Você está na página 1de 54

UNIVERSIDADE PAULISTA

PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTETERAPIA

WESLEY SANTOS SOUZA

ARTETERAPIA COMO RECURSO DE AUTOCONHECIMENTO,


PREVENÇÃO E REDUÇÃO DE ANSIEDADE EM VESTIBULANDOS E
CONCURSANDOS ADULTOS

São Paulo
2018
WESLEY SANTOS SOUZA

ARTETERAPIA COMO RECURSO DE AUTOCONHECIMENTO,


PREVENÇÃO E REDUÇÃO DE ANSIEDADE EM VESTIBULANDOS E
CONCURSANDOS ADULTOS

Monografia apresentada à Universidade


Paulista como trabalho de conclusão do Curso
de Pós-Graduação Lato Sensu em Arteterapia
como condição parcial para a obtenção do
título de Especialista em Arteterapia, sob
orientação da Prof.ª Ms. Tania Cristina Freire.

São Paulo
2018
WESLEY SANTOS SOUZA

ARTETERAPIA COMO RECURSO DE AUTOCONHECIMENTO,


PREVENÇÃO E REDUÇÃO DE ANSIEDADE EM VESTIBULANDOS E
CONCURSANDOS ADULTOS

Trabalho de conclusão de curso para


obtenção do título de Pós-Graduação em
Arteterapia apresentado à Universidade
Paulista – UNIP.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

______________________________/____/______
Prof.ª Ms. Tania Cristina Freire
Universidade Paulista

_____________________________/_____/______
Prof.ª Ms. Oneide Regina Depret
Universidade Paulista

_____________________________/____ /_______
Prof.ª Dra. Patrícia Pinna Bernardo
Universidade Paulista
A Via Láctea não existe no céu, ela está dentro
de você; a Via Láctea corre pelo cosmos sem
fim, ela corre pelo fundo da terra. A Via
Láctea que corre por aquelas bandas, será
que é dela que vem a conversa que ouvimos na
plataforma? A conversa dos céus, a conversa
do fundo da terra, elas têm relação com seu
interior.

Kazuo Ohno
RESUMO

Este trabalho, realizado a partir do estágio referente à formação na Pós-Graduação em


Arteterapia da Universidade Paulista, foi supervisionado pela Prof.ª Ms. Tania Cristina Freire.
Retratou o processo arteterapêutico aplicado em oito oficinas individuais a uma jovem adulta
concursanda e um rapaz vestibulando. Teve como proposta a redução e prevenção de altos
níveis de ansiedade em estudantes vestibulandos e concursandos jovens adultos, além de
promover o autoconhecimento e estímulo à criatividade, investindo na integralidade psíquica
dos participantes, contribuindo, assim, positivamente em sua qualidade de vida. Observou-se
ao final do processo que os objetivos pré-estabelecidos foram alcançados, possibilitando aos
participantes uma percepção mais ampla acerca de si e seu momento atual de vida, auxiliando
em seu crescimento interior.

Palavras-chave: Arteterapia, Concursando, Vestibulando, Ansiedade, Autoconhecimento.


ABSTRACT

This work, carried out from the internship in Post-Graduation in Art Therapy of Paulista
University, was supervised by Prof. Tania Cristina Freire. It portrayed the art therapy process
applied to eight individual workshops for a young woman, public service candidate, and a
young man trying out for college. It had as a goal the reduction and prevention of high levels
of anxiety in pre-college students and young public service candidates, in addition to
promoting self-knowledge and stimulation of creativity, investing in the psychic totality of the
participants, contributing, thus, positively in their quality of life. It was observed at the end of
the process that the pre-established goals were achieved, allowing the participants a wider
perception about themselves and their current moment of life, aiding in their inner growth.

Keywords: Art Therapy, Public Service Candidate, Pre College Students, Anxiety, Self-
Awareness.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Criando vínculos............................................................................................... 20


Figura 02 – Germinando novas concepções de si................................................................ 23
Figura 03 – Conversando com nossos personagens internos............................................... 26
Figura 04 – Percorrendo o caminho do herói....................................................................... 29
Figura 05 – Exercitando o desapego.................................................................................... 32
Figura 06 – Trabalhando a intuição e espontaneidade......................................................... 34
SUMÁRIO

BREVE TRAJETÓRIA PESSOAL.................................................................................... 8


1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................................. 9
1.1 Um conceito de ansiedade ........................................................................................... 9
1.2 Ansiedade entre vestibulandos e concursandos ......................................................... 10
2 JUSTIFICATIVA........................................................................................................ 13
3 OBJETIVO..................................................................................................................15
4 METODOLOGIA....................................................................................................... 16
4.1 Participantes .................................................................................................................16
4.2 Organização ................................................................................................................. 16
4.3 Planejamento ............................................................................................................... 17
4.4 Coleta de Dados .......................................................................................................... 17
5 PROCESSO ARTETEURAPÊUTICO..................................................................... 18
5.1 Criando vínculos........................................................................................................... 18
5.2 Germinando novas concepções de si............................................................................ 20
5.3 Conversando com personagens internos.......................................................................23
5.4 Percorrendo o caminho do herói...................................................................................26
5.5 Superando obstáculos................................................................................................... 29
5.6 Exercitando o desapego................................................................................................ 30
5.7 Trabalhando a intuição e espontaneidade..................................................................... 32
5.8 Reelaborando o trajeto pessoal..................................................................................... 34
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 37
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 38
ANEXO A............................................................................................................................. 40
ANEXO B............................................................................................................................. 41
ANEXO C............................................................................................................................. 43
ANEXO D............................................................................................................................. 45
ANEXO E............................................................................................................................. 48
ANEXO F............................................................................................................................. 50
ANEXO G............................................................................................................................. 52
8

BREVE TRAJETORIA PESSOAL

Costumo pensar que a necessidade expressiva sempre esteve presente na minha vida.
Desde cedo, havia algo dentro de mim que se expandia para o exterior esplendorosamente,
como uma voz interna de qualquer outro mundo, pronta para agir entre os espaços vagos da
rotina. Tímida e lentamente, deixei-me levar pelo seu movimento, até certo dia, perceber que
meu desejo, em alta voz, debruçava-se nesta direção.
Vivências em ateliês de artes visuais se deram naturalmente, aulas de história da arte,
pintura, modelagem e desenho. Já na idade adulta, graduei-me em artes visuais e historia da
arte, desenvolvendo uma poética e pesquisa pessoal a partir de objetos do cotidiano,
valorizando a preciosa conexão entre a vida e o fazer artístico.
Durante o inicio da minha vida profissional, devido a uma crise existencial profunda,
entrei em contato com a clinica psicanalítica. E foram longos e produtivos anos, como
analisando, estudante e participante de inúmeras experiências terapêuticas grupais. Nesta
jornada de autoconhecimento e transformação pessoal, muitos recursos expressivos foram de
extrema importância. Assim, meu primeiro contato com a arteterapia, propriamente dita, se
deu em ambiente clinico.
Mais tarde, como uma maneira de interseccionar a arte e a psicanálise, procurei o
curso de especialização em arteterapia, interessado em estudar e promover vivencias
profundas e subjetivas que desdobrassem em material estético e vice-versa. Uma maneira de
se relacionar, multiplicar os saberes e patrocinar a produção de possíveis potencialidades e
modos de existência resultantes de um processo terapêutico-expressivo.
A definição do tema deste estudo surgiu a partir do interesse que me despertou a
ansiedade recorrente em alguns dos colegas do curso de pós-graduação em arteterapia,
relacionadas diretamente ao processo de elaboração de monografia e prática supervisionada
arteterapêutica. Esta situação foi o estímulo ou o gatilho para minha reflexão acerca da
situação psíquica e emocional do estudante jovem adulto em fase pré-vestibular ou concurso
público e como a prática da arteterapia poderia atingir este público positivamente.
9

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 Um conceito de ansiedade

Segundo Rodrigues e Pelisoli (2008), a ansiedade está relacionada ao comportamento


de avaliação de risco que é evocado em situações em que o perigo é incerto, quando existe a
presença de ameaça(s), seja porque a situação vivenciada é nova ou porque o estímulo do
perigo esteve presente no passado, mas não está mais no meio ambiente atual. Podendo a
ansiedade ser definida como um padrão incondicionado de resposta caracterizado por um

[...] conjunto de reações fisiológicas referentes à emissão de


comportamentos de luta ou fuga, diante de situações de perigo. Em termos
clínicos, a ansiedade é um dos principais problemas psiquiátricos, com altos
custos sociais e individuais. Sendo assim, possui elevada demanda de
assistência, demonstrando sua importância em termos de saúde pública. Os
transtornos de ansiedade atingem todas as classes socioeconômicas em todo
o mundo (p. 173).

Para Landeira-Fernandez e Cruz (2007), que organiza sistematicamente a questão, a


ansiedade é uma espécie de resultado da atividade de um sistema saudável denominado medo.
Sistema que é, de certa forma, responsável pelo processamento de estímulos de perigo
presentes na realidade externa.
Avaliando uma determinada situação como ameaçadora, o indivíduo experimentará
uma elevação, um aumento do estado de ansiedade. A intensidade e a duração dependerão
essencialmente do nível de ameaça que é atribuída à situação (SANTAROSA, 1984).
Porém, é importante frisar que, por ser essencial ao homem e inesperável da condição
humana, a ansiedade não deve ser vista como um fenômeno patológico, desde que funcione
como uma espécie de motivação e preparação do organismo, sendo necessário para colocá-lo
em alerta durante o surgimento de alguma ameaça para a estabilidade emocional do individuo
(ANDRADE; GORESTEIN,1998).
Um determinado grau de ansiedade é essencial para a sobrevivência humana, e se
houver um aumento exacerbado em seu nível, o desempenho do indivíduo poderá ser
prejudicado frente às variadas situações que ele enfrentará durante a vida, tais como provas,
entrevistas, relacionamentos dentre outras (LIPP et al., 2003).
10

1.2 Ansiedade entre vestibulandos e concursandos

Apesar dos estudos sobre o processo de vestibular se concentrarem no público


adolescente, maioria dedicada ao vestibular universitário, pressupõem-se que jovens adultos
também vivenciem situações semelhantes. E para iniciar uma investigação teórica que
direcione para as possíveis respostas às questões que sustentam a proposta deste trabalho, é
essencial analisar as situações de vestibular e concurso público e como estas se apresentam
relacionadas ao estado de ansiedade.
Entre as diversas etapas e mudanças que o jovem tem de enfrentar em sua vida, uma
está relacionada com sua escolaridade e inserção no mundo do trabalho: o vestibular. Esse
fator assume grande relevância para o estudante, pois vivemos em uma sociedade composta
por: “[...] um modelo socioeconômico cada vez mais seletivo, exigindo dos jovens formação
cultural e intelectual cada vez mais refinada” (DIAS; NAZARENO; MENDONÇA, 2008,
p.629).
Segundo Rodrigues e Pelisoli (2008), a palavra “vestibular” é originária do termo
grego vestibulum (átrio, portal, entrada), e o vestibular pode ser definido como:

[...] o processo seletivo que existe para o ingresso nas Universidades,


obrigatório no Brasil. Visto como um ritual de passagem da sociedade
moderna, o vestibular simboliza a entrada do jovem para o mundo adulto e
do trabalho. Os rituais de passagem foram criados pela sociedade humana
desde os primórdios da civilização: certos ritos ou cerimônias assinalam
mudanças críticas na evolução de seus membros e instituições. Entretanto,
alguns autores tratam-no como um pseudo-ritual, já que muitos adolescentes
permanecem em simbiose com a família, sendo mantidos e sustentados por
seus pais, muitos anos após o processo seletivo (p.172).

Além disso, o vestibular é composto por etapas seletivas e classificatórias. A maioria


dos estudantes que se submetem a este tipo de exame é de adolescentes que estão em fase
final de conclusão do ensino médio (SOARES; MARTINS, 2010).
A escolha profissional e a preparação para o mundo do trabalho é uma situação
geradora de angústia, quando os jovens estão buscando a significância e a finalidade para a
vida, a descoberta de seu lugar no mundo, estabelecendo novas relações fora da organização
11

familiar. Processo que trás consigo dúvidas, questionamentos, ansiedade e, dependendo do


desenrolar destes problemas, podem trazer emoções agradáveis ou grandes frustrações
(BIANCHETTI, 1996 apud SOARES; MARTINS, 2010). Dias, Nazareno e Mendonça
(2008) elucida que:

[...] O vestibular pode ser considerado um marco na vida do estudante,


representando a saída do mundo da adolescência e a entrada na fase adulta.
As expectativas criadas em relação a esse momento, tanto para os
adolescentes como para os pais e os professores, podem desencadear
psicopatologias, tais como ansiedade e depressão, entre outras (p.631).

O medo da reprovação no vestibular é o fator principal para desencadeamento do


estado de ansiedade. Este medo está diretamente relacionado com a avaliação dos seus
estudos, com o enfrentamento das expectativas da família e da sociedade, com o excessivo
número de matérias para estudar e com a incerteza relativa à escolha profissional (D’AVILA;
SOARES, 2003).
Durante a preparação para o vestibular, o estudante enfrenta, além das incertezas e
inseguranças inerentes à sua condição de desenvolvimento, a cobrança da família, de amigos e
da própria sociedade para que ele obtenha a aprovação. E que esse contexto contribui para o
surgimento da ansiedade, que, em muitos casos, pode ultrapassar os limites da normalidade e
prejudicar o desempenho do candidato durante a prova (RODRIGUES; PELISOLI, 2008).
Soares (2002 apud SOARES; MARTINS, 2010) reforça que os estudantes estão
submetidos, em época de vestibular, as cobranças pessoais, familiares e sociais para um bom
desempenho nos estudos. E que estas pressões podem gerar um estado de ansiedade
prejudicial ao desempenho acadêmico e à saúde do adolescente:

Alguns sentimentos como o de solidão, insegurança e dúvidas [...] podem


resultar em pânico, sentimentos de incompetência e incapacidade. O drama
psicológico vivido vai aumentando à medida que o exame se aproxima. O
vestibulando pode vir a sofrer distúrbios psicológicos levando até mesmo a
depressão (p.58).

O processo do vestibular traz ao aluno um sentimento de perda grande e a necessidade


de assumir de maneira autônoma a sua nova identidade. Com isso, o estudante pode
desenvolver sérios problemas de saúde mental no período que antecede a realização do
12

concurso vestibular, tornando-o, então, um evento estressante para o adolescente


(BIANCHETTI, 1996 apud DIAS; NAZARENO; MENDONÇA, 2008).
No contexto do serviço público, a maioria dos participantes que prestam concursos são
jovens adultos em início de carreira profissional, cujos motivos para prestar concursos
visando ao ingresso no serviço público relacionam-se principalmente à estabilidade no cargo,
à remuneração e à possibilidade de fazer carreira (ALBRECHT; KRAWULSKI, 2011). E,
segundo Costa (s/d), lidar com a ansiedade é um dos maiores ou principais desafios para
quem está se preparando para carreira pública. Podendo tornar-se um empecilho quando
ocorre em excesso. Pois geralmente um candidato enfrenta várias preocupações ao longo da
sua preparação, como conseguir concluir o estudo das matérias, o seu desempenho na prova
em relação a outros candidatos, a importância deste concurso para a sua vida, etc. Essas
preocupações podem gerar comportamentos negativos, como prejudicar o desempenho do
estudante ao longo do período de preparação para a prova e o esgotamento psicológico.
13

2 JUSTIFICATIVA

A justificativa deste trabalho se deve, em parte, pela ausência de estudos científicos


acerca da arteterapia enquanto recurso terapêutico no tratamento de jovens ou adultos com
altos níveis de ansiedade e participantes do processo de vestibular universitário ou concurso
público. Foi realizada a busca de artigos e estudos sobre o tema nas plataformas seguintes:
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), SciELO (Scientific Electronic
Library Online), Acervos digitais da AATESP (Associação de Arteterapia do Estado de São
Paulo), Instituto Sedes Sapientiae (SP), Clínica Pomar de Arteterapia (RJ) e Universidade
Estadual Paulista UNESP, mas nenhum resultado foi encontrado.
O uso da arte como terapia implica que o processo criativo pode ser um meio tanto de
reconciliar conflitos emocionais, como de facilitar a autopercepção e o desenvolvimento
pessoal. De acordo com Carvalho (1995 apud DEPRET, 2005), a conceituação da AAAT
(American Art Therapy Association), a arteterapia oferece:

[...] oportunidades de exploração de problemas e de potencialidades pessoais


por meio da expressão verbal e não-verbal e do desenvolvimento de recursos
físicos, cognitivos e emocionais, bem como a aprendizagem de habilidades,
por meio de experiências terapêuticas com linguagens artísticas variadas. [...]
A terapia por meio das expressões artísticas reconhece tanto os processos
artísticos como as formas, os conteúdos e as associações, como reflexos de
desenvolvimento, habilidades, personalidade, interesses e preocupações do
paciente. O uso da arte como terapia implica que o processo criativo pode
ser um meio tanto de reconciliar conflitos emocionais, como de facilitar a
autopercepção e o desenvolvimento pessoal (p.8).

No processo arte-terapêutico utiliza-se materiais diversificados: tanto os habitualmente


usados nas Artes Visuais - papéis, tintas, argila - quanto outros, como conchas, sementes,
linhas, tecidos, etc. E o fazer artístico proporciona a expressão de sentimentos, pensamentos,
emoções e atitudes, anteriormente desconhecidos, mas que adquirem materialidade e se
manifestam na produção plástica, tornando-se evidentes, fazendo com que o sujeito descubra
aspectos seus através da projeção de seus próprios conteúdos (DEPRET, 2005). Como reforça
Bernardo (2006):
14

As obras-de-arte contemplam sua função terapêutica para a humanidade


quando vão além do aparente, da superfície, mergulhando no que está aquém
e além do visível, trazendo à tona novos elementos para a compreensão da
atualidade, acarretando por parte da sociedade uma reação, uma comoção
que vai da resistência à mudança de atitudes e valores a uma nova concepção
e estruturação da realidade (p.74)

Além disso, o trabalho com recursos expressivos associados aos 4 elementos da


natureza (terra água, fogo, ar) pode ser empreendido para se trabalhar com aspectos psíquicos
relacionados às 4 funções da consciência descritas por Carl Gustav Jung e que são as formas
que encontramos para entrar em contato com o mundo interno e externo: Sensação,
Sentimento, Intuição e Pensamento. Promovendo o equilíbrio psíquico, além de poder-se
trabalhar com questões associadas a alguma função específica, escolhendo-se o recursos mais
adequado para tal (JUNG, 1976 apud BERNARDO, 2013).
De maneira semelhante às obras-de-arte, os contos de fadas e os mitos explicitam
processos de apreensão, de construção e de formas de relacionamento com a realidade, cada
obra:”[...] não carrega em si uma única compreensão possível, redutiva à psicologia do autor
ou do momento histórico e social em que foi produzido, mas é uma porta aberta à percepção e
ao imaginário” (BERNARDO, 2006).
Neste sentido, a arteterapia caracteriza-se como possível recurso para redução e
prevenção de altos níveis de ansiedade, contribuindo positivamente na qualidade de vida dos
estudantes que prestarão o vestibular e o concurso público, parte importante do processo
vocacional e início de uma trajetória acadêmica e profissional.
15

3 OBJETIVO

O principal objetivo deste trabalho é o de verificar se oficinas arteterapêuticas são


capazes de reduzir e prevenir altos níveis de ansiedade dos estudantes vestibulandos e
concursandos adultos. Além de promover o autoconhecimento e estímulo à criatividade,
investindo na integralidade psíquica do indivíduo. Contribuindo assim, positivamente na sua
qualidade de vida.
Para se alcançar o objetivo principal traçado, os objetivos secundários foram
estruturados da seguinte maneira: produzir vínculo, construir espaço sagrado; germinar novas
concepções e descobertas sobre si; conversar com nossos personagens internos (persona e
sombra); tomar consciência de história pessoal e vislumbrar futuros projetos (caminho do
herói); aprender a lidar com obstáculos de maneira construtiva; praticar o desapego e
aumentar a capacidade de lidar com frustrações; estimular a criatividade, intuição e
espontaneidade; resgatar o que se produziu durante as oficinas, para promover a reelaboração
do processo pessoal, de forma consciente.
16

4 METODOLOGIA

4.1 Participantes

Em relação ao público-alvo deste estudo, o uso do termo adulto, quando usado, refere-
se a quem se encontra no período de vida após a adolescência e antes da velhice
(MICHAELIS, s/d). E a escolha de um público adulto se deve a dificuldade vivenciada na
captação de voluntários estudantes adolescentes com faixa etária menor que 25 anos.
Participaram deste processo, dois (02) jovens adultos estudantes, de nomes fictícios,
Adriana e Rodrigo. Adriana é concurseira, solteira, tem 27 anos e é formada na área de Direito
e advogada, dedica-se a concursos públicos visando ingressar no cargo de Defensora Pública.
Rodrigo é solteiro, tem 39 anos, possui ensino técnico na área de Administração e dedica-se a
ingressar no curso superior de Economia via exame vestibular universitário, e a variados
concursos públicos.
Ambos os participantes estavam em acompanhamento psicoterapêutico a mais de 01
ano. E durante a aplicação das oficinas permaneceram em atendimento.
Para garantir maior síntese e consistência, somente o conteúdo do processo vivencial
da participante Adriana foi abordado neste estudo.
Fora estabelecido um contrato de sigilo, de tempo indeterminado, entre a minha
pessoa, enquanto condutor da prática arteterapeutica, e cada participante das oficinas de
arteterapia, de maneira que todas as imagens e depoimentos coletados, resultantes do processo
arteterapeutico, foram utilizados somente para fins acadêmicos. E todos os participantes
tiveram suas identidades totalmente preservadas, quando citados neste estudo.

4.2 Organização

A prática arteterapeutica se organizou num total de 08 oficinas de arteterapia, com


duração de 1,5 hora (s), cada encontro. Realizadas na escola de psicanálise: Instituto D'Alma,
localizada em São Paulo – SP, entre Maio e Junho de 2017. No horário inicial das 19:30 horas
e término as 21:00 horas da noite.
Todo o material artístico e técnico disponibilizado durante os encontros, foi preparado
e adquirido pelo arteterapeuta. E seu uso, planejado de acordo com cada oficina proposta.
17

4.3 Planejamento

Cada encontro foi composto por um momento inicial de abertura de roda para
conversa e bate-papo entre os participantes da proposta. Em seguida, com os participantes
sentados confortavelmente e de olhos fechados, por meio de palavras-chave e sugestões de
fluxo respiratório, foi realizada uma estimulação do contato com eu interior e introspecção.
Logo após, o conto de sensibilização relacionado à proposta da oficina, sob meia-luz e música
instrumental ao fundo, era apresentado aos participantes. Por conseguinte, os participantes
foram estimulados, por meio de palavras, a acessar o que estavam sentindo naquele momento
e como o conto ou tema apresentado afetou-lhes. Com os materiais artísticos dispostos e
gradativamente despertados, os participantes eram estimulados a interagir com o material e a
se expressar, sob orientação do arteterapeuta, mas também permitindo o campo de livre
experimentação, sempre levando em consideração a proposta de cada encontro. Ao final,
realizou-se uma conversa em roda sobre a experiência.
Somente foi permitida a retirada da produção artística resultante das oficinas de
arteterapia, após o último encontro. Antes disso, os objetos ficaram armazenados em lugar
sigiloso, designado pelo arteterapeuta. Pois, segundo Bernardo (2013), os trabalhos devem ser
levados embora somente no final do processo arteterapeutico. Devendo ser contemplados e
comentados em conjunto no encontro final, como maneira de assimilação do processo
pessoal.

4.4 Coleta de dados

Diante de necessidades reais do grupo, detectadas pelo arteterapeuta durante o


processo, as oficinas programadas estiveram sujeitas a implementações ou modificações.
A análise dos dados se deu a partir do registro das falas (gravadas e posteriormente
transcritas) e da observação do comportamento dos participantes: o envolvimento com a
atividade, a escolha dos materiais, as expressões e suas reflexões durante os encontros.
18

5 PROCESSO ARTETEURAPÊUTICO

5.1 Criando vínculos

Partindo do tema: criação de vínculo, a atividade definida para esta primeira oficina
foi a “Expresse seu mundo numa caixa” (BERNARDO, 2006 apud BERNARDO, 2013).
Com o objetivo de produção de vínculo e construção de espaço sagrado. Pois, segundo
Bernardo (2013), trabalhar a criação de vinculo é um modo de conhecer a história de vida de
cada participante e fazer um diagnóstico do grupo de trabalho para maior percepção de suas
necessidades e inclusão das pessoas no contexto de trabalho terapêutico:

[...] é indispensável favorecer um a criação de um espaço que seja continente


e sensível ao momento da pessoa ou grupo com o qual irá se trabalhar para
que todos possam sentir-se seguros e à vontade durante o processo
arteterapêutico. Isso porque não se sai desse processo da mesma forma que
entrou (p.19).

Os recursos materiais utilizados nesta oficina foram: caixa de papelão, revistas, tinta
acrílica, guache, purpurina, cola e tesoura. E a sensibilização foi realizada com a reprodução
de áudio do conto “O Homem que Amava Caixas” de King (1997) (ANEXO A). Este conto
fala, de maneira simples e bonita, da história de um homem que era apaixonado por caixas e
por seu filho, mas tinha dificuldade em demonstrar afeto por meio de palavras.
Após uma apresentação inicial, pedi que os participantes se sentassem
confortavelmente e fechassem seus olhos. Com algumas palavras, gradativamente estimulei-
os a um relaxamento respiratório e o contato com eu interior, em um movimento de
introspecção. Uma vez apagadas as luzes, reproduzi o áudio do conto.
Ao final, convidei-os a produzirem sua própria caixa com os materiais ali disponíveis.
Considerando o interior da caixa como “A essência do que sou” e o exterior da caixa como
“Sou visto ou me apresento para o mundo” (BERNARDO, 2013). Acompanhei o processo,
tentando preservar o espaço de produção dos participantes. E facilitando a disponibilização e
uso do material, quando necessário. Por fim, foi realizada uma conversa em roda sobre a
experiência.
Adriana fez uma caixa que possui purpurina na sua tampa (Figura 01), variadas cores
(vermelho, verde, azul e amarelo) em cada lateral externa da caixa. Dentro, escreveu uma
19

palavra em cada canto, exceto em um, são elas: "Amor ao próximo", "Determinação" e
"Lealdade". A participante comentou que é “ [...] uma pessoa impulsiva e ansiosa [sic]” e que
colocou a purpurina na tampa da caixa, como uma maneira de representar sua personalidade
“ [...] chamativa e expansiva, que dificilmente passa despercebida nos ambientes [sic]”, mas
ressaltou que não tem problema com isso. Segundo Adriana, os três lados da caixa, cada um
pintado de uma cor (vermelho, verde, azul e amarelo), estão relacionados com o modo como
as pessoas, ao seu redor, a enxergam, principalmente em sua família. Havendo uma
discrepância entre o modo como é vista pelo mundo ou se mostra a ele, e sua essência
verdadeira: “[...] E aí eu fiz três lados da caixa de uma cor, porque eu sempre tive um
problema em ser bem diferente [...] entre os meus amigos, pessoas da faculdade e trabalho e
dentro da minha família. Acho que parte da sociedade me lê de um jeito: mais calma, mais nos
atributos positivos. Mas na minha família já é mais difícil, mais diferente. Já teve momentos
que foi 50% a 50% e eu consegui ser mais eu mesma na frente da minha família, diminuindo
essa diferença [sic]”.
O comentário de Adriana, vai ao encontro de Silveira (2007), quando diz que o homem
assume, para estabelecer contatos com o mundo exterior e adaptar-se às exigências do meio
em que vive, uma aparência que geralmente não corresponde com seu modo de ser autêntico,
verdadeiro. Apresenta-se mais como os outras pessoas esperam que ele seja, do que como
realmente é, a isto Jung denomina Persona. O desvestimento da Persona é uma etapa do
processo de individuação que visa a realização e desenvolvimento potencial humano. É o
processo de tornar-se inteiro, completar-se, o que implica em “aceitar o fardo de conviver
conscientemente com tendências opostas, irreconciliáveis, inerentes à sua natureza, tragam
estas as conotações de bem ou de mal, sejam escuras ou claras” (p.78).
Para Adriana, os três lados da caixa (Amor ao próximo, Determinação e Lealdade)
correspondem, respectivamente com valores que a representam na vida: “[...] meus principais
objetivos na vida sempre estão ligados a estes valores [sic]”.
20

Figura 01: Criando vínculos

Pode-se dizer que o objetivo da primeira oficina, construção de vínculo e espaço


sagrado, foi alcançado, sendo notória a conscientização, por parte de Adriana, da discrepância
que existe entre o modo como se apresenta ao mundo ou é vista por ele, e sua essência
verdadeira. É visível que sente maior satisfação quando pode ser quem realmente é,
principalmente diante de sua família. Evidenciando o vínculo transferencial caracterizado
como uma alta demanda familiar em relação a seu desempenho no processo de concurso
público e realização profissional. Esta condição é compatível com a afirmação de Soares
(2002 apud SOARES; MARTINS, 2010), de que o estudante está submetido, em época de
vestibular, a cobranças familiares e sociais para um bom desempenho nos estudos e esta
situação gera angústia e ansiedade. E D’Avila e Soares (2003) quando diz que "a expectativa e
o projeto de vida dos pais sobre a vida dos filhos é motivo de angústia e ansiedade" (p.110).

5.2 Germinando novas concepções de si

A atividade definida para a segunda oficina foi a Confecção de vasos a partir de argila
e sementes (BERNARDO, 2006 apud BERNARDO, 2013). E o objetivo trabalhado fora a
criação de vínculo terapêutico, com o investimento em possibilidades de germinação de novas
concepções a respeito de si mesmo. Pois, segundo Bernardo (1999 apud BERNARDO, 2013):

O vaso, a cuia ou a panela são as representações mais primitivas do


Feminino primordial, que em termos psicológicos fazem alusão ao nosso
mundo interno, local onde as “sementes símbolos” podem ser recebidas,
germinadas e transformadas em alimentos para o desenvolvimento da
consciência (p.23).
21

Os recursos materiais utilizados nesta oficina foram: argila, sementes e tinta guache de
cores variadas. E a sensibilização foi realizada com a reprodução de áudio do conto “O Pote
Vazio” de Demi (2007) (ANEXO B). Este conto fala como o fracasso constrangedor do jovem
chinês Ping se transformou em triunfo, nesta fábula sobre a honestidade recompensada.
A escolha do material de trabalho se determinou, devido a constatação de que

O contato com a argila proporciona o estreitamento de laços com a sabedoria


da psique, com o solo arquetípico de onde a nossa consciência retira o seu
alimento, em forma de energia psíquica, para a sua constituição e ampliação.
Tornamo-nos aptos a acolher as sementes do novo em nossa realidade
quando nos conectados conscientemente com essa dimensão mais primitiva e
profunda do nosso ser (BERNARDO, 2013, p.23).

Chiesa (2004) diz que o contato com o barro é um convite à profundidade, na medida
que desperta a sensibilidade, alivia as tensões e satisfaz os mais profundos e primitivos
instintos humanos da natureza criativa:

Tocar, sentir, amassar, bater, beliscar, apertar o barro, é o momento que nos
permite entrar em contato com ele, dialogando e ordenando as idéias.
Costuma ser uma oportunidade para novas descobertas, além de ser uma
atividade prazerosa que amplia possibilidades criativas (p.51).

Além disso, há outro motivo especial pela escolha da argila que remete à necessidade
de se trazer o estudante para o presente, para o agora. Trazendo um pouco do elemento Terra,
que corresponde à função da consciência denominada Sensação. As funções da consciência
descritas por Carl Gustav Jung, correspondem ao modo como “entramos em contato com o
que está dentro ou fora de nós” JUNG (1976 apud BERNARDO, 2013). A função Sensação
está relacionada à prática e ligada aos detalhes específicos e particularidades das coisas. Ao
presente, ao aqui e agora - do que ao futuro (BERNARDO, 2013). E foi escolhida porque a
situação de ansiedade do estudante está diretamente relacionada ao fantasma de futuro
(MIRANDA; REIS; FREITAS, 2017).
Inicialmente, reservei um espaço para conversamos sobre o encontro anterior e os
participantes se mostraram à vontade para compartilhar as impressões e repercussões da
vivencia passada. Em seguida, pedi que os participantes se sentassem confortavelmente e
22

fechassem seus olhos. Com algumas palavras, gradativamente estimulei-os a um relaxamento


respiratório para produção da introspecção. Uma vez apagadas as luzes, reproduzi o áudio do
conto “O Pote Vazio” (DEMI, 2007).
Ao final, convidei-os, inspirados pele conto, a entrar em contato com a argila e
produzir seu próprio vaso com sementes e materiais ali disponíveis. Acompanhei o processo,
facilitando a disponibilização e uso do material, quando necessário. Por fim, foi realizada uma
conversa em roda sobre a experiência.
Adriana confeccionou um vaso verticalizado, com pequenas flores ao redor de suas
bordas e dentro, sementes e vegetação (Figura 02), sobre o vaso, disse: “Tentei colocar coisas
verdes, para parecer uma coisa viva, uma coisa que deu certo [sic]”.
Durante seu desenvolvimento, teve muita dificuldade e estava facialmente frustrada
por não conseguir realizar o que pretendia com o material. Mesmo assim, persistiu e foi a
última participante a finalizar o trabalho. Mostrou desconforto com o resultado do processo,
ao comentar que encontrou mais dificuldade nesta atividade do que na proposta do encontro
anterior, que foi difícil trazer para fora o que inicialmente tinha em mente, afirmando: “ [...]
dentro do possível, meu vaso ficou com cara de vaso [sic]”. Esta situação remete a
consideração de Paín (2009) de que: “[...] para alguns sujeitos o arbitrário do resultado do
gesto espontâneo é uma metáfora da atividade inconsciente, cuja irrupção incontrolada pode
ser fonte de angústia” (p.15).
Apesar de inicialmente frustrada, a participante desprendeu-se da sensação de
desconforto, causada pela idealização, reconhecendo um ganho positivo com a experiência,
trazendo um discurso de desapego em relação ao resultado final da atividade, exercitando o
acolhimento do espontâneo e inesperado a respeito de si, caminhando ao encontro do objetivo
trabalhado desta oficina, quando disse: “[...] tem que fazer as coisas do jeito que você acredita
que é o certo, às vezes você não vai atingir os seus objetivos pelo caminho que você achou
que era o melhor caminho [...] pode ser que você não chegue onde você queria, mas você vai
chegar num lugar que é o melhor pra você [...] (onde) suas habilidades vão ser usadas da
melhor maneira, que vai extrair de você o melhor que você pode dar [sic]”. E complementou:
“ [...] às vezes, uma coisa que você acha que é um defeito em você, pode ser uma qualidade
que outra pessoa vai enxergar [sic]”.
Nesta atividade, para Adriana, foi importante a frustração, pois trouxe à tona um
conflito interno, que foi desdobrado no acolhimento do imprevisível em seu processo
expressivo. Esta situação conversou com a afirmação de Carrano (2002 apud CHIESA, 2004),
de que o contato com a argila auxilia o cliente a expressar seus conflitos servindo de "espelho
23

de auto-expressão". E, à medida que o cliente toma posse de seu estilo pessoal e aceita suas
limitações, pode, então organizar seus conflitos e suas escolhas. Paín (2009) reforça que:

A ausência de determinismo na arte é muito útil aos objetivos terapêuticos. A


obra sendo criada não percorre um caminho retilíneo traçado previamente.
As vicissitudes do projeto que se realiza à nossa frente correspondem às
inúmeras falhas do projeto imaginário, réplicas das fissuras de nossa própria
subjetividade. Isso nos permite descobrir no processo criativo, feito de
descobertas, correções, e arrependimentos, conflitos que travam a máquina
do inconsciente (p.39).

Figura 02: Germinando novas concepções de si

5.3 Conversando com personagens internos

O recurso expressivo selecionado para a terceira oficina foi a Confecção de máscara


(BERNARDO, 2006 apud BERNARDO, 2013), com o objetivo de proporcionar o diálogo
com os personagens internos, Persona e Sombra.
Por via de breve definição, o conceito Junguiano de Persona, corresponde a aparência,
sem correspondência com seu autêntico modo de ser, assumida pelo homem, para adaptar-se
ao meio que vive e desempenhar papéis durante a vida. E a Sombra são os aspectos,
complexos e potencialidades do indivíduo, por diferentes razões, rejeitados ou não explorados
24

durante a vida. Ambos são etapas consideradas parte do complexo processo de individuação
(SILVEIRA, 2007).
Segundo Bernardo (2013), não somos um, mas muitos. E a criatividade só é possível
se olharmos para a Sombra, transformando nossos “monstros” internos em aliados, nos
abrindo para os aspectos inconscientes da personalidade.
Os recursos materiais utilizados nesta oficina foram: máscara de PVC, revistas,
tesoura, cola e tinta guache de cores variadas. A sensibilização foi realizada com a reprodução
o conto do mito do deus grego Dionísio (BERNARDO, 2013) e (KURY, 1999). Dionísio,
também chamado Baco pelo romanos, era considerado o deus das videiras, do vinho e do
delírio místico.
Inicialmente reservei um espaço para conversamos sobre o encontro anterior e os
participantes se mostraram à vontade para compartilhar as impressões e repercussões da
vivencia passada. Em seguida, pedi que os participantes se sentassem confortavelmente e
fechassem seus olhos. Com algumas palavras, estimulei o relaxamento respiratório e o
movimento de introspecção. Uma vez apagadas as luzes e com reprodução de música
instrumental ao fundo, contei passagens do mito do deus grego Dionísio (KURY, 1999)
(ANEXO C).
Ao final, convidei-os, inspirados pele conto, a entrar em contato com “todas aquelas
pessoas que vivem dentro da gente” e a produzir sua própria máscara com os materiais ali
disponíveis. Depois de prontas, como recomendado por Bernardo (2013), estimulei a
construção de um diálogo pessoal com a máscara através de perguntas como: “de onde você
vem?”, “como você é?”, “qual seu nome?, “do que você gosta”?”, “que mensagem você
traz?”. E comentei que poderiam experimentá-las em seu próprio rosto, caso desejassem. Por
fim, foi realizada uma conversa em roda sobre a experiência.
Adriana utilizou da técnica de colagem para confeccionar sua máscara, selecionando
palavras de variadas revistas (Figura 03). Comentou que tentou reproduzir, sem filtros, por
meio da colagem de diversas palavras na máscara, todas as vozes que ficam questionando-a
internamente, pensamentos que surgem em sua mente e que geralmente estão associados a
cobranças pessoais em relação aos planos e objetivos de sua vida. A voz que fica relembrando
de suas ações boas ou ruins do passado, das crenças que tem sobre si mesmo e como se
enxerga no momento. Constatou que foi “[...] interessante tirar isso da sua cabeça e ver
objectificado [...] É mais fácil ser objetivo e entender as coisas do que quando você está vendo
por dentro [sic]”. Sobre as palavras escolhidas, explicou algumas delas: “ [...] Plano (sou uma
pessoa que tenho que ter tudo certinho, sempre fico revisando meus planos), pergunta,
25

opiniões, mitos (no sentido de crenças que a gente tem). Tempo (porque a gente não tem
muito controle, e aí é sempre uma questão de estar no tempo certo das coisas, a ansiedade é
relacionada com isso, você não sabe se as coisas estão acontecendo no tempo que você quer,
no tempo certo), conflitos, e umas coisas mais, mudanças, erros...a gente sempre comete um
erro e fica revivendo, pensando por muito tempo, o que podia ter feito diferente e isso sempre
vai estar lá quando você for tomar outras decisões [sic]”.
O discurso de Adriana nesta oficina contesta a visibilidade da dimensão de uma
moralidade, uma idealização. Uma crença sobre si mesmo, relacionada ao cumprimento de
seu desejado objetivo profissional: ingressar na carreira pública. A conscientização acerca de
sua problemática atual está presente: a luta contra o tempo, principal razão de seu estado de
ansiedade e uma dinâmica de culpabilidade diante de suas próprias ações. O que ressalta mais
uma vez o perfil de risco: vestibulanda, adulta, com alto índice de ansiedade, no qual está
inserida. Nota-se a presença do excesso de teorização e planejamento, sendo “Plano”, a sua
primeira palavra a vir à tona em seu comentário vivencial.
Considerando as observações terapêuticas sobre o resultado do processo até este
momento, dentro das quatro funções da consciência descritas por Carl Gustav Jung, a função
Pensamento é provavelmente a principal ou a mais exigida pela participante Adriana em seu
contato com a realidade interior e exterior, no momento atual. Esta função, segundo Bernardo
(2013): “[...] procura por leis gerais para avaliar algum evento, o que é feito com lógica e
imparcialidade. Isso só é possível a partir do distanciamento emocional [...] no entanto,
possibilita uma visão expandida dos fatores nela envolvidos e sua relações. Associo esta
função com o elemento Ar [...]” (p.110).
Zacharias (1995 apud BERNARDO, 2013) cita a importância de que, uma vez
identificado o tipo psicológico de uma pessoa, é possível auxiliá-la em suas questões de
adaptação, fortalecendo-a em seu tipo psicológico e ajudando-a a desenvolver as funções
chamadas, auxiliares e inferior, que serão acionadas de acordo com a necessidade perante as
situações diversificadas da vida.
No trabalho arteterapeutico, esta informação pode ajudar no processo, já que o
arteterapeuta deve conectar-se, inicialmente, com o paciente por meio da

[...] função principal, seguida pela função auxiliar, da segunda auxiliar e por
fim chegando-se ao trabalho sobre a função inferior, que trará mais material
inconsciente [...] por isso mesmo traz à tona o que é mais difícil para o
paciente (BERNARDO, 2013, p.113).
26

Neste sentido, Jung (1984 apud BERNARDO, 2013) sugere, para promover a
elaboração de conteúdos inconscientes e de difícil assimilação, a utilização de recursos
expressivos para facilitar o contato com a função inferior do paciente.
No caso de Adriana, a função inferior deve corresponder, de acordo com Bernardo
(2013), ao Sentimento, associada ao elemento água, com as funções auxiliares sendo:
Intuição, associada ao elemento fogo, e Sensação, associada ao elemento terra. Provavelmente
por este motivo, foi importante para Adriana a atividade da segunda oficina, de confecção de
vaso em argila. Pois propôs uma reconciliação entre o ideal de representatividade e a sua
produção, resultado final, levando em consideração o aspecto de imprevisibilidade existente
no processo artístico e expressivo.

Figura 03: Conversando com nossos personagens


internos

5.4 Percorrendo o caminho do herói

O recurso expressivo selecionado para a quarta oficina foi a Confecção de cartaz


(BERNARDO, 2013), com o objetivo de investir na tomada de consciência da história pessoal
e vislumbre de futuros projetos (caminho do herói).
Segundo Bernardo (2013), a jornada heroica, de maneira sucinta, corresponde à
abertura para criação de um projeto de vida que inclua a conquista de tesouros internos, a
realização de nossos sonhos de felicidade, a auto-realização.
27

Os recursos materiais utilizados nesta oficina foram: cartolina branca, revistas,


tesoura, cola, tinta guache e canetas hidrográficas e cores variadas.
A sensibilização foi realizada com a reprodução de passagens do mito do herói grego
Heraclés. Heraclés era filho de Zeus e Alcmene. É o herói por excelência da mitologia grega,
identificado pelos latinos como Hércules. Conhecido pela realização dos famosos doze
trabalhos, que são: 1- O Leão de Nemeia, 2-A Hidra de Lerna, 3- A corça de Cerínia, 4-O
javali de Erímanto, 5 - Os estábulos do rei Augias, 6 - As aves do lago Estínfalo, 7 - O touro
de Creta, 8 - As éguas de Diomedes, 9 - O cinto de Hipólita,10 - Os bois de Geríon, 11 –
Cérbero e 12 - Os pomos de ouro das Hespérides.O herói posteriormente participara de
inúmeras expedições vitoriosas, chegando à morada dos deuses olímpicos, Heraclés
reconciliou-se com Hera e casou-se com Hebe, a deusa da juventude, ganhando a imortalidade
(KURY, 1999) (ANEXO D).
Inicialmente reservei um espaço para conversamos sobre o encontro anterior e os
participantes se mostraram à vontade para compartilhar as impressões e repercussões da
vivencia passada. Em seguida, pedi que os participantes se sentassem confortavelmente e
fechassem seus olhos. Com algumas palavras, estimulei um relaxamento respiratório e a
introspecção. Uma vez apagadas as luzes e com reprodução de música instrumental ao fundo,
contei o mito do herói grego Herácles (KURY, 1999).
Ao final, convidei-os, inspirados pelo conto, a entrar em contato com seus planos e
projetos pessoais. Os obstáculos que enfrentaram e estão enfrentando, os aliados que surgem
durante o caminho e qual a situação atual de sua caminhada. Em seguida, pedi que, com os
materiais disponíveis, expressassem um pouco daquilo que estava acontecendo dentro de cada
um deles, a sua jornada pessoal. Por fim, foi realizada uma conversa em roda sobre a
experiência.
Adriana ilustrou sua trajetória com canetas hidrográficas e tinta guache nas cores azul
claro, verde e marrom (Figura 04). E novamente demonstrou uma frustração relacionada a
transferência de seu plano mental para a prática, comentando que: “Foi difícil de fazer pela
falta de capacidade técnica. Eu não consigo passar o que está na cabeça [sic]”. Insisti, como
facilitador, dizendo que ali não era importante o aspecto técnico. Mesmo assim, a participante
retrucou: “ [....] Eu não consigo tipo, desenhar o que eu, ou mesmo, eu não consigo pensar em
uma forma de representar visualmente uma pessoa [sic]”. Sobre o seu trabalho, descreveu-o,
como uma representação de seu objetivo de vida atual: passar no concurso público e ingressar
na carreira de defensora pública para ajudar a todos as pessoas necessitadas. A figura inicial,
do canto esquerdo, representa Adriana em sua caminhada inicial. E os pontos azuis,
28

representam as pessoas que estão, de alguma forma, ajudando-a a concretizar o almejado


objetivo. O muro negro representa os obstáculos que está enfrentando durante seu trajeto. Em
seguida, a figura com um coração no peito, é a própria Adriana, transpassando o muro,
demostrando afetuosidade, assim como o personagem a direita, que está ligada, numa espécie
de cordão umbilical a muitos outros indivíduos menores, que representam as pessoas que
serão impactadas positivamente pelo seu trabalho social como defensora pública. Sobre a
perspectiva de concretização de seu objetivo, comentou: “[...] É isso, então eu acho que é isso,
eu me vejo chegando, eu acho que eu já passei maior parte do caminho, que agora falta pouco
e que, eu consigo ver claramente meu objetivo chegando [sic]”, e logo reafirmou: “ [...] eu sei
que se eu alcançar esse meu grande objetivo, eu vou poder ajudar todas essas pessoas [sic]”.
De fato, pelos feedbacks, os participantes pareciam muito bem esclarecidos acerca de
sua trajetória pessoal e objetivos momentâneos de vida. Neste contexto, caracterizados como
a ingressão no serviço e na universidade pública. Mas novamente estava presente uma
idealização excessiva destes objetivos, excesso de planejamento e intelecto, já relacionada
com a função da consciência Junguiana denominada Pensamento. Idealização esta que cuja
realização seria fonte de extrema satisfação e prazer, mas também, cujo fracasso poderia levar
a uma grande situação angustiante no futuro. Como nos alerta o ditado popular: “Quanto
maior a altura, maior a queda”, remetendo-nos ao mito grego de Ícaro, filho de Dédalo e de
Naucrate, uma escrava do rei Minos, segundo KURY(1999):

O engenhoso Dédalo fabricou para si mesmo e para seu filho asas presas aos
ombros com cera. Antes de ambos saírem voando, Dédalo recomendou ao
filho que não subisse demais, porém este não lhe deu ouvidos e chegou
muito perto do sol; a cera fundiu-se e Ícaro precipitou-se no mar em volta da
ilha de Samos, que desde então passou a chamar-se mar Icário (p.209)

A partir dessa perspectiva, os encontros seguintes foram gradativamente replanejados,


juntamente com a supervisão de minha orientadora, pensando em modos de estimular as
funções auxiliares da consciência: Intuição e Sensação, e inferior: Sentimento. Para se investir
na capacidade adaptativa da participante, em lidar com situações frustrantes, por meio do
trabalho com o desapego e a espontaneidade.
29

Figura 04: Percorrendo o caminho do herói

5.5 Superando obstáculos

Neste quinto encontro foi trabalho o tema da superação de obstáculos, por meio da
atividade de Pintura em pedra. Esta atividade também está relacionada ao trabalho com o
desapego (BERNARDO, 2013).
Segundo Bernardo (2013), uma visão enrijecida promove um estreitamento de
horizontes, levando à repetição de padrões e falta de motivação para conceber ou levar adiante
novos projetos de vida. Além de bloquear a criatividade.
Os recursos materiais utilizados nesta oficina foram: pedras, tinta guache de variadas
cores e pinceis. O conto de sensibilização utilizado foi A Montanha e a Pedra (MCKEE, 1993)
(ANEXO E). O livro fala sobre diferentes maneiras de se lidar possíveis obstáculos que
surgem durante a vida. Por meio da estória da família Busca, moradores de uma casa que
ficava no topo de uma montanha. E sua relação com uma pedra que tirava toda a vista da
janela da cozinha.
Adriana não participou deste encontro, mantendo-se ausente por motivo de viagem
pessoal.
30

5.6 Exercitando o desapego

Neste sexto encontro, foi tratado o tema de desapego, para estimular e fortalecer a
capacidade dos participantes em lidar com frustrações diante de situações que não tenham o
total controle, como é o caso do vestibular ou concurso público.
Como meio de sensibilização, foi apresentado o poema "Praticando o desapego",
atribuída ao poeta português Fernando Pessoa (O BEM VIVER, s/d) (ANEXO F), que fala
sobre a prática do desapego, convite para sua prática e revisão de momento de vida, como
parte de um exercício de ressignificação da jornada existencial, de produção de sentidos
novos. Como enfatiza poeticamente a filósofa francesa Sylviane Agacinski (s/d apud PAÍN,
2009):

[...] O passante deve estar disponível para o tempo, deve deixa-lo passar,
gastá-lo sem contar, saber perdê-lo. Deve renunciar ao seu próprio tempo,
aquele com o qual conta para agir. É nos tempos mortos que se percebe a
duração (p.38).

O recurso expressivo utilizado foi a Pintura com bolas de gel e água, atividade
realizada em aula do curso de Pós-Graduação em Arteterapia ministrado pela Prof.ª Ms. Tania
Cristina Freire. Segundo Bernardo (2013), o elemento água está associado à função da
consciência denominada Sentimento e remete ao fluxo de nossa vida emocional, trazendo
aspectos como a maleabilidade e flexibilidade. Enquanto elemento feminino, remete à
capacidade de gerar e nutrir novos projetos e também à energia amorosa.
Inicialmente, reservei um espaço para conversamos sobre o encontro anterior e os
participantes se mostraram à vontade para compartilhar as impressões e repercussões da
vivencia passada. Logo depois, pedi que se sentassem confortavelmente e fechassem seus
olhos, e com algumas palavras, estimulei um relaxamento respiratório e o contato com eu
interior. Uma vez enfraquecidas as luzes, li, em voz alta, o poema "Praticando o desapego", de
Fernando Pessoa (O BEM VIVER, s/d), com a reprodução de música instrumental ao fundo.
Ao final do poema, pedi que continuassem de olhos fechados, se relacionando com o
que estavam sentido. Disponibilizei o material nas mãos dos participantes: uma vasilha com
farinha e uma vasilha com bolinhas de gel. Solicitei que experimentassem e sentissem, um por
vez, cada um dos materiais, sua textura, consistência, temperatura, resistência, etc. Logo
depois, distribui bandejas e orientei a escolha de uma cor de tinta inicial para gotejamento
31

dentro, juntamente com a inclusão de bolinhas de gel em quantidade preferível. Comentei que
poderiam movimentar as bandejas para todas as direções, experimentando todas as
possibilidades. Desta forma, a pintura foi acontecendo. Com o decorrer do processo, sugeri o
uso de outras cores de tintas. No final da pintura, disse que poderiam intervir
espontaneamente na pintura com o uso de pincéis.
Adriana mostrou-se durante todo o processo muito concentrada e entretida na pintura.
Movia a bandeja para todas as direções em uma velocidade constante e parecia fascinada pelo
exercício, com os olhos vidrados em sua bandeja. Trabalhou com poucas cores, azul e violeta.
Creio que se não houvesse intervenção de minha parte, continuaria no exercício por muito
mais tempo. Lidou muito bem com a situação de descontrole, porque provavelmente
necessitava deste momento para si. Afirmou, entusiasmada: “Achei muito legal. Sim, foi
muito… fácil de se concentrar. E não teve que ficar se preocupando em conseguir fazer,
porque não tinha a parte que as vezes tem de você ter que realmente conseguir fazer, então só
tinha que… fazer. É, foi legal, eu gostei [sic]”. Em seguida: “ [...] Então eu queria uma cor
mais assim fechada, não muito alegre, ai eu acabei fazendo com essas duas cores, mas ficou
do jeito que eu queria, mas eu não sabia antes de misturar. Assim, porque, uma coisa que não
depende da sua capacidade, elas vão (as bolinhas), elas não obedecem você, por mais que
você tente controlar, então é divertido, quando a gente tá desenhando, pintando, fazendo outra
atividade, querendo ou não você esta tentando fazer algo que esta dentro da sua cabeça, e
quando você não tem como imaginar, como vai ficar, você não tem controle , isso é bom
[sic]”.
Este encontro evidenciou a necessidade da participante Adriana em investir em outras
formas de expressão e interação com a realidade interna e externa que não fosse somente por
meio da função da consciência Pensamento, que estava sendo muita exigida em seu momento
de sua vida atual. O investimento na função inferior, neste caso, Sentimento, proporcionou
prazer à participante, pois permitiu uma manifestação espontânea e o descolamento, mesmo
momentâneo, do excesso de planejamentos referenciais produzidos pela idealização, processo
gerador de angústia. Como cita Bernardo (2013, p.98): “A função inferior, quando acessada,
traz consigo material inconsciente”, motivo pelo qual a atividade foi tão significativa para
Adriana.
32

Figura 05: Exercitando o desapego

5.7 Trabalhando a intuição e espontaneidade

No sétimo encontro foi trabalhado o tema de intuição e espontaneidade, para estimular


a criatividade, intuição e espontaneidade. O recurso expressivo utilizado foi a Confecção de
mandala de vela (BERNARDO, 2013) e a sensibilização realizada com o conto chinês do
“Homem do Fogo” (CONTOS DE ENCANTAR, s/d) (ANEXO G) e músicas instrumentais
de James Asher (músico multi-instrumentista inglês). Os recursos materiais utilizados nesta
oficina foram: velas de parafina em variadas cores e copos com água.
Segundo Bernardo (2013), o elemento fogo está relacionado a função da consciência,
Intuição, que diz respeito ao modo como entramos em contato com o que está dentro ou fora
de nós caracterizado pela percepção de possibilidades futuras ainda não trazidas pela
realidade e concretizadas, captação de potencialidades.
O conto chinês do “Homem do Fogo” (CONTOS DE ENCANTAR, s/d) trata do
advento da descoberta do fogo pelo herói Sui Ren, que fora inspirado pelos deuses a viajar
para o ocidente para descobrir como produzir fogo e trazer este conhecimento para o seu
povo.
Inicialmente reservei um espaço para conversamos sobre o encontro anterior e os
participantes se mostraram à vontade para compartilhar as impressões e repercussões da
vivencia passada. Logo depois, com as luzes parcialmente apagadas, pedi que se sentassem
confortavelmente e fechassem seus olhos, e com algumas palavras, estimulei um relaxamento
respiratório e a introspecção. Uma vez enfraquecidas as luzes, li, em voz alta, o conto chinês
33

do “Homem do Fogo” (CONTOS DE ENCANTAR, s/d) com reprodução de músicas


instrumentais de James Asher (multi-instrumentista inglês), tema musical relacionado ao
elemento fogo, ao fundo. Depois de terminar a apresentação do conto, pedi que
permanecessem em contato com o que estavam sentido. Acendi variadas velas à frente dos
participantes e disponibilizei os copos com água, sugerindo um despertar gradativo e natural.
Orientei, então, que cada participante escolhesse uma cor inicial de vela para trabalhar e
gotejasse dentro de seu copo, de maneira que preenchesse o seu espaço interior. Assim o
fizeram. Em seguida, disse que poderiam se apropriar de todas as cores para continuidade do
trabalho, inclusive de elementos como lantejoulas e purpurinas de variadas cores. Os
participantes pareciam extremamente concentrados na tarefa, mas tiveram dificuldade em
identificar o momento da necessidade de troca de vela. Tive que intervir e sugeri-la,
eventualmente, para evitar acidentes. Depois dos trabalhos terminados, auxiliei na retirada de
agua dos copos, para destacamento da mandala. Em seguida, como fechamento, conversamos
sobre o processo.
Os participantes se surpreenderam positivamente ao ver o lado oposto (oculto durante
a confecção) de suas mandalas. Na mandala de Adriana predominaram as cores frias como
cinza e azul com purpurina prateada.
Adriana comentou que achou relaxante e percebeu a exigência da concentração ao
lidar com o elemento fogo. Sobre a escolha de cor disse que escolheu azul por ser uma cor
“[...] intimista, mais introspectiva [..] fala mais sobre as coisas internas [sic]”. Sobre o uso da
purpurina prateada, disse “” [...] eu gosto das coisas mais homogêneas [...]. E esse glitter eu
achei que ficou bonito, porque como ele não tem uma cor definida [...]”. Em seguida, admitiu
uma falta de atenção à atividade: “[...] eu acho que eu tenho estado com muitas coisa na
cabeça e não tenho conseguido me desligar muito das coisas que eu to focada, mesmo durante
a atividade eu consigo me concentrar, mas eu acho que elas não tem o impacto que poderiam
ter se eu conseguisse me desligar melhor das coisas que estão acontecendo na vida [..] isso é
um desafio pra terapia, pra qualquer coisa que a gente faça, você conseguir se dedicar só
aquela atividade, extrair o melhor dela, eu tenho tido dificuldade ultimamente com isso [...]”.
Adriana finaliza com seu comentário, fazendo uma revisão das atividades passadas e
sintetizando seu processo até o momento, com a percepção da necessidade de desapegar-se do
pensamento, do controle. E uma revisão de expectativas, investindo assim, na sua capacidade
em lidar com frustrações: “[...] acho que o principal que eu tiro é a questão do controle, assim,
de não ter controle, porque você não sabe nem qual resultado está pretendendo alcançar, neh?
Não sabe como vai ficar aquela coisa no final então só tem que fazer o que você se propõem e
34

aguardar. Essa é a principal mensagem que eu penso...principalmente isso, mais de fazer


minha parte e não ficar focando tanto no resultado final [sic]”. Seu depoimento enfatiza o
desapego enquanto requisito na jornada de autoconhecimento, de encontro com o inconsciente
e potencialidades inatas, como afirma Maurano (2006), sobre a ética e experiência clínica
psicanalítica, ao citar as palavras de São João da Cruz: “Para se chegar pois a Ela, há que se
proceder antes não compreendendo do que procurando compreender, deve-se antes pôr-se em
trevas do que abrir os olhos para a luz...”.

Figura 06: Trabalhando a intuição e


espontaneidade

5.8 Reelaborando o trajeto pessoal

Neste encontro, todos os trabalhos confeccionados durante as oficinas de arteterapia


foram expostos à frente dos participantes. Pois, como cita Bernardo (2013): “Os trabalhos
realizados são um retrato desse processo, e a pessoa precisa conseguir se enxergar nesse
retrato, reconhecendo sua nova face, transformada pela ampliação de seu auto-conhecimento”
(p.152).
Com uma trilha sonora instrumental ao fundo e sob luz suave, pedi aos participantes
que se relacionassem com todos os seus trabalhos, sentissem como foi o processo de
confecção de cada um, o que eles estão transmitindo agora, depois de finalizados, o que fora
descoberto ou revelado sobre si mesmo durante as oficinas, de que maneira iniciaram as
oficinas e como estão saindo delas. Ao final, sentamos para conversar e todos se mostraram
bastante satisfeitos em ter participado dos encontros.
35

Adriana ficou por um tempo maior debruçada sobre seus trabalhos e trouxe,
espontaneamente, em seu discurso, a repercussão do que as oficinas proporcionaram uma
nova concepção de si e trouxeram à tona aspectos nos quais necessita investir na sua vida.
Dizendo: “Eu acho que as coisas que eu mais fiquei na cabeça, assim, eu percebi muito essa
minha necessidade, meu senso estético e minha necessidade de controle das coisas, e pra
mim eu sempre tive dificuldade na aula de artes, porque as coisas não saem do jeito que eu
quero e eu não consigo, então eu acho que isso é uma coisa que reflete nas outras coisas da
vida. Acho que pelas minhas tentativas em cada oficina em fazer as coisas de um jeito, mostra
muito que eu me preocupo um pouco demais com a aparência das coisas e com o controle das
coisas, a ordem, e então são coisas que dá pra perceber que eu tenho que trabalhar com elas,
neh? [sic]”.
A participante confirmou que estava a vontade diante de uma situação de descontrole e
sentiu: “[..] alegria no que eu não podia controlar [sic]”. Que achou “[...] agradável aproveitar
aquele momento [...] e não ficar com expectativa no que aquilo ia trazer de retorno, pois o que
mais importava era o fazer e não como aquilo iria ficar depois de pronto [sic]”. E vislumbrou
a possibilidade de aplicar em sua vida este exercício: [...] só de você ter consciência de que
você pode fazer isso em pequena escala, já ajuda você a tentar implementar sua vida isso com
mais situações que você precisa estar presente, e não tentar controlar todas as coisas [sic]”.
Em seu comentário final, a concursanda Adriana ressaltou a necessidade de despir-se
do sentido mental das coisas e dar ouvido à sua voz interior, para produção de uma
experiência mais natural, livre e significativa, além de automatismos, com a valorização do
aqui e agora: “Acho que isso é o principal, essa questão de tudo precisar ter um sentido, [...]
toda vez, durante os contos, eu tentativa sempre repetir a mensagem que estava sendo trazida,
mas às vezes isso não é tão importante assim, mais importante é você sentir o que está
fazendo. Isso é difícil pra mim, uma coisa que eu tenho que trabalhar, essa questão da
intuição, de deixar as coisas acontecerem naturalmente, não planejar tanto, não ser tão rígida
com as coisas. Então, eu acho que foram estas questões que eu consegui sentir levantando
durante os encontros e eu fiquei pensando depois... [sic]”.
O processo arteterapeutico vivenciado pela participante Adriana resultou numa tomada
de consciência da sua necessidade de busca por equilíbrio psíquico. É pelo investimento em
aspectos de si pouco explorados ou desconhecidos outrora, mas acessados durante as
atividades expressivas, que este movimento criativo e de novas descobertas acontece. Passo
fundamental para uma reconfiguração de sua relação com a realidade e consequentemente,
uma provável transformação positiva de sua ansiedade, como nos traz Bernardo (2006):
36

Para que seja possível o estabelecimento de um relacionamento criativo com


a realidade é importante haver uma certa plasticidade psíquica que permita
ao ego suportar o confronto com o desconhecido sem categorizá-lo de
antemão dentro de regras e normas estabelecidas. Também é necessário
haver a capacidade de auto-reflexão, para viabilizar o emergir da experiência
e a busca de seu significado, conferindo-lhe assim uma representação
(plástica, verbal, corporal, etc.) adequada e condizente com o vivido. O
conhecimento gerado por meio desse relacionamento acarreta
necessariamente uma transformação, o que corresponde a uma mudança de
nível de consciência, trazendo à tona novas questões e gerando novas
configurações existenciais (p.84-85).
37

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o trajeto percorrido, pode-se dizer que a arteterapia apresentou-se como recurso
e ferramenta de intervenção possível e eficiente para dar conta de questões relacionadas à
prevenção e redução de altos níveis de ansiedade em vestibulandos e concursandos adultos.
Por meio da coleta de dados, com foco no depoimento vivencial da participante
Adriana, foi possível constatar que as oficinas de arteterapia foram produtivas, pois,
gradativamente, retiraram os participantes da zona de conforto e de uma posição de controle,
com excesso de idealização e racionalização, para promover a espontaneidade, o desapego e
experimentação, investindo no autoconhecimento e na capacidade de lidar com situações
frustrantes e angustiantes. Situações que podem ocorrer durante diferentes etapas da vida dos
estudantes, inclusive durante o processo de vestibular ou concurso público, nos quais estão
dedicados atualmente.
Ao final do processo, os participantes demonstraram o desejo de continuar trabalhando
no dia-a-dia com as descobertas a respeito de si mesmo, ocorridas durante as oficinas de
arteterapia. E interesse em participar de novas propostas arteterapêuticas que possam de
alguma forma, auxilia-los em suas respectivas jornadas pessoais. Silveira (1994 apud
CHIESA, 2004) afirma que: “As atividades expressivas são aquelas que melhor permitem a
espontânea expressão das emoções, que dão mais larga oportunidade para os afetos tomarem
forma e se manifestarem, seja na linguagem dos movimentos, dos sons, das formas e das
cores” (p.21).
Conforme Rodrigues e Pelisoli (2008): "a habilidade para lidar com o estresse e a
ansiedade talvez seja um elemento importante para o sucesso no vestibular, tanto ou mais do
que a habilidade acadêmica ou o conhecimento" (p.176). E, desta maneira, conclui-se que o
público de estudantes vestibulandos e concursandos necessita de maior atenção por parte de
iniciativas de promoção de saúde psicológica e prevenção de distúrbios psíquicos.
38

REFERÊNCIAS

ALBRECHT, P. A. T.; KRAWULSKI, E. Concurseiros e a busca por um emprego estável:


reflexões sobre os motivos de ingresso no serviço público. Cadernos de Psicologia Social
do Trabalho, Santa Catarina, vol. 14, n. 2, p. 211-226, 2011. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/cpst/article/view/25704/27437>. Acesso em: 01 maio 2017.

ANDRADE, L.; GORESTEIN R. Aspectos gerais das escalas de avaliação de ansiedade.


Revista de Psiquiatria Clínica, 25 (6), São Paulo, p.285-290, 1998. Disponível em: <
https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/aspectos-gerais-das-escalas-
de-avalicao-de-ansiedade/7872>. Acesso em: 15 ago 2017.

BERNARDO, P. P. Arteterapia: a arte a serviço da vida e da cura de todas as nossas


relações (p. 73 a 116) in: ARCURI, I. (org) Arteterapia – um novo campo do conhecimento.
São Paulo: Vetor, 2006.

BERNARDO, P. P. A Prática da Arteterapia: correlações entre temas e recursos. Vol 1:


Temas Centrais em Arteterapia. 4 ed. São Paulo: Arterapinna Editorial, 2013.

CHIESA, R.F. O diálogo com o barro: o encontro com o criativo. São Paulo: Casa do
Psicológo (Coleção Arteterapia), 2004.

CONTOS DE ENCANTAR. Homem do Fogo, s/d. Disponível


em:<http://contosencantar.blogspot.com.br/2009/07/homem-do-fogo.html>. Acesso em: 10
junho 2017.

COSTA, T. Como vencer a ansiedade em concursos públicos – parte I - Humanus |


Psicologia Especializada, s/d. Disponível em: <https://www.centrohumanus.com.br/como-
vencer-a-ansiedade-em-concursos-publicos-parte-i/pt>. Acesso em: 01 maio 2017.

D’AVILA, G. T., SOARES, D. H. P. Vestibular: Fatores geradores de ansiedade na cena


da prova. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 4(1-2), Florianópolis, p.105-116,
2003. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbop/v4n1-2/v4n1-2a10.pdf>. Acesso
em: 15 ago 2017.

DEMI. O Pote Vazio. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

DEPRET, O.R. Arteterapia: as deusas gregas e o "fazer arte" num processo de auto-
conhecimento ou "como fazer uma Colcha de Retalhos". [Monografia]. São Paulo: UNIP -
Universidade Paulista, 2005.

DIAS, L. S.; NAZARENO, Elias.; MENDONÇA, D. S. Z. H. Vestibular e adolescência:


perspectivas teóricas e implicações sociopsicológicas. FRAGMENTOS DE CULTURA,
Goiânia, v. 18, n. 7/8, p. 625-636, 2008.

KING, Stephen Michael. O homem que amava caixas. São Paulo: Brinque Book, 1997.

KURY, Mário da Gama. Dicionário de mitologia grega e romana. Rio de Janeiro: J. Zahar,
1999.
39

LANDEIRA-FERNANDEZ, J.; CRUZ, A. P. M. Medo e dor e a origem da ansiedade e do


pânico. In J. Landeira-Fernandez & M. T. A. Silva (Orgs.), Intersecções entre Neurociência e
Psicologia. MedBook, Rio de Janeiro, p.217-239, 2007. Disponível em: <
http://www.nnce.org/Arquivos/Artigos/2007/landeira_etal_2007.03.pdf>. Acesso em: 15 ago
2017.

LIPP, M. E. N., ARANTES, J. P., BURITI, M. S., WITZIG, T. O stress em escolares. Revista
Acta Científica: Ciências Humanas, 1(4), Campinas, p.16-20, 2003. Disponível em: <
https://revistas.unasp.edu.br/acch/article/view/538/540>. Acesso em: 15 ago 2017.

MAURANO, Denise. A transferência: uma viagem rumo ao continente negro. Rio de


Janeiro: Editora Zahar Ed., 2006.

MCKEE, David. A Montanha e a pedra. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

MICHAELIS. Adulto | Michaelis On-Line, s/d. Disponível em:


<http://michaelis.uol.com.br/busca?id=vA2R>. Acesso em: 16 maio 2017.

MIRANDA, G. J.; REIS,C. F. DOS; FREITAS, S. C. DE. Ansiedade e Desempenho


Acadêmico: Um Estudo com Alunos de Ciências Contábeis. Universidade de São Paulo,
XVII International Conference in Accounting, Improving the usefulness of accounting
research, São Paulo, p. 09, 2017. Disponível em: <
http://www.congressousp.fipecafi.org/anais/AnaisCongresso2017/ArtigosDownload/122.pdf>.
Acesso em: 01 maio 2017.

O BEM VIVER. Praticando o Desapego! | O Bem Viver, s/d. Disponível


em:<https://obemviver.blog.br/2014/07/14/praticando-o-desapego/>. Acesso em: 10 junho
2017.

PAÍN, Sara. Os fundamentos da Arteterapia. São Paulo: Editora Vozes, 2009.

RODRIGUES, D. G.; PELISOLI, C. Ansiedade em vestibulandos: um estudo exploratório.


Rev Psiq Clín., Rio Grande do Sul, 35(5), p. 171-177, 2008.

SANTAROSA, L. Computador, avaliação e ansiedade. Arquivos Brasileiros de Psicologia,


36(3), Rio de Janeiro, p.38-52, 1984. Disponível em: <
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/abp/article/view/19004/17738>. Acesso em: 15
ago 2017.

SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2007.

SOARES, A. B.; MARTINS, J. S. R. Ansiedade dos estudantes diante da expectativa do


exame vestibular. Paideia, Rio de Janeiro, v. 20, n. 45, p. 57-62, 2010.
40

ANEXO A

O Homem que amava caixas (KING, 1997)

Era uma vez um homem


O homem tinha um filho
O filho amava o homem
e o homem amava caixas.

Caixas grandes
caixas redondas
caixas pequenas
caixas altas
todos os tipos de caixas!

O homem tinha dificuldade em dizer ao filho que o amava;


então, com suas caixas, ele começou a construir coisas para seu filho.
Ele era perito em fazer castelos
e seus aviões sempre voavam...
a não ser, claro, que chovesse.

As caixas apareciam de repente, quando os amigos chegavam, e, nessas caixas, eles


brincavam...
e brincavam...
e brincavam.

A maioria das pessoas achava que o homem era muito estranho.


Os velhos apontavam para ele.
As velhas olhavam zangadas para ele.
Seus vizinhos riam dele pelas costas.

Mas nada disso preocupava o homem,


porque ele sabia que tinham encontrado uma maneira especial de compartilharem...
o amor de um pelo outro.
41

ANEXO B

O Pote vazio (DEMI, 2007)

Há muito tempo, na China, vivia um menino chamado Ping, que adorava flores.
Tudo o que ele plantava florescia maravilhosamente. Flores, arbustos e até imensas
árvores frutíferas desabrochavam como por encanto.
Todos os habitantes do reino também adoravam flores. Eles plantavam flores por toda
a parte e o ar do país inteiro era perfumado.
O imperador gostava muito de pássaros e outros animais, mas o que ele mais apreciava
eram as flores. Todos os dias ele cuidava de seu próprio jardim.
Acontece que o imperador estava muito velho e precisava escolher um sucessor. Quem
podia herdar seu trono? Como fazer essa escolha?
Já que gostava muito de flores, o imperador resolveu deixar as flores escolherem.
No dia seguinte, ele mandou anunciar que todas as crianças do reino deveriam
comparecer ao palácio. Cada uma delas receberia do imperador uma semente especial.
Quem provar que fez o melhor possível dentro de um ano ele declarou será meu
sucessor.
A notícia provocou muita agitação. Crianças do país inteiro dirigiram-se ao palácio
para pegar suas sementes de flores.
Cada um dos pais queria que seu filho fosse escolhido para ser o imperador, e cada
uma das crianças tinha a mesma
esperança.
Ping recebeu sua semente do imperador e ficou felicíssimo. Tinha certeza de que seria
capaz de cultivar a flor mais bonita de todas. Ping encheu o vaso com terra de boa qualidade e
plantou a semente com muito cuidado. Todos os dias ele regava o vaso. Mal podia esperar o
broto surgir, crescer e depois dar uma linda flor.
Os dias se passaram, mas nada crescia no vaso. Ping começou a ficar preocupado. Pôs
terra nova e melhor num vaso maior. Depois transplantou a semente para aquela terra escuta e
fértil. Esperou mais dois meses e nada aconteceu. Assim se passou o ano inteiro.
Chegou a primavera e todas as crianças vestiram suas melhores roupas para irem
cumprimentar o imperador. Então, correram ao palácio com suas lindas flores, ansiosas por
serem escolhidas. Ping estava com vergonha de seu vaso sem flor. Achou que as outras
crianças zombariam dele por que pela primeira vez na vida não tinha conseguido cultivar
42

uma flor. Seu amigo apareceu correndo, trazendo uma planta enorme:
- Ping, disse ele, você vai mesmo se apresentar ao imperador levando um vaso sem
flor? Por que não cultivou uma flor
bem grande como a minha?
- Eu já cultivei muitas flores melhores do que a sua, disse Ping.
- Foi essa semente que não deu nada.
O pai de Ping ouviu a conversa e disse:
- Você fez o melhor que pôde, e o possível deve ser apresentado ao imperador.
Ping dirigiu-se ao palácio levando o vaso sem flor.
O imperador estava examinando as flores vagarosamente, uma por uma. Como eram
bonitas! Mas o imperador estava muito sério e não dizia uma palavra.
Finalmente chegou a vez de Ping. O menino estava envergonhado, esperando um
castigo. O imperador perguntou:
- Por que você trouxe um vaso sem flor?
Ping começou a chorar e respondeu:
- Eu plantei a semente que o senhor me deu e a reguei todos os dias, mas ela não
brotou. Eu a coloquei num vaso maior com terra melhor, e mesmo assim ela não brotou. Eu
cuidei dela o ano todo, mas não deu nada. Por isso hoje eu trouxe um pote vazio. Foi o melhor
que eu pude fazer.
Quando o imperador ouviu essas palavras, um sorriso foi se abrindo em seu rosto e ele
abraçou Ping. Então ele declarou para todos ouvirem:
- Encontrei! Encontrei alguém que merece ser imperador!
- Não sei onde vocês conseguiram essas sementes, pois as que eu lhes dei estavam
todas queimadas. Nenhuma delas poderia ter brotado. Admiro a coragem de Ping, que
apareceu diante de mim trazendo a pura verdade. Vou recompensá-lo e torná-lo imperador
deste país.
43

ANEXO C

Mito do deus grego Dionísio (KURY, 1999)

Diôniso (G. Diônysos). Filho de Zeus e de Semele (filha de Cadmo e de Harmonia).


Quando Zeus uniu-se a Semele esta pediu-lhe para aparecer-lhe com todos os seus poderes.
Querendo ser-lhe agradável, Zeus concordou, mas Semele, não suportando o fulgor dos raios
empunhados pelo amante, morreu fulminada. Zeus tirou imediatamente o nascituro, ainda no
sexto mês de gestação das entranhas de sua mãe e o enxertou em uma de suas próprias coxas,
de onde ele saiu no devido tempo. O recém-nascido foi entregue a Hermes, que o levou a
Atamas, rei de Orcômeno, e à sua mulher, Inó, para ser criado pelo casal. O deus recomendou
que vestissem o menino com roupas femininas para preservá-lo da ciumenta Hera, ansiosa por
eliminar o fruto dos amores extraconjugais de seu marido. Hera, entretanto, não se deixou
enganar e enlouqueceu Inó e Atamas. Diante disso Zeus levou Diôniso para uma região
distante, chamada Nisa (em algum lugar da Ásia ou na Etiópia), e o deixou aos cuidados das
ninfas locais.
Chegando à idade adulta Diôniso descobriu a videira e a utilidade de seus frutos, mas a
persistente Hera fê-lo enlouquecer. Em sua demência o deus percorreu o Egito e a Síria, e
subindo pela costa da Ásia Menor chegou à Frígia, onde Cibele o acolheu, purificou-o e o
iniciou em seu culto. Curado de sua demência, Diôniso rumou para a Trácia, cujo rei, Licurgo,
maltratou-o e quis prendê-lo; Diôniso, entretanto, livrou-se e foi refugiar-se junto à nereide
Têtis, que o escondeu no mar. Licurgo conseguiu capturar as Bacantes do cortejo do deus,
mas elas foram salvas miraculosamente e o rei enlouqueceu. Nesse estado ele cortou uma de
suas pernas e uma das pernas de seu filho, pensando que se tratasse de videiras, consagradas
ao deus. Voltando à lucidez Licurgo percebeu que as terras de seu reino tinham ficado estéreis.
Seus súditos mandaram interrogar um oráculo, e a resposta foi que o rancor de Diôniso
somente cessaria se o rei fosse morto. Os habitantes da região o esquartejaram amarrando-lhes
os pés e as mãos em quatro cavalos.
Da Trácia Diôniso retornou à Ásia e tomou o rumo da Índia, que conquistou à frente
de um exército de seus adoradores, entre os quais estavam as Bacantes, os Silenos e os
Sátiros. De volta à Grécia o deus passou pela Beócia, pátria de sua mãe. Em Tebas, onde
Penteu sucedera a Cadmo no trono, Diôniso introduziu as Bacanais, festas celebradas
principalmente pelas mulheres com gritos frenéticos. Penteu tentou proibir esses ritos
estranhos, mas foi punido juntamente com sua mãe, Agave irmã de Semele, que o esquartejou
44

com as próprias mãos no alto do monte Citéron, impelida pelo delírio contagioso das devotas
do deus.
Por onde Diôniso passava repetiam-se essas cenas de desvario místico. Em Argos o
deus enlouqueceu as filhas do rei Preto e as demais mulheres da região, que em sua
alucinação coletiva chegavam a devorar os próprios filhos de tenra idade. Da Beócia Diôniso
quis ir a Naxo, embarcando numa nau de piratas tirrênios, que tomaram a direção da Ásia
Menor com a intenção de vender seu passageiro como escravo. Percebendo essa intenção o
deus transformou os remos da nau em serpentes, encheu a nau de hera e fez soarem
incontáveis flautas invisíveis. Em seguida cercou a nau com guirlandas de videira, fazendo-a
parar, aterrorizando a tal ponto os piratas que eles se lançaram ao mar, transformando-se em
golfinhos. A partir de então o poder de Diôniso passou a ser reconhecido universalmente e o
deus subiu ao céu, deixando o seu culto disseminado por toda a terra. Do céu Diôniso voltou à
terra para raptar Ariadne em Naxo.
Diôniso, também chamado Baco, era considerado o deus das videiras, do vinho e do
delírio místico. O culto dionisíaco penetrou também na Itália e disseminou-se de tal modo que
no século III a.C. o Senado romano, preocupado com sua licenciosidade, proibiu a celebração
das Bacanais. Apesar dessa reação a influência dionisíaca sobreviveu até a época imperial,
favorecida pela crescente dissolução moral. Diôniso aparece na escrita minoica Linear B
(aproximadamente 1400-1200 a.C.), fato que atesta a antiguidade da lenda.
45

ANEXO D

Mito do deus grego Heraclés (KURY, 1999)

Heraclés (G.). Filho de Zeus e de Alcmene. É o herói por excelência da mitologia


grega, identificado pelos latinos com o seu Hércules. Inicialmente seu nome era Alcides, um
patronímico derivado de Alceu (nome de seu avô), ou em outras versões da lenda
simplesmente Alceu, nome derivado de alké = força física. Depois de matar os filhos que
tivera com Mêgara, o herói foi perguntar ao oráculo de Delfos como deveria expiar o crime; o
oráculo manifestou-se a respeito da expiação, e em seguida lhe disse para passar a usar o
nome de Heraclés (“Glória de Hera”), numa alusão à fama que lhe adviria da realização dos
Trabalhos que a deusa lhe imporia.
As circunstâncias do nascimento de Heraclés, que pertencia à raça dos Perseidas
(descendentes de Perseu), foram as seguintes. Anfitrião, marido de Alcmene e pai mortal do
herói, teve de ausentar-se de Tebas no comando de uma expedição contra os teleboios. Zeus,
que desejava unir-se a Alcmene, aproveitou essa ausência, tomou a aparência de Anfitrião e
durante uma noite miraculosamente prolongada possuiu Alcmene, deixando-a grávida de
Heraclés. Ao voltar no dia seguinte Anfitrião uniu-se à sua mulher e engendrou Ificlés, irmão
gêmeo de Heraclés. Pouco tempo depois Hera ouviu Zeus vangloriar-se de que o filho por ele
engendrado, da raça dos Perseidas, reinaria sobre Argos. Enciumada, Hera deu ordens à sua
filha Ilítia, deusa protetora das parturientes, para retardar o nascimento de Heraclés e apressar
o de Euristeu, seu primo, filho de Estênelo (e Alcmene). Em face da intervenção de Ilítia,
Euristeu nasceu aos sete meses, enquanto Heraclés veio ao mundo aos dez meses (Galintias).
De acordo com uma das versões da lenda, a imortalidade de Heraclés dependia de seu
aleitamento por Hera, sua arqui-inimiga desde antes de seu nascimento. Hermes, então, pôs
Heraclés no colo da deusa enquanto ela dormia e ele começou a sugar-lhe o seio. Quando
Hera acordou afastou de si o recém-nascido, mas este já conseguira mamar. O leite que ainda
saiu do seio de Hera correu pelo céu e formou a Via Láctea. Em outra versão da lenda
Alcmene, receando o ciúme de Hera, enjeitou Heraclés recém-nascido nas proximidades de
Argos, num lugar desde então conhecido como Prado de Heraclés. Hera e Atena passaram por
lá, e esta última, impressionada com a robustez e beleza do recém-nascido, apanhou-o e pediu
a Hera que o amamentasse. Hera concordou, mas Heraclés sugou-lhe o seio com tanta avidez
que magoou a deusa; Hera lançou-o a distância, porém Atena o restituiu a Alcmene para criá-
lo sem receios. Quando Heraclés estava com oito meses (ou dez), a rancorosa Hera tentou
46

tirar-lhe a vida. Certa noite Alcmene deixara no berço seus dois filhos gêmeos e adormecera.
À meia-noite Hera soltou no quarto onde eles estavam duas serpentes enormes, e cada uma
delas atacou um dos recém-nascidos. Ificlés começou a gritar, e Heraclés segurou
corajosamente as serpentes, uma em cada mão, e as estrangulou. Quando Anfitrião apareceu
para socorrer os filhos e viu as serpentes mortas ainda nas mãos de Heraclés, sentiu que seu
filho era um deus. Seu primeiro mestre foi o músico Lino, morto pelo discípulo por ser muito
exigente, com uma pancada com a lira durante um acesso de cólera. Anfitrião, querendo evitar
novos desatinos do filho, mandou-o para o campo, onde ele deveria cuidar de seus rebanhos.
Lá Heraclés continuou o seu aprendizado com um cita chamado Têutaro, e com Êurito, que
lhe ensinaram a arte de manejar o arco e as flechas. Chegando à adolescência o herói já
ostentava uma estatura descomunal – cerca de 2,50m – ; aos dezoito anos ele matou o leão do
Citéron, uma fera enorme que devastava os rebanhos de Anfitrião e de Téspio, rei de um
território contíguo a Tebas. Para a caçada Heraclés instalou-se no palácio do rei Téspio, e
depois de cinqüenta dias de tentativas feriu mortalmente o leão. Nesse ínterim Téspio, que
tinha cinqüenta filhas de sua mulher Megamede, e queria que elas (as Tespíades) lhe dessem
netos filhos de Heraclés, punha a cada noite no leito do herói uma delas. Heraclés possuiu
todas as filhas de Téspio pensando que se deitava sempre com a mesma, e teve com elas
cinqüenta filhas. Regressando da caçada ao leão de Citéron, Heraclés encontrou-se nas
proximidades de Tebas com os arautos de Ergino, rei de Orcômeno, cuja missão era recolher o
tributo anual pago pelos tebanos aos orcomênios. O herói atacou-os e cortou-lhes as orelhas e
os narizes; depois de enfiá-los em cordéis pendurou-os nos pescoços dos arautos, e mandou-
os levarem aquele tributo ao rei. Indignado, Ergino marchou contra Tebas à frente dos
orcomênios, mas foi derrotado por Heraclés, que impôs aos vencidos um tributo duas vezes
maior que o exigido dos tebanos. As armas usadas por Heraclés nesse combate foram um
presente de Atena ao herói. Creonte, rei de Tebas, querendo demonstrar sua gratidão a
Heraclés, deu-lhe em casamento sua filha Mêgara, e ofereceu sua filha mais moça a Ificlés.
Do casamento de Heraclés com Mêgara nasceram muitos filhos, e do casamento de Ificlés
com a irmã de Mêgara nasceram dois.
A essa altura da vida de Heraclés, Hera, sempre rancorosa, quis pô-lo a serviço de
Euristeu. Para atingir o seu objetivo a deusa provocou um acesso de loucura no herói, durante
o qual ele matou os filhos que tivera de Mêgara e os dois de Ificlés com sua irmã; Heraclés
tentou também matar Anfitrião, seu pai, e só não consumou o parricídio porque Atena o fez
adormecer no momento em que estava prestes a desferir o golpe mortal. Para purificar-se
dessa carnificina Heraclés teve de sujeitar-se a servir a Euristeu, que lhe impôs os Doze
47

Trabalhos famosos. Recuperando-se do acesso de loucura Heraclés abandonou Mêgara,


dando-a em segundas núpcias ao seu sobrinho Iolau.

Os Doze Trabalhos de Heraclés

Os doze trabalhos são façanhas realizadas por Heraclés a serviço de seu primo
Euristeu. O herói submeteu-se a esse período de servidão para expiar os assassínios cometidos
durante o acesso de loucura provocado por Hera. Em seguida à mortandade Heraclés foi a
Delfos consultar o oráculo de Apolo, e o deus lhe ordenou por meio da Pítia que passasse a
servir a Euristeu durante doze anos. Apolo prometeu-lhe a imortalidade após essa provação
(em outra versão da lenda a promessa teria sido feita por Atena). Na época alexandrina os
mitógrafos elaboraram uma lista desses trabalhos. Deve-se notar que Apolôdoros enumera
apenas dez trabalhos, excluindo de sua lista os episódios do cão Cérbero e dos Pomos de Ouro
das Hespérides.

1. O Leão de Nemeia
2. A Hidra de Lerna
3. A corça de Cerínia
4. O javali de Erímanto
5. Os estábulos do rei Augias
6. As aves do lago Estínfalo
7. O touro de Creta
8. As éguas de Diomedes
9. O cinto de Hipólita
10. Os bois de Geríon
11. Cérbero, o cão do inferno
12. Os pomos de ouro das Hespérides
48

ANEXO E

A Montanha e a Pedra (MCKEE, 1993)

Ninguém no mundo morava numa casinha como aquela, no alta da montanha. Não
dava para desejar nada melhor. Mas a sra. Busca resolveu implicar com a pedra que ficava
atrás da casa... e vejam só o que aconteceu!
O sr. e a sra. Busca moravam numa casinha no topo de uma montanha, a única
montanha daquela região.
Como era a única montanha, recebia muitos visitantes. A vista era maravilhosa.
Chegar ao topo da montanha era um pouco difícil para os visitantes, mas voltar para
casa era fácil. Todos diziam que era um lugar perfeito para morar.
“Seria perfeito,” dizia a sra. Busca para o marido, “se não fosse a pedra.”
A pedra ficava atrás da casa e tapava metade da vista da janela da cozinha.
“É perfeito,” dizia o sr. Busca, “metade da nossa vista é melhor que a vista inteira de
qualquer outra pessoa.”
“Além disso,” dizia o sr. Busca, “posso subir na pedra e avistar mais longe ainda.”
Mas a sra. Busca continuava insistindo na pedra. Ela dizia: “Você sai para trabalhar,
mas eu tenho que ficar em casa olhando para essa pedra”, ou então: “Eu fico um tempão na
cozinha”, ou só: “É uma pena essa pedra.”
Finalmente, uma noite o sr. Busca falou: “Amanhã vou dar um jeito nisso”. E a sra.
Busca ficou feliz.
No dia seguinte, o Sr. Busca escavou o chão ao lado da pedra. Empurrou-a pelo outro
lado e a pedra rolou até o pé da montanha.
“Viva!”, exclamou o Sr. Busca.
A sra. Busca ficou felicíssima, pois agora enxergava toda a vista da janela da cozinha.
Mas aquela noite ela disse: “Que barulho estranho é esse? Parece um chiado!” O marido, que
tinha ficado exausto com o trabalho, já estava dormindo.
Na noite seguinte foi o sr. Busca que disse: “Que barulho estranho é esse? Parece um
chiado!”
“Não sei,” disse a sra. Busca, “mas ouvi o mesmo barulho ontem à noite.”
No dia seguinte, o sr. Busca achou mais fácil voltar do trabalho para casa. Quando
chegou, encontrou a mulher chorando.
“A montanha está baixando”, ela soluçou. “O chiado é do ar que está escapando da
49

montanha pelo buraco que ficava bem debaixo da pedra.”


Era isso mesmo. Dia após dia, noite após noite, a montanha foi baixando até ficar
plana.
“Agora estamos como todas as outras pessoas”, disse o sr. Busca.
Os visitantes continuavam indo até lá, por curiosidade, mas já não ficavam muito
tempo. Não havia nada para ver. “Que dia bonito”, diziam, e iam embora.
Coitada da sra. Busca! Sem a montanha não havia vista, a não ser da janela da
cozinha. De lá ela avistava a pedra ao longe. E o chiado continuava.
Dia e noite, noite e dia, a casa continuava descendo, até chegar ao fundo de um vale.
Os visitantes iam até lá, pois afinal era o único vale da região e era fácil chegar nele.
Não ficavam muito tempo. As encostas de um vale não são uma vista bonita, e era difícil
voltar para casa.
Uma noite, outro barulho assustou o sr. e a sra. Busca: um estrondo terrível e um
estalo. O sr. Busca espiou para fora das cobertas e depois foi ver o que estava acontecendo.
No escuro, não conseguiu enxergar nada. Trancou a porta, voltou correndo para a
cama e se escondeu de novo debaixo das cobertas.
De manhã, o sr. Busca saiu devagarinho para espiar lá fora.
“É a pedra”, ele gritou para a sra. Busca. “Ela rolou para o vale e voltou para cima do
buraco!”
“Ah, não! Está pior do que antes!” disse a sra. Busca. “Agora está tapando a vista toda
da janela da cozinha.”
“Não importa,” disse o sr. Busca, “ tive uma idéia.”
Ele passou o resto do dia trabalhando atrás da pedra.
No fim, o sr. Busca tinha pintado um quadro atrás da pedra.“Agora pelo menos temos
uma vista na janela da cozinha”, ele disse.
A sra. Busca ficou contente. “E o chiado parou”, ela disse.
Agora que o ar não tinha para onde escapar, a casa começou a subir de novo. Dia e
noite, aos poucos, o vale foi desaparecendo. A casa continuou subindo, até a montanha ficar
como antes.
Os visitantes voltaram a escalar a única montanha da região.
“Vocês tem sorte”, eles diziam à sra. Busca. “É um lugar perfeito para morar, com essa
vista maravilhosa.”
“Perfeito”, concordava a sra. Busca. “E a minha vista favorita é a da janela da cozinha.
Venham ver.”
50

ANEXO F

Praticando o desapego (O BEM VIVER, s/d)

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final.


Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário....
Perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.

Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos.


Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos que já se
acabaram.
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas possam ir embora.

Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.

Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às
vezes perdemos.
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: Diga a sí mesmo que o que
passou jamais voltará.

Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo...
- Nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Encerrando ciclos, não por causa do orgulho, por incapacidade ou por soberba...
Mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais em sua vida.

Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira.


Quando um dia você decidir a pôr um ponto final naquilo que já não te acrescenta.
Que você esteja bem certo disso, para que possa ir em frente, ir embora de vez.

Desapegar-se, é renovar votos de esperança de sí mesmo,


É dar-se uma nova oportunidade de construir uma nova história melhor.
Liberte-se de tudo aquilo que não tem te feito bem, daquilo que já não tem nenhum valor, e
siga, siga novos rumos, desvende novos mundos.
51

A vida não espera.


O tempo não perdoa.
E a esperança, é sempre a última a lhe deixar.

Então, recomeçe, desapegue-se!

Ser livre, não tem preço!


52

ANEXO G

Homem do Fogo (CONTOS DE ENCANTAR, s/d)

Um imortal Fu Xi, que vivia no céu, nutria uma profunda compaixão pelas cotidianas
dificuldades dos seres humanos. Ele ansiava que eles dominassem o uso do fogo e mandou
uma tempestade com trovões. Após um grande “brrum”,os raios cortaram as árvores,
incendiaram seus galhos e tornaram os bosques um mar de fogo. As pessoas fugiram
apavoradas. Pouco depois, a tempestade cessou enquanto a noite vinha chegando e a terra e o
ar exalavam um cheiro de umidade. As pessoas se agruparam defronte às árvores queimadas.
Neste momento, um jovem percebeu que não havia mais os uivos de animais selvagens e
pensou: “será que os animais têm medo dessa coisa brilhante?”Aproximou-se com coragem
do fogo e sentiu-se aquecido. Animado, chamou seus companheiros: “Venham cá. O fogo nos
trouxe luz e calor “.
Enquanto isso, outras pessoas descobriram animais mortos, cujas carnes exalavam um
cheiro gostoso. As experimentaram e gostaram. Conhecendo o uso de fogo, começaram a
recolher ramos de árvores para manter acesa as chamas e um plantão para guardá-la todo o
dia. Mas, um dia, o plantão dormiu no seu posto e a chama apagou-se. A humanidade voltou a
cair na escuridão.
Fu Xi acompanhou tudo isso no céu e entrou no sonho do jovem que descobriu o uso
de fogo, dizendo: “No Ocidente existe um país da Luz. Pode ir lá para buscar sua chama ”. Ao
acordar, o jovem lembrou-se das palavras do imortal e decidiu buscar a chama no País da Luz.
Atravessando altas montanhas, grandes rios e imensas florestas, o jovem chegou
finalmente ao País da Luz. Mas, não havia lá nem luz solar nem qualquer chama acesa. O
mundo, ali, era escuro. Decepcionado, o jovem sentou-se em baixo de uma grande árvore. De
repente, descobriu uma coisa cintilante à sua frente. O jovem levantou-se, começou a procurar
a fonte da luz e viu alguns pássaros comendo pequenos insetos na árvore. O atrito entre o bico
das aves e o tronco das árvores provocava faíscas. Inspirado pela cena, o jovem pegou um
galho e começou a perfurar o tronco da árvore. Surgiram faíscas, mas não obteve fogo. O
jovem insistiu em tentar o fogo friccionando os galhos nas árvores. Pouco a pouco, as fricções
provocaram fumaça e, finalmente, o fogo. O jovem, emocionado, chorou.
O jovem voltou à terra natal e ensinou a técnica de produzir fogo com fricções. A
população, admirando a valentia e sabedoria do jovem, elegeu-o como seu líder e chamou-o
Sui Ren, “Homem do Fogo”.

Você também pode gostar