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PUC-Rio - Departamento de Artes & Design

Programa de Mestrado em Design, 2003.2


Teoria e Crítica do Design - Prof. Gustavo Amarante Bomfim
Ailton Santos, mat. 0 310 181
Felipe Mem oria, m at. 0 310 197
J uliane Figueredo, mat. 0 310 210

O MERCAD O D E BEN S SIMBÓLICOS


Pie rre Bo u rd ie u

A história da vida in telectual e artística das sociedades européias está relacion ada com a história das
tran sform ações da fun ção do sistem a de produção de b e n s s im b ó lic o s e da própria estrutura destes
ben s. Ao lon go destas tran sform ações, form ou-se um cam po in telectual e artístico, que alm ejava a
auton om ização progressiva do sistem a de relações de produção, circulação e con sum o de ben s sim bólicos.

A ló g ic a d o p ro c e s s o d e a u to n o m iz a ç ã o
A vida in telectual e artística perm an eceu duran te to da a Id a d e Mé d ia e Re n a s c im e n to , sob a tutela da
aristocracia e da Igreja, aten den do às suas dem an das éticas e estéticas. A libertação progressiva, tan to
econ ôm ica com o social, deste com an do, ou seja, o processo de auton om ização da produção in telectual e
artística é correlato à con stituição de um a categoria socialm en te distin ta de artistas ou de in telectuais
profission ais, cada vez m ais in clin ados a levar em con ta exclusivam en te às regras firm adas pela tradição
herdada de seus predecessores, e cada vez m ais propensos a liberar sua produção e seus produtos de toda
e qualquer depen dên cia social, seja das cen suras m orais e program as estéticos de um a Igreja em pen hada
em p ro s e litis m o , seja dos con troles acadêm icos e das en com en das de um poder político propen so a
tom ar a arte com o um in strum en to de propagan da.

A con stituição da arte en quan to tal é paralela à tran sform ação da relação que os artistas m an tém com os
n ão -artistas e, por esta via, com os dem ais artistas. O que resulta em um a n ova defin ição da fun ção do
artista e de sua arte. Tal processo tem in ício n a Floren ça do século XV, com a afirm ação de um a
legitim idade propriam en te artística, que con cede ao artista o direito de legislar com exclusividade em seu
pr ópr io cam po: o cam po da for m a e do estilo.

O m ovim en to do cam po artístico em direção à auton om ia ocorreu em ritm os diferen tes segun do as
sociedades e esferas da vida artística, m as acelerou-se con sideravelm en te com a Revolução In dustrial e
com a reação rom ân tica ligada, de m an eira m ais ou m en os direta co n form e as n ações, a um a sucessão dos
in telectuais e artistas que n ão passa do reverso de um a exclusão e até m esm o de um a relegação. O
desen volvim en to do sistem a de produção de ben s sim bólicos é paralelo a um processo de diferen ciação,
cujo prin cípio reside n a diversidade dos públicos aos quais as diferen tes categorias de produtores
destin am seus produtos e cujas con dições de possibilidade residem n a própria n atureza dos ben s
sim bólicos. Estes m esm os ben s são con com itan tem en te valorizados com o m ercadoria e carregados de
sign ificações e tan to o caráter m ercan til quan to cultural da obra de arte subsistem relativam en te
in depen den tes.

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No m om en to em que se con stitui um m ercado da obra de arte, escritores e artistas tem a possibilidade de
afirm ar a irredutibilidade da obra ao estatuto de sim ples m ercadoria com o tam bém a sin gularidade da
con dição in telectual e artística. Segun do o autor, a con stituição da obra de arte com o m ercadoria e a
aparição de um a categoria particular de produtores de ben s sim bólicos destin ado s ao m er cado, cr iam -se
con dições para o surgim en to de um a teoria pura da arte. Esta teoria da arte en quan to tal in staura um a
dissociação en tre a arte com o sim ples m ercadoria e a arte com o pura sign ificação. Toda essa con jun tura
leva a um a r uptur a dos vín culos de depen dên cia dos artistas em relação ao patrão ou a um m ecen as,
propician do ao escritor e ao artista um a liberdade que logo se revela form al, sen do apen as a con dição de
sua subm issão às leis do m ercado de ben s sim bólicos.

Devido ao surgim en to deste m ercado, surgiram profun das m udan ças em relação às con cepções sobre a
arte, sobre o artista e sobre o seu lugar n a sociedade. O artista se afasta de seu público, con sideran do -se
gên io autôn om o e criador in depen den te. Nessas con dições, n asce um público an ô n im o de “burgueses” em
con jun to com a aparição de m étodos e técn icas tom adas de em préstim o à ordem econ ôm ica e ligados a
com ercialização da arte – com o por exem plo, a produção coletiva ou a publicidade para os produtos
culturais – que coin cide com a rejeiç ão dos cân on es estéticos da burguesia e ao esforço m etódico para se
separar o in telectual do vulgo, ou seja, o artista se afasta tan to do povo quan to do burguês.

A e s tr u tu r a e o fu n c i o n a m e n to d o c a m p o d e p r o d u ç ã o e r u d i ta
O cam p o d e p r od u ção d e ben s sim bólicos apresen ta duas verten tes – m ais ou m en os m arcada con form e
as esferas da vida in telectual e artística – sen do elas: o cam po de pr odução er udita e o cam po da in dústr ia
cultural. A diferen ça básica en tre os dois m odos de produção se refere a quem se dest inam os bens
culturais produzidos. Assim , o cam po de produção erudita destin a a produção de seus ben s a um público
de produtores de ben s culturais, en quan to o cam po da in dústria cultural os destin a aos n ão -produtores de
ben s culturais, ou seja, a população em geral.

Ca m p o d e p r o d u ç ã o e r u d i ta
Ao con trário do sistem a da in dústria cultural que obedece à lei da con corrên cia para a con quista do m aior
m ercado possível, o cam po de produção erudita ten de a produzir ele m esm o suas n orm as de produção e
os cr it ér ios de avaliação de seus produtos, e obedece à lei fun dam en tal da con corrên cia pelo
recon h ecim en to propriam en te cultural con cedido pelo grupo de pares que são ao m esm o tem po clien tes
privilegiados e con corren tes. Pelo poder de que dispõe para defin ir as n orm as de pr odução e os cr itér ios
de avaliação de seus produtos, o cam po de produção erudita fun cion a com o um a aren a fech ada de um a
con corrên cia pela legitim idade cultural (con sagração propriam en te cultural). Nesse sen tido, há um a
ten d ên cia cad a vez m aior d a cr ítica, em se distan ciar do público e forn ecer um a in terpretação “criativa”
para o uso dos “criadores”. Por m eio de suas in terpretações de exp er t e de suas leituras “in spiradas” a
crítica garan te a in teligibilidade de obras fadadas a perm an ecerem in teligíveis para os n ão in tegrados ao
cam po dos produtores. Con stituin do-se, assim , “sociedades de adm iração m útua”, um a relação de
solidariedade en tre o artista e o crítico.

Todo ato de produção cultural objetiva a afirm ação de sua preten sa legitim idade cultural. Quan do os
diferen tes produtores se defron tam , a com petição se desen volve em n om e de sua preten são à ortodoxia,
ou en tão , par a falar n os ter m os de W e b e r, ao m on opólio da m an ipulação legítim a de um a classe
determ in ada de ben s sim bólicos.

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Quan to m ais o cam po estiver em con dições de fun cion ar com o o cam po de um a com petição pela
legitim idade cultural, tan to m ais a produção pode e deve orien tar-se par a a busca de distin ções
culturalm en te pertin en tes, isto é, busca dos tem as, técn icas e estilos dotados de valor. Deste m odo, é a
própria lei do cam po, que en volve os in telectuais e os artistas n a d i a lé ti c a da distin ção cultural, que
im põe os lim ites n o in terior dos quais tal busca pode exercer legitim am en te sua ação. No en tan to, a
com un idade in telectual e artística erudita para afirm ar a auton om ia da ordem propriam en te cultural
con den a quaisquer recursos tecn icam en te m on tados com procedim en tos de distin ção n ão recon hecidos e
assim im ediatam en te desvalorizados com o m eros artifícios.

Neste con texto, os prin cípios de diferen ciação a serem legitim ados por um cam po, que ten de a rejeitar
toda e qualquer defin ição extern a de sua fun ção, são aqueles que exprim em de m odo m ais acabado a
especificidade da prática in telectual ou artística, ou m elhor, de um tipo determ in ado dest a prática. Por
exem plo, n o âm bito da arte, os prin cípios estilísticos e técn icos são os m ais propen sos a se torn arem o
objeto privilegiado das tom adas de posição e das oposições en tre os produtores.

O c a m p o d a s in s tâ n c ia s d e re p ro d u ç ã o e c o n s a gra ç ã o d o c a m p o d e p ro d u ç ã o e ru d ita
As obr as pr oduzidas pelo cam po de pr odução er udita são obr as “ p u ra s , “a b s tra ta s” e e s o té ric a s .

Por tais características, as obras do cam po de produção erudita são acessíveis a um público reduzido e a
sua recepção depen de do n ível de in strução dos receptores, ou seja, exige que os receptores ten h am o
m an ejo prático e teórico de um código refin ado, sen do n ecessária tam bém , a própria disposição dos
m esm os em adquirir tal código. J á a recepção dos produtos n o sistem a da in dustria cultu ral é
relativam en te in depen den te do n ível de in strução dos receptores.

Para a com preen são do fun cion am en to e as fun ções sociais do cam po de produção erudita é preciso
an alisar as relações existen tes com as in stân cias de con servação do capital de ben s sim bólicos (m useus) e
com as in stân cias de reprodução, com o por exem plo, o sistem a de en sin o, para assegurar a reprodução do
sistem a dos esquem as de ação, de expressão, de con cepção, de im agin ação, de percepção e de apreciação
social. Em ou tr as palavr as, u m a defin ição com pleta do m odo de produção erudito deve in cluir as
in stân cias capazes de assegurar n ão apen as a produção de receptores dispostos e aptos a receber (pelo
m en os em m édio prazo) a cultura produzida, m as tam bém a form ação de agen tes capazes de repro duzi-la
e r en ová-la.

Um dos prin cípios fun dam en tais de estruturação do cam po de produção e circulação de ben s sim bólicos é
a relação de oposição e de com plem en taridade que se estabelece en tre o cam po de produção erudita e o
cam po das in stân cias de con servação e de con sagração. W e b e r faz um paralelo com o cam po religioso, ao
en ten der que a estrutura do cam po religioso organ iza-se em torn o da oposição en tre o profeta e o
sacerdote (além das oposições secun dárias en tre profeta, o feiticeiro e o sacerdote).

O sistem a de en sin o, en quan to in stân cia de con servação e con sagração cultural, cum pre in evitavelm en te
um a fun ção de legitim ação cultural ao con verter em cultura legítim a, exclusivam en te através do efeito de
dissim ulação. Isso de deve ao fato de que toda ação pedagógica defin e-se com o um ato de im posição de
um arbitrário cultural que se dissim ula com o tal e que dissim ula o arbitrário daquilo que in culca. Este
arbitrário cultural que um a form ação social apresen ta pelo m ero fato de existir e, de m odo m ais preciso,
ao reproduzir, pela delim itação do que m erece ser tran sm itido e adquirido e do que n ão m erece, a

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distin ção en tre as obras legítim as e as ilegítim as e, ao m esm o tem po, en tre a m an eira legítim a e a
ilegítim a de abordar as obras legítim as. O sistem a de en sin o con tribui am plam en te para a un ificação do
m ercado de ben s sim bólicos e para a im posição gen eralizada da legitim idade da cultura dom in an te, n ão
som en te legitim an do os ben s que a classe dom in an te con som e, m as tam bém desvalorizan do os ben s que
as classes dom in adas tran sm item e ten den do, por esta via, a im pedir a con stituição de ilegitim idades
culturais. Dessa form a, o sistem a das in stân cias de con servação e con sagração cultural cum pre, n o
in terior do sistem a de produção e circulação dos ben s sim bólicos, u m a fun ção h om óloga à da Igreja.

A característica m ais im portan te do sistem a de en sin o capaz de afetar a estrutura de suas relações com as
dem ais in stân cias con stitutivas do sistem a de produção e circulação de ben s sim bólicos é o ritm o de
evolução len to, que con tribui para m an ter a defasagem en tre a cultura produzida pelo cam po in telectual e
a cultura escolar, “ban alizada” e racion alizada pelas e para as n ecessidades da in culcação, isto é, en tre os
esquem as de percepção e apreciação exigidos pelos n ovos pro dutos culturais e os esquem as efetivam en te
m an ejados a cada m om en to pelo “público cultivado”.

Na m edida em que o cam po de produção erudita am plia sua auton om ia, os produtores ten dem a se
con ceber com o in telectuais ou artistas de direito divin o, torn an do-se “criadores”, “reivin dican do
autoridade devido a seu carism a”, procuran do im por n a esfera cultural um prin cípio exclusivo de
legitim ação. Estes produtores m ostram -se reticen tes e resisten tes à autoridade in stitucion al que o sistem a
d e en sin o ofer ece com o in stân cia de con sagração, m as devem recon h ecer que estão subm etidos à
autoridade in stitucion al do sistem a e é este que lh es dará a con sagração fin al.

No en tan to, a relação en tre o cam po de produção erudito e o sistem a de en sin o, tam bém sofre a ação dos
m ecan ism os sociais que ten dem a assegurar um a espécie de h arm on ia pré -estabelecida en tre os postos e
os ocupan tes, ou seja, orien tam para a seguran ça obscura das carreiras da “burocracia in telectual”. Assim ,
in úm eras características da Ac a d e m ia Fra n c e s a derivam do fato de que ela delega com m ais facilidade
a fun ção de con servação cultural, de que foi in vestida, aos produtores m ais in clin ados e m ais aptos a
respon der à dem an da das frações dom in an tes das classes dom in an tes, ten den do a con sagrar m uito m ais
os a u tores e as obras que este setor do público lhe apon ta do que aqueles con sagrados pelas in stân cias
próprias ao cam po de produção erudita.

Den tre os efeitos ideológicos produzidos pelo sistem a de en sin o, um dos m ais paradoxais e m ais
determ in an tes reside n o fato de que ele con segue obter dos que lh es são con fiados o recon h ecim en to da
lei cultural objetivam en te im plicada n o descon hecim en to do m ecan ism o arbitrário desta lei. Segun do
H e g e l, a ign orân cia da lei n ão con stitui um a circun stân cia aten uan te dian te de um tribun al.

Apesar do descon hecim en to, esta lei está sem pre em vigor, ao m en os n as relações en tre as classes
diferen tes, on de são im postas desde s a n ç õ e s m a te r i a i s até s an çõ e s s im b ó lic a s . Tais san ções acabam
por gerar um sen tim en to de exclusão da cultura legítim a, resultan do em um recon hecim en to im plícito da
legitim idade através de dois tipos de con duta aparen tem en te opostas: a distân cia respeitosa dos
con sum os m ais legítim os (um bom testem un h o n os é dado pela atitude dos visitan tes das classes
populares n os m useus) e a n egação en vergon h ada das práticas h eterodoxas. Por exem plo, quan do
in terrogados a respeito de seus gostos em m úsica, a m aioria dos operários situa-se espon tan eam en te n o
cam po da “gran de m úsica” e, com isso, declaram de m odo im plícito que se u con sum o de can ções n ão
m erece ser m en cion ado. A m edida que n os aproxim am os das classes m édias, os in divíduos procuram

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citar den tre seu con sum o e seus con h ecim en tos os que lh es parecem m ais ajustados à defin ição legítim a
da m úsica (citações de W al-B e r g , Fran ck Purcell, as V a ls a s V i e n e n s e s , o B o le r o d e R a ve l ou os
gran des n om es próprios, com o Ch o pin ou Be e th o ve n ).

De acordo com o autor, todas as an tin om ias da ideologia dom in ada n a esfera da cultura derivam do fato
d e qu e, ao d issim u lar o ar bitr ár io qu e constitui seu prin cípio e quan do ch ega a im por através de suas
san ções, o recon hecim en to da legitim idade de suas san ções, a lei cultural ten de a excluir efetivam en te a
possibilidade real de um a con testação da lei que con siga escapar à tutela da lei con testada.

As re la ç õ e s e n tre o c a m p o d e p ro d u ç ã o e ru d ita e o c a m p o d a in d ú s tria c u ltu ra l


No item an terior realizou-se a an álise da posição e da fun ção do sistem a de in stân cias de con sagração n o
cam po de produção e circulação de ben s sim bólicos, prin cipalm en te em relação ao cam po de produção
erudita, pelo fato de que as prin cipais diferen ças en tre os m odos de produção erudita e in dustrial se
en con tram n a esfera da relação do sistem a de in stân cias de con sagração.

Ca m p o d a i n d ú s tr i a c u ltu r a l
Diferen tem en te do sistema de produção erudita, o sistem a da in dustria cultural por estar subm isso a um a
dem an da extern a (subordin ados aos deten tores dos in strum en tos de produção e difusão), obedece aos
im perativos da con corrên cia pela con quista de m ercado, ao passo que a estrutur a de seu produto decorre
das con dições econ ôm icas e sociais de su a pr odu ção.

Os produtos do sistem a da in dustria cultural, design ados com o cultura m édia ou arte m édia, são
destin ados a um público m uitas vezes qualificado de “m édio”. É lícito falar de cultura m édia para design ar
os produtos do sistem a da in dústria cultural pelo fato de que estas obras produzidas para o sua público
en con tram -se in teiram en te defin idas por ele.

As características m ais específicas da arte m édia resultam das con dições sociais que presidem à produção
desta espécie de bem sim bólico, além da con jun ção de vários processos:
a. procura pela ren tabilidade dos in vestim en tos, da exten são m áxim a do público;
b . resultado de tran sações en tre as diferen tes categorias de agen tes en volvidos em um cam po de
produção técn ica e socialm en te diferen ciada. Tais tran sações n ão en volvem apen as os deten tores dos
m eios de produção e os produtores culturais, m as tam bém as diferen tes categorias dos próprios
produtores.

Em todas as esfer as da vida ar tística, con stata -se a m esm a oposição en tre os dois m odos de produção,
separados tan to pela n atureza das obras produzidas, pelas ideologias políticas e as teorias estéticas que as
exprim em , com o pela com posição social dos diversos públicos aos quais tais obras são ofer ecidas. Assim ,
com o observa Be rtra n d Po iro t -D e lp e ch , “ só sobraram os críticos dram áticos para acreditar – ou
fin gir acreditar – que os diversos espetáculos en volven do a palavra ‘teatro’ referem -se a um a ún ica e
m esm a arte (...)”

A oposição en tre os sim ples com ercian tes e os “criadores” autên ticos, con stitui um sistem a de defesa
con tra o desencantam ento produzido pela con stituição do cam po de produção erudita. Logo, n ão é por
acaso qu e a ar te pela ar te e a ar te m édia – am bas produzidas por artistas e in tel ectuais altam en te
profission alizados -, caracterizam -se por um a idên tica valorização da técn ica que orien ta a produção, n a

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arte pela arte, n o sen tido da busca do efeito (visto ao m esm o tem po com o o efeito produzido sobre o
público e com o fabricação en gen ho sa) e, n a arte m édia, n o sen tido do culto da form a pela form a, que
con stitui um a acen tuação sem preceden tes do aspecto m ais irredutível da atividade profission al.

Fun dam en talm en te heterôn om a, a cultura m édia é objetivam en te defin ida pelo fato de estar condenada a
d efin ir -se em relação à cultura legítim a, tan to n o âm bito da produção com o n o da recepção. Por esta
razão, está im possibilitada de reivin dicar sua auton om ia.

Segun do o autor, a disposição ávida e an siosa em relação à cultura, a boa von tade pura mas vazia e
destituída das referên cias ou dos prin cípios in dispen sáveis à sua aplicação oportun a, con duzem os
pequen os burgueses a todas as form as de falso recon hecim en to que defin em a allodoxia cultural: trata-se
de erros de iden tificação bem m on tados para dar aos que deles são vítim as a ilusão da ortodoxia cultural,
erros autorizados e m esm o en corajados pelo que se poderia design ar um a “cultura sim ile ”, substituto
degradado e desclassificado (n o duplo sen tido do term o) da cultura legítim a e capaz de propic iar a ilusão
de ser dign o de um con sum o legítim o em bora perm an eça m ais acessível do que os ben s culturais que de
fato perten cem à ordem legítim a.

Assim , a arte m édia só pode ren ovar suas técn icas e sua tem ática tom an do de em préstim o à cultura
erudita e, ain da m ais à “arte burguesa”, os procedim en tos m ais divulgados den tre aqueles usados há um a
ou duas gerações passadas, e “adaptan do” os tem as e os assun tos m ais con sagrados ou os m ais fáceis de
serem reestruturados segun do as leis tradicion ais de com posição das artes populares (por exem plo, a
divisão m an iqueísta de papéis).

A arte m édia n ão é in culcada n em legitim ada pelo sistem a de en sin o, n em con stitui o objeto de san ções
m ateriais ou sim bólicas, positivas ou n egativas, de que depen dem a com petên cia ou a in com petên cia n o
âm bito da cultura legítim a. Por essa razão, n ão se exige ao n ível da cultura m édia o con h ecim en to das
regras técn icas ou dos prin cípios estéticos, que con stitui parte in tegran te dos pressupostos e
acom pan h am en tos obrigatórios n a fruição das obras legítim as.

Em sum a, a oposição en tre o legítim o e o ilegítim o – que se im põe n o cam po dos ben s sim bólicos com a
m esm a n ecessidade arbitrária com que, em outros cam pos, im põe-se a distin ção en tre o sagrado e o
profan o -, recobre a oposição en tre do is m odos de produção: de um lado, o m odo de produção
característico de um cam po de produção que forn ece a si m esm o seu próprio m ercado e que depen de,
para sua reprodução, de um sistem a de en sin o que opera adem ais com o in stân cia de legitim ação; de
outro, o m odo de produção característico de um cam po de produção que se organ iza em relação a um a
dem an da extern a, social e culturalm en te in ferior.

B ib lio gra fia

BOURDIEU, Pierre. O m ercado dos ben s sim bólicos. In : A e c o n o m ia d a s tro c a s s im b ó lic a s . (org.
Sérgio Miceli). São Paulo: Perspectiva, 1974. Pp. 99-18 1.

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S OB R E O AU TOR

P ie rre B o u rd ie u ( 19 3 0 / 2 0 0 2 )

Pierre Bourdieu n asceu n a vila de Den guin , n o distrito de Pyrén ees' n o sudoeste da Fran ça, n o an o de
1930 . Catedrático de sociologia n o Colége de Fran ce, Pierre Bourdieu foi con siderado um dos in telectuais
m ais in fluen tes da sua época. A educação, a cultura, a literatura e a arte foram os seus prim eiros objetos
de estudo. Bourdieu in teressou-se pelas obras de Merleau-Pon ty, H usserl – H eidegger’s Bein g e
Nothin gn es s já havia lido an teriorm en te - e tam bém pelos escritos de Marx por razões acadêm icas .

O sociólogo fran cês Pierre Bourdieu faleceu n o dia 23 de J an eiro, n um h ospital de Paris, em con seqüên cia
de um cân cer, aos 71 an os de idade. Nos últim os an os, Bourdieu vin h a-se dedican do ao estudo dos m eios
de com un icação e da política. Autor de um a sofisticada teoria dos cam pos de produção sim bólica, o
sociólogo procurou m ostrar que as relações de força en tre os agen tes sociais apresen ta-se sem pre na
form a tran sfigurada de r elações de sen tido. A violên cia sim bólica, outr o tem a cen tr al da sua obr a, n ão er a
con siderada por ele com o um puro e sim ples in strum en to ao serviço da classe dom in an te, m as com o algo
que se exerce tam bém através do jogo en tre os agen tes sociais.

Com a m orte de Pierre Bourdieu, desapareceu m ais um a daquelas figuras que, n o período após a II
Guerra Mun dial, aliaram um pen sam en to in quieto e im piedoso à in terven ção cívica e ao exercício da
cidadan ia. A propósito, H aberm as escreveu n o Le M on de: "Ontem , Niklas Luhm an n , hoje Pierre
Bourdieu(...) Com Pierre Bourdieu, desaparece um dos últim os gran des sociólogos do século XX,
in diferen te às fron teiras en tre as disciplin as." Com 71 an os, Bourdieu era, desde 1964, Diretor da Escola
de Altos Estudos em Ciên cias Sociais, diretor da Revista Actes de la R echerche en Scien ces Sociales e
Catedrático de Sociologia n o Collège de Fran ce, desde 198 1. Apesar do seu percurso m ilitan te, tão típico
dos in telectuais fran ceses de Sartre a Foucault, Bourdieu ten tou m an ter, de form a im placavelm en te
lúcida, os lim ites que se colocam ao in telectual n a sua in terven ção cívica. De um lado, persistia o
in tran sigen te rigor in telectual e acadêm ico aplicado aos diversos m ecan ism os de dom in ação que
atravessam a sociedade.

Un in do dois m undos, a vertigem dupla pela pesquisa e pela política, Bourdieu fez dos lim ites sociológicos
da in terven ção dos in telectuais um dos tem as da sua obra, torn an do claro que o estatuto do hom em de
letras n ão con feria, n ecessariam en te, ao seu portador um a clariv idência resplandecente sobre a sociedade
e o m un do. Para Bourdieu, a represen tação carism ática do in telectual surge com o um a sim ples ten tativa
de colocar en tre parên teses tudo o que se ach a in scrito em relação à sua posição n o cam po da produção,
ocultan do as m arcas da sua con textualização social. Diretam en te relacion ados com a posição do
in telectual, en con tram -se, ao lon go do seu trabalho, três con ceitos fun dam en tais: p o d e r s im b ó lico ,
c a m p o e h a b i t u s.

• p o d e r s im b ó lico surge com o todo o poder que con segue im por significações e im pô -las com o
legítim as. Os sím bolos afirm am -se, assim , com o os in strum en tos por excelên cia de in tegração
social, torn an do possível a reprodução da ordem estabelecida.

• c a m p o surge com o um a con figuração de relações socialm en te distrib uídas. Através da


distribuição das diversas form as de capital - n o caso da cultura, o capital sim bólico - os agen tes

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participan tes em cada cam po são m un idos com as capacidades adequadas ao desem pen h o das
fun ções e à prática das lutas que o atravessam . As r elações existen tes n o in terior de cada cam po
definem -se objetivam en te, in depen den tem en te da con sciên cia hum an a. Na estrutura objetiva do
cam po (hierarquia de posições, tradições, in stituições e história) os in divíduos adquirem um
corpo de disposições, que Ih es perm ite agir de acordo com as possibilidades existen tes n o in terior
dessa estrutura objetiva: o habitus.

• Desta for m a, o h a b i t u s fun cion a com o um a força con servadora n o in terior da ordem social.

D a filo s o fia à s o c io lo gia


Estudan te de Filosofia, Bourdieu rapidam en te ultrapassou a sua vocação in icial, ao fazer n a Argélia, para
on de fora destacado com o professor, os seus prim eiros trabalhos sociológicos sobre o desen raizam en to
verificado en tre os trabalhadores argelin os in tegrados n um a econ om ia em ergen te. Sim ultaneam ente,
dedica-se à Etn ologia, estudan do as estruturas de paren tesco de várias com un idades argelin as.

Duran te os an os 60 e prin cípios de 70 , Pierre Bourdieu atin ge um a n otoriedade polêm ica com dois livros:
Les H éritiers, d e 1964 e La R eproduct ion, escrito em parceria com J ean -Claude Passeron e publicado em
1970 . Em 68 , Les H éritiers tornar -se-ia um dos livros obrigatórios exibidos por aqueles que con testavam
o sistem a un iversitário fran cês. Dois an os do Maio de 68 , depois, Bourdieu den un cia e m La Reproduction
os m ecan ism os de dom in ação sim bólica vigen tes n um sistem a escolar de um país que se orgulh ava da sua
"escola republican a".

No fin al dos an os 70 , Bourdieu publica a sua obra m aior: La Distin ction (Min uit, 1979). O livro afirm ar -
se-ia rapidam en te com o um dos textos fun dam en tais da sociologia da cultura. O juízo estético, à revelia de
toda a an álise kan tian a, é dissecado de um m odo que só gan ha sen tido quan do in serido n um a sociedade
caracterizada pela diferen ciação e hierarquização social. O in teresse pela Arte e pela Cultura e pelas
con dições sociais da sua produção voltaria n outros m om en tos da sua obra, design adam en te em Les
Régles de I' art (Seuil, 1992), n a qual trabalha explicitam en te a con textualização social da figura do autor,
fixan do -se n o exem plo de Flaubert.

A g lo b a liz a ç ã o e a c rític a a o s m e io s d e c o m u n ic a ç ã o
Em 1993, com La m isère du m onde (Seuil, 1993), Bourdieu com eça a abordar tem as políticos que lh e
perm itiriam um recon h ecim en to popular crescen te. Estes tem as teriam um desenvolvim en to
particularm en te im portan te com a obra Contre -feux. Propos por servir à Ia résistan ce con tre l'in v asion
néo -libérale, seguida por Les structures sociales de l'économ ie e Contre -Feu x 2. Pour un m ouvem ent
social europ éen. Em qualquer destas obras, em registros diversos é posta em causa a globalização e o n eo -
liberalism o. Para os recém -chegados ao seu un iverso, Bourdieu torn a -se o sin ôn im o do in telectual
com prom etido, um a espécie de m â itr e a p en ser dos críticos da globalização da econ om ia.

Ain d a em 1998 , publica La dom in ation m asculin e on de utiliza o con ceito de habitus e no qual explicita a
tese segun do a qual a reprodução da dom in ação é con seguida porque as m ulh eres são in struídas para
assim ilarem o m un do de acordo com as categorias próprias do pen sam en to m asculin o.

Ao lon go dos an os 90 , Pierre Bourdieu in icia a crítica aos m eios de com un icação com um pequen o
trabalho design ado Sur Ia télév ision (Raison s d'agir, 1997). A obra desen cadeia polem icas apaixon adas.

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Pierre Bourdieu lan ça a coleção Libe r/ R aison s d'agir on de são publicados Les n ouv eaux chien s de garde ,
de Serge H alim i. A tese prin cipal de Bourdieu diz respeito à m ercan tilização gen eralizada da cultura,
resultan te de um a lógica que coloca em prim eiro lugar as audiên cias tran sform adas em co n sum idores
passivos. No seu recen te artigo publicado em Le N ouv el Observ ateur, Eribon in terroga-se sobre o que fez
correr Pierre Bourdieu ao lon go destes m últiplos exem plos de exercício de um a im placável sociologia
crítica. A resposta para esta fúria de escrita, ao qual correspon de um a urgên cia idên tica n a in terven ção
cívica, explica-se, n a sua perspectiva, pelo con ceito de habitus e de ca m p os. Bourdieu toda a sua vida terá
ten tado respon der à pergun ta "o que é um in divíduo?", procuran do en con trar as m argen s de liberdade
possível desse in divíduo con tra os m ecan ism os sociais que o fabricam , e, ao m esm o tem po, o en cerram .

A ser assim , terem os chegado ao fim da aven tura de um sociólogo fascin ado por um im en so desejo de
liberdade. Porém , tal com o outro gran de in telectual fran cês, Michel Foucault, Bourdieu é um m estre da
descon fian ça, m obilizado n a sua escrita, n un s casos, por um a iron ia im placável e, n outros, por um a raiva
surda que parecem den un ciar as im en sas n egações e decepções com que essa aspiração se confron ta.

P rin c ip a is o b ra s e a rtigo s d e P ie rre B o u rd ie u

• Sociologie de l'Algérie. Paris, P.U.F., 1958 , 2e éd., 1961.


• Trav ail et trav ailleurs en Algérie . Paris -La H aye, Mouton , 1963 (avec A. Darbel, J . -P. Rivet, C.
Seibel).
• Le déracin em en t, Ia crise de l'a griculture tradition n elle en Algérie . Paris, Éd. de Min uit, 1964
(avec A. Sayad ).
• Les héritiers, les étudian ts et la culture . Paris, Éd. de Min uit, 1964, n ouv. éd. augm ., 1966 (avec
J .-C. Passeron ).
• Un art rnoy en, essai sur les usages sociaux de la photo graphie . Paris, Éd. de Minuit, 1965, nouv.
éd. revue, 1970 (avec L. Boltan ski, R. Castel, J .-C. Cham boredon ).
• R ap p ort p éd agogiqu e et com m u n ication. Paris -La H aye, Mouton , Cah iers du Cen tre de
Sociologie Européen n e, 2, 1965 (avec J .-C. Passeron , M. de Sain t -Martin ).
• L'am our de l'art, les m usées d'art européen s et leur public . Paris, Éd. de Min uit, 1966, n ouv. éd.
augm ., 1969 (avec A. Darbel, D. Sch n apper).
• Le m étier de sociologue. Par is, Mouton-Bordas, 1968 (avec J .-C. Cham boredon , J .-C. Passeron ).
• La repro duction . Élém en ts pour un e théorie du sy stèm e d'en seign em en t. Paris, Éd. de Minuit,
1970 (avec J .-C. Passeron ). (Trad. Portuguesa: A Reprodução. Vega, 198 3)
• Esquisse d'un e théorie de Ia pratique, précédé de trois études d'ethn ologie kaby le . Genève, Droz,
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• Algérie 60 , structures écon om iques et structures tem porelles. Paris, Éd. de Min uit, 1977.
• La distin ction , Critique sociale du jugem en t. Paris, Éd: de Min uit, 1979.
• Le sen s pratique . Paris, Éd. de Min uit, 198 0
• Questions de sociologie . Paris, Éd. de Min u it, 198 0 .
• Ce que parler v eut dire. L'écon om ie des échan ges lin guistiques. Paris, Fayard, 198 2. (Trad.
Portuguesa: O Que Falar Quer Dizer. Difel, 1998 )
• H om o academ icus. Paris, Éd. de Min uit, 198 4.
• Choses dites. Paris, Éd. de Min uit, 198 7.
• L 'on tologie politique de M artin H eidegger. Paris, Éd. de Min uit, 198 8 .
• La n oblesse d'État. Gran des écoles et esprit de corps. Paris, Éd. de Min uit, 198 9.

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• Lan gage et Pouv oir Sim bolique. Paris, Éd. du Seuil, 198 9. (Trad. Portuguesa: O Poder Sim bólico.
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• R épon ses. Pour un e an thropologie réflexiv e . Paris, Éd. du Seuil, 1992.
• Les règles de l'art. Gen èse et structure du cham p littéraire. Paris, Éd. du Seuil, 1992. (Trad.
Portuguesa: Regras da Arte. Editorial Presen ça, 1996 )
• La m isère d u m on d e. Paris, Éd. du Seuil, 1993.
• Libre -échan ge . Paris, Éd. du Seuil, 1994
• R aison s pratiques. Sur Ia théorie de l'action. Paris, Éd. du Seuil, 1994. (Trad. Portuguesa: Razões
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• M éditation s pascalien n es. Paris, Éd. du Seuil, 1997. (Trad. Portuguesa: Meditações Pascalian as.
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• Con tre -feux. Paris, Éd. Liber Raison s d'agir, 1998 . (Trad. Portugues a: Con trafogos. Celta, 1998 )
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B ib lio gra fia

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