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Curso: Psicologia Disciplina: Psicologia Institucional

Ano: 2017 Semestre: 2º. Turma: 8º B


Professor: Flávio Alves da Silva
Alunos: Thais Fernandes da Silva - 11141100133

“Nos períodos de maior lotação, ao menos 16 pessoas morriam a cada dia”: E


alguém amou aquele lugar!

A palavra holocausto é de origem grega holos (todo) e kaustro (queimado),


termo mundialmente associado ao massacre que os judeus sofreram na Segunda
Guerra Mundial (SIGNIFICADOS, 2017). No entanto, menos conhecido
popularmente, principalmente pelos brasileiros, durante o século XX ocorreu o
holocausto brasileiro no maior hospital psiquiátrico do país, o Colônia.
A presente discussão é embasada no capítulo “O único homem que amou o
Colônia”, o personagem Luiz Felipe Carneiro (oitenta anos) que nasceu e viveu até
os doze anos no mesmo terreno da instituição psiquiátrica. Seu avô era
administrador do hospital em 1925 e seu pai era o mestre de obras, responsável
pela construção dos novos prédios do Colônia. A criança cresceu ouvindo histórias
sobre os loucos que ali habitavam e sobre o mal que eles poderiam fazer por ser
perigosos, e não compreendia como aquelas pessoas que tanto se assemelhavam a
escravos podiam oferecer tanto risco. Naquele momento histórico, o Colônia havia
se tornado uma instituição habitual na cidade de Barbacena/MG, a situação
desumana não era segredo, porém o mais perturbador é que se tornou “normal”
para muitos que conviviam com aquilo diariamente e chega a chamar atenção o
título desse capítulo. Como foi possível alguém amar aquele lugar?
O Holocausto Brasileiro é um livro-reportagem escrito pela jornalista Daniela
Arbex publicado em 2013, foi eleito o Melhor Livro-Reportagem do Ano pela
Associação Paulista de Críticos de Arte (2013) e o segundo melhor Livro-
Reportagem no prémio Jabuti (2014), as vendas dos exemplares ultrapassaram 200
mil no Brasil e em Portugal, e em 2016 a obra foi exibida em mais de 40 países em
formato de documentário produzido pela HBO (GERAÇÃO EDITORIAL, 2017).
Retrata a história do maior genocídio em território brasileiro que ocorreu no
Hospital Colônia, o maior hospício do Brasil como é descrito no livro. Criado no
século XX pelo Governo de Minas na cidade de Barbacena, sua finalidade era
proporcionar tratamento a pessoas diagnosticadas com doenças nervosas e
mentais. No entanto, estimasse que cerca de 70% dos internados não tinham
nenhuma patologia de desordem doença mental e muitos deles foram internados à
força, muitas dessas pessoas não se encaixavam nos padrões, causavam incômodo
e desordem a determinadas circunstâncias sociopolíticas impostas pela sociedade,
ou até mesmo as que haviam perdido seus documentos de identificação.
Os pacientes eram tratados com extrema desumanidade, tinham suas
cabeças raspadas, roupas retiradas, nomes substituídos e por vezes se
alimentavam de ratos devido à escassez de alimento, bebiam água do esgoto e até
a própria urina. As instalações do Colônia não proporcionavam o mínimo para
comportar os milhares de pacientes que ali passaram, além de toda a violência
psicológica e moral, ainda sofriam com espancamentos e eram obrigados a trabalhar
sem trégua.
Nas noites, que eram extremamente geladas, os pacientes dormiam nos
pátios sobre o capim, faziam fogueira com os poucos trapos que tinham e estruturas
com os próprios corpos para partilhar calor do calor humano, porém o que não
evitou as diversas mortes por hipotermia. Foram submetidos a eletrochoques e o
procedimento de lobotomia, entre outros tratamentos extremamente invasivos, que
resultou em mais mortes. Além de todo o roubo da identidade, desumanização e
barbárie que os pacientes eram submetidos em vida, ao morrer, seus corpos eram
comercializados para faculdades de medicina do país ou decompostos em ácido
para se aproveitar as ossadas e posteriormente comercializa-las.
No início do século XX, o Estado de Minas Gerais, principalmente a sua
capital Belo Horizonte, estava passando por um momento socioeconômico de
mudanças que previa a adoção de uma política de controle social dos
comportamentos das classes operárias e das classes mais baixas da sociedade, e
ficou clara a intenção do grupo dominante em remodelar, para então determinar a
vida de seus habitantes, anulando a dissimulação, os segredos e omissão dos olhos
alheios (COSTA; ARGUELHES, 2008). Sendo assim, estava ocorrendo um processo
de higienização social no Estado e, provavelmente, o Colônia foi usado como
abrigadouro daqueles que de alguma forma não se adequava nas normas da elite, e
assim como as classes baixas, os funcionários do local, também sofriam com esse
controle social.
Em uma análise pela Psicologia Institucional, a qual trabalha com a
perspectiva psicanalítica, toda instituição, seja qual for, se dá pelo conjunto de
relações sociais que se repetem e se legitimam por não reconhecer sua relatividade,
e são nessas relações sociais que se estabelece o poder e a resistência (GUIRADO,
2009)
Essa relação de poder também pode ser explicada na perspectiva da
Psicologia Social, os homens consideram a si próprios os problemas, esse
questionamento os levam a respostas, as quais emerge novas perguntas e esse
movimento se faz quando se permite se colocar em posição de inconclusão, e a
ausência desses questionamentos os coloca em posição de ser mais, resulta numa
“ordem” injusta que gera ações violentas contra o ser menos, relação de opressor x
oprimido. A desumanização que ocorreu com os pacientes do Colônia faz parte de
uma vocação negada e afirmada na própria negação, o ser mais (FREIRE, 1987).
Assim como observara o personagem Luiz Felipe, o trabalho que gerava
receita para o hospital, era semelhante a escravatura, uma comparação histórica
explicita do poder para com o outro.
Também houve a desumanização de quem se tornou os opressores, o que é
possível segundo Paulo Freire (1987), que diz “A desumanização, que não se
verifica, apenas, nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda que de
forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais”. Os
funcionários do Colônia e moradores de Barbacena/MG, não se colocavam em uma
posição de inconclusão, diferente de Luiz Felipe que criança já questionava toda
aquela barbárie, diferente do seu avô e pai, que se desumanizaram ao permitir
habituar-se com tratamentos tão opressores com aqueles que tiveram sua
humanidade tirada a força, porém ainda assim proporcionaram uma boa infância a
Luiz Felipe, a ponto de fazê-lo amar aquele lugar.
A leitura do livro-reportagem Holocausto Brasileiro deveria ser obrigatória a
todos, inclusive nos currículos escolares, se tratando de uma leitura que
complementa qualquer formação acadêmica. Trata-se de um material extremamente
rico, tanto emocional quanto histórico e ao iniciar a leitura, que é de fácil
compreensão, é inevitável se perder em tantas emoções frente a tanto descaso e
brutalidade física, moral e psicológica com seres humanos. Foram ao menos 60 mil
mortes que não podem ser esquecidas, e acima de tudo, não se pode dar margem
para que tais comportamentos tão desumanos ocorram novamente.

Referências

ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. São Paulo: Geração, 2013.

COSTA, Ana Carolina Silva da; ARGUELHES, Delmo de Oliveira. A higienização


social através do planejamento urbano de Belo Horizonte nos primeiros anos
do século XX. Univ. Hum., Brasília, v. 5, n. 1/2, p.109-137, jan./dez. 2008.

FREIRE, Paulo. Justificativa da <<Pedagogia do Oprimido>>. In: FREIRE,


Paulo. Pedagogia do Oprimido.17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 16-29.

GERAÇÃO EDITORIAL. Holocausto Brasileiro. Disponível em: <


http://geracaoeditorial.com.br/holocausto-brasileiro/>. Acesso em: 01 de out. 2017.

GUIRADO, Marlene. Psicologia Institucional: O Exercício da Psicologia Como


Instituição. Curitiba: Interação em Psicologia, 2009.

SIGNIFICADOS. Holocausto. Disponível em: <


https://www.significados.com.br/holocausto/>. Acesso em: 01 de out. 2017.

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