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UNIDADE 2

TÓPICO 3

LITERATURA DE CORDEL

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 2 você aprofundou os estudos sobre os gêneros literários
analisando, individualmente, o gênero dramático e o gênero lírico. Neste terceiro
tópico você irá estudar a literatura de cordel, sua história e suas características.

Como veremos, embora a literatura de cordel surja na Europa durante


o Renascimento, adquire por aqui uma feição bem brasileira, especialmente
representativa do nordeste brasileiro, onde chegou primeiro por meio dos
portugueses.

E apesar de ser denominada pelo modo como eram expostos os folhetos,


como veremos a seguir, a literatura de cordel pode ser identificada por elementos
textuais que a caracterizam, os quais estudaremos resumidamente agora.

Vamos lá?

2 LITERATURA DE CORDEL
A literatura de cordel remonta ao Renascimento, quando o surgimento
da imprensa na Europa permitiu a impressão de relatos orais dos trovadores
medievais em folhetos. O nome se origina do modo como tradicionalmente os
folhetos impressos eram expostos, pendurados em cordas, para comercialização
em Portugal. Por mediação dos colonizadores portugueses, a literatura de cordel
chegou ao Brasil como manifestação oral, mais exatamente na Bahia, de onde
migrou para outros estados do Nordeste.

No Brasil, os folhetos de literatura de cordel, cuja impressão seria posterior


ao aparecimento da imprensa, autorizada apenas com a vinda da Corte, em 1808,
adquirem uma identidade singular. A produção seriada de folhetos de literatura de
cordel brasileira inicia em 1893, com a publicação dos poemas do cordelista Leandro
Gomes de Barros, considerado o precursor da literatura de cordel no Brasil.

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UNIDADE 2 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: DRAMÁTICO E LÍRICO

Como manifestação de poesia popular, a literatura de cordel se caracteriza


por uma linguagem informal, estruturada em diferentes modalidades de estrofes
e de versos, compondo um poema de extensão relativamente grande. Geralmente,
transmite uma opinião sobre um tema social ou cotidiano, criticando a realidade
e as condições de vida do povo nordestino, com o emprego, para tanto, de ironia
e de sarcasmo. Os temas tratam, em geral, de assuntos cotidianos, lendas, eventos
historicamente significativos etc., mas não são restritos, de modo que qualquer
assunto pode ser tematizado pela literatura de cordel. Vendidos em feiras, os
folhetos de literatura de cordel se tornaram, inclusive, uma fonte de informação
para a população nordestina.

Os folhetos de literatura de cordel geralmente são ilustrados com


xilogravuras, ou seja, uma ilustração produzida com madeira esculpida e, em
seguida, impressa no papel. Os poemas, por sua vez, são estruturados por estrofes
caracterizadas por um esquema de rimas e metro regulares. As estrofes mais
comuns na literatura de cordel são de dez versos (décima), oito versos (oitava ou
quadrão), seis versos (sextilha) e quatro versos (quadra).

FIGURA 14 - XILOGRAVURA

FONTE: Disponível em: <http://www.tvsinopse.kinghost.net/art/x/xilogravura.htm>.


Acesso em: 20 jul. 2017.

DICAS

Caso queira pesquisar mais sobre a xilogravura, visite o site do Museu Casa da
Xilogravura: <http://www.casadaxilogravura.com.br>.

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TÓPICO 3 | LITERATURA DE CORDEL

Vejamos um exemplo de uma sextilha retirada do cordel “A vida de Pedro


Cem”, de autoria de Leandro Gomes de Barros, cujos direitos foram comprados
pelo editor e poeta João Martins de Athayde, que o publicou em seu nome:

Vou narrar agora um fato


Que há cinco séculos se deu
De um grande capitalista
Do continente europeu
Fortuna como aquela
Ainda não apareceu

Como podemos perceber, as rimas obedecem ao esquema ABCBDB. O


poema soma 79 sextilhas formadas por redondilhas maiores, modalidade de
verso muito popular na poesia brasileira.

Quanto ao tema, o poema trata de um avarento que acumula uma grande


fortuna. Um dia, um sonho anuncia a Pedro Cem a perda de toda a sua fortuna.
Ao acordar, acreditando que o sonho tinha se cumprido como uma profecia, sai
vagando pelo mundo implorando caridade:

Eu tive tanta fortuna,


Não socorri a ninguém,
E todos que me pediram
Eu nunca dei um vintém,
Hoje eu preciso pedir,
Não há quem me dê também!

Ao final, Pedro Cem morre sem nada: “Ontem teve, hoje não tem”, resume
o verso final do cordel. O tema deriva de uma antiga lenda portuguesa adaptada
a diferentes registros, incluindo a literatura de cordel portuguesa e brasileira
(NOGUEIRA, 2010, p. 18-19). A respeito da adaptação de Leandro Gomes de
Barros, Carlos Nogueira (2010, p. 24) afirma:

A estrutura de cada estrofe permite criar um efeito de naturalidade


estética que transporta o leitor para o interior do texto e da história. A
articulação de unidades semânticas organizadas em seis versos origina
um circuito que se renova em andamentos cuja transparência estética
e comunicativa sugere que a palavra diz e organiza o mundo (no
princípio era o verbo). A assimilação original da lenda enquanto texto
sancionado pela escrita “Diz a história onde li/ o todo desse passado/
que Pedro Cem nunca deu/ uma esmola a um desgraçado/ não olhava
para um pobre/ nem falava com criado” (BARROS, 2004, p. 2) dá-se
nesse circuito instaurado pelos valores estético e ético da palavra.

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UNIDADE 2 | OS GÊNEROS LITERÁRIOS: DRAMÁTICO E LÍRICO

O aspecto religioso e de valoração da palavra presente na lenda e,


especialmente, no poema, constatado por Carlos Nogueira, confere ao cordel um
feitio moralizante, de modo que se configura como uma lição. Como observa ainda
Carlos Nogueira (2010, p. 27), o personagem Pedro Cem ultrapassa os folhetos de
literatura de cordel, atravessada pela “sensibilidade do catolicismo tradicional”,
e se projeta entre os cantadores, transformado em “texto oral e memorial”, como
exemplo negativo de um ser ganancioso.

FIGURA 15 - LITERATURA DE CORDEL

FONTE: João Martins de Athayde. Disponível em: <http://d


ocvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=CordelFCR
B&pasta=&pesq=a%20vida%20de%20pedro%20cem>.
Acesso em: 30 jun. 2017.

Vejamos, por fim, um exemplo de estrofes de dez versos redondilhos


maiores do mesmo cordelista brasileiro:

Se eu soubesse que esse mundo


Estava tão corrompido
Eu tinha feito uma greve
Porem não tinha nascido
Minha mãi não me dizia
A queda da monarchia
Eu nasci foi enganado
Pra viver n'este mundo
Magro, trapilho, corcundo,
Alem de tudo sellado.
Assim mesmo meu avô
Quando eu pegava a chorar,
Elle dizia não chore

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TÓPICO 3 | LITERATURA DE CORDEL

O tempo vai melhorar.


Eu de tolo acreditava
Por innocente esperava
Ainda me sentar n'um throno
Vovó para me distrahir
Dizia tempo ha de vir
Que dinheiro não tem dono.

DICAS

Barbosa oferece um acervo on-line com folhetos digitalizados de literatura de


cordel brasileira. Visite! <http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/>.

NOTA

Em 1988 foi fundada a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, sediada na


cidade do Rio de Janeiro, com a finalidade de promover o cordel. Acesse: <http://www.ablc.
com.br/>.

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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A literatura de cordel é uma manifestação de poesia popular proveniente da


Europa que remonta ao Renascimento.

• Seu nome se origina do modo como os folhetos eram expostos, pendurados em


cordas.

• Os folhetos de literatura de cordel geralmente são ilustrados com xilogravuras.

• A literatura de cordel se caracteriza por uma linguagem informal e transmite


uma opinião sobre um tema social ou cotidiano, criticando a realidade e as
condições de vida.

• A literatura de cordel consiste em poemas de extensão relativamente grande,


estruturados em diferentes modalidades de estrofes e de versos.

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