacional. 14" Os adultos têm em média 6,2 anos de estudo,
Deve, sim, aplicar-se na reforma das políticas fiscais para que elas e a taxa de matrícula no nível primário foi de 124,8% em 2002. Esses dados
sejam menos recessivas. nos mostram que, além dos estudantes em idade de freqüentar a escola pri-
5. Doadores bilaterais que se comprometeram a enviar fundos para finan- mária, estão se matriculando pessoas fora da faixa et.1.ria e/ou que as taxas
ciar a educação devem efetivamente disponibilizá-los imediatamente. 143 de repetência são altas. A taxa de matrícula no nh el médio cai para 92,4% e
no nível superior atinge somente 6,1% dos habitantes dentro da faixa etária
para este nível de ensino. 150 Em termos da proporção quantidade de alunos
Guiana por professor, o ensino primário na Guiana conta com um docente para cada
26 alunos. No nível médio o número cai para 19,4 alunos por professor. 151
Cenário Segundo o Ministério da Educação, o desenvolvimento educacional
passou por quatro fases distintas:
A Guiana é um país situado ao norte da América do Sul que faz fronteira
com o Suriname, a Venezuela e o Brasil. A população guianense não ultrapassa
os 760 mil habitantes (2004), sendo constituída em sua maioria de indianos
(49%) e negros (52%). Mestiços formam 12%, e os ameríndios, 6%. Descenden-
146
tes de europeus e chineses compreendem 1% da população (2000). 144 147
Fonte: Banco Mundial - www.worldbank.org/data/countrydata/:iag/guy_aag.pdf
Em torno de 55% da população vive abaixo da linha de pobreza, segun- Fontes: Agência Central de Inteligência - CIA (www.cia.gov/cia/publications/factbook/geos/
gy.html#Econ), Organização Internacional do Trabalho - Caribe lwww.ilocarib.org.tt/system_links/
do o Banco Mundial. 145 A economia produz um PIB de US$ 740 milhões, link_databases.html) e Ministério das Relações Exteriores do Brasil (www.mre.gov.br/portugues/poli-
tica_externa/temas_agenda/narco_trafico/guiana.asp).
142 148
Fonte: Foro Social de deuda externa y desarollo de Honduras. 2004, p. 5. Banco Mundial web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/COUNTRIES/LACEXT/GUYANAEXTN/O.. cont
143
Fonte: Foro Social de deuda externa y desarollo de Honduras. 2004, p. 8. entMDK:20018704~menu PK:328296~pagePK:l 41137~piPK: 14112 7~theSitePK:328274,00.html
149
144 Fonte: Banco Mundial http://devdata.worldbank.org/edstats/SummaryEducationProfiles/Coun-
Fonte: Central lntelligence Agency (CIA). Disponível em www.cia.gov/cia/publications/factbook/
geos/gy.html#Econ tryData/GetShowData.asp?sCtry=GU Y,Guyana
145
Fonte: Banco Mundial. Disponível em www.worldbank.org/cgibin/sendoff.cgi?page=O/o2Fdata0/o2F ''ºIdem
countrydata0/o2Faag0/o2Fguy_aag.pdf 151
Idem
fiR 1 R~nrn M11nrfü~I nMr,. FMI· n imn:lrtn n::ric nnlitir::ric Prhrr::ririnn:lÍC BM em foco: sua atuac-An n;a Prl11r;ar::in hr::icilPir-::J,. n'3 ~l'\t " ... ;,..,. ......... ; ..... - .... - - nm -- "-· :.• .. ' .. 1 c:o
1966 - 1976: Desenvolvimento de um currículo para indígenas e expan- Para enfrentar os desafios colocados, o governo da Guiana desenvolveu
são das oportunidades educacionais. um Plano Estratégico Educacional (Education Strategic Plan - ESP) 2003-
1976 - 1990: Educação µ:ratuita e extensão da oportunidade de acesso. 2007 com o objetivo principal de, até 2015, garantir 11 anos de educação bá-
1990 - 1995: Eqüidade no acesso à educação e aumento da capacidade sica a toda a população guianense - o que inclui um ciclo de cinco anos de
de produzir mão-de-obra qualificada para o futuro econô- ensino secundário. Além desse plano abrangente, existem outros dois, que
mico da nação. abordam a questão da educação: a Iniciativa Via Rápida, focada no ensino
1995 - 2000: Educação µ:ratuita do berçário aos 16anos. 152 primário e aprofundada a seguir, e o já mencionado GPRSP.
O GPRSP aponta a educação como um dos principais componentes da
Apesar de o panorama 1~ntre os anos 1966 e 2000 demonstrar uma me- redução da pobreza e por isso a indica como prioridade nacional. O Progra-
lhora significativa no cenário educacional do país, a presente situação não ma apresenta a educação não só como meio de aumentar o capital humano
está consolidada e pode comprometer a taxa de analfabetismo de 2% alcan- guianense, mas como parte da própria definição de pobreza, e afirma que
çada durante esse período.' ' 3 "se os guianenses desejam vencer a pobreza precisam aumentar o nível de
Segundo o Ministério da Educação, uma questão crítica na Guiana é a educação formal e informal". 156
relativa aos professores. Salários baixos e precárias condições de trabalho Um dos desafios para o Ministério da Educação é integrar melhor essas três
fazem que estes optem por uma aposentadoria precoce, havendo conse- iniciativas. A necessidade de revisar o GPRSP em 2005 e de iniciar um processo
. - 157
qüentemente escassez de professores bem qualificados, os quais acabam para elaborar um novo ESP pós-2007 po de favorecer essa mtegraçao.
por procurar melhores oportunidades em outras regiões do Caribe.
O Ministério reconhece ainda o diagnóstico feito por representantes da A Iniciativa Via Rápida
sociedade civil, que constatam um cenário bastante desfavorável no que
diz respeito à qualidade: "as taxas de aprendizagem nas escolas são extre- A Guiana submeteu o documento intitulado Educationfor Ali: Fast Tra-
mamente baixas; uma grande quantidade de professores é mal qualificada; ck Jnitiative Country Proposal ao Secretariado do EFA em setembro de 2002.
há uma taxa alarmante de absenteísmo de professores e de alunos; e a taxa O Plano foi aceito e endossado pelos doadores que provêm assistência edu-
de analfabetismo funcional ó alarmante". Segundo esses representantes, "o cacional à Guiana juntamente como o secretariado do EFA. Ele contempla
sucesso da Guiana em atinµ;ir acesso universal ao ensino primário erodiu e o ensino primário, buscando suprir o hiato financeiro que existe para o
foi substituído por crescentt~s taxas de repetição e evasão". 154 cumprimento da meta de conclusão universal desse nível de ensino até
Ainda segundo o Ministério, as razões de uma qualidade educacional 2015. O Plano prevê o envio de US$ 45 milhões entre 2003 e 2015, conforme
ínfima no país são muitas. Um período prolongado de restrições financei- apresentado no Anexo 2. 158 Para os anos 2004 e 2005, os fundos deverão sair
ras e cortes no orçamento geraram resultados adversos. Um desestimulo do Fundo Catalítico da IVR.
generalizado e uma crescente cultura de aceitação das condições do sis- Os ministros das finanças e da educação da Guiana assinaram um acordo
tema educacional contribuíram para o desenvolvimento de um cenário para o recebimento de fundos provindos do Fundo Catalítico da lVR em setem-
insatisfatório nas s;ilas de aulas e escolas. Muito precisa ser analisado para bro de 2004. No acordo, os associados (países e órgãos multilaterais) e o Banco
ajudar a compreender como a Guiana deixou de ser considerada um país Mundial se comprometeram a garantir os primeiros US$ 4 milhões até 2007.
modelo no desenvolvimento educacional, com a inclusão de indígenas du- A justificativa central da concessão dessa doação para o país é o cum-
rante os anos 1960, para s1· tornar hoje um dos países mais carentes de primento das Metas do Milênio até 2015. Por isso, o foco principal dos in-
toda América Latina. 155 vestimentos provindos da IVR é o ensino primário. O primeiro parágrafo do
701 Banco Mundial, OMC e FMI: o impactu nas politicas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina 1 71
Memorandum assinado pelo país deixa claro qual a função dos recursos: pios, contemplam questões como reforma curricular, acesso e freqüência
"0 objetivo da doação é apoiar o receptor a atingir a meta de conclusão do no ensino médio, qualificação e remuneração <le professores, entre outros.
ensino primário para meninos e meninas até 2015, através da Iniciativa Via No prefácio do ESP 2003-2007, o Ministro tia Educação, Henry Jeffrey,
Rápida da Educação para Todos". 15" afirma julgar insuficiente e restrito o foco da IVR, que se fixa no ensino pri-
Para garantir que os recursos sejam aplicados segundo o estipulado no mário, e garante que o ESP será voltado para o sistema educacional como
acordo, o contrato pede reuniões regulares com representantes da associa- um todo. O reconhecimento dessa limitação e o esforço que o Ministério pa-
ção que forneceu os fundos, a realização de controles estatísticos periódi- rece fazer no sentido de integrar a IVR e o GPRSP à ESP são pontos bastante
cos, a prestação de contas com relação aos objetivos da IVR bem como o favoráveis. Um outro é o destaque dado aos indígenas - parcela importante
envio de relatórios de participação da comunidade e outros procedimentos da população, que vem ganhado força política, como demonstra a criação
operacionais. Além disso, deve ser produzido um relatório anual, para o do Ministério de Assuntos Ameríndios em 1992. 164
Banco e os associados, mostrando o destino dos fundos e os efeitos das É interessante destacar que, no sentido de contribuir para além da IVR,
politicas educacionais desenvolvidas com eles, assim como o projeto para o governo brasileiro firmou em fevereiro de 2005 quatro acordos com a
destinação dos fundos no ano seguinte. 160 Guiana no que concerne à educação. Os acordos atingirão bolsas de estu-
Uma das cláusulas importantes do contrato diz respeito à educação de do, programas supletivos, cooperação e planejamento de administração na
indígenas, na qual se pede a garantia do país de que os recursos chegarão educação, além de educação profissional tecnológica. O ltamaraty divul-
também às comunidades indígenas. 161 gou a assinatura de um programa executivo na área de educação que vai
Como na Guatemala e em Honduras, preocupa o fato de que na Guiana vigorar entre 2005 e 2008. O Ministro da Educação brasileiro Tarso Genro
apenas 4 milhões dos 45 milhões de dólares serão liberados até 2007, repre- afirmou que "São acordos importantes que vão possibilitar ao Brasil repas-
sentando apenas 8% do total aprovado no plano apresentado à IVR. 162 Como sar um pouco do planejamento e da administração educacional brasileira
apontou a coordenadora da Campanha Mundial, esse é um cenário que para este país" .165
vem se repetindo em outras partes do mundo, para além da América Lati-
na. Apesar de os doadores exigirem metas claras, é difícil imaginar como
os países lograrão cumpri-las com uma parcela extremamente reduzida do
financiamento aprovado.
No caso de Guiana, é interessante notar que a restrição do foco da IVR
nas metas do milênio, e em particular na universalização do ensino primá-
rio, é reconhecida pelo próprio Ministério da Educação. Um relatório de
janeiro de 2005 161 afirma que "se o financiamento relativo à IVR foca em
apoiar a Meta do Milênio de universalização do ensino primário, os objeti-
vos para educação contidos no PRSP da Guiana e no ESP têm um espectro
mais amplo, qual seja, o de melhorar a qualidade educacional em todos os
níveis de ensino e ampliar o acesso das camadas mais pobres e vulneráveis
da população". Ressaltamos que esses outros dois documentos, mais am-
159
Fonte: The Education for All Fast Track lnitiative Catalytic Trust Fund ("EFA-FTI Catalytic Trust
Fund") Grant for the Guyana Education for All Fast Track lnitiative (Grant No. 053679), 2004, p. 3).
160
Fonte: The Education for All Fast Track lnitiative Catalytic Trust Fund ("EFA-FTI Catalytic Trust
Fund") Grant for the Guyana Education for All Fast Track lnitiative (Grant No. 053679), 2004, p. 4.
16
' Fonte: Idem
'"Fonte: www.guyanaundersiege.com/Cultural/Amerindian0/o20Heritage0/o20Month.htm.
165
162 Fonte: The Education for All Fast Track lnitiative Catalytic Trust Fund ("EFA-FTI Catalytic Trust Fontes: Jornal Hora do Povo (www.horadopovo.eom.br/2005/fevereiro/18-02-05/pag3d.htm);
Fund") Grant for the Guyana Education for All Fast Track lnitiative (Grant No. 053679), 2004, p. 1. Ministério das Relações exteriores do Brasil (www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/temas_
163 Fonte: Latham, Michael; Ndaruhuste, Susye Denham, Ed. Universal Basic Education For All by 2005: agenda/narco_trafico/guiana.asp);jornal Folha de 5. Paulo (www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/
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Ministério da Educação da Guiana. 2005. index.php?option=contentatask=view&id= 714&Flag Noticias= 1<emid=830).
721 Banco Mundial. OMC e FMI: o imoacto nas ooliticas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina 1 73
Anexo 1 Anexo 2
Iniciativa Via Rápida na Guiana 166 Evolução da situação educacional em países da
Iniciativa Via Rápida na América Latina 167
Iniciativas ' Resultados Indicador
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~· Aéereiàr a: iníp1eníentaÇão dos Taxa Bruta de Matriculas (O/o)
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·A(ualizar· º5:'•Prggr;imás '.d~.
Nicar~_g-"~------~~~--·- _ _!l_:J,5 ______ __1g~é~-------- ...~o~~------....!Q~
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. ~:dd~a~:.~~jé~~~~~tla: c·iJ;~~i. aurnen;tª?ª :~v:1~ no __fj~j~_:._ ____ !E_ll,~------_1_º! ______1.1_~~ _______ ..1.~~-· - ·-----~~---
entre escalá e,comúr;ih; ~.Atlviciadesêxtra<:utiiC!Jláiés;pjs;.a' Guiana 102,8 93,6 94,6 121,6 124,8
.~(~~('~à~eiM.:;;"'."',\.\:f6:..,·.·.·
-·~~~rágua_____a.a _____ a,s . ___ 11,_s___ _
74 j Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que integram a IVR na América Latina 1 75
Ano · 1985 1990 1995 l2ooo 2002
· Gastos Com Material de Ensino ·
.; Jrr Jí'j1!,1~1'.' >~:~·~~-1, ~.~, ;.-: ,~_, :.~r ' \' . V.·.~- ~;.;) '1,C~" ·~ .. ':·~" :\ '~:, , , {.:
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64,7 Honduras 35 .34,8 34, l 34,l
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89,7 99,2 99,2 Guiana 29,4 29,7 .300 ! 26 i 25,9
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9,9 12,3 12,3 --~~rágua ___ ,_______l_'.3:3. 12,6 .... , 14,7 _ .+ 17,1 15,5
Honduras ! 5, l 5,8 ; 5,5 1
- Guiana --i--.:--1--~:::-·---r-~:~.:--- ---i- - 0,9
OBSERVAÇÕES:
Gasto Por estudante (O/o do PIB per capita)
- GPI - Índice utilizado pela UNESCO. Um GPI igual a 1 indica paridade entre os sexos. Menor que 1
em favor dos meninos e maior que 1 em favor nas meninas. Nos 3 países pesquisados a paridade beira
10 9,6 17,4 8,9
·---------------+---------+------ a totalidade. Fonte: UNESCO - http://www.unicef.org/progressfo1children/2005n2/PFC2WorkingPa-
Honduras per.pdf- Fonte: UNICEF- http://www.unicef.org/infobycountry/guyana_statistics.html -Fonte: UN
--t-·---------------+------------·---t-~-------
Guiana 14,2 24,7 24,7 Development Repor! - http://www.undp.org/hdr2002/indicator/cty_f_GUY.html - Fonte: http://
Taxa de Ingresso na 1' Série (O/o) www.tulane.edu/~internut/Countries/Guyana/guyanarxx.html
Os números em Vermelho se referem aos dados mais recentes fornecidos dentro do horizonte de dois
anos da data requerida
Nicarágua_ ---~28,~-- L ___ 130,2 __ _
__i_::~ _j_ 139,7 17,8
Fonte: Summary Education Profile do Banco Mundial
Honduras ~l_ __ _138,9 __ 128,6 ' 138, 1 138,7 http ://d evdata. wori dba n k.org/ edsta ts/Su mma ryEd uca ti o nPro 1i1 es/Cou n tryDa ta/GetShowDa ta.
Guiana
--+------+--------
96,7 ' 90,8 94,4 155,5 154,5 asp?sCtry=GUY,Guya na
http :// devdata. worldba n k.o rg/ edsta ts/Su mma ryEd uca ti on Prof i les/Cou n tryData/GetShow Da ta.
asp?sCtry=HND,Hon duras
http ://devdata. world ba nk.org/eds ta ts/Su mma ryEd uca tion Prol i 1es/Co un tryData/GetShow Data.
asp?sCtry=NIC,Nicar agua
761 Banco Mundial. OMC e FMI: o imoacto nas ooliticas educacionais 8M cm foco: sua atuação na educação brasileira e na dos países que in•egram a IVR na América Latina 1 77
Evolução da taxa de alfabetização de adultos Taxa Bruta de Matrículas no Nível Primário
105 130%
,-
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1985 1990 1995 2000 2002
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78 I Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais BM em foco: sua atuação na educação brasileira e na dos paises que integram a IVR na America Latina 1 79
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1
O texto que foi recusado pelos EUA, e que previa a criação da OIC, continha as duas visões econô-
micas que se opunham na época, uma visão mais liberal, e uma visão keynesiana, obtendo, portanto,
um equilíbrio entre as diferentes tendências econômicas do momento. Os capitules que continham a
visão keynesiana foram eliminados do texto final do GATT.
90 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacl< nas políticas educacionais OMC em foco: a comercialização da educação na America Latina 1 91
de acesso ao mercado.2 A cláusula da Nação mais Favorecida estabelece (como a ausência de limitações e exceções em cada modo). 3 Se forem esta-
que um pais que abrir seu mercado para outro em determinado setor deve belecidos parâmetros quantitativos, todos os países seriam obrigados a fa-
estender esse privilégio a todos os países participantes do acordo. O Trato zer oferta em uma determinada porcentagem do total de setores presentes
Nacional proíbe a concessão de privilégios a empresas nacionais, discrimi- no GATS. Essa questão ainda não está decidida e muitos países recusaram
nando as estrangeiras, por meio, por exemplo, de incentivos fiscais. Além o que consideraram ser uma modificação injusta dos termos de negociação
das regras que se aplicam a todos os serviços há regras setoriais, que estão e um aumento da pressão sobre os países que não querem liberalizar al-
expostas nos "anexos setoriais" do GATS. Esse sistema de anexos setoriais guns de seus setores.
cria uma certa flexibilidade nas negociações de serviços, pois autoriza a O Brasil adotou uma posição contrária aos benchmarks com o argu-
existência de negociações especificas que se atrelam ao acordo geral do mento de que "não parecem levar devidamenlc em conta a necessidade
GATS. Isso permitiu a conclusão de dois grandes acordos, sobre Telecomu- de respeitar a arquitetura e as flexibilidades construídas no GATS". (WTO,
nicações de Base e Serviços Financeiros, ambos em 1997. set 2005) Na declaração que encaminhou à OMC, o Brasil ressalta que as
O texto do GATS possui sete partes, três delas essenciais para a com- propostas de benchmarks desrespeitam o artigo XIX do GATS, que estipula
preensão das negociações. O segundo capítulo expõe as disciplinas e obri- que "o processo de liberalização deve respeitar devidamente os objetivos
gações gerais, o terceiro capítulo explicita os compromissos específicos em de política nacional e o nível de desenvolvimento de cada membro", e o
termos de acesso ao mercado e trato nacional e, por fim, os anexos espe- artigo IV, que determina que "as negociações devem seguir e respeitar a
cificam as exceções em cada setor. Em princípio, o GATS apenas fornece estrutura vigente e os princípios do GATS, incluindo o direito de especifi-
um parâmetro de negociação e cada país é livre para propor o grau de car em quais setores e em quais dos quatro modos de fornecimento haverá
liberalização que aceita dentro de cada setor, no que diz respeito ao acesso comprometimentos".
ao mercado e ao trato nacional. Segundo a declaração brasileira, as propostas que foram feitas levariam
As negociações do GATS funcionam com um sistema de pedidos e ofer- a uma "rodada de graça" para os países desenYolvidos. Os países em de-
tas. Cada membro da OMC pode pedir a um ou mais membros que se com- senvolvimento seriam os principais, e talvez únicos, contribuintes das ne-
prometam a liberalizar o comércio em determinados serviços. Cada pais gociações de serviço, o que contradiz os artigos IV e XIX, que prevêem uma
que recebe os pedidos tem um prazo para fazer uma oferta inicial, que será maior flexibilidade para os países em desenvolvimento.
comentada e criticada pelos outros membros. Depois de receber essas criti- Outro elemento que gera controvérsias é a questão da regulação do-
cas e propostas, é possível apresentar uma "oferta melhorada". méstica e da obrigatoriedade de um "teste de 1wcessidade" para autorizar
Apenas os setores ou sub-setores ofertados pelos países estão sujeitos às as regulamentações domésticas. O artigo VI-4 do GATS estipula que o Con-
regras do GATS e, dentro de cada setor, apenas os modos que o pais deci- selho de Comércio em Serviços poderá, por meio dos órgãos apropriados,
diu liberalizar. Por exemplo, é possível liberalizar a educação somente nos avaliar se uma regulação doméstica é realmente necessária ou se constitui
Modos 1, 2 e 3, sem liberalizar o Modo 4 - que é a posição de países como apenas uma forma de protecionismo, desobede<'cndo, portanto, ao princí-
a Austrália ou Nova Zelândia. É também possível se engajar em termos de pio do Trato Nacional. Esse artigo abre um espaço sem limites para a inter-
acesso ao mercado sem, no entanto, garantir trato nacional. venção da OMC nas questões de regulamentação doméstica, pois qualquer
Essa flexibilidade da negociação vem sendo, no entanto, questionada país poderá questionar a necessidade de regulamentações alegando que o
pelos países favoráveis a uma maior liberalização dos serviços, pois con- verdadeiro objetivo é favorecer as empresas nacionais.
sideram que as negociações estão lentas e as ofertas são poucas e de baixa
qualidade. Surge a proposta, então, de criar benchmarks, ou seja, parâme-
tros de negociação que obrigariam o conjunto de países da OMC a se en-
quadrar num nível mínimo de liberalização. Esses parâmetros podem ser
quantitativos (número de setores ofertados, por exemplo) ou qualitativos 3
Em uma comunicação sobre as possibilidades de abordagens complementares na negociação do
GATS, a União Européia propôs, como "objetivos quantitativos", que os países desenvolvidos façam
propostas novas ou melhoradas em pelo menos 850/o dos setores presentes do GATS, e os países em
'O setor de serviços não pode comportar regras de aduana, já que não é possível impor taxas de adu- desenvolvimento em pelo menos 660/o dos setores do GATS. Como proposta de objetivos qualitativos
ana a mercadorias que não são físicas. Por isso se fala em regras de "acesso ao mercado" aplicáveis propõe, por exemplo, que nos Modos 1, 2 e 3 os compromissos sejam feitos sem limitações, quando
aos provedores externos. possível e em setores significativos comercialmente (WTO, out. 2005).
92 1 Banro Mundial. OMC e FMI: o ímoacto nas ooliticas educacionais OMC em foco: a comercializaç;,-1 da educação na AmCrica Latina 1 93
Rodada Doha Em setembro, a OMC fixou março de 2007 como a data limite para a
retomada da Rodada. A data leva em conta a possibilidade de postergação
As negociações em torno do GATS passaram por diversas fases. Após o do prazo do mandato que os EUA têm para seu Congresso negociar acordos
começo da chamada Rodada Doha, em 2001, na capital do Qatar, e das di- comerciais ( Trade Promotion Authority oufast track), e a divulgação da Lei
versas propostas feitas pelos países membros, o dito fracasso da Conferên- Agrícola americana, que define o pacote de subvenções para 2007'(MARIN
cia Ministerial da OMC de Cancun, em setembro de 2003, colocou de lado e DANTAS, 2006). Em 2007 5, as negociações não avançaram e novo prazo
a questão do GATS e as neµ;ociações agrícolas foram priorizadas. O conflito foi fixado para o final de 2008.
na área da agricultura entre o G-20 4, de um lado, e os EUA e a União Eu-
ropéia de outro, fez do Acordo um elemento de pressão dos países do G-20, A concepção de educação na OMC
que congelaram as negociações de serviços enquanto as negociações agrí-
colas não avançavam. O dcstravamento nas negociações sobre agricultura, Uma das grandes questões que surge nos debates sobre GATS e educação é
obtido em junho de 2004, recoloca o GATS na ordem do dia. a própria concepção de educação. Nas negociações do GATS, a educação, assim
Em dezembro de 2005, ocorreu a 6ª Conferência Ministerial da OMC, em como a saúde ou os transportes, é reduzida a um mero "serviço", perdendo sua
Hong Kong, que tratou de alguns pontos da Rodada Doha. As questões agrí- dimensão de direito humano. Assumir a educação como direito humano sig-
colas continuaram em destaque e os países concordaram em eliminar pro- nifica afirmá-la como uma necessidade intrínseca ao ser humano e como um
gressivamente os subsídios à exportação até 2013. Para a organização não direito universal (para todos e com igual qualidade), indivisível e interdepen-
governamental Oxfam International, "os pequenos avanços conseguidos na dente com relação aos outros direitos humanos destinados a garantir a digni-
agricultura foram anulados por propostas absolutamente contrárias ao de- dade para todas as pessoas. Cabe ao Estado a responsabilidade pela efetivação
senvolvimento no setor de serviços e nas tarifas industriais". Com relação deste direito (HADDAD, 2003).
aos serviços, o documento afirma que "os países em desenvolvimento encon- A Constituição Federal brasileira de 1988 estipula em seu artigo 205 que
tram uma pressão crescente para participar de negociações plurilaterais" e a "educação [é um] direito de todos e dever do Estado e da familia", ou seja,
que também se insiste que <~sses países "estabeleçam novas 'referências qua- um direito público subjetivo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
litativas', tais como níveis maiores de participação estrangeira, desenhadas nal, de 1996, retoma essa definição, listando de forma específica quais são os
para impulsionar a liberalização de novos setores de serviços, seja ou não deveres do Estado em relação à educação. Da mesma forma, diversos acor-
benéfico para seu próprio desenvolvimento" (Oxfam International, 2005). dos internacionais, tais como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Em julho de 2006, a OMC suspendeu as negociações da Rodada Doha, Sociais e Culturais, e várias outras constituições nacionais6 fazem referência
inicialmente previstas para durar até o final de 2006, por falta de acordo en- ao direito à educação como um direito fundamental de cada cidadão.
tre os ministros de Austrália, Brasil, EUA, Índia, Japão e União Européia, A educação como direito humano coloca aos poderes públicos quatro
principalmente no que se rdere aos subsídios agrícolas. Segundo aponta Da- tipos de obrigações, segundo Tomasevski (2001): disponibilidade, ou seja,
vid Robinson, consultor da Internacional da Educação (IE) - organização educação gratuita à disposição de todos; acessibilidade, que é a garantia
que reúne sindicatos de educação de todo o mundo-, delegações de diversos de acesso à educação pública, sem discriminações; aceitabilidade, que diz
países que participaram de Doha indicaram que a suspensão da Rodada sig- respeito à qualidade da educação; e por fim adaptabilidade, ou seja, corres-
nifica que os prazos do GATS já não valem mais e que conversas informais pondência entre a educação e a realidade imediata das pessoas.
poderão substituir as negociações formais. Essa situação deixará ainda mais Vale ressaltar que o direito à educação é também fundamental para o
difícil o monitoramento da sociedade civil, que precisará ter como foco os acesso a outros direitos. O diretor-geral da Unesco Koi:chiro Matsuura reco-
acordos bilaterais e regiorniis até que Doha seja retomada (EDUCATION IN- nhece que "apenas a pessoa que tem consciência que ele ou ela tem direitos
TERNATIONAL, ago. 2006).
5 Em junho de 2007, Brasil, União Européia, EUA e Índia se reuniram na cidade de Potsdam (Alema-
'O G-20 é um grupo de paises em desenvolvimento em 2003, o Grupo concentra sua atuação em nha) para retomar as discussões e destravar a Rodada Doha. Mas impasses sobre a questão agrícola
agricultura. Atualmente é composto por 21 membros: África do Sul, Egito, Nigéria, Tanzânia, Zim- levaram a nova interrupção, quando Brasil e Índia decidiram se retirar das negociações.
6 0 programa Ação na Justiça disponibiliza na página da Ação Educativa (www.acaoeducativa.org)
bábue, China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão, Tailândia, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba,
Guatemala, México, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Informações retiradas da página do Ministério normas nacionais e internacionais que abordam o direito à educação. Sobre as constituições de cada
das Relações Exteriores (www.g-20.rnre.gov.br). Acesso em: 1° nov. 2006. pais em relação a esse tema, consultar o site http://www.right-to-education.org/
94 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o imp.rcto nas políticas educacionais OMC em foco: a comercialização da educação na América latina 1 95
pode lutar por esses direitos, o direito ao trabalho, o direito de obter comida to de qualidade que sustenta a concepção da educação como serviço é o de
adequada, um teto ou cuidados médicos, o direito de participar ativamente "qualidade total", com foco na eficiência. Os últimos anos viram a emer-
da vida política, ou de beneficiar do progresso da ciência e da tecnologia". 7 gência da avaliação dos professores e alunos por critérios de produtividade,
O bom funcionamento da democracia tem profunda relação com a educação oferecendo, inclusive, bônus e prêmios aos considerados mais produtivos
nacional. O desenvolvimento social e a diminuição das desigualdades pas- (INSTITUTO MONITOR, 2003).
sam por uma educação pública de qualidade, que permita aos mais desfavo- A abordagem de educação como serviço tem impacto também na dis-
recidos lutarem pelos seus direitos e melhorarem sua qualidade de vida. cussão sobre soberania nacional e autonomia dos Estados para definirem
Entretanto, no âmbito da OMC, os serviços são considerados uma mer- a política educacional mais adequada. A capacidade do setor público de
cadoria que deve obedecer ao critério da máxima liberalização e abertura elaborar políticas públicas de educação é, portanto, inseparável da liberda-
ao capital estrangeiro, de forma a maximizar os lucros das empresas que de que cada país tem de elaborar um projeto de desenvolvimento humano,
investem nesses setores, particularmente as transnacionais (HADDAD e social e econômico, ou seja, da soberania nacional.
GRACIANO, 2004).
GATS e educação: os marcos da negociação
Competição e "qualidade total"
O texto do GATS prevê a exclusão de alguns serviços da negociação, sob
A concepção da educação como um direito conflita com aquela que a condição que esses sejam serviços prestados exclusivamente pelo poder
apresenta a educação como serviço e defende a idéia de que as necessi- governamental, de forma não comercial e, portanto, que não exista con-
dades básicas dos cidadãos seriam supridas de forma mais eficiente pe- corrência entre diferentes provedores. Isso se aplica a serviços de policia,
las instituições privadas, em razão dos mecanismos de mercado. O setor bombeiros, seguro social obrigatório, etc. A educação não poderia ser in-
privado incentivaria a competição e diminuiria a burocracia e a inércia cluída nessa categoria já que em praticamente lodos os sistemas educativos
supostamente inerentes ao sistema público. do mundo coexistem escolas públicas e privadas.
Entender a educação como serviço comercializável reduz o aluno cida- A OMC (WTO, 1998) divide a educação em cinco categorias, todas in-
dão a cliente, o que tem profundas conseqüências na qualidade educacional. clusas na negociação, sendo elas:
No Brasil, essa concepção reflete-se no crescente e visível investimento em
marketing educacional, que invade propagandas de TV, outdoors, jornais e 1. Educação primária: corresponde, no Brasil, à pré-escola e ao pri-
rádios e na profusão de eventos sobre a temática. Durante o 9° Seminário de meiro ciclo do ensino fundamental; não inclui, no entanto, creches
Marketing Escolar, realizado em 2003, em São Paulo, Ryon Braga, consultor e alfabetização de adultos.
em marketing educacional, atribuiu o sucesso do grupo Objetivo/UNIP à sua 2. Educação secundária: segundo ciclo do ensino fundamental, ensi-
postura comercial: "aqueles que entraram na educação com uma visão mais no médio, ensino técnico e vocacional, e serviços de tipo educacio-
. empresarial e profissional desde o início, como o caso do Di Gênio [um dos nal para estudantes com deficiência .
proprietários do grupo], obtiveram resultados melhores do que aqueles que 3. Educação superior: serviços educacionais providos por universi-
entraram com visão muito acadêmica, pouco profissional". dades e escolas profissionalizantes especializadas e ensino técnico
Os investimentos em marketing das empresas educacionais cresceram e vocacional de nível pós-secundário.
constantemente nos últimos anos, mostrando a importância atribuída à 4. Educação de adultos: serviços educacionais para jovens e adultos, não
imagem, em detrimento da qualidade do ensino. Um estudo feito pela Ho- ministrados em universidades e escolas normais, incluindo progra-
per Consultoria & Pesquisa junto a 78 instituições de ensino superior das mas de educação geral e vocacional, programas de alfabetização etc.
regiões Sul e Sudeste do país em 2003 mostra que, entre 1990 e 2000, os 5. Outros setores: qualquer serviço educacional não mencionado,
gastos com propaganda no ensino superior aumentaram 105,6%. O concei- com exceção de lazer.
96 1Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas politicas educacionais OMC em foco: a comercializo.:áo da educação na América Latina 1 97
Tabela 2 - Barreiras ao livre-comércio Dessa forma, a capacidade de regulação e fisca)ização do Estado na área
l Exemplos de barreiras educacional, bem como a sua liberdade de decidir qual a melhor política
para a sua realidade, diminuiria consideravelmente. O fornecimento trans-
fronteiriço (Modo 1) totalmente liberado, por exemplo, traz à tona a questão
do controle dos conteúdos dos livros didáticos. No que diz respeito ao con-
sumo no exterior (Modo 2), a concessão de subsídios a estudantes nacio-
nais seria considerada uma barreira ao livre comércio caso o beneficio não
fosse estendido aos estudantes estrangeiros. Isso poderia tornar inviável
uma política de ajuda financeira aos estudantes nacionais. No que se refere
à presença comercial (Modo 3), exigências curriculares, tais como cursos
na língua nacional, história e geografia do país, poderiam ser consideradas
barreiras ao livre-comércio, pois poderiam impedir que instituições es-
trangeiras contratassem unicamente professores estrangeiros. No que diz
respeito à presença de pessoas fisicas (Modo 4), exames nacionais - insti-
tuídos para controlar a qualidade da formação dos profissionais e regular a
quantidade de profissionais presentes no mercado, que existem em deter-
minadas carreiras como medicina e advocacia - poderiam ser eliminados.
Outro problema que pode surgir no Modo 3 é a demanda das instituições
estrangeiras receberem dos governos nacionais tratamento semelhante às ins-
tituições nacionais "do mesmo tipo". Por um lado, isso pode significar apenas as
instituições privadas, pois somente elas são de natureza comercial. No entanto,
com a tendência cada vez mais marcada de comercialização das instituições de
ensino públicas (cobrança de taxas ou busca de outros financiamentos que não
públicos), essa diferença entre instituições privadas e públicas ficará cada vez
menos evidente. Pode-se, assim, sofrer uma contestação judicial9 ou o questio-
Capacidade regulatória namento da legitimidade do financiamento público ao ensino superior.
O GATS é, portanto, uma ameaça ao caráter público da educação e à
Vários trabalhos (ROBERTSON, BONAL e DALE, 2002; COHEN, 2000; compreensão da educação como direito humano. A posição dos jogadores
EDUCATlON INTERNATIONAL, 1999) mostram que a eliminação das bar- nesse tabuleiro de negociações pode ajudar a compreender os interesses
reiras ao livre comércio identificadas acima provocaria uma falência dos comerciais em jogo por trás do discurso oficial sobre os beneficios da libe-
sistemas públicos de ensin". A concorrência que surgiria entre os provedo- ralização para os países em desenvolvimento.
res de educação estrangeiros (que teriam pleno acesso ao mercado nacio-
nal) e o sistema público de l·ducação poderia criar uma pressão para deixar Os jogadores e seus interesses
o setor público mais "produtivo", menos oneroso, colocando em risco, por-
tanto, a natureza pública do ensino. Além disso, a intervenção do governo Na área da educação, os pedidos foram feitos majoritariamente para
no suposto "mercado educacional" seria identificada como barreira à cria- os sub-setores 3 e 5, ou seja "ensino superior" e "outros serviços educa-
ção de um mercado privad", já que alteraria a livre competição. cionais" (por exemplo, serviços de exames). O ensino superior é o setor
sobre o qual há mais discussão e interesse dos participantes e para o qual
ªTrata-se nesse caso de pessoas físicas, diferentemente do Modo 3, no qual são consideradas as provavelmente são feitas novas ofertas ou consolidações.
instituições/entidades comerciais. O texto da OMC faz referências à Grécia, que impõe condições de
nacionalidade aos seus professores, e à França que tem vários processos regulatórios para controlar '0 Órgão de Solução de Controvérsias da OMC é um tribunal ,internacional que impõe os seus julga-
o fluxo de professores estrangeiros. mentos aos países membros.
98 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o imp;,cto nas políticas educacionais OMC em foco: a comercialização da educação na América Latina 1 99
As ofertas feitas não satisfizeram aqueles que são favoráveis a uma maior Tabela 3 - Propostas de liberalização nos setores educacionais dos
liberalização, por isso houve pressão sobre os países em desenvolvimento países da América Latina*
para apresentarem ofertas melhoradas. Alguns países já foram até penaliza-
dos e não podem participar de reuniões informais nas quais as decisões são , Modo 3
realmente tomadas (EDUCATION INTERNATIONAL, mai. 2005).
Podemos dividir os principais jogadores em dois grandes grupos.
(IDEM, set 2005) O primeiro deles é composto por países que não fizeram
propostas, como África do Sul, Brasil, Chile, Indonésia, Malásia, Venezuela
e Índia, que, no entanto, consideram a possibilidade de fazer uma oferta
em educação. O outro grupo é composto por aqueles que já se comprome-
teram em diversos sub-setores: Austrália (educação secundária, superior e
outros serviços educacionais), EUA (educação superior, de adultos e outros
serviços educacionais), México (educação primária, secundária, superior e
outros serviços educacionais). Nova Zelândia (primária, secundária e su-
perior em instituições privadas), Tailândia (educação primária, secundária
e de adultos), União Européia (educação primária, secundária, superior e
de adultos), entre outros. No total, 33 países se comprometeram em algum
setor da educação. Outros, como Tailândia e Ruanda, vão melhorar suas
propostas já existentes.
Como mostra a Tabela 3, na América Latina poucos países se compro- Fonte:OMC
meteram na área de educação. Apenas Costa Rica, México e Panamá fize-
AM: Acesso ao Mercado TN: Trato Nacional SC: Sem Comprometimentos
ram ofertas. Costa Rica apresentou o menor nível de liberalização, somente
no Modo 2 (consumo no exterior) da educação primária e secundária e, no • Não fizeram proposta no setor educacional: Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, EI
que diz respeito à educação superior, autoriza a presença de universidades Salvador, Equador, Guatemala, Guiana, Honduras, Jamaica, Nicar;igua, Paraguai, Peru, Suriname, Uru-
guai e Venezuela.
estrangeiras (desde que autorizadas pelo Conselho Nacional de Educação
Superior) e garante acesso ao mercado (mas não se compromete a garantir
Os interesses dos países em desenvolvimento
tratamento igual aos nacionais). O México fez uma proposta de liberali-
zação bem elevad~: comprometeu-se nos setores da educação primária,
A maioria dos países em desenvolvimento não pensa cm fazer ofertas
secundária, superior e em outros serviços educacionais nos Modos 1, 2 e
em educação porque em geral não possui interesses ofensivos na área de
3 (comércio transfronteiriço, consumo no exterior e presença comercial),
serviços educativos, ou seja, não é exportador d('sses serviços, com exceção
sendo que no caso da presença comercial, o investimento estrangeiro é li-
das potências regionais, como Brasil ou Índia (Ii>id.). Como explicar, então,
mitado a 49% do capital das empresas existentes, sem limitações de trato
que dos 33 países que fizeram ofertas, 23 são países em desenvolvimento?
nacional. Já o Panamá comprometeu-se nos setores da educação primária,
Um levantamento feito pela IE traz as justilicalivas desses países para
secundária e superior nos Modos 1 e 2 (comércio transfronteiriço, consumo
liberalizar a área da educação - ou para não excluírem essa possibilidade. O
no exterior). Para o Modo 3 (presença comercial), condicionou a presença
levantamento foi realizado em 2005 junto às delegações comerciais de países
comercial à autorização do Ministério da Educação e, para a educação su-
em desenvolvimento e países menos desenvolvidos (Less Developed Coun-
perior, à supervisão da Universidade do Panamá.
tries - LDCs). Os argumentos mais utilizados foram: a liberalização permi-
tiria atrair investimentos e perícia, possibilitando uma maior qualidade da
educação superior, e contribuiria para estabelecer parcerias com universi-
dades estrangeiras e criar competição no setor, "brigando as universidades
privadas nacionais a melhorar a qualidade do ensino oferecido (Ihid.).
100 1 Banco Mundial. OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais OMC em foco: a comercializaça da educação na América Latina J 1O1
Esse argumento é particularmente importante para países que consideram mente importantes, pois incluem, além das taxas de matrícula, as despesas
enfrentar uma crise na educação superior, onde as universidades privadas, para se manter no país e os custos de viagem (VINCENT-LANCRIN, 2004).
pouco numerosas e de bai rn nível, monopolizam o mercado e escapam a qual- Alguns países cobram taxas de matrícula mais altas para os estudantes es-
quer tentativa de regularização pelo Estado. O conselheiro do governo das Fili- trangeiros, o que lhes permite gerar um lucro ainda maior (ver Tabela 4). Nesse
pinas nas negociações do (}ATS, Johannes Bernabe, afirmou que seu país não grupo, encontram-se os maiores "exportadores" de serviços educacionais de
exclui a possibilidade de colocar a educação nas negociações, pois o ensino consumo no exterior, ou seja, aqueles que mais recebem alunos do exterior:
superior é de baixa qualidade, as universidades recebem reduções de imposto EUA e, em seguida, Reino Unido, Austrália, e Canadá. Outros países, apesar de
e não há regulação das taxas de matrícula. As Filipinas não colocaram a edu- não representarem uma parte significativa do comércio de serviços educacio-
cação nas negociações da OMC, apesar de ser, como o Brasil, um país onde o nais no mundo, atribuem muita importância a esse tipo de serviço educacional,
setor da educação já foi fortemente privatizado. "É um mercado de vendedores que representa uma porcentagem importante de suas exportações. EUA, Reino
e as elites locais aproveitaram a oportunidade de negócio. Às vezes o GATS Unido e Austrália também são os maiores exportadores de serviços educacio-
pode prover uma alavanca para superar interesses domésticos (...]"(Ibid.). nais no Modo 3 (presença no exterior). Para a Nova Zelândia, os serviços edu-
Esse mesmo argumento - de que, uma vez que a liberalização já existe de cacionais estão em quarto lugar no total de suas exportações de serviço.
fato no país, a melhor op~·iio é qualificar esse ensino por meio da abertura ao
comércio exterior - é tam hém freqüentemente utilizado no Brasil. Tabela 4 - Taxas de matrícula em universidades públicas para estran-
Os países em desenvolvimento que não fizeram ofertas em educação geiros em comparação com alunos nacionais
adotaram essa posição seguindo princípios de não privatização do setor
público ou alegando incapacidade técnica para aplicar a liberalização, ou
seja, insuficiente capacidade regulatória.
Jogadores ofensivos
• Para estudantes não europeus
Apesar de as estatísticas serem incompletas, 10 quando se analisa os da-
Fonte: VINCENHANCRIN, 2004.
dos existentes sobre o mercado de serviços educacionais atual e as oportu-
nidades de crescimento desse mercado, vê-se a importância dos interesses As comunicações públicas
financeiros presentes nos discursos favoráveis aos países em desenvolvi-
mento na Rodada Doha de negociação. É difícil avaliar como cada país se posiciona em relação à questão da
Ao contrário dos países em desenvolvimento, muitos países desenvolvi- educação nas negociações, pois faltam dados sobre o mercado e os docu-
dos, tais como os membros da União Européia, têm interesses ofensivos no mentos apresentados nas negociações são, em grande parte, mantidos em
setor da educação. Muitos deles vêem grandes oportunidades comerciais segredo pelos governos dos respectivos países. Alguns, no entanto, divulga-
no ensino a distância (Modo 1), no estabelecimento de campus no exte- ram publicamente comunicações que constituem um elemento interessante
rior (Modo 3) ou na "importação" de professores e pesquisadores (Modo 4). para a compreensão dos interesses em jogo na área da educação. Os países
Cabe lembrar que, apesar disso, a União Européia fez pedidos na área da que fizeram comunicações específicas sobre educação - Austrália, Nova
educação apenas para os EUA, que possui a estratégia mais ofensiva. Zelândia, EUA, Japão e Suíça - são aqueles que possuem maiores interes-
Dados da OCDE mostram que, em 2002, considerando apenas o Modo 2 ses pelas questões educacionais, que representam uma parte importante de
(consumo no exterior), o comércio de serviços educacionais representava 40 suas exportações de serviço ou então porque a questão educacional é tradi-
bilhões de dólares, ou seja, pouco menos do que o mercado de serviços fi- cionalmente muito importante dentro do país. Este é o caso do Japão que,
nanceiros. Os lucros gerados pelos estudantes estrangeiros nos países que os apesar de defender uma maior liberalização dos serviços educacionais,
recebem - os países "exportadores" de serviços educacionais - são extrema- concentrou os seus comentários em volta da questão da qualidade e das
possibilidades de manter a capacidade de regulamentação dos Estados.
'°Isso se explica em parte pela dificuldade de medir corretamente o comércio de serviços, em razão Os EUA, assim como Austrália e Nova Zelândia, se comprometeram a
da imaterialidade dos bens comercializados. (LINDNER e outros, 2001) um nível bem elevado de liberalização e querem, por meio de suas propos-
102 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais OMC em foco: a comercialização da educação na América latina 1 103
tas, fazer avançar as negociações em educação no sentido de ocorrer urna
tivas podem interferir na liberdade do comércio, o que deixa urna margem
maior liberalização. Os três países são grandes exportadores de serviços
muito grande para interpretação desfavorável aos países que querem um
educacionais. No entanto, isso não aparece em suas comunicações, nas
maior controle sobre a área da educação.
quais a justificativa para urna maior liberalização é centrada nas eventuais
De fato, corno o tribunal que julga os conflitos de comércio entre países
oportunidades trazidas a todos os países.
é o da OMC, a tendência, em praticamente todos os conflitos até agora, foi
Austrália, por exemplo, dá dois grandes argumentos a favor da liberaliza-
a de favorecer o livre-comércio e diminuir a capacidade regulatória dos
ção. Em primeiro lugar, a liberalização do comércio de serviços educacionais
países membros. É muito provável, portanto, que uma formulação pouco
aumentaria a variedade das ofertas de ensino, o que seria benéfico de duas
explícita como essa favoreça urna maior liberalização na área da educação.
formas: "facilitando o acesso à educação e aos cursos de treinamentos que
Isso é verdade, sobretudo, para os países em desenvolvimento, que já têm
em termos quantitativos e qualitativos não estão disponíveis de outras formas
uma capacidade regulatória limitada e dificilmente sobreviveriam a pres-
no pais de origem e dando um estimulo competitivo para as instituições, o
sões internacionais ou lobbies nacionais.
que traria benefícios de fluxo para todos os alunos". (WTO, 2001) Além disso,
Qua~to aos interesses em jogo nessas comunicações, pode-se notar
Austrália argumenta que a liberalização do comércio de serviços educacio-
que as formulações e os exemplos não são nada fortuitos (EDUCATION
nais é o modo mais efetivo de incentivar a internacionalização da educação e
INTERNATIONAL, 2001). A Austrália tem muitas universidades que lide-
de aumentar o fluxo de estudantes no mundo. Isso levaria a um maior conhe-
ram consórcios mundiais de universidades, criados para oferecer, junto
cimento de línguas, culturas e sociedades estrangeiras; facilitaria a troca de
com empresas multinacionais de mídia, educação on-line para estudantes
pessoas, idéias e experiências, o que aumentaria a diversidade cultural =no
e empresas que buscam currículos padronizados e pacotes de treinamen-
nível nacional e internacional e contribuiria para o aprimoramento do conhe-
to. Muitas universidades australianas também tc'm campus no exterior e
cimento acadêmico; e, por fim, criaria redes de pessoas, grupos e instituições,
a Austrália é um país que recebe muitos estudantes estrangeiros. Por isso,
facilitando futuras alianças econômicas, políticas e culturais.
há urna ênfase sobre as barreiras de vistos e outras barreiras que limitam
O discurso da Austrália ilustra a preocupação em justificar interesses co-
a circulação de estudantes e acadêmicos, as regras de parcerias entre uni-
merciais particulares por meio de urna argumentação centrada nos interesses
versidades nacionais e internacionais, as restrições ao uso da Internet e à
comuns. A terminologia progressista mostra mais a necessidade de convencer
importação de materiais educativos. 11
os atores da sociedade civil, principalmente sindicatos nacionais e internacio-
Em Hong Kong, os EUA identificaram a liberalização da educação supe-
nais, do que urna verdadeira preocupação com o aumento da oferta, melhoria
rior e de adultos corno urna das prioridades a serem negociadas (EDUCA-
da qualidade e internacionalização da educação. Os argumentos são facilmente
TION INTERNATIONAL, fev. 2006). Na reunião seguinte, em abril de 2006,
contestáveis, em particular os que dizem respeito à internacionalização.
em Genebra, ocorreu um fato importante no que se refere à educação: Nova
A diversidade cultural e lingüística será dificilmente mantida se os pro-
Zelândia liderou o esforço de pressionar pela abertura do mercado da edu-
vedores de educação forem anglo-saxões, que compõem de fato a maioria do
cação superior privada. O pedido coletivo - estratégia "plurilateral" definida
mercado atual de serviços educacionais: EUA, Reino Unido, Austrália, Cana-
em Hong Kong por meio da qual um grupo de países solicita conjuntamente
dá e Nova Zelândia. De modo mais geral, podemos afirmar que os diferentes
a liberalização de um setor - de Nova Zelândia, Austrália, EUA, Malásia, Tai-
processos de liberalização que compuseram a globalização levaram a urna
pei e Japão tinha corno alvo os seguintes países: Arábia Saudita, Argentina,
redução da diversidade cultural pela assimilação do modelo dominante. Após
Brasil, Chile, China, Coréia do Sul, Emirados Árabes, Filipinas, Hong Kong,
urna introdução justificativa e uma lista das barreiras ao livre-comércio que
Índia, Indonésia, Malásia, México, Omã, Paquistão, Singapura, Sri Lanka, Su-
devem ser eliminadas, Austrália faz algumas propostas para as negociações.
íça, Tailândia, Turquia e União Européia (IDEM, abr. 2006).
O discurso deve ser interpretado com cautela, pois as declarações de
Nos meses seguintes, as negociações "plurilaterais" avançaram muito pouco
intenção podem contradizer as medidas tornadas. A comunicação austra-
e, segundo representantes de Brasil e México, os países que apresentaram a de-
liana afirma que "as negociações de serviço não devem impedir os países
manda coletiva já planejavam voltar às negociações bilaterais (IDEM, jul. 2006).
membros de prover fundos públicos para a educação para poder cumprir
os objetivos de política interna e regulatórios" (lbid.). A formulação é pouco
"A maior universidade australiana, Monash, conseguiu uma licença para instalar um campus na
explícita: não especifica se esses fundos públicos são atribuídos a entidades
Malásia, em parceria com universidades nacionais. Outras não obtiveram esse privilégio. Além disso,
de ensino públicas ou privadas e não determina até que ponto esses obje- a parceria com Monash era limitada a uma participação de 240/o.
104 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais OMC em foco: a comercializacão d" educação na América Latina 1 105
te na educação desses países. No Brasil, as instituições públicas representam
2. Privatização e apenas 10,65% do total das instituições de ensino superior e recebem 28,29%
do total dos alunos no ensino superior no pais em 2004 (INEP, 2004). Esses
internacionalização do dados colocam o Brasil entre os países com maior porcentagem de alunos no
11 Ü 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas politicas educacionais OMC em foco: a comercialização da educação na América latina 1 111
• novos provedores privados de educação superior, que se diferenciam Tabel.a 6 - Instituições de educação estrangeiras em países latino
dos antigos provedores privados constituídos por meio de fundações americanos, segundo região de origem e modalidade de internacio-
por assumir plenamente a finalidade de lucro do serviço prestado e nalização
possuir franquias ou campi no exterior;
Modalidades de
•as universidades virtuais com fins lucrativos, que já eram 1.180 no
internacionalização
mundo em 2001, entre as quais se destaca a Universidade de Phoe-
nix, a maior universidade privada dos EUA, com mais de cem sedes
no mundo inteiro; (GARCÍA GAUDILLA, 2005)
• as agências privadas de intercâmbio e estudos no exterior e as insti-
tuições internacionais privadas de acreditação, que representam um
mercado crescente.
Provedores Externos na América Latina ~aises contemplados nesta Tabela: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cos-
ta Rica, Equador, El Salvador, Honduras, México Nicarágua, Panam<\, Paraguai,
Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela.
A América Latina 14 não foi exceção no movimento global de internacio-
nalização do ensino superior. As dinâmicas de integração regional e a com-
Fonte: GARCÍA GAUDILLA, 2005.
petição entre as universidades, privadas ou públicas, geraram políticas de
internacionalização da educação no âmbito intra-regional. (Didou-Aupetit, A internacionalização da educação na América Latina é um objeto de
2005) No entanto, a maior parte dos processos de internacionalização na
estudo particularmente difícil em razão da escassez de informações nos
América Latina se inscreve em relações desiguais com países desenvolvi- diversos países da região. Em geral, os governos nacionais não fizeram 0
dos. Os processos de internacionalização são, portanto, na maioria dos casos registro sistemático dos provedores externos rn·m monitoraram suas atu-
direcionados à América Latina e têm sua origem nos países desenvolvidos ações. Não é possível avaliar de forma precisa a natureza desses investi-
da América do Norte e da Europa (ver Tabela 6). Recentemente, algumas mentos e os seus efeitos na educação nacional, o que limita a capacidade de
instituições latino-americanas desenvolveram ofertas internacionais, por regulação do governo e a possibilidade da socil'dade civil de acompanhar
meio de escritórios destinados a captar estudantes estrangeiros e de campi ativamente esses processos.
no exterior que atraem uma clientela nacional em situação de imigração. É Apesar da falta de informações, é possível rei ratar algumas característi-
o caso, por exemplo, da Universidade Nacional Autônoma do México, que cas gerais dos investimentos estrangeiros na educação superior na Améri-
tem um campus em Hule, no Canadá, e outro em San Antonio, Texas, EUA. ca Latina. A ocupação dos mercados nacionais não aconteceu em todos os
Porém, a oferta bastante limitada contrasta com a multiplicação das países na mesma época. Na América Central, o movimento começou cedo,
agências estrangeiras de promoção de serviços educativos na América La- na maioria dos países, em 1987. A exceção é o Panamá, onde a Florida State
tina. Como ressalta ALTBACH (2004a), "as iniciativas transnacionais fa- University abriu um campus em 1957. Na América do Sul o movimento foi
zem parte da dinâmica norte-sul. Elas são quase sem exceção dominadas mais tardio. No Chile, por exemplo, o primeirP campus estrangeiro foi o
pela instituição parceira do norte - em termos de currículo, orientação e, do Institute for Executive Development - IEDE. em Santiago, em 1995. No
algumas vezes, corpo docente. Freqüentemente, a língua de ensino é a do México, o primeiro campus estrangeiro, o Endicott College, foi instalado
parceiro dominante, muitas vezes o inglês, mesmo se a língua oficial do em 1996, no Distrito Federal. Na Argentina, o primeiro campus estrangeiro
país é outra. Há poucos esforços de adaptar os programas às necessidades e foi aberto em 1998; no Peru, em 1999; e, no Uruguai, em 2005.
tradições do país onde os programas são oferecidos - eles são simplesmen-
te exportados sem modificações".
"Países contemplados neste parágrafo: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, EI
Salvador, Honduras, México Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e
Venezuela.
"Os provedores espanhôis presentes na América Latina são: as universidades Autônoma, Complu-
tense de Madrid, de Sevilla, de Deusta, de Corufla, Nacional de Educação a Distancia - UNED, Oberta
de Catalunha - UOC e San Estanislao de Kostka - SEK, o Instituto de Empresa e a Escuela de Alta
Direcciôn.
"Os principais investidores americanos são: os grupos Sylvan-Laureate e Apollo (Phoenix Uni~ersity)
e as universidades Florida lnternational e Georgetown.
114 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o .mpacto nas políticas educacionais OMC em foco: a comercialização da educação na America Latina j 115
Dada a dificuldade em conseguir informaçôt·s sobre quem são esses novos
provedores externos de educação, vale trazer as contribuições de MCCOW AN
(2004) a um debate promovido pelo Observatório Latino-americano de Políticas
Educativas e Laboratório de Políticas Públicas, ligado à Universidade do Estado
do Rio de Janeiro sobre a mercantilização do ensino superior. Ele traçou o perfil
de seis empresas líderes em educação superior, mire elas o Grupo Apollo.
Segundo ele, o fundador, John Sperling, e o presidente, Robert Tucker, do
Grupo Apollo, lideram a batalha para pressionar os governos federal e esta-
duais dos EUA no sentido de relaxarem os regulamentos voltados às institui-
ções com fins lucrativos. O objetivo é tanto competir por concessões em pé de
igualdade com as instituições sem fins lucrativos. quanto operar livremente por
todo o pais. A companhia mantém seus custos baixos reduzindo gastos com
aparatos, tais como bibliotecas, e empregando e11uipes menos qualificadas em
tempo parcial. A Universidade Phoenix, que pertence ao Grupo Apollo, man-
tém somente 140 de seus 7 mil professores em l'Onlrato de tempo integral. Há
indícios que, paralelamente ao acréscimo a sua atual base de estudantes em
idade madura, ela vem se voltando no mercado para jovens graduandos. O
interesse em investimentos no exterior aumentou, e a companhia entrou no
mercado brasileiro [em 2001) com uma parceria com o Grupo Pitágoras. Além
disso, vendeu seu modelo curricular e organizacional da Phoenix University a
24 outras universidades em troca de uma porcentagem de seus rendimentos.
A maioria dos investimentos estrangeiros fl'itos até agora foi direcionado
aos setores nos quais o investimento é baixo e a demanda alta. Isso mostra
que os investimentos estrangeiros em educa~·<io estão seguindo o mesmo
Essa diversidade de natureza e nacionalidade dos provedores externos modelo de expansão que o dos setores privados nacionais. Essa forma de ex-
de educação superior mostra o quanto o mercado da educação superior é pansão institucional seguida pelos provedores privados gerou distorções nos
atrativo na América Latina devido, sobretudo, à ausência do Estado nessa sistemas de ensino nacionais em termos de disciplinas e tipos de investimen-
área. APONTE, em sua pesquisa sobre a internacionalização nos EUA e em to. É, portanto, de se esperar que as distorções criadas pelas universidades
Porto Rico, destaca que a "falta de oferta de programas nas instituições tra- privadas sejam acentuadas pela introdução no cenário da educação superior
dicionais e de outros provedores locais unida à inexistência de normativa de provedores estrangeiros. Esse é apenas uma entre as múltiplas questões
do Estado em grande número de países em via de desenvolvimento repre- colocadas pela aparição dos novos provedores de educação superior.
senta um 'mercado' para a expansão da indústria da educação superior dos
EUA e de outros países avançados. As políticas neoliberais [...] promovem Algumas questões críticas
o cenário tendencial da internacionalização e da aceleração paralela da
comercialização da educação superior transnacional" (2004). Os efeitos da presença dos investidores estrangeiros no ensino superior
Pode-se observar ainda uma evolução favorável aos investidores estran- são objeto de debate entre os especialistas em educação na América Lati-
geiros nas legislações nacionais. Reportagem sobre a compra da Universida- na. Aqueles que são favoráveis aos investimentos estrangeiros argumentam
de Anhembi Morumbi ressalta que uma das razões que explica a decisão da que os recursos proporcionariam novas possibilidades ao ensino superior
Sylvan-Laureate em investir no Brasil é o fato de o governo ter ampliado, a privado latino-americano, em particular o aumento dos recursos destina-
partir do ProUni - programa de bolsas a pessoas de baixa renda -, a conces- dos à pesquisa, promovendo também maior qualidade na oferta, em razão
são de isenções tributárias a escolas com fins lucrativos (MANDL, 2005). do aumento da competição entre as instituições, segundo matéria publicada
no jornal Folha de S. Paulo, em 2005. Essa visão ignora algumas situações Outro problema que pode surgir com os novos provedores externos de
que podem surgir em decorrência desses investimentos, relacionadas, em educação superior é a volatilidade dos investimentos. O exemplo da Syl-
particular, à vulnerabilidade dos países em desenvolvimento. Como nota van-Làureate, que comprou uma universidade na Índia e a vendeu poucos
ALTBACH (2004b), "o mundo do ensino superior é um mundo extremamen- meses depois, nos remete ao tipo de circulação do capital no mundo que
te desigual. Quando focamos nos países em desenvolvimento e nos pequenos obedece à lógica de rendimento máximo. A dependência dos países em
sistemas acadêmicos, imediatamente surge o espectro da desigualdade". relação a esses investimentos em educação coloca-se de forma aguda. Afi-
Uma outra questão é a l'standardização e uniformização dos estudos no nal, como é possível garantir o desenvolvimento do sistema educacional a
mundo. Nos últimos anos, alguns governos adotaram a estratégia, como já foi longo prazo se qualquer instabilidade política e económica pode provocar
assinalado acima, de padro11ização dos diplomas no nível macro-regional, o uma retirada maciça dos capitais investidos na educação?
que inclui uma estandardização dos diferentes níveis de educação, da carga A questão agrava-se com a estratégia de expansão institucional dessas
horária e do tempo de estudo associado com esses diferentes níveis. No entan- empresas, que buscam a aquisição de partes cada vez maiores dos merca-
to, os conteúdos ficaram at(· agora fora desse processo inter-governamental. dos nacionais e do mercado mundial. Apresentação disponível na página
As estratégias comerciais das multinacionais reforçam essa estandardização na Internet da Sylvan-Laureate explicita que os objetivos de crescimento
de modo preocupante. A mobilidade acadêmica entra na estratégia de expan- da empresa devem acontecer por meio do aumento mundial da demanda
são institucional de ernpres<1s corno Sylvan-Laureate ou Apollo Group. por educação superior e pela habilidade da companhia em capturar ma-
Da mesma forma que os l~stados vêm tentando padronizar os currículos, rket-share, ou seja, aumentar sua participação nos mercados (LAUREATE
os grupos empresariais fazl'm com o conteúdo dos cursos por eles adminis- EDUCATION, 2004).
trados. O objetivo é facilitar a circulação dos estudantes pelas universida- No Brasil, a estratégia é favorecida pela tendência de concentração das
des desses grupos, o que constitui um atrativo publicitário para conseguir universidades privadas. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo,
mais matrículas. Eles tambi"rn impõem o que chamam de "assinatura", ou no Brasil "consultores especializados em ensino superior [prevêem] que
seja, a especificidade de sua marca de diploma (BUSINESS WIRE, 2001). No entre 400 e 500 instituições consideradas pequenas (com menos de 500
caso da Sylvan-Laureatc, a assinatura é a proficiência em inglês e o uso de alunos) 'desapareçam' nos próximos três a quatro anos". (Universidades
tecnologias de informação, qualificações que todos os seus alunos devem nanicas podem desaparecer, 2006) E.ntre 1994 e 2004, o ensino superior
possuir para não prejudicar a imagem de marca e, portanto, a atratividade privado cresceu 208% no país. Como a demanda por educação superior
do diploma. Essas cstratt'gi;1s institucionais colocam em risco a diversidade privada não aumentou da mesma forma que a oferta, limitada pelos cus-
acadêmica, impõe conteúdos e formas de pensar pré-definidas, distantes tos de mensalidade e pelo reduzido número de pessoas que concluíram a
das realidades nacionais dos países cm desenvolvimento. educação básica, há um grande número de vagas ociosas nas instituições
Essa estandardização (~ visível também na educação virtual. Em 2001, particulares: 40% delas não foram preenchidas em 2004 (lbid.)
80% dos conteúdos de cduca\~ão on-line vinham dos EUA, o que é bastante Isso pode favorecer um processo de aquisições e fusões fortalecendo os
preocupante se levarmos c111 conta a expansão da educação virtual nos últi- grandes grupos estrangeiros que compram instituições menores para ex-
mos anos (MANDARD, 2001 ). No ano de 2002, o setor recebeu cerca de US$ pandir suas matrículas. É provável que, nos próximos anos, se não houver
6,6 bilhões cm investimentos no mundo, número que deve crescer para US$ iniciativas para reverter a situação, as multinacionais da educação domi-
23,7 milhões cm 2006 (POHTAL E-LEARNING). A parcela do mercado dos nem o ensino superior na América Latina. Além de fragilizar os sistemas
EUA em 2002 era de US$ 5,2 bilhões. A América Latina constitui um merca- nacionais de ensino, que ficam dependentes de investimentos internacio-
do bastante atrativo: só no l\rasil, os investimentos acumulados em ensino nais voláteis, abre-se a possibilidade para a distorção cultural nos países
a distància no mundo corporativo chegaram a US$ 80 milhões em 2003. O ditos "menos desenvolvidos". Nessa perspectiva, da mesma forma que os
número de cursos supcrion"' a distància credenciados teve uma expansão governos americanos e russos tentavam impor sua influência durante a
gigantesca: passaram de 11 t~m 2001 para 77 cm 2004, o que representa um Guerra Fria por meio da "cooperação" entre os países, "as corporações
aumento de 600%. (Instituto Vlonitor, 2005) Se a expansão do setor continuar multinacionais, os conglomerados de mídias e até mesmo algumas uni-
neste ritmo, o mercado da l'ducação on-line no Brasil gerará, em 2010, R$ versidades líderes podem ser vistos como novos neocolonialistas - que de-
2,7 bilhões (PORTAL E-LEJ\ llNING AMÉRICA LATINA, 2005). sejam dominar não por razões ideológicas ou políticas, mas pelo ganho
118 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o imp.1cto nas políticas educacionais OMC em foco: a comercialização da educação na America Latina 1 119
comercial. [...) O resultado é o mesmo - perda de autonomia intelectual e Apesar de serem apenas três os países latino-americanos que fizeram
cultural por aqueles que tem menos poder" (ALTBACH, 2004). propostas de liberalização da educação, a maioria dos países da região não
É preciso destacar ainda a pouca capacidade de fiscalização dos Estados tem leis que regulam os investimentos estrangeiros, o que promove uma
diante de empresas estrangeiras. No Brasil, o caso da American World Uni- liberalização de fato. No Brasil, a proposta de Reforma Universitária que
versity (AWU) - universidade virtual norte-americana que oferece cursos atualmente tramita no Congresso Nacional limita a 30% os investimentos
de graduação e pós-graduação pela Internet, mas não é reconhecida pelas estrangeiros em instituições particulares. Enquanto a lei não for aprovada,
autoridades americanas de educação - ilustra os problemas acarretados pe- não há teto para os investimentos estrangeiros. Ao mesmo tempo, qualquer
los novos provedores externos. O governo brasileiro diz que a instituição legislação que verse sobre o capital estrangeiro no ensino superior, mes-
praticamente não exige qualificação alguma do aluno. A AWU alega que não mo que numa tentativa de limitá-lo, oferec1Tá a segurança jurídica que os
precisa de autorização do governo brasileiro, já que não oferece diplomas investidores estrangeiros buscam (RUIC e BREDA, 2006). Esse tema será
brasileiros e sim diplomas norte-americanos validados pela embaixada bra- tratado de modo mais detalhado no próximo capítulo.
sileira nos EUA. A validação pelas 1mtoridades competentes no Brasil está a No México, país cujos aspectos do ensino superior também serão apre-
cargo dos estudantes. Fica evidente a vulnerabilidade dos "consumidores'', sentados mais à frente, o marco legal vigente permite investimentos em
particularmente no caso das ofertas de ensino à distância. No Brasil, em todos os níveis da educação, não apenas na educação superior. A Lei de
2003, cerca de 9 mil brasileiros formados por universidades estrangeiras a Investimentos Estrangeiros de 1993 estipula que é preciso uma resolução
favorável da Comissão de Investimentos Estrangeiros para que o investi-
. distância em programas de mestrado e doutorado esperavam há pelo menos
mento estrangeiro participe em uma porcentagem maior do que 49% nas
dois anos a validação de seus títulos no Brasil (SOUZA, 2003).
Por um lado, a não validação dos diplomas emitidos por universidades atividades econômicas e sociedades de educação pré-escolar, primária, se-
cundária, média superior, superior e combinados (RODRIGUEZ GÓMEZ,
estrangeiras a distância de baixa qualidade evita a proliferação de diplomas
2004). A Lei Geral de Educação estabelece a obrigatoriedade de reconhecer
emitidos pelas fábricas de diploma. Entretanto, mesmo assim permanece
sem solução o problema dos estudantes que se inscrevem nessas universi- a validade dos cursos. Apesar dessas condições permitirem um controle
mais efetivo dos investimentos estrangeiros, isso não aconteceu até agora,
dades e que continuam a ser lesados.
pois o setor ainda não foi regulamentado. A República Dominicana é o úni-
Uma outra questão refere-se à qualidade dos serviços ministrados pe-
co país da América Latina que proibiu os ('ampi de universidades estran-
las universidades estrangeiras. O controle de qualidade é extremamente
geiras em seu território.
complexo, já que não é possível para o Estado verificar se as exigências
No que diz respeito ao controle da qualidade das ofertas e, portanto,
curriculares estão sendo cumpridas e se o aluno realmente é submetido a
das validações dos cursos, as leis que se aplicam aos provedores externos
avaliações de conhecimento.
são as mesmas que servem para regular o setor educacional nacional. É 0
caso de Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Na
A legislação nos países da América Latina 11
Colômbia, os provedores privados estrangeiros que desejam se instalar no
país devem se constituir como entidades sem fins lucrativos, da mesma
De modo geral, os documentos sobre educação superior e internacio-
forma que as universidades privadas nacionais, o que limitou o interesse de
nalização denunciam as lacunas e deficiências das legislações latino-ame-
investidores estrangeiros. Outros países aprovaram leis que contemplam
ricanas no que diz respeito à capacidade do Estado de controlar e regular
os provedores externos, mas não levam em conta sua especificidade, como
os novos provedores externos. Na realidade, os mecanismos de controle de
é o caso da Argentina: a lei apenas submete os provedores externos à mes-
qualidade e credenciamento das instituições de ensino superior na Amé-
mas regras das universidades privadas nadonais. No Brasil, a validação
rica Latina desenvolveram-se durante os anos 90, ignorando as ainda in-
dos diplomas de pós-graduação stricto sensu é condicionada ao credencia-
cipientes ofertas dos novos provedores de educação superior. Quando os
mento da instituição de ensino em seu respectivo país de origem.
problemas foram identificados, as reações foram variadas.
A maioria das leis de controle de qualidade submete, portanto, as insti-
tuições estrangeiras à obrigação de validar os seus cursos nos órgãos res-
ponsáveis do país de recepção do investimento. Essa poderia ser uma forma
"Os países contemplados nesse parágrafo são: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador,
México, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela
122 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o imµc;cto nas politicas educacionais OMC em foco: a comercialização da educação na America Latina 1 123
ser classificada pelas regras do GATS. Isto poderia incluir todos os serviços
3. Estudos de caso educacionais, desde o ensino em sala de aula e o transporte, e até mesmo
os serviços de vigilância" (RED SEPA, 2004).
SIQUEIRA (2004) detalha como a terceiriza~·ão de atividades e a ven-
da de serviços pelas universidades públicas colaboram para a inclusão da
O Brasil, que não ofertou a educação no GATS, vive in- educação no GATS. "Quanto mais este [setor público] terceiriza atividades
tensamente a privatização e a comercialização do ensino (por exemplo, alimentação, treinamento de professores, avaliação, etc.),
vende serviços (cursos e tratamentos pagos, desenvolvimento de pesquisas
superior. Já o México apresentou propostas de liberaliza- remuneradas ou que beneficiem empresas), faz marketing comercial para
atrair interessados, o mesmo torna-se extremamente vulnerável à regula-
ção da educação e assegura em sua legislação o inves- mentação da educação como um serviço comercial via OMC/GATS, saindo
do frágil escudo do 'exercício da autoridade gO\ crnamental', pois passa a
timento estrangeiro no ensino superior. Também merece estar oferecendo educação em base comercial e 1•m competição com outros
provedores. Assim sendo, os grupos empresariais poderão vir a processar
atenção a entrada de instituições bancárias no ensino
os países por práticas prejudiciais à livre oferta de serviços educacionais,
superior latino-americano. em vista do oferecimento de tratamento diferenciado, caracterizado por
subsídios às entidades públicas, exigindo tratanwnto igual: recursos públi-
cos para todos ou nenhuma instituição" [grifos ela autora].
Brasil: enquanto o GATS não vem
Vejamos assim três importantes aspectos da privatização e comercia-
Brasil, como foi apontado anteriormente, não apresentou propos- lização do ensino superior no país: a atuação cl<1s fundações privadas nas
foi explicado que o texto do GATS prevê a exclusão de alguns serviços da Fundações privadas nas universidades públicas
negociação, sob a condição que esses sejam prestados exclusivamente pelo Nas universidades públicas brasileiras, sejam estaduais ou federais, gran-
poder governamental, de forma não comercial. Ou seja, segundo as regras de parte dos cursos pagos e dos serviços prestados a empresas acontece por
do Acordo, para que um país exclua a educação dos serviços que podem meio das fundações ditas de apoio às universidades. Como lembra Roberto
ser negociados, seu sistema educativo deve ser exclusivamente público e Leher, ex-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior
gratuito, em todos os níveis e modalidades. (Andes-SN) e professor da Universidade Federal cio Rio de Janeiro, em entre-
"Sob a tutela do GATS, a educação pública poderia ser vista como uma vista à Ação Educativa, "o fato de um curso estar estruturado cm uma uni-
barreira ao comércio de serviços. Sobre esta questão, algumas autorida- versidade pública não garante que a educação n<io seja objeto de negócios.
des declaram que a educação pública estaria protegida sob a exceção às Quando isso ocorre é sempre através das fundaçiies de direito privado".
regras do GATS, concedida aos serviços oferecidos sob 'autoridade gover- Nos últimos anos, algumas associações de docentes das universidades
namental'. Entretanto, se os serviços do governo forem oferecidos a partir públicas vêm realizando um trabalho de investignção e denúncia a respeito
de uma 'base comercial' ou 'em concorrência com fornecedores de servi- da ação das fundações, 19 considerada uma "privntização por dentro".
ços privados' estarão igualmente enquadrados nas regras de cobertura do
GATS. O fato é que não há nenhum sistema educacional público que não
ofereça alguns serviços baseados em pagamentos ou em concorrência com
um fornecedor de educação privada. A opinião jurídica de uma respeitada "A revista da Associação dos Docentes da USP publica, desde 2001, reportagens sobre a atuação
firma canadense que trabalha com leis de comércio conclui que um tribu- das fundações de direito privado na Universidade. Os textos estão disponíveis em www.adusp.org.br/
revista/Default.htm (destaquem-se as edições 22, de março de 2001; 23, de setembro de 2001; 24. de
nal de comércio poderia determinar que a educação pública também pode
dezembro de 2001; 27, de outubro de 2002; 31, de novembro de 2003; 36, de janeiro de 2006).
12 4 1 Banro Mundial. OMC e FMI: o imoacto nas ooliticas educacionais OMC em foco: a comercialização· 1.1 cducaç5o na Amcrica Lalina 1 12 5
Privatização regulamentada
12 6 \ Banco Mundial, OMC t FMI: o irnc>;icto nas politicas educacionais OMC em foco: a comercialização da educação na América latina \ 12 7
também nas instituições federais de ensino superior em conseqüência das deverão ser submetidos à revalidação em universidade pública.
politicas restritivas de financiamento da pesquisa, do engessamento da ad- Vê-se, portanto, que a legislação colocou, no máximo, condições para a
ministração pública e da redução dos salários dos docentes" (MEC, 2005). validação dos diplomas stricto sensu oferecidos por instituições estrangei-
Assim, fica evidente que o governo brasileiro reconhece nas fundações ras no Brasil, sem especificar se são cursos presenciais ou a distância (o
um instrumento de privatização do ensino público, mas optou por mantê- credenciamento no respectivo país). Entretanto, <'ncontra dificuldades para
las e regulamentar suas atividades. controlar a qualidade e a oferta de cursos lato smsu e já o reconhecimen-
to de diplomas de cursos a distância ficará a cargo de cada universidade,
Regulamentação e validação de diplomas desde que possua curso ou programa reconhecido pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.
No Brasil, uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), já O professor Roberto Leher lembra que até a publicação desse decreto.
revogada, chegou a proibir a revalidação e o reconhecimento de diplomas na historia da educação brasileira, os diplomas estrangeiros de graduação e
obtidos em cursos ministrados no Brasil oferecidos por instituições estrangei- de pós, sempre haviam sido reconhecidos pelas i11stiluições públicas. "Isso é
ras. Diz a resolução nº 1 da Câmara de Educação Superior do CNE, de 26 de um precedente gravíssimo. Permite o funcionamento do comércio transfron-
fevereiro de 1997: "não serão revalidados nem reconhecidos, para quaisquer teiriço completamente fora do Acordo Geral de Comercio e Serviços, sem
fins legais, diplomas de graduação e de pós-graduação em níveis de mestrado qualquer contrapartida ou regras de equivalência. l~m suma, tudo é resolvido
e doutorado, obtidos através de cursos ministrados no Brasil, oferecidos por dentro do mercado e não passa por nenhuma insli\ncia pública. É resolvido
instituições estrangeiras, especialmente nas modalidades semi-presencial ou entre o comprador de um diploma estrangeiro eu ma instituição privada".
a distância, diretamente ou mediante qualquer forma de associação com ins-
tituições brasileiras, sem a devida autorização do Poder Público". Capital estrangeiro no ensino superior
Essa decisão tornou-se nula em 3 de abril de 2001, quando o CNE orde-
nou a suspensão dos cursos de pós-graduação stricto sensu oferecidos por O capital estrangeiro em instituições de ensino brasileiras não é tema da
instituições estrangeiras através de convênios com instituições nacionais ou legislação atualmente em vigor. A LDB diz apenas que "o ensino é livre a ini-
diretamente. Apesar de mais rígida no que se refere aos cursos stricto sensu, ciativa privada, atendidas as seguintes condições: cumprimento das normas
a nova resolução não trata dos cursos de graduação e das modalidades semi- gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino; autorização
presencial ou a distância. Quatro anos mais tarde, o CNE, por meio da Resolu- de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público; capacida-
ção nº 2, de 9 de junho de 2005, determinou as condições para a validação dos de de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição
diplomas de pós-graduação stricto sensu obtidos em cursos oferecidos de ma- Federal." Apesar de não existir regulamentação Pspecífica, já há empresas
neira irregular por instituições estrangeiras no Brasil até abril de 2001. Assim, estrangeiras que atuam no ensino superior brasileiro, o que corresponde ao
atualmente, a validação desses diplomas é condicionada ao credenciamento Modo 3 de fornecimento da atividade comercial 110 GATS (aquele em que o
em seu respectivo país de origem e à análise da dissertação ou tese. fornecedor cruza as fronteiras e investe em um país estrangeiro).
Nesse mesmo ano, o Ministério da Educação editou o decreto 5.622, que A proposta de Reforma Universitária encaminhada pelo poder Executivo
regulamenta o Art. 80 da LDB sobre a oferta da educação a distância em ao Congresso Nacional em junho de 2006 limita l~m 30% a participação de
todos os níveis e modalidades de ensino. No que se refere à validação de di- capital estrangeiro em instituições privadas de ensino superior (Arl. 7", §4").
plomas expedidos por instituições estrangeiras, diz o Art. 28: "os diplomas de A primeira proposta apresentada ao Congresso Nacional sobre essa
especialização, mestrado e doutorado realizados na modalidade a distância questão foi feita pelo deputa.do federal Ivan Valente (PSOL-SP) em 2003.
em instituições estrangeiras deverão ser submetidos para reconhecimento por meio do Projeto de Lei 2.138, que propõe a proibição do "ingresso do
em universidade que possua curso ou programa reconhecido pela CAPES, capital estrangeiro nas instituições educacionais brasileiras com fins lu-
em mesmo nível ou em nível superior e na mesma área ou equivalente, pre- crativos. A proposta não se aplicaria a "recursos para pesquisa e cxlensfio
ferencialmente com a oferta correspondente em educação a distância". Ou ou a verbas destinadas ao apoio a instituições denominadas educacionais,
seja, os diplomas de pós-graduação emitidos por essas instituições poderão comunitárias ou filantrópicas".
ser reconhecidos por instituições brasileiras públicas ou privadas, ao contrá- O PL foi apresentado à Comissão de Educaç.ão (~ Cultura da C<1111ara dos
rio do reconhecimento dos diplomas de cursos de graduação (Art. 27), que Deputados, recebeu, em 18 de novembro de 2004. pan•n•r nc~alivo do relator
130 \ Banco Mundial, OMC e FMI: o 1·· pJcto nJs políticas educacionais OMC em foco: a comerciJlização da educação na America Latina 1 131
consultores, 2004). Para ele, "não há razão para limitar a entrada de instituições · As movimentações llo capital estrangei · o Brasil
estrangeiras no pais, uma vez que elas só viriam estimular o desenvolvimen-
to do Ensino Superior por aqui". Este seria um comportamento nacionalista
antiquado e xenófobo. "A entrada de instituições estrangeiras não só promove-
ria uma movimentação para a melhoria do ensino das instituições brasileiras,
como, também, em seus métodos de gestão", declara (BURGARDT, 2006).
a 300/o, vai ao encontro do que os grupos estrangeiros defendem no GATS. "0 ciações multilaterais (GATS e ALCA) tem sido a de apresentar o setor de
que interessa aos reitores e representantes das instituições estrangeiras é o que educação superior privada como aberto a investinl<'nto estrangeiro( ... ). Nfio
eles chamam de uma estabilidade jurídica. Mesmo que for 300/o, admitindo a obstante, as principais representações universitárias no México, tanto do se-
hipótese improvável que o Parlamento mantenha os 300/o, dá a garantia jurídica tor público (ANUIES) [Associação Nacional de Uni1crsidades e Instituições
necessária para essa associaÇ<'io não tenha questionamento legal", diz. do Ensino Superior] como do privado (F!MPES) Wt•deração de Instituições
Caso seja aprovada a proposta de limitaçüo do capital estrangeiro em 30% de- Mexicanas Privadas de Edueaçüo Superior] !'oram <'xplícitas sobre a neces-
fendida pelo governo federal, será preciso acompanhar o que acontecerá com a Uni- sidade de rever a aplicações dos acordos, estahelt'<'t'r normas opt•racionais,
versidade Anhembi-Morumbi, que em 2005 teve 510/o do seu capital adquirido pelo principalmente em matéria de reconhecimento d<' validade d!' estudos e
grupo Sylvan-Lm1reate. O secretário executivo do Ministério da Educação, Jairo Jorge participar nas negociações que silo levadas a cabo 110 caso clt' aprovar ache-
afirmou que "o MEC vai exigir o cmnprimento da lei" (RUIC e BREDA, 2006). gada de investimentos estrnnµ;eiros" (HODHl()l/E~ <;(JiVIEZ. 20(H).
132 1 Banco Mundial. OMC e FMI: o impacto nas politicas educacionais OMC' em tnco: a coml'rciahza~·tlo ci.i .;ucaçào na Arntrica Latina J 13 3
O ensino superior mexicano sofreu profundas mudanças ao longo dos sa, para não dizer nula, supervisão sobre os conteúdos educativos das
anos 90, com a consolida~·iio de um novo projeto que "concebe a educação instituições privadas. O enfoque da supervisão se baseia, mais precisa-
como parle central das necessidades empresariais em um marco de um mente, no cumprimento das obrigações de tipo contratual (número de
projeto de inserção na economia globalizada". (ABOITES, 2003) Diz o mes- professores de tempo completo, nível acadêmico dos professores, etc.),
mo autor que esse processo ocorre em três frentes. Na primeira delas, "o administrativo e de natureza jurídica".
Estado estabelece um acordo com os grandes dirigentes do setor educativo Na mesma entrevista, afirma que a presença do capital estrangeiro não
privado e empresários nacionais e estrangeiros para, em primeiro, lugar, necessariamente implica em deterioração da qualidade educacional do en-
reduzir a participação do setor público na educação e redefinir seu papel sino superior. Para ele, "os riscos são outros, derivam da forma de atuação
para dedicar-se primordialmente a funções e áreas estratégicas". Além dis- do capital estrangeiro em países como México. Quando uma organização
so, continua, "o Estado admite a participação direta do setor educativo pri- privada de um grupo corporativo estrangeiro tem problemas, simplesmen-
vado e dos empresários nacionais e estrangeiros na condução da educação te é vendida. Assim fez, convém recordar, o grupo Sylvan com algumas de
superior pública. Esta forma de co-condução empresarial-governamental suas divisões, por exemplo, os institutos Wall Street (de ensino de idiomas)
está posta em todos os níveis da educação superior, como ocorre no Con- que foram vendidos à corporação Carlyle há alguns anos".
selho Diretivo das Universidades Tecnológicas e na Coordenação Nacional
para o Planejamento da Educação Superior, CONPES, e passa pelo impulso Os bancos no meio universitário latino-americano
às vinculações universidade-empresa nacional e estrangeira". Por último,
há "uma completa reorientação 'empresarial' do processo educativo supe- Para finalizar este estudo, trazemos algumas reflexões sobre um pro-
rior nas universidades públicas". cesso ligado à comercialização da educação ainda pouco discutido: a en-
Diante desse quadro, é preciso destacar como os investidores estrangei- trada das instituições bancárias no ensino superior latino-americano, es-
ros têm atuado no ensino superior daquele país. Entre 1994 e 2003, o total pecialment~ a iniciativa do grupo espanhol Santander chamada Santander
de investimentos estrangeiros diretos em serviços educativos foi de US$ 40 Universidades, presente em 11 países da América Latina (Argentina, Bolí-
milhões, sendo que US$ 3·1· milhões correspondem a uma única operação via, Brasil, Chile, Colômbia, México, Paraguai, Peru, Porto Rico, Uruguai e
realizada em 2000: a compra da Universidade dei Valle de México, pelo Venezuela), além de Espanha e Portugal.
grupo norte-americano Sylvan Learning Systems. Em dez anos, 113 empre- O folheto de divulgação da iniciativa afirma que o banco oferece seu
sas mexicanas que prestam serviços educativos receberam investimentos "apoio institucional e económico para desenvolver os programas docen-
estrangeiros, sendo 61 delas relacionadas ao ensino de idiomas.e apenas tes e de pesquisa que cada universidade considera prioritários", tais como
sete à educação superior ( lbid.). criação de cátedras especializadas, intercâmbio de estudantes e professo-
Rodrigues Gómez estudou o caso da compra da Universidade dei Valle res, bolsas de graduação e pós-graduação, projetos de pesquisa, especiali-
de México (UVM) e aponta que a atuação do grupo norte-americano no zações e estudos de pós-graduação, programas de extensão universitária e
México recebeu diversas críticas acadêmicas, políticas e financeiras. Em atividades culturais e sociais.
entrevista à Ação Educativa, em outubro de 2006, ele explica que "quando O pesquisador venezuelano Jorge Dávila, que em artigo aborda a entrada
se soube do investimento de Sylvan na UVM surgiram várias críticas, uma do citado grupo na sua própria universidade - a Universidad de los Andes,
delas referente às possíveis distorções culturais. Depois de vários anos de que é pública e fica na cidade de Mérida-, afirma que o programa Santander
operação da UVM sob o 'selo Sylvan', essa vertente crítica perdeu espaço. Universidades tem, de fato, três funções: "a penetração da educação supe-
De um lado o currículo dos programas que a UVM oferece não sofreu gran- rior como mercados financeiros; a consolidação da ideologia gerencialista
des alterações (exceto pela implantação de algumas novas opções, como a própria do capitalismo financeiro contemporâneo nos centros de produção
opção de dupla titulação ou a possibilidade de estadas fora do país). Por ou- acadêmica; e o controle privado (ou 'privatização') da educação pública".
tro, o corpo docente da UVVI continua sendo basicamente o mesmo, exceto Essas funções seriam cumpridas por meio de duas grandes estratégias:
que, por razões de expans;io, a Universidade contratou novos professores, "convênios de colaboração" e portal llniversia. Segundo informações da
a maioria deles provenientes de universidades públicas". página na Internet do Santander Universidades, até junho de 2004, 346 ins-
Mas ele reconhece que as autoridades mexicanas "têm uma escas- tituições de ensino superior haviam celebrado convênios com o banco e
Comércio ou mecenato?
136 1 Banco Mundial. OMC e FMI: o imoacto nas ooliticas educacionais OMC ,,m foco: a comercializaç5<• da rducação na América Latina 1 13 7
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' Este estudo foi realizado com a colaboração de pessoas que nos ajudaram no trabalho de cam-
po, orientaram nossa análise ou comentaram nossos rascunhos, em Malavi: Julita Nsanjama, Chris
Kinyanjui; em Moçambique: Paula Mendonça, Alberto Silva, Eduardo Costa e em Serra Leoa: Tenny-
son Williams, Samuel Bangura, Thomas Johnny, Samuel Braima, Osman Gbla. Agradecemos também a
Rick Rowden, Eric Gutierrez, Peter Chowla, Romilly Greenhill, Victorine Kemonou Djitrinou, Amy Gray,
Anne Jellema, Specioza Kiwanuka, Jackson Karugu, Francis Vernyuy, Mohammad Muntasim Tanvir,
Aqsa Khan, Hammad Ahmad, llene Grable, Nancy Alexander, Natasha Munshi e Wendy Johnson. A
versão original, em inglês, está disponivel em http://www.actionaidusa.org/pdf/AAConf_Contradic-
tions_Final.pdf
'MARPHATIA, A.; ARCHER, D. Contradizendo os compromissos: como a realização da educação para
todos é posta em risco pelo Fundo Monetário Internacional. ActionAid Internacional, 2005 (disponí-
vel em www.actionaid.org/assets/pdf/contradicting_commitments4.pdf).
ROWDEN, R Mudando de rumo: propostas alternativas para atingir as metas de desenvolvimento do
milênio e lutar contra o HIV/Aids. ActionAid Internacional, 2005 (disponível em www.actionaidusa.
org/pdf/changing0/o20course0/o20report,pdf).
OMr r FMI· n imn•rtn no~ nnlltiras educacionais Confrontando as contradições· o FMI e, 1nveo;timento rio prot~~sorado 1 153
Em Malavi, o IVlinislfrio da l•~ducaçüo ainda está se recuperando após Tabela 1. Educação primária em Malavi, Moçambique e Serra Leoa
um litse marcada por desvio.'-' ele verba e corrupção da administração an-
País
terior. Al(,m disso, h{t o cenú1·io gerado pelo lançamento do programa de
Proporção bruta de
educaçüo universal grnluila 1·111 1994, quando as matrículas aumentaram matrículas (PBM)
mui lo e as escolas públicas lh l'ram cliliculdadc de acompanhar esse ritmo..
Atual proporção
!louve algum progresso na l'1rnslru~:iio de salas de aula e na distribuição professor-alunos
ele livros escolares, e o governo leve de contratar 22 mil professores sem
l"ormaçiio para responder a l'ssa nova demanda. Entretanto, os professores
nüo receberam a capacilaçiio 1·m serviço adequada, e a qualidade das esco-
las continua ruim. As taxas d1· abandono siio altas e as de conclusão do cur-
Proporção de abandono
so, baixas. Um rcpresenlanll' de um país doador chegou a definir os últimos do curso na 1a série*
dez anos como uma " ... cifrada perdida para a educação em Malavi". Um Taxa de conclusão
integrante de uma organiza~·:-10 local de saúde, a Rede de Saúde Igualitária
de Malavi, perguntou: "l'arn onde estamos indo'? Perdemos a direçiio como
Transição para a
país no que diz respeito ú educação". educação secundária
Apesar do aumento no 11i"1rncro de matrículas na cducaçiio primária, os
resultados com rela~'.iio its c011quislas de aprendizado foram variados. A ta- Fonte:
bela 1 moslrn que, mesmo co111 a disparidade existente entre as taxas de ma- Fontes diferentes foram utilizadas para descobrir esses dados. A maioria provém de documentos
governamentais mas alguns são de outras fontes internacionais.
trícula entre os ln\s países (('111 Malavi chega a att' 95%," enquanto em Serra
Leoa o número mio passa de (i)'Yti), todos eles apresentam altas taxas de aban-
• taxas de abandono do curso na 1' série de acordo com o Relatório Global de Monitoramento da
dono, baixas taxas de conclus:io, fazendo com que poucos consigam chegar à Educação 2007.
cducaçiio secundúria, indica11do que as crianças nüo permanecem na escola ··calculado como total número de matriculas para a 1' série de 2006 como percentual de 8 estudan-
por tempo sulidcnte para adquirir habilidades básicas de alfabetização. Isto tes de nivel básico que fizeram os primeiros exames de transferência em 2005.
lica ainda mais darn quando se observa a l'PA (proporçiio professor aluno),
Outros dados são provenientes de:
que est{t sempre hem acima do tamanho recomendado de sala de aula de 40
Moçambique: Ministério da Educação e da Cultura, Banco de Dados da Educação; números de 2005.
alunos ou menos para um prnl'cssor, critério adotado pelo Banco Mundial e Serra Leoa: Proporção bruta de matriculas oferecida pela Pesquisa de Lares 2003/2004.
pela comunidade doadorn como padriio para os países cm desenvolvimento. Dados quanto à conclusão para 2004, do Relatório do Banco Mundial para o Setor da Educação 2006;
Pesquisa Integrada de Ocupações e Lares de Serra Leoa 2003/2004. Dados de transição do Ministério
Tal padriio foi assumido cm resposta a pesquisas que demonstram de for-
da Educação e Treinamento Vocacional, Estatísticas do Educação 2006; outros dados provenientes
ma inconlcslc que h<I delcriornçüo na qualidade cio ensino e do aprendizado do Relatório PRSP 2007.
quando a quanliclaclc de alunos por sala excede esse número.
Alfan disso, hú a prcocupaçiio ele que alguns dos dados ocultem pro-
Um motivo central para os baixos níveis de aprendizado é a falta de
blemas mais profundos, co1110 o uso da progressão automática em vez da
professores qualificados. O vaslo número de prol"essores sem formação que
prática anterior ele avaliar ;1s crianças no lim ele cada ano letivo e fazê-las
trabalham nas escolas est<í gerando impacto na qualidade da educação não
repelir o ano caso nüo l(>ss1·111 aprovadas. Em Moçambique, por exemplo,
apenas em Malavi, Moçambique e Serra Leoa, mas em um número cada
a progrcssiio automúlica nas séries 1, 3, 4 e () reduziu consideravelmente
vez maior de países de baixa renda por todo o mundo. Para colocar todas
a proporçiio de rcpclt~ncia l' aumentou o número de promoções (Repúbli-
as crianças na escola em salas de aula com menos de 40 alunos, a Áfri-
ca de Moçambique, 2005a). mascarando o problema !alente das irrisórias
ca subsaariana (que tem atualmente 2,4 milhões de professores) precisará
conquistas letivas. aumentar esse número em 68%, para 4 milhões de professores (Unesco,
i;Esses dados são do Relatório de Monitoramento Global da EFA 2007. Nota-se que esse número é 2006a). Entretanto, colocar mais professores nas escolas é mais complicado
diferente dos dados oferecidos pelo qoverno de Malavi, os dados do EMIS de 2006 revelam que a do que simplesmente encontrar os recurso~ para contralá-los. Há muitos
PBM é superior a 1000/o. Considerando que isso é por definição impossivel, esse número alternativo
outros obstáculos na educação que precisam ser enfrentados:
é usado para fins de comparação.
1 S4 \ Banco Mundial. OMC e FMI: o irn ..1cto nas políticas educacionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento no professorado 1 155
Altas taxas de abandono - O abandono de docentes da educação primá- mulheres (República de Serra Leoa 2007a; BanC"o Mundial 2005a; Governo de
ria é muito alto em Malavi e Serra Leoa, muitos deixam o emprego após Malavi 2006). Em Moçambique, a presença d(' prnli~ssoras {~um lhtor signifi-
cinco e quatro anos de serviço, respectivamente. Nos últimos três anos, o cativo para determinar as demandas da eduea~·(10 b1ísica (1 landa 2002).
número total de professores diminuiu em Malavi: entre 2000 e 2004, cerca
de mil professores por ano deixaram a profissão ou morreram (muitos de Distribuição desigual de professores - Em princípio, isso é verdade nos
males relacionados ao HIV/ Aids). Um número adicional de 2.071 saiu das três países, onde as PP As variam bastante. Por t•xcmplo, a PI' A da regiüo sul
escolas em 2006 (Governo de Malavi, 2006) - ao menos 25% por causa de de Serra Leoa é de 1:56, na regiiio leste é de 1:74 (Hepüblica de Serra Leoa
doenças relacionadas ao HIV/ Aids. Baixos salários são outro fator chave 2007a). Entretanto, a redistribuição dos professores nas úreas rnrais (onde
para o abandono: enquanto o governo considera a proporção dos salários a PPA é mais alta e as professoras são em me1w1· número) custa caro. Incen-
razoável, uma análise contábil independente de 2005 revelou que o salário tivos e bolsas corno o auxílio moradia, auxílio ele sobrevivt~ncia e custos de
básico de um professor capacitado era de 7.700 kwachas malawis (55 dóla- transporte são necessários para atrair professores capacitados alô úreas cm
res), enquanto o salário mínimo necessário para comprar uma cesta básica condições mais precárias. A soluçiio mais utiliwda pelos países, inclusive
era de 15.000 kwachas malawis (107 dólares).7 por Serra Leoa, é a contrataçiio de pessoas d11 comunidade para dar aula.
Entretanto, a maioria das pessoas nas áreas r·urais mal completou dois-três
Baixa capacidade de formação - O governo de Moçambique niio possui anos de escolaridade e niio estú preparada ou t•quipada para ensinar.
a capacidade de formar adequadamente todos os professores, deixando 38%
deles sem capacitação profissional. Em resposta, o Ministério da Educação Falta de uma base de dados confiável sobre os professores - Serrn Leoa
implementou um novo programa de formaçiio ele professores que requer não dispõe de uma base de dados centralizada para acompanhar adequa-
apenas um ano de curso (em vez ele dois) após a 10" série. Essa medida damente o número ele professores em serviço,. suas qualilicaçües. Moçam-
quase dobrou a capacidade de forrnaçiio de professores. Anteriormente, bique tem três diferentes bases de dados de S('rvidorcs públicos, todas com
apenas 3.500 professores concluíam a capacitação a cada ano. Agora são informações diferentes quanto ao mhnero n1•,·cssário de prnfcssores. Isso
quase 6 mil os professores concluindo a formaçiio inicial. Há grande pre- causa muitos problemas, não somente para o l'idculo da quantidade neces-
ocupação, no entanto, da sociedade civil e até no Ministério ela Educação sária de professores e onde, mas também par;i a avalia~~ão do cMculo do
quanto à qualidade desta formação. Caso ela não seja aprimorada, acaba- custo de contrataçiio destes. Há muitas queixas quanto ú !'olha de pagamen-
rá prejudicando os esforços de melhorar a qualidade do ensino por meio tos, inchada com salários de professores fantasnrn, que ainda aparecem no
da contratação de mais professores. São necessários mais recursos para sistema. Em Serra Leoa, os professores fantas111a siio uma conscqüéncia da
apoiar uma política de formação de professores que garanta a qualidade. guerra, sendo freqüentemente citados como nwtivo para manter a rcstri-
"Atalhos" nos programas ele formação não siio a resposta. çiio aos gastos com salários dos professores. l•:ntretanto, pouco se fala da
existência de um número quase igual de proli·sson•s ativos forn da folha
Falta de professoras - Niio hú número suficiente ele professoras, o que afe- de pagamento.
ta diretamente o já baixo número de meninas matriculadas que freqüentam,
concluem e têm sucesso na escola (Handa 2002; República de Serra Leoa Essas são limitações que restringem a eapill'idadc do governo de contra-
2007a; República de Moçambique 2005 e 2005a). Adicionalmente, Unterhal- tar e empregar com maior eficiência os profl•ssorcs. Entretanto, todas elas
ter (2007) observou que a baixa proporção de professoras está relacionada a podem ser encaradas como resultado de um;i l'alla acumulada dt• inves-
outros aspectos da desigualdade entre os sexos na educação (baixos níveis timento no sistema educacional ao longo de 111uitos anos. Nos trôs países
de matrícula na educaçiio primária e secundária, baixa reprovação e falta de estudados, há provas da seriedade cios governos para solucionar estas limi-
mulheres envolvidas nas decisões públicas) tanto em Malavi quanto em Mo- tações de capacidade, mas para fazt~-lo adequ;idamentc é necessário mais
çambique. Em Serra Leoa e Malavi, aproximadamente 50% da equipe ela edu- dinheiro. Seria errado utilizar dessas dcficit\1wias como motivo para niio
cação primária e 20% da equipe ela educação secundária siio compostos por aumentar o investimento: isto acabaria pcqwt11a11do o problema. Falando
de Moçambique, .leffrey Sachs reconheceu qu1· o país st\ poderia atingir as
7 Estes números são do Centro de Preocupação Social (2005) e nos foram relatados pelo coordenador
MDM se houvesse maior disponibilidade dt• n·cursos. Ele li~z críticas aos
da coalizão da sociedade civil pela educação primária de qualidade em Malavi.
158 \ Banco Mundial, OMC e FMI: o t"1p~cto nas politiCéJS educacionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento no professorado j 159
cuperar o crescimento e aumentar o investimento em educação e saúde.
Uma economia que saiu de um conflito, como a de Serra Leoa, enfrenta 2. Acertando o gasto
decisões muito difíceis. A necessidade de controlar a inflação e os déficits
pode ditar medidas austeras que, por sua vez, podem contrariar as priori-
dades sociais e a expectativa popular pela paz. Além disso, um orçamen-
com salários: nece:~sidades de
to muito apertado pode levar à deflação e ao desemprego, especialmente
quando o investimento privado é muito baixo." professores versus
Entretanto, quando questionados sobre a possibilidade de aumentar os
gastos em educação para atingir essas metas, os ministros das finanças e do macroeconomia
planejamento dos três países respondem: "Não se pode sacrificar a macro-
estabilidade". Assim, fica claro que poucos governantes tinham noção do
2.1 Acertando os tetos salariais s.ibre a folha
que significava a macroestabilidade, além de cumprir as metas das MRPC.
Muitos governantes mostraram-se confusos diante da tentativa de justificar
de pagamentos
os números previstos em seus programas. Parece perfeitamente claro que
"Hd uma necessidade de maior coerênd11 entre o que muitos
os números estabelecidos nos programas das MRPC ajudam a definir o es-
governos, inclusive o de f!Vashington, rli.'fi'ndem junto aos go-
paço fiscal disponível para a consideração de gastos adicionais com educa-
vernos qfricanos com relação à necessidade de gastar mais em
ção, e esses indicadores constituem um determinante primário das despe-
saúde e em educação primária e o que as instituiç6es interna-
sas planejadas para educação. É essencial, portanto, compreender a lógica
cionais, controladas em boa medida pl'los mesmos governos
e as implicações dessas metas macroeconômicas e as teorias nas quais elas
ocidentais, jazem ao prl'ssionarem os paiscs q[ricanos a rulu-
se baseiam quando consideramos a necessidade de um aumento do gasto
zir afolha de pagamentos desses governos, o que inclui prq{es-
com educação no sentido de permitir a contratação de novos professores.
sores e trabalhadores da saúde."
(A África no Encontro elas Nações, cclitol'ial do New York Ti-
mes, 417/2005)
160 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas politicas educaciorais Confrontando as contradições: o FMI e n investimento no professorado 1 161
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res e trabalhadores do setor da saúde que o governo pode contratar. Isso
"O processo de estabelecimento das medidas macroeconómi- cria vantagens e desvantagens que têm impaclo direto na vida das pessoas
cas consiste fundamentalmente em 'reconciliar os dados' do e influenciam o rumo do desenvolvimento li11uro do país como um todo.
governo com os do FMI. Quando a missão do FMI chega na Portanto, é essencial que os governos lenham um amplo leque de opções
cidade, eles comparam os seus dados com os dados do governo a considerar, e que as escolhas finais estejam nas mãos de governos res-
e ajustam os seus próprios dados para que cheguem em acordo ponsáveis perante o povo que os elegeram, e nfio leais a instituições finan-
quanto às metas macroeconómicas. É somente no final que as ceiras internacionais. EnlJ·etanto, a abordagem do FMI encoraja as nações
medidas são debatidas e a economia real é considerada." a acreditar que existe apenas uma verdade, um único conceito de estabi-
lidade macroeconômica e que se trata de uma posição unilateral, estável
Falta de consulta ou instável, de acordo com o plano ou não. As considerações de um relató-
rio recente do Escritório de Avaliação Independente (EAI) mostram que a
O que fica claro é o não-envolvimento do Ministério da Educação no mesma abordagem binária compromete a absorção da ajuda dos doadores
estabelecimento do limite de gasto com contratações. As necessidades da (Quadro "Não gastar as doações: descobertas do relatório do EAI").
área não são consideradas para a determinação desses tetos sobre a folha Ainda assim, um número cada vez maior de economistas questiona a
de pagamento ou orçamento total. Em vez disso, esses ministérios têm de natureza restritiva das medidas fiscais e mon<'l{trias propostas pelo FMI e
lidar com as conseqüências, distribuindo os professores pelo país depois se pergunta se níveis muito baixos ele inflaçiio e déficit fiscal seriam rele-
da restrição ter sido estabelecia. Em Serra Leoa, por exemplo, muito rara- vantes e apropriados para países de baixa renda. Isso Leve efeito direto na
mente o Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia informa a respeito validade dos limites impostos ao gasto orçamentário e à folha de pagamen-
de suas necessidades: a falta de professores, as demandas de formação ou to e, portanto, à contratação de novos professores.
os níveis salariais antes de ser calculado o limite para o gasto salarial. Além A questão a seguir não pretende ser uma i nlerpretação abrangente ela
disso, poucos funcionários dos Ministérios da Educação têm confiança, ca- teoria macroeconômica. Nosso objetivo é chamar alençfio para a diversi-
pacidade ou oportunidade de questionar essa situação e propor alternati- dade ele opiniões sobre alguns dos fatores m<HTocconômicos aos quais os
vas: espera-se deles que aceitem as decisões tomadas pelo Ministério das países são incentivados a aderir. Fazemos isso com a esperança ele que os
Finanças quanto ao número de professores a ser contratado. Em Malavi, os países possam questionar, desafiar e chegar ao seu próprio ponto de vista
esforços para negociar um gasto maior com educação não sensibilizaram quanto ao melhor caminho a ser seguido.
ninguém (motivo de muita frustração para os parlamentares). Com maior
confiança (possibilitada pelo maior conhecimento econômico), eles come- 2.2.1 Taxas de inflação de um único algarismo são a melhor opção
çaram a desafiar a opinião do Ministério das Finanças. Mesmo assim, até para países de baixa renda?
hoje, o contexto macroeconômico não dá espaço para negociação. E não há
uma perspectiva otimista de que isso mude. "A regra dos 7% é uma regra para tempos normais, ma.~ estes
não são tempos normais."
2.2 Justificativas macroeconômicas para o gasto sa- (Oficial chefe do Ministério das Finanças de Malavi).
larial
A missão principal do FMI é manter a "estabilidade macroeconômica",
"Tetos sobre afolha de pagamento resolvem o problema a cur- o que, segundo a definição do Fundo, implica q11e os países têm de "manter
to prazo. Mas são, qfinal, incapazes de resolver as pressões a balança fiscal e a conta-corrente consistentes com níveis cada vez mais
baixos de endividamento, inflação na casa de um dígito, o mais baixo possí-
macroeconómicas a que se propuseram"
(Fedelino et al, 2006) vel, e o PIB per capita em crescimento" (FMI, 2001). De acordo com o FMI,
níveis de inflação acima de 10% podem afetar negativamente as pessoas
pobres, porque os preços de bens de consumo básicos se tornam muito ca-
Um contexto macroeconômico focado na inflação, nos níveis de déficit
ros, afastando os investidores internacionais e prejudicando a perspectiva
fiscal e nos tetos sobre os gastos públicos limitará o número de professo-
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de boas taxas de crcscimc11to no futuro (FMI, 1997). A principal forma de estabilidade baseada em resultados. Outros buscaram a macro-
atingir essa meta inllacionúria tem sido empurrar rapidamente a inllação estabilidade ao custo de medidas que incentivaram o crescimen-
de níveis médios até níveis muito baixo, freqüentemente por meio de cortes to, como a provisão adequada de bens públicos, bem como de
nos gastos públicos e do aumento dos juros a curto prazo. Uma vez que essa investimentos sociais, que aumentaram o ritmo de crescimento e
meta de baixa inllação é atingida, os países têm de fazer todo o possível fizeram a estabilidade mais durável (Banco Mundial 2005).
para mantê-la como está. As metas inllacionárias atuais estão estabelecidas
em 6% para Moçambique, 7,4% para Malavi e 9,5% para Serra Leoa, e nos Em países como Malavi e Moçambique, que obtiveram a estabilidade
três países espera-se que a inllação caia para 5% até 2009-2010 (FMI, 2006). e agora procuram obter maior crescimento econômico, a busca pela baixa
Da mesma maneira, conforme demonstrado na tabela 5 deste relatório, to- inflação de um só dígito pode ser especialmente prejudicial. Moçambique,
dos os 25 países analisados tinham taxas de inllação bem abaixo dos 10%; por exemplo, apresentou taxas de inflação moderadas entre 10% e 12% nos
20 deles, abaixo de 5%. Co11f'orme mostra o quadro "Não gastar as doações: últimos cinco anos. Ainda assim, o governo acha que deve reduzi-la ainda
descobertas do relatório do EAI", em muitos países de baixa renda, um pa- mais até 6% por medo de que a manutenção dos níveis atuais possa amea-
drão de inllação em 5%, que há muito se caracteriza como a principal meta çar a estabilidade macroeconômica. O FMI afirma que uma taxa moderada
dos programas de estabilizaçiio do FMI, continua a determinar os níveis de de inflação apresenta maior risco de rapidamente fugir ao controle (Roger
doação e o volume dos gastos públicos (EAl, 2007). e Stone 2005). O histórico recente de Moçambique demonstra não ser o
Entretanto, os economistas discordam quanto ao fato de uma infla- caso. Se taxas moderadas de inflação entre 10-20% fossem aceitáveis na
ção alta ter maior impacto negativo sobre a pobreza e o crescimento. En- constituição de uma economia "estável", como argumentam muitos eco-
quanto alguns argumentam que países de inllação de um dígito só cres- nomistas, isso permitiria a Moçambique maior llexibilidade e espaço fiscal
cem mais rápido do que países com inflação moderadamente mais alta, nos próximos anos, possibilitando ao país aumentar os gastos públicos.
há provas contrárias de que o crescimento a longo prazo não é afetado O FMI preocupa-se que o aumento da folha de pagamento por meio
por uma inllação moderada de dois dígitos (Chang e Grabel, 2004). da contratação de mais professores possa levar à inllação (Fedelino et al,
De fato, muitos estudos afirmam que reduzir a economia por meio da 2006). Quando o governo aumenta a folha de pagamento (seja pela contra-
baixa inflação de um único dígito para diminuir a demanda e os gastos do tação de novos empregados ou pelo aumento dos salários), ele está de fato
governo tem resultado num crescimento mais lento para os países pobres colocando mais dinheiro no bolso das pessoas, provocando um aumento
(Spiegcl, 2006; Wcisbrol et ai, 2005; Banco Mundial, 2005; GAO, 2001; Barro, na demanda por bens. Entretanto, em curto prazo a quantidade de bens
1996). Pollin e Zhu concluem que "não há justificativa para medidas contra a permanece a mesma. Até que os fornecedores produzam maior quantidade
inllação da maneira como s;1o atualmente aplicadas entre os países de média para satisfazer a maior demanda, os preços aumentam, causando a infla-
e baixa renda, ou seja, mantendo-a entre 5% e 5%" (Pollin e Zhu, 2005). ção. Portanto, se o governo está tentando atingir uma meta inflacionária
Até o Banco Mundial (a agência irmã do FMI em Washington) identifi- de um único dígito, é necessário gerenciar rigorosamente os gastos com
cou que uma inllaçiio inferior a 20% não traria impacto negativo óbvio para a folha de pagamento para atingir tais metas e não pode correr o risco de
taxas de crescimento eco111\rnico a longo prazo em 127 países entre 1960 e contratar novos professores.
1992 (apud Bruno, 1995). Essa pesquisa indica que manter taxas modera- Entretanto, nos três países, descobrimos que os salários não eram os cul-
das de inllação não colocaria necessariamente em risco a estabilidade ma- pados pelo aumento da inllação. Todos afirmaram (tanto o FMI quanto o go-
croeconômica, ao passo que conseguiria acomodar um maior gasto público verno) que os principais fatores responsáveis pela inllação são os choques cli-
em setores prioritários eo1110 a educação. Da mesma maneira, um estudo máticos, como as secas, que danificam a produção agrícola, ou o aumento no
do Banco Mundial descobriu que: preço do petróleo. Em Moçambique, com o aumento da folha de pagamento
em 2005, percebeu-se que a principal razão para o país não ter atingido a meta
a busca pela macro<'stabilidade, defüiida estritamente, em al- inflacionária de 10,8% foi a alta no preço dos alimentos causada pela seca do
guns casos pode ter prejudicado o crescimento. A preocupação ano anterior (República de Moçambique 2004). Assim como o aumento do
com a rápida redu(·rio da inflação induziu alguns países a preço do petróleo, esse fator não podia ser controlado pelo governo.
adotar regimes de câmbio que estavam em contradição com a A questão central é que as escolhas quanto às medidas econômicas (como,
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por exemplo, o nível de inflação aceitável) sempre envolvem perdas e ganhos. O lucro disponível para o governo determina o seu espaço !iscai, idéia for-
Permitir o aumento da inflação pode prejudicar o poder aquisitivo dos assala- temente ligada ao conceito de sustentabilidack !iscai. O FMI define a sus-
riados enquanto beneficia inesperadamente os ricos proprietários. Mantê-la tentabilidade fiscal como sendo "a capacidad<' de um governo, ainda que
baixa por meio do aumento da taxa de câmbio acarreta desemprego, o que futura, de financiar os gastos dos seus progra111as planejados e atender às
penaliza os pobres sem escolaridade, especialmente as mulheres; 11 enquanto obrigações devidas" (Heller 2005). Em outras palavras, qualquer gasto go-
a redução da inflação por meio do encolhimento dos gastos governamentais vernamental acima ou além do seu próprio prnduto (chamado de déficit
freqüentemente requer cortes nos serviços dos quais os pobres dependem, fiscal) requer o aumento do espaço fiscal no fuluro.
como a educação e a saúde pública. O preço alto dos alimentos pode ser bom O gasto do governo com salários tem implicações graves para a sus-
para os pequenos proprietários agrícolas, mas ruim para os moradores das fa- tentabilidade fiscal, pois os salários do governo são considerados um custo
velas nas cidades. Seja qual for o resultado, o custo político e social será muito permanente ou recorrente. Ao contratar mais prnfcssorcs, o governo está se
significativo para alguns segmentos da população. A adequação ao FMI nega comprometendo a continuar pagando esses salúrios. Da mesma maneira, o
efetivamente aos governos o direto e a responsabilidade de fazer estas duras governo precisa garantir uma receita suficiente no futuro para financiares-
escolhas, privando-os de uma das mais importantes ferramentas de que eles ses custos. Num esforço para manter a sustenJ;ibilidadc fiscal, o FMI advo-
dispõem para equilibrar os interesses e as necessidades de diferentes setores ga em prol de déficits fiscais baixos, de um úni<'o dígito e, cm alguns casos,
da sociedade e dessa forma minando a própria estrutura da democracia. Em defende orçamentos equilibrados (nível zero d<' délicil) ou at(~ lucros orça-
razão dessa escolha, os pobres (principalmente as mulheres pobres) devem mentários.13 Estabelecer um teto sobre a folha clt' pagamento ajuda o gover-
de fato preferir uma inflação mais alta se isso for compatível com serviços pú- no a atingir sua meta fiscal. O medo é de que, s1·m um teto suficientemente
blicos melhores e mais oportunidades de emprego. No entanto, a adequação baixo, o governo contrate mais empregados do que será capa;r, de manter
ao FMI deixa pouco espaço para medidas do governo no sentido de amenizar no futuro. Como resultado, o governo scr{1 fon:ado a dirigir mais recursos
essas desvantagens e poucas oportunidades para que os cidadãos ou seus re- para cobrir os salários, e terá de gastar mais cio que dispõe, entrando em
presentantes eleitos possam dar voz à sua opinião. déficit para custear outros gastos. As metas parn as balanças fiscais (após as
doações) para os três países de nosso estudo s;io: Malavi 0,4°/ii do PIB (FMI,
2.2.2 Expandido o espaço fiscal: como um país pode aumentar os 2006b), Moçambique 4,5% e Serra Leoa 2,7% (l•'Ml, 2006). 1·1
gastos para atingir as metas dos setores sociais? 12 Se o governo deseja contratar mais professores, é necessário estudar
maneiras de ampliar o espaço fiscal sem ameaçar a sustentabilidade fis-
O volume de recursos que um governo pode gastar se baseia na sua cal. O governo pode aumentar o espaço fiscal para financiar investimen-
capacidade de financiar os gastos da atividade económica atual e futura. tos maiores de quatro maneiras. Iremos disculi-las a seguir, questionan-
do se elas serão capazes de garantir o espat:o !iscai necessário para a
11 Um estudo entre diferentes países demonstrou que "a classe trabalhadora amplamente definida, e contratação de mais professores e se isso seria apropriado ou não.
aqueles de habilidade ocupacional e status mais baixos têm maior probabilidade de priorizar o combate
ao desemprego em vez de à inflação" (Jayadev, 2006). As mulheres são freqüentemente as primeiras a
serem demitidas (Elson e Cagatay, 2000), parcialmente porque seus niveis de alfabetização são muito
mais baixos do que entre os homens. Em Moçambique, o analfabetismo ainda é muito maior entre as
mulheres (68,80/o) do que entre os homens (36,70/o) (República de Moçambique, 2005b). 13
Há um número de definições empregadas para descrever o deficit fiscal. O "déficit fiscal geral" é a
"Ao propor o aumento do espaço fiscal, não estamos ignorando o tema da doença holandesa (con- diferença entre a receita e os gastos. Se for medido excluindo as doações, a única receita incluida é a
ceito econômico que explica a aparente relação entre a exploração de recursos naturais e o declínio doméstica. Se for medido incluindo as doações, a ajuda doada é calculada como parte da receita, e o
do setor manufatureiro). A ocorrência e a extensão da doença holandesa são determinadas por um déficit fiscal resultante é menor. Em geral utilizamos esta última definição, pois os governos tendem a
grande número de fatores, como a capacidade de absorção da economia para acomodar influxos aumentar os gastos de acordo éom o influxo de doações. Portanto, excluir as doações da medida total
financeiros adicionais e a maneira com que os influxos são empregados. O relatório do EAI de 2007 de receitas provocaria uma representação equivocada dos excessos nos gastos governamentais com-
diz que o FMI não interpreta consistentemente a capacidade de absorção dos paises de baixa renda. parados à receita. O "equilíbrio fiscal primário" refere-se à diferença entre a receita doméstica total e o
Além disso, como foi discutido no capitulo 1, a educação é um insumo necessário para o setor pro- gasto total, excluindo o pagamento de juros e o gasto externo corn capital financeiro. Isso proporciona
dutivo. Portanto, gastos adicionais com educação deveriam estimular a atividade produtiva a médio uma medida de quanto do gasto programado pelo governo é coberto pela receita doméstica.
prazo, ao menos entre sete e dez anos, se a influência na modernização agrícola (discutida no item 14
Uma pesquisa dos empréstimos do FMI em 20 países feita pela Oxfam Internacional mostra que
1.2) for considerada. Assim, é razoável esperar que haja espaço para aumentar os gastos sem disparar 15 entre os 20 países tinham metas de déficit fiscal cada vez menores ao longo dos três anos de
a doença holandesa. Isto é algo que precisa ser calculado em cada pais. implementação do programa do FMI. A redução média foi de cerca de 20/o do PIB.
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Nesse sentido, manter a estabilidade macroeconômica definida pelo FMI re-
sulta no uso de medidas fiscais e monetárias restritivas que limitam o gasto total
do governo. A tentativa de atingir uma inflação de um único dígito significa que
o governo não pode gastar boa parle da ajuda que recebe por medo de que isso
acarrete uma inflação mais alta. Países classificados como de baixo desempenho
econômico são obrigados a trasnferir a maior parte da ajuda para suas reservas.
As provas apresentadas pelo relatório do EAI de 2007 (Quadro "Não gastar as
doações: descobertas do relatório do EAI") demonstram um ponto perturbador,
um limiar que polariza os países entre o grupo dos que são autorizados a gastar
e o grupo dos que estão proibidos de fazê-lo. Dos 29 países subsaarianos presen-
tes no estudo, aqueles cuja inflação estava acima do limiar dos 5% eram autori-
zados a gastar apenas 15% do aumento na ajuda (EAI 2007). Os 85% restantes da
ajuda deveriam ser colocados no tesouro ou utilizados para pagar a dívida inter-
na. Isso seria aceitável se houvesse uma boa justificativa para manter a inflação
abaixo dos 5%. Entretanto, como demonstrado anteriormente, não é o caso. Em
2006, o Departamento de Desenvolvimento Interno da Inglaterra (DDI) firmou
um compromisso de dez anos com a educação em Moçambique. Se os países
do nosso estudo não forem capazes de cumprir as metas inflacionárias, esses
fundos serão conduzidos ao tesouro em vez de serem gastos na finalidade a que
foram destinados? Será que a falta de professores em Moçambique vai piorar
porque o pafs é obrigado a manter uma política monetária altamente discutível?
Resultados como este em nada contribuem para que se cumpram as metas de-
claradas de aumentar os gastos para atingir as MDM.
Essas críticas surgem numa época em qut· FMI enfrenta uma crise de
legitimidade, já que seus clientes de média n·nda se alitstam e que alguns
países da África subsaariana não necessitam n1ais de empréstimos. Nigéria,
Cabo Verde, Uganda, Gana e Tanzi\nia substil 11 íram seu antigo acordo com
as MRPCs por um novo instrumento ele suporlt' ús medidas (ISM), que nfio
inclui acordos de empréstimo. Moçambique l;1mbém espera mudar para o
ISM até o final de 2007. Contudo, o FMI ma11t{•111 /!:i"nnde influência sobre as
medidas monetárias e fiscais do ISM.
As descobertas do relatório do EAI expüe!ll o poder do FMI de recondu-
zir a ajuda dos doadores destinada a setores snciais na dire~·<io de medidas
de manutenção ela estabilidade maeroeconôn1i1·a. O FMI pode ser respon-
sabilizado pela incapacidade da comunidaci<' internacional de prover os
recursos necessários à educação e à saúde. i\ pesar de o FMI afirmar que
apóia as MDM, essas descobertas indicam que· o Fundo nfio está convenci-
continua•
do quanto à importância do investimento na 1·d11eaç;io e em sat'ldc para o
crescimento econômico e a erradicaç<io da pol11·1·z11.
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para 0% do PIB até 2008-2009 (FMI, 2006b). Como registrado na segunda ponsáveis é tão problemático quanto promover o <~mpréstimo irresponsável.
avaliação feita pelo FMI sobre a MRPC de Malavi (FMI, 2006b): "Reduzir Alguns dos conselhos do FMI são bons, pois promovem a reavaliação
o peso do endividamento interno continuará sendo o fundamento da estra- das prioridades orçamentárias, enfatizando a educação e o aumento da re-
tégia fiscal. Isso será obtido por meio da restrição aos gastos." Essa política ceita doméstica por meio da maior arrecadação de impostos. Entretanto, é
fiscal restritiva continua mesmo após a pesquisa do FMI ter indicado que importante reconhecer que essas medidas, isoladamente, não oferecerão
não há relação entre os baixos níveis de déficit fiscal e o crescimento em a condição fiscal necessária para mais investimentos em educação e para
um pais de baixa renda que já tenha alcançado a estabilidade macroeconô- atingir as MDM de maneira geral. Desse modo, o Fundo pede uma maior
mica (Baldacci et al2004). Malavi, Serra Leoa e Moçambique já atingiram provisão de ajuda de doadores para financiar estes gastos.
a estabilidade macroeconômica. Mesmo assim, o FMI continua a encorajar Então, o FMI prejudica tais esforços ao insistir em taxas de inflação de
as mesmas medidas fiscais que eram utilizadas quando havia o medo de o um único digito ou em déficits iguais a zero, que impedem os governos de
pais perder o controle sobre os gastos do governo. expandir os gastos gerais do setor público, seja por meio da utilização de
É evidente que há temores legítimos que levam o FMI a coagir os gover- ajuda ou por empréstimos responsáveis do gov<'rno.
nos a evitar déficits excessivos. Se os governos tomam emprestado dinheiro O FMI deveria desistir de estabelecer as condições das medidas eco-
para financiar os principais gastos públicos, é provável que o empréstimo nômicas, deixando a critério dos governos a <ffaliação dos dados sobre a
seja renovado ano após ano, e o custo do pagamento de juros prejudicará inflação e ..a decisão sobre o patamar ideal para cada caso, permitindo a
~ (
os futuros gastos governamentais. Por exemplo, em meados da década de expansão das condições fiscais por meio do aumento das doações e de em-
1990, Malavi utilizava 40% do orçamento para financiar o pagamento de préstimos responsáveis que não ameacem a sustentabilidade fiscal.
dividas. Sem a garantia do crescimento do PIB no futuro, essa dívida pode No momento, apesar da disponibilidade de provas e da experiência de
se tornar impossível de pagar para o governo. Isso explica o foco do FMI outros países, os governos dos três países estudados não têm muita escolha
sobre a redução do déficit Entretanto, nem todo empréstimo tomado pelo além de seguir as definições do FMI acerca da sustentabilidade e da redu-
governo leva necessariamente a uma dívida pública cada vez maior. ção dos níveis de inflação e de déficit até nívl'is arbitrariamente baixos.
Um dos principais motivos desse ceticismo em relação aos empréstimos Igualmente os pobres não podem opinar em qualquer um desses países
do governo é a falta de capacidade do FMI para fazer projeções de longo aqui estudados, nem os parlamentares, nem a sociedade civil estão envol-
prazo, o que o impede de compreender as recompensas positivas do inves- vidos nas negociações entre o Ministério das Fi1ianças e o FMI nas quais as
timento em educação após um período de 10 a 15 anos (Roy et al, 2006). O metas macroeconômicas são definidas. Os países têm o direito de explorar
modelo macroeconômico do FMI é de curto prazo, compreendendo períodos outros rumos de desenvolvimento, e receber conselhos confiáveis quanto
de 5 a 5 anos para a solução de problemas relativos à sustentabilidade fiscal. às diversas medidas alternativas.
Entretanto, o retorno econômico do investimento em educação, que permiti-
ria uma maior taxa de crescimento do PIB e a expansão do espaço fiscal, só
se tornaria evidente ao longo de um período de 7 a 15 anos. Como resultado,
o modelo atual do FMI não consegue analisar o retorno econômico que po-
deria ser gerado por investimentos no presente e que requerem maior gasto e
déficit a curto e médio prazo. Sem a capacidade de projetar o retorno a longo
prazo do investimento, o Fundo não interpreta corretamente a sustentabi-
lidade fiscal. Por causa da relutância ou da incapacidade de fazer esse tipo
de análise, o Fundo mantém a declaração de que o gasto deficitário nunca
é apropriado: afirma que o investimento em educação ajudará a estimular
o crescimento econômico a longo prazo, mas não consegue calcular essas
variáveis quando elas são as mais relevantes para esse raciocínio.
O empréstimo irresponsável não deve ser encorajado. Todavia, remover
completamente o empréstimo do leque de medidas disponíveis a governos res-
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naidusa.org/pdf/AAConf_Contradictions_Final.pdf; Malavi: Ministerio da Educação e do Treinamento
3. O impacto das políticas Vocacional, Plano Estrategico Nacional de Educação (rascunho de novembro de 2006); Moçambique:
Ministério da Educação e Cultura, Banco de Dados da Educação 2007; Serra Leoa: todos os dados vêm
dos relatórios de 2007 e 2006c da República de Serra Leoa.
do FMI na educação
Restrições na folha de pagamento que impedem os governos de contra-
3.1 O impacto sobre Malavi, Moçambique e Serra Leoa tar mais professores, incluindo professoras, ocasionam superlotação nas
salas de aula, com altas PP As, o que, por sua vez acarreta baixo rendimento
"É o limite de gasto que dita quantos professores adicionais no aprendizado. O Banco Mundial recentemente reconheceu a necessidade
podem ser contratados, e ruia a necessidade. As escolas nos di- urgente de focar em melhorias no rendimento do aprendizado, mas isso é
zem quantos prqfessorcs são necessários, mas raramente somos impossível sem um número suficiente de professores capacitados e com
capazes de contcmp/11r esse pedido." salas de aula com muitos alunos para se administrar (Grupo de Avaliação
(Oficial clu;fc do Ministério da Educação, Serra Leoa) Independente 2006). Apesar de o resultado final ser o abandono do curso
por meninos e meninas, os preconceitos contra a educação das meninas
ob os atuais tetos da folha de pagamento, será impossível para Malavi, fazem com que elas tenham menor probabilidade de concluir a educação
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Há uma correlação entre a pequena inscrição de meninas es- a superlotação do já restrito número de salas de aula, o MECT determinou
tudantes na educação secundária e nas universidades de mate- um limite de matrículas para cada escola, o que significa que muitas crian-
mática, ciência e politécnica, e o baixo número de professoras ças não são admitidas. Ainda assim, a necessidade de mais escolas e profes-
nestes níveis. sores continua a crescer, assim como a populaçiio excluída da escola.
As conseqüências do teto para gastos com pessoal são tão terríveis em
Quebrar esse círculo requer o investimento não apenas nos professo- Serra Leoa que o novo Plano para o Setor da Educação de dez anos apresenta
res como também na promoção da educação das meninas: por exemplo, diversas observações sobre o impacto de medidas macroeconômicas restriti-
em processos de capacitação em gênero que possibilitem aos professores vas à educação, especialmente quanto ao aumento da já elevada PPA:
a promoção de valores e princípios igualitários, estimulando a justiça e as
oportunidades igualitárias na sala de aula. Tudo isso exige investimentos A média do pais é de 66 alunos por professor e de 112 alunos
de longo prazo: restrições de gasto com pessoal representam um obstáculo por professor especializado. Há uma necessidade óbvia de se
para a superação das diferenças entre os sexos na educação. contratar mais professores qualificados, mas o limite imposto
O impacto desastroso das restrições orçamentárias sobre o número de na contratação de professores pelos requisitos do MFIFMI tor-
professores, a qualidade e os processos de planejamento são analisados a nou impossível responder a essa cart!ncia. Além disso, manter
seguir nos três países em questão. o nosso compromisso com a educação gratuita e de qualidade
conforme firmado no Ato pela Educação de 2004 e atingir as
Serra Leoa metas de qualidade estabelecidas pela EPT-IVR, ao mesmo tem-
po respeitando os limites na contratação de professores, coloca
Os pressupostos que orientam a definição de tetos para gastos com pes- Serra Leoa numa posição muito difícil. Ao definir o patamar
soal e os decorrentes limites impostos ao número de professores criam dos limites e das restrições aos gastos com pessoal, é preciso fa-
obstáculos para o planejamento de longo prazo e para o acúmulo de capa- zer refert!ncia aos valores necessários para se atingir as metas
cidade humana. Tendo em vista que o limite é estabelecido pelo Ministério MDM e EPT para garantir que as medidas macroeconómicas
das Finanças, o Ministério da Educação tem que - a partir do teto defi- não sejam contraproducentes em relação à realização dessas
nido - determinar quantos professores serão disponibilizados para cada metas. (República de Serra Leoa, 2007 a, p. 23).
estabelecimento de ensino. Estes números se baseiam na meta de PPA, no
número de matrículas, no número de salas de aula por escolas e no núme- Previsivelmente, as restrições ao gasto com pessoal prejudicam os esfor-
ro de professores afastados da sala de aula enquanto preparam projetos de ços atuais para reformar o serviço público e o planejamento anual adequado,
pesquisa. Por causa do teto baixo para gastos com pessoal e do número li- sem falar no longo prazo. Por exemplo, o Ministério da Educação de Serra
mitado de professores que podem ser contratados, o Ministério estabeleceu Leoa é informado quanto ao limite de professores no início do ano fiscal, em
como meta uma PPA de 1:50, muito acima da proporção recomendada pela janeiro. Então, o Ministério tem de projetar e distJ"ibuir os professores entre
EFA-FTI de 1:40. Definir uma PPA genérica significa que as necessidades as escolas com base nesses limites. Entretanto, como o ano letivo começa
específicas de cada escola não serão consideradas: por exemplo, na edu- em setembro, o Ministério tem de estimar quantos professores poderão ser
cação primária, um professor ensina todas as matérias, mas, na educação contratados para suprir as necessidades atuais e ainda manter algumas va-
secundária, é necessário um professor diferente para cada matéria especia- gas abertas até setembro, o inicio do ano letivo. As escolas que não recebem
lizada, o que implica maior número de professores. o número total de professores de que necessitam têm de esperar cinco meses
Ao impor um limite para a contratação de novos professores, também até o início do novo ano fiscal, em janeiro, para receber mais professores.
se limita o número total de matrículas e o número de escolas que podem
ser construidas em cada região. O maior projeto educacional de Serra Leoa, Malavi
Sababu, tem como objetivo a construção de mais escolas. Em 2007, o go-
verno decidiu diminuir o ritmo de construção porque as novas escolas não Em 1998, o governo de Malavi começou a restringir o gasto com pessoal
tinham condições de ter um número adequado de professores. Para evitar como forma de conter o orçamento, primeiro limitando os aumentos desa-
180 1 Banco Mundial. OMC e FMI: o imoacto nas ooliticas eduracionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento no orofr«nrorln J 1A1
lário e depois impondo um congelamento nas contratações, que teve inicio Moçambique
em 2003. A partir de 2004, o novo governo determinou um novo patamar de
restrição no planejamento macroeconômico e usou a folha salarial como Em 2005, o governo estabeleceu o limite para gasto com pessoal em
forma de absorver outros excessos orçamentários. Por exemplo, o aumento 6,5% do PIB (República de Moçambique 2005b). No fim daquele ano, o
salarial anual planejado foi reduzido e depois adiado, em 2005 e 2006, para governo relatou não ser capaz de se ater a essa meta indicativa porque
compensar excessos orçamentários ocorridos em outras áreas. continuou a contratar professores para responder à demanda por educa-
Continua a haver um teto na folha de pagamento: uma nova MRPC foi ção primária. Ao mesmo tempo, indicou que poderia não atingir a meta
iniciada em 2005, comprometendo o governo com um teto inferior a 8% indicativa determinada pelo acordo com a MRPC nem manter a promes-
(Governo de Malavi 2005a). Entretanto, o teto foi muito inferior a esse pa- sa de oferecer educação primária gratuita e de qualidade para todos. Em
tamar: 7,4% em 2005-2006 (FMI, 2006b), 7,2% em 2006-2007, devendo per- 2005, o governo finalmente conseguiu cumprir a meta indicativa. A folha
manecer no mesmo nível a médio prazo. Um oficial do MF afirmou que "a de pagamento caiu para 6,7% do PIB (República de Moçambique 2005).
regra dos 7% é uma regra para tempos normais, mas estes não são tempos Apesar da expansão na educação primária, o Ministério da Educação só
normais". Nenhum novo professor foi formado nos últimos dez anos, 19 o foi autorizado a contratar 4.715 professores dos 11.500 necessários em
que limitou a demanda por contratação. E apesar de haver agora um pla- 2005, e a PPA aumentou para 1:74 (PAP, 2006).
no para expandir a capacidade de formação inicial, o teto sobre a folha Alarmados pelo aumento na PP A, os doadores reconheceram que "a
de pagamento provavelmente limitará a capacidade do setor de contratar qualidade da educação está sendo afetada porque os fundos não são sufi-
professores para receber essa formação. Parte da regra que limita as folhas cientes para contratar professores na quantidade exigida e com formação
de pagamento é a idéia de que os Ministérios só podem fazer orçamentos adequada" (PAP, 2006). A ênfase dada pelos doadores quanto à necessidade
contando com os empregos efetivos. Como resultado, 2.500 professores se- de educação de qualidade aumentou a pressão sobre o governo e o FMI
rão formados em outubro sem previsão para o pagamento dos seus salários para que reconsiderassem o limite de gastos com pessoal como meta indi-
no próximo ano fiscal. Apesar das PP As extremamente altas, o governo não cativa. Em 2006, trabalhando juntos, os doadores e o Ministério da Educa-
pode incluir em seu orçamento a contratação de novos professores. ção conseguiram obter um aumento no teto da folha de pagamento de 6,5%
Mesmo com o otimismo do governo quanto à remoção do teto sobre a para 7,5% do PIB, o que permitiu ao Ministério da Educação contratar mais
folha de pagamento, isso não parece ter sido debatido formalmente com o 10.137 empregados adicionais, dos quais 9.000 são novos professores da
FMI. Contudo, o orçamento total está limitado em 39,5% do PIB e, portanto, educação secundária.educação secundária. Isto é um exemplo aos outros
só pode aumentar 6% ao ano, o ritmo previsto para o crescimento econô- países: mostra que os esforços coordenados para questionar o teto sobre a
mico. As prioridades nacionais mudaram recentemente, e a Estratégia de folha salarial podem promover um avanço significativo.
Crescimento e Desenvolvimento de Malavi enfatiza cada vez mais projetos O limite nada realista imposto à contratação de professores em Serra
de desenvolvimento da infraestrutura, enquanto o orçamento em desenvol- Leoa e o baixo teto para gasto com pessoal em Malavi e Moçambique fazem
vimento aumenta conforme o custo do orçamento recorrente. Assim, não uma pressão cada vez maior sobre o sistema educacional. Ainda assim, o
há motivo para acreditar que o gasto com pessoal cresça em termos reais impacto das medidas do FMI ao sufocar o setor público pela falta de traba-
nos próximos anos: mesmo que o teto seja removido, os limites sobre o lhadores não se restringe a esses três países. Todos os países que recebe-
orçamento total implicam uma contínua restrição na folha de pagamento. ram empréstimo do FMI implementam medidas fiscais e monetárias pare-
Todos os 43 mil professores de Malavi são considerados oficialmente qua- cidas com as descritas anteriormente. Seis deles têm incluído como critério
lificados, mas 51% deles receberam apenas seis semanas de formação em de desempenho tetos salariais específicos acordados com as suas MRPCs.
tempo de serviço como parte de um programa de formação que foi reduzido A legitimidade desses limites raramente é questionada pelos trabalhadores
a um ano. A qualidade desse programa foi questionada, o que gerou gran- do setor da educação, mas o exemplo de Moçambique poderia ser seguido
des mudanças no programa de formação proposto para os anos seguintes. em muitos outros contextos.
19 O motivo para tanto é que a maioria dos fundos reservados para o treinamento foi realocada para
oferecer treinamento básico aos professores recrutados após a isenção das taxas cobradas ao usuário
em 1994.
182 j Banco Mundial. OMC e FMI: o impacto nas politicas educacionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento no professorado j 183
3.2. Impacto global tando menos do que deveria com educação, alocando menos de 6% do PIB
para o setor, contrariando a recomendação do relatório Delors da Unes-
"O desenvolvimento de programas do FMI parece não levar em co (1996). Certamente eles não estão gastando em excesso ou despropor-
conta sistematicamente o cumprimento das metas [de desenvol- cionalmente. Mas não podem aumentar os gastos de maneira realista até
vimento do milénio] quando aborda o orçamento e o contexto os níveis recomendados sem contratar mais professores (que compõem a
macroeconômico de um pais. No vasto número de programas maior parte de qualquer orçamento educativo). Com esses tetos impostos
nacionais apoiados pelo FMI desde a adoção das metas, quase sobre a folha de pagamento, será difícil aumentar os gastos para contratar
não houve debate quanto à consisttncia das estratégias empre- o número de professores necessário para atingir as metas de 2015.
gadas para atingi-las. " No Quênia, por exemplo, o governo implementou a educação primária
(Projeto das Nações Unidas para o MiMnio, 2005, p. 93) gratuita em 2003. O número de matrículas aumentou muito, de 5,8 milhões
em 2002 para 7,1 milhões em 2004 (República do Quênia, 2005). Entretan-
Um recente estudo conduzido pelo FMI (Fedelino et al 2006) reco- to, o limite sobre os professores acordado entre o FMI e o Ministério das
nhece que entre 2003 e 2005 o FMI impôs algum tipo de condicionalida- Finanças em 1997 impede que o Ministério da Educação contrate mais que
de sobre o gasto orçamentário com pessoal do setor público em metade 235 mil professores. Como resultado, a PPA, que em 2002 era de 1:34, subiu
dos 42 países que apresentam acordos apoiados pelas MRPCs. Destes, 17 para 1:41 em 2004. Espera-se que continue aumentando conforme a popu-
enfrentaram restrições quantitativas ao gasto, e para 8, o teto era uma lação cresce (República do Quênia, 2005). Nas escolas rurais, a PP A chega
condição "indiscutível", um critério de desempenho que, caso não cum- a níveis altos. Ainda assim, é importante reconhecer que os professores já
prido, poderia levar ao término do programa com o FMI. Em maio de empregados, os policiais e outros servidores públicos receberam significa-
2006, eram seis países com tetos para gastos com pessoal como critério tivos prêmios salariais durante esse período.
de desempenho. A condicionalidade estava concentrada na África sub- Em Uganda o Ministério das Finanças limitou o número total de profes-
saariana e na América Central: Benin, Burkina Fasso, Burundi, Chade, sores em 127 mil (República de Uganda, 2006). Diferentemente do Quênia,
República Democrática do Congo (RDC), Gana, Quênia, Malavi, Mali, o teto sobre a folha de pagamento não foi incluído no novo instrumento de
Moçambique, Niger, Senegal, Serra Leoa, Zâmbia, Nepal, Azerbaijão, Ta- apoio à medida (IAM) de Uganda, seja como meta indicativa ou critério de
jiquistão, Dominica, Guiana, Honduras e Nicarágua. Na verdade, muitos desempenho. Entretanto, uma meta inflacion<iria de 4% tem implicações
outros países enfrentam um limite sobre o número de professores que na quantidade a ser gasta pelo governo com salários (FMI, 2007b). Como
pode ser contratado como resultado de medidas macroeconômicas mais resultado, não é possível ao governo contratar os 176 mil professores ne-
amplas negociadas com o FMI. cessários para atingir a educação primária universal, e espera-se que a PPA
A busca por taxas de inflação de um único dígito e com baixos níveis de permaneça alta, na casa de 1:50 (República de Uganda, 2005).
déficit fiscal em todos os países com acordos no modelo das MRPCs signifi- O corte nos gastos com educação também tem implicações na contra-
ca que muitos outros países enfrentam limites de gasto com pessoal, como tação de professores e na sua formação a médio prazo. Em Camarões, me-
resultado de tetos impostos ao orçamento como um todo. A tabela 3 inclui didas para reduzir o investimento na educação em 1990 levaram ao fecha-
todos os 17 países, bem como alguns outros que não têm condicionalidades mento das faculdades responsáveis pela formação dos professores (Banco
explícitas vinculadas à folha de pagamento, mas nos quais o limite geral Mundial, 1997). Estima-se que, quando essas faculdades foram reabertas
ao orçamento como um todo obrigou os governos a limitar a contratação em 1996, mais de 15 mil professores precisavam ser formados para acom-
de professores. Nenhum dos países incluídos na tabela atingiu a educação panhar o aumento nas matrículas. Atualmente, estima-se que Camarões
primária universal. A maioria deles tem PP A acima da marca recomendada tenha de contratar 69.100 professores até 2015 para atingir as metas MDM
de 1:40 e mais meninas fora da escola do que meninos. e EPT. Em razão da história e da necessidade urgente de aumentar os gas-
O fato de essas metas serem tão parecidas, apesar dos diferentes contex- tos com educação, manter uma arrecadação fiscal positiva é uma restrição
tos nacionais, serve para mostrar o quão pouco os problemas e a realidade desnecessária.
social e econômica de cada país são considerados na definição de medidas
macroeconômicas. A maioria dos países nesta tabela está atualmente gas-
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res no mundo
.·+~ágffieWd'âáâ'5:(nãoYestHn'91ssem ess~~··m~smos'govéf6'M'ern:tf~lá'ç~'ó1(:
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Er)f(etanfo;utiía das, formas ma1. eficazes de éombateéMi)otír~za é,p;ernri/e.~ô~11.
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tefof2ôM'gá~tà de pessoar'élo F~ 'I restrliige'm'a coA'trat?~ão'!á~'profiWfótj~ls:'.i:fã1i~~a
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inflaçãoe•acabaria .prejudicando .is me.tas. (Tiacro~t9'nôT11i.C:aS;;\i);;;,;!;~ l,j :,.,'.
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Em Gâíiâ~'pófexemplo.'~a ·restrii: 'º mais frn~(írfâ'nW àô.·setor!;~a· sa'ú'éf~~e
núnietós.:piesisos sobregual o ~ ·1nciónár)o .ríecess~ri9(.~rn,.g~J.is)ug:~ç
. tipo d~}~rmaç~o; A.proporção c1 •tre médicos,e P9,8~.1a,~~?;t,S~',h17.i6l .
·de.i'eílfer'rr:í'eira'.$•;e:de;l!1.513. Rt luzir a mqrtalidaçle ned!'f~táLW
~níifíí~~l:in'té~~& ~~iáJ;4'â'êáda 100 m11rlasciméh1~s at~:;2-0í'?f~' ....
;~@~rWt~iW~{;~;~f~f,~~~'.~n~~~ht, ·"d~mp~~~~ãe~:~;~~ ·~:~~~~~~/of~~~~
1
Fontes: Unesco (2006 e 2006a); sobre os limites impostos pelo FMI: Fedelino et ai (2006); emprésti-
mos mais recentes do FMI (disponível em www.imf.org/external/country/index.htm)
#países que não têm mais um teto nos programas do FMI
"há certa discrepância quanto a este valor: o Projeto do Milênio da ONU previu a falta die" professores
em Gana na ordem de 134.694
-balanço total excluindo doações.
-dados do Plano para o Setor da Educação 2007 mostram que 300/o das crianças em idade de fre-
qüentar a educação primária estão fora da escola.
Não há dados disponíveis para a RDC: e outros campos nos quais o valor não está disponível.
186 \ Banco Mundial, OMC e FMI: o im1 .. 1cto nas politicas educacionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento no professorado \ 187
A flexibilidade do FMI poderia ser extendida aos setores da educação e
4. O que precisa mudar? da agricultura logo que estes demonstrassem interesse em trilhar o mesmo
caminho da saúde. Se esses Ministérios aprcsl'ntassem planos enxutos em
4.1. Maior flexibilidade do FMI? favor da ampliação do investimento e obtivessem os recursos para imple-
mentá-los, não seria razoável reproduzir a mesma flexibilidade demons-
188 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas pollticas educacionais Confrontando a5 contradiçôe~: o fMl o invc~timcnto no profe'>50rado 1 189
..
t'
O limite imposto paro gasto com pessoal tem de ser expandi- A flexibilidade requer que o governo e o FMI pensem em alternativas e
do para rç/7etir a vcrd11deira situaç<io e a necessidade de um optem por soluções diferentes. Entretanto, verificamos que não há diálogo
maior número de prq/i·ssor-cs capacitados e para garantir que entre 0 FMI e o Ministério das Finanças quanto às possíveis maneiras de
os docentes scmj(1rmuçâo adequada lenham acesso àforma- aumentar o espaço fiscal ou permitir uma inflação um pouco maior. Um
çâo cm serviço dcslin([da a aprimorar suas habilidades. A estudo do EAI do FMI em Moçambique concluiu que há pouca ou nenhuma
menos que afolha sa/11rial seja aumentada para incluir um discussão de medidas macroeconômicas alternativas junto ao governo, e
número maior e mais adequado de prqfessores (e ruio apenas nenhum debate significativo sobre tais medidas com a sociedade civil (EAI,
um aumento nominal 11or ano) até 2015, as metas MDMIEPT 2004).20 Apesar de o FMI ter demonstrado certa flexibilidade na reavaliação
de ensino primário wli1•crsal nâo se tornarâo uma realidade" do teto para o gasto com pessoal de Moçambique, a pressão para reduzir
(República de Serra /,cna, 2007a, p.23). ainda mais o déficit provocado pelos gastos significa que 'a restrição atual
provavelmente será mantida.
Apesar de o FMI ter reco11 llecido que Serra Leoa necessita de mais pro-
fessores e ter oferecido um limilc anual extra para a contratação de vários 4.2. O que mais precisa mudar?
docentes novos, essa prútica continua a depositar o poder de decisão mais
nas mãos do FIVU cio que no µ:overno. Se a contratação ele mais professores "Apesar de as considerações quanto a medidas rnacroeconô-
é ou não motivo suficiente p;1rn justificar um aumento no limite de gasto micas comprometidas em manter uma irlflação de um único
eom pessoal é uma decisão q11e não deveria ser tomada pelo FMI, mas pe- dígito e baixas metas de dlfficitfiscal serem importantes, deter-
los governos eleitos. Além disso, o FMI admite que "uma vez introduzidos, minando a quantidade defundos disponível para a educaç<io,
os tetos para gasto com pessoal vêm para ficar" (Fedelino et al2006, p.12). é necessário que se crie um contexto favorável ao cumprimento
Essas descobertas do próprio l~Ml indicam que não há muito espaço para das importantes metas educacionais, auxiliando a longo pra-
flexibilidade nos tetos depois lle eles terem sido incluídos na MRPC de um zo a nossa luta contra a pobreza"
país. Se Serra Leoa continuai' a exceder o limite, será que isso se deve ao (República de Serra Leoa, 2007a, p. 23).
fato de o teto ter sido estabeh'cido num patamar baixo demais, não consi-
derando a verdadeira necessidade de mais professores? É positivo que, nos três paises, os doadores tenham demonstrado sua
disposição em aumentar os fundos acordados, o apoio orçamentário e ou-
Moçambique tros mecanismos que podem linanciar o custo dos salários, e que, reco-
nhecendo finalmente a necessidade de contratar novos professores e mais
Sob pressão da comunidade doadora, o teto para o gasto com pessoal foi profissionais da saúde, o FMI tenha permitido alguns ajustes no gasto com
aumentado e não é 111ais uma meta indicativa no acordo entre Moçambique e pessoal para acomodar mais investimentos. Entretanto, essa tão falada "fle-
o FMI. Como resultado, seria de se esperar que o governo fosse capaz de con- xibilidade" só é possível nos estritos parâmetros que o FMI determina para
tratar o número de professores necessário para garantir o ensino primário de a inflação e os déficits, e não garante às crianças o direito de estudar com
qualidade. Entretanto, !'uncio11úrios do Ministério das Finanças afirmam que um professor capacitado numa sala de aula com até 40 alunos. Antes que os
a pressão pela redução do or~·amento total como forma de atingir a inflação países possam utilizar aumentos projetados no volume da ajuda para con-
de um único dígito e baixos níveis de déficit fiscal continua a limitar o núme- tratar mais professores, são necessárias algumas mudanças fundamentais
ro de contratações do governo. Assim, o Ministério das Finan~as Gontinua a no modelo macroeconômico do FMI e mudanças muito mais rápidas no
implementar a restrição ele gasto com pessl!lal' mesmo semi necessidade· de· sentido de tornar toda a ajuda dos doadores mais constante e adequada.
fazê-lo. Como declarou um !ilncfonário do governo: "O governo removeu o
limite como meta indicativa. l\las, na verdade, a política salarial não mudou
'º A comparação histórica mostra que o espaço dado aos países em desenvolvimento para a for-
consideravelmente. De fato, a política inflacionária se tornou ainda mais rígi- mulação de medidas não é o menor de todos os tempos. No entanto, o espaço para a form.ulação
da". Em razão dessas medidas e da falta de provisão de ajuda no longo prazo, de medidas nos países em desenvolvimento diminuiu muito nos últimos 25 anos e corre o risco de
o Ministério da Educação espl'ra atingir uma PPA de apenas 1:54 até 2015. encolher ainda mais, ao ponto de tornar impossível o emprego de qualquer medida significativa para
o desenvolvimento econômico (Chang .. 2005).
190 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impac:o nas politicas educacionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento no professorado 1 191
Há três áreas principais nas quais a mudança se faz necessária. Por bilidade macroeconômica. Um vasto número de lideranças deveria
estarem interligadas, o avanço em uma área exige reformas na outra. estar envolvido nesses debates, incluindo parlamentares, doadores,
ministros e organizações da sociedade civil.
1. Macro-planejamento baseado em necessidades - De maneira geral,
as medidas macroeconômicas deveriam ser uma ferramenta, não 4.2.1. Desenvolvendo modelos macroeconômicos baseados em neces-
apenas para garantir a estabilidade, mas para permitir a realização sidades
do desenvolvimento nacional e das metas sociais. Atualmente, o pa-
tamar do total de gastos permitido áo governo é definido a partir de Metas de desenvolvimento nacional orientam o investimento público
metas macroeconômicas. Os governos são então obrigados a "nego- Os ministérios da educação e das finanças precisam se esforçar para
ciar" com o FMI para acomodar pequenas mudanças ou programas atingir metas sociais mais ambiciosas baseadas em necessidades em vez de
adicionais junto ao teto sobre os gastos totais. Propusemos que os go- se restringir aos "pacotes". Nesse sentido desenvolvemos cenários alterna-
vernos considerem inverter esse processo, começando por uma inter- tivos sugerindo a quantidade de professores necessária nos próximos anos
pretação dos requerimentos de gastos a longo prazo baseada nas ne- para se atingir a PPA ideal. Nossas projeções são as seguintes:
cessidades, em conformidade com os direitos básicos, as obrigações e
as metas nacionais para a erradicação da pobreza. Isso permitiria aos •Serra Leoa: 28.895 professores são necessários para garantir educa-
governos identificar metas macroeconômicas adequadas para garan- ção de qualidade na educação primária (cerca de 10 mil a mais do
tir a estabilidade, baseando-se nas necessidades individuais dos seus que o número atual)
países em vez de metas arbitrárias baseadas em médias mundiais.
O retorno a longo prazo do investimento em educação e em saúde ·•Malavi: 90.477 professores da educação primária precisarão ser
também deve ser calculado neste macro-planejamento, bem como as contratados até 2015 para atingir a PPA de 1:40 (quase o dobro do
disparidades entre homens e mulheres. número atual)
2. Ajuda internacional de longo prazo - A próxima mudança tem de par- • Moçambique: 109.172 professores da educação primária são neces-
tir dos doadores: eles precisam manter um fluxo de ajuda previsível, sários (mais que o dobro do número atual).
sustentável e de longo prazo que permita aos países atingir as MDM.
Já vimos o sucesso do aumento da ajuda para a saúde de Malavi. Medidas inflacionárias e de déficit fiscal seriam determinadas a partirdes-
O mesmo princípio deveria ser aplicado a todos as áreas sociais. A sas ou de outras projeções de professores. Essa abordagem não precisa acar-
seguir, demonstramos como a ajuda de longo prazo pode se tornar retar uma inflação exagerada ou um alto nível ele déficit: quando os números
compatível com o crescimento nos recursos nacionais sem tornar os ultrapassarem aquilo que pode ser considerado como razoável, seriam feitos
governos mais dependentes da ajuda. ajustes à meta de gastos até encontrar uma situaç.'io equilibrada. Essa aborda-
gem se baseia na premissa de que a identificação das necessidades e das dispa-
5. Metas especificas para cada país - Finalmente, os governos deveriam ridades entre os sexos (em vez de taxas médias macroeconômicas arbitrárias)
ter a liberdade de escolher a combinação certa de medidas monetá- deveria ser assumida como ponto de partida. O Programa das Nações Unidas
rias e fiscais para acomodar uma elevação nos gastos como resultado para o Desenvolvimento (PNUD), trabalhando com um modelo macroeconô-
do aumento da ajuda, havendo capacidade de absorção dela. Isso im- mico baseado nas MDM, propõe que as medidas sejam ent.'io definidas com
plica que a mentalidade binária das metas macroeconômicas deveria o objetivo de cumprir essas metas, que precisam de investimento sustentável
ser descartada, permitindo que o governo recorra a um vasto leque de longo prazo, porque as mudanças na educação, na saúde e as relativas às
de fontes e experiências, explorando a "área cinza" da política fiscal desigualdades entre os sexos exigem tempo (MeKinley, 2005, Roy et aJ, 2006).
e monetária. Essa flexibilidade permitiria aos governos considerar Uma perspectiva de longo prazo também é valiosa, pois permite que o retorno
novas possibilidades e encontrar uma posição que equilibre a neces- econômico para o investimento em educação seja calculado nas projeções.
sidade de aumentar o gasto nos setores sociais e a garantia da esta-
192 1 Banco ~undial. OMC e FMI: o imoacto nas ooliticas educacionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento no professorado 1 193
Planos nacionais sólidos e de longo prazo têm de ser a pedra fundamental preparar o plano de desenvolvimento a longo prazo, Visão 2020, e deu base
dessa abordagem. Os lrês países do nosso estudo já procuraram desenvolver ao EERP. Em Moçambique, representantes do governo e da sociedade civil
planos nacionais e educacionais de longo prazo por meio de processos par- se reuniram para debater e adaptar o T21 ao contexto nacional. O modelo in-
ticipativos, aproximando funcionários do governo, intelectuais e a sociedade fluenciou a escolha de objetivos sociais priorizados no EERP. Entretanto, até
civil. A educação é reconheci<la como um investimento fundamental para hoje o uso desse modelo parece limitado, sendo empregado principalmente
garantir o desenvolvimento econômico e social a longo prazo. Entretanto, para determinar o impacto de medidas específicas da agricultura e do com-
em todos os três casos, esses planos de desenvolvimento de longo prazo não bate à aids no crescimento, e não para explorar modelos macroeconômicos
dispõem de credibilidade e não debatem as medidas macroeconômicas. Em alternativos nem para calcular com precisão a disparidade entre os sexos. Há
Moçambique, o estudo estratégico para a redução da pobreza (EERP) guia as uma necessidade clara de aumentar a capacidade do governo e da sociedade
prioridades orçamentárias do governo e a MRPC determina as medidas ma- civil para a escolha e utilização de medidas macroeconômicas alternativas.
croeconômicas (Derenzio e Hanlon, 2007). Ainda assim, o EERP e a MRPC No entanto, para conduzir projeções diferentes, os países necessitam de
são planos de apenas três anos, e as metas sociais que o governo estabele- um banco de dados extenso, sólido e confiável de variáveis macroeconômi-
ceu se baseiam em recursos pré-definidos em vez de necessidades. Como o cas, uma noção precisa do número de professores e funcionários da saú-
modelo macroeconômico explicitado na MRPC permeia o EERP, as medidas de que necessita ser contratado e o custo a longo prazo do pagamento de
monetárias e fiscais têm prioridade diante de metas de desenvolvimento eco- professores e funcionários da saúde, lacunas de financiamento etc. Contudo,
nômico e social, e o volume de recursos é limitado (Norton 2004). em razão do alto nível de informalidade existente nos países em desenvol-
Em suma, o FMI e o governo não deveriam mais discutir o tipo de restrição vimento, a coleta de dados estatísticos precisos é difícil, o que também pode
imposta sobre os gastos públicos para manter a inflação no patamar de um úni- significar uma nova maneira de calcular essas variáveis. Por exemplo, mes-
co dígito ou impedir que o governo necessite de empréstimos. Ao contrário, o mo os indicadores econômicos utilizados pelo FMI (como o PIB ou a taxa de
FMI deveria renunciar sua influência decisiva sobre as medidas de governo por inflação nacional) oferecem apenas uma imagem parcial da economia. Em
meio da imposição de condiçõl's especificas relacionadas aos seus programas Malavi, o governo mudou a sua forma de calcular o PIB, em razão do fato de
de empréstimo e controle. Os parlamentos, a sociedade civil, os ministérios da a antiga medida não considerar as pequenas e médias empresas. Espera-se
educação e das finanças deveriam trabalhar juntos para alinhar e transformar que essa nova forma de calcular mude dramaticamente o volume estimado
as medidas macroeconômicas no sentido de contemplar os direitos básicos do PIB, como foi o caso da Tanzânia, onde uma atitude parecida verificou que
bem como as metas de crescimento. O FMI, junto com outras agências, como o PIB era 40% superior à estimativa anterior, o que representou um aumento
o PNUD, poderia ser uma fonte valiosa de conselhos técnicos, oferecendo uma significativo no orçamento do governo em relação aos níveis anteriores, sem
gama de possibilidades que permitam aos governos e a outras lideranças (in- alterar a proporção entre os gastos públicos e o PIB.
cluindo os parlamentos e a sociedade civil) escolhas conscientes quanto a me- Atualmente, os governos não podem participar igualitariamente de um
didas macroeconômicas, folhas de pagamento e nível do gasto social. diálogo com o FMI, porque o modelo macroeconômico que permeia o deba-
te não é somente uma condição para continuar acessando o financiamento
Modelos de projeção acomodam fatores de longo prazo do FMI como também para continuar recebendo a aprovação do FMI. "Sair
Há modelos existentes que projetam o retorno econômico da educação da linha" em relação ao FMI é um sinal aos doadores e mesmo aos investi-
no longo prazo. O modelo do limiar 21 (Threshold 21, T21) desenvolvido dores para que retirem seu apoio. Os governos têm pouco acesso a modelos
pelo Instituto Milênio foi usado tanto em Malavi como em Moçambique. 21 macroeconômicos ou assistência técnica em medidas macroeconômicas
O modelo integra objetivos econômicos, sociais e ambientais num plano de de outras fontes, o FMI não oferece medidas alternativas, e os doadores
dez a trinta anos e tenta solucionar o retorno econômico e o impacto do in- freqüentemente apóiam a vantagem comparativa do FMI na definição das
vestimento público. Uma abordagem multissetorial permite aos diferentes medidas macroeconômicas. Os que expõem soluções alternativas repre-
responsáveis negociar e debater as vantagens e as desvantagens entre a prio- sentam a minoria e não têm voz (Sogge, 2006). Entretanto, com o desenvol-
rização de certas medidas em detrimento de outras, podendo, portanto, ser vimento de modelos diferentes, como o modelo de necessidades baseadas
uma eficaz ferramenta de planejamento. Em Malavi, o T21 foi utilizado para em MDM do PNUD e o modelo T21 do Projeto Milênio, os governos deve-
riam ao menos ter a oportunidade de testar diferentes cenários na tentativa
" Mais informações, disponíveis em www.millenium-institute.org/index.html
de satisfazer suas necessidades sociais e de desenvolvimento.
194 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento no professorado 1 19 5
4.2.2. Ajuda previsível a longo prazo promessa inglesa de oferecer ajuda a longo prazo para a educação em
abril de 2006, os ministros africanos das finanças, doadores e represen-
Dado que os três países são muito dependentes de ajuda, os doadores tantes de instituições financeiras internacionais concordaram durante
desempenham um papel significativo em tornar realidade esses planos de um encontro em Abuja, capital da Nigéria, que o FMI precisa detalhar
desenvolvimento. A ajuda oferecida de maneira assistemática e imprevisí- maneiras por meio das quais seus modelos possam ser flexibilizados e
vel ao logo de um período de 3 a 5 anos acaba prejudicando os planos de os tetos sobre os orçamentos sejam expandidos. O FMI concordou em
desenvolvimento nacional que exigem um período maior, de 10 a 15 anos. "ajudar individualmente os países a reavaliar seus modelos macroeco-
Para que esses planos tenham o máximo efeito possível, eles têm de ser nómicos visando fortalecê-los e alinhá-los de modo a propiciar um au-
acompanhados pelo financiamento a longo prazo. Sem uma maior ajuda mento até atingir as metas MDM".
previsível a longo prazo oferecida por outros parceiros no desenvolvimen- Ainda assim, com razão, os governos temem a utilização dos recursos
to, tais planos jamais se tornarão realidade. Esse é um desafio para a co- doados para financiar o orçamento de contratações por medo da instabi-
munidade doadora, ao qual ela começou a responder no grande encontro lidade caso os fundos doados sejam interrompidos. Há, entretanto, abor-
sobre "A manutenção das promessas relativas à educação" que ocorreu em dagens alternativas que poderiam ser utilizadas para acompanhar o fi-
2 de maio de 2007, em Bruxelas, Bélgica. nanciamento doado a fim de que ele contribua para a sustentabilidade do
Estima-se que sejam necessários 15 bilhões de dólares a cada ano para orçamento governamental. Consideremos o seguinte exemplo: o governo
garantir que toda criança possa concluir uma educação primária de qua- de Malavi espera que o PIB cresça 6% ao ano, bem acima da inflação. Da
lidade até 2015 e para dar novas oportunidades a jovens e adultos que não mesma maneira, o orçamento do governo, estabelecido num percentual do
tiveram a chance de estudar. Há uma necessidade urgente de aumentar a PIB, também pode crescer 6% ao ano. Se uma determinada constante do
quantia adiantada de ajuda oferecida à educação e também de aumentar o orçamento for destinada à educação, ela também crescerá à razão de 6% ao
número de países beneficiados pela Iniciativa Via Rápida. A lacuna atual no ano, acima da inflação. O gráfico 1 demonstra que, ao longo de um período
financiamento da ordem de 750 milhões de dólares para países patrocina- de dez anos, o orçamento recorrente do setor da educação cresceria 70%,
dos pela Iniciativa tem de ser preenchida imediatamente. saltando de 11,0 bilhões de kwachas malavvis no ano 1 (baseado no orça-
Os doadores também precisam confrontar as contradições entre as me- mento de 2006-2007) para 18,6 bilhões de kwachas malawis. Esse cálculo
tas previstas nos seus portfólios de ajuda e o apoio a medidas macroeco- se baseia nos valores de 2006-2007. Portanto, o aumento é real.
nómicas restritivas, trabalhando junto com o FMI e com os governos no Se todos esses recursos adicionais fossem alocados para os salários
sentido de afastar as condições que impedem que a ajuda seja gasta para dos professores, seria possível incluir na folha de pagamento 82.150 pro-
concretizar o seu propósito original e na garantia que as medidas macro- fessores adicionais com salário mensal médio de 7.700 kwachas malavvis
económicas forneçam o espaço fiscal necessário para absorção e adminis- (ajustado pela inflação) até o ano 10. Isso abaixaria a PPA de 1:72 no ano
tração da ajuda recebida. 1 para 1:27 no ano 10. Outra possibilidade seria a contratação de 45.268
Seguindo o exemplo de Moçambique, doadores para a educação tam- professores para reduzir a PPA até 1:40, o que deixaria livres 3,8 bilhões
bém podem desempenhar um papel crucial ajudando os ministérios da de kwachas malawis (27 milhões de dólares) para o investimento em au-
educação a desafiar e a remover os tetos atuais sobre o gasto com pessoal mentos salariais, moradia dos professores ou outros incentivos. Isso seria
quando estes bloquearem a contratação e a formação dos novos professo- o bastante para dar aos professores um salário anual de aproximadamente
res urgentemente necessários. Os doadores também precisam exigir que se 44.000 kwachas malawis em média, o equivalente ao aumento de 47% so-
considerem as perspectivas de longo prazo, permitindo aos planejadores bre o salário médio. ·
que observem as recompensas a longo prazo dos aumentos estratégicos
nos gastos público a curto e a médio prazos.
Não há dúvida de que as promessas de ajuda a longo prazo podem ter
um impacto positivo ao empurrar os países na direção do desenvolvi-
mento de planos nacionais mais estratégicos, e isso que pode incentivá-
los a exigir medidas macroeconómicas mais flexíveis. Um mês após a
1~f) 1 R~nrn M11ntfo1I nMr,. FMI· n imn~rtn n!)c nnlitit-::ic. ,.tiur::u·•inn!)ic Confrontando as contradicões: o FMI e o investimento no orofessorado 1 19 7
Gráfico 1. Financiamento susi l'.ntável dos doadores a médio prazo Todavia, para colocá-la em prática, seria necessária maior flexibilidade
quanto às metas macroeconômicas. O aumento no orçamento da educação
representaria um aumento de 3,5% sobre a parcela do PIB destinada ao go-
verno no ano 1, caindo para 1,9% até o ano 10. Assim, o limite sobre a par-
cela do PIB destinada aos gastos governamentais teria de ser aumentado.
Para que as lacunas sejam preenchidas, essa abordagem depende dos
doadores. De maneira alternativa, e até mesmo controversa, os governos
poderiam considerar aumentos de curto prazo nos empréstimos, respeitan-
do os mesmos princípios descritos anteriormente.
Um modelo mais complexo também poderia ser desenvolvido de acor-
do com esses princípios calcular o retorno econômico do investimento
em educação, o que seria observado após os primeiros anos. Pedimos ao
FMI, ao Banco Mundial e ao PNUD que desempenhem um papel ativo no
ano 1 ano 2 ano 3 ilfl04 ano 5 ano G ano 7 ano 8 ano 9 ano 10 desenvolvimento desse tipo de modelo, tendo em vista o auxílio para que os
• aumento do PIB no orçamento fundos doados no orçamento
governos atinjam suas metas de desenvolvimento e educação .
Esse crescimento seria ati11gido de forma lenta e gradativamente ao 4.2.3. O debate específico de cada país quanto à combinação certa de
longo de um período de dez a11os. Mas não é necessário esperar dez anos medidas macroeconômicas
para que isso se torne realidade. O linanciamento dos doadores, indicado
pela linha mais clarn no gn'tl'ico, poderia ser introduzido no ano 1, com Nos três países, observamos a ausência de diálogo quanto às medidas
base num acordo de dez anos. para exceder o orçamento do governo no macroeconômicas fora do círculo de representantes nomeados pelo Minis-
ano 1 até o nível esperado no ano 1O. O financiamento poderia ser gra- tério das Finanças e pelo Banco Central para negociar com o FMI. Esses
dualmente reduzido ú razão (k 6% ao ano, substituído pelo crescimento agentes nem sempre consideram as necessidades de outros setores, como
natural do orçamento. Até o ano 10, o financiamento dos doadores já a educação e a saúde, quando aprovam metas monetárias e fiscais, nem
teria sido totalmente subsliluíclo conl'orme o financiamento do gover- avaliam as escolhas entre os sacrifícios gerados nesses setores. Por exem-
no assumisse as responsabilidades. Como resultado, o financiamento plo, verificamos a falta de diálogo no estágio de planejamento das medidas
dos doadores oferece um adiantamento ao orçamento governamental, macroeconômicas quanto ao número de professores necessários e como o
proporcionando um efeito a\('lluante sobre as receitas e permitindo ao limite de gasto com pessoal teria de re11etir essa necessidade.
governo gastar hoje aquilo qt1t~ espera arrecadar daqui a dez anos. As equipes governamentais encarregadas das medidas fiscais (MF) e
Essa abordagem permiliri;1 um aumento dramático nos gastos com a monetárias (Banco Central) também precisam consultar os ministérios da
educação a curto prazo, mas com uma dependência limitada e controlada educação, da saúde e dos direitos das mulheres para determinar as dispa-
sobre as doações. Isso cerlamc11le exigiria uma previsão razoável de receitas ridades no acesso aos serviços entre homens e mulheres. Parlamentares, a
para o governo, um compromisso de dez anos por parte dos doadores e um mídia e as organizações da sociedade civil também deveriam ser ouvidos.
compromisso claro do governo cm relação aos recursos destinados à edu- Mas a realidade não é essa. Mesmo que o espaço das medidas fosse ex-
cação, ano após ano. Considcl'ando cuidadosamente as previsões e os pla- pandido e tais debates ocorressem, poucas organizações da sociedade civil
nos quanto ao retorno econômico a médio prazo, um nível razoável poderia teriam esse nível de participação. Elas precisam aumentar seu repertório
ser estabelecido para as doações excedentes ao orçamento, permitindo uma econômico para que possam participar ativamente da discussão de medi-
explosão no financiamento da t•ducaç<io a curto prazo sem sobrecarregar o das macroeconômicas e alternativas.
governo a médio prazo. Essa 111cdicla oferece uma alternativa realista para Ao menos que haja de fato engajamento e crítica interna em cada pais,
superar o impasse de linanciamcnlo que a área da educação enfrenta atual- o FMI continuará a ser a voz dominante, trazendo sérias implicações para
mente e, portanto, deveria ser ('Onsideracla uma opção de financiamento. a democracia, o bom governo e a soberania. É fundamental que os cidadãos
200 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas politicas educacionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento no professorado 1 201
mento (por exemplo, a saúde, o combate à aids e as diferenças entre os 4. As organizações da sociedade civil precisam desenvolver sua própria
sexos), deveriam conduzir o planejamento macroeconômico futuro. alfabetização em economia para que possam avaliar os orçamentos gover-
namentais, aumentar a sensibilidade no processo de definição orçamentária
• Esses planos de longo prazo precisam ser apoiados por um debate (quanto às necessidades das meninas, dos pobres e de outros grupos excluí-
aberto conduzido pelo governo e pela sociedade civil de cada país dos) e participar de debates sobre medidas macroeconômicas alternativas.
(com conselhos do FMI, Banco Mundial, PNUD e doadores) quanto à
melhor combinação entre as medidas fiscais e monetárias que cum- • Elas precisam desenvolver sua habilidade de negociar aumentos no
pram as prioridades nacionais e garantam a estabilidade econômica. orçamento para a educação e no orçamento nacional como um todo.
• Os ministérios das finan~'as precisam ampliar sua compreensão e utili- • Precisam estabelecer laços mais fortes com os parlamentares e com a
zar modelos macroeconômicos alternativos, fazendo uso desse conheci- mídia para garantir maior transparência em todas as decisões macro-
mento para considerar todo o leque de medidas disponíveis a eles. econômicas, possibilitando que o que é atualmente decidido a portas
fechadas seja agora decidido diante de todos, com total consciência
• Os ministérios das finarn,,as também precisam exigir uma justificativa das alternativas existentes em relação ao modelo atual do FMI. Tam-
detalhada quanto às melas e medidas recomendadas pelo FMI, sendo bém precisam exigir justificativas com relação às metas macroeconó-
transparentes quanto às discussões com o Fundo. Todo acordo de em- micas, determinadas de acordo com padrões internacionais em vez da
préstimo com o FMI deveria ser submetido à votação e à avaliação dos interpretação da realidade local, e que acabam obstruindo o desenvol-
parlamentos. vimento social.
202 J Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais Confrontando as contradições: o FMI e o investimento .no professorado J 203
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Abreviaturas e Siglas PNB - Produto Nacional Bruto
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
ABED - Associação Brasileira de Educação a Distância PPA - proporção entre professores e alunos
Andes-SN - Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior RDC - República Democrática do Congo
AOA - Acordo de Agricultura SPS - Acordo sobre as medidas Sanitárias e Fitossanitárias
AWU -American World University TBT - Acordo sobre os Obstáculos Técnicos ligados ao Comércio
CAPES - Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível TLC - Tratado de Livre Comércio
Superior TRJMS - Acordo sobre as medidas que dizem respeito ao Investimento li-
CIPM - Centro Internacional de Pesquisa da Mulher gadas ao comércio
CNE - Conselho Nacional de Educação TRIPS - Acordo sobre os aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
CUEP - Conclusão Universal da Educação Primária ligados ao Comércio
DDI - Departamento de Desenvolvimento Interno da Inglaterra UAB - Universidade Aberta do Brasil
EAI - Escritório de Avaliação Independente (do FMI) UE - União Européia
EERP - estudo estratégico para a redução da pobreza Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
EPT - Educação para Todos Cultura
FMI - Fundo Monetário Internacional VAT- imposto sobre valor agregado
GATE - Aliança Global para a Educação Transnacional, em inglês
GATS - Acordo Geral de Comércio em Serviços
GATT - Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio
G-20 - Grupo de países em desenvolvimento: África do Sul, Egito, Nigéria,
Tanzânia, Zimbábue, China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão, Tailân-
dia, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Guatemala, México, Paraguai,
Uruguai e Venezuela.
IAM - Instrumento de Apoio à Medida
IE - Internacional da Educação
IES - Instituição de Ensino Superior
IEU - Instituto de Estatística da Unesco
IISP - Imposto de Impacto Social contra a Pobreza
IVR - Iniciativa Via Rápida
LDC- Less Developed Countries (Países Menos Desenvolvidos)
MDM - Metas de Desenvolvimento para o Milênio
MECT - Ministério da Educação, Ciência e Tecnologia (Serra Leoa)
MF - Ministério das Finanças
MRPC - Medidas para a redução da pobreza e o crescimento
NAFTA - Acordo de Livre Comércio da América do Norte, em inglês
OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
OIC - Organização Internacional do Comércio
OMC - Organização Mundial do Comércio
ONU - Organização das Nações Unidas
OSC - organizações da sociedade civil
PBAE - países pobres altamente endividados
PIB - Produto Interno Bruto
212 1 Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas educacionais Siglas 1 213
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