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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CCH


CURSO DE HISTÓRIA

ANDRESSA MARLEY CUSTÓDIO ALVES

MONTES CLAROS - MG
2023
Artes e Ofícios de curar no Brasil
Capítulo 3- Medicina Impopular
Ciência Médica e Medicina Popular nas Páginas dos Periódicos Científicos (1830-1840)
Luiz Otávio Ferreira

A grande presença da medicina popular e a escassez de médicos formados no período


colonial brasileiro, influenciou grandemente a dificuldade de institucionalização da
medicina acadêmica no século XIX. No período colonial, a medicina popular dos
feiticeiros, curandeiros, parteiras, raizeiros, e outros praticantes da cura, era majoritária,
ou seja, o povo confiava nessas pessoas e atribua a eles a veracidade em suas práticas.
A partir da imposição de autoridades do saber médico científico, seria difundido a
necessidade de divergir a medicina acadêmica da medicina popular. Em 1832, com a
implantação do ensino médico acadêmico, foi um primeiro passo para o afastamento
entre a medicina popular e a medicina científica. O ensino médico instalado na
academia, era uma cópia do modelo francês, que não obteve sucesso no Brasil, devido a
burocracia imperial e da inexistência de uma base sólida de uma cultura científica. A
ineficácia do ensino médico em desempenhar relevância na institucionalização da
medicina no Brasil, colocou em xeque as demais formas de organização ligadas a
institucionalização.
Na Europa, no final do século XVIII, os periódicos médicos, tinham como o objetivo
principal transmitir a ideia da profissionalização médica acadêmica, reforçando o estudo
científico como base da profissão. No Brasil foi seguido o mesmo modelo, tornando
visíveis a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro e, posteriormente, da Academia
Imperial de Medicina, onde eram publicados textos originais, relatório de comissões e
as atas das sessões.
A maior parte dos leitores dos periódicos eram leigos, não possuíam formação
acadêmica médica. Entretanto, esses leitores, não se intimidavam em debater
criticamente sobre o saber médico científico. O que, de certa forma, mostrava a
deslegitimação sobre o saber científico de médicos no período, escancarava a
impopularidade da medicina culta. Em contrapartida, era publicado trabalhos sobre
higiene, direcionados ao leitor leigo. Esse diálogo sobre medicina e higiene, resultou em
debates a respeito dos problemas sanitários do país.

Vaga, incerta e sujeita a erros


Os questionamentos nos periódicos acerca das práticas populares de medicina, exprimia
o conflito entre médicos e seus concorrentes de cura, além de mostrar que a opinião do
povo, não era tão favorável a ideia de médicos monopolizarem o ofício. Entre 1835 e
1838 foram publicados dois trabalhos realizados pelo general José Abreu de Lima. O
primeiro tratava da ação de cura do guaco em casos de ataques de serpentes.
Posteriormente, foi publicado o segundo trabalho, onde o general, defendeu que o uso
de veneno de cobras, era efetivo para a cura de lepra. O texto era baseado em trabalhos
antigos de medicina, mitologias religiosas, guias médicos e crenças populares. José
Abreu de Lima, consciente da sua falta de formação acadêmica, responsabilizava os
médicos da necessidade de realizar experiências práticas de utilização dos venenos no
tratamento da lepra.
Ainda em 1838, o cirurgião Santos, realizou a experiência com um portador de lepra,
utilizando uma cobra em uma gaiola. O paciente, após assinar um termo onde se
declarava responsável pelos seus atos, deixou-se morder pela cobra. Dentro de 24 horas
o paciente veio a óbito. A tragédia, além de escancarar a omissão por parte dos membros
da Academia Imperial de Medicina, que preferiram deixar a situação acontecer, ao invés
de discutir seriamente o problema, a medicina acadêmica, foi novamente deslegitimada.

À sombra do hipocratismo popular


No início do século XIX, identificava-se a grande presença do conceito do humorismo
hipocrático na sociedade. Era utilizado em grandes medidas purgantes, laxantes e
vomitórios, com o intuito de expurgar humores ruins que causavam doenças.
A utilização em massa dos purgantes, vomitórios e laxantes, foi percebida pela
Academia Imperial de Medicina como um sério problema. O tema foi bastante discutido
por acadêmicos, onde em sua maioria, não assumiram uma posição ofensiva contra o
uso desses medicamentos, uma vez que havia veneração para com a doutrina de
Hipócrates. Novamente médicos de formação viam-se entre a medicina culta e a
medicina popular.

Em Busca de Popularidade
A popularidade da medicina acadêmica não estava ligada “apenas” com a dificuldade
desses profissionais em competir com as práticas populares da medicina. A falta de
conteúdo de fácil compressão sobre a medicina erudita, afastava a população leiga. Era
proposto então, a produção de conteúdos didáticos direcionados a população acerca da
problemática de uso de medicamentos secretos, o perigo do misticismo, e a intolerância
popular contra a medicina acadêmica.
Em um dos artigos, era apontado que as causas para a impopularidade da classe, era
devido a inexistência de regras pré-estabelecidas, onde todos os profissionais
realizariam as mesmas práticas. O que não acontecia, pois os médicos utilizam da
prática que os convinham. A prática médica ainda era vista como no período colonial,
ou seja, pelo viés empírico.
Em 1842, com a publicação do Dicionário de medicina popular e das ciências
acessórias, do dr. Chernoviz, foi vista como um real esforço para a popularização da
medicina. Até então, os dicionários publicados no Brasil, eram versões de obras
estrangeiras adaptadas. A obra do dr. Chernoviz é apontado como necessária para certa
instrução da população leiga, acerca das emergências médicas do cotidiano, além do
mérito de fazer pensar não somente na tratativa das doenças, mas em maneiras de
precaver, informando sobre as ideias modernas de higiene.
Portanto, nesse momento, foi percebido que a captação de legitimação da sociedade
para com médicos com formação acadêmica seria tratada de maneira acessível, não
mais a partir de jargões excludentes.

Capítulo 11- As artes de curar nos tempos de cólera


Recife, 1856
Ariosvaldo da Silva Diniz
Em março de 1856, a epidemia de cólera atinge o ponto máximo, com uma média de
cem mortos diariamente. Todas as medidas para impedir o crescimento da epidemia,
eram ineficazes. A pressão popular por soluções para o fim da epidemia, crescia
fortemente. Em meio ao caos, surgiu pai Manoel, escravizado do engenho Guararapes,
que afirmava possuir de métodos para curar a doença que estava fatalmente acometendo
a população de maioria preta escravizada, pretos livres e pobres. Rapidamente, pai
Manoel, ou dr. Manoel, como era chamado pela população negra de Recife -em claro
prestígio pela sua aptidão pela cura, e ao mesmo tempo, um sacrilégio aos profissionais
habilitados para a medicina- tornou-se bastante conhecido.
Enquanto pai Manoel ascendeu através da sua fama em curar doentes acometidos pela
cólera, a fama e respeito para com os médicos decaíam cada vez mais. Fato é que,
devido a pressão da população preta escravizada e livre e, de brancos pobres, para que
fosse autorizado que pai Manoel agisse na cura dessa doença, foi tão grande que
temendo a revolta do povo, foi autorizado que o curandeiro, fosse instalado no Hospital
da Marinha do Recife para tratar das enfermidades dos doentes. Nesse momento, a
Comissão de Higiene Pública de Pernambuco, publicou sua extrema insatisfação com a
autorização concedida pelas autoridades governamentais em instalar o curandeiro no
hospital. Posteriormente, ocorreu a renúncia coletiva dos membros da Junta de Higiene
Pública, escancarando no manifesto de renúncia que o principal motivo, foi a questão de
pai Manoel.
Após vários enfermos morrerem sob cuidado de pai Manoel, houve pressão médica para
a prisão do curandeiro. Após descumprir a proibição de utilizar seu remédio, pela
polícia, pai Manoel foi preso. O efeito causado pela prisão do “dr. Manoel”, causou
fúria na população que invadiu as ruas de Recife com a intenção de quebrar boticas e
agredir médicos. O princípio de motim popular se formou, o povo estava enfurecido.

O ajuste de contas
Por parte das elites, existia o medo da contaminação por um agente letal. Acreditavam
que o foco da doença estava nos quarteirões pobres e nos mocambos da cidade. Foi
identificado que a maior contaminação estava entre os escravizados domésticos, ou seja,
passaram a serem vistos como transmissores da contaminação para o interior das
habitações das elites. A partir de então, a ideia que passa a ser difundida tanto pelas
pessoas mais ricas e por médicos, é que os pobres seriam a ameaça de contágio devido
suas condições de subsistência.
A população preta e parda, escravizados e livres, e pobres acreditavam fielmente que a
cólera era um plano do governo, juntamente com os médicos, para matar essa
população, a fim de higienizar a cidade, de embranquecer a população. Para eles, não
tinha a ver com a insalubridade ou fragilidade social. Passaram a crer que estavam
sendo envenenados nas comidas e bebidas, tudo planejado por médicos e autoridades
governamentais. A suspeita ganhava sustentação quando pessoas pobres eram
acometidas pela manifestação súbita da doença, onde a pessoa não estava sentindo
nenhum sintoma e de uma hora para outra tinha um ataque fulminante em praça pública.
Os sintomas da doença contribuíam para o achismo que se tratava de intoxicação, os
doentes sentiam vômitos, espasmos, convulsões e morte quase repentina. Além do
pensamento de embranquecimento da higienização da população, havia suspeitas que o
cólera era utilizado para evitar a escassez de alimentos. O argumento mais forte, era de
que as elites dominantes, com o apoio médico, estavam utilizando da epidemia para
substituir os trabalhadores negros por imigrantes europeus.

Identificando os culpados (medos étnico-sociais)


Os higienistas, mesmo na tentativa de combater a doença, tinham a ideia de que o
propósito da epidemia era manter o equilíbrio demográfico, viam a mortalidade como
individual, com determinações biológicas. Não entendiam que a concepção biológica
não sustentava a mortalidade coletiva.
Na época a medicina não conseguia compreender que a mortalidade entre os negros
advinha das condições de alimentação, saneamento, moradia e atenção médica. A
doença era vista como um desequilíbrio natural, sinal de providência, punição pelos
vícios e pecados.
Para a população negra, a doença também era entendida como sortilégio. As doenças
eram resultadas de agentes exteriores, como forças do universo, maus espíritos e
envenenamento. A origem para a doença, seria a vontade maligna, feitiço, espírito,
diabo e até o próprio Deus.
Portanto, enquanto a população negra e pobre acreditava que a doença era um plano
para que as camadas marginalizadas fossem extinguidas. Enquanto a elite branca,
atribuía a epidemia a questões biológicas e temia ser contaminadas pela convivência
com escravizados e pobres.

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