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PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTETERAPIA
São Paulo
2018
WESLEY SANTOS SOUZA
São Paulo
2018
WESLEY SANTOS SOUZA
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
______________________________/____/______
Prof.ª Ms. Tania Cristina Freire
Universidade Paulista
_____________________________/_____/______
Prof.ª Ms. Oneide Regina Depret
Universidade Paulista
_____________________________/____ /_______
Prof.ª Dra. Patrícia Pinna Bernardo
Universidade Paulista
A Via Láctea não existe no céu, ela está dentro
de você; a Via Láctea corre pelo cosmos sem
fim, ela corre pelo fundo da terra. A Via
Láctea que corre por aquelas bandas, será
que é dela que vem a conversa que ouvimos na
plataforma? A conversa dos céus, a conversa
do fundo da terra, elas têm relação com seu
interior.
Kazuo Ohno
RESUMO
This work, carried out from the internship in Post-Graduation in Art Therapy of Paulista
University, was supervised by Prof. Tania Cristina Freire. It portrayed the art therapy process
applied to eight individual workshops for a young woman, public service candidate, and a
young man trying out for college. It had as a goal the reduction and prevention of high levels
of anxiety in pre-college students and young public service candidates, in addition to
promoting self-knowledge and stimulation of creativity, investing in the psychic totality of the
participants, contributing, thus, positively in their quality of life. It was observed at the end of
the process that the pre-established goals were achieved, allowing the participants a wider
perception about themselves and their current moment of life, aiding in their inner growth.
Keywords: Art Therapy, Public Service Candidate, Pre College Students, Anxiety, Self-
Awareness.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Costumo pensar que a necessidade expressiva sempre esteve presente na minha vida.
Desde cedo, havia algo dentro de mim que se expandia para o exterior esplendorosamente,
como uma voz interna de qualquer outro mundo, pronta para agir entre os espaços vagos da
rotina. Tímida e lentamente, deixei-me levar pelo seu movimento, até certo dia, perceber que
meu desejo, em alta voz, debruçava-se nesta direção.
Vivências em ateliês de artes visuais se deram naturalmente, aulas de história da arte,
pintura, modelagem e desenho. Já na idade adulta, graduei-me em artes visuais e historia da
arte, desenvolvendo uma poética e pesquisa pessoal a partir de objetos do cotidiano,
valorizando a preciosa conexão entre a vida e o fazer artístico.
Durante o inicio da minha vida profissional, devido a uma crise existencial profunda,
entrei em contato com a clinica psicanalítica. E foram longos e produtivos anos, como
analisando, estudante e participante de inúmeras experiências terapêuticas grupais. Nesta
jornada de autoconhecimento e transformação pessoal, muitos recursos expressivos foram de
extrema importância. Assim, meu primeiro contato com a arteterapia, propriamente dita, se
deu em ambiente clinico.
Mais tarde, como uma maneira de interseccionar a arte e a psicanálise, procurei o
curso de especialização em arteterapia, interessado em estudar e promover vivencias
profundas e subjetivas que desdobrassem em material estético e vice-versa. Uma maneira de
se relacionar, multiplicar os saberes e patrocinar a produção de possíveis potencialidades e
modos de existência resultantes de um processo terapêutico-expressivo.
A definição do tema deste estudo surgiu a partir do interesse que me despertou a
ansiedade recorrente em alguns dos colegas do curso de pós-graduação em arteterapia,
relacionadas diretamente ao processo de elaboração de monografia e prática supervisionada
arteterapêutica. Esta situação foi o estímulo ou o gatilho para minha reflexão acerca da
situação psíquica e emocional do estudante jovem adulto em fase pré-vestibular ou concurso
público e como a prática da arteterapia poderia atingir este público positivamente.
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1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2 JUSTIFICATIVA
3 OBJETIVO
4 METODOLOGIA
4.1 Participantes
Em relação ao público-alvo deste estudo, o uso do termo adulto, quando usado, refere-
se a quem se encontra no período de vida após a adolescência e antes da velhice
(MICHAELIS, s/d). E a escolha de um público adulto se deve a dificuldade vivenciada na
captação de voluntários estudantes adolescentes com faixa etária menor que 25 anos.
Participaram deste processo, dois (02) jovens adultos estudantes, de nomes fictícios,
Adriana e Rodrigo. Adriana é concurseira, solteira, tem 27 anos e é formada na área de Direito
e advogada, dedica-se a concursos públicos visando ingressar no cargo de Defensora Pública.
Rodrigo é solteiro, tem 39 anos, possui ensino técnico na área de Administração e dedica-se a
ingressar no curso superior de Economia via exame vestibular universitário, e a variados
concursos públicos.
Ambos os participantes estavam em acompanhamento psicoterapêutico a mais de 01
ano. E durante a aplicação das oficinas permaneceram em atendimento.
Para garantir maior síntese e consistência, somente o conteúdo do processo vivencial
da participante Adriana foi abordado neste estudo.
Fora estabelecido um contrato de sigilo, de tempo indeterminado, entre a minha
pessoa, enquanto condutor da prática arteterapeutica, e cada participante das oficinas de
arteterapia, de maneira que todas as imagens e depoimentos coletados, resultantes do processo
arteterapeutico, foram utilizados somente para fins acadêmicos. E todos os participantes
tiveram suas identidades totalmente preservadas, quando citados neste estudo.
4.2 Organização
4.3 Planejamento
Cada encontro foi composto por um momento inicial de abertura de roda para
conversa e bate-papo entre os participantes da proposta. Em seguida, com os participantes
sentados confortavelmente e de olhos fechados, por meio de palavras-chave e sugestões de
fluxo respiratório, foi realizada uma estimulação do contato com eu interior e introspecção.
Logo após, o conto de sensibilização relacionado à proposta da oficina, sob meia-luz e música
instrumental ao fundo, era apresentado aos participantes. Por conseguinte, os participantes
foram estimulados, por meio de palavras, a acessar o que estavam sentindo naquele momento
e como o conto ou tema apresentado afetou-lhes. Com os materiais artísticos dispostos e
gradativamente despertados, os participantes eram estimulados a interagir com o material e a
se expressar, sob orientação do arteterapeuta, mas também permitindo o campo de livre
experimentação, sempre levando em consideração a proposta de cada encontro. Ao final,
realizou-se uma conversa em roda sobre a experiência.
Somente foi permitida a retirada da produção artística resultante das oficinas de
arteterapia, após o último encontro. Antes disso, os objetos ficaram armazenados em lugar
sigiloso, designado pelo arteterapeuta. Pois, segundo Bernardo (2013), os trabalhos devem ser
levados embora somente no final do processo arteterapeutico. Devendo ser contemplados e
comentados em conjunto no encontro final, como maneira de assimilação do processo
pessoal.
5 PROCESSO ARTETEURAPÊUTICO
Partindo do tema: criação de vínculo, a atividade definida para esta primeira oficina
foi a “Expresse seu mundo numa caixa” (BERNARDO, 2006 apud BERNARDO, 2013).
Com o objetivo de produção de vínculo e construção de espaço sagrado. Pois, segundo
Bernardo (2013), trabalhar a criação de vinculo é um modo de conhecer a história de vida de
cada participante e fazer um diagnóstico do grupo de trabalho para maior percepção de suas
necessidades e inclusão das pessoas no contexto de trabalho terapêutico:
Os recursos materiais utilizados nesta oficina foram: caixa de papelão, revistas, tinta
acrílica, guache, purpurina, cola e tesoura. E a sensibilização foi realizada com a reprodução
de áudio do conto “O Homem que Amava Caixas” de King (1997) (ANEXO A). Este conto
fala, de maneira simples e bonita, da história de um homem que era apaixonado por caixas e
por seu filho, mas tinha dificuldade em demonstrar afeto por meio de palavras.
Após uma apresentação inicial, pedi que os participantes se sentassem
confortavelmente e fechassem seus olhos. Com algumas palavras, gradativamente estimulei-
os a um relaxamento respiratório e o contato com eu interior, em um movimento de
introspecção. Uma vez apagadas as luzes, reproduzi o áudio do conto.
Ao final, convidei-os a produzirem sua própria caixa com os materiais ali disponíveis.
Considerando o interior da caixa como “A essência do que sou” e o exterior da caixa como
“Sou visto ou me apresento para o mundo” (BERNARDO, 2013). Acompanhei o processo,
tentando preservar o espaço de produção dos participantes. E facilitando a disponibilização e
uso do material, quando necessário. Por fim, foi realizada uma conversa em roda sobre a
experiência.
Adriana fez uma caixa que possui purpurina na sua tampa (Figura 01), variadas cores
(vermelho, verde, azul e amarelo) em cada lateral externa da caixa. Dentro, escreveu uma
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palavra em cada canto, exceto em um, são elas: "Amor ao próximo", "Determinação" e
"Lealdade". A participante comentou que é “ [...] uma pessoa impulsiva e ansiosa [sic]” e que
colocou a purpurina na tampa da caixa, como uma maneira de representar sua personalidade
“ [...] chamativa e expansiva, que dificilmente passa despercebida nos ambientes [sic]”, mas
ressaltou que não tem problema com isso. Segundo Adriana, os três lados da caixa, cada um
pintado de uma cor (vermelho, verde, azul e amarelo), estão relacionados com o modo como
as pessoas, ao seu redor, a enxergam, principalmente em sua família. Havendo uma
discrepância entre o modo como é vista pelo mundo ou se mostra a ele, e sua essência
verdadeira: “[...] E aí eu fiz três lados da caixa de uma cor, porque eu sempre tive um
problema em ser bem diferente [...] entre os meus amigos, pessoas da faculdade e trabalho e
dentro da minha família. Acho que parte da sociedade me lê de um jeito: mais calma, mais nos
atributos positivos. Mas na minha família já é mais difícil, mais diferente. Já teve momentos
que foi 50% a 50% e eu consegui ser mais eu mesma na frente da minha família, diminuindo
essa diferença [sic]”.
O comentário de Adriana, vai ao encontro de Silveira (2007), quando diz que o homem
assume, para estabelecer contatos com o mundo exterior e adaptar-se às exigências do meio
em que vive, uma aparência que geralmente não corresponde com seu modo de ser autêntico,
verdadeiro. Apresenta-se mais como os outras pessoas esperam que ele seja, do que como
realmente é, a isto Jung denomina Persona. O desvestimento da Persona é uma etapa do
processo de individuação que visa a realização e desenvolvimento potencial humano. É o
processo de tornar-se inteiro, completar-se, o que implica em “aceitar o fardo de conviver
conscientemente com tendências opostas, irreconciliáveis, inerentes à sua natureza, tragam
estas as conotações de bem ou de mal, sejam escuras ou claras” (p.78).
Para Adriana, os três lados da caixa (Amor ao próximo, Determinação e Lealdade)
correspondem, respectivamente com valores que a representam na vida: “[...] meus principais
objetivos na vida sempre estão ligados a estes valores [sic]”.
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A atividade definida para a segunda oficina foi a Confecção de vasos a partir de argila
e sementes (BERNARDO, 2006 apud BERNARDO, 2013). E o objetivo trabalhado fora a
criação de vínculo terapêutico, com o investimento em possibilidades de germinação de novas
concepções a respeito de si mesmo. Pois, segundo Bernardo (1999 apud BERNARDO, 2013):
Os recursos materiais utilizados nesta oficina foram: argila, sementes e tinta guache de
cores variadas. E a sensibilização foi realizada com a reprodução de áudio do conto “O Pote
Vazio” de Demi (2007) (ANEXO B). Este conto fala como o fracasso constrangedor do jovem
chinês Ping se transformou em triunfo, nesta fábula sobre a honestidade recompensada.
A escolha do material de trabalho se determinou, devido a constatação de que
Chiesa (2004) diz que o contato com o barro é um convite à profundidade, na medida
que desperta a sensibilidade, alivia as tensões e satisfaz os mais profundos e primitivos
instintos humanos da natureza criativa:
Tocar, sentir, amassar, bater, beliscar, apertar o barro, é o momento que nos
permite entrar em contato com ele, dialogando e ordenando as idéias.
Costuma ser uma oportunidade para novas descobertas, além de ser uma
atividade prazerosa que amplia possibilidades criativas (p.51).
Além disso, há outro motivo especial pela escolha da argila que remete à necessidade
de se trazer o estudante para o presente, para o agora. Trazendo um pouco do elemento Terra,
que corresponde à função da consciência denominada Sensação. As funções da consciência
descritas por Carl Gustav Jung, correspondem ao modo como “entramos em contato com o
que está dentro ou fora de nós” JUNG (1976 apud BERNARDO, 2013). A função Sensação
está relacionada à prática e ligada aos detalhes específicos e particularidades das coisas. Ao
presente, ao aqui e agora - do que ao futuro (BERNARDO, 2013). E foi escolhida porque a
situação de ansiedade do estudante está diretamente relacionada ao fantasma de futuro
(MIRANDA; REIS; FREITAS, 2017).
Inicialmente, reservei um espaço para conversamos sobre o encontro anterior e os
participantes se mostraram à vontade para compartilhar as impressões e repercussões da
vivencia passada. Em seguida, pedi que os participantes se sentassem confortavelmente e
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de auto-expressão". E, à medida que o cliente toma posse de seu estilo pessoal e aceita suas
limitações, pode, então organizar seus conflitos e suas escolhas. Paín (2009) reforça que:
durante a vida. Ambos são etapas consideradas parte do complexo processo de individuação
(SILVEIRA, 2007).
Segundo Bernardo (2013), não somos um, mas muitos. E a criatividade só é possível
se olharmos para a Sombra, transformando nossos “monstros” internos em aliados, nos
abrindo para os aspectos inconscientes da personalidade.
Os recursos materiais utilizados nesta oficina foram: máscara de PVC, revistas,
tesoura, cola e tinta guache de cores variadas. A sensibilização foi realizada com a reprodução
o conto do mito do deus grego Dionísio (BERNARDO, 2013) e (KURY, 1999). Dionísio,
também chamado Baco pelo romanos, era considerado o deus das videiras, do vinho e do
delírio místico.
Inicialmente reservei um espaço para conversamos sobre o encontro anterior e os
participantes se mostraram à vontade para compartilhar as impressões e repercussões da
vivencia passada. Em seguida, pedi que os participantes se sentassem confortavelmente e
fechassem seus olhos. Com algumas palavras, estimulei o relaxamento respiratório e o
movimento de introspecção. Uma vez apagadas as luzes e com reprodução de música
instrumental ao fundo, contei passagens do mito do deus grego Dionísio (KURY, 1999)
(ANEXO C).
Ao final, convidei-os, inspirados pele conto, a entrar em contato com “todas aquelas
pessoas que vivem dentro da gente” e a produzir sua própria máscara com os materiais ali
disponíveis. Depois de prontas, como recomendado por Bernardo (2013), estimulei a
construção de um diálogo pessoal com a máscara através de perguntas como: “de onde você
vem?”, “como você é?”, “qual seu nome?, “do que você gosta”?”, “que mensagem você
traz?”. E comentei que poderiam experimentá-las em seu próprio rosto, caso desejassem. Por
fim, foi realizada uma conversa em roda sobre a experiência.
Adriana utilizou da técnica de colagem para confeccionar sua máscara, selecionando
palavras de variadas revistas (Figura 03). Comentou que tentou reproduzir, sem filtros, por
meio da colagem de diversas palavras na máscara, todas as vozes que ficam questionando-a
internamente, pensamentos que surgem em sua mente e que geralmente estão associados a
cobranças pessoais em relação aos planos e objetivos de sua vida. A voz que fica relembrando
de suas ações boas ou ruins do passado, das crenças que tem sobre si mesmo e como se
enxerga no momento. Constatou que foi “[...] interessante tirar isso da sua cabeça e ver
objectificado [...] É mais fácil ser objetivo e entender as coisas do que quando você está vendo
por dentro [sic]”. Sobre as palavras escolhidas, explicou algumas delas: “ [...] Plano (sou uma
pessoa que tenho que ter tudo certinho, sempre fico revisando meus planos), pergunta,
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opiniões, mitos (no sentido de crenças que a gente tem). Tempo (porque a gente não tem
muito controle, e aí é sempre uma questão de estar no tempo certo das coisas, a ansiedade é
relacionada com isso, você não sabe se as coisas estão acontecendo no tempo que você quer,
no tempo certo), conflitos, e umas coisas mais, mudanças, erros...a gente sempre comete um
erro e fica revivendo, pensando por muito tempo, o que podia ter feito diferente e isso sempre
vai estar lá quando você for tomar outras decisões [sic]”.
O discurso de Adriana nesta oficina contesta a visibilidade da dimensão de uma
moralidade, uma idealização. Uma crença sobre si mesmo, relacionada ao cumprimento de
seu desejado objetivo profissional: ingressar na carreira pública. A conscientização acerca de
sua problemática atual está presente: a luta contra o tempo, principal razão de seu estado de
ansiedade e uma dinâmica de culpabilidade diante de suas próprias ações. O que ressalta mais
uma vez o perfil de risco: vestibulanda, adulta, com alto índice de ansiedade, no qual está
inserida. Nota-se a presença do excesso de teorização e planejamento, sendo “Plano”, a sua
primeira palavra a vir à tona em seu comentário vivencial.
Considerando as observações terapêuticas sobre o resultado do processo até este
momento, dentro das quatro funções da consciência descritas por Carl Gustav Jung, a função
Pensamento é provavelmente a principal ou a mais exigida pela participante Adriana em seu
contato com a realidade interior e exterior, no momento atual. Esta função, segundo Bernardo
(2013): “[...] procura por leis gerais para avaliar algum evento, o que é feito com lógica e
imparcialidade. Isso só é possível a partir do distanciamento emocional [...] no entanto,
possibilita uma visão expandida dos fatores nela envolvidos e sua relações. Associo esta
função com o elemento Ar [...]” (p.110).
Zacharias (1995 apud BERNARDO, 2013) cita a importância de que, uma vez
identificado o tipo psicológico de uma pessoa, é possível auxiliá-la em suas questões de
adaptação, fortalecendo-a em seu tipo psicológico e ajudando-a a desenvolver as funções
chamadas, auxiliares e inferior, que serão acionadas de acordo com a necessidade perante as
situações diversificadas da vida.
No trabalho arteterapeutico, esta informação pode ajudar no processo, já que o
arteterapeuta deve conectar-se, inicialmente, com o paciente por meio da
[...] função principal, seguida pela função auxiliar, da segunda auxiliar e por
fim chegando-se ao trabalho sobre a função inferior, que trará mais material
inconsciente [...] por isso mesmo traz à tona o que é mais difícil para o
paciente (BERNARDO, 2013, p.113).
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Neste sentido, Jung (1984 apud BERNARDO, 2013) sugere, para promover a
elaboração de conteúdos inconscientes e de difícil assimilação, a utilização de recursos
expressivos para facilitar o contato com a função inferior do paciente.
No caso de Adriana, a função inferior deve corresponder, de acordo com Bernardo
(2013), ao Sentimento, associada ao elemento água, com as funções auxiliares sendo:
Intuição, associada ao elemento fogo, e Sensação, associada ao elemento terra. Provavelmente
por este motivo, foi importante para Adriana a atividade da segunda oficina, de confecção de
vaso em argila. Pois propôs uma reconciliação entre o ideal de representatividade e a sua
produção, resultado final, levando em consideração o aspecto de imprevisibilidade existente
no processo artístico e expressivo.
O engenhoso Dédalo fabricou para si mesmo e para seu filho asas presas aos
ombros com cera. Antes de ambos saírem voando, Dédalo recomendou ao
filho que não subisse demais, porém este não lhe deu ouvidos e chegou
muito perto do sol; a cera fundiu-se e Ícaro precipitou-se no mar em volta da
ilha de Samos, que desde então passou a chamar-se mar Icário (p.209)
Neste quinto encontro foi trabalho o tema da superação de obstáculos, por meio da
atividade de Pintura em pedra. Esta atividade também está relacionada ao trabalho com o
desapego (BERNARDO, 2013).
Segundo Bernardo (2013), uma visão enrijecida promove um estreitamento de
horizontes, levando à repetição de padrões e falta de motivação para conceber ou levar adiante
novos projetos de vida. Além de bloquear a criatividade.
Os recursos materiais utilizados nesta oficina foram: pedras, tinta guache de variadas
cores e pinceis. O conto de sensibilização utilizado foi A Montanha e a Pedra (MCKEE, 1993)
(ANEXO E). O livro fala sobre diferentes maneiras de se lidar possíveis obstáculos que
surgem durante a vida. Por meio da estória da família Busca, moradores de uma casa que
ficava no topo de uma montanha. E sua relação com uma pedra que tirava toda a vista da
janela da cozinha.
Adriana não participou deste encontro, mantendo-se ausente por motivo de viagem
pessoal.
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Neste sexto encontro, foi tratado o tema de desapego, para estimular e fortalecer a
capacidade dos participantes em lidar com frustrações diante de situações que não tenham o
total controle, como é o caso do vestibular ou concurso público.
Como meio de sensibilização, foi apresentado o poema "Praticando o desapego",
atribuída ao poeta português Fernando Pessoa (O BEM VIVER, s/d) (ANEXO F), que fala
sobre a prática do desapego, convite para sua prática e revisão de momento de vida, como
parte de um exercício de ressignificação da jornada existencial, de produção de sentidos
novos. Como enfatiza poeticamente a filósofa francesa Sylviane Agacinski (s/d apud PAÍN,
2009):
[...] O passante deve estar disponível para o tempo, deve deixa-lo passar,
gastá-lo sem contar, saber perdê-lo. Deve renunciar ao seu próprio tempo,
aquele com o qual conta para agir. É nos tempos mortos que se percebe a
duração (p.38).
O recurso expressivo utilizado foi a Pintura com bolas de gel e água, atividade
realizada em aula do curso de Pós-Graduação em Arteterapia ministrado pela Prof.ª Ms. Tania
Cristina Freire. Segundo Bernardo (2013), o elemento água está associado à função da
consciência denominada Sentimento e remete ao fluxo de nossa vida emocional, trazendo
aspectos como a maleabilidade e flexibilidade. Enquanto elemento feminino, remete à
capacidade de gerar e nutrir novos projetos e também à energia amorosa.
Inicialmente, reservei um espaço para conversamos sobre o encontro anterior e os
participantes se mostraram à vontade para compartilhar as impressões e repercussões da
vivencia passada. Logo depois, pedi que se sentassem confortavelmente e fechassem seus
olhos, e com algumas palavras, estimulei um relaxamento respiratório e o contato com eu
interior. Uma vez enfraquecidas as luzes, li, em voz alta, o poema "Praticando o desapego", de
Fernando Pessoa (O BEM VIVER, s/d), com a reprodução de música instrumental ao fundo.
Ao final do poema, pedi que continuassem de olhos fechados, se relacionando com o
que estavam sentido. Disponibilizei o material nas mãos dos participantes: uma vasilha com
farinha e uma vasilha com bolinhas de gel. Solicitei que experimentassem e sentissem, um por
vez, cada um dos materiais, sua textura, consistência, temperatura, resistência, etc. Logo
depois, distribui bandejas e orientei a escolha de uma cor de tinta inicial para gotejamento
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dentro, juntamente com a inclusão de bolinhas de gel em quantidade preferível. Comentei que
poderiam movimentar as bandejas para todas as direções, experimentando todas as
possibilidades. Desta forma, a pintura foi acontecendo. Com o decorrer do processo, sugeri o
uso de outras cores de tintas. No final da pintura, disse que poderiam intervir
espontaneamente na pintura com o uso de pincéis.
Adriana mostrou-se durante todo o processo muito concentrada e entretida na pintura.
Movia a bandeja para todas as direções em uma velocidade constante e parecia fascinada pelo
exercício, com os olhos vidrados em sua bandeja. Trabalhou com poucas cores, azul e violeta.
Creio que se não houvesse intervenção de minha parte, continuaria no exercício por muito
mais tempo. Lidou muito bem com a situação de descontrole, porque provavelmente
necessitava deste momento para si. Afirmou, entusiasmada: “Achei muito legal. Sim, foi
muito… fácil de se concentrar. E não teve que ficar se preocupando em conseguir fazer,
porque não tinha a parte que as vezes tem de você ter que realmente conseguir fazer, então só
tinha que… fazer. É, foi legal, eu gostei [sic]”. Em seguida: “ [...] Então eu queria uma cor
mais assim fechada, não muito alegre, ai eu acabei fazendo com essas duas cores, mas ficou
do jeito que eu queria, mas eu não sabia antes de misturar. Assim, porque, uma coisa que não
depende da sua capacidade, elas vão (as bolinhas), elas não obedecem você, por mais que
você tente controlar, então é divertido, quando a gente tá desenhando, pintando, fazendo outra
atividade, querendo ou não você esta tentando fazer algo que esta dentro da sua cabeça, e
quando você não tem como imaginar, como vai ficar, você não tem controle , isso é bom
[sic]”.
Este encontro evidenciou a necessidade da participante Adriana em investir em outras
formas de expressão e interação com a realidade interna e externa que não fosse somente por
meio da função da consciência Pensamento, que estava sendo muita exigida em seu momento
de sua vida atual. O investimento na função inferior, neste caso, Sentimento, proporcionou
prazer à participante, pois permitiu uma manifestação espontânea e o descolamento, mesmo
momentâneo, do excesso de planejamentos referenciais produzidos pela idealização, processo
gerador de angústia. Como cita Bernardo (2013, p.98): “A função inferior, quando acessada,
traz consigo material inconsciente”, motivo pelo qual a atividade foi tão significativa para
Adriana.
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Adriana ficou por um tempo maior debruçada sobre seus trabalhos e trouxe,
espontaneamente, em seu discurso, a repercussão do que as oficinas proporcionaram uma
nova concepção de si e trouxeram à tona aspectos nos quais necessita investir na sua vida.
Dizendo: “Eu acho que as coisas que eu mais fiquei na cabeça, assim, eu percebi muito essa
minha necessidade, meu senso estético e minha necessidade de controle das coisas, e pra
mim eu sempre tive dificuldade na aula de artes, porque as coisas não saem do jeito que eu
quero e eu não consigo, então eu acho que isso é uma coisa que reflete nas outras coisas da
vida. Acho que pelas minhas tentativas em cada oficina em fazer as coisas de um jeito, mostra
muito que eu me preocupo um pouco demais com a aparência das coisas e com o controle das
coisas, a ordem, e então são coisas que dá pra perceber que eu tenho que trabalhar com elas,
neh? [sic]”.
A participante confirmou que estava a vontade diante de uma situação de descontrole e
sentiu: “[..] alegria no que eu não podia controlar [sic]”. Que achou “[...] agradável aproveitar
aquele momento [...] e não ficar com expectativa no que aquilo ia trazer de retorno, pois o que
mais importava era o fazer e não como aquilo iria ficar depois de pronto [sic]”. E vislumbrou
a possibilidade de aplicar em sua vida este exercício: [...] só de você ter consciência de que
você pode fazer isso em pequena escala, já ajuda você a tentar implementar sua vida isso com
mais situações que você precisa estar presente, e não tentar controlar todas as coisas [sic]”.
Em seu comentário final, a concursanda Adriana ressaltou a necessidade de despir-se
do sentido mental das coisas e dar ouvido à sua voz interior, para produção de uma
experiência mais natural, livre e significativa, além de automatismos, com a valorização do
aqui e agora: “Acho que isso é o principal, essa questão de tudo precisar ter um sentido, [...]
toda vez, durante os contos, eu tentativa sempre repetir a mensagem que estava sendo trazida,
mas às vezes isso não é tão importante assim, mais importante é você sentir o que está
fazendo. Isso é difícil pra mim, uma coisa que eu tenho que trabalhar, essa questão da
intuição, de deixar as coisas acontecerem naturalmente, não planejar tanto, não ser tão rígida
com as coisas. Então, eu acho que foram estas questões que eu consegui sentir levantando
durante os encontros e eu fiquei pensando depois... [sic]”.
O processo arteterapeutico vivenciado pela participante Adriana resultou numa tomada
de consciência da sua necessidade de busca por equilíbrio psíquico. É pelo investimento em
aspectos de si pouco explorados ou desconhecidos outrora, mas acessados durante as
atividades expressivas, que este movimento criativo e de novas descobertas acontece. Passo
fundamental para uma reconfiguração de sua relação com a realidade e consequentemente,
uma provável transformação positiva de sua ansiedade, como nos traz Bernardo (2006):
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o trajeto percorrido, pode-se dizer que a arteterapia apresentou-se como recurso
e ferramenta de intervenção possível e eficiente para dar conta de questões relacionadas à
prevenção e redução de altos níveis de ansiedade em vestibulandos e concursandos adultos.
Por meio da coleta de dados, com foco no depoimento vivencial da participante
Adriana, foi possível constatar que as oficinas de arteterapia foram produtivas, pois,
gradativamente, retiraram os participantes da zona de conforto e de uma posição de controle,
com excesso de idealização e racionalização, para promover a espontaneidade, o desapego e
experimentação, investindo no autoconhecimento e na capacidade de lidar com situações
frustrantes e angustiantes. Situações que podem ocorrer durante diferentes etapas da vida dos
estudantes, inclusive durante o processo de vestibular ou concurso público, nos quais estão
dedicados atualmente.
Ao final do processo, os participantes demonstraram o desejo de continuar trabalhando
no dia-a-dia com as descobertas a respeito de si mesmo, ocorridas durante as oficinas de
arteterapia. E interesse em participar de novas propostas arteterapêuticas que possam de
alguma forma, auxilia-los em suas respectivas jornadas pessoais. Silveira (1994 apud
CHIESA, 2004) afirma que: “As atividades expressivas são aquelas que melhor permitem a
espontânea expressão das emoções, que dão mais larga oportunidade para os afetos tomarem
forma e se manifestarem, seja na linguagem dos movimentos, dos sons, das formas e das
cores” (p.21).
Conforme Rodrigues e Pelisoli (2008): "a habilidade para lidar com o estresse e a
ansiedade talvez seja um elemento importante para o sucesso no vestibular, tanto ou mais do
que a habilidade acadêmica ou o conhecimento" (p.176). E, desta maneira, conclui-se que o
público de estudantes vestibulandos e concursandos necessita de maior atenção por parte de
iniciativas de promoção de saúde psicológica e prevenção de distúrbios psíquicos.
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REFERÊNCIAS
CHIESA, R.F. O diálogo com o barro: o encontro com o criativo. São Paulo: Casa do
Psicológo (Coleção Arteterapia), 2004.
DEPRET, O.R. Arteterapia: as deusas gregas e o "fazer arte" num processo de auto-
conhecimento ou "como fazer uma Colcha de Retalhos". [Monografia]. São Paulo: UNIP -
Universidade Paulista, 2005.
KING, Stephen Michael. O homem que amava caixas. São Paulo: Brinque Book, 1997.
KURY, Mário da Gama. Dicionário de mitologia grega e romana. Rio de Janeiro: J. Zahar,
1999.
39
LIPP, M. E. N., ARANTES, J. P., BURITI, M. S., WITZIG, T. O stress em escolares. Revista
Acta Científica: Ciências Humanas, 1(4), Campinas, p.16-20, 2003. Disponível em: <
https://revistas.unasp.edu.br/acch/article/view/538/540>. Acesso em: 15 ago 2017.
SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2007.
ANEXO A
Caixas grandes
caixas redondas
caixas pequenas
caixas altas
todos os tipos de caixas!
ANEXO B
Há muito tempo, na China, vivia um menino chamado Ping, que adorava flores.
Tudo o que ele plantava florescia maravilhosamente. Flores, arbustos e até imensas
árvores frutíferas desabrochavam como por encanto.
Todos os habitantes do reino também adoravam flores. Eles plantavam flores por toda
a parte e o ar do país inteiro era perfumado.
O imperador gostava muito de pássaros e outros animais, mas o que ele mais apreciava
eram as flores. Todos os dias ele cuidava de seu próprio jardim.
Acontece que o imperador estava muito velho e precisava escolher um sucessor. Quem
podia herdar seu trono? Como fazer essa escolha?
Já que gostava muito de flores, o imperador resolveu deixar as flores escolherem.
No dia seguinte, ele mandou anunciar que todas as crianças do reino deveriam
comparecer ao palácio. Cada uma delas receberia do imperador uma semente especial.
Quem provar que fez o melhor possível dentro de um ano ele declarou será meu
sucessor.
A notícia provocou muita agitação. Crianças do país inteiro dirigiram-se ao palácio
para pegar suas sementes de flores.
Cada um dos pais queria que seu filho fosse escolhido para ser o imperador, e cada
uma das crianças tinha a mesma
esperança.
Ping recebeu sua semente do imperador e ficou felicíssimo. Tinha certeza de que seria
capaz de cultivar a flor mais bonita de todas. Ping encheu o vaso com terra de boa qualidade e
plantou a semente com muito cuidado. Todos os dias ele regava o vaso. Mal podia esperar o
broto surgir, crescer e depois dar uma linda flor.
Os dias se passaram, mas nada crescia no vaso. Ping começou a ficar preocupado. Pôs
terra nova e melhor num vaso maior. Depois transplantou a semente para aquela terra escuta e
fértil. Esperou mais dois meses e nada aconteceu. Assim se passou o ano inteiro.
Chegou a primavera e todas as crianças vestiram suas melhores roupas para irem
cumprimentar o imperador. Então, correram ao palácio com suas lindas flores, ansiosas por
serem escolhidas. Ping estava com vergonha de seu vaso sem flor. Achou que as outras
crianças zombariam dele por que pela primeira vez na vida não tinha conseguido cultivar
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uma flor. Seu amigo apareceu correndo, trazendo uma planta enorme:
- Ping, disse ele, você vai mesmo se apresentar ao imperador levando um vaso sem
flor? Por que não cultivou uma flor
bem grande como a minha?
- Eu já cultivei muitas flores melhores do que a sua, disse Ping.
- Foi essa semente que não deu nada.
O pai de Ping ouviu a conversa e disse:
- Você fez o melhor que pôde, e o possível deve ser apresentado ao imperador.
Ping dirigiu-se ao palácio levando o vaso sem flor.
O imperador estava examinando as flores vagarosamente, uma por uma. Como eram
bonitas! Mas o imperador estava muito sério e não dizia uma palavra.
Finalmente chegou a vez de Ping. O menino estava envergonhado, esperando um
castigo. O imperador perguntou:
- Por que você trouxe um vaso sem flor?
Ping começou a chorar e respondeu:
- Eu plantei a semente que o senhor me deu e a reguei todos os dias, mas ela não
brotou. Eu a coloquei num vaso maior com terra melhor, e mesmo assim ela não brotou. Eu
cuidei dela o ano todo, mas não deu nada. Por isso hoje eu trouxe um pote vazio. Foi o melhor
que eu pude fazer.
Quando o imperador ouviu essas palavras, um sorriso foi se abrindo em seu rosto e ele
abraçou Ping. Então ele declarou para todos ouvirem:
- Encontrei! Encontrei alguém que merece ser imperador!
- Não sei onde vocês conseguiram essas sementes, pois as que eu lhes dei estavam
todas queimadas. Nenhuma delas poderia ter brotado. Admiro a coragem de Ping, que
apareceu diante de mim trazendo a pura verdade. Vou recompensá-lo e torná-lo imperador
deste país.
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ANEXO C
com as próprias mãos no alto do monte Citéron, impelida pelo delírio contagioso das devotas
do deus.
Por onde Diôniso passava repetiam-se essas cenas de desvario místico. Em Argos o
deus enlouqueceu as filhas do rei Preto e as demais mulheres da região, que em sua
alucinação coletiva chegavam a devorar os próprios filhos de tenra idade. Da Beócia Diôniso
quis ir a Naxo, embarcando numa nau de piratas tirrênios, que tomaram a direção da Ásia
Menor com a intenção de vender seu passageiro como escravo. Percebendo essa intenção o
deus transformou os remos da nau em serpentes, encheu a nau de hera e fez soarem
incontáveis flautas invisíveis. Em seguida cercou a nau com guirlandas de videira, fazendo-a
parar, aterrorizando a tal ponto os piratas que eles se lançaram ao mar, transformando-se em
golfinhos. A partir de então o poder de Diôniso passou a ser reconhecido universalmente e o
deus subiu ao céu, deixando o seu culto disseminado por toda a terra. Do céu Diôniso voltou à
terra para raptar Ariadne em Naxo.
Diôniso, também chamado Baco, era considerado o deus das videiras, do vinho e do
delírio místico. O culto dionisíaco penetrou também na Itália e disseminou-se de tal modo que
no século III a.C. o Senado romano, preocupado com sua licenciosidade, proibiu a celebração
das Bacanais. Apesar dessa reação a influência dionisíaca sobreviveu até a época imperial,
favorecida pela crescente dissolução moral. Diôniso aparece na escrita minoica Linear B
(aproximadamente 1400-1200 a.C.), fato que atesta a antiguidade da lenda.
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ANEXO D
tirar-lhe a vida. Certa noite Alcmene deixara no berço seus dois filhos gêmeos e adormecera.
À meia-noite Hera soltou no quarto onde eles estavam duas serpentes enormes, e cada uma
delas atacou um dos recém-nascidos. Ificlés começou a gritar, e Heraclés segurou
corajosamente as serpentes, uma em cada mão, e as estrangulou. Quando Anfitrião apareceu
para socorrer os filhos e viu as serpentes mortas ainda nas mãos de Heraclés, sentiu que seu
filho era um deus. Seu primeiro mestre foi o músico Lino, morto pelo discípulo por ser muito
exigente, com uma pancada com a lira durante um acesso de cólera. Anfitrião, querendo evitar
novos desatinos do filho, mandou-o para o campo, onde ele deveria cuidar de seus rebanhos.
Lá Heraclés continuou o seu aprendizado com um cita chamado Têutaro, e com Êurito, que
lhe ensinaram a arte de manejar o arco e as flechas. Chegando à adolescência o herói já
ostentava uma estatura descomunal – cerca de 2,50m – ; aos dezoito anos ele matou o leão do
Citéron, uma fera enorme que devastava os rebanhos de Anfitrião e de Téspio, rei de um
território contíguo a Tebas. Para a caçada Heraclés instalou-se no palácio do rei Téspio, e
depois de cinqüenta dias de tentativas feriu mortalmente o leão. Nesse ínterim Téspio, que
tinha cinqüenta filhas de sua mulher Megamede, e queria que elas (as Tespíades) lhe dessem
netos filhos de Heraclés, punha a cada noite no leito do herói uma delas. Heraclés possuiu
todas as filhas de Téspio pensando que se deitava sempre com a mesma, e teve com elas
cinqüenta filhas. Regressando da caçada ao leão de Citéron, Heraclés encontrou-se nas
proximidades de Tebas com os arautos de Ergino, rei de Orcômeno, cuja missão era recolher o
tributo anual pago pelos tebanos aos orcomênios. O herói atacou-os e cortou-lhes as orelhas e
os narizes; depois de enfiá-los em cordéis pendurou-os nos pescoços dos arautos, e mandou-
os levarem aquele tributo ao rei. Indignado, Ergino marchou contra Tebas à frente dos
orcomênios, mas foi derrotado por Heraclés, que impôs aos vencidos um tributo duas vezes
maior que o exigido dos tebanos. As armas usadas por Heraclés nesse combate foram um
presente de Atena ao herói. Creonte, rei de Tebas, querendo demonstrar sua gratidão a
Heraclés, deu-lhe em casamento sua filha Mêgara, e ofereceu sua filha mais moça a Ificlés.
Do casamento de Heraclés com Mêgara nasceram muitos filhos, e do casamento de Ificlés
com a irmã de Mêgara nasceram dois.
A essa altura da vida de Heraclés, Hera, sempre rancorosa, quis pô-lo a serviço de
Euristeu. Para atingir o seu objetivo a deusa provocou um acesso de loucura no herói, durante
o qual ele matou os filhos que tivera de Mêgara e os dois de Ificlés com sua irmã; Heraclés
tentou também matar Anfitrião, seu pai, e só não consumou o parricídio porque Atena o fez
adormecer no momento em que estava prestes a desferir o golpe mortal. Para purificar-se
dessa carnificina Heraclés teve de sujeitar-se a servir a Euristeu, que lhe impôs os Doze
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Os doze trabalhos são façanhas realizadas por Heraclés a serviço de seu primo
Euristeu. O herói submeteu-se a esse período de servidão para expiar os assassínios cometidos
durante o acesso de loucura provocado por Hera. Em seguida à mortandade Heraclés foi a
Delfos consultar o oráculo de Apolo, e o deus lhe ordenou por meio da Pítia que passasse a
servir a Euristeu durante doze anos. Apolo prometeu-lhe a imortalidade após essa provação
(em outra versão da lenda a promessa teria sido feita por Atena). Na época alexandrina os
mitógrafos elaboraram uma lista desses trabalhos. Deve-se notar que Apolôdoros enumera
apenas dez trabalhos, excluindo de sua lista os episódios do cão Cérbero e dos Pomos de Ouro
das Hespérides.
1. O Leão de Nemeia
2. A Hidra de Lerna
3. A corça de Cerínia
4. O javali de Erímanto
5. Os estábulos do rei Augias
6. As aves do lago Estínfalo
7. O touro de Creta
8. As éguas de Diomedes
9. O cinto de Hipólita
10. Os bois de Geríon
11. Cérbero, o cão do inferno
12. Os pomos de ouro das Hespérides
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ANEXO E
Ninguém no mundo morava numa casinha como aquela, no alta da montanha. Não
dava para desejar nada melhor. Mas a sra. Busca resolveu implicar com a pedra que ficava
atrás da casa... e vejam só o que aconteceu!
O sr. e a sra. Busca moravam numa casinha no topo de uma montanha, a única
montanha daquela região.
Como era a única montanha, recebia muitos visitantes. A vista era maravilhosa.
Chegar ao topo da montanha era um pouco difícil para os visitantes, mas voltar para
casa era fácil. Todos diziam que era um lugar perfeito para morar.
“Seria perfeito,” dizia a sra. Busca para o marido, “se não fosse a pedra.”
A pedra ficava atrás da casa e tapava metade da vista da janela da cozinha.
“É perfeito,” dizia o sr. Busca, “metade da nossa vista é melhor que a vista inteira de
qualquer outra pessoa.”
“Além disso,” dizia o sr. Busca, “posso subir na pedra e avistar mais longe ainda.”
Mas a sra. Busca continuava insistindo na pedra. Ela dizia: “Você sai para trabalhar,
mas eu tenho que ficar em casa olhando para essa pedra”, ou então: “Eu fico um tempão na
cozinha”, ou só: “É uma pena essa pedra.”
Finalmente, uma noite o sr. Busca falou: “Amanhã vou dar um jeito nisso”. E a sra.
Busca ficou feliz.
No dia seguinte, o Sr. Busca escavou o chão ao lado da pedra. Empurrou-a pelo outro
lado e a pedra rolou até o pé da montanha.
“Viva!”, exclamou o Sr. Busca.
A sra. Busca ficou felicíssima, pois agora enxergava toda a vista da janela da cozinha.
Mas aquela noite ela disse: “Que barulho estranho é esse? Parece um chiado!” O marido, que
tinha ficado exausto com o trabalho, já estava dormindo.
Na noite seguinte foi o sr. Busca que disse: “Que barulho estranho é esse? Parece um
chiado!”
“Não sei,” disse a sra. Busca, “mas ouvi o mesmo barulho ontem à noite.”
No dia seguinte, o sr. Busca achou mais fácil voltar do trabalho para casa. Quando
chegou, encontrou a mulher chorando.
“A montanha está baixando”, ela soluçou. “O chiado é do ar que está escapando da
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ANEXO F
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às
vezes perdemos.
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: Diga a sí mesmo que o que
passou jamais voltará.
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo...
- Nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Encerrando ciclos, não por causa do orgulho, por incapacidade ou por soberba...
Mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais em sua vida.
ANEXO G
Um imortal Fu Xi, que vivia no céu, nutria uma profunda compaixão pelas cotidianas
dificuldades dos seres humanos. Ele ansiava que eles dominassem o uso do fogo e mandou
uma tempestade com trovões. Após um grande “brrum”,os raios cortaram as árvores,
incendiaram seus galhos e tornaram os bosques um mar de fogo. As pessoas fugiram
apavoradas. Pouco depois, a tempestade cessou enquanto a noite vinha chegando e a terra e o
ar exalavam um cheiro de umidade. As pessoas se agruparam defronte às árvores queimadas.
Neste momento, um jovem percebeu que não havia mais os uivos de animais selvagens e
pensou: “será que os animais têm medo dessa coisa brilhante?”Aproximou-se com coragem
do fogo e sentiu-se aquecido. Animado, chamou seus companheiros: “Venham cá. O fogo nos
trouxe luz e calor “.
Enquanto isso, outras pessoas descobriram animais mortos, cujas carnes exalavam um
cheiro gostoso. As experimentaram e gostaram. Conhecendo o uso de fogo, começaram a
recolher ramos de árvores para manter acesa as chamas e um plantão para guardá-la todo o
dia. Mas, um dia, o plantão dormiu no seu posto e a chama apagou-se. A humanidade voltou a
cair na escuridão.
Fu Xi acompanhou tudo isso no céu e entrou no sonho do jovem que descobriu o uso
de fogo, dizendo: “No Ocidente existe um país da Luz. Pode ir lá para buscar sua chama ”. Ao
acordar, o jovem lembrou-se das palavras do imortal e decidiu buscar a chama no País da Luz.
Atravessando altas montanhas, grandes rios e imensas florestas, o jovem chegou
finalmente ao País da Luz. Mas, não havia lá nem luz solar nem qualquer chama acesa. O
mundo, ali, era escuro. Decepcionado, o jovem sentou-se em baixo de uma grande árvore. De
repente, descobriu uma coisa cintilante à sua frente. O jovem levantou-se, começou a procurar
a fonte da luz e viu alguns pássaros comendo pequenos insetos na árvore. O atrito entre o bico
das aves e o tronco das árvores provocava faíscas. Inspirado pela cena, o jovem pegou um
galho e começou a perfurar o tronco da árvore. Surgiram faíscas, mas não obteve fogo. O
jovem insistiu em tentar o fogo friccionando os galhos nas árvores. Pouco a pouco, as fricções
provocaram fumaça e, finalmente, o fogo. O jovem, emocionado, chorou.
O jovem voltou à terra natal e ensinou a técnica de produzir fogo com fricções. A
população, admirando a valentia e sabedoria do jovem, elegeu-o como seu líder e chamou-o
Sui Ren, “Homem do Fogo”.