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Autores

Aloysio Marthins de Araujo Júnior

Ana Claudia Giordani

Antonio Carlos Castrogiovanni

Bruno Maciel Peres

Bruno Nunes Batista

Débora Schardosin Ferreira

Elida Pasini Tonetto

Francisco de Assis do Nascimento


Aprender a Ensinar
Francisco Ednardo Gonçalves
Geografia:
Gilda Maria Cabral Benaduce

Ivaine Maria Tonini


a vivência como metodologia
Juremir Machado da Silva

Leonardo Pinto dos Santos

Luiz Carlos Basso

Mafalda Nesi Francischett •

Nestor André Kaercher

Roberto Filizola

Rogério Haesbaert ANA CLAUDIA GIORDANI


IVAINE MARIA TONINI
Rosa Elisabete Militz Wypyczynski Martins
ROSELANE ZORDAN COSTELLA
Roselane Zordan Costella ANTONIO CARLOS GASTROGIOVANNI
NESTOR ANDRÉ KAERCHER
Rosemy da Silva Nascimento Organizadores

Ruth Emilia Nogueira

Sabrina Guimarães Rei

Vanessa Oliveira da Silva


Evangraf
Vânia Alves Martins Chaigar
Porto Alegre
Victor Hugo Nedel Oliveira 2014
Wanda Terezinha Pacheco dos Santos
© dos autores
r edição: 2014
Sumário
Projeto gráfico; Jadedilora Editoração Grática REFLEXÕES PARA UMA MUDANÇA NECESSÁRIA 7
Editoração: Rafael Marczal de Lima
Capa: Penando Oliveira e Paulo Freisleben Uttama REGIÃO/REGIONALIZAÇÃO FRENTE AOS PROCESSOS DE GLOBALIZAÇÃO E OS
Revisão ortográtíca: Renildo Baldi DESAFIOS PARA O ENSINO 15
Impressão: EvangrafLtda. Rogério Haesbaert

O IMAGINÁRIO DA GEOGRAFIA E A GEOGRAFIA DO IMAGINÁRIO 31


Juremir Machado da Silva

Bloco 1
Formação de Professores

INSPIRAÇÕES, TRANSPIRAÇÕES, EXPERIMENTAÇÕES... LEVADAS PELA MÃO DA


PESSOA PROFESSOR/A 39
Vâr\ia Alves Martins Chaigar

UM DIÁLOGO ACERCA DAS EXPERIÊNCIAS DOS ESTAGIÁRIOS NO CONTEXTO DO


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( C l ? ) ESTÁGIO DE DOCÊNCIA EM GEOGRAFIA 55
^ Aprender geografia : a vivência como metodologia / Ana Claudia Giordani, Rosa Elisabete Militz Wypyczynski Martins

organizadores ... [et al.]. - Porto Alegre : Evangraf, 2014.


A CARTOGRAFIA SOCIAL COMO APORTE METODOLÓGICO NA FORMAÇÃO
232 p. ; 23 cm. CONTINUADA DE PROFESSORES DE GEOGRAFIA NO ESTADO DO PARANÁ 73
Roberto Filizola
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7727-691-2 SOMOS TÃO JOVENS: O ENSINO DE GEOGRAFIA E A ESCUTA ÀS JUVENTUDES 83
Victor Hugo Nedel Oliveira e Nestor André Kaercher

1. Geografia - Estudo e ensino. 2. Professores - Formação. 3. Educação -


CAMINHOS PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA: OUVIR AS REPRESENTAÇÕES DO
Adolescentes. 4. Redes sociais on-line. 5. Prática de ensino. 1. Giordani, Ana
JOVEM SOBRE O SEU LUGAR 95
Claudia.
Débora Schardosin Ferreira e Nestor André Kaercher

CDU 372.891

C D D 372.891
Bloco 2
(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo - C R B 10/1 507) Práticas de Ensino Contemporâneas

REDES SOCIAIS: PLATAFORMAS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA GEOGRAFIA


ON-LlNE 109
Elida Pasini Tonetto e Ivaine Maria Tonini

OLHANDO A ESCOLA CONTEMPORÂNEA 119


Bruno Maciel Peres, Leonardo Pinto dos Santos
e Gilda Maria Cabral Benaduce
Roselane Zordan Costella e Leonardo Pinto dos Santos • B

O que entendemos por ensinar? Será que sabemos o que ensinamos


e para quem ensinamos?
Somente ensinamos quando alguém aprende. P o r muitos anos
me perguntei se o m e u aluno aprendia ou não geografia, após aulas
maravilhosas que talvez servissem somente a m i m mesma, o que
realmente ele, o aluno aprendia. Aprender compreende u m a ação sobre
o conteúdo. Para que se aprenda é necessário reoi^anizar constantemente
a forma de pensar sobre algo. Quando instigamos u m aluno a pensar
sobre u m acontecimento geográfico - conteúdo, estamos possibilitando
a aprendizagem.
Marques (2005, p. 254) afirma que "o professor precisa pensar
no aluno a partir do aluno, e não a partir dele próprio, para ajudar a
construir o adulto capaz de conquistar, por si só, a beleza e a verdade
do seu tempo", por isso que o educador que chega à sala dos professores
exaltando que deu u m a aula fantástica, mas os alunos não aprenderam
porque não quiseram, é igual ao cirurgião dizer que a cirurgia foi u m
sucesso, mas o paciente faleceu.
O conteúdo é u m caminho para a aprendizagem, é por meio dele
que o aluno aprende. O conteúdo poderá somente ser conteúdo e c o m o
tempo deixar de ser até mesmo lembrança. O conteúdo pelo conteúdo
não acrescenta, pois é desprovido de vida. A aprendizagem t e m a v e r
com a vida, pois transforma conteúdo e m ação. Aprende aquele que
consegue fazer u m a caminhada mental entre o conteúdo, a reflexão e o
que pode enxergar; o que é provido de cores, o que pode interpretar o u
até mesmo como pode agir sobre.
O s conteúdos de geografia, postados como fragmentos fixos n o s
manuais ou nas listagens fornecidas pelas escolas, não representam a
dinamicidade, a vontade e m transformar aquele conjunto de letras e m
mundo. O professor, aquele que sabe como se faz e como se ensina é Certo dia lendo uma reportagem de jornal, reparei na manchete:
capaz de criar u m bailado sobre letras, gráficos, mapas e figuras para choveu em Porto Alegre 50 mm em poucas horas. Imaginei então o meu aluno
encantar o aluno em suas leituras e viagens pelo mundo do imagético. lendo esta notícia ao mesmo tempo em que me reportei à forma como eu
o ensinei sobre o clima. Por alguns momentos pensei se ele conceberia a
E importante que o professor atente para a possibilidade
de estar "errado"! Exercício, necessaríssimo, de quantificação desta chuva, bem como se ele entenderia a qualidade desta
humildade na prática (e não só no discurso) é pensarmos chuva em relação ao lugar em que havia chovido, ou seja, chover 50 m m
nossa prática docente cotidiana. ( K A E R C H E R , p. 124, em Porto Alegre no centro teria a mesma consequência que chover em u m
2011) bairro mais arborizado ou até mesmo no meio rural.
Cheguei à aula, tendo e m mente o fato noticiado, após ter dado por
A o pensarmos na leitura do ser professor de Kaercher (2011),
encerrado este conteúdo, " d o r m i d o " tranquila, e p e i ^ n t e i :
articulando às aulas maravilhosas que muitas vezes damos a nós mesmos,
- Se eu fizesse u m a marcação de u m metro quadrado no chão e
refletimos sobre aquele que ensina e não somente sobre aquele que
preenchesse de água, correspondente a 50 m m , quantos litros de água eu
aprende. O professor precisa ser humilde, não somente para ouvir o
despejaria nesta área.^
aluno, mas também para ouvir a si mesmo, para reconhecer que tipo de
N e n h u m aluno soube responder, não por desconhecer milímetros
professor é. Por muitos anos fui u m a professora que pensei nos aluno, mas
ou metros ou até mesmo o fato de que assim as chuvas eram medidas, mas
com m e m o r i a e cabeça de professora. O s meus esquemas organizacionais
por nunca terem sido instigados a pensar sobre algo que está presente
direcionaram as aulas e m função do que eu sabia ou pensava saber, eu
no seu cotidiano, nunca serem instigados a estabelecer relações entre as
me preocupava com o que os alunos deveriam aprender, sem muitas
quantidades e os locais, ou até mesmo nunca considerarem as medidas
vezes me dar por conta se o que eu pensava era exatamente o que eles
de grandeza aplicadas na versão da geografia. E u , mesmo levando em
pensavam.
consideração Porto Alegre no momento e m que ensinava elementos

As vezes propomos a aula em " F M " , e eles a entendem


e fatores do clima, sempre pensei que as minhas questões, os meus
em " A M " (ou vice-versa): não há má vontade de nenhuma esquemas estavam perfeitos para falar sobre aquele assunto. Estabelecia
parte, mas, simplesmente, não nos entendem, não há relações diretas entre umidade e chuvas, falava com m u i t a frequência
comunicação, não há diálogo. E , sem isso, como haver ato sobre os milímetros de chuva que caíam sobre o Sertão Nordestino, por
educativo.' Sem diálogo, há apenas repasse de informações.
exemplo, e nunca me dei por conta que o meu aluno n e m concebia o que
O que é pouco! ( K A E R C H E R , 2012, p.ll8)
representava este u m milímetro no campo de suas relações concretas.
V o u exemplificar esses posicionamentos com u m a relação entre O professor deve aproveitar fatos que acontecem e m sua vida, coisas
conteúdo, professor e aluno que travei durante anos: ao ensinar elementos que vê, lê ou sente para transformar em desafios aos seus alunos. O
e fatores climáticos na 1 ^ série do E n s i n o Médio, organizava a m i n h a professor deve ser criativo, observador e humilde, a humildade o retira
mente de forma perfeita. N o primeiro momento da aula eu fazia sempre de u m pedestal e o coloca n u m a carteira escolar ao lado de seus alunos,
a mesma pergunta (Quando falamos em c l i m a da Amazónia, dizemos para olhá-los e tentar imaginar o mundo como eles imaginam.
que é u m clima...) os alunos respondiam quente e úmido. A partir desta A humildade do professor está no fato de se dar o direito de olhar o
resposta eu trabalhava os elementos: temperatura, umidade... e seguia aluno, pensar como ele e sentir as dificuldades que ele sente. A humildade
para os fatores que modificavam os climas, estabelecia relações com está no fato de reconhecer que nem tudo o que é óbvio para o professor
Porto Alegre e saía feliz, como se aquela forma de trabalhar, de explorar é óbvio para o aluno. O s conteúdos que para nós parecem já terem sido
o que os alunos t i n h a m e m mente era a perfeita. superados n u m a série ou ano, para eles, ainda não estão compreendidos.

196 M 197 1»
M i n h a filha Paola, u m dia, chegou em casa e me disse que a sua acompanhamento, pois aprender é u m processo complexo e distinto.
professora de matemática era u m a boa professora e eu lhe perguntei o N e m sempre, o professor ensina a quem precisa aprender, muitas vezes,
porquê, ela sem exitar me disse: o professor ensina a ele mesmo, repetindo constantemente o que sabe,
- Parece que ela adivinha quando eu não entendi. para garantir que tudo o que sabe foi "passado", sem se dar conta de que
Q u a n d o enxergamos que o nosso aluno não entendeu é porque ò o aluno não é u m recipiente por onde passam conteúdos, não é u m
olhamos. Conforme Becker (2005, p. 37): depósito em que se amontoam informações.
Para ensinar, precisamos nos aproximar das dificuldades, isso
E comum a estranheza do docente às p e i ^ n t a s a respeito também é u m ato de humildade. Muitas vezes vemos nossos alunos se
do conhecimento. O professor cotidianamente ensina
aproximando dos colegas para aprender; por que eles fazem isso? E l e s se
conhecimento, mas reage ao convite à reflexão sobre isso
como alguém que está almoçando, jantando ou bebendo aproximam porque os colegas estão menos distantes das dúvidas que o
um copo d ' água e se lhe pergunta por que está comendo próprio professor. O professor distancia-se da dúvida porque por muitos
ou bebendo. anos está ensinando a mesma coisa e assim o faz de forma mecânica,
sem olhar ou prestar a atenção no simples, no elementar, que às vezes o
Para ensinar não basta ter conteúdo, alunos e amparos tecnológicos, aluno não consegue dominar.
para ensinar precisamos ter bons professores que na maestria do giz,
P o r que ensinar a ler o mundo é diferente de ensinar como se lê o
no ambiente das aulas e na responsabilidade do seu papel promovem a
mundo?
reflexão. E n s i n a r é u m ato de consciência, ensinar é ser capaz de fazer
Se nós, professores de geografia, ensinarmos ao aluno ler o m u n d o
c o m que os alunos aprendam algo distante, afastado, por meio de u m
que o rodeia, decifrando seus signos e postando os resultados de suas
olhar próximo. E n s i n a r pressupõe aprender e aprender, por sua vez, a
leituras e observações, estamos transferindo as características de u m
mudança de comportamento ou de ação sobre o seu posicionamento
m u n d o presente para u m rol de possibilidades no interior das mentes.
inicial. A cada segundo de u m a aula precisamos explorar ao máximo o
Se colocarmos os alunos diante de possibilidades existentes, explorando
modo de pensar de nossos alunos.
somente o que está posto, ensinaremos a ler o mundo como u m texto
O conteúdo pelo conteúdo não nos basta, e, não basta aos nossos
que apresenta vocábulos fixos e autoexpUcativos. Essa leitura pode não
alunos, o conteúdo pelo conteúdo não causa qualquer tipo de ação n e m
dar conta de u m entendimento de realidades de mundo que ainda estão
reflexão, e, sem isso, não há construção do conhecimento. Pensando no
por v i r .
aluno e em seus processos cognitivos teremos outro olhar, outro viés, u m
Segundo Freire (2011a, p.74), "o mundo não é. O mundo está
outro tipo de relação com o sujeito. A o que tange a u m a aprendizagem
sendo", por isso da necessidade de nós, professores, buscarmos o ensino
geográfica meramente memonzadora "não pode haver conhecimento,
além do que está posto, ao caminho que o mundo não é algo imutável,
pois os educandos nao são chamados a conhecer, mas a memorizar o
estanque. E l e continua em constante transformação, e, neste mundo em
conteúdo narrado pelo educador". ( F R E I R E , 2011b, p 96)
permanente mudança é que o aluno travará suas relações hoje e amanhã,
O cenário compreendido pelos alunos, n e m sempre é o cenário
necessitando reconhecer-se como arquiteto de sua própria historia
criado e pretendido pelo professor, são os mesmos atuantes, porém
enquanto sujeito-sócio-histórico-cultural que é.
existem distâncias entre quem ensina e quem aprende. A p r e n d e r e
C o n f o r m e Becker (2001 p. 47), " O processo do conhecimento está
ensinar são processos que exigem cumplicidade, de acordo com Freire •
restrito ao que o sujeito pode retirar, isto é, assimilar, dos observáveis e
(2011a, p.25) "ensinar inexiste sem aprender e vice-versa". A cumplicidade
dos não observáveis, n u m determinado momento".
requer colocar-se no lugar de, para entender o que o outro possa estar
Ao ensinarmos como se lê, com possibilidades de inúmeras
sentindo ou o que possa estar lhe faltando. E n s i n a r requer cuidado e
reflexões sobre o que está presente, podemos evidenciar entendimentos

198 199
como o de acreditar que as verdades de u m m u n d o , até mesmo concreto patamares iniciais. Novas totalidades se formam e a reflexão sobre o que
são facilmente falseadas por u m conjunto de possibilidades que, por está posto reage com o que está posto, reflexionando as ações sobre as
inúmeras vezes, estão às ocultas, no ausente das ações. E n s i n a r como reflexões, atingindo abstrações cada vez mais aprimoradas.
se lê, pode garantir que os alunos aprendam a ler u m mundo que não se
A abstração reflexionante [...] apoia-se sobre todas as
faz presente, com ferramentas deste mundo visível. Aprender o como,
atividades cognitivas do sujeito [...] para delas retirar
independe de ensaios, pois aquilo que por muitas vezes foi ensaiado, não certos caracteres e utilizá-los para outras finalidades. [...]
dão conta de situações totalmente novas que possam aparecer. Assim, ela transpõe num plano superior o que colhe
Q u a n d o estamos diante de u m mapa que deva ser lido, considerando no patamar precedente [...] ela deve necessariamente
reconstruir sobre o novo plano B o que foi colhido no
o mapa como a expressão das relações do espaço, e visualizamos u m
plano de partida A . ( P I A G E T , 1995, p. 6)
conjunto de cores separadas por linhas indicando diferentes paisagens,
estamos mostrando u m a simplificação de elementos compartimentados. O que estamos discutindo é a relação entre a geografia e o
D e u m lado a Floresta Amazônica, de outro, após dois ou três milímetros, reconhecimento dos processos que fazem com que os sujeitos aprendam
o Cerrado. A o ler este mapa o aluno conserva em sua mente u m a divisão geografia. Se nossos alunos somente trabalharem conteúdos ou
inexistente, nem tanto pela linha e m si, mas pelo significado dela. N o desenvolverem algumas habilidades, sem se apropriarem das reflexões
interior desta linha está contida u m a série de acontecimentos, talvez, ficarão somente no plano inicial, não avançando para outros patamares.
dependendo da ênfase, acontecimentos mais importantes que o próprio Por outro lado, se as reflexões aflorarem e a partir delas às abstrações,
interior das cores. esses alunos serão mais que habilidosos em lidar com o conteúdo, estarão
E n t r e u m a paisagem e outra temos a valiosa fronteira paisagística, competentes, pois recriarão planos iniciais e construirão novos olhares,
onde os ecossistemas se misturam mesclando-se, se tornando até mais intensificando a capacidade de inferência sobre o conteúdo.
frágeis. O n d e politicamente se avança c o m os acordos legais para
A o professor pensar os saberes geográficos aliados os processos
considerar área que poderá ser desmatada, pois não é nem Amazónia n e m
cognitivos, tornar-se-á facilitada à compreensão de como decorre a passagem
Cerrado. E a área mais utilizada para apropriações económicas, de mais
de u m patamar de menor organização para outro de maior organização. O
fácil manuseio. O encontro entre duas paisagens, que transformamos
que pode facilitar nossa praxis para u m processo de ensino-aprendizagem
nos mapas n u m a insignificante linha, tem vida, acontecimentos que
significativo que avance sobre o ensino geográfico mnemónico que paira
estão no ausente, no vazio das leituras.
na Geografia escolar de hoje, desenvolvendo habilidades e competências
N o momento em que o aluno aprende a ler ou decodificar o mapa
no aluno que o auxiliará na leitura do ausente, não caindo n u m simplismo
pelas cores, se apropriando dos nomes e signos, ele aprende a ler. N o
ingénuo de leitura do que está posto no espaço e de que nada ajudará na
momento e m que ensinamos a enxergar o ausente, refletindo sobre os
construção de u m novo olhar e de u m a nova forma de leitura sobre o
elementos que estão postos e enxergando possibilidades de decifrar o
complexo espaço geográfico a qual todos estamos inseridos.
silêncio, estamos ensinando como se lê. C o m o se lê é aprender caminhos
e não atalhos, aprender como se lê é ter a certeza de que o aluno não Mais do que entendermos os processos - isso, sim,
lerá somente o tempo e o espaço presentes, mas o tempo e o espaço que importante - como se forma o solo, como o tempo
atmosférico muda, como as atividades económicas
aparecerão de forma inédita em outros momentos e situações. A p r e n d e r
transformam os espaços, ficamos classificando as rochas,
a ler o ausente é ser competente em ler.
os climas, os tipos de extrativismo, de cultivos e indústrias.
Q u a n d o proporcionamos atividades cognitivas aos alunos que O resultado é os alunos pensarem: Geografia é coisa de
exijam maior reflexão, ação sobre o conteúdo, bem como a reoi^anização professor de... Geografia!", Geografia é coisa (só) de
de pensamentos, estamos permitindo que avancem em relação aos seus escola!". ÇEÍAERCHER, 2012, p. 116)

200 201
A competência refere-se ao entender, o como, e não somente o fato Conforme Freire (2012, p. 41), "ninguém se torna local a partir
e m s i ; se soubermos como se lê o ausente, saberemos ler os diferentes do universal", assim as reflexões do local se tornam formas de desvelar
ausentes que encontramos na nossa vida. A o tomarmos consciência dos a realidade objetiva e desafiadora sobre a qual o sujeito age como ator
fatos, temos autonomia e m mobilizar nossas mentes a outros fatos, de transformador do espaço e leitor crítico do espaço posto e do ausente.
maior complexidade. O professor deve ser um constante ouvidor, deve ouvir
Quando u m aluno consegue assimilar novas aquisições, btiscar novas constantemente seus alunos, seus acontecimentos, seu em torno e sua
lógicas e acomodar tudo isso ao que ele já tem instalado em seus esquemas própria capacidade de promover o conhecimento, "conhecer o que o
mentais, acontece a conquista de novos patamares do conhecimento. A aluno compreende do espaço é fundamental para falar sobre espaço para
migração entre u m patamar a outro patamar de ação propõe a mudança esse aluno". ( C O S T E L L A , 2008, p. 90)
de comportamento inicial e assim u m a nova construção. A construção do A responsabilidade de u m professor é propor uma leitura de
conhecimento está relacionada à forma como o aluno interage com o novo. mundo com coerência e competência. Ser competente em ler o mundo
A ação do professor junto ao aluno está presente sempre, e m cada compreende a responsabihdade de atuar sobre esse mundo abrangendo o
investida ao novo, e m cada reconhecimento do já existente, e m cada conjunto de ações que o compõe.
olhar ao que é necessário aprender. A s s i m , o professor de Geografia não é apenas conhecedor da
Geografia, é acima de tudo conhecedor dos processos de conhecimento.
Para que o aluno construa o seu conhecimento ele
precisa invadir diferentes patamares de entendimento,
Respeitar o ponto de partida, que é o e m torno de quem aprende é de
retomando totalidades menos complexas, para fundamental importância para recriar oportunidades de aprendizagem.
dominar totalidades mais complexas. Essa conquista Entender que a Geografia é u m caminho para conhecer espaços ausentes
de diferentes patamares do conhecimento compreende ou projetados é entender o valor desta ciência na composição cultural de
uma competição entre o que o aluno traz que está
cada educando. Respeitar as representações espaciais dos alunos e a partir
acomodado em sua mente, com o novo, que representa
um campo de momentos instigativos, que desequilibram, delas construir novas complexidades é u m acontecimento fundamental
desacomodam e buscam incessantemente a nova para aprender Geografia.
equilibração. ( C O S T E L L A , 2011, p. 232)

BIBLIOGRAFIA
Q u a n d o exigimos dos alunos que reequilibrem o seu pensar, estamos
B E C K E R , Fernando. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 12. ed.
proporcionando-lhes o desenvolvimento de diferentes capacidades
Petrópolis: Vozes, 2005.
que resultarão e m constantes exercícios mentais, desacomodando e
acomodando situações de aprendizagem. B E C K E R , Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre:

Constata-se, e n f i m , que a Geografia, a ciência dos espaços ausentes Artmed, 2001.

deve propor reflexões sobre o espaço local, o lugar, que dará origem a u m C O S T E L L A , Roselane Zordan. O significado da construção do conhecimento
conjunto de atos reflexivos que proporão a abstração sobre o conteúdo geográfico gerado por vivências e por representações espaciais. Tese (Doutorado
em Geografia) - Instituto de Geociências. Programa de Pós-Graduação em Geografia,
gerando o conhecimento capaz de ser aplicado e m qualquer composição
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
espacial global.
C o m o Santos (2012, p. 314) assevera "cada lugar é, à sua maneira, o . Competências e habilidades no contexto da sala de aula: ensaiando diálogos
com a teoria piagetiana. Cadernos do Aplicação (UFRGS), v. 24, p. 225-240, 2011.
m u n d o " , assim o lugar se contorna de formidável ponto de partida para
compreender o local e o global e m suas inúmeras relações. F R E I R E , Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011a.

202 703
. Pedagogia do oprimido. 50 ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2011b. INSTRUMENTOS ADAPTADOS
• A sombra desta Mangueira. 10. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: E A MEDIAÇÃO NO ENSINO E
Civilização Brasileira, 2012.

K A E R C H E R , Nestor André. Conheça e revele-se estudando a cidade: experiências


APREMQIZAGEMJDEALU^
geopedagógicas para pensar nossa ontologia. In: R E G O , Nelson; C A S T R O G I O V A N N I ,
Antonio Carlos; K A E R C H E R , Nestor André. Geografia: práticas pedagógicas para o Ruth Emilia Nogueira
Ensino Médio. Volume 2. Pono Alegre: Artmed - P E N S O , 2011. p. 121-144.

. Geografizando o jornal e outros cotidianos: práticas em Geografia para além


do livro didático. In: C A S T R O G I O V A N N I , Antonio Carlos et al. (Orgs.). Ensino E D U C A Ç Ã O INCLUSIVA
de geografia: práticas e textualizações no cotidiano. 10. ed. Porto Alegre: Mediação,
2012. p.115-143. A escola para todos nunca existiu. Essa afirmação de Beyer (2010)
M A R Q U E S , Tânia Beatriz Iwaszko. Do egocentrismo à descentração: a docência é verdadeira se considerarmos a capacidade de inclusão de todas as
no ensino superior. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós Graduação em crianças na escola, sem qualquer exceção. E m tal situação não pode
Educação, Faculdade de Educação Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto haver distinção de qualquer espécie, especialmente no que tange à
Alegre, 2005.
diversidade de características de aprendizagem dos seus alunos. Segundo
P I A G E T , Jean. Abstração Reflexionante: relações lógico-aritméticas e ordem das Blanco (2006), M u n h o z e Barbero (2012), a relatora das Nações Unidas,
relações espaciais. Tradução de Fernando Becker e Petronilha Beatriz Gonçalves da K a t a r i n a Tomasevsky, constatou que os países seguem u m caminho
Silva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
até avançar ao pleno direito à educação, que passa pela segregação ou
S A N T O S , Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed., 7. exclusão, pela integração e finalmente chega à inclusão. D e acordo com
reimp. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 2012.
esses autores tais fases podem ser assim definidas:
- A Segregação consiste em conceder direito a educação a todos os
í
excluídos por diferentes causas (povos indígenas e nómades, as periferias,
e deficientes, e t c ) , mas, com opções segregadas em escolas especiais ou
programas diferenciados para que sejam incorporados à educação;
- N a segunda fase, a educação enfrenta o problema da integração,
em que os grupos sociais minoritários precisam se adaptar à escolarização
disponível, independente de sua língua materna, sua cultura e suas
capacidades, ou seja, o sistema educativo mantém o status quo, e são os
alunos que têm que se adaptarem à escola, e não a escola a eles;
- A terceira etapa exige a adaptação do ensino à diversidade de
necessidades educativas dos alunos, que são frutos de sua procedência
social e cultural e de suas características individuais; nesta perspectiva
é a escola que deve se adaptar às necessidades dos grupos sociais para
facilitar sua plena participação e aprendizagem, e não ao contrário.
Para chegar à inclusão, há u m longo percurso, que tem dois marcos
principais no mundo: a Conferência M u n d i a l de Educação para Todos,

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