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SUSTENTABILIDADE E ESTRATÉGIA

Por: Paulo Savaget e Juliana Travassos

As discussões de Sustentabilidade são, em essência, estratégicas. Se a Sustentabilidade nos


parece um quebra-cabeça, tentando conciliar peças que, em um primeiro olhar, muitas vezes
parecem não encaixar, a Estratégia é aquilo que integrará essas peças. Em contextos com
informações cada vez mais difusas, nos quais as empresas são pressionadas para corresponder
às expectativas dos diferentes stakeholders, incorporar a Sustentabilidade nas Estratégias de
forma consistente pode garantir que a empresa fará esforços organizados, ao invés de
iniciativas desconectadas. Elas vão inspirar a empresa e seus stakeholders (como funcionários
e a cadeia produtiva) a perseguirem objetivos comuns, que irão beneficiar simultaneamente
a sociedade e a empresa.

O papel da empresa e seu poder de transformação social e ambiental têm sido, de fato, tema
de discussão por várias décadas. Um dos temas mais frequentes no mundo dos negócios e nas
discussões intersetoriais diz respeito às formas como as empresas podem trazer para o centro
das estratégias (e não para a periferia dos seus negócios), por exemplo, a qualidade de vida
dos consumidores; a perpetuação dos serviços ecossistêmicos vitais ao negócio; a viabilidade
e longevidade dos fornecedores essenciais; e o combate à vulnerabilidade social.

É mais que notório que as questões sociais e ambientais influenciam profundamente as


empresas, seja por representarem riscos à operação ou perpetuação da empresa, como,
também, oportunidades para elas se diferenciarem, para inovarem. É crítico, portanto, buscar
identificar e minimizar os riscos e analisar como transformá-los em oportunidades. É neste
sentido que buscar a interseção das esferas ambiental, social e econômica tem se mostrado
crucial para o desenvolvimento e longevidade dos negócios. Contudo, a maioria das empresas
ainda possui o mindset de responsabilidade social, com o foco exclusivo na mitigação de riscos
sociais para não comprometer a reputação, imagem e legitimidade da empresa para operar.
Nesses casos, as esferas social e ambiental estão na periferia, não no centro dos negócios. São
vistas como riscos à operação, demandas regulatórias, ou então como compensações
baseadas simplesmente na ética ou responsabilidade corporativa.

A visão estratégica da sustentabilidade em uma empresa pode ser incorporada em diferentes


níveis de profundidade. O primeiro deles é o nível dos recursos. A empresa pode optar, por
exemplo, por usar recursos com a mesma funcionalidade, mas que sejam menos prejudiciais
ao meio ambiente, como trocar o filtro de uma fábrica por outro mais eficiente. Tais ações
reduzem os impactos da operação da organização, mas não eliminam ou previnem a causa.
Assim, um segundo nível seria agir no processo de negócio no qual os recursos são usados,
eliminando a causa dos efeitos não sustentáveis, em vez de apenas limitá-los ou compensá-
los. Neste caso, a empresa, por exemplo, deveria mudar o processo produtivo de forma a não
gerar resíduos tóxicos que precisassem ser filtrados.

Um terceiro nível seria o do modelo de negócio, ou seja, da forma como os produtos ou


serviços são realizados, a organização do trabalho, os canais de distribuição etc. Um quarto

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nível de integração, o mais profundo, leva em conta não apenas o processo ou modelo de
negócio, mas também os produtos e serviços em si, inovando para que estes contribuam para
uma sociedade mais sustentável, como uma tecnologia ambiental regenerativa ou um
produto que ajude a combater uma desigualdade social. Essa progressão de níveis reflete as
visões mais modernas de sustentabilidade, nas quais o desafio não é o de produzir produtos
e serviços “menos danosos”, e sim atender a nichos emergentes cujos impactos
socioambientais são positivos.

Porter e Kramer, em um artigo publicado em 2011, apresentam a noção de Valor


Compartilhado, em que a geração de valor para a sociedade estaria intimamente associada à
geração de valor econômico para a empresa: ou seja, uma estratégia competitiva. Nela, o
sucesso empresarial pode ser ainda maior caso conectado com o progresso social. O propósito
das empresas deve ser a geração de Valor Compartilhado, e não apenas lucro por si só. Isso,
segundo os autores, levaria a uma nova onda de crescimento da produtividade e inovação,
reformatando a relação das empresas com a sociedade sem causar transformações
estruturais no capitalismo.

A noção de Valor Compartilhado, portanto, se dissocia da filantropia estratégica e da


responsabilidade social corporativa, por estimular as empresas a reconceituarem a interseção
entre a performance financeira e econômica e a sociedade. Enquanto a filantropia e a
responsabilidade social tendem a enfatizar as relações públicas, o Valor Compartilhado
conecta valor econômico e social, que perpassam os mais diversos departamentos e que
otimizam as estratégias de negócio da empresa.

Embora seja diretamente relacionado à Sustentabilidade, as estratégias de Valor


Compartilhado são um pouco distintas dos discursos mais recorrentes do desenvolvimento
sustentável. Isso porque, ao colocar a ênfase no valor, na competitividade, o conceito
fortalece a visão de transformação social, partindo da perspectiva dos negócios – e não de
uma sobreposição harmônica das esferas social, ambiental e econômica. Além disso, a esfera
ambiental é vista sob a ótica de valor social e econômico (a sociedade e a economia precisam
que serviços ecossistêmicos oferecidos pela natureza se perpetuem no futuro), e não como
uma esfera autônoma.

Em outras palavras, o Valor Compartilhado traz uma linguagem muito voltada à realidade
empresarial, pois a transformação social é reconceituada dentro das estratégias e das
estruturas e sistemas de gestão das empresas. O foco social é naquelas necessidades das
comunidades que estão intimamente relacionadas ao contexto empresarial. Dessa forma, a
empresa consegue contribuir com aquilo que ela tem de melhor para oferecer e, ao fazer isso,
ela gera mais valor social do que se investisse em projetos que não possuem relação com o
seu core business.

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A Nestlé, por exemplo, por ser líder mundial do setor alimentício e de bebidas, definiu como
principais pilares de geração de Valor Compartilhado a “Nutrição” (ligado à proposição de
valor da empresa); a “Água” (um dos principais insumos da sua produção); e o
“Desenvolvimento Rural” (diretamente relacionada a sua cadeia produtiva, aos fornecedores
da sua produção). Ou seja, ela planeja centralizar os esforços de ganhos sociais na promoção
da nutrição, nos recursos hídricos e no desenvolvimento rural, porque isso gera mais valor
social e, concomitantemente, assegura mais valor para os negócios.

Conectando o social com o econômico de forma íntima, é possível gerar valor que,
isoladamente, não seria gerado. Ou seja, projetos filantrópicos dissociados da realidade
empresarial não seriam apropriados, não apenas porque não se traduzem em ganhos diretos
para a empresa, mas também porque gerariam menor valor social do que se fossem ligados
ao core business da empresa. A Nestlé, investindo em Nutrição, consegue oferecer
competências ligadas ao seu core business. Se ela focasse seus esforços sociais em combater
a prostituição infantil, por exemplo, ela poderia contribuir com dinheiro, mas não com suas
competências – aquilo que ela tem de melhor para oferecer. A Nestlé não possui vocação e
capacitações internas para otimizar a condução desse tipo de projeto social. Além disso, nesse
caso, os ganhos para os negócios não seriam tão grandes quanto investir em Nutrição.

Vejam que esse alinhamento contextual provê, portanto, uma melhora no cenário
competitivo, com melhores resultados tanto para as empresas quanto do ponto de vista
social. A empresa deve sempre se questionar: como a empresa pode redefinir suas estratégias
para criar o maior valor de negócios e social, de forma que nenhuma outra empresa
conseguiria? Essa resposta, inevitavelmente, leva as empresas a repensarem como definem
suas estratégias e conduzem suas operações, abrindo novas possibilidades para diferenciação
competitiva e, simultaneamente, contribuindo para um mundo ambientalmente mais
resiliente e socialmente mais inclusivo. Essa diferenciação pode levar a empresa a se tornar
líder em seu setor, a garantir a perenidade dos negócios, ou até mesmo a identificar novas
oportunidades e mercados acessíveis somente pela integração da sustentabilidade nos
negócios. Várias empresas no mundo já perceberam e usufruem disso.

Em 2005, a General Electric, por exemplo, colocou em ação o projeto Ecomagination, com o
objetivo claro de reduzir preventivamente o impacto ambiental de seus produtos. Além de
gerar inovações, o projeto reduziu a pegada de carbono da empresa e criou novas fontes de
receita. Em 2012, com investimentos de US$ 2 bilhões, e empresa obteve uma receita de US$
25 bilhões em vendas. Já a Unilever lançou o projeto Shakti, cuja estratégia é oferecer
treinamento e microcrédito para mulheres de baixa renda na Índia, para que se tornem
vendedoras dos produtos da empresa. Já são mais de 70.000 empreendedores, em sua
maioria mulheres, mas agora também incluindo homens, em mais de 165.000 vilas indianas.
Como resultado, a Univeler redefiniu seus métodos tradicionais de distribuição e melhorou
sua penetração na Índia rural, e o Shakti já ultrapassa os 5% da receita total da empresa no
país. Os benefícios sociais foram aumento da renda familiar dos empreendedores e acesso a
produtos básicos de higiene, até então inacessíveis a essa população carente de condições
sanitárias mínimas.

Dentre as ferramentas que podem ser utilizadas para pensar estratégias de sustentabilidade

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está a “5 forças”, de Porter. Isso porque a possibilidade de novos entrantes, de substitutos a
produtos e serviços, rivalidade entre empresas existentes, poder dos compradores e dos
fornecedores podem estimular novas formas de se compreender o cenário competitivo e
melhor inserir a sustentabilidade, minimizando riscos e otimizando oportunidades de
diferenciação. O mesmo se aplica para a análise SWOT, que auxilia a avaliar as forças,
fraquezas, oportunidades e ameaças, que podem reconceituar os objetivos da empresa com
perspectivas sustentáveis ou, então, ajudá-las a ter mais sucesso (nas três esferas da
Sustentabilidade) enquanto busca seus objetivos estratégicos.

A Sustentabilidade influencia todas as empresas, de todos os setores e locais de operação,


embora de formas distintas. Assim, torna-se cada vez mais importante reconhecer isso e, mais
importante ainda, entender quais são as implicações para a empresa. Somente com a
integração nas ferramentas da estratégia a empresa conseguirá identificar novas
oportunidades e tirar benefícios da sustentabilidade. A integração com a estratégia garante
ainda que os esforços e as ações para a sustentabilidade sejam coordenadas e engajem todo
o público interno, fazendo com que todos sintam-se motivados para ação e maximizando os
benefícios gerados.

Para enfrentar o desafio da integração não existem receitas prontas, cada empresa deve
determinar as estratégias que funcionam para si, ao invés de simplesmente replicar a de
outras empresas ou adotar critérios de certificações. Para tal, é necessário entender o
contexto de negócios em que a empresa está inserida, entender como a sustentabilidade
afeta a empresa, e então mapear as fontes e a magnitude dos riscos e oportunidades
sinalizados pela sustentabilidade. A partir desse levantamento, a empresa deve explorar as
várias opções estratégicas e definir suas prioridades, estabelecendo objetivos claros,
consistentes e que permitam a evolução constante. Os objetivos estratégicos da
sustentabilidade devem ser transmitidos com clareza, para que o público interno possa se
engajar e para garantir uma governança transparente. É importante ainda que a empresa
busque influenciar mudanças além das fronteiras organizacionais e trabalhe com outros
stakeholders, criando redes colaborativas para buscar objetivos comuns, incluindo sua cadeia
produtiva e até mesmo concorrentes. Como em toda definição de estratégia, este deve ser
um processo contínuo e em constante evolução.

BOX “Para Saber Mais”


- Valor Compartilhado, do Porter e Kramer, publicado em 2011.
- The Sustainable MBA, de Giselle Weybrecht, publicado em 2010.

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