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Fundado em 12 de outubro de 1903, o Hospital Colônia de Barbacena, localizado em

Barbacena, Minas Gerais, foi um dos maiores hospitais psiquiátricos do país. Nele, pacientes
eram submetidos a condições desumanas, maus-tratos, experiências pseudocientíficas, abusos
físicos e psicológicos. Esse episódio retrata bem como as pessoas neurodivergentes eram
tratadas naquela época, totalmente marginalizadas, isoladas, postas em condições subumanas.

Os pacientes eram transportados para o hospital pelos conhecidos “trens de loucos” por uma
ferrovia, de forma parelha à que os prisioneiros de Auschwitz e os demais campos de
concentração nazistas eram transportados. Quando chegavam se deparavam com uma
situação precária, um hospital, inicialmente projetado com 200 leitos, agora com uma
superlotação de aproximadamente 5.000 pacientes, e as condições se agravavam ainda mais
se fosse época de frio ou chuva, afinal, se nem mesmo leitos haviam para todos os pacientes,
quem dirá cobertores. É ainda mais preocupante o fato de não ter opção alguma para se
proteger da temperatura quando descobrimos que o hospital situava-se na Serra da
Mantiqueira a uma altitude de 1.164 metros, uma região de clima úmido, com meses de forte
friagem e até mesmo geadas.

Todos os pacientes eram tratados como “loucos” recebendo os mesmos medicamentos e


“tratamentos”, mas apenas 30% dos pacientes sofriam realmente com distúrbios psiquiátricos,
a maioria era composta por uma massa de “indesejados”: Negros, homossexuais, mendigos,
militantes políticos, epiléticos e até mesmo mulheres confinadas para que seus maridos
vivessem com suas amantes. Durante 1903 até 1979 foram registrados 91.911 pacientes, e
cerca de 60 mil mortes dentro das instalações do Hospital, mortes essas em decorrência de
hipotermia, esmagamento, doenças infecciosas, tratamentos intensivos e desumanos e fome.

HORRORES

Em alguns casos, os pacientes foram abusados de diversas maneiras: receberam duchas


escocesas (banhos fornecidos por máquinas de alta pressão), superlotação (o Hospital Colonia
tinha capacidade para 200 pessoas, mas tinha mais de 5.000 pacientes), lobotomias, má
alimentação ( ratos e insetos), beber esgoto ou urina, dormir na grama e exposição ao frio por
falta de roupa. Procurando o menor vestígio de calor, os pacientes formaram um círculo
fechado, permanecendo alternadamente fora e dentro, tudo na esperança de sobreviver.
Algumas pessoas morreram durante a noite, com uma média de dezesseis mortes por dia.
Pacientes grávidas tentam proteger o bebê espalhando fezes pelo corpo para evitar que ele
seja tocado. Apesar disso, esses bebês são retirados das mães após o nascimento e doados.

Sônia cresceu sozinha no hospital. Foi vítima de todos os tipos de violação. Sofreu agressão física, tomava
choques diários, ficou trancada em cela úmida sem um único cobertor para se aquecer e tomou as
famosas injeções de ‘entorta’, que causavam impregnação no organismo e faziam a boca encher de cuspe.
Deixada sem água, muitas vezes, ela bebia a própria urina para matar a sede. Tomava banho de mergulho
na banheira com fezes, uma espécie de castigo imposto a pessoas que, como Sônia, não se enquadravam
às regras. Por diversas vezes, teve sangue retirado sem o seu consentimento por vampiros humanos que
enchiam recipientes de vidros, a fim de aplica-lo em organismos mais debilitados que o dela,
principalmente nos pacientes que passavam pela lobotomia. A intervenção cirúrgica no cérebro para
seccionar as vias que ligam os lobos frontais ao tálamo era recorrente no Colônia. Embora tenha sido
considerada uma técnica bárbara da psicocirurgia, a lobotomia ainda é realizada no país [escrito em 2013]
(ARBEX, 2013, p. 51).

Quando o superintendente do serviço de psiquiatria da Fundação Educacional de Assistência Psiquiátrica,


Ronaldo Simões Coelho, pisou no terreno do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, localizado no município
de Oliveira, no oeste do Estado, tomou um susto. Logo ao chegar ao hospital do Estado, em 1971, avistou
um menino ‘crucifixado’. Apesar do sol inclemente, o garoto, que aparentava idade inferior a dez anos,
estava deitado no chão, com os braços abertos e amarrados e o rosto queimado pela exposição ao calor
de quase trinta graus. Voltou-se para a freira [sic] responsável pelo setor, esperando alguma explicação: –
Por que esse menino está amarrado nesse solão? – Se soltar, ele arranca os olhos das outras crianças. Tem
mania – respondeu a mulher, com naturalidade. – E quantos olhos ele já arrancou? – Nenhum – disse a
religiosa (ARBEX, 2013, p. 87).

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