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Olhares abolicionistas

penais: as diferentes
abordagens e propostas
CRIMINAL ABOLITIONIST VIEWS: THE DIFFERENT
APPROACHES AND PROPOSALS

Rafael Brito Porto de Almeida Junior*


Resumo Com o intuito de reunir as principais propostas abolicionistas penais, foram
analisadas, utilizando-se o método comparativo, as visões e estudos de três das maiores
autoridades sobre o assunto: Nils Christie, Thomas Mathiesen e Louk Hulsman. Por meio
de uma corrente político-criminal radical, esses autores apresentaram contribuições
valiosas para se pensar a extinção do sistema penal, que tantos transtornos traz. Como
seria um lugar sem a existência desse sistema? Qual caminho deve ser seguido para que
seja alcançado? Há obstáculos? Dentre outras questões, os abolicionistas aqui examinados
oferecem diversos tipos de atuações para que o abolicionismo, enfim, seja conquistado,
o que, como se percebeu na confecção deste artigo, demanda participação de variados
setores da sociedade para que se efetive.
Palavras-chave Abolicionismo penal. Política criminal. Criminologia.
Abstract In order to gather the main penal abolitionist proposals, using the comparative
method, the views and studies of three of the greatest authorities on the subject were
analyzed: Nils Christie, Thomas Mathiesen and Louk Hulsman. Through a radical
political-criminal vision, these authors presented valuable collaborations about the
extinction of the penal system, which brings so many disorders. What would a place be
like without this system? What path must be followed in order to achieve it? Are there
obstacles? Among other issues, the abolitionists examined here offer different actions
so that abolitionism can finally be conquered, which, as it was noticed in the making of
this article, demands the participation of various sectors of society to make it effective.
Keywords Penal abolicionism. Criminal policy. Criminology.

*  Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo-SP, Brasil. Graduando do 9º semestre em


Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Email: rafaelalmeidaone@gmail.com

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OLHARES ABOLICIONISTAS PENAIS: AS DIFERENTES ABORDAGENS E PROPOSTAS 209
INTRODUÇÃO

“[...] não se trata de reconstruir nos mesmos moldes um edifício que


acabamos de derrubar, mas sim de olhar a realidade com outros olhos”
(HULSMAN, 2018, p. 115).

O abolicionismo penal, identificado como uma corrente político-criminal que


pretende, de forma geral, eliminar o sistema penal (ACHUTTI, 2014, p. 34) – e não
somente as prisões ‒, possui variadas vertentes. Por meio da ideia de que é essencial
pensar sobre estratégias de resolução de conflitos radicalmente distintas do contexto
vigente, as diferentes perspectivas abolicionistas apresentam múltiplas abordagens
e propostas para a construção de um sistema que não reproduza injustiças.
Sem que falemos, por enquanto, sobre as especificidades de cada enfoque, o abo-
licionismo enxerga que a maneira como o Estado se propõe a resolver os conflitos
da sociedade é, na realidade, uma deslegitimada atuação1 (ZAFFARONI, 1991, p. 88;
BELUSSO e DUTRA, 2017, p. 76), ou seja, provém de inúmeras falhas: (re)produz desi-
gualdades, não cumpre as funções declaradas da pena (prevenção, retribuição e/ou
reprovação)2, rouba os conflitos das vítimas ‒ não permitindo que sejam as principais
atuantes em suas soluções ‒, viola diversos direitos etc. Tal deslegitimação gera refor-
mas e tentativas de “relegitimar” esse mesmo sistema e, paradoxalmente, aumenta os
problemas decorrentes de sua existência (ANDRADE, 2006, p. 470-472).
De acordo com MATHIESEN (2003, p. 89), a prisão – e o próprio sistema penal
– é um “gigante sobre um solo de barro”. Trata-se de um sistema sólido e de difícil
queda, mas que, por trás da aparência, é frágil e com “pilares deficientes”. Abdicar
sua existência retrata não somente sua inutilidade, como, principalmente, seus efei-
tos devastadores.
Os abolicionistas penais trazem, então, propostas que caminham entre o Direito
e a atuação da própria sociedade, que vão desde conciliação até centros de apoio, sem
que se limitem a meras tentativas de sanar problemas pontuais, já que, para a imple-
mentação do abolicionismo, são necessárias modificações nas próprias pessoas e em
suas culturas punitivas (ANGOTTI, 2009, p. 257-258; MATHIESEN, 2003, p. 96-105).
Neste artigo, são analisadas as propostas de Nils Christie, Thomas Mathiesen e
Louk Hulsman, três autores valiosos para o abolicionismo penal. Apesar de abor-
darmos suas críticas realizadas ao sistema penal, o ponto central será mostrar suas
inúmeras orientações e conexões com a lógica abolicionista.

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1. Histórico e síntese dos abolicionismos

Os pensamentos abolicionistas penais surgiram após o término da Segunda Guerra


Mundial, em 1945, como consequência das atrocidades sofridas naquele período e
pela necessidade de restaurar ideias humanistas e de defesa de direitos. Segundo
ANGOTTI (2009, p. 250), ergueram-se como uma das ramificações da criminologia
crítica, surgida em 1960, e do movimento Nova Defesa Social, que estabelecia como
alguns dos seus objetivos a reforma penal e o fim das penas com propósitos de
retribuição.
A partir dessa época, diversos grupos e associações relacionadas ao abolicionismo
nasceram: Associação Alemã para a Reforma Penal (KRAK), na Alemanha; Associa-
ção Norueguesa para a Reforma Penal (KROM), na Noruega; Associação Sueca para
a Reforma Penal (KRUM), na Suíça; Associação Finlandesa e Dinamarquesa para a
Reforma Penal (KRIM), na Finlândia e Dinamarca; Liga Coohrnhert, na Holanda; e
Alternativas Radicais à Prisão (RAP), na Inglaterra, entre outros (ACHUTTI, 2014, p.
36; ANDRADE, 2006, p. 464).
Ainda que muitos grupos tenham colaborado para as discussões, oficialmente, a
primeira vez que estudiosos do tema se declararam abolicionistas foi apenas em 1983,
no Congresso Mundial de Criminologia, em Viena (ACHUTTI, 2014, p. 37). É, desse
modo, uma corrente relativamente recente, que, com o passar dos anos, teve seu
objeto construído coletivamente e seus propósitos acadêmicos e sociais moldados:

O objeto da abolição [...] não é o Direito Penal (que é a programação normativa e


tecnológica do exercício de poder dos juristas), mas o sistema penal em que se insti-
tucionaliza o poder punitivo do Estado e sua complexa fenomenologia a que os abo-
licionistas chamam de ‘organização cultural do sistema de justiça criminal’ e que
inclui tanto a engenharia quanto a cultura punitiva, tanto a máquina quanto sua
interação com a sociedade, de modo que o sistema é, formal e instrumentalmente,
o ‘outro’, informal difusa e perifericamente somos todos Nós (que o reproduzimos,
simbolicamente). (ANDRADE, 2006, p. 468-469)

Indagações importantes surgem ou são reiteradas com esse movimento: o sistema


penal deve existir? Quais as consequências de sua permanência ou ausência? O crime
existe, de fato, ou é uma construção social? Como solucionar conflitos sem reações
punitivas?
Pode-se dizer, porém, que não é suficiente que apenas esses grupos sejam atin-
gidos pelas críticas, pois o abolicionismo, como uma política-criminal alternativa
radical, demanda participação e conscientização do resto da população (BARATTA,
2011, p. 204).

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Se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as
outras partes do sistema de controle criminal, as protegem – de fato, se elas sou-
bessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir
pessoas mais perigosas ‒, um clima para o desmantelamento das prisões deveria,
necessariamente, começar já. (MATHIESEN, 2003, p. 95)

A partir desse entendimento, nascem duas divisões: abolicionismo acadêmico e abo-


licionismo como movimento social. O abolicionismo acadêmico visa propor discus-
sões sobre o tema e incentivar a destruição de dogmas, sendo seu maior público-alvo
as universidades. Já o abolicionismo como movimento social almeja a ruptura da
comum verticalização das relações e interações do sistema, incluindo a sociedade nos
assuntos tratados e implementando novas formas de resolução de conflitos (ANGO-
TTI, 2009, p. 252). Tal fragmentação viabiliza a derrocada de um sistema que possui
a retribuição, a vingança e a atribuição de culpa como alguns de seus pilares (GON-
ÇALVES, 2016, p. 171; PAVAN, 2016, p. 106), buscando a horizontalidade.
Seguindo essa perspectiva, BRAGA (2012, p. 16) diz que as teorias da pena favore-
cem as justificativas supostamente racionais em relação ao sistema criminal e, como
resultado, a população, de modo geral, não se atenta às diversas violações e irracio-
nalidades nele existentes. Extrai-se, assim, a importância da conscientização e parti-
cipação de toda a sociedade, e não somente dos acadêmicos.
Ainda sobre as teorias da pena, embora contrária à temática deslegitimante aboli-
cionista3, VANZOLINI (2019, p. 150) apresenta uma interessante contribuição quando
aponta que “[...] é um erro dizer que o Direito Penal constitui a única estratégia viável
para o problema da agressividade, dado que inúmeras sociedades prescindem dele
sem a contrapartida do caos, da desagregação ou da autodestruição”, criticando
muitas das teorias existentes.
O sistema penal demonstra uma fantasia: propaga a enganosa ideia de que resol-
verá conflitos (KARAM, 2004, p. 96-97). Ocupa-se, por isso, o abolicionismo de des-
mistificar e contrariar suas raízes, ampliando as linhas possíveis de solução de con-
flitos, como se verá.

2 Prática abolicionista: as propostas

2.1 Nils Christie (1928-2015)

Nils Christie foi professor do Instituto de Criminologia da Faculdade de Direito da


Universidade de Oslo, na Noruega, e dedicou parte de sua vida ao estudo dos sistemas
penais ocidentais. Autointitulado minimalista, elaborou propostas e ideias próximas

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212 OLHARES ABOLICIONISTAS PENAIS: AS DIFERENTES ABORDAGENS E PROPOSTAS
ao abolicionismo penal, razão pela qual é considerado por diversos autores como
integrante da vertente abolicionista (PASSETTI, 2004, p. 105; ACHUTTI, 2014, p. 39;
ANDRADE, 2006, p. 465; ANGOTTI, 2009, p. 256).
Seu pensamento gira em torno da conceituação do crime e de como essa defini-
ção depende de valorações, não havendo uma caracterização intrínseca. De acordo
com CHRISTIE (2011, p. 23), “[...] atos não são; eles se tornam. Pessoas não são, elas se
tornam”, ou seja, não existe um crime em si mesmo, mas, sim, uma escolha do que é ou
não crime. O termo funciona como uma esponja, absorvendo atos e pessoas (CHRIS-
TIE, 2011, p. 16), e pode existir ou deixar de existir dependendo tanto da sociedade e
cultura em que se está inserido quanto da época (KARAM, 2004, p. 73).
Com esse raciocínio, seguindo a tendência da criminologia crítica, CHRISTIE
desvia o foco do crime e criminoso e estuda o processo de criminalização, inteiran-
do-se sobre o que faz com que certas maneiras de agir sejam criminalizadas, bem
como os motivos de pessoas específicas serem consideradas criminosas.
Em sua obra Uma razoável quantidade de crime, CHRISTIE descreve sua análise
sobre a verticalidade e horizontalidade das relações interpessoais e de como influen-
ciam o fenômeno da criminalização, indicando que as características individualistas
e distâncias decorrentes da sociedade atual exercem influências no processo de cri-
minalização. Em uma sociedade pautada mais na coletividade, as pessoas conhecem
mais umas às outras, o que interfere nesse mencionado processo (CHRISTIE, 2011, p. 23).

O crime é um fenômeno criado pelo homem [ser humano]. Entre pessoas que se
conhecem, é menos natural aplicar categorias criminais. Podemos não gostar do
que fizeram e até tentar evitá-lo, mas não sentimos necessidade de usar as catego-
rias simplórias da lei penal. Se aplicados, esses rótulos não aderem com a mesma
amplitude. (CHRISTIE, 2011, p. 107)

CHRISTIE propõe, consequentemente, uma justiça horizontal, contrária aos modelos


dos sistemas penais ocidentais atuais ‒ que atuam verticalmente ‒, tentando acionar
efeitos semelhantes aos das “sociedades unidas”, em que as interações humanas são
próximas e mais intensas. O conceito de justiça horizontal possui três importantes
características: a) as decisões são ancoradas nas vontades das pessoas locais e nas
suas considerações sobre o que é justo; b) não há soluções predefinidas, ou seja, tudo
que os envolvidos acharem relevante para o processo de resolução do conflito assim
deve ser tratado; e c) a compensação é mais importante do que a retribuição ao mal
causado (CHRISTIE, 2011, p. 117-118).
O método deve ser seguido, ainda, mediante tribunais comunitários, onde há a par-
ticipação direta dos envolvidos nos conflitos e, portanto, descentralizados, contando
com quatro etapas: a) plausibilidade da acusação; b) relatório sobre as necessidades da

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vítima, feito por ela mesma; c) análise feita pela comunidade sobre a possibilidade de
punições; e d) verificação das necessidades do causador do conflito (ACHUTTI, 2014,
p. 46-47). Nesse molde, profissionais ‒ advogados, assistentes sociais, sociólogos etc.
‒ são bem-vindos, mas não podem tomar as rédeas da situação, visto que a atuação de
pessoas próximas ao conflito é fundamental e reflete um modelo de participação, e
não de representação, como ocorre no presente.
A verticalização, aspecto estrutural do exercício de poder (ZAFFARONI, 1991, p.
15), provoca episódios de lastimáveis punições e aplicações conscientes de dor (CHRIS-
TIE, 2011, p. 119), que ignoram por completo as histórias de cada pessoa envolvida,
julgando-as como se pudessem tratar todos os impasses com um único modo: punição.
Tendo em conta seus estudos, CHRISTIE (2011, p. 127-128) conclui que se deve evitar
a punição, e não procurar punições alternativas. Diz, no entanto, que existem casos
específicos em que há uma imensa dificuldade de implementação de métodos alter-
nativos às prisões, como, por exemplo, homicídios, razão pela qual a abolição total do
sistema penal não seria possível.
Porém, por intermédio da horizontalidade, CHRISTIE (2011, p. 83) assevera que a
figura monstruosa que se cria sobre o considerado criminoso é desfeita quando se
obtém contato com a pessoa. Deve-se tentar, sempre, buscar negociar em vez de esco-
lher a utilização de violência. A importância de sair do campo da punição e adentrar
outros planos de resolução de conflitos é extraída, principalmente, da necessidade de
dialogar, que tem de ser prioridade (CHRISTIE, 2011, p. 150-151).

2.2 Thomas Mathiesen (1933-2021)

Thomas Mathiesen, estrategista do abolicionismo, como é denominado por ZAFFA-


RONI (1991, p. 99), foi professor de Sociologia na Universidade de Oslo e almejou não
apenas a abolição do sistema penal, mas de todas as estruturas repressivas (ZAFFA-
RONI, 1991, p. 99).
De cunho marxista, MATHIESEN acredita que o cárcere retrata uma manifes-
tação política da sociedade de classes capitalista e sua interrupção com as manei-
ras de dominação da classe dominante é imprescindível para que a abolição ocorra
(ANGOTTI, 2009, p. 258-259).
Inclusive, conforme seu raciocínio, o abolicionismo é um movimento inacabado
(MATHIESEN, 2015, p. 10). Significa dizer que há “[...] necessidade de abolição perma-
nente de estruturas abraçadas pelo poder” (ANGOTTI, 2009, p. 259), que deve ser feita
sem limitação de estratégias “fechadas” e simplistas (BELUSSO e DUTRA, 2017, p. 87).
Um dos grandiosos feitos de MATHIESEN foi, sem dúvida, a criação e manutenção
do KROM, organização abolicionista norueguesa surgida em 1968. Em sua compo-
sição, há profissionais da área criminal, como advogados e sociólogos, e, também,

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214 OLHARES ABOLICIONISTAS PENAIS: AS DIFERENTES ABORDAGENS E PROPOSTAS
pessoas encarceradas e ex-encarceradas4. Sobre seu funcionamento, MATHIESEN
(2003, p. 108) disserta: “Em resumo, tentamos criar uma rede de opinião e informação
atravessando os limites formais e informais entre segmentos dos sistemas políticos
e administrativos relevantes” (MATHIESEN, 2003, p. 108), sem, contudo, contentar-se
com meras reformas, não perdendo o foco da abolição (BELUSSO e DUTRA, 2017, p. 87).
Não é possível afirmar, apesar disso, que o KROM não admite reformas, já que, a
partir da década de 1980, houve uma mudança de compreensão em relação aos obje-
tivos da organização, passando a se dedicar a uma redução da expansão do sistema
e, consequentemente, aceitando reformas consideradas positivas (BRAGA, 2012, p.
109-110).
Avançando para as propostas de MATHIESEN, tem-se três “instâncias” que
declara serem as responsáveis por permitirem e induzirem a construção e preser-
vação do sistema penal: a) administradores do sistema em silêncio; b) intelectuais que
acreditam no sistema ou que não o questionam; e c) mídia, que proporciona verdadei-
ros eventos sensacionalistas (ANGOTTI, 2009, p. 254).
Com essas bases, MATHIESEN elabora que, provavelmente, a revelação explícita
da irracionalidade do sistema e a mudança da opinião pública gerariam uma alte-
ração nas atitudes de políticos, na medida em que poderiam perder eleitores, e o
advento de novos ares na política criminal (MATHIESEN, 2003, p. 96). Como, porém,
buscar essas transformações?
MATHIESEN sugere uma vasta lista de possibilidades que podem não somente
colaborar com a alteração da percepção da opinião pública, mas, essencialmente, com
a abolição de todo o sistema penal. Dentre elas, menciona a compensação econômica
por parte do Estado quando há o cometimento de atitudes conflituosas, apoio simbó-
lico em situações de pesar e luto, abrigos de proteção, centros de apoio para mulheres
agredidas, mudanças na política de drogas, moradias decentes, programas de traba-
lho e aumento de apoio às vítimas de acordo com a gravidade das ações (MATHIESEN,
2003, p. 96-97).
Além disso, um dos pontos mais discutidos nas obras de MATHIESEN é a atuação
da mídia, que opera como uma “camada de proteção” do sistema penal.

Se a mídia, especialmente a televisão, mudasse o conteúdo do divertimento superfi-


cial [como os programas sensacionalistas que atacam os considerados “bandidos”]
para o conhecimento crítico, criaria uma mudança cultural básica, uma mudança
no clima cultural, que teria repercussões em todas as áreas de pesquisadores e
intelectuais, assim como de administradores (MATHIESEN, 2003, p. 104-105)

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Sabendo que a mídia, em especial, manipula e influencia fortemente a opinião pública,
propõe a formação de um “espaço público alternativo”. Em tal espaço, a argumentação
e o pensamento livre de sensacionalismos banais representariam os valores domi-
nantes (MATHIESEN, 2015, p. 28).
Três devem ser os pilares do ambiente: a) liberação do poder de absorção da grande
mídia, isto é, da capacidade de distorcerem a realidade e transmitirem conteúdos
sobre a área criminal de maneira frívola; b) restauração da autoestima e sentimento
de pertencimento dos chamados “movimentos raízes”, que podem colaborar com a
abolição; e c) reconstrução da noção de responsabilidade dos intelectuais, no sentido
amplo da palavra ‒ acadêmicos, artistas, músicos, escritores e atores (MATHIESEN,
2015, p. 28-29; MATHIESEN, 2003, p. 107).
Por último, entende-se que não se deve buscar o abolicionismo impedindo o
avanço na defesa de maiores direitos e garantias, como a descriminalização de con-
dutas e outras situações que possam auxiliar o fim do sistema penal. O abolicionismo,
contudo, deve permanecer como foco (BELUSSO e DUTRA, 2017, p. 91).

2.3 Louk Hulsman (1923-2009)

Principal nome do abolicionismo penal, Louk Hulsman, foi professor de Direito Penal
na Universidade de Erasmus de Rotterdam, nos Países Baixos, e defendeu ardua-
mente a abolição completa do sistema penal, sem exceções5 (HULSMAN, 2018, p. 143).
Da mesma forma que CHRISTIE, não compreende que o crime exista por si mesmo,
por se tratar de uma construção social (HULSMAN, 2018, p. 81). O conceito de crime
pode, por isso, ser desconstruído, exercendo-se, em uma interpretação nietzschiana,
uma transvaloração dos valores, ou, em outros termos, uma “[...] mudança radical dos
valores impostos e fixados na sociedade [...]” (GONÇALVES, 2016, p. 186). Nas pala-
vras de HULSMAN (2018, p. 80), “conforme você tenha nascido num lugar ao invés de
outro, ou numa determinada época e não em outra, você é passível ‒ ou não ‒ de ser
encarcerado pelo que fez, ou pelo que é”.
Esse entendimento, somado à realidade criminal, fez com que HULSMAN consi-
derasse que, para uma efetiva abolição do sistema penal, a mudança deve se iniciar
em cada pessoa e, posteriormente, concretizada na sociedade (ANGOTTI, 2009, p.
257-258).
Como, porém, mudar? Ao se aproximar de situações empíricas que embasaram
suas fundamentações para o abolicionismo, HULSMAN reforça a ideia de que a puni-
ção não é a única maneira de resolver situações problemáticas (HULSMAN, 2018, p.
124-125)6. A punição penal produz o pensamento pautado apenas no castigo, na vin-
gança, e ignora os danos causados aos envolvidos, o que, obviamente, não deveria
ser o intuito.

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216 OLHARES ABOLICIONISTAS PENAIS: AS DIFERENTES ABORDAGENS E PROPOSTAS
Diante do caos que se vislumbrava nos sistemas penais em sua época – e que ainda
se mantém –, HULSMAN disponibilizou diversas propostas, que dividiremos, para
melhor compreensão, em: a) propostas voltadas às resoluções de conflitos e b) pro-
postas focadas em alterar a lógica estrutural punitiva.

2.3.1 Resoluções de conflitos

“Para mim, não existem nem crimes nem delitos, mas apenas situações problemá-
ticas. E sem a participação das pessoas diretamente envolvidas nestas situações, é
impossível resolvê-las de uma forma humana” (HULSMAN, 2018, p. 119).
Como a frase acima evidencia, HULSMAN reflete que os conflitos, ou situações
problemáticas, devem possuir como base a interação direta entre os envolvidos,
sobretudo autor e vítima. Ao contrário do que acontece nos dias de hoje, não se deve
supor que todas as vítimas terão as mesmíssimas reações e necessidades, tampouco
que os acusados percebam o mal que causaram sem que possam conversar com os
ofendidos (HULSMAN, 2018, p. 101). O modo como as acusações criminais são reali-
zadas e como o sistema penal conduz o processo não permitem que os implicados
tenham suas vontades conhecidas e, muito menos, ponderadas.

Gostaríamos que quem causou um dano ou um prejuízo sentisse remorsos, pesar,


compaixão por aquele a quem fez mal. Mas como esperar que tais sentimentos
possam nascer no coração de um homem esmagado por um castigo desmesurado,
que não compreende, que não aceita e não pode assimilar? Como este homem in-
compreendido, desprezado, massacrado, poderá refletir sobre as consequências
de seu ato na vida da pessoa que atingiu? (HULSMAN, 2018, p. 88)

Para uma abordagem eficiente, propõe, portanto, três maneiras de solucionar confli-
tos. A primeira é chamada de “confronto” e se respalda no enfrentamento direto entre
os envolvidos no conflito, no diálogo “cara-a-cara”. A segunda é a arbitragem, em que
há a participação de um conciliador para auxiliar na resolução do conflito, ouvindo
as partes, identificando seus problemas e oferecendo acordos. Em uma terceira via,
preferida de HULSMAN, estão as Community Boards, identificadas como comissões
conciliatórias formadas por indivíduos “conectados” às pessoas envolvidas nas situa-
ções problemáticas discutidas, afetivamente ou não. Esses integrantes das comissões
são treinados para reconhecerem os problemas existentes e ampararem os envolvidos
na busca por uma solução (BELUSSO e DUTRA, 2017, p. 84; HULSMAN, 2018, p. 153-155).

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2.3.2 Alteração da lógica estrutural punitiva

Em outro âmbito, com o mesmo objetivo de abolição do sistema penal – e, novamente,


não apenas das prisões –, estão as propostas relacionadas à alteração da lógica puni-
tiva, que são mais variadas. Dentre elas está a transformação da linguagem utilizada
na esfera criminal (HULSMAN, 2018, p. 113-114), que contribui, entre outras coisas,
para a estigmatização dos acusados, constantemente chamados e tratados como cri-
minosos, inclusive após o cumprimento de suas penas.
HULSMAN cita algumas modificações que seriam bastante importantes: em vez
de “crime”, chamar de “situação problemática” ou “comportamento indesejado”; em
vez de “vítimas” e “réus”, chamar de “pessoas envolvidas” (ANGOTTI, 2009, p. 264). A
mudança na linguagem, segundo HULSMAN (2018, p. 113-114), deve ocorrer até mesmo
acerca de termos técnicos, utilizados por sociólogos e criminólogos, por exemplo.
Aliás, não basta a alteração. Deve acontecer, simultaneamente, a modificação das
categorias das palavras e a transformação de cada pessoa que as utiliza (HULSMAN,
2018, p. 115), afinal, a opinião pública é detentora ferrenha do discurso que legitima o
sistema (BARATTA, 2011, p. 204).
Há, também, as tarefas dos estudiosos, que têm de “a) descrever e analisar os pro-
cessos de criminalização, de modo a permitir a determinação das consequências e de
sua legitimidade” e “b) dar uma mão a quem (profissional ou não) procura enfrentar
situações problemáticas (do ponto de vista da reparação e/ou prevenção), objeto de
criminalização secundária ou de pretensões de criminalização primária” (HULS-
MAN, 2004, p. 38-39).
Por fim, ACHUTTI (2014, P. 44) traz a estratégia traçada por HULSMAN em rela-
ção às suas ideias. A princípio, é necessário evitar novas criminalizações; após, pla-
nejar uma estratégia para encurtar a utilização do sistema penal, além de descrimi-
nalizar quantas condutas forem possíveis. Finalmente, a criação e aplicação de modos
distintos do sistema penal para solucionar conflitos, exercendo-se outras formas de
controle social.

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218 OLHARES ABOLICIONISTAS PENAIS: AS DIFERENTES ABORDAGENS E PROPOSTAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das inúmeras tentativas de conceituar os abolicionismos como utopias, com a


apresentação das propostas se percebe que, efetivamente, a queda do sistema penal
é possível, mediante a colaboração de diversos setores da sociedade e atuação tanto
acadêmica quanto, essencialmente, social.
Práticas abolicionistas ocorrem todos os dias (PASSETTI, 2006, p. 90): quando há
uma insatisfação com o modo como o sistema penal é operado diariamente; quando
evitamos punições e consideramos o diálogo; quando nos atentamos aos males cau-
sados por programas sensacionalistas; entre outras.
Pensar a figura do crime como uma situação problemática, com suas óbvias varia-
ções de gravidade e sensibilidade, precisa ser o propósito para se ter um olhar abo-
licionista. Deve-se refletir sobre as inúmeras formas de se enfrentar e solucionar
cada um dos problemas surgidos, pois, como demonstrado neste artigo, a punição
está longe de ser o único modo de lidar com conflitos.
Utopia não é o abolicionismo, mas, sim, um sistema penal que seja satisfatório. Por
sua deslegitimação, que não pode ser revertida em qualquer lugar e período (ZAFFA-
RONI, 1991, p. 19), é uma enorme contradição avaliar que esse sistema possa ser, mesmo
que minimamente, razoável.

Na prática operativa, o sistema penal não exerce seu poder para tutelar bens jurí-
dicos nem regras sociais mínimas, e nem é eficiente para nenhum dos dois objetos.
Qualquer das afirmações não passa de racionalização discursiva legitimadora do
exercício de poder do sistema penal; se os encararmos como dados de realidade ou
como programação suscetível de realização, não faremos mais que cair em outra
ilusão. (ZAFFARONI, 1991, p. 254)

“O sistema mata as família”, como diz a música “Corpo e Alma”, do grupo de rap Inqué-
rito7, e “esperar que o sistema penal acabe com a ‘criminalidade’ é esperar em vão”
(HULSMAN, 2018, p. 127).

Recebido: 06 de agosto de 2022.


Aprovado: 03 de novembro de 2022.

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Notas de fim

1 Segundo ZAFFARONI (1991, p. 69), diversos autores e vertentes teóricas moldaram o


discurso deslegitimador do sistema penal. Dentre eles, cita os que foram essenciais
para a deslegitimação na América Latina: criminologia da reação social interacio-
nista e fenomenológica, criminologia da economia dependente, teóricos marxistas e
as contribuições de Michel Foucault.
2 Cumpre, no entanto, suas funções reais: construção seletiva da criminalidade e
fabricação de pessoas criminosas (ANDRADE, 2006, p. 470-472).
3 VANZOLINI considera que as teorias abolicionistas radicais representam uma utopia
e poderiam resultar em eventuais retrocessos, como uma ausência de atuação estatal
na regulação e controle de violência entre particulares (2019, p. 156), o que é rebatido,
por exemplo, pelas análises de ZAFFARONI (1991, p. 105) e ANDRADE (2006, p. 474).
4 Para MATHIESEN (2015, p. 33), a interação entre os acadêmicos, prisioneiros e ex-pri-
sioneiros oferecem duas vantagens: a) quando os acadêmicos estão “desvinculados
da realidade”, os outros membros podem aliviar isso com suas experiências; e b)
quando os prisioneiros e ex-prisioneiros demonstram preconceitos ou tendências
negativas, os acadêmicos as mitigam por meio de suas análises.
5 HULSMAN declara que sistema penal inteiro deve ser abolido, no entanto as prisões
devem receber atenção especial e ser imediatamente abolidas, uma vez que seus efei-
tos são devastadores e não trazem vantagens (BADARÓ, 2018, p. 723).
6 O autor cita, como exemplo dessas situações empíricas, a figura do “médico de con-
fiança”, nos Países-Baixos, onde, em casos de maus-tratos contra crianças, o médico e
sua equipe tinham contato com as famílias dos menores, sem a estigmatização e peso
da repressão estatal, e ofereciam diversas possibilidades, como apoio psicológico ou
auxílio material.
7 O grupo Inquérito formou-se em 1999, em São Paulo, e permanece atuante na área
musical.

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