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Rapsodia

s
Rapsódias RPG: Um Jogo
Sobre Mitos, Memórias e
Contação de Histórias
Rapsódias RPG, incluindo as cartas e este manual de regras:

© 2019 Associação Socioeducacional e de Entretenimento Jogarta

Idealizado por Mateus Buffone


Produtor executivo: Fábio Marcolino
Coordenação geral: Gustavo Vazquez Ramos

Escrito por Gustavo Vazquez Ramos (ambientação)


e Associação Socioeducacional e de Entretenimento Jogarta (regras)
Roteiro dos quadrinhos: Gustavo Vazquez Ramos e Mateus Buffone

Desenhos:
Capa e quadrinhos: Marcelo Lopes
Cartas e desenhos internos: Mateus Lenhardt

Diagramação: Natali Furquim de Souza


Revisão: Leon Santos
Cartas e regras iniciais: Victor Russo e André de Quadros
Coordenador de playtests: Fernando Santos
Oficinas: Julie Anne Maciel
Introdução
Bem-vindo ao universo de Rapsódias! Este manual é um guia
para conduzir partidas de RPG utilizando a ambientação e as regras do
Rapsódias RPG: Um Jogo Sobre Mitos, Memórias e Contação de Histórias.
A versão que você possui em mãos é idealizada para ser trabalhada em
sala de aula, com o docente na função de mestre do jogo - o Aedo - e os
estudantes sendo os jogadores, atuando como as personagens da aventura
conduzida pelo Aedo.

O manual é dividido em duas partes. A primeira é sobre a ambientação


do jogo: o mundo grego antigo. Ela é uma ferramenta para orientar o
docente na direção do clima pretendido às histórias.

Na segunda parte são explicadas as regras. Elas podem ser lidas por
docentes e estudantes. É importante que o docente se sinta confortável
jogando Rapsódias com seus estudantes; cabe a ele decidir expandir ou
remover qualquer parte que queira desta obra, mas é recomendado só
efetuar alterações após estar familiarizado com a totalidade do material aqui
apresentado.

O importante é que haja interação entre os estudantes e que aprendam


sobre História, Filosofia, Geografia e Literatura de forma divertida!

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Este manual é um material didático?

Respondendo de forma bem objetiva: não, este manual não é um


material didático. Ele é um jogo de RPG, ou seja, um jogo que
propicia a experimentação de histórias a partir de uma perspectiva
participativa. Sua principal intenção é oferecer ferramentas para
que os docentes de diferentes disciplinas possam praticar com seus
estudantes experiências lúdicas de ensino ativo, aumentando assim o
engajamento e a retenção de conhecimentos.

O que preciso para jogar o Rapsódias RPG com meus estudantes?

Você precisa estar familiarizado com o conteúdo deste livro; ter cópias
da ficha de cidade e da ficha de personagem encontradas no final do
volume e em anexo; um dado de 6 faces (um acompanha o jogo; ter
três ou quatro a mais pode facilitar a partida); lápis; borrachas; papéis
para rascunho; as cartas de jogo; e muita imaginação!

Rapsódias pode ser jogado fora da sala de aula?

Sim! Embora esta versão seja voltada para alunos do ensino básico, ela
pode ser usada por um grupo de jovens ou adultos.

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Parte 1
Ambientação

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O que é RPG?
Milênios atrás, quando nossos antepassados viviam em cavernas e o
dia a dia consistia em lutar pela sobrevivência, algo ocorreu que alterou
profundamente nosso destino e nos elevou às estrelas: começamos a contar
histórias. A partir disso, passamos a acumular narrativas sobre o mundo,
julgá-las e passá-las de geração em geração.

Ao redor de fogueiras, havia mulheres e homens que transmitiam aos


outros aquilo que tinham vivido; recontavam histórias ouvidas de outras
comunidades ou de viajantes; inventavam seres e situações fantásticas para
entreter e ensinar. Estas atividades eram tanto educativas quanto divertidas.
Quando caía a noite e os trabalhos diários findavam, eram em grupos,
com conversas e contações, que as pessoas socializavam através desse rico
aspecto da vida.

O ato de contar histórias permanece vivo e forte até hoje, apesar das
mudanças que sofreu. As histórias, outrora contadas ao redor de fogueiras, e
entoadas por habilidosos bardos, passaram a ser narradas por meio de livros,
peças de teatro e cinema. Os modos e meios de narrativa se transformaram
de forma a permitirem que os músicos atuais alcançassem milhões de
pessoas por meio de uma simples transmissão de televisão.

Porém, nos dias de hoje, as pessoas tendem a receber essas informações


isoladamente e de forma passiva. Elas se sentam à frente de seus
computadores, videogames e televisores e passam horas recebendo imagens
e sons através de meios que não podem ser retrucados, que apenas falam,
não ouvem. Se mantemos o ato de ouvir, perdemos o ato de participar, de
contar.

O RPG - sigla em inglês para Role Playing Game, que significa Jogo
de Interpretação de Papéis - é uma atividade lúdica que busca não apenas
manter a tradição da contação, mas a participação de todos os envolvidos em
histórias. Ao invés de uma fogueira, sentamos ao redor de mesas. Alguém
do grupo - comumente chamado de “mestre”, mas que em Rapsódias recebe
o título de Aedo - é aquele que guiará a história, que auxiliará os outros
jogadores, e será responsável pela estrutura narrativa. Todos os outros serão

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participantes ativos, que tomarão decisões e influenciarão diretamente nos
eventos. Comparando com um filme, os jogadores fazem os papéis dos
atores principais; o Aedo lida com todos os coadjuvantes e com o cenário.

O AEDO
Em grego, ἀοιδός (aoidos) remete ao verbo “cantar”. Os Aedos eram as
pessoas que recontavam histórias, sejam acompanhados de um instrumento
musical, geralmente o phórminx, um instrumento de cordas semelhante à
lira, ou apenas com a voz. São como os bardos do medievo e alguns cantores
dos dias de hoje, que coletam histórias, muitas vezes as alterando, e as
recontam. Quando textos escritos eram raros ou até mesmo inexistentes,
eram eles que permitiam que os conhecimentos dos povos sobrevivessem.

Ao longo dos tempos surgiram os grandes Aedos, aqueles que


imortalizaram o que era antes tradição oral. Homero, ao escrever a Ilíada e a
Odisseia, agregou histórias contadas por pessoas que viviam nos balcãs e em
outras regiões próximas, alterando, organizando e aprimorando o que era
passado de boca a boca. Mesmo em Odisseia há inúmeros aedos - o próprio
Ulisses canta a história de suas viagens, além de sereias, que encantavam
através das palavras.

Essa arte é comum à humanidade e é encontrada em sociedades


africanas, na Oceania antes do domínio inglês, no mundo árabe, até mesmo
nas estepes russas. E, por mais distante que isso possa parecer, o princípio
que guiou Homero também foi seguido por outros ao longa da história.
Shakespeare tornou histórias populares ou esquecidas em obras-primas
do teatro; La Fontaine e Perrault coletaram fábulas contadas a crianças por
mães e babás e as tornaram em literatura. Mesmo nos dias de hoje, temos
os repentistas nordestinos, que mantém uma tradição que remonta aos
trovadores de Provença, no sul da França, que por sua vez remontam aos
cantores árabes do norte da África; ou alguém como Bob Dylan, que uniu
músicas folclóricas, tradicionais, religiosas, de blues, jazz e rock em um
amálgama original.

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O ato das histórias estarem em fluxo constante faz parte da narrativa
oral. Nenhum desses grandes artistas imaginou que estava escrevendo
textos na pedra mas, como disse o bardo, cantavam essas palavras ao vento.
Shakespeare é adaptado das mais variadas formas nos dias de hoje, e mesmo
Dylan é o artista solo mais interpretado por outros, que seguem esse padrão
de mutabilidade. As coisas mudam e as histórias também precisam mudar.
Para melhor? Para pior? Nenhuma das duas coisas. São visões diferentes.

Isso é um dos cernes do Rapsódias RPG - uma história que atravessa


gerações e que cada vez é dita de uma maneira diversa. No jogo que você tem
em mãos, cabe ao docente, no papel de Aedo, conduzir contações de histórias
e jogos de memórias utilizando as regras apresentadas neste livro. É para
isso que o uso dos dados e outras mecânicas servem: para permitirem uma
narrativa compartilhada e participativa, na qual mitos, histórias e memórias
se entrelaçam resgatando, criando e recontando eventos passados.

As personagens
Em Rapsódias, além do Aedo, haverá as personagens. Elas serão seres
humanos envolvidos em atos lendários - rainhas, comerciantes, artesãos e
mendigos que decidirão o destino de toda uma cidade. Elas viverão situações
dramáticas, realizarão grandes discursos, viajarão pelo Mediterrâneo, serão
escolhidas ou odiadas pelos deuses e viverão grandes aventuras encontrando
tesouros e criaturas míticas. As personagens têm virtudes e vícios, podem
sucumbir ou vencer, e deixarão suas marcas na cidade e na história contada
no jogo.

A construção da personagem é simples e está explicada na segunda


parte do livro.

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Os arquétipos
Imagine o seguinte enredo: um homem jovem deixa seu lar para buscar
um tesouro que é guardado por um vilão. Isso pode ser algo contado por um
Aedo na Grécia Antiga, uma peça de teatro representada na Idade Média,
ou um filme futurista lançado ano passado. Por quê? Porque “o jovem”, “o
lar”, “o tesouro” e “o vilão” são conceitos universais, eternos, que mantém
características idênticas ou quase idênticas independente da época ou da
região geográfica. São algo inerente ao saber humano. São arquétipos.

Histórias contadas há milhares de anos mantém sua força nos dias de


hoje por possuírem ideias que em nada se alteraram ao longo dos milênios.
É nos mitos e lendas que encontramos os melhores exemplos de arquétipos,
mas se pararmos para observar histórias atuais encontraremos os mesmos
princípios. Temos heróis e vilões, sábios e bobos, pessoas que amam e outras
que odeiam.

Embora tenha sido estudado a fundo por Carl G. Jung, o conceito


de arquétipos percorre o conhecimento humano desde o Grécia Antiga,
principalmente no que Platão compreendia como sendo nossas ideias
eternas.

O arquétipo provém de nosso inconsciente coletivo, isto é, uma parte


de nossa mente que é repleta de saberes que não somos capazes de entender
racionalmente. Essas informações são anteriores a qualquer aprendizado,
e pode ocorrer delas se tornarem conscientes quando recebemos, através
de sonhos e em eventos reais, um símbolo que está relacionado a essa
informação inconsciente. Sem entrarmos em explicações demais acadêmicas,
chamaremos de arquétipo tanto o conceito inacessível, inobservável,
profundo, quanto o símbolo que a este se relaciona, a imagem arquetípica.

Em Rapsódias cada jogador irá representar um arquétipo. Todos


eles são ideias globais, universais, que, embora possam ser facilmente
compreendidas, possuem um significado amplo. Por exemplo, o arquétipo
de Patriarca ou Matriarca engloba uma relação primordial dos seres
humanos, que ultrapassa a própria noção de pai e mãe, sem por isso serem
menos fortes em relação a um pai ou a uma mãe.

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Os arquétipos disponíveis aos jogadores estarão explicados na parte
de regras. Nossa lista engloba apenas uma parte pequena das infindáveis
possibilidades. Cada um deles está atrelado a um grupo de profissões e uma
habilidade.

A Grécia
Embora distante no tempo, a cultura grega manteve-se em muitos
fatores de nossas vidas. Uma parte significativa de suas obras sobreviveu e
até hoje influencia as artes, a filosofia, as leis e a economia.

A época durante a qual Rapsódias ocorre situa-se entre os séculos


XIV e IV a.C., principalmente desde a Era Micênica até a chamada Grécia
Clássica.

No jogo, as personagens falarão com deuses, encontrarão criaturas


mitológicas, erguerão cidades e causarão guerras; se tornarão heróis sobre
os quais as baladas épicas cantarão. Mais importante que uma sequência de
eventos históricos, o que temos é uma sequência de eras próprias do jogo
que incentivarão modos diferentes de interpretação, de uso da mitologia, e
isso terá a primazia.

Muito do que consideramos como sendo grego, como, por exemplo


a Guerra de Troia, ocorreu em outra era, que é chamada de Micênica
(aproximadamente 1600-1220 a.C.), onde a língua grega tal como veio a
ser conhecido ainda estava em formação. Essa era é chamada de a “Era dos
Heróis”, a era de prata da civilização grega. É a primeira era que será jogada,
onde o mito e os deuses participam ativamente da vida das personagens.

A segunda era acontece entre 1100 a.C. e 510 a.C., que une dois períodos:
a “Era de Ferro” ou a “Idade das Trevas Grega”, possuindo esse nome pelo
fato de se ter, nos dias de hoje, poucas informações históricas dessa era –
com exceção das obras Ilíada e Odisseia, de Homero, que sobreviveram – e
a “Era Arcaica”, que é a época na qual se fixaram as cidades-estado, onde
governavam os basileos. Os mitos ainda existem, mas de forma passiva.

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A terceira, que compreende a Era Clássica e a Era Helênica, ocorreu
entre 510 a.C. e 31 a.C., onde houve grandes mudanças nas artes e no
pensamento científico e filosófico. Será a época democrática, em que os
mitos estão em forma latente. A filosofia e a história tomam primazia, e os
mitos se tornam menos atuantes.

Entre mito e história


Durante a Grécia Clássica, a divisão entre mito e história era acentuada.
Muitos estudiosos da época colocaram uma oposta a outra: o mito seria
algo com o intuito de emocionar e divertir, enquanto a história era capaz
de instruir e convencer. Nisso encontramos também a separação entre a
tradição oral, propensa a mais mudanças e incertezas do que o saber escrito.

Em Rapsódias iremos tratar dessa divisão usando-a para diferenciar as


Eras. A Grécia em que os jogadores terminarão a aventura difere daquela
inicial. Esta será um mundo com fantasia; no final haverá uma sociedade
mais racional. Poucos, na Era Clássica, levariam a sério um mito se este for
posto ao lado de um estudo histórico.

Mesmo assim, Rapsódias está mais ligada à tradição oral e mítica do que
à histórica. Não se preocupe em decorar datas, nomes de governantes, locais
onde grandes batalhas ocorreram na realidade. Entre fazer uma aventura
divertida, empolgante, e uma aventura correta historicamente, escolha a
primeira opção. Esse jogo pode ser uma aula de história? Sim, mas que seja
divertida! Pois mesmo assim o jogo pode ensinar.

Desde o início da humanidade, os mitos com suas dualidades,


estranhezas e flexibilidade ensinaram, de um jeito livre e criativo, às pessoas
como conviverem entre si, compreenderem o mundo ao redor, enxergarem
além do trivial. Mesmo a concepção de História como conhecemos hoje
admite que sua origem são os mitos. Se em Rapsódias não temos, por
exemplo, a reprodução de batalhas reais, através das batalhas imaginárias
criadas pelo Aedo entenderemos o que causou e causa essas batalhas; se

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nossos reis terão outros nomes, não por isso serão guiados por princípios
diferentes daqueles que guiaram e guiam governantes em qualquer época
ou nação.

Os Gregos
Vale notar que o povo que hoje chamamos de “grego” não se chamava
assim – esse foi um nome dado posteriormente pelos romanos. Eles se
consideravam “helenos”, e “Hélade” significava esse grupo de pessoas. Em
Rapsódias usaremos os dois termos.

Não haviam países na época da forma como entendemos hoje. A


Hélade se estendia pelo o que hoje chamamos de Europa, Ásia e norte da
África, onde helenos estivessem presentes. Poderiam ser cidades habitadas
quase que totalmente por eles, ou regiões dentro do império persa, ou na
península Ibérica, onde o contingente de helenos fosse substancial. Era
muito raro uma vila grega se situar afastada do litoral – a vinte e cinco, trinta
quilômetros de distância, no máximo.

MULHERES
Assim como o oposto da guerra, da separação, do desentendimento,
é o casamento, a união, as mulheres e os homens se separam e distanciam
de forma análoga. Há estudos dizendo que, na Grécia Antiga, os meninos
se preparavam desde cedo para a guerra, para combates e disputas, e às
mulheres caberia o casamento, a procriação e o cuidado dos filhos.

Isto quer dizer que uma jogadora de Rapsódias não pode ter uma
personagem guerreira? Óbvio que pode. E não por que dizemos; mas porque
isso seria normal na Grécia Antiga.

Ao contrário do que estamos acostumados, na Grécia Antiga mesmo


os preceitos mais comuns e aceitos por todos jamais implicariam que seus
opostos são impossíveis ou proibidos. Para cada caso encontramos uma
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miríade de contra-exemplos. Na situação acima, que prova melhor temos
do que a própria Atena, deusa das estratégias de combate, uma guerreira
que é representada carregando escudo e lança? Mas ela também é conhecida
como sendo virgem. Por incrível que pareça, importa menos a virgindade
como fato dela não ter tido relações sexuais com outra pessoa; o que a
virgindade representa é sua escolha em não ter filhos e uma relação conjugal
em troca de se tornar uma guerreira.

Em um plano mortal, nada representaria melhor as guerreiras do que


as Amazonas – mulheres que trocavam a vida familiar pela vida militar –
temidas por toda a Grécia e além. Participaram de guerras importantes e
não deviam nada aos homens guerreiros, inúmeras vezes os superando.

Para os gregos, um homem que combate está fazendo algo ligado a seu
gênero; uma mulher que combate está alcançado algo ainda mais elevado,
um estado mais puro da batalha, pois é fruto de uma escolha.

Do outro lado, quantos deuses não possuem feições femininas – mesmo


Ares, o deus da guerra, é representado com traços delicados. O herói Aquiles
foi educado como menina e se vestia como mulher. Quantos homens poetas
se recusariam a tomar armas?

As separações de gênero tendem ao cinzento e a todos as suas


tonalidades, e não ao preto e branco, o que permite aos jogadores e ao Aedo
criarem personagens da maneira que preferirem.

ESCRAVOS
Imagine três pessoas diferentes:

Uma delas é uma trabalhadora que presta serviços para a mesma


família há gerações. Ela cuidou dos filhos e dos netos de seu chefe; é feliz,
levando uma vida plena; recebe um bom salário; possui os finais de semana
de folga; um ótimo quarto para ela, se alimentando da mesma comida que
seus patrões; participa dos eventos familiares e é, de fato, considerada parte
da família por todos.

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O outro é um indivíduo que contraiu mais dívidas do que conseguia
pagar. Tendo tomado um empréstimo para comprar terras e começar sua
vida no campo, uma tempestade arrasou suas plantações e, como não tinha
produtos para vender, fez um acordo com aqueles que o haviam emprestado
dinheiro. Agora, grande parte da renda daquilo que produz é entregue
diretamente a essas pessoas, embora ele ainda consiga guardar algo para si
mesmo. Pelos seus cálculos, com mais cinco anos nessa situação ele saldará
todas as suas dívidas e estará livre.

Um terceiro homem foi aprisionado ainda jovem em uma batalha


ocorrida no Egito. Ele foi levado, sem que lhe dessem opções, para minas de
prata da Espanha. Lá, ele trabalha do raiar do dia ao pôr-do-sol, e não sabe
quando – ou mesmo se – será libertado. Provavelmente morrerá ali, nessa
condição abjeta.

Esses três casos, embora muito diferentes entre si – um agregado, um


empreendedor com dívidas, e um escravo, conforme entenderíamos hoje –
eram considerados na Grécia Antiga, todos eles, como sendo escravos.

Ao contrário da escravidão realizada nas Américas durante as


colonizações, em que todos os indivíduos escravizados eram vistos como
ferramentas com o objetivo único de produzir lucro a terceiros, tendo sido
retirados de suas terras natais de maneira violenta, na Grécia Antiga a
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escravidão era mais abrangente e diversificada. Sim, alguns escravos eram
tirados violentamente de suas terras natais, geralmente graças a guerras, mas
outros podiam ser devedores, foras-da-lei ou estrangeiros que permaneciam
pouco tempo na escravidão. Outros tinham posses mas não podiam votar
ou ter filhos.

O mais importante para o Aedo ter em mente é que se de um lado a


escravidão é algo comum nos cenários de Rapsódias, por outro ela possui
um aspecto ético, ao contrário da escravidão ocorridas nas Américas. Não,
a escravidão não deve ser considerada por causa disso benevolente ou justa,
não mesmo: mas os gregos nunca perdiam a noção de que os escravos eram,
também, seres humanos. Eles tinham direitos e uma parcela do divino como
todos. Muitos escravos puderam, durante a escravidão, adquirir enormes
conhecimentos e viver vidas cívicas plenas. Por exemplo, os filósofos Epiteto
e Platão, e Esopo, o fabulista, foram escravos durante alguma parte de suas
vidas.

Ao longo do tempo, a escravidão na Grécia declinou, e o Aedo pode


refletir isso internamente na passagem de gerações. Conquistas que geraram
grande número de escravos podem ser melhor usadas nas primeiras eras, e
serem menos proeminentes nas últimas. Porém, como algo fundamental
da sociedade grega, a escravidão sempre esteve, de uma forma ou de outra,
presente.

Por exemplo, a noção de família na Grécia Antiga difere muito da


nossa. Ao invés de se focar no núcleo pai/mãe/filhos, na Grécia, todos
aqueles que viviam sob o mesmo teto eram considerados parte da família.
Assim, se Demóclis possuía um filho adotivo ou um escravo, eles eram parte
da família de Demóclis; um filho que o abandonou não era mais parte de
sua família. Escravos estavam tão ou até mais ligados a este ou aquele grupo
ou pessoa quanto um parente sanguíneo, e tinham importância de acordo.

O Aedo pode e deve usar livremente a ideia de escravidão, e aproveitar


essa enorme abrangência a seu favor. Os jogadores podem querer libertar
escravos mantidos sob condições injustas na Península Ibérica? Podem.
E um dos próprios jogadores pode ser o escravo de um grande político,
participando de grandes reuniões, expressando sua opinião, escrevendo
livros? Pode também. Basta não carregar as noções da escravidão colonial

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americana, um absurdo imoral e totalmente repreensível, e usar sua
liberdade como narrador a favor do jogo.

DEUSES E CIDADES
No monte Olimpo vivem doze seres de extremo poder, com seus
interesses, forças e fraquezas. Eles não criaram o universo mas, assim como
os humanos, foram gerados por ele. Embora imortais que não padecem
de doenças ou cansaço, eles não são oniscientes ou onipresentes; não são
todo-poderosos; não seguem a vida de cada humano nos mínimos detalhes;
não são inexplicáveis, incompreensíveis, não agem certo por linhas tortas.
Mesmo assim eles são muito mais poderosos do que qualquer mortal.

Ao mesmo tempo, são vítimas de paixões e caprichos, de disputas


internas, de inveja e orgulho. Sim, os Olímpicos são bastante “humanos”;
assim como todos os seres humanos, para os gregos da antiguidade, possuem
em si o divino. Eles são temidos pelos homens, mas também observam as
ações humanas com espanto.

As diferenças entre a religião como era praticada na Grécia Antiga e as


religiões atuais são enormes e exigiriam um compêndio de livros para que
pudessem ser parcialmente compreendidas. Nosso intuito não é, porém,
ensinar teologia antiga, mas criar estruturas aplicáveis ao jogo, sem com
isso perdermos a fidelidade histórica. O mais importante é entender que
essa religião, hoje morta, não é menos válida que as religiões atuais; menos
complexa ou lógica; ou tomá-la como sendo uma fantasia, ou uma coleção
de mitos sem aplicação. Ela apenas é diferente.

O primeiro aspecto a ser considerado é a função social que o politeísmo


grego gerava. Mesmo que hoje, nas religiões monoteístas, existam grupos
de culto, e igrejas espalhadas pelo mundo, o princípio tanto do judaísmo,
cristianismo e islamismo é o da salvação pessoal. O fiel reza diretamente
a Deus, e seu objetivo final é a salvação de sua alma, que será julgada
individualmente de acordo com suas ações e nenhuma outra.

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Na Grécia, porém, a religião não se une à salvação pessoal. Ela faz
parte do dia a dia da comunidade. Os templos não são lugares de salvação e
louvor como entendemos hoje. Os Olimpianos estão presentes em conversas
distraídas, em histórias contadas para as crianças, como seres que fazem
parte do todo.

Não há profetas ou messias; não há um único livro sagrado. Não há


clero. Todos os gregos estão igualmente ligados aos deuses, assim como
toda criação humana contém a centelha divina. Para os gregos antigos,
o que comprova a existência dos deuses não é um momento catártico de
revelação – a entrega das tábuas da lei, a vinda do Filho de Deus – isto é, um
momento transcendente que deve ser aceito. Os deuses gregos estão ativos
ininterruptamente.

Um trabalho artístico feito por um mortal – um livro, um vaso, uma


descoberta científica – é uma manifestação de Atena; ela está presente nos
dedos do artesão e na mente do cientista. A paixão, o amor, o sexo, são
divinos por conterem a essência de Afrodite. Os deveres de um político
estão impregnados pelo religioso – se a um homem cabe cuidar das leis,
isso é um ato divino, pois espelha Zeus. Zeus não é em si o deus dos raios,
trovões e leis, mas os raios, trovões e leis são manifestação deste deus que
personifica as grandes forças.

Sabendo disso, voltamos à questão do jogo. Nosso intuito é permitir


grandes sessões de RPG, e não fazer uma defesa teológica da religião antiga.
Porém, preferimos que se use uma visão Hollywoodiana desses deuses
do que, em uma sessão de aventura, um Aedo substituir Zeus pelo Deus
cristão, para facilitar aos jogadores ou corroborar com as crenças pessoais.
Mesmo Homero, de onde tiramos grande parte de nosso conhecimento
sobre a religião grega, era um Aedo, e não um religioso - o seu objetivo era,
acima de tudo, encantar seus leitores, e não dar explicações teológicas sobre
eventos.

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13o. e 14o. deuses?

Na tradição, embora seja raro, é possível termos o décimo segundo


Olímpico não sendo Dionísio, mas Hestia. De todos os deuses essa é,
certamente, a que é menos representada nas artes ou mencionada em
textos. Ela é a deusa do lar, da castidade, da família e do Estado. O seu
símbolo é uma lareira. O Aedo, se desejar, pode utilizá-la no lugar de
Dionísio.
Vale notar que Hades, embora tenha poder equivalente ao dos doze
Olímpicos, não é considerado um pelo fato de não morar no Monte
Olímpo, mas nas profundezas da terra.

Os deuses e as eras
De um ponto de vista estrutural, os deuses são essenciais no andamento
de um jogo de Rapsódias. De fato, provavelmente será a mudança maior que
se verá entre as três eras contadas pelos jogadores com a ajuda do Aedo; e
também a mais fácil de ser compreendida, a linha mestra de onde as outras
derivam.

Na primeira era, a participação dos deuses é constante. Eles pedirão


aos personagens que cumpram essa ou aquela missão; desejando testá-
los, lançarão contra eles maremotos, pragas, o exército inimigo, criaturas
mitológicas. Eles podem até tomar formas humanas para interagir com
as personagens – um bêbado jogado na sarjeta pode ser Dionísio, uma
vendedora da feira ser Hermes disfarçado. Em suma, a história será contada
tendo os deuses como antagonistas. Inclusive o futuro será visto assim:
quando um oráculo mostrar às personagens dessa era o que acontecerá
nas eras futuras, será sempre com a atuação divina inerente. Nesta era, um
mundo sem deuses ativos não é sequer imaginado.

Aqui teremos aventuras próximas ao que lemos nos épicos homéricos.


Neles, a participação dos deuses é decisiva e fundamental. Hefesto salva
Aquiles da ira de um rio em Ilíada, Atena apoia as ações de Ulisses durante

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toda a Odisseia, apenas para ficarmos em dois exemplos dentre muitos. O
Aedo é livre para usar como preferir a ação divina.

Em resumo: na primeira era, o mito vem aos jogadores.

Na segunda era, os deuses continuam ativos, mas o mundo perde um


pouco do divino. Criaturas mitológicas ainda caminharão pela terra, o
Minotauro estará no labirinto. Mas a presença das Potências não é mais
ininterrupta, e muitos eventos acontecerão por vontade somente dos
jogadores. Não mais marionetistas, os deuses estão ainda em um nível
acima, tendo influência, opiniões, desejos.

Na segunda era, os jogadores vão ao mito.

Na terceira era, a presença dos deuses ainda existe, mas de forma latente.
Eles surgem em sonhos, em visões; eles guiam os humanos em momentos
de inspiração, em suas obras, em mudanças repentinas de temperamento.
Porém, não agirão diretamente, e nem tudo estará ligado a eles. Se tornam
Potências passivas, que inspiram atos humanos. Os homens começam a
ganhar autonomia, a se centrarem mais em si mesmos e, ao mesmo tempo,
perdem as relações sociais. Criaturas fantásticas se tornam mitos, que
podem ter existido, podem ainda existir, mas nada é certo. O conflito entre
o egoísmo pessoal e a comunidade passa a ocorrer aqui.

Na terceira era, os mitos não ocorrem.

as musas
“Ó, Musa! Cante em mim, e através de mim conte a sua história.”

De onde vem a arte? De onde os pensadores recebem suas inspirações?


Seja a dança, a poesia, a música, a literatura, a matemática, o dom do
discurso, todas as ideias artísticas são sopros das musas, que atingem os seres
humanos e os dotam de talentos acima do natural. Elas são nove: Calíope,
Clio, Polímnia, Euterpe, Terpsicore, Érato, Melpómene, Talia e Urânia. São
as filhas de nove noites de amor entre Zeus e Mnemósine, a personificação
da memória.

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O Aedo é alguém cujo trabalho só ocorre graças a esse sopro inspirador
das musas. Em Rapsódias, isso se refletirá no jogo, e as musas farão parte
fundamental.

Cada era terminará com os jogadores contando o que viveram até então.
Cabe a eles descreverem, brevemente, como influenciaram a cidade. Nessa
atividade veremos a função da memória - não apenas o que cada jogador irá
lembrar, mas o que cada jogador preferirá lembrar. Após uma hora de jogo,
quais são as duas ou três coisas mais importantes que virão à mente de cada
um? Muitas vezes o que um jogador considerará importante será de pouca
importância para outro, que estava presente na mesma cena.

Após todos terem descrito aquilo que julgam mais importante, então
será a vez do Aedo unir essas informações e relatar a todos o que ocorreu.
Ele ordenará as frases, alterando detalhes para que tudo fique coeso. Assim
como acontecia com esses bardos antigos, o mestre de Rapsódias unirá
informações vindas de fontes diversas - os jogadores - para criar algo que
pertencerá a todos.

a cidade
Se temos nos deuses o princípio das aventuras, o que a inicializa, e nas
personagens os atores que agirão dentro dessas aventuras, é na cidade que
encontraremos nosso palco, o local onde a maior parte das ações será feita.
Mesmo aventuras em locais distantes serão feitas a partir da cidade, que é o
ponto agregador de tudo.

Mais que isso, a cidade tem algo que nem os deuses ou personagens
possuem: ela permanecerá ao longo das eras, evoluindo, regredindo, mas
mantendo suas características fundamentais. As personagens começarão
suas aventuras após sua fundação, e conforme os séculos passam teremos
momentos decisivos. Deuses podem ser esquecidos, seres humanos morrem;
as cidades permanecem, sejam como metrópoles, sejam como ruínas.

Para os gregos, tudo girava em torno das cidades. Elas representavam


a ordem, a civilização - longe dela reina o caos e a barbárie. Quanto mais
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32
33
funcional a cidade, mais corretas serão as leis, mais belas serão as artes,
maior alcance terão as ciências.

Acima de suas construções, o que faz uma cidade é a comunidade


de seres humanos que nela habitam, com semelhanças religiosas, éticas,
políticas. Não que as construções não importem - importam muito, mas
como reflexo das pessoas que lá viveram.

Uma cidade grega terá em seu centro a Ágora, onde são tomadas as
decisões políticas, os acordos públicos, onde respira e vive essa comunidade.
Há templos para os deuses, estátuas para os heróis, lembranças de guerras,
e parte disso estará nas mãos das personagens. Um herói de hoje pode ser
uma estátua amanhã.

Haviam muitas razões para se fundar cidades na Grécia Antiga -


políticas, estratégicas, mercantis - e as personagens estarão no início da
história de uma delas. Uma cidade próxima ao mar, como todas as gregas,
é fundada sob a bênção dos deuses. O deus escolhido para ser o guardião e
protetor da cidade será previamente escolhido e norteará a aventura. Uma
cidade fundada sob os auspícios de Zeus é muito diferente de uma fundada
sob as bênçãos de Apolo.

Como a cidade é fica a critério do Aedo. A maior parte das cidades


micênicas, as que corresponderiam à primeira era do jogo, eram geralmente
construídas, mesmo quando feitas ao redor de um templo ou da Ágora, sem
planejamento - ruas estreitas e sinuosas, que protegiam seus habitantes do
calor e de invasores. Claro que um incêndio facilmente se espalhava entre
as casas próximas.

Sendo fundadas na costa ou próximas, muitas vezes estavam em montes


ou elevações que tornavam os caminhos ainda mais confusos e caóticos;
porém, muitas cidades não planejadas foram feitas em planícies também. Há
aquelas planejadas inicialmente, com ruas e avenidas projetadas; os templos
estavam em determinado bairro, o comércio em outro, as habitações em um
terceiro lugar.

Muitas dessas, porém, com o afluxo de imigrantes, acabou perdendo


a constituição inicial para se tornar, por sua vez, um caos. Cabe ao Aedo
decidir o que é melhor para a narrativa, usando isso ou nada disso conforme
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o foco que deseja dar à história. O próprio objetivo de uma era pode ser
angariar fundos para levantar um muro, o que impedirá um ataque na era
seguinte; ou o projeto de derrubar parte das casas feitas sem planejamento
para erguer um novo templo.

Após o centro da cidade e templos, certamente a construção mais


importante eram as muralhas. Muitas vezes elas eram continuações das
defesas naturais - rios, montanhas - e não apenas serviam para proteção,
mas também para a economia. Nos portões, impostos eram cobrados, e
geralmente esses se encontravam próximos aos mercados, para facilitar a
ida e vinda de mercadores de outros locais.

As muralhas não delimitavam o espaço físico da cidade, porém.


Poderiam excedê-lo, com vistas a construções futuras, havendo enormes
espaços vazios dentro da muralha que não eram utilizados para nada. Mas
geralmente elas limitavam somente um espaço da cidade. Grandes áreas de
extrema importância se encontravam do lado de fora das muralhas, seja
por terem sido construídas posteriormente, ou pela muralha ser limitada a
proteger apenas uma área específica. Templos, áreas comerciais, lares - isso
tudo pode estar fora das muralhas e continuar fazendo parte integrante da
cidade.

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Arenas e anfiteatros, dado o tamanho, geralmente ficavam do lado de
fora. Construções de entretenimento eram muito comuns e populares, e
podiam ocupar áreas inteiras de uma cidade: ginásios para atividades de
atletismo, teatros para as peças, uma praça central onde os cidadãos podiam
se encontrar e aproveitar o tempo de folga.

Muralhas múltiplas também podiam ser encontradas. Um trecho pode


ter sido feito posteriormente, para proteger uma área nova, por exemplo.

Pouquíssimas ruas e estradas na Grécia Antiga eram pavimentadas. A


maioria era feita de terra batida, cascalho e conchas.

Luz nas ruas também era raro. Geralmente as cidades, à noite, eram
iluminadas pelas luzes que provinham das próprias casas e de construções
públicas.

A engenharia hidráulica não deixava a desejar; havia centros para


redistribuir a água vinda de lagos e rios para as casas e edifícios públicos.
Aproveitando a geografia montanhosa, e construindo aquedutos e
encanamentos de terracota que ficavam enterrados, as cidades eram bem
supridas de água, seja com poços particulares ou fontes públicas. Fontes
próximas eram preferidas, pois em uma guerra o inimigo podia cortar todo
o abastecimento de água de uma cidade.

Se de um lado o sistema de água das cidades da Grécia Antiga era muito


evoluído, o sistema de esgoto deixava a desejar. Tirando algumas exceções,
os sistemas de drenagem de água eram ruins. Durante chuvas mais fortes
cidades inteiras podiam ficar alagadas, com doenças se proliferando. Dejetos,
na melhor das hipóteses, eram levados para o lado externo das muralhas;
na pior, eram jogados diretamente nas ruas. Inclusive era perigoso andar
próximo das janelas, pois a qualquer momento alguém podia lançar algo na
cabeça de um transeunte distraído. Mesmo cidades como Atenas podiam,
em uma época de muito calor, exalar odores terríveis em todo seu perímetro.

Algumas cidades melhor construídas possuíam, nas calçadas, vincos e


depressões por onde a água suja podia correr até um rio ou área inabitada
próxima.

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Parte 2
regras

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Como jogar
Rapsódias RPG é um jogo de contação de histórias. Ele não utiliza
tabuleiro e não necessita de interfaces digitais para ser jogado: basta ter
papel, lápis, borracha, cópias das fichas, as cartas de evento, ao menos um
dado de 6 faces e imaginação. As histórias são conduzidas pelo Aedo, que
é quem vai pensar no esqueleto da trama e tomar várias decisões sobre o
ambiente no qual o jogo se passa. Os estudantes que encarnam personagens
chamaremos de jogadores no decorrer destas regras. Algumas vezes será
necessário distinguir entre jogadores e personagens. Os jogadores descrevem
situações, ações e cenas, rolam dados, consultam regras, preenchem fichas
e jogam o jogo. Já as personagens são interpretadas pelos jogadores e vivem
situações, realizam grandes discursos, viajam pelos mares do mediterrâneo,
são escolhidos (para o bem ou para o mal) pelos Deuses e vivem grandes
aventuras encontrando tesouros e criaturas míticas. As personagens têm
virtudes e vícios, podem sucumbir ou vencer e irão deixar suas marcas na
cidade e na história sendo contada no jogo. Elas são as protagonistas da
história e quem decide seus destinos são os jogadores, ou seja, os estudantes,
que as estão interpretando.

Haverá também personagens de suporte e de antagonismo. Essas


personagens serão controladas e interpretadas pelo professor, o Aedo. Além
de interpretar as personagens que não são controladas pelos jogadores,
ele irá descrever as cenas, paisagens, ambientes, sons, cores e sabores
vivenciados durante a história a ser jogada. Ele deve ajudar a conduzir e
contar a história, mas não se opor aos jogadores. Sua tarefa é desafiá-los,
aceitar suas propostas de como lidar e resolver os problemas oferecidos que
surjam espontaneamente das situações.

Estrutura do jogo
Em uma partida de Rapsódias, o docente irá assumir o papel de Aedo,
enquanto os alunos serão jogadores. Esses interpretarão as personagens
da história. A cidade terá uma divindade patrona e um evento que a está

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afetando. Cada jogador criará a sua personagem (ou conjunto de jogadores
em uma sala com muitos alunos; neste caso o ideal é escolher um aluno
para ser o representante de seu grupo). Eles sortearão seus arquétipos e
profissões, além de distribuir pontos entre seus atributos.

Uma vez prontas as personagens e a cidade, o jogo transcorre similar


a uma conversa. O Aedo conduzirá o jogo, operando mais ou menos como
um juiz, enquanto os jogadores exercerão os papéis de suas personagens
dentro da história a ser contada.

O Aedo criará cenas para desafiar as personagens e cabe aos jogadores


escolherem como elas vão se engajar e se envolver com as situações
apresentadas, conduzindo a história para a direção que eles quiserem. Em
certos momentos uma personagem pode precisar realizar um feito cuja
consequência seja incerta, ou queira algo que outra personagem também
queira. Nesse momento se realizam rolagens de dados, que indicarão se a
tentativa foi bem ou mal sucedida.

A aventura continua até que o conflito indicado na carta termine. Uma


nova era começará, com outro evento afetando a cidade, e os jogadores
alternando suas personagens entre si. No jogo completo, 3 eras serão jogadas.

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Divindade Patrona
Assim como em nosso mundo contemporâneo, na Grécia Antiga,
a religião ocupava um local de grande importância no cotidiano. Muitas
cidades possuíam deuses como seus guardiões - por exemplo, Atenas tinha
o nome da deusa que a protegia. Em Rapsódias RPG cada cidade possui
a sua divindade que influencia no andamento das histórias contadas. Um
deus indica o tema que a história seguirá - aventura, guerra, romance, etc.

Para sortear os deuses, deve-se rolar um dado de 6 faces e comparar o


número com a tabela abaixo.

Pai dos deuses, Deus da Luz, da


1. Zeus Chuva e Tempestades, da Lei, da
Ordem e da Justiça.
Rainha dos deuses e Deusa do
2. Hera Casal, das Esposas, dos Reis e
Impérios.
Deusa do Amor, da Beleza e do
3. Afrodite
Prazer.
Deus dos Mares, das Inundações e
4. Poseidon
dos Terremotos.
Deusa da Paz, da Estratégia em
5. Atena
batalha e da Sabedoria.
Rei do Submundo, dos Mortos e
6. Hades
do Arrependimento.

Esses são os deuses escolhidos para as aventuras de Rapsódias. Caso


o Aedo deseje utilizar algum outro, pode escolhê-lo da tabela a seguir.

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Deusa da Agricultura e da
Deméter
Colheita.

Hefesto Deus do Fogo e da Metalurgia.

Deus das Viagens, do Comércio,


Hermes
da Linguagem e da Escritura.

Artêmis Deusa da Caça e dos Animais.

Dionísio Deus do Vinho e da Inspiração.

Apolo Deus da Música e da Poesia.

Ares Deus da Guerra e da Violência.

Escolheu a divindade patrona? Agora, vamos ver como proceder em


relação à cidade em si, que é o coração do Rapsódias RPG.

criação de cidades
A criação da cidade é um processo simples. É possível utilizar uma
cidade grega real como Atenas, Corinto, Esparta, Micenas ou deixar a
imaginação fluir e criar uma cidade fictícia, mas que poderia ter existido na
Grécia Antiga. Basta seguir os passos a seguir.

1. Escolha o nome da cidade.


2. Escolha ou sorteie a divindade patrona.
3. O Aedo formula os aspectos mais importantes da cidade.
4. O Aedo sorteia uma carta de evento da primeira era.

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As cartas

O jogo dispõe de um baralho com os desafios e a era indicada. As cartas


servem de guia para o Aedo dos conflitos a serem enfrentados pelas
personagens dos jogadores. Em cada era, uma carta será sorteada.

O Aedo não precisa seguir literalmente o texto da carta; ele é livre para
alterar, adicionar ou remover o que quiser, contando o conflito com
suas próprias palavras.

personagens
As personagens em Rapsódias RPG são compostas por um nome,
um arquétipo que representa suas potencialidades, uma profissão, quatro
atributos e seu nível de recursos.

Em cada era, após o conflito ser revelado, os jogadores devem pensar


qual é o objetivo de sua personagem em relação àquele problema. Por
exemplo, com o evento “Peste”, um médico pode querer buscar a cura da
doença, enquanto que o basileo precisa antes de tudo evitar que a cidade
entre em pânico...

Arquétipos
Os arquétipos determinam os atributos fundamentais da personagem.
Cada jogador escolhe um arquétipo. Se o Aedo desejar sorteá-los, escolha
aleatoriamente um jogador para ser um Governante; o jogador a esquerda
será um Guardião, depois Artesão, etc., repetindo quantas vezes for
necessário.

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Nome Descrição Vantagem

Aquele que lidera,


Ações ligadas à vida
organiza, comanda.
política, tomada de
O Governante Pode ser um general,
decisões, comando,
Prudência líder rebelde, chefe de
negociações.
guilda, diplomata, rei.
(logistikon)

Guerreiro, Amazona,
Ações que envolvam
explorador, soldado,
O Guardião combates, disputas,
alguém que
Valentia atos corajosos, ações
desobedece normas
envolvendo lábia e manha.
e comportamentos
(thymoeides)
vigentes.

Carpinteiro, pedreiro, Ações de produção


O Artesão
fazendeiro, armeiro; estética, técnica e artística.
Técnica
também pesquisador e Criação de objetos e ideias.
artista. (epithymetikon)

Ações intelectuais,
O Místico Profeta, mago, bobo,
religiosas; ações feitas
Fortuna louco, filósofo,
contra a razão em favor da
sacerdote.
intuição.

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profissão
Cada personagem possui uma profissão. Ela permite ao jogador rerrolar
o dado em caso de falha em situações relacionadas a ela, conservando
qualquer vantagem ou ajuda recebida anteriormente. A condição para que
isso possa ser feito é que o jogador tenha feito a descrição de sua ação e
indicado sua profissão na cena antes de rolar o dado (portanto, antes de
saber se falharia ou não). Por exemplo, em uma tentativa com falha de
prever as condições meteorológicas, o jogador pode comentar: “Mas eu sou
fazendeiro, devia entender de clima, saber as épocas de colheita e plantio,
não?”. Então o Aedo liberará a rerrolagem do dado.

As profissões estão separadas por atributos.

Caso o jogador deseje, pode rolar o dado para escolher a profissão de


sua personagem, uma vez que ele saiba o arquétipo.

Prudência Valentia Técnica Fortuna


1. Filósofo/
1. Comandante 1. Viajante 1. Fazendeiro
Sofista
2. Político 2. Mendigo 2. Armeiro 2. Oráculo

3. Comerciante 3. Soldado 3. Artesão 3. Médico

4. Banqueiro 4. Criminoso 4. Estudioso 4. Sacerdote


5. Ator/Orador/
5. Rebelde 5. Marinheiro Contador de 5. Astrônomo
Histórias
6. Líder do 6. Poeta/Cantor/
6. Escravo 6. Doméstico
Submundo Músico

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Cada profissão engloba outras similares. Alguns exemplos:

Artesão - tecelões, sapateiros, carpinteiros, ceramistas, escultores, etc.

Armeiro - aqueles que forjam armas e escudos com metais, constroem


catapultas, etc.

Banqueiro - inclui importadores, fiscais do governo, etc.

Criminoso - saqueadores, ladrões, trapaceiros, assassinos, etc.

Doméstico - qualquer um que organize uma casa, seja cuidando de


crianças, dos alimentos e/ou da disposição geral.

Escravo - pode ser um empregado doméstico, um ajudante de políticos,


ou um escravo de trabalho braçal. (p. 20)

Estudioso - engenheiros, professores, pesquisadores, etc.

Fazendeiro - também outras profissões que envolvam alimentos -


padeiros, cozinheiros, pescadores, etc.

Médico - farmacêuticos, enfermeiras, curandeiros, etc.

Mendigo - também inclui desocupados e vagantes.

Militar - desde o general (Stratigos), passando por líderes de batalhão


(Tagmatarkhis) até os hoplitas e os arqueiros da cavalaria (Hippotoxotes).

Político - desde o basileo, passando por senadores, magistrados,


embaixadores e políticos menores.

Rebelde - qualquer pessoa com um viés político contrário ao reinante.

O jogador pode escolher uma profissão que não conste nas tabelas se
ela fizer sentido com o arquétipo.

Para a escolha de nomes fizemos uma tabela (página 50). Os jogadores,


se o Aedo permitir, podem escolher por conta própria seus nomes. Porém,
o Aedo deve evitar que se gaste tempo demais nisso, além de proibir nomes
ou profissões que não existiam na Grécia Antiga!

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Atributos - As partes da Alma
As personagens possuem quatro atributos fundamentais: Prudência,
Valentia, Técnica e Fortuna. Cada um desses atributos corresponde a um
arquétipo e a uma parte fundamental da cidade. Os atributos podem variar
entre 1 e 5, sendo sua soma total 10.

Platão, em sua obra A República, investiga os elementos e a forma


de uma cidade, que é comparada com a alma humana. Ele divide a alma
em três partes: λογιστικόν (logistykon, lógica), θυμοειδές (thymoeides,
ânimo) e ἐπιθυμητικόν (epithymetikon, apetitiva). Correspondem às
três partes da cidade os Governantes (a lei e a lógica), os Guardiões (a
coragem e o temperamento) e os Artesãos (as necessidades básicas da
vida e satisfação dos apetites).

Em Rapsódias denominamos o aspecto lógico de Prudência, o


ânimo de Valentia e o apetitivo de Técnica. Acrescentamos também
um aspecto místico, que como parte da alma chamamos de Fortuna.

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A Prudência (p) é a característica fundamental dos governantes,
políticos, comerciantes, generais e líderes, de todas as pessoas que usam
da perspicácia e do raciocínio para comandar e negociar. É a característica
social da personagem e envolve não apenas a lógica mas principalmente a
capacidade de executar planos e coordenar situações difíceis, como mediar
uma disputa comercial ou uma insurreição, por exemplo. Corresponde ao
aspecto racional ou lógico da alma.

A Valentia (v) é um misto de coragem, força, desenvoltura atlética e


também capacidade de passar despercebido, esgueirar-se, sair pela tangente.
É a característica essencial do aventureiro e que a cidade busca para seus
guardiões. São aquelas pessoas que protegem seus semelhantes mas também
aquelas que se arriscam, que se colocam em perigo e que, algumas vezes,
não medem as conseqüencias de seus atos. A valentia se expressa tanto
em atos e atitudes mas também em palavras. O guerreiro, a amazona, o
ladino e o pioneiro ou explorador são personagens com grande valentia.
Uma personagem usando sua valentia pode ser agressivo com palavras,
ameaçando e intimidando.

A Técnica (t) é a tradução do termo grego techné. Significa não apenas


a técnica como entendemos hoje mas o uso de artefatos e ferramentas, assim
como engloba os aspectos artesanais e artísticos. O técnico possui a perícia
com equipamentos e máquinas, para erguer construções, na criação de
objetos em madeira, bronze, argila e tecidos, e também no cultivo da terra,
no trabalho com pedras, na criação de poemas, canções, esculturas e todo
tipo de arte que se possa imaginar.

A Fortuna (f) e o destino são palavras ambíguas na cultura grega.


Em sua origem essas palavras carregam não apenas um sentido bom, mas
também o seu contrário. A fortuna também pode ser o infortúnio e o
destino, a fatalidade. Sorte e azar são idéias vagas e fugidias, conectadas
com mistérios, o sobrenatural, inconsciente e outros fenômenos. Aqui
elas significam a conexão da personagem com o sobrenatural, seja com os
deuses, com os astros, e o quanto ele pode contar com a sorte.

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Recursos dos jogadores
Em Rapsódias, o recurso possuído pelas personagens é utilizado de
forma narrativa, e não numeral. Não é preciso anotar quantos dracmas a
personagem possui, ou o Aedo evitar que ele adquira um item por faltar-
lhe um ou dois centavos. Os limites que podem ser enfrentados devem ser
lidados como parte da história, de acordo com a condução do Aedo.

Há quatro possibilidades:

Pobre – a personagem é um escravo, um refugiado, o sobrevivente


de uma guerra que está longe de casa. Excetuando o básico (comida,
vestimentas), ele não possui acesso a nada a não ser através de furtos
ou convencimento. Ele não possui nada que pudesse ser vendido e, caso
trabalhe, é para pagar a comida do dia seguinte. Por exemplo, ele pode olhar
para barcos, entrar como amotinado em um, ou buscar furtar um enquanto
ninguém está vendo, se possuir tendências criminosas.

Mediano – a personagem é um artesão ou agricultor independente,


ou trabalha em uma organização de mercadores ou para alguém mais rico.
Ele recebe o suficiente para viver adequadamente, mas sem chance de ter
rompantes de gastos. Ele poderia ficar um ou dois meses sem trabalhar, sem
com isso alterar seu padrão de vida. No exemplo do barco, ele pode pagar a
passagem para algumas viagens.

Rico – a personagem vive bem, com até mesmo um ou outro escravo,


em uma boa casa bem situada na cidade. Ele pode ser um empresário, um
político menor, um militar experiente. Ele poderia ficar sem trabalhar por
um longo período e mesmo assim manter seu padrão de vida. Ele poderia
alugar um barco grande, ou possuir um pequeno.

Muito rico – a personagem possui casas em outras regiões do mundo,


com dezenas ou centenas de escravos. Ele pode ser o herdeiro de uma família
de milionários, um político importante, um empresário que lida com ouro
e prata, um militar condecorado. Mesmo que ele parasse de trabalhar, seus
netos ainda viveriam de suas posses. Ele possui qualquer barco que desejar.

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Nomes gregos femininos

Dados 1 2 3 4 5 6
1 Ágata Anastácia Athena Calandra Cássia Damaris
2 Délia Dora Electra Helena Hélia Ioanna
3 Isaura Isidora Jocasta Kalíope Leda Lígia
4 Melina Nerissa Nikoleta Nysa Odele Parthenie
5 Petrina Phaedra Philotea Sophia Stefania Tessa
6 Thea Theodora Thetis Xenia Zephira Zoe

Nomes gregos masculinos

Dados 1 2 3 4 5 6
1 Adonis Alexandre Aristides Cletos Cloris Demetrius
2 Dionísio Erasmo Felix Georgios Gregorios Herácles
3 Hésperos Kyros Klemenis Leandros Leontios Lukianos
4 Makarios Marinos Maximos Nestor Nicodemus Nilos
5 Orestes Péricles Petros Spiridon Stephenos Thanasis
6 Theodosios Theophilus Vasilis Vernandos Yanni Zeno

Nota: Os jogadores podem preferir escolher livremente seus nomes,


arquétipos e profissões, assim como o Aedo pode querer escolher o deus
de sua aventura e as cartas de eventos das eras. Porém, isso pode estender
o tempo de jogo demasiadamente. Aconselhamos que seja feito somente
por grupos experientes, e que tenham uma espaço de tempo maior para
jogar.

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Criação de personagens

• Escolha um arquétipo e um nome.


• Escolha ou sorteie uma profissão.
• Você tem 10 pontos para distribuir entre os atributos. Cada
atributo pode variar de 1 até 5.
• Escreva um objetivo para o seu personagem. O objetivo deve
estar relacionado com a cidade ou com o desafio da carta.

ações
Para realizar uma ação é necessário que o jogador anuncie o que
pretende fazer ou descreva uma ação na cena. Caso um jogador diga: “Eu
quero convencer esse mercador a me ajudar”, o Aedo pode perguntar:
“Certo, mas como você faz isso? O que você diz ou como você tenta agir?”

Outro exemplo: a cidade está bloqueada por causa de um embargo


econômico e a personagem mercadora quer atravessar o portão principal.
Um guarda se coloca à sua frente, impedindo sua passagem; o jogador pode
dizer: “Eu tento passar por ele”. O Aedo então responderá: “Ele bloqueia
sua passagem com a lança.” O jogador continua: “Mas eu preciso muito
entrar, vou empurrar ele e tentar passar”. O Aedo pergunta: “Você quer fazer
um teste para isso usando sua Valentia?” A pergunta é uma chance para o
jogador avaliar se quer fazer uma rolagem ou voltar e tentar entrar de outra
maneira.

Quando uma personagem quiser realizar uma ação, o Aedo pode


consultar a seguinte lista para verificar qual atributo deve ser utilizado.
A lista não é exaustiva. O Aedo ou outros jogadores podem decidir qual
atributo testar, dependendo da ocasião.

Prudência: Seduzir, manipular ou negociar, entender uma pessoa.

Valentia: Ser agressivo (verbalmente), demonstração de força (para


intimidar), usar a força para conseguir algo.

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Técnica: Compreender a situação/artefato/obra, usar um aparelho,
fazer uma medição.

Fortuna: Contar histórias, tocar o sobrenatural (1ª e 2ª era), usar a


intuição (2ª e 3ª era).

Vantagem: Cada arquétipo possui ações que dão vantagens ao jogador.


Ao fazer um teste buscando realizar uma dessas ações, a personagem recebe
+1 na rolagem; ou seja, o jogador irá rolar um dado de 6 faces, somar ao
resultado seu atributo e adicionar 1 ao resultado final. Caso a ação coincida
com a profissão da personagem e ela falhar, tem direito a rolar novamente o
dado (mantendo o bônus de +1).

testes
Sempre que durante o jogo surgir um conflito, quando uma dúvida
pairar no ar a respeito de uma personagem conseguir realizar uma ação ou
não, nós recorremos às rolagens de dados. Quando um jogador quer que
sua personagem realize uma tarefa perigosa, difícil ou improvável, o Aedo

54
deve solicitar uma rolagem, seja para convencer os cidadãos de Éfeso em
uma discussão política na Ágora, para travar uma luta entre a vida e a morte
com a Medusa, ou para viajar de barco durante uma tempestade.

As rolagens que decidem o destino das personagens são sempre feitas


pelos jogadores. As personagens controladas pelo Aedo nunca fazem
rolagens. O desenrolar de um conflito ou ação é interpretado pelo Aedo
baseado no resultado da rolagem do jogador.

Para se tornar apto a executar uma rolagem, o jogador precisa interpretar


ou descrever as ações de sua personagem e declarar qual objetivo ele quer
atingir com aquilo.

A partir da descrição, o Aedo determina qual atributo será testado, e se


isso se relaciona com a profissão do jogador.

O jogador rola um dado e soma o resultado com o atributo.

Um valor final de 5 ou menos significa falha.

Um valor final de 6 ou mais é sucesso.

Um valor de 1 no dado sempre significa falha.

Em caso de falha, a personagem sofrerá um ataque, ficará em perigo,


ou pagará alguma retribuição ou custo. A personagem talvez consiga o que
queria (fica a critério do narrador), mas não exatamente da forma como
pensou ou com algum fator negativo. As falhas precisam ser interessantes e
acrescentar pequenas reviravoltas na cena.

Se o Aedo quiser, uma falha pode conduzir a uma situação mais


complicada que exigirá uma outra rolagem (seja deste jogador ou de outro).
Por exemplo: se as personagens perdem uma luta, um resultado possível é
que o inimigo recue momentaneamente, mas retorne com mais força em
um segundo momento.

As rolagens não devem ser feitas para pequenas tarefas ou ações que
apareçam repetidas vezes em sequência (por exemplo, para um golpe de
espada numa luta longa). A rolagem engloba toda a situação da luta e a
resolve - será uma rolagem para a batalha toda.

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Lembramos que a personagem recebe +1 de vantagem quando realiza
uma ação relacionada com seu arquétipo, e pode rerrolar o dado se falhar
em um teste ligado à sua profissão.

rolagens opostas
Os jogadores podem querer disputar uns contra os outros. Nas rolagens
opostas, cada jogador fará a sua rolagem normalmente e os resultados serão
comparados. Quem obtiver o maior resultado vence.

Por exemplo, duas personagens irão realizar discursos na Ágora.


Theodora quer que os impostos aumentem para que uma guerra possa
começar contra uma cidade vizinha, enquanto que Jocasta prefere a paz.
Ambas rolarão um dado e somarão com sua Prudência. O valor maior
vencerá.

Em caso de empate, os jogadores devem representar como se realmente


houvesse um impasse: em uma batalha, ambas personagens ficam feridas;
em um discurso, a plateia fica dividia ao meio, etc.

Contra personagens coadjuvantes, basta o jogador rolar o dado; as


personagens do Aedo nunca testam seus atributos.

ajuda
Em várias situações um jogador pode querer que sua personagem
ajude a personagem de outro jogador. Talvez eles estejam de frente a um
portão pesado que somente a força conjunta pode levantar. Podem estar
enfrentando um adversário muito habilidoso ou terem de fazer uma ação
que precise da coordenação de mais de uma pessoa. Nesses casos, cada
jogador precisa explicar como está ajudando; o jogador principal ganha
+1 de bônus em sua rolagem por cada personagem que o estiver ajudando.
Porém, se houver falha, todos os que ajudaram irão sofrer as conseqüências!

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linhas e véus
É importante que o jogo seja um espaço acolhedor e confortável para
os jogadores. Ainda que todos sejam adultos, maduros e bem resolvidos,
podem haver temas e cenas que sejam desconfortáveis para algumas pessoas
ou inapropriadas para a ocasião. É fundamental que todos os jogadores
fiquem à vontade para manifestar seu incômodo, mesmo durante o jogo.

Deve-se evitar a atitude do “mas perguntamos antes e você não falou


nada”, “isso nem é tão sério assim” ou “mas foi apenas uma piada” depois
que uma pessoa demonstrou desconforto. O RPG é um jogo social e exige
polidez, diplomacia e respeito de todos os jogadores participantes.

A regra é: se algo está incomodando alguém, então está errado.

Por linha definimos os limites explícitos em relação ao que pode ou não


aparecer na narrativa. Exemplos de linhas: não discutir sobre as religiões
dos jogadores ou sobre suas opções sexuais, não haver comentários racistas
nem por “brincadeira”, descrever cenas de abuso, tortura, etc…

Já os véus são uma mecânica um pouco mais sutil. O véu é quando


ao descrever a cena os jogadores deixam subentendido que algo está
acontecendo (uma tortura, por exemplo), mas não há necessidade de
descrever os detalhes e pormenores. Mas mesmo essas situações precisam
ser tratadas com maturidade.

magia
Magia no mundo clássico grego é mais sutil do que em universos de
fantasia. Ela aparece na forma de prognósticos, profecias, curas e intervenções
divinas. Muitas vezes o mago pode ser apenas um louco, ou alguém com
uma enorme sagacidade, perspicácia ou capacidade de manipulação dos
fatos e das coisas. Pode ser só um sofista, ator ou cantor com a capacidade
de comover seu público ao ponto desse cometer atrocidades ou tomar parte
no lado que interessa ao mago em uma disputa política.

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As únicas personagens que têm acesso a poderes mágicos são aquelas
com o arquétipo Místico. Na lista de profissões deste arquétipo vemos o
filósofo, o médico e o artista. Significa que esses personagens, dentro do
contexto do jogo, possuem conhecimentos, capacidades ou inspiração divina
que são considerados, pela maioria da população, como sobrenaturais.

Sempre que a personagem fizer algo relacionado com sua profissão, ela
rola o dado conforme a regra. No entanto, para executar feitos mágicos é
necessário que, dentro da ficção, certas condições rituais e performáticas
sejam cumpridas. Um sacerdote, por exemplo, precisa chamar um festival
em homenagem a um deus. Já o oráculo precisa fazer um sacrifício para
poder olhar nas entranhas o futuro, ou ler a sorte. Um artista precisa atuar,
cantar, pintar, expor sua escultura, etc.

Quando a personagem usar seu atributo para fins sobrenaturais - e tiver


sucesso ou não - ela perde sua capacidade mágica até o fim da era sendo
jogada.

Como o poder mágico é algo que potencialmente pode desequilibrar o


jogo, sugerimos que apenas um jogador, com o consentimento dos outros,
possa jogar com uma personagem mística.

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fim da era
Uma vez que o desafio da carta tenha sido resolvido (ou tenha se
tornado impossível) a era do jogo chega a seu fim. O Aedo pode conceder
aos jogadores a possibilidade de amarrarem alguns fios soltos da história.
Uma vez que todos estejam satisfeitos, deve-se encerrar esta era e seguir
para a próxima.

Na histórias, há uma longa distância entre o que o indivíduo, quem


quer que ele seja, realizou em sua vida, e como isso é lembrado por outros.
Ao final de cada Era, cada jogador define, em uma frase simples, como seu
personagem marcou o tempo passado. Por exemplo: “Icarius foi responsável
pela construção do templo de Áries” ou “Hector lutou contra os invasores
e venceu”. O Aedo pode organizar essas informações para que formem um
todo coerente.

Personagens que tenham cumprido ou realizado seu objetivo ficam


marcadas na história. Os jogadores devem escolher por consenso ou voto
qual foi a ação mais importante da era e anotá-la na ficha da cidade. Essa
grande ação pode vir a ser representada por algo material, que perdurará na
história da cidade - uma construção, uma canção...

A ficha da cidade se mantém de uma era para outra. Cada jogador


deve passar sua ficha de personagem para a pessoa à sua esquerda; assim, os
jogadores vão alterando o arquétipo e a profissão, incentivando perspectivas
diferentes. O Aedo então sorteia uma nova carta de evento, iniciando a
próxima era. Cada carta possui indicada nela a era em que a mesma pode
ser usada.

Lembre-se que a cada nova era o poder de influência dos deuses irá
diminuir (p. 26 e 28). Se na primeira era o próprio Zeus pode surgir diante
das personagens, na terceira era isso só ocorrerá em sonhos...

O jogo é para ser jogado em três eras. Porém, caso falte tempo, o docente
e seus alunos podem jogar apenas uma ou duas eras.

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Cenas
Uma das principais funções do Aedo durante o jogo é estabelecer cenas
e interpretar personagens não jogadores.

Ao criar uma cena o Aedo deve tentar, sempre que possível, levar em
consideração o Deus da Cidade e a carta de evento. É importante também
que ele consiga envolver os arquétipos e objetivos de cada personagem
presente na cena.

Para iniciar, o Aedo pode declarar o evento e o local:

O que está acontecendo?

Exemplo 1: Um grupo de diplomatas de Troia está chegando na cidade


de Creta e Nicodemus, um político, precisa recebê-los.

Exemplo 2: Lígia, a filósofa, quer confrontar Dionísio, um poeta, acerca


da autoria de alguns textos que ela escreveu e que foram atribuídos a ele.

Onde a cena acontece?

Exemplos: Nos portões da cidade, na casa de um nobre, no templo de


algum deus, nos bosques, em meio a uma festa.

Exemplo de jogo
O docente, o Aedo, após explicar o jogo para seus alunos, divide a sala
em cinco grupos com cinco alunos cada. Sua cidade se chamara Mykerinos.
Ele rola um dado e sorteia um deus: saindo o número 2, a divindade patrona
de Mykerinos será Hera. Ele sorteia então uma carta de evento, “Centauros”,
e cria a situação:

“Nos primeiros dias de Mykerinos, quando a cidade era ainda jovem,


um grupo de Centauros se postou diante dos muros exigindo a presença
dos líderes. A expansão desenfreada da cidade estava destruindo a floresta,

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habitat dos Centauros, e eles exigem que isso termine ou uma guerra
começará entre os homens e esses seres mitológicos”.

Ele então escolhe aleatoriamente um grupo para ser o Governante,


outro para ser o Guardião, etc., até os cinco grupos terem um arquétipo. O
grupo que recebeu o arquétipo de Místico sorteia sua profissão: tirando o
número 5, a personagem será uma astrônoma.

Eles então distribuem 10 pontos em suas habilidades, ficando com


Prudência 2, Valentia 1, Técnica 2 e Fortuna 5. Os alunos decidem que essa
astrônoma possui recursos medianos.

O Aedo permite que os alunos conversem um pouco mais sobre suas


personagens. O grupo da astrônoma decide descrevê-la com mais detalhes:
onde vive, idade, sua família, etc.

O jogo inicia. Temos as seguintes profissões: Uma comerciante, um


soldado, uma fazendeira, a astrônoma, e um político. Cada grupo decide
a melhor forma para lidar com os Centauros - isso é o objetivo de cada
personagem. A comerciante acredita que o melhor é dar-lhes itens e
alimentos para que vão embora; a astrônoma quer ler as estrelas para ver
o que o destino reserva; o soldado quer atacá-los diretamente; a fazendeira
quer proteger sua colheita, etc. O representante de cada grupo expõe a ideia
da personagem para todos, e então uma discussão rápida inicia para decidir
quem será o primeiro a agir. Há uma demora para a escolha, e o Aedo decide
que a astrônoma será a primeira.

Ela explica com mais detalhes seu plano - ler as estrelas em busca de
informações - e o Aedo pede para que ela role um dado usando sua Fortuna.
O valor da personagem é alto - 5 - então apenas com uma rolagem de 1 ela
falharia. Com o sucesso, ela lê nas estrelas que, caso haja uma batalha, os
Centauros irão vencer e dizimar a cidade

O Aedo então passa a vez para a personagem do soldado. O grupo do


soldado quer se encontrar com um líder militar e expor um plano de ataque.
O Aedo decide exigir um teste de prudência, o que não dá bônus algum
para o soldado. Mesmo assim, ele passa no teste. Uma tropa começa a ser
formada.

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O político decide pesquisar na biblioteca sobre os Centauros. Ele testa
Prudência, onde possui bônus, e descobre que os Centauros há séculos
desejam criar seu próprio império. O Aedo indica aos jogadores que Hera,
a deusa dos impérios, é a patrona da cidade - talvez seja por isso que
Mykerinos foi escolhida como alvo!

É a vez da comerciante. Tendo ouvido as ações anteriores, ela crê que sua
melhor aliada é a astrônoma - nenhuma delas deseja guerra. Mas precisam
convencer o soldado… e será que a fazendeira cederia alguns alimentos?

A aventura continua até que os Centauros sejam apaziguados ou


destruam a cidade. Então, o Aedo pede que cada personagem resuma sua
participação (por exemplo, a astrônoma pode dizer: “Evitei uma guerra”,
enquanto o soldado diria “Não consegui realizar meus planos”). Após
ouvir todos, o Aedo decide junto com os jogadores quais foram as ações
mais importantes, anotando na ficha e explicando como elas ficaram
representadas na cidade - talvez haja uma estátua para a astrônoma e para a
comerciante na praça central, visto que elas evitaram uma guerra fatal?

A próxima era inicia. Cada grupo passa sua ficha de personagem


para outro grupo e uma nova carta de evento é sorteada. Se o soldado
tivesse conseguido iniciar uma guerra na era anterior, talvez só houvessem
escombros, agora...

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Ficha de Cidade
Nome:

Deus:

Carta da 1ª Era:
Fim da era:

Carta da 2ª Era:
Fim da era:

Carta da 3ª Era:
Fim da era:

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Ficha de personagem
Nome:
Arquétipo:

Profissão:

Atributos

Prudência:

Valentia:

Técnica:

Fortuna:

Objetivo 1ª Era:

Objetivo 2ª Era:

Objetivo 3ª Era:

Nível de Recursos:

Anotações:

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Agradecimentos aos playtesters
Rafael Santos Kruger
Marcelo Satoshi Taguchi
Cristiano P. Barros
Ian Lara
Rodrigo Mello Fagundes
Guilherme Ribeiro
Mayara dos Santos
Vitor Sandall Elias

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Este manual é um guia para se conduzir partidas
de RPG utilizando a ambientação e as regras do
Rapsódias RPG: Um Jogo Sobre Mitos, Memórias e
Contação de Histórias.

Rapsódias é um jogo idealizado para ser


trabalhado em sala de aula, com o docente na
função de mestre do jogo - o Aedo - e os
estudantes sendo os jogadores, atuando como as
personagens da aventura.

Projeto realizado com o apoio do programa de apoio e incentivo à cultura –


fundação cultural de curitiba e da prefeitura municipal de Curitiba

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