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Só em teus braços

Tho Doctor's
Elizabeth Petty

Ao terminar seu estágio num hospital-escola de Londres, Anna decidiu voltar


para casa, no interior da Inglaterra, para fazer companhia à avó e trabalhar como
enfermeira no pequeno hospital local. No princípio, estranhou a calma e a falta de
recursos. Mas logo ficou conhecendo o novo cirurgião-assistente, o dr. Paul Keslar, e
nuvens cor-de-rosa cobriram o céu de Calderbury. Estava apaixonada. E ele também.
Pelo menos, foi o que disse a ela, numa noite de luar, quando passeavam pelos
bosques. Mas uma tempestade se aproximava para destruir seu sonho de amor. Havia
qualquer coisa errada com Paul, que a deixava sempre insegura. Por que ele nunca
falava de seu passado e hesitava em fazer planos para o futuro dos dois?

Digitalização e Revisão Joyce

PROJETO REVISORAS
Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

CAPÍTULO I

Era uma linda manhã de maio, daquelas que dá vontade de cantar e de sair
para um passeio. Anna Forster sentia-se cheia de vida e resolveu não dar atenção a
algumas nuvens escuras que surgiam ao longe, concentrando-se em guiar seu
pequenino carro, a caminho do hospital.
Sentiu o perfume das macieiras, que vinha de ambos os lados da estrada. As
árvores estavam cobertas de botões, e o azul do céu salientava ainda mais o rosado
das flores.
Pena que na primeira chuva a maioria dos botões iriam se espalhar pelo chão.
Adorava aquela parte de Kent, pois parecia calma e saudável, em contraste com o
movimentado hospital-escola, em Londres, onde trabalhava nos últimos anos.
No começo, sentiu falta de tudo. Das amigas, dos médicos, da equipe toda. Mas
ela mesma tinha pedido transferência para o Hospital Calderbury, no interior, e agora
não se arrependia mais da escolha.
Morava na casa dos pais. Era uma casa redonda, um antigo moinho que seu
pai transformara em residência. Ele havia construído também um pequeno
apartamento nos fundos, para a avó. Quando o convidaram para trabalhar num projeto
especial na Islândia, durante dois anos. quis levar a esposa. Mas havia um problema:
quem tomaria conta da mãe dele? Vovó não podia ficar sozinha, embora insistisse que
era capaz de cuidar de si mesma.
Então, Anna tomou a decisão. Apesar de saber que o Hospital Calderbury era
pequeno e antiquado, dentro de pouco tempo se sentiria adaptada e gostando do
serviço.
Olhando o relógio, viu que ia chegar em tempo. Estava a poucos quilômetros do
centro da cidade e não queria se atrasar porque o assistente do dr. Lonsdale, o
cirurgião-chefe, estaria examinando seus pacientes pela primeira vez.
Anna ainda não o conhecia, mas já o tinha visto na sexta-feira, quando descia a
escada, saindo do hospital, para gozar seu fim de semana. Reparou que ele
caminhava com passos firmes e decididos e, ao sair da sala de operações, tinha
entrado na enfermaria.
Era mais alto do que o clínico-geral, com a cabeça um pouco inclinada para a
frente, como se estivesse sempre atento. Tinha cabelos lisos e curtos, que apareciam
por baixo do gorro da cirurgia.
Sem saber por quê, Anna o achou desprotegido. Estava ansiosa para trabalhar
com ele como enfermeira-auxiliar.
De repente, teve de frear com toda força porque um jipe saiu derrapando de
uma curva. Reconheceu os cabelos loiros de Mervyn Abbot. Ele, os irmãos e o pai
eram donos de muitas fazendas e viviam perto da casa dela.
Aiina tinha sido convidada para um churrasco típico no rancho dos Abbot, no
próximo fim de semana, e esperava, ansiosa, a ocasião. O último churrasco a que
tinha comparecido foi muito divertido, pois eles eram pessoas bem agradáveis.
Entrou na estrada principal e deparou com um engarrafamento. Por que tinham
que consertar a entrada numa manhã de segunda-feira? Pareceu demorar séculos,
até que conseguiu passar.
Agora, estava nervosa e sua alegria de viver havia desaparecido. Ainda bem
que Jill Slade, a outra enfermeira, já devia ter preparado tudo. A enfermeira Grant era
de confiança, apesar de ser apenas uma estagiária do segundo ano. E a enfermeira
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Dunn estaria preocupada demais com a clínica de ginecologia, naquela manhã.


Respirou fundo, ao ver a cidade se aproximando, mas percebeu que Jill estava
no ponto de ônibus, pouco adiante, acenando nervosamente para ela parar. Por que
não estaria no Royal?
Anna abriu a porta e a colega se acomodou a seu lado.
— Ainda bem que você apareceu. Estou há horas nesse ponto de ônibus.
Tentei pegar carona, mas ninguém parou. Estamos atrasadíssimas, não?
— Se estamos. Tenho que sair mais cedo amanhã, para evitar atrasos como
este. Odeio começar o dia assim. Tudo estava tão lindo! Sempre tem de haver nuvens
escuras. Como passou o fim de semana? Saiu com Régis?
— Sim, e foi bom, porque trabalhei demais no sábado. O dr. Burton teve um
ataque cardíaco...
— Oh, Deus! Quem o ajudou?
— Eu. Sabe como é... a enfermaria estava cheia de visitas. O dr. Keslar chegou
logo, com a equipe. Ele o mandou para a UTI e acho que ainda está lá. Como foi o seu
fim de semana? Foi à festa no povoado?
— Foi Estava boa...
— Os Abbot estavam lá, naturalmente.
— Creio que todos os moradores daqui estavam lá.
— Mervyn a levou para casa? Ou não devo perguntar?
— Levou. Num caminhão cheio de gente, que ele ia despejando diante de porta
em porta. Bebemos vinho demais. Foi terrível! Mas me diverti bastante. Ele me deixou
na porteira.
— Mas aposto que não era essa a intenção de Mervyn.
— Ele nem pareceu se importar! Foi apenas muito gentil.
— Mas não gostaria de ter sido a última a descer? Ah, se me dessem esta
chance...
— Eu estava atrasada, e vovó tinha ficado sozinha — Anna disse, depressa,
resolvida a mudar de assunto. Seus sentimentos por Mervyn eram muito superficiais,
mas ele parecia bastante interessado. Sentia que a qualquer momento o interesse
podia se transformar em algo mais declarado. E, numa cidade tão pequena, a notícia
logo correria de boca em boca. Não era o que ela queria. Não pretendia se envolver.
Tratava Mervyn apenas como amigo, mas a amizade tinha se transformado em algo
especial, e, na festa, tinha dançado com ele a maior parte do tempo. A música, o calor,
o vinho... tudo havia produzido um efeito que não era real.
Mervyn olhou para ela, intensamente. Anna encarou os devastadores olhos
azuis dele, depois deu uma risada e ele a abraçou, exigindo compostura. Ela
realmente tinha exagerado na risada.
Agora, só pensava no trânsito e lembrou de Londres, enquanto entrava na velha
estrada de pedra do hospital. Jill começou a pegar a bolsa. Quando passaram pelo
portão, comentou, séria:
— Só dez minutos de atraso. Olhe, tem uma vaga ali no estacionamento.
As duas saíram correndo para a entrada das enfermeiras, esperando não
encontrar ninguém importante, antes de se trocarem.
Anna colocou a touca branca, engomada, vestiu o uniforme e foi para a porta,
seguida por Jill. Saiu e encontrou pacientes que se dirigiam para a sala de raios-X.
Lá fora soou uma sirene de ambulância, parando diante da seção de pronto-
socorro. Tinham dois minutos, se quisessem chegar antes dos médicos, e ainda havia
um longo corredor a percorrer.
— Espero que eles também estejam atrasados — Anna gemeu. — Talvez
também tenham ficado presos no trânsito. Onde o dr, Keslar mora?
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— Não faço a menor idéia.


— Espero que Grant já tenha se organizado e que não encontremos a
enfermeira Dunn. Ela está de plantão, esta manhã. — Anna se apressou e passou
pela sala de operações, onde uma porção de macas esperava os pacientes. Um
grupo de estudantes chegou e ficou esperando para ser conduzido até as
enfermarias.
— Enfermeira... — Jill disse, cansada, quando viraram para o vestíbulo
onde havia cartões com os nomes do dr. Lonsdale e do dr. Keslar — acabei de
lembrar que nos deram Willis, Grant está de licença, com problemas de garganta.
— Oh, céus! Coitada...
Os pacientes já estavam ocupando as cadeiras azuis da sala de espera.
Sempre vinham cedo. Ali era calmo e agradável; havia uma porção de revistas, um
aquário e as cortinas dançavam nas janelas, sopradas pela brisa. Já não havia mais
bancos duros e paredes de azulejos frios ou assoalhos úmidos.
Anna cumprimentou sorrindo dois pacientes e entrou num corredor menor, que
dava para as salas de consultas e tratamentos.
Ao entrar, pediu desculpas pelo atraso à enfermeira Willis,
— Pegamos um congestionamento. Mas você certamente chegou cedo e
preparou tudo. Obrigada! Meu Deus... até colocou os relatórios em ordem!
Felizmente, o dr. Keslar não está aqui. Ele provavelmente virá com o dr. Lonsdale. Jiíi,
vou ficar com o dr. Keslar. Acho que deve ajudar o dr. Lonsdale. A enfermeira Willis
terá que se dividir e ajudar nós duas. Fique de olhos abertos, sim? É uma grande
experiência trabalhar numa clínica como esta, onde a maioria é de casos pós-
operatórios. Precisamos de mais ataduras? Sim. E mais gaze também. Vou lhe dar
uma lista. . .
Examinou os instrumentos e analisou tudo que seria necessário para o bom
andamento do trabalho.
Jill verificou as salas de tratamento e disse que as fichas dos pacientes estavam
sobre a mesa do dr. Lonsdale e tudo parecia correto.
— Podemos verificar estas chapas de raios-X e depois coloca-ias nos
envelopes? Oh... vejo que temos alguns cancelamentos.
A enfermeira Willis voltou, trazendo o material pedido. As outras duas se
sentiram mais tranquilas, agora que os problemas pelo atraso estavam contornados.
Anna sorriu, Seu sorriso era espontâneo, vindo de uma sensibilidade inata pelos
sentimentos dos outros. Duas coisas a deixavam zangada: injustiça e incompetência.
"Trabalho malfeito”, como dizia. Nunca permitiria que nada a fizesse baixar seu nível
profissional. Tinha prometido a si mesma que não chegaria mais atrasada. Já fazia dez
minutos que trabalhavam, e os dois médicos ainda não tinham chegado.
O cinto vermelho sobre o uniforme de Anna acentuava sua cintura fina e ela se
inclinou sobre a mesa, tomando notas. Mais adiante do corredor escuro, vinha uma
luz, que se refletia em seus cabelos loiros. Um cacho escapou da touca, caindo no
pescoço, dando-lhe um ar infinitamente feminino. Foi a primeira coisa que Paul Keslar
viu, quando virou a esquina com o chefe. Mas ela só notou a presença dele muito
depois.
O dr. Lonsdale parecia satisfeito naquela manhã. Será que era por causa do
novo assistente? Bem, agora estava livre de certas pressões, Ele se aproximou de
Anna.
— Bom dia, enfermeira. Conhece o dr. Keslar?
Paul Keslar estendeu a mão. Tinha olhos castanhos bem separados, com um
reflexo dourado.

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Anna apresentou-lhe o resto da equipe. — Não há uma enfermeira


encarregada?
— A enfermeira Dunn é a encarregada de todos os pacientes desta unidade
hoje de manhã, dr. Keslar.
— Entendo, — Ele se virou e seguiu o cirurgião-chefe até a sala dele. Anna
reparou que nada escapava à observação de Paul Keslar. Parecia ser um homem que
sabia o que queria e como fazer para consegui-lo,
Anna não se sentia mais tranquila como antes, ao entrar na sala de consultas,
momentos depois. Esperava que fosse só um nervosismo temporário, porque ele era
um homem importante, e, no relacionamento de trabalho entre as enfermeiras e
médicos, sempre havia uma linha divisória.. . só cruzada nos momentos de folga, nos
bailes ou festas.. . e, algumas vezes, atrás das portas da cozinha, se os dois tivessem
algum interesse mútuo, especial.
Ficou esperando o dr. Lonsdale observar a pilha de relatórios sobre a mesa
dele.
— Vou ver os novos pacientes, naturalmente... — disse para Anna. — Você,
Paul, fique com esta parte. Veja como estão. Ficarei aqui, se precisar de mim. Mas
acho que não será necessário. As admissões são um pouco difíceis, porque realmente
só aceitamos casos que necessitem mesmo de hospitalização. — Sorriu para Anna. —
Vou lhe emprestar minha enfermeira favorita. . .
Paul Keslar continuou lendo os relatórios e nem prestou atenção nela. Não
chegou sequer a levantar o olhar. Disse, apenas:
— Então, é melhor que eu comece logo, doutor. Já estamos atrasados. —
Vendo que Anna segurava a porta aberta, ele caminhou decidido para o corredor e
ficou esperando.
— Aqui, dr. Keslar — disse ela. — Usamos estas salas de tratamento ... — E
indicou duas portas. — O dr. Lonsdale tem outras duas, ao lado da sala dele.
— Compreendo. Para facilitar o serviço.
•— Sim. Assim, os pacientes são atendidos mais depressa. Podem se despir,
enquanto o médico está conversando com o paciente anterior. Isso economiza tempo.
— Enfermeira... Forster, não? Não é nenhuma estagiária e sabe disso. Eu vim
de um dos maiores hospitais de Londres. Quatro vezes maior do que este e muito
mais eficiente. Olhe, o que menos preciso esta manhã é de uma enfermeira me
ensinando detalhes do funcionamento de um hospital. Agora, vamos adiante, sim?
Quero atender logo o primeiro paciente, por favor.
Anna procurou acalmar a raiva que parecia querer explodir, Só tinha tentado
ajudar. Controlada, perguntou:
— Qual paciente quer ver primeiro, dr. Keslar?
Ele observou as anotações que tinha nas mãos, levantou os olhos e a encarou.
— A sra. Thorpe, naturalmente. Ela é a primeira.
— Oh, céus! — Anna gemeu e saiu para chamar a paciente. Então, era com
aquele médico nervoso e autoritário que teria que trabalhar? Ou será que algo o tinha
aborrecido naquela manhã?
Depois daquilo, procurou não conversar com ele nem deu nenhuma outra
informação que pudesse ajudá-lo. Ficou de pé, nos fundos do consultório, concentrada
apenas no que ele lhe pedia ou no que o paciente precisava. Mas o médico parecia
não esperar nenhuma ajuda. Trabalhava com muita eficiência, atendendo cada pa-
ciente com extremo cuidado e paciência. Sempre se apresentava a eles.
-— Sou o dr. Keslar, assistente do dr. Lonsdale. Agora, conte-me como tem
passado desde a última vez em que ele o examinou?
A manhã foi passando. Anna ficou algumas vezes de pé perto do dr. Keslar,
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para o caso de ele precisar de instrumentos ou de ataduras, e ouvia tudo,


atentamente, enquanto dava o diagnóstico final, sem hesitação. Sentia que o
respeitava cada vez mais.
Só duas vezes ele cruzou o corredor para conversar com seu chefe e, nos dois
casos, foi sobre a necessidade de futuras cirurgias.
Mais tarde, ao voltar do café, Anna viu que as cadeiras na sala de espera ainda
estavam ocupadas e que o trabalho daquele dia seria bem longo. Teria que fazer
apenas um lanche na hora do almoço. Quando entrou na sala de consultas, o dr.
Keslar examinava uma incisão pós-operatória e estendeu o braço.
— Cortadores, enfermeira.
Willis apareceu na porta, mas parou, e Anna entregou a ele os cortadores de
pontos. Depois fez um sinal para que a colega fosse tomar café e perguntou, baixinho:
— Gostaria que eu tirasse os pontos, doutor?
Ele se endireitou e olhou para ela com os olhos semicerrados.
— Sim, por favor. Não sabia que já tinha voltado.
De repente, Anna ficou muito perto dele, tanto mental quanto fisicamente.
Inclinou-se para examinar a coxa da paciente, e o jaleco impecavelmente branco que
ele usava tocou no braço dela. Anna sentiu o perfume do dr. Keslar e algo estranho
aconteceu em sua garganta. Era como se houvesse um nó ali. Engoliu em seco, pro-
curou se controlar e não deixar que as mãos tremessem. Sem dúvida, a proximidade
dele a afetava estranhamente. Parecia que a sala tinha ficado mais quente. Talvez, ele
também sentisse isso, pois foi abrir mais as janelas e voltou para vê-la tirar a sutura. A
paciente não deu um gemido sequer,
— Você é muito corajosa — Anna disse, baixinho. — Estes dois últimos pontos
são mais demorados. Tentarei tirá-los sem dor. Fique firme Paul Keslar colocou a mão
no braço da mulher e ela parou de tremer. Começaram a conversar, e Anna o
observou em silêncio, percebendo que sua opinião sobre ele mudava completamente.
— Ainda está dolorido, não? — perguntou o dr, Keslar.
— Oh, sim — a mulher disse, — E está horrível, nâo? Acho que nunca mais
vou poder usar um maio.
—- Bem. . . será que faz diferença? Com o. tempo, a cicatriz desaparecerá. Sei
que não vai acreditar, mas, para uma cicatriz essa até que está linda. Ficou perfeita, e
logo estará curada. Só precisa de tempo. Tenho certeza de que seu marido a prefere
com a cicatriz e sem a doença. Por que não pergunta a ele?
— Ele já me disse issos doutor.
— Bem, então procure caminhar e fazer os exercícios. Venha me ver dentro
de duas semanas. Até logo.
Ele caminhou para a porta e disse, depressa:
— As ataduras, enfermeira.
Como se eu não soubesse!, Anna pensou, pegando as ataduras com cuidado.
Ali não havia tempo para sonhar acordada. Os pacientes tinham de ser cuidados, não
importava o cansaço dela.
— Ele é muito bom — a mulher comentou. — Um ótimo médico— Sim, é muito
bom.
Como já havia previsto, o dia foi longo e trabalhoso. Os relatórios a deixaram
exausta e ele tomou todas as decisões e arcou com todas as responsabilidades, sem
hesitar. Uma clínica de cirurgia é muito diferente das outras. O assistente não pode ter
dúvidas, nem mesmo quando tem o chefe na retaguarda.
Eram quase cinco horas da tarde, quando o dr. Lonsdale entrou na sala de Paul
Keslar, sem o uniforme branco.
— Deus. . . estou exausto — disse, sentando— Terminou, Paul?
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— Sim. Acabei agora.


— O que achou? Cansativo?
— Como eu esperava: variado e interessante. Ê sempre assim tão cheio?
O dr. Lonsdale fez que sim.
— Quase sempre, não é enfermeira? — Sorriu para Anna, que pegava o resto
dos relatórios e fichas.
— Sim; lamentavelmente, sim.
O dr. Keslar levantou as sobrancelhas, com ar espantado, enquanto a encarava
e massageava o próprio pescoço.
Anna sentiu que corava. Ficou ainda pior, quando Paul Keslar disse, incrédulo:
— Céus, eu não sabia que as garotas ainda coravam!
— Talvez não esteja convivendo com as garotas certas. — O dr. Lonsdale
comentou. — Algumas de nossas enfermeiras são muito eficientes, e você já deve ter
percebido que são bonitas também.
Não acha que isso torna o dia de trabalho mais agradável? Agora, gostaria de
saber sua opinião sobre um novo paciente.
Os dois saíram a caminho da enfermaria. Anna e as outras enfermeiras ficaram
terminando o trabalho.
Quando o dr. Lonsdale se despediu, Anna procurou responder no tom mais
natural possível Paul Keslar não disse nada, e ela ouviu os passos dos dois médicos a
caminho da Enfermaria Rowan, onde ficavam os casos de pós-operatórios, antes de
saírem do hospital
Gostava da Enfermaria Rowan, apesar de o trabalho lá ser duro. Sabia que os
dois deviam estar indo de leito em leito, enquanto o dr. Lonsdale verificava a lista de
pacientes. Há pouco tempo, Anna quase tinha pedido transferência para lá, mas agora
não se arrependia. Trabalhar com o novo médico era um desafio.
Isto foi só o começo!, Anna pensou. Estava ansiosa pelo dia seguinte. Era ótimo
chegar ao fim de uma segunda-feira, ansiosa para voltar na terça e sem a sensação
de rotina. . .
— Acho que hoje acabou — Jill disse, interrompendo seus pensamentos. —
Bem, que tal o novo assistente? Um pouco,.. arrogante, não?
— Tem sensibilidade para tratar dos pacientes e fez um trabalho maravilhoso.
Sei exatamente o que ele quer.
— Mesmo? Bem, depois o dr. Gannon... era tão ambicioso! Mas temos que
admitir que era bem dinâmico.
— Os pacientes com dores geralmente não apreciam esse tipo de dinamismo.
O dr. Keslar é gentil mas tenho certeza de que pode ser dinâmico também. . . na hora
certa.
— Será que ele é casado?
— Não sei — Anna cortou a conversa, rispidamente. — Está na hora de irmos
embora. .
— Espere. Também estou saindo. Será que pode me dar uma carona até o
ponto de ônibus?
— Claro! Quer carona, enfermeira Willis? -— Não, estou morando no
alojamento.
— Até amanhã, então.
Ainda havia sol, quando ela e Jill saíram do hospital e foram para o
estacionamento. Anna sentiu a brisa no rosto e nos cabelos e afastou-se, sem saber
que Paul Keslar não tirava os olhos dela, de pé, perto da janela da enfermaria,
enquanto o dr. Lonsdale conversava com a enfermeira-chefe. A expressão dele era um
completo mistério, ao olhar o carro dela se dirigir para o portão. Só depois de o pe-
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queno veículo sumir de vista é que se voltou para os leitos dos doentes.
Anna, mais tranquila agora, estava alegre. Depois de deixar Jill no ponto de
ônibus, seu cansaço começou a desaparecer, e foi com prazer que dirigiu até Oast
House, onde morava com a avó.
Ali, as árvores cheias de flores amarelas tinham os ramos curvos quase até o
chão. De repente, Anna se sentia esperançosa, como se o futuro estivesse cheio de
promessas. Como se a fase mais feliz de sua vida estivesse começando. Sorrindo,
lembrou do momento em que a manga do dr. Keslar tinha tocado em seu braço.
Abriu o portão e viu que a avó a esperava.
Aos setenta anos, Jane Forster ainda era uma mulher bonita e saudável. Seus
cabelos brancos brilhavam ao sol da tarde e o conjunto azul parecia muito elegante.
Veio ao encontro da neta.
— Olá, vovó. Teve um bom dia?
— Ótimo,. querida. E o seu?
— Duro.
Caminhavam juntas para casa e Anna sentiu que não ia conseguir guardar as
novidades.
—- Já falei tjue temos um novo assistente?
A sra, Jane fez que sim e percebeu o tom de entusiasmo na voz da neta.
— Sim, você falou. Que tal é ele? Estão se dando bem?
— Oh, naturalmente. Ele é. . . um pouco fechado. Isto é, vai ser difícil conhecê-
lo bem, como pessoa. A não ser que se revele.
— É bonito? Alto e magro ou baixo e gordo?
— Ora, vovó! Não é bonito, mas tem olhos simpáticos e um rosto forte. É meio
imprevisível. Fala o que pensa, mas entende os pacientes com tanto carinho. E fez um
bom trabalho, hoje.
— Um bom resumo. É casado?
— Não sei. Vou trocar de roupa e levar Shane para passear. O jantar está com
um cheiro delicioso. O que preparou, vovó?
— Só uma carne assada, querida. Com um vinho tinto do seu pai...
— Ele vai matar você, vovó. — Anna sorriu. — Só mais duas semanas, e eles
estarão aqui, para os feriados. Será tão bom vê-los de novo!
— Sim. Foi no Natal passado que vieram pela última vez. Nem imagino como
seja o Natal na Islândia. Talvez, mais gelado do que o nosso. Mas as pessoas devem
se divertir como nós. Gostaria tanto de ir lá!
— Talvez você vá. O clima é bom durante o verão. Li que lá o índice de
mortalidade é muito baixo. Eles podem nos ensinar muitas coisas sobre a vida simples
e uma boa dieta alimentar.
-Fazem o que podem. Por falar nisso, nosso jantar estará pronto dentro de meia
hora. — Certo. Vou trocar de roupa.
Minutos depois, de saltos baixos e calça comprida, Anna enveredou pelo
bosque. Tudo ali parecia muito calmo e colorido. Ainda havia flores azuis e rosas, e
botões púrpuras que em breve iriam se abrir. Respirou fundo, encantada com tanta
beleza. Queria desesperadamente dividir aquilo com alguém. Mas o silêncio era total
Por outro lado, o silêncio a fez pensar na parte mais movimentada de sua vida:
o hospital, a dor, o drama nas enfermarias e salas de operações, as decisões rápidas
dos médicos, que muitas vezes salvavam vidas.
Tinha resolvido ser enfermeira quando ainda estava no curso primário, depois
de ver o cuidado que dispensaram a seu avô, num leito de hospital, durante muito
tempo.
Percebeu a dependência dos doentes e a falta de enfermeiras no país. Mais de
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uma vez, ouviu os médicos dizendo:


— O que precisamos é de mais um par de mãos na enfermaria. Viu a
enfermeira-chefe fazer coisas que, hoje, sabia que eram da competência de ajudantes,
Tinha escolhido sua carreira conscientemente: sabia o que queria e como
conseguir. Nunca lhe ocorrera procurar outro caminho, apesar dos quatro anos de
faculdade, terrivelmente difíceis. Ainda lembrava dos médicos pedindo:
— Mais um par de mãos...
Chamou Shane que fuçava numa toca de raposa e ele voltou, obediente, o
focinho sujo de terra. Colocou a corrente em sua coleira e saiu para a estrada,
O jipe de Mervyn apareceu e parou perto de Anna» .— Olá! — O sorriso dele
era perfeito, muito espontâneo, no rosto bronzeado e suado, após um dia de trabalho
na fazenda.
— Olá, Mervyn. Ainda trabalhando? -— Ela o encarou, apesar de se sentir um
tanto desconcertada.
— Quase acabei. Por que não vem até Plough esta noite? Há um jogo. . .
— Obrigada. Tenho muitas coisas a fazer.
— Mas vai ao churrasco no sábado, não? Será divertido.
— Estou de plantão até as sete e meia. Talvez, mais tarde. . ,
— Quero que venha, Anna. Posso ir buscar você?
— Não. Eu dirijo até a fazenda. Tenho carro. Mervyn sacudiu a cabeça.
— Eu não entendo. Como é que um hospital ainda consegue enfermeiras, se
as obrigam a trabalhar nesse horário?
— Nós nos acostumamos. E sabemos que os horários são terríveis, desde os
tempos da faculdade, Além disso, você também trabalha demais.
— Ah, mas nosso trabalho é só na estação da colheita ou no plantio. Olhe,
estou falando sério. O churrasco não vai ser bom se você não for.
Ela não podia ignorar o pedido no olhar dele e sacudiu a cabeça, rindo,
— Então, até sábado.
No sábado, todo o vilarejo ia se divertir, e ela também. Anna tinha consciência
de que era bonita e feminina e apreciava a atenção, que o rapaz sentia por ela. Tinha
de admitir que gostava de dançar com ele e precisava de divertimento, além dos livros.
e dos relatórios médicos, mas era difícil ter uma vida social movimentada, por causa
do horário de trabalho.
Enquanto corria pelo gramado em direção à casa, ia pensando. De que estava
fugindo? Do hospital? Das pressões? Dos pacientes? Não. Adorava o que fazia. A
enfermagem era sua maior realização,
Curvou-se para soltar Shane e, sem perceber, lembrou de Paul Keslar. O rosto
dele surgiu em sua mente. Lembrava claramente dos olhos pensativos, expressivos,
sérios e cansados.
Era completamente diferente de Mervyn, um fazendeiro alegre e sem
preocupações, disposto a se divertir com tudo que a vida lhe oferecesse. Eram dois
homens opostos.
Anna se sentiu um pouco insegura. Não sabia onde seus pensamentos a
levariam. Estava quebrando uma regra de anos. Havia imposto a si mesma a condição
de nunca levar para casa problemas do hospital e nunca se envolver com pacientes ou
colegas. Tinha sido fácil deixar tudo para trás e viver duas vidas separadas. .. até
agora.

CAPITULO II

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Caía uma chuva fininha no dia seguinte, quando Anna levantou. Sentia-se
impaciente, sem motivo algum. Hoje, não ia enfrentar nem metade das dificuldades da
véspera pois chegaria muito mais cedo. Trocou de roupa e arrumou a touca, depois se
preparou para o plantão, garantindo a si mesma que tudo daria certo.
O dr. Keslar também chegou cedo e vinha pelo corredor, apressado, depois de
examinar um paciente na Enfermaria Rowan. Ao ver Anna, apertou o passo. Sempre
tinha feito questão absoluta de não atravessar a linha que separava os médicos das
enfermeiras, mas aquela garota era diferente.
— Bom dia — murmurou, e passou por ela, entrando na sala.
Anna deu início às atividades do dia, indo pegar os raios-X e mal teve tempo de
cumprimentar Jill, ocupada com dois pacientes e uma pilha de relatórios.
Quando se aproximou do dr. Keslar, ele estava de frente para a janela,
observando a chuva caindo sobre os carros, no estacionamento. Preparou-se para
encará-la.
— Ê tudo que temos? — ele perguntou, pegando as radiografias e tocando a
mão dela por um segundo.
— Não; deixei os do dr. Lonsdale sobre a mesa dele.
— Sabia que ele vai chegar atrasado?
— Ele geralmente gosta de ir para as enfermarias, nas terças-feiras, e só
desce às dez horas.
— Entendo. — Olhou o relógio. — Ê melhor começarmos, então. Primeiro, o sr.
Handly.
Ela mandou a enfermeira Willis trazer o paciente e ficou esperando, até o dr.
Keslar levantar os olhos.
_ Vou examinar o sr. Handly, enfermeira. Por favor, vá prepará-lo.
Alguma coisa o estava perturbando naquela manhã, Anna percebeu. No
entanto, tudo parecia sob controle. Havia um tom ligeiramente frio na voz dele. O que
ela teria feito de errado? Sentiu que sua resistência diminuía diante da forte
personalidade dele. Se a enfermeira Slade não o achava dinâmico, ia ter uma
verdadeira surpresa quando trabalhassem juntos.
Cada instante parecia planejado e calculado cuidadosamente e ele tinha um
nível profissional dificilmente demonstrado por assistentes.
Durante as primeiras horas, dois pacientes foram atendidos em situação de
emergência. Uma senhora, cliente do dr. Lonsdale, que sentia dores no abdome por
causa de uma hérnia estrangulada — o dr. Keslar descobriu logo que ela precisava de
uma operação urgente e encaminhou a mulher e o marido para a Enfermaria Rowan
— e um rapaz que desmaiou no consultório, quando o médico começou a lhe fazer
perguntas. Era novo e sua ficha tinha de ser preenchida com vários detalhes. Idade:
22 anos. Solteiro. Forçado a ir ao hospital por causa de uma dor intermitente. O seu
avô é quem recomendara.
— Por que aguentou essa dor por tanto tempo? — o dr. Keslar perguntou,
observando a ficha.
— Não posso nem pensar em operação — ele estremeceu ao falar. — A dor às
vezes desaparece, mas...
—-Agora está pior?
—- Sim, Eu... ai! — ele se inclinou para o lado e apertou o abdome. Suava
muito, e Anna, naquele momento, pensou a mesma coisa que o médico. Seus olhos se
encontraram, sabendo que o caso era de emergência.
— É aqui que dói, sr. Young? Sabe que precisamos tirar seu apêndice agora
mesmo?
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

O rapaz desmaiou ao ouvir o resultado do exame.


Apendice perfurado? — Anna perguntou enquanto Paul Keslar pegava o
telefone.
— Acho quo sim.
Ficou acudindo o rapaz desmaiado, enquanto o médico falava com a sala de
operações e dava o alarme de outro caso de emergência.
A equipe da cirurgia tinha de ser alterada; assim, o caso poderia ser encaixado
entre dois outros, já programados na véspera. Os estagiários ajudariam e logo ouviram
a maca vindo pelo corredor.
O dr. Keslar abriu a porta. Anna pegou o relatório sobre o paciente e foi procurar
a enfermeira Willis,
— Vá com o sr. Young, enfermeira, e fique lá até que a dispensem. Aqui estão
as anotações do caso.
O dr. Lonsdale se aproximou.
— Bom dia? enfermeira. Muitos problemas?
— Agora está tudo bem. O dr. Keslar o examinou antes de ele desmaiar,
O médico entrou na sala sem nenhum comentário, mas momentos depois, abriu
a porta.
— Quer pedir ao dr. Keslar para vir até aqui quando terminar a consulta?
— Sim, senhor.
Paul Keslar não fez nenhum comentário, quando ela deu o recado, mas parecia
preocupado, como se intuísse que algo não estava certo. Já tinha percebido que ele
parecia diferente, desde b início da manhã. Anna sentiu uma dor de cabeça começar.
Talvez fosse por causa das pressões do trabalho.
Lá fora, continuava a chover, e os trovões ecoavam no céu. Das janelas do
hospital dava para ver os relâmpagos, cada vez mais assustadores.
Depois do almoço, Anna começou a se sentir protetora em relação ao médico.
Ele estava examinando outro paciente e continuava com ar preocupado.
Por toda parte, dava para se sentir o cheiro de umidade, das capas de chuva e
das roupas molhadas. A pressão parecia.mais forte do que nunca e a cabeça de Anna
estava quase estourando, quando conseguiu sair a procura da enfermeira Willis, para
ajudá-la ti preparar um paciente para a consulta.
Pegou dois comprimidos e tomou-os com água. Depois, colocou os pulsos sob
a água fria, antes de voltar, ê ficou surpreendida ao ver o médico saindo da sala de
consultas. Não estava preparada para o ódio e a frieza que sentiu na voz dele.
A enfermeira Willis não estava por perto e Anna logo adivinhou o que tinha
acontecido. O dr, Lonsdale devia te-la chamado em seu consultório.
— Enfermeira, será que é pedir muito que prepare os pacientes para as
consultas? Ou será que também tenho que ajudá-los a tirar as roupas e fazer os
curativos?
Ela procurou ficar calma. Passou por ele, murmurando apenas:
— Desculpe.
Fechou a porta e viu que ele já tinha começado a tirar os curativos do paciente,
jogando-os no lixo.
— Preciso que tire o outro curativo também» Há algo errado, enfermeira?
— Não, dr. Keslar. Já peguei as tesouras. — Para seu horror; Anna percebeu
que estava com as mãos trêmulas. Só faltava ficar doente, com um começo de gripe
ou coisa parecida. Estava com o corpo gelado e a testa queimando.
— Vou tirar isso também — ele disse, quase como se falando sozinho. — Por
favor, as pinças.
Anna virou-se para atender ao pedido, mas, de repente, as pinças caíram no
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

chão. Seus dedos não estavam conseguindo se fechar. Sentiu-se enjoada e curvou-se
para pegá-las, fechando os olhos para não ver a expressão de raiva do dr. Keslar.
— Vou pegar outras, no esterilizador,
.— Claro. Tem de; pegar. Deve haver outras por aqui... -— Não. Desculpe.
— Devia haver. Da próxima vez, cuide para que haja.
Ele também estava suado. Se estivessem numa cirurgia, ela limparia o suor de
sua testa, mas, ali, ele parecia muito distante. Entretanto, quando se virou para falar
com o paciente, sua voz era muito gentil.
Anna começou a pegar as ataduras sobre a mesa. Pelo menos, aquelas já
estavam prontas.
Que havia de errado com ela? Verdade que os trovões a perturbavam
fisicamente,mas devia haver algo mais. O dia tinha sido muito corrido e agitado,
Precisava esfriar a cabeça, mas não estava conseguindo. Apressão era cada vez
maior.
Não devia estar me sentindo tão cansada, pensou. Mas estava completamente
exauta; principalmente porque só tinha uma estagiária puni ajudá-la. Provavelmente, a
enfermeira Slade passava pela mesmo situação. Tinham se visto apenas algumas
vezes, quando uma ou outra abria a porta.
Vamos fazer um curativo também — ele disse.
Anna pegou a gaze do tamanho certo. Sentiu-se tonta e procurou se apoiar
numa cadeira. A gaze caiu de sua mão e desenrolou pelo chão, indo parar num canto
da sala. Ela olhou, sem acreditar.
— Oh, não!
Depois ficou pensando se teria gemido em voz alta, antes de pegar o rolo e
jogá-lo fora. Foi buscar outro e, então, percebeu que Paul Keslar estava a seu lado,
segurando gentilmente seu pulso.
Logo que o paciente saiu, ele a chamou. Estava zangada e inquieta, não queria
enfrentá-lo. Ao tocá-la no pulso, ele havia criado outro impacto. O coração de Anna
reagiu de modo estranho, e ela não podia ignorar isso.
— Sente-se, enfermeira.
— Temos ainda três pacientes. . .
— Sente, Está trabalhando como um autômato, desde as oito e meia da
manhã. Está passando bem?
— Nunca fiz tantas bobagens. Nem no meu primeiro ano de trabalho.
Desculpe...
— Esqueça. Eu que lhe devo desculpas. Provavelmente, está esgotada. O dr.
Lonsdale já pediu outra enfermeira para amanhã. O atual esquema de trabalho é
absurdo.
— Trabalhamos assim há muito tempo, dr. Keslar.
—- Parece que há outras coisas erradas por aqui, além da falta de enfermeiras.
Mas, não importa a minha opinião sobre isso, eu não devia ter descarregado minha
frustração em você. Desculpe. Agora, pode sair para o chá. Dentro de poucos minutos,
vamos ter estudantes aqui. Vão passar o resto da tarde, e preciso que me acompanhe.
Mande a enfermeira Willis para cá. E não demore muito: preciso de você.
Ela não queria nem admitir a remota possibilidade de estar se apaixonando pelo
novo assistente. Era só imaginação. Os romances entre médicos e enfermeiras só
aconteciam na imaginação de autores românticos e nunca na realidade da difícil rotina
de um hospital,
Anna jamais se sentiu atraída por nenhum dos homens com quem trabalhara.
Ela os admirava e gostava do trabalho excitante e cheio de responsabilidade. Mas era
só; Nunca tinha se apaixonado. No futuro, teria de ficar atenta, controlando seus
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

pensamentos e suas reações em relação a Paul Keslar. Afinal, só porque tinha pergun-
tado se estava passando bem num tom gentil, não era motivo para ela cair
imediatamente aos pés dele.
Foi com alívio que saiu do hospital, no fim da tarde. Ainda estava perturbada»
mesmo depois de ter resolvido que no dia seguinte seria tudo diferente, que
conseguiria ver as coisas dentro de uma perspectiva mais correta.
Quando entrou no portão de casa e guardou o carro, ficou alguns momentos
observando a paisagem. Como tinha sido bom voltar para casa! Quatro anos morando
no alojamento das enfermeiras foram suficientes. Os apartamentos eram pequenos e
abafados, e nunca poderia olhar para uma paisagem como aquela.
Ali, sentia-se no paraíso, mesmo que no céu brilhassem alguns relâmpagos e
os trovões ecoassem ao longe.
Algumas nuvens brancas surgiam no horizonte e ela ficou mais otimista. Logo o
sol apareceria.
A avó tinha saído e havia sobre a mesa uma carta com o selo da Islândia.
Sentou para ler.
"Não podem imaginar como estamos ansiosos para passar o Natal em casa",
sua mãe tinha escrito. "Principalmente agora. As campânulas azuis já abriram no
bosque? Ou será que vão esperar por nós? Nosso vôo já está marcado e esperamos
vê-las logo. .."
— Eu também... — Anna murmurou, guardando a carta. Depois calçou as
galochas, pegou a coleira de Shane e saiu.
No bosque, sentiu que já não precisava controlar tanto seus pensamentos.
Corou, só de lembrar ás bobagens que tinha feito. Por quê? Será que ia acontecer
novamente? Talvez fosse por causa da tempestade, do excesso de trabalho, mas...
Parou, de repente, sentindo o coração bater mais depressa. A imagem de Paul
Keslar, com seu uniforme branco, surgiu diante de seus olhos. Ele parecia
preocupado... Anna não sabia o motivo,
Haveria um feriado local, portanto tinham que ir logo ao super mercado,
— O que acha de irmos amanhã à noite, vovó? — perguntou, depois do juntar
Nao devo chegar tarde, porque o dr. Lonsdale sai depois .do almoço e vou substituir a
enfermeira-chefe, na Enfermaria Rowam. Depois, fico livre. Vamos fazer uma lista de
compras? A avó concordou e comentou, sorrindo:
Vi um dos rapazes Abbot conversando com você no portão. Vai com ele ao
churrasco, no sábado?
Nâo. Tenho plantão. Só saio às sete da noite. - Que pena! Anna não respondeu;
estava pensativa.
Na sexta-feira, o. dr., Lonsdale atendeu um número pequeno de pacientes e ela
ficou subordinada a ele, junto com a enfermeira Willis. O dr. Keslar estava de folga
naquela manhã. Só o viu à tarde, quando substituiu a enfermeira-chefe da Enfermaria
Rowan. Ele entrou junto com a dra. Lancing. Foi um momento estranho, quando Anna
levantou os olhos e deu com ele, ali, naquele lugar onde ela se sentia tão à vontade.
O dr. Keslar e a médica discutiam sobre um paciente e ele não viu Anna, até
parar ao lado da mesa dela.
— Ora, está aqui, enfermeira Forster?
Teve vontade de perguntar: onde queria que eu estivesse? Mas, tinha sido bem
treinada e levantou, quieta, esperando. Viu que a dra. Lancing a olhava rapidamente,
antes de verificar as anotações que trazia.
— Gostaríamos de ver o sr. Leslie, enfermeira. Ele está aqui, não? Como tem
passado?
— Está melhor agora, doutora.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Se ao menos Paul Keslar não a perturbasse tanto, Céus, a personalidade


daquele homem era muito forte!
Seguiu os dois até o leito do paciente e puxou os lençóis para o exame.
Quando terminaram, se afastaram e ficaram conversando.
— Está tudo bem, sr. Leslie? — Anna perguntou, antes de colocar os lençóis no
lugar e fechar as cortinas ao redor do leito. Depois, juntou-se ao médicos e anotou os
remédios que receitavam.
Quando Paul fez menção de se dirigir a outro paciente, Anna quis acompanhá-
lo, mas ele recusou.
— A dra. Lancing e eu podemos nos arranjar sozinhos. Sei que tem outras
coisas a fazer.
— Muito bem, dr. Keslar.
As visitas iam das quinze às vinte horas, todos os dias, e já havia muitos
parentes com flores, junto das camas, e gente esperando para falar com ela. Talvez
conseguisse convencer o dr. Keslar ou a dra. Lancing a conversar com os parentes
dos pacientes. Afinal, era responsabilidade deles.
Agora, não se sentia feliz como antes. Sabia que havia algum problema. Mas...
qual? Era ridículo ficar assim. Talvez o melhor fosse tomar uma xícara de chá. Tinha
almoçado pouco, só um sanduíche e um copo de leite.
Ainda tinha cinco minutos antes de começar os curativos e seguir as instruções
deixadas pela enfermeira-chefe. Oh, sim... precisava dar um telefonema. Um dos
pacientes mais velhos ia para uma casa de repouso fora da cidade e os parentes
precisavam ser avisados. Faria isso primeiro.
O dr. Keslar passou por ela, conversando com um residente e nem a notou.
Será que era culpa sua, ficar pensando nele daquele jeito? Será que tinha apenas
"imaginado" aquela sensação maravilhosa no momento em que a tocou?
— Enfermeira!
O grito desesperado de um paciente obrigou-a a correr para um dos leitos.
Não tinha tempo para pensar em si mesma, quando estava trabalhando.
Ninguém descansava na Enfermaria Rowan. Anna gostava dali porque todos os
pacientes confiavam na enfermeira de plantão. Era como se ainda estivesse num
hospital movimentado, em Londres.
Os doentes homens eram os piores. Sempre dependentes, geralmente se
apaixonavam pela enfermeira. Era preciso agir com tato e segurança.
O paciente que gritara, agora estava gemendo e Anna puxou as cortinas. Nesse
momento, a enfermeira-chefe chegou.
— Pode dar uma olhada no sr. Dennis? — Anna pediu. — Ele está com dores.
A outra olhou o relógio.
— Não posso aplicar outra injeção. Só daqui duas horas, depois do jantar
— Vou ficar e ajudar a servir,
— Vai mesmo? Eu lhe agradeço muito.. .
O carrinho chegou com os pratos de sopa e os pacientes se movimentaram,
conversando sobre a comida,
A enfermeira-chefe voltou e Anna trouxe o carrinho para dentro da enfermaria,
acompanhada de uma estagiária que a ajudou a distribuir os pratos.
Anna começou a servir a sopa, verificando as listas das dietas especiais.
Oh, céus!, mais um par de mãos, pensou, vendo o dr. Keslar passar
acompanhado da médica e entrando em outra enfermaria.
— Enfermeira! — alguém chamou. — O sr. Grange está tentando sentar.
Ela se virou, justamente a tempo de evitar que o homem caísse da cama e falou
para ele:
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— Volto num instante com sua sopa, sr. Grange. Fique quietinho...
A enfermeira-chefe ajudou o dr. Keslar a entrar com o carrinho de oxigênio e a
dra. Lancing ficou ao lado dele, enquanto o médico fazia anotações.
Anna esqueceu de olhar o relógio. Eram quase sete horas quando recolheu os
pratos e os levou à copa. O dr. Keslar, a dra. Lancing e a enfermeira-chefe ficaram
para fazer a ronda e verificar os relatórios sobre os últimos pacientes admitidos.
O tráfego não estava tão pesado quando ela saiu. Sabia que teria uma noite
tranquila. Só precisava fazer as compras, com a avó. Mas, o dia seguinte seria
divertido.
Uma garota precisa ter atividade social, disse a si mesma,
A avó, vestida com um tailleur de tricô azul e os cabelos grisalhos
cuidadosamente penteados, já a esperava na porta.
— Olá, vovó. Você me faz sentir mais animada, —- Olhou para seu vestido
amassado. — Posso tomar um banho e trocar de roupa ou quer ir já?
— Quer comer também? Pensei que poderíamos jantar na volta, sem pressa, A
não ser que esteja com fome.
— Claro que não. Vamos demorar só uma hora. Me dê apenas uns minutos.
Sentiu as pernas doloridas, ao subir a escada, mais dez minutos e depois sairia,
de calça comprida bege e uma blusa de seda creme.
— Estou ansiosa para ver Ralph e Eve — a avó falou, enquanto pegavam a
estrada.
— Eu também. Agora falta pouco pára eles chegarem,
— Você está pálida, Anna.
— Foi uma semana difícil para todos, lá no hospital
— Não falou mais sobre o novo médico.
— É simpático. Gosto dele
— O rapaz já se adaptou?
Anna sorriu e entrou com o carro no estacionamento,
— Sim. Sabe? ele está trabalhando diretamente com o dr. Lonsdale. É muito
competente e responsável.
— Ambicioso?
— Eu não diria. Ê um ótimo assistente. Acho que não tem mais pressa em ser
promovido. Ê preciso ter muita prática em operações para ser um cirurgião do nível do
dr. Lonsdale.
— Eu sei, querida. E você, está feliz com seus pacientes?
— Sim. Gosto de trabalhar nas enfermarias, porque lá há um envolvimento
maior, na rotina diária e na cura dos pacientes.
Jane Forster se deu por satisfeita e começou a conversar sobre os próximos
feriados de Natal.
Já estavam no supermercado há algum tempo, quando um vendedor avisou:
— O salmão defumado está no fim do corredor.
Foi então que Anna o viu. Ele parecia mais desprotegido e jovem do que nunca.
Vestia jeans e um suéter azul-marinho.
Havia algo muito especial no sorriso que ele lhe deu. Talvez fosse o cabelo
caindo sobre a testa, ou as roupas informais. . , Não sabia. Em três passos largos,
Paul se aproximou.
— Olá! Que bom encontrá-la, Não consigo me orientar direito em
supermercados.
— É mau.Acho que é uma coisa necessária, quando se quer comer.
Felizmente! não precisamos vir aqui muitas vezes.
— lenho de planejar melhor as coisas no futuro. Mas acabei de me mudar para
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um pequeno apartamento neste fim de semana...


Observou a sra, Jane, que tinha se aproximado, interessada.
— Esta é minha avó, a sra. Jane Forster. O dr. Keslar.
— Já ouvi falar de você — Jane respondeu, estendendo a mão.
— Oh. . . ouviu? — Olhou para Anna, que ficou vermelha e desviou os olhos.
— Aqui está bem cheio. — E se afastou para dar passagem a um carrinho.
— Onde morava, dr. Keslar?
— Vim de Gales. Meu pai ainda mora lá, Bem, preciso terminar minhas
compras, antes que fechem, e hoje ainda não comi. No hospital, nunca dá tempo, não
é enfermeira? Como devo chamá-la fora do hospital, de sra. Forster?
— Não. Ela não é casada — a avó se intrometeu. — O nome dela é Annabel,
mas nós a chamamos de Anna.
Enquanto Anna se recuperava do espanto, a sra. Jane continuava:
— Por que não vem jantar conosco, dr. Keslar? Temos galinha e um ensopado
de cogumelos. Dá para três.
Anna sentiu que tudo parava. Fechou os olhos e esperou que ele recuasse com
firmeza e educação. A audácia de sua avó era incrível. Mas, ao abrir os olhos viu que
Paul Keslar sorria e aceitava o convite, entusiasmado.
— Quanta gentileza! Ainda não desmanchei todos os pacotes e nem sei onde
estão os utensílios de cozinha. Não gosto muito de cozinhar... mas, às vezes, é
preciso.
— Onde é o seu apartamento? — Anna perguntou, quando conseguiu se
controlar. Ainda não estava conseguindo olhar para a avó. Ela ia ver só uma coisa,
quando ficassem a sós
— É na estrada principal. Num povoado chamado Wilcombe.
— Fica a poucos minutos de nossa casa. Ôtimo! Pode seguir o nosso carro —
a avó disse, calmamente.
— Se não terminarmos nossas compras, o dr. Keslar não terminará as dele.
Vamos esperar no estacionamento. Quer "mesmo" ir?
— Sim. Quero muito. Muito, mesmo.
Anna corou. Não conseguia mais pensar claramente nas compras que
precisava fazer. Ainda bem que sua avó sabia tudo o que precisavam.
— Vamos levar um pouco de creme, querida. Temos framboesas para a
sobremesa. Creme e algumas gotas de conhaque. Hum, vai ser um jantar muito
especial.
— O que estamos comemorando, vovó?
— Nada, querida. Temos um convidado. Gostou que ele aceitou o convite?
— Vovó, não lhe ocorreu que enfermeiras não costumam convidar médicos
para jantar em suas casas... principalmente quando eles acabaram de se mudar. O
que ele vai pensar?
-— Paul me pareceu muito contente em ir jantar conosco, Anna.

CAPITULO III

Paul já estava parado ao lado do Citroen verde, quando Anna chegou ao


estacionamento. Guardavam as compras e ele deu a partida, colocando-se atrás do
carro dela.
Estava garoando e Anna acendeu os faróis, dirigindo para a estrada principal.
Ainda não acreditava que ele a seguia. E foi com esta sensação que chegou em casa.
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Tinham deixado acesa a luz da cozinha, que iluminava uma roseira cheia de botões
amarelos.
Paul fechou o carro e se aproximou do dela, pronto para ajudar a levar as
compras para dentro, A sra. Jane e ele começaram a conversar animadamente e Anna
foi fechar a porteira. Ao ver o dr. Keslar carregando dois sacos marrons, ela
simplesmente sorriu. Era demais. Os últimos acontecimentos daquele dia superavam
qualquer exagero de sua imaginação,
Mervyn Abbot vinha descendo a estrada num trator. Ele parou, mas ao ver o dr.
Keslar, hesitou.
— Desculpe, não sabia que tinham companhia. Não é o seu irmão, é?
— Não. Não é Tim. Desculpe, Mervyn, mas preciso entrar. Ainda nem jantei.
Você está trabalhando muito, não?
Ele deu de ombros e sorriu.
— Estou sempre tentando adiantar o dia de amanhã. Não tive muito trabalho
ontem à tarde. Amanhã você vai, não é, Anna? — ele parecia estar quase implorando.
— Claro, eu prometi. Mas não sei se vou chegar cedo. Vejo você amanhã. Boa
noite, preciso entrar.
Ela correu e Shane latiu. Lá dentro, Paul Keslar servia o sherry em três cálices.
Parecia muito à vontade.
— A sra. Forster sabe como cativar um homem. Tive muita sorte esta noite! —
Aproximou-se e entregou-lhe o cálice.
—É... . foi muito inesperado. Mas, se você está feliz por ter vindo... nós estamos
contentes em tê-lo aqui.
— Obrigado. — Tomou o aperitivo e observou a sala. — Esta casa é deliciosa. .
. um lugar realmente agradável.
— Sente. O jantar será servido dentro de alguns minutos. Vou colocar outro
prato e talheres.
Ele a observou, enquanto pegava os talheres, e Anna sentiu que corava. O que
estaria pensando? Gostaria de saber, antes de ir ajudar a avó na cozinha.
— Sabe... — ele começou, quando a viu voltando com o carrinho cheio de
travessas cheirosas -— nunca estive num moinho. — Anna e avó se sentaram e Paul
continuou conversando. — Quem teve a idéia de transformá-lo em residência?
— Meu pai. Mas mamãe também colaborou bastante. Paul observou a escada
de ferro fundido.
— Não podia imaginar que ficasse tão bonito. Seus pais estão viajando?
— Sim. Estão morando na Islândia. Quer se servir?
Ele sorriu quando ela estendeu-lhe a colher para servir os cogumelos.
Então, Jane, sempre muito curiosa, perguntou;
— De que parte de Gales o senhor veio, dr. Keslar?
— Pode me chamar de Paul, sra. Forster. Como podemos ser formais, depois
de um jantar como este? Vim de um povoado ao pé das montanhas Cambrian. Meu
pai tinha uma clínica no interior, mas infelizmente ficou doente e teve que se aposentar
muito cedo.
Terminei a faculdade de medicina e ele agora fica em casa, aos cuidados de
uma enfermeira que me mantém informado sobre as condições dele. Vou lá sempre
que posso. — Virou-se para Anna. — Agora fale-me sobre a Islândia. Já esteve lá?
Posso chamá-la de Anna, quando estiver longe do hospital?
— Não, claro que não. — Sorriu, e a avó percebeu a mudança da neta na
presença de Paul. E ele não desviava o olhar do rosto de Anna, como se não quisesse
esquecer mais sua fisionomia.
Ficaram em silêncio durante algum tempo, até que Jane disse:
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— Está gostando do Hospital Calderbury, Paul?


— Ainda não tive tempo de formar uma opinião, sra. Forsteri, Certamente, é
muito diferente de Londres. Para começar, não estava acostumado a uma paisagem
rural. E o hospital é um pouco... pequeno — parou e ficou observando o brilho dos
cabelos de Anna. Ela levantou os olhos, encontrando o olhar de curiosidade dele. —
Você também deve ter estranhado, não? Soube que veio do Hospital St. Thomas?
Ela gostaria de saber quem havia contado.
— Sim, para as duas perguntas. Mas estou contente por ter mudado. Espero
que também não se arrependa.
Ele deu de ombros e ficou pensativo.
— Não sei se aceitarei a falta de equipamento do Royal como você aceitou. . .
Parece que aqui tudo precisa ser substituído. Mas gosto do ambiente e da equipe.
Dentro de um mês estarei conhecendo melhor meus pacientes. Como sabe, na nossa
profissão os relacionamentos são muito superficiais. Os pacientes estão sempre indo
embora. É maravilhoso vê-los curados, mas sentimos falta deles... não é Anna?
De repente, virou-se para Jane, que ouvia, atenta, e pediu desculpas:
— Perdoe-nos Nossa conversa deve ser aborrecida para a senhora.
— Nem um pouco. Estou apreciando muito a sua companhia. Quer mais café,
Paul?
— Aceito, obrigado. Depois, preciso ir embora. — Olhou o relógio enquanto
falava, e Anna tornou a encher sua xícara.
— Estava conversando com Mervyn no portão, querida?
— Sim — Anna disse, depressa. Por que tinha de fazer aquela pergunta bem
naquele momento?
— A vida aqui é tipicamente rural — Paul interrompeu, percebendo que Anna
estava pouco à vontade. Tinha visto o rapaz claro no trator, conversando com Anna,
com um ar possessivo. Devia ter suas razões para querer saber quem era o
convidado.
A avó explicou que se tratava de um dos vizinhos mais próximos e Paul teve
que se satisfazer com isso. Ao sair, ele agradeceu.
— Obrigado pelo jantar. Foi uma das coisas mais agradáveis que me
aconteceu desde que saí de Londres. Agradeço muito.
-— O prazer foi nosso — Jane disse, com sinceridade. Então, ele olhou
intensamente para Anna.
— Pode vir até o portão comigo e me indicar o caminho?
— Claro! Há um atalho... isto é, se você não se importa com estradas sem
iluminação,
Lá fora, o gramado estava, banhado pelo luar. Anna abriu o portão e se
aproximou dele. Sentia que havia uma certa proximidade... uma espécie de intimidade,
por estarem sozinhos. Estava pálida, ao luar; os cabelos brilhantes, esvoaçando na
brisa suave. Por um mo-' mento, ele não disse nada, apenas a encarou. Depois,
observou as árvores e as estrelas.
— Ê hora de ir, Anna. Tudo aqui é tão bonito.. , calmo. . . Teve muita sorte de
voltar para cá. Eu a invejo.
— Eu sei. Principalmente, depois de cuidar dos pacientes o dia inteiro. Bem, na
verdade, vou dar alguns plantões este fim de semana. Gosto da Enfermaria Rowan.
— Mesmo? Também darei plantões este fim de semana.
— Boa noite, então —- ela disse, sentindo se, de repente, muito feliz. Ia vê-lo
no dia seguinte.
— Boa noite, Anna. — Ficou segurando a mão dela por um instante, e muito
tempo depois ela ainda sentia aquele toque na pele.
Projeto Revisoras 18
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Paul entrou no carro e disse, brincalhão:


— Espero me lembrar de chamá-la de enfermeira Anna na hora certa, amanhã.
Boa noite! E obrigado.
Ficou parada na escuridão, encostada no portão, até não ouvir mais o motor do
carro. Mas, ao olhar para os fundos da casa, atravéz do bosque, viu os faróis
iluminando a parte plana da região, Paul ia indo para seu novo apartamento no
vilarejo,
Anna entrou em casa, pensativa. Algo tinha acontecido com ela. Tinha se
apaixonado por Paul Keslar, sem dúvida. Céus! Era como estar doente Sentia todos os
sintomas, um a um, e era até capaz de fazer o próprio diagnóstico.
Seria um caso sem esperança? Será que ele também se sentia atraído? Ora,
estava reagindo infantilmente. Ele não parecia evitá-la. O perigo agora era a própria
imaginação de Anna. Aquilo não ia dar em nada, concluiu. Era melhor parar de
imaginar que Paul sentia alguma atração por ela e colocar os pés na terra,
imediatamente. Antes que as coisas escapassem de seu controle.. Nada mais podia
explicar o desejo desesperado de vê-lo, de ficar com ele dia após dia.
No entanto, fazia apenas alguns dias...
E foi desde o primeiro momento em que você o viu? respondeu a voz de sua
consciência. Verdade. Desde que o vira no corredor, antes mesmo do dr. Lonsdale
apresentá-los, ela sabia que era o homem pelo qual esperara a vida inteira.
Tinham tanto a dizer um ao outro. E talvez nunca chegassem a dizer. Ela
poderia amá-lo tanto. . . Não apenas na parte espiritual, mas também física. Poderia
amá-lo completamente como homem, porque, sem dúvida, sentia-se atraída pelo
corpo dele. Quando Paul a tocava seu coração disparava.
Sentiu um tremor delicioso.
Ele nunca saberia o que ela sentia, a não ser. . . mas isso era muito improvável.
No sábado ia vê-lo rapidamente na enfermaria. Ele lhe sorriria, porque sabia que
trabalhava bem e era responsável; e também, porque tinha sido convidado para um
jantar delicioso na casa dela.
Apagou a luz depois de acertar o despertador para as seis da manhã e resolveu
que, para sua própria paz de espírito, o melhor era controlar a imaginação.
Na manhã seguinte, foi direto para o centro de emergencias. — Ataque cardíaco
— uma das enfermeiras da noite avisou. Outras duas caminhavam apressadas em
suas tarefas de rotina.
Os pacientes pareciam preocupados e foi com alívio que receberam o sorriso
dela.
— O sr. Jones está passando bem — Anna informou aos mais nervosos.
Depois, entregou algumas comadres e foi conversar com uma das enfermeiras da
noite. Só então, voltou à sua sala.
Lá encontrou a enfermeira-chefe esfregando os ombros, e deduziu que ela tinha
feito massagens no sr. Jones.
— Oh, enfermeira, . . que bom que chegou. Deve ter sabido. . .
— O sr. Jones?
— Sim. Acho que agora ele vai melhorar. Felizmente, o paciente do leito ao
lado tocou a campainha e toda a equipe correu para lá. Foi terrível.
—- Não se preocupe, ele está bem agora. —- Anna tranquilizou. — Felizmente,
várias enfermeiras da manhã chegaram cedo, e vamos começar a lavar os pacientes.
Ela se entregou às tarefas de rotina, arrumando as camas, tirando as
temperaturas e dando banhos. As enfermeiras da noite se despediram e logo Anna
ficou encarregada da enfermaria.

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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

As bandejas com o café da manhã estavam sendo distribuídas e ela pegou um


dos relatórios a serem analisados.
Oh? céus! Emily tinha começado a brincar outra vez! Era uma paciente antiga
que se recusava a voltar para casa. Dizia que não tinha ninguém que cuidasse dela e
sempre aparecia se queixando das doenças mais estranhas,, pois era muito carente
de atenções. Pobre Emily!
Depois do café, as enfermeiras se reuniram ao redor da mesa de Anna para dar
seus relatórios e receber os medicamentos a serem aplicados. A enfermeira-chefe,
que tinha entrado de plantão às nove, fazia os comentários necessários e respondia
às perguntas.
-— A sra. Lawson vai para a sala de operações às onze. O sr. Hughes vai
esperar até terça-feira. O pré-operatório deve ser feito às dez. Espero que a sra.
Latham tenha tomado banho. Tenho que entrar em contato com os parentes dela. Com
o sr. Jones na UTI temos agora dois leitos vagos. Alguma pergunta? — Olhou para as
outras. — Ôtimo! Então, vamos continuar com o trabalho.
A sra. Lawson ainda estava de camisola e Anna foi prepará-la porta da rouparia
e saiu. Ele estava lá fora, esperando. Ela sentiu o coração bater mais forte e apertou o
travesseiro. Levantou os olhos para ele, com calma. Não podia fazer nada para evitá-
lo, pois Paul tinha ido procurá-la.
—-- Gostaria de levá-la para jantar hoje à noite, Anna. Pode sugerir algum
lugar?
— Eu.. . não posso. . . esta noite — disse, desapontada.__- Prometi ir a um
churrasco no vilarejo. É uma festa beneficente, Preciso ir. Lamento muito. . . mesmo.
— Vai com seu amigo fazendeiro? Aquele que parou no portão dirigindo um
trator? Eu não percebi que estava me intrometendo.
— Talvez, uma outra noite.
— Talvez. Vamos ver.
Paul se afastou e ela ficou agarrada ao travesseiro. Procurou se acalmar e foi
para a enfermaria.
Mais tarde, saiu para tomar um café e as auxiliares chegaram para tomar a
temperatura dos pacientes. Observou os leitos e viu que a sra. Lawson estava
dormindo. Eram onze horas e logo ela iria para a sala de operações. Anna respirou
fundo e observou o leito quatro, onde uma estagiária cuidava do paciente,
— O que está fazendo?
— Tirando a pressão dele. Você disse que era para tirar de hora em hora.. .
— Mas está tirando no braço direito?
— Não. Só dessa última vez. . .
— Não vê que ele teve um corte? Levou onze pontos! Será que é cega,
enfermeira? Desculpe, sr. Neale.
— Eu disse que o meu braço estava doendo. . . — o homem murmurou. —
Ela disse que não tinha importância. Mas doeu muito. Ainda bem que você chegou.
— Não foi nada grave. — Anna procurou aparentar mais confiança do que
sentia e fez uma anotação na ficha dele.
Tinha tratado a estagiária com mais rigidez do que numa e chamou-a até a
cozinha.
— Sabe que poderia ter provocado uma trombose nele? - perguntou,
indignada. — Não sei como quer se tomar enfermeira, se não está usando o
cérebro. Agora, não posso mais confiar em você.
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— Mão tem importância. Vou sair no fim do mês. Vou arranjar outro emprego.
Estou cheia de enfermagem. Acho que nunca serei uma boa enfermeira,..
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— Concordo —- Anna disse, num tom gelado. — Enquanto isso, lave estas
jarras de água. Vou falar com a enfermeira-chefe para dispensar você o mais rápido
possível.
Um fracasso como aquele atingia a enfermaria toda. Ao se dirigir à mesa da
chefe, Anna viu a sra. Lawson passando na maca e mandou uma assistente arrumar a
cama. Agora, esperava que nada mais saísse errado. Quando se aproximou, a
enfermeira-chefe estava no telefone e um paciente pediu:
— Por favor, pode abrir a janela? Vamos deixar entrar um pouco de ar. Depois,
pode me dar um pouco de suco de laranja?
Anna não reclamou, pois queria aquele paciente sob controle. Depois, foi para o
leito do sr. Coles e se entregou às tarefas de rotina, Mais tarde, ouviu a maca
chegando e ficou contente de a enfermeira Míller estar de volta.
— E agora?
— Hora de almoço — Anna informou. — Lave as mãos e venha me ajudar a
distribuir a sopa. Acho que podemos nos arranjar sozinhas. A auxiliar vai se demitir.
— Ufa! Ela era tão descuidada.. . Era capaz de derrubar sopa quente nos
pacientes. Humm. . . parece que temos galinha, hoje.
Isso mesmo. — Anna destampou as travessas e observou as listas de dietas
especiais. Servir refeições não era uma de suas tarefas favoritas. Precisava tratar os
doentes com muita diplomacia, atendendo suas reclamações.
Parecia que tinha tomado o café da manhã há muito tempo e talvez não tivesse
tempo de comer mais nada. Estava com fome. Tinha usado todas as energias de
manhã. Se ao menos pudesse dizer ! Paul Keslar que aceitava seu convite... Seria
delicioso jantar com ele naquela noite. Um verdadeiro estímulo para chegar até o fim
do dia. .
Serviu as sobremesas e contou à enfermeira Miller que ia ao churrasco à noite,
- Que sorte! — a outra comentou. — Eu vou ficar em casa e lavar os cabelos.
Meu namorado está viajando. Geralmente, chego em casa muito cansada e muito
tarde.
No meio da tarde, enquanto a enfermeira-chefe estava de folgai, Anna pegou o
telefone e começou a discar um número. Viu Paul se aproximando, Ele esperou perto
da janela, enquanto ela conversava com o sr, Lawson e dava notícias da esposa dele.
— Está na sala de recuperação. A operação já terminou. Não, esta tarde, não.
Talvez só a noite, Oh, sim... ela está bem. Até logo, sr. Lawson.
Paul parecia tão desprotegido, ali na janela, distraído, com a cabeça inclinada...
Quando desligou, ele entregou-lhe os relatórios, Anna sabia que tinha ido só para
vê4a, pois podia ter mandado qualquer pessoa entregar os papéis.
— Nenhum problema?
— Acho que não — ela respondeu, sorridente, enquanto o coração desmentia,
batendo desconsoladamente. — Parece que o sr. Coles melhorou.
— Ê. Eu vi que ele ainda está dormindo. Como está tudo bem, acho que vou
sair agora. Acabei de ver a dra. Lancing e vou falar com ela antes que saia também.
Espero que se divirta no churrasco,
Anna foi até a janela e ficou vendo Paul se afastar. Minutos depois, ele saía no
corredor que separava o hospital do alojamento das enfermeiras. No último andar
ficava o apartamento da dra. Lancing.
De terno escuro, ele parecia ainda mais distinto. E também muito distante, Anna
concluiu. A linha que separava médicos de enfermeiras era cada vez mais aparente.
Ele caminhou entre os canteiros, observando as tulipas, e curvou-se para
passar por baixo de uma árvore cheia de flores amarelas Depois entrou no alojamento
e Anna o imaginou subindo a es, cada até o terceiro andar.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Endireitou as costas, respirou fundo e começou a passar a um ser mão nela


mesma.
Ao olhar para a enfermaria, viu que os pacientes conversavam com visitantes e
uma ajudante colocava as flores nos vasos.
Anna caminhou resoluta até a cozinha e colocou a chaleira no fogo para fazer
um café, antes de voltar para sua mesa e ler as anotações sobre os casos mais
graves e esperar que a enfermeira-chefe voltasse às cinco e meia.

CAPITULO IV

Passava das sete da noite, quando Anna entrou em casa pela porta da cozinha
e acariciou Shane, distraída.
A última coisa que queria, naquela noite, era ir ao churrasco. Mas tinha
prometido a Mervyn. Não podia fazer nada» Quem sabe, depois de um banho, se
sentisse mais reanimada?
Ah, como seria diferente, se fosse jantar com Paul. Sabia exatamente que
roupa usaria e qual o restaurante que escolheria. O Pollards, que não era muito caro e
servia uma ótima comida. . . Poderiam ficar a noite toda conversando, à luz dos
abajures cor-de-rosa.
Quando soubesse mais sobre a vida dele, talvez esquecesse que era o
assistente do dr. Lonsdale e ela, uma simples enfermeira. Seriam apenas um homem
e uma mulher, e ia descobrir se ele estava sentindo o mesmo que ela,
— Oh, Paul, tem ideia do que está fazendo comigo? — falou alto, girando pelo
quarto com os braços abertos.
Talvez ele não tivesse a menor ideia. Mas devia pelo menos apreciar sua
companhia; senão, não a teria convidado. Não. Talvez fosse só em retribuição ao
jantar na casa dela. Mas. . . se fosse isso, convidaria sua avó também.
Agora, Anna teria que se contentar com as carnes do churrasco e muita cidra.
Bem, era melhor se aprontar logo. Depois do banho, escolheu um vestido de algodão
de florzinhas verdes, sapatos creme, um casaco de lã e pegou o carro novamente.
O sol tinha acabado de se pôr e ela ouviu a música vindo de longe. O churrasco
já tinha começado e havia muita gente espalhada ao redor do braseiro. Os músicos
afinavam os instrumentos para uma quadrilha que seria dançada dentro de um velho
celeiro.
Mervyn se aproximou, quando ela estacionou. Estava mais bonito do que
nunca, de camiseta azul, no mesmo tom dos olhos e calça cinza, que acentuavam seu
corpo musculoso.
Ela fechou o carro e ele não escondeu a satisfação ao vê-la.
— Pensei que não conseguisse vir — disse, segurando a mão dela com um ar
possessivo enquanto caminhavam para o celeiro.
— Eu disse que viria. . .
— Eu.sei, mas. . .
—- Bem, agora estou aqui. — Riu para ele, lisonjeada com as atenções do
rapaz. — Não vamos nos preocupar mais. Quero me divertir.
— Vi que soltou os cabelos. Gostei muito. Está cansada?
— Ainda não. Além disso, não se deve fazer essa pergunta a uma senhorita.
Não é nenhum elogio.
— Você sabe o que eu quis dizer. Trabalhou o dia inteiro. . .
— Você também. Quem arrumou o celeiro? Está tão lindo com todas essas
luzes.
Projeto Revisoras 22
Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

—- Ah, foi um trabalho de equipe. Quer um drinque?


— Sim, por favor.
— Um licor? Ou um drinque mais forte? Que tal nosso vinho local?
— Um licor, obrigada.
— Já entendi: não quer beber demais.
— Mervyn, trouxe salsichas e costeletas. Estão no meu carro. Vou pegar;
— Pode ir mais tarde. Agora sente e vamos conversar. Parece que nunca nos
encontramos com calma. Está muito bonita esta noite, Anna.
— Obrigada. Você também.
Ela percebeu logo que não devia ter começado a noite daquele jeito. Mas
estava muito à vontade e esperava que ele não a entendesse maL
Pelos olhos de Mervyn, sabia que ele a tinha levado a sério. Sério demais.
Aquilo só iria acabar em desilusão. Entretanto, era uma boa / companhia, e ela queria
se divertir. Nenhuma mulher poderia reagir de modo diferente diante das atenções de
um rapaz tão bonito.
A brisa suave soprou pelo gramado e ela vestiu o casaco. Ele a ajudou e depois
abraçou-a.
O baile começou, e dançaram até quase perderem o fôlego.
Agora» sentia-se mais tranquila e disposta a aproveitar ao máximo aquela noite.
Ele a beijou na orelha, levando-a para a porta.
— Acho que precisamos tomar um pouco de ar — disse baixinho. — Aqui
dentro está muito quente. Está com fome? Prefere outro drinque?
Ela não respondeu. Não podia. Seu coração parecia ter parado. Diante da porta
estavam dois recém-chegados.
— Seus amigos? — Mervyn perguntou, enquanto se afastavam um pouco para
deixar o casal entrar.
— A dra. Lancing... — ela falou, apresentando a médica — e o dr. Keslar. Este é
Mervyn Abbot, um amigo meu. Na verdade, é um dos organizadores do churrasco.
— Viemos porque a festa é beneficente — a dra. Lancing explicou, parecendo
muito segura de si e atraente.
Anna sentiu o perfume francês que a médica usava e viu que não poderia
competir com toda aquela sofisticação
— Como souberam da festa? — Mervyn perguntou.
— Paul... o dr. Keslar viu no quadro de avisos. Ê em benefício de crianças
desamparadas, não? Achamos que seria bom darmos uma olhada. Foi difícil achar o
lugar. O pessoal do bar não deu indicações carretas. Mas ouvimos a banda e sentimos
o cheiro .Agora, estou com fome. . .
— Então — Mervyn disse, indicando a churrasqueira —, por que não fica à
vontade? O que vai querer, Anna?
— Qualquer coisa... — Foi tudo p que conseguiu dizer, lembrando que as
linguiças e salsichas ainda estavam no carro.
— Por que não vamos pegar nossos churrascos juntos? — a dra. Lancing
sugeriu.
— Boa ideia -— Paul concordou, e todos acompanharam a médica. Ele parecia
estar se divertindo muito, rindo, comendo e cantando
junto com a banda. Mervyn e a dra. Lancing se deram muito bem. Foi
emocionada, que Anna levantou os olhos para Paul e percebeu que ele a examinava,
pensativo.
Nenhum dos dois disse nada, mas Anna sentiu o mesmo arrepio de sempre.
«Será que ele tinha resolvido ir para encontrá-la? Será que queria ver com quem ela
estava? Mas isso não fazia a menor diferença! Afinal, estava acompanhado da dra.
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Lancing. Bem, talvez ela estivesse apenas sendo usada. Não, Paul não era esse tipo
de homem. Ele a tinha convidado para jantar, naquele mesmo dia. Por que então, se
sentia em posição tão desvantajosa, competindo com a outra, que era elegante e
sofisticada? Não sabia. Mas a verdade é que se sentia assim.
Muito perturbada com o olhar dele, procurou se distrair, observando Mervyn
conversar com a médica. Paul ficou sentado muito perto, e, antes de ele falar, ela teve
a mesma sensação que já havia experimentado no hospital: que conhecia seus
pensamentos. Não foi nenhuma surpresa, quando disse:
— Não sabíamos que ia estar tão cheio, Anna, Na hora, me pareceu uma boa
ideia. Mas agora não estou tão certo. Espero não termos estragado sua noite. Está
aborrecida?
— Por que estaria? Oh, espero não estar dando essa impressão. . .
— Não, aos outros. Mas agora sei por que recusou meu convite. Ele é
simpático. Gostei do rapaz. Vocês parecem se dar muito bem. — Estendeu a mão
para ela. — Isso não significa que pretende parar de trabalhar no hospital...
Ela procurou descobrir um jeito de dizer a ele que Mervyn era apenas um
amigo, mas a dra. Lancing o chamou.
— Paul, seja gentil e vá pegar meu casaco no carro. Está frio... Ele pegou as
chaves e saiu.
Anna se sentiu arrasada. Queria ter ido com ele... ficar a sós com ele
conversar... só os dois! Ficar bem perto dele. Queria, oh... o que queria? Ele estava
com a dra. Lancing e os dois, na certa, iam se divertir naquela noite. Tudo poderia ser
tão diferente.
Imediatamente, arrependeu-se de seus pensamentos. Mervyn tentava fazer
com que todos se divertissem, e não era por estar apaixonada por outro homem que
Anna tinha o direito de desapontar o amigo e aborrecê-lo.
Paul se aproximou com o casaco e o estendeu para a dra. Lancing, que sorriu
para ele.
Então Mervyn virou-se para Anna,
— O que está fazendo aí, tão quietinha? Venha para perto do fogo. Estou
contente que seus amigos tenham vindo. É bom se divertir depois de um dia difícil no
hospital O que está achando do. churrasco? Acho que vamos conseguir bastante
dinheiro esta noite.
Os quatro ficaram perto do fogo, conversando animadamente, até que muita
gente começou a ir embora. As luzes dos carros iluminavam o gramado, à medida que
se afastavam.
Mervyn perguntou se ela queria dançar mais uma vez mas Anna recusou.
— Não. Acho melhor ficarmos aqui, sob as estreias.
Do celeiro, ouviam as músicas típicas do interior da Inglaterra, criando um
ambiente muito agradável.
— Está uma festa deliciosa — a dra. Lancing disse. — Eu não sabia que as
pessoas ainda faziam esse tipo de coisa, com tanto entusiasmo. Vocês têm uma turma
maravilhosa, neste vilarejo.
— Nunca nos aborrecemos. Há sempre algo para comemorar — Mervyn
respondeu, sorrindo. — É trabalho e diversão. Sempre sabemos quando passar de um
para o outro.
— Foi o que notei — Paul comentou. — Por falar nisso, acho que agora temos
que ir embora. Se quiser, Erika. . . Amanhã você tem plantão?
Então, aquele era o nome dela? Na voz dele, parecia bonito. Erika. . .
Completamente diferente de um simples Anna. Será que ele tinha pronunciado o nome
da doutora com uma doçura especial? Ou seria apenas imaginação dela? Era isso o
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

que mais queria no mundo ser alguém especial para Paul.


Mas estava com Mervyn, e ele tinha se aproximado. Agora levantava seu
queixo, querendo saber por que estava tão quieta.
— Tenho que ir embora também — Anna murmurou.
— Não, ainda. . . — A voz dele estava rouca e profunda. Havia também um tom
tenso, ou será que era só impressão? Então percebeu a verdade: Mervyn estava
levando aquilo a serio e esperava que ela correspondesse às suas emoções.
Anna teve certeza disso, quando ele a puxou num abraço e procurou seus
lábios. Não lhe ocorreu que ela podia estar querendo ir embora, justamente para evitar
aquele momento.
— Vou levá-la para casa, esta noite. Sabe que quero Fazer isso, não?
— Mas, . . eu vim de carro,
—-Não tem problema. Eu volto a pé.
— Mas. . . vão precisar de você aqui. Vem que ajudar a desmontar tudo.
Vão sentir sua falta.
— E daí? Há muita gente para ajudar. Além do mais, sabem onde irei. E
sabem que voltarei logo.
Não queria magoa-lo, mas não estava encontrando um modo fácil de evitar
aquilo. Ele a apertava cada vez mais.
Procurou se soltar e quase teve que ser rude, pois ele era forte e muito
musculoso, apertando-a sempre mais e tentando beijá-la. Sentiu o corpo dele, rijo,
contra o seu. Sabia que tinha deixado aquilo acontecer e agora estava arrependida. O
beijo foi longo e a deixou machucada, mas sem despertar suas emoções. Continuou
passiva, até que Mervyn a soltasse. Esfregou os lábios doloridos e olhou para ele,
— Desculpe... — murmurou.
— Não peça desculpas — ele disse, chocado. — Sei que não sente o mesmo
que eu, Anna. Devia ter percebido antes. Eu é que peço desculpas. Espero. . . não ter
estragado sua noite. Só que. . . droga!
— Foi uma ótima noite. — Ela estremeceu.
— Você está bem?
— Sim.
— Anna.. . você gosta de alguém?
— Acho que sim.
— Entendo. Eu devia ter percebido. Boa noite. Quer mesmo ir sozinha para
casa?
—Quero.
Ela mal conseguia dirigir, suas mãos estavam trêmulas. Um coelho passou
correndo diante dos faróis e ela freou violentamente. Foi aliviada que viu a luz da
cozinha acesa, ao chegar em casa.
A avó já devia estar dormindo. Assim, podia entrar e ir para o quarto sem ter
que comentar a festa. Tinha sido um dia complicado e estava exausta, física e
emocionalmente.
Depois de apagar a luz, Anna percebeu que seus pensamentos eram como
soldados marchando dentro do cérebro. Sem parar. Não podia mais sair com Mervyn.
Mas... e se Paul Keslar a tivesse beijado? Como reagiria? Sentiu um arrepio na
espinha e percebeu que já tinha a resposta.
Mas... não estava sendo tola? Eríka Lancing devia estar recebendo o beijo de
boa noite dele. Precisava parar de pensar. Estava aborrecida, pois sentia que tinha
passado dos limites. Bem.. . pelo menos, havia sido honesta com Mervyn. Ambos
sabiam o que estava acontecendo e ela agora não aceitaria mais os convites dele.
Não queria, nem por um momento, pensar que o rapaz sentia amor verdadeiro por ela.
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Devia ser só atração física. Algo passageiro.


Não queria que mais ninguém a beijasse. . . e sabia que o beijo de Paul Keslar
seria completamente devastador.
Era comum aquela situação. Muitas enfermeiras já tinham se apaixonado pelos
médicos com quem trabalhavam. No hospital, o tipo de trabalho, tão integrado, levava
a uma certa admiração e à perfeita integração.
Entretanto, sua consciência lhe dizia que sentia algo muito especial por Paul.
Ele não devia nem desconfiar. Só de pensar nisso, sentiu-se aliviada. Mas significava
que tinha que ficar em guarda durante as horas de trabalho.
Ao chegar a essa conclusão, sua mente cansada se tranquilizou e ela
adormeceu.
Não teve sonhos e acordou bem disposta, com Shane ao lado da cama. Era
domingo e resolveu sair para o hospital sem perturbar a avó.
A dra, Lancing e o dr. Keslar iam dar plantão, mas ele só seria chamado se
houvesse necessidade. Os domingos eram um pouco diferentes, na enfermaria. Tudo
parecia muito tranquilo e era o dia em que os doentes sentiam mais falta de casa.
Anna sempre dava mais atenções a eles nos domingos.
Naquela manhã, um dos pacientes estava se sentindo muito deprimido. Sentou
na cama, usando um robe azul que a esposa lhe havia trazido.
— Levante a manga, Robert — ela disse. — Só quero tirar a sua pressão. Que
robe bonito!
— Ê um presente, antecipado, de aniversário... —-. Não está preocupado ..com
a operação de amanhã, está? Sua esposa tem bom gosto...
— Eu sei. Era para eu usar isso nas férias... em agosto. Nós pensávamos em
ir para a Espanha.
— Oh,-mas podem ir. Ele sacudiu a cabeça, desanimado.
— Está aborrecido, Robert?
— Morto de preocupação, enfermeira.
O homem enrolou a manga e Anna atualizou a pressão dele na ficha. Sentiu
que estava trêmulo.
— Não fique nervoso. Não vai adiantar nada. A operação é simples e será
realizada pelo professor Beard.
— Não é isso. Minha esposa não sabe que estou com esse tumor. .. pensa que
é só uma úlcera. Foi o que disseram no começo.
— Mas... ela já devia ter sido avisada, depois das radiografias.
— Eu pedi ao professor que não contasse nada.
— Entendo.
— Ela se preocupa com tudo. Mesmo com coisas pequenas. Não ia aguentar.
— Vocês têm filhos?
— Dois. Um menino e uma menina. Os dois precisam de novos uniformes, pois
vão trocar de escola depois do Natal. Kay pensa que poderei voltar ao trabalho dentro
de quatro semanas. Mas será que poderei? Não tenho pensão por doença. Nós
acabamos de comprar um carpete novo e um conjunto de sofás para a sala. Precisa-
mos de coisas para a cozinha. Não sei como vou contar a ela, enfermeira.
— Por que não deixa que um dos médicos explique? Ela precisa saber. Virá
visitá-lo hoje?
— Virá com as crianças, e não esperam me encontrar assim. Vão ter um
choque.
Ele estava com sondas exploratórias para os exames pré-opera-tórios.
— Será bom que se preocupem com você. Sua pressão está alta porque ficou
nervoso por causa deles. Agora, tem que entender que está doente e precisa
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descansar. Eles conseguirão se arranjar. Preferia que não viessem?


— Oh, não. Quero vê-los. É que. . .
— Eu sei. Mas não precisa contar nada a eles, Robert. Depois de amanhã,
alguém vai conversar com sua esposa e dar a ela um resumo sobre seu estado.
Então, poderão conversar. Sabe? este robe é de um azul tão lindo, . . — Afastou-se,
deixando-o pensativo. Precisava conversar com o dr. Keslar, assim que o encontrasse.
Dois pacientes esperavam na sala, eles tinham sido admitidos para operações
rotineiras, no dia seguinte. Ela parou, analisando a situação da enfermaria, quando
ouviu a voz de Paul
—Deixe um recado para rnim —- ele estava dizendo a alguém. Depois, entrou
na enfermaria» e ela sentiu o coração disparar. Paul respirou fundo e a esperou ao
lado da mesa. Ele parecia preocupado, mas não estava com pressa e puxou uma
cadeira. — Olá! — Antes que ela respondesse, disse, rápido: — Só passei aqui para
atualizar as anotações sobre a sra. Jones, Acho que ela vai querer voltar ao hospital,
se o dr. Lonsdale concordar em examinar a perna dela
— Sim. Temos dois novos pacientes.
— Ohí Você já está com a lista das operações de amanhã? Ela abriu uma
gaveta e entregou o papel a ele. Depois contou a conversa que tinha tido com Robert
Gray.
Notou que Paul estava muito interessado no paciente e aprovava o modo como
tinha respondido às dúvidas do sr. Robert.
—- Está bem. Pode deixar tudo comigo. Não há mais nenhum problema?
— Nada que eu não possa resolver sozinha, felizmente.
— Ótimo. — Sorriu, e ela se sentiu trémula. Felizmente, Paul não percebeu,
pois tinha ido para o leito do sr. Coles e analisava as fichas dele.
Anna foi verificar se os novos pacientes, um homem e uma mulher, já tinham
sido colocados em seus respectivos leitos. Entrar num hospital é sempre uma
experiência traumatizante e muitas vezes não se esquece dela com facilidade.
— Temos um biombo dividindo a seção masculina da feminina, nesta
enfermaria — explicou à mulher. — Uma enfermeira logo virá servir-lhe um chá.
Os dois pacientes agradeceram, depois chamando-os conversou com eles
separadamente.
Mais tarde, quando a dra. Lancing chegou, com os cabelos presos e usando
uma blusa de seda creme, os pacientes já estavam bem calmos.
— Vim examinai os novos internados, enfermeira.
Que sorriso atraente a doutora tem, Anna pensou, lembrando a noite anterior.
Olhou o relógio: ainda faltavam três horas para terminar seu expediente.
— Vamos fazer exames de urina nos dois que chegaram — a dra. Lancing
pediu.
Anna viu a família de Robert saindo e resolveu conversar com eles, antes de
começar os relatórios finais do dia.
O dr. Keslar já tinha ido embora. A não ser que acontecesse algo que os
residentes não pudessem resolver, só voltaria na manhã seguinte. Então, ela ia ajudá-
lo a examinar novos pacientes, como na semana anterior.
Mas, na manhã seguinte, ela e Jill Slatle estavam se preparando para as tarefas
de rotina, quando o telefone tocou e Anna soube que tinha que voltar à Enfermaria
Rowan.
— Oh, não! — Jill protestou. — Quem esta vindo para ca?
— Susie. Aquela morena do terceiro ano. É muito eficiente.
— Ainda não conheço o novo assistente — Susie comentou ao chegar. —
Como é ele?
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— É... simpático —- Anna respondeu. — Mas bem exigente. Pelo amor de


Deus, trate de ter tudo à mão quando ele pedir. Gosta que a gente fique perto... o
tempo todo.
— Bem, obrigada. Estou ansiosa para conhecer esse homem perfeito.
— Ele não é perfeito — Anna disse, baixinho, quando a outra se afastou —,
mas é muito especial.
Ao levantar os olhos, viu Paul se aproximando. Baixou a cabeça e procurou se
controlar. — Não está indo para o lado errado? — Paul perguntou,
— Não. Fui designada para a Enfermaria Rowan, Provavelmente ficarei lá a
semana inteira.
— Oh! Isso significa que... vou sentir sua falta. Afastou-se, e ela entrou numa
sala de espera cheia de pacientes.
Quando a enfermeira-chefe a chamou, Anna estava fechando as cortinas de um
dos leitos.
— Venha tomar um chá conosco,
A dra. Lancing apareceu minutos depois e pediu também uma xícara.
— Claro — a enfermeira-chefe respondeu. — Ainda bem que hoje estamos
tendo tempo para um rápido descanso.
Ao voltar com o café da médica, Anna escutou o final dos comentários sobre o
churrasco:
— Mas você devia ter visto o namorado da enfermeira Forster... ou será que é
noivo? Eu me apaixonaria por ele facilmente. Ê um homem muito atraente.
— Verdade, enfermeira? Será que vai nos abandonar para casar? Espero que
não seja tão cedo. Acabei de pedir sua transferência para esta enfermaria,
permanentemente.
— Ele é apenas um vizinho. Nem é meu namorado. Não precisam se
preocupar.
— Oh! — Erika Lancing parecia satisfeita. — Mervyn me disse que o pai pagou
todas as contas da orquestra e conseguiu a maior parte da carne de graça, porque o
churrasco era beneficente. O sr. Abbot fez isso em gratidão pela esposa que se curou
de câncer há dois anos. Contou-me que moram numa linda fazenda, perto do vilarejo.
Eu gostaria muito de conhecer o lugar. Sem o dr. Keslar, naturalmente. . . porque seu
vizinho pensou que nós tivéssemos um relacionamento mais sério do que temos.
Anna levou as xícaras vazias para a cozinha, imaginando o que Mervyn teria
dito e o que a médica estaria agora discutindo com a enfermeira-chefe.
Não havia dúvidas de que Mervyn era bem atraente e tinha impressionado
muito a doutora.

CAPITULO V

Tim voltou da Universidade e Anna ficou muito contente ao chegar em casa e


encontrar o irmão. Sempre tinham sido bons amigos e agora se interessavam pelos
estudos um do outro. Era agradável ter um homem em casa, e ele ajudava nos
serviços domésticos que Jane deixava por conta de Anna.
Dentro de três semanas, Tim já estaria trabalhando como medico num hospital,
e logo seus pais chegariam para passar o Natal. Anna estava ansiosa para ver a
família reunida.
Nada parecia ter mudado. No trabalho, ela se sentia entusiasmada quando Paul
vinha até sua enfermaria ou quando se encontravam por acaso nos corredores. Ele
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estava envolvido em vários projetos de treinamento e ia ficando cada vez mais


conhecido entre os médicos. Anna sabia que também era sempre convidado para
jantares e reuniões importantes. Tinha certeza de que já havia jantado na casa do dr.
Lonsdale, pois Jill osculou os dois conversando.
De certa forma, Anna sentia que Paul ia ficando cada vez mais distante. Agora,
a tal linha que dividia médicos de enfermeiras estava quase intransponível.
Mas, quando se encontrava perto dele, ao examinarem um paciente, ou
quando vinha escrever qualquer coisa em sua mesa, ela ainda se sentia estremecer e
seu coração acelerava.
Estava orgulhosa das vitórias que ele conseguia e das operações que realizava.
Ao discutir a situação dos pacientes com ele, tinha uma sensação incrível de
intimidade, pois Paul sempre falava com gentileza e dava opiniões inteligentes.
Mas era só. A linha divisória separava os dois. Ele era amável, mas devia
pensar que ela era namorada de Mervyn Abbot. Tinha achado o rapaz simpático e,
certamente, a última coisa que faria era convidar a suposta namorada de Mervyn para
um passeio. Nem suspeitava das emoções dela. Anoa fazia tudo para que ninguém
percebesse nada. Não ia aos bailes locais e preferia ficar em casa nos dias de folga.
Achava difícil sair sem companhia, mas tinha recusado todos os convites de Mervyn.
Quando a enfermeira-ehefe voltou, pediu os três dias de folga a que tinha
direito.
No dia seguinte, ela e o irmão estavam sentados num café, depois de comprar
o presente de aniversário da mãe. Tim reparou que ela respirava fundo e olhou pela
janela.
Um homem de camisa de seda creme e calça bege parou, hesitou e entrou,
olhando ao redor.
— Anna. . , Oh, desculpe! Você está com alguém — ele disse, em tom de
espanto, — Eu não tinha visto.
— Este é meu irmão, Timothy. Este é o dr. Keslar, Tim. É assistente do
cirurgião-chefe do Calderbury. Por que não toma um café conosco, Paul?
Era a primeira vez, depois de tanto tempo, que o chamava pelo primeiro nome.
Ele percebeu, mas não disse nada. Talvez achasse natural aquele convite.
— Bem. . . Aceito. — Sentou na frente dela e começou a conversar com Tim.
Logo, estavam se dando muito bem. Anna ficou contente. Será que ele gostava
dela. . . ao menos um pouquinho?
Paul foi gentil com Tim, que já estava terminando a faculdade de medicina, mas
se achava um sabichão, O rapaz comentou a chegada dos pais, no dia seguinte.
— Então, vai ter um fim de semana sem plantões? — Paul perguntou a Anna.
— Sim. Só volto na segunda-feira.
— Eu também. Amanhã vou visitar alguns amigos em Rye. Conhece Rye?
Anna fez que não com a cabeça.
— Acho que você vai adorar. Ê uma cidadezinha, fascinante e fica a uma hora
daqui. Talvez, algum dia, eu a leve lá.. .
Anna ficou surpresa e entusiasmada.
— Eu gostaria de ir. Espero que se divirta.
Não era aquilo que queria dizer. Parecia muito inadequado. Percebeu o espanto
de Tim, que olhava de um para o outro. Sabia o que o irmão estava pensando. Mais
tarde, teria que conversar com ele sobre o dr. Keslar.
E foi o que aconteceu. No caminho de volta, Tim começou:
— Ele é casado?
— Não. Por quê?
— Só estava imaginando se vai ser meu cunhado — Claro que não! Só
Projeto Revisoras 29
Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

trabalhamos juntos.
— Ué, eu só perguntei! Ele é inteligente, não?
— Sim, maravilhoso. Sabe?, dizem que na operação ele dá os pontos com
todo o cuidado, pequeninos, para que não apareçam. Ainda não o vi operando. Talvez
o ajude qualquer dia. Gostaria muito.
Os Forster chegaram da Islândia no dia seguinte c, ao desembarcarem
pareciam encantados de estar em casa novamente.
Eve Forster era uma mulher linda e elegante, de cabelos grisalhos, e durante a
primeira hora mal parou de falar. Ralph Forster, já de cabelos inteiramente brancos,
parecia mais pensativo. Logo desapareceu com Shane no bosque, para matar as
saudades da paisagem inglesa.
Os dias passaram depressa demais. Tim já tinha partido para a escola e Anna,
ao chegar em casa após o dia de trabalho no hospital, sentou no jardim, ainda de
uniforme, e tomou um drinque com o pai.
— O jantar está quase pronto — a mãe disse. — Vamos ter salmão fresco.
Gosta, Anna?
— Quem não gosta? Não comemos peixe muitas vezes, mamãe.
— Nós sempre comemos peixe fresco, na Islândia. E isso me lembrou que
quero conversar com você.
— Preciso trocar de roupa.
— Mais tarde — o pai falou baixinho. — Não vai ter férias, Anna? Deve estar
precisando...
— É, acho que está na hora, papai. Talvez eu tire férias no mês quê vem. Creio
que vou ficar por aqui, descansando, lendo e me divertindo.
— Oh.. . Bem, eu e sua mãe temos uma proposta. Eve entrou na conversa.
— Querida, queremos que venha passar algumas semanas na Islândia. Não se
preocupe com dinheiro. Nós pagamos a sua passagem de ida e volta, assim que você
marcar o dia. Precisa de um descanso, e temos tanto para lhe mostrar...
—E não faremos viagens corridas — seu pai interrompeu, antes que ela
pudesse falar. — Poderá ver o interior, a capital Reikjavik é uma linda cidade. Há
muitas coisas a fazer e lugares a visitar. O clima é bom e temos um lindo jardim. Não
tão lindo como este mas...
— Islândia... Nem posso imaginar. Mas não precisam pagar minhas férias,
papai. Sabe que tenho economia
— Mas não deve usá-las.A passagem é barata. Queremos que vá. Vamos nos
divertir juntos. Você aceita?
— Vou adorar, papai. Obrigada! — Beijou-o impulsivamente. Agora, tinha
algo animador à sua espera. — Mas... e vovó? Ela não pode ficar sozinha...
— Vou ficar em Maude — Jane disse tranquilamente. — Só estou esperando
você marcar a viagem. Ela e Laurence virão me buscar, passarão a noite aqui e irei
para Cotswolds no dia seguinte.
— Então, já combinaram tudo!
— Isso mesmo — a avó concordou, rindo. — Você perdeu peso e tem
trabalhado muito, levantando cedo e se cansando demais. Só teve uma folga este
mês.
— Oh, céus! Ela não parece um comandante? — Anna comentou, sorrindo. —
Mas acho que vai ser ótimo tirar férias de verdade. Vou fazer os meus planos. Que tipo
de roupas vou precisar?
Depois que os pais voltaram à Islândia, Anna ficou ansiosa para viajar também.
Já estava designada para a Enfermaria Rowan em base permanente e adorava suas
tarefas. A enfermeira-chefe tinha tirado férias e Anna era, agora, encarregada da
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

enfermaria. Tinha que trabalhar com a dra. Lancing e mais dois médicos.
Naquela manhã, o dr. Lonsdale estava fazendo sua ronda, junto com o dr.
Keslar, o dr. Grant e a dra. Lancing. Como substituta da enfermeira-chefe, Anna era
sempre incluída nas discussões e nos comentários sobre os doentes. Quando
chegaram ao leito de Robert, ela observou o rosto ansioso do doente.
Tinha todos os motivos para se sentir angustiado, pois sofrera uma segunda
operação. O dr. Lonsdale leu as anotações e sorriu.
— Acho que vencemos dessa vez, Robert. Temos boas notícias. Pode ir para
casa amanhã. Dentro de duas semanas, venha fazer uma consulta. Anote isso,
enfermeira. Acho que nau terá mais problemas, mas precisamos nos garantir durante
um ou dois meses. Seja corajoso e não esqueça as consultas. — Colocou a
mão no ombro do paciente e se despediu.
— Obrigado, senhor. Obrigado por tudo que fez por mim.
O sr. Lonsdale sorriu. Estava acostumado a ouvir aquelas palavras.
Quando Robert olhou para Anna, estava aliviado, ele ergueu o polegar. Ela
sorriu e virou-se para o dr. Keslar.
Paul segurou-a pelo braço, como se estivesse lhe dando forças para ultrapassar
aquele momento emocional. O dr. Lonsdale não parecia ter percebido nada, mas Anna
corou violentamente. Terminaram a ronda, e ela se preparou para as demais rotinas do
dia.
O tempo na Enfermaria Rowan voava. Certa tarde, Anna saiu cedo do trabaiho.
A enfermeira-chefe tinha lhe dado licença para que pudesse pegar o ônibus, pois seu
carro estava no conserto.
Fazia uma tarde agradável, e Anna estava satisfeita, ao sair pelo portão
principal.
— O que aconteceu com seu carro, enfermeira? — Paul perguntou,
aproximando-se dela em seu Citroen verde.
— Está no conserto. Vou pegar o ônibus. Acho que passa um daqui a pouco.
Ele piscou e abriu a porta para ela.
— Vou levá-la para casa, Anna.
— Não precisava se incomodar... — ela disse, entrando e travando a porta.
— Por que não me avisou? Eu teria esperado. Quase saí antes de você.
— Pensei que já tivesse ido embora. Vi o dr. Lonsdale saindo às cinco
—- Ele, teve poucos pacientes. A dra. Lancing vai ficar de folga no fim de
semana e precisei terminar umas coisas. Quando pretende tirar férias?
Contou a ele sobre a proposta de seus pais e disse que viajaria no fim de
agosto.
— Eles estão certos: você precisa descansar longe de casa.
Olhou-a.de relance e tomou o caminho da casa dela, freando atrás de um trator
cheio de alfafa.
— Não sei quem está dirigindo. Talvez seja o seu fazendeiro— Acho que não.
Pode ser um dos irmãos dele. Vi Mervyn no campo por onde acabamos de passar. E. .
. ele não é o "meu" fazendeiro. Você sabe disso. Algo no tom de voz dela fez com que
Paul dissesse, sério:
— Isso não era definitivo, Anna? Eu tinha a impressão de que você e ele
estavam namorando.
— Está errado. Ele é uma pessoa simpática. Toda a família é simpática. Mas
são apenas vizinhos. Só isso.
— Então, Erika estava certa. . .
— Em quê? Espero que não tenham conversado a meu respeito. — Baixou a
voz, e ele sentiu seu tom gelado e aborrecido. Depressa, segurou a mão dela.
Projeto Revisoras 31
Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

— Não precisa ficar zangada. Eu disse algo a ela quando voltamos para casa.
— Estou surpresa pelo interesse...— começou, sabendo que estava sendo
infantil.
— Não está surpresa coisa nenhuma, Anna. Mas sinto que estou pisando em
terreno perigoso. Portanto vamos conversar sobre algo menos pessoal. Estamos
chegando em sua casa. Viro aqui?
— Pode parar no portão branco, à direita.
Anna estava ao mesmo tempo aliviada e triste por ter terminado a intimidade
que havia partilhado no carro.
A sra. Jane ficou encantada em ver Paul e cumprimentou-o afetuosamente, mas
foi Anna quem o convidou para jantar.
— Adoraria. Mas. . . tem certeza? Será que não estou tirando vantagem da
gentileza de vocês? É a segunda vez. . . mas, não posso recusar, Anna.
— Então, não recuse. Está um pouco frio aqui, mas seja bem-vindo. Afinal,
você saiu de seu caminho para me trazer até em casa
— Eu sei. Mas não podia ter arranjado uma desculpa melhor.
— Tome alguma coisa, enquanto vovó termina o jantar. Vou trocar de roupa.
Estou com cheiro de hospital. Nem Shane chegou perto de mim.
Quando desceu, usava uma blusa de seda verde e calça comprida, parecendo
à vontade. Paul tinha sentado numa poltrona confortável e tomava cerveja.
Depois do jantar, conversaram sobre a Islândia e as impressões que seu pai lhe
dera, depois de morar lá há quase um ano.
— Já esteve na Islândia, Paul? — Jane perguntou.
— Ainda não, sra. Forster. — Anna viu que ele sorria, divertido e tolerante.
Agora, achava natural estar com ele ali, à mesa. Talvez fosse do tipo pensativo
e reservado. Havia uma parte dele que ninguém conseguia atingir. Tinha muita
vontade de saber, em determinados momentos, no que ele estava pensando ou
por que parecia tão preocupado.
Durante as duas horas seguintes, descobriu mais sobre Paul. Nem uma vez ele
mencionou o hospital. Nem ela. Trocaram opiniões e comentários, principalmente
sobre férias.
As próximas, ele ia passar em Gales, com o pai.
— Eu gostava de acampar. Fui para o sul da França e estive duas vezes na
Sicília. Também fui à Creta. Agora, estou feliz em poder ficar perto de casa. Você,
naturalmente irá de avião para a Islândia, Anna.
— Sim. É uma viagem curta. Acho que de duas horas.
— E ficará em Reikjavik, na capital?
— Talvez vá conhecer os arredores. Meu pai está fazendo uma pesquisa muito
importante em partes ainda desconhecidas das ilhas Westman.
— Onde houve erupções vulcânicas, há seis ou sete anos?
— Sim. Do ponto de vista geológico, a Islândia é um lugar muito interessante.
Papai é geólogo e está analisando as erupções. Eu gosto de montanhas e geleiras,
mas que estejam calmas. Gosto daqui também.
— Ia gostar de Gales.. .
— Já estive lá. Mas só na parte sul. Está planejando passar lá as férias de
verão?
— Como eu disse, vou para Gales. Mas não tenho planos.
Agora ele olhava pela janela, para os campos e montanhas, segurando firme a
xícara de café. Ela tentou imaginar o que o deixava tão preocupado. Jane acabou de
tirar a mesa e ligou o aparelho de som. Anna ficou surpresa quando Paul entrou na
cozinha e se ofereceu para enxugar a louça.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

— Oh, não! Nunca permitimos que nossos convidados trabalhem.


— Bem... me ocorreu que, se eu ajudasse, você poderia terminar mais
depressa e me mostrar o bosque. Vi que há um caminho pelo gramado. Será que
podemos dar um passeio, ou está muito cansada?
.— Não. Eu sempre levo Shane para um passeio, depois do jantar. Gostaria
muito de lhe mostrar o bosque.
% O coração dela disparou diante daquela sugestão. Será que Paul achava que
seria uma oportunidade de ficar a sós com ela? Ou estaria apenas interessado em ver
a paisagem?
Tinha se esquecido da avó, que dobrava a toalha e nem sonhava em
interrompê-los. Quando a convidaram para ir junto, ela recusou, dizendo que preferia
ficar em casa. Anna colocou a coleira em Shane, que saiu, pulando, na frente, com
grande satisfação.
Ela também estava feliz e caminhava cheia de entusiasmo. Entraram na sombra
das árvores e Anna parou, com um olhar curioso, como uma criança.
— Está ouvindo? Ele observou, imóvel.
— O que devo ouvir?
— O silêncio. Não parece um paraíso?
Levantando os olhos para ela, Paul sorriu. Em seu olhar ela percebeu uma
emoção mais profunda. Respirou fundo, pois agora se sentia insegura, com medo de
confiar em si mesma e incapaz de acreditar no que estava vendo. Ele deu um passo,
quebrando um galho seco, e segurou-a pelo braço. Ele já estava bem próximo. . . E foi
ao mesmo tempo que seus corpos se encontraram. Paul abraçou-a com força.
— Oh. . . Anna, sonhei tanto com este momento!
Ergueu o rosto para ele e seus lábios se encontraram numa paixão que
espalhou fogo por seus corpos.
Era como se uma corrente elétrica os percorresse, enquanto se beijavam.
Agora, os sentimentos tinham sido libertados e ela o acariciou na nuca. Ele sempre
pareceu tão distante. . . Paul acariciou os cabelos loiros de Anna, repetindo:
— Minha querida Anna. ..
Finalmente se separaram e se olharam profundamente.
— Amo você, Anna. Ê a mulher mais linda e natural que já conheci. Sua pele é
maravilhosa, seus cabelos. . . seu modo de andar, seus olhos expressivos. . . Não sei
mais o que fazer, desde que a vi no hospital.
— Mas, . . como eu podia adivinhar? Você parecia tão aborrecido naqueles
primeiros dias! Pensei que eu tivesse feito alguma coisa errada.
— Eu não queria me envolver com ninguém. Tenho meus motivos, que não
quero contar agora. Mesmo assim, no momento em que entrei naquele corredor e vi
você, soube que a estive esperando por toda a vida. Você cora como uma rosa e me
lembra o lugar onde nasci, em Gales. Realmente, me apaixonei. Odeio admitir isso,
mas quando vi você com Abbot, naquela noite. Então, Erika me contou que você tinha
dito à enfermeira-chefe que não havia nada sério entre vocês.
— Oh, Paul... — Ela estava rindo, mas com lágrimas nos olhos, e contou a ele
o que tinha sentido desde o primeiro instante. — Pensei que você e a d.ra. Lancing. . .
Como é que eu podia saber o que sentia por mim?
— Vamos caminhar um pouquinho?
Anna fez que sim, pois sentia que estava com a voz tremula. Ele acariciou seus
cabelos e seu queixo.
Shane voltou e começou a pular em volta dos dois. Deram alguns passos e
pararam debaixo de uma árvore. Com que facilidade ela agora oferecia os lábios para
ele. Sabia que Paul, o médico tão reservado, podia facilmente perder toda a timidez.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Ele seria um amante maravilhoso, quando chegasse a hora. E chegaria logo, desejou,
sentindo o coração bater com mais força.
Abraçados, observaram o pôr-do-sol e a escuridão descendo sobre o bosque.
Ela o abraçou, cada vez mais atraída por aquele corpo musculoso. Agora eram parte
um do outro.
— Quero você, Anna — ele disse, baixinho, e naquele momento ela perdeu o
controle por alguns instantes.
— Eu também o quero Paul. Eu o amo. . . muito.
— Minha querida, Anna, Sou dez anos mais velho do que você.
— Não faz a menor diferença. Só sei que é o único homem com quem já
desejei passar o resto da vida. Só estou feliz quando fico perto de você. Nós sabemos
como nos sentimos. Nada mais importa, não é mesmo?
— Nada. Só este momento... — Ele beijou-a profundamente mais uma vez.
A sra. Jane viu o casal enamorado se aproximando do portão, ao luar, e com
toda diplomacia retirou-se para o quarto, sem acender a luz do lado de fora.
Sabia que mais tarde, depois que Paul fosse embora, a neta iria à procura dela.
Mas, pelo menos naquela noite, Anna desejou manter secreta sua alegria, e
realmente era tarde demais para perturbar a avó.
Queria reviver todos os momentos que teve com Paul, todas as palavras que
ele tinha dito. Quando finalmente adormeceu, estava com um sorriso nos lábios.
Acordou com os pássaros cantando do lado de fora da janela e o coração muito feliz.

CAPITULO VI

Anna estava muito animada, ao sair na manha seguinte e observar o brilho do


orvalho da grama que molhava suas botas de borracha
Alguns coelhinhos saíram correndo e Shane correu latindo atrás deles sol
brilhava tanto, que parecia dar a tudo uma nova, dimensão Talvez esteja vendo as
coisas diferentes, Anna pensou. Ela e Paul! Era incrível Mas era verdade. Os beijos
dele na noite passada as respostas que ela tinha dado. A paixão correspondida. Sua
paixão igual a dele Era tão maravilhoso lembrar tudo aquilo! As palavras murmuradas,
o toque das mãos dele...Aquelas mãos que tinha observado tantas vezes e só agora
se estendiam na direçao.dela.
Cada carícia tinha sido devastadora. Puro paraíso Uma barreira que haviam
cruzado! Ele já não era o médico inatingível e distante em seu uniforme branco, que
parecia estar sempre com alguma coisa. Ao pensar nele, ela ansiou pela chegada do
fim do dia quando poderiam entrar no mundo um do outro.
Na noite anterior ele tinha sido um homem apaixonado que a abraçara com
força. Seu rosto contra a pele dela. O que aconteceria nesse dia?
Chamou Shane e caminharam pelo mesmo atalho onde tinham estado na
véspera, Entre as árvores estava um pouco escuro e ela lembrou mais uma vez os
momentos românticos, até que, olhando o relógio, viu que precisava cuidar da vida.
O carro ainda estava no conserto, portanto teria que andar de ônibus. Foi
guardar as botas de borracha na garagem e, ao se aproximar da casa,viu a avó, de
robe, parada na porta.
— Não ouviu o telefone, Anna?
— Não. Acabei de chegar. Ainda não tomei café e acho que nem vai dar tempo.
Tenho que ir até o ponto de ônibus...
— Você foi chamada para o plantão das oito horas. Se esperar no portão, Paul
disse que passa para pegá-la.
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— Oh...
—- Assim, tem tempo para o café. Já comecei a fazer.
— Obrigada, vovó. Quase esqueci que ainda estou sem carro. Já fiquei tão
acostumada com ele.
— Bem, nem sempre são só os velhos que esquecem as coisas. Mas acho que
você está preocupada com assuntos mais interessantes.
— Está bancando a curiosa? — Anna brincou, servindo-se de café.
— É verdade. Que desgraça, não? Mas vejo que não vai me contar. Portanto
terei que ser paciente. Seus olhos não me enganam: estão brilhando mais do que
nunca. E brilharam ainda mais quando eu disse o nome dele. Sabe que não nasci
ontem? Já estive apaixonada também e lembro muito bem o que sentia.
Principalmente, no começo.
— Tenho até medo de acreditar que seja verdade, vovó. Estou tão feliz,
sabendo que Paul sente o mesmo por mim!
— Sim, é maravilhoso. Estou feliz por vocês dois. Paul é o homem certo para
você. Seus pais vão ficar encantados. Más, agora, preciso me vestir. Logo ele estará
chegando. Ponha mais pão na torradeira. Será que ele já tomou café?
-— Tenho certeza que sim. E começo a suspeitar de que você está querendo
competir comigo.
— Se eu fosse quarenta anos mais moça, certamente você teria problemas.
Ele é um homem adorável.
-— Também acho — Anna murmurou, e correu para o quarto, arrumando a
cama depressa, antes de voltar e ir para o portão esperar por Paul
Quando o. carro dele parou, ela entrou depressa, pois não podiam perder mais
tempo, Estava ansiosa por um beijo. Mas Paul disse simplesmente:
— Você parece engomada e calma esta manhã,
— Você me faz sentir como se fosse uma de suas pacientes. Viu que ele sorria,
mas não falou mais, enquanto dirigia com toda a atenção. Agora, Paul parecia
novamente o cirurgião concentrado e irrepreensível de sempre. Usava um terno cinza,
camisa branca e uma gravata vermelho-escura. Na noite passada, ele parecia um
garoto animado depois de um jogo. Hoje, estava completamente fora do alcance dela
e, muito desapontada, Anna imaginou o que teria acontecido.
Será que tinha esquecido tudo que havia acontecido entre eles? Será que se
desligava de todos os sentimentos com essa facilidade? Ou será que a noite anterior,
para ele, não tinha passado de. uma brincadeira?
O orgulho a impediu de perguntar. Provavelmente ele tinha coisas mais sérias
em que pensar. Além do mais, ela já estava acostumada com os silêncios dele. Eram
parte de sua rotina de trabalho.
Já que Paul não queria conversar, se contentou em observar as mãos dele na
direção. Tinha vontade de tocá-las, sentir os dedos dele apertando os seus,
convulsivamente, como na noite anterior. Olhou para as próprias mãos, cruzadas no
colo.
— Céus.. . esta estrada não acaba mais! Paul reclamou. — Para que tantas
curvas. . . será que não podiam ter feito uma linha reta? Você deve achá-la muito
perigosa. Não dá para ver o que vem depois de cada curva.
— Sei por que ela é assim cheia de curvas. Há uma explicação que li numa das
revistas daqui. É porque a estrada foi feita através da floresta e tem todas estas curvas
para evitar a derrubada de arvores mais velhas. Dizem que os monges usavam este
caminho, para o mosteiro.
— Ah. . . — ele se virou e riu — que explicação simples! Eu já devia ter
imaginado que uma garota prática como você saberia a resposta para a minha dúvida.
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— Tenho que ser prática.


— Eu sei, mas você tem muitas outras qualidades que admiro. — A voz dele
estava mais suave. — Você é amorosa e sensível,
Anna. Gentil como todas as mulheres deveriam ser, e forte, quando é
necessário. É inteligente também. Uma garota de quem qualquer homem se
orgulharia. E muito mais! Vai ser muito interessante descobrir suas qualidades uma a
uma.
— Ora, Paul. . . — Mal podia falar de tanta emoção. Impulsivamente, segurou o
braço dele, sentindo os músculos rijos.
Logo surgiram os muros do hospital e ela se afastou, quando o carro chegou ao
portão. Ele estacionou na vaga reservada a ele.
— Seu carro vai ficar pronto hoje?
— Sim, à tarde. Eles o trarão aqui, para mim.
— Õtimo! Acho que vou sair tarde hoje. Parece que tenho um longo dia pela
frente.. . mas já estou acostumado.
— Oh. . . — disse, aborrecida. — E vai entrar cedo por minha causa?
— Não se preocupe com isso. Queria beijá-la agora, mas não vou dar a
ninguém a oportunidade de discutir nossa vida pessoal. Sei que também não quer
isso; portanto vamos nos comportar. Tenha um bom dia.
— Você também. — Ela abriu a porta e sentiu levemente o cheiro da colônia
dele. Talvez fosse Monsieur Givenchi, pois conhecia aquele perfume. Tinha dado o
sabonete da mesma marca de presente ao pai.
Era terrivelmente difícil sair assim, sem tocar o rosto dele, sem beijá-lo, depois
de estarem tão próximos.
Mas sabia que precisava desistir dessa idéia. Mais tarde, quando se lembrou
daquele momento, ficou espantada de sua impulsividade, ao segurar o braço dele.
Afinal, na noite passada, pareceu perfeitamente natural. Hoje, tudo estava diferente,
como se ambos estivessem fora do lugar certo.
Anna entrou no hospital pela porta das enfermeiras e logo encontrou Jill Slade.
— Será que vi você chegando no carro do dr. Keslar?
— Sabe que viu.
— Onde ele pegou você?
— Ora, no caminho. Meu carro está no conserto.
— Entendo. Ele chegou cedo, não?, Talvez tenha antecipado alguma consulta.
Vai operar esta manhã?
— Sim.
— Gostaria de ir ao hospital de doenças respiratórias, ver se há uma vaga para
o próximo outono. O que acha? Eu ainda não me decidi, mas sinto que preciso de uma
mudança, Anna. Já estou cansada daqui.
— Por que Jill? Está mesmo falando sério?
— Estou. E acho que um dos motivos é a condução. Não vou aguentar outro
inverno parada em pontos de ônibus e não dirijo bem. Um dos hospitais de doenças
respiratórias é perto da minha casa. Talvez seja fácil conseguir transferência. Além do
mais, minha mãe precisa de ajuda em casa. Está com problemas...
— Oh. .. Sinto muito. Nesse caso, por que não fala com o diretor? Sei que
estão sempre precisando de boas enfermeiras lá.
— Realmente, ainda não sei. . .
— Vamos, fique mais alegre. Parece não estar num de seus melhores dias, Jíll.
E o sol está brilhando tanto, lá fora! Talvez esta seja mesmo a solução certa. Você
precisa de uma mudança. .
— Eu sei. Mas acho que continuarei fechada dentro de quatro paredes,
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fazendo as mesmas coisas. . .


— Você precisa tomar essa decisão com cuidado.
—- Isso significa que terei de conversar com a sra. Parkinson hoje,
— Certo. Tenho que estar na Enfermaria Rowan daqui a cinco minutos. Avise-
me sobre o que resolver.
Sem esperar o elevador, Anna subiu a escada chegando na enfermaria
sorridente e animada. Cumprimentou vários pacientes e caminhou até sua mesa.
— Olá! — ouviu George Bray cumprimentando, enquanto passava. Depois ele
se virou para o rapaz do leito vizinho c disse: — Ela é muito bonita, não? Temos que
ficar agradecidos, quando somos atendidos por enfermeiras assim.
Para um homem que acabou de amputar a perna, Anna pensou, ele até que
está bem animado. Sentiu-se humilde c agradecida. Decidiu pegar as folhas dos
relatórios e analisá-las rapidamente junto com a enfermeira que tinha estado de
plantão à noite.
A enfermeira-chefe teria uma reunião às dez e Anna precisava trabalhar pelas
duas, distribuindo tarefas e fazendo sua parte Vários pacientes que iam ser operados
tinham de ser preparados e acompanhados. Não havia espaço para erros, ali.
Apesar disso ela se sentia animada por causa de sua paixão por Paul. Em
algum lugar, havia uma sensação indefinida de felicidade. Não queria analisar coisa
alguma, só desejava que nada atrapalhasse a descoberta do amor que sentiam um
pelo outro. Amava tanto Paul, que esse sentimento até a fazia sofrer fisicamente,
quando ele estava longe.
Sozinha na cozinha, agora, media o leite para os pacientes de dieta e sentiu
que uma certa fraqueza à dominava. Sabia exatamente o que a atormentava.
Simplesmente tinha esperado que Paul a recebesse um pouco mais carinhosamente e
com alegria, naquela manhã. Em vez disso, ele tinha acentuado ainda mais a
necessidade de manterem em segredo o que sentiam um pelo outro. Por quê? A não
ser que a descoberta do amor o deixasse embaraçado. Era possível. . .
Então, o que ela estava esperando? Será que ia querer que ele anunciasse um
noivado ou algo mais definitivo? Como podia ser tão ingénua? ela se perguntou.
Pensar nisso era muito prematuro. Era querer apressar as coisas. Ele não tinha dito
nada sobre partilhar o futuro com ela. Anna simplesmente estava tirando conclusões
por conta própria.
Como seus sentimentos por Paul eram tão especiais, esperava ser
correspondida do mesmo modo. Estremeceu ao lembrar a conversa da noite anterior,
quando ele disse que era dez anos mais velho.
— Você é a única pessoa com quem sinto vontade de passar o resto de minha
vida — tinha dito a ele. — Nada mais importa, não é?
Paul tinha sido sincero disso, estava segura. Naquele momento,pareciam parte
um do outro. Por que hoje ele estava tão controlado? Será que se arrependia de
alguma coisa? Ou era só imaginação de Anna e hoje ele estava mais preocupado com
os problemas profissionais?
Procurando se concentrar no trabalho, Anna tentou esquecer as dúvidas. Claro
que Paul a amava! Ele tinha dito isso. Não teria falado, se não sentisse. Não era
hipócrita. As palavras dele deviam ser suficientes para lhe dar segurança.
A porta se abriu e a enfermeira-chefe entrou, preocupada, Anna sentiu que
precisava controlar sua imaginação. Afinal, estava trabalhando e não teria nem um
minuto de folga, naquele dia.
Uma paciente tinha sido operada dos rins e estava com problemas sérios.
Precisava de observação constante. Anna ocupou-se dessa tarefa e só na hora do
almoço a enfermeira-chefe a substituiu. Quando Anna voltou, Paul e a dra. Lancing
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estavam ao lado do balão de oxigênio.


O coração dela deu um pulo c Paul olhou-a profundamente, en quanto dizia
algo sobre o paciente.
Ele é tão gentil!, Anna pensou, com ternura. Não irá embora en quanto não tiver
certeza de que a sra. Priory está bem.
A enfermeira-chefe tinha saído e Anna começou a preencher os formulários de
rotina. Momentos depois, levantou os olhos e viu que Paul escrevia algo. Sua cabeça
inclinada, a postura dos ombros. . . tudo naquele corpo lhe era agora tão querido. Ele
a amava. Não era suficiente? Tinha que guardar aquele precioso segredo para si
mesma. Já era suficiente. Claro que Paul tinha todo o direito de não querer sua vida
comentada pelo pessoal do hospital.
Paul se aproximou e ela se levantou. Seus olhares se encontraram, mas só por
um breve momento. Ele desviou os olhos c Anna pro curou se controlar.
— A dra. Lancing vai ficar por aqui. Se precisar de alguma coi sa, pode
chamá-la. Dentro de uma hora tenho que estar numa reunião.
— Obrigada, dr. Keslar — respondeu, terminando o relatório so bre a sra.
Priory. Ele saiu, fechando a porta.
Uma hora depois, enquanto olhou pela janela, Anna viu seu car ro estacionado
lá embaixo, como o mecânico prometera. Aquilo lhe trazia de volta sua independência.
Parou para conversar com um novo paciente que reclamava da cama do hospital e
aproveitou para apresentá-lo aos vizinhos de leito.
— Não vai ficar aqui muito tempo — acalmou-o, abrindo um pouco a janela,
para deixar a brisa entrar.
Ao longe, na cidade, um relógio bateu cinco horas. Todos de viam estar
fechando os escritórios, pois estava quase no fim do dia. As coisas mais necessárias
já deviam ter sido feitas. Mesmo assim Anna concluiu que, se tivesse chance, não
mudaria de emprego.
A dra. Lancing entrou e sentou ao lado da mesa da enfermeira chefe, colocando
no colo as anotações que trazia.
— O relatório do sr. Jones. . . — disse, baixinho. — O dr. Lonsdale não pode
fazer nada. Ela foi suturada. . . e só. Infelizmente, o tumor está num estágio muito
adiantado, bem pior do que sus peitávamos. Não aparecia nas radiografias, mas. . .
— Oh. . . lamento tanto.
— Eu também. . . — Erika deu um longo suspiro e se levantou. —- Pode deixar
um recado para o sr. Jones? Peça para vir falar co migo, quando ele chegar para a
visita.
— Naturalmente.
Por um momento, ficou observando a doutora, que não parecia a mesma
mulher encantadora que tinha visto na festa. A médica saiu caminhando, desanimada,
e mais uma vez percebeu que a me dicina era uma profissão profundamente
desgastante.
Não conseguiu ficar alegre nem quando a noite se aproximou. Além das
conversas com os pacientes, nada mais a divertia. Agora, a corversa que tinha tido
com Paul assumiu proporções mais sé rias. Tinha esperado tanto aquele dia!
Entretanto, estava sendo com-pletamente diferente do que imaginara. Na noite
anterior, se sentia segura emocionalmente. Mas agora, acontecia exatamente o
oposto.
Ainda estava aborrecida, quando parou o carro na garagem de sua casa. Shane
se aproximou, pulando, e ela o acariciou, distraída. Entrou na cozinha e se serviu de
um Martini, xingando, baixinho, quando os cubos de gelo se espalharam pela mesa.
A avó saíra do quarto, ao ouvir os latidos de Shane, e agora olhava preocupada
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

para a neta, mas sem dizer nada. Mas, momentos depois, enquanto preparava o
jantar, perguntou:
— O que foi querida? Não teve um bom dia?
— Nem sei... — Depois, olhou consternada para a avó e ten tou remediar: —
Desculpe, vovó. — Levantou para ajudá-la a cor tar os cogumelos para a omelete. —
Na verdade, não tenho nenhum motivo para afirmar que o dia não foi bom. O problema
é comigo. Sinto-me esquisita.
— Não é de seu feitio...
— Eu sei. Sabe?, eu devia estar feliz da vida. E estava. Mas algo mudou.
Oh. . . é a vida. Um minuto de sol e outro de nuvens escuras.
— Não quer me dizer qual é o problema? Alguma coisa com Paul?
— Como sabe?
— Minha querida, não sou cega. Pensei que fosse me dizer que estão
apaixonados. Mas parece que não é bem isso. . .
— Eu estou... — Anna disse, sem pensar. Seus olhos ficaram pensativos e
sonhadores por um momento, enquanto recordava no vamente a noite anterior. —É
tão incrível, vovó.
— Não há nada de incrível nisso. Vocês parecem feitos um para o outro e acho
que ele também está apaixonado. Pelo que pude ver, Paul se sentiu atraído por você
desde o início. Por que essa desanimação agora? Há algum problema?
__ Não, claro que não. Só que não conseguimos conversar mui to hoje. E tudo
aconteceu tão depressa, ontem.
— Seus pais vão ficar encantados.
— Não diga nada a eles por enquanto.
— Vão ficar noivos ou não?
— Não sei.
— Bem, Paul deve ter um sentimento muito sério e profundo por você, pois,
quando conversou comigo sobre o pai que mora em Gales, disse que não pretendia
casar nem se estabelecer definitiva mente por uma série de razões.
— Ele falou quais, vovó?
— Principalmente por causa do pai, acho. Ele sustenta a casa, em Gales. É a
casa da família, onde o pai mora com uma enfermei ra, uma empregada e um
jardineiro. Paul tem que manter também o próprio apartamento, o que não é fácil. Ele
é um jovem muito dedicado, Anna, e planeja se tornar um médico conhecido antes de
pensar em constituir uma família. Obviamente você deve ter feito com que mudasse
de ideia.
__ Não, acho que não. — Anna se levantou e foi para o -quarto, pensando no
que a avó tinha dito. Ela o apreciava também e, com a sra. Jane, Paul tinha se aberto
com mais facilidade, talvez por causa da idade dela. -
Agora, sentia-se nervosa. Paul não tinha dito uma palavra que lhe desse o
direito de fazer planos para os dois. Dissera simplesmen te que a amava. Sabia que a
desejava também. Sentia a saudade dele. Queria estar naqueles braços.
Bem, se Paul preferia as coisas assim, o que ela poderia dizer? Sabia que nada
podia se interpor entre eles. O que sentiam era profundo demais. Perturbada com
suas novas emoções, Anna estava se sentindo um pouco esquisita. Era a primeira vez
que aquilo ihe acontecia, e não sabia ainda como manter a calma e aguardar a ini
ciativa dele.
Trocou de roupa e foi passear, com Shane. O bosque era o único lugar onde
sua calma voltava e ela parecia a mesma Anna de sempre.
Mais tarde, depois de cuidar do jardim, entrou em casa e tomou um banho.
Estava procurando um livro, quando o telefone tocou.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

— Anna? — Percebeu um tom de intimidade naquela voz.


— É você, Paul? — O coração dela bateu mais depressa.
— Pensei que já estivesse dormindo. Acabei de chegar. Você pa recia tão
distante hoje! Tive que me convencer de que era só im pressão minha. O que esteve
fazendo?
— Ia ler um pouco. Acabei de tomar banho. Estou muito feliz, agora, ouvindo
sua voz.
— Minha querida! Esta é a hora em que mais preciso de você. Procurei afastá-
la do pensamento o dia inteiro. Mas sua voz. . . seu corpo., . seu rosto... tudo
sempre voltava à minha mente. Na reunião desta noite, eu já nem prestava mais
atenção em nada. Tinha uma estudante na terceira fila, com os cabelos da cor dos
seus. Anna, assim não vai dar. Temos que tomar uma decisão. Sou um homem
apaixonado, como nunca fui antes... e não vou deixá-la escapar.
Ela ria e chorava ao mesmo tempo.
— Paul. . . estou tão contente! Sabe?, pensei que não gostasse mais de
mim.. . e você gosta. Por favor, não deixe nunca de me amar desse jeito. Descobri
que sou muito romântica e acho que você também é. Obrigada por ter telefonado.
— Durma bem, Anna. Vejo você amanhã. Boa noite, querida.
— Boa noite -— ela repetiu, e, com os olhos muito brilhantes, sentiu que a
felicidade invadia todo seu corpo.
— Paul telefonou ontem à noite — disse a Jane, no café da manhã.
-— Ainda bem. Espero que tenha dormido, depois disso. Você pa rece ótima
esta manhã.
—■ Estou me sentindo maravilhosa. Ho'e vai ser um ótimo dia e vou trabalhar
de vestido azul. Trocarei de roupa no hospital.
Paul viu quando ela desceu do carro. Ele também estava no estacionamcnto. O
vestido azul de Anna era lindo. Achou-a a mulher mais feminina que conhecia. E linda,
também. Ele a queria como sua esposa. Ah, se tudo fosse tão simples...
Ficou olhando até ela desaparecer pela porta das enfermeiras. De pois, pegou a
maleta e trancou o carro. Tinha chegado cedo, naque la manhã, para colocar em dia
algumas anotações e ler os relató rios sobre os pacientes da Enfermaria Rowan. Havia
casos ali que estavam desafiando sua capacidade, e também a do dr. Lonsdale.
Enquanto isso, Anna trocou algumas palavras com Margot, a en fermeira da
cirurgia.
— Já viu o novo anestesista? O dr. Eyre? — a moça pergun tou. — Oh... — A
touca escorregou de sua cabeça — esta coisa sempre cai, quando estou auxiliando na
cirurgia. Ai, Anna, ele tem um bigode encantador e é tão bonitão! Parece simpático, do
tipo misterioso. E é um ótimo profissional. E você, como vai? Continua na Rowan?
Anna fez que sim e caminhou para a porta.
— Conversamos depois.
Mais tarde, o dr. Lonsdale e Paul apareceram para examinar alguns pacientes
operados e a enfermeira-chefe passou instruções detalhadas a Anna sobre o
tratamento deles.
No fim da tarde, ela deveria assistir a uma palestra. Quando o conferencista
terminou, Anna percebeu que Paul estava lá. Que es tranho! O que cie podia aprender
sobre enfermagem, que ainda não soubesse? Mas logo descobriu que ele só tinha ido
para conversar com o dr. Roberts.
Quando ia saindo? Paul se aproximou, sorrindo.
— Olá, enfermeira. Eu estava indo para a Enfermaria Rowan. Se esperar um
minuto. . .
— Claro, dr. Keslar.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Parou no corredor, analisando as anotações que havia feito sobre a palestra,


em seguida começaram a caminhar juntos.
— Vamos nos encontrar amanhã à noite? — ele perguntou, bai xinho. Aquele
corredor era muito movimentado e havia vários mé dicos andando por ali, no
momento.
— Eu gostaria muito. Vai me buscar em casa?
— Sim. Passo para pegá-la às oito. Talvez queira ver onde moro.
Acho que precisamos conversar sobre nós dois, concorda?
— Sim. — Baixou os olhos. — Estarei pronta às oito, esperando você, Paul.
A enfermeira-chefe, que saía de uma das salas, não viu nada fora do comum e
segurou a porta para Anna, que entrou na enfermaria e foi direto para sua mesa.
Ao se despedirem, Paul a tinha tocado no ombro. Não foi uma longa carícia,
mas para Anna representava muito. Estava emocio nada e não podia esconder.
Lembrou sorrindo da enfermeira-chefe, levantou, pegando os relatórios sobre os
pacientes. Tinha que con tinuar o trabalho.

CAPITULO VII

Foi até bom Paul não ter tido oportunidade de visitar a Enfer maria Rowan, no
dia seguinte, porque Anna viu que a enfermeira-chefe, de vez em quando, olhava para
ela intrigada. Será que os olhares eram um aviso para ser mais discreta? Talvez o
brilho de seus olhos tivesse deixado a outra desconfiada. Anna sabia que, em todos os
hospitais, a regra para as enfermeiras era evitar envolvimen tos com os médicos.
Só viu Paul por um momento, quando voltou do dispensário, de pois do almoço.
Ele e a dra. Lancing saíam da sala de refeições, juntos, conversando. Paul a ouvia,
com a testa ligeiramente franzida.
Anna ia entrar em outro corredor, para ver um dos doentes, quando uma
paciente que voltava de um exame de rotina chamou
sua atenção.
— Sou eu, enfermeira Forster! Nunca vou esquecer de você.
Mas. . . acho que esqueceu de mim.
— Oh, Lucy! Claro que não esqueci.
— Eu sei. Estava cobiçando aquele médico atraente? Mas ele já tem
companhia.. .
— Como vai, Lucy?
— Estou bem, querida. Na verdade, pensei que ia morrer dessa vez. Mas acho
que ainda não chegou a hora. Ah, você foi tão boa para mim!
— Estou contente em ver que já sarou. Venha nos ver sempre, e cuide-se.
Tenho que correr agora: a enfermeira-chefe está espe rando por mim. Até logo, Lucy!
Paul e Erika tinham desaparecido. Anna subiu, pensando nas compensações da
profissão. Agora, por exemplo, vendo Lucy, que tinha perdido a perna esquerda e
andava calmamente com sua mu leta, se sentia recompensada. Havia se envolvido
bastante com ela, tentando reanimá-la e devolver sua vontade de viver.
Tinha sido gostoso ver Paul outra vez. Na noite anterior, ao tele fone, a voz dele
estava cheia de emoção. O modo como tinha pro nunciado seu nome... E nessa
noite... só os dois, no apartamen to dele, sem ninguém por perto para observá-los nem
interromper. . . Parecia que tinha passado tanto tempo, desde aquela noite no bosque..
.
Já não se ressentia mais com a presença constante de Erika, sa bendo que o
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

relacionamento dos dois era puramente profissional. Entretanto, a níédica não sabia
que ela e Paul estavam apaixonados, e era preciso agir com cuidado, quando
estivesse por perto.
Mas Erika já devia ter desconfiado. Qualquer um que prestasse atenção poderia
ver nos olhos de Anna quanto ela o adorava.
A enfermeira-chefe estava esperando e pediu alguns remédios. Anna afastou
Paul da mente.
— O dr. Lonsdale pediu exames do sr. Randal, enfermeira. Por favor,
providencie os de rotina. A dra. Lancing vai voltar daqui a pouco para ver o resultado
de alguns exames de sangue.
— Está bem. Talvez eu peça à enfermeira Osman para me aju dar. Ela ainda
não tem muita prática, mas acho que é bastante res ponsável.
— Também acho. Mas, pelo amor de Deus, fique perto dela. Não quero
problemas...
Anna voltou à enfermaria, momentos mais tarde, e viu que alguns pacientes
dormiam. Outros observavam o relógio, esperando o horá rio de visitas. Aproximou-se
de um dos leitos.
— Vamos precisar fazer uns exames de rotina. A dra. Lancing quer analisar o
nível de colesterol de seu sangue. Oh. .. vou deixar as visitas entrarem.
Ouviu as vozes na sala de espera e foi abrir a porta. Ao voltar, encontrou a
enfermeira-estagiária, trocando alguns curativos. Esta, pelo menos, tinha jeito com os
pacientes e era muito gentil.
— Certo, enfermeira. Enquanto eu termino aqui, por favor, faça um chá para
nós, Oh, céus! Ajude o sr. Lane a se vestir. O que ele pensa que está fazendo com a
calça do pijama?
Esse paciente dormia diante da televisão, esquecido da perna que tinha
perdido. As amputações eram casos de rotina na Enfermaria Rowan, e as únicas
palavras que Anna conseguia dizer aos pacientes para ajudá-los a sair da frustração
eram:
— Viva um dia de cada vez. Amanhã será sempre melhor. Você vai conseguir.
Todos conseguem. Seja corajoso.
E todos melhoravam, porque dividiam com ela suas dores.
Demorou muito para que Anna pudesse sair da depressão, diante desses
casos. Tinha que esquecer tudo aquilo, quando saía do hospital.
Lembrou o encontro que teria à noite, com Paul, e ficou ansio sa para ir embora,
principalmente depois de ver que o carro dele já não estava mais no estacionamento.
Ia voar para casa o mais de pressa possível.
Depois do banho suspirou, aliviada. Vestiu-se e ficou imaginando como seria
delicioso conhecer o apartamento dele. Estava também um pouco apreensiva. Mas
por quê? Não sabia. Não sabia se iam jantar antes ou depois de irem ao apartamento.
Por isso, resolveu comer um sanduíche. A avó tinha saído para visitar uns amigos na
cidade e só voltaria bem tarde.
Havia outra carta de sua mãe, com o selo da Islândia, e Anna leu enquanto
esperava por Paul. Faltavam só cinco semanas para suas férias. Os pais já tinham
comprado a passagem. Ia precisar de roupas novas e, apesar de não gostar de
liquidações, nesse ano teria que economizar. De repente, sentiu que não queria mais
ir. Não queria se afastar de Paul, quando tudo parecia tão promissor e tão
maravilhoso.
Ele entrou na alameda pouco antes das oito horas e ela viu as rosas brilhando
sob os faróis do carro. Shane foi pulando ao encon tro do médico e ela estendeu as
duas mãos para ele.
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Paul abraçou-a e caminhavam juntos até a casa. Só então, ele a apertou contra
o corpo num intenso abraço, e seus lábios se encon traram num beijo desesperado,
longo, profundo. Parecia que os dois corações iam parar, de tanta emoção. Finalmente
se separaram e ele murmurou, perto do rosto dela:
— Esperei tanto por isso, minha querida. É tão bom estar com você.
Agora, era ela quem procurava os lábios dele. E os encontrou, prontos, à
espera. Momentos depois, sentiram que a paixão crescia assustadoramente e ela se
afastou, sacudindo a cabeça.
— Paul. . . o que você vai pensar de mim? É que senti saudade o dia inteiro.
Fiquei com medo de que você não viesse. Agora que está aqui, não quero soltá-lo.
— Temos muitas horas para nós dois. E mais tarde vou lhe dizer o que penso
de você. Está pronta?
— Sim. Vou levar Shane para dentro. Minha avó saiu, mas ela Tem a chave.
— Ótimo! Espero no carro.
Saíram pelas estradas do povoado. Anna se virou e viu só a luz da cozinha
iluminada. Havia muitas flores silvestres por ali e as macieiras também começavam a
florir.
— Adoro morar aqui.
— É, seu pai fez uma ótima escolha. Este estilo de vida campes tre é muito
agradável.
— Você também acha?
— Eu cresci no interior. Portanto gosto muito.
— Provavelmente terá que escolher, um dia, um lugar para se acomodar. Se
quiser.
Ele riu e olhou para ela de lado.
— Ainda não cheguei a esse ponto, Anna. Não tenho condições de comprar
uma casa. Entretanto, as circunstâncias mudam muito. Vamos ver o que o futuro trará.
Acabei de chegar ao Hospital Cal derbury, e acho que ainda vou ficar algum tempo por
aqui. Mas nunca se sabe .
Os dois ficaram em silêncio. Ela pensou no que ele tinha dito. Será que estava
dando a entender que o relacionamento deles não era permanente? Se fosse isso,
como devia reagir? Por que se sentia tão insegura? Resolveu mudar de assunto e
disse:
— Recebi notícias da Islândia, hoje. Já compraram minha pas sagem para o
dia treze de julho. Não falta muito tempo.
— Vai na época certa. Está ansiosa pela viagem, não?
— Estou. Meus pais estão pagando tudo e estou muito grata, mas...
— Mas o quê, querida?
— Acho que não queria ir embora.
— Por quê?
— Não quero ficar longe de você.
— Ora... — Segurou a mão dela. — Você é a garota mais sur preendente que
conheço, e diz as coisas mais inesperadas. É tão sincera! Amo você. Mas também
terei que ir para Gales, logo, haverá uma separação de qualquer jeito.
— Eu sei. Não devia me preocupar. Você pode me achar uma adolescente
apaixonada pela primeira vez. É tudo tão sofrido...
Mas é como me sinto.
— Eu também — ele disse, baixinho. — Nunca me envolvi de mais. Quando a
coisa parecia estar saindo do meu controle, eu es capava. Portanto, esta experiência é
completamente nova para mim. O que deve surpreender você.
— Surpreende mesmo, Paul.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

— Chegamos — ele disse, parando diante de uma porteira na saída do vilarejo


e perto da igreja de pedra. Logo adiante, havia uma casa coberta de hera e rodeada
por um gramado verdinho.
— Aqui? — Anna não esperava que o apartamento fosse uma casa tão grande.
Tinha pensado num prédio. Aquela área era muito bem conservada, com casas
antigas e imponentes.
Ele deu a volta para abrir a porta.
— Sim, eu moro aqui. Aluguei o primeiro andar. Acho que vai gostar. A casa
pertence ao vigário.
Observando tudo à sua volta, Anna ficou um pouco triste. A casa tinha sido
dividida em muitos apartamentos, a julgar pelo número de carros lá fora.
Provavelmente, era o único meio de mantê-la.
Que pena!, pensou.
O nome de Paul estava num cartãozinho, na porta, e ela esperou que ele a
abrisse.
Viu uma mesa, posta para dois, no meio da sala de jantar.
— Vamos jantar aqui — perguntou, virundo-se para ele.
— Claro. Eu não avisei?
— Não. — Por nada no mundo i;i contar que já tinha tomado um lanche.
— Minha empregada preparou Mulo. A sopa só precisa ser aque cida, e há
uma torta de peixe no forno. - Ele abriu a geladeira. Temos também uma salada de
frutas que eu mesmo fiz.
— Verdade?
— Achei que seria gostoso depois de uma refeição quente.
— É adorável. Posso fazer alguma coisa?
— Não. — Ficou olhando para ela com um ar de admiração e adoração.
— Gostei do seu vestido.
— Obrigada. — Anna sorriu, satisfeita em ter escolhido aquele modelo. Por
intuição, achou que ele gostava de roupas simples e parecia ter ideias bem definidas
sobre elegância. Paul se aproximou, lentamente.
— Gosto de mulheres que parecem femininas... — murmurou, rouco. — E
você é feminina demais, minha querida.
Antes de servir o sherry, Paul a beijou. Depois, entregou-lhe 0 cálice cheio.
— A nós. . . —-brindou, sério.
—• A nós. ,
— Está feliz?
— Sim. Tão feliz que até dói,
— Querida.
Ele a tomou nos braços, beijando-a demoradamente. Durou tanto Tempo, que
Anna sentiu que estava perdendo o controle. Separou-se dele e disse, baixinho:
— Acho que estou sentindo cheiro de queimado.
— Pode ser. . . — Ele correu para a cozinha e pegou as luvas para tirar a torta
do forno. Anna sentou numa poltrona. — Droga. . . está quente demais! — ela o ouviu
reclamar.
Então, foi ajudá-lo.
— Pelo menos temos um médico em casa, caso você se queime. - disse,
pegando outro par de luvas. — Huirim, essa torta está linda.
Você chegou bem a tempo. Não se queimou, não é?
— Não, enfermeira. Vamos jantar? Estou morto de fome.
— Ôtimo! Peio menos, agora^ você parece um ser humano normal.
— E não pareço sempre?
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— Às vezes, não. A princípio, pensei que fosse inatingível, até ouvir você
conversar com um dos pacientes. Então, percebi que era uma pessoa muito gentil. Oh,
Paul, fiquei tão complexada naquele dia em que derrubei tudo!
— Eu ainda não sei o que aconteceu de errado. Será que a tem pestade
perturbou você? Acho que foi isso. E cansaço também. Você estava fazendo o
trabalho de duas enfermeiras. Sabe? desde aquele dia, conseguiu provocar uma
reação em mim. Era a última coisa que eu queria que acontecesse. : . E como foi com
você?
— Foi mais do que efeito da tempestade. Foi você. Fiquei apa vorada, com
medo de que percebesse o que provocava em mim.
— Por quê?
— Você sabe. Eu nem sonhava que iria me amar um dia.
— Foi a última coisa que passou pela minha cabeça, Anna. Mas, depois de três
dias, mal podia esperar para entrar no hospital, sa bendo que você estaria lá.
— Oh, Paul, eu não sabia. Não podia adivinhar o que você es tava pensando!
Ele se aproximou para tirar o prato de sopa, que ela já tinha
terminado.
— Logo começará a adivinhar, prometo.
Depois do jantar, quando a louça já estava guardada, Paul fez café e resolveu
servi-lo em outra sala. Colocou a bandeja sobre a mesinha baixa, diante do sofá, e
estendeu a mão para ela.
— Venha sentar aqui, Anna. Vamos ter uma conversa séria.
— Sobre nós?
Ele fez que sim com a cabeça.
— Quero lhe falar sobre meu pai e sobre o meu passado, porque só me
conhece no trabalho.
Instintivamente ela percebeu que havia algum problema. Era al guma
complicação. Tinha que ser, senão, ele não evitaria o amor por tanto tempo.
— Não é justo você não saber, meu bem. Mas não tive oportu nidade de
discutir esse assunto antes. Agora, quero lhe contar tudo porque se tornou uma
pessoa muito especial. Antes tudo era vazio. Eu só tinha o meu trabalho, Aprovoituvn
Iodos os minutos de folga para ler, estudar e assistir conferencias. Fiquei envolvido
demais com o trabalho. Adoro o que faço e costumava passar as noites com meus
livros de medicina. Agora, tenho que refazer meus planos. E você é parte deles.
— O que está tentando me dizer, Paul?
— Primeiro, quero lhe falar sobre meu pai e a doença dele. Papai depende de
mim. . . de certo modo. . .
— Financeiramente?
— Sim. Temos a casa em Gales, que ainda não está paga. . . mas quase.
Agora, sou responsável por ele e preciso manter também outra casa aqui. Meu pai era
médico. Tinha um consultório no in terior, bem popular. Morava fora da cidade, mas
todo mundo ia ao consultório dele, que ficava atrás do correio. Antes de se aposentar,
papai teve esclerose múltipla. Naturalmente, ficou sabendo da doen ça antes de todos.
— Oh, não, Paul! Que tristeza!
Ele continuou falando sobre o pai como se estivesse com um cole ga, usando
termos técnicos, e ela percebeu que o homem devia estar num processo de
degeneração acelerado. Devia ter pouco tempo de vida.
— Às vezes ele melhora, como no último outono. Mas levou um tombo e
fraturou o fémur. Está completamente imobilizado: parali sado das duas pernas.
Precisa de uma enfermeira em casa o tempo todo. Ela trabalhava com ele e há anos
cuida de papai com dedi cação. Sempre me dá notícias; agora, por exemplo, ele não
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está nada bem. A única coisa que o ajuda é seu amor pela casa e pelas mon tanhas
ao redor. Não posso tirar nada disso dele.
— E por que deveria tirar? A não ser que. . .
— Bem, com uma pequena renda e a minha contribuição, con seguimos nos
arranjar.Ele tem uma empregada, que foi uma de suas pacientes, e um jardineiro.Mas
Bronwen ligou para mim ontem à noite. . .
— Ela é a enfermeira?'
— Ê. Ela me disse que talvez eu devesse ir para casa neste fim de semana ou
no outro.
— Deve ser muito pior para ele porque, sendo médico, conhece todas as fases
da doença. Seu pai ainda consegue ler?
— Agora, não muito. Ele adorava ler. Era uma das recompen sas por ter tanto
tempo disponível, depois da doença. Tinha trans formado o quarto numa biblioteca.
Agora, é uma espécie de estúdio. Isso simplifica as coisas para as duas mulheres. E,
do quarto, ele tem uma linda vista do vale.
Por um momento, ela sentiu que Paul tinha saudade daquele lugar.
— Você também gosta dessa casa, não?
— Sim. Foi lá que nasci. Foi onde vivi com minha mãe, com meus amigos. Ê o
meu lar. Sempre vou gostar de lá. Quando é que quer conhecer meu pai, Anría? Quero
que vá, pois já falei a ele sobre você, pelo telefone. Ele não tem mais muito tempo.
Quer vir comigo? — Parecia estar implorando.
— Oh, eu adoraria, Paul! Você deve saber disso. Mas não sei. . . Quando será
sua folga? Neste fim de semana?
— Devo sair na tarde de sexta-feira e voltar no domingo. A via gem é de
poucas horas. As novas estradas são muito boas.
— Vou perguntar à enfermeira-chefe se pode me dispensar.
— Mas. . . precisa explicar por que quer dois dias de folga?
— Não sei. O que você acha que devo dizer?
— Minha querida, você é honesta demais. Sei que a verdade é sagrada, no seu
modo de entender.
— Bem, sempre podemos dar um jeitinho. Muitas vezes temos que dizer
meias-verdades aos pacientes, você sabe.
— É... eu sei.
Alguma coisa fez com que se aproximassem um do outro e, com um gemido,
Anna se atirou nos braços de Paul. A paixão dele revela va sua masculinidade
dominadora. Cada um procurava se controlar mais do que o outro. Anna nem sabia
que era capaz de sentimentos tão profundos; de desejar e sentir a falta física dele.
Foi Paul quem a soltou, ajudando-a a se levantar. Anna respirou fundo e sorriu.
— Querida, acho que é melhor ir buscar mais café para nós dois — disse,
curvando-se para beijar suavemente os lábios dela. — Depois vou levá-la depressa
para casa.
Anna se espreguiçou.
— Está bem, dr. Keslar. Como foi acontecer tudo isto com duas
l
pessoas que há pouco tempo nem se conheciam? Tenho medo de que seja um
sonho. Oh, Paul, é tão maravilhoso.. Não vamos deixar que acabe, sim? Eu não
aguentaria perder você.
— Não há nenhuma mulher tão maravilhosa como a minha querida Annabel.
Vamos ficar atentos para que nada estrague o que existe entre nós. Amo você...
nunca disse isso com tanta sinceridade. E vou continuar a amá-la por toda minha vida
Cada vez mais, à medida que o tempo passar. Teremos altos e baixos, mas, minha
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querida, tudo será maravilhoso, se estivermos juntos.


— Tenho certeza, Paul. — Acariciou o. rosto dele. — Amo você também, e
preciso de você. Quero estar a seu lado todos os dias ajudando e fazendo-o feliz.
Nada vai mudar meus sentimentos. Sei disso agora. Já não podia aguentar, sem ter
certeza se me amava...
— Então, venha me ajudar a fazer mais café. — Riu e abraçou-a pelos ombros.
Tomaram o novo café e ela reparou na decoração. A mobília era meio pesada,
mas havia poucas peças. Nas janelas, cortinas de veludo verde, desbotadas. O
carpete, cinza-esverdeado, também estava desbotado. Ele adivinhou os pensamentos
dela.
— Está querendo saber se tudo isso é meu? Não. Aluguei mobiliado. Só
algumas coisas são minhas. Os livros, por exemplo. Gostei da decoração. Ê
repousante, apesar de antiga, e bem diferente do que temos no hospital. A cozinha,
mesmo pequena, é ótima, e há um bom banheiro, atrás daquela porta. Mais um quarto
de vestir e o quarto principal.
— Adoro casas antigas. O passado é tão fascinante! Há muitas histórias aqui,
sabia?
— Nota-se uma atmosfera típica neste velho vilarejo. A igreja parece ser bem
antiga, mas ainda não entrei nela.
— Precisamos ir embora, Paul. Vovó já deve ter chegado e está sozinha em
casa.
— Claro. E amanhã você precisa levantar cedo.
— Eu amo você.
Paul acariciou seus lábios, gentilmente.
— Você não é igual a nenhuma outra garota que conheci. É surpreendente e
deliciosa. Num momento, parece uma mulher apaixonada; no outro, uma criança de
olhos arregalados e confiando demais em mim. — Puxou-a para perto. — Como foi
que a encontrei, Anna?
— Eu sabia que você existia, Paul. Só receava que não mo amasse tanto
quanto eu o amo. . .
Jane tinha deixado acesa a luz de fora para eles, Anna desceu na porta, como
se andasse sobre nuvens, e entrou. Ouviu o carro se afastando e parou na escada,
ainda encantada com o amor de Paul.
Seus últimos pensamentos antes de dormir foram para ele. Tinha que dar um
jeito de ir com Paul para Gales, conhecer o pai dele. Queria conhecer também a casa
de Gales, sua terra natal Amanhã ia decidir o que podia ser feito.
A enfermeira-chefe levantou os olhos, com ar dr animosidade quando ouviu o
pedido dela.
— Quer a sexta-feira também? E tem de sei dia 17
— Sim. Eu não pediria, se nao fosse tão importante
— Sim, eu sei. Mas na sexta-feira. . .
— Então, só à tarde. Preciso ir até Gales. . .
— Ah! Com o dr. Keslar? Ou não deveria perguntar?
— Oh, não faz mal! Sabe. . .
— Não diga. O que faz fora do hospital não é da minha conta, desde que
continue eficiente na enfermaria. Não quero saber de nada.
Mas Anna disse, baixinho:
— O dr. Keslar vai me levar para conhecer o pai dele, enfermeira. Não é nada
do que está pensando. Eu. . . não queria envolvê-la, mas não tenho nada a esconder.
Desculpe. í que o dr. Keslar é relativamente novo aqui. Eu disse aquilo para o
seu bem, pois acredito que logo ele será promovido. E não precisa me confirmar que
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

está apaixonada. Já percebi. Há boatos no hospital. Muito bem, pode ficar de folga no
fim de semana. Será que devo lhe dar os parabéns, ou ainda é cedo?
— Oh, por favor, será que pode manter tudo em segredo?
— Claro. Agora, vamos cuidar .do sr. Piper, que não está se sentindo bem.
Depois, dê uma olhada no sr. Jones. Precisamos de um relatório sobre ele, pois o dr.
Lonsdale virá logo, paia i segunda ronda.
— Sim, enfermeira.
Momentos depois, Anna voltava para perguntar:
— Pode me dar um minuto de atenção? Há sinais de inflamação no sr. Piper e
a temperatura dele está altíssima.
— Vamos até lá. — A enfermeira-chefe correu para o leito do paciente.
Fora do hospital, as duas tinham vidas particulares completamente diferentes. A
enfermeira-chefe cuidava da mãe, idosa e doente, e, no fundo, Anna achava que a
vida não tinha sido muito justa com ela, frustrando suas emoções e obrigando-a a
suportar pressões terríveis.
Para Anna, o fim de semana significava estar em companhia do amado. Ele era
exatamente o que toda mulher imaginava como homem perfeito. Já podia visualizar a
viagem pelo país de Gales a paisagem. Hum. . . como devia estar sendo invejada!
Ouviu vozes no corredor e percebeu que o dr. Lonsdale se aproximava. Ainda
bem que estava tudo pronto. Com os relatórios na mão, foi ao encontro dele.

CAPÍTULO VIII

A semana passou tão depressa que Anna mal percebeu o que acontecia no
hospital. A sra. Jane estava muito animada com os planos e tinha ficado contente ao
ver Paul com a neta duas vezes, à tarde, no jardim.
Anna pediu a Tim, seu irmão, que viesse fazer companhia à avó.
— Por quê?
— Fui convidada para ir até Gales e não quero deixá-la sozinha. Só Deus sabe
o que pode acontecer. Diga que sim, Tim. É muito importante para mim.
—-Está bem. Diga a ela para me esperar na sexta-feira.
— Obrigada. Vamos partir por volta das três horas. O dr. Keslar vai me levar
para conhecer o pai dele, que está doente...
— Vai mesmo? Lembra quando eu perguntei se ele ia ser meu cunhado?
— Tim, nós ainda não estamos nesse ponto. É segredo. Por favor, não conte a
ninguém.
— Mas, se a vovó já sabe...
— Ela não sabe muita coisa. E não falei nada para os nossos pais.
— Então vai ter que falar. Vou levar a moça mais atraente que já conheci. Acha
que posso?
— Claro — ela disse, curiosa. O irmão riu.
— Estou brincando, siia boba! Pode viajar, e divirta-se. Espero ser o primeiro a
saber da data do casamento.— Claro... ..— Até sexta.
A manha de sexta-feira estava linda e o dr. Lonsdale apareceu com Paul, para a
ronda. Anna teve que executar uma porção de tarefas fora da rotina e discutir
relatórios de pacientes com a enfer-meira-chefe. Mas à uma e meia, com a
colaboração da chefe e de toda a equipe, saiu e voltou para casa, sentindo-se
imensamente feliz.
Paul viria diretamente do hospital, pois já tinha deixado a mala no carro. Anna
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

pegou a jaqueta e desceu com sua mala, que tinha deixado pronta em cima da cama.
Escolheu para a viagem um vestido de algodão estampado de amarelo. Seu
rosto, ligeiramente bronzeado, não precisava de maquilagem. Só usou um pouquinho
de sombra nos olhos e um batom levemente rosado. Estava com os cabelos soltos e
muito brilhantes.. Nunca tinha se preocupado muito com a aparência, mas agora que-
ria ficar o mais bonita possível
— Espero que não esteja levando coisas demais — a avó aconselhou.Foi bom
terem escolhido este dia. Está lindo! Tim já chegou.
— Oh, vovó, estou tão feliz! -Mas, por favor, não diga nada a ninguém sobre
Paul e eu.
— Claro que não, querida. Mas me avise, quando chegar a hora de planejar o
casamento. Adoro ver pessoas apaixonadas; principalmente, quando uma delas é a
minha neta. Esperamos vocês de volta no domingo.
Anna abraçou a avó e se despediu do irmão. O carro de Paul se aproximou do
portão, e ela sentiu o coração acelerado.
— Como vai, sra. Forster?
— Muito bem, Paul. Tenham um bom fim de semana.
— Obrigado. Vai ser ótimo.
— Vamos, Anna?
— A viagem é longa? Você guia com cuidado?
Ele olhou para Anna, com ar divertido e paciente.
- Sim, guio com cuidado.
Os dois acenaram e Anna ficou comovida ao ver a avó com lágrimas nos olhos.
— Você vai ficar parecida com ela, quando envelhecer.
Anna sorriu, contente de estar ao lado dele e de sentir a brisa cariciando seu
rosto e seus cabelos.
Naquela noite, estariam na mesma casa. Teriam tanto sobre o que conversar.
Suspirou.
— Parece feliz — Paul comentou. — Nenhum problema, hoje?
— Nunca tive problemas — disse, indignada — Desculpe. Eu só estava
brincando.
— Eu sei. Estou muito feliz. Na verdade, tentando me recuperar de uma manhã
muito difícil. Você não acreditaria. Conseguiu almoçar
— Só um pouquinho. Vamos parar para um lanche daqui a pouco. A sra.
Hughes está nos esperando para o jantar; portanto, é melhor legarmos lá com fome.
Papai está ansioso também. Talvez eu não tívesse ter aceito um emprego tão longe de
Gales, mas agora já , tomei a decisão...
— Estou ansiosa para conhecer seu pai e ver sua casa.
— Será maravilhoso ter você lá, só para mim. — Segurou a mão dela com
força, e Anna fechou os olhos. Amar alguém daquele
jeíto era o paraíso. Mas não teve tempo de dizer nada, porque logo de soltou
sua mão para mudar a marcha. O tráfego não estava parado e dava para manter urna
velocidade média.
— Normalmente, evito as estradas principais. Gosto das secundarias, mas
hoje não podemos perder tempo. Vamos passar por Loss-on-Wye. Uma vez, passei
férias lá com meus avós. Vovô também era médico.
— Então, é uma vocação de família? Seguiu a carreira por vontade de seu pai,
ou você mesmo a escolheu?
— Acho que ninguém entra na medicina contra a vontade. Ê um curso longo e
cheio de frustrações, antes de se chegar aos exames finais. É preciso estudar durante
todos os minutos, sem perder nada. tive a sorte de não ser reprovado nem uma vez.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Até os piores professores gostaram das minhas provas. Sei que também tive sorte de
chegar onde cheguei. — Sorriu e olhou para ela rapidamente. — E você é urna ouvinte
maravilhosa, querida.
— Obrigada, Mas acho que não foi só sorte, Paul. No hospital, todas as
enfermeiras e médicos elogiam o seu trabalho. Dizem que é um cirurgião magnífico.
Acredito que seja. Gostaria de estar na sala de operações num dia em que você
operasse, mas parece que não vou sair mais da Enfermaria Rowan, Talvez um dia
consiga assistir a uma das suas operações, lá de longe, no anfiteatro.
— Gostaria que estivesse perto de mim, quando eu operasse,
— E se eu fosse assistir, sem lhe dizer nada?
— Eu saberia. Na verdade, a enfermeira da sala de operações é uma das
pessoas mais eficientes que já conheci. Um cirurgião tem que confiar muito na equipe.
Felizmente, no hospital, todos gostam muito do trabalho que fazem.
— Eu sei. Ê estranho, não? O trabalho é rotineiro, mas sempre há urria certa
dose de suspense. É preciso saber antecipadamente qual o instrumento que o
cirurgião vai precisar e. . . — sorriu —- não se pode derrubar nada. Sabe que durante
os seis meses em que trabalhei numa sala de operações, nunca derrubei nada?
Ele lembrou o primeiro encontro dos dois e riu.
— Por que veio para o Calderbury, Paul? Preferiu sair de um hospital grande
para trabalhar num menor e menos equipado. . . — Interrompeu-se. — Eu não devia
ter perguntado, desculpe. Deve haver razões de ética profissional envolvidas nisso.
— Sim. Não posso lhe contar tudo, Anna. A não ser que, como assistente do
círurgião-chefe, estou ganhando mais experiência. Logo poderei fazer as cirurgias
mais difíceis. Estou gostando muito do hospital.
— Acho que logo poderá assumir um cargo mais alto. É só aparecer uma
chance.
— Sim. Mas estamos falando demais em trabalho.
— Desculpe. Oh, não podemos parar para tomar um chá?
— Chá para você e café para mim. E uns doces deliciosos. Está bem?
— Está ótimo. Vamos escolher uma das mesinhas do jardim da casa de chá?
Depois da parada, logo estavam na estrada outra vez passando por Ross-on-
Wye. Paul apontou os lugares mais importantes e mostrou a casa onde seus avós
tinham morado. Apontou a montanha que ele costumava escalar e o rio onde pescava.
Agora, não parecia mais preocupado e seu sorriso lembrava o de um garoto. — Vamos
direto para casa — disse, logo ao saírem da cidadezinha.
— Não quer que eu dirija um pouco para você poder descansar?
— Estou acostumado com essa estrada e gosto de dirigir. Talvez, na volta. —
Olhou o relógio. — Vamos chegar antes das oito.
Ela se recostou e ficou apreciando a paisagem. Nenhum dos dois falou mais
nada, mas não tinha importância. Havia uma sensação de intimidade entre eles que
tornava aquele silêncio adorável
Eram quase oito horas e ele falou, animado:
— Depois daquelas montanhas você já pode ver a casa.
Havia um caminho subindo até o meio da montanha e, mais adiante, um vale
cheio de plantações de milho.
— É mesmo uma montanha! Pensei que fosse só um morrinho. Está coberta
de grama. Como fazem para podá-la?
-— São os carneiros que comem a grama. — Riu do olhar de admiração dela.
— E é muito mais alto do que imagina, querida. Espere até chegarmos mais perto.
Outro atalho saía da estrada e ia em direção ao vale. Ela viu uma ponte de
pedras e o rio brilhando sob os últimos raios do sol. Agora já conseguia avistar os
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carneiros na montanha, mas tudo ainda muito distante.


— Paul, que lugar lindo... — Suspirou e se encostou no ombro dele. — Mas
não vejo outras casas.
-— O vilarejo fica a quilômetros. Aqui só há as choupanas dos pastores. Mas
não pode vê-las. Estão escondidas pelas árvores do bosque.
— Como os carneiros conseguem se equilibrar nessa encosta íngreme?
— Quando eu era pequeno, fazia a mesma pergunta. E me respondiam que os
carneiros de Gales têm as pernas da frente mais curtas, para poderem se equilibrar
nas montanhas. Eu acreditei, até descobrir por mim mesmo que não era verdade.
Adoro ver a casa dali. Vamos dar a volta e chegar pelos fundos. Acho que já nos
viram. Sim. . . Bronwen esta acenando. Ela está no quarto de papai, aquele com porta
para o jardim. Acene também. . ,
Anna acenou, impaciente para chegar.
Bronwen e a sra. Hughes, a empregada, estavam esperando na entrada e
cumprimentaram Paul com prazer. Ambas pareciam muito satisfeitas por conhecer a
garota que ele estava trazendo.
— Então, deve ser sério... — Bronwen tinha comentado, enquanto tomavam
chá sozinhas, naquela tarde,
— Esta é Anna — Paul apresentou, orgulhoso, quando chegaram. Depois foi
buscar as malas no carro e parou para conversar rapidamente com Bronwen, antes de
chamar Anna para apresentá-la ao pai,
— Ele está esperando você. Ê melhor ir vê-lo logo — a sra. Bronwen disse. —
Acabei de colocá-lo na cama.
O coração de Anna se acelerou e ela sentiu-se emocionada ao notar o olhar de
afeição do pai de Paul. Agora, as oportunidades de rever o filho deviam ser bem
poucas, O velho estava recostado em vários travesseiros com fronhas bordadas e seu
rosto lembrava o de Paul
— Então, essa é Anna...
Ela se aproximou, um pouco intimidada.
— Como vai, senhor?
Ele inclinou a cabeça. Ela era enfermeira, não havia necessidade de
explicações entre os dois.
— Contente que tenha vindo com meu filho. Estava ansioso para conhecê-la.
— Virou-se para Paul. — é uma linda moça... como você disse.
O homem estava visivelmente exausto e seus olhos se fecharam contra sua
vontade.
— Sente muitas dores, papai? .— Às vezes....
— Descanse agora. Vamos jantar.- A sra. Hughes disse que já ia servir. Depois
eu volto.
— Ótimo. — O velho disse, com esforço.
Na sala havia uma lareira acesa e uma luz suave no abajur. Era um aposento
tranquilo e aconchegante, com as paredes forradas de papel rosado e tapete vermelho
no chão. Um aposento onde o velho dr. Keslar devia ter sido feliz. Ali estava sua
poltrona, seus quadros favoritos e, na janela, uma paisagem maravilhosa das
montanhas.
Anna foi até a porta e viu que o sol já tinha se posto e havia neblina nas
montanhas. Quando Paul chegou, passaram para a sala de jantar e Bronwen seguiu-
os,
— O que achou, Paul? — a enfermeira perguntou.
— O mesmo que você e o dr. Willian. Por favor, avise a sra. Hughes que pode
servir o jantar. Anna, se você quiser lavar as mãos e conhecer o seu quarto...
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

— Sim, volto num minuto.


— Bronwen vai acompanhá-la.
— Por aqui, meu bem.
Anna seguiu a enfermeira por uma escada de madeira e logo estava num
quarto com vista para o vale.
— O banheiro é naquela porta. Se precisar de alguma coisa, é só pedir. Sabe
voltar para a sala sozinha?
— Sim, obrigada, Bronwen. Posso chamá-la assim?
— Claro. Você também é enfermeira. Paul me contou.
— Sim. Se eu puder ajudar em alguma coisa, enquanto estiver aqui, é só falar.
Se quiser ficar de folga neste fim de semana, tenho certeza de que Paul e eu nos
arranjaremos sozinhos. Quando são as suas folgas?
— Tenho poucas, mas agora isso não é importante. Preciso estar sempre por
perto.
Depois do jantar, Anna disse que ia para o quarto desfazer a mala.
— Sei que quer ficar com seu pai. Bronwen vai prepará-lo para dormir e logo
poderão conversar.
Paul segurou a mão dela.
— Vou conversar com ele alguns minutos. Depois, quero que venha ficar
comigo.
— Certo.
Anna correu para o quarto, pensando que tudo aquilo parecia um sonho,
Minutos depois, ela descia. Lá fora, a névoa dava um ar irreal à paisagem. Ali
estava ela. Na casa de Paul. Sentia-se ainda mais per-
to dele, conhecendo seu passado e seu presente. Agora sabia que Paul não a
atraía apenas fisicamente. Gostava de tudo nele, até mesmo da imagem que fazia,
quando garotinho.
Estava ansiosa para ficarem a sós. Queria beijá-lo como tinham se beijado
naquele dia, no bosque próximo de sua casa.
Sentia-se diferente. Era como se pertencesse a alguém. Como se sua vida
agora tivesse um outro sentido. E o mais importante é que Paul a amava também.
Não me importo com o futuro, pensou. Não me importo em casar com ele. Só
quero que fiquemos juntos. O que você pedir Paul. . .
Mas sabia que nunca conseguiria dizer isso a ele. Era uma linha que não
conseguiria atravessar. Não ia aguentar ver o ar distante e preocupado dele. Precisava
esperar até que ele se decidisse. Amar era algo doloroso e por causa de seu
temperamento impulsivo, Anna queria resolver tudo depressa. Lembrou daquela noite
no apartamento dele. Sabia o que aconteceria, quando chegasse o momento certo.
Abriu a porta da sala e saiu no ar frio da noite, ainda pensando em seu amor.
Viu a sra. Hughes vendo televisão na cozinha e imaginou Paul conversando com o pai.
De repente, estremeceu e se virou para entrar.
Paul tinha acabado de descer e vinha ao encontro dela:
— O que está fazendo aí? Vai morrer de frio! E deixou a porta aberta! Quase
apagou a lareira.
— Não fique aborrecido. Foi curiosidade minha. Tive vontade de olhar a
paisagem e saí.
Ele se aproximou mais.
— Fiquei aborrecido porque não sabia onde você estava. Venha para perto do
fogo. Vou buscar um drinque para nós.
Enquanto ele ia até o bar, ela sentou perto da lareira e pensou naquela casa.
Tinha sido o cenário de casamentos duradouros. Trazia a marca de pessoas que se
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amaram muito. Nas paredes e sobre os móveis havia porta-retratos com velhas
fotografias. Paul sentou a seu lado, suspirando.
— Eu tinha esquecido como era a casa.
Anna pegou um dos retratos, no qual ele aparecia em uniforme de escola.
Virou-se, segurando a foto com as duas mãos, e beijou Paul no rosto. Ele se curvou, e
o beijo se tornou íntimo e profundo. Paul colocou o porta-retrato sobre a mesa e a
abraçou com força.
— Oh? minha Anna.., você é tão linda! O que vai acontecer conosco?
— O que você acha, dr. Keslar?
Ele se curvou e a beijou tanto, que o coração dela disparou violentamente.
Nunca tinha sentido nada assim, e se apoiou nele, tremula.
Paul pareceu surpreso, mas o beijo ficou ainda mais profundo e exigente. Só se
separaram quando ouviram os passos da sra. Hughes, no corredor.
Ela não pensou em bater antes de entrar e ficou embaraçada ao ver os dois se
separando, trêmulos.
—- O que foi, sra. Hughes?
Anna se afastou, envergonhada.
— Só queria saber se vão precisar de alguma coisa antes que eu vá para a
cama.
— Não, obrigado — ele disse, recuperando-se rapidamente.
— Sirvo o café da manhã às oito, como sempre?
— Sim, está bem.
— Vão querer café na cama?
— Não, para mim. Se Atina quiser..,
— Não obrigada, sra. Hughes. -— Ela agora estava sorrindo, mais controlada.
— Então, boa noite. Não esqueçam de apagar as luzes.
— Claro. Boa noite.
Ela saiu discretamente e Paul riu.
— Oh, céus, é como se alguém tivesse me visto beijando você às escondidas,
depois de cabular a aula na escola.
— Tive a mesma impressão. Ela ficou muito chocada. — Acho que gostou de
ver aquele beijo.
Anna foi até a janela e ele se aproximou.
— Está fascinada com a paisagem, não?
— Sim. Sinto que aquelas montanhas sabem muitas coisas... elas têm um ar
de sabedoria...
— Sabem mesmo. — Abraçou-a, sorrindo. —- Sabem tudo sobre a minha
infância. Cresci subindo nelas. Quer ir dormir, agora?
— Que sugestão, dr. Keslar!
— Todos já foram para a cama.
.— Sim, você deve estar cansado. Foi uma longa viagem, não?
— Foi. Então... - vamos?
Ela concordou e observou-o apagar as luzes da casa e o fogo da lareira.
Subiram juntos. Diante da porta do quarto dela, ele a beijou com força e
murmurou:
— Boa noite. Estarei dormindo no quarto ao lado.
—- Oh, Paul.. . — Ambos estavam perturbados pela atração que sentiam um
pelo outro e pelo silêncio da velha casa. Ela o abraçou e procurou seus lábios.
— Ah, eu quero você tanto, Anna...
— Também quero você. Mas, não desse jeito. — Entrou no quarto, jogou um
beijo para ele e fechou a porta.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Era estranho dormirem em camas diferentes, sob o mesmo teto e sentindo tanto
amor. A proximidade de Paul a perturbava cada vez mais. Mas, além do amor, sentiam
respeito um pelo outro e, como aquela era a casa do pai dele, ficariam separados
naquela noite. Se estivessem em outro lugar, num hotel, talvez, sabia que ele a teria
procurado e que o receberia apaixonadamente.
Procurou controlar a imaginação. Não queria lembrar as carícias de Paul Mas,
sem ele, sabia que estava incompleta.
Na manhã seguinte, saiu da cama e viu um lindo céu azul e a grama brilhando
de orvalho nas encostas das montanhas.
Vestiu o robe e desceu, imaginando que era a primeira pessoa a acordar, na
casa. Mas, a sra. Hughes já estava em pé servindo a primeira refeição.
— Paul já levantou — a mulher anunciou. — Mas foi até a montanha. Ele já
vem. Dormiu bem?
— Maravilhosamente. Que biscoitos deliciosos! Acho que depois do café vou
me vestir e encontrar com ele. Qual o caminho da montanha?
— Oh, não há como se perder. Siga o atalho da ponte e comece a subir.
Mudou de roupa rapidamente e correu pela ponte, parando um pouco para
observar o rio iluminado pelo soL Ainda não estava vendo Paul e começou a subir;
Depois de algum tempo, sentiu as pernas doendo e olhou para: trás para apreciar a
paisagem. Tudo ali era lindo. Ás casinhas dos pastores com as chaminés, os
pequenos bosques das encostas e os carneirinhos brancos pastando.
Mas, onde estava Paul? A não ser os carneiros, nada se mexia, por ali. Tudo
era quieto e solitário. Entretanto, por que se importar? Ali era a terra natal de Paul. O
local onde o homem que adorava tinha passado a infância. Ele devia conhecer todos
os atalhos e grutas, devia estar matando as saudades daquela paisagem que não via
desde que tinha ido para o Hospital Calderbury.
— Bom dia!
A voz dele interrompeu seus pensamentos e ecoou pela montanha. Anna olhou
para cima, protegendo os olhos com as mãos, e viu que ele parecia divertido no alto
da montanha. Como um garoto. . . muito diferente daquele médico preocupado e
responsável, que ela via nos corredores do hospital. Paul desceu correndo c apertou-a
com força entre os braços, procurando os lábios de Anna com ansiedade.
— Veio ver a paisagem? Aposto que se divertiu muito no passeio.
— Foi ótimo. O que achou da minha montanha, querida, E você, dormiu bem?
— Muito bem,
— Õtimo. Encontrei Lewellen. Ela foi minha babá e estava por aqui, passeando
com um cãozinho novo. Um collie. São os cães que ajudam a pastorear as ovelhas,
nesta região. Venha, vamos para casa.
— Vamos apostar uma corrida até lá embaixo?
Os dois chegaram para o café da manhã parecendo um casal perfeitamente
feliz. As duas mulheres trocaram olhares e sorriram. Em seguida, Paul foi conversar
com o pai e Anna subiu para o quarto.
—- Gostaria que eles casassem enquanto o velho ainda está vivo — Bronwen
disse, esperançosa. — Mas acho que não estão nem noivos.
— Dessa vez, ele está mesmo apaixonado, não acha? Talvez rios dêem
alguma notícia sobre o casamento, antes de irem embora.
Durante a tarde, quando Bronwen foi até o vilarejo, Anna e Paul ficaram com o
velho dr. Keslar.
Talvez, por ela ser enfermeira, ele aceitou os remédios que Anna lhe deu, sem
protestar. Estava muito doente e não tinha ilusões sobre o próprio estado. Sabia que a
doença ia deixá-lo completamente imobilizado, com o passar do tempo, e não havia
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nenhuma esperança de cura. Apenas momentos de relativa melhora. Já sentia-se


cansado demais e incapaz de lutar contra a dor.
— Paul me contou sobre a sua casa. Um velho moinho. Fale-me sobre ela,
Anna. Assim poderei lembrar melhor de você depois que for embora.
— Conte a papai sobre a sua avó, Anna. Ele ia adorá-la, não acha?
— Sim. É uma pessoa maravilhosa, dr. Keslar. Já esteve na minha cidade?
Mas o velho tinha dormido.
Na manhã seguinte, Anna substituiu novamente Bronwen, que aproveitou para
ir à igreja, acompanhada por Paul.
Quando Anna chegou com a bandeja do. café, Paul Já estava de volta e tinha
sentado perto da janela. Estava lendo o jornal para o pai.
De repente, o velho interrompeu;
— Espero que mantenha esta casa, Paul. Quero imaginar meus netos aqui,
algum dia.
Ele foi se sentar na cama, mais perto do pai, e Anna viu que estava muito
comovido.
— Papai, esta casa existirá sempre, porque sei que gosta dela. Nunca vou
vendê-la, se é isso que o está preocupando. Sabe que também significa muito para
mim,
— E Anna? Ela também gostou da casa?
— Adorei.
— Então, estou tranquilo. Não preciso me preocupar com mais nada.
— Papai, está falando muito. Quer tomar outra injeção?
— Tenho tempo de sobra para ficar calado depois que vocês forem embora.
Estou sentindo só uns espasmos!
A volta foi mais demorada e Paul já estava planejando quando poderia ver
novamente o pai.
Nenhum dos dois mencionou o fato de o dr. Keslar ter incluído Anna no futuro
da casa. Aquilo tudo era triste demais.
— Está deprimida, querida? — Paul olhou para ela, uma expressão séria. —
Espero que não tenha se arrependido de ter vindo...
— Estou contente, PauL Só gostaria de tê-lo conhecido antes,..
— Ele achou você uma pessoa muito especial. Eu também acho.
Impulsivamente, acariciou o rosto dele.
— Eu gostaria que casasse comigo. Anna não conseguiu responder.
— Sabia disso, não?.— ele insistiu.
Ela sacudiu a cabeça. Estava com lágrimas nos olhos e muito emocionada.
Ele parou o carro no acostamento e virou-se para encara-la.
— Sabe que amo você.. . e a quero mais do que qualquer outra pessoa. Você
se tornou parte de minha vida, agora. Sei que não tenho muito a lhe oferecer, querida,
principalmente do ponto de vista material. Mas chegou o momento da verdade. Eu
precisava lhe dizer isso.
— Por favor, me peça em casamento de novo. Não vou acreditar se não pedir
— murmurou, e foi interrompida com uni beijo. — Não precisamos nos apressar, Paul
Vamos esperar algum tempo e aproveitar este amor. Tenho certeza de que chegará a
época certa para o casamento. Apenas me ame, querido. . . e me deixe amá-lo.

CAPITULO IX

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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Tim já tinha partido, quando Paul parou o carro diante da casa de Anna.
Passava das nove da noite, e os dois estavam exaustos. Mas nada mais importava,
apenas o fato de estarem juntos. Ele a abraçou e pegou a maleta dela com a outra
mão.
— Estava preocupada? — Anna perguntou, beijando a avó. — Chegamos um
pouco atrasados por causa do tráfego.
-— Não, talvez um pouco ansiosa. Entre, Paul. Como estão se sentindo?
Vamos jantar?
— A senhora é maravilhosa — Paul disse, e Anna viu que um delicioso jantar
estava na mesa.
— Vovó, vamos tomar um aperitivo antes, porque tenho uma coisa a lhe dizer.
— Tem?
— Vamos casar. Ainda não marcamos a data, não temos pressa. Está feliz, não
é? Sei que é muito romântica.
— Oh, sim, querida! — Beijou os dois, os olhos muito brilhantes. Eles a
abraçaram e depois se acomodaram na mesa, para o jantar,
enquanto contavam a ela os motivos para não marcarem ainda a data.
— Lamento pela doença de seu pai, Paul. Sei que isso lhe traz mais
preocupações. Anna, vai contar a Eve e Ralph? Eles precisam saber.
— Vou ligar para eles esta noite. — Virou para Paul: — Gostaria que meus pais
o conhecessem. Acho que não poderá vir comigo nas férias. Mas vai vê-los em breve.
— Ir para a Islândia com você é uma idéia muito tentadora, querida. Vai partir
no fim do mês? Acho que talvez o dr. Lonsdale vá para o exterior no fim de setembro.
Peter, que também trabalha com ele, terá folga na próxima semana. Deixe comigo,
vou ver se consigo alguns dias...
— Mas. , . – seu pai, Paul. . .- A Islândia é longe daqui. . .
— Acho que ele ficará no mesmo estágio da doença durante os próximos
meses. Tive uma conversa com o dr. Willian, pelo telefone, enquanto estive em casa, e
ele acha que não podemos esperar mais nada.- Eu concordo.
— Oh, Paul, não há mais esperanças?
— Ele ia querer que eu tosse com você mas isso não é importante agora. Por
que não espera até amanhã para telefonar a seus pais? Talvez eu já tenha uma
resposta.
— Boa idéia! Sei que eles vão ficar satisfeitíssimos.
— Certo! — Ele pegou a agenda. —-Diga o número do seu vôo e a data.
Vamos ver se encontro lugar no mesmo avião.
Inclinou a cabeça, observando os números que Anna tinha escrito para ele.
Estou curioso para conhecer Reikjavik. É onde seus pais moram, não?

— Precisamos de algum visto especial no passaporte?
— Não.
Ele a abraçou, dizendo que precisava ir embora.
— Até logo para as duas. Ainda tenho que verificar algumas coisas para o
trabalho de amanhã.
Anna o acompanhou até o carro e voltou para comentar sobre o fim de semana
que a avó linha passado com Tim. Jane, ao que tudo indicava não estava nem um
pouco surpresa com a notícia do casamento. Era de opinião que Anna c Paul tinham
sido feitos um para o outro.
Depois de terminarem de arrumar a cozinha, Anna subiu para o quarto, estava
exausta. O dia seguinte era segunda-feira, um dia sempre movimentado na
Enfermaria Rowan.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Além disso, queria ficar sozinha para pensar era tudo que havia acontecido.
— Quero casar com você — Paul tinha dito. E Anna lembrou os beijos dele, as
carícias, e a paixão violenta que demonstrava quando estavam sozinhos.
— Oh, Paul, eu te amo tanto. . . — murmurou, enquanto escovava os cabelos.
Estava diferente, reparou. Seu rosto já era outro. O de esposa de Paul. Nunca o
desapontaria. Ele se orgulharia sempre de tê-la escolhido. Ia ajudá-lo de todos os
jeitos e amá-lo sempre. Como conseguiria esperar o tempo que faltava para o
casamento?
Anna logo percebeu que a semana seria duríssima na enfermaria. A enfermeira-
chefe não fez nenhuma pergunta sobre o fim de semana de Anna e até os pacientes
pareciam mais tristonhos do que geralmente. Além de cuidar deles, Anna teria agora
de ficar de olho na nova estagiária, e a dra, Lancing tinha uma porção de novos casos
graves que requeriam máxima atenção.
Logo na segunda-feira, pouco antes das cinco, Paul tinha entrado na enfermaria
com a médica.
.— Olá! Eu gostaria de dar uma olhada no sr. Stephens. Já chegaram os
resultados dos exames dele? .• —. Sim, dr. Keslar.
— Então, coloque junto estas anotações. — Erika Lancing pegou os papéis e
se encaminhou para o leito, deixando Paul e Anna sozinhos perto da mesa.
Ele disse, depressa:
— Gostaria de ver você esta noite. Acho que tenho boas notícias.
— Quer ir jantar?
— Não. Tenho uma reunião às sete. Vou mais tarde, quando voltar para casa.
— Está bem.
— Até logo.
Como ele ficava diferente, ali no hospital.
— Que recepção! — ele disse, depois de se beijarem diante da porta da
cozinha, com Shane pulando em volta dos dois.
— Você parece cansado.
— Nossa! Estou mesmo! Mas tenho boas notícias. A agência de viagens me
arranjou um lugar no seu vôo. Portanto, poderemos ir juntos na manhã de sábado. O
que acha?
— É maravilhoso, Paul! Preciso telefonar para a Islândia agora mesmo. Vamos,
venha conversar com meus pais.
A voz de Anna tremia, quando contou que Paul ia visitá-los junto com ela. Eve e
Ralph ficaram encantados. Paul falou com eles e pediu que lhe reservassem um hotel
perto da casa.
— Mas pode ficar conosco — Eve disse, animada.
— Claro! — Ralph falava da extensão. — Queremos hospedar vocês. Vamos
esperá-los no aeroporto.
Anna deu o braço a Paul, quando desligaram o telefone, satisfeita em estar
perto dele, mas sabendo que seus pensamentos iam em direções diferentes. Resolveu
fazer um café, pois estava emocionada demais e precisava fazer algo que a distraísse.
— Paul... — ela começou, segurando o bule. — Não precisamos ficar
noivos, não é? Podemos guardar tudo em segredo. Só para nós
— Acho que já podemos nos considerar noivos. Vou comprar um anel...
— Não, ainda não. Sei que está gastando muito dinheiro nessa passagem de
avião.
— Oh, Anna! Vou arranjar um anel na hora certa. Já lhe disse que tenho que ir
a Cardiff para um seminário, no próximo fim de semana? Provavelmente, depois, terei
tempo de passar algumas horas com meu pai. Como tenho que preparar a palestra, só
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

ficarei livre no domingo. Telefono para você.


— Vou sentir sua falta, mas sei que gostará de dar o seminário. Tem que
preparar tudo com antecedência, não?
— Sim. E quase não tenho tempo.
Anna sentiu-se solitária, depois que ele partiu na quinta-feira. Mas já estava se
preparando para as férias e, como Paul ia junto, precisava caprichar nas roupas. Sabia
que ele notava o que estava usando e queria que sentisse orgulho dela. Também
precisava fazer alguns preparativos para deixar a casa fechada.
Quando Paul telefonou, no domingo, ela estava saudosa. Ele falou pouco sobre
o pai, mas Anna percebeu que estava muito preocupado.
Quando o viu novamente, ele estava acompanhando o dr. Lonsdale na ronda,
com o resto da equipe do hospital. Não podiam conversar. Ela ficou ao lado das outras
enfermeiras, ouvindo-o e adorando-o, enquanto ele ia de um leito para o outro.
Naquela tarde, ele chegou na casa dela, ao pôr-do-sol.
— Estou tão contente que tenha vindo!
-— Acho que precisamos terminar os planos para este fim de semana — ele
disse, depois de beijá-la demoradamente. Anna sentiu que uma nova emoção
percorria seu corpo.
—- Oh, Paul, quando eu menos espero... — Ela não podia nem olhar para ele.
— Ah, está vendo? Mas você ainda não me conhece muito bem. No futuro, vai
conhecer...
Finalmente, chegou a quinta-feira e Anna voltou para casa assobiando. Paul
devia estar fazendo a mala, pois iam partir na manhã seguinte, bem cedo.
Shane já tinha sido colocado numa pensão para cães e, ao chegar em casa, ela
sentiu falta dele. Tantas coisas haviam acontecido em tão pouco tempo. Como estava
orgulhosa de levar Paul para conhecer os pais!
Deu tudo certo, de acordo com o que havia sido planejado. Chegaram ao
aeroporto e embarcaram num jato azul e branco. Em questão de minutos, já estavam
voando.
— Você parece uma garotinha encantada com o mundo.
— Ah, não! Ê assim tão óbvio? Sabe, eu nunca andei de avião. É a primeira
vez.
— Mesmo? Eu não teria percebido.
— Você está brincando!
— Anna, você é tão espontânea! Este é um vôo curto. Apenas de duas horas,
acho. Mas os vôos longos, são terrivelmente aborrecidos.
Ela tirou a jaqueta verde-clara e, quando a aeromoça se aproximou com café e
drinques, aceitou café. Estava encantada com a sensação de intimidade por estar
junto de Paul. A não ser em Gales, nunca tinha se sentido livre com ele. No hospital, a
profissão vinha sempre em primeiro lugar e precisavam se tratar como se houvesse
uma barreira entre ambos. Mas agora, estava perfeito, nada os separava.
— Vamos ter muitas experiências juntos. Isso é só o começo, Anna.
-— Eu sei. Por isso, estou tão animada. Não sei nada do que vai acontecer,
nem quero saber. Gosto de surpresas. Estou feliz por estarmos juntos.
— Sabe? Se eu não soubesse que é uma enfermeira tao perfeita, com toda
disciplina e responsabilidade necessárias, diria que é uma garotinha ingênua. A mais
ingênua que já conheci. Entretanto, sei que é capaz de lidar com as piores
emergências. Só posso concluir que é fácil fazê-la feliz. ..O que é ótimo. Você não é
uma pessoa complicada — murmurou, abraçando-a. — Adoro você.
— Não precisa falar baixo, com todo esse barulho. — Por toda a cabine havia
pessoas conversando e, ao encará-la, ele viu que lágrimas brilhavam em seus olhos.
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Anna desviou o olhar e ficou observando o mar lá embaixo.


Depois de duas horas, acenderam o aviso para apertarem os cintos de
segurança.
O avião foi descendo e finalmente pousou.
Tinham visto a Islândia do ar: uma grande extensão de terra com montanhas e
rochas, rios e picos. Anna respirou fundo diante de tanta beleza.
— As cores, Paul! Eu não esperava.que fosse tão bonito. Parece uma jóia no
mar. Lá deve ser Reikjavik.
As casas pareciam muito juntinhas, mas limpas, e os telhados eram vermelhos,
rosas, azuis ou verdes. Havia um lago brilhando, perto de um bosque, e muitas
montanhas com picos nevados montavam guarda ao longo da linha da praia.
— Não é nada do que eu esperava, É lindo! Chega a ser um pouco
amedrontador. Tanta terra! Não é um país muito populoso, é?
Ele estava observando pela janelinha do avião.
— Estive lendo que só um sexto do país é habitado. Você não se sente bem
num lugar assim? Sem aglomerações e com espaço bastante para todos?
— Claro. Vamos descer? Meus pais devem estar esperando. Oh? estou
contente que tenha vindo também, Paul
Lã fora, o ar era leve, refrescante, e o dia estava lindo.
Passaram pelos corredores do aeroporto e viram várias vitrines de artesanato
da Islândia: peles, lãs em cores'quentes e trabalhos em madeira entalhada.
Anna sabia que o idioma era muito difícil, mas percebeu que quase todos
conversavam em inglês, pois era uma língua ensinada nas escolas.
Os pais dela se aproximaram e Anna correu para eles. Paul esperou mais atrás
e viu que o casai parecia muito feliz.
— Ele é bonito — Eve cochichou para o marido. — Combina muito bem com
nossa filha.
Ralph experimentava emoções conflitantes. Pela primeira vez, percebia que sua
menininha tinha crescido. Nos últimos meses, havia mudado muito. E, agora, o único
homem em sua vida seria aquele que estava ao lado dela.
Depois dos cumprimentos, todos começaram a conversar ao mesmo tempo e
Ralph os conduziu para o estacionamento. Paul foi na frente e Anna, com a mãe, no
banco de trás. O carro entrou no tráfego e a mãe apertou a mão dela, sorrindo, feliz.
— Quais as suas primeiras impressões de Reikjavik, filha? — Ralph perguntou
— De limpeza por toda parte — Anna respondeu. . — Isso mesmo! Ê uma
cidade sem poluição —- Ralph explicou, entrando numa auto-estrada. — Estamos
saindo da cidade. Depois, durante a semana, eu volto para lhes mostrar tudo. Quero
que vejam o máximo que puderem. Paul. . . posso chamá-lo assim, ou prefere dr.
Keslar?
—- Claro que pode. Espero fazer parte da família em breve.
— Estamos muito felizes com isso. Escute a conversa daquelas duas lá atrás.
Minha esposa está ansiosa para comemorar. Acho que ela convidou alguns amigos
para conhecê-los. Já estamos quase chegando. Você vai gostar do povo da Islândia.
Eles realmente conseguiram um estilo de vida muito especial.
Pararam diante de uma casa quadrada, pintada de branco, com telhado
vermelho. Ralph abriu a pesada porta da frente, que dava diretamente numa grande
saía de assoalho e tapetes coloridos, decorada em cores claras, poltronas quadradas
e paredes cheias de estantes de livros.
— Aqui estamos. Todo islandês é um leitor fanático. — Eve explicou. —
Provavelmente temos a sociedade mais alfabetizada do mundo. Tenho que admitir que
gosto do estilo escandinavo que eles adotaram. Venha ver a cozinha, Anna. Ê linda!
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Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Adoro cozinhar aqui.


Anna ficou surpresa.
-— Nossa! Você tem absolutamente tudo! Uma cozinha assim deve custar uma
fortuna, na Inglaterra. Parece até saída de uma revista de decoração»
— Eu sei. Venha ver o seu quarto e o de Paul.
Os dois homens estavam observando os livros e quadros, mas Paul pegou as
malas e subiu com elas. A escada também era de madeira, com corrimão sólido. Os
quartos, muito bem decorados e os banheiros, quase luxuosos.
Era estranho ver Paul ali, desfazendo as malas e pendurando suas coisas no
armário.
— Aqui estamos — Anna disse, baixinho. — Me abrace só por um minuto.
Desceram e encontraram Eve, que tinha preparado uma refeição simples: pão
de trigo integral, salmão defumado, queijos, manteiga frutas e salada.
— Temos cerveja, Paul. Quer experimentar? É mortal! — Ralph comentou.
Anna e Eve preferiram vinho e levantaram os cálices num brinde, Paul virou
para Ânsia, dizendo:
— Espero que continue sempre feliz, como neste momento.
No domingo, foram até Gullfoss, conhecida como uma das cachoeiras mais
lindas do mundo. Era uma queda d'água colossal, caindo do alto de uma enorme
rocha e transformando-se numa cascata de três níveis, onde os raios de sol se
refletiam, formando arco-íris perto das grutas da parte mais baixa da montanha.
Naquela noite, havia convidados para o jantar. Quando chegaram, Ralph fez as
apresentações.
— Este é o dr. Jon Erikson e a esposa, Helga. Jon é cirurgião no Hospital
Municipal, Paul. Sei que terão muito o que conversar. Estes são Magnus e Krista
Sveinsson. Magnus e eu trabalhamos juntos.
A noite passou depressa. Paul foi convidado a visitar o hospital.
Magnus convidou todos para um jantar em casa deles. Todos ficaram
desapontados, quando Paul disse que precisava voltar para a Inglaterra no fim da
semana.
Na segunda-feíra, foram nadar na piscina de água quente natural, canalizada
das nascentes quentes que abundavam pela cidade. Depois, foram até uma casa
nórdica típica, perto do lago que refletia um lindo céu azul sem nuvens. Havia árvores
por toda parte da cidade, dando um ar de tranquilidade a todas as ruas. Nos museus e
edifícios, todos pareciam trabalhar com satisfação,
— Como parecem felizes! — Paul comentou.
Naquela noite, admiraram o mar dourado e cinzento. Os pescadores já tinham
ancorado seus pequenos barcos. Anna e Paul, de mãos dadas, sentiram que
finalmente estavam livres das tensões do trabalho. Jantaram num hotel, A comida
estava deliciosa e, mais tarde, foram dançar. Ao vê-los juntos, Eve sentiu um nó na
garganta.
— Eles formam um casal perfeito — Eve disse ao marido.
— Nós também. Vamos voltar para casa. Ê tarde.
— Você não é muito romântico. Só passa da meia-noite.
— Parece uma noite do verão inglês — Anna comentou. — Aqui é tudo lindo.
Vocês dizer o que passa da meia-noite, mas ainda há soL Realmente, esta é uma terra
do sol da meia-noite!
— Aqui estamos perto da corrente do golfo e nunca o frio é demais — o pai
explicou. — Em noites como esta, o clima chega até a ser quente. Amanhã, vamos a
Thingvella. A não ser que tenham outros planos. É um parque nacional muito bonito,
com lagos e rios. E talvez vocês queiram ver as fontes de água quente.
Projeto Revisoras 60
Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Todos os outros dias iam ser cheios de passeios com novas paisagens. Iam ver
a lama subindo à superfície das fontes de água quente e as montanhas cobertas de
neve. Ao voltarem a Reikjavik, estariam sempre cansados, mas mais satisfeitos do que
nunca.
Na quarta-feira, Ralph resolveu levá-los até as margens do rio Hvalfjõrdur, um
dos mais famosos, e depois até Akranes.
— Ê uma das regiões mais escarpadas. Aqui há tantos contrastes! Não se
pode deixar de ver os campos de gelo perto de Eriksjókuli, onde há crateras de
vulcões muito interessantes.
— Ralph, talvez eles prefiram fazer compras,
- Não — Anna e Paul disseram ao mesmo tempo. — Gostaríamos de ver o
máximo possível, enquanto estamos juntos. Podemos fazer compras juntas na
semana que vem, mamãe, depois que Paul for embora.
— Então, sugiro que levemos barracas, para passarmos a noite lá. Acho que
Paul vai gostar muito da paisagem.
— Sim, vamos fazer esse passeio. Ê muita gentileza sua, sr. Ralph, querer
dirigir até lá. Parece longe.
A manhã estava linda, quando partiram, parando rapidamente para um café e
em Bórganes para o almoço.
A estrada margeava o rio de águas muito azuis e geladas e eles tomaram o
caminho do interior, em direção às montanhas cobertas de neve. Ralph estacionou
quando chegou perto de uma delas.
— Aqui está um campo coberto de lava. Vamos contorná-lo. Depois, levarei
vocês até uma das crateras.
Começaram a caminhar, satisfeitos por terem levado sapatos fortes e
confortáveis. Os dois homens foram na frente.
— Lamento, mas não gosto muito desse tipo de paisagem. — Eve confessou.
— É um terreno nu demais para o meu gosto. Ao contrário de mim, seu pai adora isto.
Será que Paul está gostando?
— Acho que sim. Mas sei o que quer dizer. Parece um cenário trágico, não?
Continuaram subindo pelo lado da cratera. Anna sentiu que preferia a
grandiosidade e o perigo de Gullfoss, mas depois de algum tempo, ao ver a
profundidade das rochas e dos abismos, percebeu que a natureza ali também se
mostrava com toda sua força.
Os homens chegaram à beira da cratera e suas vozes ecoavam ao longe. De
repente, Anna recuou.
— Acho que não quero subir até lá. Estou com arrepios. É tudo cinzento e
duro.
— Eu sei. Contrasta muito com o colorido de todo o resto da paisagem-. Vamos
esperar aqui?
Eve procurou avisar Ralph e Paul que iam ficar paradas ali. De repente,
percebeu que Anna perdia o equilíbrio, escorregava e caía de encontro as rochas.
Para seu horror, viu a filha rolando, sem conseguir se segurar.
Seu grito ecoou pelas montanhas e foi levado pelo vento.
— Meu Deus! Anna! — Paul gritou.
— Segure-se, minha filha! — Ralph estava desesperado.
Anna sentiu as mãos sangrando e as unhas quebrando. Tentou agarrar
qualquer coisa desespcradamente. Mas continuava a escorregar. Bateu a cabeça
numa rocha pontiaguda e mergulhou ;na escuridão.

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CAPITULO X

Anna nunca soube o que tinha acontecido em seguida, nem que Paul chegara
primeiro perto dela. Ele se esticou no chão, na entrada da gruta, gritando o nome de
Anna. Ralph iluminou com a lanterna o interior da gruta, sem saber de que altura ela
havia caído. Ali tudo parecia gigantesco, com aqueles penhascos sem fim.
Ninguém sabia se Anna estava viva, nem o que fazer naquele primeiro
momento.
— Ela está na beirada. Não pode escorregar mais, graças a Deus — Ralph
disse. — Mas vai ser difícil tirá-la daí, sem machucá-la ainda mais. Está desmaiada.
Por favor, fique aqui com minha esposa, Paul, enquanto vou pedir ajuda. A equipe de
resgate deve chegar dentro de meia hora. Rezem para que não seja nada grave. Pelo
amor de Deus, segurem-se, para não caírem também.
Saiu, apressado, e logo o carro amarelo desaparecia na estrada, lá embaixo.
Eve sentou no chão, muito quieta e trêmula. Paul segurou a mão dela e continuou
iluminando com a lanterna o corpo inerte de Anna .
— Não podemos fazer nada até a equipe de resgate chegar. Por favor, fique
calma.
— Mas. . .
— Anna não está sentindo nenhuma dor.
Parecia que havia passado anos, mas foi só meia hora, até um jipe chegar.
Alguns homens saltaram e começaram a subir, levando cordas e uma maca.
— Fiquem onde estão! — um deles gritou.
—- Quero ajudar — Paul protestou. — Preciso fazer alguma coisa.
— Oh.. . Deus queira que ela esteja viva — Eve soluçou, desesperada.
Paul a abraçou, e Ralph se aproximou, muito pálido e nervoso. Tinha trazido
uma garrafa de brandy do carro e todos tomaram um gole enquanto a equipe de
salvamento atirava as cordas para dentro da caverna. Pareceu demorar uma
eternidade, até Anna ser trazida para fora. Paul se ajoelhou ao lado dela* levantando
suas pálpebras e sentindo o pulso.
— Está viva. — Apalpou seu corpo procurando alguma fratura. Um dos homens
limpou o sangue do rosto dela. Paul viu que tinha
um grande corte no joelho e aplicou um torniquete, auxiliado pela equipe
médica.
—- Aqui no braço também. Vou enfaixar a cabeça, O hospital é longe?
— Em Akranes.
— Não podemos esperar uma ambulância.
— Podemos levar a maca no jipe. Já estamos acostumados a fazer isso,
doutor.
— Ôtimo. Vou com vocês.
— Nós os seguiremos —- Ralph avisou e, segurando com força o braço da
esposa, começaram a descer. Ele queria perguntar a opinião de Paul, mas não havia
tempo.
Paul suspeitava de uma fratura no crânio, apesar de não ter certeza. Só podia
rezar para que não houvesse lesões internas. Ela devia ter caído de lado e seu corpo
dilacerado o deixava em pânico. Mesmo sendo treinado para esse tipo de emergência,
não podia esquecer que se tratava da sua amada Anna. E, durante todo o caminho
para o hospital, não tirou os olhos dela.
Como aquilo po$ia ter acontecido com Anna? A sua Anna? Por quê? Não
aguentava ver seu rosto manchado de sangue, cheio de arranhões e cortes.
Projeto Revisoras 62
Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Enquanto esperavam, ele rezou. O último médico chegou para falar sobre os
ferimentos.
Vinte e quatro horas mais tarde, Anna abria os olhos, tentando reconhecer a
enfermeira que estava a seu lado e aquele estranho quarto de hospital. Não conseguia
conversar. Sua voz parecia estranha.
— Onde... estou?
— Num hospital.
— Eu sei...
— Sofreu um acidente, srta. Forster. Por favor, fique quieta. Sua perna e o
braço estão engessados.
— Paul... — Fechou os olhos de novo.
A enfermeira foi até a porta e, depois de conversar algum tempo em voz baixa,
deixou que alguém entrasse.
— Anna, estamos aqui,
Doeu, quando ela abriu os olhos. Ele sabia disso e pediu:
— Fique com os olhos fechados, meu bem. Eu converso com você. Está tudo
bem, querida. É que você levou uma porção de pontos e vai sentir dores por todo o
corpo.
— Não, . . não posso mexer a cabeça.
— Foi uma pancada séria. Podia ter sido mortal. Ela tentou levantar a mão,
mas não conseguiu.
-— Anna, estou aqui! Fique calma. Você precisa descansar. Vão lhe dar outra
injeção e poderá dormir. Tudo está bem, querida. Tente ficar tranquila. Seus pais
querem vê-la só por um minuto.
— Oh, Paul. .. nossas férias. . . — Não sabia que estava chorando, até sentir
as lágrimas salgadas chegando aos lábios.
— Não pense nisso. Agora, você precisa ficar boa. Talvez demore um
pouquinho, mas vai sarar.
Beijou a mão dela, mas Anna nem percebeu. Só acordou na manhã seguinte.
Ralph e Eve tinham ido para Reikjavik e já haviam se passado quarenta e oito horas
após o acidente. Paul e o outro médico concordaram que ela devia ser levada para a
capital, para ficar perto dos pais.
— Eu vou acompanhá-la — ele disse, depois de lhe dar a notícia. — Vou cuidar
de tudo. Mas não pense que será mais fácil, só porque está perto deles.
Ela reconheceu a mesma voz que ele usava com os pacientes no
hospital, quando queria explicar algo difícil Mas logo em seguida perdeu os
sentidos, era muita dor por todo o corpo. Lembrou vagamente de ouvi-lo dizendo à
enfermeira:
— Ela vai precisar de mais sedativos.
Na ambulância, tentou abrir os olhos e observar o teto branco, mas não
conseguiu.
Observando seus esforços, uma enfermeira pegou rapidamente uma vasilha.
Mas foi Paul quem a segurou, quando sentiu náusea.
— Estamos quase chegando. Tente dormir — disse, num tom que parecia
muito distante. Ela ouviu o próprio gemido, e nada mais.
Então, acordou. Via corredores brancos e paredes muito limpas. Ainda sentia
dor nos olhos e sabia que estava amarrada na maca. A enfermeira segurava o tubo da
transfusão.
— Ela desmaiou de novo — alguém disse, muito distante. Agora, havia vozes
no quarto. Uma voz de homem. Um médico.

Projeto Revisoras 63
Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Sabia que era um médico. A voz era familiar. Já tinha ouvido aquela voz antes.
Onde? Os dedos frios dele estavam em seu pulso.
— Parece que o coração está batendo com mais calma, agora. Que apuro!
Sem dúvida, ela teve muita sorte.
Onde tinha ouvido aquela voz, antes? Em vão, Anna tentou abrir os olhos.
— Quanto tempo ela terá de ficar com os pontos no rosto, Jon? — Paul
perguntou,
— Uns cinco dias. Talvez fiquem algumas cicatrizes. Os cortes mais profundos
foram nas pernas.
Paul se aproximou da cama.
— Está acordada, Anna? Abra os olhos.
Ela obedeceu apesar de sentir as pálpebras pesadas.
— Como se sente, meu bem?
— Horrível.
— Querida, Jon vai cuidar de você. Lembra dele? Esteve na casa de seus pais.
— Sim... — Não se atreveu a mexer a cabeça.
Depois daquilo, muitas pessoas entraram e.saíram. Ralph, Eve, as enfermeiras,
os médicos. Ela dormiu, acordou, dormiu de novo. Cada movimento causava dor. Uma
dor aguda, que parecia queimar. Não
lembrou o que Paul havia dito sobre os ferimentos. Mas agora queria saber de
tudo. O dr. Jon Erikson parecia relutante em responder ao que ela perguntava. Por
exemplo: Por que sua cabeça estava enfaixada?
— São fraturas leves? — Havia uma enfermeira por perto, pegando alguns
instrumentos e Anna levantou o braço engessado, pedindo informações: — Posso ver
minha ficha?
— Não, srta. Forster — Jõn Erikson disse. — Estou aliviado de vê-la tão bem.
— Por que estou com a perna engessada?
— Sofreu uma fratura e tem cortes muito profundos,
— Sou enfermeira na Inglaterra, dr. Erikson. Quantos pontos levei na perna?
— Dezoito.
— Oh. . . E no rosto?
— Logo estará curada. Vamos tirar os pontos dentro de alguns dias.
— Eu sei. E as cicatrizes... — Contra a vontade, sentiu as lágrimas descerem
pelas faces. — Vou ficar muito marcada?
— Ainda é cedo para saber. Deixe esse problema conosco.
Quando seus pais chegaram, à tarde, Anna estava tão deprimida, que os dois
ficaram ansiosos. Foram chamar Paul, que procurou consolá-los do melhor jeito que
pôde.
— Ela tem um corte na linha do cabelo, que vai sarar logo, junto com o resto.
Levou também alguns pontos atrás da orelha e esses serão removidos numa semana.
Anna precisa descansar e vai levar um bom tempo antes que supere tudo isso.
Devemos ter muita paciência com ela.
Aliviados, os pais começaram a ter novas esperanças.
— E o seu trabalho, Paul? Precisa mesmo ir embora no sábado?
— Sim. Vou esperar até amanhã. Há tempo de cancelar a reserva, se for
preciso. Mas Anna está em boas mãos. E não posso fazer nada por ela, a não ser vê-
la sofrendo todos os dias.
— Tem seu compromisso no Calderbury, não é? — Ralph perguntou.
— Sim. E uma reunião muito importante na quarta-feira.
— Ela não vai querer que você parta.
— Eu sei. — Paul se virou lentamente para Eve. -— Mas ela precisa entender.
Projeto Revisoras 64
Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

Odeio deixá-la assim, pois terá que aceitar muitas coisas. Gostaria de ajudá-là mais.
Mas não posso. Lamento. Naturalmente vocês estarão com ela.
Eve sentiu que ele estava preocupado e foi até a cozinha buscar um café, e
desabafar, chorando livremente. Quando voltou, Ralph estava dizendo:
— Vamos trazê-la para casa, Paul, assim que puder ser transportada.
— Poderá vir logo, espero. Agora, preciso resolver sobre meu vôo de volta.
O telefone tocou e Ralph foi atender. Depois, estendeu-o para Paul
— É para você. Uma mulher chamada Bronwen.
Viram que ele segurava o aparelho e fechava os olhos por alguns momentos,
antes de atender.
— Aqui é Paul Keslar. — Fez uma pausa. — Quando foi Bronwen? -— Depois,
ouviu por mais alguns momentos: — Sim, sim, naturalmente. Voltarei amanhã e vou
direto do aeroporto até aí. — Desligou e sentou-se pesadamente numa poltrona. —
Meu pai teve um colapso. Tenho que voltar imediatamente.
Ele estava triste e com ar de quem não tinha dormido bem nos últimos dias.
Primeiro, Anna.. e. agora, o pai... tentava se controlar, mas Eve percebeu que Paul
tinha os olhos úmidos.
Depois de algum tempo, disse que ia ver Anna na manhã seguinte, antes de
partir, e explicar por que não havia outra escolha,
— Tenho certeza de que ela compreenderá. Mas vai se sentir sozinha. Poderá
pensar...
-— Que você devia ficar? — Eve interrompeu.
— Sim. — Não se atreveu a comentar o que estava pensando. Anna poderia
pensar que agora ele estava fugindo. Agora que ela ia ficar com cicatrizes e que podia
perder o lindo rosto de antes. Talvez Anna achasse que ele não conseguiria conviver
com as cicatrizes dela e ainda mancando de uma perna ou até coisas piores.
— Vocês foram maravilhosos, obrigado — ele se despediu dos pais dela. -—
Vamos nos encontrar no futuro. As vezes, nossos planos não dão certo, como
esperamos.
— Diz isso por causa de seu pai?
— Sim. Bronwen não ia me chamar aqui, se não fosse algo muito grave e
absolutamente necessário. Ela é a enfermeira dele.
Na manhã seguinte, Anna estava se sentindo um pouco melhor e até sorriu,
quando viu Paul entrar no quarto e sentar rui cama a seu lado.
— Assim tão cedo?
Ele explicou que precisava voltar antes do planejado. Ela ouviu tudo, sem
comentários, mas Paul percebeu que ficou com ar triste.
— Odeio deixar você, mas seus pais vão levá-la para casa logo. Fique boa
depressa. Eu estarei esperando.
— Estranho, não? —- ela arrastava um pouco as palavras. —- Ê estranho estar
do outro lado da moeda. . . recebendo os cuidados, como paciente. Eu não sabia
como é preciso ter confiança nas enfermeiras e médicos...
Ele levantou.
— Precisa ir já?
— Sim. — Curvou-se e beijou-a nos lábios, segurando as mãos dela. — Eu
amo você, lembre-se. Até logo, querida. Fique boa depressa.
— Até logo — Anna murmurou corajosamente e não derramou nem uma
lágrima, até ele fechar a porta.
A enfermeira chegou com os sedativos e Anna não chorou, até que retirassem
as ataduras de sua cabeça, Então, sentiu os cabelos espetados e ficou desesperada.
Nem tinha pensado na hipótese de sua cabeça ter sido raspada. Não sabia também
Projeto Revisoras 65
Bianca 124 - Só em teus braços - Elizabeth Petty

dos pontos e dos problemas acusados pelas radiografias tiradas horas depois do
acidente.
— Quero um espelho, por favor -— pediu à enfermeira.
O dr. Jon disse que lhe mandaria um, mas foi Eve que, percebendo o desespero
da filha, tirou um espelhinho da bolsa e entregou à filha.
— Seu cabelo teve que ser raspado, mas logo vai crescer. Está parecendo uma
atriz, agora., . uma francesa que seu pai gostava muito.
— Estou horrível! — disse, num tom gelado. — Não é de admirar que Paul
estivesse ansioso para partir.
— Ele não tinha escolha, Anna. Soube o que aconteceu ao pai dele?
— Não aguentava olhar para niim. Vi isso nos olhos dele!
— Não chore querida! Paul ama você. Continue a mesma moça de antes.
Quando o encontrar novamente, verá que nada mudou. O dr. Jon disse que vai tirar os
pontos logo e que não ficarão cicatrizes profundas.
— É isso que eles fazem sempre. Por que tinha que acontecer quando estava
tâo feliz? Sou uma enfermeira, ajudo as pessoas. Olhe! Agora estou um lixo. Um lixo. .
. e não posso nem me mexer!
— Calma, Anna. — O médico interrompeu. — Fique calma. A não ser que
queira de volta suas dores de cabeça.. Agora, quanto aos pontos...
A voz dele era autoritária e ela entendeu. Estava evitando que tivesse um
ataque histérico.
Anna sentia uma terrível falta de Paul Sentia, também, falta da rotina do hospital
e imaginava por que ninguém lhe escrevia. Na certa, não se importavam. Mas
ninguém escrevia porque ninguém sabia de nada. Paul ainda não saíra de Gales.
Chegou uma carta dele e outra da avó. Foi a enfermeira quem as abriu e Anna
não viu o carimbo do correio de Gales. Ficou imaginando que ele já estivesse no
Hospital Calderbury.
Paul dizia que sentia saudade e esperava que ela estivesse melhor.
Conhecendo-a, sabia que ia ter firmeza suficiente para superar os problemas. Estava
muito ocupado. Tinha que fazer muitas coisas, mas sua querida Anna nunca saía de
seus pensamentos. Que ela voltasse logo para casa. Precisava dela.
Nenhuma palavra sobre o pessoal do hospital. Ele tinha mudado muito. Não a
chamava mais de garota adorada e só se preocupava com o fato de ela superar os
problemas com coragem.
Oh, ele sabe quanto estou marcada!, pensou. Vou ficar horrível, locou os
cabelos. Oh, Deus, ele nunca mais vai querer olhar para mim!
Sua amargura aumentou ainda mais, pois agora tinha tempo de sobra para
sentir pena de si mesma. Quem iria se importar com ela? A segunda carta de Paul não
a ajudou em nada. Ele não queria aborrecê-la com a notícia da morte do pai e, por
isso, a carta era curta, falando apenas sobre Gales. Ela o sentiu distante e interpretou
de modo errado quase todas as frases.
Ele esfriou definitivamente, disse a si mesma. Talvez na próxima carta, já
escreva terminando tudo. Claro, Paul tinha que pensar no futuro. Ela não poderia se
tornar a esposa de um médico famoso, com aquele rosto. Não poderia receber os
amigos dele, nem dividir mais nada com Paul. O sonho tinha terminado.
Decidiu que era melhor que o rompimento partisse dela. Sabia que ele não ia
querer uma esposa cheia de cicatrizes e manca, E era assim que ia ficar.
Positivamente não havia nenhum futuro para os dois.
Naquela noite, pediu que sua mãe colocasse no correio, no dia seguinte, uma
carta. Eve não tinha a menor idéia do que Anna tinha escrito. Mas foi a primeira a
saber, por causa de um telefonema de Paul
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— Ela escreveu que não me ama mais, que não está mais pensando em casar
— ele disse, desesperado. — Espero ter forças para aceitar a decisão dela. Bem,
enquanto estiver nesse estado, nada vai fazê-la mudar de idéia. Portanto, vou esperar.
Ela está sofrendo, A maioria das pessoas tem isso, quando o corpo sofre algum golpe
sério. Precisamos ter muita paciência. Cuidem dela por mim.
— Tenho certeza de que Anna não mudou em nada, Paul
— Ela me pediu que respeitasse os sentimentos dela e que não escrevesse,
nem tentasse vê-la.
— Acho que isso é temporário. Lamento tanto, Paul. . . — Eve consolou.
— Escreva, contando como ela está, sim?
— Claro.
No começo de setembro, Anna voltou para a Inglaterra. Ainda usava muletas,
mas seu rosto havia cicatrizado depressa, e o dr. Jon acreditava que as marcas não
seriam visíveis. Na perna havia uma cicatriz que ia do joelho até o alto da coxa. Os
cabelos já tinham crescido, com a mesma aparência sedosa.
Agora, nada mais importava a Anna, estava em estado de completa apatia. O
brilho de seus olhos, há muito, havia desaparecido.
Seu olhar agora era triste e pensativo. Seu modo de pensar havia mudado e
não sentia mais prazer, nem nas coisas simples. Não pensava nem mesmo em
trabalhar, pois, se voltasse ao Calderbury, encontraria Paul lá.
Talvez, um hospital perto da praia. Em Margate, quando estivesse melhor...sava
nem mesmo em trabalhar, pois, se voltasse ao Calderbury, encontraria Paul lá.
Talvez, um hospital perto da praia.Em Margate, quando estivesse melhor...

CAPITULO XI

Como Anna não teve mais notícias de Paul desde que voltara da Islândia,
achava que ele havia concordado com tudo o que lhe dissera naquela última carta. O
que mais a assustava agora era a possibilidade de se encontrar com ele. Já não era a
garota que ele amava: estava com o rosto e o corpo marcados.
Todos os colegas tinham ido visitá-la levando presentinhos. Jill Slade trouxe
notícias do hospital, que só serviram para piorar as coisas. A enfermeira-chefe da
Enfermaria Rowan tinha escrito um bilhetinho e o dr. Lonsdale mandou um cartão e
flores. Como Jill não sabia nada sobre Paul, não tocou no nome dele, até que Anna
perguntasse.
— Oh, sim, ele esteve ausente algumas semanas. Não sei onde foi. Mas já
voltou. Ouvi um boato... não sei se é verdade. Dizem que pediu transferência para um
hospital em Gales.
— Oh. ... —Anna respirou fundo.
— Está com dores?
Ela sacudiu a cabeça e não quis dizer à outra que era uma dor no coração.
Quando Mervyn chegou para visitá-la, naquele fim de semana, Anna estava
sentada no jardim. Era o mesmo de sempre, alegre, bem dis posto, as mangas da
camisa enroladas. Mervyn sentou a seu lado, na grama. Estava muito grata a ele por
nunca comentar sobre suas cicatrizes, Mervyn só havia perguntado:
— Quando vai tirar essas coisas? O almoço da colheita vai ser logo, você sabe.
Tente andar um pouco. — E empurrou as muletas para longe dela.
—- Daqui a pouco vou começar a fazer fisioterapia. Depois...
— Pensei que fosse ficar diferente. Disseram coisas horríveis. Mas parece que
eram só boatos. Quando vi você no jardim, quis logo entrar. Não vim antes porque
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estava cuidando das macieiras. Este ano teremos a melhor colheita dos últimos
tempos.
-— Ouvi os tratores subindo e descendo os morros. Estou contente que este
tenha sido um bom ano, Mervyn. Você disse que não estou diferente. Mas, e meu
rosto, meus cabelos?
— Está o mesmo e os cabelos estão só mais curtos. Vão crescer logo e poderá
cortá-los como quiser. Além disso, você costumava usá-los presos, de vez em quando.
Vai ao nosso almoço, não? Eu venho buscá-la. .
— Não. Este ano, não vou. Obrigada por me convidar.
— Está bem. — Ele levantou. — Mas vou insistir outra vez. Ale gre-se, garota!
Ê tempo de castanhas e logo vamos colhê-las para o Natal
Tocou seu ombro, num gesto de simpatia, e Anna sentiu um nó na garganta.
Mas agora quase não chorava.
Por que tinha que se apaixonar por alguém como Paul? Mervyn teria sido tão
melhor. . . Era simples e ia aceitá-la como estava. Não sentia mudanças no amigo
quando estava ao lado dele. As pessoas do campo são muito menos complicadas.
Estão sempre pensando na próxima colheita e planejando as plantações. No domingo
seguinte, a igreja estaria transbordando de frutas e flores. Era a bênção da colheita.
Setembro, nesse ano, estava muito agradável. Eve e Jane tinham vol tado do
supermercado, e Anna viu quando tornaram a sair de carro. Sentia falta do movimento,
mas não tinha ânimo para nada.
Talvez, algumas semanas de fisioterapia, e pudesse pensar nova mente em
trabalho.
— Só depois do Natal — a enfenneira-chefe a tinha avisado em sua última
visita.
— Daqui a três meses? Vou ficar louca — Anna protestou. Bem, finalmente,
teria algo em que pensar. Jill estava certa: Paul já não estaria mais no Calderbury e
não haveria perigo de encontrar com ele. Bastariam as recordações.
Oh, Paul, você nunca vai saber o que sofri por rejeitá-lo! Preciso tanto de você!
Mas, Jill tinha dito que ele ficara afastado por duas semanas/Então, tinha ido para
Gales! Teria conseguido lá uma pro posta para um novo emprego? Esperava que o pai
dele não sofresse em saber que já não estavam juntos. Bem, não tinha importância. O
único desejo do velho era que os netos crescessem amando aquela -casa. Paul
poderia casar com alguma moça de Gales.
Sua mãe e sua avó estavam de volta com as compras.
Foi Jane quem contou que unnam encontrado Paul na cidade.
— Ele nos convidou para um chá num lugar muito caro, perto do
estacionamento. Onde têm aqueles doces deliciosos, sabe onde é?
Quando terminaram de contar o encontro, Anna estava recuperada o suficiente
para dizer:
— Então, ele não estava no hospital! Mas quarta-feira é dia de examinar os
pacientes!
— Ele ia para o banco, querida — Eve disse, com cuidado.
— Como ele estava?
— Como sempre. Parecia um pouco cansado. Talvez tenha traba lhado
demais. Sabe que o pai dele morreu? — A avó perguntou
— Não. Quando?
— Quando vocês estavam na Islândia. Ele precisou voltar. .. você não lembra?
— Eu pensei... — Interrompeu-se.
— Ele disse que arranjou um novo emprego num hospital em Ga les, perto da
velha casa. Parece que vai ser diretor. — A avó estava calma. — Eu sabia que ele ia
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conseguir logo uma promoção.


— Acho que a opoitunidade surgiu e ele aproveitou para pegá-la. — Eve
interrompeu, - Agora, que tal almoçarmos aqui no jardim?
Anna passou a tarde inteira pensando em Paul. Sabia que não se recordava de
tudo. E sabia também que nada ia melhorar, enquanto
ele não estivesse por perto. Será que ia morar na velha casa e conti nuar com
Bronwen e a.sra. Hughes? A casa, agora, como o pai dele queria, devia ser o novo lar
de Paul
Não conseguia se concentrar nas revistas que procurava ler e ficou observando
as flores e os pássaros voando entre as árvores.
Só queria ficar ali, olhando o céu e as plantas, sem pensar cm nada. Oh, mas
daria tudo para voltar à Enfermaria Rowan!
Um carro parou na alameda, atrás do jardim, e nem os latidos de Shane a
tiraram da apatia. Só depois de algum tempo, ela se virou e viu que alguém se
aproximava.
Era. . . era Paul! Não havia jeito de se esconder. Ele estava ali
para vê-la!
Paul se aproximou, tomou seu rosto nas mãos e beijou-a gentilmen te.
Ignorando as cicatrizes, limpou suas lágrimas.
— Minha querida, estas são suas últimas lágrimas. Por que me
rejeitou?
— Oh, Paul, achei que não ia aguentar olhar para mim do jeito que eu
estava. . . e ainda estou. Achei que devia libertá-lo de mim. Sabe?, pensei que tivesse
me abandonado quando eu mais precisava
de você.
— Bronwen mandou me chamar. Eu não pude lhe dizer: meu pai
está morto.
— Lamento. Eu só soube ontem. Se soubesse, teria compreendido.
— Não tenho tanta certeza, querida. Você estava confusa, naquela época. Não
importa sua aparência. Sei quem você é. Não acreditou que eu fosse ficar chocado,
acreditou? Não se pára de amar uma pessoa só porque ela se machucou; só porque a
imagem mudou. Eu
a amava e ainda amo.
— É, agora eu sei. Vovó me disse que você vai morar em Gales, que vai ser
diretor de um hospital lá. Parabéns. Estou contente por
você, Paul
— Começo logo depois do Ano Novo. Mas você aceita casar comi go antes
disso, não, Anna?
— Quer mesmo?
—-Mais do que nunca. Já esperei muito. Nada mudou. Só que agora
poderemos ficar perto um do outro. Quero vê-la sempre
— Na semana que vem?
— Não. Amanhã.
Ele a abraçou, apertando-a com força, durante um longo tempo, como se ela
precisasse de apoio. Depois, levantou seu rosto e beijou-a suavemente nos lábios.
Jane chegou ao jardim e viu os dois se beijando. Sorriu, satisfeita, e entrou
depressa em casa.
Paul estava dizendo, encantado:
— Seus cabelos dourados estão crescendo de novo. Acho que estão perfeitos
para o casamento.
—- Oh, Paul, sinto-me ótima novamente! Quero tanto estar com você, e
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perfeita!
— Eu não disse que quero uma esposa perfeita, Anna. Só quero a minha garota
adorada. — Depois, murmurou no ouvido dela Sua avó está olhando para nós, lá da
janela. Vamos contar a ela. ou acha que já desconfiou?
— Vovó! — Anna pegou a bengala e, ajudada por Paul, cami nhou em direção à
casa. — No começo ela desconfiava — comentou, baixinho, com ele.
— Ê, ela me disse.
— Vai ficar feliz, porque meus pais vão voltar definitivamente para casa. Papai
decidiu que, depois do Natal, não volta mais para a Islândia. Eu vou sentir falta daqui.
— Poderá voltar sempre. Quantas vezes quiser. Imagino que nos sos filhos vão
gostar deste bosque. Precisamos resolver logo quais as mudanças que quer fazer lá
em casa. Novas cortinas, novos móveis. Quero que fique tudo a seu gosto. Vai ser a
sua casa agora. Deve amá-la também...
-— Eu já a amo — ela disse, jogando as muletas de lado e apoiando-se no
braço dele. E assim entraram em casa.

Fim

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