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O ANALISTA: UM SINTOMA

A questão que vou apresentar nessa jornada não é mais do


que uma reflexão sobre um ponto que discutimos ultimamente entre
nós, um ponto que aparece com certa frequência nas nossas reuniões
clínicas. Quando um caso é apresentado nos perguntamos onde
está o sintoma analítico que o paciente traz. Às vezes penso que
colocamos essa pergunta de uma outra forma, qual seja: que sintoma
novo o sujeito produz na análise para que se diga que de fato se
instaurou uma análise?
Tento responder a esta questão a partir de uma afirmação de
Lacan. "o analista é um sintoma", pronunciada no seminário ·o Sinto-
ma' 1975-76. Af lhe é perguntado se a psicanálise é um sintoma
do sec. XX, ao que responde que o sintoma é o analista.
Podemos dizer que o sintoma novo que surge em uma análise
é o analista? O que sustenta esta afirmação? Antes porém de respon-
dê-la, convém definir o sintoma analítico.
O sintoma que o sujeito dirige ao analista é considerado sintoma
analítico se é passível de ser interpretado. Dele podemos dizer: que
é estruturado como uma metáfora. que é uma mensagem e que
na transferência é oferecido ao analista para ser interpretado. J.A.
Miller o define da seguinte maneira: "O sintoma analítico é o que
se articula, se vincula na palavra que se dirige ao analista. formalizado
2 - Editorial

no campo do Outro". Para Freud, este sintoma é uma mentira, uma


mentira sobre o seu gozo. completa Lacan.
Há uma 2~ afirmação fundamental de Lacan, proferida no semi-
nário "o objeto da psicanálise" 1.965-66: Esse ser do saber deve
se reduzir a ser o complemento do sintoma, o analista. Deduz-se
daí que na estrutura do sintoma uma complementação se faz neces-
sária e que justamente é o analista quem o completa.
Em 1 ~ lugar foi dito que o analista é um sintoma. em ~ que
o analista é um complemento do sintoma. Nesta série, em 3~ diria
que o analista é uma formação do inconsciente, ele ~ uma formação
como outras do inconsciente. Exatamente o analista completa o
sintoma porque ele é uma fàrmação do inconsciente. Aliás é _isto
o que garante, o que torna possível a existência mesma do anahst~ ,
o fato dele ser uma formação do inconsciente. Para sermos ma1s
precisos torna-se necessário evocar aquilo qu; o legitima.. que o
sustenta, que é a transferência. Ora. a transferenc1a na teona freu -
diana não é mais que uma produção inconsciente, um fenômeno
do inconsciente, mais precisamente uma formação do inconsci~nte.
Só podemos responder sobre analista a partir da transferência e
só podemos falar da transferência a partir do inconsciente. A este
respeito Míller faz um comentário interessante, onde ele 1nverte os
termos. "Não devemos dizer que existe a transferência porque existe
o inconsciente; bem ao contrário: que a transferência é a prova
da existência do inconsciente , isto é do amor do inconsciente. uma
vez que se define a transferência também como amor". Ainda sobre
a transferência, Lacan acrescenta: seu pivô é o Sujeito suposto saber,
ou seja o paciente atribui ao analista um saber que na verdade
é um a~or ao saber. Saber sobre o quê? Sobre o meu inconsciente
diz Lacan no seminário 20. "Mais ainda''. O Sujeito suposto saber
é por Lacan definido em Television como sendo uma manifestação
sintomática do inconsciente.
A este respeito sabe-se que em uma análise só há um sujeito
que é o paciente: o analista se encontra do lado do objeto. Sobre
o suposto saber, ele é suposto. pois o analista não ocupa ~sse
lugar de grande, de mestre, ao contrário ele faz semblante do objeto
a.
Assim, como o sintoma, o analista é uma formação do incons-
ciente, que é formulada a partir do recalcamento. Pod~mos entã?
fazer uma conclusão: assim como o sintoma para a ps1canáhse e
o sintoma neurótico, ou seja, aquilo que retornado recalcado. també_
m
a transferência se faz a partir do recalcamento. Poderfamos até ams-
car: a transferência existe como um retorno do recalcado. Só há
Editorial - 3

transferência, no sentido freudiano. para a neurose. Não há nenhuma


novidade nisso. pois quando discutimos a partir da clínica, a transfe-
rência na psicose e na perversão toma-se questão polêmica.
Portanto poderíamos concluir com esta equivalência: o sintoma
para a psicaná~se é o sintoma neurótico, esse que é interpretável
e qu_e se constitui a partir do recalcamento; por sua vez a transferência
se constitui também na vertente do recalcamento e só por isso o
analista pode ser colocado nesse lugar de Sujeito suposto saber
que secve de garantia para a interpretação.
Para demonstrar esta afirmação recorrerei a Freud lembrando
1? que este divide a clínica em neuroses narcísicas e neurose de
transferência. Freud não diz que há transferência em todos os casos
Sobre a transferência na psicose é importante lembrar que aí se
encontra um ponto de discussão.
Em .2'? lugar, gostaria de assinalar que Freud também nomeia
de neurose de transferência esta nova neurose, este fenômeno que
se produz em uma análise. Donde podemos dizer que esta nova
neurose que se produz no tratamento analítico, se faz a partir do
analista. Sendo ela condição indispensável para estabelecer uma
análise, é nesse sentido que definir o analista como uma formação
do inconsciente ganha importância, pois é ele este elemento que
vem completar o sintoma, portanto artifício imprescindível para criar
condições para o trabalho analítico, mais exatamente condição para
que o analista possa interpretar.

M. Angélía Teixeira
CASOS CLÍNICOS

PERVERSÃO: UMA DJF(CJL DEMANDA DE ANÁLISE•


Maria Luiza Mota Miranda

Não é comum encontrar na bibliográfia psicanalftica, salvo em


referências literárias. exemplos de 'perversão. Quando, portanto, re-
cebemos em nosso consultório, há quase três anos, num ritmo de
três sessões semanais, um paciente que nos indica uma aproximação
tão efetiva dessa estrutura, não podemos nos omitir de discussão.

Freud e o tratamento do perVerso

Se Freud observa ser a perversão uma solução mais cómoda


e satisfatória do que a neurose e que esses sujeitos, quando conse-
guem obter satisfação, raramente procuram o analista; por outro
lado, ele os têm como "pObres diabos" obrigados a se submeterem
a exigências cruéis. Inclui em seus casos autênticos petVersos que
possuem fortes motivos pa~ demandar uma análise . Por exemplo,
na descoberta de sua impotência quando tenta manter relações oom
mulher, ou quando têm suas atividades pervenidas pertubadas pelo
aparecimento de insuportáveis idéias obsessivas.

• Apresentado na Sessifo ClíniCa, do dia 11110189- Cf/BA


6 - Maria Luiza M. Miranda

Efe vai fazer uma advertência ética no sentido de que o analísta


não deve prometer cura de uma atitude tipicamente perversa. Quando
a impotência é fruto de sua estrutura masoquista, ou, do homos-
sexual, verdadeiro perverso, o analista não pode esperar uma mu-
dança de conduta, uma mudança de eleição de objeto.
Ainda que não seja nosso propósito discutir aqui se uma estrutura
perve~a pode ou não fazer análise, devemos marcar sua importância
na clfniCa atual. Não é atoa que nas intervenções de J . A. Miller
. o perverso é situa9o como .analisante ético em sua constatação
de que homossexuais masculinos procuram o analista. Ele vai colocar
o perverso em análise como um perverso paradoxo. Do lado do
Gozo expressa certeza a propósito de sua obtenção. 0o lado do
desejo há um nível de experiência que parece insa~isfazê-lo a respeito
de sua própria satisfação. Af ele diferenciará dois nfveis, entre desejo
.e gozo, onde definirá a divisão do sujeito. Se um perverso vem
à análise obs~rvamos o seu desejo escondido, inibido, perplexo,
ou que não va1 bem. O que o leva a questionar se o perverso em
análise é um verdadeiro perverso.
A q~estão que coloco nesse ponto é se o paradoxo do perverso
em aná11se não é fruto da contradição própria de sua posição diante
da castração. Dizer freudiano, da coexistência de dois tempos contra-
ditórios: ·

tempo 1 -- uma primeira queda da premissa universal do falo


- o reconhecimento da castração.
tempo 2 - o desmentido desse reconhecimento.
Assim o perverso ultrapassa a castração para desmenti-la no
real. Efeito apotropáico, situado por Freud, na "Cabeça da Medusa".
Tantas vezes desmente, tantas vezes a serpente o indica.
Como assinala lsidoro Vegh, quando o Outro não aceita a cumpli-
cidade, quando o Outro sai de cena pode-se falar de tempo de
queda para o perverso, de tempo possível de demanda de análise.

Ocaso

A demanda de análise desse paciente não se dá pela interro-


gação de sua homossexualidade. Ao contrário de querer sair dessa
posição, vem pedir uma melhor convivência.
· Sua queixa inicial e sua insatisfação residem na dificuldade de
"se encontrar nos relacionamentos, não conseguindo mantê-los por
Perversão; uma demanda de anáüse - 7

mais de três meses. aliado a um medo súbito de ficar maluco e


passar mal".
Desde o início, não sem um certo constrangimento, se diz homos-
sexual, afirmando não ser essa sua problemática.
Nos três Ensaios Freud afirma que quando o sujeito se define
ele mesmo como homossexual, o que define af é sua posiçãp_subje·
tiva em relação à eleiçao de objeto. J.A. Miller observa nio ser
isto suficiente para dar conta de uma estrutura e incluir o homosse-
xualismo como uma categoria da perversão. É necessário ir mais
adiante e procura as razões que presidef11 essa escolha.
A estrutura freudiana da perversão é definida a partir da fantasia.
Ainda assim, diante dessa impossibilidade de, fenomenologi-
camente distinguir neurose e perversão, Patrik Valas sugere. a partir
da fórmula freudiana "a neurose é o negativo da perversão", uma
direção. Essa fórmula só pode ser mantida quando se considera
que a passagem ao ato da faptasia perversa np neurótico é isolàda,
ocasional. Enquanto que, para o perverso, a cond\Jta sexual é es.te-
reotipada e fixada em modos particulares e repetitivos, evocando
a noção de uma estrutura subjacente que a determina.
Temos diante de nós um paciente com uma conduta sexual
fortemente enraizada, bem instalada. Ele não nega a possibilidade
de transar com mulher, até sentir tesão, mas sabe não estar aí
sua car.ga libidinal. Chegou a ter uma ou duas relações, acompa-
nhadas de uma certa tensão. Na primeira tentativa, na adolescência,
com uma prostituta, frustrante, não conseguindo ereção, termina
por adquirir doença vênérea. Uma nova experiência ocorre, quando
adulto, obtendo algum resultado. ·
O seu tempo de análise coincide com o início de um relaciona-
mento com um parceiro, transformando-se em um casamento, em
nada diferindo de um par heterossexual. Elé é o chefe da casa,
o ativo. A passividade permanente do parceiro por vezes o incomoda
já que em algumas ocasiões sexuais gostaria de trocar de posição
Montam negócios em comum, tudo é dividido. S.ua sogra é que
é o agente ameaçador der reláção.
O excesso de gozo é uma característi~ marcante de sua sexuali-
dade. Sentia-se hipertrofiado, possuidor de prazer demais.
Desde a infância, 5 anos, suas lembranças remontam a fanta-
sias, desejos e experiências infantis com outros meninos. Passava
muito tempo trepado em uma árvore, isolado, os pensamentos sexua·
lizados. Sentia-se diferente, inferior ao se ·identlficar com o cabelei-
reiro e o costureiro. Só depois, com a televisão é que descobre
8 - Maria Luiza M. Miranda

que podia ter uma relação com outro homem, com alguém que fosse
homem como ele. Ser chamado de "viado" o incomoda.
~s Conferências Introdutórias Freud vai dizer que os homos-
sexuais são pessoas ~ ue "riscam do seu programa a diferença entre
os sexos" , " que se comportam em relação a seus objetos sexuais
da mesma forma como as pessoas normais o fazem com os seus".
O paciente relata uma fantasia em que atribui um vatqr determi·
nante, desencadeante em seu processo. Aquela noite em que dOrme
com o avô e tem a impressão, não sabendo se foi sonho ou realidade
de que aquele bulina seus órgãos genitais. Isso o leva a associa(
outra cena em que. à noite, beija a boca do irmão adormecido e,
assostado, volta a dormir. Essa fantasia tem se repetido em slJa
história como uma compulsão e como passagem ao ato .
Freud nos diz que tanto a perversão·quanto a neurose podem
pr~~ver essa fixação em uma satisfação pulsional, obtida pela cena
'?':,lmi!IVa, sob a _forma de uma fantasia. Tratar-se-ia de uma expe-
nencla verdadetra, fator des~ncad~~nte, produzida em tor~o dos
6 ano~, na resolução da d1alét1ca ed1p1ana. Essa primeira vez, regis-
trada Intensamente. deixa impressão memorável.
Só que o retomo dessa fantasia tem valor marcante em sua
vida. parecendo ocupar uma posição específica na composição de
sua estrutura. Isso que volta como tic-nervoso, às vezes sem prazer,
que o ordena a bulinar os órgãos de adolescentes que dormem
ao seu lado, retoma também para ratificar seu lado "via~" promís-
cuo, de fi~r por baixo, passivo. São situações de aventura que
envolvem nscos e em que sente um certo incômodo, perverso, train·
dO, mas o excita demais. Com desconhecidos com o motorista do
taxi ou o vigilante de um prédio. Como naqu~la noite em que leva
o assaltante para dentro da casa dO amigo e transa com ele passiva-
mente. Foi excitante demais, depois dormiu. tranquilo.
Numa posição em que alcança a voluptuosidade pondo-se abso·
lutamente à mercê do Outro, como objetivo de seu Gozo. Em posição
de Obj. a, deseja o sujeito dividido, porém, no Outro.

a O. s

~içã~
Discurso Perverso

su;eito desejo de
Perversão: uma demanda de análise - 9

Perversão: um exame do Édipo

O que Freud vai propor para dar conta de estrutura perversa


é u~ _exame do homo~exuâlismo à luz do complexo edipiano. Ao
subjetlvar o ~rama dO Edipo, ?e sua dialética. a posição dO sujeito
desembocara em uma das tres categorias: NE, PSE, PVE ou, no
dizer de Lacan (Sem 111)
.. . " n~o podemos articular o C.E. sua cristalização, suas diversas
modalidades... a não ser na medida em que o sujeito é, ao mesmo
tempo, ele próprio e os dois outros parceiros. É o que significa o
termo identificação''.
É nessa direçã~ que o paciente descarta e hipótese genética ·
de sua homossexualidade para. em seguida, implicar os pais: " Se
eu tivesse tido outros pais.. ."
Freud vai desvelar o falo em sua função imaginária.
. Na Qêne~e da perversão, na situação original em que a criança
e pr~sa a mae em uma relação constituída pelo ternário - Mãe
- cnança - falo imaginário - . nesse período pré-edipiano o falo
~eenche a função do terceiro faltante, do pai enquanto função simbó·
hca. " Ele nunca ocupou o lugar de pai ou de marido. Ele sempre
foi um galã. Era omisso".
Sob o ângulo da identificação paterna ele retoma a essa proble·
mática: " Coitado de papai. Mamãe não permitia ser desejada. Não
permitia que ele ou alguém pudesse odiá-la".
Pelo desmentido da castração o sujeito é conduzido à construção
da fantasia da mãe fálica.
. De início ele vai apontar sua relação intensa com a mãe. Seu
ma1or prazer era adoecer. isso o fazia ser cuidado por ela. Na puber·
dade adoece e, longe de casa, retoma ao seu encontro. A neces-
sidade do cuidado se transforma numa repulsa intensa que só a
distância vai dever o seu controle.
Em Leonardo Da Vinci é o horror da castração da mãe que
convertendo a relação erotizada no oposto sentimento de repulsa
leva, na puberdade, à homossexualidade.
"Eu a deprecio por ele me amar demais". Resultado de uma
identificação paterna já que a este atribui a castração da mãe. Evo-
cando aí a atitude dividida do sujeito porque venera e, ao mesmo
tempo, hostilizao seu objeto de amor.
<?om o des~entido da castração na mãe ele se abriga de sua
pró~n~ castraçao, fazendo economia de sua angústia. Mas essa
angust1a retorna sob a forma mascarada de receber uma punição
1 o- Maria Luiz a M. Miranda

do pai. O sonho de angústia em que a mãe procura o pai na cama


e é recusada, humilhada. Ele o odeia, em sua traição preferia vê-lo
morto a castigá-la. Era terrível o seu terror quando da chegada do
pai em casa. Protegia-se na mãe. Por quê aquele medo de ser
castigado? Ao contrário. não se lembra de ter apanhado do pai.
Resvala aí, de sua problemática, o sopro da castração.
" Meu pai não serviu nem para ser meu espelho. Ele pisa na
minha masculinidad~. Pisa nos meus órgãos genitais, machuca-os,
deixa-os defeituosos".
É assim que levantar a hipótese do homossexualismo dirigido
ao pai, como um boicote, um desafio à lei, já que não tem o seu
amor e não o toma como modelo, parece soar falso. " Eu era homos-
sexual antes dessa questão com meu pai. Não q~ero ficar atribuindo
causas só para garantir que é uma verdade. E claro que vou ter
esse traço por toda a minha vida".
."O homem pode fazer tudo o que quer, sem culpa. A mulher
é muita iraca. O homossexual ocupa uma etapa intermedi~ria" .
O homossexualismo é uma forma de se depreciar. E do lugar
da mãe, se identificando com ela que se desvaloriza, escolhe o
objeto de seu amor, marcando assim sua posição homossexual.
Desse lugar pode também se identificar ao pai, " o máximo em
tudo". Até as doenças. escolhia as que pudesse diferenciá-lo " Ser
homossexual. ter AIDS, ter câncer na vagina é ser diferente". Não
se importa de ser homossexual. contanto que se destaque.
Isso seria ser jardineiro.
O outro caminho é ser engenheiro elétrico. Se pudesse optar.:
optaria por esse. Só que ai há dois problemas . Um, ser sacana·
como o pai, depreciando as mulheres. O outro. e esse é impossível
de ser resolvido. é ter desejo só por mulher.
Afirmando assim sua certeza dos meios de obter satisfação
sexual, seu Gozo. Na direção proposta por J.A. Miller, para separar
o campo perverso do campo neurótico; diferenciando Gozo e desejo. ·
A propósito de como gozar ele sabe onde ir, demonstrando o real
de seu gozo como constante.
''Sei que isso não vai mudar, e não quero mudar" .

A Dimensão simbólica do perverso

Freud deixa a Lacan o legado de resgatar a função simbólica


do falo no perverso.
"Todo o problema das perversões consiste em perceber como
a criança. na sua relação com a mãe, relação constitufda na análise,
Perversão: uma demanda de análise - 11

não por sua dependência vital, mas por sua. dep~ndência de ~eu
amor, isto é, pelo seu desejo. de seu dese)O: 1de~tlfica-~e ao .objeto
imaginário desse desejo, enquanto a próprta mae o s1mbohza no
falo. . , . , h
O falocentrismo produzido por essa d1alet1ca e tudo o que ave-
ríamos de reter aqui" . . .
O que quero resgatar é a insistência de Freud .em s~us ult1mos
trabalhos sobre a perversão, de atribuir-lhe a coex1stênc1a de d~as
posições inconciliáveis : . . .
-uma primeira aceitação da queda de~se pnmetro saber. Todos
têm falo. Portanto. a inscrição da castraçao. Portanto. o reconhe-
cimento da falta no Outro .
.:..._ para, num segundo tempo, uma açã~ enérgica de recusa
da castração, um desmentido. Uma obturaçao, no real, no lugar
da falta .
Então, podemos dizer que há nessa atitude dividida e.ntre _o
desmentido da castração e o seu reco~heciment? ~ a dete~~1naçao
do sujeito marcado pelo selo da castraçao. p SIQnlftcante fahco ope-
rando através dos seus efettos. O problema e que no real o desmente.
É esse vai e vem entre desmentido e reconhecimento que coloca
a dificuldade do diagnóstico entre perversão e neurose.
Podemos, a partir da posição subjetiva do paci~nte, obs_e.rvar
essa d ialética, essa luta entre a existência do s1gntflcante fahco
e a recusa de colocar a mulher como castrada.
Se a análise o faz retomar o seu desejO' por m ulher, .ele não
suporta falar desse tema, fica ansioso. Receia ser ~wess1vo com
elas machucá-las. Não tem saco para o lado fraco femtnmo. lncomo-
da-~e com a visão dos órgãos genitais femininos. A ameaça da
castração, provocando horror e desprazer, impõe a razão de sua
escolha de objeto. _ .
Numa sessão em que comenta de sua relaçao com o parce1ro,
diz:
" Sou homossexual entre aspas.. . Minha relação com fulano é
como· se ele fosse uma mulher... Parece que, naturalmente, cada
um foi tomando sua posição. Não é procurar uma mulher transando
com um homem ... Ontem pensava no primo adolescente ~e fulan~
e me identificava com ele. De repente me ve1o, - .a ma? dele e
Maria Pinto - . ocorrendo, na sessão, a segunda af1~maç~o ~ eu
poderia ser Maria Pinto -, e, fi ~al~ente, - Fulano e Mana .Pmto.
Numa outra sessão, dando continUidade a .e~se tema, ele va1 d1zer
que Fulano é a mulher ideal. porque tem pents.
12 - Maria Luiza M. Miranda

Se es~ repr~ntação da fêmea fálica se fixa na ttiança, resiste


~ todas as 1nfluên?•as ulteriores da sua vida, deixando 0 homem
ncapaz de ~~unc1ar ao pênls de seu· objeto sexual. Então, para
que esse SUJeito possa ter uma vida sexual normal, ele, necessaria-
mente, se tomará homossexual.
Essas duas afirmativas:
FULANO É MARIA PINTO
e
. FULANO _É A MULHER IDEAL PORQUE TEM P~N/S,
abng~m em ~ o duplo movimento - reconhecer e desmentir -
g_
enénco a toda perversão.
"MEU CORPO DÓI"

Sonia Vicente

Utilizando-se da dor como estratégia para chamar atenção sobre


si, uma paciente me procura se queixando de dores intensas na
região abdominal que se refletia nas pernas, impossibilitando-a de
andar. Esta sintomatolog\a lhe fez mobilizar aqueles que a cercam,
lhe levou a diversas consultas médicas, e inibiu e cerceou suas
ações. .
Lacan é exigente quando diz que uma verdadeira demanda tem
que ser livre de um sintoma, ser diferente de uma demanda de
cura. Não se reconhece aí o sintoma como obsessivo, histérico ou
fóbico, mas sim como sintoma analítico, ou seja, em situação de
fazer emergir o sujeito a partir deu ma abertura ao Outro. O importante
é o sintoma estar preso à transferência: o sujeito colocar o anaHsta
no lugar daquele que sabe sobre sua verdade; no lugar do Sujeito
suposto saber.
J. A. Mitler (4) nos lembra também que basta o fato do sujeito
ir ao consultório para haver uma demanda. O fato de alguém, no
início do tratamento querer ser livre do seu sofrimento, não deixaria
de se constituir numa demanda, ainda que seja uma demanda de
bem estar, apenas.
A paciente ainda se lamenta, não se implica totalmente naquilo
que se queixa. Fazê-la responsável pelo que lhe ocorre, m1-1dar sua
14 - Sonia Vicente

posição subjetiva frente às suas queixas seria um dos direciona·


mentos das entrevistas preliminares. A questão ética está em avalizar
o momento de entrada em análise. Para a psicanálise o momento
dessa verdadeira decnanda se inicia além daquela de bem-estar
que inicialmente a paciente ingenuamente traz.
Podemos abordar um outro pOflto que concerne ao sintoma
com sua prevalência na entrada em análise. sua problemática tera-
pêutica, o seu desaparecimento e sua relação com a fantasia, saben-
do que esta é um constructo em análise e cuja traves~ i a aponta
para o final da análise.
Num primeiro momento consideramos o sintoma como uma men-
sagem dirigida ao Outro, mensagem que o sujeito não consegue
decifrar e que entrega ao Outro para que este decifre por ele. Sabe-
mos contudo que no sintoma além de sua decifração, há algo que
serve ao sujeito e que vai além do prazer ou desprazer que este
possa lhe proporcionar. Os sintomas, por mais típicos que sejam,
não caracterizam, de per si. a posição do sujeito em relação' à estru-
tura à qual pertence. Sendo assim, na clínica, além da sintomatologia
temos que nos orientar pelo discurso do paciente - entêndendo
por discurso em psicanálise o tipo de ''laço social" no qual o sujeito
se inscreve.
Freud (2) nos afirma que fantasias inconscientes são precursores
psíquicos imediatos de toda uma série de sintomas histéricos e estes
nada mais são que fantasias inconscientes exteriOf'izadas pela con-
versão. O sintoma intervém compensando o fracasso~ recalque.
Pacientes como Oora, Ana O. Elizabeth von R. mostraram a
Freud que seus sintomas. a priori, consistiam na hipererotizaçào
do corpo.
Serge André ( 1) nos diz que na histérica a identificação imagi·
nária. falha e precária, possibilita a invasão por parte da função
sexual na função orgânica, ou seja, o triunfo do desejo sobre a
necessidade que se apossa do órgão e o toma puramente sexual.
A função de órgão se apaga e fica inteiramente ao dispor de sua
função na fantasia. A fantasia de tamponar a falha da imagem corpo-
ral que deixa aparecer o real do corpo dessexualizado, exprime-se .
no sintoma pelas simbolizações e conversões. A simbolização histé-
rica do sintoma, a conversão. tenta reparar essa falta invadindo o
imaginário. · .
A paciente nas entrevistas preliminares falou exaustivamente
de sua dor e da cirurgia a que se submeteu com retirada de umá
trompa e um ovário em decorrência de um cisto. Depois dessa catarse
não mais retornou. Nesta ocasião,. a simi>Jes possibilidade de falar,
Meu· corpo dói - 15

de poder significantizar de algum modo sua dor. sem estar ainda


sob transferência, pode-lhe ter feito recuar.
Tal atuação pode ter também um outro entendimento, se obser-
vada sob o ponto de vista da estratégia da histérica, que é a de
suscitar o desejo do Outro e posteriormente sair ?a cena esqUiv~n­
do·se como objeto. Ela aceita ser causa de deseJo com a cond1çao
de não ser o objeto desse desejo. .
Recentemente volta a me procurar vez que " tudo continua um
pouco pior". A dor agora se estende por vários lugare~. Além da
região abdominal toma as mamas e a cab~ça, se 1rrad1a. para os
membros inibindo seus movimentos e lhe de1xando depnm1da.
Sob o signo da depressão podemos entrever a insatisfação cons-
tante que a acompanha. O que lhe apavora é sempre pens~r .que
a dor pode ser causada por uma doença grave. Dai va1 aos med1cos
constantemente, necessita fazer todos os exames para ter uma con-
firmação, para obter um saber sobre a sua doença. ~ab~.r no qual
não acredita mas, retoma sempre à procura de um s1gmf1ca~te no
Outro que possa diminuir sua angústia, esta falta que se manifesta
tão claramente no real de seu oorpo.
Após o nascimento do filho. para ter relações sexuais com o
marido é preciso que ela o procure, o que se recusa alegando:
"se ele procura outras, por que não a mim?"
Essa pergunta que a paciente se faz, emb?ra ainda não faça
questão enquanto sintoma an~lítico , é um embn~? da pergunta que
a histérica se formula: ''o que e ser uma mulher?
Nesse sentido ela fantasia que as mulheres possuem alg~ que
ela não tem e as inveja- sentimento que aparece em todo.relaclo~a­
mento com a figura feminina. Tenta competir com uc:na rival 1mag1nana
melhorando sua aparência, busca um reconhectmento, querendo
ser olhada, admirada, procurada. mas não obtém êxito; não se sente
reconhecida enquanto mulher.
Dá-se aí a busca incessante mas ao mesmo tempo inapreensível
da identidade feminina: pede ao Outro algo que ele não pode lhe
dar. um significante que a possa representar.
A paciente apresenta ainda uma compulsão à arrumação e à
limpeza. Impecável no vestir, se preocupa excess~vamente com sua
aparência. Pode-se pensar que essa pre?cupaçao e~cess1va oom
sua imagem decorre da falta de uma Identidade propnamente fem1·
nina, o que faz com que sua ident.ificaç~o imagi~~ria se apresente
em falso. Sua imagem corporal vac1la. da1 e_la prec1sa reassegurar-se
a cada momento de sua feminilidade.
16 - Sonia Vicente

Numa sessão em que chega em pânico, relata que no meio


da noite havia recebido um telefonema anônimo de um homem que
Ih~ falava obscenidades. Apesar de apavorada com o que ouvia
não desligou o telefone. Após o telefonema trancou a casa e se
deu conta que o que mais temia era o que desejava: que as situações
obscenas acontecessem realmente.
Vemo-nos diante de uma fantasia bastante comum na clínica
a fantasia de estupro - na qual a mulher se coloca na posição
de objeto de uso de um homem, sujeita às suas perversões mas
sem nenhuma implicação na cena: ela é "obrigada'' e por isso não ·
corre o risco de realizar seu desejo, mantendo-o, como uma boa
histérica, sempre insatisfeito. ·
A paciente não fala de sua fantasia, fala de seu sintoma. Lacan
(3) nos diz que " a frigidez supõe toda a estrutura inconsciente que
determina a neurose, inclusive se aparece é fora da trama dos sinto-
mas." Podemos fazer uma articulação desse sintoma dor, dor em
várias partes do corpo, com a dor da penetração (dispareunia): cadeia
associativa de significantes que leva ao gozo e à questão do gozo
na mulher, cor:n a fantasia de estuprá.

BIBLIOGRAFIAS

1. André. S. - O QUE QUER UMA MULHER? - J . Zahar Editor, 1987


2. Freud, S. - em Obras Completas: FANTASIAS HISTÉRICAS E SUA RELAÇÃO
COM A BISSEXUt\LIDADE - Vol. IX. lmago Editora Ltda. - 1969
3. Lacan. J - em Escritos 11: IDE IAS DIRECTIVAS PARA UN CONGRESSO SQ.
BRE LA S EXUALIDAO FEMININA- Siglo Velntiuno Editores S!A,
1984.
4. Miller, J.A. - em Percurso de Lacan - Uma Introdução: SINTOMA E FANTASIA:
DUAS D IMENSÕES CLÍNICAS - J . Zahar Edil()(, .1987.
INTERVENÇÕES

PERVERSÃO E SUBLIMAÇÃO•
Serge Cottet

É um assunto que tem hoje uma atualidade especial e anteci-


pa-se. com efeito, ao próximo Encontro Internacional do Campo freu·
diano de 1990 em Paris, cujo tema é "Traços de perve~ão .nas
estruturas clínicas". Ao mesmo tempo, a respeito do Sem1náno_A
ética da psicanálise, vou introduzir a questão da perversão em relaçao
à sublimação, que é uma categoria desenvo!vida por Lacan neste
seminário, de uma maneira relativamente d1ferente da de Freu~.
Hoje, a minha contribuição consistirá em re_stabelecer uma. espéc1e
de continuidade entre essas duas categonas fundamentais, e em
mostrar a proximidade que existe entre a perversão e a ~riação.
É pois, o tema da sublimação, especialmen~e a ·c~1ação. que•.
segundo Freud dá um valor universal a um desejo partlcula~, e vat
nos servir de ponto de partida, notadamente do ponto. de v1s.ta ~a
literatura e da criação estética. Corno vocês sabem, fo1 na cna9~
estética que Freud justificou a sublimação e entre~ textos essen.c1a1s
sobre essa questão, há um sobre a juventude de um grande cna~or
estético. e não é por acaso que ele escolheu ilustrá-lo a res~1t~
de um perverso. Refiro-me à correlação entre Leonardo da Vmc1
e sua obra.. Vocês sabem que essa correlação é operada por Freud
em um texto· célebre, aí onde ele faz operar ao mesmo tempo a
perversão homossexual e a criação, a partir do desejo da mãe.
O tema da completude maternal pela criança, a criança satu-
rando o gozo materno, é para Freud a matriz da representação de

• Conferência proferida na Faculdade de Filosofia e Ciên cias Humanas da UFBa .•


em abril de 1989.
18 - Serge Cottet

Leonardo da Vinci. Dito de outra forma, Freud sempre procurou rela-


cionar a sublimação com o que há de perverso na sexualidade.
Ele não oonsiderou a sublimação ou a criação como se aUmentando
de uma sexualidade normal. Não há continuidade entre o ídeal genital
da procriação e o ideal estéticO da ·criação. É pois sobfe o fundo
das pulsões ditas parciais, e sobre o fundo das aberrações da sexua-
~dade que deve ser procurado o ponto de partida do ato estético.
É a tese central dos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade"
de 1905. Freud faz a demonstração a partir da pulsão do olhar,
do "voyeurismo". É a mesma correlação que encontramos em Lacan,
no privilégio outorgado à pulsão escópica, o seu papel notadamente
na pintura, com o seu tema célebre, o falo num quadro.
Se é pois nesta parte perversa da sexualidade que se acha
contido o mistério da sublimação, deve-se questionar a tese clássica
da dessexualização. Este questionamento é evocado por Lacan, a
respeito de um tema histórico muito conhecido, que é a homosse-
xualidade da Grécia antiga, na sua relação com o discurso da educa-
ção, que ele distingue da história da homossexualidade árabe na
sua relação com o cristianismo. Pode-se ainda evocar o gozo dos
estóicos que Lacan chega a encontrar no interior da lógica estóica.
Mas, de uma maneira geral, seria errado se surpreender com essa
correlação entre o tliscurso e a pulsão.
A tese freudiana sobre as pulsões sexuais é que estas nunca
'se' satisfazem em estado bruto. Não há um estado bruto e outro
civilizado das pulsões, elas não são como o instinto e a necessidade,
a sua natureza é de estarem sempre insatisfeitas. Daí a sua satisfa-
ção, que podemos dizer "natural", na mediação da linguagem do
inçonsciente, do discurso em geral. Freud já considerava que as
pulsões eram determinadas pela gramática enquanto Lacan afirma
o serem pelo significante.
Em relação ao amor sexual, pode-se sempre acreditar que ele
não é limitado pela imaginação. Isso não impede que a posiçao
do sujeito na relação sejà extremamente ~mitada por essa sujeição,
por esses dois significantes que são o l)omem e a mulher. Fazer
o homem, a mulher ou a criança. Não há tantas outras escolhas
possíveis. Portanto, as pulsões estão na dependência do Outro, do
desejo, da demanda do Outro e deste modo alienadas ao discurso.
Quando Freud define a sublimação, como a inibição da pulsão a
respeito do seu alvo, como falhando no seu objetivo e como derivação
da sua finalidade, nos perguntamos se não está af justamente a
própria essência da pulsão, que é a de não atingir definitivamente
o seu objeto e girar permanentemente ao redor, ficando assim entre-
Perversão e sublimação - 19

gue à insatisfação. Daf, a tendência a buscar uma outra satisfação,


aquela que justamente a linguagem permite, no ponto em que possa
existir uma pura satisfação do inconsciente.
Às vezes chega-se a gozar do sentido da palavra, de coisas
que agradam, que dão prazer e que se parecem com o amor sexual,
como por exemplo, fazer poesia, sem nenhuma satisfação direta
da pulsão. Se isso é verdadeiro para a pulsão em geral, é ainda
mais verdadeiro para a estrutura da perversão, que é o produto
de uma montagem complexa e que está longe de ser o estado selva-
gem das pulsões. ·
Freud inclusive, contestou sua própria tese, de que elas teriam
o seu protótipo na infância, de que as perversões seriam uma repro-
dução de um estágio pré-genital. Quando ele descobriu a fantasia
masoquista "bate-se numa criança", deduziu que era preciso fazer
entrar as perversões no interior do quadro do complexo de Edipo,
quer dizer,em funçao da relação do sujeito com o pai. É pois, uma
concepção extremamente estilizada em Freud e que se opOe à tese
unilateral da perversão como fixação, como por exemplo, a dos ameri·
canos, especialmente Stoller, nos seus estudos sobre o transexua-
lismo.
Esse conjunto de consíderações nos conduz a tratar a perversão
a partir do discurso que o perverso expliclta, que nos parece tão
importante quanto seu comportamento. Dáf esse interesse em Lacan
pela articulação do discurso de Sade, o célebre Marquês de Sade,
·que ele não hesita em confrontar com a filosofia moral de Kant.
Há com efeito um parentesco de estrutura entre os dois aiscu.rsos,
aberto pela questão do sujeito universal do direito, que a república
Francesa desta época fez emergir. e o que em Sade é a questão
do direito ao gozo. Portanto, vocês podem ver que a perversão em
Sade não é uma questão de brincadeiras na alcova, é também a
constituição do direito do homem.
Mas, eu gostaria de ilustrar de maniera mais concreta essas
palavras, não sobre Sade ou sobre os gregos, mas sobre uma obra
literária, que nos ensina muitas coisas sobre sua própria genealogia,
se a tomarmos pelo lado da perversão, sem proceder, contudo à
psicanálise da obra literária. Trata-se da obra de André Gide, comen·
tada por Lacan em 1958, num célebre artigo chamado: Juventude
de Gide.
Perguntemo-nos o que é que esta obra nos ensina sobre a
psicanálise. da mesma maneira que a leitura de Sade nos faz com-
preender o tema lacaniano da divisAo do sujeito e da estática da
20 - Serge Cottet

fantasia. É nisto que a obra de Gide pode ser a solução apontada


pelo autor para sua falta-a-ser. Da mesma maneira que há uma
criação na psicose sobre o fundo da foraclusão, e do mesmo modo
que há na neurose sobre o fundo da castração, perguntemo-nos
sobre a questão da criação na perversão a partir do que falta ao
Outro. Conhecemos o tema célebre do fetiche; colocado no lugar
da falta da mulher, e sabemos que a letra ou a escrita pode ocupar
esse lugar. É o que Lacan indica no sub-título Gide-a letra e o desejo.
Evidentemente, nem todos os perversos são criadores. ~- se
colocar muitos fetiches no lugar do nada. A questão é saber de
que maneira um discurso e particularmente uma escrita literária po-
dem vir a suprir uma hiãncia entre o homertl e a mulher. A respeito
de Gide e a respeito da escrita de Gide, não somente da sua vocação
como escritor, mas também ao nível da elaboração de um estilo.
podemos ver de que maneira as diferentes etapas da sua criação
estão governadas pelas complicações do desejo perverso, especial-
mente, da perversão homos~xual. Mas, todo problema reside e'il1
saber que tipo de homossexual foi Gide, se os 1raços de perversão
que nele se encontram são uma manifestação de sua estrutur'e.
Lacan, no seu texto, se preocupa especialmente com esta particula-
ridade, na medida em que ele toma o sentido oposto de um certo
número de clichês sobre a gênese de uma perversão.
Vou fazer três observações a esse respeito. A perversão de
Gide pPimeiramente se es1eode PQf um longo periodo de tempo,
não é fixada na infância e tem etapas. As etapas essenci~s são
a adolescência e a idade de 25 anos, pricipatmente, a sedução por
sua tia quando ele tinha 12 anos. e a sua partida com 20 anos
para Argélia à conquista de jovens árabes. E depois, um intercâmbio
de cartas com a sua mãe, que foram recentemente publicadas na
França, o que faz com que hoje em dia saibamos mais que Lacan
sobre Gide. Isto faz com que a obra de Lacan fique mais profética
ainda, o que quer dizer que nem tudo já está resolvido, à idade
de 5 anos, como acreditam os psícalistas. Dizer que há uma série
de condicionamentos edipianos ou pré-edipianos, são certezas con-
fortáveis, mas não funciQnam .
Segunda observação: Lacan considera que a posição subjetiva
de Gide em relação ao gozo é da heteros.sexuatidade. A sua escolha
importante não foi a multidão de garotos mas, a escolha amorosa
por uma mulher, que foi neste caso a sua prima. Madalena, única
na sua vida e que se tornou sua esposa.
O que interessa a Lacan é a significação da clivagem do sujeito
e não do objeto, isto é, a disjunção entre uma· única mulher e uma
Perversão e sublimação - 21

multidão de jovens. Uma única mulher, com quem nunca teve relacio-
namento sexual. Ele o diz, e escreveu muitas obras sobre esse
tema. Ele se explica longamente, faz com que falemos, faz falarem
os psicanalistas, ele nos ensina algo. Ensina-nos que justamente
a coisa importante em um homossexual é a sua escolha de objeto
heterossexual. ·
Terceira observação: Lacan toma também um clichê. isto é,
o caráter universal da relação da criança com a mãe. a criança
seduzida pelo desejo materno na perversão, a intrusão do•desejo
do Outro pela mediação do significante fálico, falo com o qual a
criança se identifica. Porém , a mãe de Gide não é diretamente a
causa de seu desejO homossexual. A mâe de Gide permite o acesso
a uma mulher, a uma mulher particular que tem muitos traços em
comum com ela própria, uma mulher de dever, assexuada, uma
espécie de anjo idealizado. Temos pois em Gide uma clivagem entre
o amor e o desejo, que não está completamente regulada pela intru-
são do desejo materno e que também não corresponde a outro
c_lichê co~hecido, aquele d_a depreciação da ')ida amorosa no njuró-
tlco, a chvagem entre o rdeal e o gozo ideal. ·A razão disso é a
seguinte: é que a intrusao digamos, do símbolo do desejo, que Lacan
chama de significante do falo, não corresponde exatamente ao es-
quema da metáfora paterna, quer dizer. do Nome-do-Pai. necessário
para introdu zir a significação do desejo da mãe. O desejo da mãe
permanece opaco para o sujeito se o pai nao indica o sentido do
seu desejo, que reside na relação sexual, ele próprio es.tlareoido
pelo símbolo do falo.
No caso de Gide não é a mãe que simboliza o significante
do desejo. Ela aparece em posição de exclusão no que se refere
~ relação sexual. Não é a mãe que simboliza o significante, é a
tra, aquela que seduziu Gide e que indiretamente é a causa da
sua paixão por sua filha, a sua prima Madalena. Há pois no. digamos,
" homossexual" Gide, três mulhe.res da maior importância: a sua mãe,
a sua tia e Madalena. Obtém-se a grosso modo, uma clivagem entre
a '_!IUiher do amor que é Madalena e a mulher do dever que é sua
~ae . Eu disse a gros.so modo porque essa é a clivagem que os
b1ográfos destacam em geral, principalmente o célebre Jean Delay.
que em 1958 escreveu uma bio9rafia. monumental intitulada justa-
rnent~ . A juventude de Gide, e que Lacan. comenta, de uma maneira
POSitiva. E uma leitura que hoje em dia podemos complicar ·um pouco.
fazendo observar a existência de uma intrusão totalmente atípica
do desejo do Outro na posição subjetiva de Gide. Com efeito, sua
mãe aparece aí mais exatamente para neutralizar o desejo, mas
22 - Serge Cottet

não o arror. já que as virtudes protestantes e fora de sexo que


ela en~arna, são traços que vamos reencontrar no objeto feminino
e~col hrdo por Grde. Pelo menos a mãe facilitou um acesso do amor.
Nao p~emos portanto opor a. mãe do amor à mãe do dever, já
que sao a mesma. Ao contráno, devemos considerar a oposição
do a~or ao desejo como problemática, porque as dimensões do
deseJO e do g~z? em Gide não.estão excluídas. Em princípio deveriam
estar, se racrocmamos sobre o esquema clássico. de um acidente
da metáfora paterna, já que a mãe de Gide está do lado da lei.
N_o lugar ~o ~ome-d?·pai t~mC!~ mais exatamente a lei materna que
na? p~~mrte rntroduz~r ao srgnrfrcado sexual a significação do falo,
a Slgnrfrcação dO seu desejo. É melhor escrevê-la :
5t • !!
X0
0
, portanto falo igual a zero.
Assim, sem dúvida, Madame Gide facilitou um acesso à mulher
mas um acesso que não é mediatizado pelo significante fálico.
Explicamos isso pelo fato de que Gide não foi a criança desejada.
Para se obter a famosa equação freudiana, criança = falo, o objeto
na sua. rela9ão com a castra~ão da mãe. é preciso que a criança
tenh~ srdo sr~ples.mente deseJada. O joyem Gide não foi a criança
d~SeJada, for a cnança amada. Então é assim que o desejo em
Grde se transforma em um problema, a ser esclarecido. já que em
relação com o desejo da mãe ele está excluído. Ele faz pois intrusão
desde o exterior: excluído pela mãe, ele é inclufdo pela tia. Um
desejo que vol.ta sob uma forma selvagem, representado pelo assalto
do gozo da tra, que se lança sobre o jovem Gide com 12 anos
de idade. Esta cena de sedução eu já o disse, fixa definitivam~nte
~ sua e~lha de objeto sobre a filha da sua tia. Falo morto, jovem
mconsolavel pel~ morte do seu pai. Esse traço mortal, essa figura
da morte em Grde, encarnada por sua prima, explica-se no fundo
pelo desejo da mãe, por zero. A respeito da tensão da clivagem
que a criança Gide conheceu, Lacan fala na pág. 752 dOs Esêritos
da versão francesa, dessa criança como que estando entre a morte
~ o ~~~o m~turbatório. Cito a passagem consagrada ao peq1:1eno
Borrs • no lrvro O Poráo do Vaticano, uma célebre novela de Gide
na qual há muitas alusões à psicanálise, já que Gide teve que lida,:
com a p~icanálise. Nessa noyela, o tema é do suicídio e da morte
numa cnança, um tema totalmente autobiográfico, como ele mesmo
dest~cou e que está absolutamente em relação com os problemas
de . G r~e. com o gozo masturbatório, gozo que foi primeiramente
sohtárro, ant~s de se transformar em um modelo de sua relação
com o parcerro homossexual. Uma relação, digamos, em espelho
Perversão e sublimação - 23

com os jovens parceiros, frente a frente, como d iz o próprio Gide,


numa masturbação recíproca, excluída, em qualquer caso, da pene-
tração. Há portant~ em Gide uma espécie de contra-partida do desejo
feminino que atinge um de~obramento do falo. Essa categoria, -
'P· categoria da castração, está escrita de maneira absolutamente
especial em Gide, como falo morto, que escrevemos simplesmente
(-) menos, isto é, uma negativação do falo, q~ podemos identificar
com - 'P = O (zero).
É o que dá conta da ausência de desejo dele pek> personagem
feminino e um funcionamento do falo a nível do órgão, fora da le i,
desregulado e não negativado, não castrado. Vocês sabem que Gide,
tinham um falo itinerante, não era somente o sujeito Gide que vi~java,
havia o órgão do gozo que não podia permanecer no lugar. E esta
separação da instância negativa do desejo, simbolizada pelo (- )
menos da castração, por um lado, e por outro, um falo sem nenhum
princípio de restrição e de negatividade. que faz a especificidade
do desejo gidiano e que é a conseqüência da intrusão do gozo
selvagem· da tia.
Vocês podem ver a até que ponto as coisas são relativamênte
complexas e que não podemos d izer que há uma mãe para o desejo
e uma mãe para o amor. Porque é j ustamente a intrusão selvagem
do desejo da tia que, por um lado, fixa o amor heterossexual sobre
uma mulher que tem traços da mãe e, por outro, esse desejo desregu-
lado l1a mulher, que faz valer por sua vez o significante fálico, mas
o significante fático desregulado, encontro do gozo perverso de Gide.
É essa separação que, para Lacan, faz com que a identificação
de Gide ao seu ser vivente, seja problemática: ele está identificado
com o seu ser-de-morte. ·
Lacan destaca especialmente o enunciado de Gide: um frêmito
do fundo do ser. Esta intrusão do desejo e da sua violência consti·
tuem, como efeito, algo como uma repositivação selvagem elo mes-
mo , que chega para compensar essa identificação com a procura
febril di um gozo fora da lei. Daí que vem os temas literários em
Gide, aqueles dos alimentos terrestres, que põem em cena um sujeito
doente do gozo e que adverte o leitor sobre a necessidade de jogar
tora o seu próprio livro. Um livro que mesmo sobre o gozo e que
tem esse título, não deveria sequer ser lido . A mudança de estilo
em Gide, quer dizer, a humanização do desejo no discurso literário,
se fará sob a influência de algumas leituras, como por exemplo,
~oethe , o que permite reabsorver a particularidade do suíeito num
drscurso universal.-
24 - Serge Cottet

Também poderíamos sublinhar outras etapas, que destacam


as incidências da estrutura do desejo sobre sua obra, já que é sempre
em contraponto com a genealogia de sua perversão que podemos
apreciar a evolução do seu estilo. A poesia, primeiramente, a novela,
depois, até o que ele fixou como estilo, que particulariza uma espécie
de escritor especificamente francês, a saber. um estilo egológico.
um discurso sobre o ego, que atinge a perfeição tardiamente em
Gide, e em "Porta estreita" e ''O diário", que sempre são textos
autobiográficos.
Para os críticos literários franceses está aí o ponto no qual Gide
marcou a linguagem. Um discurso, primeiramente, sobre o sujeito,
e que faz valer como centro do discurso o seu próprio sintoma.
O aprimoramento de um estilo assim foi muito diffcil e longo. Os
editores de Gide e os comentadores da sua obra não o consideravam
nem como grande poeta, nem como grande romancista, mas, ao
contrário, consideravam que é nos seus escritos auto-biográficos que
é ensinada a clivagem da qual eu falava, a coexistência de referências
digamos impúdícas, e de um estilo de uma extrema delicadeza, de
maneira tal que essa narração egológica e contínua, aparece como
solução para seu sintoma. Por outro lado, esse estilo particularmente
francês da literatura, apresenta problemas. Tinha já começado com
Mareei Proust, esta conexão da escuta com a homossexualidade,
sendo também muito freqüente no início do século, como por exemplo
com Monterland e depois com Jean Genet
Existe aí um casamento entre literatura e perversão qve deve,
com efeito, inquietar aos críticos literários, aos quais faltam as boas
chaves, e no meu entender, as chaves que a psicanálise p~opõe ,
para fazer valer uma não contradição entre as duas coisas. E pois
esta compatibilidade entre a genialidade da escrita e o sintoma em
questão.
Para concluir eu acrescentarei que esta conexão faz mais exata-
mente sintoma na literatura da França e não incomoda em nada
a literatura estrangeira, notadamente, é preciso dizê-lo, a literatura
da América do Sl,ll, do Brasil, do México ou da Argentina. onde
o estilo é voluntariamente épico. onde este lado de narração ~goló­
gica está voluntariamente excluído.
l/se Andrade - Houve um momento que você diz que nem todo
criativo é perverso, todo perverso é criativo?
Serge Cottet- Há uma questão dupla. Será que todos os criado·
res são perversos e que tpdos os perversos são criadores? Vou
Perversão e sublimação - 25

responder primeiramente à. segunda que é mais simples. Se todos


os perversos fossem criadores, hav~ria um mundo de criação. A
criação seria pelo mesmo tato, exclusivamente masculina. E uma
tese da psicanálise de que o homem é um perverso polimorfo, que
ele tem acesso ao Outro sexo pelo gozo perverso. Evidentemente,
o gozo perverso não significa a estrutura da perversão. Mas final-
mente você conhece a célebre tese do dr. Lacan que diz que o
sexo frágil é o homem em relação à perversão, enquanto que as
mulheres têm um aspecto muito liberal em relação a essa determi·
nação. Em relação à perversão as mulheres estariam muito mais
soltas, muito mais liberadas. É muito difícil achar uma mulher perver-
sa, é preciso procurar muito tempo. Isto foi a primeira parte, foi
uma resposta estatística se você quiser. Há poucos e há muitos
perversos no sentido freudiano da palavra.
Então, agora, .a relação inversa: se os criadores são, no fundo,
perversos sublimados que é um pouco a sua pergunta. Evidente-
mente, aí também podemos dizer que há muitos, nos quais a sublima-
ção se parece tanto com o sublime, que podemos nos perguntar
onde foi parar a sexualidade. Há um lado, sem dúvida, assexuado,
especialmente. segundo Lacan, no discurso filosófico, caracterizado
por um ideal fd'ta do sexo ou completamente específico . É preciso
dizer que até os filósofos, em geral, pelo lado do • lfJ, estão mais
do lado do zero do que do gozo. Eu me refiro aos célebres celibatários
da história da Fifosofia, ao célebre lmmanuel Kant. Entretanto, Kant
pode ser unido a um célebre perverso, o Marquês de Sade. Isto
mostra, de toda maneira, que a heterogeneidade dos discursos têm
um ponto em comum a partir do momento em que se trata da elucida-
ção da relação sexual. Lacan, que considera Kant um gigante do
pensamento, de toda forma considera que ele teve um impasse
sobre o gozo, e isso permite reter a sua obra, fazendo jogar efeitos
de sentido desconhecidos pelo próprio Kant. Isso faz com que Kant
não saiba ele próprio o que diz. Há em Kant um sadismo inconsciente,
poder-se-ia dizer. Se você levanta a máscara do Discurso Universal
sobre a Humanidade, se você tira a máscara da lei moral de Kant,
você verá aparecer o objeto de Sade. É, uma maneira de dizer que
há nesse grande filósofo um perverso que se ignora de uma certa
forma, mas de qualquer modo é uma forma de dizer.
Angelina Harari - Você poderia nos falar a respeito das observa·
çõe~ de Lacan sobre a jovem homossexual?
Serge Cottet - Eu não queria hoje fazer uma conferência sobre
a perversão, mas sobre a sublimação. E por outro lado o tema da
26 - Serge Cottet

h~xualida~ feminina é mais complexo que. o da homosse-


x~a~dade masculma e nã~ ~tra ~rçosamente no marco da perver-
sao. Em Lacan há uma d1Ss1metna a esse respeito: ele pensa que
as mulheres h~mossexuais são heterossexuais, que o que define
a heterossexualtdade é o fato de se amar uma mulher, que a mulher
é sempre o Outro sexo. Portanto, um homem que ama uma multler
é heterossexual e uma mulher que ama uma mulher também é hete-
_rossexual. É o paradoxo que Lacan quis ·ilustrar. à maneira 00 um
J090 de palavras surrealistas, para destacar que a sexualidd da
m~lher ~ão e~tá calcada so~re a inversão da sexualidade masculina,
nao é Slmétr!C?, é outra 001sa. De· uma maneira mais geral, a8sim
como vocês wam para André Gide, não .podemos oontundir um
comportamento perverso. o que podemos ocasionalmente chamar
um tr~~ de perversão, com a estrutura subjetiva, isto é, a posição
do SUJeito em relação ao Outro sexo. ·

Marcoles Cotrim - Na m_edida em que a sublimaçlo é algo


que tem ~ ver com o in_ s tinto e a idealização à~ que tem a ~r
com ~ ob}6to, eu gostJJna que o Sr. mspondesse para mim como
os dois conceitos slo distintos um do outro.
. Serge ~ottet- ~uma pergunta muito técnica e que está referida
as relaçoes entre idealização e sublimação. Há uma obsefvação
en:' Fre_uq que te.nde a dissociá-las e que oonduz a fazer com que
a 1dea.hzação seJa uma certa posição do sujeito no amor, ja' que
a subl1~~ção em Freud concerne mais ao desejo, à pulsão. é pois
uma d1stmçao que tem· todo o seu valor, enquanto que se opOem
pulsã? e amor. Lacan porém, tentou act:'lar um pónto comum entre
o reg1stro do ~exual e o registro do amor, na última parte da sua
obra e especialmente no seminário " Mais, ainda''. Ele considera
que. a i d~alização da mulher na poesia do séc. XII, que é o amor
cort~s OCide~~l. essa invenção do oçidente que consistia em elevar
o obJeto fem1n1no a ~a c~rta dignidade, implicava pois igualmente
numa certa dessexualtzaçao, que Lacan põe em um mesmo plano
de uma sublimação. Ao mesmo tempo Lacan desacredita o termo
de s~blim~ção, é pre<:iso dizê-lo. Lacan não é um pensador da subli·
maçao, ~ao faz elog1o da sublimaçã<?. já que considera de todas
as mane1ras essa famosa idealização da mulher como um substituto
par~ a ausência de relaçao sexual, como a solução inventada para
sup~1 r essa ausência e não como um ldeaJ de vida, um ideal a ser
realizado.
Perversão e sublimação - 27

Pergunta por escrito - nesta articulaçlo da escrita literária com


a sublimação e a perversão, como você pensa a obra de Freud
e Lacan?
· Serge Cottet - Então, seria Freud um perverso e Lacan um subli-
me? Não há relação entre os dois termos, de um lado, Gide -
Lacan, do outro. Freud - Lacan, Lacan se incomodava por se interes·
sar pela vida privada do escritor, ele faz muitas reservas sobre o
genêro psico-biografico sofisticada, mas o que interessa para ele
é verdadeiramente o gozo e a fantasia de Gide. E da mesma forma,
o que interessa é procurar na escrita de Joyee uma suplência para
uma hiaf'lcia simbólica que interessa ao gozo de Joyce. Lacan não
é um crítico literário,· o que lhe interessa é a combinação da clínica
com a escrita, é mesmo uma clínica do discurso, uma clínica da
escrita. Esta é a primeira coisa, a segunda é que para Lacan, Freud
não é nem um perverso, nem um escritor. Lacan se considera freu-
diano e tira as conseqüências do discurso de Freud. ele formaliza
o discurso freudiano. Lacan tem sido muito críticO pelo oontrário.
em relação aos empreendimentos redutores, aqueles que querem
reduzir o discurso da psicanálise à vida de Freud ou aqueles que
procuram no discurso da psicanálise a manifestação da fantasia
de Freud. É pois uma posição radicalmente diferente daquela que
ele tem em relação a Gide. Quanto Lacan se interessa pelo desejo
de Freud, não é pela fantasia de Freud que ele se interéssa. A
fantasia não é conhecida porque ele nunca nos diz nada a respeito.
E, de toda maneira, mesmo que ele tivesse dito alguma coisa, isso
não daria conta da estrutura, da sua comunicação. O que interessa
a Lacan é a conexão do discurso da psicanálise com a ciência
Será que o que dizem os psicana~stas é besteira.ou é fundamental?
·ATUAÇÃO (ACTING OUT) E PASSAGEM AO ATO*

Analícea Calmon

Nenhum dos dois termos foi proposto po;· Freud. O 1? foi tomado
da língua inglesa e o 2~ da lingua francesa ; ou seja: Passagem
ao Ato é uma tentativa de traduzir Acting Out que por sua vez é
a forma substantiva traduzida em inglês do termo proposto por Freud:
AGIR = fato pelo qual o indivíduo, sob a influência dos seus desejos
e fantasias inconscientes, os vive no presente com um sentimento
de atualidade tanto mais vivo quanto lhes desconhece a origem
e o caráter repetitivo. AGIR, traduz o termo usado por Freud: AGIE-
REM que é uma palavra latina e se encontra na sua obra como
verbo ou como substantivo, utilizada num sentido transitivo.
O que impôs a Freud a utilização de tal conceito foi a incidência
clínica da repetição na transferência, quer dizer, o paciente age (atua)
em lugar de informar ao psicanalista. O que ocasiona isso? A entrada
do paciente em análise é marcada pela única exigência que esta
prática lhe impõe, ou seía. a de comprometer-se com a regra funda-
mental que consiste em que êle fale tudo o que lhe venha à cabeça
mesmo considerando desagradável, absurdo, pouco importante ou
inútil. Mas o Eu, instância assujeitada às reivindiçações pulsionais

• lntervençlo apresentada na IV jornada da C.F. e 1! Jornada de Psicanálíse e


Criançfl. realizada em 24 .e 2511 1/89.
30 - AnaUcea Calmon

do Isso e ao mesmo tempo às poderosas e inexoráveis exigências


do Supereu, vê-se muitas vezes paralisado frente às suas outras
tarefas nem sempre podendo cumpri-las a contento. Tal é o caso
da obediência à Regra Fundamental que está longe de acontecer
de forma passiva e tranqüila. A relação transferencial é, por exemplo,
um desses entraves embora, paradoxalmente, seja a única condição
possível sob a qual um processo de análise possa transcorrer.
É daf que vem.a indesejabilidade de que o paciente atue em
lugar de recordar, pois esta atuação, embora sempre dirigida a um
Outro, estaria na ordem da resistência oomo função transferencial.
Essa resistência, que persiste durante todo o tratamento e se renova
a cada período de trabalho é devida ao recalque. o que faz de pronto
pensarmos que a ação em lugar da palavra também o seja.
É aí que vamos encontrar um problema com o termo AGIR
pois a sua ligação com a ação motora vai entrar em choque com
o que é atualização na transferência, que não implica necessária-
mente em ação motora.
Daí, na década de 40, a proposta do termo inglês: "Acting Out",
pelos psicanalistas franceses, cujas implicações passaremos a exa-
minar. É uma substituição de uma forma verbal por uma forma subs-
tantiva no sentido de dar conta do fenômeno, eliminando os proble-
mas causados pelo 1~ termo proposto, pois que se define como
uma "manifestação numa situação nova de um comportamente inten-
cional apropriado a uma situação mais antiga, a 1~ representando
simbolicamente a 2~ Cf. Transferência, que é uma forma de Acting
Out". (Dicionário Geral dos Termos Psicológicos e Psicanalftícos
- English e English).
O verbo transitivo to act out tem um sentido que evoca o domínio
do teatro, como por ex.: representar uma peça ou desempenhar
um papel. É preciso fazer uma observação quanto à preposição
"out" que, tomada no sentido puramente espacial, levou alguns psica-
nalistas ao pensamento equivocado de que o "Acting Out" seria
algo realizado fora da sessão analítica, fazendcros propor "Acting
In" para o que fosse transcorrido no âmbito da sessão. A preposição
out tem como significados: exteriorizar, mostrar fora o que é suposto
ter dentro de si. realizar rapidamente até a consumação da ação,
levar a termo etc. significados esses que transcendem a situação
espacial de uma sessão analitica dimensionando-se, sim, na situação
transferencial.
Ainda na tentativa de evitar possíveis equfvocos, a Psicanálise
tomou da Psiquiatria a expressão francesa "passage à L'acte" -
Atuação e passagem ao ato - 31

Passagem ao Ato - que, reservando~se em Psiquiatria exclusiva-


mente para atos impulsivos violentos e delituosos (ex.: assassinato,
suic~io. violência sexual etc.), e não contendo no seu uso clinico
qualquer referência a uma situação transferencial, não se permite
fazer equivaler "ipsis lfteri" às expressões supra.
O que percebemos é que até Freud e os chamados pós freudia-
nos. a introdução de cada um desses termos tinha o sentido de
assemelhá-los, o qde tornava cada vez mais problemáticas as suas
utilizações. .
A questão retorna na clínica de Lacan. Este, porém, faz um
movimento diferente: em 3 momentos su~qüentes vai tentar preci-
sar e distinguir os 2 conceitos. começando por estabelecer que a
repetição não é á transferência e sim o encontro sempre falho com
o real. Encontro esse que não implica só o paciente mas também,
e ~s vezes até principalmente, o analista, quando este não aborda
a questão do paciente no interior do registro simbólico. _Isso se dá
em 1953 e tem como ponto de partida o escrito de Freud sôbre
a Denegação - DIE VERNEINUNG. Este é, então. o 1 ~ momento
e o próximo é aquele em que as 2 formas do ato se definem em
relação à angústia e à emergênciá do objeto a. O 3? momento é
o da formalizâção do ato analítico que é, justamente, o que vai permitir
diferenciar a passagem ao ato da atuação.
Sabemos que tudo aquilo que se transmite em Psicanálise leva
a marca do que se passou na experiência de cada tratamento. E
não é diferente disso o motivo que me faz percorrer toda essa concep-
tualização, com a intenção de pôr em relevo algo que à 1~ vista
chamei de Passagem ao Ato e hoje proponho chamar de Atuação.
Escutando uma paciente em Entrevistas Preliminares, recorto de
uma dessas entrevistas o momento em que ela me conta um episódio
da sua adolescência: na ocasião em que uma personalidade ilustre
visitava a sua cidade, num momento de solenidade em que nada
escapava aos ritos próprios de um cerimonial de reoepção e ~ ~artir
de uma combinação prévia oom amigos que na hora H desasts~a.m ,
essa jovem transpõe todas as barreiras de segurança e se prectptta
em direção ao ilustre personagem com a simples e única intenção
de cumprimentá-lo. Imediatamente os policiais a contiveram e a im-
prensa falada e escrita tratou de inserir o episódio cênico no seu
contexto próprio de simbolização. Esse brado a nível nacional fe~
nessa jovem um eco de silêncio, envolto numa atmosfera de culpabi-
lidade muito forte, que só 8 anos depois pode se fazer quebrar.
Num momento de reflexão, pensei na precipitaçã~ ~~s _trilhos
da jovem homossexual de Freud, no vencimento da 1n1b1çao por
32 - Analícea Calmon

um movimento corporal guiado pela emoção; relacionei o fora-análise


com fora-transferência e, embora não se tratasse de algo irrecupe-
r_ável, acreditei ter escutado um exemplo de transgressão, que pode-
na chamar de Passagem ao Ato.
. Mas f?i justamente nesse ponto do caso que se colocou uma
mterrogaçao a qual me levou a examinar os conceitos.
O paradigma da Passagem ao Ato é o ato criminal desde a
sua ~onc~ituasão psiquiátrica e a Psicanálise prossegue com isso
pe~ 1mpllcaçao desse ~to num~ queda de cena. Ora. quando a
pa?1ente de F~eud se at1ra aos tnlhos há uma intenção de se deixar
ca1r co":lo Objeto quando a angústia se faz emergente. Não é o
c~so da JOVe":l que transpõe uma barreira de segurança com a ínten-
çao de cumpnmentar afetuosamente uma autoridade. Isso não impli-
ca numa queda de cena mas no que se pode chamar, caracterizando
a Atuação, restar em cena por uma via de extravio: tanto assim
que a cena se re-apresenta 8 anos depois, sob a forma de relato
num contexto analftico.
, E~sa inser~ lhe dá a característica de uma mensagem dirigida
a ~nah~ta ~ part1r de uma intervenção desta. que nesse caso foi
o st1ênc1o d1ante dos questionamentos que a paciente trazia sobre
a entrada em aná~ise . Isso fica bem consolidado quando lembramos
que o desconheetmento da função do desejo na cura é uma causa
pregnante para provocar uma atuação.
Esse fragmento de caso não é muito diferente do que faz uma
gar_o~a de 3 anos quan~o numa sessão anuncio que seus pais me
sohc1tar~m . uma entrev1sta. A sua reação imediata é de fazer com
o dedo 1nd1cador um furo no meio do cheque que trazia para fazer
o pagamento da. sessão. A partir daí ela passa sistematicamente
a rasgar os cheques que traz e quando os país a privam de portá-los
ela_se recusa a .entrar ~a sala d~ trabalho embora faça questão
de 1r 8? consultóno nos d1as e horános das sessões e jogar o cheque
por baiXO da porta.
Sinto a· n_ecessidade de intervir com um ato analftioo, oonside-
rando .q~e o mesmo se define como introdução à resposta de certeza
do SujeitO frente ao objeto que causa o seu desejo e suà divisão .
. ~roponho que a paciente só retome ao oonsultório quando se
decidir a ent!ar na sala de trabalho. Caso contrário permaneça em
casa. Ela nao retoma, mas também não desfaz o vinculo oom o
tratamento. Nos dias e horários das sessões vêm os pais me trazer
o pagamento e a sua mensagem de que não quer entrar na sala
pDfque te~ medo; medo de ouvir as coisas que eu digo. Não gosta
de me ouvtr falar dos seus pais.
Atuação e passagem ao ato - 33

Nesse momento de atravessamento selvagem da fantasia o S.


está anoorado no mesmo lugar de sua repetição; repetição talvez
de cena originária onde, na qualidade de expectador da cena do
outro o S. se realiza excfuido do ponto a partir do qual a questão
do seu desejo se formula.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 - FREUD, Sígmund - Obras Completas - Edição Standard Brasileira lmago


Editora Lida.• Rio de Janeiro, Brasil. 8~ edição. Trabalhos consultados:

- A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS- Vol. V


- RECORDAR, REPETIA E ELABORAR - Vol. XII
- A PSICOGI:NESE DE UM CASO DE HOMOSSEXUALISMO NUMA MULHER
-Vol. XVIII
- A DENEGAÇÃO -: Vol. XIX
- ESBOÇO DE PSICANÁLISE - Vol. XXIII
2 - LACAN. Jacques- Escritos - Siglo Veintiuno Editores SI A -1984 TrabalhoS
consultados:
- COMENTÁRIO HABlADO SOBRE LA "VERNE1NUNG" DE FREUD, por Jean
Hyppolite (apêndice I)
- RESPUESTA l(l COMENTARIO DE JEAN HYPPOLITE SOBRE LA "VERNEI·
NUNG" DE FREUD.
3 - LACAN. Jacques- Seminário I - Sobre os Escritos Técnicos de Freud-
Zahar Editores, 1983. Trabalhos oonsuttados:
- INTRODUÇÃO AO COMENTÁRIO DE JEAN HYPPOLITE SOBRE " A DENE·
GAÇÃO" DE FREUD.
4 - LAPLANCHE - J. e Pontalis, J.B. - VOCABULÁRIO OA PSICANÁLISE
- Livraria Martins Fontes Editora Ltda. São Paulo, Brasil. 7! edição, feve-
reiro de 1983.
5 - NADER, S. e Langer, V - ACTING OUT Y ACTO.
6 - VIDAL, E. - PASSAGEM AO ATO E ACTING OUT.
A CRIANÇA, O SINTOMA E O DESEJO MATERNO,.

Eliane Nascimento

Tentando refletir sobre estas questões focalizarei alguns pontos


que aponto como de fundamental importância para o entendimento
de todo o processo que se inicia com a chegada da criança ao
consultório. O primeiro aspecto que coloco é que a criança é trazida.
São os adultos que a cercam quem a conduzem, muitas vezes depois
de consultarem outros especialistas. O que movimenta os pais nesta
procura. é muitas vezes o fato da criança ser portadora de um sinto·
ma.
Sintoma vem do grego, " symptoma", e significa "o que ocorre
coincidentemente com a queda". Ela faz um sintoma. Antes de pen·
sarmos o porquê deste sintoma. a primeira questão que se coloca
é que a criança e sua famRia não compreendem o que se· passa
com ela. Então, como entender esta linguagem cifrada que se expres-
sa numa criança cujo sentido escapa? E com este pedido que os
pais chegam ao consultório de um psicanalista. Pedido de ajuda
que pode ser entendido como pedido de traduçAo. Afinal que tem
a criança? (Como está a criança neste momento de busca?).
Neste primeiro tempo de· atendimento. nas entrevistas prelimi-
nares o analista irá escutar esta criança, estes pais, qual o seu
* Trabalho apresentado no 11 Encontro Brasileiro no Campo freudiano - Sessão
de Temas Livres- em São Paulo - Julhot89 ·
36 - Eliane Nascimento

pedido, qual é afinal a demanda.


. . . ~ sin~oma ~a criança pode estar inscrito no social, revelando
1n1b1çoes, 1mped1mentos a nível das interrelações e da conduta.
O sintoma pode estar inscrito a nível do corpo. revelando desre·
gu.lamento de suas funções, ou lesões, como é o caso dos fenômenos
pSICOSSOmátiCOS.
Nós falam?s em linguagem cifrada como de um tipo de comuni·
cação. Comumcação para quem? (A quem está dirigido o sintoma?)
Em psicanálise com crianças, sabemos que um membro lttmiliar
que apresente .um sintoma pode ser apenas um emergente. um
portador, ou seJa, aquele que faz suporte de um conflito que está
além dele mesmo. '
. A sin9u1~rid~de da presença de uma alteração sintomática na .
c~1ança nao 1mphca necessariamente que ela queira, solicite, peça
aJuda. Porém, em sua grande maioria é ainda através do sintoma
de uma crian~a que os pais chegam a um analista, e, em alguns
ca~o~, pe!a pnme1ra vez podem falar. Falar da criança, falar de si
~ropnos .. E tamb.ém uma conseqüência, ou at~ uma "função", pqde-
namos d1~er ass1m, que ~través do sintoma do filho, os pais chegllem
a necess1ta:r falar de s1 mesmos ao analista. Poderíamos pensar
que estas cnanças levadas a consultas. são com freqüência o sintoma
de seus próprios pais. Chegando às vezes os pais a iniciarem um
processo analítico, sem que seja necessário um trabalho efetivo com
a criança.
Pércebe-se nestes pais uma reatualização de conflitos pessoais,
qu~ n~vamente eclodem com a chegada dos filhos. Como se estes
pa1s v1vessem uma relação imaginária com seus filhos sustentada
na h~stória pessoal de cada um. A isto chamamos de pré-história
da cnança. Penso que ao falar em pré-história estamos demarcando
um d~do .efeti.vo de sua constituição, ou seja, a criança carrega
em .~~ a h1stóna de seus pais, isto significa que em cada estrutura
fam1har. na rede de significantes que a criança está presa ela se
constitui como sujeito. '
. t:Jão.é raro no entanto. e quem trabalha com crianças tem expe·
nê~c1a d1sto, que durant~ as Entrevistas Preliminares. haja uma dimi-
nUição ou até o ~esapareci mento do sintor:na da criança, antes mes-
mo de qualquer Intervenção terapêutica, E neste momento que ela
nos aponta o ~ugar de suporte que ocupa, na constelação familiar.
Qual é na realidade a função do sintoma infantil? . ·
Freud nos dá várias informações sobre a questão do sintoma,
em todo o decorrer de sua obra. Apontaremos. algumas passagens
A criança, o sintoma e o desejo matemo - 37

que julgamos elucidativas, em relação à questão do sintoma na crian-


ça.
Nos Estudos sobre a Histeria, Freud descobre a relação do
sintoma com o gozo, gozo. proibido, até localizado no sintoma histé·
rico da conversão. Um gozo revelandO um corpo em pedaços, porém
um gozo que não pode ser falado, que está fora do circuito da lingua-
gem, como ele exemplifica em Elisabeth Von R. ; um gozo que se
revela e se articula com um certo nível de sofrimento. Este gozo
escapa à palavra. Freud soube escutar como a uma linguagem cifra-
da , uma mensagem que o paciente lhe dava. Descobre ar o sintoma
no lugar da palavra, o sintoma como palavra, porém a palavra que
falta. Isto ele se dá conta desde o início em seus trabalhos com
Breuer, quando pensa no sintoma, como o retorno de um grupo
de representações censuradas, proibidas de emergir à consciência.
Freud descobre desde ar a divisão fundamental do sujeito . E a palavra
que falta retorna, o recalcado retoma em forma sintomática. É, porém,
nos seus estudos sobre os sonhos que mais claramente Freud vai
nos trazer a idéia do recalcado relacionado à questão do desejo.
Ele se dá conta de que como o sonho, o sintoma é um retorno,
um produto "de uma substituição, de uma satisfação proibida e impos-.
sível.
O sintoma vem em lugar de outra coisa. É ainda na virada
para a 2~ tópiéa que ele nos aponta a questão da repetição também
no sintoma, e procura através deste caminho, o que o sintoma revela
da verdade do desejo inconsciente do sujeito. Freud nos diz ainda,
em 1925, em Inibições, Sintomas e Ansiedade• que um sintoma
é uma marca. um sinal, um produto substitutivo de uma satisfação
pulsional que permaneceu estacionária. em conseqüência do recal-
que. e portanto retorna. É uma articulação que implica em três termos:
pulsão, repressão, gozo.
Poderíamos pensar então a que responde o sintoma infantil?
A que desejo ele remete? Da criança? De seus pais? Dos pais
que estão na criança? Das crianças que são seus pais?
Neste contexto de particularidade própria da análise infantil. se
impõe a pergunta: qual o papel e a função do analista frente à criança?
Em sua essência em nada difere do analista frente aos adultos.
Há porém uma especificidade: a escuta da criança e a escuta dos
pais. O importante é que se possibilite que a criança e os pais falem.

· O termo Ansiedade estA utilizado no trabalho em lugar de Angústia, porque é


o que consta da referéncis bibliOgráfica consultada.
38 - Eliane Nascimento

A escuta 'da criança significa o permitir a fala que esta criança traz
que pode ser expressa a nível verbal, lúdico ou gráfico, pois é através
destes meios que a criança revela a imagem inte'rior de suas fanta-
sias. É freqüente a presença de sintomas infantis em fammas onde
há experiências de aborto, filhos natimortos, filhos não desejados.
Cito o caso de um menino de oito anos que chega ao consultório
com a queixa de dificuldades relativas à memória. A mãe relata
que ele tem dificuldades de fixar textos, esquecendo assuntos estuda-
dos e recãdos, que ela chama de "dar uns brancos". Após o relato
de d.ados sobre a história de vida desta criança, a mãe lembra que
ele chegou após cinco irmãos, que ela não desejava esta gravidez,
chegando inclusive a tomar chás, com intuito abortivo. Ao descrever
o filho, .a mãe o chama de "pintão", e narra alguns ·incidentes de
quedas, nas quais frequentemente se machucava, e também de
alguns acidentes de atropelamento, inclusive com fraturas, que ele
havia experimentado. Levantamos a partir desta 1~ Entrevista, neste
caso, a que questões os sintomas desta criança, "o branéo" de
sua memória, ou os riscos de vida a que se expõe, praticamente
fazendo passagem ao ato, como "mini-suicídios", estariam respon-
dendo ao desejo de morte, filicida que essa mãe nos revela.
Outro caso é o de uma criança de cinco anos que chega ao
consultório com seus pais que trazem a queixa de uma repentina
mudançà de comportamento do seu filho, que passa a apresentar
uma conduta agressiva em casa e na escola, e com alguns comporta-
mentos "estranhos", como atirar objetos fora do carro, ou lançar
seus pertences pela janela. Por último, com uma faca na mão, amea-
çou furar a barriga da mãe.
Os pais procuram ajuda, e durante as primeiras entrevistas rela-
tam que tinham quatro filhos, não desejavam mais, e como a genitora
engravidou, optaram por um aborto. Este relato é racional, eu diria
até intelectual, sem que seja manifestado algum elemento afetivo
sobre esta experiência. Nesta hOra o casal se dá conta que as dificul-
dades do filho começaram apmximadamente nove meses após o
aborto. Ou seja, o tempo em que ocorreria o término da gravidez
e nascimento.
A criança entra em processo de análise, suas sessões são muito
elucidativas porque faz com a analista um jogo de ataque e defesa,
onde toda espécie possível de tentativas de "mat!-la" aparece, seja
lançando-lhe brinquedos, seja "envenenando". t:. este jogo também
especular, onde passa a ser a analista a que ataca, a que envenena
a ~ue pode "matá-lo" . Trata-se de uma criança esperta e ativa,
CUJa característica na sessão é a constante mobilidade, o não poder
A criança, o sintoma e o desejo matemo - 39

parar. Até que com o decorrer das sessões ele escolhe um local
na sala onde se ~ent~ "seguro". Isto é um detalhe curioso, porque
este local escolhrdo e o alto da estante. onde há sempre o risco
real de queda. Neste local ele faz uma espécie de "berço" ou "ninho"
com as almofadas da sala, onde ele consegue se sentir seguro
e o batiza com um nome especial.
A analista ocupa na transferência o lugar deste "Outro real",
que é trazido pela criança como sendo o fantasma materno e seu
desejo de morte.
Foi ainda durante as Entrevistas Preliminares em que o tema
aborto veio à tona, que os pais relataram que nada foi informado
aos filhos sobre esta questão, nem tampouco costumavam falar entre
si sobre o assunto.
Porém com o trabalho de análise da criança o tema de morte
era levantado por ela, o que evidenciou a questão da angústia ma-
terna que se tornou insuportável, e ela inicia sua própria análise,
vivenciando uma intensa crise depressiva.
A criança passa a diminuir a sua agitação e agressividade, desa-
parecendo as suas "condutas estranhas''.
Terminado seu trabalho pessoal, e após um ano sem nenhum
contato com a analista. ele solicita à mãe que peça um horário num
determinado dia, com caráter de urgência. O horário foi concedido,
esta criança retoma e faz uma única sessão. em que pouco fala,
porém senta e desenha um coração e escreve dentro as palavras:
pai e mãe. Faz questão de levar consigo este desenho.
Penso que nestes casos podemos estabelecer uma relação entre
a formação do sintoma como um ponto de passagem. uma resposta
a um desejo de morte . O desejo de morte do filho, aquele que,
como nos aponta Lacan no 1~ tempo do Épido, viria preencher um
vazio, o insuportável, porque aponta aí a dimensão da castração,
enquanto dimensão fálica. O lugar do filho, "morto" no lugar do
falo.

BIBLIOGRAFIA
1. Freud. S. - na Edição Standard Brasileira .das Obras Completas:
ESTUDOS SOBRE A HISTERIA (1893·1895)
A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS ( 1900-1901)
ALEM DO PRINCÍPIO DO PRAZER (1920)
INIBIÇÕES, SINTOMAS E ANSIEDADE (1926)
Editora !mago. Rio de Janeiro. 1972
2. Lacan, J. - LAS FORMACIONES DEL INCONSCIENTE - Ed. Nueva Vision,
Buenos Ayres. 1982
VIA LACAN - A PSICOSSOMÁTICA NO DIVÃ ?•

Reinaldo Pamponet

Sobre o título

O nosso trabalho, desde o seu título, formula uma questão:


VIA LACAN - A PSICOSSOMÁTICA NO OIVÃ? Como, com que
instrumento o analista deve trabalhar para que o paciente se dê
conta da sua complexa criação - o PPS?•• Pode o analista, com
eficácia, intervir para desmontar a engrenagem que culminou na
lesão de órgão?
Aqui, também, primeiro o verbo porque os PPS estão implicados
com a pulsão escópica. Em segundo lugar, porque seguindo a traje-
tória de Lacan, a sua VIA. interrogamos a possibilidade desses pa-
cientes serem tratados no divã, com o rigor lacaniano, uma vez
que, a transferência nesses casos se reveste de dificuldades espe-
ciais. Algo da ordem da escrita aparece aqui : a VIA lacaniana (S1)
ligando-se à PStCOSSOMÁTICA (S2) por um TRAÇO. Podemos
desfazer esta hotófrase?

( ·) Trsbalho apresentado no Encontro entre Cart8is da Clíníe<J Freudiana - Sa/va-


dor!BA - Outubr0/89.
( ..) PhSnor'nénes Psychosomstiqves.
42 - Reinaldo Pamponet

Tentaremos responder a esta questão a partir de um caso clínico.


Seguiremos a via lacanian;:~ ; por isso procuraremos reproduzir o mais
fielmente possível o relato do paciente - as suas palavras.

Caso Clínico (relato das primeiras 8 entrevistas)

Um homem nos solicita atendimento dizendo ter sido encami-


nhado por um colega. Combinamos o horário para 2 d~s depois.
Pouco antes da sua hora marcada, uma voz feminina, que depois
ficamos sabendo tratar-se de.sua mulher, cancela o nosso encontro,
alegando que o paciente viajara. Cerce de 15 dias depois, o paciente
volta a telefonar e marcamos novo horário.
1~ entrevista: Recebo um homem de idade madura, parecen-
do-me angustiado e que diz: "venho aqui encaminhado por um colega
do Sr." ao tempo em que, entrega-me um envelope lacrado, endere-
çado a mim por um otorrinolaringologista que escreveu: " Estõu enca-
minhando este paciente para os seus cuidados, porque j á não aguen-
to mais. É portador de uma Laringite Crónica . .com freqüenteS; episó·
dias de agudização e dado ao seu estado emocional acho que se
trata de um paciente psicossomático". Fazem aproximadamente 45
dias que ele me foi encaminhado, observo a data no bilhete. Pergun-
to-lhe então: " Como posso ajudá-lo?" e ele me responde: "Dr. já
não aguento mais (as palavras do seu médico)... venho há 47 anos
sófrendo dessa garganta. já procurei mais de 10 esQSCialistas e
todos dizem a mesma coisa - Laringite. Quando me ataca, fico
sem voz. tenho febre, vou pra cama, me torno inútil. Sou um homem
de 62 anos. independente financeiramente. Não trabalho mais porque
meus filhos tomam conta do que.tenho, mas não consigo viver feliz
por causa dessa garganta. Deixei de fumar, não bebo nada gelado.
não posso mais tomar minha cerveja que é a única bebida que
gosto, não viajo mais para minhas fazendas com medo da poeira
e vivo trancado num apartamento com medo da poluição. A única
coisa que gostava de fazer e que me dava prazer era ir para um
sítio, aqui perto de Salvador, na beira do Aio Paraguaçu, mas, ultima-
mente nem isso tehho feito. Gostava de ir com minha netinha de
6 anos . Ela me distraía muito, andava pelo campo, gostava de ficar
na beira do rio contemplando a paisagem e o canto dos pássaros
e ela e minha mulher sempre me ac'Ç>mpanhayam. Meu genro, o
pa1dela, comprou uma Fazenda e ela tem acompanhado os pais
nos fins de semana. Tenho ido com minha mulher, mas não sei
porque, não tenho me sentido bem ultimamente.'lá eu ficava bem
Via Lacan - a psicossomática no divã? - 43

e nunca adoecia. Vivo um verdadeiro interno. O que me salva é


o Anafranil. Fui um homem pobre, filho de um coletor do interior.
Perdi minha mãe cedo, venci na vida mas não pude gozar por causa
da minha doença.
Encerro esta entrevista quando ao lhe perguntar: "Por que o
Sr. sofrendo tanto, somente agora resolveu procurar ajuda?" e ele
me responde : " Para lhe ser sincero Dr. acho que o meu caso é
sem jeito".
As entrevistas posteriores nos forneceram os seguintes dados:
nosso paciente é um agrônomo, que viveu grande parte de sua
vida no campo, filho único durante 3 anos, quando então nasceu
sua irmã, Ana Luiza. Aos 9-10 anos. perdeu sua mãe, Flora, após
um parto. onde também a criança morrera. "Foi horrível", diz ele.
Após 1 ano que a mãe havia morrido perdeu a sua irmã. Ao revelar
este fato, chora e se cala por longo tempo. Pergunto-lhe como morreu
sua irmã e com dificuldade pronuncia a palavra crupe (difteria) e
acrescenta em seguida "outro golpe".
Após a morte ·de sua mãe, o pai passou a viver com os dois
filhos e 3 empregados na fazenda mais próxima da cidade e ele
que brigava muito com sua irmã, passou a ficar mais unido a ela.
Costumavam fazer passeiqs no campo e tomar banhos de rio juntos,
durante os ~uais ele nos disse ter "brincadeiras sexuais" com ela.
Refere-se à sua irmã aqui chamando-a de Aninha.
Diz também que é portador de Depressão e que usa Anafranil
há 15 anos. '"É o único remédio que me faz bem", acrescenta. Há
10 anos atrás teve uma retenção urinária. Seu urologista lhe disse
que era do Anafranil e que se não suspendesse teria que operar
a próstata. Preferiu operar.
Após essas entrevistas, recebi um telefonema de sua mulher,
dizendo-me que pela 1~ vez o marido estava interessado num trata-
mento e por isso pedia-me "pelo amor de Deus" que fizesse tudo
por ele. Ao final do telefonema ela me pergunta se ele já havia
falado que estava impotente.

Articulação do caso à clíníca lacaniana dos PPS

A principal finalidade do dispositivo analítico que Lacan introduziu


na Psicanálise, as Entrevistas Preliminares, é fazer o diagnóstico
d~ estrutura clínica.
· A forma como esse paciente marca o seu horário e vem ao
tratamento, bem como a idéia que tem da sua própria doença, faz
44 - Reinaldo Pamponet

aparecer a Anulação e a Dúvida obsessivas. Sem precisar entrar


em detalh~s das entrevistas, que nos ajudariam no diagnóstico, pode-
mos dizer que se trata de um caso de Neurose Obsessiva. Nos
deteremos. contudo, apenas à análise do PPS apresentado por este
paciente.
Deveríamos, do início do seu primeiro atendimento até o mo-
mento do relato desse caso, ter completado 13 entrevistas, não tives-
se o paciente faltado as outras 5, alegando sempre um motivo supe-
rior. Não estamos falando de algo específico do PPS mas .do que
ocorre frequentemente nesses pacientes - a dificuldade de estabe·
lecer uma transferéncia analítica. Estamos lembrados que este pa-
ciente veio à sua 1~ entrevista "pela mão do seu médico".
Em " Função e Campo da Fala e da Linguagem", Lacan diz:
"a psicanálise só tem um meio- a palavra do paciente". "O incons-
ciente estruturado como linguagem" nos faz compreender que o
sintoma, com sua estrutura de linguagem, está submetido às leis
da metáfora e do deslocamento retroativo. Os PPS não têm esta
mesma estrutura de linguagem, por isso não podem ser considerados
como sintomas, no sentido analítico do termo. Aparecem como efeito
do inconsciente sóbre o somático. Fala-se do PPS como tendo uma
linguagem holofraseada, porque há uma gelificação de S1 S2 na
cadeia significante - a indução significante ao nível do sujeito se
passa sem a afãnise do sujeito. Na holófrase o significante perde
a sua força, o seu estatuto de significante, ou seja, não representa
o sujeito para outro significante. Aparecem significantes especiais ,
feito de não-senso, significantes bizarros, que não são da ordem
da letra, mas do número.
Se há gelificação se Sl S2, se a metáfora paterna faz corte
na cadeia significante. se não há espaço entre S1 S2, não há abertura
para o desejo do Outro . consequentemente, não aparece o objeto
a, não há queda do objeto a. Por isso, o analista, na transferência,
não pode fazer-se semblante de a, não pode encarnar o objeto a.
A partir da holófrase. portanto, podemos compreender toda dificul·
dade transferencial desses pacientes.
Lacan nos diz : "é na medida em que a necessidade vem a
estar interessada na função do desejo, que a psicossomática pode
ser concebida'' e nos recomend;:l procurar explicação para a holófrase
na experiência de satisfação. " Na psicossomática, o elo do desejo
está conservado mesmo sem a afânise do sujeito" (Lacan}, porém,
quando o sujeito se vê submetido a significantes especiais ele respon-
de dentro do domínio da necessidade. t a relação máe-lactente
Via Lacan- a psicossomática no divã? - 45

qu_e es!á em jogo ~a psicossomática. O lactente, dependente da


mae, nao estando atnda sob o domínio do seu desejo, este, contun-
de-se ~.a necessr~ad~ .. Há um nó de inércia dialética do sujeite
-: uma dificuldade stm~hca de ancoramento do sujeito ao Outro.
Ha, portanto. uma necesstdade do lactente pelo desejo da mãe.
Quando, por exemplo. aparecem para ele problemas de ama-
mentação, fica submetido a uma mãe neurótica que pertuba a sua
necesstdade alimentar através de um outro desejo. Mais tarde esta
necessid~de. ~o sujeito, perturbada pelo desejo da mãe. ap~rece
guando srgnrflcantes especiais lhe relembram êste momento e aí
ele responde com um PPS. O sujeito reatualiza os significantes rece-
bidos da mãe no Real do corpo, fazendo a lesão de órgão.
Dizemos que este paciente apresenta um PPS porque podemos
demonstrar uma lesão de órgão no Real do corpo - a laringe. Sua
laringite crônica tem período de agudização e de remissão, nos indi-
cando que os PPS aparecem e desaparecem em função de aconteci·
mentes e datas exatas. significantes datados, e por isso nos permi·
lindo. falar que têm uma causalidade significante , sendo portanto
passrvers de se colocarem no campo da linguagem e se tornarem
permeáveis à ação da fala. Os PPS podem aparecer em qualquer
estrutura clínica (neurose, perversão ou psicose).
O aparecimento da lesão do nosso paciente, a atualização do
seu trauma, d igamos assim. obedece aos 3 momentos referidos
por J. Guir no seu livro sobre a Psicossomática: primeiro ele perdeu
a mãe, depois essa perda é relembrada com a morte da irmã, para
quem todos os senti~~ntos pela ~ãe haviam sidos deslocados após
a sua morte e por ultimo, aproxrmadamente 5 anos depois de sua
seg.unda separação. apareceu a lesão. Quero c hamar a atenção
aqur para algo que não revelei nas entrevistas: esse paciente nos
contou que antes de sua doença tinha freqüentes episódios de gripe
que se acompanhava de rouquidão, mas logo ficava bom . J. Guir
tem <>?servado nos seus casos, que muito antes do aparecimento
da lesao. surgem "srntomas banais'' que apontam para a vizinhança
do órgão onde a lesão posteriormente se instala.
A localização da lesão neste paciente, parece ser o mais forte
argumento que temos para se falar de presença de linguagem no
PPS. Ele escreve no seu corpo a história de um outro corpo. A
laringe é o órgão roubado do outro, um enxerto imaginário do outro:
falar com a laringe da sua irmã acarretou a lesão. Estamos diante
do mimetismo, frequentemente encontrado nesses pacientes: o su-
jeito se sente forçado. coagido mesmo a se parecer com o outro
46 - Reinaldo Pamponet

de quem se separou dolorosamente na infância. Podemos dizer que


no mimetismo o sujeito fica à deriva, à disposição do Outro.
Podemos pensar também, neste caso, na fantasia de transse·
xuaçào desses pacientes: o órgão lesado é o representante do outro
sexo·. A laringe feminina, de voz rouca, dependente, é a expressão
da voz passiva do verbo. Seguindo Claude léger, no seu artigo
sobre o Imaginário, interrogamos também: "que outro é este então,
ao qual é mais apegado do que a si mesmo?"
Lacan nos fala que a vida e a morte só tomam a dimensão
de drama a partir do gozo e nos sugere abordar a psicossomática
pelo viés do gozo. Dá um nome ao gozo do psicossomático - gozo
especifiro, gozo do corpo e não do sujeito. Nos diz que esse gozo
é uma espécie de atentado ao corpo como o Outro. Nosso paciente
tenta gozar com o órgão roubado do outro - a laringe da sua irmã,
um gozo imposto ao corpo.
Na Conferência de Genebra, lacan diz: "o corpo se deixa levar
a escrever algo da ordem do número''. O n. 6, esse significante
numérico, idade da neta que o distraía, nas suas idas ao sftio, é
a mesma idade que tinha sua irmã (6 anos) na época das suas
"brincadeiras sexuais'' com ela.
Para finalizar, queremos chamar atenção para o apego do pa·
ciente ao ANAFRANIL. Esses pacientes nas suas relações objetais
"tomam o outro como droga" se aproximando nesse particular dos
toxicomanos e dos bulímicos. nos diz Joyce Me Dougall. J . Guir
nos fala que é comum o nome de remédios invocar o nome próprio
da pessoa de quem o paciente se separou na infância. Nosso pa-
ciente nos fala· do seu grande apego a FLORA, SL!a mãe, e depois
da sua morte. como ficou unido à sua irmã, como apegou-se à ela.
Refere-se à irmã chamando-a de ANINHA, com o carinho dispensado
a uma criancinha indefesa, pelO adulto. A grafia desses nomes, nos
remeteu à seguinte significantização: ANINHA como uma coisa pe-
quenina, delicada, frágil. Deslizando acusticamente fizemos a se-
guinte construção: o sujeito na fantasia, com o ANA·FRANIL reen·
contra o seu objeto amado perdido, ANA-FRAGIL, ANINHA - ANA·
FLORIL, FLORA.
"O encontro de um objeto é na realidade um reencontro deste"
(Freud).
"O nome próprio tem a singular capacidade de.fazer um curto-cir·
cuito na cadeia significante e referir-se diretamente ao objeto, sem
mediação significante" (lacan).
"O PPS é uma imaginarização do simbólico que culmina com
a imootência'' (J. A. Miller).
Via Lacan- a psicossomática no divã? - 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFI~AS

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d) A Concepção Psicanalftica da Perturbação Pstcogêf'llca da Vasêo (1910)
- S. E. Vol. XI
e) Contrib~çOes a um Debate sobre a Masturbação (1912) - S . E. Vol. XII
f) Sobre o Narcisismo: uma introdução (1914)- S. e. Vol. XIV
g ) As Pulsões e seus Destinos (1915) - S. E. Vol. XV
h) Uma Breve Descrição da PsicanàHse (1923) - S. E. Vol. XIX
i) O Problema EconOmlco dO Masoquismo (1924) - S. E. Vol. XIX
j) A Aquisição e o Controle do Fogo (1 923) -S. E . Voi. XXII
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3 - Alexander, Franz
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6 - Me Oougall, Joyce
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a) El estádio del espejo como formador de la funcion del yo - Escritos I
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- Editora Perspectiva -São Paulo
c) Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano -
Escritos - Editora Perspectiva -- São Pauto
d) Posição do inconsciente-- Escritos -- Editora Perspectiva- São Paulo
e) Las formaciones del inconsciente- Bulletin de Psichologie 1958
f} E1 deseo y su interpretación - Bulletin de Psychologie 1960
g) A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud - Escrito~
-- Editora Perspectiva
h) A famrtia - Asslrio e Alvim
i) Seminário - 2, 3, 11 e 20 - Zahar Editor
PSICODIAGNÓSTICO X ENTRADA EM ANÁLISE•
Sylvia Bezerril

Não podemos falar de entrada em análise sem que tenha havido


uma demanda de análise. Segundo Colette Soler, é dado de expe-
riência que um sintoma q ualquer não conduz à análise (ou ao ana·
lista), a não ser quando questiona, quando o an(\lisando capta esse
incompreensível corpo estranho como próprio e portador de um sen·
tido obscuro que o representa como sujeito desconhecido para si
mesmo. É neste momento que podemos situar a verdadeira demanda
de análise; quando um sintoma analítico, que representa o sujeito
como sujeito do inconsciente,. está implicado à transferência de saber
ao analista. A primeira demanda dirigida ao analista não é necessa-
riamente uma demanda de análise. O primeiro pedido na experiência
analítica, como diz J . A. Miller é a demanda de ser admitido como
paciente. A primeira avaliação é feita pelo paciente, é ele quem
primeiro avalia seu sintoma. Ele chega ao analist~ na posição de
fazer uma demanda baseada numa auto-avaliação de seus sintomas
e pede um aval do analista sobre essa auto-avaliação. Desta forma,
em análise não existe um paciente à revelia de si mesmo.

• Intervenção apresentada na IV Jornada da Cllnlca Frevdiana e 1~ Jornada de


Psicanálise e Criança, realizada em 24 e 25t 11J89
50 - Sytvia Bezerril

Mas, será que não existe em análise um paciente à revelia


de si mesmo?
E a criança que vem até o analista por escolha dos pais? Será
que ela não é um paciente à revelia de si mesmo? Não, porque
ela chega ao analista e não à análise por escolha dos pais e, nesse
momento ela não é ainda paciente e nem candidata a paciente e,
por isso mesmo, não pode ser paciente à revelia de si mesmo.
No entanto,risto não quer dizer que a criança que vem trazida pelos
pais não pode tornar-se paciente. Pode, a depender da posição
do analista que a recebe e que pode levá-la a precisar a sua demanda.
Em alguns casos o simples fato de querer ir com os pais ao analista
pode significar um primeiro pedido. Em outros casos•.a demanda
só é precisada quando a criança oonsegue falar sobre seu sintoma
nas entrevistas prelim inares. E. em outros casos a demanda da
criança não é precisada:

a) Quando a demanda é dos pais, ou mais precisamente, é


a um dos pais que o sintoma do filho incomoda, o que poderá vir
a se formalizar como uma Ç~Uestão acerca da subjetividade desse
pai ;
b} Quando um psiooterapeuta coloca-se na posição de mestre
e avaliza uma avaliação do sujeito que não foi feita por ele próprio
(o sujeito) . Ele toma o inconsciente por uma ótica diferente da postu-
lada pela psicanálise e considera que o inoonsciente pode ser translú-
cido, que pode ser decifrado através de psicotestes. No momento
em que o psiooterapeuta avalia o sintoma do sujeito sem sua permis-
são e inicia o tratamento sem que, ao menos, este sujeito tenha
feito o pedido de ser candidato a paciente, o psicoterapeuta está
invertendo a demanda.
O psicoterapeuta oomete outro engano, no momento que avaliza
a avaliação de um dos pais sobre o sintoma da criança, sem ir
adiante para verificar uma demanda verdadeiramente própria da
criança.
E é para demonstrar esta segunda hipótese, que trago aqui
um caso clínico que me levou a abandonar o modelo psicoterapêutico
que usa o psicodiagnóstico como procedimento; um caso clínico
através do qual pude ver que a psicanálise da criança segue por
outra via, onde a posição do analista é a condição fundamenta·
para possibilitar uma entrada em análise.
Psicodiagnóstico x entrada em análise - 51

Caso "L"

A mãe de L procura-me e na primeira entrevista traz algumas


queixas-sobre L e faz um pedido de avaliação. . .
Diante desse pedido, seguindo o modelo pstcoterapêutJCO,_que
determfna a execução de um psicodiagnóstioo, realizo tr~~ entreVIstas
com a mãe para anamnese. L. tem 13 anos, sexo fermntno.
Segundo a mãe. L apresenta uma grande vergonha e exagerada
timidez de uns três anos para cá. Não quer sair de casa, come
em demasia na escola tem dificuldade devido à timidez. Gosta de
brinladeira de homem. prefere se dar com. crianças meno_r~s: "~m
casa não ajuda em nada, não faz nada dtrelto, não tem tntctattva,
é dependente; mas brinca e oonversa. Na rua nAo .!ala, anda de
cab4ça baixa. Em casa é uma pessoa. na rua é outra .
Efilha adotiva. O pai verdadeiro é desconhecido. A mãe negou
a gràvidez e abandonou-a no hospital, dizendo que era ~m tumor.
Assim foi chamada no hospital, até que 1O dias ~pois fot a~tad~:
"Ela era uma coisinha, era tão pequena que parect~ uma oosmha •
diz a mãe. Há quatro anos atrás perde o par adotivo, a quem era
muito apegada· seis meses depois fez amigdalectomia e logo em
seguida com~ a usar aparelho,de surdez (surde~ parcial detec~~a
alguns anos antes). "A partir dat eomeçam a surg1r os problemas .
A mãe teme. que ela possa ser retardada, que ela possa dar
trabalho mais'arde, teme o peso da "coisinha". ..
o próximo paSso foi atender L ioovidual~ente. !ntetalmente ~lo­
quei para ela algumas coisas que a rl_lãe tinha di~ e_pergu_nte1_o
que ela tinha a dizer sobre isto. Não dtz nada. A segutr ~ ~tlêi'ICIO
de L, ap4iquei-lhé uma bateria de testes. Ela atende ~ solte1t~s
mas quase não fala e, ao que pergunto, ela responde não set .
Dando seguimento ao ·procedimento, fiz algu~as "sessões .li·
vres". onde digo-lhe que pode escolher o que fazer dtante do m.atenal
oferéQido: a caixa. Ela então pergunta· o que deve fazer, dtz que
nAo sabe o que fazer e q~ não gosta de brincar. _ A parJir daí. falta
às sessões, interrompendo assim o processo ~ pstcodlagnóstJoo.
Verifioo assim que. seguindo este procedtmento, cometo uma
série de enganos: .. . . ..
- Diante da mae poderia ter trabalhado O peso da COISinha ,
no lugat" de realizar anamnese, trabalhar o lugar que esta
criança ocupa .
- Diante de L, faço uma inversão de demanda, quando Ct:Pitco-
lhe uma bateria de testes. Desta forma. este modelo pstcote·
52 - Sylvia 'aezerril

rapêutico inviabilizou a possibilidade de que L viesse a formu·


lar uma demanda . .
. Enquanto psicoterapeuta, avalizei a avaliação da mãe sobre
os s1ntomas de L, recebendo-a como se lhe dissesse:- "Sim, você
~stá doente, precisa de tratamento. Venha que vou lhe tratar". A
1sto L r~sponde explicitamente recusando-se a vir às sessões, dizen-
do à mae: - "Não vou. Eu não estou doente".
FOLHA- Revista da Clínica Freudiana
Ano 4 Número 31 Outubro-Dezembro 1989

COMISSÃO EDITORIAL
Sérgio Santana. Analícea Calmon, Jardelina Bacellar. Sônia Magalhães. Alda Menezes

DIRETORIA DA Cf
1 - DIRETOR - JAIRO GERBASE
2 - SECRETÁRIA GERAL- NORA GONÇALVES
3 - SECRETÁRIO DE FORMAÇÃO E TRANSMISSÃO - MÁRIO ALMEIDA
3. 1 - $eminário de Formação Permanente - BERNARDINO HORNE
3.2 - Leitura de Textos de Freud e Cursos Livres- ANGELINA HARARI
3.3 - Psicanálise e Criança - L~DA GUIMARÃES
3.4 - Psicanálise e Psicose - WILLIAM DUNNINGHAM
3.5 - Reunião Clínica - JAIRO GERBASE
4 - SECRETÁRIO DE CARTÉIS - ANTONIO CARLOS CAtRES ARAÚJO
4.1 - Cartéis -JOÃO BATISTA RIOS SOARES
4.2 - Jornadas- IORDAN (,)URGE~
5 ....., SECRETARIO DE PUBLICAÇAO - SERGIO SANTANA
5.1 - Boletim da Folha - ALDA MENEZES
5.2 - Transcrição - JARDELINA BAÇEL:LAR
5.3 - Revista A Folha da Cl - ANALICEA CALMON
6 - SECRETÁRIA DE BIBLIOTECA- SÓNIA VICENTE
7 - SECRETÁRIA DE INTERCÂMBIOS- M. ANGÉLIA TEIXEIRA

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CATALOGAÇÃO: Biblioteca da Clínica freudiana

FOLHA Revista da Clínica freudiana. Ano 1. n. 1


(maio 1986) - Salvador: Fator. 1986
v.: 23cm
Trimestral
Ano 4. n. 31 Outubro-Dezembro 1989
1. Textos Psicanalíticos. I. Clínica freudiana (Ba~
ISSN 0103·2801

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