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Crianças de Rua

Na presente seção, abordaremos uma análise conceitual das crianças de rua e outras
palavras-chave consideradas relevantes, com o objetivo de responder à nossa
questão de pesquisa. Ao estudarmos um fenômeno social contemporâneo,
reconhecemos que a pesquisa nos levará a uma atividade cognitiva que se caracteriza
por um processo sistemático, flexível e de investigação, contribuindo para a
explicação e compreensão dos fenômenos sociais (Coutinho, 2018).

O termo "Crianças de Rua" engloba crianças entre 6 e 11 anos e adolescentes de 12


a 16 anos que não estão inseridos no sistema formal de educação e passam a maior
parte do tempo nas ruas, dependendo principalmente de suas próprias estratégias de
sobrevivência devido à ausência de apoio familiar ou social (Roca, 1998). Roca (1998)
categoriza essas crianças em dois grupos principais: "Crianças da Rua", que passam
o dia inteiro nas ruas por diversas razões, como falta de permissão, vontade própria
ou falta de uma casa para retornar, e "Crianças na Rua", que, embora voltem para
casa no final do dia, dedicam a maior parte do tempo a atividades econômicas
marginais fora do controle parental.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC), em seu artigo
1º, define criança como todo ser humano menor de 18 anos, com medidas de proteção
específicas contra violência, negligência e exploração, conforme os artigos 32º e 36º.
No entanto, essa proteção é frequentemente negada em várias circunstâncias, como
evidenciado pela situação das crianças de rua.

De acordo com a UNICEF (1989), crianças de rua são aquelas menores de 18 anos
que vivem em condições precárias, sem supervisão adequada e em situação de
vulnerabilidade, muitas vezes vítimas de abusos, negligência ou exploração por parte
de grupos criminosos ou autoridades policiais locais.

Daniel (2012) destaca que a pobreza, a falta de acesso à educação e aos cuidados
de saúde adequados colocam as crianças em maior risco de exploração, contribuindo
para a elaboração da CDC, que visa a proteção integral das crianças.

A UNICEF (1989) identifica os principais motivos que levam as crianças a optarem


pela vida na rua, como conflitos familiares, violência doméstica, uso de drogas pelos
pais, abandono familiar, aumento da pobreza e o desejo por uma vida digna.
Para Sebastião (1998), ser criança de rua significa estar excluído do sistema
educacional e do mercado de trabalho, preso em um ciclo de precariedade e violência,
com poucas perspectivas de futuro.

Negreiros (2001) destaca que a crescente atenção dada à pesquisa sobre a


delinquência está ligada a fatores socioculturais mais amplos, refletindo o
reconhecimento de níveis elevados de violência e comportamento antissocial na
sociedade contemporânea, com o início precoce dessas atividades associado a
formas mais graves e persistentes de delinquência.

Crianças de Rua em Luanda (Angola)

A problemática das crianças de rua em Luanda, Angola, é um tema socialmente


preocupante, conforme discutido por diversos autores. Tavares (2016) destaca que a
delinquência juvenil no país está intrinsecamente ligada à exclusão social, ao
desemprego e à deficiência das políticas públicas relacionadas à educação, saúde e
habitação. Desde os acordos de paz em 2002, a delinquência juvenil tornou-se mais
evidente, impulsionada pela crescente desigualdade social, disfunção familiar,
violência doméstica e maus-tratos.

Dumbo (2012) salienta que a conduta delituosa dos menores em Angola começa
cedo, muitas vezes envolvendo pequenos delitos dentro da família, na escola ou nos
mercados informais, onde grupos agressivos costumam subtrair objetos e alimentos
de vendedores. Estatísticas mencionadas pelo Segundo-Comandante Geral da
Polícia Nacional de Angola, citadas por Dumbo (2012), revelam um aumento
significativo de crimes envolvendo menores, destacando-se furtos, agressões, roubos
e violações sexuais, com uma grande proporção de autores menores de 15 anos.

A pobreza, o desemprego e as condições precárias de vida em Luanda contribuem


significativamente para a dessocialização e exclusão social das crianças, impelindo-
as ao trabalho infantil ou à busca incessante de alimentos em lixeiras (Koppele, 2012).
A maioria das crianças de rua são rapazes, especialmente na faixa etária dos 13 aos
18 anos, e enfrentam dificuldades como ralhetes, agressões e barreiras ao acesso à
educação (Koppele, 2012).

Existem distintos grupos de crianças e jovens nas ruas de Luanda, desde aqueles que
passam 24 horas por dia na rua por falta de família e casa, até aqueles que retornam
para abrigos ou familiares à noite. Há também os que residem permanentemente nas
ruas, envolvendo-se em atividades informais para sobreviver, como lavagem de carros
e mendicância (Roca, 2000).

A necessidade de intervenção estatal é evidente, com a urgência de políticas que


promovam a reintegração e inserção desses menores, por meio da criação de Centros
de Reintegração e Inserção de Menores, em vez de centros prisionais (Tobias, 2012).
Este enfoque demanda uma abordagem multidisciplinar, que integre várias estruturas
sociais para lidar com a complexidade dessa questão.

Rua e Pobreza

A condição de viver nas ruas está intrinsecamente ligada à pobreza e à exclusão


social, conceitos que foram abordados por diversos autores. Segundo Costa e Melo
(1999), a pobreza é caracterizada pela escassez de recursos, capacidades e escolhas
necessárias para alcançar um padrão de vida adequado, uma definição que também
é compartilhada pela Comissão sobre Direitos Sociais, Econômicos e Culturais das
Nações Unidas (ONU, 2001).

Refletindo sobre a situação dos jovens que vivem nas ruas, Sebastião (2013) destaca
que a rua atua como um elemento desestruturante, afastando os jovens de suas
famílias e do ambiente escolar, o que resulta em um processo de exclusão e
separação. Os valores compartilhados pelos grupos de pertencimento nas ruas muitas
vezes contrastam com os valores familiares e escolares. Esse distanciamento
influencia profundamente o percurso de vida desses jovens, levando muitos deles a
se envolverem em atividades criminosas, como furtos, roubos e agressões, como
mencionado por Chazal (s/d).

Essas atividades são alimentadas pela necessidade de sobrevivência, o que molda


as inclinações antissociais das crianças e jovens entregues à sua própria sorte.
Portanto, é essencial adotar medidas para conter ou desencorajar o fenômeno da
delinquência infantojuvenil, visando não apenas punir, mas também compreender e
abordar as causas subjacentes desse comportamento.

Sociedade, Família e Rua


Elias (1980) argumenta que todo indivíduo, independentemente da idade, está
integrado em seu ambiente familiar e social. A literatura evidencia como os contextos
sociais influenciam os comportamentos e trajetórias de vida. Um estudo realizado com
menores de 9 a 18 anos em instituições sociais em Portugal revelou que a rejeição,
negligência e perda dos pais são fatores predominantes que levam alguns jovens ao
abandono e à vida nas ruas (Carvalho, 2005). A família, ou sua ausência, emerge
como um elemento central na compreensão desse tipo de comportamento desviante.

Além da família, outros grupos sociais também exercem influência significativa. A


autora destaca que o absenteísmo escolar é influenciado pelos pares e pelo contexto
social em que essas crianças e jovens estão inseridos. Os atos desviantes que
praticam muitas vezes são uma resposta às necessidades básicas não atendidas, ao
desejo de cometer crimes para satisfazer outras necessidades ou para elevar sua
autoestima.

O valor da família como um grupo social primário é reconhecido pelo Estado angolano,
conforme estabelecido no Código da Família de Angola (CFA). Esse documento
determina que a família é fundamental para a organização da sociedade e deve
contribuir para a educação e desenvolvimento de seus membros, promovendo uma
nova moral social baseada na igualdade de direitos e deveres, respeito à
personalidade de cada um e solidariedade entre seus membros (CFA).

Na perspectiva da solidariedade social, os direitos humanos reconhecem o direito à


segurança social, ressaltando a importância da solidariedade entre os membros da
sociedade para garantir o bem-estar de todos (Faria, 2001).

Carvalho (2005) sugere que a delinquência e o desvio estão diretamente relacionados


ao abandono e negligência dos pais, bem como às necessidades básicas não
atendidas das crianças e jovens. O contexto em que vivem ou sobrevivem influencia
seu comportamento desviante, sendo uma das causas subjacentes da delinquência.
Uma família desorganizada enfrenta dificuldades em proporcionar um ambiente
propício para o desenvolvimento saudável das crianças, o que pode comprometer sua
integração na sociedade.

Comportamento antissocial
Negreiros (2001, p.7) destaca que nas sociedades contemporâneas, "as
manifestações de agressividade e violência tornam-se cada vez mais frequentes.
Quando tais comportamentos são observados em jovens, é quase inevitável
questionar por que isso acontece e o que pode ser feito para reduzir sua probabilidade
de ocorrência".

O conceito de comportamento antissocial abrange uma ampla gama de atividades,


como atos agressivos, furto, vandalismo e fugas, que geralmente representam uma
violação das normas ou expectativas socialmente estabelecidas (Negreiros, 2001,
p.12). Esses comportamentos não necessariamente se configuram como infrações
penais, mas contribuem para um clima de tensão e insegurança, muitas vezes sendo
precursoras da criminalidade. Negreiros também ressalta a importância de analisar o
comportamento antissocial em relação às mudanças que ocorrem ao longo da vida
dos indivíduos e como os fatores biológicos, individuais, familiares e do grupo de pares
influenciam seu surgimento e continuidade.

Para Chazal (s/d), os jovens socialmente desfavorecidos, muitas vezes em situação


de habitação precária e disfuncionalidade familiar, são atraídos por prazeres
imediatos, como festas com álcool, onde encontram uma sensação de pertencimento
e aventura. Esses contextos favorecem o surgimento de comportamentos antissociais,
como vandalismo e furtos, como expressão de sua busca por prazer e satisfação
pessoal.

Embora os termos crime, comportamento antissocial e delinquência possam ser


conceitualmente distintos, Negreiros (2001) argumenta que o termo comportamento
antissocial é mais adequado, uma vez que muitos desses comportamentos ocorrem
antes que o indivíduo atinja a idade da responsabilidade criminal.

A teoria do crime, conforme discutida por Da Silva (2015), envolve quatro elementos
essenciais: o fato humano, típico, ilícito e culpável. A delinquência, por sua vez, pode
ser definida em termos jurídico-penais como o indivíduo que cometeu atos pelos quais
foi condenado pelos tribunais (Negreiros, 2001). Afonso (2019) amplia esse conceito,
incluindo incivilidades como grafites, degradação urbana e pessoas alcoolizadas
vagando pelas ruas, que contribuem para um clima de insegurança e representam
comportamentos antissociais, mesmo que não constituam infrações penais.
Delinquência juvenil

Para Tavares (2016), a delinquência juvenil refere-se a um conjunto de


comportamentos desviantes cometidos por jovens com idades entre os 12 e os 21
anos, que são passíveis de serem criminalizados pela lei. Em Angola, os principais
impulsionadores da delinquência juvenil são a disfunção familiar, a falta de vínculo
familiar e os ambientes familiares conturbados.

O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI, 2018) define a criminalidade grupal


como a ocorrência de um crime cometido por três ou mais suspeitos,
independentemente do tipo de crime ou do nível de participação de cada indivíduo.
Em Portugal, a delinquência juvenil refere-se à prática de crimes por pessoas entre
12 e 16 anos de idade. O relatório aponta uma tendência de queda na delinquência
juvenil em Portugal desde 2015.

O Código Penal de Angola (CPA) estabelece que os menores de 21 anos e maiores


de 16 que cometem crimes cumprem penas ou medidas de segurança privativas de
liberdade em instituições específicas. Além disso, o CPA define várias medidas de
segurança aplicáveis a indivíduos que praticam determinados comportamentos
antissociais, como mendicância e exploração de prostituição.

A delinquência juvenil, que pode manifestar-se de diversas formas, como furto, roubo,
fraude e violência, é considerada uma forma de desvio social, pois viola as normas
estabelecidas e é sancionada pela lei. Fatores como a disponibilidade de automóveis
e armas, a violência veiculada pelas redes sociais e uma socialização familiar menos
consistente contribuíram para o aumento da delinquência juvenil na Europa e na
América do Norte nas últimas décadas.

Em Angola, outros fatores, como a guerra civil, a instabilidade familiar e a crise


econômica, também contribuem para a delinquência juvenil. A falta de emprego e o
trabalho precoce das crianças levam a uma maior incidência de comportamentos
delinquentes, refletindo uma profunda crise moral nas famílias angolanas.

Para Tavares (2016), a delinquência juvenil em Angola tornou-se cada vez mais
evidente e preocupante, especialmente devido à pobreza entre os mais
desfavorecidos. Apesar das medidas implementadas pelo governo para melhorar as
condições de vida, a delinquência juvenil persiste, com crimes como roubo de veículos
e assaltos a residências com violência física, muitas vezes resultando em mortes
brutais. De acordo com Medina (2008, citado em Dumbo, 2012), a delinquência juvenil
refere-se a indivíduos entre 12 e 16 anos de idade sujeitos à jurisdição de tribunais de
menores.

Desvio

O conceito de desvio, conforme descrito por Cusson (2007) e Becker (1963), refere-
se a comportamentos e situações que não estão em conformidade com as
expectativas, normas ou valores de uma sociedade e, portanto, são passíveis de
condenação ou sanção. O desvio não é uma característica intrínseca do
comportamento em si, mas sim uma consequência da aplicação de regras e sanções
por parte dos outros a um infrator. Nesse sentido, alguém se torna desviante quando
recebe o rótulo de desviante, e o comportamento desviante é aquele que é rotulado
como tal pelas pessoas.

Considerando que a vida em sociedade é moldada pela interação entre pessoas, o


desvio é entendido como um processo que resulta da interação entre indivíduos
considerados desviantes e aqueles considerados normais. Conforme observado por
Goffman (1982, 1993), citado em Carvalho (2018), assim como um médico rotula um
paciente como doente, as camadas superiores da hierarquia social ou as forças da
ordem rotulam certos indivíduos como delinquentes. Uma vez rotulado, o indivíduo é
socialmente levado a assumir esse rótulo e, consequentemente, a reincidir na prática
desviante.

Negreiros (2001) observa que a diversidade de comportamentos antissociais dos


jovens pode ser avaliada não apenas com base em atos transgressivos específicos,
mas também em certos padrões individuais de funcionamento ao longo do tempo.
Embora a maioria dos adolescentes possa se envolver ocasionalmente em atividades
antissociais, apenas um pequeno número apresentará comportamentos delinquentes
graves e persistentes. Isso sugere um processo de interação entre indivíduos
considerados desviantes e aqueles considerados não desviantes.

Por fim, de acordo com Giddens (2009), seria um equívoco considerar o crime e o
desvio de forma totalmente negativa. Uma sociedade que reconhece a diversidade de
valores e preocupações humanas deve encontrar maneiras de incluir os indivíduos ou
grupos cujas atividades não estão em conformidade com as normas seguidas pela
maioria.

Violência

O texto aborda diferentes aspectos relacionados à violência, destacando diversas


formas e contextos nos quais ela se manifesta. Aqui estão alguns pontos-chave:

1. Violência no Século XVII: Lourenço e Lisboa (1998) referem-se à violência


pessoal ou privada que ocorria no século XVII, destacando a utilização da pena
capital como principal meio de punição, inclusive para crimes menores. O texto
destaca a violência institucionalizada das polícias e tribunais.

2. Aumento da Criminalidade e Insegurança: Segundo Lourenço e Lisboa


(1998), o aumento da criminalidade, especialmente a partir dos anos 60,
contribuiu para um aumento do sentimento de insegurança nas sociedades
industriais. O texto menciona que o aumento de furtos e roubos foi percebido
como violação da intimidade pessoal, alimentando o sentimento de
insegurança.

3. Formas de Violência: Carvalho (2018) destaca diversas formas de violência,


incluindo política, doméstica, contra certos estratos da população (mulheres,
crianças, idosos), juvenil, criminal e violência difusa nas cidades. O autor
menciona a violência difusa como aquela que não possui limites, se difunde em
várias direções e atinge diferentes estratos sociais, acompanhada de um alto
sentimento de insegurança.

4. Violência Doméstica em Angola: O texto menciona a Lei n.º 25/11, de 14 de


julho, contra a Violência Doméstica (LVD) em Angola, destacando que a
violência doméstica abrange diversas formas, como violência sexual,
patrimonial, psicológica, verbal, física e abandono familiar.

5. Causas da Violência Juvenil: Negreiros (2001) aborda as possíveis causas


da violência juvenil, incluindo a situação econômica desfavorável, eventos
geradores de estresse e crenças individuais. O autor destaca a associação
entre crianças com comportamentos agressivos e estratos sociais
economicamente desfavorecidos.
6. Desestruturação Familiar e Violência: Carvalho (2007) e Chazal (s/d)
associam a desestruturação familiar à violência, especialmente a violência
juvenil e antissocial. O texto destaca a importância de todos os intervenientes
na ação educativa, incluindo pais, educadores, psicólogos, sociólogos, na
prevenção da violência.

7. Investigação Criminal e Tipos de Crimes: Costa (2008) aborda a


investigação criminal e a classificação doutrinária dos crimes como públicos,
semipúblicos e particulares. O autor destaca o princípio da oficialidade na
iniciativa e impulso processuais, com o Ministério Público exercendo a ação
penal em casos de crimes públicos.

O texto oferece uma visão abrangente sobre a violência, abordando diferentes formas,
contextos históricos e causas subjacentes.

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