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HOSPITAL COLÔNIA:

O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
BRASILEIRO

Foto tirada por Luis Alfredo publicada no jornal 'O Cruzeiro'.

Há histórias importantes que não ganham a importância que merecem, sendo


deixadas de lado e quase esquecidas pela sociedade. Uma dessas histórias é a do
Hospital Colônia de Barbacena, onde milhares de pessoas - a maioria não tendo
nenhum diagnóstico mental - foram torturadas tanto física quanto psicologicamente.
Irônico, não?

O hospital psiquiátrico também conhecido como "Cidade dos Loucos" foi


fundado em 1903, inicialmente sendo utilizado para tratar pacientes com
tuberculose. Por ser uma doença altamente contagiosa, a estrutura ficava distante
da cidade, o que de certa forma favoreceu as pessoas que auxiliavam, omitiam ou/e
administravam o local.

Diferentemente do que podemos presumir, o hospital não apenas 'tratava' de


pacientes com problemas mentais. Na verdade, eram aceitas todas as pessoas que
eram desconsideradas e menosprezadas pela sociedade: amantes, garotas que
perdiam a virgindade antes do casamento, homossexuais, filhos considerados
rebeldes pelos pais, pessoas sem documento, filhos gerados fora do casamento ou
abandonados pelos pais… Qualquer pessoa poderia ser facilmente internada no
manicômio - consequência do decreto presidencial de 1934 assinado por Getúlio
Vargas, que permitia que qualquer pessoa com atestado médico pudesse ser
acolhida pelo Colônia.

Os 'pacientes', semelhantemente aos prisioneiros judeuses no período nazistas,


eram transportados em trens de cargas (apelidados de 'trem doido') e deixados no
fundo do hospital, onde teriam de passar por uma triagem - que tinha como objetivo
fazer a divisão das pessoas apartir da idade, sexo e característica físicas - que os
direcionaria para determinada área do complexo.

Os pátios e quartos eram imundos, ratos constantemente passeavam aqui e alí.


Os moradores constantemente eram privados de comida e água potável, a sede
tornando-se tão insuportável a ponto de levá-los a beber água do esgoto. Eles
também não dormiam em camas - a superlotação não permitia isso -, e sim em
amontoados de capins que eram espalhados não só nos quartos, como também nos
corredores.

Toda e qualquer pessoa, independente da idade ou sexo, que desobedece-se as


ordens, mesmo que pequenas, dos funcionários, eram submetidos a tipos diferentes
de torturas. A mais conhecida e citada pelas pessoas é a do choque elétrico, onde o
paciente era preso à cama e eletrocutado. Entretanto, os enfermeiros também
deixavam-os expostos ao frio, encharcados e sem roupas. Muitas pessoas
morreram de hipotermia, chegando ao número de 60 mortos por noite.

O genocídio silencioso que acontecia no Hospital Colônia levou 60 mil pessoas à


morte. Um número não tão alarmante quanto aos do holocausto nazista, mas
igualmente significativo. A quantidade de corpos era tanta que sobrecarregou o
cemitério local, o que levou o hospital a transportá-los e vendê-los a faculdades de
medicina de todo país, que os utilizaram - e acredito que ainda os utilizem - em seus
estudos anatômicos.

Muitas pessoas que presenciaram as barbaridades que aconteciam no


manicômio ignoravam aquela realidade, e os que tinham coragem para protestar
sobre o assunto eram silenciados pelas autoridades e o governo. Foi apenas em
1961 com a publicação das imagens tiradas pelo fotógrafo Luís Alfredo no jornal 'O
Cruzeiro' que o Colônia recebeu ao menos um décimo da repercussão que merecia.
No entanto, a notícia rapidamente caiu no esquecimento.

Em 1979, o Hospital Colônia foi novamente exposto através de uma reportagem


postada no jornal 'Estado de Minas', que era chamada "Nos porões da Loucura" de
Hiram Firmino, juntamente do documentário feito por Helvécio Ratton.

A repercussão levou o psiquiatra e teórico Franco Basaglia a visitar o local.


Franco, revoltado com o que tinha visto, convocou uma coletiva de imprensa para
expor as condições desumanas em que os homens, mulheres e crianças viviam. A
partir de todas as denúncias, além de proporcionar várias reformas na psiquiatria
brasileira, a pressão do povo sobre o governo fez com que, ao decorrer da década
de 80, houvesse o fechamento do Colônia.

Uma fator extremamente desdenhoso - apesar de interessante - é que muitas das


pessoas involvidas nesse genocídio silencioso saíram impunes, seus nomes
desconhecidos. Além do fato de que um acontecimento tão trágico quanto esse
infelizmente não seja conhecido por muitas pessoas.

Atualmente, o hospital atende e cuida bem de pacientes com problemas mentais


e tem uma de suas áreas transformadas no denominado 'Museu da loucura', que
mostra através de itens e imagens um pouco da história das pessoas que
injustamente morreram e viveram lá.

Escrito por Letícia Mirely.

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