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Reflexões de um cineasta:
ESCUTAR NUM SOM A SUA REPRESENTAÇÃO PLÁSTICA. Eisenstein escreve que
Prokovfiev fazia isto. “É graças a este talento que lhe é possível descobrir os mais
extraordinários equivalentes sonoros para as imagens que desfilam no seu campo
visual.” Característica indispensável a todos os realizadores, diz.
“De resto, é preciso não esquecer que as cenas por mim montadas com uma
construção muito pormenorizada e com um rigor cuidado de composição, de modo a
que a sua lógica interna, quaisquer que sejam, por vezes, os meandros dessas cenas,
possa nelas ser lida com uma clareza e uma nitidez suficientes.”
“... O cinema não revela apenas a aparência dos fenómenos e a sua essência, mas
também a sua contextura interna.
A lógica da sua existência. O dinamismo da sua evolução.”
Todo o efeito da narrativa provém do facto de uma túmulo e uma mulher de luto se
combinarem, de acordo com uma imagem estabelecida, para fornecer a representação
duma viúva que chora o marido, quando, no caso presente, se deplora a perda dum
amante.
Também as adivinhas aproveitam esta circunstância. Um exemplo folclórico: “um corvo
voa; um cão está sentado na sua cauda. Como é possível?”. Automaticamente,
procedemos à justaposição destes elementos para os combinarmos. Lemos a frase
como se o cão estivesse sentado na cauda do corvo. Ora o enigma supõe que as duas
acções são independentes: o corvo voa, e o cão está sentado sobre a sua própria
cauda.
Nada surpreende que uma certa conclusão se forme no espírito do espectador graças à
justaposição de duas pontas de película coladas uma à outra.
128. Parece-nos, portanto, que não é sobre os factos, sua raridade ou universalidade,
que deve fazer incidir-se a crítica, mas sobre as deduções e as conclusões que dela
forma tiradas e às quais daremos os correctivos que se impuserem.
Em que consiste, portanto, o “desvio” que então cometíamos ao tratar este fenómeno
incontestável?
A falta consistia, em acentuar principalmente, as possibilidades de justaposição,
enfraquecendo a importância que a atenção do experimentador deveria ter feito incidir
sobre os elementos da justaposição.
129.
Deparando essencialmente com matéria e com casos desta ordem, éramos
naturalmente levados a reflectir, sobretudo, nas possibilidades da justaposição. E
concedíamos uma menor atenção analítica à natureza própria dos elementos
justapostos. Por si só, de resto, esta atenção não basta. Insistindo somente no
conteúdo interna as sequência, tal atenção tem praticamente por finalidade o
enfraquecimento da montagem, com todas as consequências que daí decorrem.
A que devíamos, antes de mais, estar atentos para reconduzir estes dois excessos à
normalidade?
130. Era necessário que nos ocupássemos mais desse princípio unificador, desse
princípio que, para cada obra, gera, na mesma medida, quer o conteúdo da sequência
quer aquele que é revelado pela justaposição das sequências.
131. Se, nesta altura, considerarmos dois elementos lado a lado, a sua justaposição
aparecer-nos-á a uma luz ligeiramente diferente.
O elemento A, tirado do tema a desenvolver, e o elemento B, da mesma proveniência,
originam, quando se justapõem, uma imagem em que o conteúdo do tema se
materializa com o máximo esplendor.
Traduzida de forma normativa, com maior preocupação de precisão e de eficácia, a
proposição pode enunciar-se do seguinte modo:
A representação A e a representação B devem ser escolhidas entre todos os detalhes
possíveis no interior do tema desenvolvido e de tal maneira rebuscadas que a sua
justaposição – a sua e não a de outros elementos – suscite na percepção e na
afectividade do espectador a imagem mais completamente exaustiva do próprio tema.
Para o nosso raciocínio utilizámos dois termos: “representação” e “imagem”.
REPRESENTAÇÃO E IMAGEM:
132. Recordemos Vronski depois de Ana Karenina lhe ter participado que está grávida.
“Na varana dos Karenine, Vronski olhou o pêndulo; estava de tal modo transtornado e
embrenhado nos seus próprios pensamentos que via os ponteiros no mostrador sem
poder compreender que horas eram.”
133. A imagem do tempo fornecida pelos ponteiros já não se formava nele. Via apenas
a representação geométrica dos ponteiros no mostrador.
Ver não é tudo. É preciso ainda que qualquer coisa venha acrescentar-se à
representação, que uma operação seja praticada sobre ela.
136. A obra de arte procura, bem entendido, atingir o resultado. Mas é sobre o
“processus” que ela orienta toda a subtileza dos sesu métodos.
É nisto que consiste a essência de uma obra de arte autenticamente viva, é isto que a
distingue das obras mortas, nas quais se leva ao conhecimento (137) do espectador o
resultado representado em vez de se arrastar esse espectador na própria evolução do
“processus” .
137. Esta condição confirma-se sempre e em qualquer lugar, (...). É assim que, para o
actor, “interpretar como na vida” consiste menos em representar o resultado copiado
dos sentimentos do que em fazer nascer esses sentimentos, em fazer com que se
desenvolvam e se transformem, em torna-los vivo perante o espectador.
É por isso que a imagem duma cena, dum eposódio, duma obra, etc. não existe como
um dado pré-fabricado, antes deve desabrochar, expandir-se.
É por isso que uma personagem só dá a impressão de vida quando o seu carácter se
forma no decurso da acção, se não for um fantoche mecânico rotulado a priori.
-- O exemplo do encontro gorado que Eisenstein da de Bel Ami é muito bom. Alguém
espera um encontro à meia-noite. Às onze anda na carroça. Vem a meia-noite, nada,
batem as horas em vários relógios da cidade. Depois um quarto, depois a meia hora, a
uma. A hora é a imagem do desespero, da diminuição da esperança.
Por meio desse dissonância (dos relógios), o que permanece como obsessão é a
imagem afectiva “meia-noite, hora do Destino”, e não o simples aviso: “zero horas”.
...
Volto a ele:
142. Ora, o que é a alusão senão um elemento, um detalhe da acção, um “grande
plano” desta que, justaposto a outros, serve de determinante a todo um momento da
acção?
....
Que haverá de notável neste método? Antes de mais, o seu dinamismo, o facto de a
imagem que se quer obter não ser dada, mas que essa imagem surja, que nasça. A
imagem desejada pelo autor, pelo realizador, pelo artista e por eles fixada em
elementos representativos descontínuos, deve formar-se de novo e definitivamente
na percepção do espectador, aquilo para que tende todo o seu esforço de artista.
150. A virtude deste método consiste ainda em que o espectador é arrastado num acto
de criação no decorrer do qual a sua personalidade, longe de estar escravizada pela do
autor, se alarga, fundindo-se com a ideia deste, (...). Trata-se da imagem que o autor
tinha imaginado e criado mas, ao mesmo tempo, retocada pela criação própria do
espectador.
151. Cada espectador ouve igualmente dar a meia-noite. Mas cada espectador forma a
sua própria imagem, a sua própria noção de meia-noite e o seu significado. Todas estas
noções representam imagens individuais, diferentes, ainda que tematicamente
idênticas.
....
Eisenstein, Da REvolução à Arte, da Arte à Revolução, Editorial Presença, 1974
50. A arte nova deve acabar com o dualismo das esferas do “sentimento” e da “razão”.
Dar à ciência a sua sensualidade, ao processo intelectual a sua chama e a sua paixão.
Mergulhar o processo mental abstracto no turbilhão da vida prática activa.
Dar à fórmula especulativa estéril todo o esplendor e riqueza da forma carnalmente sentida.
Dar ao arbitrário formal a nitidez duma formulação ideológica.
É esse o desafio que lançamos. São essas as exigências que fazemos à era da arte futura.
52. A cinematografia pode e, por conseguinte, deve – levar à tela dum modo tangível, sensual, a
dialéctica da essência dos debates ideológicos no estaod puro. Sem recorrer à efabulação, À
história, ao homem vivo.
SOBRE A COMPOSIÇÃO:
194. A composição duma cena deve realizar-se sempre a partir do trecho que mais
emociona, quer pelo seu conteúdo quer pela sua originalidade. Mais: deve ter-se em conta
que o trecho que geralmente mais emociona é o que, além de ter um efeito imediato,
contém a expressão dinâmica, interior do tema.
195. Chegamos assim ao segundo processo fundamental para pôr nitidamente em relevo
na composição o que nos interessa fundamentalmente (o primeiro consistia, como
dissemos, em desembaraçar o importante do acessório ou de pouco valor).
O processo que quero referir consiste em preparar, antecipadamente, o sobressair do
essencial. Para isso, o meio mais eficaz será a inserção do ponto. Culminante numa linha
de repetições, linha bem definida que, uma vez descoberta, será por nós conduzida por
uma série de pontos de apoio de que facilmente nos recordaremos.