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CLÍNICA ARTÍSTICA
Quando a literatura, o teatro e a música
intervêm, tratam e curam
Compêndio de artigos científicos do Musicoterapeuta,
Psicopedagogo, Educador Inclusivo e Psicanalista,
especialista em Autismo e Saúde Mental
Carlos Correia Santos
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CARLOS CORREIA SANTOS

CLÍNICA ARTÍSTICA: QUANDO LITERATURA, TEATRO


E MÚSICA INTERVÊM, TRATAM E CURAM

BELÉM - PARÁ
2020
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SUMÁRIO

ARTE: UM MANANCIAL CIENTÍFICO


EFETIVAMENTE TERAPÊUTICO E CURATIVO..................................................................03

A LITERATURA COMO FERRAMENTA


INTERVENTIVA E TERAPÊUTICA

Psicoliteroterapia: Proposta de Construção


de Conceito para Terapia Mediada por
Textos Literários como Auxílio no
Tratamento da Depressão em Autistas.........................................................................................06

Jogos Textuais de Autogestão Temporal:


Estratégia Psicopedagógica de Escrita Terapêutica
para Controle da Motricidade e da Ansiedade no TDAH............................................................20

O TEATRO COMO FERRAMENTA


INTERVENTIVA E TERAPÊUTICA

O Teatro Inclusivo como Instrumento Psicopedagógico


para Estimular o Desenvolvimento da Atenção e da
Memória na Pessoa com Síndrome de Down..............................................................................34

A MÚSICA COMO FERRAMENTA


INTERVENTIVA E TERAPÊUTICA

Tábuas e Caixas Motoras: Instrumentos Musicoterapêuticos


para o Desenvolvimento da Atenção, da Memória e da
Motricidade em Jovens com Déficit Cognitivo............................................................................54

Tatopercussão: Uma Estratégia de Educação


Rítmica para o Incremento da Fruição
Musical em Pessoas Surdas..........................................................................................................66

A Intervenção Musical Dirigida como Ferramenta


Pedagógica Inclusiva para Aluno com
Síndrome de Williams na Educação Básica.................................................................................81

O Áudio Poema como Ferramenta Musicoterápica


da Técnica Comportamental para o
Desenvolvimento do Autista na Escola........................................................................................97

Ludocanção: Ferramenta Musicoterapêutica


para Auxiliar a Criança com TEA a Ressignificar
o Ato de Brincar Durante o Processo
de Formação Educacional...........................................................................................................114

Expressão Comunicacional por Meio de


Leitura Sustentada Pela Música: Um Recurso
Musicoterapêutico para Pessoas com
Transtorno Global do Desenvolvimento....................................................................................130
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ARTE: UM MANANCIAL CIENTÍFICO


EFETIVAMENTE TERAPÊUTICO E CURATIVO
Por Carlos Correia Santos

O seu canal lacrimal reage diante de uma cena de teatro. O seu sistema auditivo dispara
inúmeras demandas de conexões sinápticas ao receber a vibração de uma simples nota lá vinda
de um violino. A sua memória olfativa acorda e demanda vários outros retornos cerebrais
enquanto seus olhos percorrem os escritos de um livro. A sua plasticidade cerebral se organiza e
se reorganiza a partir do estímulo cromático de uma pintura.

A Arte não apenas desperta as suas emoções. Ela faz, cientificamente, o seu corpo manifestar
respostas biológicas. E falas orgânicas são senhas para comprovar que as manifestações
artísticas podem intervir, tratar e curar.

Dediquei muitos anos da minha vida à produção artística de cunho estritamente entretenedor.
Fui muito feliz com isso, conquistei muitos fãs, evolui muito como ser humano. Todavia o
verdadeiro grande trampolim para que a minha verve, cognição e psique alçassem voos
imensamente altos e profundos se deu a partir do ponto de minha vida em que passei a me
qualificar como terapeuta que parte da Arte para promover intervenções e tratativas.

Hoje, já são muitos e belos anos comprovando cientificamente que o agir cênico oferta
caminhos de terapêutica socio-emocional, que a música - além de inferir nas células humanas -
acessa zonas neurológicas que recuperam a saúde do corpo e da mente, que a literatura pode
ajudar a abrir as portas do inconsciente autista, por exemplo, e ajudar a lenitivar a depressão,
que artes plásticas promovem melhora motora e relacional.

Minha carreira acadêmico-científica me trouxe a uma formação sólida, que muito me orgulha.
No momento em que concluo essa obra, sou Psicanalista, Psicopedagogo (ABPP/PA 2020006) e
Musicoterapeuta (CPMT-PA 036/19), com capacitação em Arteterapia, Terapia Cognitivo
Comportamental, Terapia Neurocientífica, especialista em Educação Inclusiva, especialista em
Autismo, especialista em Saúde Mental, especialista em Transtornos Globais do
Desenvolvimento e especialista em Neuropsicologia. Nesse livro, reúno os artigos científicos
que escrevi e defendi para que pudesse obter essas titulações todas, ao longo dessa densa
jornada.
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Os aplausos como regalo aos meus fazeres estritamente artísticos eram retornos comoventes em
minha carreira. Mas os resultados concretos que tenho colhido nos meus settings clínicos
somados aos depoimentos de pais, professores e colegas da área da saúde, comprovando que as
terapias que tenho pesquisado e aplicado vêm ajudando consistentemente jovens com Síndrome
de Down, Autismo, Síndrome de Williams - entre outros cases - a terem maior e melhor
qualidade de vida... tudo isso é um aplauso infinitamente mais nobre e significativo.

Assim, o laudo conclusivo é preciso e claro: não me interessa a vaidade do sucesso efêmero
num palco. Estou curado dessa sedução. O que me faz aplaudir a vida é o sucesso no cotidiano
de um paciente amado.
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A LITERATURA COMO
FERRAMENTA INTERVENTIVA
E TERAPÊUTICA
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ARTIGO 01
PSICOLITEROTERAPIA: PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO DE CONCEITO PARA
TERAPIA MEDIADA POR TEXTOS LITERÁRIOS COMO AUXÍLIO NO
TRATAMENTO DA DEPRESSÃO EM AUTISTAS

Artigo apresentado como requisito para


a obtenção do título de especialista em Saúde Mental
2020

RESUMO

A Arte tem se provado cientificamente uma significativa ferramenta terapêutica. Os vastos


referenciais teóricos sobre a Arteterapia e a Musicoterapia hoje existentes abalizam isso. A
Literatura também faz parte desse rol de possibilidades interventivas, mas ainda pode ser mais e
melhor estudada quanto a suas potencialidades tratativas. A presente pesquisa tem o objetivo de
investigar o uso da expressão literária criativa e/ou receptiva como suporte psicoterapêutico em
casos de depressão no universo do espectro autista. Este artigo apresenta um relato de
experiência com análise qualitativa do processo de intervenção junto a um jovem com autismo e
quadro depressivo, em que produções literárias foram usadas como indutores para auxiliar na
comunicação do estado emocional do paciente. Pretende-se, portanto, com essa investigação a
propositura do conceito de Psicoliteroterapia aplicada à saúde mental no campo do autismo.

Palavras chave: Saúde Mental. Autismo. Literatura.

ABSTRACT

Art has proven itself scientifically to be a significant therapeutic tool. The vast theoretical
references on Art Therapy and Music Therapy that exist today support this. Literature is also
part of this list of intervention possibilities, but it can still be more and better studied regarding
its treatment potential. This research aims to investigate the use of creative and / or receptive
literary expression as psychotherapeutic support in cases of depression in the universe of the
autistic spectrum. This article presents an experience report with qualitative analysis of the
intervention process with a young man with autism and depressive condition, in which literary
productions were used as inducers to assist in the communication of the patient's emotional
state. Therefore, this investigation intends to propose the concept of Psycholiterotherapy applied
to mental health in the field of autism.

Keywords: Mental health. Autism. Literature.

1 INTRODUÇÃO
Desde seus primórdios, a Arte levanta questionamentos. De primeira ordem, inquirições
íntimas. Pessoais. Uma pintura propõe reflexões particulares sobre o condão imagético. O ato de
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apreciar uma tela causa sensações sobre cores, formatos, padrões estéticos. Uma música influi
em estados emocionais, desperta lembranças, sentimentos, vivências. Um espetáculo cênico
colabora para reflexões situacionais, sociais, éticas. Um texto literário convida a supor imagens,
sons, sensações, sentimentos.
Contemporaneamente, entretanto, uma outra esfera de questionamento passou a ser
associada à Arte: o fazer artístico pode ter também implicações terapêuticas? Toda a fruição
proposta pelos segmentos artísticos pode servir como terapia em situações clínicas das mais
variadas?
Para buscar responder a isso, surge primeiramente a necessidade de fazer uma
indagação: o que significa a propriedade terapêutica, também conhecida como itinerário
terapêutico?
Em termos gerais, significa o arcabouço utilizado ou perseguido para se atingir a
tratativa sobre males orgânicos e/ou emocionais:

O itinerário terapêutico (IT) é um dos conceitos centrais nos estudos


socioantropológicos da saúde. Trata-se de um termo utilizado para designar as
atividades desenvolvidas pelos indivíduos na busca de tratamento para a doença ou
aflição. Ao longo da história das ciências sociais, esse conceito tem recebido rótulos
diferentes, como “illness behavior”, “illness career” e “therapeutic itineraries”. Cada
uma dessas expressões põe ênfase especial em determinados aspectos dos processos
pelos quais os atores sociais buscam soluções para suas aflições (ALVES, 2015, p.30)

Tomando por base esse entendimento, começamos a abrir mais luzes sobre a
possibilidade dos fazeres artísticos impactarem sobre a saúde orgânica e mental/emocional.
Tudo o que hoje se sabe sobre as propriedades da música, sobre as acepções do fazer cênico e
sobre os alcances das atividades plásticas, entre outras ações de campos similares, comprovam
que a Arte têm aplicações e implicações terapêuticas. De acordo com Barros e Ferreira (2016), a
relação entre o processo de criação artística e a subjetividade humana constitui um importante
campo de estudo e intervenção. Tais pesquisadores frisam igualmente que diversos autores
como Jung, Nietzsche, Schopenhauer, Freud, entre outros, já destacaram o papel do processo
criativo e da estética como forma de expressão da subjetividade humana, salientando, assim, que
a Arte se torna uma estratégia terapêutica com benefícios para o tratamento de diversas
patologias.

Faz-se ainda significante saber, especialmente para a investigação esmiuçada pelo


presente trabalho, que as expressões artísticas se comprovam, na contemporaneidade, condão
terapêutico para lidar mais especificamente com o universo da saúde mental:

Nessa associação da arte com os sentimentos, emoções, imaginações, encontramos um


cruzamento entre saúde e arte. Saúde sendo o equilíbrio físico, mental e social do ser
humano, e a arte uma forma de expressar emoções, sentimentos, pensamentos,
lembranças, e outros fenômenos da mente. Nesse contexto busca-se entender a
importância da arte como tratamento para um grupo especial de pessoas: os portadores
de transtornos mentais. Através da arte podemos entender o paciente psiquiátrico de
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forma mais profunda, além de seu discurso explícito muitas vezes confuso e delirante, e
de sua história de vida, freqüentemente incompleta (GOMES, 2005, p.05)

Outrossim, ciências como a Musicoterapia e a Arteterapia encontram plenamente seu


espaço salvaguardados nos terrenos das intervenções clínicas atuais. Entretanto, há expressões
artísticas que ainda aguardam por mais profundos esquadrinhamentos no que tange às suas
pertinências terapêuticas. É o caso da Literatura. As terapias estruturadas a partir de textos
literários ainda merecem uma mais profunda sondagem acadêmica.
O presente artigo científico tem justamente por escopo investigar a pertinência do uso
da arte literária como instrumento interventivo junto a quadro clínico do campo da saúde
mental, como premissa para a construção de conceito aqui batizado como Psicoliteroterapia. O
termo foi cunhado pelo autor deste texto durante o processo de um ano de atendimento
arterapêutico e psicopedagógico realizado junto a I.C., jovem de 16 (dezesseis) anos,
diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista e depressão. Com imensas dificuldades de
comunicar seus sintomas e estado emocional, o atendido só conseguia se expressar quando o
terapeuta aplicava como indutores poemas, contos, trechos de romances e de dramaturgias.
O objetivo geral do trabalho aqui apresentado, portanto, é justamente investigar o uso da
expressão literária criativa e/ou receptiva como suporte psicoterapêutico em casos de depressão
no terreno do espectro autista. Os objetivos específicos são cunhar um conceito inicial de
Psicoliteroterapia; apresentar para educadores e terapeutas um caminho alternativo de
intervenção e comunicação junto a pessoas com Autismo; e comprovar a pertinência do aporte
terapêutico da Literatura.
Todavia, para que esse percurso de análise seja mais satisfatório, urgirá preliminarmente
responder questões como: o que é Saúde Mental? O que é a depressão? O que é o TEA
(Transtorno do Espectro Autista)? Como a depressão se apresenta no universo autista e quais
impactos causa? De que forma a Arte efetivamente se prova ferramenta terapêutica? De que
modo a Arteterapia pode ser aplicada no universo da Saúde Mental? Como, em especial, a
Literatura pode ajudar na expressão do íntimo humano em sofrimento depressivo? Qual é, por
fim, o conceito proposto para Psicoliteroterapia?

2 METODOLOGIA

O presente artigo científico adota como metodologia o relato de experiência com análise
qualitativa da aplicação da Psicoliteroterapia no processo de atendimento arterapêutico e
psicopedagógico realizado ao longo de um ano junto a I.C., rapaz de 16 (dezesseis) anos, com
diagnóstico clínico de depressão (CID 10 - F32.1) agudizada pelo Transtorno do Espectro
Autista (CID 10 - F84.0), com características da Síndrome de Asperger (CID 10 F84. 5), quadro
acentuado por dificuldades do paciente de comunicar seus sintomas e angústias.
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3 DESENVOLVIMENTO

3.1- SAÚDE MENTAL: UM CONCEITO COM COMPLEXAS VARIANTES

Campo com fundamentais refrações e implicações sócio-históricas, a Saúde Mental é


esfera científica que cada vez mais exige urgentes apreciações a respeito de suas noções e
especificações. O ser humano é um complexo orgânico-psico-sensorial. Hodiernamente, é bem
sabido que os pilares do bem estar não são apenas físicos. O binômio corpo e mente é
fundamental para a constituição do entendimento de saúde.
Mas, afinal, de que forma deve ser entendida a Saúde Mental?
Gama, Campos & Ferrer (2014) salientam que a Organização Mundial da Saúde (OMS)
conceitua Saúde Mental como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, para
além da ausência de doenças orgânicas. Os autores, porém, preconizam que é preciso amplificar
essa definição e buscar variantes de entendimento mais complexas. Explicam ainda que quando
estamos diante de questões envolvendo seres humanos, como é o caso da saúde mental,
devemos ficar atentos para que as colaborações oriundas de diferentes lógicas possam dar sua
contribuição na justa medida e sejam impedidas de atravessarem algumas fronteiras interferindo
de maneira intrusiva na própria concepção de tratamento.
O aprofundamento em entendimentos mais amplos sobre essa esfera da saúde traz
também a necessidade de apreciações mais esmiuçadas sobre o adoecimento mental:

A enfermidade é uma construção cultural a partir das teorias e redes de significados que
compõem as diferentes subculturas médicas (...) a enfermidade é fundamentalmente
semântica e a transformação da doença em uma experiência humana e em objeto de
atenção médica se dá através de um processo de atribuição de sentido (FILHO,
COELHO & PERES, 1999, p.104)

Em meio a todo esse complexo conceitual, é pacífico estabelecer, no entanto, que o


desequilíbrio na Saúde Mental propicia o surgimento de doenças com variadas feições. Para o
presente trabalho interessará a análise mais específica de uma delas: a depressão.

3.1.1- A Necessidade de Entender Melhor o que é a Depressão

As desestruturas nos estados emocionais humanos têm tipificações bastante conhecidas


no rol das doenças mentais. Uma das mais propaladas, sem dúvida, é a depressão. Quer seja
pelo acentuado crescimento de casos nos últimos tempos, quer seja pela constante maior
divulgação de suas peculiaridades, características e impactos sociais, o transtorno depressivo
tem sido posto em foco de maneira exponencial.
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Considerada popularmente como o mal do séculos XX e XXI, a depressão ganhou


definição que se tornou mundialmente famosa graças a uma obra literária, o best seller "O
Demônio do Meio-Dia", de Andrew Solomon: "ela é a solidão dentro de nós que se torna
manifesta e destrói não apenas a conexão com os outros, mas também a capacidade de estar em
paz consigo mesmo" (SOLOMON, 2014, p.06)
Ao lado dessa visão artística, olhares de outras acepções científicas também se
debruçam sobre essa moléstia. Um diálogo, aliás (Ciência e Arte), que aqui nesse trabalho muito
sensivelmente interessa. A busca por explicações sobre esse quadro clínico evidenciam, dentre
outros pontos, o peso emocional que costuma acompanhar os depressivos:

Os transtornos mentais se caracterizam como um grupo de doenças com alto grau de


sobrecarga, não só para o indivíduo que sofre, mas também para seus familiares e
cuidadores. Entre eles, a depressão é atualmente responsável pela mais alta carga de
doença entre todas elas. Sua característica insidiosa vai destruindo as esperanças e o
brilho da vida de seus portadores, tendo consequências devastadoras na vida dos que
estão ao seu redor. A depressão se caracteriza pela perda de interesse e prazer por tudo,
pelo sentimento de tristeza e baixa da autoestima. Os quadros mais graves podem levar
ao suicídio. Apesar disso, a doença permanece escondida e não tratada (ABELHA,
2014, p.01)

Todas as gamas de complexidade que envolvem o estado depressivo, porém, abrem vias
não somente para conclusões plurais como para caminhos tratativos variados.

Ainda que a depressão (ou melancolia) seja reconhecida como uma síndrome clínica há
mais de 2 mil anos, até hoje não foi encontrada uma explicação plenamente satisfatória
de suas características intrigantes e paradoxais. Ainda existem importantes questões não
resolvidas sobre sua natureza, classificação e etiologia. (BECK & ALFORD, 2011,p.13)

Por ser tão multiconceitual e ter implicações tão delicadas, a depressão associada a
outros quadros clínicos se torna ainda mais agravada. É o caso dos estados depressivos em
pessoas com o Transtorno do Espectro Autista. Essa interrelação será mais a frente analisada.
Antes, no entanto, faz-se necessário compreender o TEA per si.

3.2 - COMPREENSÕES SOBRE O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Assim como nos estudos relacionados à depressão, o Transtorno do Espectro Autista


tem sido igualmente alvo de debates e análises científicas que mais e mais se intensificaram nas
últimas décadas. O TEA também vem passando por várias definições conceituais. Antes, apenas
estabelecido como Autismo e entendido com variações tipológicas diversas: Asperger, Rett,
entre outras. Hoje, um só agrupado prisma de condições, um espectro. Não existe um Autismo,
mas vários.

Atualmente, é pacífico entender que o TEA abrange diferentes síndromes em torno de


uma trinca específica de características: padrão comportamental restrito e repetitivo;
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dificuldades de comunicação; e barreiras de socialização. Todas as variantes constantes no


espectro autista para serem conceituadas e implicadas como tal precisam atender a essa tríade.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda é uma condição clinica enigmática, sendo
este considerado como de natureza multifatorial, ou seja, ainda não se sabe, ao certo, qual
a causa específica do TEA. A literatura oferece uma série de reflexões que giram em torno
dos aspectos genéticos, hereditários e ambientais. Os sintomas apresentados por sujeitos
autistas são: ausência de linguagem verbal ou linguagem verbal pobre; ecolalia (repetição
de palavras fora do contexto), hiperatividade ou extrema passividade, contato visual
deficiente, ausência de interação social, interesse fixado a algum objeto ou tipos de
objetos. O autismo refere-se ao conjunto de características, podendo ser encontrados em
sujeitos afetados desde distúrbios sociais leves sem deficiência mental, até deficiência
mental severa (FERREIRA, 2016, p.30)

As implicações do TEA sobre o comportamento se manifestam desde a mais tenra


idade. Na infância, portanto, o espectro autista será condicionante de padrões de ações que se
estenderão pela vida do sindrômico. Fator que torna fundamental intervenções e mediações no
interregno mais precoce possível.

O autismo é um transtorno neurodesenvolvimental caracterizado por prejuízos sociais,


comportamentais e de comunicação (...) Os primeiros relatos sistemáticos sobre o autismo
remontam aos estudos de Kanner (1943) e Asperger (1944), os quais descreveram
crianças com distúrbios do desenvolvimento e com características singulares de prejuízos,
como profunda inabilidade no relacionamento interpessoal, atrasos na aquisição e
distúrbios no desenvolvimento da fala, dificuldades motoras e comportamentos repetitivos
e estereotipados (...) No que diz respeito à abordagem neuropsicológica do TEA, destaca-
se a hipótese de disfunção executiva, que defende que prejuízos no controle executivo
poderiam estar relacionados a alguns dos comprometimentos cognitivos e
comportamentais observados em indivíduos com TEA (BOSA, CZERMAINSKI &
SALLES, 2013, p.519)

Dentro do espectro, interessa especialmente a presente pesquisa conhecer um pouco


mais detidamente as circunstâncias inerentes à chamada Síndrome de Asperger.

3.2.1- Um olhar mais detido sobre a Síndrome de Asperger

Dentro do espectro, a Síndrome de Asperger (SA) é considerada um autismo em grau


leve. Trata-se de uma variante com suas especificidades. De acordo com Klin (2006), a SA é
referenciada entre os chamados transtornos invasivos do desenvolvimento (TID), um segmento
de condicionantes comportamentais caracterizado pelo início precoce de atrasos e desvios no
desenvolvimento das habilidades sociais, comunicativas e demais habilidades.

Dentro dessas circunstâncias, tem-se características atitudinais bastante peculiares e


norteadoras para uma diagnose:

A síndrome de Asperger (SA) caracteriza-se por prejuízos na interação social, bem como
interesses e comportamentos limitados, como foi visto no autismo, mas seu curso de
desenvolvimento precoce está marcado por uma falta de qualquer retardo clinicamente
significativo na linguagem falada ou na percepção da linguagem, no desenvolvimento
cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na curiosidade sobre o ambiente. Interesses
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circunscritos intensos que ocupam totalmente o foco da atenção e tendência a falar em


monólogo, assim como incoordenação motora, são típicos da condição, mas não são
necessários para o diagnóstico (KLIN, 2006, p.58)

Essa limitação na comunicação é, aliás, um condicionante importante a ser considerado


no caso de I.C., em epígrafe na presente pesquisa.

3.3- DEPRESSÃO E TEA: UM BINÔMIO PREOCUPANTE

Uma vez explanadas todas as circunstâncias clínicas acima, chega-se a um binômio que
exige apreciação dedicada e circunspecta: os casos em que a depressão se associa ao universo
do Transtorno do Espectro Autista. Essa confluência não é rara. Muito pelo contrário. Tem se
tornado bastante comuns os diagnósticos dessa problemática associação. Difícil saber o que se
instaura em primazia. O espectro autista propicia a fragilização mental? Ou o sofrimento íntimo
acentua as fragilidades autistas? Essas dicotomias ainda não têm respostas pacíficas. Fato é que
as dificuldades comunicacionais e atitudinais inerentes ao TEA acabam favorecendo o
adoecimento emocional ao ponto da instauração do estado depressivo. E, outrossim, a inerência
da condição depressiva ganha contornos mais acentuados por conta das implicações do autismo.

As síndromes depressivas representam uma comorbidade incapacitante para muitas


crianças com desordens do espectro do autismo (TEA), no entanto, a constatação da
depressão pode ser complicada pela sobreposição fenotípica entre as duas condições, por
maneiras pelas quais a sintomatologia autista pode mascarar aspectos fundamentais da
depressão e por manifestações atípicas de depressão em crianças com TEA. Essas
questões contribuíram para uma ampla variação na estimativa das taxas de prevalência de
depressão em indivíduos com TEA e invocam a necessidade de novas abordagens para a
detecção específica da depressão e outras comorbidades neuropsiquiátricas que se
agregam em crianças afetadas por TEA. Revisamos a literatura científica relevante para a
ocorrência de depressão em TEA e consideramos parâmetros importantes de risco,
incluindo fatores psicossociais, como a percepção do status de afetação, bem como fatores
biológicos, como a agregação de síndromes depressivas em certas famílias afetadas pelo
autismo, o que sugeriu uma possível sobreposição nas influências genéticas subjacentes às
duas condições. A variabilidade nas manifestações de depressão nos contextos ambientais
fornece pistas importantes para a intervenção e ressalta a importância potencial do
envolvimento de múltiplos informantes na determinação da depressão em crianças e
adolescentes com TEA. Uma estratégia prática para avaliar a presença de depressão em
jovens com TEA é sintetizada a partir dos dados disponíveis e discutida (MAGNUSON &
CONSTANTINO, 2012, p.01)

Da infância à vida adulta, as contrafações entre o TEA e a depressão vão se


estabelecendo em níveis diferentes e implicando drasticamente de formas diversas no
comportamento, na sociabilidade (já comprometida pela síndrome), na vida. As dificuldades
relacionais se tornam ainda mais latentes. As limitações comunicacionais ainda mais
acentuadas. Magnuson & Constantino (2012) fazem outros esclarecimentos cruciais a respeito
disso tudo. Esclarecem eles que as manifestações de sintomas depressivos em autistas variam
em função da idade e, portanto, do nível geral de maturação do desenvolvimento, mas são
aspectos comuns ao longo da vida o interesse diminuído em atividades, sentimentos de
inutilidade ou culpa, capacidade diminuída de se concentrar ou tomar decisões e pensamentos
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recorrentes de morte. A ilação suicida se torna, portanto, bastante presente. O que torna urgentes
intervenções que melhorem a comunicação entre o sindrômico e as pessoas que o cercam. Os
autores afirmam ainda que, nesse sentido, têm sido feitas avaliações sistêmicas modestas das
intervenções para depressão em indivíduos com distúrbios do espectro do autismo, mas o
suficiente para concluir que intervenções específicas podem ser eficazes quando a condição é
identificada.
Ainda sobre o tema, Dheeraj, Dalman & Heuvelman (2018) reforçam que melhorar a
compreensão sobre o ônus da depressão em pessoas com autismo é importante porque tem se
reconhecido que essa correlação clínica por levar à redução do funcionamento social. Os
teóricos salientam que a depressão pode agravar as principais características do TEA, o que, de
fato, reforça o fator de risco para suicídio, questão recentemente destacada como causa
potencialmente importante de mortalidade prematura em indivíduos com autismo. E concluem
que, como a depressão é potencialmente tratável, sua identificação pode, assim, oferecer a
oportunidade de reduzir o sofrimento e levar a uma melhor qualidade de vida.
Vias de tratativa, portanto, são preponderantes. Assim, volta-se à discussão inicial deste
artigo: expressões artísticas podem ser esse caminho de tratamento?

3.4- ARTE COMO TERAPIA: HISTÓRIA E PESSOA COM DEFICIÊNCIA

O célebre escritor francês Émile Zola cunhou uma frase que se tornou célebre para o
entendimento da potência da criatividade humana: "a obra de arte é um reflexo do mundo visto
através da personalidade". Partindo dessa provocação poética, podemos rumar para conclusões
ainda mais contundentes.
Como já explanado nessa pesquisa, a Arte conquistou, ao longo do tempo, respaldos
que vão para além do campo da troca sensorial fruidora. Ela se prova cientificamente uma
atividade terapêutica.

Até o século XIX, os médicos observavam os esboços feitos por esquizofrênicos apenas
com curiosidade e para auxiliar no diagnóstico. Após a obra do médico francês Ambroise
Tardieu (1872) psiquiatras passaram a tentar identificar doenças mentais a partir de
produções artísticas (...) Seguiram-se os trabalhos de Max Simon (1879) e de Cesare
Lombroso sobre arte esquizofrênica. (...) Geraldo Lafora observa nos desenhos de doentes
mentais a existência de dissociações mentais nas suas construções fragmentadas,
inscrições simbólicas, condensações, estereotipias e perserverações gráficas. Nesse
período, a Psicanálise foi importante para identificar a arte como uma possibilidade na
terapêutica da doença mental (DANTAS, 2006, p.114)

Historicamente, a consolidação da ciência da terapêutica artística ganhou inclusive um


nome próprio: a Arteterapia. E quem oferece ajuda para o entendimento sobre essa área de
conhecimento é Marxen (2011) quando diz que a Arteterapia é uma técnica terapêutica através
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da qual o paciente pode se comunicar por meio de materiais artísticos que facilitam a expressão
e a reflexão. A autora segue enunciando que esse território do saber se aplica a pessoas de todas
as idades e muitas patologias, em contextos diferentes: hospitais, cárceres, escolas e centros de
saúde mental.
Assim, a essa altura do presente trabalho, torna-se crucial centrar atenção sobre esse
aspecto: o viés arteterapêutico se faz significativo para pessoas com deficiência. Sobretudo,
quando o campo de déficit impacta na capacidade comunicacional, conforme detalha Lachowicz
(2019): "A arte é o registro dos sentimentos humanos (...) até trágicos. A arte é especialmente
importante para as pessoas deficientes (sic) que tentam expressar, de forma artística, o que não
são capazes de comunicar mediante a linguagem".
Artes plásticas, Artes Cênicas e Música, desta feita, auxiliam em processos
interventivos de ordens diversas no que tange às deficiências físicas, sensoriais e cognitivas. A
Musicoterapia, aliás, tem aplicabilidades bastante recorrentes junto a pessoas no Espectro
Autista, por exemplo.
Estudos empreendidos por Gattino (2012) dão a conhecer que pesquisas, publicadas em
2008 e 2009, sobre os efeitos da Musicoterapia em crianças com TEA, apresentam resultados
interessantes a respeito do rol das funções cognitivas. Verificou-se que, após doze sessões de
trinta minutos, a Musicoterapia foi capaz de facilitar comportamentos de atenção compartilhada
e habilidades não verbais de comunicação social.
Com tudo isso posto até aqui, por conseguinte, é possível retornar à menção ao
romancista Émile Zola, que abriu essa seção, e inquirir: a Literatura tem também já seu papel
terapêutico satisfatoriamente debatido? Esse é o cerne a ser analisado doravante.

3.4.1- Investigações sobre Terapias por meio da Literatura

A primeira inconsistência encontrada quando se busca informações acadêmicas sobre os


aportes terapêuticos da arte literária é tipológica. Há pesquisadores que nomeiam a terapêutica
literária como Escrita Terapêutica (levando em conta somente o ato de produzir textos literários
dentro de um setting terapêutico). Outros de Biblioterapia, Literaterapia, entre outras
denominações (aportes centrados apenas na leitura como fator de tratamento).
Sobre a Escrita Terapêutica, Figueiras & Marcelino (2008) deliberam que se assistiu,
nos últimos anos, a um rápido crescimento da investigação que examina a relação entre a
expressão emocional e a saúde. Trata-se, segundo as autoras, de estudos que revelaram relações
entre expressão emocional escrita acerca de experiências adversas e melhorias na saúde física e
psicológica. As pesquisadoras igualmente salientam que estudos sobre escrita terapêutica
sugerem que os indivíduos que inibem a expressão emocional estão mais expostos a problemas
de saúde. Ressaltam ainda que, paralelamente, indivíduos que processam as suas experiências
traumáticas através da expressão escrita apresentam melhores níveis de saúde.
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Quanto a conceituação das estratégias de tratamento que tomam a leitura como


instrumento, Oliveira (2018) revela que os nomes utilizados para essa prática já foram muitos:
Bibliopsicologia, Biblioaconselhamento, Biblioeducação, Literaterapia. Mais recentemente:
Biblioterapia. Apesar das diferentes denominações, a proposta, segundo a pesquisadora, é
mesma: buscar tratamento terapêutico em leituras diversas. Oliveira cita que Aristóteles já
ressalvava que a leitura é capaz de proporcionar a catarse, experiência que pode ser descrita
como uma purificação do espírito através da liberação de emoções.
Em meio a essas vertentes explicativas diversas, não se encontra consenso sobre base
una para a ciência tratativa literária. Há uma cisão conceitual entre a aplicação clínica da leitura
e a vivência terapêutica da produção textual. Tão pouco é possível encontrar indicações de
tratamentos literários centrados no universo da pessoa com deficiência.
Desta sorte, como as pesquisas sobre a aplicação terapêutica da Literatura - em
específico junto a pessoas com TEA - se mostrou dificultada não só pela pluralidade da
nomenclatura, mas também pela dicotomia de aplicações, surgiu, para o autor deste artigo
científico, ao longo do processo de atendimento a I.C., a necessidade de cunhar um conceito
novo. E é esse relato de experiência que se segue

3.5- A VIVÊNCIA TERAPÊUTICA COM I.C E A DESCOBERTA DA POSSIBILIDADE


DE COMUNICAÇÃO POR MEIO DE TEXTOS LITERÁRIOS

O contato do autor desta pesquisa com I.C foi iniciado em 2015. Antes de ser uma
relação terapêutica, foi um convívio artístico-inclusivo. Diagnosticado com Transtorno do
Espectro Autista, mais detidamente identificado com a Síndrome de Asperger, e com depressão,
o jovem, então com 15 anos, foi um dos alunos do pesquisador no Cena Especial - Teatro
Inclusivo, projeto de extensão realizado na Faculdade Integrada Brasil - Amazônia (FIBRA),
tendo sido levado ao mesmo por sua mãe. Ao longo desse primeiro ano de convivência, o rapaz
participou do processo de montagem do espetáculo sensorial Pelos Olhos Dela.
Desde o início, I.C. mostrou dificuldades relacionais e comunicacionais. O que
desafiava seu professor imensamente. Como fazer o jovem participar das atividades de modo
mais integral? Como convencê-lo a se dedicar ao processo de montagem cênica? Como saber se
ele estava, de fato, sentindo-se bem com tudo aquilo? Ele estava ali por ele ou por vontade
materna?
A primeira senha de um caminho que se tornaria muito interessante a frente se deu
quando, em uma das aulas, foi utilizado o poema Motivo, de Cecília Meireles. I.C., que nunca
havia tido contato com aqueles versos, pediu para lê-los em particular, a um canto. Foi atendido.
Passados pouco mais de cinco minutos, voltou e afirmou que queria dizer o poema decorado. O
pesquisador que aqui se apresenta confessa ter duvidado que aquilo seria possível. Um jovem
16

tão introspectivo e com tantas barreiras comunicacionais conseguir decorar tão rápido um
poema nada simples e ainda querer apresentá-lo de cor para o professor e para a turma? A
chance, evidentemente, foi-lhe dada e o resultado comovente de tão surpreendente: I.C, não
apenas disse o poema decorado sem nenhum erro, como dotou a recitação de cada verso, de
cada palavra com notável expressividade: "Eu canto (batia com a mão no peito indicando ser ele
realmente o eu-lírico) porque o instante existe / E a minha vida (também batia a mão no peito,
como num reforço que aquela vida era mesmo a sua) está completa (fazia sinal com a mão
indicando completude) / Não sou alegre nem triste (fazia sinal negativo com o dedo) / sou poeta
(mais uma vez batendo a mão no peito e erguendo o rosto, em postura soberana)".
A experiência foi tão forte e comovente que fez ser tomada uma decisão: toda a
comunicação com o rapaz passou a ser sustentada por recursos literários. Inicialmente, o
professor escolhia ou criava poemas que contivessem mensagens que queria passar.
Posteriormente, o garoto começou a ser motivado a escrever suas impressões sobre tudo por
meio de obras literárias. Inicialmente foram poemas também. Mas logo surgiram contos e
dramaturgias criadas por ele.
O processo de montagem do espetáculo teve excelentes resultados, inclusive com I. C.
protagonizando uma cena em que dizia o poema Motivo ao som de instrumental de violinos e
violão. Performance apresentada durante dois anos para numerosas plateias em teatros, centros
culturais e mesmo praças públicas, com toda sorte de intempéries e variantes externas
incontroláveis.
O presente pesquisador percebeu que estava criado entre ele e o rapaz um caminho de
comunicação e expressão poderoso. Via que o ajudava a manifestar o que lhe ia no intimo. E
que também o encorajava a vencer desafios que são gigantes não apenas para o indivíduo no
espectro autista, como também para pessoas circunscritas pela depressão.
Essas premissas serviram de base para que fosse proposto à mãe do adolescente que ele
passasse a fazer um acompanhamento arteterapêutico e psicopedagógico com o pesquisador
para além do Cena Especial. A proposta foi aceita e iniciada em 2016, quando ele fez 16 anos.

3.5.1- A experiência no setting terapêutico e o contrato estabelecido

Uma vez descolado para uma sala de atendimento terapêutico (a sala particular do
pesquisador), o caso de I.C ganhou um elemento de enfrentamento que ainda não tinha sido
revelado. A mãe informou que ele tinha ilações suicidas. A relação, então, deixou de ser
professor-ator com o objetivo de criação e apresentação de um produto cênico, para ser
terapeuta-paciente com o objetivo de acessar questões dolentes da depressão, em especial o
fascínio pelo desejo de morrer, e, assim, tentar chegar a resoluções psíquicas.
17

Os textos literários se mantiveram como indutores. Mas igualmente mudaram de feição.


Não eram mais alicerces para performances em prol de aplausos. Tornaram-se instrumentos
para a comunicação dos estados emocionais de I.C. E isso não foi escondido dele. Foi feito com
ele aceitando o acordo, o contrato terapêutico de se expressar sobre suas angústias e dores por
meio de produções literárias. O terapeuta estabeleceu dois caminhos para os indutores:
apresentação de textos literários de autores diversos que o motivassem a falar de si mesmo e
textos produzidos por I.C. nos quais ele falasse de si mesmo. Escrita terapêutica e biblioterapia
confluídas.
A estratégia se mostrou muito eficaz. A rotina estabelecida foi a de um encontro por
semana, com duração de até uma hora. A sessão começava com ações musicoterapêuticas de
relaxamento, como o banho sonoro (I.C. não apresentava reações adversas a estímulos
musicais). No segundo momento da sessão, o terapeuta apresentava um poema, trecho de conto,
trecho de romance ou trecho de dramaturgia eivado de contextos que pudessem acessar alguma
questão íntima, delicada para I.C. O terapeuta inicialmente lia o texto. Perguntava se aquilo
causava algum desconforto no jovem. Se a resposta fosse positiva, o texto era abandonado e
partia-se para outro, com outro enfoque indutor. Se a resposta fosse negativa, se o texto não
provocasse incomodo, o momento seguinte era protagonizado pelo jovem: ele devia ler o texto
em voz alta. Se quisesse, podia decorá-lo e recitá-lo. O terceiro momento da sessão era dialogal.
Abertas as portas emocionais sugeridas pelo escrito, o terapeuta perguntava qual o entendimento
do rapaz sobre aquela literatura. A partir das suas respostas, o mediador perguntava se aquilo
que estava sendo exposto o incomodava, agradava-o, causava medo ou fascínio. E inquiria ainda
por que cada uma das reações dele relatadas acontecia. I.C., assim, conseguia não apenas
conversar sobre os estados emocionais trazidos à tona, como conseguia pensar sobre si mesmo e
expressar seus sentimentos. No final da sessão, o jovem era convidado a escrever o seu texto a
respeito de tudo o que havia sido conversado. A disponibilidade de I.C. era sempre respeitada.
Se ele aceitava, tinha o seu tempo de escrita. Uma vez pronto o texto, ele o lia e era instado a
explicar o que quis passar com sua produção e de que modo aquilo falava sobre si. Se ele se
recusava a escrever, não havia insistência. Mas tudo era anotado. O que ele expunha, o que ele
bloqueava, o que ele aceitava, o que ele recusava. E tudo isso ia alimentando a escolha de novos
textos para as próximas sessões. O processo durou um ano.

3.5.2- Conceituação da Técnica e classificação das estratégias

Ao ficar claro que havia sido estabelecido um método, uma técnica, surgiu a
necessidade de titulação/conceituação. Aquelas sessões podiam ser tipificadas como de Escrita
Terapêutica? Não porque havia também o uso terapêutico de bibliografias de autores diversos.
Podia ser chamada de Biblioterapia? Não porque havia a produção textual terapêutica. Além
18

disso tudo, o trabalho tinha por meta o acesso específico ao intrincado universo de um autista
com depressão. Havia um aporte de indução psíquica específico.
O presente pesquisador decide, então, criar o conceito de Psicoliteroterapia. Ou seja,
uma intervenção arte terapêutica centrada em indutores literários receptivos e criativos
destinada a acessar zonas psíquicas íntimas de uma pessoa no espectro autista leve, com
situação clínica agravada por quadro de depressão, com o intuito de auxiliá-la a reconhecer seus
sentimentos e angústias, entender seu próprio estado de sofrimento emocional e se expressar
sobre isso, de modo a facilitar a obtenção de ajuda tratativa.
A técnica apresenta as seguintes estratégias:
a) Psicoliteroterapia Receptiva: estratégia em que textos de autores diversos e de
gêneros diversos são usados como indutores para acessar estados emocionais fragilizados do
atendido, permitindo que ele reconheça que as obras falam sobre o que acontecem consigo e se
expresse sobre isso.
b) Psicoliteroterapia Criativa: estratégia em que, motivado por todo o cerco
estimulador da sessão, o atendido produz seu próprio texto, no gênero literário da sua escolha,
assumindo mais e sempre o compromisso de colocar nesses escritos os seus sentimentos mais
delicados e temerários, de modo a torná-los legíveis para si mesmo, possíveis de serem
expressados para outrem e passíveis de enfrentamento e superação.

3.5.3- Resultados aferidos de modo qualitativo

Os resultados aferidos junto a I.C. foram imensamente satisfatórios. Segundo sua mãe,
em apenas dois meses de sessões, a ilação suicida desapareceu. O rendimento na escola
aumentou. O terapeuta percebeu também, ao final de um ano, pontos positivos como: melhora
acentuada no desenvolvimento comunicacional (grande fragilidade basilar do TEA), incremento
na capacidade de se auto reconhecer (entender seu próprio estado emocional, compreender
melhor suas alegrias e tristezas), avanço na capacidade de expressar suas dores e angústias para
o outro, surgimento do interesse em resolver per si os seus conflitos.

O terapeuta decidiu, ao final de um ano, encerrar o tratamento. Sob a condição de


retorno, caso houvesse recrudescimento do sofrimento psicológico. Até o momento em que esse
artigo foi escrito, esse recrudescimento não aconteceu.

4 CONCLUSÃO

Por tudo estudado, exposto e analisado é possível concluir que, sim, a expressão literária
criativa e/ou receptiva se comprova um suporte psicoterapêutico eficaz em casos de depressão
no terreno do espectro autista. O processo de intervenção vivido junto a I.C. o auxiliou
concretamente a superar as dificuldades comunicacionais impostas pelo estado depressivo
19

associado ao TEA. O jovem contornou o que Solomon chama de "solidão que destrói a conexão
com os outros e deteriora a capacidade de estar em paz consigo mesmo". Foi possível,
outrossim, cunhar um conceito inicial para a Psicoliteroterapia, a se repetir: intervenção arte
terapêutica centrada em indutores literários receptivos e criativos destinada a acessar zonas
psíquicas íntimas de uma pessoa no espectro autista leve, com situação clínica agravada por
quadro de depressão, com o intuito de auxiliá-la a reconhecer seus sentimentos e angústias,
entender seu próprio estado de sofrimento emocional e se expressar sobre isso, de modo a
facilitar a obtenção de ajuda tratativa. A conceituação permitiu ainda classificar o método em
duas estratégias aqui reafirmadas: psicoliteroterapia receptiva e psicoliteroterapia criativa. A
presente pesquisa também se conclui eficaz na medida em que efetivamente se apresenta uma
técnica viável e ao dispor de educadores e terapeutas interessados num caminho alternativo de
intervenção e comunicação junto a pessoas com Autismo. E, por fim, a presente pesquisa
comprova, com os resultados positivos obtidos junto ao paciente, que a Literatura tem notável
pertinência terapêutica.
20

ARTIGO 02

JOGOS TEXTUAIS DE AUTOGESTÃO TEMPORAL: ESTRATÉGIA


PSICOPEDAGÓGICA DE ESCRITA TERAPÊUTICA PARA CONTROLE DA
MOTRICIDADE E DA ANSIEDADE NO TDAH

RESUMO

A fragilidade motora e os distúrbios de ansiedade são duas constantes observadas no universo


do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Em função disso, um dos campos
cotidianos mais impactados em pessoas com essa tipificação clínica é o da escrita. Grandes são
as dificuldades de grafar de forma legível e de se concentrar no que está sendo redigido. O
objetivo do presente trabalho é investigar as premissas da escrita terapêutica como forma de
intervenção psicopedagógica junto a essas dificuldades. Norteado por um relato de experiência
com análise qualitativa, este artigo apresenta a experiência de aplicação de estratégias lúdicas de
produção textual destinadas a tentar auxiliar, ao longo de um ano, um jovem com TDAH a
superar suas fragilidades grafológicas e emocionais. O presente trabalho propõe batizar essas
estratégias de Jogos Textuais de Autogestão Temporal (Jogos TAT).

Palavras chave: TDAH. Motricidade. Ansiedade.

ABSTRACT

Motor frailty and anxiety disorders are two constants observed in the universe of Attention
Deficit Hyperactivity Disorder. As a result, one of the daily fields most impacted on people with
this clinical typification is that of writing. Great are the difficulties to write legibly and to
concentrate on what is being written. The aim of this paper is to investigate the premises of
therapeutic writing as a form of psychopedagogical intervention along these difficulties. Guided
by an experience report with qualitative analysis, this article presents the experience of applying
playful textual production strategies aimed at trying to help, over the course of a year, a young
man with ADHD to overcome his graphological and emotional weaknesses. The present work
proposes to name these strategies of Textual Games of Temporal Self-Management (TGTSM
Games).

Keywords: ADHD. Motricity. Anxiety

1 INTRODUÇÃO

O ato de escrever, na vida juvenil e adulta, para uma grande maioria de pessoas, é tão
intrínseco às práticas cotidianas que se torna mesmo automatizado. É feito sem que haja muitas
autorregulações. As letras, sílabas, frases e parágrafos fluem enquanto o pensamento vai se
encadeando e ditando o que precisa ser grafado. Mas o uso da ressalva "para uma grande
21

maioria de pessoas", aqui nesse início de texto, não foi aleatório. Assim foi posto porque há um
significativo manancial de indivíduos para os quais o ato redacional é eivado de dificuldades,
fragilidades e desafios. Um dos segmentos que mais vivem esses enfrentamentos é o das
pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, o TDAH.
A escrita humana é o resultado de um intrincado sistema de funções e ações. É atividade
que exige confluência de fatores, entre outros, cognitivos e mecânicos. E, para que tal se
processe de maneira satisfatória, urge não haver no cérebro, no corpo e na psique questões
limitadoras, distratoras e/ou disfuncionais.

A amplitude, diversidade e complexidade do processo de construção da escrita podem


ser percebidas na singularidade como os sujeitos lidam com o (...) escrever e como
evoluem a partir de grandes movimentos cognitivos, verdadeiros saltos qualitativos, ao
se aproximarem desse objetivo conceitual. De modo geral, é possível distinguir dois
momentos aparentemente contraditórios no processo de alfabetização (...) Em primeiro
lugar, importa compreender "o que" a escrita de fato representa. A descoberta da
representação gráfica da fala coloca em jogo a necessidade de compreender o vínculo
entre dois sistemas de comunicação: a fala e a escrita. Contudo, as relações entre ambos
são complexas e estão longe de ser diretas. Cada sistema tem seu próprio
funcionamento, seu papel, suas regras, o que exige, em um segundo momento, a
compreensão dessas especificidades. Ao tentar entender "como" a escrita representa, é
preciso desvincular fala e escrita para poder situá-las como sistemas autônomos de
comunicação. Os processos cognitivos que marcam os dois momentos dessa trajetória,
como seus focos de conflitos e contradições, explicitados desde as primeiras
publicações na década de 80, continuam a ser minuciosamente estudados por inúmeros
investigadores (LUIZE, 2007, p.26)

Além dessas questões funcionais, o que se escreve precisa consistentemente fazer


sentido. Para quem vai receber o escrito. Mas igualmente - e muito particularmente - para quem
o produz.

Os modelos estritamente cognitivos têm em conta os diferentes fatores desencadeadores


das representações mentais que conduzem a atividade de produção textual. Os
elementos que se consideram são, em primeiro lugar, as finalidades que o escrevente se
propõe atingir em função da representação da situação retórica que constrói, ou seja, da
função do texto, do seu destinatário e de si mesmo, enquanto escrevente. Este primeiro
elemento é altamente condicionador do processo que se segue. Assim, a representação
elaborada da situação retórica condiciona a seleção e a organização dos conteúdos,
existindo entre estas e aquela uma estreita inter-relação; neste processo, os
conhecimentos estabelecem novas relações e sofrem transformações que constituem
aprendizagem. Se, pelo contrário, a representação retórica for insuficiente, o escrevente
não elabora a dimensão dos conteúdos, limitando-se a recuperá-los da memória e a
lançá-los à medida que vão surgindo, como elos sucessivos de uma cadeia (CAMPS,
2005, p.04)

Vencer todas essas etapas subjacentes do ato de escrever exige grandes habilidades de
superação para as pessoas com TDAH por razões bastante pontuais. O Transtorno do Déficit de
Atenção e Hiperatividade traz em si comprometimentos processuais notórios para quem estuda
esse terreno, entre os quais se destacam a fragilidade motora e a dificuldade de concentração. O
que gera ansiedade.
22

Costa & Outros (2013) esclarecem que, além das características persistentes inerentes
ao transtorno, indivíduos com TDAH apresentam uma série de dificuldades que comprometem
o desempenho nas atividades de vida diária, sendo possível elencar: dificuldades na
comunicação falada e escrita, memorizar, planejar, organizar e executar tarefas, dificuldades
com relação às habilidades psicomotoras como, coordenação motora global e fina, equilíbrio,
lateralidade, organização espacial e temporal, uma vez que, a habilidade psicomotora das
crianças com TDAH tendem a ser expressivamente inferior ao que espera em cerca de 30% a
50% dos casos avaliados.
Barbosa & Munster (2011) informam ainda que o TDAH é caracterizado por
dificuldade de concentração, associadas à hiperatividade e impulsividade. Revelam também que
os impactos se iniciam na infância e perduram até a vida adulta. Os autores igualmente explicam
que as inadequações acadêmicas e sociais apresentadas evidenciam a necessidade de adaptação
no ambiente educacional, visando a atender as necessidades especiais dessa população.
E, de modo geral, é justamente na vida escolar que as severas desestruturações no ato de
escrever se apresentam para os indivíduos com o transtorno em epígrafe. As intensas rotinas de
aula cobram, em esferas diversas, o bem escrever. No entanto, o consórcio entre as
problemáticas motoras e atencionais confluem para uma produção grafológica sincopada, mal
definida e desestruturada. Não por vontade do indivíduo, mas por sua condição clínica. Isso, em
meio a todas as outras circunstâncias do transtorno e demais cobranças socioatitudinais, gera
frustração. A tentativa de contornar essa frustração concorre para o incremento do estado
ansioso. E esse estado impacta na cognição da pessoa com TDAH: "as respostas orgânicas à
ansiedade (...) determinam o aprendizado. Entretanto, a concentração, o aprendizado e a
percepção aumentam ou são distorcidos quando ocorre um aumento na intensidade da
ansiedade" (JOSÉ & OUTROS, 2015, p. 144).
A análise científica de uma ação terapêutica junto a essa complexa questão é o cerne do
presente trabalho. O objetivo geral dessa pesquisa, portanto, é investigar a aplicação da técnica
batizada de Jogos de Autogestão Temporal (Jogos TAT) como ferramenta psicopedagógica de
intervenção junto a um jovem com TDAH, com o intuito de o auxiliar a contornar suas
fragilidades motoras e seu quadro de ansiedade para, assim, conseguir melhorar sua escrita
(caligrafia, ortografia e construções frasais). Os objetivos específicos são estudar a eficácia do
uso de técnicas de escrita terapêutica como solução interventiva junto aos déficits de atenção;
esmiuçar a pertinência da aplicação de jogos psicopedagógicos no acompanhamento de pessoas
com TDAH; e oferecer a terapeutas e educadores uma solução lúdica para atuar perante
fragilidades grafológicas.
No trajeto dessa apreciação acadêmica, entrementes, será importante responder aos
seguintes questionamentos: conceitualmente, como podemos definir o TDAH? De que forma se
entende clinicamente a ansiedade? O que á a dificuldade de autogestão temporal no TDAH e
23

como ela é agravada pelas fragilidades motoras e atencionais? O que é a Escrita Terapêutica?
De que forma os jogos, em especial os psicopedagógicos, podem auxiliar num quadro de
hiperatividade e déficit de atenção? Qual conceito pode ser proposto para os Jogos de
Autogestão Temporal?

2 METODOLOGIA

O presente artigo científico adota como metodologia o relato de experiência com análise
qualitativa da aplicação dos Jogos de Autogestão Temporal no processo de atendimento
psicopedagógico realizado ao longo de um ano junto a L.C.M.Z, jovem de 16 (dezesseis) anos,
com diagnóstico clínico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (CID F90).

3 DESENVOLVIMENTO

3.1- TDAH: IMPLICAÇÕES DA INFÂNCIA À VIDA ADULTA

Falar do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade é discorrer sobre uma


instância clínica que atinge percentuais significativos no mundo, de acordo com estudos da
comunidade médica internacional. Quando o locus esmiuçado é detidamente o Brasil, Oliveira
& Miranda (2016) especificam que a literatura informa haver, na atualidade em que esse
trabalho é realizado, uma taxa de 3 a 6% de crianças, entre 7 a 14 anos, com TDAH, havendo
maior frequência em meninos (2 para 1). As estudiosas sentenciam que isso representa uma
parcela significativa, que não pode ser considerada como inexistente, principalmente no
cotidiano educacional.
Conceituar essa condição, portanto, é pressuposto importante para o avanço da presente
pesquisa. Assim, é pacífico definir o TDAH como um transtorno neurocomportamental comum
na população de crianças em idade escolar, cuja característica principal é um padrão persistente
de desatenção e ou hiperatividade/impulsividade, que comumente resulta em prejuízos,
emocionais, sociais e sobretudo funcionais (COSTA & OUTROS, 2013, p.03).
O quadro, porém, não é exclusivo do universo infantil. Avança pela adolescência,
juventude e vida adulta, trazendo em seu esteio uma série de problemáticas pessoais e sociais.
Tudo isso graças a seu intrincado e intenso mecanismo de impacto sobre os acometidos.
Silva (2014) corrobora que o TDAH se caracteriza por três fatores básicos: desatenção,
impulsividade e hiperatividade física e mental. A autora também salienta que o transtorno
costuma se apresentar na infância, mas acrescenta que, em cerca de 70% dos casos, continua na
vida adulta. Salienta ainda que acomete a todos indistintamente, não importando grau de
escolaridade, situação econômica ou nível cultural, podendo levar a sérios prejuízos na
24

qualidade de vida das pessoas que o têm, caso esses indivíduos não sejam diagnosticados e
orientados precocemente.
A hiperatividade mental apontada por Silva, outrossim, é fator preponderante para o
desencadeamento de outro estado clínico especialmente importante para a pesquisa aqui
empreendida: a ansiedade

3.2- A VORACIDADE DO PENSAMENTO COMO VIA PARA A ANSIEDADE

A potência do jorro mental irrefreável, incendiado pela infindável pressa da vida


contemporânea, lega ao ser humano densas angústias. O fluxo intelectual aprende a nunca se
acomodar. São descargas e mais descargas de conjecturas, considerações, vontades, temores,
ideias, necessidades, escolhas. Uma teia intensa de prospecções que acelera o organismo como
um todo, gerando agonia constante. Uma palavra - transformada hodiernamente em patologia -
pode traduzir todo esse aflitivo quadro: ansiedade.
Cury (2017) faz, em sua análise sobre o tema, uma provocação aguda. Diz ele que, para
muitos, o mal do século é a depressão, mas o autor apresenta outro mal, na sua opinião, talvez
mais grave e menos perceptível: a ansiedade decorrente da Síndrome do Pensamento Acelerado
(SPA). Completa o escritor afirmando que pensar é bom, pensar com lucidez é ótimo, porém
pensar demais é uma bomba contra a saúde psíquica, o prazer de viver e a criatividade.
A ansiedade, mais que um desalinho no estado emocional, é hoje tipificada como um
transtorno. E essa especificidade diagnóstica, inclusive, referencia a tendência de problemas na
vida escolar:

Os transtornos de ansiedade têm a deflexão como o processo defensivo definidor da


patologia. Tal ajustamento consiste em condutas de evitação do contato ou da
consciência do objeto ou situação provocadora de ansiedade. A criança desenvolve
comportamentos evitativos (ex: recusa em ir à escola, em dormir sozinha, não sair de
casa, distração) devido aos pensamentos carregados de crenças negativas sobre a fonte
de tensão. Essas crenças aterrorizantes geram idéias falsas que fogem a sua crítica
consciente (ex: a escola é suja, o mundo é perigoso, se eu ficar longe de minha mãe algo
ruim pode acontecer), levando a criança a recorrer à projeção para negar os próprios
pensamentos agressivos que teme ter consciência. Para ela, o mundo externo é que é
agressivo e destrutivo. Algumas crianças retratam esse conflito através de pesadelos de
conteúdo persecutório (ex. o monstro perseguindo para matar, roubar, seqüestrar).
(ANTHONY, 2009, p.59)

No bojo de todas esses entendimentos, torna-se primaz especificar que, no TDAH, o


impacto do transtorno da ansiedade desdobra conseqüências especialmente delicadas.

3.2.1- A Ansiedade no Universo do TDAH e outras comorbidades

O excesso de instabilidade comportamental é fator intrínseco ao TDAH. A disfunção


neural que tipifica o transtorno impacta diretamente no temperamento, no agir, no reagir, no se
25

portar. Essa intensidade atitudinal e reativa configura episódios intensos de postura ansiosa.
Oliveira & Miranda (2016) informam que de 25 a 40% dos casos de TDAH apresentam
Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). As autoras revelam ainda, em suas análises, a
incidência de outras comorbidades comuns: em torno de 60%, constata-se evidência de
Transtorno Opositor Desafiante (TOD), associado a irritabilidade e alterações de humor. De 30
a 50% mostram comportamentos antissociais e, em 50%, aparecem quadros comportamentais de
bipolaridade ou transtorno de humor.
Como já enunciado na parte introdutória deste artigo, a prática da escrita humana
depende da confluência de uma série de fatores satisfatórios. Decididamente, um patamar em
que se encontra a ansiedade e as demais comorbidades explicitadas não configura fator
satisfatório. Pelo contrário. Tudo isso é pressuposto de desestrutura cognitiva, sobretudo no que
se refere à função da atenção. As conseqüências na produção grafológica são inevitáveis.
E as dificuldades vão além. A constância ansiosa convive ainda, no TDAH - conforme
também já prenunciado na introdução desta pesquisa -, com outra questão que merece olhares
detidos: as fragilidades na motricidade.

3.3- MOTRICIDADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO

A capacidade motora é um campo do desenvolvimento humano que solicita apreciações


acuradas. De acordo com Kolyniak Filho (2012), entende-se por Motricidade o conjunto de
sensações conscientes do ser humano em movimento intencional e significativo no espaço-
tempo objetivo e representado, envolvendo percepção, memória, projeção, afetividade, emoção,
raciocínio. É explicado ainda pela autora que esse conceito se evidencia em diferentes formas de
expressão – gestual, verbal, cênica, plástica. Desta forma, ainda conforme esquadrinha a autora,
a motricidade se configura como processo, cuja constituição envolve a construção do
movimento intencional a partir do reflexo, da reação mediada por representações a partir da
reação imediata, das ações planejadas a partir das simples respostas a estímulos externos, da
criação de novas formas de interação a partir da reprodução de padrões aprendidos, da ação
contextualizada na história – portanto, relacionada ao passado vivido e ao futuro projetado – a
partir da ação limitada às contingências presentes. A explanação da pesquisadora faz saber ainda
que esse processo ocorre, de forma dialética, nos planos filogenético e ontogenético,
expressando e compondo a totalidade das múltiplas e complexas determinações da contínua
construção do homem. Construção que se expressa, inclusive, em ações cotidianas como o ato
de escrever.
Esse complexo sistema funcional inerente a cada pessoa determina, entrementes,
questões que serão norteadoras por toda uma vida:
26

(...) o conceito de motricidade exige o reconhecimento e a consideração de que o corpo


em movimento é pertencente a um sistema autopoiético, é um fenômeno impossível de
ser reduzido a causalidades, a linearidades. A motricidade integra, no tempo, no espaço,
no movimento, a vida concreta, a vida em abundância, não sendo limitada por
acontecimentos do passado nem por projeções do futuro (características visíveis no
sentido de desenvolvimento, onde há início, meio e um fim projetado). Na motricidade
a vida é, com todas as tatuagens adquiridas de ontem, presentes hoje e com todas as
perspectivas e os sonhos do amanhã; mas é. (SIMÕES & PICCOLO, 2012, p. 22)

É importante também compreender que o conceito das desenvolturas motoras do ser


humano evoluiu para o entendimento da Psicomotricidade. O conceito tangencia o da
Motricidade per si, mas é interessante que seja aqui também oportunizado. Então, para fins de
apuro etiológico neste artigo, segundo Alves (2007), a Psicomotricidade é a ciência que tem
como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu
mundo interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro,
com os objetos e consigo mesmo. Alves igualmente estabelece que esse campo do
conhecimento está relacionado ao processo de maturação, em que o corpo é a origem das
aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. Ensina o autor, portanto, que Psicomotricidade é um
termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das
experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e
sua socialização

3.3.1- Impactos do TDAH na Motricidade

O sistema motor, na organicidade corpórea da pessoa com TDAH, também é afetado


contudentemente. Costa & Outros (2013) esclarecem que as dificuldades psicomotoras nesse
transtorno trazem implicações sérias na coordenação motora global e fina, equilíbrio,
lateralidade, organização espacial e temporal, uma vez que, as habilidades psicomotoras são
expressivamente inferiores ao que se espera em cerca de 30% a 50% dos casos.
E tudo isso acaba por se referenciar na produção escrita. A fragilidade psicomotora
global e fina compromete diretamente, por exemplo, a empunhadura, o que gera reflexos no
modo de domar e conduzir lápis e canetas. Os desalinhos de equilíbrio também afetam a
caligrafia, que não se mantém nos padrões retilíneos pedagogicamente exigidos. Problemas com
lateralidade geram questões como espelhamento, em que a produção gráfica das letras fica
opositada.
Com relação às problemáticas de organização temporal, chegamos a outro tema fulcral
para a compreensão da proposta interventiva a ser apresentada nesse artigo.

3.4- AUTOGESTÃO TEMPORAL: QUESTÃO LIGADA A CORPO E ESPAÇO


27

Há uma premissa fundamental para a capacidade de organização pessoal na vida: a


autogestão do tempo. Essa funcionalidade nada mais é, dentre outras especificidades, que a
capacidade de auto determinar inicio e fim para atividades e, igualmente, a capacidade de
começar e terminar algo em atendimento a demandas de outrem. Relevante perceber o quanto
essa condicionante é exigida no curso da vida educacional. Todo aluno precisa conseguir
começar e terminar suas rotinas de estudo, não apenas segundo seu próprio agendamento, mas
também segundo os comandos dos professores que o educam.
Também definida cientificamente como organização temporal, a habilidade de
autogestão do tempo é condição essencialmente ligada ao bom desenvolvimento espacial,
corporal, motor. A medida que toma consciência de si e se desenvolve, a criança vai aprendendo
a tomar conhecimento gerencial da temporalidade.
(...) a atividade motora é de suma importância para o desenvolvimento global da criança
(...) é através da exploração motriz que a criança desenvolve a consciência de si mesma e
do mundo exterior. Dessa forma, a aquisição das habilidades motoras está vinculada
integralmente ao desenvolvimento da percepção de corpo, espaço e tempo. Essas
habilidades constituem componentes de domínio básico tanto para a aprendizagem
motora quanto para as atividades de formação escolar. A estruturação do corpo no espaço
e no tempo constitui, destarte, um elemento importante para a adaptação do indivíduo ao
meio, e se dá de forma integrada e solidária com a formação corporal (MEDINA, ROSA
& MARQUES, 2006, p.01)

3.4.1- O Desafio da Autogestão Temporal no TDAH

No TDAH - em função dos quadros de ansiedade e das fragilidades motoras e


atencionais -, essa habilidade de autogestão temporal é bastante precarizada. A dificuldade de se
autoperceber, em meio à constância da hiperatividade, gera percepção empobrecida do entorno.
E esse comboio de refreamentos leva ao comprometimento da percepção temporal. O que pode
ser cumprido num interregno curto para a maioria, vira missão dilatada nas horas para o
acometido. O que pode ou mesmo precisa durar longo tempo para muitos, torna-se urgente para
eles.
Sobral (2018) informa que, por conta da impulsividade inerente ao transtorno, os lapsos
de dispersão podem gerar dificuldade de organização temporal, levando a pessoa a gerar um
esforço demasiado para a realização de tarefas cotidianas e resultando em menor durabilidade e
desempenho.
Assim, por exemplo, redigir um texto vira tarefa das mais complexas. Especialmente se
há imposição de regra cronológica. Entretanto, justamente esse se torna um exercício importante
a ser feito: desafiar as limitações que tanto desafiam.
28

3.5- ESCRITA TERAPÊUTICA: UM RECURSO A SER CONSIDERADO

A Escrita Terapêutica pode ser uma forma de intervir nesse complexo quadro. Uma
forma de auxiliar a pessoa com TDAH a terapeutizar suas dificuldades de produção textual,
decorrentes dos fatores todos apresentados até aqui.
Mas, afinal, o que é a Escrita Terapêutica? Segundo Filgueiras & Marcelino (2008) a
investigação nesta área foi iniciada nos anos 1980 por James Pennebaker e colaboradores que
demonstraram que escrever de forma interventiva pode ter um efeito positivo em diversos
aspectos da vida dos indivíduos. Ambos expressam ainda que na área específica dos contextos
de saúde, este paradigma também produziu resultados relevantes, uma vez que James
Pennebaker e colaboradores verificaram que escrever sobre situações ou eventos estressantes,
durante alguns minutos por dia, produziu efeitos salutares positivos.
Uma vez apresentada essa possibilidade, algumas indagações permanecem cabíveis:
como apresentar propostas de escrita terapêutica junto a pessoas com TDAH? De que forma sua
atenção pode ser captada dentro dessa proposta? Uma possibilidade de resposta que se apresenta
é: que tal por meio de jogos?

3.6- A ESCOLHA PELOS JOGOS PSICOPEDAGÓGICOS

A busca por soluções que possam bem inferir em casos de problemas redacionais no
universo do TDAH passa pelo aporte psicopedagógico. E, nesse sentido, urge considerar se
adotar confluências de estratégias. A escolha do uso de jogos como formato interventivo, no
caso dessa pesquisa, deu-se em função dos gostos e aptidões apresentados pelo paciente alvo da
presente investigação, conforme será melhor detalhado a frente. Mas uma vez tomada a decisão
da aposta em instrumental interventivo lúdico - com cerne de incitação à escrita terapêutica -,
que jogos deveriam ser usados? Os jogos tradicionais? Teriam eles a premissa almejada? Quais
teriam? Ou jogos psicopedagógicos que pudessem ser criados com o intento de escrita
terapêutica? A segunda opção foi a escolhida.
Conforme elucida Mrech (2008), a Psicopedagogia, com base na Psicanálise, revela que
o conhecimento e o saber não são apreendidos pelo sujeito de forma neutra. Para a autora,
dentro do sujeito há uma luta entre o desejo de saber e o desejo de não-saber. E este processo
acaba por estabelecer para o sujeito determinadas posições da assimilação e incorporação de
quaisquer informações e/ou processos formativos. A pesquisadora afirma que essas
circunstâncias se refletem tanto no plano consciente quanto inconsciente. Desta feita, prossegue
ela, diante do uso de jogos, o sujeito pode se direcionar para o desejo de saber.
Um importante complemento ao entendimento dessa premissa é trazido por Gomes,
Motta e Cruz (2010). Apontam eles que cada vez mais tem se destacado a utilização de jogos
29

psicopedagógicos para análise, intervenção e reabilitação cognitiva. Discorrem igualmente que


muitos jogos tradicionalmente conhecidos, como jogo da memória e quebra-cabeças, exploram
diversas atividades lúdicas ao estimular a concentração, uma vez que, aplicados segundo uma
metodologia psicopedagógica fundamentada, alguns desses jogos, especialmente desenhados
para atender a uma função cognitiva específica, podem servir como poderosas ferramentas para
apoiar a avaliação e o desenvolvimento cognitivo.
Por tudo isso exposto, os jogos Psicopedagógicos voltados a ofertar vias terapêuticas
para um melhor condicionamento da escrita do jovem atendido pelo presente autor, de fato, se
provaram uma excelente opção.

3.7 - O RELATO SOBRE A EXPERIÊNCIA DE ATENDIMENTO A L.C.M.Z.

O jovem L.C.M.Z., então com 16 anos, foi trazido por sua mãe para que iniciasse com
o autor deste artigo um processo de acompanhamento psicopedagógico capaz de intervir sobre
suas contundentes dificuldades relacionais e educacionais. Diagnosticado com TDAH desde os
cinco anos, o rapaz nunca tinha passado por um processo psicoterapêutico. Foi informado que,
no terreno pessoal e familiar, vivia em constantes conflitos: não tinha ciclo de amizades no
prédio em que morava, excessivamente autocentrado e não participativo nas rotinas domésticas,
brigas frequentes e fortes com a mãe, irmã e avó. As queixas trazidas para o setting sobre sua
situação na vida escolar eram também muitas: extrema desatenção, sucessivos episódios de
raiva contra os colegas, intensa introspecção que impedia a realização de trabalhos em equipe,
plena incapacidade de se manter quieto, falta de senso imaginativo, figurativo e criativo (o que
resultava em especial empecilho para lidar com as demandas da disciplina Literatura) e uma
baixíssima qualidade de escrita: letras ilegíveis, irregulares, sem estabilidade linear, ortografia
deficitária, palavras subtraídas em frases de modo a incompletar orações, entre outras questões.
A problemática redacional influía no rendimento de várias matérias estudadas. Foi decidido,
então, que o início das intervenções seria nesse campo.
No que tangia ao humor, o jovem fez questão de estabelecer de imediato o intento de
antagonizar com o terapeuta. Sua postura era cabalmente objetiva, sem sutilezas, irônica,
desafiadora, mesmo desrespeitosa. No primeiro encontro, trouxe consigo um jogo eletrônico e
deixou claro que aquele artefato lhe era mais interessante que qualquer outra coisa.
Centrado no processo de construção do par analítico, o presente psicopedagogo
percebeu que a afeição de L.C.M.Z por jogos indicava um caminho oportuno a ser seguido. Foi
sondado quais outros lhe agradavam. Descobriu-se que não eram só os eletrônicos. O xadrez
também o estimulava.
30

As três sessões que se seguiram à primeira foram, portanto, totalmente dedicadas a


partidas de xadrez, incluindo jogadas cronometradas, como é clássico no universo enxadrista.
Entre os movimentos no tabuleiro, muito diálogo sobre tudo: sua vida familiar, sua rotina no
colégio, incluindo os aborrecimentos e dificuldades. A estratégia era a de construir vínculo com
o rapaz. E já começar a trabalhar temporalidade e troca relacional. Funcionou. O adolescente foi
pari passu consentindo em se tornar sujeito das propostas de intervenção do presente
pesquisador. O senso de confiança foi construído. Limites de convivência foram impostos. E o
respeito mútuo estabelecido.
Em paralelo ao processo de criação vincular, este terapeuta foi estudando qual poderia
ser o melhor aporte de jogo a ser usado para intervir sobre as dificuldades caligráficas do garoto.
Tomando por base todo o referencial teórico apresentado nesse artigo, configurou-se a proposta
de um jogo psicopedagógico de escrita terapêutica que atuasse sobre as fragilidades motoras e
atencionais do atendido, auxiliasse-o a exercitar a autogestão temporal e efetivamente
melhorasse a qualidade estética de sua produção escrita. E também o apoiasse a desenvolver o
senso criativo, imaginativo. Nasceu, assim, naquele cenário de atendimento, o condão dos Jogos
Psicopedagógicos de Autogestão Temporal, os Jogos TAT.

3.7.1- Proposta de Conceito e Aplicação para os Jogos TAT

Os Jogos de Autogestão Temporal (Jogos TAT) são uma ferramenta interventiva


psicopedagógica, com o cunho de escrita terapêutica, destinada estimular o foco atencional e a
desenvolver o senso de autorregulação do tempo em pessoas com fragilidades cognitivas, como
o TDAH e outros, no sentido de as ajudar a resolver imprecisões, incorreções e incompreensões
em suas produções redacionais. São instrumentais lúdicos que determinam a necessidade de
controlar, num sentido psicomotor, a grafia das letras, a construção frasal e a estruturação
textual. Tanto no seu aspecto estético quanto conteudista. Convidam também a redimensionar o
interregno cronológico do ato de escrever, determinando a necessidade de calcular o momento
de iniciar, desenvolver e terminar o que se escreve. E auxiliam ainda no incremento da
habilidade imaginativa e na imersão pessoal, de modo a refletir sobre as próprias questões
emocionais e relacionais.
Foi planejado para ser aplicado em três etapas:
a) Primeira Etapa (Reeducação e Restruturação Grafológica): nessa etapa, o
atendido realiza atividades ludopedagógicas que o levam a necessidade de se focar na questão
estético-motora da caligrafia. A atuação sobre a Psicomotricidade é o cerne desse momento
interventivo. O participante da atividade é desafiado - e nisso está a atmosfera do jogar - a
realizar tracejados específicos ligados ao processo da boa construção caligráfica (linhas
diagonais, linhas sinuosas, circunferências, entre outras), dentro de um lapso temporal que corre
31

contra o jogador. É fundamental notar que a ideia não é a de competição com o outro. A
proposta é mesmo de autodesafio. O jovem compete consigo mesmo. E só tem êxito se houver
empenho em se concentrar e realizar de modo satisfatório as demandas gráficas. Quanto mais e
melhor ele fizer os tracejados, dentro de um tempo cronometrado, maior será a sua vitória
pessoal. Não há aqui troféus, medalhas, prêmios. Há o elogio, o aplauso, o reconhecimento do
terapeuta. Recompensa que só se torna válida se antes construído um sólido vinculo terapêutico.
Ainda nessa fase, o mediador vai guardando as cartelas nas quais o atendido realiza as
atividades e vai lhe mostrando, sessão a sessão, sua evolução. Há nisso também o sentido de
jogo, pois remete ao conceito de evolução de fases.
b) Segunda Etapa (Produção Textual Antiacelerada): Enquanto na primeira etapa,
temos a premissa padrão da cronometragem (fazer algo o mais rápido possível dentro de uma
corrida contra o avançar do tempo), nesta segunda, o princípio se inverte estrategicamente. O
atendido recebe uma folha de redação com linhas numeradas. Sua missão será escrever um texto
com a quantidade de linhas estipuladas pelo aplicador. Mas a regra é: não será permitido que
essa redação seja concluída antes que se encerre um determinado prazo temporal extenso. Por
exemplo: escrever um texto com número x de linhas ao longo de dez minutos. Se a escritura for
concluída em seis, sete, oito, nove minutos... o desafio não está cumprido. O desafio também
não é bem sucedido se encerrado para além do tempo determinado: onze minutos, doze minutos.
Isso convida o atendido a planejar e administrar o seu tempo redacional. Ele precisa focar,
acalmar-se, apurar sua motricidade e escrever sem pressa. O resultado precisa ser legível e
coerente. O que também estabelece a necessidade de pensar sobre o que está sendo redigido.
Dado importante: o participante não fica vendo o cronômetro. Apenas o terapeuta fica. Outra
premissa: essa extensão temporal vai sendo aumentada. Quinze minutos. Vinte minutos. Mais
uma vez, o princípio é o do autodesafio.
c) Terceira Etapa (Escrita Imaginativa / Confessional): uma vez percebidos avanços
na caligrafia e na gestão temporal, passou-se para a terceira etapa. Nesta, não havia, para
L.C.M.Z, corrida contra o tempo ou diluída no tempo. O desafio tornou-se figurativo, com o
intuito de que o jovem exercitasse na sua escrita não apenas o apuro estético e do conteúdo, mas
também a capacidade de criar, metaforizar, imaginar. O comando era: escrever textos ficcionais
(tramas totalmente inventadas por ele), que precisavam ser situadas no passado ou no futuro (ele
podia escolher). Era preciso criar enredos com início, meio e fim. Coesos e coerentes. A
temática para essas narrativas também eram determinadas pelo mediador. E sempre se
baseavam nas fragilidades emocionais e relacionais do atendido: dificuldades de fazer amizades,
conflitos familiares, assuntos sentimentais. Mantendo o resultado das etapas anteriores, os
textos eram produzidos com caligrafia mais legível, menos deficitária e o tempo de escrita era
mais estendido, o que lhe permitia ponderar sobre o que estava criando e redigindo. O
cronometro continuou sendo usado apenas pelo terapeuta. Ao final da construção de cada texto,
32

era repassado quanto tempo transcorrera no processo de cada redação. Assim, o mediador
informava se a escrita havia sido mais ou menos acelerada, convidando o rapaz a refletir sobre
sua dinâmica redacional. O pendão de jogo não se perdeu. Ele continuava precisando se
autodesafiar e superar suas limitações para progredir e "vencer". Nunca competindo com
ninguém mais, a não ser consigo mesmo. Como se percebe, entrementes, essa etapa era
essencialmente de escrita terapêutica, uma vez que o bojo era o convite a autopercepção e a
reflexão sobre situações pessoais, tudo isso associado ao estímulo do incremento da habilidade
de criar, metaforizar, subjetivar por meio da expressão textual

3.7.2- Resultados aferidos de modo qualitativo

A aplicação dos Jogos TAT junto a L.C.M.Z teve claros, louváveis e significativos
resultados positivos. Relatos de seus professores atestam que o rendimento escolar teve um
grande ganho de qualidade. Sua letra melhorou sensivelmente. A produção textual também se
tornou mais qualitativa. As redações, além de terem se tornado legíveis, passaram a ter
coerência, coesão e, quando demandado, cunho metafórico, imaginativo e criativo. Houve
melhora de resultados na disciplina Literatura e se tornou viável a realização de trabalhos em
grupo em todas as outras matérias, bem como a participação em eventos colegiais extra-classe
com colegas de turma. No ambiente doméstico, os relatos da mãe foram de que os conflitos
familiares se amenizaram e os episódios de isolamento se tornaram mais raros. A relação com o
terapeuta se tornou mais vinculada, sem perder os momentos de trocas de ironias, que não eram
mais desrespeitosas, e sim bastante bem humoradas.

4 CONCLUSÃO

Toda a presente pesquisa tem por conclusão que os Jogos de Autogestão Temporal
(Jogos TAT) tiveram pleno êxito como estratégia psicopedagógica de escrita terapêutica para o
controle da motricidade e da ansiedade junto a L.C.M.Z., uma vez que o uso dessa técnica
efetivamente atingiu o objetivo geral proposto e resultou na melhora de sua escrita (caligrafia,
ortografia e construções frasais). O condão imaginativo do atendido foi também incrementado.
Os objetivos específicos foram igualmente contemplados: as premissas da escrita terapêutica se
comprovaram solução interventiva junto ao déficits de atenção; foi atestada a pertinência da
aplicação de jogos psicopedagógicos no acompanhamento de uma pessoa com TDAH; e os
resultados obtidos configuram que é possível, sim, oferecer a terapeutas e educadores uma
solução lúdica para atuar perante fragilidades grafológicas. Por fim, toda essa pesquisa
oportunizou a criação de um conceito para os Jogos TAT e também três etapas de aplicação
detalhadamente enunciadas.
33

O TEATRO COMO
FERRAMENTA INTERVENTIVA
E TERAPÊUTICA
34

ARTIGO 03

O TEATRO INCLUSIVO COMO INSTRUMENTO PSICOPEDAGÓGICO PARA


ESTIMULAR O DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO E DA MEMÓRIA NA PESSOA
COM SÍNDROME DE DOWN

Artigo apresentado como requisito para


a obtenção do título de especialista em Psicopedagogia Clínica
2017

RESUMO

O Teatro Inclusivo é ainda um conceito recente no campo da Arte e mais ainda uma técnica
nova no que tange às intervenções comportamentais à disposição da Psicopedagogia. A presente
pesquisa tem o objetivo de investigar a pertinência do uso desse instrumento para auxiliar a
pessoa com Síndrome de Down nos aspectos que envolvem as funções cognitivas da atenção e
da memória, de modo a propiciar um maior desenvolvimento sócio comportamental. Trata-se de
um relato de experiência com análise qualitativa do processo de montagem do espetáculo teatral
O Pequeno Príncipe, dentro de um projeto de extensão universitária denominado Cena Especial.
Como resultado, constatou-se que o chamado Teatro Inclusivo, que usa técnicas dramatúrgicas
capazes de unir pessoas com e sem necessidades especiais na busca de superações de limites,
pode ajudar a pessoa com Síndrome de Down a apresentar significativos avanços cognitivos,
especialmente no que se refere à concentração, memorização e desenvoltura relacional.

Palavras chave:Síndrome de Down. Teatro. Cognição.

ABSTRACT

The Inclusive Theatre is still a new concept in the Art field and even more a new technique for
the behavioral interventions available to the Educational Psychology. This research aims to
investigate the relevance of using this instrument to assist the person with Down Syndrome in
aspects involving the cognitive functions of attention and memory, in order to foster increased
social behavior. The methodology used is the experience report with a qualitative analysis of the
assembly process of the theatrical spectacle The Little Prince, within the university extension
project Special Scene. As a result, it was found that the so-called Inclusive Theatre, which uses
dramaturgical techniques to unite people with and without disabilities in finding overruns limits,
can help a person with Down Syndrome show significant cognitive advances, especially as
regards concentration, memory and relational resourcefulness

Keywords: Down Syndrome. Theater. Cognition.


35

1- INTRODUÇÃO

O Teatro Inclusivo é ainda um conceito recente no entendimento de Arte e mais ainda


uma estratégia nova no que tange às intervenções comportamentais em campos como a
Psicopedagogia. A premissa fulcral dessa modalidade cênica é se valer das técnicas básicas do
teatro como arcabouço que auxilie no pressuposto da Inclusão. Pessoas com e sem deficiência
convivendo num mesmo espaço educacional – porque a experiência, nesse caso, tem viés
também pedagógico em suas múltiplas pertinências – com o intuito de buscar integração e
superação de barreiras pessoais e sociais.
Em Belém do Pará, a técnica foi trabalhada no Cena Especial – Teatro Inclusivo, projeto
de extensão criado pelo autor da presente pesquisa e realizado na Faculdade Integrada Brasil –
Amazônia (FIBRA).
A ideia de usar o Teatro Inclusivo como ferramenta psicopedagógica surgiu durante as
vivências e estudos realizados no Cena Especial. A percepção empírica de que as ações
desenvolvidas nos encontros podiam também servir como instrumento de terapêutica clínica
para auxiliar na superação de problemas ligados ao campo pedagógico, sobretudo com relação
aos participantes com déficits cognitivos, foi se tornando constante e acentuada na medida em
que pais e responsáveis relatavam melhoras e avanços dos mesmos nos ambientes escolares,
após o início do projeto.
Já de há muito, teóricos afirmam que o fazer teatral é um mecanismo relevante no que
diz respeito aos progressos das relações interpessoais. “Teatro é fundamental, pois, através dos
jogos de imitação e criação, a criança é estimulada a descobrir gradualmente a si própria, ao
outro e ao mundo que a rodeia” (REVERBEL, 1997, p.25). Essa premissa aplicada à pessoa
com deficiência ganha contornos e relevâncias ainda mais edificantes, na medida em que temos
atuações importantes em terrenos neurais e psíquicos.
Quando trazemos especificamente a Síndrome de Down ao foco dessa discussão, alguns
pontos interessantes começam a ser considerados. A referida síndrome traz em seu bojo de
especificidades comprometimentos cognitivos que suscitam detidas, estratégicas e apuradas
intervenções. Quanto maiores e inovadoras as pesquisas relacionadas a terapêuticas nesse
campo, evidentemente maiores resultados serão obtidos no incremento da qualidade de vida do
sindrômico.
Um dos pontos sempre desafiadores na relação psicopedagógica com as pessoas
enquadradas nesse campo de déficit são aqueles ligados aos seus níveis de atenção e memória.
As pessoas com essa síndrome comumente apresentam comprometimentos na manutenção da
concentração e no uso dos mecanismos memoriais. O que exige de professores e terapeutas
atuação precípua nesses setores. “As crianças com Síndrome de Down apresentam (...) um ritmo
36

de aprendizagem mais lento (...) Elas têm, em geral, um perfil de aprendizagem específico”
(SILVEIRA, 2012, p.18).
Os processos referentes à atenção, memória e, consequente desenvolvimento humano,
são temas ligados à Neurociência que podem trazer luzes importantes ao desenvolvimento
cognitivo. Procurar entender se o fazer teatral influi nesses terrenos e se essa influencia é
especialmente relevante no auxílio a pessoas com Síndrome de Down é pressuposto capaz de
legar estratégias de intervenção muito úteis a serem usadas em ambientes diversos, como a
escola, centros culturais e mesmo clínicas psicopedagógicas.
Desta forma, o objetivo geral dessa pesquisa é investigar o Teatro Inclusivo como
instrumento psicopedagógico potencializador das funções cognitivas da atenção e da memória
junto a pessoas com Síndrome de Down. Os objetivos específicos são comprovar a eficácia
pedagógico-terapêutica do Teatro Inclusivo, averiguar o Teatro Inclusivo como mecanismo de
socialização da pessoa com déficit cognitivo e analisar o Teatro Inclusivo como fator de
desenvolvimento humano.
No esteio dessa investigação, faz-se fundamental, por conseguinte, aferir alguns
questionamentos: qual a contribuição do Teatro Inclusivo para o estímulo da atenção, memória e
desenvolvimento da pessoa com Síndrome de Down? De que modo o Teatro Inclusivo pode ser
usado como ferramenta que favoreça maior concentração e fluxo memorial da pessoa com
Síndrome de Down? O Teatro Inclusivo pode melhorar a capacidade de aprendizado e
socialização da pessoa com Síndrome de Down?
Para tentar buscar respostas a esses pontos, faz-se relevante discutir tópicos como: o que
é a Síndrome de Down; de que modo a Síndrome afeta a atenção, a memória e o
desenvolvimento; o que são as funções cognitivas da atenção e da memória à luz da
Neurociência, de que forma o Teatro, de modo geral, é utilizado como ferramenta
arteterapêutica e psicopedagógica, e o que é o Teatro Inclusivo e como ele tem sido usado como
instrumento estimulador da cognição junto a pessoas com Síndrome de Down.

2- METODOLOGIA

A metodologia usada foi a do relato de experiência com análise qualitativa do processo


de montagem e apresentação do espetáculo teatral O Pequeno Príncipe, dentro do projeto de
extensão universitária Cena Especial – Teatro Inclusivo, realizado na Faculdade Integrada Brasil
– Amazônia (FIBRA).
37

3- A SINDROME DE DOWN: CARACTERÍSTICAS E ASPECTOS DO


APRENDIZADO

Historicamente sabe-se que o inicio dos estudos em torno da Síndrome de Down no


mundo se deu por conta de investigações a respeito de atrasos relacionados a aspectos
neuropsicomotores. O primeiro relato extra oficial, ainda não acadêmico, ligado ao tema
acontece no ano de 1846 e foi feito por Edouard Onesimus Seguin, mas ainda sem publicação
cientifica. O assunto, entrementes, ganha seu primeiro caráter cientifico oficial entre os anos de
1864 e 1866 graças ao médico inglês John Langdon Haydon Down, que se debruçou sobre
casos de crianças, de uma clínica de Surrey, Inglaterra, com problemas neuropsicomotores e que
apresentavam características fisicogenéticas aparentemente padronizadas.

Com base em análises das características físicas similares em filhos de mães acima de
35 anos, Haydon Down desenvolveu uma listagem em que descrevia suas observações com
relação a essas crianças, designando-as como amáveis e amistosas (GOMES & OLIVEIRA,
2016, p.05). Entrementes, fortemente influenciado pela Teoria da Evolução de Charles Darwin,
o médico cunhou sua explicação sobre a síndrome ligando-a a um entendimento étnico,
sugerindo, assim, ser a questão um estado de regressão na linha evolutiva.
Após esses apontamentos de Haydon, a síndrome passou a ser atribuída a
intercorrências como a tuberculose, a sífilis e o hipotireoidismo e os pacientes começaram a ser
ainda designados como “crianças inacabadas”. E não apenas isso. Antes que se chegasse ao
entendimento da alteração cromossômica, os sindrômicos enfrentaram preconceitos e
terapêuticas cruéis, sendo até mesmo mantidos em condições de internação hospitalar bastante
precárias. A fase derradeira dessa condução histórica da SD esteve ainda atrelada à intolerância
religiosa e igualmente coincidiu com o Holocausto Judeu.
O termo “mongolismo” é cunhado como forma de identificar as pessoas com aquele
padrão físico em função das mesmas se assemelharem ao fenótipo asiático, da Mongólia. As
investigações em torno do assunto, outrossim, avançaram e, apenas quase um século depois das
primeiras observações de Haydon Down, iniciam-se as percepções de ordem genética. No ano
de 1959, trabalhando de forma independente, os cientistas Patricia Jacobs e Jerome Lejeune
apontam que a causa do chamado “mongolismo” estava ligada à trissomia do cromossomo 21,
estabelecendo, assim, um marco no histórico investigativo sobre a síndrome.

A denominação “mongolismo”, entrementes, é estritamente abolida no ano de 1970, a


partir de uma revisão de termos científicos feita nos Estados Unidos. A denominação Down
Syndrome, em homenagem a John Langdon Haydon Down, é formalmente adotada e
recomendada.
38

O fato, porém, é que muito ainda pode ser avançado na pesquisa cientifica e na
humanização dos tratamentos em torno da Síndrome de Down. Superadas as fases históricas em
que a questão era ainda parcialmente entendida e avaliada, cabe às pesquisas acadêmico-
científicas o trabalho de mais e sempre entender o tema e cercá-lo de arcabouços e pressupostos
de incremento na qualidade de vida dos seus diagnosticados.

3.1- Especificidades na definição da Síndrome de Down

Mas o que é exatamente a Síndrome de Down (SD)? Hoje, é pacifico definir-se que se
trata de uma desordem genética caracterizada pela trissomia no cromossomo 21 do genoma
humano. Ou seja, no lugar do sistema cromossômico apresentar nessa posição um par, como
esperado, os diagnosticados comportam uma trinca de cromossomos 21.
Mas já se sabe, hoje, que há outras questões cromossômicas associadas aos sindrômicos,
conforme atesta (PUESCHEL, 1993, p.54): “geneticistas detectaram, subsequentemente, que,
além deste, havia outros problemas cromossômicos em crianças com Síndrome de Down, ou
seja, translocação e mosaicismo”.
Toda a tipologia genética infere em características clássicas nos sindrômicos, como
comprometimentos cognitivos, déficits intelectuais, língua grossa, maxilares reduzidos, cabeça
arredondada, olhos puxados, diferenciação do número padrão de falanges nos dedos da mão,
entre outros aspectos.
Ao contrário do que se dava em décadas anteriores, o diagnóstico não é mais feito
apenas depois do nascimento. Pode ser feito ainda durante a gestação, o que induz em melhores
indicativos de vida para o diagnosticado.
A SD não tem cura, mas a qualidade de vida do sindrômico pode ser plena e precisa ser
salvaguardada com garantias de acompanhamento e tratamentos clínicos e suporte educacional
especializado. Aspecto em que a Psicopedagogia pode, em muito, ser suporte e diretriz.

3.2- Aspectos educacionais ligados à SD: potencialidades e comprometimentos

A fortuna literária e o já amplo manancial de pesquisa cientifica em torno da SD


atestam pacificamente que o sindrômico carece de acompanhamentos específicos em seus
processos de aprendizado. Os comprovados comprometimentos cognitivos e os déficits
intelectuais induzidos por conta da trissomia impactam nos vetores de aquisição de
conhecimento. Torna-se, desta forma, sinequa non, que os meios educacionais que atendem a
pessoa com Síndrome de Down, desde a infância, estejam preparados e adaptados para o seu
bom e correto atendimento.
39

A particularização da atenção dada a SD é, entrementes, requisito fundamental de ser


considerado. É preciso estar atento ao fato de que, a despeito dos padrões gerais da trissomia do
cromossomo 21, os sindrômicos não se desenvolvem de modo uniforme e rente. Há muitas
questões individualizadas com relação à síndrome. Portanto, levado em conta o fato de que se
precisa garantir de modo geral ao Down, um vetor de qualidade de vida pleno, cada ser humano,
em si, é um universo próprio que exige ações próprias.
De modo macro, os preceitos educacionais postos ao dispor de uma pessoa com SD
precisam ser os mesmos ofertados a qualquer pessoa. É condão precípuo do compromisso de
educar, seja a quem for, o estímulo pleno das faculdades cognitivas e sociais. Portanto, quando
se defende ao Down um tratamento educacional ao par daquele dado a todo e qualquer ser
humano, tem-se defeso o argumento basilar do que hoje é amplamente conhecido como
Inclusão.
Com alta incidência em nossa sociedade, a Síndrome de Down é uma problemática com
características muito específicas que variam de indivíduo para indivíduo. A despeito disso, é
importante que se entenda que a educação de uma criança com Trissomia 21 deve ter a mesma
finalidade da educação de qualquer outra (SILVEIRA, 2012, p.05). Dar a criança com Down
todas as condições, oportunidades e apoio educacional é fator que lhe garantirá o
desenvolvimento cognitivo mais pleno possível. Assim também urge ofertar ao educando
sindrômico o princípio da normalização, cujo objetivo é possibilitar vivências iguais a todos os
indivíduos da sociedade.
Conforme já atestado pelo referencial teórico, para além de um padrão de aprendizagem
mais lento e da consequente necessidade de um currículo particularizado, crianças com
Síndrome de Down podem ter ou comprometimentos físicos, ou comprometimentos cognitivos
e/ou ambos. Alguns vetores têm sido estudados e comprovados como eficazes quando o assunto
é estratégias de auxílio ao incremento da retenção de conhecimentos nesse terreno sindrômico.
Ferramentas já atestadas como produtoras de bons resultados são aquelas ligadas aos campos
que permitam estímulo visual e contato com vetores como escrita, mímicas corporais e jogos
inter-relacionais (em sua maioria muito usados no teatro).

De acordo com Silveira, vários são os estudos que hoje comprovam a existência de
fatores facilitadores da aprendizagem junto à crianças com SD. Destacam-se entre esses fatores
aspectos como fortes habilidades e reconhecimento visuais relacionados a habilidades para
aprender e usar sinais, gestos e apoio visual; habilidades para aprender e usar a palavra escrita;
imitação de comportamentos e atitudes dos colegas e adultos; aprendizagens com vertente
prática, materiais didáticos direcionados a atividades de manipulação.

A investigação cientifico-acadêmica em torno da SD, no entanto, também nos informa


um pouco mais claramente sobre alguns aspectos de dificuldade ligados aos processos de
40

aprendizado desses sindrômicos. São já comprovadas barreiras no que tange às habilidades


motoras (tanto fina, quanto grossa); dificuldades de visão e audição; dificuldades no discurso e
na fala; dificuldades com generalizações, pensamentos abstratos e raciocínio; dificuldades de
seguir sequências lógicas. E algumas dificuldades que interessam mais particularmente à
investigação proposta neste artigo: o déficit de memória verbal recente; capacidade de
concentração reduzida; e dificuldade sentida na consolidação e retenção de conteúdos. Questões
que se relacionam com estado de atenção, fluxo da memória e desenvolvimento sócio
comportamental.

Para um mais pertinente desenvolvimento da problemática, faz-se imperioso, a partir de


agora, entender um pouco melhor os processos neurais ligados à atenção, memória e
desenvolvimento.

4- DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO E DA MEMÓRIA NA VISÃO DA


NEUROCIÊNCIA

Compreender de modo mais específico os arcabouços de aquisição e retenção de


conhecimento junto à pessoa com Síndrome de Down – de modo especial no que tange à
pesquisa aqui desenvolvida – induz também à necessidade de melhor entender um terreno de
interesse científico que cada vez ganha inferências e relevância: a Neurociência.

Há séculos, o funcionamento do cérebro intriga o ser humano e alavanca a busca por


respostas que descortinem os mecanismos de funcionamento deste que é o único órgão que tem
consciência de sua própria existência. Igualmente intensas ao longo da História vêm sendo as
pesquisas que se norteiam por relacionar o funcionamento cerebral com os comportamentos
humanos. Nesse bojo, tem se constituído e se desenvolvido a Neurociência, campo
interdisciplinar que acolhe áreas de interesse como a neuroanatomia, neurofisiologia,
neuroquímica, neuroimagem, genética, farmacologia, neurologia, psicologia, psiquiatria.

A Neurociência se dedica ao estudo do sistema nervoso e suas relações com a fisiologia


orgânica, notadamente no que se refere à relação entre cérebro e comportamento. É, portanto, a
ciência que estuda temas como o controle neural das funções vegetativas – digestão, circulação,
respiração, homeostase, temperatura –, das funções sensoriais e motoras, da locomoção,
reprodução, alimentação e ingestão de água, os mecanismos da atenção e memória,
aprendizagem, emoção, linguagem e comunicação (VENTURA, 2010, p. 123).
Ainda mais detidamente interessa a esse artigo, um capítulo significativo dos estudos
em Neurociência: as chamadas Funções Cognitivas. A atividade cerebral rege todo o complexo
de atividades realizadas comum e rotineiramente pelo ser humano. Andar, falar, ler, interagir.
41

Os múltiplos sistemas de ação físico-social desenvolvidos pelo corpo humano seguem


sequenciamentos funcionais intrincados e sofisticados. Esses funcionamentos obedecem a
naturezas diversas. E os processos de aquisição de conhecimento e sua manutenção incluem-se
nesse enredamento. Funções Cognitivas são como os neurocientistas chamam as muitas
atividades comportamentais sine qua non para esse complexo.
Os pesquisadores que se dedicam a esmiuçar esse terreno teórico trazem luzes
elucidativas sobre o tema, fazendo compreender a importância do assunto no que tange à
multiplicidade comportamental. Das mais complexas às mais simples atividades que
executamos, a cognição segue um sistema funcional. “As principais funções cognitivas são:
percepção, atenção, memória, linguagem e funções executivas. É a partir da relação entre todas
estas funções que entendemos a grande maioria dos comportamentos” (FISCHER; FONTES,
2016, p.02).

Interessa, por conseguinte, buscar entender como as funções cognitivas da atenção e da


memória, em particular, podem ser potencializadas nos casos de Síndrome de Down e contar
como instrumentos psicopedagógicos que melhor favoreçam aos sindrômicos a aquisição de
conhecimentos.

4.1- A função cognitiva da atenção

Fator que determina a boa qualidade de comportamentos diversos, a atenção é uma


função cognitiva de complexa definição. Parte preponderante das atividades humanas resulta
eficaz de acordo com o nível de atenção a elas destinado. Ler, escrever, aprender. São, dentre
muitas, ações humanas que serão melhores e piores realizadas em função da capacidade atentiva
de cada um.

É a partir da habilidade funcional da atenção que se aguça o grau de aprendizagem.


Comprometimentos nessa função cognitiva gerarão lacunas que tornarão menos adequadas as
fruições do conhecimento.

A atenção pode ser conceituada como a habilidade de selecionar e manter um foco, seja
por meio de estímulo ou informação, em meio aos variados pontos focais que recebemos por
nossos sentidos, memórias armazenadas e outros processos cognitivos (FISCHER & FONTES,
2016, p.04). Em resumo, o ser humano centra atenção sobre aquilo que julga importante em
dado momento.
A atenção apresenta graus classificatórios, podendo ser:
a) Seletiva: quando o estímulo sobre o qual se assenta o foco é escolhido pela pessoa.
Uma ação é selecionada em detrimento de outra para receber fruição.
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b) Concentrada: dá-se quando há a habilidade de se manter uma resposta estável durante


uma atividade incessante e repetitiva. O foco se mantém ao longo de um período de tempo
considerável sem que haja distrações.

c) Dividida: quando, havendo mais de um estímulo perceptivo, mais de um foco é eleito


pela pessoa, permitindo que a mesma preste atenção em situações várias.

A função cognitiva da atenção se relaciona intimamente com os níveis de concentração


pessoal. E, como visto na referencial teórico já discorrido, a pessoa com Síndrome de Down
apresenta dificuldades nesse campo. Notadamente no que tange à redução da capacidade de
concentração.

4.2- A função cognitiva da memória

No dia a dia humano, a memória costuma ser uma das funções cognitivas mais
demandadas. Ela se refere à capacidade de deter informações e conhecimentos, absorvê-los e
processá-los. São os níveis de atenção que levarão a melhor depuração da memória. Uma vez
comprometida a atenção, também comprometida estará a habilidade memorial. Também são
relevantes para o bom fluxo da memória outros fatores cognitivos como a percepção e o condão
associativo.

No processo de aprendizagem, o insumo memorial é de fundamental importância. É ele


que determinará a qualidade do resultado da retenção do conhecimento adquirido. E esse
processo se estabelece a partir dos tipos de memória classificados pela investigação cientifica.

De acordo com a duração e os tipos de informação absorvidos, a memória pode ser


classificada de forma simples. A memória de curto prazo, também conhecida como memória de
trabalho, é aquela que armazena informações por alguns minutos e de forma limitada. É graças a
ela que se pode digitar um número de telefone recém-mencionado. A memória de longo prazo,
ao contrário, apresenta uma maior capacidade de armazenamento. As informações por ela
retidas podem permanecer por longo prazo ou até mesmo indefinidamente. Exemplo disso são
as lembranças de infância e conteúdos escolares. A memória de longo prazo, por sua vez,
subdivide-se em outras. A episódica é aquela que reporta eventos vividos em um determinado
tempo e lugar, como uma viagem marcante ou mesmo acontecimentos negativos, a exemplo de
uma violência sofrida. Trata-se de uma manancial memorial autobiográfico. De outro lado, há a
memória semântica, relacionada a fatos da vida em geral, como idioma falado, o significado das
palavras, o nome de objetos. Trata-se de um aspecto memorial sem qualquer ligação com as
experiências emocionais (FISCHER & FONTES, 2016, p.06).
43

As síndromes que ensejam déficits cognitivos apresentam problemáticas ligadas ao


fluxo memorialístico. Como anteriormente apresentado neste artigo, a Síndrome de Down
suscita, mais especificamente, déficits de memória verbal recente. E estratégias para
intervenções nesses aspectos precisam ser buscadas.

Expostas essas questões ligadas à Neurociência, em particular referentes às funções


cognitivas das pessoas com Síndrome de Down, impõem-se aferir estratégias que atuem nesse
setor e proporcionem maior feição de desenvolvimento aos citados sindrômicos. E o teatro pode
ser um instrumento favorável.

5- A ARTE TEATRAL COMO FERRAMENTA PSICOPEDAGÓGICA

Arte é vetor terapêutico. E essa não é uma afirmação empírica. Já consideráveis são os
estudos, teses, pesquisas de muitas ordens que cientificam essa constatação. O fazer artístico do
modo geral tem como condão despertar e/ou alterar estados emocionais. Tomando por base
termos da Teoria da Comunicação, o artista é o emissor de propostas emotivo-sensoriais e o
público o receptor das mesmas. Tanto mais eficiente será o processo artístico quando o fluxo de
emissão e recepção promove feedbacks transformadores. Esse jogo de troca de sensações e
reações influi em aspectos humanos vários. O comportamento e a cognição são alguns deles. De
um lado, há a premente necessidade do bom estado das funções cognitivas na emissão do
estímulo artístico. Um artista, ao ofertar seu fazer criativo, precisa do melhor de sua atenção e
de sua memória, por exemplo. De outro, os estímulos enviados promovem o aguçamento das
funções cognitivas em quem as recebe.

Uma das mais seculares formas de se buscar visões diferenciadas sobre o humano ser é
o exercício da criatividade. Esse exercício é o que também favorece o encontro de pontos de
vista alternativos para problemáticas do foro psíquico (MARTINS, 2012, p.06). O contato com
o mundo sensível e o desenvolvimento emocional promovem crescimento pessoal. Esses
pressupostos são comumente aferidos nos processos arteterapêuticos, permitindo o
enriquecimento do imaginário, colaborando para o autoconhecimento e, assim, impulsionando a
transformação individual.

Entre os campos artísticos muitos, o teatro se apresenta como instrumento


precipuamente estratégico nas terapêuticas que envolvem o incremento das funções cognitivas e
dos relacionamentos sociais. Ao propor a reprodução de comportamentos e estados emocionais,
a arte cênica impacta sobre o agir e o reagir. E esses impactos estimulam desenvolvimentos
cognitivos.
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Pratica surgida nos primórdios da humanidade, o Teatro tem fortes relações com
aprendizagem, conhecimento e cura. A estrutura básica do pensamento humano é cênica. E isso
se pode perceber desde as mais primeiras brincadeiras de infância. Some-se a isso o fato de que
o Teatro é uma forma de expressão capaz de atingir todos os humanos por conta de seus
aspectos sensoriais e estéticos (NEVES, 2006, p.17).
Os resultados cognitivo-comportamentais proporcionados pelo fazer teatral, quando
usados como ferramenta arte-terapêutica, mostram-se, assim, estratégias extremamente
oportunas para a clínica psicopedagógica. Lançar mão de jogos teatrais nas intervenções
propostas em terapias que busquem amainar, contornar ou resolver problemas pedagógicos é
caminho abalizado pela ciência.

Nesse sentido, a pessoa com Síndrome Down se vale também desse instrumental de
modo bastante relevante. Conforme já discorrido, os sindrômicos apresentam maiores
potencializações comportamentais quando postos em contato com insumos que favoreçam
estímulos visuais, contato com escrita e com mímicas corporais e jogos inter-relacionais. O
teatro é justamente um manancial que se debruça sobre todas essas circunstâncias.

6- TEATRO INCLUSIVO (TI): UM INSTRUMENTO ESTIMULADOR

Partir das premissas básicas da arte teatral e usá-las como estratégias que promovam a
Inclusão da pessoa com deficiência tem se constituído nos últimos anos caminho exitoso não
apenas no que se refere a bons resultados artísticos. Benefícios vários vêm sendo comprovados
em terrenos como a Neurociência, Psicologia, a Pedagogia e a Psicopedagogia. O teatro, como
pressuposto inclusivo educacional, atestadamente tem auxiliado na melhoria da qualidade de
vida da pessoa que convive com deficiências de diversas ordens.

Mas o que seria afinal o Teatro Inclusivo (TI)? A presente pesquisa propõe a seguinte
definição para esse fazer artístico-pedagógico: processo de criação em artes cênicas que,
acolhendo em seu bojo pessoas com e sem deficiência, promove estudos, experimentações,
jogos, debates e processos de montagens cênicas que unam todos os participantes em torno de
provocações criativas que auxiliem nas superações de barreiras físico-cognitivas e que busquem
como resultados espetáculos e/ou performances cênicas que mostrem o potencial desses
participantes com e sem deficiência e proporcionem aos mais diversos públicos participar de
vivências que reproduzam limites dos universos das deficiências.

Se o fazer teatral per si já aguça comprovadamente aspectos cognitivos, a proposta do


TI é ainda mais promissora como instrumento estimulador na medida em que, ao se
comprometer em trazer a pessoa com deficiência para o foco das atividades planejadas, estrutura
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suas propostas de modo ainda mais centrado em aspectos desse público que pedem por
intervenções.

7- O PROJETO CENA ESPECIALCOMO CAMPO DE INVESTIGAÇÃO DO TI

Criado pelo presente autor no ano de 2015, como projeto de extensão universitária da
Faculdade Integrada Brasil – Amazônia (FIBRA), o Cena Especial tem o uso do TI como sua
principal estratégia de ação. A meta do projeto é a formação de atores-inclusivos: pessoas com
mais de 18 anos, portadoras ou não de deficiência, dispostas a montar espetáculos que abordem
questões relacionadas à Educação Especial e a inclusão social da pessoa com deficiência.

Ainda de acordo com as propostas estipuladas para o empreendimento, o ator-inclusivo


é, primeiramente, um artista ciente de seu papel como facilitador da inclusão por meio das artes,
em particular as cênicas. É um artista preparado para lidar não apenas com as situações gerais
do fazer teatral, do mergulho nas exigências do palco, mas uma pessoa capacitada para se
comunicar artisticamente explorando as possibilidades múltiplas dos sentidos. E da ausência
destes. É um artista que precisa ser hábil a encenar montagens nas quais sejam exploradas a sua
própria aptidão sensorial, as aptidões sensoriais de seus colegas de cena e as aptidões sensoriais
do público na plateia. É um artista que precisa estar igualmente capacitado a lidar com as
limitações físicas e cognitivas de seus coparticipes de palco e de espectadores que o estejam
assistindo. O ator inclusivo é um artista preparadoa dar vida a personagens que se comuniquem
da forma mais ampla possível com surdos, cegos, pessoas com deficiência física, pessoas com
Síndrome de Down, pessoas no espectro autista e mesmo pessoas com paralisia cerebral, dentre
outros.

O Cena Especial tem como compromisso ainda a montagem de espetáculos que


debatam questões ligadas à Inclusão. Peças e/ou performances em que sempre estarão juntos,
em cena, os participantes com e sem deficiência. E a plateia também será sempre convidada a
experimentar sensações variadas vividas pelas pessoas com deficiência. Podem ser espetáculos
encenados na escuridão, espetáculos encenados sem qualquer som ou fala. Espetáculos que
convidem o público a sentir limitações físicas. Espetáculo que readaptem cognitivamente
clássicos da literatura. Espetáculos que mostrem a necessidade de se colocar no lugar do outro
para, assim, entende-lo e aceitá-lo.

Os módulos do projeto têm periodicidade anual, indo de março a dezembro, e os


encontros acontecem regularmente em um determinado dia da semana, sempre com duas horas
de duração. Os encontros procuram seguir a exploração das seguintes dinâmicas:
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a) Ensinamento de técnicas teatrais básicas (preparação de atores seguindo conceitos


comumente empreendidos: exercícios de expressão corporal, exercícios para entendimento,
leitura e correta expressão do texto, prática de montagem cênica);

b) Identificação das limitações de cada participante e uso de técnica específica para cada
caso. Uso de exercícios corporais e exploração textual específicos para cada caso entre os
participantes com deficiência física;

c) Discussão permanente dos diferenciais que um artista precisa ter para usar a arte de
forma inclusiva. Discussão feita por meio de debates, análises de pesquisas, exibição de filmes e
constante proposição de desafios que façam os participantes entenderem o que é e como precisa
funcionar a inclusão no teatro;

d) Constante exploração das aptidões sensoriais de todos os participantes – com ou sem


deficiência – sempre levando em conta demandas gerais e específicas. Exercícios que
explorarão a percepção tátil, auditiva (para os não surdos), visual (para os não cegos) e
cognitivas dos participantes;

Todos os participantes, com ou sem deficiência, estarão sempre no mesmo espaço,


vivenciando juntos as dinâmicas, colaborando uns com os outros e aprendendo juntos a superar
obstáculos e desafios.

8- MONTAGEM DA VERSÃO INCLUSIVA DE “O PEQUENO PRÍNCIPE” COM


GRABIEL ROLIM: UM PROCESSO DE TENTATIVAS, ADAPTAÇÕES E
EVOLUÇÕES

A primeira turma do Cena Especial teve entre seus participantes pessoas sem deficiência
e pessoas cegas, surdas, autistas e dois alunos com Síndrome de Down. Gabriel Rolim (20 anos)
e Ana Clara (19 anos). Todos compuseram o elenco do primeiro espetáculo inclusivo montado
pelo projeto: o experimento cênico sensorial batizado de “Pelos Olhos Dela”, uma dramaturgia
que convida o público a experimentar o universo da cegueira. Ao longo dos quarenta minutos da
dramatização, os espectadores ficam de olhos vendados,ouvindo a trama, aliada a sua trilha
sonora, e vivendo jogos criados para estimular as percepções táteis, olfativas e gustativas. O
elenco se dividiu entre músicos (que executam ao vivo as canções da peça), protagonistas das
cenas (com falas) e atores indutores dos jogos sensoriais (responsáveis por provocar sensações
na plateia).
Gabriel participou de todo o processo de montagem desse espetáculo. E mostrou-se,
desde o início, muito hábil para entender a proposta cênica e cumprir todas as tarefas que lhe
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foram incumbidas. Ele, no entanto, não protagonizava nenhuma das cenas da produção. Atuava
apenas com a equipe dedicada às provocações sensoriais. A compreensão de Gabriel com
relação à proposta do experimento cênico, sua desenvoltura para realizar as tarefas junto aos
espectadores (que também incluíam a missão de guiar as pessoas enquanto vendadas) e sua
notória compreensão quanto às necessidades de repetição das ações e da continuidade dos bons
resultados cênicos obtidos, tudo isso fez o autor da presente pesquisa (que atuava como diretor
do projeto) perceber que seria interessante realizar um trabalho cênico mais detido com Rolim.
Algo que ele pudesse viver com protagonista. Surge a ideia de aposta numa versão cênica e
inclusiva do clássico da literatura universal, O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry.

8.1- A proposta de encenação da versão inclusiva de O Pequeno Príncipe

A obra O Pequeno Príncipe foi escolhida para ser adaptada segundo os preceitos do
Teatro Inclusivo, dentro do projeto Cena Especial, não apenas pela força que adquiriu ao longo
dos anos no imaginário universal. Mas ainda pelo conteúdo intrinsecamente humanístico e
mesmo inclusivo que as muitas mensagens da narrativa de Exupéry ofertam. São várias as
passagens do livro que falam de aceitação, de respeito à diferença, de compromisso com o
outro.
A proposta de encenação para a adaptação foi a de criar um espetáculo cênico com
músicas compostas ao violino especialmente para a montagem e leitura de trechos do livro em
meio a jogos com objetos cênicos variados que remetessem a personagens famosos da obra,
como a Raposa, a Rosa, entre outros. Dois personagens protagonizam a peça: um narrador
violinista e um menino. A banda de apoio sobe ao palco, mas não no campo cênico principal. O
narrador violinista tem figurino que remete as representações clássicas do Principezinho. Mas
com cores inversas das tradicionais. O personagem usa túnica vermelha com detalhes azuis. Ao
centro do campo cênico, há uma arca com formato de livro. Quando o público entra, o
personagem do menino, todo vestido de branco, esta deitado, dormindo junto à borda do palco.
Já com todos os espectadores acomodados, entra o narrador violinista, tocando um tema
composto ao violino, iniciando a narrativa cênica. O menino desperta com a música e se mostra
triste. O narrador pergunta o que se passa e o menino explica que ninguém gosta dele. O
narrador se compromete em ajudá-lo e fala que talvez seja possível encontrar auxílio em um
bom livro. Ele abre a arca e tira de seu interior um artefato que reproduz o livro O Pequeno
Príncipe. Começa, assim, um jogo cênico: o narrador irá apresentar textos da obra para o
menino e o fará ter contatos com objetos que remetem aos personagens. Os jogos são
intercalados por composições ao violino. Durante as músicas, o menino dança, manipula os
objetos cênicos e os apresenta à plateia: algumas vezes indo até o público, outras mantendo-se
no palco. Ao final de algumas dinâmicas com esse viés – em que trechos clássicos do livro são
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apresentados – vem o que, em teatro se chama de técnica do golpe: a revelação de uma grande
surpresa. O narrador tira da arca um figurino e alguns objetos cênicos especiais. Trata-se de uma
túnica similar a sua, só que azul com detalhes vermelhos, uma espada e uma coroa. Dizendo
texto que exalta a importância de não tratar ninguém de forma preconceituosa, o narrador vai
vestindo o menino. Por fim, o público vê o menino se transformar no Pequeno Príncipe, com
seu tradicional figurino e espada. O narrador explica que o menino que estava triste é um
príncipe, como todos os demais meninos e meninas que estão no público e no mundo. Inicia-se
a canção final e o menino desce para valsar com as crianças da plateia.
Gabriel Rolim foi escolhido para viver o menino e, assim, executar todas as ações
roteirizadas pela proposta de encenação, incluindo manipulação dos objetos de cena e contato
com as crianças do público.

8.2- Desafios propostos a Gabriel do ponto de vista cognitivo funcional

Para desempenhar de forma satisfatória seu papel, cabiam a Gabriel alguns desafios
imediatos. O primeiro era a compreensão geral da proposta de encenação. Ele precisava não
apenas entender as ações que realizaria, como também – e antes de tudo – compreender sua
função cênica de causar no público emoção e empatia. Além desse aspecto, havia a necessidade
de que ele destinasse atenção a cada ação que precisava cumprir e memorizasse a sequencia dos
jogos cênicos. Qual ação vem primeiro. Como deve ser desempenhada. Qual a ação vem em
seguida. Como precisa ser executada. Assim por diante até o cumprimento de toda a trajetória
cênica do espetáculo. Subliminarmente, cabia-lhe também estar atento às propostas emocionais
que seu personagem precisava apresentar. E também necessitava memorizar a linha progressiva
dessas emoções. Começar triste. E porque começar triste. Ir cedendo nessa tristeza. E porque ir
cedendo nessa tristeza. E concluir a narrativa mostrando-se alegre. E porque concluir a narrativa
mostrando-se alegre. O correto estímulo às funções cognitivas da atenção e da memória em
Gabriel precisava ser bastante aguçado. Num grau ainda mais interno, Gabriel precisava
entender o jogo-mor do fazer teatral: brincar de ser outro.

8.3- Processo de ensaios: pontos favoráveis e pontos que exigiram mudanças

Os acordos para determinar a agenda de ensaios do espetáculo foram feitos com Gabriel
e com sua mãe, Gardner Rolim, que, desde o início da participação do jovem no Cena Especial,
sempre se mostrou muito aberta a todas a atividades propostas a seu filho.
A agenda de ensaios cumpriu quatro etapas. Na primeira, foram compostas as músicas e
foi escrita a primeira versão do roteiro, que incluía, além dos jogos cênicos, trechos fiéis do
livro, selecionados para serem lidos pelo personagem narrador para o personagem do menino.
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Na segunda, o foco foi o ensaio das músicas apenas com a presença dos instrumentistas. A
terceira, restrita a Gabriel e ao diretor (que também interpreta o narrador). E quarta, em que
Gabriel, o diretor-ator e os músicos, juntos, ensaiavam todo o fluxo do espetáculo. As fases dos
ensaios que interessam mais detidamente a essa pesquisa foram as duas últimas.

8.3.1- Terceira fase dos ensaios: obstáculos a serem vencidos

Os ensaios efetivamente com Gabriel se iniciaram na segunda fase do processo de


montagem. Estipulou-se para os encontros dessa fase uma hora e meia de duração. Optou-se por
fazer essa etapa tendo no espaço de experimentações apenas as presenças do diretor-ator e de
Gabriel. Dinâmica similar a dos atendimentos psicopedagógicos. Nem mesmo a mãe de Rolim
participou desse momento.
A proposta geral da peça foi apresentada a Gabriel. Sempre com a preocupação de aferir
seu entendimento sobre como o trabalho seria executado e sobre os resultados cênicos
esperados. Em nenhum momento, o trabalho foi apresentado a ele como intervenção específica
sobre seus comportamentos. Embora já houvesse a intenção paralela quanto a isso, sabia-se da
importância de não focar para ele esse aspecto, e sim trazê-lo precipuamente para o universo da
criação e do jogo teatral.
Logo de início, frisou-se o pacto do faz de conta. Tudo aquilo que seria feito no
espetáculo era um grande acordo de fantasia. Foi explicado que Gabriel viveria um personagem.
Uma pessoa que não era ele, mas uma criação. Foi-lhe explicado que seu personagem era um
menino triste.
Gabriel se mostrou bastante atento à explicação. E, como testagem da memorização
dessa explicação, foi-lhe pedido que repetisse qual era a proposta do trabalho e como era seu
personagem. Ele repetiu de forma satisfatória e salientou que seu personagem era um menino
triste.
Passou-se, então, para um segundo momento desse primeiro encontro: o roteiro escrito
do espetáculo foi apresentado a Gabriel. Não se realizou a leitura do mesmo, mas foi-lhe
mostrada a estrutura de cada cena. Nessa etapa, Rolim apresentou dispersão. Novamente foi a
apresentada a estrutura de cada cena. Mais uma vez o jovem se dispersou.
Desta feita, deu-se início, ainda nesse encontro inicial, a dinâmica de realizar as cenas.
Gabriel respondia muito bem a propostas de memorização das ações. A ação era apresentada a
ele, solicitava-se que ela reproduzisse e a reprodução acontecia. Sempre, entrementes, com o
cuidado de se aferir se ele compreendia o que estava fazendo e porque o estava fazendo. As
respostas vinham de forma positiva. Mas assim que os trechos reais do livro começaram a ser
lidos para Gabriel, o grau de dispersão voltou e foi se tornando acentuado. Por mais que se
tentasse estratégias de captura da sua atenção, por mais que se percebesse seu empenho para
50

tentar se concentrar, as leituras muito longas o deixavam visivelmente distraído. Estava posto
um problema: esse estado dispersivo de Gabriel não podia ir para o palco. Isso afetaria a
recepção do espetáculo junto aos espectadores. Se atores em cena não estão focados no que
fazem, o público também não o ficará.
Surge, pois, uma exigência de adaptação do roteiro. Os trechos com textos longos
precisavam passar para algum outro suporte. O temor era precisar abrir mão de conteúdos
frasais considerados icônicos quando se trata do clássico O Pequeno Príncipe. Como manter a
dinâmica cênica e não perder a oportunidade de mostrar frases famosas como “Foi o tempo que
dedicaste a tua rosa que a fez tão especial”, “o essencial é invisível aos olhos” ou “és
eternamente responsável pelo que cativaste”?
Diante desses desafios, o presente pesquisador e diretor decidiu cunhar, dentro dos
ditames do TI, o conceito de Dramaturgia Recognitiva. Uma construção de linha do drama em
que o conteúdo narrativo é adaptado para atender necessidades específicas de cognição ligadas a
um determinado déficit. No caso, os déficits de atenção de Gabriel, ligados a Síndrome de
Down, solicitaram a transformação dos textos em ações. Todo o material frasal foi transportado
para jogos cênicos. E isso não apenas aguçou mais o estado de atenção de Rolim, como facilitou
seu fluxo de memorização.

8.3.1- Quarta fase dos ensaios: interação com todos os elementos da cena

A quarta fase dos ensaios passou a ser realizada com a presença dos músicos. Assim,
um novo estímulo de atenção – com consequente novo desafio de manutenção desta função
cognitiva – é imposto a Gabriel: realizar as cenas (com todos os jogos recognitivos criados) de
modo entrelaçado à trilha sonora. Os níveis de dispersão de Rolim se mostraram bastante
reduzidos.
Igualmente a capacidade memorial de Rolim apresentava notória e satisfatória
desenvoltura. Uma prova disso pode ser aferida. O jovem chegava ao local de ensaio sempre
sorridente, falante, mas, ao entrar na sala específica de ensaio, assumia uma postura contrita.
Quando a direção percebeu isso, indagou-lhe a razão. E ele explicou: “meu personagem é um
menino triste. Quando entro na sala de ensaio, preciso ficar triste”. A adesão a esse jogo cênico
mostra uma clara ação não apenas da função cognitiva da atenção – no que concerne ao seu
compromisso particular no processo de ensaio – mas igualmente no que tange à memoria, uma
vez que as instruções que lhe foram repassadas ainda nas fases iniciais do processo de
montagem, mantiveram-se fixadas.
A salvaguarda das funções cognitivas de Gabriel, aqui estudadas, deu-se mesmo com
sua necessidade de iteração com a trilha sonora e com o jogo cênico travado com os músicos.
Nesse quesito, uma nota: a direção explicou a Gabriel que os músicos estariam próximos da
51

cena o tempo todo, mas que seu personagem não se dirigia a eles. Era como se não existissem.
Em nenhum momento, nem nos ensaios, nem nas apresentações posteriormente realizadas,
Rolim se dispersou quanto a isso. Ele manteve o pacto cênico e, enquanto atuava, não mantinha
contato com os artistas da música.

8.4- O espetáculo chega ao palco: o desafio do contato com o público

O processo de ensaio durou dois meses. Ao cabo desse prazo, a direção sentiu segurança
na atuação de Gabriel e na confluência de todos os demais elementos de cena para levar a
produção ao palco e, assim, ao contato com o público. A versão inclusiva de O Pequeno
Príncipe, protagonizada por Gabriel Rolim, estreou no teatro do Centro Cultural Sesc
Boulevard, em Belém, no dia 31 de outubro de 2015, às 11h da manhã. Com casa lotada, pois o
mote da peça ganhara grande repercussão nas mídias formais e nas mídias sociais.
Como já imaginado pela direção, o contato com o público traria outro desafio a Gabriel:
cumprir sua performance cênica, que precisava estar devidamente memorizada, sem desalinhos
oriundos da dispersão por conta das reações dos espectadores. Ou seja, ele precisava estar
vivamente atento e seguro. Ao longo dos ensaios, Rolim foi prevenido também quanto a isso.
A atuação de Rolim na estreia foi totalmente dentro do intentado, planejado e ensaiado.
Ele foi o primeiro a ser posicionado em cena. Seu personagem já estava no palco, dormindo,
quando o público começou a entrar. Gabriel não perdeu a concentração. Ficou na marca correta,
permaneceu fazendo o jogo de dormir. Toda a plateia entrou e, então, deu-se início o restante da
trajetória cênica projetada. Gabriel não saiu do foco proposto, manteve-se atento, centrado. Não
dispersou por conta dos músicos no palco nem por conta das manifestações da plateia. Que
foram várias. As muitas crianças que foram assistir a apresentação encantaram-se com Gabriel
e, por conta disso, queriam interagir com ele. Rolim, entrementes, manteve seu trabalho de ator
e desempenhou de modo absolutamente satisfatório todas as ações que lhe foram destinadas.

9- CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de montagem do espetáculo O Pequeno Príncipe, realizado dentro dos


ditames do Teatro Inclusivo, serviu como excelente vetor para observações, laborações e
intervenções no que tange ao jovem Gabriel Rolim.A vivência comprovou inicialmente as
dificuldades que o sindrômico apresenta com relação à concentração e capacidade memorial. O
processo evidenciou essas barreiras, listadas como ligadas à SD.
No entanto, a aplicação das técnicas teatrais – e o envolvimento inclusivo do jovem com
os vários fatores ligados à dramaturgia proposta – serviram, de fato, para desafiar Gabriel e o
ajudaram a ir além, superando, assim, tais limitações.
52

Por conta do processo de montagem do espetáculo, Rolim aguçou seus graus de atenção
e memória. E esses avanços foram sentidos para além da peça. A mãe de Gabriel, Gardner
Rolim, afirma que o filhou apresentou consideráveis avanços na escola.
Desta forma, conclui-se que o Teatro Inclusivo pode efetivamente ser usado como
instrumento psicopedagógico de estímulo às funções cognitivas da atenção e da memória em
uma pessoa com Síndrome de Down, proporcionando-lhe, por conseguinte, vias de
desenvolvimento psicossocial.
53

A MÚSICA COMO
FERRAMENTA INTERVENTIVA
E TERAPÊUTICA
54

ARTIGO 04

TÁBUAS E CAIXAS MOTORAS: INSTRUMENTOS MUSICOTERAPÊUTICOS PARA


O DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO, DA MEMÓRIA E DA MOTRICIDADE EM
JOVENS COM DÉFICIT COGNITIVO

Artigo apresentado como requisito para


a obtenção do título de especialista em Musicoterapia
2019

RESUMO

De acordo com estudiosos da motricidade humana, raspar, jogar e bater são ações
fundamentais para um pleno desenvolvimento das mecânicas corporais. Tais ações
constituem, inclusive, fases específicas do processamento motor de uma criança.
Raspar, jogar e bater fomentarão a habilidade percussiva. Desta feita, a percussividade
não é somente uma ação musical. É o resultado de uma formação físico motora
satisfatória. Entrementes, o fator cognitivo também ganha fomento quando bem
desenvolvida a habilidade percussiva. Todo esse processo que acontece ao longo do
crescimento infantil pode servir de mote para proposição de estratégias que auxiliem a
reabilitação motora e o incremento cognitivo de pessoas com TEA e Síndrome de
Down. A Musicoterapia surge, então, como terreno interessante para a investigação de
ferramentas com essa premissa. A presente pesquisa tem como objeto a análise
qualitativa do relato de experiência da aplicação do conjunto de ferramentas
musicoterapêuticas chamadas Tábuas e Caixas Motoras como recursos destinados ao
incremento da motricidade e das funções cognitivas em jovens com deficiência. Criadas
pelo autor deste artigo, as ferramentas foram aplicadas durante seu estagio
supervisionado em Musicoterapia.

Palavras chave: Musicoterapia. Cognição. Motricidade


ABSTRACT
According to scholars of human motility, shaving, playing and beating are fundamental
actions for a full development of body mechanics. Such actions constitute, even,
specific phases of the motor processing of a child. Shaving, playing and tapping will
boost percussive skill. This time, percussion is not just a musical action. It is the result
of satisfactory motor physical training. Meanwhile, the cognitive factor also gains
encouragement when well developed percussive skill. All this process that occurs along
the child growth can serve as a motto for proposing strategies that aid motor
rehabilitation and cognitive enhancement of people with ASD and Down Syndrome.
Music Therapy emerges, then, as interesting ground for the investigation of tools with
this premise. The present research has the objective of qualitative analysis of the
experience report of the application of the set of musical therapy tools called Tables and
Motor Boxes as resources destined to the increase of the motor and the cognitive
functions in young people with deficiency. Created by the author of this article, the
tools were applied during his supervised stage in Music Therapy.
Keywords: Music Therapy. Cognition. Motricity
55

1 INTRODUÇÃO

A prática clínica em Musicoterapia pode ajudar a compreender que raspar, jogar


e bater não são meramente três ações mecânicas, de banal execução quando atingida no
ser humano uma maturidade locomotora considerada satisfatória. Essas três ações
motoras podem ter viés terapêutico de suma importância para o desenvolvimento físico
e cognitivo de um indivíduo. Raspar, jogar e bater são etapas que precedem a habilidade
percussiva. A completude do ato de percutir só se constituirá de forma mais completa,
se, ao longo das primeiras infâncias, o ser humano experimentar, explorar, repetir e
amadurecer a fricção em superfícies (raspagem), o lançamento de objetos (jogar) e o
golpeamento de estruturas (bater).
É possível entender, graças a Piaget (1975), que, por volta de sete a oito anos,
quando se constituem as operações concretas, as crianças realizam progressivamente
interiorizações, coordenações e descentralizações. Dos onze aos doze anos, conforme o
autor, tem-se o estágio das operações formais, que possibilita ao sujeito a conquista de
um novo modelo de raciocínio. A teoria piagetiana revela também que esse processo
ocorre em fases específicas. Na terceira dessas fases, na qual acontece imitação
sistemática de sons e de movimentos que podem ser executados por partes visíveis do
corpo, ganham destaque os gestos de raspar, sacolejar os objetos e de bater num objeto.
Cada uma dessas ações representa o exercício de vários e complexos
mecanismos de coordenação motora fina e grossa. Entrementes, cada uma dessas fases
físico-exploratórias exige igualmente o incremento de outras funções, para além das
físicas. Importantes funções cognitivas cerebrais são também acionadas e envolvidas
nessas atividades mecânicas. Para empunhar um objeto e raspá-lo contra uma superfície,
lançá-lo espacialmente e golpeá-lo contra outro é necessária percepção e concentração.
O entendimento dessas ações e o reuso das mesmas é resultado de memorização.
Depreende-se, portanto, que as citadas gestualidades auxiliam a desenvolver as funções
cognitivas da atenção e da memória, fatores fundamentais para o bom desempenho do
processo de aquisição de conhecimento em qualquer pessoa. Piaget (1975) esclarece
ainda que essa tríade de ações físicas se processa plenamente na chamada fase sensório-
motora e que é neste período que a criança passa a entender o princípio do lúdico,
favorecendo o desenvolvimento mental:
56

Piaget (...) classifica o jogo baseando-se na evolução das estruturas mentais


correspondentes a três fases do desenvolvimento mental: a) jogo de exercício
sensório-motor; b) jogo simbólico (de ficção, imaginação ou imitação); c) jogo
de regras. O jogo de exercício sensório-motor consiste na repetição de gestos e
movimentos simples que surgem nos primeiros meses de vida, como as
atividades exploratórias realizadas para descobrir e exercitar os movimentos do
próprio corpo, seu ritmo, sua cadência e seu desembaraço (ARAÚJO &
LORENZINI, 1995, p.64)

A habilidade percussiva, como sabido, torna-se para os músicos uma premissa


de trabalho fundamental. Mas, mesmo que em escala diferenciada, é aspecto importante
para o bom desenvolvimento humano. Dai porque a importância de uma satisfatória
vivência e progressão das etapas de exploração sensório-motoras ao longo da infância:
Convicto de que o melhor caminho a seguir é observar e respeitar o modo
como bebês e crianças exploram o universo sonoro e musical, François
Delalande afirma que essa deve ser a postura de educadores (leigos ou
especialistas) diante do desafio de proporcionar às crianças o acesso à
experiência musical. Suas pesquisas, realizadas em instituições de educação da
França e da Itália, documentam as etapas de exploração sensório-motoras (...)
envolvendo desde bebês de seis meses até crianças de doze anos de idade.
Como um bebê de seis meses se comporta tendo diante de si um pequeno
tambor? Ele experimenta raspar, bater e, aos poucos, organiza sua exploração,
repetindo gestos e movimentos que apreende e internaliza (BRITO, 2003, p.36)

Por tudo isso apontado pelo referencial teórico até aqui exposto, deduz-se que
retrabalhar clinicamente o raspar, jogar e bater em fases posteriores à infância pode vir a
significar a reconexão com dinâmicas basilares para a motricidade e a cognição.
Revisitar de modo detido e terapêutico essas condutas motoras junto a pessoas com
déficits cognitivos pode, em particular, ser caminho para a obtenção de bons resultados
não somente no que diz respeito à saúde corporal, mas especialmente no que se refere à
potencialização da capacidade de aprendizado.
A apreensão da realidade é muito mais que um ato do pensar. O ato cognitivo
envolve o ser inteiro, em suas múltiplas dimensões. A nova concepção de
cognição, o processo do conhecer, é, pois, muito mais ampla que a concepção
do pensar. Ela envolve percepção, emoção e ação (FIALHO, 2001, p.21)

Em paralelo a tudo isso, é fulcral entender que algumas síndromes se enquadram


no segmento dos chamados déficits cognitivos, tais como o Transtorno do Espectro
Autista (TEA) e a Síndrome de Down (SD). É possível encontrar amplo referencial
teórico que informa as implicações dessas síndromes sobre aspectos de atenção e
memória, como no caso da SD. “As crianças com Síndrome de Down apresentam (...)
um ritmo de aprendizagem mais lento (...) Elas têm, em geral, um perfil de
aprendizagem específico” (SILVEIRA, 2012, p.18). Esses quadros clínicos são
57

situações em que o retrabalho sistematizado do raspar, jogar e bater, com um viés


terapêutico, pode vir a representar incrementos e amplificações nas funções ligadas à
aprendizagem. E é possível supor que essa revisitação pode ser feita de forma
interventiva por meio da Musicoterapia. De acordo com Tomaino (2014), o terreno das
pesquisas clínicas empreendidas atualmente vem comprovando que a música e os
componentes da música (a dinâmica rítmica ligada à percussividade, por exemplo) são
vetores capazes de estimular processos cognitivos, afetivos e sensório-motores
complexos no universo cerebral. Os estímulos tradicionalmente ligados à musicalidade
se servem a desencadear processos cujas funções podem ser generalizadas e transferidas
para fins terapêuticos não musicais, devido ao fato de que a música é processada em
muitas áreas do cérebro.
A pesquisa em percepção musical indica que a afinação é processada nos
lóbulos temporais da direita, a mesma área que governa a prosódia da fala.
Sistemas de memória podem ser estimulados pelas memórias associativas,
conectadas a uma peça específica musical ou às estruturas harmônicas que
induzem respostas emocionais. O processamento de dicas rítmicas (sendo o
ritmo um tempo ordenado ou um processo temporal) envolve o córtex motor
pré-frontal, o cerebelo e outras áreas, resultando na estimulação de várias redes
neurais (TOMAINO, 2014, p.09-10)

É no bojo de toda essa discussão que se alicerça a investigação


musicoterapêutica aqui proposta. Criadas pelo autor do presente artigo, a partir de sua
imersão em vivências e conteúdos teóricos apreendidos durante seu curso de pós-
graduação em Musicoterapia, as Tábuas e Caixas Motoras são justamente propostas de
instrumentos musicoterapêuticos que têm como meta reincidir clinicamente sobre o
raspar, o jogar e o bater junto a pessoas com déficits cognitivos com o intuito de
retrabalhar a motricidade para que sejam estimuladas as funções cognitivas da atenção e
da memória
Desta forma, o objetivo geral deste texto científico é investigar a pertinência da
aplicação das Tábuas e Caixas Motoras como ferramentas eficazes para o
desenvolvimento da atenção, da memória e da motricidade em pessoas com TEA e
Síndrome de Down. Os objetivos específicos são comprovar a interrelação entre as
ações de raspar, jogar e bater com habilidades atencionais e memoriais; aferir a
pertinência musicoterapêutica dos instrumentos pesquisados; e indicar os instrumentos
usados na presente pesquisa como sugestão de ferramentas para profissionais da
Musicoterapia trabalharem a motricidade e cognição de pacientes com as citadas
síndromes
58

Para que essa investigação se torne mais consistente e elucidativa, faz-se


fundamental, por conseguinte, aferir alguns questionamentos: O que são as funções
cognitivas da atenção e da memória à luz da Neurociência? Qual a relevância científica
da Musicoterapia? Quais são os benefícios da Musicoterapia junto a cada segmento
sindrômico atendido (SD e TEA)? Qual a proposta de conceito geral e quais as formas
de usabilidade das Tábuas e Caixas Motoras?
Para buscar respostas a essas indagações, o presente artigo apresentará o relato
de experiência da aplicação das Tábuas e Caixas Motoras junto a jovens com SD e TEA
atendidos por duas importantes instituições inclusivas paraenses: a Fundação Pestalozzi
do Pará e do Núcleo Amazônico de Acessibilidade, Inclusão e Tecnologia da
Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA)

2 METODOLOGIA

A metodologia usada é a do relato de experiência com análise qualitativa da


aplicação das Tábuas e Caixas Motoras durante o estágio supervisionado em
Musicoterapia, realizado pelo autor do presente artigo. Aplicação feita junto a 15
pacientes, divididos em quatro grupos: dois no Núcleo de Acessibilidade da UFRA (oito
pacientes, sendo sete homens e uma mulher, entre 20 e 35 anos de idade) e dois na
Fundação Pestalozzi (sete pacientes, sendo quatro homens e três mulheres, entre 22 e 35
anos de idade).

3 A RELEVÂNCIA CIENTÍFICA DA MUSICOTERAPIA

A Musicoterapia como ciência é uma realidade. A contribuição de Benenzon


(apud SOUZA, 2008) para esse arcabouço científico, por exemplo, faz saber que o ser
humano é inferido pela música desde a gestação, ainda no ventre da mãe. Desde a vida
intrauterina, portanto, indivíduos com TEA e SD são estimulados por indutores
musicais. A atuação clínica de revisitar as etapas sensório-motoras desses sujeitos que
foram atendidos no período de estágio, sob a perspectiva do estabelecimento de
vínculos terapêuticos, pode se mostrar uma experiência relevante num processo de
formação como musicoterapeuta. A respeito do vínculo terapeuta/paciente resultante da
vivência prática, o referencial teórico atesta o seguinte:
Para que haja uma comunicação entre indivíduos e para que a Música assuma o
caráter de Terapia é necessário que exista interação humana, o terapeuta agindo
sobre paciente/cliente, usando a Música como ferramenta ativa no processo
59

terapêutico. Fazer uma intervenção é agir sobre alguém ou sobre algo para
mudar uma situação existente e consequentemente alterar o curso dos eventos
(FARMOSELI & MONTEIRO, 2014, p.99)

Uma vez estabelecido esse vínculo, pesquisas comprovam que há relevâncias


específicas no tratamento musicoterapêutico junto a indivíduos com Transtorno do
Espectro Autista: “estudos demonstram que a música pode ser uma ferramenta de
tratamento e de aprendizagem, além de ser uma forma de expressão e comunicação mais
acessível aos indivíduos com esses transtornos” (PEGORARO, 2017, p.13)
Assim como há igualmente particulares relevâncias no atendimento
musicoterapêutico realizado junto a sujeitos com Síndrome de Down. Segundo Menezes
& Ramos (2010), a Musicoterapia pode beneficiar clinicamente a pessoa com SD na
medida em que auxilia no desenvolvimento de estímulos auditivos, linguísticos e
motores.

4 OS BENEFÍCIOS DA MUSICOTERAPIA PARA PESSOAS COM


SÍNDROME DE DOWN E PARA PESSOAS COM TEA
4.1 A Síndrome de Down e a Musicoterapia
Historicamente sabe-se que o início dos estudos em torno da Síndrome de Down
no mundo se deu por conta de investigações a respeito de atrasos relacionados a
aspectos neuropsicomotores. O primeiro relato extraoficial, ainda não acadêmico, ligado
ao tema acontece no ano de 1846 e foi feito por Edouard Onesimus Seguin, mas ainda
sem publicação cientifica. O assunto, entrementes, ganha seu primeiro caráter cientifico
oficial entre os anos de 1864 e 1866 graças ao médico inglês John Langdon Haydon
Down, que se debruçou sobre casos de crianças, de uma clínica de Surrey, Inglaterra,
com problemas neuropsicomotores e que apresentavam características fisicogenéticas
aparentemente padronizadas.

Com base em análises das características físicas similares em filhos de mães


acima de 35 anos, Haydon Down desenvolveu uma listagem em que descrevia suas
observações com relação a essas crianças, designando-as como amáveis e amistosas
(GOMES & OLIVEIRA, 2016, p.05). Entrementes, fortemente influenciado pela Teoria
da Evolução de Charles Darwin, o médico cunhou sua explicação sobre a síndrome
ligando-a a um entendimento étnico, sugerindo, assim, ser a questão um estado de
regressão na linha evolutiva.
60

Hoje, porém, é pacifico definir que a SD se trata de uma desordem genética


caracterizada pela trissomia no cromossomo 21 do genoma humano. Ou seja, no lugar
do sistema cromossômico apresentar nessa posição um par, como esperado, os
diagnosticados comportam uma trinca de cromossomos 21.
Mas já se sabe, hoje, que há outras questões cromossômicas associadas aos
sindrômicos, conforme atesta (PUESCHEL, 1993, p.54): “geneticistas detectaram,
subsequentemente, que, além deste, havia outros problemas cromossômicos em crianças
com Síndrome de Down, ou seja, translocação e mosaicismo”. Toda a tipologia genética
infere em características clássicas nos sindrômicos, como comprometimentos
cognitivos, déficits intelectuais, língua grossa, maxilares reduzidos, cabeça arredondada,
olhos puxados, diferenciação do número padrão de falanges nos dedos da mão, entre
outros aspectos.
A SD não tem cura, mas a qualidade de vida do sindrômico pode ser plena e
precisa ser salvaguardada com garantias de acompanhamento e tratamentos clínicos. A
Musicoterapia vem se provando uma aliada relevante no acompanhamento terapêutico
de pessoas com Down.
A musicoterapia aparece (...) como importante fator de estimulação para o
portador de Síndrome de Down. Tocar (...) com estas crianças e também com
seus pais revelam-se potentes recursos a ser utilizados pelos profissionais de
saúde. Os musicoterapeutas podem se beneficiar destes conhecimentos para
alcançarem maior eficiência no seu trabalho clínico (AUGUSTO, 2003, p.23)

Nos últimos tempos, vários trabalhos científicos têm abalizado a Musicoterapia


como ciência eficaz no que tange ao auxílio da plena constituição físico-social do
indivíduo com Down. Exemplo disso é pesquisa realizada por Silva (2018) em que se
verificou que a construção de uma escuta clínica mais sensibilizada por parte dos
musicoterapeutas permitiu uma maior conexão entre os sentidos e a compreensão dos
sentimentos nas expressões de movimento dos indivíduos com Síndrome de Down. Essa
evolução se expressou com maior notabilidade na comunicação verbal e não-verbal, na
cadência, ritmo e envolvimento, resultando numa maior expressão cognitiva.

4.2 O Transtorno do Espectro Autista e a Musicoterapia

Alvo de debates e análises científicas que mais e mais se intensificaram nas


últimas décadas, o Transtorno do Espectro Autista passou por várias definições
conceituais. Antes, apenas estabelecido como Autismo e entendido com variações
61

tipológicas diversas: Asperger, Rett, entre outras. Hoje, um só agrupado prisma de


condições, um espectro. Não existe um Autismo, mas vários.

Atualmente, é pacífico entender que o TEA abrange diferentes síndromes em


torno de uma trinca específica de características: padrão comportamental restrito e
repetitivo; dificuldades de comunicação; e barreiras de socialização. Todas as variantes
constantes no espectro autista para serem conceituadas e implicadas como tal precisam
atender a essa tríade.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda é uma condição clinica


enigmática, sendo este considerado como de natureza multifatorial, ou seja,
ainda não se sabe, ao certo, qual a causa específica do TEA. A literatura oferece
uma série de reflexões que giram em torno dos aspectos genéticos, hereditários e
ambientais. Os sintomas apresentados por sujeitos autistas são: ausência de
linguagem verbal ou linguagem verbal pobre; ecolalia (repetição de palavras fora
do contexto), hiperatividade ou extrema passividade, contato visual deficiente,
ausência de interação social, interesse fixado a algum objeto ou tipos de objetos.
O autismo refere-se ao conjunto de características, podendo ser encontrados em
sujeitos afetados desde distúrbios sociais leves sem deficiência mental, até
deficiência mental severa (FERREIRA, 2016, p.30)

As implicações do TEA sobre o comportamento se manifestam desde a mais


tenra idade. Na infância, portanto, o espectro autista será condicionante de padrões de
ações que se estenderão pela vida do sindrômico. Fator que torna fundamental
intervenções e mediações no interregno mais precoce possível. O indivíduo com o
Transtorno do Espectro Autista apresenta manifestações sensoriais atípicas. Essa
sensorialidade alterada também impacta no processamento auditivo, sendo o mesmo
menos complexo do que nas pessoas fora do referido espectro. Estudos mais detidos
sobre esse tema, contudo, vêm mostrando que a relação do autista com a música é
diferenciada:

Os indivíduos com TEA apresentam um funcionamento sensorial atípico (...) No


entanto, esse funcionamento ainda não é compreendido totalmente pelos
pesquisadores (...) O processo auditivo é explicado por uma série de teorias, porém
não há um consenso sobre elas. Alguns estudos relatam que os sujeitos com TEA
possuem uma capacidade auditiva menos complexas do que os indivíduos de
desenvolvimento típico. Outros atribuem uma capacidade auditiva focal nos TEA,
enquanto esperado seria uma capacidade auditiva global (...)Ao mesmo tempo,
alguns estudos têm indicado peculiaridades desse processamento auditivo
especialmente relacionado à música (GATTINO, 2012, p.33).

Gattino (2012) informa ainda que estudos sobre os efeitos da Musicoterapia em


crianças com TEA, publicados em 2008 e 2009, apresentam resultados das ações
musicoterapêuticas sobre a atenção compartilhada de crianças com TEA em
comparação à recreação com brinquedos. Após doze sessões de trinta minutos,
62

verificou-se que a Musicoterapia foi capaz de facilitar comportamentos de atenção


compartilhada e habilidades não verbais de comunicação social em crianças do que na
recreação sem nenhum aporte musical.

Toda essa investigação atesta, portanto, que é possível encontrar entre as ações
musicoterápicas instrumental eficiente para a reconceituação da relação do autista com a
ludicidade.

5 TÁBUAS E CAIXAS MOTORAS: CONCEITO E DETALHAMENTOS

A proposta da construção do instrumental sobre o qual se baseia o presente texto


científico se alicerça nas pesquisas que têm sido realizadas ultimamente associando
práticas de reabilitação cognitiva à tarefas motoras. De acordo com Vaz e Vilibor
(2009), sabe-se, hoje, que a limitação motora pode ocasionar alterações no
desenvolvimento da comunicação com o meio, assim como dificuldades na construção
do espaço e suas relações, refletindo no desenvolvimento das funções cognitivas. Desta
forma, não se pode descartar a hipótese de que as disfunções motoras possam afetar o
nível intelectual. O experimento também se baseia nas pesquisas de Gallahue e Ozmun
(2005), estudos por meio dos quais tem se atestado que a reabilitação motora, com
ferramentas que estimulam ações de raspagem e os atos de jogar e bater, favorecem a
reabilitação cognitiva.

Criadas pelo autor deste artigo científico a partir desse referencial teórico, as
Tábuas e Caixas Motoras são artefatos musicoterapêuticos construídos para estimular
justamente os atos de raspar, jogar e bater. Feitos a partir de material reciclado – e
portanto fáceis de serem confeccionadas por educadores e/ou terapeutas em qualquer
ambiente de ensino e/ou terapêutica – as ferramentas foram idealizadas para seguir uma
ordem de aplicação, exploração e manuseio que remete às fases de aprendizado da
motricidade humana: a fase sensório motora. São artefatos que reconduzem os usuários
justamente às fases exploratórias táteis da raspagem de superfícies (raspar), do
lançamento de objetos (jogar) e do golpeamento de estruturas (bater). O uso proposto a
essas ferramentas segue um preceito de sequencias de ações que estarão sempre
reforçando os estados de atenção e memorização dos usuários. A proposta da técnica
tem por intento desenvolver as habilidades motoras e reforçar o estado de concentração
e de manutenção memorial de informações.
63

O conjunto instrumental abrange oito peças. Quatro Tábuas (Tábua de Grade,


Tábua de Tubos, Tábua de Alça e Tábua de Cores) e quatro Caixas (Caixa de Canecas,
Caixa de Copos, Caixa de Notas e Caixa de Letras) a seguir melhor detalhadas:

5.1 Tábua de Grade


Tem por finalidade estimular a fricção (raspar) em textura amadeirada irregular,
estimular o ato de jogar por meio de uma grade solta, estimular o ato de bater com o
auxílio de baquetas, trabalhar a empunhadura fina e grossa, estimular memorização
(funcional e nominal) e trabalhar habilidade rítmico percussiva como fator de
desenvoltura motora.

5.2 Tábua de Tubos


Sua meta é estimular a fricção (raspar) em textura plástica irregular e lisa,
estimular o ato de bater, trabalhar empunhadura fina e ampla, estimular memorização
(funcional e nominal) e trabalhar habilidade rítmico percussiva como fator de
desenvoltura motora

5.3 Tábua de Alça


Concebida para estimular a fricção (raspar) em textura amadeirada lisa, trabalhar
a empunhadura fina e ampla (por meio da alça), estimular a memorização (funcional e
nominal) e trabalhar a habilidade rítmico percussiva como fator de desenvoltura motora

5.4 Tábua de Cores


Criada com o intento de estimular o ato de raspar por meio do deslizamento,
trabalhar a empunhadura fina, estimular o estado de atenção e memorização sobre
aspectos cromáticos, estimular a memorização (funcional e nominal) e trabalhar a
habilidade rítmico percussiva como fator de desenvoltura motora

5.5 Caixa de Canecas


A proposta é estimular o ato de jogar, estimular o ato de bater, estimular
empunhadura fina e ampla, estimular a atenção e a memorização sobre sequenciamento,
estimular foco, reforçar o estado de atenção e memorização sobre aspectos cromáticos,
estimular diferenciação de percepção sobre a sonoridade referente à textura de plástico,
64

vidro e metal, estimular a memorização (funcional e nominal) e trabalhar a habilidade


rítmico percussiva como fator de desenvoltura motora

5.6 Caixa de Copos


Estruturada para estimular o ato de jogar, estimular o ato de bater, trabalhar
empunhadura fina e ampla, estimular a atenção e a memorização sobre sequenciamento,
estimular foco, estimular a memorização funcional e nominal, reforçar o estado de
atenção e memorização sobre aspectos cromáticos e trabalhar a habilidade rítmico
percussiva como fator de desenvoltura motora

5.7 Caixa de Notas


Tem por finalidade estimular o ato de jogar, estimular empunhadura fina e
ampla, estimular a atenção e a memorização sobre sequenciamento, estimular foco,
estimular o espelhamento e a dedução, estimular a memorização funcional e nominal e
trabalhar a habilidade rítmica como fator de desenvoltura motora

5.8 Caixa de Letras


Criada para estimular o ato de percutir (abrangendo raspar, jogar e bater),
estimular empunhadura fina e ampla, estimular a dedução lógica, estimular a atenção e
memorização a partir de estimulo ortográfico, estimular a memorização funcional e
nominal e trabalhar a habilidade rítmica como fator de desenvoltura motora

6 ANÁLISE QUALITATIVA DAS SESSÕES COM AS TÁBUAS E CAIXAS E


MOTORAS
O processo de vivência em Musicoterapia, realizado na Fundação Pestalozzi e
no Núcleo de Acessibilidade da UFRA, ao longo das 60h de estágio supervisionado, foi
a, um só tempo, bastante desafiador, mas igualmente rico em investigações científicas,
percepções clínicas e constatações terapêuticas. A aplicação clínica das tábuas e caixas
motoras na Pestalozzi e na UFRA resultou em avanços claros nos níveis de atenção e
memória dos pacientes dos quatro grupos. Não houve registro de não evolução ou de
involução dessas funções. Pelo contrário. Entre o primeiro e o último encontro, ficaram
evidentes os avanços entre os pacientes no que se refere aos níveis de estados de
atenção e retenção de informação. Essa constatação se mostra especialmente animadora
no que tange a pacientes com Transtorno do Espectro Autista e Síndrome de Down, em
65

função das fragilidades que esses sindrômicos apresentam nesses campos, conforme
especificado pelo referencial teórico. Cabe, entretanto, um friso na avaliação dos
resultados memorialísticos (nos pacientes dos quatro grupos, das duas instituições): a
retenção memorial mais prolongada se mostrou mais frágil que a retenção memorial
média ou recente. E o que abaliza essa constatação clínica foi a dificuldade que todos os
pacientes da Pestalozzi e da UFRA tiveram de fazer pontes memorialísticas
relacionadas aos nomes dos instrumentos clínicos apresentados nas sessões iniciais.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência da aplicação das Tábuas e Caixas Motoras durante o estágio
supervisionado realizado pelo autor do presente artigo trouxe respostas bastante
satisfatórias e positivas. A mais relevante de todas diz respeito ao objetivo geral da
pesquisa. Os instrumentos clínicos investigados se provaram eficazes no que tange ao
incremento da atenção, da memória e da motricidade de pessoas com TEA e Síndrome
de Down. Paralelamente, também foram contemplados os objetivos específicos, na
medida em que se pode comprovar a interrelação entre as ações de raspar, jogar e bater
com habilidades atencionais e memoriais, salientando-se, igualmente, a pertinência
musicoterapêutica dos instrumentos pesquisados. Depreende-se, assim, ser possível
ofertar a profissionais da Musicoterapia o instrumental investigado para que sejam
trabalhadas cognição e motricidade em pacientes com as síndromes supra citadas. A
pesquisa também comprovou que ações terapêuticas com as Tábuas e Caixas Motoras
favorecem a expressividade atitudinal e o senso interrelacional entre pessoas com déficit
cognitivo, notadamente pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
66

ARTIGO 05

TATOPERCUSSÃO: UMA ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO RÍTMICA PARA O


INCREMENTO DA FRUIÇÃO MUSICAL EM PESSOAS SURDAS

Artigo apresentado como requisito para


a obtenção do título de especialista em Educação Musical e Ensino de Artes
2020

Artigo aprovado para o III Congresso Internacional de Educação Inclusiva


& III Jornada Chilena Brasileira de Educação Inclusiva e Direitos Humanos

RESUMO

A relação entre surdez e música há muito deixou de ser cientificamente antagônica. Sabe-se
hoje que o sistema ouvidos-cérebro não é a única via de captação da emanação sonora. A
chamada audição óssea e a consequente absorção da percepção vibrátil permitem outros
caminhos de relação com a sonoridade. A presente pesquisa tem o objetivo de investigar o uso
da técnica batizada de Tatopercussão como uma estratégia de educação rítmica capaz de
permitir à pessoa surda maior fruição musical. Este artigo apresenta um relato de experiência
com análise qualitativa do processo de montagem do espetáculo teatral inclusivoPelos Olhos
Dela, no qual a ferramenta foi utilizada. Como resultado, constatou-se que a Tatopercussão,
ação na qual mediadores transmitem a um corpo receptor elementos do ritmo de uma execução
musical, pode ajudar a pessoa surda a compreender, desfrutar e executar melhor manifestações
musicais.

Palavras chave:Surdez. Música. Fruição.

ABSTRACT

The relationship between deafness and music has long since ceased to be scientifically
antagonistic. It is known today that the ear-brain system is not the only way of capturing sound
emanation. The so-called osseous hearing and the consequent absorption of the vibrating
perception allow other ways of relation with the sonority. The present research aims to
investigate the use of the technique called Touch-Percussion as a strategy of rhythmic education
capable of allowing the deaf person greater musical enjoyment. This article presents an
experience report with qualitative analysis of the assembly process of the inclusive theatrical
spectacle called Pelos Olhos Dela, in which the tool was used. As a result, it has been found that
Touch-Percussion, action in which mediators transmit to a receiving body elements of the
rhythm of a musical execution, can help the deaf person to better understand, enjoy and perform
musical manifestations.

Keywords: Deafness. Music. Fruition.


67

1- INTRODUÇÃO

Ouvir: um fenômeno perceptivo que vem sofrendo revisões conceituais várias ao longo
dos tempos. Por longas décadas, definições centradas no funcionalismo auricular ocuparam o
centro das pesquisas em torno do tema.Tornou-se pacífico admitir que o processo da audição se
inicia, desenvolve-se e se completa na relação emanação sonora/ouvidos/cérebro:
A audição humana é realizada pela orelha, sendo que esta é dividida em três partes
(orelha externa, média e interna). O processo auditivo é iniciado com a captação das
vibrações dos sons pela orelha externa; esses sons são transportados pelo pavilhão e
pelo canal auditivo até o tímpano, que faz vibrar três pequenos ossos (martelo, bigorna e
estribo). Essas vibrações chegam ao ouvido interno e fazem que o líquido presente na
cóclea se mova; assim, sinais elétricos são emitidos por meio das extremidades dos
nervos auditivos e enviados ao cérebro (ARAGON & SANTOS, 2015, p. 124)

Entrementes, as evoluções das pesquisas foram trazendo novas luzes para o assunto. A
emanação sonora tem sido cada vez mais compreendida como um fator vibrátil capaz de ser
conduzido por outros meios. “O som é um agente físico resultante da vibração de moléculas do
ar e que se transmite como uma onda longitudinal. É, portanto, uma forma de energia mecânica”
(WHO, 1980).
Ainda mais modernamente a compreensão de que a audição pode ser também
viabilizada pela emanação das ondas sonoras pelos ossos do corpo humano favoreceu uma nova
definição científica: a audição óssea.

A audição do ser humano envolve dois mecanismos de transmissão sonora: a condução


área e a condução óssea (...) a vibração do osso temporal pode ser causada por
estimulação direta (por exemplo, por aparelho auditivo ancorado no osso), por
estimulação através da pele (como no teste por condução óssea) e por uma vibração
induzida pelo som conduzido por via aérea (PACCOLA, 2007, p.07)

O entendimento dessa questão é fundamental para se admitir que é possível buscar


formas outras de permitir a pessoa surda um contato mais plural com a música. De modo geral,
em apresentações musicais, a forma tradicional de mediação com os surdos é o uso da
tradução/intepretação em Libras. Esse recurso é de fulcral valor. No entanto, permite o acesso
mais detido ao conteúdo das letras das canções. O conteúdo rítmico não é, outrossim,
oportunizado. Muitas estratégias têm sido buscadas para contemplar esse quesito. E, nesse
sentido, o entendimento da audição óssea é sine que non. O caminho para fazer o surdo viver
com maior completude o fenômeno musical é ofertar a vivência vibrátil do som. É possibilitar,
em seu corpo, a propagação da percepção rítmica.
Desenvolvida e aplicada durante o processo de montagem do espetáculo teatral
inclusivo Pelos Olhos Dela (realizado dentro do projeto de extensão universitária Cena Especial
– Teatro Inclusivo), a Tatopercussão é justamente uma estratégia de educação rítmica que se
propõe a oferecer à pessoa surda uma maior fruição do fenômeno musical.
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O objetivo geral dessa pesquisa é, portanto, investigar se a técnica tatopercussiva é uma


proposta que, de fato, permita ao surdo uma maior percepção e entendimento, em seu próprio
corpo, da estrutura rítmica de manifestações musicais, garantindo-lhe, assim, uma maior fruição
artística. Os objetivos específicos são oferecer a arte-educadores uma nova ferramenta de
inclusão para a pessoa surda;trabalhar a educação rítmica como um instrumento
psicopedagógico e musicoterapêutico; e estimular, por meio da arte, a socialização do indivíduo
com surdez.
O compromisso com esses objetivos traz intrinsecamente a necessidade de levantar
alguns pontos de indagação: a Tatopercussão pode, de fato, contribuir para que a pessoa surda
tenha uma melhor e mais apurada percepção da expressão rítmico-musical? Essa técnica pode
realmente favorecer uma maior interação social? A aplicação dessa estratégia pode, de fato, ser
levada a ambientes educacionais como forma de ação pedagógica inclusiva? Do ponto de vista
terapêutico, essa prática pode trazer melhorias ao bem-estar físico-social do indivíduo com
surdez? Essa ferramenta pode se relacionar com outras artes, como o teatro?
A busca por respostas para esses tópicos torna imperioso discutir, antes mesmo da
análise do relato experiência que norteia essa pesquisa, as seguintes questões:a importância
ancestral da percussão para o ser humano; o acesso à fruição musical como fator de inclusão
social para o surdo; o que é, como funciona e como pode ser aplicada a Tatopercussão;
capacitação de professores na técnica tatopercussiva; a Tatopercussão como instrumento
psicopedagógico e seus potenciais efeitos musicoterapêuticos; e o teatro (em especial o
inclusivo) como palco para esse instrumental.

2- METODOLOGIA

A metodologia usada foi a do relato de experiência com análise qualitativa da aplicação


da Tatopercussão no processo de montagem do espetáculo teatral Pelos Olhos Dela, dentro do
projeto de extensão universitária Cena Especial – Teatro Inclusivo, realizado na Faculdade
Integrada Brasil – Amazônia (FIBRA).

3- FRUIÇÃO MUSICAL E INCLUSÃO SOCIOCULTURAL DA PESSOA SURDA

Um dos mais importantes compêndios de definições e saberes da Língua Portuguesa, o


dicionário Aurélio define fruição como sendo o ato de estar no gozo ou na posse plena de algo.
Desfrutar. Aproveitar. Ter usufruto.Nesse sentido, fruir induz a uma noção de completude
experiencial.

Arte e fruição formam um binômio íntimo num processo comunicacional. A criação


artística é, em essência, um vetor de comunicação. De um lado, o criador-emissor formula,
lapida e entrega um bem artístico para um receptor (espectador, leitor, apreciador, etc). Esse
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bem se oferta eivado de mensagens. Do outro, o receptor toma para si o conteúdo da mensagem
artística e, num feedback vital para este fluxo, devolve reações e impressões. Para que esse
circuito funcione vivamente é sempre importante que o receptor possa sentir, perceber e
absorver o máximo possível de elementos que caracterizam e constituem o bem artístico.

Uma obra de arte interativa é um espaço latente e suscetível a todos os prolongamentos


sonoros, visuais e textuais. (...) A interatividade não é somente uma comodidade técnica
e funcional; ela implica física, psicológica e sensivelmente o espectador em uma prática
de transformação (PLAZA, 2003).

O ato de fruir é justamente esse mergulho amplo no conjunto estrutural de uma obra de
arte. Fruição musical, portanto, é o ato de desfrutar, aproveitar e ter usufruto da música na
completude dos seus elementos. E o ritmo é um dos elementos mais basilares desse tipo de
criação artística.

Quando temos no papel de receptor do processo comunicativo da arte uma pessoa surda
mediações precisam ser feitas. No que tange à arte musical, comumente tradurores/interpretes
de Libras mediam o conteúdo das letras das canções. Com a gestualidade, também buscam
exprimir e traduzir a atmosfera emocional da música. Uma maior precisão rítmica, no entanto,
não é contemplada. Apostar em técnicas que se ocupem disso permite uma maior possibilidade
de fruição ao receptor surdo. Essa garantia, por sua vez, é ação de inclusão sociocultural.

Em épocas outras, a arte já foi um bem restrito. Usufruído e aproveitado apenas por
membros da nobreza ede séquitos religiosos. Hoje, ela deve, precisa e vem sendo
democratizada. Mas isso não induz a necessidade de qualquer mudança em seu cunho estético
“com o objetivo de ser mais facilmente entendida, pois o entendimento ou não de qualquer obra
está relacionado com o contato que os sujeitos têm com a arte” (CALDAS, 2006, p.38).
Apresentar a arte musical de forma inclusiva a pessoas surdas significa permitir ampla fruição.
A Tatopercussão pode ser uma maneira de garantir essa vivência. Entretanto, para melhor
compreender a técnica, torna-se fundamental revisitar brevemente a importância ancestral da
percussão nos processos de comunicação e manifestação artística do homem.

4- PERCUSSÃO: EXPRESSÃO ANCESTRAL DE COMUNICAÇÃO HUMANA

A percussividade é uma das mais primitivas expressões humanas. Sua gênese no agir do
homem se confunde com o surgimento da própria música, conforme nos atestam Almeida e
Magalhães (2007, p.13).Os mais remotos registros de manifestações musicais, aferidos na Pré-
História, apontavam a ação de efetuar pancadas em madeira, associadas a ritmos marcados com
o corpo, com o intuito de exaltação mítica, para agradar os deuses. A percussão, desta feita,
evidencia-se como uma emanação sonora tão antiga quanto a humanidade. E, em específico, o
uso das mãos na expressão rítmica é uma prática ancestral.
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Existem evidências substanciais sobre este fato, como provas arqueológicas, objetos
petrificados, desenhos em cavernas e esculturas, inscrições em casca de árvores e
papiros preservados por povos primitivos. O primeiro impulso sonoro do homem pode
ter sido o de bater palmas dentro de uma certa cadência rítmica ou a busca de reproduzir
os sons que escutava na natureza (MARTINS, 2011, p.13).

Desta feita, igualmente, percutir remonta a se comunicar. Também desde os tempos


mais longínquos o homem fez uso da ação percussiva como ferramenta de troca de mensagens.
Efetuar baques em árvores propícias a emanação vibrátil, em sequencias rítmicas específicas,
era um modo de trocar contato e informações, mesmo em longas distâncias.

Manifestação de arte ou manifestação de comunicação. Ou mesmo uma manifestação


artística intrinsecamente comunicativa. A percussão atravessou o tempo consolidando a partilha
do ritmo como um condão de interrelação humana.

4.1- Ritmo: berço da pulsação dentro da percussividade

Todas as explanações feitas até aqui apontam para a necessidade de uma


complementação conceitual destinada a melhor esclarecer as metas dessa pesquisa: entender o
que é o elemento musical conhecido como ritmo.

Willens (1962) nos ensina que, ao lado da harmonia e da melodia (cujas definições não
são objeto de interesse nesse estudo), o ritmo é um dos elementos fundamentais da música. Para
o autor, a rítmica musical está ligada a energia vital humana, influindo em aspectos afetivos e
mentais. O referencial teórico a disposição da pesquisa científica, no entanto, traz conceitos
mais formais de ritmo, como aquele que preconiza ser esse elemento a “organização do tempo,
com (...) duração, (...) sequência de élans que se desenvolvem continuamente” (SEKEFF, 1996,
p. 51).

Essa sequenciação de movimentos sonoros determinada pelo ritmo é o que se entende


como pulsação, fator fundamental para um receptor ter clareza a respeito de uma execução
musical:

Concebemos pulsação como a base que sustenta uma estrutura e que é representada, na
música, por marcações constantes e definidas com o mesmo intervalo de tempo entre si
(...) Se o sujeito não tem clareza a respeito da estruturação rítmica que se organiza sobre
a pulsação, ele não terá segurança em relação ao início e ao fim de uma execução
(BÜNDCHEN, 2005, p.105).

O uso da percussão cria referencial rítmico. Esse referencial se traduz em pulsação que
pode ser transmitida por condução óssea, criando, desta feita, percepção auditiva.
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4.2- Percussão e audição óssea

Já admitida e cientificamente comprovada a existência da audição óssea, o uso da


estimulação percussiva como caminho de emanação pulsátil da informação sonora se faz uma
solução viável e plausível.

Oferecer ao surdo a percepção do ritmo musical através de uma pratica que desperte a
sensação auditiva por meio da condução óssea é, por conseguinte,medida possível e bastante
acessível.

Assim, a ancestralidade percussiva humana pode ser usada hodiernamente como fator
de inclusão da pessoa surda através da proposta da Tatopercussão, aqui estudada.

5- TATOPERCUSSÃO (TP): PROPOSTA DE CONCEITO E APLICAÇÃO

A partir do escopo de toda a relevância ancestral da percussão e tendo como premissa o


entendimento da audição óssea, a Tatopercussão é uma proposta de interlocução entre
execuções musicais e pessoas surdas em que um mediador (tatopercussionista) aplica no corpo
do receptor a marcação do ritmo de uma música, transmitindo, assim, pulsação. A área corporal
em que preferencialmente deve ser aplicada a técnica é a palma da mão da pessoa surda. A meta
dessa prática, que pode e deve ser realizada simultaneamente a tradução/interpretação em
Libras, é proporcionar maior fruição musical.

A técnica encontra espaço de aplicação em qualquer circunstância em que criações


musicais sejam apresentadas para público com surdez. Apresentações cenicomusicais (shows,
peças teatrais, performances, etc) e/ou eventos e atividades pedagógicas, podendo, assim, ser
usada em espaços culturais ou mesmo no ambiente escolar.

Qualquer pessoa que se capacite pode ser um tatopercussionista. Musicistas ou não.


Professores interessados em estratégias inclusivas, por exemplo, podem ser tatopercussionistas.

5.1- Sugestões de modo de aplicabilidade da técnica

A proposta primaz da Tatopercussão é que ela seja relacional: o toque interpessoal é a


chave da ferramenta. A aplicação da técnica demanda um mediador e um receptor. O primeiro
(o tatopercussionista), uma pessoa ouvinte. O segundo, uma pessoa surda. O mediador
transmitirá para o receptor a pulsação rítmica da música executada. Essa transmissão será feita
de modo tátil. O tatopercussionista reproduz no corpo do receptor o ritmo da música
apresentada.
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A técnica pode ser aplicada em diversas áreas ressonantes e de conforto tátil do corpo
da pessoa surda, como os ombros, por exemplo. No entanto, tendo em vista que (conforme já
relatado nesse artigo, com aval teórico) o bater palmas é apontado como o primeiro impulso
sonoro humano, a sugestão é que a TP seja aplicada na palma da mão da pessoa surda.

Como é essencialmente tátil e não visual, a TP pode e deve ser aplicada


simultaneamente à tradução/interpretação em Libras. As duas ações, juntas, completam a
intermediação entre o surdo e uma execução musical com maior possibilidade de fruição.

Para uma abalizada funcionalidade, é exigível haver capacitação prévia não somente do
tatopercussionista, como do receptor surdo. Embora a ideia seja a de que qualquer pessoa esteja
apta a se tornar um tatopercussionista, a recomendação é que o mediador passe por uma dupla
capacitação. A capacitação sobre teoria rítmica deve ser feita com um músico. Assim, garante-
se o entendimento mais correto do que é e de como se manifesta a expressão do ritmo como
elemento fundamental da música. Já a capacitação sobre a aplicação per si da técnica deve ser
feita com um tatopercussionista que já tenha vivência nessa mediação.

A capacitação prévia da pessoa surda, por sua vez, tem duas primazias. A primeira é
prepará-la corretamente para um contato corporal pulsátil com outra pessoa. O surdo precisa
entender a importância disso para o incremento de sua fruição. A segunda é o pressuposto
pedagógico da iniciativa. Preparando-se para passar a sentir e compreender o ritmo, a pessoa
surda vive um relevante processo de educação musical.

5.2- Educação rítmica da pessoa surda por meio da TP

Mais do que uma mediação entre a pessoa surda e uma execução musical apresentada
em um evento ou em qualquer outro tipo de atividade, a TP pode ser uma ação de relevância
basilar: a educação rítmica do surdo. Métodos, técnicas, práticas e/ou quaisquer instrumentos
que favoreçam o ensinamento da percepção do ritmo em pessoas com déficits auditivos
humanizam grades educacionais.

É certo que a surdez compromete certos níveis de aprendizagem dos alunos, porém,
estudos demonstram que é perfeitamente possível o aprendizado por parte dos mesmos,
se estimulados de forma correta. Por este motivo, embora as propostas educacionais
tenham como objetivo proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades, as
diferentes práticas pedagógicas têm lhes determinado uma série de limitações. E a
música vem nesse sentido, mostrar que é possível reverter tal situação (HATHENHER,
2012, p.01)

Pedagogicamente, ainda, o contato com a TP pode ajudar a pessoa com surdez a lidar
com o que conceitualmente se chama de percussão corporal, passando, assim, a entender e lidar
melhor com sua própria constituição física.
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Um dos métodos utilizados para a formação musical de surdos é a realização de


exercícios de percussão corporal. O instrumento é o próprio corpo, criando arte musical
através de palmas, estalos, pisadas, batidas no peito e na boca alcançando resultados
musicais variados e interessantes, proporcionando mais igualdade de oportunidade no
acesso à educação musical entre os alunos ouvintes e surdos (PEREIRA, 2012, p.03).

5.3- Capacitação de educadores em TP: uma aposta inclusiva

Diante de tantas formas novas de ver e conduzir o processo de aprendizado humano, dia
a dia sugerido por diversas pesquisas, o educador da atualidade precisa sempre buscar formas,
instrumentos e praticas diversas para garantir aos alunos o acesso ao conhecimento.

No campo da inclusão da pessoa com deficiência essa premissa é ímpar. A presente


pesquisa sugere, portanto, a TP como uma ferramenta para a capacitação de educadores
inclusivos. Assim entendidos como aqueles que assumem o compromisso de trazer a pessoa
com deficiência para um extrato pedagógico no qual lhe sejam disponibilizadas opções várias de
acesso à cognição.

Abramowicz (1997) salienta que a escola não pode tudo, mas pode mais. Pode acolher
as diferenças. É possível fazer uma pedagogia que não tenha medo da estranheza, do diferente,
do outro. Destoante e heterogênea, a aprendizagem precisa abarcar a possibilidade do educando
precisar aprender coisas diferentes daquelas que são comumente ensinadas. O autor lembra
ainda que o mundo atual exige uma Pedagogia que proponha formas novas de lidar com o
conhecimento, com os alunos, com os pais, com a comunidade e mesmo com os fracassos.

Desta sorte, disponibilizar a TP a educadores inclusivos perfaz-se uma oportunidade de


contribuir não só para a maior fruição de alunos surdos, como também colaborar para que esses
abram portas outras em seus particulares processos cognitivos.

5.4- A TP como instrumento psicopedagógico e ferramenta musicoterapêutica

Ainda especialmente em dois campos a TP pode se mostrar uma técnica interessante:


nas práticas psicopedagógicas e na musicoterapia. No caso do primeiro campo, frequentes são
as buscas de psicopedagogos clínicos e/ou institucionais por instrumental que lhes auxilie na
análise e proposta de intervenção em casos de dificuldade de aprendizagem. Como já
teoricamente exposto no presente artigo, a música é reconhecida como uma ferramenta de
auxilio educacional. Sua aplicação psicopedagógica é, por conseguinte, amplamente pertinente.

A Psicopedagogia poderá utilizar-se da música, pois ela integra as dimensões


emocionais, físicas e cognitivas do aprendiz, além de criar um ambiente emocional
positivo que desencadeia à aprendizagem (...) Portanto, seu uso na Psicopedagogia será
mais uma contribuição no processo de aprendizagem para desenvolver no sujeito uma
motivação para o saber (...) Muitos são os benefícios da música para a Psicopedagogia,
principalmente para o desenvolvimento das habilidades, como por exemplo, leitura,
escrita e na matemática, além de outras áreas do conhecimento (ROVANI, 2009, p.13).
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A musicoterapia, ao seu tempo, é campo que também constantemente se abre a novas


práticas. Na escola, em especial, torna-se fator terapêutico-inclusivo capaz de trazer importantes
benefícios.

Em um contexto educacional marcado por isolamentos e individualidades, devem ser


proporcionados canais de expressividade e comunicação variados. Neste sentido, a
inserção da musicoterapia nos espaços escolares torna-se relevante, uma vez que a
música pode tornar-se um objeto intermediário, possibilitando o restabelecimento da
comunicação do indivíduo, e esta pode ocorrer por meio de caminhos que não são
necessariamente verbais. (...) Por Musicoterapia entende-se um processo sistemático de
intervenção, onde o musicoterapeuta ajuda o cliente ou grupo, utilizando experiências
musicais e as relações que se desenvolvem através delas como forças dinâmicas de
mudança (p.03)

Todas essas confluências teóricas aqui apresentadas deduzem a TP como uma técnica
que encontra pertinente usabilidade tanto no ambiente da psicodepagogia quanto da
musicoterapia. Oportunizar ao surdo maior possibilidade de fruição musical, por meio do
entendimento rítmico, pode ajudá-lo a superar problemas de aprendizado e pode funcionar como
resultado terapêutico igualmente capaz de melhorar rendimentos escolares.

5.5- O Teatro Inclusivo como palco para o uso da TP

Íntima é também a relação da música com o teatro. A cena ganha especial força com o
esteio musical. E a expressão de musicalidade se potencializa com a arte dramatúrgica.
Ferdinando (2008) ressalta que a linguagem musical adquire uma natureza própria ao inserir-se
no Teatro, o que se dá em função das necessidades requeridas pela cena, demandando o
desenvolvimento de práticas específicas.

Quando a seara é o Teatro Inclusivo, a interseção com a música e busca por práticas não
só especificas como renovadas faz surgir importantes arcabouços de inserção social da pessoa
com deficiência. A qualificação em técnicas variadas nesse terreno, por conseguinte, é também
fator exigível:

O ensino de teatro, como disciplina essencialmente inclusiva, oferece a experiência de


criar e se arriscar, contribuindo para autonomia dos sujeitos. Desta forma, não importa
quais metodologias sejam aplicadas em sala, pois o processo de inclusão vai depender
de como o professor trabalha. Pois de nada serve eleger uma metodologia de ensino de
teatro inclusiva para pessoas com deficiência se o professor não está preparado ou se a
escola não está pronta para receber esses sujeitos (OMAR, 2005, p.08).

Nesse bojo, a Tatopercussão, associada a uma prática teatral que inclua a pessoa surda,
apresenta-se como uma opção de ferramenta oportuna de ser empregada não só em espaços
especificamente culturais como igualmente no ambiente escolar.
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6- O PROJETO CENA ESPECIALCOMO CAMPO DE EXPERIMENTAÇÃO DA TP

Criado no ano de 2015, como projeto de extensão universitária da Faculdade Integrada


Brasil – Amazônia (FIBRA), o Cena Especial tem o uso do Teatro Inclusivo como sua principal
estratégia de ação. A meta do projeto é a formação de atores-inclusivos: pessoas com mais de 18
anos, portadoras ou não de deficiência, dispostas a montar espetáculos que abordem questões
relacionadas à Educação Especial e a inclusão social da pessoa com deficiência.

Ainda de acordo com as propostas estipuladas para o empreendimento, o ator-inclusivo


é, primeiramente, um artista ciente de seu papel como facilitador da inclusão por meio das artes,
em particular as cênicas. É um artista preparado para lidar não apenas com as situações gerais
do fazer teatral, do mergulho nas exigências do palco, mas uma pessoa capacitada para se
comunicar artisticamente explorando as possibilidades múltiplas dos sentidos. E da ausência
destes. É um artista que precisa ser hábil a encenar montagens nas quais sejam exploradas a sua
própria aptidão sensorial, as aptidões sensoriais de seus colegas de cena e as aptidões sensoriais
do público na plateia. É um artista que precisa estar igualmente capacitado a lidar com as
limitações físicas e cognitivas de seus coparticipes de palco e de espectadores que o estejam
assistindo. O ator inclusivo é um artista preparado a dar vida a personagens que se comuniquem
da forma mais ampla possível com surdos, cegos, pessoas com deficiência física, pessoas com
Síndrome de Down, pessoas no espectro autista e mesmo pessoas com paralisia cerebral, dentre
outros.

O Cena Especial tem como compromisso ainda a montagem de espetáculos que


debatam questões ligadas à Inclusão. Peças e/ou performances em que sempre estarão juntos,
em cena, os participantes com e sem deficiência. E a plateia também será sempre convidada a
experimentar sensações variadas vividas pelas pessoas com deficiência. Podem ser espetáculos
encenados na escuridão, espetáculos encenados sem qualquer som ou fala. Espetáculos que
convidem o público a sentir limitações físicas. Espetáculos que readaptem cognitivamente
clássicos da literatura. Espetáculos que mostrem a necessidade de se colocar no lugar do outro
para, assim, entende-lo e aceitá-lo.

Os módulos do projeto têm periodicidade anual, indo de março a dezembro, e os


encontros acontecem regularmente às sextas-feiras sempre com duas horas de duração. Os
encontros procuram sempre seguir a exploração das seguintes dinâmicas:

a) Ensinamento de técnicas teatrais básicas (preparação de atores seguindo conceitos


comumente empreendidos: exercícios de expressão corporal, exercícios para entendimento,
leitura e correta expressão do texto, prática de montagem cênica);
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b) Identificação das limitações de cada participante e uso de técnica específica para cada
caso. Uso de exercícios corporais e exploração textual específicos para cada caso entre os
participantes com deficiência física;

c) Discussão permanente dos diferenciais que um artista precisa ter para usar a arte de
forma inclusiva. Discussão feita por meio de debates, análises de pesquisas, exibição de filmes e
constante proposição de desafios que façam os participantes entenderem o que é e como precisa
funcionar a inclusão no teatro;

d) Constante exploração das aptidões sensoriais de todos os participantes – com ou sem


deficiência – sempre levando em conta demandas gerais e específicas. Exercícios que
explorarão a percepção tátil, auditiva (para os não surdos), visual (para os não cegos) e
cognitivas dos participantes;

Todos os participantes, com ou sem deficiência, estarão sempre no mesmo espaço,


vivenciando juntos as dinâmicas, colaborando uns com os outros e aprendendo juntos a superar
obstáculos e desafios.

7- APLICAÇÃO DA TP COM O ATOR INCLUSIVO JEDERSON JUNIOR: UMA


EXPERIÊNCIA COM DESCOBERTAS E IMPORTANTES RESULTADOS

Surdo de nascença, o jovem Jederson Junior integrou a primeira turma do projeto Cena
Especial – Teatro Inclusivo, em 2015. Estudante secundarista, ele se matriculou no projeto na
companhia de uma amiga de infância que já atuava, havia muitos anos, como sua intérprete em
Libras. Sua ida aos encontros, inicialmente, estava condicionada a ida dessa amiga. Quando ela
não podia estar nas aulas, ele também não estava.
Todos os participantes, ao entrarem no projeto, eram informados que a conclusão dos
módulos de cada semestre se daria com a montagem de um espetáculo sensorial inclusivo. O
final do primeiro semestre de 2015 no Cena Especial contou com a montagem do experimento
cênico batizado de Pelos Olhos Dela.
Dentro do princípio de espetáculo sensorial inclusivo, a peça tinha como tema central o
universo da cegueira. A proposta foi fazer o público viver a experiência do não enxergar,
polarizada por vários estímulos de outras ordens sensoriais.
Era a seguinte a sinopse da montagem: “espetáculo teatral sem cenário, sem iluminação
cênica, sem figurino específico, sem maquiagem. Sem nenhum visagismo. Mas com atores que
ultrapassam a definição de especiais. Atores-inclusivos. Essas são as premissas do primeiro
experimento cênico-sensorial do Projeto Cena Especial – Teatro Inclusivo. A peça “Pelos Olhos
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Dela” coloca o público em um instigante desafio sensorial:para viver a trajetória narrativa


proposta, todos os espectadores precisam concordar em ficar vendados e descalços ao longo de
toda a encenação. Os atores conduzem os espectadores da entrada do teatro até seus assentos e
os levam, assim, a uma jornada auditiva, olfativa e tátil. Vozes contam as histórias. Uma voz
feminina principal, misteriosa... várias outras, apinhadas de dramas do cotidiano”.
Assim, além do texto que contava pequenas e provocativas tramas ligadas concreta ou
metaforicamente ao ver e ao não ver, o elenco de atores inclusivos ofereciam aos espectadores
várias vivências táteis, olfativas e sonoras. Dentro do universo sonoro, estava uma trilha musical
especialmente composta para a montagem. Trilha com canções e diversos efeitos de som.
Movida incialmente pelo ensejo de propor ao elenco a superação de seus supostos
limites e o mergulho em experiências artístico-inclusivas desafiadoras, a direção do espetáculo
propôs a Jederson participar da execução da trilha sonora da peça. Numa das cenas do
espetáculo, havia a necessidade de se tocar uma tuba. De modo rítmico, seguro, dramático e
com intensidade progressiva. Essa foi a missão foi dada a Jederson. Sua pergunta imediata e a
de todo o resto do elenco foi: mas como se ele era surdo?
É então que nasce, no bojo da direção de Pelos Olhos Dela, a necessidade de buscar
alguma técnica que já existisse e pudesse auxiliar nessa demanda. Não encontrando nenhum
instrumental que lhe interessasse, a direção da montagem decidiu empreender, ao longo do
processo, uma pesquisa, com tentativas e experimentações que pudessem ajudar Jederson a
executar pelo menos alguma parte da trilha sonora do experimento cênico. Todo esse trabalho
foi intermediado por interpretação em Libras feita pela amiga de Jederson. A técnica que se
delineou nesse processo foi batizada, pela direção de Pelos Olhos Dela, de Tatopercussão.

7.1- Etapas a busca de referencial rítmico, autopercepção, regência e autonomia

Como se dá em qualquer montagem teatral, a atividade primaz foi a leitura do texto. A


mesma foi intermediada com Jederson por meio das Libras. Na sequência disso, os trabalhos
particularizados com o jovem surdo eram feitos sempre ao final do ensaio com o texto da peça.
Sua missão, nesse interregno, era acompanhar visualmente a movimentação dos demais atores,
ensaio de marcas e direções particularizadas. Tudo sempre mediado pela língua de sinais. A
cena em que se daria o uso da tuba foi, assim, estruturada e ele acompanhou tudo.
O primeiro trabalho individualizado feito com Jederson foi o da autopercepção. A
direção ponderou que há em todos os seres humanos um referencial rítmico natural, orgânico e
inequívoco: as batidas do coração. A ideia, então, foi iniciar o processo de entendimento da
pulsação rítmica sentindo as pulsações de seu próprio coração.
78

O trabalho inicialmente foi feito de modo restrito. Preconizando evitar que outros
fatores sensoriais distraíssem seu mergulho perceptivo, Jederson era levado a um ambiente em
que ficassem somente ele, a direção e a interprete em Libras.
Tudo o que era proposto pela direção era dito a Jederson por meio da Língua de Sinais.
O que ia ser feito, qual a proposta, qual o objetivo.
O primeiro passo foi fazer Jederson fechar os olhos (subtraindo, deste modo,
referenciais visuais, mesmo a Libras) e sentir as pulsações de seu coração. Em seguida, ao
reabrir os olhos, ele era convidado a reproduzir, na palma da mão do diretor, sua própria
pulsação cardíaca. Logo da primeira vez, a marcação rítmica foi muito similar a das batidas do
coração. A dinâmica foi repetida por mais três encontros.
Na etapa seguinte, o exercício foi feito na presença dos demais membros do elenco. Um
círculo foi formado. Jederson, a direção e a interprete de Libras ficavam ao centro e a mesma
dinâmica era realizada. Primeiro com olhos fechados, ele sentia o pulso de seu coração e depois,
com os olhos abertos, reproduzia o ritmo na palma da mão do diretor. Essa fase foi repetida em
três sessões.
A terceira etapa foi batizada pela direção de exercício de autonomia percussiva.
Jederson não mais sentia seu próprio coração. A proposta era usar sua memória sensorial e
corporal e reproduzir na palma da mão do diretor (sem referencial concreto prévio) as batidas
cardíacas. O momento era acompanhado pelos demais participantes. Essa fase foi repetida em
três ensaios.
A quarta etapa foi batizada de regência tatopercussiva. Todo elenco num circulo em
volta acompanhava a atividade. No centro, Jederson, a direção, a interprete de Libras e uma
quarta pessoa. O comando do que deveria ser feito foi previamente repassado a Jederson por
Libras. Então, a direção fazia sinal de regência e o jovem batia na palma da mão da quarta
pessoa necessariamente dentro do ritmo ditado pelo regente. As primeiras tentativas não foram
satisfatórias. Houve desencontro rítmico. A proposta foi repetida em cinco sessões. E Jederson
passou a ter autocontrole rítmico e, assim, deu-se a executar as batidas na palma da mão do
colega de elenco de progressivamente satisfatório, no que tangia à rítmica.
A quinta etapa foi o estímulo tatopercussivo em Jederson. A ideia era trabalhar a fruição
das músicas que compunham a trilha do espetáculo. A explicação do que iria acontecer lhe foi
repassada por Libras. Essa etapa foi realizada em três momentos. No primeiro, as canções foram
tocadas e Jederson acompanhou a execução com tradução em Libras das letras. No segundo, ele
de novo acompanhou a execução das canções, mas agora sem as Libras. A ideia era que ele
centrasse atenção nos movimentos que os músicos faziam ao tocar os instrumentos. No terceiro
momento, enquanto os músicos mais uma vez tocavam, a direção sentou-se ao lado de Jederson
e aplicou na palma da sua mão a marcação do rítmica de cada canção. Ele sentiu, deste modo, a
pulsação de cada música. Ao final desse processo, foi-lhe indagado o que ele tinha sentido.
79

Como tinha sido aquela experiência para ele. Jederson relatou ter tido a sensação de entender
melhor o que era uma música. Sua fruição, desta feita, havia sigo aguçada.
Por fim, na sexta etapa, batizada de autonomia percussiva, o jovem surdo passou a
interagir com a tuba que tocaria no espetáculo. Essa etapa também se deu em três fases. Na
primeira, o ritmo que ele deveria executar no instrumento lhe foi passado por meio de
Tatopercussão. A direção marcou tal ritmo na mão do jovem. No segundo momento, ele foi
convidado a reproduzir aquele ritmo na tuba. E, enfim, no terceiro momento, a execução do
ritmo na tuba passou a ser regida pela direção.
Passadas todas essas etapas, Jederson integrou-se por completo ao ensaio. As cenas
eram passadas em sequência. E quando chegava a cena da tuba, ele se dirigia ao instrumento e o
tocava, seguindo a regência da direção.

7.2- Temporadas e avanços: uma análise qualitativa

O espetáculo Pelos Olhos Dela teve sua estreia em 26 de junho de 2015. A proposta da
montagem chamou muito a atenção da mídia e do público e a procura pelas sessões foi grande.
Os bons resultados de crítica, após a primeira temporada e a grande repercussão gerada, garantiu
várias outras apresentações.
Jederson esteve em cena em todas as temporadas realizadas no ano de 2015. E seu
desempenho foi notável em todas as apresentações. Ele executou a percussão na tuba com
precisão. E um dado relevante se fez. Nas primeiras temporadas, ele sempre seguiu
corretamente a regência da direção do espetáculo. A partir da quarta temporada ele não precisou
mais de regência. A percepção rítmica e a pulsação estavam já em sua memória corporal. Ele já
fruía a experiência musical com apuro e autonomia.
Ao final das apresentações, quando os espectadores retiravam as vendas, era sempre um
fator de grande emoção para as plateias descobrirem que o percussionista do espetáculo era uma
pessoa surda.
A participação de Jederson na montagem lhe trouxe nítidos avanços relacionais. Já
durante a fase de ensaios, o rapaz passou a ir aos encontros sozinho. As ocasiões em que a
interprete de Libras não podia estar presente não se fizeram mais impeditivas.
Ademais, tornou-se evidente, ao final das temporadas de Pelos Olhos Dela que
aplicação da técnica batizada de Tatopercussão não apenas tinha auxiliado Jederson a cumprir
uma tarefa cenicomusical. A técnica o ajudara a ter melhor noção do que é ritmo e, desta sorte,
compreender a mecânica, pertinência e mesmo beleza desse elemento musical dentro
80

8- CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de montagem do espetáculo Pelos Olhos Dela fez surgir o desenho da


Tatopercussão e, per si, trouxe respostas muito concretas sobre a pertinência dessa nova prática
em campos de interesse científico. O conjunto de etapas de aplicação da ferramenta mostrou
claramente o delineamento e a melhoria da percepção rítmico musical de Jederson Junior. Tal
vivência melhorou notoriamente a habilidade de interação social do rapaz, de modo que o
mesmo passou a ter independência para se deslocar até os encontros. O que também denota o
caráter terapêutico da atividade. Todo o processo aconteceu dentro de um projeto de extensão
universitária, mostrando que a TP pode ser perfeitamente aplicada em um ambiente educacional
de modo inclusivo. Há informações de que o desempenho escolar de Jederson melhorou durante
o período de montagem e aplicação da TP, sugerindo uma paralela premissa psicopedagógica da
técnica. Tais circunstâncias todas se deram dentro de um terreno de construção cênica, inferindo
ainda a pacífica e oportuna interrelação que a TP pode ter com o teatro.
Por fim, em face de tudo que foi exposto, conclui-se que a Tatopercussão, além de
trazer benefícios psicopedagógicos e musicoterapêuticos, pode, sim, permitir a pessoa surda
uma maior percepção e entendimento, em seu próprio corpo, da estrutura rítmica de
manifestações musicais, garantindo-lhe maior e melhor fruição.
81

ARTIGO 06
A INTERVENÇÃO MUSICAL DIRIGIDA COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA
INCLUSIVA PARA ALUNO COM SÍNDROME DE WILLIAMS NA EDUCAÇÃO
BÁSICA

Artigo apresentado como requisito para


a obtenção da graduação em Pedagogia
2018

RESUMO

A História científica tem provado que a Música não é apenas um vetor estético meramente
destinado ao entretenimento. É também ferramenta terapêutica e manancial para ações
pedagógicas. Por meio de princípios musicais é possível intervir em questões psico-orgânicas e
também desenvolver, estruturar e dirigir metas educacionais. Um segmento que apresenta
grandes resultados evolutivos quando estimulado por meio da musicalidade é o das pessoas com
Síndrome de Williams (SW). O presente trabalho tem como foco debater o uso da técnica
batizada, pelo autor desta pesquisa, de Intervenção Musical Dirigida (IMD) como estratégia
para intervir sobre o comportamento de alunos da Educação Básica com Síndrome de Williams
de modo a lhes proporcionar maiores e melhores rendimentos escolares. A investigação tem
como amparo um relato de experiência com análise qualitativa do processo de aplicação da
referida técnica ao longo de quatro meses de atendimento educacional especializado a um
menino com SW. Como resultado, constatou-se que a IMD, criação musical com fins
psicopedagógicos que busca transformar comportamentos indesejáveis em comportamentos
desejáveis, pode ajudar o educando com tal síndrome a ter melhores resultados sócio
educacionais.

Palavras-chave: Música. Educação.Comportamento. Síndrome de Williams

ABSTRACT

Scientific History has proven that Music is not just an aesthetic vector merely meant for
entertainment. It is also a therapeutic tool and source for pedagogical actions. Through musical
principles it is possible to intervene in psycho-organic issues and also to develop, structure and
direct educational goals. One segment that presents great evolutionary results when stimulated
through musicality is that of people with Williams Syndrome (WS). The present work focuses
on the use of the technique named, by the author of this research, Directed Musical Intervention
(DMI) as a strategy to intervene on the behavior of students of Basic Education with Williams
Syndrome in order to give them greater and better income school results. The research is
supported by a report of experience with a qualitative analysis of the process of application of
this technique over four months of specialized educational service to a boy with WS. As a
result, it was found that DMI, a musical creation with psychopedagogical aims that seeks to
transform undesirable behaviors into desirable behaviors, can help the student with this
syndrome to have better socio-educational results.

Keywords: Music. Education. Behavior. Williams syndrome


82

1 INTRODUÇÃO

Educar cada vez mais tem se provado um processo que exige estratégias diversas. O
formalismo educacional, no qual modelos estanques e sem premissas transversais ditam regras
intransponíveis, tem perdido terreno dia a dia entre as práxis pedagógicas. Aliar saberes em prol
do educar é caminho mais e sempre indicado quando a premissa é superar barreiras e
estabelecer novos vieses no processo ensino-aprendizagem. Hoje é pacífico entender que a
Educação precisa se alicerçar em suportes calcados no intercruzamento de saberes. E essa
premissa é conceituada pelo referencial teórico como ação interdisciplinar:

A interdisciplinaridade surgiu no final do século XIX, pela necessidade de dar uma


resposta à fragmentação causada pela concepção positivista, pois as ciências foram
subdivididas, surgindo várias disciplinas. Após longas décadas convivendo com um
reducionismo científico, a ideia de interdisciplinaridade foi elaborada visando
restabelecer um diálogo entre as diversas dos conhecimentos científicos (...) Podemos
(...) perceber que a interdisciplinaridade pretende garantir a construção de
conhecimentos que rompam as fronteiras entre as disciplinas. A interdisciplinaridade
busca também envolvimento, compromisso, reciprocidade diante dos conhecimentos, ou
seja, atitudes e condutas interdisciplinares (BOVO, 1976, p.02).

O educador, entrementes, é o pilar desse processo. Se ele não se predispõe ao


entendimento da importância do entrecruzamento teórico-prático minoradas são as chances de
êxito em circunstâncias educacionais que exigem ações mais estratégicas. Quanto a esse
aspecto, Bovo (1976) também chama atenção para o fato de que a construção de uma escola
participativa é o resultado da ação pedagógica interdisciplinar. E dessa constatação deriva a
formação do sujeito social, do saber, do conhecimento e da vivência. E complementa o
pesquisador: “Para que isso se efetive, o papel do professor é fundamental no avanço
construtivo do aluno”
Quando o terreno é a Educação Básica, ainda mais preponderante é o papel do professor
e mais cruciais são as práticas que intercontextualizam conteúdos e práxis. A própria Lei de
Diretrizes e Bases brasileira cuida de salvaguardar que essa etapa educacional seja cercada e
balizada por pluralidade de ações e direções pedagógicas que garantam o amplo
desenvolvimento do educando.

(...) é de uma visão do todo como base que se pode ter uma visão consequente das partes.
A educação básica torna-se, dentro do art. 4º da LDB, um direito do cidadão à educação e
um dever do Estado em atendê-lo mediante oferta qualificada. E tal o é por ser
indispensável, como direito social, a participação ativa e crítica do sujeito, dos grupos a
que ele pertença, na definição de uma sociedade justa e democrática (CURY, 2002, p.170)

Se é, por conseguinte, tácito afirmar que o intercâmbio de saberes é prática hodierna


significativamente relevante, fundamental é trazer essa percepção para o campo da Educação
Inclusiva. A Inclusão na educação é seara na qual a interdisciplinaridade é ainda mais
83

estratégica e fundamental. Ainda são correntes e recorrentes as incertezas e buscas em prol da


mais pertinente forma de incluir plenamente no universo da aprendizagem os educandos com
deficiências. Nesse terreno contemporâneo de construção de práticas pedagógicas inclusivas,
torna-se indispensável o diálogo constante entre experiências, ciências e proficiências.

O conceito de escola inclusiva, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para


Educação Especial (MEC-SEESP, 1998), implica em uma nova postura da escola regular
que deve propor no projeto político-pedagógico, no currículo, na metodologia , na avaliação
e nas estratégias de ensino, ações que favoreçam a inclusão social e práticas educativas
diferenciadas que atendam a todos os alunos. Pois, numa escola inclusiva a diversidade é
valorizada em detrimento da homogeneidade (FERNANDES & GLAT, 2005, p.04)

Buscar caminhos que experienciem a interdisciplinaridade no que tange em específico à


educação com cerne inclusivo é estar ainda mais atento a estratégias que fujam do formalismo.
E a história da percepção estética humana, abalizada pela Ciência, tem mostrado que a Arte
pode ser um recurso transversal bastante oportuno. Ainda mais detidamente, no que concerne ao
debate que o presente artigo suscita, o uso da música como ferramenta pedagógica inclusiva tem
se tornado alvo de constantes pesquisas e referendos científicos.
Ongaro, Silva & Ricci (2006) chamam atenção para a pertinência desse aspecto ao
esclarecerem que o processo educacional precisa sempre ser entendido como uma ação de
caráter global, progressivo e permanente, que necessita de diversas formas de estudos para seu
aperfeiçoamento, pois em qualquer meio sempre haverá diferenças individuais, diversidade das
condições ambientais que são originários dos alunos e que necessitam de um tratamento
diferenciado. Desta forma, os pesquisadores prosseguem explicando que, no ambiente escolar,
deve-se desencadear atividades que contribuam para o desenvolvimento da inteligência e
pensamento crítico do educando, como exemplo: praticas ligadas à música, “pois a música
torna-se uma fonte para transformar o ato de aprender em atitude prazerosa no cotidiano do
professor e do aluno”.
Também dentro do universo da Educação Básica, a Música, imbuída do caráter de ação
pedagógica, pode ainda estar irmanada ao intento de intervenção comportamental. Os chamados
comportamentos indesejáveis, assim especificados pela Psicologia, quando impactam no
processo educacional, podem ser retrabalhados e transformados em comportamentos desejáveis.
E o uso de estratégias músico pedagógicas pode surtir resultados bastante favoráveis. Sobretudo
no que tange aos processos educacionais inclusivos relacionados a pessoas com deficiência. A
guisa disso, o senso colaborativo entre expertises mais uma vez se prova crucial, conforme
atesta o referencial teórico:

(..) um importante papel (...) em ambientes escolares deve ser trabalhar de maneira
colaborativa com familiares, professores e outros profissionais no delineamento de
intervenções preventivas que melhorem a qualidade de vida dos alunos, promovendo o
aprendizado e o desenvolvimento deles no ambiente escolar. Para tanto, (...) podem auxiliar
os professores a diversificar e aprimorar sua postura de ensinar, a manejar a sala de aula
84

para diminuir comportamentos inapropriados apresentados pelos alunos, e ensinar


habilidades sociais para alunos, além de auxiliar familiares no desenvolvimento de práticas
positivas (SILVA, 2010, p.06)

A Inclusão na Educação Básica tem permitido a alunos com síndromes várias o acesso
democrático ao ambiente da aprendizagem. E a Síndrome de Williams é um desses nichos. Os
sindrômicos com essa diagnose mostram, conforme atestam análises na área, relação estreita
com a musicalidade. Desta feita, o uso da música como ferramenta pedagógica inclusiva e com
caráter de intervenção comportamental pode trazer benefícios educacionais a alunos com SW.
Silva e Souza Júnior (2009) informam em seu artigo a respeito do tema que, partir de
pesquisas realizadas por Udwin e Yule, no website da Williams SyndromeAssociation – WSA,
muitas crianças com SW mostram ter aptidão considerável para Música e Rima. Por
conseguinte, os estudiosos atestam que ensinar através de música, canções e rimas pode acelerar
o processo de aprendizagem de alunos com esse quadro diagnóstico.
O presente artigo tem como escopo justamente investigar a pertinência dessa estreita
relação entre SW e Música como indicativo de ações pedagógicas inclusivas, notadamente no
ambiente da Educação Básica. Para tanto, será tomado como base o relato de experiência do
atendimento a um jovem, de 14 anos, com SW (que aqui será designado como T.S.R), aluno do
nono ano do Ensino Fundamental de uma escola particular da cidade Belém do Pará. A
identidade do educando será preservada a pedido de seus pais, que autorizam a divulgação dos
estudos relacionados ao seu acompanhamento, mas querem que a privacidade do jovem seja
mantida. O autor da presente pesquisa realizou terapêutica psicopedagógica junto a T.S.R como
suporte de atendimento educacional especializado com o intuito de melhor desenvolver seu
desempenho escolar. O jovem apresentava grandes resistências em seguir comandos de seus
professores. Durante as anamneses feitas, o autor deste artigo identificou o sensível interesse do
rapaz por estímulos musicais. Surgiu, assim, a proposta de usar a Música como indutor
comportamental, como ferramenta de intervenção que pudesse dirigir T.S.R ao cumprimento de
comandos relacionados às suas necessidades de aprendizado. A ideia era que essa estratégia
pudesse ser usada pelo corpo docente que o atendia. A experimentação durou quatro meses e
cunhou a técnica que o autor deste artigo batizou de Intervenção Musical Dirigida (IMD).
O objetivo geral que norteia a pesquisa que aqui será relatada é averiguar se a IMD
pode, de fato, contribuir para transformar – dentro do contexto escolar – comportamentos
indesejáveis de educandos com Síndrome de Williams em comportamentos desejáveis, de modo
a lhes trazer melhores resultados de aprendizagem. Os objetivos específicos são analisar a
pertinência do uso da Música como ferramenta transversal na educação; debater a importância
da musicalidade sobre o campo cognitivo da pessoa com SW; e ofertar a professores da
Educação Básica instrumental alternativo para o alcance de metas de aprendizagem.
85

Para que tamanha investigação se torne mais consistente, urge satisfazer a algumas
indagações: o que é a Síndrome de Williams e quais seus impactos sobre o processo cognitivo?
Para o arcabouço científico, de que modo a Música pode influir sobre as ações psicofísicas do
ser humano? E, à luz da Psicologia, como se processa a teoria da Intervenção Comportamental?
O que é, como funciona e como pode ser criada a IMD? De que forma professores podem ser
capacitados para entender e aplicar a técnica?
As tentativas de respostas a esses questionamentos conduzirão os tópicos seguintes
deste artigo científico.

2 METODOLOGIA

A metodologia aqui adotada é a do relato de experiência com análise qualitativa da


aplicação da Intervenção Musical Dirigida (IMD) no processo de atendimento psicopedagógico
destinado a T.S.R, um menino de 14 (quatorze) anos, diagnosticado com Síndrome de Williams
e aluno do nono ano de uma escola particular na cidade de Belém do Pará, Brasil.

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 A Síndrome de Williams: conceituação e características

Ainda não tão debatida e referenciada em círculos variados, como o da Pedagogia, a


exemplo do que já acontece com a Síndrome de Down e o Transtorno do Espectro Autista, a
Síndrome de Williams se estabelece pela ausência de 21 genes no cromossomo 7. Essa
desordem genética acomete a meninos e meninas indistintamente e pode acarretar em
comprometimentos no desenvolvimento geral. É enquadrada no rol das deficiências cognitivas,
pois impacta nos processos de aprendizado dos sindrômicos. Também é conhecida como
Síndrome de Williams-Beuren, em função dos pesquisadores que ajudaram a melhor
diagnosticá-la: o neozelandês John Cyprian Phipps Williams (1961) e o alemão A.J. Beuren
(1962).
Do ponto de vista fenotípico, as pessoas com SW costumam ter a chamada “face de
gnomo ou fadinha”, nariz pequeno e empinado, cabelos espessos e encaracolados, lábios densos,
dentes diminuídos. Com relação ao status físico-motor, em geral enfrentam dificuldades de
psicomotricidade, desequilíbrios. No âmbito atitudinal, apresentam sorriso frequente, fácil
socialização e constante interesse por travar comunicação. Podem manifestar estereotipia
mímica, com excesso de expressões faciais e de gestualidades.
86

Ainda que demorem a começar a falar e mesmo que eventualmente apresentem


sensibilidade a alguns determinados ruídos, desde cedo mostram interesse por sonoridades e
expressam comumente empatia pela Música.

A Síndrome de Williams (SW) foi descrita em 1961. Trata-se de uma aneusomia segmentar
devido a múltiplos genes localizados no braço longo do cromossomo 7 (...)Do ponto de vista
clínico-genético, a maioria dos indivíduos com SW (99%) tem 1.5 Mb de deleção no
cromossomo 7q11-23 (...) O diagnóstico clínico da SW é realizado, inicialmente, durante a
infância, a partir de critérios clínicos. Os mais frequentes são os dismorfismos faciais e as
doenças cardiovasculares (...) A confirmação diagnóstica, entretanto, ocorre somente após
exames citogenéticos (...) A prevalência varia de 1:20.000 a 1:50.000 nascidos vivos e a
incidência na população estima-se acima de 1:7.500(SERACENI, 2010, p.02)

Os impactos cognitivos que a SW causa demandam ações estratégicas e, se possível,


plurais para auxiliar educandos com ela diagnosticados a se desenvolverem satisfatoriamente no
ambiente educacional

3.1.1 A Cognição da pessoa com Síndrome de Williams

As pesquisas em torno da SW têm comprovado que esse universo sindrômico pode ou


não impactar sobre a intelecção. Prejuízos ao desenvolvimento mental são variáveis. Mas os
comprometimentos cognitivos são atestados, o que exige intervenções de ordem diversas no
sentido de oferecer aportes que melhor condicionem avanços no aprendizado e na manifestação
da linguagem.

O quadro (...) é caracterizado principalmente por (...) prejuízos cognitivos e aspectos


comportamentais que incluem a linguagem. A característica falante e sociável associada as
dificuldades viso-construtivas conferem a esta síndrome um quadro neuro-cognitivo peculiar.
A deficiência mental é variável e pode ou não estar presente. Estudos que descreveram as
habilidades de linguagem nesta síndrome destacaram que a habilidade sintática pode estar
íntegra ou parcialmente íntegra, a produção verbal pode ser precisa e inteligível, mostrando a
integridade do sistema fonológico. O vocabulário receptivo-auditivo é citado em alguns
estudos como adequado e em outros como prejudicado para a idade mental. Pesquisas na área
têm produzido, resultados incongruentes com respeito ao perfil de habilidades cognitivas e
lingüísticas nos portadores dessa condição (FERREIRA, GIACHETI & ROSSI, 2006, p.01)

Ainda a respeito das inferências cognitivas no que tange à pessoa com SW, o referencial
teórico é pacifico em apontar uma notável relação da pessoa com SW com o universo musical.
Souza (2003) chama atenção para o fato de que os distúrbios comportamentais relacionados à
Síndrome incluem hipersensibilidade ao som aliada à forte atração pela música.
Esse peculiar interesse do sindrômico por aspectos musicais acaba por sugerir um
oportuno e estratégico indicativo de ação interventiva. Mas, afinal, a Música pode ser uma
ferramenta de intervenção comportamental? Os tópicos a seguir tentam esclarecer essa
indagação.
87

3.2 A Música como ferramenta pedagógico-terapêutica

É sempre válido ressaltar: a Arte não é insumo criativo simplesmente destinado ao


entretenimento. Ela é igualmente uma estratégia de ação capaz de proporcionar
desenvolvimento cognitivo. E essa não é uma constatação empírica. É uma afirmação
científica.

Que a arte tem valor é algo que ninguém contesta seriamente. Mas o que faz a arte ter valor?
Formalismo, hedonismo e instrumentalismo estético são algumas das principais teorias
candidatas a explicar o valor da arte. O formalismo defende que as obras de arte têm valor
intrínseco e que este é independente de quaisquer aspectos extra-artísticos. O hedonismo
defende que a arte tem valor porque é um meio para obter prazer. O instrumentalismo estético
defende que a arte é valiosa porque nos proporciona experiências estéticas compensadoras. Por
diferentes razões, nenhuma destas teorias do valor responde satisfatoriamente ao problema.
Uma alternativa mais credível é o cognitivismo, de acordo com o qual a arte proporciona
conhecimento, sendo esse conhecimento que justifica o valor da arte qua arte. Nesse sentido,
argumenta-se que as obras de arte, incluindo muitas obras de música instrumental não
programática, são objectos intencionais. Intencionalidade que decorre das suas propriedades
expressivas e representacionais, sendo a música instrumental capaz de exprimir e também de
representar emoções (ALMEIDA, 2005, p.02)

No entanto, pesquisadores do tema também reforçam que os ambientes educacionais,


notadamente no Brasil, ainda não exploram esse condão de modo amplo. Batista & Canda
(2009) instigam a reflexão sobre o fato de que é importante a compreensão da Arte no currículo
escolar em prol da estruturação de uma formação educacional comprometida com a formação
humana, estabelecendo ao educador o papel de mediador dos conhecimentos, de práticas e de
criações individuais e coletivas. O manancial de linguagens artísticas que se apresentam nos
currículos escolares representam uma fonte de vivência através da apreciação artística, do
desenvolvimento do senso crítico e das experiências estéticas e consequentemente, como
caminho socializador do educando.
Numa análise mais detida, levando em conta o cerne investigativo deste artigo, o papel
interdisciplinar da Música no contexto educacional, especialmente no que infere a educandos
com deficiência, pode ser o de uma trilha que leve a interessantes resultados relativos ao
desenvolvimento cognitivo. Em pesquisa que buscou aferir a pertinência terapêutica do uso de
indutores musicais, Ferreira, Lima & Remedi (2006) concluem que: a intervenção musical traz
benefícios tanto fisiológicos quanto psicológicos para indivíduos em qualquer faixa etária (...) a música é uma
intervenção de baixo custo,não-farmacológica e não-invasiva.

O próximo passo na estruturação da presente pesquisa, outrossim, é buscar entender o terreno da


intervenção comportamental, por meio do qual estímulos musicais podem ser usados com o intuito de auxiliar o
desenvolvimento educacional de pessoas com Síndrome de Williams.
88

3.3 Um olhar detido sobre a questão comportamental

As características clínicas concernentes à SW – aqui já expostas – trazem implicações


sobre a práxis comportamental desses sindrômicos. Atitudes rotineiras restritivas e repetitivas
são comuns nesse quadro. E esse aspecto impacta sobre a cognição. São comuns a resistência a
comandos educacionais e a não adesão imediata a tarefas de teor pedagógico. Circunstância que
demanda intervenção.
Silva (2010) explica que é corrente observar no ambiente escolar problemas de
comportamento que ocasionam consequências negativas para professores, alunos e familiares.
Muitos desses problemas de comportamento geram desdobramentos nas interrelações sociais
dessas crianças, o que exige entender que problemas de comportamento não podem ser
considerados meramente como ações inapropriadas do educando, mas como ações inadequadas
desse com outras pessoas. E tudo isso traz barreiras ao processo de aprendizagem.
À luz da Psicologia, a intervenção comportamental é a via para se atuar na
transformação de atitudes indesejadas em comportamentos desejados. Ribeiro (2010) informa
que as chamadas técnicas de modificação comportamental se mostram ações bastante eficientes:
“ser terapeuta significa atuar como educador, uma vez que o tratamento envolve um processo
abrangente e estruturado de ensino-aprendizagem ou reaprendizagem”.
E, dentro desse contexto, a Arte – em especial a Música – pode ser um recurso ao dispor
da intervenção destinada à reestruturação comportamental. Ferramenta que, como atesta toda
explanação teórica feita até aqui, terá significativa pertinência quando direcionada a educandos
com Síndrome de Williams.

3.4 O caso de T.S.R.: relato de experiência sobre a criação e aplicação da IMD

Psicopedagogo Clínico, especialista em Educação Inclusiva e especialista em Educação


Musical e Ensino de Artes, o autor do presente artigo realizou atendimento educacional
especializado ao jovem T.S.R. ao longo de quatro meses em uma escola particular da cidade de
Belém, no Estado do Pará. Já na fase de anamnese, ficaram claros aspectos da personalidade do
jovem que impactavam sobre seu processo de aprendizagem. O educando mostrava grande
resistência em atender comandos dos demais professores da instituição de ensino. Resistência
essa ainda mais acentuada com relação às atividades de educação física. Uma vez que não
decidia participar desta ou daquela atividade, nada o demovia dessa atitude. Correntes eram os
episódios em que o aluno ficava na sala da coordenação, sem participar das aulas até que seus
responsáveis o fossem buscar. Fazia-se nítida e urgente a necessidade de intervenção
89

comportamental que transformasse esse padrão atitudinal relutante e resistente em um padrão


atitudinal de adesão às práticas pedagógicas estabelecidas pela rotina de ensino do colégio.
O período de avaliação inicial do caso durou duas semanas. Nesse tempo, o pesquisador
buscou observar aspectos da personalidade do atendido, suas relações sociais no ambiente
escolar, possíveis comprometimentos cognitivos evidentes e/ou subjacentes, fatores de saúde
(investigação de laudos de médicos, neurologistas ao dispor na pasta pessoal do jovem) e senhas
comportamentais que pudessem ser transformadas em estratégias de reforço comportamental
positivo.
De imediato, saltou aos olhos a relação de T.S.R com a música. Além de
constantemente entoar alguma canção (em sua maioria cantigas infantis), o jovem apresentava
na fala corrente um padrão musicado. Muito especialmente, gostava de fazer jogos frasais
ritmados. Exemplo disso era que, quando sabia o nome de alguém, passava a repetir esse nome
de forma sonora, cadenciada, musicada.
Surge, então, por parte do pesquisador a ideia de travar diálogos cantados com T.S.R.
Fazer-lhe perguntas melodizadas. Primeiro sem pedir que ele respondesse também melodizando.
De pronto, entrementes, o jovem passou a responder às indagações musicadas também de forma
melódica. Começou, assim, a se cristalizar a percepção de que o estímulo musicado atraia a
reciprocidade em T.S.R. O próximo passo era buscar aferir se esse jogo funcionaria quando a
resposta do jovem precisasse ser uma ação.
Com intuito de criar um reforço cognitivo antes de avançar para uma nova etapa, o
Psicopedagogo criou um cronograma: inicialmente, duas semanas de aplicação do experimento
do diálogo melódico. Essa dinâmica, no entanto, não era nem podia ser exclusiva. Era preciso
revezar o jogo das perguntas melodizadas com uma prática de conversação formal. O intuito era
não condicionar T.S.R. a uma relação dialogal apenas em tom musicado, pois isso podia trazer-
lhe o problema de estereotipar a práxis da conversação.
Quando o pesquisador percebeu que o jovem já compreendia que aquele jogo era
episódico e se destinava a fazê-lo ofertar respostas específicas, chegou o momento de passar
para a segunda etapa. Era hora de propor respostas comportamentais.
Dentro do cronograma traçado, ao longo de mais duas semanas foi travado o jogo pré-
batizado de “eu canto/você faz”. O Psicopedagogo propunha ações a T.S.R. cantando e
analisava suas respostas. Inicialmente foram respostas cantadas e não atitudinais. O indagador,
então, passou a indicar que se as respostas não fossem atitudinais o fluxo de diálogo seria
interrompido, pois o mote era “eu canto/você faz”. O jovem compreendeu a dinâmica a passou a
responder as indagações melodizadas com ações. O pesquisador manteve também nessa fase o
cuidado de revezar o jogo com diálogos meramente falados e não cantados para que o rapaz não
absorvesse um padrão estereotipado de conduta.
90

Passado um mês, era tempo de levar a proposta para o ambiente das atividades
acadêmicas. O primeiro terreno a ser testado foi o da resistência de T.S.R. em aderir às
atividades de educação física. O Psicopedagogo, desta feita, resolveu ampliar o universo do jogo
de conversação cantada. Assim, compôs uma canção na qual a atividade de educação física e
seus benefícios para o corpo eram o tema. Houve o cuidado de ser explicado para o jovem que a
música tinha sido composta especialmente para ele. A canção lhe foi apresentada e lhe foi
ensinado cantá-la. Satisfeita essa etapa, o jogo do “eu canto/você faz” foi retomado tendo,
agora, como foco o pedido para que T.S.R. se dirigisse à quadra de esportes, onde as aulas de
educação física eram realizadas. Nota: a resistência do rapaz com a atividade era tanta que ele se
recusava a se dirigir para a quadra.
Já na primeira proposição, sem resistências, ao receber a determinação musicada de se
dirigir à quadra, o rapaz atendeu a solicitação. Mas se dirigir à quadra ainda não era participar
das atividades. O pesquisador considerou, pois, que o mais interessante seria ensinar o jogo do
“eu canto/você faz” para o professor de educação física. Urgia aferir se a receptividade de T.S.R
era resultado de um vínculo exclusivo entre ele o Psicopedagogo ou se essa estratégia podia ser
desvinculada e usada por outra pessoa.
O professor de educação física, então, foi instruído sobre como propor o jogo e o
mesmo foi aplicado junto ao jovem. E funcionou. T.S.R aceitou participar da aula de educação
física.
Tornou-se claro ao pesquisador, deste modo, que uma técnica de intervenção
comportamental havia sido delineada. Surge, portanto, um conceito que ganha o nome de
Intervenção Musical Dirigida (IMD). O jogo do “eu canto/você faz” era claramente um
instrumento interventivo de feição musical que conseguia dirigir o comportamento de T.S.R.
para ações positivas.

3.4.1 Capacitação em IMD junto ao corpo docente da escola de T.S.R.

Como reforço comprobatório para a técnica que estava sendo desenhada, o pesquisador
propôs à direção da escola fazer uma capacitação em IMD junto aos demais professores. A
oferta foi aceita. O pesquisador delineou conceitos, uma metodologia e aplicou a capacitação ao
longo de uma semana.
De antemão, foi explicado que não é necessário ter conhecimentos musicais formais
para se familiarizar com a proposta. Basta exercitar o senso musical em si e depois desdobrá-lo
para a criação improvisacional de diálogos que usem estrutura melódica. Algo, acima de tudo,
lúdico e espontâneo.
91

A capacitação junto aos professores durou uma semana e foi bastante bem-sucedida. A
proposta de técnica, desta feita, passou a ser aplicada junto a T.S.R. por vários educadores do
colégio.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todo o aporte do referencial teórico que estrutura a presente pesquisa e todo o relato de
experiência referente ao delineamento e experimentação da Intervenção Musical Dirigida
(IMD), aplicada junto a T.S.R., faz crer que a referida técnica tem pertinência científica e
prática. Os objetivos que norteiam a presente investigação foram, outrossim, satisfeitos na
medida em que se pode comprovar que a IMD, de fato, contribui para transformar – dentro do
contexto escolar – comportamentos indesejáveis de educandos com Síndrome de Williams em
comportamentos desejáveis, de modo a lhes trazer melhores resultados de aprendizagem. Em
paralelo, atesta-se que a Música se prova uma eficaz ferramenta transversal na educação. Ou
seja, trabalhar a musicalidade de maneira terapêutico-pedagógica realmente atua sobre o campo
cognitivo da pessoa com SW. E essa constatação pode se constituir uma estratégia de
capacitação para professores da Educação Básica, disponibilizando-lhes instrumental alternativo
para o alcance de metas de aprendizagem.
92

ARTIGO 07
O ÁUDIO POEMA COMO FERRAMENTA MUSICOTERÁPICA DA TÉCNICA
COMPORTAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO DO AUTISTA NA ESCOLA

Artigo apresentado como requisito para


a obtenção do título de especialista em Educação Especial
na Perspectiva da Inclusão
2015

Artigo publicado no caderno de resumos do XVII Encontro Nacional de


Pesquisa em Musicoterapia e IX Encontro Nacional de
Estudantes de Musicoterapia (Goiânia, 2017)

Artigo publicado na Revista Brasileira de Musicoterapia (UBAM)


Ano XIX / Edição Especial / 2017

RESUMO

A presente pesquisa investigou a pertinência do uso do Áudio Poema como instrumento que
auxilie o aluno autista a ter melhores condições de aprendizagem e socialização na escola. No
método, optou-se por uma pesquisa básica com abordagem qualitativa de caráter exploratória do
Tipo Bibliográfica. Como resultado, constatou-se que a criação artística chamada Áudio Poema,
que une declamação poética e música de forma lúdica e pedagógica, pode ajudar as crianças
com autismo a desenvolver habilidades que favoreçam a superação dos chamados
comportamentos indesejados: ações estereotipadas e repetição compulsiva de palavras e frases.
Esses comportamentos costumam bloquear a atenção e a comunicação da criança que estáno
chamado espectro autista.

Palavras-chave: Autismo. Arte. Aprendizado.

ABSTRACT

This research investigated the applicability of Audio Poem as a tool to assist the autistic student
to have better conditions for learning and socialization at school. In the method, we chose a
basic qualitative research exploratory and bibliographic feature. As a result, it was found that
the artistic creation called Audio Poem, joining poetic recitation and music in a fun and
educational way, can help children with autism develop skills that foster the overcoming of so-
called unwanted behaviors: stereotyped actions and compulsive repetition of words and phrases.
These behaviors often block the attention and communication of the child who is called in the
autistic spectrum.

Keywords: Autism. Art. Learning.


93

1INTRODUÇÃO

O conceito de Áudio Poema nasceu em Belém, no ano de 2010, a partir das


experimentações músico-literárias do selo Versivox. A ideia de transformar essa técnica artística
em ferramenta educacional surgiu quando a proposta passou a ser apresentada em escolas da
Região Metropolitana da capital paraense a convite de professores de variadas disciplinas. A
observação empírica da boa receptividade dessa técnica junto a alunos com necessidades
especiais apontou o ensejo de investigar de modo científico se a ferramenta poderia
efetivamente contribuir para o desenvolvimento dos educandos, em particular os autistas e,
assim, colaborar para sua maior inclusão no processo educacional.

Nesse contexto, é importante lembrar que a partilha de saberes proporcionada pelo ato
de educar é sempre terreno que exige integração de pontos fronteiriços. “O homem, na sua
essência, é um ser inacabado, num processo contínuo de vir a ser, mediado pelo acesso às
interações sociais” (GADOTTI, 2000, p. 44). Incluir é trazer para dentro tudo aquilo que a
sociedade, por fatores diversos, contribui para estar à margem. “Essa inserção nem sempre é
decente e digna, sendo a grande maioria da humanidade inserida na sociedade através da
insuficiência e das privações” (SAWAIA, 2002, p.10). A aposta na inclusão representa,
portanto, quebrar fronteiras e colaborar para a compreensão de que o respeito às diferenças é
pressuposto que garante direitos e justifica deveres.

No campo escolar, tudo isso se torna mais fundamental, pois a educação inclusiva é a
via que salvaguarda o direito do cidadão, independente de suas supostas limitações físicas ou
cognitivas, acessar o conhecimento. Por isso mesmo, o tema vem se tornando capítulo de
legislações relevantes. A convenção de Salamanca é um exemplo disso em nível internacional e,
em nível nacional, os artigos da LDB que privilegiam o assunto também o são. A escola
inclusiva quebra as barreiras que separam alunos do contato com o aprendizado, tornando esse
processo democrático.

O chamado espectro autista é um dos segmentos que muito se beneficiam com a


educação inclusiva na medida em que se age concretamente para diminuir os preconceitos e
evitar o isolamento social (BATISTA & ENUMO, 2004, p. 5). Ainda cercado por indefinições
de diagnose e terapêutica, o autismo pede urgentemente por investigações que tragam mais
melhorias para a qualidade de vida daqueles enquadrados em seu espectro. E essas pesquisas
são ainda mais relevantes quando se relacionam às intervenções que atenuam e/ou modificam os
chamados comportamentos indesejados apresentados pelo autista, a exemplo das estereotipias e
ecolalias.
94

No tocante a tudo isso, a Arte vem sendo constantemente apontada como um eficaz
mecanismo a favor da inclusão sócio-pedagógica do autista. Entrementes, faz-se necessário
sempre mais esmiuçar os mecanismos artísticos que servem a esse princípio. Por conseguinte, o
Áudio Poema, é um desses instrumentos que merecem avaliação científico-acadêmica. Torna-
se, assim, interessante aferir alguns questionamentos relacionados a essa técnica: qual a
contribuição do Áudio Poema como intervenção comportamental para o desenvolvimento do
aluno autista? De que modo o Áudio Poema pode ser usado como ferramenta da técnica
comportamental, transformando comportamentos indesejados em desejados? De que forma é
possível melhorar o desenvolvimento do aluno autista usando o Áudio Poema como ferramenta
da técnica comportamental? O Áudio Poema pode melhorar a capacidade de aprendizado e
socialização do aluno autista?

Para tentar buscar respostas a esses pontos, faz-se relevante discutir tópicos específicos,
como: o que é autismo, seu conceito e classificação; o que são os comportamentos desejados e
os impactos que trazem na aprendizagem; o que é a técnica comportamental e como ela tem sido
usada no atendimento a autistas; como o uso da música e do poema podem servir ao tratamento
do referido espectro; e, por fim, o que é o Áudio Poema e como usá-lo como ferramenta da
técnica comportamental.

Como norteamento de análise, o método no presente trabalho será o da pesquisa básica, com
abordagem qualitativa, de caráter exploratório do Tipo Bibliográfica.

2 MÉTODO

2.1 Quanto à natureza

A presente investigação foi realizada por meio de uma pesquisa básica sem a
necessidade de aplicação prática.

2.2 Quanto à abordagem do problema

A investigação da problemática não foi aferida por meio de dados numéricos. A


abordagem, portanto, é qualitativa, levando em considerações os aspectos subjetivos
investigados a partir do referencial teórico.

2.3 Quanto aos objetivos


A pesquisa se utilizou de bases bibliográficas, análises de exemplos similares a
problemática apontada, constituindo-se, assim, uma investigação de caráter exploratório.
95

2.4- Quanto aos procedimentos técnicos

Por centrar seu foco investigativo no estudo de material já publicado a respeito do tema
elencou-se, a presente pesquisa é do Tipo Bibliográfica.

3 INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO: HISTÓRIA E CONCEITOS

As definições de semelhança e diferença – sempre muito subjetivas - estabeleceram, ao


longo da História, aceitação e exclusão. Aquele que se coaduna com o que é determinado como
regra pelo grupo é aceito. O que não se coaduna, herda afastamento. Assim foi por séculos com
as pessoas com deficiência: surdos, cegos, autistas, deficientes físicos e demais. O modo com
que foram tratados passou por um processo que veio da extirpação social (nas comunidades
primitivas eram praxe os assassinatos de indivíduos com limitações), passou pelo banimento
(posteriormente não eram mais assassinados, mas expulsos do ciclo social), pela aceitação
parcial (passaram a ser aceitos, mas ocultados do convívio pleno, ficando trancados dentro dos
lares) até chegar-se ao contemporâneo entendimento da inclusão: é preciso garantir direitos e
possibilitar a vivência de deveres destes cidadãos dentro da esfera social, do modo mais pleno
possível.

Nesse sentido, a educação é fator primaz para garantir direitos e ensinar deveres. É
caminho que favorece a transmissão democrática de conhecimento e contribui para a
solidificação de uma sociedade menos tirânica do que tange à segregação.

Mas, afinal, o que significa educação inclusiva? Um caminho para que se entenda esse
conceito é dado pelo pesquisador Moacyr Gadotti:

Numa perspectiva transformadora, a escola educa para ouvir, respeitar as diferenças, a


diversidade que compõe a cidade e que se constitui na sua grande riqueza. O cidadão da
Cidade Educadora presta atenção ao diferente e também ao "deficiente" , ou melhor, ao
portador de direitos especiais. Para que a escola seja espaço de vida e não de morte, ela
precisa estar aberta para a diversidade cultural, étnica, de gênero e às diferentes opções
sexuais. As diferenças exigem uma nova escola. (GADOTTI, 2000, p.15).

Assim, a busca por teorias e conceitos mais afinados sobre o tema passou por várias
fases históricas. No Brasil, um grande marco, no aspecto historiográfico, é vivenciado ainda no
século XIX, com a fundação do Instituto Imperial de Surdos-Mudos (sic), ocorrida no ano de
1854, graças a iniciativa direta de Dom Pedro II.
96

Entrementes, os anos 80 são, no mundo, basilares no avanço cronológico da educação


inclusiva. É a partir desta década que o conceito ganha foco e se torna cerne do interesse de
pesquisadores e pedagogos de modo mais sistemático e científico. Ainda de acordo com
Gadotti, foi nesta década que surgiu no Brasil, por exemplo, a chamada Escola Cidadã, que teria
como objetivo criar uma nova cidadania dentro do ambiente escolar.

No entanto, o estabelecimento de um esteio educacional inclusivo não pode jamais


prescindir dos fatores legais. Considerado um dos maiores nomes do universo pedagógico
nacional, Paulo Freire sentencia: “A escola cidadã é aquela que se assume como um centro de
direitos e de deveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania”. (FREIRE, p. 11).

3.1Os aspectos legais da inclusão

Como em qualquer instância social, a legalidade na sedimentação de um processo é


pressuposto fundamental, exigível. Assim também, o conceito de Educação Inclusiva precisou
passar por um histórico de fundamentação jurídica. A defesa desse direito tem sido prevista e
determinada em ordenamentos diversos:

As definições do público alvo devem ser contextualizadas e não se esgotam na mera


categorização e especificações atribuídas a um quadro de deficiência, transtornos,
distúrbios e aptidões. Considera-se que as pessoas se modificam continuamente
transformando o contexto no qual se inserem. Esse dinamismo exige uma atuação
pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, enfatizando a importância de
ambientes heterogêneos que promovam a aprendizagem de todos os alunos (BRASIL,
2008, p 14).

A historiografia que vem consolidando esses direitos têm capítulos marcantes. No


âmbito internacional, um momento importante dessa discussão se dá com a Convenção
Internacional Sobre os Direitos da Criança, aprovada em Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989. Posteriormente, o tema da inclusão é mais
aprofundado e especificado com a Declaração Mundial Sobre Educação para Todos, instituída
pela Unesco, em 1990.

Entrementes, ao lado desses dois marcos históricos, um relevante momento de


escrituração legal que merece registro acontece no bojo da Convenção de Salamanca, ocorrida
na homônima cidade espanhola no ano de 1994. O evento, que reuniu pesquisadores que pelo
mundo se debruçavam sobre investigações a respeito da inclusão, resultou num documento,
chamado de Declaração de Salamanca e que foi formalmente instituído pela Organização das
Nações Unidas como ordenamento a ser observado pela comunidade internacional. Aprovado
pela Assembleia Geral da ONU, o documento reúne os chamados Procedimentos-Padrões das
Nações Unidas para a Equalização de Oportunidades para Pessoas Portadoras de Deficiências.
97

A Declaração de Salamanca é atualmente respeitada como um dos mais basilares conjuntos de


normas voltados à inclusão socioeducacional.

Estes documentos estão inspirados pelo princípio da inclusão e pelo reconhecimento


da necessidade de atuar com o objetivo de conseguir “escolas para todos” –
instituições que incluam todas as pessoas, aceitem as diferenças, apoiem a
aprendizagem e respondam às necessidades individuais. Como tal, constituem uma
importante contribuição ao programa que visa a Educação para Todos e a criação de
escolas com maior eficácia educativa. (UNESCO, 1994, p. 03).

O Brasil, ainda na década de 90, passou a ser signatário tanto da Convenção


Internacional Sobre os Direitos da Criança, quanto da Declaração Mundial Sobre Educação para
Todos, bem como da Declaração de Salamanca. Mas o primeiro passo que aponta uma
preocupação estrita do Legislativo brasileiro em torno da inclusão ocorre com a promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente, em julho de 1990, ordenamento em que vamos encontrar
as primeiras legislações rigorosamente nacionais que apontam para a salvaguarda do amplo
acesso educacional destinado a crianças e jovens. Nisso, incluídos os portadores de necessidades
especiais.

Todavia, é com a instituição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,


promulgada em 1996, (Lei 9394/96), que a matéria específica da inclusão encontrará amparo
legal sem precedentes. O dispositivo foi impetrado para definir e regularizar o sistema
educacional brasileiro de acordo com os preceitos da Constituição Federal de 1988. O texto
final foi o resultado de oito anos de pesquisas e explanações e teve como relator, Darcy Ribeiro.
No tocante às garantias do ensino inclusivo, o ordenamento avança, inova e defende novos
tempos ao afirmar, em seu Capítulo III, art. 4º, inciso III, ser dever do Estado garantir o
atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino.

Um dispositivo legal de grande importância para a educação do aluno deficiente no


Brasil foia Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, visando
promover um reforço da obrigação do país em prover a educação. Dentre
seus avanços podemos citar a extensão da oferta de educação especial de zero a
seis anos e a necessidade do professor estar preparado e com recursos adequados, de
forma a compreender e atender à diversidade dos alunos. (GONÇALVES, 2002,
p.11)

O documento tem ainda mais relevância em seu Capítulo 5, seção que trata estrita e
rigorosamente dos aspectos ligados a inclusão ampla de alunos ao universo educacional
brasileiro. O capítulo referencia, entre outros temas, o chamado apoio especializado destinado a
atender as peculiaridades de cada caso especial. O autismo é um dos universos contemplados
pela rede jurídico-educacional instituída pela LDB.
98

3.2O autismo: definições e classificação

A busca de bases teóricas que referenciem a presente pesquisa encontrou fundamento


em pensadores que salientam quão fundamental é dar aos alunos que se encontram no espectro
autista condições de integração e amplo acesso ao aprendizado. “O desenvolvimento de
qualquer sujeito está articulado com sua constituição orgânica, mas é fundado, constituído na
vida coletiva” (FERREIRA, 2005. p.19).

Entrementes, buscar auxiliar a maior inclusão do autista no ambiente educacional exige


entender, da melhor forma possível, como se processam as peculiaridades dessa necessidade
especial. Exige ainda pesquisar fontes teóricas que nos informem dados e detalhes dessa
condição que tanto tem intrigado cientistas, pesquisadores, educadores. O espectro autista é
ainda muito desafiador em virtude das naturezas várias de sua manifestação. No entanto, alguns
padrões típicos auxiliam na identificação do problema e podem servir de indicativos para que
professores estejam atentos e tracem estratégias de ação. Surian (2010) alerta que a criança
autista apresenta uma aderência inflexível a rotinas ou rituais, reagindo com intensa ansiedade a
mudança imprevista no ambiente.

Alguns conceitos formais nos ajudam a traçar um entendimento mais abalizado a


respeito do problema. A origem da terminologia é um desses indicativos: “O termo autismo vem
do grego autos que significa em si mesmo. Faz referência a um sujeito retraído que evita
qualquer contato com o mundo exterior e que pode chegar inclusive ao mutismo”
(ROUDINESCO; PLON, 1944, p. 57). No presente estudo torna-se ainda mais elucidativo
compreender essa manifestação no universo da infância. A Organização Mundial da Saúde
deteve-se sobre esse ponto

Uma síndrome presente desde o nascimento ou que começa quase sempre durante os
trinta primeiros meses. Caracterizando-se por respostas anormais a estímulos
auditivos ou visuais, e por problemas graves quanto à compreensão da linguagem
falada. A fala custa aparecer e, quando isto acontece, nota-se ecolalia, uso inadequado
dos pronomes, estrutura gramatical, uma incapacidade na utilização social, tanto da
linguagem verbal quanto corpórea (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
1998).

A OMS alerta ainda para uma série de outros condicionamentos ligados ao espectro
quando analisado ainda na infância. As interrelações sociais são um dos fatores mais afetados.
Características como dificuldades de entrosamento e estabelecimento de jogos em grupo são
comumente percebidas. As estereotipias são outra faceta recorrente. Comportamentos
ritualísticos, repetitivos e rígidos tornam prejudicada a convivência social da criança autista.

Do ponto de vista da classificação, o autismo é referido como um comportamento


atípico que se observa antes dos três anos de idade, sintomatizado justamente por todas as
99

limitações e dificuldades sociais descritas acima. Um dos primeiros a estudar cientificamente o


problema, Kanner o aponta como “Uma quadro específico de adoecimento infantil, e não mais
como uma esquizofrenia” (p.2). Num dos diversos artigos que escreveu sobre o assusto, o autor
detalha ter observado “onze crianças que apresentavam (...) extremo isolamento desde o início
da vida, incapacidade para usar a linguagem de maneira significativa, insistência e obsessão”
(p.2).

Orientado pela complexidade, o problema infere designações e especificações múltiplas,


Schopler e Rutte chamam atenção para o fato de que o autismo “é uma doença única, mas sim
um distúrbio de desenvolvimento complexo de nível comportamental, com etiologias múltiplas
e graus variados de severidade” (p.22).

Entrementes, a visão psicanalítica sobre o espectro difere do olhar médico-clínico. Para


a psicanálise, o autismo não é uma moléstia com classificações biológicas determinadas.
Winnicott (1967) pontua que o autismo seria uma circunstância ligada à imaturidade afetiva,
expressa justamente por conta da interrupção do processo de amadurecimento da criança, fator
que geraria o posterior estado permanente inadequação ou insuficiência do ambiente perante
suas necessidades.

3.3O Autismo e os chamados comportamentos indesejados

Independente da classificação e/ou ótica que se adote para análise, médico ou


psicanalítico, tornou-se pacífico o entendimento de que é justamente no padrão de postura
rotineiro dos autistas que surgem os chamados comportamentos indesejados. Gestos repetitivos,
ecolalias, atitudes obsessivas e muitas vezes agressivas. Esses e outros comportamentos
reiteradamente praticados pelos autistas podem se constituir barreiras que dificultem o
recebimento de informações educacionais. Tais comportamentos se tornam distrações ou
mesmo bloqueios capazes de prejudicar a apreensão educacional. Daí porque se torna fulcral
intervir sobre essas circunstâncias.

Nesse sentido, pesquisadores vêm ofertando bastantes referenciais teóricos a respeito do


que se tem chamado de Técnicas de Intervenções Comportamentais, estratégias criadas para
tentar transformar esses comportamentos indesejados em comportamentos desejáveis: “Não há
nenhuma pessoa, mesmo que ela tenha uma deficiência muito grave (como autismo), que não
possa aprender e superar os seus desafios” (HIGBEE, 2012, p.02).

A doutrina científica, assim, aponta que é preciso buscar caminhos paralelos e


estratégicos para auxiliar a superação de tais desafios:
100

Estudos baseados em evidências mostram que crianças com Transtorno do Espectro


Autista (TEA), na grande maioria dos casos, não aprendem pelos métodos de ensino
tradicionais. Estudos anteriores, quando ainda não era discutida com tanta veemência
a prática escolar inclusiva, já alertavam que crianças diagnosticadas com TEA não
conseguiam manter a atenção, responder a instruções complexas nem manter e focar a
atenção em diferentes tipos de estímulos simultâneos (por exemplo, visual e auditivo),
e que, desse modo, precisavam de estratégias específicas e diferenciadas de
intervenção de ensino (KHOURY, TEIXEIRA, CARREIRO, RIBEIRO & CANTERI,
2014, p.26).

3.5 As especificidades da Síndrome de Asperger

Dentro do universo amplo de entendimentos e classificações a respeito do autismo


chegamos a uma de suas mais intrigantes e, por isso mesmo, muito estudadas e debatidas
tipologias: a chamada Síndrome de Asperger.

Enunciada pelo pediatra austríaco Hans Asperger a partir de 1944, a síndrome


diferencia-se das demais ligadas ao espectro autista pelas peculiaridades de desenvolvimento da
linguagem e cognição dos seus diagnosticados. Entre as condições próprias dessa diagnose, há o
apontamento das chamadas habilidades especificas.

As pessoas com Síndrome de Asperger geralmente têm elevadas habilidades


cognitivas (pelo menos Q.I. normal, às vezes indo até às faixas mais altas) e por
funções de linguagem normais, se comparadas a outras desordenas ao longo do
espectro. Apesar de poderem ter um extremo comando da linguagem e vocabulário
elaborado, estão incapacitadas de o usar em contexto social e geralmente têm um tom
monocórdico, com alguma nuance e inflexão na voz (TEIXEIRA, 2000, p.2)

O desenvolvimento da pesquisa sobre o autismo levou a concepções mais modernas da


Síndrome de Asperger. Notadamente a partir da década de 1980. Embora tenha sido eliminado
na quinta edição (2013) do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V),
e substituído pelo diagnóstico de transtorno do espectro autista em grau severo, o termo ainda é
encontrado, usado e referenciado no manancial teórico norteador de investigações sobre o
espectro autista.

3.5 A arte como ferramenta

No que tange a caminhos para a superação dos desafios ligados ao espectro autista, em
particular no que tange às barreiras trazidas pela Síndrome de Asperger, a pesquisa acadêmica
abalizada vem referenciando a Arte como instrumento eficaz para a aplicação da Técnica
Comportamental junto aos autistas. Pesquisas diversas focam as ações artísticas como insumos
que merecem atenção pelo potencial de eficácia terapêutica. Em especial a Música e o Poema
costumam ser apontados como ferramentas capazes de capturar a atenção, a cognição e a
motricidade dos alunos autistas. Usar esses segmentos como base para as técnicas de
101

intervenção comportamental pode trazer resultados positivos no ambiente educacional. Os


efeitos da Musicoterapia, por exemplo, são amplamente estudados e comprovados:

A utilização do tratamento musicoterapêutico com indivíduos autistas possui uma


tradição de mais de 39 anos (...) O tratamento é utilizado para restaurar ou
desenvolver habilidades sociais, emocionais, cognitivas, motoras e de comunicação
do indivíduo com TEA (...) A Musicoterapia aplicada para indivíduos com TEA pode
ser utilizada por diversas abordagens terapêuticas (GATTINO, 2009, p.24).

Da mesma forma, o Poema é comprovadamente ferramenta lúdico-pedagógica que traz


resultados importantes:

Diante de diferentes tipos de textos existentes para utilizar-se em salas de aulas, o


poema - embora ainda sofra preconceitos, é um tipo de texto que atrai o pré-leitor,
pois é movido à brincadeiras com palavras de uma forma divertida de se ler e ouvir
(...) Trabalhar a poesia dentro de sala de aula significa aumentar o conhecimento de
mundo dos alunos de uma forma mais divertida. Dentro de um único poema o autor
retrata o bucólico e o urbano, fala de amor, vida cotidiana e possuem a capacidade de
produzir sensações, sonhos e emoções (GOMES & MARIOTTI, 2008, p.02/03).

Todo este referencial teórico, portanto, aponta para a possibilidade de se comprovar a


eficácia do Áudio Poema como ferramenta de intervenção comportamental, junto aos autista,
para a transformação de comportamentos indesejados em desejáveis e, assim, colaborar para que
tenham um maior desenvolvimento no âmbito educacional.

3.6O Áudio Poema aplicado à Técnica Comportamental

Ferramentas de expressão artística criadas e desenvolvidas pelo selo Versivox, os Áudio


Poemas são composições que unem, de forma lúdica e instigante, música e declamação poética.
Palavras e acordes se entrelaçam criando trabalhos que revigoram a figura do poeta como jogral,
trovador. Não se trata apenas de recitar versos com uma trilha de acompanhamento, mas de
apresentar obras poético-sonoras originalmente compostas para que fala, canto e melodia se
entrelacem e se alternem despertando a atenção, a curiosidade e o fascínio do espectador-
ouvinte. Diniz (1995) infere que a música na educação favorece o desenvolvimento de algumas
habilidades no aspecto cognitivo, aspecto afetivo e aspecto social.

O uso da musicalidade deve ser dirigido pelo professor, este deve ordenar e
supervisionar os exercícios, evitando a repetição de músicas durante os mesmos. O
método Dalcroze, a Eurritmia, poderia se tornar uma agradável experiência que
despertaria o desejo para outras atividades musicais. (ALVES, 2012, p.20).

A ferramenta traz resultados interessantes quando aplicada junto ao público com


deficiência por unir elementos comprovadamente estimulantes, conforme abalizado no
referencial teórico da presente pesquisa. A música potencializa percepções, sensibilidades e
respostas cognitivas. E a palavra poética estimula a cognição imaginativa, o apuro vocabular e
habilidade para lidar com as simbologias gramaticais.
102

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 EIXO 1:A música como estímulo

A sonoridade musical atua junto às sensações, reações e percepções do ser humano com
as mais variadas condições físicas e intelectuais. A métrica musical, com seu ritmo, cadência e
melodia, é um aplaudido recurso terapêutico-educacional com eficácia junto aos mais variados e
heterogêneos públicos.

No caso do espectro autista, a música é um auxílio importante na obtenção de resultados


em intervenções comportamentais. A estruturação musical, com suas construções feitas a partir
das noções de ritmo, tempo, cadência ajudam a reforçar os conceitos de métrica melódica. A
fala também se utiliza dessa métrica. Autistas que apresentam dificuldades nesse campo se
beneficiam de melhorias no falar quando travam contato com técnicas musicais. Além dessas
circunstâncias, as terapias musicais são também eficazes da melhoria da socialização da criança
no espectro autista.

Benenzon nos informa que “não cabe a menor dúvida que a Musicoterapia é para a
criança autista a primeira técnica de aproximação, pois o enquadre não verbal é o que permite a
esta estabelecer os canais de comunicação” (BENENZON,1985, p.140).

O Áudio Poema se mostrou eficaz nesse aspecto. Crianças autistas postas em contato
com a ferramenta responderam de forma favorável e apresentaram aptidão a reduzir dificuldades
de fala ao atender aos comandos da técnica.

4.2 EIXO 2: A palavra poética como estímulo

O discurso criado com o uso da palavra poética torna mais eficaz a recepção e a
decodificação (com o consequente melhor entendimento) das mensagens enviadas. Por ser
dotado de métrica e ritmo, o poema desperta mais e melhor a atenção dos ouvintes que o
recebem. O uso da rima, em especial, cria ludicidade. Os vocábulos viram jogos sonoros e isso
se torna um fator estimulante.

Aprendemos com Lajolo (2001, p.20) que a poesia é a forma pela qual podemos
expressar nossas ideias, sentimentos e emoções, através da arte da palavra.

Entrementes, a familiarização com os jogos sonoros trazidos pela palavra poética, além
de aguçar o interesse do educando pelas potencialidades da escrita, favorecem o contato do
103

aluno autista com possibilidades variadas de sonoridade falada. A ecolalia, tão comumente
associada ao autismo, ganha um paralelismo que pode ser trabalhado de modo bastante
diferenciado.

Os sistemas sonoros da palavra poetizada podem ser ofertados como substituição


gradual e dirigida das repetições de fonemas feitas de modo estereotipado pelo autista. A
ecolalia pode, assim, ser gradualmente ressignificada até ser transformada em recurso a ser
usado na construção de uma escrita melhor elaborada e com finalidade específica.

Além destas circunstâncias, a palavra poética, com sua métrica, cadência e ritmo, já é
indução à familiarização com o condão musical. O poema traz em si musicalidade, despertando,
ainda que subjacentemente, a percepção melódica no autista.

A união intrínseca da palavra poética à música, base constitutiva do Áudio Poema, se


mostra uma mescla de vetores que se autocomplementam e formam um instrumento de
provocação perceptiva bastante aguçado e rico em gamas estimuladoras.

O Áudio Poema, portanto,se mostra uma ferramenta interessante de ser usada junto aos
autistas por ser uma técnica que favorece estímulos em áreas da cognição da palavra escrita e
oral.

4.3 EIXO 3:A tendência a habilidades específicas aguçadas no autismo

Autistas costumam desenvolver habilidades extremas em determinados setores. A


elaboração apurada da estrutura musical e a necessidade do desenvolvimento de habilidades
específicas para sua execução aguça a atenção e interesse desse público-alvo. Num outro
sentido, o apuro da palavra poética pedida pelo poema também se comprova fator de captação
do interesse junto ao autista com habilidades aguçadas. A erudição da linguagem é aspecto
encontrado na síndrome de Asperger, umas das tipologias do autismo.

Bowler (1992, p. 45) faz uma diferenciação importante de ser levada em conta e que
tange às particularidades de autistas de Auto-Funcionamento em contrafação a crianças com
Síndrome de Asperger, vindo a esclarecer que as últimas apresentam mais habilidades para
resolver tarefas da teoria da mente e de memória verbal.

O Áudio Poema, portanto, mais uma vez se mostra estratégico como ferramenta de
intervenção comportamental, uma vez que aguça conjuntamente habilidades ligadas à recepção
musical e à percepção léxico-verbal.
104

4.4 EIXO 4: Dificuldades na linguagem do autista

Pessoas com a síndrome de Asperger apresentam igualmente peculiaridades no uso da


linguagem, algumas vezes se valendo de construções rebuscadas com conteúdos de mensagem
deficitários. Um discurso apinhado de palavras aleatoriamente adquiridas e fixas que passam a
ser aplicadas nas construções frasais de forma truncada e sem profundidade de mensagem
informativa.

Essa dificuldade de urdimento vocabular, centrada em construções pseudo elaboradas,


sem um vetor mais compreensível e acessível, traz consequências sérias à vida social do jovem
com autismo. Sua inerente inabilidade comunicativa acaba por propiciar isolamento na medida
em que torna deficitário o fluxo comunicativo. As trocas interrelacionais, sempre bastante
norteadas pelos pressupostos da fala, sofrem demérito e trazem barreiras de convivência.

A imperícia na associação das palavras com seus significados pode consequentemente


conduzir o sujeito com autismo ao isolamento social, principalmente nas situações em
que o entendimento global é imprescindível para as respostas adequadas ao contexto
social (KUBASKI & SCHMIDT, 2012, p. 05)

O uso da palavra poética se oferta como uma ferramenta que desperte curiosidade e
auxilie o público autista a trabalhar melhor e mais precisamente os vocábulos em seus processos
de comunicação.

Como derivação disso, o enriquecimento vocabular trazido pelo contato com a palavra
poética favorece ainda a ampliação dos horizontes comunicacionais do autista, conferindo-lhe
maior instrumentalização para o trato dialogar social.

4.5- EIXO 5:Atenção seletiva no espectro autista

Outra questão sempre apontada pelos estudiosos do Asperger é que os portadores da


síndrome costumam ter níveis seletivos de atenção. A parte ganha mais foco que o todo. O
específico chama mais atenção que o geral. O ponto tem mais valor e importância que a
extensão.

Esse é mais um aspecto prejudicial às relações sociais vividas pelo autista. A dispersão
constante, a falta de habilidade no que tange à concentração dificultam, cerceiam e
desestabilizam o convívio e a troca com os outros seres sociais em torno.
105

Considerar o mundo do ponto de vista do outro parece ser muito difícil para a maioria
dos indivíduos com TEA. Se tentarmos imaginar a incapacidade de compreender
como alguém se sente ou pensa, ou de levar em conta seu ponto de vista, percebemos
como o mundo deve parecer confuso e assustador e como as interações sociais devem
ser difíceis (KUBASKI & SCHMIDT, 2012, p. 04).

Toda essa problemáticarelacionada à atenção seletiva traz também déficits no


aprendizado. Torna-se bastante desafiador para os educandos capturar a atenção do autista e,
assim, ser bem sucedido o processo de transmissão de conhecimento. A oferta de conteúdos
informativos fica comprometida e torna-se urgente buscar formas estratégicas de interferir nesse
problema com o intuito de dar mais amplitude ao campo de aprendizado do aluno diagnosticado
no universo Asperger.

Por tudo isso, a figura do tocador do Áudio Poema pode ser uma estratégia de captura
da atenção, uma vez que a performance lítero-musical é construída buscando as potencialidade
de atração do fascínio do público-alvo.

4.6 EIXO 6: A aplicação da técnica do Áudio Poema

A aplicação do Áudio Poema como ferramenta de intervenção comportamental segue


um a dinâmica específica. A aplicação do áudio poema deve ser feita de forma dirigida. Caso a
caso. O trabalho precisa ser usado de forma específica com cada receptor. O processo se inicia
com levantamentos que buscarão identificar as dificuldades e comportamentos indesejáveis
praticados pelo alvo da metodologia a ser aplicada.

Uma vez identificado o comportamento mais delicado e que mais exige intervenção, um
Áudio Poema específico sobre o tema é composto.

Posteriormente, em espaço em que estarão apenas o receptor e o aplicador, o Áudio


Poema é apresentado. Essa apresentação é feita de forma dialogar. O emissor conversa
inicialmente com o receptor, aborda de forma sutil as dificuldades que ele apresenta, ouve suas
opiniões e toca o Áudio Poema.

Após a apresentação, o aplicador pergunta ao receptor o que ele entendeu daquilo.


Temos novo diálogo. Então, entra-se mais especificamente no tema da intervenção. Perguntas
são feitas sobre o porquê daquele comportamento determinado. A ideia é fazer o receptor tentar
ao máximo olhar para si mesmo, ver a si próprio, identificando e confrontando suas formas de
se comportar.
106

Concluído esse novo diálogo, o aplicador propõe ao receptor lhe ensinar a cantar e dizer
o Áudio Poema. Lentamente, a composição é ensinada. A calma nessa fase é fundamental. É
preciso respeitar o tempo do receptor sem, no entanto, permitir dispersões. Desta feita, repete-se
a tarefa quantas vezes forem necessárias, buscando sempre não fatigar o receptor.

Na etapa seguinte, aplicador e receptor cantam e dizem juntos o Áudio Poema


apresentado. A proposta é estimular a fala, o canto, o senso de concentração e memorização do
repector. Ao longo deste momento, o aplicador vai parando e sempre perguntando as razões que
levam o receptor a se comportar daquela forma. Prossegue-se, assim, com a tática do
confrontamento e autoanalise comportamental.

Depois de ter cantado e falado o áudio poema junto com o receptor, o aplicador pede
para ele responder se não é melhor adotar o comportamento X (desejável) no lugar do
comportamento Y (indesejado) que vinha sendo adotado.

Observa-se a resposta do receptor. É preciso abrir espaço para que essa resposta seja a
mais autônoma possível. Deve-se a todo custo evitar o direcionamento das respostas do receptor
com relação ao seu comportamento. É fundamental que o receptor chegue a um entendimento
das razões pelas quais sua conduta são indesejadas.

Essa dinâmica inteira deve ser repetida quantas vezes o aplicador julgar necessárias. É
possível, a partir de um dado momento, propor ao receptor apresentar o número junto com o
aplicador em público (para toda a turma da escola, por exemplo). Isso, porém, só deve ser feito
se houver a concordância do receptor. Ao longo de todo o processo, deve-se ir avaliando e
tabulando as evoluções comportamentais apresentadas pelo receptor, afim de que, após um
prazo específico, estruture-se um relatório listando os benefícios apresentados pela técnica.

No caso de alunos que tenham, além do comportamento indesejado, dificuldades


extremas e/ou limitações de fala, usar a estratégia de eximir a necessidade de o receptor
apresentar respostas faladas e cantar o Áudio Poema. O aplicador fala, espera um tempo de
entendimento e segue a dinâmica respeitando as limitações do receptor.

Vale ressaltar que, também em caso de limitações de fala e audição apresentadas pelo
receptor, todo esse processo pode ser acompanhado por um tradutor de Libras.

4.7 EIXO 7:Modelo detalhado de Áudio Poema

Aqui, indica-se um modelo de Áudio Poema para ser aplicado em casos de intervenção
para trabalhar a contenção de comportamentos agressivos e impacientes apresentados por
107

receptores com Síndrome de Asperger. Começar usando o pau de chuva para chamar a atenção
da criança. Só usar se não causar irritação.

TUDO É QUESTÃO DE CALMA


Carlos Correia Santos

Calma...
Tudo é questão de calma...
Alma...
Tudo vem da alma...
Se a raiva chegar
e a paciência se perder,
pare para respirar.
Não podes te aborrecer.

Ê, meu amigo(a),
podes evitar a tua irritação.
Basta, meu amigo(a),
Respirar e controlar o coração

Assim...
Calma...
tudo é questão...
de calma...

Esta primeira composição de Áudio Poema, criada para trabalhar a agressividade e os


surtos de impaciência apresentados por portadores da síndrome de Asperger, foi estruturada em
três partes.

Na primeira parte,usa-se uma criação musical que reproduz um dos problemas de


linguagem comumente associado ao Asperger a ecolalia. A palavra CALMA é não só o cerne da
mensagem do discurso, como propositadamente ecoada. E ainda reforçada por outra palavra que
usa o mesmo sufixo: ALMA.

A ecolalia aqui é transformada em aspecto musical para chamar a atenção do receptor e


fazê-lo perceber circunstâncias de sua própria fala, proporcionando identificação e buscando
aumentar o potencial de receptividade à mensagem.

Na segunda parte,aplica-se o cerne da estrutura do áudio poema: o uso da palavra


poética falada ou recitada ou declamada.

A construção é feita de forma simples e direta. Palavras chaves são usadas e postas em
alternância de significação, criando binômios que se completam: RAIVA – PACIÊNCIA,
108

RESPIRAR – ABORRECER. O uso da rima também se apresenta como ferramenta melódica


atrativa.

Na terceira parte, volta-se a usar o canto para tentar transmitir a moral da história (como
preconiza a teoria dos contos de fada). Grande mensagem que se deseja passar é reforçada,
usando-se, ainda mais a estratégia do diálogo direto com o receptor. O aplicador chama-o de
amigo ou amiga:

Nesse trecho reforçamos a recomendação de trocar um comportamento indesejado por


um mais desejado.

4.7.1 Aspectos musicais específicos

O presente Áudio Poema se utiliza de aspectos musicais bem específicos, que intentam
determinados resultados no receptor. A composição da ferramenta não é aleatória. Não se trata
de uma criação sonora com intentos de mero entretenimento. Cada estrutura urdida busca criar
um efeito particular em que irá receber a apresentação do trabalho.
A frequência musical, preferencialmente centrada em acordes menores, busca inferir
reações específicas no psiquismo auditivo. A estrutura geral de notas usadas também não é
inespecífica. A composição lança mão de notas não muito elaboradas para que a pureza sonora
se mantenha mais viva e, assim, se atinja mais direta e facilmente a percepção do receptor.
A importância disso tudo está em ofertar ao autista uma ferramenta sonora que não o
incomode, que não acabe surtindo efeito contrário ao intentado que o da captura mais imediata
possível da atenção. São estratégias de composição que atuam no sentido de afastar, no processo
de transmissão de conteúdo, a rejeição, não afeição, não empatia.
A música é, por conseguinte, estruturada para servir como fator rápido e intenso de
atratividade. Recurso que busca que atua na problemática da atenção seletiva, apresentada por
aqueles que se encontram no espectro autista, notadamente na Síndrome de Asperger.

4.7.2Uso de acordes menores

A melodia que abriga o Áudio Poema usa propositadamente o acorde Lá Menor.


Acordes menores são associados, na teoria musical, a efeitos que salientam o lirismo e a
afetividade da composição junto ao receptor.
Essa tática musical é estrategicamente pensada para atuar frente às dificuldades de
autocontato com a afetividade expressadas pelo autista. A sonoridade dos acordes menores
109

infere na recepção emocional da pessoa com autismo e a conduz a níveis de autopercepção


emocional.
Toda essa dinâmica sonora favorece a desconstrução das inabilidades que o autista tem
para lidar com suas emoções. A música, composta com pressupostos que mais sensibilizem o
ouvinte, torna-se fio condutor para a melhoria nas dificuldades congnitivas.
Essa melhoria também terminará por favorecer as habilidade de troca social do receptor
com autismo. Uma vez que exercite o autocontato com suas próprias emoções, exercício
reforçado por estratégias como o uso da sonoridade dos acordes menores, a pessoa no espectro
autista apresentará maior possibilidade de participar de trocas sociais. O que acabará igualmente
melhorando suas habilidades de aprendizado.

4.8 EIXO 8:Benefícios potencializados com a fusão da música e da palavra poética na técnica
do Áudio Poema

Arte é, com comprovação científica, instrumento terapêutico. O fazer artístico


proporciona tratamentos variados. Para questões físicas e psíquicas. A história da pesquisa em
ciência nos mostra, sem deixar questionamentos, que o produto artístico interfere
verdadeiramente em corporeidades, emoções, reações, entendimentos, cognições e psiquismos.

Exercícios corporais induzidos por encenações podem melhorar dificuldades motoras. O


cromatismo que serve de base para as artes pictóricas estimulam o campo visual na sua
organicidade. Os acordes das composições instrumentais e vocais emitem vibrações que agem
sobre a estrutura auditiva e emanam efeitos para o campo psicológico. Os códigos escritos da
arte poética promovem reações orgânicas no campo cerebral.

Outrossim, investigar cientificamente os efeitos da criação musical sobre cognições e


comportamentos reforça a certeza de que a sonoridade ritmada, cadenciada, metrificada e
construída sob padrões de tempo e melodia é verdadeiramente criação que ultrapassa o condão
do entretenimento. É fazer humano que influi nas emoções, no humor, no bem estar e saúde do
ser humano. A música é assertivamente material terapêutico com feições múltiplas.

A palavra, por sua vez, consegue ultrapassar a funcionalidade restritamente


comunicativa quando se eiva da arte poética. O dizer lírico, imagético, ficcional, mergulhado
em elementos ressignificadores, como a rima, recursos de figuras de linguagem, sonoridades e
metáforas constitui-se efetivamente um indutor capaz de reestruturar habilidades cognitivas,
ampliar horizontes intelectuais, facilitar a convivência com vários desafios do universo da
comunicação interpessoal.
110

Assim, o mergulho no arcabouço teórico a respeito das interligações terapêuticas entre


música e palavra poética trouxeram respostas concretas para a problemática do uso do Áudio
Poema como ferramenta que efetivamente contribua para a melhor e maior socialização do
aluno autista no ambiente escolar.

A arte, com seus mananciais lúdicos, instigadores, provocativos e elucidativos é, de


maneira atestada, um agente estimulador quando se trata do universo das limitações trazidas por
déficits cognitivos.

A pesquisa comprovou que os autistas, notadamente aqueles diagnosticados com a


Síndrome de Asperger, de fato, ofertam respostas muito satisfatórias no processo de
aprendizado quando estimulados a partir de técnicas artísticas. Ações musicais conseguem
melhorar os níveis de concentração e interesse dos autistas. Além disso, as sonoridades
musicadas proporcionam redução de inquietações, estados de estresse e ansiedade do aluno com
autismo.

O jogo lexical dos poemas igualmente prende o campo de atenção e proporciona


respostas cognitivas significativas dos jovens autistas. O universo poético atua também no
desenvolvimento do repertório verbal comumente restrito apresentado pelo autista. A palavra
poética também favorece a redefinição das erudições superficiais tipicamente observadas em
alunos nesse espectro.

O aguçamento do senso imaginativo e o desenvolvimento da aptidão para atingir um


melhor entendimento de metáforas é perceptivelmente outro importante resultado trazido pelo
uso da arte no processo educacional de crianças autistas. Os jogos imaginativos proporcionados
pelo poema e as variadas tonalidades do som, próprias da musicalidade, tiram o autista do
ambiente intensamente objetivo que o cerca e tanto restringe

Para além de todos esses aspectos, as intervenções artísticas – aqui especificadas as


musicais e poéticas – atuam para retirar o autista de uma das esferas que mais o limitam: a
rotina. A ludicidade da Arte quebra lugares comuns, desestrutura o padrão estanque, reinventa o
modo de lidar com o cotidiano.

A pesquisa feita trouxe à tona o apego exacerbado à rotina como uma das
sintomatologias tradicionais do espectro autista. Esse apego ao mesmo-diário é um dos fatores
que muito dificultam o processo de aprendizagem no ambiente escolar. A constante necessidade
de repassar conteúdos variados e progressivos impõe um grande desafio aos educadores que
lidam com alunos autistas.
111

Uma estratégia solucional pode justamente ser o uso de ações musicais e poéticas.
Abraçados à sonoridade e à simbologia dos versos, os conteúdos novos podem ser apresentados
aos autistas de modo atrativo e estimulador. A ideia é usar arte como indutor que associe
aprender a se divertir. Desfaz-se, assim, com mais sutileza o impacto da mudança de um padrão
rotineiro. Com a arte, a rotina se torna nunca ter rotinas.

A doutrina científica nos mostra igualmente que o autista não somente se adstringe às
rotinas como manifesta imensas dificuldades no trato social. São, em essência, muito
deficitárias suas versatilidades para lidar com o convívio, a troca, a iteração. Esse déficit social
diminui, cerceia suas possiblidades de apreensão de ensinamentos.

A pesquisa bibliográfica feita aponta, ademais, que as ferramentas artísticas se


comprovam trunfos também nesse setor. A arte pressupõe troca. O fazer artístico jamais se
completa sem a relação com o outro. Apresentar um trabalho artístico a alguém é uma fala
direta nesse sentido. Ao tocar para um autista uma música, o instrumentista lhe mostra a beleza
da essência da troca na emissão de uma comunicação. Mesmo que num nível paralelo, o autista
se vê envolvido numa ação imperiosamente bilateral. Alguém está lhe ofertando algo que
depende de sua oitiva. Quando convencido a receber essa oferta sonora, o autista já está
quebrando o paradigma do isolamento em si mesmo. Mesmo que isso ainda não lhe seja
claramente compreendido.

O referencial teórico dessa pesquisa ressaltou que o poema, ao seu tempo, consegue
atuar em outra esfera problemática para o autista: no auxílio a superação das dificuldades de
figuração, de realizar exercícios de abstração. Sempre muito preso a entendimentos concretos, o
autista que entra em contato com as metáforas poéticas passa a experenciar o imaginativo, o
ficcional, o fantástico e, assim, pode ter seu senso imaginativo estimulado.

Ao unir, numa mesma estrutura de performance, a música e a palavra poética declamada


ou cantada, a ferramenta do Áudio Poema condensa toda essa multiplicidade de vantagens,
instigações, induções e facilitadores. A técnica se vale da musicalidade para capturar a atenção
do autista – tarefa sempre difícil –, abrindo-lhe a cognição, por meio do relaxamento ou
estimulação dentro de níveis planejados previamente, concomitantemente lhe ofertando
conteúdo informativo por meio da palavra poetizada. A sonoridade atua em seus sentidos
auditivos de maneira pré intentada e o convida a receber a mensagem verbal que lhe chega por
meio do jogos – também sonoros – mas estruturados por meio dos versos falados.

A emissão da mensagem que busca influir no comportamento do autista deixa, assim, de


ser uma ordem, um pedido, uma imposição ou mesmo uma recomendação oral, pura e simples,
112

e se torna um jogo perceptivo eivado de timbres, notas, curvas sonoras e combinações lexicais
que lhe cativam a interpretação e revalidam as feições de entendimento.

Numa estratégia intervencionista, a ferramenta se vale de um aspecto próprio do autista:


a fixação específica em detrimento de conteúdos mais amplos. O abraço da musicalidade e da
poética verbal em torno da mensagem que se busca transmitir ao autista é um atrativo de captura
para leva-lo a receber de forma suave, porém efetiva, o teor norteador da mensagem que intenta
mudanças comportamentais. Oferece-se um todo para que o autista possa chegar ao restrito que
busca promover a substituição de uma ação indesejada por uma ação desejada.

Esse intento se prova possível, uma vez que a pesquisa comprovou, por meio de
apontamentos bibliográficos variados, que o contato com ações musicais e poéticas facilita para
o autista a recepção de conteúdos. Intervenções terapêutica que se valem da sonoridade e
proposições pedagógicas que se utilizam do poema têm comprovação científica no cientifico
auxílioà melhoria da intelecção do autista.

O campo teórico mostra que a música factualmente age no desenvolvimento social de


pessoas no espectro do autismo. Atua igualmente no amadurecimento de respostas sensoriais
desse público alvo.

Intrinsecamente, deduz-se que a aplicação do Áudio Poema junto a autistas


diagnosticados com a Síndrome de Asperger constitui-se ferramenta capaz de se beneficiar da
tendência que estes possuem de revelar habilidades específicas bastante salientadas. Essas
habilidades, se apresentadas, podem servir como vetor auxiliar na obtenção de resultados. Os
Áudios Poemas podem se valer de aspectos ligados a essas habilidades e usá-los como
reforçadores da técnica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todo o levantamento bibliográfico, e, investigativo feito nesta pesquisa atestou, por fim,
que é possível utilizar o recurso da música e da palavra poética, conjugados no modelo criativo
aqui chamado de Áudio Poema, e efetivamente usar essa ferramenta como mecanismo eficaz
para a intervenção comportamental junto a alunos autistas, melhorando, assim, seus níveis de
sociabilidade e rendimento escolar. O Áudio Poema é uma técnica capaz de dar ao jovem
estudante no espectro autista, notadamente aqueles diagnosticados com a Síndrome de
Asperger, melhor condições de aprendizado na medida em que consegue conter ações
comportamentais que dificultam suas habilidades de intelecção e concentração. O Áudio Poema
113

atua na substituição de comportamentos indesejados como a ecolalia e a estereotipia e favorece


o foco do aluno no conteúdo repassado pelos educadores.
114

ARTIGO 08
LUDOCANÇÃO: FERRAMENTA MUSICOTERAPÊUTICA PARA AUXILIAR A
CRIANÇA COM TEA A RESSIGNIFICAR O ATO DE BRINCAR DURANTE O
PROCESSO DE FORMAÇÃO EDUCACIONAL

Artigo apresentado como requisito para


a obtenção do título de especialista em Autismo
2018

Artigo aprovado para o III Congresso Internacional de Educação Inclusiva


& III Jornada Chilena Brasileira de Educação Inclusiva e Direitos Humanos

RESUMO

O ato de brincar traz em si premissas importantes para a formação da cognição humana. Na


infância, brincadeiras são ações que ajudam a desenvolver percepção, motricidade, senso
relacional e criticismo. Crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), de modo geral,
apresentam dificuldades em lidar com o ato de brincar de forma amplamente exploratória.
Limitações para entender a usabilidade e a pertinência desse ou daquele brinquedo em função da
dispersão constante ou do excessivo recorte da atenção podem trazer ao autista barreiras no
processo de aquisição do conhecimento. O presente artigo tem como objetivo investigar o uso
da LudoCanção como ferramenta musicoterapêutica destinada a auxiliar crianças com TEA a
ressignificar o ato de brincar durante sua formação educacional. A pesquisa tem como escopo
um relato de experiência com análise qualitativa do processo de aplicação dessa técnica ao
longo de seis meses de atendimento educacional especializado a um menino com TEA. Como
resultado, constatou-se que a LudoCanção, criação musical com fins terapêutico-educacionais
que tenta ensinar a função de cada brinquedo, pode auxiliar a criança autista a lidar de maneira
mais proveitosa – do ponto de vista pedagógico – com as atividades lúdicas.

Palavras chave:Autismo. Brincar. Cognição.

ABSTRACT

The act of playing carries within itself important premises for the formation of human cognition.
In childhood, jokes are actions that help develop perception, motor ability, relational sense, and
criticism. Children with Autistic Spectrum Disorder (ASD), in general, present difficulties in
dealing with the act of playing in a broadly exploratory way. Limitations to understand the
usability and pertinence of this or that toy due to the constant dispersion or the excessive cut of
the attention can bring to the autistic person barriers in the process of acquisition of the
knowledge. This article aims to investigate the use of LudicSong as a music therapy tool to help
children with ASD to re-signify the act of playing during their educational training. The
research has as scope an experience report with qualitative analysis of the process of application
of this technique over six months of specialized educational care to a boy with ASD. As a result,
it was found that LudicSong, a musical creation with therapeutic-educational purposes that tries
to teach the function of each toy, can help the autistic child to deal more profitably - from the
pedagogical point of view - with the play activities.

Keywords: Autism. Playing. Cognition.


115

1 INTRODUÇÃO

Dentro do processo de formação educacional humana, há uma atividade séria e de suma


importância: o ato de brincar. Nas primeiras infâncias, é graças ao universo rico de proposições
e desafios sociocognitivos das brincadeiras que as crianças começam a aprender a aprender.
Brincar, portanto, passa longe de ser ação destinada pura e simplesmente à distração. Passa
longe de ser condão de entretimento. Brincar é ação educativa. É prática que exige ser cercada
de fatores pedagógicos e que precisa ser estimulada, proposta e acompanhada num cerco atento
e pleno de conteúdos, anteparos e vieses construtivos.
Quando brincam, as crianças descobrem. Podem descobrir sentidos, significados,
usabilidades, pertinências. Esse processo de descoberta do que lhe cerca é o que favorecerá o
acesso ao aprendizado, à fixação. O ato de brincar, por conseguinte, está intimamente ligado ao
desenvolvimento da cognição.

A brincadeira permite à criança vivenciar o lúdico e descobrir-se a si mesma, apreender


a realidade, tornando-se capaz de desenvolver seu potencial criativo (...) Nesta
perspectiva, as que brincam aprendem a significar o pensamento dos parceiros por meio
da metacognição, típica dos processos simbólicos que promovem o desenvolvimento da
cognição (BRANCO, MACIEL & QUEIROZ, 2006, p.169)

Quando a infância é bordeada por déficits, especial atenção se precisa fazer aos
mecanismos de brincadeira que estão ou não sendo desenvolvidos pela criança. Qualquer
limitação ou dificuldade que incida sobre as práticas lúdicas infantis precisam ser percebidas e
retrabalhadas.

Crianças com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) costumam apresentar


dificuldades em aderir de modo pleno às atividades centradas no brincar. A dispersão excessiva
ou o acentuado recorte de atenção – característicos desse espectro – podem comprometer o
entendimento sobre como, porque e para que usar esse ou aquele brinquedo.

Compreender a si mesmo e compreender o mundo que lhe cerca é tarefa nada simples
para o autista. Nas primeiras idades, esse desafio é ainda mais acentuado e específico. E quando
o terreno é o lúdico ainda mais intensos são os desafios.

(...) um olhar mais atento permite observar o grande esforço que esses sujeitos
despendem para encontrar recursos que propiciem ser compreendidos. Por exemplo, em
estudos de filmagem minuciosa desses sujeitos, foi verificado que o olhar para as
pessoas, muitas vezes descrito como quase ausente, é na verdade mais frequente do que
se imagina, particularmente nas situações em que a criança necessita do adulto (...)
Assim como as ações da criança são percebidas como movimento e manipulação sem
sentido, a mãe e as pessoas próximas vão deixando de significá-las. O resultado é a
cristalização de um brincar limitado e empobrecido, já que possíveis transformações
não são alimentadas (MARTINS, 2009, p.42)
116

Para um autista, brincar com um carrinho pode não significar de imediato tomar para si
o uso de um objeto lúdico que remeta a transporte, a ir de um lugar para o outro, entre outros
fatores essencialmente ligados ao brinquedo carrinho. Para uma criança autista, a atenção pode
ficar estritamente centrada, por exemplo, no abrir e fechar da portinha do carro. Essa fixação da
atenção prejudica a formação cognitiva sobre o elemento carro. Isso tudo induz a perceber a
necessidade de auxiliar a criança autista a brincar de maneira mais proveitosa do ponto de vista
pedagógico.

Vários podem ser os caminhos intervencionais que podem ajudar uma criança com
autismo a atingir maior e melhor foco nas atividades de brincadeira. O terreno no qual o
presente artigo vai se centrar é o das ações musicoterapêuticas.

Ciência que, desde o pós Segunda Guerra Mundial – quando começou a ser melhor
sistematizada e abalizada teoricamente nos Estados Unidos –, vem mais e mais se solidificando
e ganhando respeitabilidade, a Musicoterapia tem se provado uma real ferramenta de ação
terapêutica no desenvolvimento de indivíduos com TEA.

A tendência em termos da utilização da musicoterapia no tratamento com a pessoa com


TEA parece ser a da diversificação. Há diversas abordagens sendo utilizadas, diversos
tipos de métodos de musicoterapia sendo utilizados, tipos (...) de objetivos terapêuticos
sendo propostos. Este dado é importante pois atualmente a informação acerca de
música, musicoterapia, saúde e autismo é muito mais abrangente (BRANDALISE,
2013, p.28).

Estratégias musicoterapêuticas podem e vem sendo propostas como instrumental


destinado a atuar junto ao desenvolvimento educacional de crianças no espectro autista. A
presente pesquisa se centra justamente na proposição de uma ferramenta nesse sentido. Uma
ferramenta musicoterapêutica que possa auxiliar a criança autista a dar mais pleno significado
e/ou a ressignificar o ato de brincar.

Elemento primaz da investigação cientifica deste artigo, a LudoCanção foi concebida e


desenvolvida durante o processo de seis meses de atendimento músico-psicopedagógico de
A.G.S, um menino de 06 (seis) anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, mais
especificamente com feições de Asperger. A LudoCanção é, outrossim,uma composição de viés
musicoterápico criada, a partir de anamneses e práticas de observação comportamental, para
tentar ensinar a função de cada brinquedo posto ao dispor de uma criança com TEA durante
determinado período de seu processo de formação educacional.

O objetivo geral aqui pretendido, desta feita,é averiguar se a LudoCanção é, de fato,


uma ferramenta com viés musicoterapêutico capaz de auxiliar a criança com TEA a significar
ou ressignificar o ato de brincar, de forma que sua cognição seja estimulada durante o processo
de formação educacional. A partir desta premissa, alguns objetivos específicos são também
117

pretendidos, sendo eles: oferecer ao ambiente educacional inclusivo um novo instrumental


psicopedagógico; ressaltar cientificamente a importância das atividades lúdicas na constituição
intelectual infantil; e reafirmar as atividades musicoterapêuticas como ações eficazes para
propiciar o desenvolvimento cognitivo da pessoa no espectro autista.

A investigação proposta suscita, entrementes, alguns questionamentos a serem


respondidos: a LudoCanção pode realmente auxiliar uma criança com TEA a dar significado
devido a brinquedos com os quais tenha contato durante seu processo de formação educacional?
Essa ferramenta pode estimular a cognição do autista? Professores em ambientes educacionais
inclusivos podem vir a usar essa técnica? Do ponto de vista terapêutico, essa prática pode trazer
melhorias ao bem-estar físico-social do indivíduo com TEA?

Para que tais indagações sejam respondidas, urge entender melhor alguns preceitos
conceituais importantes, no que tange aos universos que cercam a ferramenta investigada.
Tópicos como: o que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA); qual a relevância do ato de
brincar na formação cognitiva humana; como a Musicoterapia pode desenvolver a cognição da
pessoa com autismo; o que é, como é criada, como funciona e como pode ser aplicada a
LudoCanção; a capacitação de professores na técnica; e a LudoCanção como instrumento
psicopedagógico e seus potenciais efeitos musicoterapêuticos.

2 METODOLOGIA

A metodologia usada foi a do relato de experiência com análise qualitativa da aplicação


da LudoCanção no processo de atendimento músico-psicopedagógico de A.G.S, um menino de
06 (seis) anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, com características da
Síndrome de Asperger.

3 DESENVOLVMENTO

3.1O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: CONCEITUAÇÕES E


IMPLICAÇÕES

Alvo de debates e análises científicas que mais e mais se intensificaram nas últimas
décadas, o Transtorno do Espectro Autista passou por várias definições conceituais. Antes,
apenas estabelecido como Autismo e entendido com variações tipológicas diversas: Asperger,
Rett, entre outras. Hoje, um só agrupado prisma de condições, um espectro. Não existe um
Autismo, mas vários.

Atualmente, é pacífico entender que o TEA abrange diferentes síndromes em torno de


uma trinca específica de características: padrão comportamental restrito e repetitivo;
118

dificuldades de comunicação; e barreiras de socialização. Todas as variantes constantes no


espectro autista para serem conceituadas e implicadas como tal precisam atender a essa tríade.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda é uma condição clinica enigmática, sendo
este considerado como de natureza multifatorial, ou seja, ainda não se sabe, ao certo, qual
a causa específica do TEA. A literatura oferece uma série de reflexões que giram em torno
dos aspectos genéticos, hereditários e ambientais. Os sintomas apresentados por sujeitos
autistas são: ausência de linguagem verbal ou linguagem verbal pobre; ecolalia (repetição
de palavras fora do contexto), hiperatividade ou extrema passividade, contato visual
deficiente, ausência de interação social, interesse fixado a algum objeto ou tipos de
objetos. O autismo refere-se ao conjunto de características, podendo ser encontrados em
sujeitos afetados desde distúrbios sociais leves sem deficiência mental, até deficiência
mental severa (FERREIRA, 2016, p.30)

As implicações do TEA sobre o comportamento se manifestam desde a mais tenra


idade. Na infância, portanto, o espectro autista será condicionante de padrões de ações que se
estenderão pela vida do sindrômico. Fator que torna fundamental intervenções e mediações no
interregno mais precoce possível.

O autismo é um transtorno neurodesenvolvimental caracterizado por prejuízos sociais,


comportamentais e de comunicação (...) Os primeiros relatos sistemáticos sobre o autismo
remontam aos estudos de Kanner (1943) e Asperger (1944), os quais descreveram
crianças com distúrbios do desenvolvimento e com características singulares de prejuízos,
como profunda inabilidade no relacionamento interpessoal, atrasos na aquisição e
distúrbios no desenvolvimento da fala, dificuldades motoras e comportamentos repetitivos
e estereotipados (...) No que diz respeito à abordagem neuropsicológica do TEA, destaca-
se a hipótese de disfunção executiva, que defende que prejuízos no controle executivo
poderiam estar relacionados a alguns dos comprometimentos cognitivos e
comportamentais observados em indivíduos com TEA ( BOSA, CZERMAINSKI &
SALLES, 2013, p.519)

Dentro do espectro, interessa especialmente a presente pesquisa conhecer um pouco


mais detidamente as circunstâncias inerentes à chamada Síndrome de Asperger.

3.1.1Um olhar mais detido sobre a Síndrome de Asperger

Variante do TEA, a Síndrome de Asperger (SA) apresenta suas especificidades. De


acordo com Klin (2006, p.54), a SA é referenciada entre os chamados transtornos invasivos do
desenvolvimento (TID), um segmento de condicionantes comportamentais caracterizado pelo
início precoce de atrasos e desvios no desenvolvimento das habilidades sociais, comunicativas e
demais habilidades.

Dentro dessas circunstâncias, tem-se características atitudinais bastante peculiares e


norteadoras para uma diagnose:

A síndrome de Asperger (SA) caracteriza-se por prejuízos na interação social, bem como
interesses e comportamentos limitados, como foi visto no autismo, mas seu curso de
desenvolvimento precoce está marcado por uma falta de qualquer retardo clinicamente
significativo na linguagem falada ou na percepção da linguagem, no desenvolvimento
cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na curiosidade sobre o ambiente. Interesses
119

circunscritos intensos que ocupam totalmente o foco da atenção e tendência a falar em


monólogo, assim como incoordenação motora, são típicos da condição, mas não são
necessários para o diagnóstico (KLIN, 2006, p.58)

A criança junto a qual foi aplicada a técnica da LudoCanção na presente pesquisa,


A.G.S., foi diagnosticada com TEA e, mais especificamente, enquadrada dentro do universo da
SA.

3.2 O ATO DE BRINCAR: RELEVÂNCIAS PARA A FORMAÇÃO COGNTIVA


HUMANA

O ser humano precisa brincar para se desenvolver seriamente. Essa frase pode até soar
jocosa, pode parecer um mero jogo de palavras. Mas reflete um entendimento hoje
cientificamente abalizado. A ludicidade – aqui entendida como a prática de brincadeiras várias
nas primeiras idades – é um terreno complexo e ricamente estruturado para permitir que a
criança inicie o contato com uma série de ações que ofertarão múltiplos subsídios para a sua
formação motora e intelectual. Brincando, a criança estabelece e aguça canais de aprendizado.

Funcionalidades de objetos são aprendidas ao brincar. Habilidades de manuseio são


aprendidas ao brincar. Conteúdos éticos são aprendidos ao brincar. Amplo e muito importante é
o manancial de repertórios humanos que a ludicidade constrói e sedimenta na estruturação do
intelecto.

De alguma forma o lúdico se faz presente e acrescenta um ingrediente indispensável no


relacionamento entre as pessoas, possibilitando que a criatividade aflore. Por meio da
brincadeira a criança envolve-se no jogo e sente a necessidade de partilhar com o outro.
Ainda que em postura de adversário, a parceria é um estabelecimento de relação. Esta
relação expõe as potencialidades dos participantes, afeta as emoções e põe à prova as
aptidões testando limites. Brincando e jogando a criança terá oportunidade de desenvolver
capacidades indispensáveis a sua futura atuação profissional, tais como atenção, afetividade,
o hábito de permanecer concentrado e outras habilidades perceptuais psicomotoras.
Brincando a criança torna-se operativa (ALMEIDA, 2009, p.02)

As brincadeiras infantis, por conseguinte, incidem de modo crucial sobre a constituição


cognitiva. O processo de aquisição de conhecimento passa de modo sine qua non por essa fase
da vida em que o brinquedo não é simplesmente objeto distrativo. É ponte para percepções,
entendimentos e incremento de curiosidades. Aprender é também resultado do mergulho na
ludicidade.

As brincadeiras são elos integradores entre aspectos cognitivos, afetivos e sociais e sua
preservação é fundamental como recurso para desenvolver e aperfeiçoar valores que fazem
parte da cidadania, da construção do ser no mundo e sua relação com o outro. No
brinquedo, tanto a criança como o adulto compartilham experiências, se comportam como
se tivessem algum controle sobre a realidade, imaginando ser alguém diferente e se
transportando para um mundo simbólico, atividade necessária ao seu desenvolvimento
social, emocional e afetivo. A brincadeira, portanto, é fundamental para uma vivência sadia
no que diz respeito à aprendizagem, na construção e reconstrução de subjetividades e no
processo de desenvolvimento como pessoa, como identidade em permanente transformação
(CHARTIER & TOURINHO, 2009, p.03)
120

Brincar. Cognição. Desenvolvimento educacional. Sociabilização. Um quadrilátero


interligado e que exige a constante atenção dos agentes dedicados a acompanhar o crescimento
de uma criança.

3.2.1 Cantigas de brincar: ferramentas abalizadas pela Psicologia e Neurociência

Entre as estratégias criativas postas ao dispor de uma criança para que ela exercite e/ou
viva o ato de brincar, as cantigas são recursos dos mais antigos e eficazes. Melodizar a
ludicidade além de exercer sobre o receptor a atratividade sonora, é uma estratégia que enlaça a
brincadeira com afetividade e dinâmica física. Cantigas lúdicas, de modo geral, propõem a
movimentação do corpo, incitam o prazer auditivo e repassam mensagens com teor educativo.

Estudos científicos, especialmente alicerçados à Psicologia e à Neurociência,


comprovam os vários e significativos benefícios que a música eivada de ludicidade pode
propiciar à infância. A atuação da musicalidade sobre a constituição emocional e as funções
cognitivas, hoje, já não são mais um saber empírico. São fatos academicamente comprovados e
amplamente divulgados por um vasto referencial teórico.

Em se tratando de crianças pequenas (...) psicólogos da Universidade McMaster, Canadá,


desenvolveram um estudo para verificar os efeitos da aprendizagem musical sobre a
memória e sobre a sensibilidade de crianças entre 4 e 6 anos. Segundo o estudo, a música
desenvolve o córtex cerebral, a capacidade de memorização e de atenção e
consequentemente tem influência sobre o aprendizado da leitura e da escrita e de conteúdos
de áreas exatas. Esse benefício cognitivo decorrente da música ganha ainda dimensão
maior no caso das cantigas infantis dadas as diferentes possibilidades culturais (diferentes
grupos sociais) e as diferentes manifestações linguísticas (PEREIRA & SARAIVA, 2010,
p.01)

Apresentada a pertinência científica do universo das brincadeiras e – em específico– da


ludicidade de mãos dadas à musicalidade, faz-se imperioso, outrossim, discorrer sobre o terreno
de dificuldades experienciadas pela criança com TEA no que se refere ao ato de brincar.

3.2.2 A criança com TEA e as dificuldades no ato de brincar

O tópico deste artigo destinado a explanar conceituações sobre o TEA ajuda a suscitar
compreensões em torno das peculiaridades que uma criança que se enquadre no referido
espectro pode vir a apresentar. Sobretudo no que tange ao seu contato com o universo lúdico.
Ou seja, o modo como uma criança autista brinca é diferenciado. E, por isso justamente, tal
peculiaridade é questão sobre a qual a presente pesquisa se debruça de modo particular.
121

Graças a fatores ligados à sua dificuldade de interação e dada a sua fixação em


determinados objetos ou tipos de objetos (conforme já abalizado anteriormente pelo referencial
teórico) ou em partes específicas dos objetos, a criança com TEA não interage com o todo do
brinquedo e isso desfoca a apreensão da usabilidade e/ou funcionalidade do artefato com o qual
brinca. Em linhas gerais, a criança no espectro autista brinca sem conseguir acessar todo o
potencial educativo da atividade lúdica. Manuseia a bola no momento destinado ao brincar, mas
tem dificuldades de abstrair a bola como um elemento de jogo, como um elemento que
referencia a forma esférica, como um elemento exemplifica concretamente o girar. Pode, no
lugar de tudo isso, deter-se sobre um detalhe da confecção daquela bola. Relaciona-se com uma
pequena casa de bonecas, mas tem dificuldade de compreender aquele brinquedo como uma
representação de casa, de espaço onde vivem pessoas similar ao que vive com sua família. Tem
dificuldade de relacionar a casa lúdica com o entendimento de abrigo. Pode, no lugar de tudo
isso, deter-se sobre o barulho que faz uma das janelinhas.

Nenhuma dessas circunstâncias, entretanto, devem ser entendidas como condições


estanques. Há grandes empenhos científicos na atualidade centrados em dar novos
direcionamentos a essas circunstâncias comportamentais.

Perspectivas tradicionais acreditam que dentre as características do autismo infantil está a


incapacidade ou grande dificuldade destas crianças desenvolverem atividades de brincar. No
entanto, assumindo a perspectiva histórico-cultural de desenvolvimento humano - que
compreende os sujeitos enquanto seres sociais, constituídos culturalmente, na e pela
linguagem - esta afirmação deixa de ser sustentável, uma vez que brincar é uma atividade
constituída socialmente (...) Conclui-se que é fundamental a intervenção do terapeuta durante
o processo de interação, atribuindo significações às ações da criança, proporcionando a ela a
possibilidade de constituir-se como um ser cultural e de interagir com o outro e, dessa forma,
construir as bases para as internalizações que daí decorrerão. Observa-se também que as
experiências vivenciadas fora da instituição possibilitam oportunidades de brincar e
desenvolver-se durante as brincadeiras, mesmo que de forma mais lenta e específica
(BARAGOLLO, PANHOCA & RIBEIRO, 2013, p.01)

Urge, portanto, encontrar estratégias que ajudem a criança com TEA a significar mais
devidamente e/ou ressignificar o ato de brincar. Urge encontrar ferramentas que lhe ofertem
maior possibilidade de desenvolver a apreensão sobre a usabilidade e funcionalidade dos
brinquedos e, desta forma, ajude-a a desenvolver sua cognição. E a Musicoterapia é justamente
um campo científico capaz de ofertar estratégias lúdicas nessa direção.

3.2.3 A estimulação da criança com TEA por meio do Floortime

Vale referenciar na presente pesquisa um método que vem sendo considerado, há alguns
anos, como ferramenta bastante interessante para buscar intervir no modo como a criança autista
lida com atividades lúdicas e, assim, se desenvolve.

Criado pelo psiquiatra infantil Stanley Greenspan, o Floortime é uma técnica que torna
o momento do brincar uma oportunidade estratégica para tentar incrementar o comportamento
122

protagonista e sócio relacional da criança com TEA. Numa tradução literal, o nome do método
pode ser entendido como “tempo do chão”. O território primaz para a ferramenta é justamente o
chão para o qual a criança é trazida com o intuito de viver atividades lúdicas.

O cerne da técnica gira em torno de seis degraus do desenvolvimento emocional


propostos por Greenspan: noção do próprio eu e interesse no mundo; intimidade ou um amor
especial para a relação humana; a comunicação em duas vias (interação); a comunicação
complexa; as ideias emocionais e o pensamento emocional.

A metodologia se baseia em os pais se juntarem à criança no chão em um momento de


brincadeira. O condão de ir para o solo é o de poder ficar olho a olho no nível do filho. Mas as
ações lúdicas não devem vir de proposituras paternas. O mote é rigorosamente o contrário. A
proposta é que o filho guie os pais no brincar. Ele manifesta uma conduta e os pais o imitam. A
partir disso, pode-se começar a tentar mover a criança para relações de interação mais
complexas, num fluxo batizado de “abrindo e fechando círculos de comunicação”.

A abordagem Floortime encontra-se dentro do modelo DIR como principal estratégia para
sistematizar a brincadeira com a criança e proporcionar a progressão dela sobre as etapas do
desenvolvimento. Essa abordagem é baseada na ideia de que a emoção é fundamental para o
crescimento do cérebro e evolução mental e que tal desenvolvimento é conseguido através de
interações (brincadeiras) no chão (...) O Floortime foi criado com o objetivo de aumentar a
socialização, melhorar a linguagem e diminuir os comportamentos repetitivos das crianças
com transtornos, inclusive os autistas (CARDOSO & RIBEIRO, 2014, p.04)

3.3 A MUSICOTERAPIA COMO POSSIBILIDADE INTERVENCIONAL

Hoje já estabelecida no Brasil como uma Terapia Integrativa – inclusive admitida como
opção terapêutica pelo Sistema Único de Saúde –, a Musicoterapia avança se fortalecendo como
ferramenta capaz de atuar em diversos casos clínicos e comportamentais. É crucial, entrementes,
entender que essa atividade não é o mero uso intuitivo de recursos musicais para influir sobre
estados de espírito, mas uma ciência com vasto cabedal teórico e ampla comprovação prática.

A Musicoterapia consiste no uso do som e/ou da música e/ou dos conceitos e estruturas
ligados à musicalidade para tratar ou ofertar efeito lenitivo para quadros de doenças orgânicas,
de implicações psíquicas, psicossomáticas ou de dificuldades cognitivas.

A Federação Mundial de Musicoterapia (WORLD FEDERATION OF MUSIC


THERAPY, 1996) propõe um conceito para esta ciência:

Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo, melodia e
harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo, em um processo estruturado para
facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a
expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva), para desenvolver
potenciais e desenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele possa alcançar
melhor integração intra e interpessoal e consequentemente uma melhor qualidade de vida
123

O terreno musicoterapêutico é também, portanto, vetor para intervenções


comportamentais. E pode, assim, ser o terreno em que se encontre estratégias para ajudar a
criança com TEA a melhor significar e/ou ressignificar o ato de brincar.

3.3.1 Especificidades do uso da Musicoterapia junto a pessoas com TEA

Conforme anteriormente explanado neste artigo, o indivíduo com o Transtorno do


Espectro Autista apresenta manifestações sensoriais atípicas. Essa sensorialidade alterada
também impacta no processamento auditivo, sendo o mesmo menos complexo do que nas
pessoas fora do referido espectro. Estudos mais detidos sobre esse tema, contudo, vêm
mostrando que a relação do autista com a música é diferenciada:

Os indivíduos com TEA apresentam um funcionamento sensorial atípico (...) No entanto, esse
funcionamento ainda não é compreendido totalmente pelos pesquisadores (...) O processo
auditivo é explicado por uma série de teorias, porém não há um consenso sobre elas. Alguns
estudos relatam que os sujeitos com TEA possuem uma capacidade auditiva menos
complexas do que os indivíduos de desenvolvimento típico. Outros atribuem uma capacidade
auditiva focal nos TEA, enquanto esperado seria uma capacidade auditiva global (...) Ao
mesmo tempo, alguns estudos têm indicado peculiaridades desse processamento auditivo
especialmente relacionado à música (GATTINO, 2012, p.33).

Gattino informa ainda que estudos sobre os efeitos da Musicoterapia em crianças com
TEA foram publicados em 2008 e 2009. Os trabalhos mostraram os resultados das ações
musicoterapêuticas sobre a atenção compartilhada de crianças com TEA em comparação à
recreação com brinquedos. Após doze sessões de trinta minutos, verificou-se que a
Musicoterapia foi capaz de facilitar comportamentos de atenção compartilhada e habilidades
não verbais de comunicação social em crianças do que na recreação sem nenhum aporte
musical.

Toda essa investigação atesta, por fim, que é possível encontrar entre as ações
musicoterápicas instrumental eficiente para a reconceituação da relação do autista coma
ludicidade.

4 LUDOCANÇÃO (LC): CRIAÇÃO DA TÉCNICA, CONCEITUAÇÃO E APLICAÇÃO

Por tudo isso visto até aqui, sob o prisma da seara científica, fez-se possível surgir a
ideia de propositura de uma estratégia musicoterapêutica que pudesse ser aplicada junto a
crianças com TEA, no sentido de ajudá-las a significar melhor e/ou ressignificar o ato de
brincar.

O ambiente que propiciou o urdimento dessa ferramenta foi o do atendimento músico-


psicopedagógico que o autor deste artigo fez durante seis meses a um menino de 06 anos. Seu
124

nome será mantido em sigilo por pedido da família. Ele será identificado neste artigo como
A.G.S.

Diagnosticado com TEA e laudado com implicações compatíveis com a outrora


chamada Síndrome de Asperger, A.G.S apresentava comprometimentos comuns à
caracterização do espectro: grande dificuldade de expressão da linguagem, comportamento com
padrões restritos e barreiras de socialização. Entre os comportamentos percebidos, um logo
chamou a atenção do terapeuta-pesquisador: o modo aparentemente apático com que a criança
lidava com momentos de ludicidade.

Ao ser conduzido a vivências de brincadeira, o menino não mostrava envolvimento com


os brinquedos. Quando finalmente concordava em manusear os objetos lúdicos, dava-lhes
usabilidades mais restritas do que esperado. Se posto em contato com um carrinho, por
exemplo, em vez de brincar de conduzir o artefato por pistas reais ou imaginadas, em vez de
reproduzir os sons de um automóvel, em vez de movê-lo simulando o deslocar de um veículo
real, detinha-se em partes específicas do mesmo. Fixava a atenção em uma das rodas do
carrinho e com o dedo passava a girá-la numa incessante repetição.

Também se posto em contato com uma bola, no lugar de jogá-la, chutá-la, lançá-la,
dedicava-se a ficar passando o dedo sobre partes do objeto, deixando-o parado no chão.

Esse tipo de comportamento – seja com o carrinho, a bola e mesmo outros tipos de
brinquedos – foi notado num grau pleno de reincidência. Não se tratava do fato de
eventualmente A.G.S não dar usabilidade devida aos objetos lúdicos. O padrão de ação era
invariável. O menino nunca empreendia ações lúdica que correspondessem a natureza do
brinquedo.

Em paralelo a isso, a criança desde o início das sessões de atendimento mostrou


interesse por intervenções musicais. Respondia sempre favoravelmente quando convidado a
aderir a atividades que envolvessem musicalidade. Reagia concreta e positivamente a
provocações e estímulos feitos a partir de canções.

O terapeuta, então, decidiu criar canções que tivessem em suas mensagens orientações
sobre como usar esse ou aquele brinquedo. E passou a apresentar essas canções a A.G.S. Desde
a primeira experiência, os resultados se mostraram bastante animadores.

4.1 Proposta de conceito para a LC

Cumprida toda a explanação do referencial teórico e desenhado o cenário em que a


técnica foi esboçada, aplicada e investigada, cabe aqui propor um conceito para a LudoCanção.
A LC é, portanto, uma criação melódica de cunho musicoterapêutico composta, após anamnese
125

e análise do comportamento de uma criança com TEA em atividades lúdicas, com a finalidade
de ajudá-la a dar mais devido significado e/ou ajudá-la a ressignificar a relação com brinquedos
que possam estimular sua cognição durante determinado período de sua formação educacional.

4.2 A importância da anamnese

A composição da LC precisa estar alicerçada por elementos que a tornem personalista e


totalmente focada no modo de ser, expressar-se e agir do indivíduo junto ao qual será aplicada.
Nesse sentido, além de uma detida investigação sobre como os brinquedos são usados e sobre o
comportamento lúdico geral da criança, a anamnese – entrevista prévia com familiares,
cuidadores e demais terapeutas que cercam o futuro receptor da técnica – mostra-se uma etapa
fundamental.

É de extrema importância conhecer questões como estrutura familiar, circunstâncias da


gravidez e parto, condições gerais de saúde, se toma e que tipo de medicações toma,
comportamento no ambiente escolar, como dorme, como reage a situações cotidianas. Enfim,
quanto maiores forem os dados coletados na anamnese, maiores são os vetores de estruturação
da intervenção comportamental que a LC irá propor.

4.3 Proposta de etapas prévias: da anamnese à composição

Como todo processo estratégico de ação sobre padrões comportamentais, a técnica da


LC deve seguir uma sequência de etapas, assim sugeridas:

a)Anamnese: etapa anterior a todas, centrada em entrevistas com familiares,


cuidadores, terapeutas que acompanham a rotina doméstica e de atividades complementares
cumpridas pelo futuro receptor

b) Investigação do comportamento lúdico: análise em ambiente de atendimento


clínico de como o receptor lida com brinquedos e outras atividades recreativas. Analisar que
usabilidade dá a cada brinquedo; como é o foco de atenção sobre os objetos (completo ou
restringido); existência de proatividade no ato de brincar; como se expressa sua corporeidade
durante o momento de ludicidade; apresenta reações emocionais nesses momentos. Essa
investigação deve ser realizada em, no mínimo, três sessões em dias diversos. Investigar ainda o
comportamento da criança posta sozinha entre brinquedos e estimulada sozinha para interagir
com atividades recreativas e também investigar seu comportamento quando posta para brincar
na companhia de outras crianças

c) Análise dos resultados colhidos na anamnese e na investigação do


comportamento lúdico: cruzar dados e informações, consultar referencial teórico, trocar
informações que profissionais de outras áreas ligadas ao acompanhamento do TEA.
126

d) Identificação dos pontos a serem trabalhados: delimitar quais aspectos se mostram


mais exigíveis de atuação: excessiva apatia, foco de atenção muito recortado sobre partes de
brinquedos, ausência de proatividade no ato de brincar, entre outros

e) Composição da LC: identificados os pontos a serem trabalhados, partir para a


composição de LudoCanção. A LC precisa de melodia e letra. A melodia pode e deve ter por
base estrutura que aluda aspectos descobertos das fases anteriores. Por exemplo, se a criança é
mais agitada, pensar em usar estrutura melódica que seja empática com relação a isso. A mesma
lógica deve ser usada se a criança for menos agitada. A letra precisa propor mensagens que
busquem estimular a cognição da criança a respeito dos objetos ou ações lúdicas que a cercam e
com os quais tenha tido contato durante a investigação do comportamento lúdico. Nas letras,
urge estar condita a proposta de significação ou ressignificação do brinquedo ou da atividade
recreativa.

4.4 Proposta de aplicação da LC

Uma vez composta a LC – como resultado das etapas acima indicadas –, faz-se
imperiosa a estruturação de uma sistemática de aplicação. A presente pesquisa sugere a seguinte
dinâmica:

a) Fase do Brincar Com: mesmo já composta a LudoCanção, antes de apresentá-la ao


receptor, o aplicador leva a criança a travar contato com o brinquedo ou atividade recreativa
com que não interage de modo satisfatório. Juntando-se à criança, o aplicador “brinca com” ela.
Oferece-lhe o brinquedo ou apresenta a atividade lúdica e lhe pergunta para que aquilo serve.
Mesmo que a criança-receptora não apresente fluxo de fala, o intento comunicacional deve ser
travado. O aplicador, então, brinca de modo dirigido. Tenta mostrar a usabilidade do brinquedo
ou da atividade recreativa. E pergunta de novo: para que isso serve? Repetir a estratégia por três
vezes e deixar a criança livre para interagir com o brinquedo ou atividade recreativa como
quiser ou puder.

b) Fase do Falar Para: em sessão posterior a que foi aplicado “Brincar Com”, de novo
levar a criança a travar contato com o brinquedo ou atividade recreativa com que não interage
de modo satisfatório. Juntando-se à criança, ainda sem manusear nenhum objeto ou realizar
movimentações lúdicas, o aplicador lê para ela a letra da LudoCanção que contenha a
mensagem que mostra usabilidade daquele brinquedo ou atividade recreativa. Faz a leitura duas
vezes. Em seguida, faz nova leitura, mas agora manuseando o brinquedo ou fazendo
movimentação lúdica que ilustre a atividade recreativa.Repetir a estratégia completa por três
vezes e deixar a criança livre para interagir com o brinquedo ou atividade recreativa como
quiser ou puder.
127

c) Fase do Cantar Para: em sessão posterior a que foi aplicado o “Falar Para”, mais
uma vez levar a criança a travar contato com o brinquedo ou atividade recreativa com que não
interage de modo satisfatório. Juntando-se à criança, agora já usando recurso instrumental, o
aplicador canta a LudoCanção. Nessa fase, faz-se interessante a participação de um outro
colaborador. Enquanto o aplicador canta, o outro manuseia o brinquedo ou faz movimentação
lúdica que ilustre a atividade recreativa. Repetir a estratégia por duas vezes e observar se a
criança passará a interagir com o brinquedo ou atividade recreativa de modo mais significado ou
ressignificado.

A fase do Cantar Para precisará se repetir frequentemente. Por pelo menos um mês.
Nesse interregno, avaliar se resultados estão sendo obtidos. Em caso positivo, passar a adotar a
técnica completa com brinquedos e atividades recreativas diferentes.

4.4.1 Aplicação da LC em ambientes educacionais inclusivos

Uma vez atingido nível de eficácia com a aplicação da LC, faz-se interessante propor a
capacitação dos professores dos centros educacionais inclusivos nos quais a criança
eventualmente estude. Essa capacitação oferecerá aos educadores regentes de sala de aula ou
que trabalhem nos Atendimentos Educacionais Especializados um novo instrumental para a
busca do incremento da cognição desses educandos.

4.4.2A LC como ferramenta psicopedagógica e sua potencialidade como ação


musicoterapêutica

Além de poder ser aplicada dentro do universo escolar, a LC se põe também ao dispor
da clínica psicopedagógica, servindo, assim, como estratégica para a terapêutica de dificuldades
várias de aprendizado.

Entrementes, pode também ser recurso musicoterapêutico na medida em que se constitui


uma ferramenta que lança mão de conceitos musicais para intervir na condição psicofísica da
criança com TEA.

4.4.3 A LC e o Floortime: possibilidade de conexão entre as técnicas

Ressalta-se ainda no presente artigo a sugestão de aplicação da LC em conjunto com o


Floortime. A técnica criada por Stanley Greenspan pode ser o momento exatamente seguinte à
aplicação das fases de experimentação da LudoCanção.

Na sequência das três fases da aplicação da LC, os pais descem ao chão do ambiente de
brincadeiras e passam reproduzir as ações lúdicas que o filho propuser, buscando explorar os
seis degraus de desenvolvimento emocional cunhados por Greenspan.
128

Esse modelo conjunto foi testado no contexto de atendimento de A.G.S. E os resultados


colhidos foram bastante satisfatórios.

4.5 Exemplo de letra cifrada de LudoCanção

Com objetivo de ilustrar melhor a presente pesquisa, abaixo exemplo de uma LC criada
para ajudar A.G.S a melhor significar um carrinho de brinquedo com o qual mantinha contado
muito limitado:

O CARRO VEM, O CARRO VAI

D
O carro vai.

Pra frente vai.


G
Faz a curva,

volta e vai.
D
O carro leva.

O carro traz.
G
Faz a curva,

leva e traz.

Bibi!
D
No carro vai

o bom papai.
G
O carro vem

e o carro vai.
129

Bibi!
D
No carro vem

A mamãe também
G
O carro vem

e o carro vai.

Bibi!

5 CONCLUSÃO

A vivência do atendimento músico-psicopedagógico a A.G.S, ao longo de seis meses,


oportunizou a criação e a investigação da LudoCanção como estratégia que o pudesse ajudar a
significar melhor ou ressignificar o ato de brincar, diante das dificuldades comportamentais e
relacionais que a criança apresentava em função do Transtorno do Espectro Autista, com
particularidades ligadas à Síndrome de Asperger. Foi observado, outrossim, que a aplicação da
técnica efetivamente conseguiu ajudar A.G.S a dar significado mais devido a brinquedos com os
quais mantinha contato. Exemplos disso são sua relação com carrinhos e bola. A criança antes
detinha sua atenção e interesse sobre partes específicas desses objetos. E tinha, desta feita, uma
expressividade lúdica muito reduzida. Ao cabo dos seis meses, o receptor passou a brincar com
o carrinho e com a bola de modo bem mais pertinente. Passou a mostrar que entendia o carrinho
como meio de transporte e passou a mostrar que entendia a bola como objeto destinado a jogos
com movimentação física que envolvem lançar e quicar. Esse avanço no entender demonstra o
desenvolvimento de sua habilidade cognitiva e, consequentemente, revela ganhos na sua
formação educacional. A LC foi também experimentada em conjunto com o Floortime e os pais
relatam sensíveis avanços comunicacionais na criança. A técnica passou a ser aplicada também
pelos professores da escola em que A.G.S estudava. Os educadores relataram que avanços
cognitivos e comportamentais foram igualmente notados no ambiente escolar. A ferramenta se
comprova, deste modo, uma estratégica psicopedagógica eficaz. No fluxo de todos esses
resultados positivos, os pais da criança também informaram melhorias no campo psicofísico de
A.G.S: redução da apatia, inexistência de quadros depressivos, fatores com deduzem a
pertinência musicoterapêutica da técnica.
130

ARTIGO 09

EXPRESSÃO COMUNICACIONAL POR MEIO DE LEITURA SUSTENTADA PELA


MÚSICA: UM RECURSO MUSICOTERAPÊUTICO PARA PESSOAS COM
TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO

RESUMO

Comunicar-se é premissa relevante para a vida social humana. Fazer-se entender e ser percebido
numa comunidade são prerrogativas para um satisfatório desenvolvimento pessoal e relacional.
Há condições clínicas, entretanto, que interferem fortemente nesse terreno e solicitam
intervenções terapêuticas. É o caso dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, campo com
impactos significativos nos mecanismos de troca interpessoal. O objetivo deste artigo científico
é investigar a pertinência do uso da técnica batizada de Leitura Sustentada Pela Música (LSPM)
como recurso musicoterapêutico destinado ao estímulo e incremento da expressão
comunicacional em pessoas com essa diagnose. O amparo norteador a esta pesquisa será dado
por meio de um relato de experiência com análise qualitativa da aplicação dessa prática junto a
duas pessoas com quadros clínicos tipificados como TGD

Palavras-Chave: TGD. Comunicação. Musicoterapia.

ABSTRACT

Communicating is a relevant premise for human social life. Making oneself understood and
perceived in a community are prerogatives for satisfactory personal and relational development.
There are clinical conditions, however, that strongly interfere in this area and require therapeutic
interventions. This is the case of Global Developmental Disorders, a field with significant
impacts on the mechanisms of interpersonal exchange. The objective of this scientific article is
to investigate the relevance of using the technique called Reading Sustained by Music (RSM) as
a music therapy resource intended to stimulate and increase communicational expression in
people with this diagnosis. The guiding support for this research will be given through an
experience report with qualitative analysis of the application of this practice with two people
with clinical conditions typified as GDD

Keywords: GDD. Communication. Music Therapy.


131

1 INTRODUÇÃO

Falar muito baixo. Não conseguir se exprimir. Falar muito rápido e não ter êxito em ser
compreendido. Não saber desenhar na voz e no corpo a melodia e a intenção ideais para uma
boa emissão de informação. Repetir-se excessivamente. Ter limitação vocabular e não contar
com senhas para resolver isso. Essas e outras circunstâncias exemplificam fragilidades no ato
comunicacional. Essas limitações podem ser fruto de muitas circunstâncias. Mera timidez.
Excessiva introspecção. Medo de se manifestar. Quando todo esse bojo tem por base um
transtorno, necessárias e bastante estratégicas devem ser as ações de intervenção que auxiliem
na mediação e tentativa de superação dessas problemáticas.
Os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) apresentam em seu quadro clínico
questões que inferem nas faculdades de expressão comportamental, nas trocas relacionais, na
comunicabilidade. Em níveis diversos. Com implicações muitas. E os aspectos que propiciam
esses impactos vão desde fatores disfuncionais orgânicos a fragilidades cognitivas. Até mesmo
por compreender um leque extenso de possibilidades diagnósticas, os TGD abrangem um
universo plural de desafios sociorrelacionais e, portanto, comunicacionais a serem enfrentados.
Alguns pesquisadores têm se debruçado de maneira acurada sobre essa problemática e
suas falas a respeito do tema servem de indutores para o presente trabalho. É o caso de Teixeira,
Santos & Sousa (2018) ao explicarem, apoiadas nas acepções do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSMIV-TR, 2002), que os Transtornos Globais do
desenvolvimento ou Transtornos Invasivos do Desenvolvimento se configuram como universo
que circunstancia invasivos e severos prejuízos nas áreas das habilidades de comunicação, de
interação social e comportamentos restritos e estereotipados. As autoras prosseguem
salientando, inclusive, que a diagnose nesse campo aponta dois aspectos que interessam em
especial ao presente artigo: as pessoas com esses transtornos costumam demonstrar acentuado
comprometimento no uso de comportamentos não-verbais e ausência de reciprocidade
emocional. Também explicam as cientistas que, no que diz respeito à comunicação e à
linguagem, com base em estudos empreendidos, algumas pessoas com TGD não apresentam
comunicação verbal ou têm prejuízos na fala. E arrematam: aquelas que falam apresentam um
acentuado comprometimento na capacidade de iniciar ou manter uma conversa, pois há
intercorrência de ecolalia: repetição mecânica de palavras ou frases.
Igualmente estudiosas desse terreno, Camargo, Castro & Batista (2017) somam
esclarecimentos ao afirmarem que na Classe Especial - TGD, as convenções de cada linguagem
são tratadas em situações de comunicação, pressupondo-se que o repertório das linguagens seja
comum entre pessoas que compartilham a mesma cultura. O trabalho das pesquisadoras aponta
ainda que a construção desses sistemas sígnicos mobiliza o fazer e a leitura com fins artísticos e
132

estéticos. Complementam as autoras que as linguagens são percebidas sensorialmente e


objetivadas em diferentes organizações simbólicas.
Trata-se de um campo plural e desafiador. Justamente por isso, faz-se imperioso
encontrar uma via interventiva que possa ser uníssona em meio a todas as diversidades
caracterizadoras dos TGD. Camargo, Castro & Batista (2017) trazem uma possível luz no que
tange a esse enfrentamento ao apontarem para um instrumental bastante interessante: "as
linguagens sobre a Arte têm uma dupla significação na Classe Especial - Transtornos Globais
do Desenvolvimento - TGD, elas atuam como formas de comunicação e expressão"
Se assim é, a Musicoterapia pode se fazer um pertinente caminho de atuação, uma vez
que o vetor interventivo musical atinge indiscriminadamente os indivíduos. Se a pessoa é
ouvinte, independente de suas particularidades diagnósticas, seu corpo e mente são acessados
pela sonoridade. E esse aporte pode ter desdobramentos terapêuticos.
Por todas essas razões, apresenta-se como objetivo geral desta pesquisa sondar se a
técnica batizada por esse articulista de Leitura Sustentada pela Música (LSPM) tem
aplicabilidade clínica para estimular uma melhor expressão comunicacional em pessoas com
TGD. Em paralelo, surgem como objetivos específicos: comprovar que intervenções
musicoterapêuticas são instrumental de potencialização sociorrelacional; analisar o efeito
terapêutico da prática de ler obras literárias; e oportunizar para educadores e terapeutas uma
ferramenta interventiva especialmente ligada ao universo dos Transtornos Globais do
Desenvolvimento.
Nesse processo, será inevitável e muito valoroso responder às seguintes indagações
científicas: como se define o ato humano de se comunicar? O que são exatamente os TGD? De
que forma a Música - auxiliada por indutores literários - efetivamente atua como manancial
terapêutico?

2 METODOLOGIA

A metodologia que servirá de escopo para o presente artigo científico é a do relato de


experiência com análise qualitativa da aplicação da técnica Leitura Sustentada pela Música
(LSPM) junto a duas pacientes do autor dessa pesquisa em seu setting de atendimentos
psicopedagógicos e musicoterapêuticos. A primeira se chama Jéssica Lima de Lima (27 anos) e
a segunda L.B.C (30 anos). Ambas apresentam diagnose de Transtorno Global do
Desenvolvimento (CID 10 - F84). L.B.C, ademais, é também laudada com Deficiências
Múltiplas (CID - Q89.7). Foram realizadas 14 sessões para cada uma.
133

3 DESENVOLVIMENTO

3.1- O ATO DE SE COMUNICAR: NECESSIDADE HUMANA

Comunicar: tornar comum. Etimologicamente, a palavra parece simples de ser


entendida. Processual e sistemicamente, porém, a complexidade de entendimento é outra. O
condão comunicacional no ser humano é, certamente, uma de suas funcionalidades mais
intrincadas, intrigantes, fascinantes e poli significativas. É o que permite se manter, evoluir,
trocar. O condão da comunicação se processa por muitas vias e não é algo que se limite a
expressões de fácil concepções. Em tese, não há formas certas ou erradas de se comunicar. Mas
há exigências construídas pela convivência social que podem apontar feições ideais de realizar
ações comunicativas, em detrimento do que pode ser considerado fragilidade nesse campo.
Para uma melhor compreensão sobre o que aqui será estudado, Martino (2009) explica
que a idéia de comunicação é tão ampla que várias situações podem ser definidas sob esse
conceito, do estudo de duas pessoas conversando, passando pela análise das condições
econômicas de uma emissora de televisão, ou um estudo sobre blogs. Segue explicando o autor
que a origem do termo vem do latim Communio (tornar comum, como já dito), portanto o
conceito de comunicação abrange ao mesmo tempo transmitir e compartilhar. Pontua ainda o
escritor que há uma interação baseada na troca de signos e mensagens. Por tudo isso, chega-se à
especificação do que ficou conhecido como Teoria da Comunicação, que preconiza a
necessidade de haver nos cenários do comunicar um emissor, um receptor, uma mensagem e um
retorno da troca dessa mensagem, chamado feed-back.
Mas, para além desses entendimentos todos, sabe-se contemporaneamente que o ato
comunicacional se situa numa potente entrecruza conceitual. Vários são os campos de saber que
perpassam sua definição. A comunicação dialoga com várias ciências.

Situado na encruzilhada de várias disciplinas, os processos de comunicação suscitaram


o interesse de ciências tão diversas quanto a filosofia, a história, a geografia, a
psicologia, a sociologia, a etnologia, a economia, as ciências políticas, a biologia, a
cibernética ou as ciências cognitivas. Ao longo de sua construção, esse campo particular
das ciências sociais esteve, por outro lado, continuamente às voltas com a questão da
sua legitimidade científica. Isso a conduziu a buscar modelos de cientificidade, a adotar
esquemas pertencentes às ciências da natureza, adaptando-os por meio de analogias
(MATTELART, 2005, p.09).

A ciência da comunicação, outrossim, se abre, desde sua gênese, a interdisciplinaridade.


O campo terapêutico também busca se entremear com o universo comunicacional. E esse
entremeio auxilia nos casos em que quadros clínicos impactam nas habilidades comunicativas.
Como é o caso dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, próximo tópico a as ser
esmiuçado.
134

3.2- TGD: COMO COMPREENDER ESSE TERRENO CLÍNICO

Todo campo clínico traz em si desafios conceituais, vivenciais, especificadores. Com os


Transtornos Globais do Desenvolvimento não é diferente. Para compreender do que se trata esse
universo é preciso abrir o foco do olhar científico sobre uma área com muitas possibilidades
diagnósticas.
De acordo com Araújo (2011), TGD é uma nomenclatura utilizada para descrever as
implicações patológicas que se manifestam através de comportamentos característicos de
síndromes e quadros psicológicos, neurológicos e/ou psiquiátricos persistentes, que ocasionam
atraso no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira
atendimento educacional especializado. E não só. Também intervenções terapêuticas devidas.
Vasconcelos (2019) avança nas explicações circunstanciando que o quadro abrange
distúrbios nas interações sociais recíprocas que costumam manifestar-se nos primeiros cinco
anos de idade. Revela ainda que são caracterizados por padrões de comunicação estereotipados
e repetitivos, assim como pelo estreitamento nos interesses e atividades, englobando transtornos
como o espectro autista, psicoses infantis, Síndrome de Asperger, Síndrome de Kanner e a
Síndrome de Rett, podendo apresentar sintomas comportamentais como hiperatividade,
desatenção, impulsividade, agressividade e acessos de raiva, distúrbios alimentares, hiper ou
hiposensibilidade.
Moreira (2014) complementa que, segundo a Associação de Psiquiatria Americana
(APA), o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno invasivo do desenvolvimento sem
outra especificação fazem parte das categorias dos transtornos invasivos do desenvolvimento,
que igualmente são referenciados como TGD.
Toda essa pluralidade designativa é o que faz Steiner (2002) referendar que a
heterogeneidade clínica desses distúrbios, os diferentes instrumentos diagnósticos utilizados, a
variedade de achados laboratoriais e a possibilidade de associação com outras condições, torna
necessário que esses indivíduos sejam minuciosamente avaliados. Quando o campo é o da
linguagem, tal se comprova de modo sine qua non. Bez (2010), à guisa disso, aponta pesquisas
segundo as quais um quarto dos indivíduos com TGD apresenta atraso no desenvolvimento da
linguagem, sendo características comuns o comprometimento na área social e comunicativa.
Ou seja, práticas interventivas também diversificadas são imensamente solicitadas.
Especialmente para auxiliar tais indivíduos a superarem não apenas suas auto fragilidades, como
também a lamentável pressão social negativa que circunda pessoas com esses transtornos.

Quando as crianças são diagnosticadas com TGD, passa-se a ideia de incapacidade em


muitas tarefas e a própria família e a sociedade acabam por cercar essas crianças de
cuidados excessivos. Mas mesmo que essas crianças tenham limitações, os
135

pais/sociedade estão impondo limites que interferem no seu desenvolvimento, não


deixando a criança tentar ultrapassar suas limitações. Quando entram em contato com
um colega que o critica, ri da sua situação, alguns indivíduos se isolam, outros agem
com indiferença e em alguns casos, o indivíduo se vê obrigado a provar que o colega
está errado e neste momento, tenta ultrapassar suas limitações (ASAMI & OÑATIVIA,
2020, p.02)

Entrementes, como se já não fosse suficientemente ampla toda essa problemática, surge
na presente pesquisa outra entrecruza: os Transtornos Globais do Desenvolvimento tangenciam
as Deficiências Múltiplas?

3.2.1- As confluências entre TGD e DM

Sim, são grandes os pontos de polêmica conceitual em meio a toda essa discussão
quando se tenta olhar para quais seriam os limites de definição e entendimento entre os TGD e
as Deficiências Múltiplas. Um campo está dentro do outro? São áreas clínicas diversas. Um
conduz ao outro? Ou são terrenos paralelos, que eventualmente se permeiam? Essas perguntas
são importantes porque uma das atendidas pelo presente pesquisador com quem foi trabalhada a
técnica a ser detalhada neste artigo tem diagnósticos de TG e DM. Assim, faz-se imperioso
analisar essa interrelação
Silva (2001) aponta que o conceito de deficiência múltipla, per si, varia entre os
estudiosos. Informa, por exemplo, que, na Política Nacional de Educação Especial, a deficiência
múltipla é definida como a associação, no mesmo indivíduo de duas ou mais deficiências
primárias (mental/visual/auditivo-física), com comprometimentos que acarretam atrasos no
desenvolvimento global e na capacidade adaptativa. Esse comprometimento global é justamente
que tangencia os TGD. A autora prossegue frisando que o conceito de deficiência múltipla é
referendado pelo Decreto n.3.298/99, que define a situação como associação de duas ou mais
deficiências. A estudiosa chama atenção para a compreensão de que esse extrato implica numa
gama extensa de associação de deficiências que podem variar conforme o número, a natureza, a
intensidade, a abrangência e o efeito dos comprometimentos decorrentes, no nível funcional.
Mas, por outro lado, ela conta que, para outros autores, a deficiência múltipla seria a ocorrência
de apenas uma deficiência, cuja gravidade acarreta conseqüências em outras áreas. De toda
forma, a autora concebe que a DM é uma condição heterogênea que identifica diferentes grupos
de pessoas revelando associações diversas de deficiências que afetam, mais ou menos
intensamente, o funcionamento individual e o relacionamento social.
O fato é que, independente das dificuldades conceituais e norteadoras em todo esse
universo, intervir terapeuticamente é fundamental e sempre urgente. Na esteira da busca por
práticas interventivas pertinentes para todo esse painel aqui explanado, a Musicoterapia pode ser
uma opção considerável.
136

3.3 - A MUSICOTERAPIA COMO PRÁTICA INTERVENTIVA JUNTO AOS TGD

Como é comum a todo fazer artístico, a Música comunica e faz comunicar. Comunica
intentos de sensibilização, de percepção, de alteração de estados de consciência. Faz comunicar
na medida em que ajuda as pessoas a trocarem entre si - graças ao ato de tocar ou apenas ouvir -
emoções, reações, sentimentos. O fazer musical entretém, mas também infere sobre a organismo
humano de modo terapêutico. O som tem freqüências que impactam na corporeidade e na
psique. As melodias suscitam respostas comportamentais e corpóreas. As cadências rítmicas
alteram pulsações. A Música é terapia. E, justamente por isso, a ciência da Musicoterapia tem
cada vez mais encontrado respaldo nas práticas de saúde pública.

A Musicoterapia é o campo da medicina que estuda o complexo som-ser humano-som


para utilizar o movimento, o som e a música com o objetivo de abrir canais de
comunicação no ser humano, para produzir efeitos terapêuticos, psicoprofiláticos e de
reabilitação no mesmo e na sociedade (BENEZON, 1988, p.11)

Isso posto, é relevante saber que pesquisadores de diferentes lugares do mundo vêm se
empenhando em propor soluções interventivas por meio de aporte musicoterapêutico para os
TGD. Dedicada a essa temática e com trabalhos publicados em periódicos espanhóis, Guzmán
(2010) pontua, incialmente, que música é uma linguagem universal, composta por dois
elementos: silêncio e som (vibração). Ela chama atenção para o importante fato de que esses
aspectos são reconhecidos pelo feto desde a 18ª semana de gestação. A autora sentencia que,
apesar do atual modo de vida humano distorcer seu significado e valor, deve haver espaços e
atividades que recuperem e destaquem a importância e a necessidade de usar a música como
ferramenta de comunicação. A cientista atesta que, no caso de pacientes com TGD, que têm
seriamente prejudicadas as habilidades de comunicação na expressão verbal, a Musicoterapia
oferece uma alternativa não negligenciadora. A professora segue detalhando que os pacientes
com TGD sentem em demasia as pressões de uma vida em que comumente não são
compreendidos, sentem-se coagidos pelo fato da linguagem verbal ser tratada como a principal
maneira de se relacionar com os outros e as práticas musicoterápicas substituem tudo isso pelo
prazer e gozo que advém da experienciação musical. Informa ainda que as pessoas nesse terreno
de transtornos descobrem que são capazes de se expressar através da música com um resultado
satisfatório. Sempre postos na condição de dependentes, esses pacientes atinam que podem criar
beleza sozinhos. Sempre gerenciados por alguém, encontram tempo e espaço para se comunicar
livremente. O trabalho do musicoterapeuta, esclarece a articulista, é essencialmente focado na
criação e manutenção de um espaço ideal para a comunicação. Para fazer isso, deve-se fornecer
aos pacientes as ferramentas necessárias para se expressarem através da música.
137

Gusmán explica ainda que o principal objetivo da aplicação da Musicoterapia junto aos
Transtornos Globais do Desenvolvimento é estabelecer um nível de comunicação com o
paciente que possibilite a expressão de sentimentos e a troca terapêutica. Isso exigirá muitas
vezes que o musicoterapeuta ensine o paciente a se comunicar através da música, ela revela. E
frisa que nesse percurso de incremento comunicacional, a intervenção musicoterapêutica tem
por foco atuar para que haja substituição de expressões "vazias" por outras cheias de conteúdo
no ato dialogal; estímulo para que o paciente interaja intencionalmente com os outros
indivíduos; entendimento de que as expressões do paciente podem ser diferentes do que seu
interlocutor pensa ou sente; e também desenvolvimento da linguagem, tanto na sua produção,
como na expressão-compreensão.
Inspirado por todo esse referencial teórico, o autor da presente pesquisa buscou
desenhar uma estratégia musicoterapêutica de estímulo a expressão comunicacional que
atendesse duas de suas pacientes com TGD.

3.4- RELATO DA EXPERIÊNCIA DE APLICAÇÃO DA LEITURA SUSTENTADA


PELA MÚSICA

As duas pacientes do autor deste artigo que serão personagens-alvo do relato de


experiência que aqui se inicia foram encaminhadas para atendimentos psicopedagógicos e
musicoterapêuticos por suas famílias. Para uma melhor análise de circunstâncias particulares,
cada caso será relatado em separado, com as minúcias da aplicação da técnica da Leitura
Sustentada pela Música com cada uma das partes.
Nos dois casos em epígrafe, os atendimentos eram realizados uma vez por semana,
sempre em sessões com média de 50 minutos de duração. Os encontros eram sempre iniciados
com diálogos vinculantes (prática em que o terapeuta conversa com os atendidos amenidades
sobre suas rotinas: pergunta como se sentem, o que fizeram nos dias anteriores à sessão, se algo
interessante ou ruim aconteceu, resgata lembranças do que foi feito e falado nos encontros
passados, tudo com o propósito de acentuar vínculo terapêutico, fortalecer a amistosidade,
sondar circunstâncias inferentes e iniciar destencionamento do cotidiano externo), na sequência,
momento de relaxamento mais intenso (banho sonoro) e, em seguida, prática interventiva
principal. Os encerramentos eram sempre feitos com escuta musical calmante.
Antes de se iniciar os detalhamentos de cada caso, todavia, faz-se importante explicar
que a escolha interventiva mais detida na via musicoterapêutica se deu porque ambas as
pacientes mostraram responder bem a estímulos nesse campo. Nos dois casos, o principal cerne
de demanda interventiva era o incremento do aporte expressivo-comunicaional.
138

3.4.1- O Caso de Jéssica Lima de Lima

Muito inquieta, bastante ansiosa e com grandes dificuldades de comunicação, Jéssica


(27 anos) iniciou o acompanhamento com o presente terapeuta para atender às seguintes
demandas repassadas por sua mãe: melhorar o ritmo da fala (extremamente acelerado e pouco
compreensível), melhorar o viés sociorrelacional (muito introspectiva, pouco interessada em se
relacionar com as pessoas) e atenuar os níveis de irritabilidade (constantes explosões de
temperamento, com frequentes brigas em casa).
Nos contatos iniciais com o presente pesquisador, a jovem não mostrou resistência.
Permitiu o acesso ao patamar das ações terapêuticas. Mas os dados coletados na anamnese
foram logo confirmados: sua expressão oral era bastante truncada. Além de trocar o R pelo L, o
fluxo frasal era tão veloz que as palavras se misturavam, eram cortadas, inacabadas.
Apresentava também uma notável dificuldade de fiar coerência narrativa. Começava a contar
algo sobre seu cotidiano, mas não sabia como concluir, perdia detalhes, esquecia datas, lugares e
nomes. Aliás, a frase: "Ah me esqueci" era quase um mantra em seu discurso.
Embora já tendo concluído o segundo grau, Jéssica tinha ainda consideráveis
fragilidades de leitura. Quando convidada a ler textos que o terapeuta lhe apresentava, afligia-se,
pois alegava não compreender a maioria das grafias, detinha-se em palavras mais complexas,
sobretudo as polissilábicas, e não sabia explicar os conteúdos textuais. Lia mecanicamente e não
entendia o contexto do que estava escrito.
No seu rol prioritário de interesses, a música. Gostava de muitas canções e sabia cantá-
las bem. O terapeuta percebeu algo curioso: letras complexas de musicas eram entoadas pela
jovem sem quaisquer dificuldades.
Tornou-se, portanto, claro para o presente autor que talvez fosse bastante interessante
usar estímulos que partissem de músicas para tentar ajudar Jéssica a ler melhor, expressar
melhor conteúdos frasais e, por conseguinte, comunicar-se melhor.
Uma das primeiras coisas, na opinião deste escritor, que precisavam ser trabalhadas
eram o ritmo e a melodia frasal na fala da moça. Assim, foram nascendo as estratégias de ação
no setting. O processo teve três fases.

Fase I - Proposição
a) Estratégia 01 (fração da dicção associada à extensão sonora /textos conhecidos):
como estratégia inicial, letras de músicas do gosto de Jessica foram selecionadas. Então,
solicitou-se que ela fosse lendo os versos, mas com um diferencial: o terapeuta a acompanhava
ao violino. Cada palavra lida precisava caber na extensão de uma nota tocada. Se a nota fosse
tocada de modo mais alongado, a leitura precisava ser alongada. As letras e sílabas precisavam
ser dilatadas, pronunciadas lentamente, largamente, demoradamente. A proposta era dupla: a
139

primeira, fazer com que ela fosse "saboreando" cada pedaço da palavra para os oralizar e os
compreender melhor e, a segunda, buscar dominar o modo ansioso com que ela despejava os
vocábulos. Claro que, inicialmente, o desafio foi grande. Ela não conseguia atender à premissa
do exercício. A fala extrapolava a extensão das notas. Mas, com muita paciência, o terapeuta
parava a prática, fazia-a perceber onde havia acontecido o indesejado e retomava a dinâmica.
Sempre sendo tomado o cuidado de não a deixar nervosa, tensa. Tudo era conduzido com leveza
e de modo lúdico. E ia-se até o limite de sua predisposição. Essa estratégia foi usada ao longo
de quatro sessões.

b) Estratégia 02 (fração da dicção associada à extensão sonora /textos


desconhecidos): a partir da quinta sessão deste processo interventivo, o mediador mudou alguns
preceitos. O primeiro dizia respeito ao texto a ser lido. Não seriam mais letras de músicas
conhecidas da jovem. Passaram a ser usados poemas com os quais ela nunca havia tido contato.
O comando permaneceu o mesmo: ela lia, enquanto o violino era tocado. Cada palavra
precisava caber na extensão de cada nota. Agora, porém, havia mais rigor. O combinado era não
deixar as palavras passarem da extensão tocada. Caso isso acontecesse, voltava-se para o início
da leitura. Nessa fase, a paciência e a disposição de Jessica foram mais instigadas. Era nítido
que a necessidade de voltar ao início a cada descompasso a desagrava, mas ela era estimulada a
não desistir. Era encorajada, potencializada. O aplicador sempre ressaltava sua capacidade, sua
força e competência. E isso sustentava seu intento de seguir. Ao final do processo, ainda havia
outro desafio: ela precisava explicar o conteúdo do texto. Essa tática foi usada ao longo de três
sessões.

Fase II - Diferenciação
c) Estratégia 03 (conversa motora): passadas as três sessões da dinâmica anterior,
uma nova estratégia passou a ser usada. O terapeuta usava dois tubos pequenos e uma bolinha.
Cada tudo tinha no seu topo formato que sustentava a bolinha. O trabalho de Jessica era passar a
bolinha de um topo para o outro dos tubos, alternadamente, sem deixar a bolinha cair. Enquanto
isso, o terapeuta tocava violão (sempre melodias suaves) e conversava com Jessica. Algum
assunto de seu interesse. A jovem precisava ir passando a bolinha de um tubo para outro na
cadencia suave da música, enquanto mantinha o diálogo com o terapeuta. Os objetivos aqui
eram trabalhar a divisão de foco atencional e o ritmo dialogal. Era um intenso desafio. Algumas
vezes, ela parava, argumentava que não queria seguir. O terapeuta, então, a encorajava,
reforçava tudo de positivo que ela vinha obtendo e, assim, a convencia a retornar à dinâmica.
Essa proposta durou duas sessões.
d) Estratégia 04 (Leitura Motora): neste novo ciclo, foi mantida a dinâmica motora
com os tubos e a bolinha. Jessica precisava alternar a bolinha de forma segura, cadenciada e
140

concentrada. O terapeuta manteve a proposta de tocar ao violão temas musicais suaves como
indução. O que mudou foi o aporte expressivo. No lugar do dialogo aleatório, a jovem precisava
ler um texto posto num suporte a sua frente (a altura de seu rosto). A música fluía, ditando a
cadencia serena com que devia ser realizada a alternância do objeto em suas mãos e ela
precisava ir lendo o texto de modo ritmado. Foram duas sessões. Uma com texto que ela
conhecia, outra com texto que ela desconhecia.

Fase III - Acomodação


e) Estratégia 05 (retorno à fração da dicção associada à extensão sonora /textos
desconhecidos): com o intuito de solidificar os bons resultados obtidos até ali, o processo
retornou à dinâmica da leitura ao som do violino. Só com textos desconhecidos. O terapeuta
tocava e a jovem precisava acomodar a extensão das palavras na duração do toque de cada nota.
A ideia era de burilar a melodia da leitura de Jessica. O fraseado já não precisava ser tão
excessivamente estendido, mas igualmente não podia ser na cadência acelerada com que ela
falava antes. Essa etapa perdurou três sessões.

3.4.2- O Caso de L.B.C.

O primeiro fato importante a se frisar nesse relato é que, ao contrário do caso de Jéssica,
a família de L.B.C. (30 anos) solicitou que a identidade da mesma fosse preservada. E isso será
atendido sem prejuízo aos registros e aferições científicas aqui intentados.
Outro relevante fator diferencial diz respeito ao temperamento desta paciente. Seu
humor era bastante diferente do caso anterior. Agressiva, resistente, constantemente mal
humorada e difícil de ser acessada no ponto de vista relacional, L.B.C. resistiu inicialmente a se
conduzir ao trato terapêutico. Antes de iniciar as ações interventivas, o terapeuta precisou
pacientemente construir vínculo. Só cumprida essa premissa - que foi bem sucedida ao cabo de
quase um mês - iniciaram as atuações sobre as queixas aferidas na anamnese do caso.
Além das já citadas questões humorais, as demandas sobre a jovem giravam em torno
das relações familiares. Em função das implicações do TGD e da MD diagnosticas desde cedo,
sua vida escolar fora problemática, mas estava concluída. As controvérsias eram no âmbito
doméstico. Suas dificuldades comunicacionais eram tão severas que essa condição lhe causava
intensas crises ansiedade e fúria. Não conseguir se expressar, não conseguir dialogar
provocavam nela instabilidades comportamentais grandes. Episódios de intensa irritabilidade e
constante insegurança. Não gostava de tomar decisões e se recusava a socializar com pessoas de
fora da sua casa.
A fala de L.B.C era muito lentificada. Cheia de lapsos. Esquecia palavras. Esquecia o
que havia acabado de iniciar a dizer. Os vocábulos eram mal pronunciados, dispersivos. E havia
141

muitos episódios de mutismo. Calava-se e se recusava a dialogar. Segundo os parentes, durante


muito tempo se pensou que pudesse haver comprometimento na fonação. Acompanhamento
fonoaudiológico foi realizado por muitos anos. Sem sucesso. Profissionais da Psicologia
indicaram que a problemática podia ser de fundo emocional em conseqüência das implicações
do TGD. A busca pelo trabalho do presente terapeuta era uma das últimas esperanças do pai e
da mãe.
Um fato, entretanto, aproximava o caso desta jovem ao de Jessica: ela também gostava
muito de música. E mais: isolava-se frequentemente para ler poemas e pequenos contos
românticos. O presente pesquisador entendeu que a intervenção na fragilidade comunicacional
da paciente era o caminho que poderia desdobrar melhorias em sua qualidade de vida. E decidiu
aplicar junto a ela a Leitura Sustentada pela Música (LSPM), seguindo o seguinte esquema
metodológico:

Fase I - Proposição
a) Estratégia 01 (impulsionamento da dicção associada à estímulo sonoro /textos
conhecidos): como o ritmo de expressão frasal de L.B.C também requeria reacondicionamento,
foi-lhe também aplicada a estratégia da leitura de textos associada ao violino. Mas o caso era
oposto ao de Jéssica. Aqui, era preciso deslentificar sua fala. Então a indução musical era usada
para acelerar sua proposição frasal. Ela precisava ler obedecendo o ritmo ditado pelo
instrumento. O toque musical - sempre acelerado - a incitava a cadenciar a fala de um modo
menos alongado. Nessa etapa, foram usados textos que ela conhecia. Não apenas para lhe dar
conforto e segurança - e, desta forma, afastar ao máximo frustrações -, mas igualmente para
proporcionar índice menores de desalinhos. A resposta a esse estímulo foi positiva. Não houve
resistência, recusa. E a dinâmica foi aplicada ao longo de quatro sessões.
b) Estratégia 02 (impulsionamento da dicção associada à estímulo sonoro /textos
desconhecidos): essa etapa manteve o intento de estimular um melhor cadenciamento na
expressão falada. O violino continuou sendo usado como indução para deslentificar a pronuncia
vocabular, acelerar o fraseado. No entanto, os indutores usados em pareamento passaram a ser
textos desconhecidos pela paciente. Os desalinhos evidentemente surgiram. O terapeuta
preparou-se para dar suporte as frustrações que naturalmente foram se apresentando. Mas o
recurso incentivador era o de reforçar as qualidades positivas da atendida. Seus êxitos, sua
capacidade resolutiva, sua força atitudinal. Houve momentos tensos. Houve episódios de
aborrecimentos mais intensos, todavia tudo foi sendo resolvido e a prática seguiu bem sucedida.
Essa etapa durou três encontros.
142

Fase II - Diferenciação
c) Estratégia 03 (regência musicoterapêutica / percussão incentivadora 01): essa
fase interventiva foi intentada para atuar sobre a insegurança atitudinal de L.B.C. A linha de
instrumentos que passou a ser usada foi a percussiva. A proposta foi a seguinte: um texto era
posto diante da atendida. Ela só podia começar a ler quando toques percussivos começassem.
Se os toques parassem, ela precisava parar de ler. A proposta do fraseamento dentro da
expressão sonora se manteve. Cada sílaba precisava caber dentro de cada toque e no ritmo
tocado. A técnica é basicamente a da regência: um determina, o outro cumpre. Mas foi usada
como reforço do enlace comunicacional. Um se expressa, o outro responde. Isso é comunicar-
se. E era também uma tática condicionante para tornar a fase seguinte - ainda mais relevante -
exitosa. Essa etapa durou duas sessões.
d) Estratégia 04 (regência musicoterapêutica / percussão incentivadora 02): o uso
do estímulo percussivo foi mantido. Mas a dinâmica se inverteu. Agora era L.B.C que teria que
tocar os instrumentos e, assim, reger o terapeuta. Ela tocava, e este terapeuta lia. Ela dava a
cadência que precisaria ser mantida. O cerne aqui era fazê-la se sentir hábil a comandar, a
superar seus limites de insegurança. Essa etapa transcorreu em dois encontros.

Fase III - Acomodação


e) Estratégia 05 (retorno ao impulsionamento da dicção associada à estímulo
sonoro /textos desconhecidos): com o intuito de solidificar os bons resultados obtidos até
aquele ponto, o processo retornou à dinâmica da leitura ao som do violino. Só com textos
desconhecidos. O terapeuta tocava e a jovem precisava acomodar seguir a pulsação ritmada, de
modo a se expressar frasalmente sem lentificações e de maneira clara e expressiva. Essa etapa
perdurou três sessões.

3.4.3- Análise qualitativa dos resultados obtidos

Em ambos os casos, após os ciclos interventivos, foram aferidos resultados bastante


positivos. No que tange à Jessica, as fases de estratégias conseguiram avanços significativos.
Sua expressão falada foi se tornando menos acelerada e mais compreensível. Palavras
pronunciadas com mais completude. Fala com menos vocábulos suprimidos e embaralhados.
Fraseado mais claro e proferido com menos ansiedade. Com relação a L.B.C., também notáveis
avanços. Sua expressão falada se tornou menos lentificada. Condução mais coerente de assuntos
durante as conversas com menos episódios de esquecimentos. Pronuncia vocabular menos
confusa e mais precisa. As famílias das duas relataram melhorias nas relações comunicacionais
no âmbito familiar e extra-familiar, com diminuição de episódios raivosos e conflituosos.
143

3.4.4- Proposta de Conceituação da Técnica LSPM

A partir de todo o embasamento teórico e da análise qualitativa nos casos detalhados, o


presente autor apresenta a seguinte proposta de conceituação. A Leitura Sustentada pela Música
(LSPM) é uma técnica musicoterapêutica, apoiada por suporte literário, em que estímulos
musicais dirigidos e estratégicos auxiliam pessoas com fragilidade comunicacional - como é o
caso das pacientes com Transtorno Global do Desenvolvimento aqui analisadas - a superarem
dificuldades na expressão de suas falas, como: excessivo aceleramento e/ou lentificação na
oralidade frasal, sincopamento vocabular, incompreensões na pronuncia e recorrente supressão
da palavras no dircurso oralizado, situações que dificultam o fluxo dialogal dessas pessoas e as
colocam numa zona de retração social que causa sensíveis impactos emocionais e
comportamentais.

4 CONCLUSÃO

Após toda essa extensa e densa exposição científica, é cabível concluir que, sim, a
técnica batizada de Leitura Sustentada pela Música (LSPM) tem aplicabilidade clínica para
estimular uma melhor expressão comunicacional em pessoas com Transtornos Globais do
Desenvolvimento. Dão esteio a essa afirmação os resultados eficientes alcançados junto às
pacientes que atuaram como personagens-alvo dessa investigação. E é possível também atestar
que intervenções musicoterapêuticas são instrumental de potencialização sociorrelacional. A
melhoria na qualidade de vida das jovens analisadas - em especial nos cenários familiar e extra-
familiar - referenda esse ponto. Além disso, comprova-se que a leitura de obras literárias,
aliançadas a suporte musicoterápico, têm de fato efeito terapêutico. O trabalho ainda
efetivamente oportuniza a técnica estudada como viável opção interventiva para educadores e
terapeutas, especialmente aqueles ligados ao campo dos TGD.
144

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