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Roberto Filizola
Bloco 1
Formação de Professores
CDU 372.891
C D D 372.891
Bloco 2
(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo - C R B 10/1 507) Práticas de Ensino Contemporâneas
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M i n h a filha Paola, u m dia, chegou em casa e me disse que a sua acompanhamento, pois aprender é u m processo complexo e distinto.
professora de matemática era u m a boa professora e eu lhe perguntei o N e m sempre, o professor ensina a quem precisa aprender, muitas vezes,
porquê, ela sem exitar me disse: o professor ensina a ele mesmo, repetindo constantemente o que sabe,
- Parece que ela adivinha quando eu não entendi. para garantir que tudo o que sabe foi "passado", sem se dar conta de que
Q u a n d o enxergamos que o nosso aluno não entendeu é porque ò o aluno não é u m recipiente por onde passam conteúdos, não é u m
olhamos. Conforme Becker (2005, p. 37): depósito em que se amontoam informações.
Para ensinar, precisamos nos aproximar das dificuldades, isso
E comum a estranheza do docente às p e i ^ n t a s a respeito também é u m ato de humildade. Muitas vezes vemos nossos alunos se
do conhecimento. O professor cotidianamente ensina
aproximando dos colegas para aprender; por que eles fazem isso? E l e s se
conhecimento, mas reage ao convite à reflexão sobre isso
como alguém que está almoçando, jantando ou bebendo aproximam porque os colegas estão menos distantes das dúvidas que o
um copo d ' água e se lhe pergunta por que está comendo próprio professor. O professor distancia-se da dúvida porque por muitos
ou bebendo. anos está ensinando a mesma coisa e assim o faz de forma mecânica,
sem olhar ou prestar a atenção no simples, no elementar, que às vezes o
Para ensinar não basta ter conteúdo, alunos e amparos tecnológicos, aluno não consegue dominar.
para ensinar precisamos ter bons professores que na maestria do giz,
P o r que ensinar a ler o mundo é diferente de ensinar como se lê o
no ambiente das aulas e na responsabilidade do seu papel promovem a
mundo?
reflexão. E n s i n a r é u m ato de consciência, ensinar é ser capaz de fazer
Se nós, professores de geografia, ensinarmos ao aluno ler o m u n d o
c o m que os alunos aprendam algo distante, afastado, por meio de u m
que o rodeia, decifrando seus signos e postando os resultados de suas
olhar próximo. E n s i n a r pressupõe aprender e aprender, por sua vez, a
leituras e observações, estamos transferindo as características de u m
mudança de comportamento ou de ação sobre o seu posicionamento
m u n d o presente para u m rol de possibilidades no interior das mentes.
inicial. A cada segundo de u m a aula precisamos explorar ao máximo o
Se colocarmos os alunos diante de possibilidades existentes, explorando
modo de pensar de nossos alunos.
somente o que está posto, ensinaremos a ler o mundo como u m texto
O conteúdo pelo conteúdo não nos basta, e, não basta aos nossos
que apresenta vocábulos fixos e autoexpUcativos. Essa leitura pode não
alunos, o conteúdo pelo conteúdo não causa qualquer tipo de ação n e m
dar conta de u m entendimento de realidades de mundo que ainda estão
reflexão, e, sem isso, não há construção do conhecimento. Pensando no
por v i r .
aluno e em seus processos cognitivos teremos outro olhar, outro viés, u m
Segundo Freire (2011a, p.74), "o mundo não é. O mundo está
outro tipo de relação com o sujeito. A o que tange a u m a aprendizagem
sendo", por isso da necessidade de nós, professores, buscarmos o ensino
geográfica meramente memonzadora "não pode haver conhecimento,
além do que está posto, ao caminho que o mundo não é algo imutável,
pois os educandos nao são chamados a conhecer, mas a memorizar o
estanque. E l e continua em constante transformação, e, neste mundo em
conteúdo narrado pelo educador". ( F R E I R E , 2011b, p 96)
permanente mudança é que o aluno travará suas relações hoje e amanhã,
O cenário compreendido pelos alunos, n e m sempre é o cenário
necessitando reconhecer-se como arquiteto de sua própria historia
criado e pretendido pelo professor, são os mesmos atuantes, porém
enquanto sujeito-sócio-histórico-cultural que é.
existem distâncias entre quem ensina e quem aprende. A p r e n d e r e
C o n f o r m e Becker (2001 p. 47), " O processo do conhecimento está
ensinar são processos que exigem cumplicidade, de acordo com Freire •
restrito ao que o sujeito pode retirar, isto é, assimilar, dos observáveis e
(2011a, p.25) "ensinar inexiste sem aprender e vice-versa". A cumplicidade
dos não observáveis, n u m determinado momento".
requer colocar-se no lugar de, para entender o que o outro possa estar
Ao ensinarmos como se lê, com possibilidades de inúmeras
sentindo ou o que possa estar lhe faltando. E n s i n a r requer cuidado e
reflexões sobre o que está presente, podemos evidenciar entendimentos
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como o de acreditar que as verdades de u m m u n d o , até mesmo concreto patamares iniciais. Novas totalidades se formam e a reflexão sobre o que
são facilmente falseadas por u m conjunto de possibilidades que, por está posto reage com o que está posto, reflexionando as ações sobre as
inúmeras vezes, estão às ocultas, no ausente das ações. E n s i n a r como reflexões, atingindo abstrações cada vez mais aprimoradas.
se lê, pode garantir que os alunos aprendam a ler u m mundo que não se
A abstração reflexionante [...] apoia-se sobre todas as
faz presente, com ferramentas deste mundo visível. Aprender o como,
atividades cognitivas do sujeito [...] para delas retirar
independe de ensaios, pois aquilo que por muitas vezes foi ensaiado, não certos caracteres e utilizá-los para outras finalidades. [...]
dão conta de situações totalmente novas que possam aparecer. Assim, ela transpõe num plano superior o que colhe
Q u a n d o estamos diante de u m mapa que deva ser lido, considerando no patamar precedente [...] ela deve necessariamente
reconstruir sobre o novo plano B o que foi colhido no
o mapa como a expressão das relações do espaço, e visualizamos u m
plano de partida A . ( P I A G E T , 1995, p. 6)
conjunto de cores separadas por linhas indicando diferentes paisagens,
estamos mostrando u m a simplificação de elementos compartimentados. O que estamos discutindo é a relação entre a geografia e o
D e u m lado a Floresta Amazônica, de outro, após dois ou três milímetros, reconhecimento dos processos que fazem com que os sujeitos aprendam
o Cerrado. A o ler este mapa o aluno conserva em sua mente u m a divisão geografia. Se nossos alunos somente trabalharem conteúdos ou
inexistente, nem tanto pela linha e m si, mas pelo significado dela. N o desenvolverem algumas habilidades, sem se apropriarem das reflexões
interior desta linha está contida u m a série de acontecimentos, talvez, ficarão somente no plano inicial, não avançando para outros patamares.
dependendo da ênfase, acontecimentos mais importantes que o próprio Por outro lado, se as reflexões aflorarem e a partir delas às abstrações,
interior das cores. esses alunos serão mais que habilidosos em lidar com o conteúdo, estarão
E n t r e u m a paisagem e outra temos a valiosa fronteira paisagística, competentes, pois recriarão planos iniciais e construirão novos olhares,
onde os ecossistemas se misturam mesclando-se, se tornando até mais intensificando a capacidade de inferência sobre o conteúdo.
frágeis. O n d e politicamente se avança c o m os acordos legais para
A o professor pensar os saberes geográficos aliados os processos
considerar área que poderá ser desmatada, pois não é nem Amazónia n e m
cognitivos, tornar-se-á facilitada à compreensão de como decorre a passagem
Cerrado. E a área mais utilizada para apropriações económicas, de mais
de u m patamar de menor organização para outro de maior organização. O
fácil manuseio. O encontro entre duas paisagens, que transformamos
que pode facilitar nossa praxis para u m processo de ensino-aprendizagem
nos mapas n u m a insignificante linha, tem vida, acontecimentos que
significativo que avance sobre o ensino geográfico mnemónico que paira
estão no ausente, no vazio das leituras.
na Geografia escolar de hoje, desenvolvendo habilidades e competências
N o momento em que o aluno aprende a ler ou decodificar o mapa
no aluno que o auxiliará na leitura do ausente, não caindo n u m simplismo
pelas cores, se apropriando dos nomes e signos, ele aprende a ler. N o
ingénuo de leitura do que está posto no espaço e de que nada ajudará na
momento e m que ensinamos a enxergar o ausente, refletindo sobre os
construção de u m novo olhar e de u m a nova forma de leitura sobre o
elementos que estão postos e enxergando possibilidades de decifrar o
complexo espaço geográfico a qual todos estamos inseridos.
silêncio, estamos ensinando como se lê. C o m o se lê é aprender caminhos
e não atalhos, aprender como se lê é ter a certeza de que o aluno não Mais do que entendermos os processos - isso, sim,
lerá somente o tempo e o espaço presentes, mas o tempo e o espaço que importante - como se forma o solo, como o tempo
atmosférico muda, como as atividades económicas
aparecerão de forma inédita em outros momentos e situações. A p r e n d e r
transformam os espaços, ficamos classificando as rochas,
a ler o ausente é ser competente em ler.
os climas, os tipos de extrativismo, de cultivos e indústrias.
Q u a n d o proporcionamos atividades cognitivas aos alunos que O resultado é os alunos pensarem: Geografia é coisa de
exijam maior reflexão, ação sobre o conteúdo, bem como a reoi^anização professor de... Geografia!", Geografia é coisa (só) de
de pensamentos, estamos permitindo que avancem em relação aos seus escola!". ÇEÍAERCHER, 2012, p. 116)
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A competência refere-se ao entender, o como, e não somente o fato Conforme Freire (2012, p. 41), "ninguém se torna local a partir
e m s i ; se soubermos como se lê o ausente, saberemos ler os diferentes do universal", assim as reflexões do local se tornam formas de desvelar
ausentes que encontramos na nossa vida. A o tomarmos consciência dos a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual o sujeito age como ator
fatos, temos autonomia e m mobilizar nossas mentes a outros fatos, de transformador do espaço e leitor crítico do espaço posto e do ausente.
maior complexidade. O professor deve ser um constante ouvidor, deve ouvir
Quando u m aluno consegue assimilar novas aquisições, btiscar novas constantemente seus alunos, seus acontecimentos, seu em torno e sua
lógicas e acomodar tudo isso ao que ele já tem instalado em seus esquemas própria capacidade de promover o conhecimento, "conhecer o que o
mentais, acontece a conquista de novos patamares do conhecimento. A aluno compreende do espaço é fundamental para falar sobre espaço para
migração entre u m patamar a outro patamar de ação propõe a mudança esse aluno". ( C O S T E L L A , 2008, p. 90)
de comportamento inicial e assim u m a nova construção. A construção do A responsabilidade de u m professor é propor uma leitura de
conhecimento está relacionada à forma como o aluno interage com o novo. mundo com coerência e competência. Ser competente em ler o mundo
A ação do professor junto ao aluno está presente sempre, e m cada compreende a responsabihdade de atuar sobre esse mundo abrangendo o
investida ao novo, e m cada reconhecimento do já existente, e m cada conjunto de ações que o compõe.
olhar ao que é necessário aprender. A s s i m , o professor de Geografia não é apenas conhecedor da
Geografia, é acima de tudo conhecedor dos processos de conhecimento.
Para que o aluno construa o seu conhecimento ele
precisa invadir diferentes patamares de entendimento,
Respeitar o ponto de partida, que é o e m torno de quem aprende é de
retomando totalidades menos complexas, para fundamental importância para recriar oportunidades de aprendizagem.
dominar totalidades mais complexas. Essa conquista Entender que a Geografia é u m caminho para conhecer espaços ausentes
de diferentes patamares do conhecimento compreende ou projetados é entender o valor desta ciência na composição cultural de
uma competição entre o que o aluno traz que está
cada educando. Respeitar as representações espaciais dos alunos e a partir
acomodado em sua mente, com o novo, que representa
um campo de momentos instigativos, que desequilibram, delas construir novas complexidades é u m acontecimento fundamental
desacomodam e buscam incessantemente a nova para aprender Geografia.
equilibração. ( C O S T E L L A , 2011, p. 232)
BIBLIOGRAFIA
Q u a n d o exigimos dos alunos que reequilibrem o seu pensar, estamos
B E C K E R , Fernando. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 12. ed.
proporcionando-lhes o desenvolvimento de diferentes capacidades
Petrópolis: Vozes, 2005.
que resultarão e m constantes exercícios mentais, desacomodando e
acomodando situações de aprendizagem. B E C K E R , Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre:
deve propor reflexões sobre o espaço local, o lugar, que dará origem a u m C O S T E L L A , Roselane Zordan. O significado da construção do conhecimento
conjunto de atos reflexivos que proporão a abstração sobre o conteúdo geográfico gerado por vivências e por representações espaciais. Tese (Doutorado
em Geografia) - Instituto de Geociências. Programa de Pós-Graduação em Geografia,
gerando o conhecimento capaz de ser aplicado e m qualquer composição
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
espacial global.
C o m o Santos (2012, p. 314) assevera "cada lugar é, à sua maneira, o . Competências e habilidades no contexto da sala de aula: ensaiando diálogos
com a teoria piagetiana. Cadernos do Aplicação (UFRGS), v. 24, p. 225-240, 2011.
m u n d o " , assim o lugar se contorna de formidável ponto de partida para
compreender o local e o global e m suas inúmeras relações. F R E I R E , Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011a.
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. Pedagogia do oprimido. 50 ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2011b. INSTRUMENTOS ADAPTADOS
• A sombra desta Mangueira. 10. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: E A MEDIAÇÃO NO ENSINO E
Civilização Brasileira, 2012.
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