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Hipótese Borlaug

Intensificação versus
extensificação da agricultura
Gilberto Rocca da Cunha1*, João Leonardo Fernandes Pires1,
Genei Antonio Dalmago1, Anderson Santi1 e Aldemir Pasinato1

1. Introdução elevação do rendimento dos principais


cultivos por unidade de área (intensifi-
A produção agrícola mundial, ao cação); com destaque, nos últimos 50
longo da história da humanidade, para anos, para ganhos em produtividade
fazer frente ao crescimento da população (kg/ha). Enquanto a área cultivada no
1Embrapa
e a consequente maior demanda por ali- mundo, no período 1961-2005, cres-
Trigo, Caixa Postal 451, ceu 27% (passando de 960 para 1.208
mentos, afastando de vez o espectro de
CEP 99001- 970 Passo Fundo/RS.
mau agouro das previsões do reverendo Mha), o rendimento dos cultivos obteve
E-mails: cunha@cnpt.embrapa.br,
pires@cnpt.embrapa.br, Thomas Robert Malthus (“população em incremento de 135% (de 1,84 para 3,96
dalmago@cnpt.embrapa.br, progressão geométrica versus produção t/ha), especialmente nos cereais (trigo,
anderson@cnpt.embrapa.br e de alimentos em progressão aritmética”), milho e arroz) e em oleaginosas (soja,
aldemir@cnpt.embrapa.br; respectivamente. aumentou tanto pela expansão da área girassol e canola), conforme dados cita-
(*) Autor para correspondência. cultivada (extensificação) quanto pela dos por Burney et al. (2010). Esses ga-

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nhos em rendimento foram decorrentes A Revolução Verde fundamentou-
do uso de cultivares mais produtivas e se no uso de tecnologia em agricultura,
de melhoria nas práticas de manejo dos com vistas à elevação de rendimentos,
cultivos, envolvendo o uso de fertilizan- envolvendo, particularmente, novas cul-
tes, pesticidas, irrigação e mecanização; tivares, maior quantidade de adubo e
entre outras. uso intensivo de água. Eram, acima de
Não obstante os resultados alcan- tudo, as leis de Mendel postas em prática
çados pela intensificação da agricultura, na clássica tríade “sementes, fertilizantes
cujo fenômeno histórico atende pelo e água”. Por que isso aconteceu? Não há
nome de Revolução Verde, ainda pairam explicação única, mas sim redes de ex-
dúvidas sobre as suas consequencias plicações. Para começar, devemos des-
ambientais. Alega-se a expansão da agri- mistificar idéias erradas ou distorcidas. E
cultura em biomas que, em tese, deve- a primeira delas é essa: “A Revolução Ver-
riam ser preservados em nome da bio- de nos países pobres seria resultante da
diversidade, a retirada de florestas para ajuda humanitária das nações ricas”. Em
dar lugar à pecuária, as queimadas, a parte sim, mas não totalmente. Uma ou-
poluição de águas, o assoreamento e eu- tra: “A Revolução Verde foi uma estraté-
troficação de rios e lagos, etc. A questão gia das corporações multinacionais para
principal é se a dita agricultura moderna vender adubos e pesticidas”.Essas em-
pode suprir, sob os pontos de vista ético presas, certamente, encontraram na Re-
e de sustentabilidade, as necessidades volução Verde uma motivação para ven-
futuras da humanidade, especialmente der seus produtos, mas a iniciativa não
considerando-se a emissão de gases de partiu delas. Ainda: “A Revolução Verde
efeito estufa e as ameaças da mudança foi um fenômeno exclusivo dos países
do clima global. pobres”.Totalmente falsa, pois foi um fe-
Discutir a chamada Hipótese Bor- nômeno global. E, os questionamentos:
laug, uma expressão que homenageia o “A Revolução Verde foi um fracasso ou
cientista americano Norman Ernest Bor- um sucesso?”, “A Revolução Verde exa-
laug (1914-2009), cujo trabalho em me- cerbou a fome no mundo?” e “A Revolu-
lhoramento genético de trigo, realizado ção Verde acabou?”. Respostas: Depen-
no CIMMYT, e o envolvimento na luta de do critério de sucesso. Por um lado
para acabar com a fome no mundo (vide aumentou a produção de alimentos, mas
Borlaug, 1983), via a elevação da produ- não acabou com a fome, pois a proposta
ção de alimentos pela intensificação da apenas tangenciou a questão da pobre-
agricultura, o levariam a ser agraciado za. Mas, certamente, não foi uma tragé-
com o Prêmio Nobel da Paz, em 1970, é dia como apregoam muitos (poderia ter
o objetivo deste ensaio. Afinal, existe ou- sido pior!). Quanto à resposta para a per-
tra forma de agricultura que seja capaz gunta sobre o fim da Revolução Verde,
de alimentar o mundo? vale dizer que acabou no sentido de que
não é mais novidade. Tornou-se a prática
2. Que é Revolução Verde? padrão na agricultura mundial.
São simples (e às vezes até simplis-
Amor sem limites e ódio ao extre- tas) as conjecturas históricas necessárias
mo são os dois sentimentos que costu- para o entendimento dos bastidores da
mam permear os debates sobre o fenô- Revolução Verde. Entram no jogo, em
meno de intensificação da agricultura plena Guerra Fria, teorias de segurança
mundial pela via tecnológica, que abran- nacional e ações dos EUA para combater
geu mais especificamente o período de possíveis insurreições comunistas ao re-
1960 a 1980, conhecido por Revolução dor do mundo. O fantasma de Malthus
Verde. E, quando sentimentos se sobre- “gritando” que a humanidade tende à
põem à razão, algumas questões rele- miséria pela imprevidência da força da
vantes são deixadas de lado, impedindo reprodução humana levou muita gente
que se tenha uma visão clara dos acon- a acreditar que o crescimento popula-
tecimentos, suas causas e consequên- cional em alguns países pobres era de-
cias. O distanciamento, no tempo e no masiadamente elevado e que se tornaria
espaço, nos faculta, hoje, uma posição insuportável. Da superpopulação para a
de expectadores privilegiados do fenô- fome e a suscetibilidade ao comunismo,
meno, permitindo-nos o entendimento na visão dos americanos, era apenas um
da Revolução Verde de forma não pas- passo. Assim, efetivamente, os governos
sional, independentemente de qualquer dos EUA, Reino Unido, México é Índia
posicionamento favorável ou contrário. usaram o aumento da produção de ali-

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mentos como estratégia de segurança 3. Hipótese Borlaug O trabalho dos pesquisadores da
nacional. Cada qual com suas motiva- Universidade Stanford (Burney et al.,
ções. Estados Unidos da América para 2009) demonstrou que, embora a agri-
combater os comunistas. Reino Unido Há quem afirme que a maior con- cultura tenha sido responsável por cerca
para reconstruir sua economia com- tribuição da Revolução Verde foi, pela de 12% das emissões antropogênicas
balida pela Segunda Guerra Mundial e elevação do rendimento dos cultivos, dos gases de estufa (dados de 2005), o
de olho no comércio dos excedentes. preservar áreas que teriam de ser usa- carbono preservado pela não expansão
México para aumentar suas reservas (di- das para a produção de alimentos frente das terras agricultadas foi superior às
minuindo importações) e influências na ao crescimento da população mundial. emissões decorrentes da atividade. Em
América Latina Índia para se recuperar Outros contra-atacam, alegando que a resumo, concluíram que o investimen-
do atraso deixado pelo imperialismo Revolução Verde, de fato, aumentou a to em pesquisa agrícola no mundo, que
britânico e enfrentar a guerra com o Pa- dependência da humanidade pelos com- contabilizou US$ 1,2 trilhões, no perí-
quistão, além das catástrofes climáticas. bustíveis fósseis, estreitou a base genéti- odo 1961-2005, implicou na redução
Portanto, não há dúvida que planejado- ca das plantas cultivadas e ampliou o uso das emissões de carbono a um custo
res econômicos e líderes políticos viram de pesticidas na agricultura. E que outras de US$ 4 por tonelada. Destaca-se que
na Revolução Verde e no aumento da formas de agricultura, menos intensivas este custo é inferior a 25% do valor dos
produção de alimentos uma dimensão em exploração de recursos do ambiente créditos de carbono praticado na Euro-
de segurança nacional, que não se res- são possíveis. Quem está certo? pa em 2009. Investimento em pesquisa
tringiu aos países pobres (terceiro mun- Norman Borlaug sempre defen- e desenvolvimento em agricultura, pelo
do, como se chamava na época. Hoje, deu que a intensificação da agricultura, que demonstrou o estudo da Universi-
países em desenvolvimento). elevando o rendimento dos cultivos, ao dade Stanford, parece ser uma das mais
O termo Revolução Verde (Green contrário do que muitos apregoam, no eficientes formas de mitigação das emis-
Revolution) foi cunhado em 1968 por lugar de destruir a natureza, se prestava sões dos gases de estufa; que, até então,
William S. Gaud, diretor da United States para preservar biomas, evitar a derruba- não vinha sendo devidamente conside-
Agency for Internacional Development da de florestas e proteger o ambiente. rada.
(USAID), para descrever o aumento na Essa assertiva ficou conhecida como hi- Criticar a intensificação da agricul-
produção de alimentos a partir da trans- pótese Borlaug, cujo estudo relativamen- tura, na questão da mudança do clima
ferência de tecnologia associada com a te recente de pesquisadores da Univer- global, exige, no mínimo, certa cautela,
introdução de novas cultivares de trigo e sidade Stanford, publicado na edição pois, pelo que parece, ou, via ciência,
de arroz na Índia, no Paquistão e em ou- de 14 de junho de 2010 da revista PNS tecnologia e inovação, damos um novo
tras partes do mundo pobre. Para Nor- (Burney et al., 2010), mesmo com con- salto de produtividade nos principais
man Borlaug, cientista símbolo do movi- testações, por julgarem alguns que no cultivos agrícolas, a exemplo do alcan-
mento, a Revolução Verde representou referido trabalho foram omitidos outros çado em tempos de Revolução Verde, ou
uma nova era para a pesquisa agrícola, custos ambientais, ainda não pode ser 1,5 a 2,0 bilhões de hectares no mundo
baseada em princípios modernos de ge- cientificamente, rejeitada; especifica- deverão entrar em uso para alimentar
nética e melhoramento de plantas, ma- mente quando se leva em consideração uma a população que é projetada em 9
nejo de cultivos e análises econômicas, a questão das emissões de gases causa- bilhões de pessoas, no ano 2050 (Tolle-
com vistas ao desenvolvimento de solu- dores de efeito estufa. fson, 2010).
ções tecnológicas para os problemas dos
agricultores.

Foto Nilson Konrad

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4. Que tipo de agricultura

Foto: Dirceu Gassen


pode alimentar o mundo?

Hoje, não falta comida no mundo,


pela lógica do abastecimento (lado da
oferta). De qualquer forma, um mundo
sem fome ainda é utopia. E mesmo sendo
estabelecida pelas Nações Unidas como
uma das metas do milênio - reduzir, até
2015, de 850 milhões para 425 milhões
o número de pessoas que sofrem com
o flagelo da fome no mundo -, avança-
mos pouco nessa questão. Inclusive, em
certo aspecto até regredimos, pois, em
2009, o número de famintos no mundo
cruzou a barreira simbólica de um bilhão
de pessoas. Houve um recuo em 2010,
estabilizando o contingente de famintos/
subnutridos em 925 milhões de pessoas.
A menos que a situação comece a mudar
de fato, talvez nem mesmo a “medíocre”
meta do milênio de reduzir em 50% a
população de famintos no mundo venha
a ser alcançada. E se não falta comida o
que falta é renda para acesso aos alimen-
tos. Não se pode ignorar que há uma Não é difícil o entendimento de que
fome endêmica causada pela pobreza crescimento de renda implica em maior
extrema. Que existe uma “fome oculta” demanda por alimentos. Especialmente
(associada com má nutrição), decorrente na Ásia, em países de elevada densidade
da deficiência de micronutrientes (Ferro, populacional, como China e Índia, é fato
Zinco, Iodo, Vitamina A, etc.). E que ca- que, o crescimento econômico, tem pro-
lamidades naturais e conflitos civis (guer- piciado mudança de hábitos alimentares
ras), especialmente quando conjugadas e maior consumo de alimentos, pressio-
com situações de pobreza extrema, tam- nando o mercado agrícola e de insumos
bém podem causar fome. Diante do ex- para produção. Isso, em associação com
posto, não é necessário grande esforço novos usos, caso dos biocombustíveis,
intelectual para perceber que para aca- tem propiciado uma mudança no balan-
bar com a fome no mundo não basta ço global de grãos, com, em certos ca-
aumentar a disponibilidade de alimentos sos, redução de estoques de produtos e
no mercado. Segurança alimentar é mais elevação de preços. Além de que, para
que isso. É necessário garantir o aces- suportar o crescimento da produção
so econômico a uma dieta balanceada, agrícola, por exemplo dos EUA produ-
respeitando-se a tradição alimentar dos zindo mais milho em detrimento de soja
povos (além de água potável, serviços (milho consome mais fertilizante que
básicos de saneamento, etc.). soja), aumentou a demanda mundial por
Vivenciamos, no primeiro trimestre fertilizantes, que se somou à redução na
de 2008, preços “aquecidos” das com- capacidade de produção em alguns paí-
modities agrícolas (com consequências ses exportadores (subsidio para compra
no preço dos alimentos), e, de outro, de fertilizantes em países como China e
elevação desmesurada de custos de pro- Índia e imposto de exportação em paí-
dução (influindo na renda do produtor). ses exportadores, como Rússia e China),
Paralelamente, uma discussão que res- refletindo-se em elevação de preços de
suscitou o fantasma de Matlhus e suas fertilizantes e dos fretes oceânicos. Um
previsões apocalípticas, envolvendo um caso típico de oferta e demanda, para-
embate entre agricultura de alimentação lelamente a outros fundamentos de mer-
versus agricultura de energia, protago- cado, que, em 2008, envolveu também,
nizado por Jean Ziegler, relator especial depois da crise imobiliária americana,
da ONU para o Direito à Alimentação, a atuação de fundos de investimentos,
e Robert Zoellick, presidente do Banco marcando posições no mercado de com-
Mundial, que classificaram a produção modities agrícolas.
de biocombustíveis de crime contra a A comunidade científica da área
humanidade, por reduzir a oferta de co- das ciências agrárias é, frequentemen-
mida no planeta. te, confrontada com questionamentos

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(quase sempre, impregnados de precon- las do século 19 (antes da dispersão de (Connor, 2008) destaca que os referidos
ceitos) sobre qual agricultura vai alimen- uso de fertilizantes e pesticidas químicos autores estimaram a produção possível
tar o mundo. Em geral, do tipo: pode a na agricultura), quando um bilhão de para a agricultura mundial levando em
agricultura orgânica suprir a necessidade pessoas habitava o planeta. Essa é uma conta uma relação de rendimentos entre
de alimentos no mundo? E a agricultu- crítica a esse tipo de raciocínio, embo- sistemas orgânicos e convencionais deri-
ra convencional é sustentável? Viram ra o argumento da comparação com o vada de estatísticas nacionais da base de
no que deu a Revolução Verde? Ciência século 19 não seja de todo descabido, dados da FAO. Essa razão matemática
e tecnologia vão resolver o problema da pois mesmo com os grandes avanços média (agricultura orgânica/agricultura
fome no mundo? É justo plantar energia de rendimento alcançados na moderna convencional) usada pelos pesquisadores
em vez de comida? Entre outras tantas agricultura, não houve alterações subs- da Universidade de Michigan foi de 0,91
variantes deste mesmo gênero. tancias no metabolismo das plantas cul- e de 1,74, para os países desenvolvidos
A chamada agricultura orgânica tivadas em termos de necessidades de e em desenvolvimento; respectivamente.
ocupa, atualmente, cerca de 0,3% das nutrientes para suportar o crescimento. Há que se entender melhor esses núme-
terras cultivadas no mundo. Em sua maior Todavia, há estudos, como o de Badgley ros e suas origens, para a formação de
parte, nos países desenvolvido (0,3% nos et al. (2007), que sustentam a possibi- qualquer juízo de valor.
USA e 3,4% na Europa), sob estímulo de lidade da agricultura orgânica elevar a As conclusões do estudo de Badgley
consumidores disposto a pagar prêmios produtividade dos cultivos a tal ponto de e colaboradores se fundamentam na su-
por alimentos em tese mais seguros para poder suprir a necessidade de alimentos perioridade em rendimento dos sistemas
a saúde e para o ambiente (além de ou- para toda a população mundial. Os de- orgânicos frente aos convencionais nos
tros incentivos). Essas terras são cultiva- fensores do sistema orgânico advogam países em desenvolvimento. A razão 1,74
das obedecendo a regras de associações/ que uma reconversão total da agricultu- (orgânico/convencional), derivada de es-
agências reguladoras, que, no caso dos ra mundial para o lado orgânico não re- tatísticas agrícolas nacionais, corrobora
cultivos agrícolas, desaconselham o uso duziria a produção de alimentos. Muito esta assertiva. O primeiro questionamen-
de compostos inorgânicos para nutrição pelo contrário, aumentaria a segurança to é o desequilíbrio em magnitude das
de plantas (adubos químicos), pesticidas alimentar nos chamados países em de- áreas cultivadas sob os dois sistemas. Em
sintéticos (venenos) para controle de do- senvolvimento. Também dão destaque sendo, na atualidade, muito maior a área
enças, pragas e plantas daninhas e, mais que a idéia (muito difundida) de a agri- de agricultura convencional, naturalmen-
recentemente, cultivares geneticamente cultura convencional ser mais barata não te, essa comporta uma maior diversidade
modificadas. Também estimulam rota- passa de uma falácia. Em geral, não são de condições de ambiente, que se reflete
ção e consórcios de cultivos, para recu- computados os custos ambientais e para no seu desempenho produtivo. Também,
peração da fertilidade dos solos e con- a saúde humana. Quando incorporados, em muito países em desenvolvimento, de
trole de doenças e pragas e supressão de fica demonstrado que o sistema orgânico agricultura tecnologicamente atrasada e
plantas daninhas (práticas essas que são de agricultura é muito superior ao con- de baixo rendimento, os sistemas orgâ-
amplamente usadas na agricultura con- vencional; realçam os seus partidários. nicos, que recebem nutrientes de origem
vencional também). Simultaneamente, No outro extremo, evidências teó- orgânica tem vantagem frente aos sis-
tem cada vez despertado mais atenção ricas, práticas e analíticas dão como invá- temas convencionais que recebem pou-
na agricultura convencional, o emprego lidas as conclusões de estudos como o de co ou nada de fertilizantes minerais. A
de boas práticas agrícolas, envolvendo a Badgley et al. (2007), uma vez que, não transposição linear do desempenho dos
integração de agroquímicos com proces- é difícil diagnosticar, dados mal inter- sistemas orgânicos frente aos conven-
sos biológicos e a preconização de uma pretados e, por consequência, cálculos cionais nos países em desenvolvimento,
agricultura de base conservacionista. derivados errados; contra-argumentam pelo exposto, é frágil, superestimando a
Algumas análises indicam que, pelo com firmeza os defensores da agricultura produção em larga escala da agricultura
modelo de agricultura orgânica preconi- convencional. O australiano D.J. Connor, orgânica.
zado, seria possível, hoje, alimentar en- especialista em sistemas agrícolas da Uni- Algumas comparações são vantajo-
tre três e quatro bilhões de pessoas no versidade de Melbourne, não tem dúvi- sas para os sistemas livres de agroquími-
mundo (boa parte de nós sobraria nessa da que as conclusões de Badgley et al. cos. Caso da eficiência no uso de energia,
conta). Muitas dessas análises se baseiam (2007) não são corretas. Em artigo pu- manutenção de biodiversidade e preser-
no desempenho dos sistemas agríco- blicado na revista Field Crops Research vação da capacidade produtiva dos solos.

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Mesmo com rendimentos inferiores, os dieta, quantidade e qualidade, para su- signatários deste ensaio, que não sabem
ganhos ecológicos dos sistemas orgâni- prir plenamente as suas necessidades em o que é passar fome. A questão posta é
cos, inquestionavelmente, são maiores. proteína e energia, sofrendo algum tipo como atender a necessidade de abasteci-
O debate da segurança alimen- de deficiência nutricional. Uma vergo- mento de alimentos, em um mundo que
tar pela lógica única da produção de nha, para o tamanho da nossa preten- cresce em população e em exigência em
alimentos (lado da oferta) é deslocado são de humanidade (erradicar a fome qualidade de alimentação (segurança ali-
no tempo, pois, hoje, estamos produ- no mundo é o mínimo, não diminuir mentar e alimentos seguros). E fazer isso
zindo alimentos suficientes para todos em 50%; conforme uma das metas do de uma forma que seja ambientalmente
(a questão que se impõe é a de geração milênio). Estamos, de fato, frente a um e socialmente sustentáveis, buscando er-
de renda para acesso aos alimentos). Isso problema que pode se agravar, pois pro- radicar do planeta o flagelo da fome.
reforça a indicação de que podemos e jeções indicam que a população mundial A superação dos desafios postos
devemos buscar melhores práticas na deverá continuar crescendo, vindo a se requer mudanças radicais nas formas
agricultura (orgânica e/ou convencio- estabilizar ao redor dos nove bilhões de produção de alimentos, na estrutu-
nal). Por exemplo, na Europa, se pode- de criaturas humanas por volta do ano ra de armazenagem (diminuir perdas e
ria, sem dúvida, produzir alimentos com 2050. manter qualidade), no processamento
menos químicos. Já, na China e na Índia, Paralelamente ao crescimento po- (tecnologia de alimentos), nos canais de
isso poderia vir a ser um desastre. Resu- pulacional, mesmo havendo indícios de distribuição e, particularmente, no aces-
mindo, o que não nos servem são análi- desaceleração, há que se considerar a so das pessoas a uma alimentação ade-
ses limitadas em termos de conceitos de melhoria de renda da parte mais pobre quada (pela melhoria na distribuição de
ecologia de cultivos, práticas agronômi- da população mundial, demandando renda). Havendo, inclusive, quem julgue
cas e economia. mais comida e em função de mudanças a necessidade de mudanças mais radicais
no padrão de consumo, envolvendo, que aquelas registradas na época das Re-
especialmente, alimentos processados, volução Industrial (século 18) ou da Re-
5. Considerações finais carnes, lácteos, peixes etc., uma forte volução Verde (1960-1980). Aumentar a
pressão deverá incidir sobre os sistemas produção de alimentos será imperativo,
O desafio da agricultura é suprir, de abastecimento, exigindo cada vez porém em um mundo consciente que
de forma sustentável, a humanidade em mais produtividade e eficiência dos sis- os recursos naturais são finitos. Eis a ta-
suas necessidades em alimentos, fibras e, temas agrícolas. refa nada simples das ciências agrárias,
em tempos recentes, também de ener- Além de todos os aspectos mencio- conforme bem explicita em comentários
gia. nados, a produção de alimentos tem de para a revista The Plant Cell, edição de
A população mundial mais que do- enfrentar a competição por terra, água e setembro de 2007, Steven J. Rothstein,
brou, desde a segunda metade do século energia (Smith et al., 2010), bem como professor do Departamento de Biologia
20. E, apesar de nada justificar a existên- contornar os efeitos negativos da prática Molecular da UniversidadeGuelph/Cana-
cia de gente passando fome no mundo, agrícola sobre o ambiente num cenário dá (Rothstein , 2007).
diante do crescimento da populacional, de mudança do clima global, em que A via da intensificação sustentável,
foi graças ao aumento da produção agrí- não se sabe ainda como as medidas de nesse momento, se apresenta como o
cola que o contingente de “famintos/ mitigação e adaptação podem afetar a caminho mais viável para a agricultura
subnutridos”, embora em magnitude segurança alimentar do planeta. global e seus desafios. Em outras pa-
tenha aumentado, proporcionalmente Os desafios do mundo, na questão lavras, a Hipótese Borlaug, pelo que se
diminuiu drasticamente. Não obstante, de segurança alimentar, nem sempre são depreende deste ensaio, ainda não pode
estima-se que, na atualidade, uma em facilmente percebidos por todos, espe- ser rejeitada.
cada sete pessoas não tem acesso a uma cialmente por aqueles, a exemplo dos

6. Bibliografia citada

BADGLEY, C.; MOGHTADER, J.; QUINTERO, E.; ZAJKEM, E.; CHAPPELL, M. J.; AVILÉS-VÁZQUEZ, K.; SAMULON, A.; PERFECTO, I. Organic agricul-
ture and the global food suply. Renewable Agriculture and Food Systems, v. 22, p. 86-108, 2007.
BORLAUG, N. Contribution of conventional plant breeding to food production. Science, v.219, p. 689-693, 1983.
BURNEY, J. A.; DAVIS, S. S.; LOBELL, D. B. Greenhouse gas mitigation by agricultural intensification. Proceedings of the National Academy
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CONNOR, D. J. Organic agriculture cannot feed the world. Field Crops Research, v. 106, p. 187-190, 2008.
ROTHSTEIN, S. J. Returning to our roots: Making plant biology research relevant to future challenges in agriculture. The Plant Cell, v. 19, p.
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Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, v. 365, p. 2941-2957, 2010.
TOLLEFSON, J. Intensive farming may ease climate change. Nature, v. 465, p.853, 2010,

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