PATO BRANCO 2024 “Holocausto brasileiro”: o retrato de uma tragédia.
A palavra holocausto tem origem grega ('holókauston') e, na conotação bíblica,
significa "sacrifício em que a vítima é queimada viva". Na Segunda Guerra Mundial, o termo passou a representar um dos fatos históricos mais tenebrosos da história.
Holocausto passou a ser o nome dado ao genocídio cometido pelo nazismo
contra os judeus, principalmente na Alemanha, Holanda e Polônia. No Brasil, um extermínio de mais de 60 mil pessoas em um manicômio em Minas Gerais foi detalhado em um livro-reportagem que inspirou o filme de mesmo título: “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex.
Neles, o retrato de horrores e das condições subumanas a que eram submetidos
os internos do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena. Localizado na cidade de Barbacena, interior de Minas Gerais, o hospício conhecido como Hospital Colônia, criado em 1903, foi palco do extermínio entre os anos de 1930 e 1980.
Assemelhando-se aos campos de concentração, os pacientes eram encaminhados
de trem para o local e ali eram despejados. A maioria das pessoas enviadas para lá geralmente iam contra a vontade para o local, mesmo que não tivessem qualquer diagnóstico de transtorno mental. Dentre elas, pacientes com epilepsia; homossexuais; mulheres/meninas estupradas; alcoólatras; moradores de rua; crianças com algum tipo de deficiência, órfãs e abandonadas.
Segundo a jornalista Daniela Arbex, ao encontrar fotos do local e buscar os
sobreviventes, ela descobriu “que o Brasil desconhecia uma de suas piores tragédias”, muito semelhante ao holocausto. O documentário traz relatos angustiantes dessa história compartilhados por um maquinista do trem, exfuncionários, enfermeira, psiquiatras, fotógrafos, jornalistas, filhos de internos... Dentre os horrores, falam sobre a falta de alimentação, de higiene, de medicamentos adequados e o uso da tortura, por meio do eletrochoque. Um dos fatos mais chocantes do documentário é o relato da transferência de crianças com deficiência oriundas do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, localizado no município de Oliveira, no oeste do Estado, que havia fechado. O filme traz relatos de alguns desses ex-internos, hoje adultos, que ficaram conhecidos como “os meninos de Oliveira”. Em 1979, o psiquiatra italiano Franco Basaglia, referência mundial na luta pela humanização de modelos de atendimento, visita o Hospital Colônia e o compara a um “campo de concentração”.
E assim marca o início do movimento de reforma psiquiátrica brasileira, que só
vai se concretizar completamente em 2001, quando o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sanciona a Lei 10.216 de 2001, teve como marca registrada o fechamento gradual de manicômios e hospícios pelo país. A Lei Antimanicomial, que promoveu a reforma, tem como diretriz principal a internação do paciente somente se o tratamento fora do hospital se mostrar ineficaz.
No caso do Hospital Colônia foram instituídas as Residências Terapêuticas.
Mas as marcas do “holocausto brasileiro” ficam como representação histórica da violência do Estado e da sociedade brasileira contra aquelas pessoas e como memória vigilante contra tentativas de retrocessos e/ou de reprodução da segregação dos ditos “diferentes” – pessoas que têm sua existência questionada, comparada e violada por afastarem-se de um conceito de “normalidade” que é naturalmente excludente.
Foram oito décadas de uma tragédia brasileira de responsabilidade coletiva, de
um silêncio conivente da sociedade para aquele local, como afirma Daniela Arbex, no documentário. Uma “desumanização institucionalizada”, nas palavras do fotógrafo Napoleão Xavier, onde emergia um “cheiro do sofrimento”, como relatado pelo cineasta Helvécio Ratton. Os depoimentos e imagens chocantes – frutos de um importante trabalho jornalístico de investigação, escuta, denúncia e memória – revelam um Brasil de violações dos direitos básicos à vida, à liberdade, à segurança e à saúde, que mais tarde viriam a ser “garantidos” pela Constituição Federal de 1988. Mas esses direitos somente sairão da letra e efetivarem-se por completo quando todos nós construirmos uma sociedade anticapacitista, antipsicofóbica e antiaporofóbica.