Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CLÍNICA ARTÍSTICA
Quando a literatura, o teatro e a música
intervêm, tratam e curam
Compêndio de artigos científicos do Musicoterapeuta,
Psicopedagogo, Educador Inclusivo e Psicanalista,
especialista em Autismo e Saúde Mental
Carlos Correia Santos
1
BELÉM - PARÁ
2020
2
SUMÁRIO
O seu canal lacrimal reage diante de uma cena de teatro. O seu sistema auditivo dispara
inúmeras demandas de conexões sinápticas ao receber a vibração de uma simples nota lá vinda
de um violino. A sua memória olfativa acorda e demanda vários outros retornos cerebrais
enquanto seus olhos percorrem os escritos de um livro. A sua plasticidade cerebral se organiza e
se reorganiza a partir do estímulo cromático de uma pintura.
A Arte não apenas desperta as suas emoções. Ela faz, cientificamente, o seu corpo manifestar
respostas biológicas. E falas orgânicas são senhas para comprovar que as manifestações
artísticas podem intervir, tratar e curar.
Dediquei muitos anos da minha vida à produção artística de cunho estritamente entretenedor.
Fui muito feliz com isso, conquistei muitos fãs, evolui muito como ser humano. Todavia o
verdadeiro grande trampolim para que a minha verve, cognição e psique alçassem voos
imensamente altos e profundos se deu a partir do ponto de minha vida em que passei a me
qualificar como terapeuta que parte da Arte para promover intervenções e tratativas.
Hoje, já são muitos e belos anos comprovando cientificamente que o agir cênico oferta
caminhos de terapêutica socio-emocional, que a música - além de inferir nas células humanas -
acessa zonas neurológicas que recuperam a saúde do corpo e da mente, que a literatura pode
ajudar a abrir as portas do inconsciente autista, por exemplo, e ajudar a lenitivar a depressão,
que artes plásticas promovem melhora motora e relacional.
Minha carreira acadêmico-científica me trouxe a uma formação sólida, que muito me orgulha.
No momento em que concluo essa obra, sou Psicanalista, Psicopedagogo (ABPP/PA 2020006) e
Musicoterapeuta (CPMT-PA 036/19), com capacitação em Arteterapia, Terapia Cognitivo
Comportamental, Terapia Neurocientífica, especialista em Educação Inclusiva, especialista em
Autismo, especialista em Saúde Mental, especialista em Transtornos Globais do
Desenvolvimento e especialista em Neuropsicologia. Nesse livro, reúno os artigos científicos
que escrevi e defendi para que pudesse obter essas titulações todas, ao longo dessa densa
jornada.
4
Os aplausos como regalo aos meus fazeres estritamente artísticos eram retornos comoventes em
minha carreira. Mas os resultados concretos que tenho colhido nos meus settings clínicos
somados aos depoimentos de pais, professores e colegas da área da saúde, comprovando que as
terapias que tenho pesquisado e aplicado vêm ajudando consistentemente jovens com Síndrome
de Down, Autismo, Síndrome de Williams - entre outros cases - a terem maior e melhor
qualidade de vida... tudo isso é um aplauso infinitamente mais nobre e significativo.
Assim, o laudo conclusivo é preciso e claro: não me interessa a vaidade do sucesso efêmero
num palco. Estou curado dessa sedução. O que me faz aplaudir a vida é o sucesso no cotidiano
de um paciente amado.
5
A LITERATURA COMO
FERRAMENTA INTERVENTIVA
E TERAPÊUTICA
6
ARTIGO 01
PSICOLITEROTERAPIA: PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO DE CONCEITO PARA
TERAPIA MEDIADA POR TEXTOS LITERÁRIOS COMO AUXÍLIO NO
TRATAMENTO DA DEPRESSÃO EM AUTISTAS
RESUMO
ABSTRACT
Art has proven itself scientifically to be a significant therapeutic tool. The vast theoretical
references on Art Therapy and Music Therapy that exist today support this. Literature is also
part of this list of intervention possibilities, but it can still be more and better studied regarding
its treatment potential. This research aims to investigate the use of creative and / or receptive
literary expression as psychotherapeutic support in cases of depression in the universe of the
autistic spectrum. This article presents an experience report with qualitative analysis of the
intervention process with a young man with autism and depressive condition, in which literary
productions were used as inducers to assist in the communication of the patient's emotional
state. Therefore, this investigation intends to propose the concept of Psycholiterotherapy applied
to mental health in the field of autism.
1 INTRODUÇÃO
Desde seus primórdios, a Arte levanta questionamentos. De primeira ordem, inquirições
íntimas. Pessoais. Uma pintura propõe reflexões particulares sobre o condão imagético. O ato de
7
apreciar uma tela causa sensações sobre cores, formatos, padrões estéticos. Uma música influi
em estados emocionais, desperta lembranças, sentimentos, vivências. Um espetáculo cênico
colabora para reflexões situacionais, sociais, éticas. Um texto literário convida a supor imagens,
sons, sensações, sentimentos.
Contemporaneamente, entretanto, uma outra esfera de questionamento passou a ser
associada à Arte: o fazer artístico pode ter também implicações terapêuticas? Toda a fruição
proposta pelos segmentos artísticos pode servir como terapia em situações clínicas das mais
variadas?
Para buscar responder a isso, surge primeiramente a necessidade de fazer uma
indagação: o que significa a propriedade terapêutica, também conhecida como itinerário
terapêutico?
Em termos gerais, significa o arcabouço utilizado ou perseguido para se atingir a
tratativa sobre males orgânicos e/ou emocionais:
Tomando por base esse entendimento, começamos a abrir mais luzes sobre a
possibilidade dos fazeres artísticos impactarem sobre a saúde orgânica e mental/emocional.
Tudo o que hoje se sabe sobre as propriedades da música, sobre as acepções do fazer cênico e
sobre os alcances das atividades plásticas, entre outras ações de campos similares, comprovam
que a Arte têm aplicações e implicações terapêuticas. De acordo com Barros e Ferreira (2016), a
relação entre o processo de criação artística e a subjetividade humana constitui um importante
campo de estudo e intervenção. Tais pesquisadores frisam igualmente que diversos autores
como Jung, Nietzsche, Schopenhauer, Freud, entre outros, já destacaram o papel do processo
criativo e da estética como forma de expressão da subjetividade humana, salientando, assim, que
a Arte se torna uma estratégia terapêutica com benefícios para o tratamento de diversas
patologias.
forma mais profunda, além de seu discurso explícito muitas vezes confuso e delirante, e
de sua história de vida, freqüentemente incompleta (GOMES, 2005, p.05)
2 METODOLOGIA
O presente artigo científico adota como metodologia o relato de experiência com análise
qualitativa da aplicação da Psicoliteroterapia no processo de atendimento arterapêutico e
psicopedagógico realizado ao longo de um ano junto a I.C., rapaz de 16 (dezesseis) anos, com
diagnóstico clínico de depressão (CID 10 - F32.1) agudizada pelo Transtorno do Espectro
Autista (CID 10 - F84.0), com características da Síndrome de Asperger (CID 10 F84. 5), quadro
acentuado por dificuldades do paciente de comunicar seus sintomas e angústias.
9
3 DESENVOLVIMENTO
A enfermidade é uma construção cultural a partir das teorias e redes de significados que
compõem as diferentes subculturas médicas (...) a enfermidade é fundamentalmente
semântica e a transformação da doença em uma experiência humana e em objeto de
atenção médica se dá através de um processo de atribuição de sentido (FILHO,
COELHO & PERES, 1999, p.104)
Todas as gamas de complexidade que envolvem o estado depressivo, porém, abrem vias
não somente para conclusões plurais como para caminhos tratativos variados.
Ainda que a depressão (ou melancolia) seja reconhecida como uma síndrome clínica há
mais de 2 mil anos, até hoje não foi encontrada uma explicação plenamente satisfatória
de suas características intrigantes e paradoxais. Ainda existem importantes questões não
resolvidas sobre sua natureza, classificação e etiologia. (BECK & ALFORD, 2011,p.13)
Por ser tão multiconceitual e ter implicações tão delicadas, a depressão associada a
outros quadros clínicos se torna ainda mais agravada. É o caso dos estados depressivos em
pessoas com o Transtorno do Espectro Autista. Essa interrelação será mais a frente analisada.
Antes, no entanto, faz-se necessário compreender o TEA per si.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda é uma condição clinica enigmática, sendo
este considerado como de natureza multifatorial, ou seja, ainda não se sabe, ao certo, qual
a causa específica do TEA. A literatura oferece uma série de reflexões que giram em torno
dos aspectos genéticos, hereditários e ambientais. Os sintomas apresentados por sujeitos
autistas são: ausência de linguagem verbal ou linguagem verbal pobre; ecolalia (repetição
de palavras fora do contexto), hiperatividade ou extrema passividade, contato visual
deficiente, ausência de interação social, interesse fixado a algum objeto ou tipos de
objetos. O autismo refere-se ao conjunto de características, podendo ser encontrados em
sujeitos afetados desde distúrbios sociais leves sem deficiência mental, até deficiência
mental severa (FERREIRA, 2016, p.30)
A síndrome de Asperger (SA) caracteriza-se por prejuízos na interação social, bem como
interesses e comportamentos limitados, como foi visto no autismo, mas seu curso de
desenvolvimento precoce está marcado por uma falta de qualquer retardo clinicamente
significativo na linguagem falada ou na percepção da linguagem, no desenvolvimento
cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na curiosidade sobre o ambiente. Interesses
12
Uma vez explanadas todas as circunstâncias clínicas acima, chega-se a um binômio que
exige apreciação dedicada e circunspecta: os casos em que a depressão se associa ao universo
do Transtorno do Espectro Autista. Essa confluência não é rara. Muito pelo contrário. Tem se
tornado bastante comuns os diagnósticos dessa problemática associação. Difícil saber o que se
instaura em primazia. O espectro autista propicia a fragilização mental? Ou o sofrimento íntimo
acentua as fragilidades autistas? Essas dicotomias ainda não têm respostas pacíficas. Fato é que
as dificuldades comunicacionais e atitudinais inerentes ao TEA acabam favorecendo o
adoecimento emocional ao ponto da instauração do estado depressivo. E, outrossim, a inerência
da condição depressiva ganha contornos mais acentuados por conta das implicações do autismo.
recorrentes de morte. A ilação suicida se torna, portanto, bastante presente. O que torna urgentes
intervenções que melhorem a comunicação entre o sindrômico e as pessoas que o cercam. Os
autores afirmam ainda que, nesse sentido, têm sido feitas avaliações sistêmicas modestas das
intervenções para depressão em indivíduos com distúrbios do espectro do autismo, mas o
suficiente para concluir que intervenções específicas podem ser eficazes quando a condição é
identificada.
Ainda sobre o tema, Dheeraj, Dalman & Heuvelman (2018) reforçam que melhorar a
compreensão sobre o ônus da depressão em pessoas com autismo é importante porque tem se
reconhecido que essa correlação clínica por levar à redução do funcionamento social. Os
teóricos salientam que a depressão pode agravar as principais características do TEA, o que, de
fato, reforça o fator de risco para suicídio, questão recentemente destacada como causa
potencialmente importante de mortalidade prematura em indivíduos com autismo. E concluem
que, como a depressão é potencialmente tratável, sua identificação pode, assim, oferecer a
oportunidade de reduzir o sofrimento e levar a uma melhor qualidade de vida.
Vias de tratativa, portanto, são preponderantes. Assim, volta-se à discussão inicial deste
artigo: expressões artísticas podem ser esse caminho de tratamento?
O célebre escritor francês Émile Zola cunhou uma frase que se tornou célebre para o
entendimento da potência da criatividade humana: "a obra de arte é um reflexo do mundo visto
através da personalidade". Partindo dessa provocação poética, podemos rumar para conclusões
ainda mais contundentes.
Como já explanado nessa pesquisa, a Arte conquistou, ao longo do tempo, respaldos
que vão para além do campo da troca sensorial fruidora. Ela se prova cientificamente uma
atividade terapêutica.
Até o século XIX, os médicos observavam os esboços feitos por esquizofrênicos apenas
com curiosidade e para auxiliar no diagnóstico. Após a obra do médico francês Ambroise
Tardieu (1872) psiquiatras passaram a tentar identificar doenças mentais a partir de
produções artísticas (...) Seguiram-se os trabalhos de Max Simon (1879) e de Cesare
Lombroso sobre arte esquizofrênica. (...) Geraldo Lafora observa nos desenhos de doentes
mentais a existência de dissociações mentais nas suas construções fragmentadas,
inscrições simbólicas, condensações, estereotipias e perserverações gráficas. Nesse
período, a Psicanálise foi importante para identificar a arte como uma possibilidade na
terapêutica da doença mental (DANTAS, 2006, p.114)
da qual o paciente pode se comunicar por meio de materiais artísticos que facilitam a expressão
e a reflexão. A autora segue enunciando que esse território do saber se aplica a pessoas de todas
as idades e muitas patologias, em contextos diferentes: hospitais, cárceres, escolas e centros de
saúde mental.
Assim, a essa altura do presente trabalho, torna-se crucial centrar atenção sobre esse
aspecto: o viés arteterapêutico se faz significativo para pessoas com deficiência. Sobretudo,
quando o campo de déficit impacta na capacidade comunicacional, conforme detalha Lachowicz
(2019): "A arte é o registro dos sentimentos humanos (...) até trágicos. A arte é especialmente
importante para as pessoas deficientes (sic) que tentam expressar, de forma artística, o que não
são capazes de comunicar mediante a linguagem".
Artes plásticas, Artes Cênicas e Música, desta feita, auxiliam em processos
interventivos de ordens diversas no que tange às deficiências físicas, sensoriais e cognitivas. A
Musicoterapia, aliás, tem aplicabilidades bastante recorrentes junto a pessoas no Espectro
Autista, por exemplo.
Estudos empreendidos por Gattino (2012) dão a conhecer que pesquisas, publicadas em
2008 e 2009, sobre os efeitos da Musicoterapia em crianças com TEA, apresentam resultados
interessantes a respeito do rol das funções cognitivas. Verificou-se que, após doze sessões de
trinta minutos, a Musicoterapia foi capaz de facilitar comportamentos de atenção compartilhada
e habilidades não verbais de comunicação social.
Com tudo isso posto até aqui, por conseguinte, é possível retornar à menção ao
romancista Émile Zola, que abriu essa seção, e inquirir: a Literatura tem também já seu papel
terapêutico satisfatoriamente debatido? Esse é o cerne a ser analisado doravante.
O contato do autor desta pesquisa com I.C foi iniciado em 2015. Antes de ser uma
relação terapêutica, foi um convívio artístico-inclusivo. Diagnosticado com Transtorno do
Espectro Autista, mais detidamente identificado com a Síndrome de Asperger, e com depressão,
o jovem, então com 15 anos, foi um dos alunos do pesquisador no Cena Especial - Teatro
Inclusivo, projeto de extensão realizado na Faculdade Integrada Brasil - Amazônia (FIBRA),
tendo sido levado ao mesmo por sua mãe. Ao longo desse primeiro ano de convivência, o rapaz
participou do processo de montagem do espetáculo sensorial Pelos Olhos Dela.
Desde o início, I.C. mostrou dificuldades relacionais e comunicacionais. O que
desafiava seu professor imensamente. Como fazer o jovem participar das atividades de modo
mais integral? Como convencê-lo a se dedicar ao processo de montagem cênica? Como saber se
ele estava, de fato, sentindo-se bem com tudo aquilo? Ele estava ali por ele ou por vontade
materna?
A primeira senha de um caminho que se tornaria muito interessante a frente se deu
quando, em uma das aulas, foi utilizado o poema Motivo, de Cecília Meireles. I.C., que nunca
havia tido contato com aqueles versos, pediu para lê-los em particular, a um canto. Foi atendido.
Passados pouco mais de cinco minutos, voltou e afirmou que queria dizer o poema decorado. O
pesquisador que aqui se apresenta confessa ter duvidado que aquilo seria possível. Um jovem
16
tão introspectivo e com tantas barreiras comunicacionais conseguir decorar tão rápido um
poema nada simples e ainda querer apresentá-lo de cor para o professor e para a turma? A
chance, evidentemente, foi-lhe dada e o resultado comovente de tão surpreendente: I.C, não
apenas disse o poema decorado sem nenhum erro, como dotou a recitação de cada verso, de
cada palavra com notável expressividade: "Eu canto (batia com a mão no peito indicando ser ele
realmente o eu-lírico) porque o instante existe / E a minha vida (também batia a mão no peito,
como num reforço que aquela vida era mesmo a sua) está completa (fazia sinal com a mão
indicando completude) / Não sou alegre nem triste (fazia sinal negativo com o dedo) / sou poeta
(mais uma vez batendo a mão no peito e erguendo o rosto, em postura soberana)".
A experiência foi tão forte e comovente que fez ser tomada uma decisão: toda a
comunicação com o rapaz passou a ser sustentada por recursos literários. Inicialmente, o
professor escolhia ou criava poemas que contivessem mensagens que queria passar.
Posteriormente, o garoto começou a ser motivado a escrever suas impressões sobre tudo por
meio de obras literárias. Inicialmente foram poemas também. Mas logo surgiram contos e
dramaturgias criadas por ele.
O processo de montagem do espetáculo teve excelentes resultados, inclusive com I. C.
protagonizando uma cena em que dizia o poema Motivo ao som de instrumental de violinos e
violão. Performance apresentada durante dois anos para numerosas plateias em teatros, centros
culturais e mesmo praças públicas, com toda sorte de intempéries e variantes externas
incontroláveis.
O presente pesquisador percebeu que estava criado entre ele e o rapaz um caminho de
comunicação e expressão poderoso. Via que o ajudava a manifestar o que lhe ia no intimo. E
que também o encorajava a vencer desafios que são gigantes não apenas para o indivíduo no
espectro autista, como também para pessoas circunscritas pela depressão.
Essas premissas serviram de base para que fosse proposto à mãe do adolescente que ele
passasse a fazer um acompanhamento arteterapêutico e psicopedagógico com o pesquisador
para além do Cena Especial. A proposta foi aceita e iniciada em 2016, quando ele fez 16 anos.
Uma vez descolado para uma sala de atendimento terapêutico (a sala particular do
pesquisador), o caso de I.C ganhou um elemento de enfrentamento que ainda não tinha sido
revelado. A mãe informou que ele tinha ilações suicidas. A relação, então, deixou de ser
professor-ator com o objetivo de criação e apresentação de um produto cênico, para ser
terapeuta-paciente com o objetivo de acessar questões dolentes da depressão, em especial o
fascínio pelo desejo de morrer, e, assim, tentar chegar a resoluções psíquicas.
17
Ao ficar claro que havia sido estabelecido um método, uma técnica, surgiu a
necessidade de titulação/conceituação. Aquelas sessões podiam ser tipificadas como de Escrita
Terapêutica? Não porque havia também o uso terapêutico de bibliografias de autores diversos.
Podia ser chamada de Biblioterapia? Não porque havia a produção textual terapêutica. Além
18
disso tudo, o trabalho tinha por meta o acesso específico ao intrincado universo de um autista
com depressão. Havia um aporte de indução psíquica específico.
O presente pesquisador decide, então, criar o conceito de Psicoliteroterapia. Ou seja,
uma intervenção arte terapêutica centrada em indutores literários receptivos e criativos
destinada a acessar zonas psíquicas íntimas de uma pessoa no espectro autista leve, com
situação clínica agravada por quadro de depressão, com o intuito de auxiliá-la a reconhecer seus
sentimentos e angústias, entender seu próprio estado de sofrimento emocional e se expressar
sobre isso, de modo a facilitar a obtenção de ajuda tratativa.
A técnica apresenta as seguintes estratégias:
a) Psicoliteroterapia Receptiva: estratégia em que textos de autores diversos e de
gêneros diversos são usados como indutores para acessar estados emocionais fragilizados do
atendido, permitindo que ele reconheça que as obras falam sobre o que acontecem consigo e se
expresse sobre isso.
b) Psicoliteroterapia Criativa: estratégia em que, motivado por todo o cerco
estimulador da sessão, o atendido produz seu próprio texto, no gênero literário da sua escolha,
assumindo mais e sempre o compromisso de colocar nesses escritos os seus sentimentos mais
delicados e temerários, de modo a torná-los legíveis para si mesmo, possíveis de serem
expressados para outrem e passíveis de enfrentamento e superação.
Os resultados aferidos junto a I.C. foram imensamente satisfatórios. Segundo sua mãe,
em apenas dois meses de sessões, a ilação suicida desapareceu. O rendimento na escola
aumentou. O terapeuta percebeu também, ao final de um ano, pontos positivos como: melhora
acentuada no desenvolvimento comunicacional (grande fragilidade basilar do TEA), incremento
na capacidade de se auto reconhecer (entender seu próprio estado emocional, compreender
melhor suas alegrias e tristezas), avanço na capacidade de expressar suas dores e angústias para
o outro, surgimento do interesse em resolver per si os seus conflitos.
4 CONCLUSÃO
Por tudo estudado, exposto e analisado é possível concluir que, sim, a expressão literária
criativa e/ou receptiva se comprova um suporte psicoterapêutico eficaz em casos de depressão
no terreno do espectro autista. O processo de intervenção vivido junto a I.C. o auxiliou
concretamente a superar as dificuldades comunicacionais impostas pelo estado depressivo
19
associado ao TEA. O jovem contornou o que Solomon chama de "solidão que destrói a conexão
com os outros e deteriora a capacidade de estar em paz consigo mesmo". Foi possível,
outrossim, cunhar um conceito inicial para a Psicoliteroterapia, a se repetir: intervenção arte
terapêutica centrada em indutores literários receptivos e criativos destinada a acessar zonas
psíquicas íntimas de uma pessoa no espectro autista leve, com situação clínica agravada por
quadro de depressão, com o intuito de auxiliá-la a reconhecer seus sentimentos e angústias,
entender seu próprio estado de sofrimento emocional e se expressar sobre isso, de modo a
facilitar a obtenção de ajuda tratativa. A conceituação permitiu ainda classificar o método em
duas estratégias aqui reafirmadas: psicoliteroterapia receptiva e psicoliteroterapia criativa. A
presente pesquisa também se conclui eficaz na medida em que efetivamente se apresenta uma
técnica viável e ao dispor de educadores e terapeutas interessados num caminho alternativo de
intervenção e comunicação junto a pessoas com Autismo. E, por fim, a presente pesquisa
comprova, com os resultados positivos obtidos junto ao paciente, que a Literatura tem notável
pertinência terapêutica.
20
ARTIGO 02
RESUMO
ABSTRACT
Motor frailty and anxiety disorders are two constants observed in the universe of Attention
Deficit Hyperactivity Disorder. As a result, one of the daily fields most impacted on people with
this clinical typification is that of writing. Great are the difficulties to write legibly and to
concentrate on what is being written. The aim of this paper is to investigate the premises of
therapeutic writing as a form of psychopedagogical intervention along these difficulties. Guided
by an experience report with qualitative analysis, this article presents the experience of applying
playful textual production strategies aimed at trying to help, over the course of a year, a young
man with ADHD to overcome his graphological and emotional weaknesses. The present work
proposes to name these strategies of Textual Games of Temporal Self-Management (TGTSM
Games).
1 INTRODUÇÃO
O ato de escrever, na vida juvenil e adulta, para uma grande maioria de pessoas, é tão
intrínseco às práticas cotidianas que se torna mesmo automatizado. É feito sem que haja muitas
autorregulações. As letras, sílabas, frases e parágrafos fluem enquanto o pensamento vai se
encadeando e ditando o que precisa ser grafado. Mas o uso da ressalva "para uma grande
21
maioria de pessoas", aqui nesse início de texto, não foi aleatório. Assim foi posto porque há um
significativo manancial de indivíduos para os quais o ato redacional é eivado de dificuldades,
fragilidades e desafios. Um dos segmentos que mais vivem esses enfrentamentos é o das
pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, o TDAH.
A escrita humana é o resultado de um intrincado sistema de funções e ações. É atividade
que exige confluência de fatores, entre outros, cognitivos e mecânicos. E, para que tal se
processe de maneira satisfatória, urge não haver no cérebro, no corpo e na psique questões
limitadoras, distratoras e/ou disfuncionais.
Vencer todas essas etapas subjacentes do ato de escrever exige grandes habilidades de
superação para as pessoas com TDAH por razões bastante pontuais. O Transtorno do Déficit de
Atenção e Hiperatividade traz em si comprometimentos processuais notórios para quem estuda
esse terreno, entre os quais se destacam a fragilidade motora e a dificuldade de concentração. O
que gera ansiedade.
22
Costa & Outros (2013) esclarecem que, além das características persistentes inerentes
ao transtorno, indivíduos com TDAH apresentam uma série de dificuldades que comprometem
o desempenho nas atividades de vida diária, sendo possível elencar: dificuldades na
comunicação falada e escrita, memorizar, planejar, organizar e executar tarefas, dificuldades
com relação às habilidades psicomotoras como, coordenação motora global e fina, equilíbrio,
lateralidade, organização espacial e temporal, uma vez que, a habilidade psicomotora das
crianças com TDAH tendem a ser expressivamente inferior ao que espera em cerca de 30% a
50% dos casos avaliados.
Barbosa & Munster (2011) informam ainda que o TDAH é caracterizado por
dificuldade de concentração, associadas à hiperatividade e impulsividade. Revelam também que
os impactos se iniciam na infância e perduram até a vida adulta. Os autores igualmente explicam
que as inadequações acadêmicas e sociais apresentadas evidenciam a necessidade de adaptação
no ambiente educacional, visando a atender as necessidades especiais dessa população.
E, de modo geral, é justamente na vida escolar que as severas desestruturações no ato de
escrever se apresentam para os indivíduos com o transtorno em epígrafe. As intensas rotinas de
aula cobram, em esferas diversas, o bem escrever. No entanto, o consórcio entre as
problemáticas motoras e atencionais confluem para uma produção grafológica sincopada, mal
definida e desestruturada. Não por vontade do indivíduo, mas por sua condição clínica. Isso, em
meio a todas as outras circunstâncias do transtorno e demais cobranças socioatitudinais, gera
frustração. A tentativa de contornar essa frustração concorre para o incremento do estado
ansioso. E esse estado impacta na cognição da pessoa com TDAH: "as respostas orgânicas à
ansiedade (...) determinam o aprendizado. Entretanto, a concentração, o aprendizado e a
percepção aumentam ou são distorcidos quando ocorre um aumento na intensidade da
ansiedade" (JOSÉ & OUTROS, 2015, p. 144).
A análise científica de uma ação terapêutica junto a essa complexa questão é o cerne do
presente trabalho. O objetivo geral dessa pesquisa, portanto, é investigar a aplicação da técnica
batizada de Jogos de Autogestão Temporal (Jogos TAT) como ferramenta psicopedagógica de
intervenção junto a um jovem com TDAH, com o intuito de o auxiliar a contornar suas
fragilidades motoras e seu quadro de ansiedade para, assim, conseguir melhorar sua escrita
(caligrafia, ortografia e construções frasais). Os objetivos específicos são estudar a eficácia do
uso de técnicas de escrita terapêutica como solução interventiva junto aos déficits de atenção;
esmiuçar a pertinência da aplicação de jogos psicopedagógicos no acompanhamento de pessoas
com TDAH; e oferecer a terapeutas e educadores uma solução lúdica para atuar perante
fragilidades grafológicas.
No trajeto dessa apreciação acadêmica, entrementes, será importante responder aos
seguintes questionamentos: conceitualmente, como podemos definir o TDAH? De que forma se
entende clinicamente a ansiedade? O que á a dificuldade de autogestão temporal no TDAH e
23
como ela é agravada pelas fragilidades motoras e atencionais? O que é a Escrita Terapêutica?
De que forma os jogos, em especial os psicopedagógicos, podem auxiliar num quadro de
hiperatividade e déficit de atenção? Qual conceito pode ser proposto para os Jogos de
Autogestão Temporal?
2 METODOLOGIA
O presente artigo científico adota como metodologia o relato de experiência com análise
qualitativa da aplicação dos Jogos de Autogestão Temporal no processo de atendimento
psicopedagógico realizado ao longo de um ano junto a L.C.M.Z, jovem de 16 (dezesseis) anos,
com diagnóstico clínico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (CID F90).
3 DESENVOLVIMENTO
qualidade de vida das pessoas que o têm, caso esses indivíduos não sejam diagnosticados e
orientados precocemente.
A hiperatividade mental apontada por Silva, outrossim, é fator preponderante para o
desencadeamento de outro estado clínico especialmente importante para a pesquisa aqui
empreendida: a ansiedade
portar. Essa intensidade atitudinal e reativa configura episódios intensos de postura ansiosa.
Oliveira & Miranda (2016) informam que de 25 a 40% dos casos de TDAH apresentam
Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). As autoras revelam ainda, em suas análises, a
incidência de outras comorbidades comuns: em torno de 60%, constata-se evidência de
Transtorno Opositor Desafiante (TOD), associado a irritabilidade e alterações de humor. De 30
a 50% mostram comportamentos antissociais e, em 50%, aparecem quadros comportamentais de
bipolaridade ou transtorno de humor.
Como já enunciado na parte introdutória deste artigo, a prática da escrita humana
depende da confluência de uma série de fatores satisfatórios. Decididamente, um patamar em
que se encontra a ansiedade e as demais comorbidades explicitadas não configura fator
satisfatório. Pelo contrário. Tudo isso é pressuposto de desestrutura cognitiva, sobretudo no que
se refere à função da atenção. As conseqüências na produção grafológica são inevitáveis.
E as dificuldades vão além. A constância ansiosa convive ainda, no TDAH - conforme
também já prenunciado na introdução desta pesquisa -, com outra questão que merece olhares
detidos: as fragilidades na motricidade.
A Escrita Terapêutica pode ser uma forma de intervir nesse complexo quadro. Uma
forma de auxiliar a pessoa com TDAH a terapeutizar suas dificuldades de produção textual,
decorrentes dos fatores todos apresentados até aqui.
Mas, afinal, o que é a Escrita Terapêutica? Segundo Filgueiras & Marcelino (2008) a
investigação nesta área foi iniciada nos anos 1980 por James Pennebaker e colaboradores que
demonstraram que escrever de forma interventiva pode ter um efeito positivo em diversos
aspectos da vida dos indivíduos. Ambos expressam ainda que na área específica dos contextos
de saúde, este paradigma também produziu resultados relevantes, uma vez que James
Pennebaker e colaboradores verificaram que escrever sobre situações ou eventos estressantes,
durante alguns minutos por dia, produziu efeitos salutares positivos.
Uma vez apresentada essa possibilidade, algumas indagações permanecem cabíveis:
como apresentar propostas de escrita terapêutica junto a pessoas com TDAH? De que forma sua
atenção pode ser captada dentro dessa proposta? Uma possibilidade de resposta que se apresenta
é: que tal por meio de jogos?
A busca por soluções que possam bem inferir em casos de problemas redacionais no
universo do TDAH passa pelo aporte psicopedagógico. E, nesse sentido, urge considerar se
adotar confluências de estratégias. A escolha do uso de jogos como formato interventivo, no
caso dessa pesquisa, deu-se em função dos gostos e aptidões apresentados pelo paciente alvo da
presente investigação, conforme será melhor detalhado a frente. Mas uma vez tomada a decisão
da aposta em instrumental interventivo lúdico - com cerne de incitação à escrita terapêutica -,
que jogos deveriam ser usados? Os jogos tradicionais? Teriam eles a premissa almejada? Quais
teriam? Ou jogos psicopedagógicos que pudessem ser criados com o intento de escrita
terapêutica? A segunda opção foi a escolhida.
Conforme elucida Mrech (2008), a Psicopedagogia, com base na Psicanálise, revela que
o conhecimento e o saber não são apreendidos pelo sujeito de forma neutra. Para a autora,
dentro do sujeito há uma luta entre o desejo de saber e o desejo de não-saber. E este processo
acaba por estabelecer para o sujeito determinadas posições da assimilação e incorporação de
quaisquer informações e/ou processos formativos. A pesquisadora afirma que essas
circunstâncias se refletem tanto no plano consciente quanto inconsciente. Desta feita, prossegue
ela, diante do uso de jogos, o sujeito pode se direcionar para o desejo de saber.
Um importante complemento ao entendimento dessa premissa é trazido por Gomes,
Motta e Cruz (2010). Apontam eles que cada vez mais tem se destacado a utilização de jogos
29
O jovem L.C.M.Z., então com 16 anos, foi trazido por sua mãe para que iniciasse com
o autor deste artigo um processo de acompanhamento psicopedagógico capaz de intervir sobre
suas contundentes dificuldades relacionais e educacionais. Diagnosticado com TDAH desde os
cinco anos, o rapaz nunca tinha passado por um processo psicoterapêutico. Foi informado que,
no terreno pessoal e familiar, vivia em constantes conflitos: não tinha ciclo de amizades no
prédio em que morava, excessivamente autocentrado e não participativo nas rotinas domésticas,
brigas frequentes e fortes com a mãe, irmã e avó. As queixas trazidas para o setting sobre sua
situação na vida escolar eram também muitas: extrema desatenção, sucessivos episódios de
raiva contra os colegas, intensa introspecção que impedia a realização de trabalhos em equipe,
plena incapacidade de se manter quieto, falta de senso imaginativo, figurativo e criativo (o que
resultava em especial empecilho para lidar com as demandas da disciplina Literatura) e uma
baixíssima qualidade de escrita: letras ilegíveis, irregulares, sem estabilidade linear, ortografia
deficitária, palavras subtraídas em frases de modo a incompletar orações, entre outras questões.
A problemática redacional influía no rendimento de várias matérias estudadas. Foi decidido,
então, que o início das intervenções seria nesse campo.
No que tangia ao humor, o jovem fez questão de estabelecer de imediato o intento de
antagonizar com o terapeuta. Sua postura era cabalmente objetiva, sem sutilezas, irônica,
desafiadora, mesmo desrespeitosa. No primeiro encontro, trouxe consigo um jogo eletrônico e
deixou claro que aquele artefato lhe era mais interessante que qualquer outra coisa.
Centrado no processo de construção do par analítico, o presente psicopedagogo
percebeu que a afeição de L.C.M.Z por jogos indicava um caminho oportuno a ser seguido. Foi
sondado quais outros lhe agradavam. Descobriu-se que não eram só os eletrônicos. O xadrez
também o estimulava.
30
contra o jogador. É fundamental notar que a ideia não é a de competição com o outro. A
proposta é mesmo de autodesafio. O jovem compete consigo mesmo. E só tem êxito se houver
empenho em se concentrar e realizar de modo satisfatório as demandas gráficas. Quanto mais e
melhor ele fizer os tracejados, dentro de um tempo cronometrado, maior será a sua vitória
pessoal. Não há aqui troféus, medalhas, prêmios. Há o elogio, o aplauso, o reconhecimento do
terapeuta. Recompensa que só se torna válida se antes construído um sólido vinculo terapêutico.
Ainda nessa fase, o mediador vai guardando as cartelas nas quais o atendido realiza as
atividades e vai lhe mostrando, sessão a sessão, sua evolução. Há nisso também o sentido de
jogo, pois remete ao conceito de evolução de fases.
b) Segunda Etapa (Produção Textual Antiacelerada): Enquanto na primeira etapa,
temos a premissa padrão da cronometragem (fazer algo o mais rápido possível dentro de uma
corrida contra o avançar do tempo), nesta segunda, o princípio se inverte estrategicamente. O
atendido recebe uma folha de redação com linhas numeradas. Sua missão será escrever um texto
com a quantidade de linhas estipuladas pelo aplicador. Mas a regra é: não será permitido que
essa redação seja concluída antes que se encerre um determinado prazo temporal extenso. Por
exemplo: escrever um texto com número x de linhas ao longo de dez minutos. Se a escritura for
concluída em seis, sete, oito, nove minutos... o desafio não está cumprido. O desafio também
não é bem sucedido se encerrado para além do tempo determinado: onze minutos, doze minutos.
Isso convida o atendido a planejar e administrar o seu tempo redacional. Ele precisa focar,
acalmar-se, apurar sua motricidade e escrever sem pressa. O resultado precisa ser legível e
coerente. O que também estabelece a necessidade de pensar sobre o que está sendo redigido.
Dado importante: o participante não fica vendo o cronômetro. Apenas o terapeuta fica. Outra
premissa: essa extensão temporal vai sendo aumentada. Quinze minutos. Vinte minutos. Mais
uma vez, o princípio é o do autodesafio.
c) Terceira Etapa (Escrita Imaginativa / Confessional): uma vez percebidos avanços
na caligrafia e na gestão temporal, passou-se para a terceira etapa. Nesta, não havia, para
L.C.M.Z, corrida contra o tempo ou diluída no tempo. O desafio tornou-se figurativo, com o
intuito de que o jovem exercitasse na sua escrita não apenas o apuro estético e do conteúdo, mas
também a capacidade de criar, metaforizar, imaginar. O comando era: escrever textos ficcionais
(tramas totalmente inventadas por ele), que precisavam ser situadas no passado ou no futuro (ele
podia escolher). Era preciso criar enredos com início, meio e fim. Coesos e coerentes. A
temática para essas narrativas também eram determinadas pelo mediador. E sempre se
baseavam nas fragilidades emocionais e relacionais do atendido: dificuldades de fazer amizades,
conflitos familiares, assuntos sentimentais. Mantendo o resultado das etapas anteriores, os
textos eram produzidos com caligrafia mais legível, menos deficitária e o tempo de escrita era
mais estendido, o que lhe permitia ponderar sobre o que estava criando e redigindo. O
cronometro continuou sendo usado apenas pelo terapeuta. Ao final da construção de cada texto,
32
era repassado quanto tempo transcorrera no processo de cada redação. Assim, o mediador
informava se a escrita havia sido mais ou menos acelerada, convidando o rapaz a refletir sobre
sua dinâmica redacional. O pendão de jogo não se perdeu. Ele continuava precisando se
autodesafiar e superar suas limitações para progredir e "vencer". Nunca competindo com
ninguém mais, a não ser consigo mesmo. Como se percebe, entrementes, essa etapa era
essencialmente de escrita terapêutica, uma vez que o bojo era o convite a autopercepção e a
reflexão sobre situações pessoais, tudo isso associado ao estímulo do incremento da habilidade
de criar, metaforizar, subjetivar por meio da expressão textual
A aplicação dos Jogos TAT junto a L.C.M.Z teve claros, louváveis e significativos
resultados positivos. Relatos de seus professores atestam que o rendimento escolar teve um
grande ganho de qualidade. Sua letra melhorou sensivelmente. A produção textual também se
tornou mais qualitativa. As redações, além de terem se tornado legíveis, passaram a ter
coerência, coesão e, quando demandado, cunho metafórico, imaginativo e criativo. Houve
melhora de resultados na disciplina Literatura e se tornou viável a realização de trabalhos em
grupo em todas as outras matérias, bem como a participação em eventos colegiais extra-classe
com colegas de turma. No ambiente doméstico, os relatos da mãe foram de que os conflitos
familiares se amenizaram e os episódios de isolamento se tornaram mais raros. A relação com o
terapeuta se tornou mais vinculada, sem perder os momentos de trocas de ironias, que não eram
mais desrespeitosas, e sim bastante bem humoradas.
4 CONCLUSÃO
Toda a presente pesquisa tem por conclusão que os Jogos de Autogestão Temporal
(Jogos TAT) tiveram pleno êxito como estratégia psicopedagógica de escrita terapêutica para o
controle da motricidade e da ansiedade junto a L.C.M.Z., uma vez que o uso dessa técnica
efetivamente atingiu o objetivo geral proposto e resultou na melhora de sua escrita (caligrafia,
ortografia e construções frasais). O condão imaginativo do atendido foi também incrementado.
Os objetivos específicos foram igualmente contemplados: as premissas da escrita terapêutica se
comprovaram solução interventiva junto ao déficits de atenção; foi atestada a pertinência da
aplicação de jogos psicopedagógicos no acompanhamento de uma pessoa com TDAH; e os
resultados obtidos configuram que é possível, sim, oferecer a terapeutas e educadores uma
solução lúdica para atuar perante fragilidades grafológicas. Por fim, toda essa pesquisa
oportunizou a criação de um conceito para os Jogos TAT e também três etapas de aplicação
detalhadamente enunciadas.
33
O TEATRO COMO
FERRAMENTA INTERVENTIVA
E TERAPÊUTICA
34
ARTIGO 03
RESUMO
O Teatro Inclusivo é ainda um conceito recente no campo da Arte e mais ainda uma técnica
nova no que tange às intervenções comportamentais à disposição da Psicopedagogia. A presente
pesquisa tem o objetivo de investigar a pertinência do uso desse instrumento para auxiliar a
pessoa com Síndrome de Down nos aspectos que envolvem as funções cognitivas da atenção e
da memória, de modo a propiciar um maior desenvolvimento sócio comportamental. Trata-se de
um relato de experiência com análise qualitativa do processo de montagem do espetáculo teatral
O Pequeno Príncipe, dentro de um projeto de extensão universitária denominado Cena Especial.
Como resultado, constatou-se que o chamado Teatro Inclusivo, que usa técnicas dramatúrgicas
capazes de unir pessoas com e sem necessidades especiais na busca de superações de limites,
pode ajudar a pessoa com Síndrome de Down a apresentar significativos avanços cognitivos,
especialmente no que se refere à concentração, memorização e desenvoltura relacional.
ABSTRACT
The Inclusive Theatre is still a new concept in the Art field and even more a new technique for
the behavioral interventions available to the Educational Psychology. This research aims to
investigate the relevance of using this instrument to assist the person with Down Syndrome in
aspects involving the cognitive functions of attention and memory, in order to foster increased
social behavior. The methodology used is the experience report with a qualitative analysis of the
assembly process of the theatrical spectacle The Little Prince, within the university extension
project Special Scene. As a result, it was found that the so-called Inclusive Theatre, which uses
dramaturgical techniques to unite people with and without disabilities in finding overruns limits,
can help a person with Down Syndrome show significant cognitive advances, especially as
regards concentration, memory and relational resourcefulness
1- INTRODUÇÃO
de aprendizagem mais lento (...) Elas têm, em geral, um perfil de aprendizagem específico”
(SILVEIRA, 2012, p.18).
Os processos referentes à atenção, memória e, consequente desenvolvimento humano,
são temas ligados à Neurociência que podem trazer luzes importantes ao desenvolvimento
cognitivo. Procurar entender se o fazer teatral influi nesses terrenos e se essa influencia é
especialmente relevante no auxílio a pessoas com Síndrome de Down é pressuposto capaz de
legar estratégias de intervenção muito úteis a serem usadas em ambientes diversos, como a
escola, centros culturais e mesmo clínicas psicopedagógicas.
Desta forma, o objetivo geral dessa pesquisa é investigar o Teatro Inclusivo como
instrumento psicopedagógico potencializador das funções cognitivas da atenção e da memória
junto a pessoas com Síndrome de Down. Os objetivos específicos são comprovar a eficácia
pedagógico-terapêutica do Teatro Inclusivo, averiguar o Teatro Inclusivo como mecanismo de
socialização da pessoa com déficit cognitivo e analisar o Teatro Inclusivo como fator de
desenvolvimento humano.
No esteio dessa investigação, faz-se fundamental, por conseguinte, aferir alguns
questionamentos: qual a contribuição do Teatro Inclusivo para o estímulo da atenção, memória e
desenvolvimento da pessoa com Síndrome de Down? De que modo o Teatro Inclusivo pode ser
usado como ferramenta que favoreça maior concentração e fluxo memorial da pessoa com
Síndrome de Down? O Teatro Inclusivo pode melhorar a capacidade de aprendizado e
socialização da pessoa com Síndrome de Down?
Para tentar buscar respostas a esses pontos, faz-se relevante discutir tópicos como: o que
é a Síndrome de Down; de que modo a Síndrome afeta a atenção, a memória e o
desenvolvimento; o que são as funções cognitivas da atenção e da memória à luz da
Neurociência, de que forma o Teatro, de modo geral, é utilizado como ferramenta
arteterapêutica e psicopedagógica, e o que é o Teatro Inclusivo e como ele tem sido usado como
instrumento estimulador da cognição junto a pessoas com Síndrome de Down.
2- METODOLOGIA
Com base em análises das características físicas similares em filhos de mães acima de
35 anos, Haydon Down desenvolveu uma listagem em que descrevia suas observações com
relação a essas crianças, designando-as como amáveis e amistosas (GOMES & OLIVEIRA,
2016, p.05). Entrementes, fortemente influenciado pela Teoria da Evolução de Charles Darwin,
o médico cunhou sua explicação sobre a síndrome ligando-a a um entendimento étnico,
sugerindo, assim, ser a questão um estado de regressão na linha evolutiva.
Após esses apontamentos de Haydon, a síndrome passou a ser atribuída a
intercorrências como a tuberculose, a sífilis e o hipotireoidismo e os pacientes começaram a ser
ainda designados como “crianças inacabadas”. E não apenas isso. Antes que se chegasse ao
entendimento da alteração cromossômica, os sindrômicos enfrentaram preconceitos e
terapêuticas cruéis, sendo até mesmo mantidos em condições de internação hospitalar bastante
precárias. A fase derradeira dessa condução histórica da SD esteve ainda atrelada à intolerância
religiosa e igualmente coincidiu com o Holocausto Judeu.
O termo “mongolismo” é cunhado como forma de identificar as pessoas com aquele
padrão físico em função das mesmas se assemelharem ao fenótipo asiático, da Mongólia. As
investigações em torno do assunto, outrossim, avançaram e, apenas quase um século depois das
primeiras observações de Haydon Down, iniciam-se as percepções de ordem genética. No ano
de 1959, trabalhando de forma independente, os cientistas Patricia Jacobs e Jerome Lejeune
apontam que a causa do chamado “mongolismo” estava ligada à trissomia do cromossomo 21,
estabelecendo, assim, um marco no histórico investigativo sobre a síndrome.
O fato, porém, é que muito ainda pode ser avançado na pesquisa cientifica e na
humanização dos tratamentos em torno da Síndrome de Down. Superadas as fases históricas em
que a questão era ainda parcialmente entendida e avaliada, cabe às pesquisas acadêmico-
científicas o trabalho de mais e sempre entender o tema e cercá-lo de arcabouços e pressupostos
de incremento na qualidade de vida dos seus diagnosticados.
Mas o que é exatamente a Síndrome de Down (SD)? Hoje, é pacifico definir-se que se
trata de uma desordem genética caracterizada pela trissomia no cromossomo 21 do genoma
humano. Ou seja, no lugar do sistema cromossômico apresentar nessa posição um par, como
esperado, os diagnosticados comportam uma trinca de cromossomos 21.
Mas já se sabe, hoje, que há outras questões cromossômicas associadas aos sindrômicos,
conforme atesta (PUESCHEL, 1993, p.54): “geneticistas detectaram, subsequentemente, que,
além deste, havia outros problemas cromossômicos em crianças com Síndrome de Down, ou
seja, translocação e mosaicismo”.
Toda a tipologia genética infere em características clássicas nos sindrômicos, como
comprometimentos cognitivos, déficits intelectuais, língua grossa, maxilares reduzidos, cabeça
arredondada, olhos puxados, diferenciação do número padrão de falanges nos dedos da mão,
entre outros aspectos.
Ao contrário do que se dava em décadas anteriores, o diagnóstico não é mais feito
apenas depois do nascimento. Pode ser feito ainda durante a gestação, o que induz em melhores
indicativos de vida para o diagnosticado.
A SD não tem cura, mas a qualidade de vida do sindrômico pode ser plena e precisa ser
salvaguardada com garantias de acompanhamento e tratamentos clínicos e suporte educacional
especializado. Aspecto em que a Psicopedagogia pode, em muito, ser suporte e diretriz.
De acordo com Silveira, vários são os estudos que hoje comprovam a existência de
fatores facilitadores da aprendizagem junto à crianças com SD. Destacam-se entre esses fatores
aspectos como fortes habilidades e reconhecimento visuais relacionados a habilidades para
aprender e usar sinais, gestos e apoio visual; habilidades para aprender e usar a palavra escrita;
imitação de comportamentos e atitudes dos colegas e adultos; aprendizagens com vertente
prática, materiais didáticos direcionados a atividades de manipulação.
A atenção pode ser conceituada como a habilidade de selecionar e manter um foco, seja
por meio de estímulo ou informação, em meio aos variados pontos focais que recebemos por
nossos sentidos, memórias armazenadas e outros processos cognitivos (FISCHER & FONTES,
2016, p.04). Em resumo, o ser humano centra atenção sobre aquilo que julga importante em
dado momento.
A atenção apresenta graus classificatórios, podendo ser:
a) Seletiva: quando o estímulo sobre o qual se assenta o foco é escolhido pela pessoa.
Uma ação é selecionada em detrimento de outra para receber fruição.
42
No dia a dia humano, a memória costuma ser uma das funções cognitivas mais
demandadas. Ela se refere à capacidade de deter informações e conhecimentos, absorvê-los e
processá-los. São os níveis de atenção que levarão a melhor depuração da memória. Uma vez
comprometida a atenção, também comprometida estará a habilidade memorial. Também são
relevantes para o bom fluxo da memória outros fatores cognitivos como a percepção e o condão
associativo.
Arte é vetor terapêutico. E essa não é uma afirmação empírica. Já consideráveis são os
estudos, teses, pesquisas de muitas ordens que cientificam essa constatação. O fazer artístico do
modo geral tem como condão despertar e/ou alterar estados emocionais. Tomando por base
termos da Teoria da Comunicação, o artista é o emissor de propostas emotivo-sensoriais e o
público o receptor das mesmas. Tanto mais eficiente será o processo artístico quando o fluxo de
emissão e recepção promove feedbacks transformadores. Esse jogo de troca de sensações e
reações influi em aspectos humanos vários. O comportamento e a cognição são alguns deles. De
um lado, há a premente necessidade do bom estado das funções cognitivas na emissão do
estímulo artístico. Um artista, ao ofertar seu fazer criativo, precisa do melhor de sua atenção e
de sua memória, por exemplo. De outro, os estímulos enviados promovem o aguçamento das
funções cognitivas em quem as recebe.
Uma das mais seculares formas de se buscar visões diferenciadas sobre o humano ser é
o exercício da criatividade. Esse exercício é o que também favorece o encontro de pontos de
vista alternativos para problemáticas do foro psíquico (MARTINS, 2012, p.06). O contato com
o mundo sensível e o desenvolvimento emocional promovem crescimento pessoal. Esses
pressupostos são comumente aferidos nos processos arteterapêuticos, permitindo o
enriquecimento do imaginário, colaborando para o autoconhecimento e, assim, impulsionando a
transformação individual.
Pratica surgida nos primórdios da humanidade, o Teatro tem fortes relações com
aprendizagem, conhecimento e cura. A estrutura básica do pensamento humano é cênica. E isso
se pode perceber desde as mais primeiras brincadeiras de infância. Some-se a isso o fato de que
o Teatro é uma forma de expressão capaz de atingir todos os humanos por conta de seus
aspectos sensoriais e estéticos (NEVES, 2006, p.17).
Os resultados cognitivo-comportamentais proporcionados pelo fazer teatral, quando
usados como ferramenta arte-terapêutica, mostram-se, assim, estratégias extremamente
oportunas para a clínica psicopedagógica. Lançar mão de jogos teatrais nas intervenções
propostas em terapias que busquem amainar, contornar ou resolver problemas pedagógicos é
caminho abalizado pela ciência.
Nesse sentido, a pessoa com Síndrome Down se vale também desse instrumental de
modo bastante relevante. Conforme já discorrido, os sindrômicos apresentam maiores
potencializações comportamentais quando postos em contato com insumos que favoreçam
estímulos visuais, contato com escrita e com mímicas corporais e jogos inter-relacionais. O
teatro é justamente um manancial que se debruça sobre todas essas circunstâncias.
Partir das premissas básicas da arte teatral e usá-las como estratégias que promovam a
Inclusão da pessoa com deficiência tem se constituído nos últimos anos caminho exitoso não
apenas no que se refere a bons resultados artísticos. Benefícios vários vêm sendo comprovados
em terrenos como a Neurociência, Psicologia, a Pedagogia e a Psicopedagogia. O teatro, como
pressuposto inclusivo educacional, atestadamente tem auxiliado na melhoria da qualidade de
vida da pessoa que convive com deficiências de diversas ordens.
Mas o que seria afinal o Teatro Inclusivo (TI)? A presente pesquisa propõe a seguinte
definição para esse fazer artístico-pedagógico: processo de criação em artes cênicas que,
acolhendo em seu bojo pessoas com e sem deficiência, promove estudos, experimentações,
jogos, debates e processos de montagens cênicas que unam todos os participantes em torno de
provocações criativas que auxiliem nas superações de barreiras físico-cognitivas e que busquem
como resultados espetáculos e/ou performances cênicas que mostrem o potencial desses
participantes com e sem deficiência e proporcionem aos mais diversos públicos participar de
vivências que reproduzam limites dos universos das deficiências.
suas propostas de modo ainda mais centrado em aspectos desse público que pedem por
intervenções.
Criado pelo presente autor no ano de 2015, como projeto de extensão universitária da
Faculdade Integrada Brasil – Amazônia (FIBRA), o Cena Especial tem o uso do TI como sua
principal estratégia de ação. A meta do projeto é a formação de atores-inclusivos: pessoas com
mais de 18 anos, portadoras ou não de deficiência, dispostas a montar espetáculos que abordem
questões relacionadas à Educação Especial e a inclusão social da pessoa com deficiência.
b) Identificação das limitações de cada participante e uso de técnica específica para cada
caso. Uso de exercícios corporais e exploração textual específicos para cada caso entre os
participantes com deficiência física;
c) Discussão permanente dos diferenciais que um artista precisa ter para usar a arte de
forma inclusiva. Discussão feita por meio de debates, análises de pesquisas, exibição de filmes e
constante proposição de desafios que façam os participantes entenderem o que é e como precisa
funcionar a inclusão no teatro;
A primeira turma do Cena Especial teve entre seus participantes pessoas sem deficiência
e pessoas cegas, surdas, autistas e dois alunos com Síndrome de Down. Gabriel Rolim (20 anos)
e Ana Clara (19 anos). Todos compuseram o elenco do primeiro espetáculo inclusivo montado
pelo projeto: o experimento cênico sensorial batizado de “Pelos Olhos Dela”, uma dramaturgia
que convida o público a experimentar o universo da cegueira. Ao longo dos quarenta minutos da
dramatização, os espectadores ficam de olhos vendados,ouvindo a trama, aliada a sua trilha
sonora, e vivendo jogos criados para estimular as percepções táteis, olfativas e gustativas. O
elenco se dividiu entre músicos (que executam ao vivo as canções da peça), protagonistas das
cenas (com falas) e atores indutores dos jogos sensoriais (responsáveis por provocar sensações
na plateia).
Gabriel participou de todo o processo de montagem desse espetáculo. E mostrou-se,
desde o início, muito hábil para entender a proposta cênica e cumprir todas as tarefas que lhe
47
foram incumbidas. Ele, no entanto, não protagonizava nenhuma das cenas da produção. Atuava
apenas com a equipe dedicada às provocações sensoriais. A compreensão de Gabriel com
relação à proposta do experimento cênico, sua desenvoltura para realizar as tarefas junto aos
espectadores (que também incluíam a missão de guiar as pessoas enquanto vendadas) e sua
notória compreensão quanto às necessidades de repetição das ações e da continuidade dos bons
resultados cênicos obtidos, tudo isso fez o autor da presente pesquisa (que atuava como diretor
do projeto) perceber que seria interessante realizar um trabalho cênico mais detido com Rolim.
Algo que ele pudesse viver com protagonista. Surge a ideia de aposta numa versão cênica e
inclusiva do clássico da literatura universal, O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry.
A obra O Pequeno Príncipe foi escolhida para ser adaptada segundo os preceitos do
Teatro Inclusivo, dentro do projeto Cena Especial, não apenas pela força que adquiriu ao longo
dos anos no imaginário universal. Mas ainda pelo conteúdo intrinsecamente humanístico e
mesmo inclusivo que as muitas mensagens da narrativa de Exupéry ofertam. São várias as
passagens do livro que falam de aceitação, de respeito à diferença, de compromisso com o
outro.
A proposta de encenação para a adaptação foi a de criar um espetáculo cênico com
músicas compostas ao violino especialmente para a montagem e leitura de trechos do livro em
meio a jogos com objetos cênicos variados que remetessem a personagens famosos da obra,
como a Raposa, a Rosa, entre outros. Dois personagens protagonizam a peça: um narrador
violinista e um menino. A banda de apoio sobe ao palco, mas não no campo cênico principal. O
narrador violinista tem figurino que remete as representações clássicas do Principezinho. Mas
com cores inversas das tradicionais. O personagem usa túnica vermelha com detalhes azuis. Ao
centro do campo cênico, há uma arca com formato de livro. Quando o público entra, o
personagem do menino, todo vestido de branco, esta deitado, dormindo junto à borda do palco.
Já com todos os espectadores acomodados, entra o narrador violinista, tocando um tema
composto ao violino, iniciando a narrativa cênica. O menino desperta com a música e se mostra
triste. O narrador pergunta o que se passa e o menino explica que ninguém gosta dele. O
narrador se compromete em ajudá-lo e fala que talvez seja possível encontrar auxílio em um
bom livro. Ele abre a arca e tira de seu interior um artefato que reproduz o livro O Pequeno
Príncipe. Começa, assim, um jogo cênico: o narrador irá apresentar textos da obra para o
menino e o fará ter contatos com objetos que remetem aos personagens. Os jogos são
intercalados por composições ao violino. Durante as músicas, o menino dança, manipula os
objetos cênicos e os apresenta à plateia: algumas vezes indo até o público, outras mantendo-se
no palco. Ao final de algumas dinâmicas com esse viés – em que trechos clássicos do livro são
48
apresentados – vem o que, em teatro se chama de técnica do golpe: a revelação de uma grande
surpresa. O narrador tira da arca um figurino e alguns objetos cênicos especiais. Trata-se de uma
túnica similar a sua, só que azul com detalhes vermelhos, uma espada e uma coroa. Dizendo
texto que exalta a importância de não tratar ninguém de forma preconceituosa, o narrador vai
vestindo o menino. Por fim, o público vê o menino se transformar no Pequeno Príncipe, com
seu tradicional figurino e espada. O narrador explica que o menino que estava triste é um
príncipe, como todos os demais meninos e meninas que estão no público e no mundo. Inicia-se
a canção final e o menino desce para valsar com as crianças da plateia.
Gabriel Rolim foi escolhido para viver o menino e, assim, executar todas as ações
roteirizadas pela proposta de encenação, incluindo manipulação dos objetos de cena e contato
com as crianças do público.
Para desempenhar de forma satisfatória seu papel, cabiam a Gabriel alguns desafios
imediatos. O primeiro era a compreensão geral da proposta de encenação. Ele precisava não
apenas entender as ações que realizaria, como também – e antes de tudo – compreender sua
função cênica de causar no público emoção e empatia. Além desse aspecto, havia a necessidade
de que ele destinasse atenção a cada ação que precisava cumprir e memorizasse a sequencia dos
jogos cênicos. Qual ação vem primeiro. Como deve ser desempenhada. Qual a ação vem em
seguida. Como precisa ser executada. Assim por diante até o cumprimento de toda a trajetória
cênica do espetáculo. Subliminarmente, cabia-lhe também estar atento às propostas emocionais
que seu personagem precisava apresentar. E também necessitava memorizar a linha progressiva
dessas emoções. Começar triste. E porque começar triste. Ir cedendo nessa tristeza. E porque ir
cedendo nessa tristeza. E concluir a narrativa mostrando-se alegre. E porque concluir a narrativa
mostrando-se alegre. O correto estímulo às funções cognitivas da atenção e da memória em
Gabriel precisava ser bastante aguçado. Num grau ainda mais interno, Gabriel precisava
entender o jogo-mor do fazer teatral: brincar de ser outro.
Os acordos para determinar a agenda de ensaios do espetáculo foram feitos com Gabriel
e com sua mãe, Gardner Rolim, que, desde o início da participação do jovem no Cena Especial,
sempre se mostrou muito aberta a todas a atividades propostas a seu filho.
A agenda de ensaios cumpriu quatro etapas. Na primeira, foram compostas as músicas e
foi escrita a primeira versão do roteiro, que incluía, além dos jogos cênicos, trechos fiéis do
livro, selecionados para serem lidos pelo personagem narrador para o personagem do menino.
49
Na segunda, o foco foi o ensaio das músicas apenas com a presença dos instrumentistas. A
terceira, restrita a Gabriel e ao diretor (que também interpreta o narrador). E quarta, em que
Gabriel, o diretor-ator e os músicos, juntos, ensaiavam todo o fluxo do espetáculo. As fases dos
ensaios que interessam mais detidamente a essa pesquisa foram as duas últimas.
tentar se concentrar, as leituras muito longas o deixavam visivelmente distraído. Estava posto
um problema: esse estado dispersivo de Gabriel não podia ir para o palco. Isso afetaria a
recepção do espetáculo junto aos espectadores. Se atores em cena não estão focados no que
fazem, o público também não o ficará.
Surge, pois, uma exigência de adaptação do roteiro. Os trechos com textos longos
precisavam passar para algum outro suporte. O temor era precisar abrir mão de conteúdos
frasais considerados icônicos quando se trata do clássico O Pequeno Príncipe. Como manter a
dinâmica cênica e não perder a oportunidade de mostrar frases famosas como “Foi o tempo que
dedicaste a tua rosa que a fez tão especial”, “o essencial é invisível aos olhos” ou “és
eternamente responsável pelo que cativaste”?
Diante desses desafios, o presente pesquisador e diretor decidiu cunhar, dentro dos
ditames do TI, o conceito de Dramaturgia Recognitiva. Uma construção de linha do drama em
que o conteúdo narrativo é adaptado para atender necessidades específicas de cognição ligadas a
um determinado déficit. No caso, os déficits de atenção de Gabriel, ligados a Síndrome de
Down, solicitaram a transformação dos textos em ações. Todo o material frasal foi transportado
para jogos cênicos. E isso não apenas aguçou mais o estado de atenção de Rolim, como facilitou
seu fluxo de memorização.
8.3.1- Quarta fase dos ensaios: interação com todos os elementos da cena
A quarta fase dos ensaios passou a ser realizada com a presença dos músicos. Assim,
um novo estímulo de atenção – com consequente novo desafio de manutenção desta função
cognitiva – é imposto a Gabriel: realizar as cenas (com todos os jogos recognitivos criados) de
modo entrelaçado à trilha sonora. Os níveis de dispersão de Rolim se mostraram bastante
reduzidos.
Igualmente a capacidade memorial de Rolim apresentava notória e satisfatória
desenvoltura. Uma prova disso pode ser aferida. O jovem chegava ao local de ensaio sempre
sorridente, falante, mas, ao entrar na sala específica de ensaio, assumia uma postura contrita.
Quando a direção percebeu isso, indagou-lhe a razão. E ele explicou: “meu personagem é um
menino triste. Quando entro na sala de ensaio, preciso ficar triste”. A adesão a esse jogo cênico
mostra uma clara ação não apenas da função cognitiva da atenção – no que concerne ao seu
compromisso particular no processo de ensaio – mas igualmente no que tange à memoria, uma
vez que as instruções que lhe foram repassadas ainda nas fases iniciais do processo de
montagem, mantiveram-se fixadas.
A salvaguarda das funções cognitivas de Gabriel, aqui estudadas, deu-se mesmo com
sua necessidade de iteração com a trilha sonora e com o jogo cênico travado com os músicos.
Nesse quesito, uma nota: a direção explicou a Gabriel que os músicos estariam próximos da
51
cena o tempo todo, mas que seu personagem não se dirigia a eles. Era como se não existissem.
Em nenhum momento, nem nos ensaios, nem nas apresentações posteriormente realizadas,
Rolim se dispersou quanto a isso. Ele manteve o pacto cênico e, enquanto atuava, não mantinha
contato com os artistas da música.
O processo de ensaio durou dois meses. Ao cabo desse prazo, a direção sentiu segurança
na atuação de Gabriel e na confluência de todos os demais elementos de cena para levar a
produção ao palco e, assim, ao contato com o público. A versão inclusiva de O Pequeno
Príncipe, protagonizada por Gabriel Rolim, estreou no teatro do Centro Cultural Sesc
Boulevard, em Belém, no dia 31 de outubro de 2015, às 11h da manhã. Com casa lotada, pois o
mote da peça ganhara grande repercussão nas mídias formais e nas mídias sociais.
Como já imaginado pela direção, o contato com o público traria outro desafio a Gabriel:
cumprir sua performance cênica, que precisava estar devidamente memorizada, sem desalinhos
oriundos da dispersão por conta das reações dos espectadores. Ou seja, ele precisava estar
vivamente atento e seguro. Ao longo dos ensaios, Rolim foi prevenido também quanto a isso.
A atuação de Rolim na estreia foi totalmente dentro do intentado, planejado e ensaiado.
Ele foi o primeiro a ser posicionado em cena. Seu personagem já estava no palco, dormindo,
quando o público começou a entrar. Gabriel não perdeu a concentração. Ficou na marca correta,
permaneceu fazendo o jogo de dormir. Toda a plateia entrou e, então, deu-se início o restante da
trajetória cênica projetada. Gabriel não saiu do foco proposto, manteve-se atento, centrado. Não
dispersou por conta dos músicos no palco nem por conta das manifestações da plateia. Que
foram várias. As muitas crianças que foram assistir a apresentação encantaram-se com Gabriel
e, por conta disso, queriam interagir com ele. Rolim, entrementes, manteve seu trabalho de ator
e desempenhou de modo absolutamente satisfatório todas as ações que lhe foram destinadas.
9- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por conta do processo de montagem do espetáculo, Rolim aguçou seus graus de atenção
e memória. E esses avanços foram sentidos para além da peça. A mãe de Gabriel, Gardner
Rolim, afirma que o filhou apresentou consideráveis avanços na escola.
Desta forma, conclui-se que o Teatro Inclusivo pode efetivamente ser usado como
instrumento psicopedagógico de estímulo às funções cognitivas da atenção e da memória em
uma pessoa com Síndrome de Down, proporcionando-lhe, por conseguinte, vias de
desenvolvimento psicossocial.
53
A MÚSICA COMO
FERRAMENTA INTERVENTIVA
E TERAPÊUTICA
54
ARTIGO 04
RESUMO
De acordo com estudiosos da motricidade humana, raspar, jogar e bater são ações
fundamentais para um pleno desenvolvimento das mecânicas corporais. Tais ações
constituem, inclusive, fases específicas do processamento motor de uma criança.
Raspar, jogar e bater fomentarão a habilidade percussiva. Desta feita, a percussividade
não é somente uma ação musical. É o resultado de uma formação físico motora
satisfatória. Entrementes, o fator cognitivo também ganha fomento quando bem
desenvolvida a habilidade percussiva. Todo esse processo que acontece ao longo do
crescimento infantil pode servir de mote para proposição de estratégias que auxiliem a
reabilitação motora e o incremento cognitivo de pessoas com TEA e Síndrome de
Down. A Musicoterapia surge, então, como terreno interessante para a investigação de
ferramentas com essa premissa. A presente pesquisa tem como objeto a análise
qualitativa do relato de experiência da aplicação do conjunto de ferramentas
musicoterapêuticas chamadas Tábuas e Caixas Motoras como recursos destinados ao
incremento da motricidade e das funções cognitivas em jovens com deficiência. Criadas
pelo autor deste artigo, as ferramentas foram aplicadas durante seu estagio
supervisionado em Musicoterapia.
1 INTRODUÇÃO
Por tudo isso apontado pelo referencial teórico até aqui exposto, deduz-se que
retrabalhar clinicamente o raspar, jogar e bater em fases posteriores à infância pode vir a
significar a reconexão com dinâmicas basilares para a motricidade e a cognição.
Revisitar de modo detido e terapêutico essas condutas motoras junto a pessoas com
déficits cognitivos pode, em particular, ser caminho para a obtenção de bons resultados
não somente no que diz respeito à saúde corporal, mas especialmente no que se refere à
potencialização da capacidade de aprendizado.
A apreensão da realidade é muito mais que um ato do pensar. O ato cognitivo
envolve o ser inteiro, em suas múltiplas dimensões. A nova concepção de
cognição, o processo do conhecer, é, pois, muito mais ampla que a concepção
do pensar. Ela envolve percepção, emoção e ação (FIALHO, 2001, p.21)
2 METODOLOGIA
terapêutico. Fazer uma intervenção é agir sobre alguém ou sobre algo para
mudar uma situação existente e consequentemente alterar o curso dos eventos
(FARMOSELI & MONTEIRO, 2014, p.99)
Toda essa investigação atesta, portanto, que é possível encontrar entre as ações
musicoterápicas instrumental eficiente para a reconceituação da relação do autista com a
ludicidade.
Criadas pelo autor deste artigo científico a partir desse referencial teórico, as
Tábuas e Caixas Motoras são artefatos musicoterapêuticos construídos para estimular
justamente os atos de raspar, jogar e bater. Feitos a partir de material reciclado – e
portanto fáceis de serem confeccionadas por educadores e/ou terapeutas em qualquer
ambiente de ensino e/ou terapêutica – as ferramentas foram idealizadas para seguir uma
ordem de aplicação, exploração e manuseio que remete às fases de aprendizado da
motricidade humana: a fase sensório motora. São artefatos que reconduzem os usuários
justamente às fases exploratórias táteis da raspagem de superfícies (raspar), do
lançamento de objetos (jogar) e do golpeamento de estruturas (bater). O uso proposto a
essas ferramentas segue um preceito de sequencias de ações que estarão sempre
reforçando os estados de atenção e memorização dos usuários. A proposta da técnica
tem por intento desenvolver as habilidades motoras e reforçar o estado de concentração
e de manutenção memorial de informações.
63
função das fragilidades que esses sindrômicos apresentam nesses campos, conforme
especificado pelo referencial teórico. Cabe, entretanto, um friso na avaliação dos
resultados memorialísticos (nos pacientes dos quatro grupos, das duas instituições): a
retenção memorial mais prolongada se mostrou mais frágil que a retenção memorial
média ou recente. E o que abaliza essa constatação clínica foi a dificuldade que todos os
pacientes da Pestalozzi e da UFRA tiveram de fazer pontes memorialísticas
relacionadas aos nomes dos instrumentos clínicos apresentados nas sessões iniciais.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência da aplicação das Tábuas e Caixas Motoras durante o estágio
supervisionado realizado pelo autor do presente artigo trouxe respostas bastante
satisfatórias e positivas. A mais relevante de todas diz respeito ao objetivo geral da
pesquisa. Os instrumentos clínicos investigados se provaram eficazes no que tange ao
incremento da atenção, da memória e da motricidade de pessoas com TEA e Síndrome
de Down. Paralelamente, também foram contemplados os objetivos específicos, na
medida em que se pode comprovar a interrelação entre as ações de raspar, jogar e bater
com habilidades atencionais e memoriais, salientando-se, igualmente, a pertinência
musicoterapêutica dos instrumentos pesquisados. Depreende-se, assim, ser possível
ofertar a profissionais da Musicoterapia o instrumental investigado para que sejam
trabalhadas cognição e motricidade em pacientes com as síndromes supra citadas. A
pesquisa também comprovou que ações terapêuticas com as Tábuas e Caixas Motoras
favorecem a expressividade atitudinal e o senso interrelacional entre pessoas com déficit
cognitivo, notadamente pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
66
ARTIGO 05
RESUMO
A relação entre surdez e música há muito deixou de ser cientificamente antagônica. Sabe-se
hoje que o sistema ouvidos-cérebro não é a única via de captação da emanação sonora. A
chamada audição óssea e a consequente absorção da percepção vibrátil permitem outros
caminhos de relação com a sonoridade. A presente pesquisa tem o objetivo de investigar o uso
da técnica batizada de Tatopercussão como uma estratégia de educação rítmica capaz de
permitir à pessoa surda maior fruição musical. Este artigo apresenta um relato de experiência
com análise qualitativa do processo de montagem do espetáculo teatral inclusivoPelos Olhos
Dela, no qual a ferramenta foi utilizada. Como resultado, constatou-se que a Tatopercussão,
ação na qual mediadores transmitem a um corpo receptor elementos do ritmo de uma execução
musical, pode ajudar a pessoa surda a compreender, desfrutar e executar melhor manifestações
musicais.
ABSTRACT
The relationship between deafness and music has long since ceased to be scientifically
antagonistic. It is known today that the ear-brain system is not the only way of capturing sound
emanation. The so-called osseous hearing and the consequent absorption of the vibrating
perception allow other ways of relation with the sonority. The present research aims to
investigate the use of the technique called Touch-Percussion as a strategy of rhythmic education
capable of allowing the deaf person greater musical enjoyment. This article presents an
experience report with qualitative analysis of the assembly process of the inclusive theatrical
spectacle called Pelos Olhos Dela, in which the tool was used. As a result, it has been found that
Touch-Percussion, action in which mediators transmit to a receiving body elements of the
rhythm of a musical execution, can help the deaf person to better understand, enjoy and perform
musical manifestations.
1- INTRODUÇÃO
Ouvir: um fenômeno perceptivo que vem sofrendo revisões conceituais várias ao longo
dos tempos. Por longas décadas, definições centradas no funcionalismo auricular ocuparam o
centro das pesquisas em torno do tema.Tornou-se pacífico admitir que o processo da audição se
inicia, desenvolve-se e se completa na relação emanação sonora/ouvidos/cérebro:
A audição humana é realizada pela orelha, sendo que esta é dividida em três partes
(orelha externa, média e interna). O processo auditivo é iniciado com a captação das
vibrações dos sons pela orelha externa; esses sons são transportados pelo pavilhão e
pelo canal auditivo até o tímpano, que faz vibrar três pequenos ossos (martelo, bigorna e
estribo). Essas vibrações chegam ao ouvido interno e fazem que o líquido presente na
cóclea se mova; assim, sinais elétricos são emitidos por meio das extremidades dos
nervos auditivos e enviados ao cérebro (ARAGON & SANTOS, 2015, p. 124)
Entrementes, as evoluções das pesquisas foram trazendo novas luzes para o assunto. A
emanação sonora tem sido cada vez mais compreendida como um fator vibrátil capaz de ser
conduzido por outros meios. “O som é um agente físico resultante da vibração de moléculas do
ar e que se transmite como uma onda longitudinal. É, portanto, uma forma de energia mecânica”
(WHO, 1980).
Ainda mais modernamente a compreensão de que a audição pode ser também
viabilizada pela emanação das ondas sonoras pelos ossos do corpo humano favoreceu uma nova
definição científica: a audição óssea.
2- METODOLOGIA
bem se oferta eivado de mensagens. Do outro, o receptor toma para si o conteúdo da mensagem
artística e, num feedback vital para este fluxo, devolve reações e impressões. Para que esse
circuito funcione vivamente é sempre importante que o receptor possa sentir, perceber e
absorver o máximo possível de elementos que caracterizam e constituem o bem artístico.
O ato de fruir é justamente esse mergulho amplo no conjunto estrutural de uma obra de
arte. Fruição musical, portanto, é o ato de desfrutar, aproveitar e ter usufruto da música na
completude dos seus elementos. E o ritmo é um dos elementos mais basilares desse tipo de
criação artística.
Quando temos no papel de receptor do processo comunicativo da arte uma pessoa surda
mediações precisam ser feitas. No que tange à arte musical, comumente tradurores/interpretes
de Libras mediam o conteúdo das letras das canções. Com a gestualidade, também buscam
exprimir e traduzir a atmosfera emocional da música. Uma maior precisão rítmica, no entanto,
não é contemplada. Apostar em técnicas que se ocupem disso permite uma maior possibilidade
de fruição ao receptor surdo. Essa garantia, por sua vez, é ação de inclusão sociocultural.
Em épocas outras, a arte já foi um bem restrito. Usufruído e aproveitado apenas por
membros da nobreza ede séquitos religiosos. Hoje, ela deve, precisa e vem sendo
democratizada. Mas isso não induz a necessidade de qualquer mudança em seu cunho estético
“com o objetivo de ser mais facilmente entendida, pois o entendimento ou não de qualquer obra
está relacionado com o contato que os sujeitos têm com a arte” (CALDAS, 2006, p.38).
Apresentar a arte musical de forma inclusiva a pessoas surdas significa permitir ampla fruição.
A Tatopercussão pode ser uma maneira de garantir essa vivência. Entretanto, para melhor
compreender a técnica, torna-se fundamental revisitar brevemente a importância ancestral da
percussão nos processos de comunicação e manifestação artística do homem.
A percussividade é uma das mais primitivas expressões humanas. Sua gênese no agir do
homem se confunde com o surgimento da própria música, conforme nos atestam Almeida e
Magalhães (2007, p.13).Os mais remotos registros de manifestações musicais, aferidos na Pré-
História, apontavam a ação de efetuar pancadas em madeira, associadas a ritmos marcados com
o corpo, com o intuito de exaltação mítica, para agradar os deuses. A percussão, desta feita,
evidencia-se como uma emanação sonora tão antiga quanto a humanidade. E, em específico, o
uso das mãos na expressão rítmica é uma prática ancestral.
70
Existem evidências substanciais sobre este fato, como provas arqueológicas, objetos
petrificados, desenhos em cavernas e esculturas, inscrições em casca de árvores e
papiros preservados por povos primitivos. O primeiro impulso sonoro do homem pode
ter sido o de bater palmas dentro de uma certa cadência rítmica ou a busca de reproduzir
os sons que escutava na natureza (MARTINS, 2011, p.13).
Willens (1962) nos ensina que, ao lado da harmonia e da melodia (cujas definições não
são objeto de interesse nesse estudo), o ritmo é um dos elementos fundamentais da música. Para
o autor, a rítmica musical está ligada a energia vital humana, influindo em aspectos afetivos e
mentais. O referencial teórico a disposição da pesquisa científica, no entanto, traz conceitos
mais formais de ritmo, como aquele que preconiza ser esse elemento a “organização do tempo,
com (...) duração, (...) sequência de élans que se desenvolvem continuamente” (SEKEFF, 1996,
p. 51).
Concebemos pulsação como a base que sustenta uma estrutura e que é representada, na
música, por marcações constantes e definidas com o mesmo intervalo de tempo entre si
(...) Se o sujeito não tem clareza a respeito da estruturação rítmica que se organiza sobre
a pulsação, ele não terá segurança em relação ao início e ao fim de uma execução
(BÜNDCHEN, 2005, p.105).
O uso da percussão cria referencial rítmico. Esse referencial se traduz em pulsação que
pode ser transmitida por condução óssea, criando, desta feita, percepção auditiva.
71
Oferecer ao surdo a percepção do ritmo musical através de uma pratica que desperte a
sensação auditiva por meio da condução óssea é, por conseguinte,medida possível e bastante
acessível.
Assim, a ancestralidade percussiva humana pode ser usada hodiernamente como fator
de inclusão da pessoa surda através da proposta da Tatopercussão, aqui estudada.
A técnica pode ser aplicada em diversas áreas ressonantes e de conforto tátil do corpo
da pessoa surda, como os ombros, por exemplo. No entanto, tendo em vista que (conforme já
relatado nesse artigo, com aval teórico) o bater palmas é apontado como o primeiro impulso
sonoro humano, a sugestão é que a TP seja aplicada na palma da mão da pessoa surda.
Para uma abalizada funcionalidade, é exigível haver capacitação prévia não somente do
tatopercussionista, como do receptor surdo. Embora a ideia seja a de que qualquer pessoa esteja
apta a se tornar um tatopercussionista, a recomendação é que o mediador passe por uma dupla
capacitação. A capacitação sobre teoria rítmica deve ser feita com um músico. Assim, garante-
se o entendimento mais correto do que é e de como se manifesta a expressão do ritmo como
elemento fundamental da música. Já a capacitação sobre a aplicação per si da técnica deve ser
feita com um tatopercussionista que já tenha vivência nessa mediação.
A capacitação prévia da pessoa surda, por sua vez, tem duas primazias. A primeira é
prepará-la corretamente para um contato corporal pulsátil com outra pessoa. O surdo precisa
entender a importância disso para o incremento de sua fruição. A segunda é o pressuposto
pedagógico da iniciativa. Preparando-se para passar a sentir e compreender o ritmo, a pessoa
surda vive um relevante processo de educação musical.
Mais do que uma mediação entre a pessoa surda e uma execução musical apresentada
em um evento ou em qualquer outro tipo de atividade, a TP pode ser uma ação de relevância
basilar: a educação rítmica do surdo. Métodos, técnicas, práticas e/ou quaisquer instrumentos
que favoreçam o ensinamento da percepção do ritmo em pessoas com déficits auditivos
humanizam grades educacionais.
É certo que a surdez compromete certos níveis de aprendizagem dos alunos, porém,
estudos demonstram que é perfeitamente possível o aprendizado por parte dos mesmos,
se estimulados de forma correta. Por este motivo, embora as propostas educacionais
tenham como objetivo proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades, as
diferentes práticas pedagógicas têm lhes determinado uma série de limitações. E a
música vem nesse sentido, mostrar que é possível reverter tal situação (HATHENHER,
2012, p.01)
Pedagogicamente, ainda, o contato com a TP pode ajudar a pessoa com surdez a lidar
com o que conceitualmente se chama de percussão corporal, passando, assim, a entender e lidar
melhor com sua própria constituição física.
73
Diante de tantas formas novas de ver e conduzir o processo de aprendizado humano, dia
a dia sugerido por diversas pesquisas, o educador da atualidade precisa sempre buscar formas,
instrumentos e praticas diversas para garantir aos alunos o acesso ao conhecimento.
Abramowicz (1997) salienta que a escola não pode tudo, mas pode mais. Pode acolher
as diferenças. É possível fazer uma pedagogia que não tenha medo da estranheza, do diferente,
do outro. Destoante e heterogênea, a aprendizagem precisa abarcar a possibilidade do educando
precisar aprender coisas diferentes daquelas que são comumente ensinadas. O autor lembra
ainda que o mundo atual exige uma Pedagogia que proponha formas novas de lidar com o
conhecimento, com os alunos, com os pais, com a comunidade e mesmo com os fracassos.
Todas essas confluências teóricas aqui apresentadas deduzem a TP como uma técnica
que encontra pertinente usabilidade tanto no ambiente da psicodepagogia quanto da
musicoterapia. Oportunizar ao surdo maior possibilidade de fruição musical, por meio do
entendimento rítmico, pode ajudá-lo a superar problemas de aprendizado e pode funcionar como
resultado terapêutico igualmente capaz de melhorar rendimentos escolares.
Íntima é também a relação da música com o teatro. A cena ganha especial força com o
esteio musical. E a expressão de musicalidade se potencializa com a arte dramatúrgica.
Ferdinando (2008) ressalta que a linguagem musical adquire uma natureza própria ao inserir-se
no Teatro, o que se dá em função das necessidades requeridas pela cena, demandando o
desenvolvimento de práticas específicas.
Quando a seara é o Teatro Inclusivo, a interseção com a música e busca por práticas não
só especificas como renovadas faz surgir importantes arcabouços de inserção social da pessoa
com deficiência. A qualificação em técnicas variadas nesse terreno, por conseguinte, é também
fator exigível:
Nesse bojo, a Tatopercussão, associada a uma prática teatral que inclua a pessoa surda,
apresenta-se como uma opção de ferramenta oportuna de ser empregada não só em espaços
especificamente culturais como igualmente no ambiente escolar.
75
b) Identificação das limitações de cada participante e uso de técnica específica para cada
caso. Uso de exercícios corporais e exploração textual específicos para cada caso entre os
participantes com deficiência física;
c) Discussão permanente dos diferenciais que um artista precisa ter para usar a arte de
forma inclusiva. Discussão feita por meio de debates, análises de pesquisas, exibição de filmes e
constante proposição de desafios que façam os participantes entenderem o que é e como precisa
funcionar a inclusão no teatro;
Surdo de nascença, o jovem Jederson Junior integrou a primeira turma do projeto Cena
Especial – Teatro Inclusivo, em 2015. Estudante secundarista, ele se matriculou no projeto na
companhia de uma amiga de infância que já atuava, havia muitos anos, como sua intérprete em
Libras. Sua ida aos encontros, inicialmente, estava condicionada a ida dessa amiga. Quando ela
não podia estar nas aulas, ele também não estava.
Todos os participantes, ao entrarem no projeto, eram informados que a conclusão dos
módulos de cada semestre se daria com a montagem de um espetáculo sensorial inclusivo. O
final do primeiro semestre de 2015 no Cena Especial contou com a montagem do experimento
cênico batizado de Pelos Olhos Dela.
Dentro do princípio de espetáculo sensorial inclusivo, a peça tinha como tema central o
universo da cegueira. A proposta foi fazer o público viver a experiência do não enxergar,
polarizada por vários estímulos de outras ordens sensoriais.
Era a seguinte a sinopse da montagem: “espetáculo teatral sem cenário, sem iluminação
cênica, sem figurino específico, sem maquiagem. Sem nenhum visagismo. Mas com atores que
ultrapassam a definição de especiais. Atores-inclusivos. Essas são as premissas do primeiro
experimento cênico-sensorial do Projeto Cena Especial – Teatro Inclusivo. A peça “Pelos Olhos
77
O trabalho inicialmente foi feito de modo restrito. Preconizando evitar que outros
fatores sensoriais distraíssem seu mergulho perceptivo, Jederson era levado a um ambiente em
que ficassem somente ele, a direção e a interprete em Libras.
Tudo o que era proposto pela direção era dito a Jederson por meio da Língua de Sinais.
O que ia ser feito, qual a proposta, qual o objetivo.
O primeiro passo foi fazer Jederson fechar os olhos (subtraindo, deste modo,
referenciais visuais, mesmo a Libras) e sentir as pulsações de seu coração. Em seguida, ao
reabrir os olhos, ele era convidado a reproduzir, na palma da mão do diretor, sua própria
pulsação cardíaca. Logo da primeira vez, a marcação rítmica foi muito similar a das batidas do
coração. A dinâmica foi repetida por mais três encontros.
Na etapa seguinte, o exercício foi feito na presença dos demais membros do elenco. Um
círculo foi formado. Jederson, a direção e a interprete de Libras ficavam ao centro e a mesma
dinâmica era realizada. Primeiro com olhos fechados, ele sentia o pulso de seu coração e depois,
com os olhos abertos, reproduzia o ritmo na palma da mão do diretor. Essa fase foi repetida em
três sessões.
A terceira etapa foi batizada pela direção de exercício de autonomia percussiva.
Jederson não mais sentia seu próprio coração. A proposta era usar sua memória sensorial e
corporal e reproduzir na palma da mão do diretor (sem referencial concreto prévio) as batidas
cardíacas. O momento era acompanhado pelos demais participantes. Essa fase foi repetida em
três ensaios.
A quarta etapa foi batizada de regência tatopercussiva. Todo elenco num circulo em
volta acompanhava a atividade. No centro, Jederson, a direção, a interprete de Libras e uma
quarta pessoa. O comando do que deveria ser feito foi previamente repassado a Jederson por
Libras. Então, a direção fazia sinal de regência e o jovem batia na palma da mão da quarta
pessoa necessariamente dentro do ritmo ditado pelo regente. As primeiras tentativas não foram
satisfatórias. Houve desencontro rítmico. A proposta foi repetida em cinco sessões. E Jederson
passou a ter autocontrole rítmico e, assim, deu-se a executar as batidas na palma da mão do
colega de elenco de progressivamente satisfatório, no que tangia à rítmica.
A quinta etapa foi o estímulo tatopercussivo em Jederson. A ideia era trabalhar a fruição
das músicas que compunham a trilha do espetáculo. A explicação do que iria acontecer lhe foi
repassada por Libras. Essa etapa foi realizada em três momentos. No primeiro, as canções foram
tocadas e Jederson acompanhou a execução com tradução em Libras das letras. No segundo, ele
de novo acompanhou a execução das canções, mas agora sem as Libras. A ideia era que ele
centrasse atenção nos movimentos que os músicos faziam ao tocar os instrumentos. No terceiro
momento, enquanto os músicos mais uma vez tocavam, a direção sentou-se ao lado de Jederson
e aplicou na palma da sua mão a marcação do rítmica de cada canção. Ele sentiu, deste modo, a
pulsação de cada música. Ao final desse processo, foi-lhe indagado o que ele tinha sentido.
79
Como tinha sido aquela experiência para ele. Jederson relatou ter tido a sensação de entender
melhor o que era uma música. Sua fruição, desta feita, havia sigo aguçada.
Por fim, na sexta etapa, batizada de autonomia percussiva, o jovem surdo passou a
interagir com a tuba que tocaria no espetáculo. Essa etapa também se deu em três fases. Na
primeira, o ritmo que ele deveria executar no instrumento lhe foi passado por meio de
Tatopercussão. A direção marcou tal ritmo na mão do jovem. No segundo momento, ele foi
convidado a reproduzir aquele ritmo na tuba. E, enfim, no terceiro momento, a execução do
ritmo na tuba passou a ser regida pela direção.
Passadas todas essas etapas, Jederson integrou-se por completo ao ensaio. As cenas
eram passadas em sequência. E quando chegava a cena da tuba, ele se dirigia ao instrumento e o
tocava, seguindo a regência da direção.
O espetáculo Pelos Olhos Dela teve sua estreia em 26 de junho de 2015. A proposta da
montagem chamou muito a atenção da mídia e do público e a procura pelas sessões foi grande.
Os bons resultados de crítica, após a primeira temporada e a grande repercussão gerada, garantiu
várias outras apresentações.
Jederson esteve em cena em todas as temporadas realizadas no ano de 2015. E seu
desempenho foi notável em todas as apresentações. Ele executou a percussão na tuba com
precisão. E um dado relevante se fez. Nas primeiras temporadas, ele sempre seguiu
corretamente a regência da direção do espetáculo. A partir da quarta temporada ele não precisou
mais de regência. A percepção rítmica e a pulsação estavam já em sua memória corporal. Ele já
fruía a experiência musical com apuro e autonomia.
Ao final das apresentações, quando os espectadores retiravam as vendas, era sempre um
fator de grande emoção para as plateias descobrirem que o percussionista do espetáculo era uma
pessoa surda.
A participação de Jederson na montagem lhe trouxe nítidos avanços relacionais. Já
durante a fase de ensaios, o rapaz passou a ir aos encontros sozinho. As ocasiões em que a
interprete de Libras não podia estar presente não se fizeram mais impeditivas.
Ademais, tornou-se evidente, ao final das temporadas de Pelos Olhos Dela que
aplicação da técnica batizada de Tatopercussão não apenas tinha auxiliado Jederson a cumprir
uma tarefa cenicomusical. A técnica o ajudara a ter melhor noção do que é ritmo e, desta sorte,
compreender a mecânica, pertinência e mesmo beleza desse elemento musical dentro
80
8- CONSIDERAÇÕES FINAIS
ARTIGO 06
A INTERVENÇÃO MUSICAL DIRIGIDA COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA
INCLUSIVA PARA ALUNO COM SÍNDROME DE WILLIAMS NA EDUCAÇÃO
BÁSICA
RESUMO
A História científica tem provado que a Música não é apenas um vetor estético meramente
destinado ao entretenimento. É também ferramenta terapêutica e manancial para ações
pedagógicas. Por meio de princípios musicais é possível intervir em questões psico-orgânicas e
também desenvolver, estruturar e dirigir metas educacionais. Um segmento que apresenta
grandes resultados evolutivos quando estimulado por meio da musicalidade é o das pessoas com
Síndrome de Williams (SW). O presente trabalho tem como foco debater o uso da técnica
batizada, pelo autor desta pesquisa, de Intervenção Musical Dirigida (IMD) como estratégia
para intervir sobre o comportamento de alunos da Educação Básica com Síndrome de Williams
de modo a lhes proporcionar maiores e melhores rendimentos escolares. A investigação tem
como amparo um relato de experiência com análise qualitativa do processo de aplicação da
referida técnica ao longo de quatro meses de atendimento educacional especializado a um
menino com SW. Como resultado, constatou-se que a IMD, criação musical com fins
psicopedagógicos que busca transformar comportamentos indesejáveis em comportamentos
desejáveis, pode ajudar o educando com tal síndrome a ter melhores resultados sócio
educacionais.
ABSTRACT
Scientific History has proven that Music is not just an aesthetic vector merely meant for
entertainment. It is also a therapeutic tool and source for pedagogical actions. Through musical
principles it is possible to intervene in psycho-organic issues and also to develop, structure and
direct educational goals. One segment that presents great evolutionary results when stimulated
through musicality is that of people with Williams Syndrome (WS). The present work focuses
on the use of the technique named, by the author of this research, Directed Musical Intervention
(DMI) as a strategy to intervene on the behavior of students of Basic Education with Williams
Syndrome in order to give them greater and better income school results. The research is
supported by a report of experience with a qualitative analysis of the process of application of
this technique over four months of specialized educational service to a boy with WS. As a
result, it was found that DMI, a musical creation with psychopedagogical aims that seeks to
transform undesirable behaviors into desirable behaviors, can help the student with this
syndrome to have better socio-educational results.
1 INTRODUÇÃO
Educar cada vez mais tem se provado um processo que exige estratégias diversas. O
formalismo educacional, no qual modelos estanques e sem premissas transversais ditam regras
intransponíveis, tem perdido terreno dia a dia entre as práxis pedagógicas. Aliar saberes em prol
do educar é caminho mais e sempre indicado quando a premissa é superar barreiras e
estabelecer novos vieses no processo ensino-aprendizagem. Hoje é pacífico entender que a
Educação precisa se alicerçar em suportes calcados no intercruzamento de saberes. E essa
premissa é conceituada pelo referencial teórico como ação interdisciplinar:
(...) é de uma visão do todo como base que se pode ter uma visão consequente das partes.
A educação básica torna-se, dentro do art. 4º da LDB, um direito do cidadão à educação e
um dever do Estado em atendê-lo mediante oferta qualificada. E tal o é por ser
indispensável, como direito social, a participação ativa e crítica do sujeito, dos grupos a
que ele pertença, na definição de uma sociedade justa e democrática (CURY, 2002, p.170)
(..) um importante papel (...) em ambientes escolares deve ser trabalhar de maneira
colaborativa com familiares, professores e outros profissionais no delineamento de
intervenções preventivas que melhorem a qualidade de vida dos alunos, promovendo o
aprendizado e o desenvolvimento deles no ambiente escolar. Para tanto, (...) podem auxiliar
os professores a diversificar e aprimorar sua postura de ensinar, a manejar a sala de aula
84
A Inclusão na Educação Básica tem permitido a alunos com síndromes várias o acesso
democrático ao ambiente da aprendizagem. E a Síndrome de Williams é um desses nichos. Os
sindrômicos com essa diagnose mostram, conforme atestam análises na área, relação estreita
com a musicalidade. Desta feita, o uso da música como ferramenta pedagógica inclusiva e com
caráter de intervenção comportamental pode trazer benefícios educacionais a alunos com SW.
Silva e Souza Júnior (2009) informam em seu artigo a respeito do tema que, partir de
pesquisas realizadas por Udwin e Yule, no website da Williams SyndromeAssociation – WSA,
muitas crianças com SW mostram ter aptidão considerável para Música e Rima. Por
conseguinte, os estudiosos atestam que ensinar através de música, canções e rimas pode acelerar
o processo de aprendizagem de alunos com esse quadro diagnóstico.
O presente artigo tem como escopo justamente investigar a pertinência dessa estreita
relação entre SW e Música como indicativo de ações pedagógicas inclusivas, notadamente no
ambiente da Educação Básica. Para tanto, será tomado como base o relato de experiência do
atendimento a um jovem, de 14 anos, com SW (que aqui será designado como T.S.R), aluno do
nono ano do Ensino Fundamental de uma escola particular da cidade Belém do Pará. A
identidade do educando será preservada a pedido de seus pais, que autorizam a divulgação dos
estudos relacionados ao seu acompanhamento, mas querem que a privacidade do jovem seja
mantida. O autor da presente pesquisa realizou terapêutica psicopedagógica junto a T.S.R como
suporte de atendimento educacional especializado com o intuito de melhor desenvolver seu
desempenho escolar. O jovem apresentava grandes resistências em seguir comandos de seus
professores. Durante as anamneses feitas, o autor deste artigo identificou o sensível interesse do
rapaz por estímulos musicais. Surgiu, assim, a proposta de usar a Música como indutor
comportamental, como ferramenta de intervenção que pudesse dirigir T.S.R ao cumprimento de
comandos relacionados às suas necessidades de aprendizado. A ideia era que essa estratégia
pudesse ser usada pelo corpo docente que o atendia. A experimentação durou quatro meses e
cunhou a técnica que o autor deste artigo batizou de Intervenção Musical Dirigida (IMD).
O objetivo geral que norteia a pesquisa que aqui será relatada é averiguar se a IMD
pode, de fato, contribuir para transformar – dentro do contexto escolar – comportamentos
indesejáveis de educandos com Síndrome de Williams em comportamentos desejáveis, de modo
a lhes trazer melhores resultados de aprendizagem. Os objetivos específicos são analisar a
pertinência do uso da Música como ferramenta transversal na educação; debater a importância
da musicalidade sobre o campo cognitivo da pessoa com SW; e ofertar a professores da
Educação Básica instrumental alternativo para o alcance de metas de aprendizagem.
85
Para que tamanha investigação se torne mais consistente, urge satisfazer a algumas
indagações: o que é a Síndrome de Williams e quais seus impactos sobre o processo cognitivo?
Para o arcabouço científico, de que modo a Música pode influir sobre as ações psicofísicas do
ser humano? E, à luz da Psicologia, como se processa a teoria da Intervenção Comportamental?
O que é, como funciona e como pode ser criada a IMD? De que forma professores podem ser
capacitados para entender e aplicar a técnica?
As tentativas de respostas a esses questionamentos conduzirão os tópicos seguintes
deste artigo científico.
2 METODOLOGIA
3 DESENVOLVIMENTO
A Síndrome de Williams (SW) foi descrita em 1961. Trata-se de uma aneusomia segmentar
devido a múltiplos genes localizados no braço longo do cromossomo 7 (...)Do ponto de vista
clínico-genético, a maioria dos indivíduos com SW (99%) tem 1.5 Mb de deleção no
cromossomo 7q11-23 (...) O diagnóstico clínico da SW é realizado, inicialmente, durante a
infância, a partir de critérios clínicos. Os mais frequentes são os dismorfismos faciais e as
doenças cardiovasculares (...) A confirmação diagnóstica, entretanto, ocorre somente após
exames citogenéticos (...) A prevalência varia de 1:20.000 a 1:50.000 nascidos vivos e a
incidência na população estima-se acima de 1:7.500(SERACENI, 2010, p.02)
Ainda a respeito das inferências cognitivas no que tange à pessoa com SW, o referencial
teórico é pacifico em apontar uma notável relação da pessoa com SW com o universo musical.
Souza (2003) chama atenção para o fato de que os distúrbios comportamentais relacionados à
Síndrome incluem hipersensibilidade ao som aliada à forte atração pela música.
Esse peculiar interesse do sindrômico por aspectos musicais acaba por sugerir um
oportuno e estratégico indicativo de ação interventiva. Mas, afinal, a Música pode ser uma
ferramenta de intervenção comportamental? Os tópicos a seguir tentam esclarecer essa
indagação.
87
Que a arte tem valor é algo que ninguém contesta seriamente. Mas o que faz a arte ter valor?
Formalismo, hedonismo e instrumentalismo estético são algumas das principais teorias
candidatas a explicar o valor da arte. O formalismo defende que as obras de arte têm valor
intrínseco e que este é independente de quaisquer aspectos extra-artísticos. O hedonismo
defende que a arte tem valor porque é um meio para obter prazer. O instrumentalismo estético
defende que a arte é valiosa porque nos proporciona experiências estéticas compensadoras. Por
diferentes razões, nenhuma destas teorias do valor responde satisfatoriamente ao problema.
Uma alternativa mais credível é o cognitivismo, de acordo com o qual a arte proporciona
conhecimento, sendo esse conhecimento que justifica o valor da arte qua arte. Nesse sentido,
argumenta-se que as obras de arte, incluindo muitas obras de música instrumental não
programática, são objectos intencionais. Intencionalidade que decorre das suas propriedades
expressivas e representacionais, sendo a música instrumental capaz de exprimir e também de
representar emoções (ALMEIDA, 2005, p.02)
Passado um mês, era tempo de levar a proposta para o ambiente das atividades
acadêmicas. O primeiro terreno a ser testado foi o da resistência de T.S.R. em aderir às
atividades de educação física. O Psicopedagogo, desta feita, resolveu ampliar o universo do jogo
de conversação cantada. Assim, compôs uma canção na qual a atividade de educação física e
seus benefícios para o corpo eram o tema. Houve o cuidado de ser explicado para o jovem que a
música tinha sido composta especialmente para ele. A canção lhe foi apresentada e lhe foi
ensinado cantá-la. Satisfeita essa etapa, o jogo do “eu canto/você faz” foi retomado tendo,
agora, como foco o pedido para que T.S.R. se dirigisse à quadra de esportes, onde as aulas de
educação física eram realizadas. Nota: a resistência do rapaz com a atividade era tanta que ele se
recusava a se dirigir para a quadra.
Já na primeira proposição, sem resistências, ao receber a determinação musicada de se
dirigir à quadra, o rapaz atendeu a solicitação. Mas se dirigir à quadra ainda não era participar
das atividades. O pesquisador considerou, pois, que o mais interessante seria ensinar o jogo do
“eu canto/você faz” para o professor de educação física. Urgia aferir se a receptividade de T.S.R
era resultado de um vínculo exclusivo entre ele o Psicopedagogo ou se essa estratégia podia ser
desvinculada e usada por outra pessoa.
O professor de educação física, então, foi instruído sobre como propor o jogo e o
mesmo foi aplicado junto ao jovem. E funcionou. T.S.R aceitou participar da aula de educação
física.
Tornou-se claro ao pesquisador, deste modo, que uma técnica de intervenção
comportamental havia sido delineada. Surge, portanto, um conceito que ganha o nome de
Intervenção Musical Dirigida (IMD). O jogo do “eu canto/você faz” era claramente um
instrumento interventivo de feição musical que conseguia dirigir o comportamento de T.S.R.
para ações positivas.
Como reforço comprobatório para a técnica que estava sendo desenhada, o pesquisador
propôs à direção da escola fazer uma capacitação em IMD junto aos demais professores. A
oferta foi aceita. O pesquisador delineou conceitos, uma metodologia e aplicou a capacitação ao
longo de uma semana.
De antemão, foi explicado que não é necessário ter conhecimentos musicais formais
para se familiarizar com a proposta. Basta exercitar o senso musical em si e depois desdobrá-lo
para a criação improvisacional de diálogos que usem estrutura melódica. Algo, acima de tudo,
lúdico e espontâneo.
91
A capacitação junto aos professores durou uma semana e foi bastante bem-sucedida. A
proposta de técnica, desta feita, passou a ser aplicada junto a T.S.R. por vários educadores do
colégio.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o aporte do referencial teórico que estrutura a presente pesquisa e todo o relato de
experiência referente ao delineamento e experimentação da Intervenção Musical Dirigida
(IMD), aplicada junto a T.S.R., faz crer que a referida técnica tem pertinência científica e
prática. Os objetivos que norteiam a presente investigação foram, outrossim, satisfeitos na
medida em que se pode comprovar que a IMD, de fato, contribui para transformar – dentro do
contexto escolar – comportamentos indesejáveis de educandos com Síndrome de Williams em
comportamentos desejáveis, de modo a lhes trazer melhores resultados de aprendizagem. Em
paralelo, atesta-se que a Música se prova uma eficaz ferramenta transversal na educação. Ou
seja, trabalhar a musicalidade de maneira terapêutico-pedagógica realmente atua sobre o campo
cognitivo da pessoa com SW. E essa constatação pode se constituir uma estratégia de
capacitação para professores da Educação Básica, disponibilizando-lhes instrumental alternativo
para o alcance de metas de aprendizagem.
92
ARTIGO 07
O ÁUDIO POEMA COMO FERRAMENTA MUSICOTERÁPICA DA TÉCNICA
COMPORTAMENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO DO AUTISTA NA ESCOLA
RESUMO
A presente pesquisa investigou a pertinência do uso do Áudio Poema como instrumento que
auxilie o aluno autista a ter melhores condições de aprendizagem e socialização na escola. No
método, optou-se por uma pesquisa básica com abordagem qualitativa de caráter exploratória do
Tipo Bibliográfica. Como resultado, constatou-se que a criação artística chamada Áudio Poema,
que une declamação poética e música de forma lúdica e pedagógica, pode ajudar as crianças
com autismo a desenvolver habilidades que favoreçam a superação dos chamados
comportamentos indesejados: ações estereotipadas e repetição compulsiva de palavras e frases.
Esses comportamentos costumam bloquear a atenção e a comunicação da criança que estáno
chamado espectro autista.
ABSTRACT
This research investigated the applicability of Audio Poem as a tool to assist the autistic student
to have better conditions for learning and socialization at school. In the method, we chose a
basic qualitative research exploratory and bibliographic feature. As a result, it was found that
the artistic creation called Audio Poem, joining poetic recitation and music in a fun and
educational way, can help children with autism develop skills that foster the overcoming of so-
called unwanted behaviors: stereotyped actions and compulsive repetition of words and phrases.
These behaviors often block the attention and communication of the child who is called in the
autistic spectrum.
1INTRODUÇÃO
Nesse contexto, é importante lembrar que a partilha de saberes proporcionada pelo ato
de educar é sempre terreno que exige integração de pontos fronteiriços. “O homem, na sua
essência, é um ser inacabado, num processo contínuo de vir a ser, mediado pelo acesso às
interações sociais” (GADOTTI, 2000, p. 44). Incluir é trazer para dentro tudo aquilo que a
sociedade, por fatores diversos, contribui para estar à margem. “Essa inserção nem sempre é
decente e digna, sendo a grande maioria da humanidade inserida na sociedade através da
insuficiência e das privações” (SAWAIA, 2002, p.10). A aposta na inclusão representa,
portanto, quebrar fronteiras e colaborar para a compreensão de que o respeito às diferenças é
pressuposto que garante direitos e justifica deveres.
No campo escolar, tudo isso se torna mais fundamental, pois a educação inclusiva é a
via que salvaguarda o direito do cidadão, independente de suas supostas limitações físicas ou
cognitivas, acessar o conhecimento. Por isso mesmo, o tema vem se tornando capítulo de
legislações relevantes. A convenção de Salamanca é um exemplo disso em nível internacional e,
em nível nacional, os artigos da LDB que privilegiam o assunto também o são. A escola
inclusiva quebra as barreiras que separam alunos do contato com o aprendizado, tornando esse
processo democrático.
No tocante a tudo isso, a Arte vem sendo constantemente apontada como um eficaz
mecanismo a favor da inclusão sócio-pedagógica do autista. Entrementes, faz-se necessário
sempre mais esmiuçar os mecanismos artísticos que servem a esse princípio. Por conseguinte, o
Áudio Poema, é um desses instrumentos que merecem avaliação científico-acadêmica. Torna-
se, assim, interessante aferir alguns questionamentos relacionados a essa técnica: qual a
contribuição do Áudio Poema como intervenção comportamental para o desenvolvimento do
aluno autista? De que modo o Áudio Poema pode ser usado como ferramenta da técnica
comportamental, transformando comportamentos indesejados em desejados? De que forma é
possível melhorar o desenvolvimento do aluno autista usando o Áudio Poema como ferramenta
da técnica comportamental? O Áudio Poema pode melhorar a capacidade de aprendizado e
socialização do aluno autista?
Para tentar buscar respostas a esses pontos, faz-se relevante discutir tópicos específicos,
como: o que é autismo, seu conceito e classificação; o que são os comportamentos desejados e
os impactos que trazem na aprendizagem; o que é a técnica comportamental e como ela tem sido
usada no atendimento a autistas; como o uso da música e do poema podem servir ao tratamento
do referido espectro; e, por fim, o que é o Áudio Poema e como usá-lo como ferramenta da
técnica comportamental.
Como norteamento de análise, o método no presente trabalho será o da pesquisa básica, com
abordagem qualitativa, de caráter exploratório do Tipo Bibliográfica.
2 MÉTODO
A presente investigação foi realizada por meio de uma pesquisa básica sem a
necessidade de aplicação prática.
Por centrar seu foco investigativo no estudo de material já publicado a respeito do tema
elencou-se, a presente pesquisa é do Tipo Bibliográfica.
Nesse sentido, a educação é fator primaz para garantir direitos e ensinar deveres. É
caminho que favorece a transmissão democrática de conhecimento e contribui para a
solidificação de uma sociedade menos tirânica do que tange à segregação.
Mas, afinal, o que significa educação inclusiva? Um caminho para que se entenda esse
conceito é dado pelo pesquisador Moacyr Gadotti:
Assim, a busca por teorias e conceitos mais afinados sobre o tema passou por várias
fases históricas. No Brasil, um grande marco, no aspecto historiográfico, é vivenciado ainda no
século XIX, com a fundação do Instituto Imperial de Surdos-Mudos (sic), ocorrida no ano de
1854, graças a iniciativa direta de Dom Pedro II.
96
O documento tem ainda mais relevância em seu Capítulo 5, seção que trata estrita e
rigorosamente dos aspectos ligados a inclusão ampla de alunos ao universo educacional
brasileiro. O capítulo referencia, entre outros temas, o chamado apoio especializado destinado a
atender as peculiaridades de cada caso especial. O autismo é um dos universos contemplados
pela rede jurídico-educacional instituída pela LDB.
98
Uma síndrome presente desde o nascimento ou que começa quase sempre durante os
trinta primeiros meses. Caracterizando-se por respostas anormais a estímulos
auditivos ou visuais, e por problemas graves quanto à compreensão da linguagem
falada. A fala custa aparecer e, quando isto acontece, nota-se ecolalia, uso inadequado
dos pronomes, estrutura gramatical, uma incapacidade na utilização social, tanto da
linguagem verbal quanto corpórea (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
1998).
A OMS alerta ainda para uma série de outros condicionamentos ligados ao espectro
quando analisado ainda na infância. As interrelações sociais são um dos fatores mais afetados.
Características como dificuldades de entrosamento e estabelecimento de jogos em grupo são
comumente percebidas. As estereotipias são outra faceta recorrente. Comportamentos
ritualísticos, repetitivos e rígidos tornam prejudicada a convivência social da criança autista.
No que tange a caminhos para a superação dos desafios ligados ao espectro autista, em
particular no que tange às barreiras trazidas pela Síndrome de Asperger, a pesquisa acadêmica
abalizada vem referenciando a Arte como instrumento eficaz para a aplicação da Técnica
Comportamental junto aos autistas. Pesquisas diversas focam as ações artísticas como insumos
que merecem atenção pelo potencial de eficácia terapêutica. Em especial a Música e o Poema
costumam ser apontados como ferramentas capazes de capturar a atenção, a cognição e a
motricidade dos alunos autistas. Usar esses segmentos como base para as técnicas de
101
O uso da musicalidade deve ser dirigido pelo professor, este deve ordenar e
supervisionar os exercícios, evitando a repetição de músicas durante os mesmos. O
método Dalcroze, a Eurritmia, poderia se tornar uma agradável experiência que
despertaria o desejo para outras atividades musicais. (ALVES, 2012, p.20).
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A sonoridade musical atua junto às sensações, reações e percepções do ser humano com
as mais variadas condições físicas e intelectuais. A métrica musical, com seu ritmo, cadência e
melodia, é um aplaudido recurso terapêutico-educacional com eficácia junto aos mais variados e
heterogêneos públicos.
Benenzon nos informa que “não cabe a menor dúvida que a Musicoterapia é para a
criança autista a primeira técnica de aproximação, pois o enquadre não verbal é o que permite a
esta estabelecer os canais de comunicação” (BENENZON,1985, p.140).
O Áudio Poema se mostrou eficaz nesse aspecto. Crianças autistas postas em contato
com a ferramenta responderam de forma favorável e apresentaram aptidão a reduzir dificuldades
de fala ao atender aos comandos da técnica.
O discurso criado com o uso da palavra poética torna mais eficaz a recepção e a
decodificação (com o consequente melhor entendimento) das mensagens enviadas. Por ser
dotado de métrica e ritmo, o poema desperta mais e melhor a atenção dos ouvintes que o
recebem. O uso da rima, em especial, cria ludicidade. Os vocábulos viram jogos sonoros e isso
se torna um fator estimulante.
Aprendemos com Lajolo (2001, p.20) que a poesia é a forma pela qual podemos
expressar nossas ideias, sentimentos e emoções, através da arte da palavra.
Entrementes, a familiarização com os jogos sonoros trazidos pela palavra poética, além
de aguçar o interesse do educando pelas potencialidades da escrita, favorecem o contato do
103
aluno autista com possibilidades variadas de sonoridade falada. A ecolalia, tão comumente
associada ao autismo, ganha um paralelismo que pode ser trabalhado de modo bastante
diferenciado.
Além destas circunstâncias, a palavra poética, com sua métrica, cadência e ritmo, já é
indução à familiarização com o condão musical. O poema traz em si musicalidade, despertando,
ainda que subjacentemente, a percepção melódica no autista.
O Áudio Poema, portanto,se mostra uma ferramenta interessante de ser usada junto aos
autistas por ser uma técnica que favorece estímulos em áreas da cognição da palavra escrita e
oral.
Bowler (1992, p. 45) faz uma diferenciação importante de ser levada em conta e que
tange às particularidades de autistas de Auto-Funcionamento em contrafação a crianças com
Síndrome de Asperger, vindo a esclarecer que as últimas apresentam mais habilidades para
resolver tarefas da teoria da mente e de memória verbal.
O Áudio Poema, portanto, mais uma vez se mostra estratégico como ferramenta de
intervenção comportamental, uma vez que aguça conjuntamente habilidades ligadas à recepção
musical e à percepção léxico-verbal.
104
O uso da palavra poética se oferta como uma ferramenta que desperte curiosidade e
auxilie o público autista a trabalhar melhor e mais precisamente os vocábulos em seus processos
de comunicação.
Como derivação disso, o enriquecimento vocabular trazido pelo contato com a palavra
poética favorece ainda a ampliação dos horizontes comunicacionais do autista, conferindo-lhe
maior instrumentalização para o trato dialogar social.
Esse é mais um aspecto prejudicial às relações sociais vividas pelo autista. A dispersão
constante, a falta de habilidade no que tange à concentração dificultam, cerceiam e
desestabilizam o convívio e a troca com os outros seres sociais em torno.
105
Considerar o mundo do ponto de vista do outro parece ser muito difícil para a maioria
dos indivíduos com TEA. Se tentarmos imaginar a incapacidade de compreender
como alguém se sente ou pensa, ou de levar em conta seu ponto de vista, percebemos
como o mundo deve parecer confuso e assustador e como as interações sociais devem
ser difíceis (KUBASKI & SCHMIDT, 2012, p. 04).
Por tudo isso, a figura do tocador do Áudio Poema pode ser uma estratégia de captura
da atenção, uma vez que a performance lítero-musical é construída buscando as potencialidade
de atração do fascínio do público-alvo.
Uma vez identificado o comportamento mais delicado e que mais exige intervenção, um
Áudio Poema específico sobre o tema é composto.
Concluído esse novo diálogo, o aplicador propõe ao receptor lhe ensinar a cantar e dizer
o Áudio Poema. Lentamente, a composição é ensinada. A calma nessa fase é fundamental. É
preciso respeitar o tempo do receptor sem, no entanto, permitir dispersões. Desta feita, repete-se
a tarefa quantas vezes forem necessárias, buscando sempre não fatigar o receptor.
Depois de ter cantado e falado o áudio poema junto com o receptor, o aplicador pede
para ele responder se não é melhor adotar o comportamento X (desejável) no lugar do
comportamento Y (indesejado) que vinha sendo adotado.
Observa-se a resposta do receptor. É preciso abrir espaço para que essa resposta seja a
mais autônoma possível. Deve-se a todo custo evitar o direcionamento das respostas do receptor
com relação ao seu comportamento. É fundamental que o receptor chegue a um entendimento
das razões pelas quais sua conduta são indesejadas.
Essa dinâmica inteira deve ser repetida quantas vezes o aplicador julgar necessárias. É
possível, a partir de um dado momento, propor ao receptor apresentar o número junto com o
aplicador em público (para toda a turma da escola, por exemplo). Isso, porém, só deve ser feito
se houver a concordância do receptor. Ao longo de todo o processo, deve-se ir avaliando e
tabulando as evoluções comportamentais apresentadas pelo receptor, afim de que, após um
prazo específico, estruture-se um relatório listando os benefícios apresentados pela técnica.
Vale ressaltar que, também em caso de limitações de fala e audição apresentadas pelo
receptor, todo esse processo pode ser acompanhado por um tradutor de Libras.
Aqui, indica-se um modelo de Áudio Poema para ser aplicado em casos de intervenção
para trabalhar a contenção de comportamentos agressivos e impacientes apresentados por
107
receptores com Síndrome de Asperger. Começar usando o pau de chuva para chamar a atenção
da criança. Só usar se não causar irritação.
Calma...
Tudo é questão de calma...
Alma...
Tudo vem da alma...
Se a raiva chegar
e a paciência se perder,
pare para respirar.
Não podes te aborrecer.
Ê, meu amigo(a),
podes evitar a tua irritação.
Basta, meu amigo(a),
Respirar e controlar o coração
Assim...
Calma...
tudo é questão...
de calma...
A construção é feita de forma simples e direta. Palavras chaves são usadas e postas em
alternância de significação, criando binômios que se completam: RAIVA – PACIÊNCIA,
108
Na terceira parte, volta-se a usar o canto para tentar transmitir a moral da história (como
preconiza a teoria dos contos de fada). Grande mensagem que se deseja passar é reforçada,
usando-se, ainda mais a estratégia do diálogo direto com o receptor. O aplicador chama-o de
amigo ou amiga:
O presente Áudio Poema se utiliza de aspectos musicais bem específicos, que intentam
determinados resultados no receptor. A composição da ferramenta não é aleatória. Não se trata
de uma criação sonora com intentos de mero entretenimento. Cada estrutura urdida busca criar
um efeito particular em que irá receber a apresentação do trabalho.
A frequência musical, preferencialmente centrada em acordes menores, busca inferir
reações específicas no psiquismo auditivo. A estrutura geral de notas usadas também não é
inespecífica. A composição lança mão de notas não muito elaboradas para que a pureza sonora
se mantenha mais viva e, assim, se atinja mais direta e facilmente a percepção do receptor.
A importância disso tudo está em ofertar ao autista uma ferramenta sonora que não o
incomode, que não acabe surtindo efeito contrário ao intentado que o da captura mais imediata
possível da atenção. São estratégias de composição que atuam no sentido de afastar, no processo
de transmissão de conteúdo, a rejeição, não afeição, não empatia.
A música é, por conseguinte, estruturada para servir como fator rápido e intenso de
atratividade. Recurso que busca que atua na problemática da atenção seletiva, apresentada por
aqueles que se encontram no espectro autista, notadamente na Síndrome de Asperger.
4.8 EIXO 8:Benefícios potencializados com a fusão da música e da palavra poética na técnica
do Áudio Poema
A pesquisa feita trouxe à tona o apego exacerbado à rotina como uma das
sintomatologias tradicionais do espectro autista. Esse apego ao mesmo-diário é um dos fatores
que muito dificultam o processo de aprendizagem no ambiente escolar. A constante necessidade
de repassar conteúdos variados e progressivos impõe um grande desafio aos educadores que
lidam com alunos autistas.
111
Uma estratégia solucional pode justamente ser o uso de ações musicais e poéticas.
Abraçados à sonoridade e à simbologia dos versos, os conteúdos novos podem ser apresentados
aos autistas de modo atrativo e estimulador. A ideia é usar arte como indutor que associe
aprender a se divertir. Desfaz-se, assim, com mais sutileza o impacto da mudança de um padrão
rotineiro. Com a arte, a rotina se torna nunca ter rotinas.
A doutrina científica nos mostra igualmente que o autista não somente se adstringe às
rotinas como manifesta imensas dificuldades no trato social. São, em essência, muito
deficitárias suas versatilidades para lidar com o convívio, a troca, a iteração. Esse déficit social
diminui, cerceia suas possiblidades de apreensão de ensinamentos.
O referencial teórico dessa pesquisa ressaltou que o poema, ao seu tempo, consegue
atuar em outra esfera problemática para o autista: no auxílio a superação das dificuldades de
figuração, de realizar exercícios de abstração. Sempre muito preso a entendimentos concretos, o
autista que entra em contato com as metáforas poéticas passa a experenciar o imaginativo, o
ficcional, o fantástico e, assim, pode ter seu senso imaginativo estimulado.
e se torna um jogo perceptivo eivado de timbres, notas, curvas sonoras e combinações lexicais
que lhe cativam a interpretação e revalidam as feições de entendimento.
Esse intento se prova possível, uma vez que a pesquisa comprovou, por meio de
apontamentos bibliográficos variados, que o contato com ações musicais e poéticas facilita para
o autista a recepção de conteúdos. Intervenções terapêutica que se valem da sonoridade e
proposições pedagógicas que se utilizam do poema têm comprovação científica no cientifico
auxílioà melhoria da intelecção do autista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o levantamento bibliográfico, e, investigativo feito nesta pesquisa atestou, por fim,
que é possível utilizar o recurso da música e da palavra poética, conjugados no modelo criativo
aqui chamado de Áudio Poema, e efetivamente usar essa ferramenta como mecanismo eficaz
para a intervenção comportamental junto a alunos autistas, melhorando, assim, seus níveis de
sociabilidade e rendimento escolar. O Áudio Poema é uma técnica capaz de dar ao jovem
estudante no espectro autista, notadamente aqueles diagnosticados com a Síndrome de
Asperger, melhor condições de aprendizado na medida em que consegue conter ações
comportamentais que dificultam suas habilidades de intelecção e concentração. O Áudio Poema
113
ARTIGO 08
LUDOCANÇÃO: FERRAMENTA MUSICOTERAPÊUTICA PARA AUXILIAR A
CRIANÇA COM TEA A RESSIGNIFICAR O ATO DE BRINCAR DURANTE O
PROCESSO DE FORMAÇÃO EDUCACIONAL
RESUMO
ABSTRACT
The act of playing carries within itself important premises for the formation of human cognition.
In childhood, jokes are actions that help develop perception, motor ability, relational sense, and
criticism. Children with Autistic Spectrum Disorder (ASD), in general, present difficulties in
dealing with the act of playing in a broadly exploratory way. Limitations to understand the
usability and pertinence of this or that toy due to the constant dispersion or the excessive cut of
the attention can bring to the autistic person barriers in the process of acquisition of the
knowledge. This article aims to investigate the use of LudicSong as a music therapy tool to help
children with ASD to re-signify the act of playing during their educational training. The
research has as scope an experience report with qualitative analysis of the process of application
of this technique over six months of specialized educational care to a boy with ASD. As a result,
it was found that LudicSong, a musical creation with therapeutic-educational purposes that tries
to teach the function of each toy, can help the autistic child to deal more profitably - from the
pedagogical point of view - with the play activities.
1 INTRODUÇÃO
Quando a infância é bordeada por déficits, especial atenção se precisa fazer aos
mecanismos de brincadeira que estão ou não sendo desenvolvidos pela criança. Qualquer
limitação ou dificuldade que incida sobre as práticas lúdicas infantis precisam ser percebidas e
retrabalhadas.
Compreender a si mesmo e compreender o mundo que lhe cerca é tarefa nada simples
para o autista. Nas primeiras idades, esse desafio é ainda mais acentuado e específico. E quando
o terreno é o lúdico ainda mais intensos são os desafios.
(...) um olhar mais atento permite observar o grande esforço que esses sujeitos
despendem para encontrar recursos que propiciem ser compreendidos. Por exemplo, em
estudos de filmagem minuciosa desses sujeitos, foi verificado que o olhar para as
pessoas, muitas vezes descrito como quase ausente, é na verdade mais frequente do que
se imagina, particularmente nas situações em que a criança necessita do adulto (...)
Assim como as ações da criança são percebidas como movimento e manipulação sem
sentido, a mãe e as pessoas próximas vão deixando de significá-las. O resultado é a
cristalização de um brincar limitado e empobrecido, já que possíveis transformações
não são alimentadas (MARTINS, 2009, p.42)
116
Para um autista, brincar com um carrinho pode não significar de imediato tomar para si
o uso de um objeto lúdico que remeta a transporte, a ir de um lugar para o outro, entre outros
fatores essencialmente ligados ao brinquedo carrinho. Para uma criança autista, a atenção pode
ficar estritamente centrada, por exemplo, no abrir e fechar da portinha do carro. Essa fixação da
atenção prejudica a formação cognitiva sobre o elemento carro. Isso tudo induz a perceber a
necessidade de auxiliar a criança autista a brincar de maneira mais proveitosa do ponto de vista
pedagógico.
Vários podem ser os caminhos intervencionais que podem ajudar uma criança com
autismo a atingir maior e melhor foco nas atividades de brincadeira. O terreno no qual o
presente artigo vai se centrar é o das ações musicoterapêuticas.
Ciência que, desde o pós Segunda Guerra Mundial – quando começou a ser melhor
sistematizada e abalizada teoricamente nos Estados Unidos –, vem mais e mais se solidificando
e ganhando respeitabilidade, a Musicoterapia tem se provado uma real ferramenta de ação
terapêutica no desenvolvimento de indivíduos com TEA.
Para que tais indagações sejam respondidas, urge entender melhor alguns preceitos
conceituais importantes, no que tange aos universos que cercam a ferramenta investigada.
Tópicos como: o que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA); qual a relevância do ato de
brincar na formação cognitiva humana; como a Musicoterapia pode desenvolver a cognição da
pessoa com autismo; o que é, como é criada, como funciona e como pode ser aplicada a
LudoCanção; a capacitação de professores na técnica; e a LudoCanção como instrumento
psicopedagógico e seus potenciais efeitos musicoterapêuticos.
2 METODOLOGIA
3 DESENVOLVMENTO
Alvo de debates e análises científicas que mais e mais se intensificaram nas últimas
décadas, o Transtorno do Espectro Autista passou por várias definições conceituais. Antes,
apenas estabelecido como Autismo e entendido com variações tipológicas diversas: Asperger,
Rett, entre outras. Hoje, um só agrupado prisma de condições, um espectro. Não existe um
Autismo, mas vários.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda é uma condição clinica enigmática, sendo
este considerado como de natureza multifatorial, ou seja, ainda não se sabe, ao certo, qual
a causa específica do TEA. A literatura oferece uma série de reflexões que giram em torno
dos aspectos genéticos, hereditários e ambientais. Os sintomas apresentados por sujeitos
autistas são: ausência de linguagem verbal ou linguagem verbal pobre; ecolalia (repetição
de palavras fora do contexto), hiperatividade ou extrema passividade, contato visual
deficiente, ausência de interação social, interesse fixado a algum objeto ou tipos de
objetos. O autismo refere-se ao conjunto de características, podendo ser encontrados em
sujeitos afetados desde distúrbios sociais leves sem deficiência mental, até deficiência
mental severa (FERREIRA, 2016, p.30)
A síndrome de Asperger (SA) caracteriza-se por prejuízos na interação social, bem como
interesses e comportamentos limitados, como foi visto no autismo, mas seu curso de
desenvolvimento precoce está marcado por uma falta de qualquer retardo clinicamente
significativo na linguagem falada ou na percepção da linguagem, no desenvolvimento
cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na curiosidade sobre o ambiente. Interesses
119
O ser humano precisa brincar para se desenvolver seriamente. Essa frase pode até soar
jocosa, pode parecer um mero jogo de palavras. Mas reflete um entendimento hoje
cientificamente abalizado. A ludicidade – aqui entendida como a prática de brincadeiras várias
nas primeiras idades – é um terreno complexo e ricamente estruturado para permitir que a
criança inicie o contato com uma série de ações que ofertarão múltiplos subsídios para a sua
formação motora e intelectual. Brincando, a criança estabelece e aguça canais de aprendizado.
As brincadeiras são elos integradores entre aspectos cognitivos, afetivos e sociais e sua
preservação é fundamental como recurso para desenvolver e aperfeiçoar valores que fazem
parte da cidadania, da construção do ser no mundo e sua relação com o outro. No
brinquedo, tanto a criança como o adulto compartilham experiências, se comportam como
se tivessem algum controle sobre a realidade, imaginando ser alguém diferente e se
transportando para um mundo simbólico, atividade necessária ao seu desenvolvimento
social, emocional e afetivo. A brincadeira, portanto, é fundamental para uma vivência sadia
no que diz respeito à aprendizagem, na construção e reconstrução de subjetividades e no
processo de desenvolvimento como pessoa, como identidade em permanente transformação
(CHARTIER & TOURINHO, 2009, p.03)
120
Entre as estratégias criativas postas ao dispor de uma criança para que ela exercite e/ou
viva o ato de brincar, as cantigas são recursos dos mais antigos e eficazes. Melodizar a
ludicidade além de exercer sobre o receptor a atratividade sonora, é uma estratégia que enlaça a
brincadeira com afetividade e dinâmica física. Cantigas lúdicas, de modo geral, propõem a
movimentação do corpo, incitam o prazer auditivo e repassam mensagens com teor educativo.
O tópico deste artigo destinado a explanar conceituações sobre o TEA ajuda a suscitar
compreensões em torno das peculiaridades que uma criança que se enquadre no referido
espectro pode vir a apresentar. Sobretudo no que tange ao seu contato com o universo lúdico.
Ou seja, o modo como uma criança autista brinca é diferenciado. E, por isso justamente, tal
peculiaridade é questão sobre a qual a presente pesquisa se debruça de modo particular.
121
Urge, portanto, encontrar estratégias que ajudem a criança com TEA a significar mais
devidamente e/ou ressignificar o ato de brincar. Urge encontrar ferramentas que lhe ofertem
maior possibilidade de desenvolver a apreensão sobre a usabilidade e funcionalidade dos
brinquedos e, desta forma, ajude-a a desenvolver sua cognição. E a Musicoterapia é justamente
um campo científico capaz de ofertar estratégias lúdicas nessa direção.
Vale referenciar na presente pesquisa um método que vem sendo considerado, há alguns
anos, como ferramenta bastante interessante para buscar intervir no modo como a criança autista
lida com atividades lúdicas e, assim, se desenvolve.
Criado pelo psiquiatra infantil Stanley Greenspan, o Floortime é uma técnica que torna
o momento do brincar uma oportunidade estratégica para tentar incrementar o comportamento
122
protagonista e sócio relacional da criança com TEA. Numa tradução literal, o nome do método
pode ser entendido como “tempo do chão”. O território primaz para a ferramenta é justamente o
chão para o qual a criança é trazida com o intuito de viver atividades lúdicas.
A abordagem Floortime encontra-se dentro do modelo DIR como principal estratégia para
sistematizar a brincadeira com a criança e proporcionar a progressão dela sobre as etapas do
desenvolvimento. Essa abordagem é baseada na ideia de que a emoção é fundamental para o
crescimento do cérebro e evolução mental e que tal desenvolvimento é conseguido através de
interações (brincadeiras) no chão (...) O Floortime foi criado com o objetivo de aumentar a
socialização, melhorar a linguagem e diminuir os comportamentos repetitivos das crianças
com transtornos, inclusive os autistas (CARDOSO & RIBEIRO, 2014, p.04)
Hoje já estabelecida no Brasil como uma Terapia Integrativa – inclusive admitida como
opção terapêutica pelo Sistema Único de Saúde –, a Musicoterapia avança se fortalecendo como
ferramenta capaz de atuar em diversos casos clínicos e comportamentais. É crucial, entrementes,
entender que essa atividade não é o mero uso intuitivo de recursos musicais para influir sobre
estados de espírito, mas uma ciência com vasto cabedal teórico e ampla comprovação prática.
A Musicoterapia consiste no uso do som e/ou da música e/ou dos conceitos e estruturas
ligados à musicalidade para tratar ou ofertar efeito lenitivo para quadros de doenças orgânicas,
de implicações psíquicas, psicossomáticas ou de dificuldades cognitivas.
Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo, melodia e
harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo, em um processo estruturado para
facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a
expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva), para desenvolver
potenciais e desenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele possa alcançar
melhor integração intra e interpessoal e consequentemente uma melhor qualidade de vida
123
Os indivíduos com TEA apresentam um funcionamento sensorial atípico (...) No entanto, esse
funcionamento ainda não é compreendido totalmente pelos pesquisadores (...) O processo
auditivo é explicado por uma série de teorias, porém não há um consenso sobre elas. Alguns
estudos relatam que os sujeitos com TEA possuem uma capacidade auditiva menos
complexas do que os indivíduos de desenvolvimento típico. Outros atribuem uma capacidade
auditiva focal nos TEA, enquanto esperado seria uma capacidade auditiva global (...) Ao
mesmo tempo, alguns estudos têm indicado peculiaridades desse processamento auditivo
especialmente relacionado à música (GATTINO, 2012, p.33).
Gattino informa ainda que estudos sobre os efeitos da Musicoterapia em crianças com
TEA foram publicados em 2008 e 2009. Os trabalhos mostraram os resultados das ações
musicoterapêuticas sobre a atenção compartilhada de crianças com TEA em comparação à
recreação com brinquedos. Após doze sessões de trinta minutos, verificou-se que a
Musicoterapia foi capaz de facilitar comportamentos de atenção compartilhada e habilidades
não verbais de comunicação social em crianças do que na recreação sem nenhum aporte
musical.
Toda essa investigação atesta, por fim, que é possível encontrar entre as ações
musicoterápicas instrumental eficiente para a reconceituação da relação do autista coma
ludicidade.
Por tudo isso visto até aqui, sob o prisma da seara científica, fez-se possível surgir a
ideia de propositura de uma estratégia musicoterapêutica que pudesse ser aplicada junto a
crianças com TEA, no sentido de ajudá-las a significar melhor e/ou ressignificar o ato de
brincar.
nome será mantido em sigilo por pedido da família. Ele será identificado neste artigo como
A.G.S.
Também se posto em contato com uma bola, no lugar de jogá-la, chutá-la, lançá-la,
dedicava-se a ficar passando o dedo sobre partes do objeto, deixando-o parado no chão.
Esse tipo de comportamento – seja com o carrinho, a bola e mesmo outros tipos de
brinquedos – foi notado num grau pleno de reincidência. Não se tratava do fato de
eventualmente A.G.S não dar usabilidade devida aos objetos lúdicos. O padrão de ação era
invariável. O menino nunca empreendia ações lúdica que correspondessem a natureza do
brinquedo.
O terapeuta, então, decidiu criar canções que tivessem em suas mensagens orientações
sobre como usar esse ou aquele brinquedo. E passou a apresentar essas canções a A.G.S. Desde
a primeira experiência, os resultados se mostraram bastante animadores.
e análise do comportamento de uma criança com TEA em atividades lúdicas, com a finalidade
de ajudá-la a dar mais devido significado e/ou ajudá-la a ressignificar a relação com brinquedos
que possam estimular sua cognição durante determinado período de sua formação educacional.
Uma vez composta a LC – como resultado das etapas acima indicadas –, faz-se
imperiosa a estruturação de uma sistemática de aplicação. A presente pesquisa sugere a seguinte
dinâmica:
b) Fase do Falar Para: em sessão posterior a que foi aplicado “Brincar Com”, de novo
levar a criança a travar contato com o brinquedo ou atividade recreativa com que não interage
de modo satisfatório. Juntando-se à criança, ainda sem manusear nenhum objeto ou realizar
movimentações lúdicas, o aplicador lê para ela a letra da LudoCanção que contenha a
mensagem que mostra usabilidade daquele brinquedo ou atividade recreativa. Faz a leitura duas
vezes. Em seguida, faz nova leitura, mas agora manuseando o brinquedo ou fazendo
movimentação lúdica que ilustre a atividade recreativa.Repetir a estratégia completa por três
vezes e deixar a criança livre para interagir com o brinquedo ou atividade recreativa como
quiser ou puder.
127
c) Fase do Cantar Para: em sessão posterior a que foi aplicado o “Falar Para”, mais
uma vez levar a criança a travar contato com o brinquedo ou atividade recreativa com que não
interage de modo satisfatório. Juntando-se à criança, agora já usando recurso instrumental, o
aplicador canta a LudoCanção. Nessa fase, faz-se interessante a participação de um outro
colaborador. Enquanto o aplicador canta, o outro manuseia o brinquedo ou faz movimentação
lúdica que ilustre a atividade recreativa. Repetir a estratégia por duas vezes e observar se a
criança passará a interagir com o brinquedo ou atividade recreativa de modo mais significado ou
ressignificado.
A fase do Cantar Para precisará se repetir frequentemente. Por pelo menos um mês.
Nesse interregno, avaliar se resultados estão sendo obtidos. Em caso positivo, passar a adotar a
técnica completa com brinquedos e atividades recreativas diferentes.
Uma vez atingido nível de eficácia com a aplicação da LC, faz-se interessante propor a
capacitação dos professores dos centros educacionais inclusivos nos quais a criança
eventualmente estude. Essa capacitação oferecerá aos educadores regentes de sala de aula ou
que trabalhem nos Atendimentos Educacionais Especializados um novo instrumental para a
busca do incremento da cognição desses educandos.
Além de poder ser aplicada dentro do universo escolar, a LC se põe também ao dispor
da clínica psicopedagógica, servindo, assim, como estratégica para a terapêutica de dificuldades
várias de aprendizado.
Na sequência das três fases da aplicação da LC, os pais descem ao chão do ambiente de
brincadeiras e passam reproduzir as ações lúdicas que o filho propuser, buscando explorar os
seis degraus de desenvolvimento emocional cunhados por Greenspan.
128
Com objetivo de ilustrar melhor a presente pesquisa, abaixo exemplo de uma LC criada
para ajudar A.G.S a melhor significar um carrinho de brinquedo com o qual mantinha contado
muito limitado:
D
O carro vai.
volta e vai.
D
O carro leva.
O carro traz.
G
Faz a curva,
leva e traz.
Bibi!
D
No carro vai
o bom papai.
G
O carro vem
e o carro vai.
129
Bibi!
D
No carro vem
A mamãe também
G
O carro vem
e o carro vai.
Bibi!
5 CONCLUSÃO
ARTIGO 09
RESUMO
Comunicar-se é premissa relevante para a vida social humana. Fazer-se entender e ser percebido
numa comunidade são prerrogativas para um satisfatório desenvolvimento pessoal e relacional.
Há condições clínicas, entretanto, que interferem fortemente nesse terreno e solicitam
intervenções terapêuticas. É o caso dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, campo com
impactos significativos nos mecanismos de troca interpessoal. O objetivo deste artigo científico
é investigar a pertinência do uso da técnica batizada de Leitura Sustentada Pela Música (LSPM)
como recurso musicoterapêutico destinado ao estímulo e incremento da expressão
comunicacional em pessoas com essa diagnose. O amparo norteador a esta pesquisa será dado
por meio de um relato de experiência com análise qualitativa da aplicação dessa prática junto a
duas pessoas com quadros clínicos tipificados como TGD
ABSTRACT
Communicating is a relevant premise for human social life. Making oneself understood and
perceived in a community are prerogatives for satisfactory personal and relational development.
There are clinical conditions, however, that strongly interfere in this area and require therapeutic
interventions. This is the case of Global Developmental Disorders, a field with significant
impacts on the mechanisms of interpersonal exchange. The objective of this scientific article is
to investigate the relevance of using the technique called Reading Sustained by Music (RSM) as
a music therapy resource intended to stimulate and increase communicational expression in
people with this diagnosis. The guiding support for this research will be given through an
experience report with qualitative analysis of the application of this practice with two people
with clinical conditions typified as GDD
1 INTRODUÇÃO
Falar muito baixo. Não conseguir se exprimir. Falar muito rápido e não ter êxito em ser
compreendido. Não saber desenhar na voz e no corpo a melodia e a intenção ideais para uma
boa emissão de informação. Repetir-se excessivamente. Ter limitação vocabular e não contar
com senhas para resolver isso. Essas e outras circunstâncias exemplificam fragilidades no ato
comunicacional. Essas limitações podem ser fruto de muitas circunstâncias. Mera timidez.
Excessiva introspecção. Medo de se manifestar. Quando todo esse bojo tem por base um
transtorno, necessárias e bastante estratégicas devem ser as ações de intervenção que auxiliem
na mediação e tentativa de superação dessas problemáticas.
Os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) apresentam em seu quadro clínico
questões que inferem nas faculdades de expressão comportamental, nas trocas relacionais, na
comunicabilidade. Em níveis diversos. Com implicações muitas. E os aspectos que propiciam
esses impactos vão desde fatores disfuncionais orgânicos a fragilidades cognitivas. Até mesmo
por compreender um leque extenso de possibilidades diagnósticas, os TGD abrangem um
universo plural de desafios sociorrelacionais e, portanto, comunicacionais a serem enfrentados.
Alguns pesquisadores têm se debruçado de maneira acurada sobre essa problemática e
suas falas a respeito do tema servem de indutores para o presente trabalho. É o caso de Teixeira,
Santos & Sousa (2018) ao explicarem, apoiadas nas acepções do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSMIV-TR, 2002), que os Transtornos Globais do
desenvolvimento ou Transtornos Invasivos do Desenvolvimento se configuram como universo
que circunstancia invasivos e severos prejuízos nas áreas das habilidades de comunicação, de
interação social e comportamentos restritos e estereotipados. As autoras prosseguem
salientando, inclusive, que a diagnose nesse campo aponta dois aspectos que interessam em
especial ao presente artigo: as pessoas com esses transtornos costumam demonstrar acentuado
comprometimento no uso de comportamentos não-verbais e ausência de reciprocidade
emocional. Também explicam as cientistas que, no que diz respeito à comunicação e à
linguagem, com base em estudos empreendidos, algumas pessoas com TGD não apresentam
comunicação verbal ou têm prejuízos na fala. E arrematam: aquelas que falam apresentam um
acentuado comprometimento na capacidade de iniciar ou manter uma conversa, pois há
intercorrência de ecolalia: repetição mecânica de palavras ou frases.
Igualmente estudiosas desse terreno, Camargo, Castro & Batista (2017) somam
esclarecimentos ao afirmarem que na Classe Especial - TGD, as convenções de cada linguagem
são tratadas em situações de comunicação, pressupondo-se que o repertório das linguagens seja
comum entre pessoas que compartilham a mesma cultura. O trabalho das pesquisadoras aponta
ainda que a construção desses sistemas sígnicos mobiliza o fazer e a leitura com fins artísticos e
132
2 METODOLOGIA
3 DESENVOLVIMENTO
Entrementes, como se já não fosse suficientemente ampla toda essa problemática, surge
na presente pesquisa outra entrecruza: os Transtornos Globais do Desenvolvimento tangenciam
as Deficiências Múltiplas?
Sim, são grandes os pontos de polêmica conceitual em meio a toda essa discussão
quando se tenta olhar para quais seriam os limites de definição e entendimento entre os TGD e
as Deficiências Múltiplas. Um campo está dentro do outro? São áreas clínicas diversas. Um
conduz ao outro? Ou são terrenos paralelos, que eventualmente se permeiam? Essas perguntas
são importantes porque uma das atendidas pelo presente pesquisador com quem foi trabalhada a
técnica a ser detalhada neste artigo tem diagnósticos de TG e DM. Assim, faz-se imperioso
analisar essa interrelação
Silva (2001) aponta que o conceito de deficiência múltipla, per si, varia entre os
estudiosos. Informa, por exemplo, que, na Política Nacional de Educação Especial, a deficiência
múltipla é definida como a associação, no mesmo indivíduo de duas ou mais deficiências
primárias (mental/visual/auditivo-física), com comprometimentos que acarretam atrasos no
desenvolvimento global e na capacidade adaptativa. Esse comprometimento global é justamente
que tangencia os TGD. A autora prossegue frisando que o conceito de deficiência múltipla é
referendado pelo Decreto n.3.298/99, que define a situação como associação de duas ou mais
deficiências. A estudiosa chama atenção para a compreensão de que esse extrato implica numa
gama extensa de associação de deficiências que podem variar conforme o número, a natureza, a
intensidade, a abrangência e o efeito dos comprometimentos decorrentes, no nível funcional.
Mas, por outro lado, ela conta que, para outros autores, a deficiência múltipla seria a ocorrência
de apenas uma deficiência, cuja gravidade acarreta conseqüências em outras áreas. De toda
forma, a autora concebe que a DM é uma condição heterogênea que identifica diferentes grupos
de pessoas revelando associações diversas de deficiências que afetam, mais ou menos
intensamente, o funcionamento individual e o relacionamento social.
O fato é que, independente das dificuldades conceituais e norteadoras em todo esse
universo, intervir terapeuticamente é fundamental e sempre urgente. Na esteira da busca por
práticas interventivas pertinentes para todo esse painel aqui explanado, a Musicoterapia pode ser
uma opção considerável.
136
Como é comum a todo fazer artístico, a Música comunica e faz comunicar. Comunica
intentos de sensibilização, de percepção, de alteração de estados de consciência. Faz comunicar
na medida em que ajuda as pessoas a trocarem entre si - graças ao ato de tocar ou apenas ouvir -
emoções, reações, sentimentos. O fazer musical entretém, mas também infere sobre a organismo
humano de modo terapêutico. O som tem freqüências que impactam na corporeidade e na
psique. As melodias suscitam respostas comportamentais e corpóreas. As cadências rítmicas
alteram pulsações. A Música é terapia. E, justamente por isso, a ciência da Musicoterapia tem
cada vez mais encontrado respaldo nas práticas de saúde pública.
Isso posto, é relevante saber que pesquisadores de diferentes lugares do mundo vêm se
empenhando em propor soluções interventivas por meio de aporte musicoterapêutico para os
TGD. Dedicada a essa temática e com trabalhos publicados em periódicos espanhóis, Guzmán
(2010) pontua, incialmente, que música é uma linguagem universal, composta por dois
elementos: silêncio e som (vibração). Ela chama atenção para o importante fato de que esses
aspectos são reconhecidos pelo feto desde a 18ª semana de gestação. A autora sentencia que,
apesar do atual modo de vida humano distorcer seu significado e valor, deve haver espaços e
atividades que recuperem e destaquem a importância e a necessidade de usar a música como
ferramenta de comunicação. A cientista atesta que, no caso de pacientes com TGD, que têm
seriamente prejudicadas as habilidades de comunicação na expressão verbal, a Musicoterapia
oferece uma alternativa não negligenciadora. A professora segue detalhando que os pacientes
com TGD sentem em demasia as pressões de uma vida em que comumente não são
compreendidos, sentem-se coagidos pelo fato da linguagem verbal ser tratada como a principal
maneira de se relacionar com os outros e as práticas musicoterápicas substituem tudo isso pelo
prazer e gozo que advém da experienciação musical. Informa ainda que as pessoas nesse terreno
de transtornos descobrem que são capazes de se expressar através da música com um resultado
satisfatório. Sempre postos na condição de dependentes, esses pacientes atinam que podem criar
beleza sozinhos. Sempre gerenciados por alguém, encontram tempo e espaço para se comunicar
livremente. O trabalho do musicoterapeuta, esclarece a articulista, é essencialmente focado na
criação e manutenção de um espaço ideal para a comunicação. Para fazer isso, deve-se fornecer
aos pacientes as ferramentas necessárias para se expressarem através da música.
137
Gusmán explica ainda que o principal objetivo da aplicação da Musicoterapia junto aos
Transtornos Globais do Desenvolvimento é estabelecer um nível de comunicação com o
paciente que possibilite a expressão de sentimentos e a troca terapêutica. Isso exigirá muitas
vezes que o musicoterapeuta ensine o paciente a se comunicar através da música, ela revela. E
frisa que nesse percurso de incremento comunicacional, a intervenção musicoterapêutica tem
por foco atuar para que haja substituição de expressões "vazias" por outras cheias de conteúdo
no ato dialogal; estímulo para que o paciente interaja intencionalmente com os outros
indivíduos; entendimento de que as expressões do paciente podem ser diferentes do que seu
interlocutor pensa ou sente; e também desenvolvimento da linguagem, tanto na sua produção,
como na expressão-compreensão.
Inspirado por todo esse referencial teórico, o autor da presente pesquisa buscou
desenhar uma estratégia musicoterapêutica de estímulo a expressão comunicacional que
atendesse duas de suas pacientes com TGD.
Fase I - Proposição
a) Estratégia 01 (fração da dicção associada à extensão sonora /textos conhecidos):
como estratégia inicial, letras de músicas do gosto de Jessica foram selecionadas. Então,
solicitou-se que ela fosse lendo os versos, mas com um diferencial: o terapeuta a acompanhava
ao violino. Cada palavra lida precisava caber na extensão de uma nota tocada. Se a nota fosse
tocada de modo mais alongado, a leitura precisava ser alongada. As letras e sílabas precisavam
ser dilatadas, pronunciadas lentamente, largamente, demoradamente. A proposta era dupla: a
139
primeira, fazer com que ela fosse "saboreando" cada pedaço da palavra para os oralizar e os
compreender melhor e, a segunda, buscar dominar o modo ansioso com que ela despejava os
vocábulos. Claro que, inicialmente, o desafio foi grande. Ela não conseguia atender à premissa
do exercício. A fala extrapolava a extensão das notas. Mas, com muita paciência, o terapeuta
parava a prática, fazia-a perceber onde havia acontecido o indesejado e retomava a dinâmica.
Sempre sendo tomado o cuidado de não a deixar nervosa, tensa. Tudo era conduzido com leveza
e de modo lúdico. E ia-se até o limite de sua predisposição. Essa estratégia foi usada ao longo
de quatro sessões.
Fase II - Diferenciação
c) Estratégia 03 (conversa motora): passadas as três sessões da dinâmica anterior,
uma nova estratégia passou a ser usada. O terapeuta usava dois tubos pequenos e uma bolinha.
Cada tudo tinha no seu topo formato que sustentava a bolinha. O trabalho de Jessica era passar a
bolinha de um topo para o outro dos tubos, alternadamente, sem deixar a bolinha cair. Enquanto
isso, o terapeuta tocava violão (sempre melodias suaves) e conversava com Jessica. Algum
assunto de seu interesse. A jovem precisava ir passando a bolinha de um tubo para outro na
cadencia suave da música, enquanto mantinha o diálogo com o terapeuta. Os objetivos aqui
eram trabalhar a divisão de foco atencional e o ritmo dialogal. Era um intenso desafio. Algumas
vezes, ela parava, argumentava que não queria seguir. O terapeuta, então, a encorajava,
reforçava tudo de positivo que ela vinha obtendo e, assim, a convencia a retornar à dinâmica.
Essa proposta durou duas sessões.
d) Estratégia 04 (Leitura Motora): neste novo ciclo, foi mantida a dinâmica motora
com os tubos e a bolinha. Jessica precisava alternar a bolinha de forma segura, cadenciada e
140
concentrada. O terapeuta manteve a proposta de tocar ao violão temas musicais suaves como
indução. O que mudou foi o aporte expressivo. No lugar do dialogo aleatório, a jovem precisava
ler um texto posto num suporte a sua frente (a altura de seu rosto). A música fluía, ditando a
cadencia serena com que devia ser realizada a alternância do objeto em suas mãos e ela
precisava ir lendo o texto de modo ritmado. Foram duas sessões. Uma com texto que ela
conhecia, outra com texto que ela desconhecia.
O primeiro fato importante a se frisar nesse relato é que, ao contrário do caso de Jéssica,
a família de L.B.C. (30 anos) solicitou que a identidade da mesma fosse preservada. E isso será
atendido sem prejuízo aos registros e aferições científicas aqui intentados.
Outro relevante fator diferencial diz respeito ao temperamento desta paciente. Seu
humor era bastante diferente do caso anterior. Agressiva, resistente, constantemente mal
humorada e difícil de ser acessada no ponto de vista relacional, L.B.C. resistiu inicialmente a se
conduzir ao trato terapêutico. Antes de iniciar as ações interventivas, o terapeuta precisou
pacientemente construir vínculo. Só cumprida essa premissa - que foi bem sucedida ao cabo de
quase um mês - iniciaram as atuações sobre as queixas aferidas na anamnese do caso.
Além das já citadas questões humorais, as demandas sobre a jovem giravam em torno
das relações familiares. Em função das implicações do TGD e da MD diagnosticas desde cedo,
sua vida escolar fora problemática, mas estava concluída. As controvérsias eram no âmbito
doméstico. Suas dificuldades comunicacionais eram tão severas que essa condição lhe causava
intensas crises ansiedade e fúria. Não conseguir se expressar, não conseguir dialogar
provocavam nela instabilidades comportamentais grandes. Episódios de intensa irritabilidade e
constante insegurança. Não gostava de tomar decisões e se recusava a socializar com pessoas de
fora da sua casa.
A fala de L.B.C era muito lentificada. Cheia de lapsos. Esquecia palavras. Esquecia o
que havia acabado de iniciar a dizer. Os vocábulos eram mal pronunciados, dispersivos. E havia
141
Fase I - Proposição
a) Estratégia 01 (impulsionamento da dicção associada à estímulo sonoro /textos
conhecidos): como o ritmo de expressão frasal de L.B.C também requeria reacondicionamento,
foi-lhe também aplicada a estratégia da leitura de textos associada ao violino. Mas o caso era
oposto ao de Jéssica. Aqui, era preciso deslentificar sua fala. Então a indução musical era usada
para acelerar sua proposição frasal. Ela precisava ler obedecendo o ritmo ditado pelo
instrumento. O toque musical - sempre acelerado - a incitava a cadenciar a fala de um modo
menos alongado. Nessa etapa, foram usados textos que ela conhecia. Não apenas para lhe dar
conforto e segurança - e, desta forma, afastar ao máximo frustrações -, mas igualmente para
proporcionar índice menores de desalinhos. A resposta a esse estímulo foi positiva. Não houve
resistência, recusa. E a dinâmica foi aplicada ao longo de quatro sessões.
b) Estratégia 02 (impulsionamento da dicção associada à estímulo sonoro /textos
desconhecidos): essa etapa manteve o intento de estimular um melhor cadenciamento na
expressão falada. O violino continuou sendo usado como indução para deslentificar a pronuncia
vocabular, acelerar o fraseado. No entanto, os indutores usados em pareamento passaram a ser
textos desconhecidos pela paciente. Os desalinhos evidentemente surgiram. O terapeuta
preparou-se para dar suporte as frustrações que naturalmente foram se apresentando. Mas o
recurso incentivador era o de reforçar as qualidades positivas da atendida. Seus êxitos, sua
capacidade resolutiva, sua força atitudinal. Houve momentos tensos. Houve episódios de
aborrecimentos mais intensos, todavia tudo foi sendo resolvido e a prática seguiu bem sucedida.
Essa etapa durou três encontros.
142
Fase II - Diferenciação
c) Estratégia 03 (regência musicoterapêutica / percussão incentivadora 01): essa
fase interventiva foi intentada para atuar sobre a insegurança atitudinal de L.B.C. A linha de
instrumentos que passou a ser usada foi a percussiva. A proposta foi a seguinte: um texto era
posto diante da atendida. Ela só podia começar a ler quando toques percussivos começassem.
Se os toques parassem, ela precisava parar de ler. A proposta do fraseamento dentro da
expressão sonora se manteve. Cada sílaba precisava caber dentro de cada toque e no ritmo
tocado. A técnica é basicamente a da regência: um determina, o outro cumpre. Mas foi usada
como reforço do enlace comunicacional. Um se expressa, o outro responde. Isso é comunicar-
se. E era também uma tática condicionante para tornar a fase seguinte - ainda mais relevante -
exitosa. Essa etapa durou duas sessões.
d) Estratégia 04 (regência musicoterapêutica / percussão incentivadora 02): o uso
do estímulo percussivo foi mantido. Mas a dinâmica se inverteu. Agora era L.B.C que teria que
tocar os instrumentos e, assim, reger o terapeuta. Ela tocava, e este terapeuta lia. Ela dava a
cadência que precisaria ser mantida. O cerne aqui era fazê-la se sentir hábil a comandar, a
superar seus limites de insegurança. Essa etapa transcorreu em dois encontros.
4 CONCLUSÃO
Após toda essa extensa e densa exposição científica, é cabível concluir que, sim, a
técnica batizada de Leitura Sustentada pela Música (LSPM) tem aplicabilidade clínica para
estimular uma melhor expressão comunicacional em pessoas com Transtornos Globais do
Desenvolvimento. Dão esteio a essa afirmação os resultados eficientes alcançados junto às
pacientes que atuaram como personagens-alvo dessa investigação. E é possível também atestar
que intervenções musicoterapêuticas são instrumental de potencialização sociorrelacional. A
melhoria na qualidade de vida das jovens analisadas - em especial nos cenários familiar e extra-
familiar - referenda esse ponto. Além disso, comprova-se que a leitura de obras literárias,
aliançadas a suporte musicoterápico, têm de fato efeito terapêutico. O trabalho ainda
efetivamente oportuniza a técnica estudada como viável opção interventiva para educadores e
terapeutas, especialmente aqueles ligados ao campo dos TGD.
144
REFERÊNCIAS
ABELHA, Lúcia. Depressão: uma Questão de Saúde Pública. Cad. Saúde Colet. Rio de
Janeiro, 2014.
ABRAMOWICZ Anete Moll, Jaqueline (org). Para além do fracasso escolar. Papirus.
Campinas, 1997.
ALMEIDA, Jorge Luis Sacramento de; MAGALHÃES, Luiz Cesar. Educação Formal/Não-
formal/Informal (a formação musical nos terreiros de Salvador). In: ENCONTRO ANUAL
DA ABEM, 16., 2007, Campo Grande-MS. Anais... Campo Grande: UFMS, 2007. p. 13.
Disponível em: <http://www.abemeducacaomusical.
org.br/Masters/anais2007/Data/html/pdf/art_e/Educacao%20Formal_Nao_formal_
Informal.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2017.
BAGAROLLO, Maria Fernanda; PANHOCA, Ivone & RIBEIRO, Vanessa Veis. O brincar de
uma criança autista sob a ótica da perspectiva histórico-cultural. Revista Brasileira de
Educação. Marília, 2013.
BARROS, Mayra Fernanda & FERREIRA, Leonardo Carrijo. A Arte Como Estratégia de
Intervenção Terapêutica. Revista Psicologia e Saúde em Debate. Patos de Minas, 2016.
BECK, Aaron T. & ALFORD, Brad A. Depressão: Causas e Tratamento. Artmed. São Paulo,
2011.
BRANCO, Angela Uchôa; MACIEL, Diva Albuquerque &QUEIROZ, Norma Lucia Neris.
Brincadeira e desenvolvimento infantil: um olhar sociocultural construtivista. Paidéia,
2006.
CALDAS, Ana Luiza Paganelli. O filosofar na arte da criança surda: construções e saberes.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2006.
CAMARGO, Liria Yumiko Takeda; CASTRO, Maria Aparecida & BATISTA, Cleide Vitor
Mussini. Vivenciando a Arte com Crianças na Classe Especial - TGD. Universidade
Estadual de Londrina. XVII SEDU. Londrina (Paraná), 2017.
CHARTIER, Getúlio & TOURINHO, Irene. Brincadeiras na educação: quando o rir faz
sentido. FAV/UFG. Goiânia, 2009.
COSTA, Camila Rodrigues; JÚNIOR, Manoel Osmar Seabra; AMPARO, Matheus Augusto
Mendes & ZENGO, Lonise Carioline. Perfil Psicomotor de Crianças com TDAH de uma
Escola no Município de Presidente Prudente. Revista Gestão e Saúde. Presidente Prudente
(São Paulo), 2013.
CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação básica no Brasil. Unicamp. Campinas, 2002
CURY, Augusto Jorge. Ansiedade: Como Enfrentar o Mal do Século. Editora Saraiva. São
Paulo, 2017
DHEERAJ, Rai; HEUVELMAN, Hein & DALMAN, Christina. Association Between Autism
Spectrum Disorders With or Without Intellectual Disability and Depression in Young
Adulthood. JAMA Network Open. USA, 2018.
148
FERREIRA, Carolina Cristina Moreira; LIMA, Regina Aparecida Garcia & REMEDI,
Patricia Moreira. A música como recurso no cuidado à criança hospitalizada: uma
intervenção possível? Sistema de Informação Científica. São Paulo, 2006
FERREIRA, Danilo Moretti; GIACHETI, Célia Maria & ROSSI, Natalia Freiras.
Genética e linguagem na Síndrome de Williams-Beuren: uma condição neuro-
cognitiva peculiar. Revista de Atualização Científica. Barueri, 2006.
FERREIRA, Cláudia A.P. Livro e leitura como ritual religioso. In. Seminário Brasileiro sobre
Livro e História Editorial; Rio de Janeiro (RJ): Editora da UFRJ, 2005.
FIALHO, Francisco Antônio Pereira. Em busca da consciência do que está por vir:
ciência e cognição. Insular. Florianópolis, 2001.
FILHO, Naomar de Almeida; COELHO, Maria Thereza Ávila & PERES, Maria Fernanda
Tourinho. O Conceito de Saúde Mental. Revista USP. São Paulo, 1999
149
FISCHER, Claudia Petlik; FONTES, Maria Alice. Neuropsicologia e Funções Cognitivas. São
Paulo: Plenamente, 2016.
GAMA, Carlos Alberto Pergolo; Campos, Rosana Teresa Onocko & Ferrer, Ana Luiza. Saúde
Mental e Vulnerabilidade Social: A Direção do Tratamento. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund.
São Paulo, 2014.
GOMES, Moyses Marcelino. Arte Como Terapia Para Loucos. Fundação Oswaldo Cruz. Rio
de Janeiro, 2005.
GOMES, Meire; OLIVEIRA, Gisele Santos de. História da Síndrome de Down. Rio Grande
do Norte: Projeto Gama Down, 2016.
GOMES, Estefânia Rosana & MARIOTTI, Aurora Joly Penna. O uso de poemas na educação
infantil. Piracicaba (SP): Unimep, 2008.
GOMES, Diogo da Silva Magalhães; MOTTA, Claudia Lage Rebello & CRUZ, Adriano
Joaquim de Olveira. Sistema Integrado para a Construção de Inferências Nebulosas
150
HIGBEE, E. C. Drug and medicinal cros. Boston (USA): Charles Morrow, 1945.
JOSÉ, Laureane Hertlein Alcântara; VIVIAN, Aline Groff; JOSÉ, Fernando Elias Machado &
SOUZA, Fernanda Pasquoto. Ansiedade, estresse, sintomas de TDAH e desempenho em
candidatos no exame da Ordem dos Advogados do Brasil/RS. Aletheia. Porto Alegre, 2015.
KANNER, L. Autistic disturbances of affective contact. Nervous Child, n.2. USA, 1943.
KIM, J.; WIGRAN, T.; GOLD, C. The Effects of Improvisational Music Therapy on
Joint Attention Behaviors in Autistic Children: A Randomized Controlled Study. J
Autism Dev Disord, v. 38, p. 1758–1766, 2008.
KLIN, Ami. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Revista Brasileira de
Psiquiatria.São Paulo, 2006.
MARTINO, Luis Mauro Sá. Teoria da Comunicação: Ideias, Conceitos e Métodos. Editora
Vozes. Petrópolis (Rio de Janeiro), 2009.
MARXEN, Eva. Diálogos Entre Arte Y Terapia. Gedisa Editorial. Buenos Aires (Argentina),
2011.
MEDINA, Josiane; ROSA, Greisy Kelly Broio & MARQUES, Inara. Desenvolvimento da
Organização Temporal de Crianças com Dificuldades de Aprendizagem. Revista da
Educação Física/UEM. Maringá (Paraná), 2006.
152
NEVES, Libéria Rodrigues. O Uso dos Jogos Teatrais na Educação: uma prática pedagógica
e uma prática subjetiva. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
ONGARO, Carina de Faveri, SILVA, Cristiane de Souza & RICCI, Sandra Mara. A
importância da música na aprendizagem. Disponível em:
<http://www.alexandracaracol.com/Ficheiros/music.pdf. > Acesso em: 10 mai. 2018
PEREIRA, Jane Paulino. Atividade musical com surdos: percussão corporal. Connepi.
Palmas, 2012.
PLAZA, Julio. Arte e interatividade: autor-obra-recepção. ARS vol.1 no.2. São Paulo, 2003
ROUDINESCO E PLON. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro (RJ): Jorge Zahar, 1944.
SCHOPLER, E., Reichler, R. J., Bashford, A., Lansing., M. D., & Marcus, L. M.
Psychoeducational Profile Revised (PEP-R). Texas (USA): Proed, 1990.
SEKEFF, Maria de Lourdes. Curso e dis-curso do sistema musical (tonal). Abablumme. São
Paulo, 1996.
SIMÕES, Regina & PICCOLO, Vilma Leni Nista. Corporeidade e Motricidade Humana na
Educação Física: Uma Possibilidade de Transcendência para a Área. UFGD. Dourados
(MS), 2012.
TEXEIRA, Paula Fabrícia Ribeiro; SANTOS, Rosana Dantas & SOUSA, Sidenise Estrelado.
As Contribuições do Método PECS em Alunos com Transtorno Global do
Desenvolvimento: Estimulando a Interação. Estudos IAT, 2018
VAZ, Regiane Henrique & VILIBOR, Renata Hydee Hasue. Correlação entre função motora
e cognitiva de pacientes com paralisia cerebral. Universidade de São Paulo (USP). São
Paulo, 2009
VENTURA, Dora Fix. Psicologia: Teoria e Pesquisa. São Paulo: USP, 2010.
WILLENS, Edgar. Preparacion musical de los más pequeños. Eudeba. Buenos Aires, 1962.
Patterns of life. The work of Dr. Harold Burr, 1996.Disponível em: http://www.wrf.org/men-
women-medicine/dr-harold-s-burr.php
World Health Organization. Noise. Environmental. health Criteria 12. Geneva, 1980.